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TECTÓNICA E SISMICIDADE NA ILHA DO F AIAL EO SISMO DE 9 DE JULHO DE 1998 JOSÉ MADEIRA &ANTÓNIO BRUM DA SILVEIRA Madeira, J. & Brum da Silveira, A. (2007), Tectónica e sismicidade na ilha do Faial e o sismo de 9 de Julho de 1998. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 61-79. Sumário: Tal como as restantes ilhas dos grupos central e oriental, o Faial encontra-se sujeito a fenómenos sísmicos frequentes. Umas vezes tratam-se de abalos com origem distante, outras são sismos próximos, ocasionalmente causando destruição e vítimas. Desde a época do povoa- mento até ao início do século XX a ilha esteve preservada da destruição sísmica. Somente em 1920, 1924, 1926, 1958 e 1998 a população do Faial se viu confrontada por terramotos ou crises sísmicas com efeitos destrutivos. Contudo, a morfologia da ilha está marcada pelas cica- trizes de numerosos eventos sísmicos de magnitude moderada a alta. A leitura do registo geoló- gico, através das técnicas da neotectónica e da paleossismologia, revelou a ocorrência de eventos sísmicos concentrados no tempo, com aquelas concentrações separadas por períodos da ordem dos 500 anos. Esse intervalo de tempo é compatível com o período que decorreu entre o início do povoamento e o século passado (cerca de 470 anos), após o qual se verificou uma concentração de sismos ou enxames sísmicos num período de cerca de 80 anos. O mais recen- te destes eventos, o sismo de 9 de Julho de 1998, foi um dos mais destrutivos. Descrevem-se os seus efeitos no património construído e as alterações físicas do terreno que desencadeou. Final- mente tecem-se algumas considerações sobre o risco sísmico na ilha do Faial e no arquipélago em geral. Madeira, J. & Brum da Silveira, A. (2007), Tectonics and seismicity in the Island of Faial (Azores) and the 9 th of July 1998 earthquake. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 61-79. Summary: Like the remaining islands in the central and eastern groups of the Azores, Faial is subject to frequent earthquakes. Sometimes those are distant events without any consequences for the island; however, the island is occasionally struck by local earthquakes that, in some cases, cause destruction and casualties. Since settlement, in mid 16 th century, until the beginning of the 20 th century, Faial has been preserved from destruction by earthquakes. But in 1920, 1924, 1926, 1958 and 1998 the population of the island was confronted with destructive earthquakes and seismic swarms. However the island’s morphology is marked by the scars of numerous seismic events of moderate to high magnitude that affected its topography in pre-historic times. Reading the geologic record through the use of neotectonic and paleoseis- mology techniques revealed the occurrence of clusters of earthquakes in time. The clusters are

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TECTÓNICA E SISMICIDADE NA ILHA DO FAIAL

E O SISMO DE 9 DE JULHO DE 1998

JOSÉ MADEIRA & ANTÓNIO BRUM DA SILVEIRA

Madeira, J. & Brum da Silveira, A. (2007), Tectónica e sismicidade na ilhado Faial e o sismo de 9 de Julho de 1998. Boletim do Núcleo Cultural daHorta, 16: 61-79.

Sumário: Tal como as restantes ilhas dos grupos central e oriental, o Faial encontra-se sujeitoa fenómenos sísmicos frequentes. Umas vezes tratam-se de abalos com origem distante, outrassão sismos próximos, ocasionalmente causando destruição e vítimas. Desde a época do povoa-mento até ao início do século XX a ilha esteve preservada da destruição sísmica. Somente em1920, 1924, 1926, 1958 e 1998 a população do Faial se viu confrontada por terramotos oucrises sísmicas com efeitos destrutivos. Contudo, a morfologia da ilha está marcada pelas cica-trizes de numerosos eventos sísmicos de magnitude moderada a alta. A leitura do registo geoló-gico, através das técnicas da neotectónica e da paleossismologia, revelou a ocorrência deeventos sísmicos concentrados no tempo, com aquelas concentrações separadas por períodos daordem dos 500 anos. Esse intervalo de tempo é compatível com o período que decorreu entreo início do povoamento e o século passado (cerca de 470 anos), após o qual se verificou umaconcentração de sismos ou enxames sísmicos num período de cerca de 80 anos. O mais recen-te destes eventos, o sismo de 9 de Julho de 1998, foi um dos mais destrutivos. Descrevem-se osseus efeitos no património construído e as alterações físicas do terreno que desencadeou. Final-mente tecem-se algumas considerações sobre o risco sísmico na ilha do Faial e no arquipélagoem geral.

Madeira, J. & Brum da Silveira, A. (2007), Tectonics and seismicity in theIsland of Faial (Azores) and the 9th of July 1998 earthquake. Boletim doNúcleo Cultural da Horta, 16: 61-79.

Summary: Like the remaining islands in the central and eastern groups of the Azores, Faial issubject to frequent earthquakes. Sometimes those are distant events without any consequencesfor the island; however, the island is occasionally struck by local earthquakes that, in somecases, cause destruction and casualties. Since settlement, in mid 16th century, until thebeginning of the 20th century, Faial has been preserved from destruction by earthquakes. But in1920, 1924, 1926, 1958 and 1998 the population of the island was confronted with destructiveearthquakes and seismic swarms. However the island’s morphology is marked by the scarsof numerous seismic events of moderate to high magnitude that affected its topography inpre-historic times. Reading the geologic record through the use of neotectonic and paleoseis-mology techniques revealed the occurrence of clusters of earthquakes in time. The clusters are

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separated by periods of the order of 500 years. That time interval is comparable to the periodsince the settlement and the beginning of the last century (approximately 470 years), afterwhich a cluster of earthquakes and seismic swarms occurred in about 80 years. The most recentof those events, the earthquake of the 9th of July, 1998, was one of the most destructive.Its effects on the buildings and infrastructures and the physical modifications caused in thetopography of Faial are described. Finally, some considerations on the seismic hazard and riskin the island of Faial and the Azores archipelago are made.

José Madeira e António Brum da Silveira – Departamento de Geologia da Faculdade de Ciên-cias da Universidade de Lisboa e LATTEX – Laboratório de Tectonofísica e Tectónica Experi-mental. Edifício C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa.

Palavras-chave: Faial, Açores, neotectónica, paleossismicidade, sismicidade histórica, riscosísmico.

Key words: Faial, Azores, neotectonics, paleoseismicity, historic seismicity, seismic risk.

INTRODUÇÃO

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Pelo seu enquadramento e evoluçãogeodinâmica, condicionada pela loca-lização no contexto das placas litosfé-ricas e tipo de interacção entre placas,o arquipélago dos Açores encontra-sesujeito a sismicidade frequente e avulcanismo activo. Os eventos sísmi-cos sentem-se em todo o arquipélago,mas são mais frequentes e de magni-tude mais elevada nas ilhas dos gru-pos central e oriental.Na ilha do Faial a actividade sísmicadesde o povoamento, em meados doséculo XVI, até ao início do séculoXX foi pouco importante e esteverelacionada, fundamentalmente, comfontes sísmicas distantes. Contudo, aexpressão morfológica da actividadesismotectónica está bem patente no

relevo da ilha. Numerosas vertentesde forte declive, designadas por «es-carpas de falha», reflectem a defor-mação superficial acumulada produ-zida em falhas que geraram suces-sivos eventos sísmicos, em períodoanterior ao povoamento, com roturasuperficial e de magnitude moderadaa alta (M > 6).Apenas no século XX ocorreram sis-mos significativos na ilha do Faial.Os eventos em causa foram sismos oucrises sísmicas de natureza tectónica(sismo de 9 de Fevereiro de 1924;crise de Abril a Setembro de 1926,com o sismo principal a 31 de Agosto;sismo de 9 de Julho de 1998) e a crisesismo-vulcânica associada à erupção

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dos Capelinhos (veja-se SILVA, 2005;2007, neste volume).Neste trabalho apresentam-se e rela-cionam-se os principais aspectos da

neotectónica, da paleossismicidade eda sismicidade histórica da ilha doFaial, incluindo a descrição dos efei-tos do sismo de 1998.

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ENQUADRAMENTO TECTÓNICO DO ARQUIPÉLAGO

Os Açores localizam-se na regiãoonde ocorre a junção tripla entre trêsplacas tectónicas: as placas Ameri-cana, Eurasiática e Africana. As ilhasdo Grupo Ocidental, Flores e Corvo,foram edificadas sobre a placa Norte--Americana, a qual é limitada a Estepelo vale central (rifte) da Crista Mé-dia Atlântica. Para oriente desta fron-teira situam-se as placas da Eurásia eÁfrica, separadas pela Falha Açores--Gibraltar (veja-se também MADEIRA,2007, neste volume). As ilhas dosgrupos Central e Oriental localizam--se sobre uma faixa que correspondeao segmento açoriano daquela fron-teira de placas. Trata-se de uma estru-tura que se estende do ponto triplodos Açores, sensivelmente a meiadistância entre o Faial e as Flores, atéalgumas dezenas de quilómetros aoriente de Santa Maria. Este sector dafronteira de placas acomoda o movi-mento diferencial resultante da dife-rença das taxas de expansão crustal anorte e a sul do ponto triplo. Assim,como a taxa de expansão é um poucosuperior a norte do ponto triplo, a pla-ca Eurasiática desloca-se para Estemais rapidamente que a placa Afri-

cana. O movimento relativo é decerca de 0,3 a 0,5 cm/ano (MADEIRA,1998; MADEIRA & BRUM DA SILVEIRA,2003), os quais são acomodados novasto conjunto de falhas que recortaa Plataforma dos Açores. Como estesector da fronteira de placas é oblíquoà direcção de expansão do fundooceânico, a movimentação é tambémoblíqua, apresentando componentesde desligamento e de abertura. A esteregime tectónico dá-se o nome detranstensão.A sismicidade no arquipélago podeter origem tectónica ou vulcânica:a que se relaciona com actividadevulcânica é desencadeada pela movi-mentação dos produtos magmáticos(magma e gases) e consequente frac-turação da rocha encaixante, enquan-to que a de natureza tectónica resultada libertação súbita de tensões acumu-ladas na porção frágil da litosfera.Distinguem-se três tipos de sequên-cias sísmicas: as que resultam de acti-vidade vulcânica correspondem acrises sísmicas mais ou menos pro-longadas durante as quais é comum aocorrência de tremor vulcânico (sis-mos de longa duração e baixa fre-

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quência); as sequências de naturezatectónica que são caracterizadas porum sismo principal ao qual se segueuma sequência sísmica em frequênciae magnitudes decrescentes; e as crisesde natureza tectónica em que o sismoou sismos principais se verificamapós (por vezes muitos dias depois) oinício de um enxame sísmico.Desde o povoamento do arquipélagoocorreram cerca de trinta sismos oucrises sísmicas tectónicas ou vulcâ-nicas importantes (TABELA I). Nestalistagem constam os três tipos desequências sísmicas mencionadas.Destes, doze causaram destruiçãosignificativa e/ou provocaram víti-mas mortais: 1522 (subversão de VilaFranca, S. Miguel; ~ 5.000 mortos),1547 (Terceira; alguns mortos), 1614(Lajes, Terceira; 93 mortos); 1757(S. Jorge; 1045 mortos); 1801 (Ter-ceira; 1 morto em S. Sebastião); 1837(Guadalupe, Graciosa; 3 mortos);1852 (S. Miguel; 9 mortos); 1926

(Faial; 8 mortos); 1935 (S. Miguel;1 morto); 1980 (S. Jorge e Terceira;54 mortos); 1998 (Faial; 9 mortos).A esta lista acrescente-se o sismo daTerceira de 1841 que apenas nãocausou numerosas mortes porque osismo principal se deu no decurso deuma crise; este facto fez com que apopulação abandonasse as habitaçõesantes do sismo maior ocorrer (COSTA

JUNIOR, 1983 [1841]).Frequentemente, a destruição e o nú-mero de vítimas são consequência deefeitos secundários (como escorrega-mentos e quebradas) resultantes deespecificidades topográficas locais,ou da vulnerabilidade do edificado(parque habitacional sem resistênciasísmica e/ou fragilizado por sismosanteriores), e não da magnitude dosismo e da intensidade com que estese faz sentir. Outras circunstâncias,como a hora do dia, podem, igual-mente, ter consequências no númerode feridos e mortos.

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NEOTECTÓNICA NA ILHA DO FAIAL

Na ilha do Faial distinguem-se nume-rosas formas de relevo resultantes daactividade neotectónica. Com efeito,a rotura superficial co-sísmica ocorri-da num importante conjunto de falhasque atravessa a ilha, deslocou suces-sivamente a superfície topográfica eoriginou escarpas de falha – as «lom-bas» do Faial. As falhas apresentamduas direcções dominantes: Oés-

-noroeste – És-sueste (WNW-ESE) eNor-noroeste – Su-sueste (NNW-SSE).O primeiro conjunto, que tem expres-são topográfica mais marcada, é for-mado pelas falhas da Ribeirinha, Chãda Cruz, Lomba Grande, Ribeira doRato, Rocha Vermelha, Espalamaca,Flamengos, Lomba do Meio, Lombade Baixo, Ribeira do Adão, Ribeiradas Cabras, Ribeira Funda e Capelo.

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As falhas do lado Norte da ilha incli-nam para sul, enquanto que as dametade Sul inclinam para norte; estadisposição produz uma depressãotectónica em cujo centro se situa apovoação de Pedro Miguel – estrutu-ra designada Graben de Pedro Miguel(FIGURA 1).O outro conjunto de falhas tem ex-pressão morfológica menos marcada.Pertencem a este grupo numerosas

falhas localizadas entre a Caldeira ea Lomba de Baixo, bem como oslineamentos de Água-Cutelo, Salão eCedros.A cinemática (o tipo de movimen-tação apresentada) destes acidentestectónicos pode ser deduzida da obser-vação de estrias nos planos de falha,da geometria, em planta, de falhas es-calonadas ou a partir do modo comoas roturas superficiais afectaram a

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FIGURA 1

Esboço tectónico da ilha do Faial com identificação das principais falhas: R – Ribeirinha; CC – Chã daCruz; LG – Lomba Grande; RR – Ribeira do Rato; RV – Rocha Vermelha; E – Espalamaca; F – Flamengos;LM – Lomba do Meio; LB – Lomba de Baixo; RA – Ribeira do Adão; C – Capelo; RC – Ribeira das

Cabras; RF – Ribeira Funda; AC – lineamento de Água-Cutelo; CD – Cedros; S – Salão.

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morfologia. Assim, deduziu-se movi-mentação oblíqua, normal direita 1 nasfalhas com orientação WNW-ESE enormal esquerda nos acidentes orien-tados NNW-SSE. Nalguns casos,numa mesma zona de falha, obser-varam-se planos de movimento comestrias horizontais, com estrias oblí-quas ou com estrias dispostas segun-do a inclinação do plano. Esta situa-ção permite concluir que, no mesmoacidente tectónico, as componentesnormal e de desligamento podem serrepartidas num mesmo evento sísmicocom movimentação oblíqua por dife-rentes planos de movimento (decou-pling) ou por eventos distintos commovimentação normal ou em desli-gamento.

Todas estas estruturas tectónicas sãoconsideradas activas, tendo geradosismos no passado e apresentandocapacidade para gerar eventos seme-lhantes no futuro; dependendo daprofundidade do foco e da magnitudedo evento sísmico, assim, a rotura nafalha pode propagar-se até à superfí-cie topográfica, deformando-a. Destemodo, e tal como já foi referido ante-riormente, geram-se escarpas de falhapor acumulação de deslocamentossucessivos, geralmente na sequênciade sismos de magnitude superior a 6.Em algumas falhas do Faial acumula-ram-se cerca de 200 metros de deslo-camento vertical nos últimos 500 milanos, o que indica taxas de desliza-mento mínimas da ordem de 0,4 mm/ano.

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PALEOSSISMICIDADE

Estudos de paleossismologia 2 efec-tuados em diversas trincheiras per-

mitiram estimativas complementaresdas taxas de deslizamento 3 das falhas

1 A movimentação numa falha diz-se emdesligamento quando o deslocamento rela-tivo dos dois blocos separados pelo plano defalha é horizontal: o desligamento diz-sedireito quando, estando o observador situadonum dos blocos, o bloco do lado oposto sedesloca para a direita e esquerdo quando osentido é o contrário. A componente verticalda movimentação numa falha pode ser nor-mal, inversa ou vertical: é normal quando obloco situado sobre um plano de falha incli-nado (com inclinação diferente de 90º)desce, diz-se inversa quando esse mesmo

bloco sobe, e vertical quando o plano defalha é vertical.

2 Paleossismologia é o ramo da geologia queestuda o registo geológico de sismos antigos(pré-históricos), utilizando técnicas especí-ficas que passam normalmente pela aberturade valas ou trincheiras que cruzam o planode falha e pela datação dos depósitos deslo-cados ou formados na sequência de umsismo.

3 Taxa de deslizamento é o valor médio anualdo deslocamento numa falha expresso emcm ou mm por ano; na maioria das falhas o

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principais, bem como de períodos deretorno 4 de sismos com rotura super-ficial (MADEIRA, 1998; MADEIRA &BRUM DA SILVEIRA, 2003); estes valo-res, apresentados na TABELA II, foramobtidos com base em datações deradiocarbono efectuadas em depósitosvulcânicos, paleossolos e coluviões(MADEIRA et al., 1995; MADEIRA, 1998).O estudo das trincheiras e de cortesnaturais permitiu, também, calcular amagnitude de paleossismos, e conse-quentemente estimar o sismo máximo,para diferentes falhas da ilha do Faial(TABELA III), com base na medição dedeslocamentos superficiais produzidospor evento de rotura (valores observa-dos entre os 6 cm e 2 m) e utilizandoa correlação M = 6,69 + 0,74log(MD)entre deslocamento superficial máxi-mo (MD) e magnitude de momentosísmico (M) de WELLS & COPPER-SMITH (1994). Os valores de magni-tude de momento sísmico estimadossituam-se entre Mw = 5,8 e Mw = 7,0.A comparação entre as magnitudesestimadas com base no deslocamentopor evento sísmico com rotura super-ficial e na área de rotura (AR)([M = 4,07 + 0,98log(AR)]; WELLS &COPPERSMITH, 1994), calculada a par-tir do comprimento mínimo de rotura

superficial observado em cada falha ede uma espessura de crosta sismogé-nica de 10 km (M = 5,1 a 6,5), revelavalores mais elevados de magnitudemáxima no caso das estimativas ba-seadas no deslocamento superficialpor evento. Esta diferença pode resul-tar de um ou de ambos os seguintesfactores. Um é o desconhecimento daespessura da crosta sismogénica, queé muito variável no arquipélago (pro-vavelmente oscilando entre 14 e 7km;HIRN et al., 1980; LUÍS et al., 1998).Também o desconhecimento dos com-primentos totais de rotura nas falhasanalisadas, uma vez que a maioriatem parte da sua extensão submersaou está parcialmente coberta pordepósitos vulcânicos muito recentes,pode levar a valores de magnitudesubestimados. Por exemplo, as falhasda Espalamaca, Lomba do Meio eCapelo poderão constituir segmentosde um mesmo acidente cuja extensãototal (emersa e submersa) poderáultrapassar 35 km; deste modo, admi-tindo rotura total da falha, a magnitu-de estimada com base na extensão darotura superficial (M = 6,6) será bas-tante mais próxima dos valores esti-mados com base nos deslocamentosobservados na Falha da Espalamaca ena Falha da Lomba do Meio, M = 7,0.

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deslocamento ocorre durante um sismo,mantendo-se estática durante o intervaloentre sismos.

4 Período de retorno é o intervalo médio entresismos de uma determinada magnitude;quando este parâmetro é determinado a par-

tir de estudos de paleossismologia utilizam--se os intervalos entre sismos que produ-ziram rotura superficial, ou seja, em que afalha rompeu até à superfície topográficadeslocando-a e produzindo uma escarpa.

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Às 5h e 19m (UTC) do dia 9 de Julhode 1998, um sismo com magnitudeM = 6,1 5 atingiu a ilha do Faial. Todaa região nordeste sofreu intensa des-truição, arrasando quase totalmenteas povoações de Espalhafatos e Ri-beirinha e, em menor grau, PedroMiguel, Salão e Cedros. Flamengos eLombega, apesar de localizadas foradaquela região, sofreram, ainda assim,avultados estragos. Registaram-senove vítimas mortais (uma das quaispor ataque cardíaco) e uma centenade feridos, na grande maioria degravidade reduzida, em resultado docolapso das habitações.Um abalo premonitório, sentido pelapopulação do Faial, precedeu em 15minutos o sismo principal. O foco lo-calizou-se a cerca de 2 km de profun-didade e cerca de 10 km a nordestedo Faial (38.634 N – 28.523 W; VALES

et al., 2001; MATIAS et al., 2007).Um milhar e meio de habitações so-freu fortes danos, metade das quaissem recuperação. A destruição obser-vada sugeria magnitude superior àdeterminada e fazia temer um númerode vítimas elevado.De facto, a intensidade da destruiçãono património construído e o baixonúmero de vítimas mortais são justifi-

cadas pelas características da cons-trução tradicional, dominante nas fre-guesias atingidas. A maior parte dascasas atingidas apresentava tipologiaidêntica: um ou dois pisos (loja e pisode habitação), paredes exteriores deduas folhas, em pedra não talhada,seca ou com argamassa de barro, e di-vididas internamente por tabiques demadeira. A resistência sísmica redu-zidíssima deste tipo de construçãojustifica a forte destruição registada.Todos os edifícios de construção re-cente saíram incólumes do evento,mesmo em zonas de destruição gene-ralizada. Aqui e ali, casas recentesintactas destacavam-se de uma paisa-gem de ruínas totais ou parciais.O reduzido número de vítimas mor-tais, dado o grau de destruição e ahora do abalo, deveu-se ao facto doshabitantes não terem conseguido sairpara a rua durante o sismo. Os tabi-ques de madeira, flexíveis, e os mó-veis altos (roupeiros e cabeceirasdas camas) suportaram os telhados eimpediram que as paredes exterioresruíssem para dentro das casas. Estascircunstâncias permitiram a criaçãode vãos que protegeram os habitantes.Pelo contrário, as viaturas estaciona-das à beira das casas ficaram frequen-

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O SISMO DE 1998 E OS SEUS EFEITOS NA ILHA DO FAIAL

9 Magnitude de momento (Mw) = 6,1; magni-tude local ou magnitude de Richter (ML) e

magnitude de ondas de corpo (mb) = 5,8.

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temente esmagadas pelo colapso dasparedes para o exterior.As igrejas, maioritariamente antigas,apresentavam características similares;sofreram, por isso danos equivalentes.A igreja do Salão foi completamentearrasada (FIGURA 2). As que não ruí-ram totalmente apresentavam-se pra-ticamente irrecuperáveis ou de recupe-ração complexa. Ficaram neste estadoas igrejas da Ribeirinha, Pedro Miguel,Flamengos e Angústias (esta menosafectada). Outras, de construção maisrecente (década de 50 ou 60), comoas dos Cedros e da Ribeira Funda,sofreram estragos menos intensos.

A edificação mais próxima do epicen-tro, o farol da Ribeirinha, ficou inten-samente danificada (FIGURA 3). Apesarde muito robusta, esta construção da-tada do período de 1935-40, não apre-sentava ainda estrutura anti-sísmica.As grossas paredes exteriores, com50 cm de espessura e construídas empedra aparelhada com argamassa decal, tombaram para fora e a torre dofarol sofreu fracturação a cerca demeia altura ao longo da qual sofreuuma rotação de 15 a 20 cm no sentidodirecto.Pequenas construções recentes, comotorres dos postos transformadores e

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FIGURA 2

Destruição total da igreja do Salão durante o sismo de 1998.

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abrigos das paragens de autocarros,em betão armado, não apresentavamem geral quaisquer estragos.As pontes foram infra-estruturas quetambém sofreram danos avultados.Construídas no século XIX, apre-sentavam estrutura suportada por umarco de pedra e ligação às margenspor aterro suportado por paredes depedra solta. Apesar dos arcos terem

suportado a vibração sísmica, osmuros de suporte desmoronaram pro-vocando o colapso do piso. A loca-lidade de Espalhafatos ficou quaseisolada devido à queda parcial dasduas pontes da estrada regional loca-lizadas nos limites oriental e ociden-tal da povoação.Escorregamentos, queda de muros desuporte, assentamento de aterros,

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FIGURA 3

Danos causados no Farol da Ribeirinha pelo sismo de 9 de Julho de 1998.

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queda de blocos das barreiras nos tro-ços em desaterro e colapso de casasafectaram a circulação na maioria dasestradas da região. Contudo, apenasos escorregamentos causaram prejuí-zos significativos.As alterações físicas do terreno porefeito do sismo resultaram de fractu-ração tectónica e escorregamentos.Fendas no solo, apresentando compri-mentos variáveis que podiam atingiruma dezena de metros, foram o prin-cipal resultado da deformação tectó-nica superficial ao longo das falhasda região nordeste da ilha.A análise geométrica das fendas reve-lou o predomínio das direcções tectó-nicas conhecidas correspondentesàs duas famílias de falhas principais(WNW-ESE e NNW-SSE). Observa-ram-se fracturas com abertura (exten-são), com separação em direcção(desligamento direito ou esquerdo),em inclinação (predominantementedo tipo normal), ou um misto destascomponentes (separações oblíquas)(MADEIRA et al., 1998a, b). A cinemá-tica deduzida da geometria das fendasmostrou-se compatível com a movi-mentação nas famílias de falhas comorientação equivalente: normal direi-ta nas fracturas orientadas a WNW--ESE e normal esquerda nas fracturascom direcção NNW-SSE. Onde a di-recção das fracturas restringia o desli-zamento formaram-se sectores eleva-dos em compressão (push-ups), onde

as curvaturas das fracturas eram favo-ráveis registaram-se pequenas depres-sões tectónicas do tipo pull-appart.Observaram-se estes aspectos de de-formação nos blocos elevados dasfalhas da Ribeirinha (em particularno asfalto da estrada do farol), Chã daCruz e Lomba Grande. Um pasto jun-to à escarpa da Chã da Cruz apresen-tava fendas com critérios indubitáveisde desligamento direito (FIGURA 4)e escarpas centimétricas com abati-mento para sul. Situação similar foiencontrada no Cabouco Velho: ondea estrada cruza a falha da LombaGrande, o asfalto apresentava umressalto de dez a vinte centímetrosprecisamente sobre o traço da falha.A ocorrência de ambas as direcçõestectónicas na fracturação do solo pro-duzida pelo sismo não permitiu con-cluir sobre qual dos sistemas tectó-nico gerou o evento principal.O abalo desencadeou deslizamentosem arribas litorais, nas paredes inter-nas da caldeira, em escarpas de falhae na vertente noroeste do Vulcão daCaldeira, sobranceira à Ribeira Funda.Nas arribas entre a Ponta do Salão e afoz da Ribeira Seca (Pedro Miguel)ocorreram movimentos de massageneralizados, do tipo queda de solo ede fragmentos rochosos, que causa-ram a remoção de toda a sua cober-tura vegetal. No entanto, os volumesmobilizados foram reduzidos confor-me foi possível verificar pela dimen-

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são das acumulações na base das arri-bas. Para sul da foz da ribeira Secaaté à Ponta da Espalamaca, na costaleste, e da Ponta do Salão até à praiada Fajã, na costa norte, a queda dematerial das arribas foi descontínuaenvolvendo volumes mais reduzidos.No interior da Caldeira deram-se des-prendimentos do mesmo tipo nas pa-redes norte e oeste e em torno dodoma traquítico do Altar.Nas escarpas de falha houve queda defragmentos rochosos e deslizamentosem prancha e em concha. Exemplosde deslizamentos em concha ocorre-ram nas escarpas das falhas da Ribei-rinha, da Chã da Cruz e da Lomba

Grande. Na escarpa da Ribeirinha, osescorregamentos cortaram ambos osacessos da povoação para o farol, quepassou a ser possível apenas a partirde Espalhafatos. A vertente da LombaGrande apresentava um grande desli-zamento em prancha, com cerca de50 m de largura; os materiais mobili-zados fluíram pelos pastos da base daescarpa avançando 50 a 60 m.Na vertente noroeste do vulcão cen-tral ocorreram numerosos pequenosescorregamentos e um de volume bas-tante significativo. Tratou-se de umaavalancha de detritos (debris avalan-che) que se desenvolveu a partir deuma zona de cabeceira com 200 m

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FIGURA 4

Fendas com componente de desligamento direito no bloco elevado da Falha da Chã da Cruz.

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de largura junto ao bordo da Caldeira.Os produtos mobilizados, cinzas epedra-pomes de uma erupção datadade há 1200 anos (MADEIRA et al.,1995), deslocaram-se pelo vale daribeira do Risco em direcção à povoa-ção da Ribeira Funda. Devido a umaprimavera particularmente seca os ma-teriais envolvidos continham muitopouca água. Se se encontrasse satura-da, como é costume, a mobilidade damassa escorregada teria sido bastantesuperior. As matas de Criptomeriaexistentes no vale da ribeira tambémcontribuíram para lhe reduzir a mobi-lidade e acabaram por constituir umabarreira que parou o movimento a

cerca 1400 metros de distância dazona de cabeceira e 320 metros maisabaixo, ao longo de um declive médiode 15º. Sem a conjugação destas duascircunstâncias o fluxo de detritosteria certamente atingido a povoaçãoda Ribeira Funda. A área afectadapelo escorregamento foi de cerca de18 ha (177.000 m2) e o material en-volvido apresentou um volume de600.000 m3 (MADEIRA et al., 1998a,b). A análise de fotografia aérea reve-lou, na mesma região, evidências daocorrência, no passado, de eventos domesmo tipo abrangendo volumes eáreas superiores aos que se estimaramnos eventos de 1998.

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CONCLUSÕES

Pelos seus efeitos, os sismos de 1926e 1998 devem ter sido eventos demagnitude similar. Cerca de 70 anosseparam estes dois sismos, que cons-tituem os dois principais eventos deorigem próxima que afectaram o Faialdesde o povoamento. Antes delestinham decorrido quase 500 anos semqualquer sismo local de dimensãosignificativa. Os estudos de paleossis-mologia desenvolvidos na ilha reve-laram a existência de paleossismosagrupados em períodos de tempo cur-tos; os grupos de sismos encontram--se separados por intervalos da ordemdos 500 anos. Deste modo, a distri-buição temporal da sismicidade his-

tórica na ilha do Faial enquadra-se naque foi determinada no registo pré--povoamento através dos estudos depaleossismologia. Este facto sugereum padrão de agrupamento de sismose períodos de retorno entre grupos desismos da ordem dos cinco séculos.A magnitude dos sismos mais signifi-cativos que poderão afectar a ilhado Faial oscila entre a dos eventosmencionados (M ~ 6; 1926 e 1998) e ados maiores terramotos registadosno arquipélago (M ~ 7; 1757 e 1980).Magnitudes neste intervalo foramestimadas pelos estudos de paleossis-mologia.

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Verifica-se, por outro lado, que gran-de parte da destruição registada emsismos de magnitude intermédia comoo de 1998 se deve à má qualidade daconstrução tradicional, sem qualquercapacidade de resistência às solici-tações sísmicas. Este panorama temvindo a mudar lentamente com a edi-ficação de novas habitações obede-cendo às modernas normas de cons-trução anti-sísmica e com a reedifi-cação de construções destruídas ouafectadas por sismos ou crises sísmi-cas (1958; 1980; 1998). À medida queisto for sucedendo, embora a perigo-sidade se mantenha, o risco sísmicoirá progressivamente diminuindo.Uma outra causa do aumento do nú-mero de vítimas mortais em muitoseventos é a ocorrência de movi-mentos de massa (como sucedeu em1522, 1757 e 1980); o risco associadoa estes fenómenos, difícil de evitar emmuitos locais do arquipélago, poderá

ser reduzido através de adequadoplaneamento da ocupação do territó-rio. Verificaram-se medidas corajosasnesse sentido na sequência do sismode 1998, ao obrigar a afastar da escarpada Ribeirinha muitas das casas recons-truídas. O mesmo não se passou naRibeira Quente em S. Miguel, onde orisco de perda de vidas por efeito demovimentos de massa (desencadea-dos por condições meteorológicasadversas, sismos ou erupções) é mui-to elevado; contudo, após o desastrede 1997, em que pereceram 29 habi-tantes naquela localidade, a reocupa-ção do local não foi desincentivada.A recuperação e construção de novasinfra-estruturas, efectuadas naquelapovoação após os eventos de 97, aomelhorar as condições de vida dapopulação, levarão a um crescimentodo número de habitantes, aumentando,consequentemente, o risco de perdasde vida.

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TABELA I

PRINCIPAIS SISMOS NOS AÇORES

DataLocalização Int. Max.

Magn. Efeitos(MMI) (M)

22 Out 1522 S. Miguel X — Destruição de Vila Franca do Campo; derrocada de edi-fícios em toda a ilha; desprendimentos de terras nametade oriental; > 5.000 mortos.

17 Mai 1547 Terceira — — Algumas mortes.

Jun-Jul 1571 Terceira VI/VII — Algumas casas derrubadas, quebradas nas arribas lito-rais; sentido em S. Miguel e no grupo central (Graciosae S. Jorge?); sentido num navio entre S. Miguel eTerceira.

26 Jun 1591 S. Miguel — — Grandes destruições em Vila Franca.

24 Mai 1614 Terceira X/XI-VIII > 6,3 Rotura superficial > 8 km na Falha das Lajes; destruiçãototal das Lajes, forte destruição em todo o NE da Ter-ceira. Sismicidade diferida com sismo premonitório naFalha das Fontinhas em 9 de Abril. Abalos sentidos atéNovembro. Sismo principal sentido em todas as ilhas.93 mortos (alguns autores mencionam mais de 200).

9 Jun 1647 Terceira V/VI — Estragos em muitas casas de Angra. Crise iniciada a12 de Janeiro, prolongando-se até Julho. Alguns abalossentidos no Faial.

8 Dez 1713 S. Miguel VI/VII — Crise sísmica; destruição forte em Várzea e Ginetes;quebradas nas arribas.

13 Jun 1730 Graciosa IX/X — Grande destruição na Luz e Praia.

9 Jul 1757 S. Jorge X/XI 6,9 Destruição total na metade oriental de S. Jorge; grandes7,1 quebradas nas arribas. Grandes estragos em Angra. No ou Pico: 11 mortos, queda da igreja da Piedade, estragos7,4 elevados na Ponta da Ilha. Tsunami registado na Terceira

e Graciosa. 1045 mortos (1/3 da população da metadeleste da ilha).

Dez 1759 Faial VI — População abandona casas e acampa; igrejas ameaçama Mai 1760 ruína. Eventual crise vulcânica ou erupção submarina.

Jul 1793 Flores — — Grande desprendimento de terras desencadeado porsismo.

Jun 1800a Jan 1801 Terceira — - Crise sísmica de provável origem vulcânica (erupção de

1800); causou 1 morto em S. Sebastião.

21 Jan 1837 Graciosa VIII/IX — Destruição muito forte localizada na região central(Guadalupe); rotura provável na Falha da Serra dasFontes. 3 mortos.

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15 Jun 1841 Terceira X/XI-IX — Rotura superficial > 1 km na Falha da Cruz do Marco;Ruína total nas Fontinhas; 75% das construções destruí-das ou gravemente afectadas no concelho da Praia;5.500 desalojados.

30 Out a8 Nov 1848 S. Miguel VI/VII — Forte destruição na região da Várzea, Candelária, Ginetes

e Feteiras.

16 Abr 1852 S. Miguel VII/VIII — Grandes estragos com colapso de edifícios em toda ametade oeste de S. Miguel; quebradas na costa norte.Sentido em S. Jorge e na Terceira com Intensidade VI.Sentido em dois navios entre S. Miguel e Terceira. 9mortos.

21 Set a10 Dez 1862 Faial V/VI — Habitantes abandonam casas e acampam; abalos prin-

cipais sentidos no Pico.

16 Mar 1920 Faial V — Derrocada de muros; alguns estragos em edifícios.

9 Fev 1924 Faial V/VI — Estragos nas igrejas da Conceição (Horta) e Flamengos;sismicidade associada à Falha dos Flamengos (?).

31 Ago 1926 Faial VIII/IX-X — Crise sísmica de Abril a Setembro; casas derrubadas noFarrobo, Ribeirinha e estragos na Horta em 5 de Abril;4.138 casas destruídas ou inabitáveis na Horta em 31 deAgosto e 8 mortos.

5 Ago 1932 S. Miguel VIII — Vários feridos e grande destruição na Povoação.

26 Abr 1935 S. Miguel VIII — 1 morto e grande destruição na Povoação.

8 Mai 1939 Santa Maria VII 7

26 Jun 1952 S. Miguel VIII Grande destruição na área da Ribeira Quente.

Mai 1958 Faial IX/X — Grande destruição na Praia do Norte; crise relacionadacom a erupção dos Capelinhos.

Fev 1964 S. Jorge VIII — Grande destruição na região dos Rosais.

23 Nov 1973 Pico VIII — Grande destruição na região de Santo António.

1 Jan 1980 No mar entre VIII 7,2 54 mortos em S. Jorge e Terceira; grande destruição emS. Jorge, S. Jorge, Terceira e Graciosa.Terceira

e Graciosa

9 Jul 1998 Faial VIII 6,1 9 mortos; grande destruição no Faial e Pico.

Modificado de compilações por MOREIRA (1985; 1991), NUNES et al. (1986), NUNES (1991), NUNES et al.(1992), MADEIRA (1998), COUTINHO (2000), SILVEIRA (2002), SILVA (2005) e bibliografia nelas contida.

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TABELA II

TAXAS DE DESLIZAMENTO E PERÍODOS DE RETORNO ESTIMADOS

PARA FALHAS DO FAIAL

FalhaTaxas de deslizamento (cm/ano) Período de

componente normal comp. desligamento total retorno

Ribeirinha 0,02 ou 0,16-0,0 0,01 ou 0,11-0,20 0,03 ou 0,20-0,36Lomba Grande 0,37-0,50Rocha Vermelha 0,21-0,38; 0,05-0,23Espalamaca 0,20-0,36Flamengos 0,16-0,29Lomba do Meio 0,60-0,33; 0,4 ~ 500 anosLomba de Baixo 0,5-0,2 ~ 500 anosCapelo 0,05

Modificado de MADEIRA (1998) e MADEIRA & BRUM DA SILVEIRA (2003).

TABELA III

MAGNITUDE E IDADES DE PALEOSSISMOS EM FALHA DA ILHA DO FAIAL

(BASEADAS NO DESLOCAMENTO POR EVENTO)

Falha/evento sísmicoIdade do paleossismo Deslocamento Magnitude(em anos BP ou data AD) observado (m) M (± 0,4)

Lomba Grande pós 840 cal AD 1,00 a 1,75 6,7 a 6,9Lomba Grande pré 1450 1 a 2 6,7 a 7,0Espalamaca (sismo 1) posterior a ~ 6500 ou 4000 BP 0,73 6,6Espalamaca (sismo 2) posterior a ~ 6500 ou 4000 BP 1,65 a 2,11 6,9 a 7,0Lomba do Meio (sismo 1) entre 1660 ± 60 e 1500 ± 50 BP 0,65 (0,50 + 0,15) 6,5Lomba do Meio (sismo 2) entre 1040 ± 50 BP e 460 ± 90 BP 0,95 (0,80 + 0,15) 6,7Lomba do Meio (sismo 3) entre 1040 ± 50 BP e 460 ± 90 BP 1,35 a > 2,00 6,8 a 7,0Lomba do Meio (sismo 4) entre 1040 ± 50 BP e 460 ± 90 BP ~ 0,60 6,5Lomba do Meio (sismo 5) 460 90 BP > 0,60 > 6,5Lomba do Meio (sismo 6) pré 1450 ~ 0,61 (0,11 + 0,50) > 6,5Lomba do Meio (sismo 7) 1958 ~ 0,15 ~ 5,9F. Esquerda da Lomba do Meio < 1000 BP 6,1 ? 7,3 ?Lomba de Baixo (F1) (sismo 1) entre 1660 ou 1500 e 1040 ± 60 BP 0,10 6,0Lomba de Baixo (F1) (sismo 2) entre 1040 ± 60 BP e 1437 cal AD? 0,09 5,9Lomba de Baixo (F1) (sismo 3) Posterior a 1437 cal AD? 0,17 6,1Lomba de Baixo (F2) (sismo 1) 0,10 6,0Lomba de Baixo (F2) (sismo 2) 0,06 5,8Lomba de Baixo (F2) (sismo 3) 0,09 5,9

Modificado de MADEIRA (1998) e MADEIRA & BRUM DA SILVEIRA (2003).

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