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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING ESPM/RJ MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DA ECONOMIA CRIATIVA JOAO MARCOS ABREU DOS SANTOS INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, MACHINE LEARNING E ALGORITMOS: como estas tecnologias estão moldando o novo mercado da música Rio de Janeiro 2019

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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – ESPM/RJ

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DA ECONOMIA CRIATIVA

JOAO MARCOS ABREU DOS SANTOS

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, MACHINE LEARNING E ALGORITMOS:

como estas tecnologias estão moldando o novo mercado da música

Rio de Janeiro

2019

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JOAO MARCOS ABREU DOS SANTOS

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, MACHINE LEARNING E ALGORITMOS:

como estas tecnologias estão moldando o novo mercado da música

Dissertação apresentada como requisito para

obtenção de título de Mestre em Gestão da

Economia Criativa pela Escola Superior de

Propaganda e Marketing – ESPM.

Orientador: Dr. Paulo Reis.

Rio de Janeiro

2019

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JOAO MARCOS ABREU DOS SANTOS

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, MACHINE LEARNING E ALGORITMOS:

como estas tecnologias estão moldando o novo mercado da música

Dissertação apresentada como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Gestão da

Economia Criativa pela Escola Superior de

Propaganda e Marketing – ESPM.

Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2019.

__________________________________________

Prof. Paulo Reis – Escola Superior de Propaganda e Marketing

Orientador (a)

__________________________________________

Prof. Valdir Soares – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Avaliador 1

__________________________________________

Prof. João Figueiredo – Escola Superior de Propaganda e Marketing

Avaliador 2

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AGRADECIMENTOS

A minha família que segurou a barra enquanto eu me ocupava nos finais de semana com

a pesquisa.

Ao Professor Paulo Reis que foi o meu orientador durante esta jornada. Agradeço

também ao Professor Valdir Soares que gentilmente aceitou participar da minha banca e

participou com sugestões importantíssimas. Meu muito obrigado, também, ao Professor Joao

Figueiredo, que além de fazer parte da banca também se tornou uma referência para mim no

meio Acadêmico.

Sou grato a todo o corpo docente da ESPM, especialmente do Mestrado Profissional em

Gestão da Economia Criativa, mas especialmente ao Professor Eugênio Giglio, que me

incentivou a fazer este Mestrado.

A toda turma que compartilhou comigo momentos de muito aprendizado, e onde fiz

grande amigos.

Meu eterno agradecimento às pessoas que colaboraram com a pesquisa, incluindo-se aí

os meus principais entrevistados: o compositor Celso Fonseca, autor de grandes sucessos da

MPB e entusiasta das tecnologias e do futuro da música e da profissão de compositor, Elisa

Eisenlohr, Gerente de Comunicação da União Brasileira dos Compositores, Professor Giordano

Cabral que é pesquisador na área de música e Inteligência Artificial e que colaborou ativamente

com o Projeto Flow Machines da Sony, Karina Spinoza, administradora do espólio da Família

Sabotage, Luiz Garcia, Head of C&C and USM Marketing Manager na Universal, Ricardo

Almeida, CFO da Universal, Fernando Magalhães, guitarrista do Barão Vermelho. Agradeço

também aos meus amigos músicos de Teresópolis com quem dividi minhas descobertas e meus

anseios sobre o futuro da música.

Enfim, agradeço a todas as pessoas que tiveram paciência para ouvirem minhas

descobertas nas rodas de conversa na ESPM, no trabalho, no clube etc.

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RESUMO

Esta dissertação discorre sobre os impactos da tecnologia no mercado da música, com ênfase

na influência da Inteligência Artificial, Algoritmos e Aprendizado de Máquina, e como estas

tecnologias estão moldando o futuro da música e desenvolvendo novos hits. As seções estão

divididas em blocos que contemplam história sobre a busca pelas canções de sucesso, música e

cognição e a aplicação de algoritmos e Inteligência Artificial nos dados de comportamento das

pessoas para melhor previsão sobre músicas que podem vir a ser um sucesso. No que tange à

aplicabilidade, este estudo contribui para uma análise sobre quais caminhos a indústria deverá

seguir, quais ferramentas terão importância neste novo cenário e quais as consequências entre

a eterna luta da arte com o mercado. Trata-se, portanto, de um documento para profissionais,

músicos, compositores, produtores e todos os stakeholdes envolvidos na cadeia da música e que

fazem desta arte seu sustento.

Palavras-chave: Música. Algoritmos. Inteligência Artificial. Compositor.

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ABSTRACT

This research project explores the impacts of technology on music market, with an emphasis

on the influence of Artificial Intelligence, Algorithms and Machine Learning, and how these

technologies are shaping the future of music and developing new hits. The chapters are divided

into blocks that include story about the quest for success songs, music and cognition and the

use of algorithms and Artificial Intelligence in people's behavior data of music for greater

accuracy to lunch a potential hit. As far as applicability is concerned, this study contributes to

an analysis of which paths the industry will follow, which tools will have importance in this

new scenario, and the consequences of the eternal struggle between art and market. It is

therefore a document for professionals, musicians, composers, producers and all stakeholders

involved in the music chain and who make this activity their livelihood.

Keywords: Music. Algorithms. Artificial Intelligence. Composer.

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LISTA DE SIGLAS

ABRAC Associação Brasileira de Autores, Compositores, Intérpretes e Músicos

ABRAMUS Associação Brasileira de Música e Artes

AMAR Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes

ASSIM Associação de Intérpretes e Músicos

SADEMBRA Sociedade Administradora de Direitos de Execução Musical do Brasil

SBACEM Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música

SICAM Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais

SOCINPRO Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais

UBC União Brasileira de Compositores

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11

1.1 Delimitação do tema de pesquisa ............................................................................ 13

1.2 Problema de pesquisa ............................................................................................... 13

1.3 Justificativa ............................................................................................................... 14

1.4 Objetivos .................................................................................................................... 20

1.4.1 GERAL .................................................................................................................... 20

1.4.2 ESPECÍFICOS ........................................................................................................ 20

1.5 Desdobramentos práticos e materialidades ............................................................ 20

1.6 Metodologia ............................................................................................................... 21

2 REFERENCIAL TEÓRICO ...................................................................................... 21

2.1 Inteligência Artifical e design .................................................................................. 27

2.2 Música, computação e machine learning ................................................................ 29

2.3 Mudança de paradigma ........................................................................................... 32

2.3.1 O CASE NEURAL .................................................................................................. 32

2.3.2 A MÚSICA CADA VEZ MAIS SIMPLES ............................................................ 32

2.3.3 HARDWARES INTELIGENTES ............................................................................. 32

2.4 A digitalização do espetáculo ................................................................................... 37

2.5 A cidade dos hits ....................................................................................................... 38

2.5.1 O FIM DO CONCEITO DE ÁLBUM .................................................................... 32

2.5.2 A QUANTIDADE ÀS CUSTAS DA QUALIDADE ............................................. 32

2.5.3 SAMPLES E COLAGENS....................................................................................... 32

2.6 A quem pertencem os dados? .................................................................................. 47

2.6.1 PARA ONDE VÃO OS ROYALTIES? ................................................................... 32

2.7 Tocando no cérebro .................................................................................................. 49

3 RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO .......................................................... 57

3.1 Delimitação do tema e objetivos específicos da pesquisa de campo ..................... 47

3.2 Estruturação da pesquisa ......................................................................................... 47

3.3 Aplicação da pesquisa .............................................................................................. 47

3.4 Questionário .............................................................................................................. 47

3.5 Construção de personas ........................................................................................... 47

3.6 Estruturação de cenários ......................................................................................... 47

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3.7 Questionários aplicados ........................................................................................... 47

4 RECOMENDAÇÕES .................................................................................................. 74

5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 74

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 76

ANEXO A – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS ............................................ 86

ANEXO B – OUVINTE/CONSUMIDOR DE MÚSICA ........................................ 86

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –

TCLE BASEADO NAS DIRETRIZES CONTIDAS NA RESOLUÇÃO CNS Nº

466/2012 ....................................................................................................................... 86

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1 INTRODUÇÃO

Coisas que a Inteligência Artificial será capaz de fazer e quando:

2020: Competir no circuito mundial de poker

Escrever um trabalho no ensino-médio

2027: Criar um som pop que figure na lista dos 40 mais

2028: Produzir um vídeo criativo

2049: Escrever um bestseller do NY Times 2059: Fazer pesquisa matemática

(World Mobile Congress #MWC18).

A música talvez seja o produto artístico que mais sofreu impacto com as novas tecnologias

e também é uma das mais suscetíveis a análises de big data e algoritmos. Desde meados dos anos

1990, quando a internet se popularizou, e o Napster1 surgiu como distribuidor de músicas em

formato MP3 gratuitas, até o momento; foram muitos os avanços e transformações.

A internet democratizou o acesso à música de forma instantânea, eliminando várias

barreiras dos canais de distribuição. Novos modelos comerciais foram criados e atualmente tem

prevalecido a distribuição por assinaturas, através da tecnologia de streaming, onde o usuário não

é proprietário dos fonogramas, mas paga uma taxa mensal para poder acessar milhões de canções

de artistas do mundo todo.

As tecnologias também desenvolveram softwares que são capazes de auxiliar no processo

de composição, tornando a criação e a gravação mais acessível a músicos profissionais e não

profissionais.

O resultado disso é uma enxurrada de novos lançamentos independentes, ou através de uma

gravadora, que são disponibilizados diariamente em plataformas como o Spotify. Deezer, Apple

Music, Youtube Music etc. Toda essa transformação da indústria da música impactou diretamente

as margens das grandes gravadoras (KNOPER, 2017), em consequência da enorme redução na

cadeia de produção e distribuição, onde as receitas mais robustas com ganhos nos processos de

gravação, duplicação e distribuição de CDs foram encolhidas.

Com margens extremamente reduzidas, as gravadoras viram-se na obrigação de buscar

novos modelos de negócios para se adaptar às mudanças. Mas ao mesmo tempo, o mercado

testemunhou o surgimento de players com DNA tecnológico, capazes de influenciar a cadeia

1 O Napster foi um dos primeiros serviços de compartilhamento de música peer-to-peer em formato MP3.

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produtiva da música de forma contundente e a ameaçar o império dominado globalmente pelas

chamadas Majors, que são os grandes conglomerados do mercado da música como a Universal

Music, a Sony Music e a Warner Music (VOOGT, 2014).

O Spotify, por exemplo, passou a negociar alguns contratos diretamente com artistas

consagrados, além de ter sua plataforma aberta para que novos postulantes ao estrelado musical

simplesmente disponibilizem suas obras. Não existe mais filtro musical para escolher quem será

lançado ou não. Todos têm oportunidade. Entretanto, na enxurrada de novos lançamentos, destacar-

se na multidão de fonogramas é tarefa difícil e a sorte está do lado daqueles que são favorecidos

involuntariamente ou propositadamente pelos algoritmos de recomendação. A música, que já era

protagonista em nossas vidas, agora é quase onipresente em nossos telefones celulares e fones de

ouvidos, no ônibus, nos trens, nos aviões, e até em salas de aula.

É nesse contexto, de profundas transformações, que esta dissertação lança um olhar crítico

sobre o futuro da música como arte e como negócio. Especialmente no que se refere à questão da

composição de canções. A simplificação do processo de criação com a ajuda de softwares de

Inteligência Artificial, juntamente com acúmulo de dados sobre hábitos de comportamento aliada

à facilidade em se disponibilizar uma obra comercialmente, tem estimulado muitos compositores

profissionais e não profissionais a apresentarem suas criações na expectativa de alcançar algum

sucesso comercial em meio a um oceano de metadados (METADADOS, 2018).

A grande massa de informações sobre os consumidores, coletados pelos gigantes da

tecnologia, em especial os da música, e a aplicação de técnicas de machine learning, têm

possibilitado uma maior compreensão sobre o comportamento do ouvinte de música e um melhor

direcionamento sobre quais modelos são mais suscetíveis ao sucesso. A Inteligência Artificial

trabalha a favor destes players, seja para impulsionar hits, trilhas de jogos, trilhas de filmes e jingles

para comerciais. Todo esse aparato trabalhando em prol da maior lucratividade.

O modelo fragmentado dos players de streaming, que atuam com estratégias conhecidas

como Freemium, e que disponibilizam catálogo quase infinito, enfrentam muitas dificuldades para

atingir lucratividade, já que a grande maioria dos usuários preferem a versão gratuita dos

aplicativos, porque desde o surgimento do Napster, o usuário se acostumou com a música gratuita

como padrão. Mesmo valendo bilhões de dólares, essas empresas ainda não fecham o balanço no

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azul e todos os esforços são concentrados em mudar esse jogo, mesmo que isso signifique colocar

o computador para compor e selecionar artistas.

Esta pesquisa pretende explorar como a Inteligência Artificial pode ser uma aliada desses

players, na medida em que é possível que o computador componha canções compatíveis com os

humanos. Além disso, o estudo também investiga como nosso cérebro interage com a música e se

a analogia dos algoritmos com nosso cérebro será eficiente para que a Inteligência Artificial e os

algoritmos possam colaborar com compositores, produtores, empresários, publicitários etc., e até

que ponto ela poderá substituir a criatividade humana na produção de novas obras, e mudar

completamente o eixo da indústria da música (MÚSICA&MERCADO, 2017).

1.1 Delimitação do tema de pesquisa

Este estudo está relacionado com a linha de pesquisa do Mestrado Profissional em Gestão

da Economia Criativa, porque aborda questões inerentes às mudanças no mercado da música,

especialmente no que tange ao processo de composições e de distribuição.

O tema principal desta dissertação é analisar o impacto que a Inteligência Artificial pode

causar no mercado de composições de obras musicais e as consequências na cadeia de valor da

indústria da música. Atualmente, já existem várias iniciativas bastante avançadas que investem

pesado em sistemas de composição de músicas, através de técnicas de machine learning, onde a

máquina aprende a compor músicas em determinados estilos.

Para lançar uma luz no que pode vir a ser o futuro das composições da música, é importante

ter como pano de fundo as mudanças que vêm acontecendo no mercado fonográfico. Porém o

recorte será o mercado de composição, ou seja, o que pode acontecer com esse mercado nos

próximos anos com a evolução cada vez mais acelerada das tecnologias de automação.

1.2 Problema de pesquisa

A principal pergunta a ser respondida com este estudo refere-se ao que poderá acontecer

com a composição pela perspectiva de seus principais agentes, ou seja, compositores, músicos,

gravadora, Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) e distribuidores de royalties;

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se algum dia a máquina for capaz de substituir compositores, produtores, no que se refere ao

pensamento criativo e estratégico.

Por tratar-se de um assunto de interesse da indústria da música como um todo, os resultados

poderão ser compartilhados trazendo insights para estes agentes que terão que se adaptar às novas

dinâmicas do mercado fonográfico.

Se a automação diminuiu drasticamente o número de posições na classe trabalhadora fabril

na época da Revolução Industrial (FLORIDA, 2007), a Inteligência Artificial fará o mesmo com a

classe criativa da música? Até que ponto estaremos discutindo a qualidade das músicas artificiais

enquanto continuamos consumindo música?

Músicas compostas por Inteligência Artificial não precisam ser melhores que músicas

criadas por compositores como Djavan, Chico Buarque ou Sorocaba2. O conceito de música de

qualidade é muito subjetivo e não existe consenso sobre quão ‘boa’ uma música pode ser.” A

qualidade de uma música, ou a sua capacidade de encantar pessoas, não é algo mensurável ou

sujeito a definições e classificações. Por mais avançada que seja uma solução de Inteligência

Artificial, não há como garantir que a criação será boa, simplesmente porque “música boa” é algo

extremamente relativo.

No mundo de hoje, em que percebemos o crescimento da possibilidade da máquina compor,

produzir, editar, lançar e distribuir, que derrubaria aquela última fronteira entre o homem e a

máquina, que é a capacidade emocional, a capacidade criativa, que tipo de efeito isso trará para o

setor empregador de música?

1.3 Justificativas

A arrecadação e distribuição de direitos autorais é bastante relevante e alcançou

aproximadamente 1,2 bilhões em faturamento no ano de 2017 (ECAD apud UBC, 2018a), o que

absolutamente representa uma fonte de renda para quem vive de compor músicas no Brasil. Nos

últimos anos, a arrecadação e distribuição de royalties vem crescendo substancialmente, conforme

mostra o quadro:

2 Cantor e compositor, sendo um dos que mais arrecadam royalties no Brasil

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Quadro 1 – Arrecadação e distribuição ECAD

Fonte: ECAD. (Disponível em: <www.ecad.org.br>.).

Até o fechamento desta dissertação, os números referentes a 2018 ainda não haviam sido

consolidados no site do ECAD. Entretanto, segundo a União Brasileira de Compositores (UBC,

2018a), o recolhimento de direitos autorais avançou 29,9% no Brasil em 2018, graças ao uso de

repertório em produtos audiovisuais, como novelas, filmes, séries, que inclusive ajudam a

popularizar alguns hits (DIÁRIO DO NORDESTE, 2016).

Isso faz todo sentido, porque o número de produções audiovisuais também expandiu

bastante, graças às plataformas de streaming de vídeo. Paralelamente a este fenômeno, algumas

start-ups já estão criando serviços on-demand, que oferecem músicas originais baratas e sem

royalties para cineastas e anunciantes. É o caso da Amper3, que usa Inteligência Artificial para

oferecer canções para este público.

Além do ECAD, que é o órgão centralizador de arrecadação, existem as associações de

autores que recebem o dinheiro do ECAD e repassa para seus compositores associados. As

principais associações no Brasil são:

ABRAC – Associação Brasileira de Autores, Compositores, Intérpretes e Músicos;

ABRAMUS – Associação Brasileira de Música e Artes;

AMAR – Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes;

ASSIM – Associação de Intérpretes e Músicos;

SADEMBRA – Sociedade Administradora de Direitos de Execução Musical do Brasil;

SBACEM – Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música;

SICAM – Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais;

SOCINPRO – Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos

Intelectuais;

3 Disponível em: <https://www.ampermusic.com/>.

Ano 2015 2016 2017

Arrecadados 773.472.000,00R$ 1.043.216.781,00R$ 1.140.017.647,00R$

Distribuídos 618.666.000,00R$ 841.872.627,00R$ 1.153.473.517,00R$

Arrecadação e Distribuição ECAD

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UBC – União Brasileira de Compositores.

Essas associações cobrem 100% da arrecadação de royalties no território brasileiro, sendo

que a UBC, representa 60% do total. Como se pode observar, trata-se de um negócio que

movimenta muito dinheiro, e que cresce mesmo em tempos de recessão econômica, o que respalda

o conceito de economia criativa como geradora de riqueza e suporte à economia em tempos de

crise (FLORIDA, 2007).

Além disso, gera empregos nos órgãos de arrecadação e distribuição. Porém, a tecnologia

tem sido responsável pela criação de negócios disruptivos que destroem toda uma cadeia produtiva

numa velocidade sem precedentes. A Inteligência Artificial pode ser capaz não somente de compor

músicas, mas de influenciar e modificar completamente toda a cadeia de arrecadação e distribuição

de royalties, fazendo isso de forma automática e descentralizada, como é o caso do Blockchain

(COMPUTERWORD, 2016).

É necessário que artistas, compositores e profissionais da indústria da música estejam bem

informados e preparados para adaptarem-se ao ciclo que se instaura. As novas tecnologias podem

mudar completamente o modelo de arrecadação trazendo mais credibilidade e eficiência.

Há muitos anos a lista dos compositores que mais recolhem direitos autorais se mantém

relativamente estável, porque é um metiê muito fechado e repleto de acordos para recebimento de

créditos. Entretanto, novos artistas surgidos em plataformas, como Youtube, têm figurado na lista

dos compositores de melhor performance em arrecadação, mais muitos deles são completamente

desconhecidos do grande público. Autores como Victor Chaves, Bruno Caliman, Thales Lessa e

Danillo D´ávilla, representam esta nova geração. Abaixo temos a lista dos 20 principais

arrecadadores de direitos autorais no Brasil em rádio e em música ao vivo de 2013 a 2017:

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Quadro 2 – Lista dos principais arrecadadores de direito autorais no Brasil em rádio

Fonte: ECAD.

Quadro 3 – Lista dos principais arrecadadores de direito autorais no Brasil em música ao vivo

Fonte: ECAD.

Obs.: Embora o STJ tenha declarado, em 2017, que serviços de streaming devem pagar execução pública,

ainda não está muito claro nos relatórios do ECAD o que vem de streaming e o que vem de rádio

propriamente.

2013 2014 2015 2016 2017

1 Sorocaba Paula Fernandes Bruno Caliman Thallys Pacheco Victor Chaves

2 Victor Chaves Roberto Carlos Anderson Freire Marília Mendonça Umberto Tavares

3 Roberto Carlos Sorocaba Roberto Carlos Anderson Freire Douglas Cezar

4 Paula Fernandes Anitta Sorocaba Paula Fernandes Marília Mendonça

5 Thiago Servo Victor Chaves Nando Reis Bruno Caliman Jefferson Junior

6 Erasmo Carlos Naldo Benny Victor Chaves Victor Chaves Anderson Freire

7 Bruno Caliman Luan Santana Erasmo Carlos Juliano Tchula Juliano Tchula

8 Thiaguinho Thiaguinho Umberto Tavares Roberto Carlos Bruno Caliman

9 Caetano Veloso Zezé Di Camargo Marília Mendonça Paula Mattos Roberto Carlos

10 Anitta Djavan Juliano Tchula Umberto Tavares Thales Lessa

11 Lulu Santos Caetano Veloso Cesar Augusto Jefferson Junior Nando Reis

12 Carlos Colla Bruno Caliman Jefferson Junior Sorocaba Rafael Torres

13 Djavan Erasmo Carlos Solange de Cesar Nando Reis Larissa Ferreira

14 Nando Reis Bruno Mars Caetano Veloso Djavan Tierry Coringa

15 Cesar Augusto Jorge Lulu Santos Caetano Veloso Thallys Pacheco

16 Anderson Freire Anderson Freire Djavan Junior Angelim Danillo Dávilla

17 Beno Cesar Thiago Servo Ray Erasmo Carlos Paula Fernandes

18 Rick Rick Zezé Di Camargo Cesar Augusto Matheus

19 Zezé di Camargo Nando Reis Herbert Vianna Gabriel Agra Djavan

20 Herbert Vianna Gusttavo Lima Paula Fernandes Thales Lessa Junior Angelim

Radio

2013 2014 2015 2016 2016

1 Djavan Djavan Djavan Djavan Djavan

2 Lulu Santos Lulu Santos Lulu Santos Thallys Pacheco Renato Russo

3 Caetano Veloso Caetano Veloso Renato Russo Lulu Santos Lulu Santos

4 Roberto Carlos Renato Russo Caetano Veloso Renato Russo Thallys Pacheco

5 Renato Russo Roberto Carlos Nando Reis Caetano Veloso Nando Reis

6 Nando Reis Nando Reis Herbert Vianna Nando Reis Caetano Veloso

7 Zé Ramalho Zé Ramalho Zé Ramalho Barros Neto Alceu Valença

8 Herbert Vianna Herbert Vianna Bruno Caliman Zé Ramalho Zé Ramalho

9 Vinícius De Moraes Vinícius de Moraes Roberto Carlos Jota Reis Herbert Vianna

10 Alceu Valença Jorge Ben Jor Tim Maia Alceu Valença Tim Maia

11 Erasmo Carlos Alceu Valença Alceu Valença Marília Mendonça Roberto Carlos

12 Jorge Ben Jor Chico Buarque Vinícius de Moraes Tim Maia Marília Mendonça

13 Tim Maia Erasmo Carlos Allê Barbosa Junior Angelim Vinícius de Moraes

14 Chico Buarque Dorgival Dantas Chico Buarque Vinícius de Moraes Jorge Ben Jor

15 Victor Chaves Tim Maia Gilberto Gil Herbert Vianna Gilberto Gil

16 Gilberto Gil Victor Chaves Jorge Ben Jor Roberto Carlos Matheus

17 Leoni Gilberto Gil Rafael Chico Buarque Danillo Dávilla

18 Marisa Monte Leoni Victor Chaves Jorge Ben Jor Leoni

19 Zeca Baleiro Allê Barbosa Gonzagão Gilberto Gil Thales Lessa

20 Bruno Caliman Zeca Baleiro Erasmo Carlos Vinícius Poeta Douglas Cezar

Música ao Vivo

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18

O fato de identificarmos vários dos mesmos compositores figurando na lista de arrecadação

ainda é herança do antigo modelo de negócio da indústria fonográfica que privilegiava os autores

consagrados, porque estes davam maior peso às canções quando eles assinavam. Mesmo a

coautoria de um nome como Caetano Veloso, poderia representar abertura nos meios de divulgação

e abrir espaço para uma música estourar. As gravadoras não se preocupavam em identificar o que

o ouvinte queria, e bastava um nome de peso de um compositor para alavancar a carreira de um

postulante à estrela.

Nos dias de hoje, a relação com o consumidor/ouvinte é fundamental para o direcionamento

do negócio. Se por um lado as gravadoras detêm o relacionamento com os artistas, os distribuidores

mantêm o contato com o cliente final e acompanham seus hábitos de audição, de descoberta de

novos artistas, de recomendações etc.

O papel da gravadora sempre teve um caráter muito mais de curadoria, de garimpar novos

artistas e explorar o cast de seu catálogo com lançamentos baseados muito mais na intuição de um

diretor artístico do que necessariamente nas demandas de comportamento dos ouvintes. Quando se

chega ao ponto de existir um player com grande poder de concentração na distribuição ameaçar o

negócio das gravadoras, é porque este mesmo player pode começar a fazer o papel de curadoria, já

que muitos artistas novos encontram campo fértil para divulgar seu trabalho nessas plataformas. E

mais do que isso, esses players têm poder de fogo para dominar o mercado e desenvolver criações

baseadas em análise de dados puramente, o que fatalmente poderá desestimular novos talentos a

compor, ou estimular os compositores a utilizarem a Inteligência Artificial para ajudá-los no

processo criativo.

Portanto, é fundamental que os executivos das gravadoras conheçam cada vez mais sobre

tecnologia e como ela pode ajudá-los a potencializar o negócio da música. Além disso, usar os

dados e os analytics para tomada de decisão é uma questão de sobrevivência do negócio (MAYER-

SCHONBERGUER; CUKIER, 2012).

Hoje em dia, uma das qualificações mais requisitadas no mercado de trabalho é a

capacidade analítica (PAUL; ELDER, 2007). A quantidade de informações, de interações com os

clientes são infinitas e a organização dessas informações com o intuito de gerar conhecimento e

desenvolver estratégias são cruciais num mundo cada vez mais competitivo. Empresas como a

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Amazon, por exemplo, tomam decisões amparadas muito mais pelas evidências dos dados do que

por instinto (STONE, 2013).

Mas será que isso é 100% eficiente? Trazendo um pouco mais para a temática proposta

neste estudo, empresas do setor criativo como o Spotify, basicamente, criam suas playlists

amparadas pelas análises de dados de comportamento das pessoas que escutam determinadas

músicas, e oferecem novas opções ou sugestões de artistas analisando sua enorme base de dados.

Mas será que as recomendações são certeiras? O Facebook atualiza constantemente seus algoritmos

com intuito de entregar melhores resultados para os anunciantes e melhores experiências para os

usuários. Vários dos aplicativos que o Facebook lança são inspirados nos próprios usuários,

simplesmente analisando números e identificando tendências ou obtendo resposta a testes.

Entretanto, o uso das ferramentas de analytics e business intelligence são fundamentais para

gerar uma melhor interface com usuário/cliente, no sentido de melhor interpretar suas demandas e

oferecer produtos compatíveis com suas expectativas, influenciando diretamente na inventividade

humana. Alguns pesquisadores até estimam quando a máquina irá substituir os humanos nessas

tarefas (EMERGING TECHNOLOGY, 2017) e definem até uma data aproximada quando isso irá

acontecer.

Este trabalho é importante no sentido que pode servir de alerta para os profissionais da

música para se reinventarem e se prepararem, desde já, desenvolvendo habilidades que a máquina

não poderá desempenhar. Alternativamente, encontrar um formato que potencialize não apenas as

experiências sustentadas pelos dados analíticos, mas que também insira a intuição e a criatividade

humana no contexto de soluções inovadoras para a indústria criativa, é extremamente contundente.

Para isso, é importante desenvolver um estudo sobre as reações diante das equações

algorítmicas e entender o nível de acerto dessas interfaces comparadas às soluções intuitivas. Faz-

se necessário entender a viabilidade financeira de soluções intuitivas e o retorno que esse modelo

pode trazer para as empresas que compõem a Economia Criativa. Afinal, quem está escrevendo o

futuro das Ciências Humanas são engenheiros de software e programadores. Logo, as Ciências da

Comunicação e da Arte estão, de alguma maneira, bebendo na fonte das Ciências Exatas. Quem

está desenhando o futuro são os engenheiros da Microsoft, do Google, do Facebook, da Amazon

etc. (MANZONI JÚNIOR, 2017). Engenheiros estão transformando as Ciências Humana em

Ciências Exatas.

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Não teremos todas as respostas nesta dissertação, pois é muito difícil escrever sobre o

futuro. A pesquisa científica sempre se apoiou em descobertas passadas, mas o passado nos dá boas

pistas sobre como será o futuro, basta rolar os dados.

1.4 Objetivos

A presente seção tem como intuito apresentar os objetivos desta dissertação.

1.4.1 GERAL

Investigar a visão dos agentes sobre o impacto da tecnologia da Inteligência Artificial e

consequentemente, alertar os futuros profissionais da indústria da música, executivos, músicos,

produtores e especialmente os compositores, para lidarem com a realidade da Inteligência Artificial

e os novos rumos que o mercado poderá traçar.

1.4.2 ESPECÍFICOS

Entender a história da criação de músicas com computadores;

Entender como se desenvolveu o mercado de hits;

Entender a relação entre música e cognição e como a Inteligência Artificial usa a analogia

com nosso cérebro para criar;

Avaliar os riscos para a profissão de compositor e para os demais agentes.

1.5 Desdobramentos práticos e materialidades

É possível que os resultados obtidos com esta pesquisa influenciem a forma como a

indústria da música administra os dados em prol do sucesso do negócio. As gravadoras poderão

procurar entender melhor as preferências dos ouvintes de música e sugerir novos artistas como já

faz o Spotify.

O intuito do estudo é descobrir novas vias, na medida em que o estudo evolui juntamente

com as novas tecnologias. Ao ter um maior domínio sobre o raciocínio lógico dos computadores e

como eles montam esquemas para resolução de problemas, profissionais da Economia Criativa

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estarão mais preparados para desenvolver novas abordagens ou novos procedimentos de

alavancagem de negócio.

Não sabemos ainda se a máquina será capaz de criar um produto, um poema, ou uma canção

com qualidade artística ou comercial, especialmente porque qualidade artística é uma definição um

tanto ambígua ao contrário de qualidade comercial que é mensurável. Mas sabemos que podemos

cada vez mais entender as máquinas e usá-las para melhorar nossa performance criativa.

E-book – Como desdobramento e estratégia de auxiliar os profissionais envolvidos em toda

a cadeia da música no Brasil, planeja-se transformar a dissertação em um livro digital, apresentando

estes novos cenários e as oportunidades inerentes.

1.6 Metodologia

Com base nos conceitos de pesquisa de Gil (2008), este estudo possui caráter exploratório.

A pesquisa comparada foi feita a partir de um levantamento bibliográfico e posterior fichamento

de textos para as análises realizadas, dando suporte a narrativa do impacto da Inteligência Artificial

na criação de músicas e seus desdobramentos no mercado de editoras e de arrecadação de direitos

autorais. Envolveu-se o levantamento de conteúdo e revisão teórica principalmente a partir de sites

sobre música e cultura, bem como bibliografia técnica. O modelo metodológico foi baseado em:

- Estudo de casos: rápido estudo de dois projetos recentes envolvendo música e

Inteligência Artificial que serão citados nesta dissertação. São eles: Projeto Neural do Spotify e

Projeto Flow Machines, da Sony. Ambos serão mencionados sem grande profundidade pela

restrição de se conseguir informações detalhadas com os envolvidos.

- Pesquisa de campo: encontros e entrevistas com as pessoas-chave para compor o projeto

e a visão dos stakeholders. Foram conduzidas entrevistas em profundidade com profissionais

diretamente ligados ao mercado fonográfico, registradas em áudio, transcritas e disponibilizadas

no apêndice deste documento.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

Algoritmo é apenas uma sequência finita de passos que se usa para resolver um problema

(CRISTIAN; GRIFFITHS, 2017).

Qualquer pesquisa dentro do âmbito da Inteligência Artificial tem que, necessariamente,

passar pelo estudo dos algoritmos. Embora seja uma palavra muito presente nas conversas sobre

tecnologia, atualmente, é um termo que já existe há muitos séculos, muito antes das máquinas, e

eram utilizados por pessoas. A origem da palavra vem do nome do matemático persa Al-

Khawãrizmî, autor de um livro do século IX sobre técnicas para fazer matemática à mão

(CRISTIAN; GRIFFITHS, 2017).

Algoritmos não estão restritos somente à matemática. Quando se acompanha uma receita

de bolo, ou um manual de instruções segue-se um algoritmo. Eles têm sido parte da tecnologia

humana desde a Idade da Pedra, sendo, portanto, um processo a se seguir para a tomada de decisões

ou conclusão de uma tarefa.

O processo de composição de uma música também é um algoritmo. Alguns compositores

começam pela letra e depois passam para a música, outros fazem o contrário, porém o critério para

se definir uma introdução, posição das estrofes, refrãos e grand finale, é uma sequência de decisões

baseadas na dinâmica de explorar as experiências intrínsecas, para chegar a um resultado. Os

compositores desenvolvem suas canções recorrendo as suas memórias, suas conexões e seus

achados para criarem uma história em forma de música. Recorrem ao seu banco de dados para

encontrar ideias criativas. Ou seja, o processo criativo também é um processo de tomada de decisão

constante.

As pessoas tendem a refletir e a tomar decisões independentes, preocupando-se em achar

a cada vez um resultado que corresponda ao maior valor esperado. Mas decisões quase

nunca são isoladas, e o valor esperado não é o fim da história. Se você está pensando não

apenas na próxima decisão, mas em todas as decisões que vai tomar no futuro sobre as

mesmas opções, a relação explore/exploit [explorar (prospectar)/ explorar (obter

resultados)] é crucial para o processo (CRISTIAN; GRIFFITHS, 2017, p. 825).

As máquinas trabalham de maneira muito parecida. Elas acumulam terabytes de dados e os

vasculham velozmente para encontrar padrões, ordens, modelos e significados. Em seguida,

aprendem com suas experiências acumuladas, através do que é classificado como machine learning

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ou aprendizado de máquina. As máquinas são capazes de tomar decisões utilizando o modelo

explore/exploit, o que as credencia a combinarem processos, produtos ou obras criativas

(NOGUEIRA, 2018).

Machine learning powered by data has the potential to transform the nature of knowledge-

based jobs within the industry. The predictions can be extracted from the data and will be

increasingly used to substitute for the human capabilities such as experience and judgment

(KILULIAN, 2017, p. 115)4.

Entretanto, faz-se necessário entender até que ponto as máquinas são capazes de criar algo

realmente inovador e diferenciado, aquilo que seria o momento Eureka, o momento das descobertas

inesperadas.

Histórias de descobertas frequentemente descrevem um momento similar: a da maçã de

Newton (possivelmente apócrifa), a do ‘Eureca!’ na banheira de Arquimedes, a da

negligenciada placa de Petri na qual apareceu o mofo Penicillium. É um fenômeno tão

comum que foi inventada uma palavra para captar sua essência: em 1754, Horace Walpole

cunhou o termo serendipity, ou serendipidade, baseado nas aventuras de conto de fadas de

Os três príncipes de Serendip (sendo Serendip o antigo nome do Sri Lanka), ‘que estavam

sempre fazendo descobertas, por acidente e por sagacidade, de coisas pelas quais não

estavam buscando’ (CRISTIAN; GRIFFITHS, 2017, p. 4960).

A composição é o começo de tudo no universo da música. Os sons, por si só, não

configuram uma música. Esses sons precisam ser organizados numa sequência que faça alguma

lógica para serem entendidos como uma obra musical. A música faz parte do cotidiano do homem

desde há muito tempo. Qualquer que seja o motivo pelo qual os humanos se reúnam, a música está

sempre presente. Seja num casamento, num funeral, em formaturas, num estádio de futebol, na

igreja ou num jantar romântico, sempre haverá música ao fundo. Em consequência, a música

tornou-se um negócio extremamente lucrativo e de grande abrangência, gerando conglomerados

econômicos que fazem do showbiz um dos mais importantes no segmento criativo (FLORIDA,

2007).

Um dos aspectos a serem explorados nesta pesquisa refere-se à posição atual da indústria

da música, que está cada vez mais pressionada a gerar resultados crescentes e apostando muito

4 O aprendizado de máquina (machine learning) alimentada por dados, tem o potencial de transformar a natureza dos

trabalhos baseados no conhecimento dentro do setor. As previsões podem ser extraídas dos dados e serão cada vez

mais usadas para substituir as capacidades humanas, como experiência e julgamento (Tradução do autor).

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mais naquilo que pode tornar-se um sucesso do que necessariamente na arte. A Inteligência

Artificial aparece como o cerne dessa discussão, estimulando a indústria fonográfica a investir cada

vez mais na elaboração de novos hits que possam arrecadar cada vez mais dinheiro. E para isso

investem em tecnologia e soluções para ajudá-las nessa tarefa.

HitPredictor [Previsor de Hit] (de propriedade da iHeart Media, a maior proprietária de

estações de rádios AM e FM nos Estados Unidos) ‘prediz’ que canções serão hits, tocando

um gancho de uma nova canção para um público on-line três vezes sem lhes dizer muito

mais sobre a faixa. O propósito é captar a ‘facilidade de se lembrar da música’ em um

vácuo. Os públicos dão notas numéricas à canção. Uma música pode ter uma nota alta na

casa dos cem, mas qualquer uma com nota acima de 65,00 é considerada elegível para

tornar-se um grande hit. Sessenta e cinco é o limiar: acima desse nível, uma faixa tem o

apelo intrínseco de ser uma das canções top no país (DEREK, 2018, p. 619).

Todavia, a internet nas nuvens possibilita não somente o acúmulo de grandes dados de

comportamento de usuários como também serve de matéria-prima para geração de insights à partir

da análise desses dados. Esse processo também utiliza técnicas de explore/exploit para definir

modelos de predição para lançamento de novos fonogramas com potencial de sucesso.

Se você já estava usando a internet em suas funções mais básicas durante toda a década

passada, então participou do problema explore/exploit de outrem. As companhias querem

descobrir o que as faz ganhar mais dinheiro enquanto, ao mesmo tempo, estão ganhando

tanto quanto possam — explorar (prospectar), explorar (obter resultados). Grandes

empresas de tecnologia como Amazon e Google começaram a realizar testes A/B ao vivo

com seus usuários aproximadamente a partir de 2000, e nos anos seguintes a internet

tornou-se o maior experimento controlado do mundo. O que essas companhias estão

prospectando e explorando? Em uma palavra, você: o que faz você movimentar seu mouse

e abrir sua carteira (CRISTIAN; GRIFFITHS, 2017, p. 1.264).

É importante salientar que, sob o ponto de vista cognitivo, nós reagimos à música de

diferentes maneiras dada as diferenças culturais cunhadas ao longo dos anos. Mas a tendência é

que essas diferenças se tornem lugar comum, fruto da massificação e da mudança de hábitos

globais, já que as pessoas do mundo todo estão mais conectadas e compartilhando experiências

cada vez mais massificadas, inclusive com relação à forma de se consumir música.

What function did music serve humankind as we were evolving and developing? Certainly

the music of fifty thousand and one hundred thousand years ago is very different from

Beethoven, Van Halen, or Eminem. As our brains have evolved, so has the music we make

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with them, and the music that we want to hear. Did particular regions and pathways evolve

in our brains specifically for making and listening to music? (LEVITIN, 2017 p. 8)5.

A questão da cognição e da forma como interpretamos e absorvemos música explica muitos

fenômenos que fizeram com que algumas canções se transformassem em grande sucesso. Segundo

Derek Thomson (2018), a exposição é uma das principais responsáveis para que algo se torne um

hit. Em se tratando de obra de arte, por exemplo, quanto mais feiras e eventos as obras puderem

estar, maior será a exposição e, consequentemente, maior a possibilidade de se tornar um hit.

No caso da música, a exposição pública nas rádios pode ser até mesmo mais poderosa do

que a “mera” exposição, porque a presença de uma canção nas principais estações proporciona

outras pistas em relação a sua qualidade, como a sensação de que os criadores de moda e outros

ouvintes já ouviram e endossaram essa obra. Ou seja, os profissionais da música sabem disso e

utilizam desses artifícios para garantir o grau de familiaridade e ineditismos na medida certa para

uma provável formula do sucesso. Sob o aspecto cognitivo, nosso cérebro, associado com nossas

experiências, é capaz de identificar aspectos familiares numa melodia.

Each time we hear a musical pattern that is new to our ears, our brains try to make an

association through whatever visual, auditory and other sensory cues accompany it; we

try to contextualize the new sounds, and eventually, we create these memory links between

a particular set of notes and a particular place, time, or set of events (LEVITIN, 2017 p.

39)6.

Basicamente, os conteúdos que servirão para esta pesquisa são estudos recentes

transformados em livros que abordam os temas acima. Livros como Hit Makers, do autor Derek

Thomson, This is Your Brain on Music, escrito pelo engenheiro de som e pesquisador Daniel J.

Levitin, O Algoritmo Mestre, de Pedro Domingos (2017), além de contribuições de autores

consagrados no âmbito das pesquisas em Economia Criativa, como Richard Flórida.

5 Como a música tem servido à humanidade enquanto evoluímos e nos desenvolvemos? Certamente a música de

cinquenta mil, cem mil anos atrás, é muito diferente de Beethoven, Van Halen ou Eminem. Conforme nossos cérebros

evoluíram, assim também evoluiu a música que fazemos e a música que queremos ouvir. Regiões particulares e

caminhos específicos em nossos cérebros evoluíram especificamente para fazer e ouvir música? (Tradução do autor). 6 Cada vez que ouvimos um padrão musical que é novo para os nossos ouvidos, nossos cérebros tentam fazer uma

associação através de qualquer sinal visual, auditivo e outros sinais sensoriais que o acompanhem; tentamos

contextualizar os novos sons e, eventualmente, criamos esses links de memória entre um conjunto específico de notas

e um lugar, hora ou conjunto de eventos específico (Tradução do autor).

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No âmbito das pesquisas tecnológicas e de comportamento, obras como Robot is the New

Boss, de Artur Kilulian (2017) temperam as questões sobre a evolução das máquinas e seu papel

na execução de tarefas criativas, especificamente na composição de obras musicais.

Therefore, it may be disturbing for many to witness the emergence of such AI as AIVA

(Artificial Intelligence Virtual Artist). AIVA can create classical music that sounds as if

it was written by a talented human composer. In fact, AIVA is the first AI ever to acquire

an official status of a composer. What takes a lifetime for a human composer to

accomplish, AIVA learned in several months reading through a large database of classical

works written by Bach, Beethoven, and Mozart. During the training, AIVA learned

various musical styles, compositional techniques, instruments, and ways to put them

together in musical tracks, which are now accessible via popular streaming platforms, such

as SoundCloud (KIULIAN, 2017, p. 118)7.

Caminhando em direção a um modelo de mercado completamente diferente do atual, a

música é o produto criativo que tem sofrido maiores impactos e cuja cadeia produtiva está

deslocando o eixo do mercado de maneira sem precedentes na história. As tecnologias e as novas

formas de distribuição podem criar um processo de massificação da música tanto para o bem como

para o mal, e desmistificar completamente a dialética da criação e da composição que sempre foi

restrita aos chamados talentos exclusivos. Mas por outro lado pode gerar novos milionários.

Hoje em dia, porém, está acontecendo uma coisa interessante. A escassez cedeu lugar à

abundância. O salão de concertos é a internet, os instrumentos são baratos e qualquer um

pode compor sua própria sinfonia. O futuro dos hits será democrático, caótico e desigual.

Milhões competirão por atenção, uns poucos felizardos farão muito sucesso e uma minoria

microscópica ficará fantasticamente rica (DEREK, 2018, p. 235).

7 Portanto, pode ser perturbador para muitos testemunhar o surgimento de tal IA como AIVA (Inteligência Artificial

Artista Virtual). AIVA pode criar música clássica que soa como se fosse escrita por um talentoso compositor humano.

De fato, a AIVA é a primeira IA a adquirir um status oficial de compositor. O que leva uma vida inteira para um

compositor humano realizar, a AIVA aprendeu em vários meses ao ler um grande banco de dados de obras clássicas

escritas por Bach, Beethoven e Mozart. Durante o treinamento, a AIVA aprendeu vários estilos musicais, técnicas de

composição, instrumentos e maneiras de colocá-los juntos em trilhas musicais, que agora são acessíveis através de

plataformas populares de streaming, como o SoundCloud (www.soundcloud.com) (Tradução do autor).

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2.1 Inteligência Artificial e design

Quando Herbert A. Simon iniciou suas pesquisas sobre design, ainda quando prestava

serviços para o Projeto RAND (Research and Development), nos Estados Unidos, no período pós

Segunda Guerra Mundial, certamente não imaginava todos os desdobramentos que isso implicaria.

A Inteligência Artificial e o design estão cada vez mais presentes em nossa vida, sejam nos

aplicativos de geolocalização, nas recomendações de compra nos sites de e-commerce e também

na música, especialmente nas plataformas de streaming.

De acordo com o texto Revisiting Herbert Simon’s “Science of Design”, as ideias de

Simon formam uma base teórica que procura dar um caráter científico à matéria do design, e que

visa unificar as ciências sociais com modelos de solução de problemas. Ou seja, o design dentro da

ciência pode ser estudado como um processo que leva a uma linha de pensamento para resolução

de problemas dentro das pesquisas sociais e em diversos setores, incluindo a Indústria Criativa

(HOWKINS, 2007; FLORIDA, 2007).

Da mesma forma, Charles E. Merriam (2014) defende a ideia de que é possível aplicar

métodos científicos em pesquisas sociais através de processos convencionais, como observação,

pesquisa em laboratórios e uso de matemática e estatística.

A partir das posições do Charles E. Merriam (2014), Simon concluiu que as pesquisas

sociais deveriam ter o mesmo teor técnico e investigativo das pesquisas científicas tradicionais, e

o design também poderia ser estudado com fundamentos de pesquisa pesada. Simon então passou

a estudar profundamente os processos de decisão e como o design poderia influenciar nesses

processos.

Em sua experiência no RAND (Research and Development), quando trabalhou no

desenvolvimento de soluções para a indústria bélica, no período pós Segunda Guerra Mundial,

Simon desenvolveu um trabalho com processo de solução de problemas e computação que foi

fundamental para as pesquisas em Inteligência Artificial. Para ele, a inteligência humana poderia

ser descrita por fórmulas e regras lógicas. Ou seja, através de modelos computacionais seria

possível criar um sistema de decisão com base em análises meio-fim, como a heurística humana.

A princípio, como uma solução para o processo de decisão para as forças armadas, como controle

de agenda, por exemplo.

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Para as forças armadas, a Inteligência Artificial que estava sendo desenvolvida soava muito

bem, porque poderia atuar em processos de decisões rápidas em que a máquina é mais eficiente do

que o ser humano. Entretanto, o que Simon concluiu foi que evoluir a Inteligência Artificial para

resolução de problemas, e não somente tomada de decisão, seria um caminho natural.

Umas das argumentações de Simon foi de que os humanos não possuem a habilidade

cognitiva de considerar todas as alternativas possíveis e chegar a conclusão ideal. Simon reforça

que a capacidade da mente humana em formular e resolver problemas complexos é muito restrita.

É a mesma posição em que se encontra um compositor ou letrista de música. Diante de

possibilidades infinitas sobre quais notas, acordes ou palavras devem ser incluídas na elaboração

de uma canção para que esta se torne um sucesso. Caetano Veloso disse uma vez em uma entrevista

que uma música nunca está pronta ou boa o suficiente, que sempre pode melhorar em função das

infinitas variáveis, porém é necessário finalizar um conceito para que a música fique pronta para

ser lançada. É um processo heurístico.

Segundo Daniel Kahneman (2012), a definição técnica de heurística é um procedimento

simples que ajuda a encontrar respostas adequadas, ainda que geralmente imperfeitas, para

perguntas difíceis. A palavra vem da mesma raiz que heureca.

Enquanto o compositor tem que se restringir ao tempo de finalização de um álbum, é mais

difícil esperar e pensar em todas as possibilidades que uma determinada canção pode ter. A maioria

dos artistas descreve seu trabalho como experimentos, parte de uma série de esforços destinados a

explorar uma preocupação comum ou para estabelecer um ponto de vista (LEVITIN, 2017).

Concluir uma composição musical é como o conceito de parada ótima8. Em todo problema que

envolve parada ótima, o dilema crucial não é por qual opção decidir, mas quantas opções se devem

considerar.

As pessoas tendem a refletir e a tomar decisões independentes, preocupando-se em achar

a cada vez um resultado que corresponda ao maior valor esperado. Mas decisões quase

nunca são isoladas, e o valor esperado não é o fim da história. Se você está pensando não

apenas na próxima decisão, mas em todas as decisões que vai tomar no futuro sobre as

mesmas opções, a relação explore/exploit [explorar (prospectar)/ explorar (obter

resultados)] é crucial para o processo (CRISTIAN; GRIFFITHS, 2017, p. 825).

8 A teoria da parada ótima diz respeito ao problema de escolher o momento para exercer uma determinada ação

(CRISTIAN; GRIFFITHS, 2017).

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Inclusive muitos artistas se dizem envergonhados com suas primeiras obras, que poderiam

ter tido resultados muito melhores comparadas às primeiras canções. Isso nada mais é do que o

acúmulo de experiências e informações que abrem novo espectro no pensamento criativo. A

máquina, por outro lado, tem a capacidade de processar muito mais variáveis e chegar a um

resultado mais completo, por assim dizer (SIMON, 1996).

O conceito Science of Design de Simon, apresenta o design como uma busca lógica por um

critério satisfatório que preenche um objetivo específico. Para Simon (1996), a Inteligência

Artificial está revolucionando o design. Da mesma forma, o processo de concepção de uma canção

que utiliza um modelo de design comercial intuitivo, poderá ser mais assertivo.

2.2 Música, computação e machine learning

O aumento do poder computacional nos últimos anos teve uma grande influência tanto no

estudo das propriedades matemáticas e estatísticas da música, como na composição algorítmica.

As novas tecnologias de armazenamento e análise de dados canalizam de forma contundente o

desenvolvimento de processos decisórios automáticos, sem a interferência humana. Ferramentas

apoiadas em big data contribuem para análise estatísticas que interferem ou auxiliam nas decisões

de negócios (SCHONBERGUER; CUKIER, 2012).

Com isso, o processo criativo da música que até então era exclusividade de compositores e

letristas, ganha nova perspectiva com a evolução da Inteligência Artificial e uso do algoritmo de

machine learning. A composição com algoritmos tem despertado interesse nos pesquisadores tanto

sob o ponto de vista matemático como musical. As primeiras experiências de composição

automática utilizando computadores datam de 1948 quando Alan Turing (FRAZÃO, 2017), gravou

algumas melodias num mainframe IBM. A primeira composição completa gerada por um

computador foi o Illiac Suite produzida a partir de 1955 - 1956 (NIERHAUS, 2009), e desde então,

o trabalho destinado a compor música de forma automática só aumentou.

Diversas iniciativas ao redor do mundo estimulam os cientistas a decifrarem o processo de

composição artificial, como por exemplo, o Laboratório de Pesquisa CSL da Sony, que combina

algoritmos com a produção musical feita por humanos, e também o sistema de Inteligência

Artificial da Sony chamado Flow Machines que analisa uma série de músicas para depois escolher

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um determinado estilo para imitar, utilizando modelos ocultos de Markov. Modelos ocultos de

Markov são uma classe de modelos probabilísticos para séries temporais de dados que são

amplamente utilizados em muitas áreas de domínio, em grande parte por causa da grande

flexibilidade e relativa eficiência da estimativa de parâmetros (GHAHRAMANI; JORDAN, 1997).

Os modelos de Markov são usados em diversas aplicações, incluindo a classificação musical

(PIKRAKIS, 2006).

Em 1913, na véspera da Primeira Guerra Mundial, o matemático russo Andrei Markov

publicou um artigo aplicando probabilidade à, entre tantas coisas possíveis, poesia. Nesse

artigo, ele modelou um clássico da literatura russa, Eugene Onegin de Pushkin, usando o

que agora chamamos de cadeia de Markov. Em vez de presumir que cada letra era gerada

de maneira aleatória independentemente do resto, ele introduziu um mínimo básico de

estrutura sequencial: permitiu que a probabilidade de ocorrência de cada letra dependesse

da letra imediatamente anterior a ela. Ele mostrou que, por exemplo, vogais e consoantes

tendem a se alternar, logo, se você encontrar uma consoante, haverá uma probabilidade

maior de que a próxima letra (se ignorarmos a pontuação e espaços em branco) seja uma

vogal do que haveria se as letras fossem independentes (DOMINGOS, 2017, p. 2.927).

A rede ou modelos de Markov são um conjunto de características e pesos correspondentes,

que juntos definem uma distribuição de probabilidade. Dentro de uma rede Markov, uma

característica pode ser tão simples quanto “Esta é uma balada” ou tão elaborada quanto “esta é uma

balada de um artista de hip hop, com riff de saxofone e progressão de acordes descendente”. O site

Pandora9 usa um extenso conjunto de características, que ele chama de Music Genome Project,

para selecionar as canções a serem reproduzidas para o usuário (DOMINGOS, 2017).

Para quem gosta de baladas, o peso da característica correspondente aumentará, e a pessoa

estará mais propensa a ouvi-las ao ativar o Pandora. Se ela também gostar de artistas de hip hop,

o peso dessa característica também aumentará. As canções com mais probabilidades de serem

ouvidas agora serão as que têm as duas características, ou seja, baladas de artistas de hip hop. Se a

pessoa não gostar de baladas ou artistas de hip hop, mas gostar desses dois estilos apenas se

combinados, ela precisará da característica mais elaborada que é balada de um artista de hip hop.

Mais recentemente, o Projeto Magenta, do Google10, vem investindo em pesquisas com o

intuito de gerar arte através de deep learning e machine learning e mantém um código-fonte aberto

9 Disponível em: <http://www.pandora.com>. 10 Disponível em: <https://magenta.tensorflow.org/>.

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e um blog atualizado, detalhando seus esforços. Em geral, há uma grande quantidade de iniciativas

com interesse em explorar as diversas técnicas de modelagem para compor música e criar arte. As

pesquisas em neurociência são responsáveis pelos estudos e descobertas sobre o funcionamento do

cérebro e da relação humano-computador para e entender as possibilidades e limitações de ambos.

A principal limitação dos computadores em comparação ao cérebro é o consumo de energia:

o cérebro usa a mesma quantidade de energia que uma lâmpada pequena, enquanto o consumo do

Watson11 poderia iluminar um prédio comercial inteiro. Entretanto, máquinas com inteligência

geral comparável à dos humanos — ou seja, dotadas de bom senso e capacidade real de aprender,

raciocinar e planejar a superação de desafios complexos de processamento de informação em uma

vasta gama de domínios naturais e abstratos — têm sido esperadas desde a invenção dos

computadores, na década de 1940 (BRONSTON, 2018, p. 355).

O processo de composição, por exemplo, nada mais é do que uma sucessão de decisões

dentre uma infinidade de possibilidades. Compositores involuntariamente utilizam suas

experiências de vida e conhecimento musicais para decidir o que entra ou não em suas obras, como

um algoritmo de árvore de decisão. Por exemplo, se uma música começa em tom maior, ela deve

ter como sequência uma nota correspondente. Da mesma forma uma letra que inicia com um verso

terminando em “ão”, obriga o autor a decidir por outra palavra terminada em “ão” para gerar a

esperada rima. Estas decisões são muito comuns nos algoritmos computacionais se formos

comparar numa escala de habilidades com os humanos.

Talvez em um degrau ainda mais alto da escada de habilidades esteja a composição

musical. David Cope12, professor emérito de música na Universidade da Califórnia, em

Santa Cruz, projetou um algoritmo que cria novas músicas no estilo de compositores

famosos selecionando e recombinando passagens curtas de seu trabalho. Certa vez, em

uma conferência, ele tocou três peças ‘de Mozart’: uma do Mozart real, outra de um

compositor humano imitando Mozart e ainda outra criada por seu sistema. Em seguida,

pediu à audiência para votar no Amadeus autêntico. Wolfgang venceu, mas o computador

venceu o imitador humano. Já que se tratava de uma conferência de inteligência artificial,

a audiência ficou encantada. O público de outros eventos ficou menos felizes. Um ouvinte

acusou Cope raivosamente de ter-lhe retirado o prazer de ouvir música. Se Cope está certo,

a criatividade – a imensidão definitiva – se resume a analogia e recombinação

(DOMINGOS, 2017, p. 3720).

11 Disponível em: <https://www.ibm.com/watson>. 12 Disponível em: <http: //artisites.ucsc.edu/faculty/cope/mp3page.htm>.

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As máquinas definitivamente evoluem a uma velocidade muito maior do que o cérebro

humano. Nosso sistema cerebral precisou de milhares anos de evolução e adaptação para chegar

no estágio atual. A forma como aprendemos ao longo de nossas vidas está sendo imitada pela

máquina.

Cada vez mais, e de maneira muito relevante para nós, os cientistas cognitivos expressam

suas teorias sobre o aprendizado das crianças na forma de algoritmos. Um grande número

de pesquisadores do machine learning se inspira nisso. Tudo que precisamos está logo ali

na mente de uma criança, se pudéssemos de alguma forma capturar sua essência em código

de computador. Alguns pesquisadores chegam a argumentar que uma maneira de criar

máquinas inteligentes seria construindo um bebê-robô e deixando-o vivenciar o mundo

como um bebê humano faria (DOMINGOS, 2017, p. 3812).

Portanto, embora seja razão para imensas discussões entre os entusiastas das artes mais

puritanos, o que temos testemunhado é um avanço sem precedentes na computação e cujo processo

de composição musical é experimento protagonista. Existem centenas de pesquisas com música ao

redor do mundo com este foco. Instituições como Stanford e MIT já produziram muitos papers que

registram estas pesquisas. É um caminho sem volta que só tende a evoluir tanto quanto a própria

evolução da capacidade de processamento e de inteligência das máquinas.

2.3 Mudança de paradigma

2.3.1 O CASE NEURAL

Recentemente, o Spotify, plataforma de distribuição de música via streaming, desenvolveu

um case de grande repercussão quando “ressuscitou” o falecido rapper Sabotage, através de um

processo de reconstrução e criação de uma letra de rap com mecanismos de Inteligência Artificial,

utilizando modelos Markov e redes neurais (SPOTIFY BRASIL, 2016).

Baseado nos manuscritos e letras deixados pelo artista, o sistema de Inteligência Artificial

identificou, treinou e aprendeu os padrões de escrita no artista. Num certo momento, a rede

começou a se expressar como o artista, como ele escolheria as palavras e como ele as combinaria,

para desenvolver uma letra completamente inédita.

Entretanto, como o Sabotage não poderia avaliar os resultados, a expressão da máquina não

poderia ser considerada a resposta final. Então o Spotify desenvolveu o que eles chamaram de

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Brand Trust, um comitê de avaliação composto por Tamires Sabotinha, filha do Sabotage, a banda

RZO que acompanhava o Sabotage quando este ainda era vivo; e também o Bola, amigo e ex-

produtor do rapper.

O objetivo desse grupo foi estabelecer uma curadoria para identificar o que o Sabotage

falaria e assim filtrar as palavras para chegarem no resultado final. Enquanto isso, outro integrante

do RZO recebia somente as frases validadas pelo Brand Trust que o inspirava a criar a nova música

em parceria com o Sabotage. Foi uma colaboração real entre a Inteligência Artificial com a

inteligência natural humana dos MC’s13.

Este projeto amplifica os conceitos de criação musical, traduzindo um pensamento

intrínseco do Spotify, que é fazer a conexão entre os fãs e os artistas, especialmente mantendo viva

uma lenda da música brasileira.

Este aprendizado da máquina sobre o modelo de criação do Sabotage foi baseado no design

de construção e criação do artista. Os desdobramentos dessa iniciativa vão desde a reativação da

coleta de direitos autorais do rapper, da produção de documentários até a projeção do Sabotage em

holograma em shows ao vivo.

2.3.2 A MÚSICA CADA VEZ MAIS SIMPLES

A música que já viveu o auge da complexidade com os compositores clássicos e com o

Jazz, atualmente reflete um modelo de composição muito mais simples. E quanto mais simples o

modelo, mais fácil para o computador entender e reproduzir.

Estudos recentes do músico David Carlton, disponibilizados no site Hooktheory,

apresentam resultados de uma análise de mais de 1.300 músicas populares, onde foram

identificados alguns padrões, ou seja, detalhes comuns a todas elas.

Uma das respostas desta pesquisa concluiu que a maioria das canções foi composta em C

(Dó) e Am (Lá Menor).

Outra curiosidade levantada por David diz respeito à relação entre os acordes. Em músicas

feitas em C (Dó), qual seria o acorde que costuma acompanhar o mi menor (Em)?

13 Ver significado em: <https://www.significados.com.br/mc/>.

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Pois bem, em 93% dos casos, os mais usados são fá (F) e lá menor (Am), sendo que o F é

responsável por 59% das execuções (CARLTON, 2012). Definitivamente, o trabalho para a

Inteligência Artificial está sendo facilitado.

Ainda na análise dos acordes que se repetem na música pop, um grupo australiano chamado

Axis of Awsome14, desenvolveu um espetáculo onde apresentam diversos sucessos do pop mundial

utilizando a mesma sequência de acordes comum a todas as canções apresentadas, insinuando que

a fórmula do sucesso passa pelos acordes D, A, Bm, G.

O pesquisador e cientista de dados Leonardo Salles, divulgou, em 2017, um trabalho com

uma análise da música brasileira, onde demonstra por números a repetição de gêneros e estilos, a

quantidade de acordes utilizados, em média, e uma série de outras descobertas que demonstram a

quantidade média de acordes da música brasileira vem diminuindo. Mais uma prova de que

realmente a vida da Inteligência Artificial está sendo facilitada para compor músicas para o padrão

de mercado.

A tecnologia transformou o universo da música em vários subsegmentos, seja nos

aplicativos como o Garage Band da Apple ou nos consoles de vídeo games com o Guitar Hero”.

Estas construções de modelos para reprodução de música permitem a uma pessoa que não tem

grandes conhecimentos, compor uma canção sem maiores dificuldades. O contrário também é

verdade. A música penetra em igual proporção no universo da tecnologia, especialmente no

mercado de trilhas de jogos de vídeo game. Bandas como o Aerosmith faturam mais com

licenciamento de sua música no Guitar Hero do que com qualquer um dos seus álbuns

(AMBROSINO, 2015). A velha fórmula de ganhar dinheiro com venda de CDs é passado.

Observando as mudanças na cadeia da música abaixo, podemos verificar como a

complexidade diminuiu proporcionando maior fluidez entre os principais stakeholders e

alimentando um maior número de lançamentos de artistas profissionais e não profissionais que vão

brigar pela recomendação de algum algoritmo.

14 Músicas disponíveis em: <https://www.youtube.com/watch?v=oOlDewpCfZQ>.

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Figura 1 – Cadeia da música

Fonte: Do autor.

Figura 2 – Nova cadeia da música

Fonte: Do autor.

2.3.3 HARDWARES INTELIGENTES

Uma revolução “silenciosa” que também vem ocorrendo no mercado da música é a

sofisticação das ferramentas de apoio aos processos de composição, execução, produção e

masterização, amparados por hardwares e softwares com os mais diferentes propósitos.

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Esses dispositivos facilitam o acesso à música criando novas maneiras de interagir e

compor, e muitas vezes sem sequer necessitar dominar um instrumento musical. São muitos os

produtos que são lançados ou atualizados anualmente. Pianos e teclados inteligentes são capazes

de ensinar qualquer usuário a tocar, como é o caso do Piano Inteligente Clarinova (TESSMAN,

2017a).

O Jam Stick Guitar15 é uma espécie de guitarra tecnológica portátil que serve para ensinar

acordes, treinar exercícios, e também pode ser utilizada em concertos ao vivo. Essa pequena

guitarra tecnológica é capaz de simular quase todos os timbres existentes e, através de um aplicativo

conectado via wifi, apresenta as notas e os acordes em tempo real, substituindo as antigas

revistinhas de cifras. O aplicativo do dispositivo Jam Stick também possui um software de

composição e edição de músicas bastante sofisticado que utiliza machine learning para aprender e

ensinar novas músicas.

Hoje é difícil encontrar uma área de atuação humana intocada pelo machine learning, o

que inclui candidatas aparentemente improváveis, como música, esportes e degustação de

vinhos (DOMINGOS, 2017, p. 688).

Ainda no segmento das guitarras, o TriplePlay Fishman é um sistema de compor, tocar e

gravar, que coloca uma ilimitada paleta de instrumentos e sons ao alcance de todos. Ou seja, através

de simulações MIDI (TESSMAN, 2017b) uma guitarra comum transforma-se num poderoso

instrumento tecnológico que trabalha alinhado com softwares que ajudam na composição, nos

arranjos etc. Desde que a Yamaha criou o lendário teclado DX7 que foi um ícone dos anos 1980,

colorindo o som de diversas bandas da época, não se via tantos recursos tecnológicos para facilitar

a criação de músicas.

No campo do software, há também uma infinidade de produtos que utilizam machine

learning e Inteligência Artificial para ajudar na criação de canções. Um exemplo desses é o

Landr16, um software de masterização que aprende seu estilo sonoro e equaliza os parâmetros de

acordo com o som do artista. Ele também é capaz de implementar influências sonoras de músicos

consagrados e mixá-las no som que está sendo trabalhado.

15 Mais informações disponíveis em: <https://jamstik.com/>. 16 Mais informações disponíveis em: <https://www.landr.com>.

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Do lado do usuário, os dispositivos também não param de evoluir. Desde o lançamento do

Ipod até o Amazon Echo, as tecnologias vêm modificando não somente a forma como se compõe

e produz música, mas também a forma como consumimos. Os reprodutores musicais gigantescos

dos anos 1970 e 1980, conhecidos como aparelhos 3 em 1, deram lugar a um aplicativo que distribui

música em streaming e que se conecta via bluetooh a uma potente caixa de som. O dispositivo

Amazon Echo possui tecnologia de comando de voz, onde é possível solicitar que uma música seja

tocada, bastando dar o comando à Alexa (CLAUSER, 2019) para tocar a música no Spotify, por

exemplo. O Spotify, por sua vez, anunciou recentemente seus planos para lançar um hardware

inteligente (uma espécie de iPod) que será capaz de identificar o local onde você está e propor

músicas que estejam relacionadas com aquele lugar ou com alguma experiência que você teve

naquele local, além das já conhecidas playlists de recomendação baseadas em algoritmo. Não há

limites para o que estes dispositivos associados a softwares e aplicativos são e serão capazes de

fazer para tornar a música mais acessível e mais artificial.

Tecnologias como essas, ampliam o acesso à música e tornam a composição disponível a

qualquer pessoa. O resultado disso é a possibilidade de surgirem novos artistas que irão basear-se

naquilo que foi produzido no passado. Como consequência, teremos o mesmo pop descartável que

já temos. Que tantos anos de música morna estejam incluídos na análise é um problema claro dessa

tecnologia (STEINER, 2012).

2.4 A digitalização do espetáculo

O processo de massificação da música é um fenômeno que teve suas origens nos EUA

influenciado por uma série de fatores, dentre eles a criação da gravadora Motown e o surgimento

da política de “payola”, onde as gravadoras pagavam as redes de rádios americanas para tocarem

seus artistas massivamente; e também com o fenômeno da MTV, que ajudou a difundir a linguagem

do vídeo clipe de canções pop pelo mundo.

O mercado da música, que antes dependia de uma extensa cadeia produtiva, hoje é

praticamente um modelo peer-to-peer, muitas vezes centralizado em grandes hubs, ou Siren

Servers (LANIER, 2013), que apresentam e sugerem novas canções diretamente aos ouvintes, com

base em recomendações. Isso é o resultado de uma grande rede hipertextual (LEVY, 1993),

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anabolizada por algoritmos, que avaliam os gostos e as interações dos usuários e criam conexões

nem sempre certeiras, mas de uma certa forma, muito pragmáticas e padronizadas.

No livro Hit Makers, Derek Thompson (2018) aborda a questão explore/exploit citando

como exemplo a indústria do cinema, onde os blockbusters são o resultado de tentativa e erro e

quando encontram uma fórmula certeira, exploram ao máximo com os lançamentos recorrentes da

mesma franquia de filmes.

Do ponto de vista de um estúdio, uma continuação é um filme com uma base de fãs já

assegurada: lucro certo, coisa garantida, exploração de resultados, exploit. O mesmo se aplica à

música, quando estamos diante dos sucessos sazonais, onde uma quantidade enorme de artistas

daquele mesmo gênero musical surge no mercado explorando esses estilos. Exemplo do sertanejo

e do funk dos últimos anos no Brasil, e do rap americano (ALONSO, 2017).

A simplificação da distribuição de música modificou as estruturas do business, obrigando

as gravadoras a introduzirem novas fontes de receita, como por exemplo entrando no mercado de

produção de shows. Aos modelos de massificação através de rádios e tvs foram adicionados os

meios digitais.

Este movimento da música distribuída através da internet representa eficientes formas de

massificação, o que corrobora para que a música seja cada vez menos música, e mais outras coisas

(MOTTA, 2009), onde a experiência está amparada muito mais em espetáculos pirotécnicos e

teatrais, do que na qualidade musical.

Estas outras coisas em que a música se transformou englobam produções caríssimas, com

luzes, fogos, coreografias circenses, maquiagens e aparato técnico sonoro que disfarçam a falta de

qualidade, e por fim, os algoritmos de recomendação. Com isso, a música, que deveria ser mais

uma das formas de cultura, acaba tornando-se um simples mecanismo de diversão e entretenimento

estimulando ainda mais a chamada sociedade do espetáculo (LLOSA, 2013).

2.5 A cidade dos hits

Na década de 1960, quando a gravadora Motown criou sua famosa fábrica de hits, Berry

Gordy, fundador da lendária gravadora, cuja base era em Detroit, não tinha ideia do impacto que

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sua fábrica de sucessos iria provocar no universo da música. Detroit passou a ser conhecida como

a cidade dos hits. Foi ali, que segundo se diz, que a música pop foi inventada (MARTEL, 2012).

Berry Gordy, buscando lugar nesse novo gênero, desenvolveu um processo privilegiando

os autores em detrimento dos intérpretes. A Motown passou a contratar compositores com

exclusividade para produzirem canções em séries como uma estratégia de tentativa e erro, ou

explore/exploit (CRISTIAN; GRIFFITHS, 2017).

Gordy começou a organizar o trabalho desses compositores construindo um verdadeiro

produto comercial, misturando estilos controlados pelos negros, com o objetivo de seduzir os

brancos. Nascia então o estilo crossover17. Gordy enxergava no crossover uma técnica para

atravessar fronteiras musicais, misturar gêneros e acabar no topo de várias paradas de sucesso,

tendo como objetivo sempre o público jovem. Em seguida, Gordy passou a explorar as redes de

rádio para difundir a música negra para um vasto público branco com o intuito de tornar-se o líder

da música americana como o todo, e acabou sendo reconhecido como um dos inventores da pop

music. Para Gordy, focar no mainstream, é estar sempre pensando num público de massa. Para

isso, é necessário privilegiar a emoção em detrimento do estilo, a estrutura da canção, e não sua

inventividade musical (MARTEL, 2012).

É preciso também ter um som Motown, o que depende de uma certa semelhança entre os

grupos e de uma melodia que possa ser assobiada, como se já tivesse sido ouvida antes (os

negros, justamente, criticariam às vezes esse estilo por parecer demasiado ‘branco’,

excessivamente ‘poppy’, não sendo autenticamente ‘negro’). Berry Gordy decide apostar

todas as suas fichas no ‘groove’ (sulco, ritmo) e no ‘hook’, na pegada musical, no leitmotiv

‘catchy’ que ‘prende’ o ouvido. Preconiza que seja sempre utilizado o presente em canções

curtas, privilegiando os singles formatados em 2’45 minutos, para contar uma história

simples, o grande amor ou a busca da felicidade em família. Naturalmente, também

reserva um lugar de destaque para as belas jovens, ou para crianças negras, por parecerem

menos ameaçadoras para a classe média branca, aquela que ocupa os subúrbios em

expansão, que é o seu público alvo. Toda semana, na reunião de produção e marketing da

produtora de discos, procede a uma votação para saber qual canção merece ser

comercializada, em função de sua capacidade de se transformar num hit. Eventualmente,

Berry Gordy convida para a reunião ‘kids’ que encontrou na rua, para perguntar sua

opinião — é o ‘focus group’ avant la lettre. A Motown é uma indústria, uma fábrica de

canções, versão musical das linhas de montagem Ford e General Motors tão próximas de

Detroit. Numa palavra: Berry Gordy não compõe canções, mas sucessos (MARTEL, 2012,

p. 2089).

17 Mais informações disponíveis em: <http://www.classical-crossover.co.uk/help/utrophy-faq/142.html>.

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Para abordar a massificação da música, como desenvolveu-se o universo mainstream e

como o impacto desses acontecimentos mudaram o curso das produções musicais, é importante

vasculhar nos arquivos e tapes da Motown, com sua fábrica de hits, suas técnicas de marketing que

envolviam execuções incansáveis em todo os territórios dos Estados Unidos, visando um público

jovem branco, ávido por consumir música negra. As execuções seguidas, ou seja, repetições são

fundamentais para a aceitação da música.

O efeito da repetição no gosto é um fato biológico de profunda importância e que isso se

estende a todos os animais. Para sobreviver em um mundo frequentemente perigoso, um

organismo deve reagir cautelosamente a um estímulo novo, com retraimento e medo. As

perspectivas de sobrevivência são ruins para um animal que não desconfia de coisas novas.

Entretanto, um enfraquecimento da cautela inicial também constitui adaptação se o

estímulo na verdade for seguro (KAHNEMAN, 2012, p. 1.404).

As grandes gravadoras multinacionais, conhecidas no mercado como majors, copiaram o

modelo da Motown e contrataram seus artistas como Michael Jackson, colaborando para massificar

a música, inicialmente nos EUA e depois no resto do mundo, através do estilo pop, que nada mais

é do que uma abreviatura de popular. Involuntariamente ou voluntariamente, esse processo de

massificação foi uma das maneiras de se conseguir a democratização universal da cultura musical,

empobrecendo-a e tornando-a mais superficial, mais vendável (LLOSA, 2013).

2.5.1 O FIM DO CONCEITO DE ÁLBUM

É provável que hoje se consuma muito mais música do que jamais se consumiu no passado.

Muitas barreiras que levavam esse produto até o público em geral, foram eliminadas com o

fenômeno da digitalização. Todos têm acesso à música de forma fragmentada e não mais em

pacotes ou álbuns como costumava ser. O fato do produto música não ser entregue no formato de

suporte, acompanhado de encartes, fotos e release sobre o artista, obrigatoriamente exime o

consumidor de criar um vínculo mais estreito com o artista e até mesmo de interagir melhor e

compreender sua mensagem. Ou seja, não existe mais o ritual de se comprar um disco ou um CD

e abri-lo para ler as letras, conferir as fotos etc.

No passado não muito distante, o acesso à letra completa de um artista dava-se somente

através do encarte que vinha dentro do envelope do LP e da caixinha do CD. Hoje existem vários

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sites que expõem, traduzem e até interpretam algumas letras. Perdeu-se o ritual de interagir com as

informações enquanto colocava-se um CD no aparelho de som, de ler a ficha técnica, de conferir

alguns vocábulos de difícil compreensão nas letras cantadas aceleradamente. O encarte morreu

junto com o CD.

O consumidor de música atual não se importa com a produção da obra e com a perfeição

de um produto acabado, informativo e esteticamente atraente. As capas de um disco ou um CD

eram minuciosamente trabalhadas, muitas vezes com grandes artistas assinando a direção de arte,

porque esse era um produto para ser exposto em vitrines e prateleiras de lojas de música, com o

intuito de atrair a atenção do comprador, mesmo que este já conhecesse o artista.

Tudo era uma grande concepção de ideias que aglutinavam o conceito principal da obra em

torno de um título, que muitas vezes remetia a um projeto de turnê e gerava discussões, entrevistas

e críticas em torno desse conceito de álbum. Artistas como Chico Buarque, por exemplo, sempre

procuravam cunhar algum título de impacto para suas obras, ideias que sintetizavam o conceito de

sua arte ou que simplesmente buscavam causar reflexões e questionamentos. Exemplos clássicos

são dois dos álbuns mais importantes de sua carreira: Construção e Opera do Malandro18.

A diferença essencial entre essa música do passado e a de hoje é que os produtos do passado,

pretendiam transcender o tempo presente, durar, permanecer vivo nas gerações futuras, enquanto

os produtos do presente são fabricados para serem consumidos instantaneamente e desaparecerem

(LLOSA, 2013).

Esse modelo comercial começou com a gravadora Motown. Cantores e compositores como

Chico Buarque, Djavan, Caetano Veloso, Renato Russo e Roberto Carlos, criaram canções para

durar, para fazer refletir, rir, chorar e continuar a atrair novos ouvintes no futuro. Não é à toa que

eles permanecem nas listas dos maiores arrecadadores de direitos autorais no Brasil. Já as canções

de Anitta, Pabllo Vittar, MC Guime e os atuais representantes do sertanejo universitário não devem

durar mais do que o tempo da apresentação e desaparecer rapidamente dando espaço para outros.

É o caso da cantora Kelly Key, a Anitta dos anos 2000.

Os artistas atuais dispõem de muito mais recursos para atingir seu público. As redes sociais,

os sites de conteúdo e as plataformas de streaming democratizaram o acesso e a distribuição a

18 Mais informações disponíveis em: <http://www.chicobuarque.com.br/>.

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qualquer artista, sem precisar passar pelo crivo de um diretor artístico de uma gravadora. Esse

cenário é ainda mais perigoso, porque numa sociedade que foi manipulada para consumir produtos

descartáveis, artistas de calibre ainda mais duvidoso podem vir a tornarem-se grandes hits,

lançando faixas únicas e descartáveis, e fazendo sucesso sem nunca ter lançado um álbum completo

sequer.

Embora muitos artistas ainda lancem “álbuns”, algumas vezes conceituais, o fato é que o

novo paradigma da música digital é o trabalho de divulgação que é feito faixa por faixa. As

plataformas de streaming raramente raqueiam álbuns, mas sim as faixas mais tocadas. Essas

plataformas digitais, por serem mais restritas, sob o aspecto de tamanho da tela, também excluem

os créditos que obrigatoriamente eram impressos nos rótulos dos discos e dos CDs. Não temos uma

ficha técnica completa ou pelo menos não fica exposta. Os consumidores mais novos,

especialmente, às vezes não conhecem o artista que mais ouvem e nem fazem questão de saberem

que compôs aquela música. As rádios hoje em dia não dão mais o crédito ao compositor. Acabou

a ficha técnica. Mesmo as rádios, já há muitos anos não falam os nomes dos compositores. Se os

compositores não são mais as estrelas de um trabalho autoral e nem aparecem nos créditos, qual a

diferença se uma música foi composta por um computador ou um humano?

Lançar um álbum conceitual no Spotify não significa que as faixas serão escutadas numa

sequência lógica que contará uma história. A música digital traz consigo um novo paradigma e

influencia ainda mais na pasteurização. Por mais que se tenha canções elaboradas artisticamente,

no Spotify, seu hábito de consumo jamais o colocará em colisão com os algoritmos que poderiam

sugerir canções mais sofisticadas.

Com a simplificação na forma de produzir, distribuir e divulgar, a música passou a ser um

produto acessível a todos, estimulando a criação em contextos, onde a sofisticação não encontra

eco, mas direciona toda uma indústria a apostar muito mais no marketing do que no artístico como

forma de atingir um número maior de pessoas num mercado global. Ao analisarmos alguns

movimentos musicais no Brasil e compará-los através de diferentes épocas, é possível perceber

claramente este distanciamento da forma original de cultura, das canções protesto influenciadas

por poesia sofisticada, em relação ao que é produzido e lançado no mercado atualmente.

Que o mercado da música está mudando constantemente, isso não é nenhuma novidade,

entretanto, vale salientar que a influência dos recursos digitais está gerando modelos de negócios

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que estão sendo guiados puramente pelas estatísticas e pelos algoritmos. A Inteligência Artificial

flerta com a música há alguns anos no desenvolvimento de softwares inteligentes que ajudam a

compor.

Mas será que a padronização e a massificação cultural irão tornar o caminho mais fácil para

que a Inteligência Artificial comece a criar músicas livremente, além de dominar nossos gostos e

influenciar em nossas decisões de consumo de música? Estaremos reduzindo nossa capacidade de

memória musical, aquela que sempre nos remete a algum acontecimento em nossas vidas, já que a

máquina estará fazendo esta associação com o passado por nós? De acordo com Mario Vargas

Llosa (2013, p. 210), sim.

Pero también hay pruebas concluyentes de que, cuando la memoria de una persona deja

de ejercitarse porque para ello cuenta con el archivo infinito que pone a su alcance un

ordenador, se entumece y debilita como los músculos que dejan de usarse. No es una

metáfora poética decir que la «inteligencia artificial» que está a su servicio soborna y

sensualiza a nuestros órganos pensantes, los que se van volviendo, de manera paulatina,

dependientes de aquellas herramientas, y, por fin, sus esclavos. ¿Para qué mantener fresca

y activa la memoria si toda ella está almacenada en algo que un programador de sistemas

ha llamado «la mejor y más grande biblioteca del mundo»? ¿Y para qué aguzar la atención

si pulsando las teclas adecuadas los recuerdos que necesito vienen a mí, resucitados por

esas diligentes máquinas?19.

Pierre Levy (1993), em seu livro As Tecnologias da Inteligência, já discorria sobre a

questão da memória e sobre como os softwares estão armazenando informações e nos deixando

cada vez mais sem memória. A música sempre foi um grande canalizador de memórias, que nos

faz voltar no tempo e relembrar bons momentos. As letras nos identificavam com os sentimentos

e com nossas formas de pensar. Decorar uma letra de música como Faroeste Caboclo, do Legião

Urbana20, era uma façanha, e por muitas vezes acompanhávamos a música com a capa do disco em

mãos, checando as letras e decorando cada palavra. Hoje, a música digital não proporciona essa

19 Mas há também evidências conclusivas de que, quando a memória de uma pessoa deixa de ser exercida por ter o

arquivo infinito que coloca o computador ao alcance, ela se torna entorpecida e fraca como os músculos que não são

mais usados. Não é uma metáfora poética dizer que a "Inteligência Artificial" que está a seu serviço suborna e

sensualiza nossos órgãos pensantes, aqueles que estão se tornando, gradualmente, dependentes dessas ferramentas e,

finalmente, de seus escravos. Por que manter a memória atualizada e ativa se tudo estiver armazenado em algo que um

programador de sistemas chamou de "a melhor e maior biblioteca do mundo"? E por que chamar a atenção se,

pressionando as teclas certas, as lembranças de que preciso me vêm, ressuscitadas por aquelas máquinas diligentes?

(Tradução do autor). 20 Mais informações disponíveis em: <http://www.legiaourbana.com.br/>.

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experiência. Os jovens, principais consumidores de música, muitas vezes sabem pouco sobre a

história dos artistas. Estão muito mais preocupados em curtir, se divertir de forma efêmera e dar

lugar para a próxima faixa do próximo artista revelação que lançou um novo single com uma letra

fácil de decorar e com ritmo dançante.

Na medida em que os meios digitais ampliaram substancialmente o alcance para o consumo

de música, especialmente através dos smartphones, os produtores e as gravadoras passaram a

encarar a possibilidade de atingir um público muito maior e com isso focaram em produzir artistas

ou canções de grande alcance, quase totalmente massificadas e seguindo algumas fórmulas ou

algoritmos do sucesso. Ou seja, o interesse maior é oferecer um produto de fácil degustação,

acessível para o maior grupo de pessoas possível, pois a única maneira de conseguir a

democratização total da música é tornando-a mais pobre, superficial e acessível.

En las antípodas de las vanguardias herméticas y elitistas, la cultura de masas quiere

ofrecer novedades accesibles para el público más amplio posible y que distraigan a la

mayor cantidad posible de consumidores. Su intención es divertir y dar placer, posibilitar

una evasión fácil y accesible para todos, sin necesidad de formación alguna, sin referentes

culturales concretos y eruditos. Lo que inventan las industrias culturales no es más que

una cultura transformada en artículos de consumo de masas (LLOSA, 2013, p. 27)21.

2.5.2 A QUANTIDADE ÀS CUSTAS DA QUALIDADE

A música está em toda parte como um objeto comercial, desde as trilhas sonoras dos jogos

de vídeo games até os ring tones dos celulares. O resultado disso é que o mercado vem sendo

inundado com um volume muito maior de composições que encontram nas plataformas de

streaming um contato direto com ouvintes, ponte esta que só era possível através de uma grande

gravadora. Trata-se de um oceano de oportunidades e ao mesmo tempo de obscuridade.

Se por um lado a Motown e posteriormente a Sony, Warner e Universal influenciaram na

massificação do estilo pop pelo mundo, desenvolvendo gerações de ouvintes e criadores

acostumados a um estilo de música frugal e descartável, por outro lado a internet surgiu como uma

alternativa para dar espaço a artistas originais, dando a eles uma chance de aparecer. Porém o que

21 Nas antípodas das vanguardas herméticas e elitistas, a cultura de massa quer oferecer novidades acessíveis para o

público mais amplo possível e distrair o maior número possível de consumidores. Sua intenção é entreter e dar prazer,

para permitir uma evasão fácil e acessível para todos, sem a necessidade de qualquer treinamento, sem referências

culturais específicas e estudiosos. O que as indústrias culturais inventam nada mais é do que uma cultura transformada

em artigos de consumo de massa (Tradução do autor).

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a princípio era um caminho alternativo para esses artistas encontrarem seus fãs, tornou-se um

emaranhado de dados que são analisados por softwares ultra potentes que acabam por “ocultar”

tais criadores em detrimento de uma leitura de tendências e de dados analíticos que refletem o

verdadeiro gosto da grande maioria. É a música tornando-se um espetáculo de entretenimento,

aproximando-se cada vez mais do simples, do menos, da quantidade em detrimento da qualidade,

como uma maneira de passar o tempo (LLOSA, 2013), invadindo os ouvidos manipulados com os

fones de ouvidos brancos.

Já não se ouve música em grupo, avaliando ou criticando a obra de um artista. Ouve-se

música de forma egoísta, cada um com seu fone, executadas através de um aparelho de telefone

que, na maioria das vezes, não é utilizado sequer para telefonar. Esta é a digitalização do espetáculo

da música. O espetáculo de ouvir foi banalizado e as pessoas simplesmente escutam música de

forma despretensiosa, objetivando apenas o entretenimento descartável, visando matar o tempo

enquanto se deslocam para o trabalho.

A digitalização do espetáculo da música está no Youtube, no Spotify, no Deezer, e porque

não dizer nas redes sociais. Estas sim, propagam de forma muito rápida aquilo que é mais raso,

mais rápido de ser consumido e compreendido. Os programas de TV, do tipo caça talentos, como

Ídolos, ou mas recentemente o The Voice Brasil, preenchem a programação com intérpretes,

candidatos a músicos, que reproduzem canções de outros, onde normalmente se destacam aqueles

que interpretam canções mais populares. Raramente um programa para descobrir canções inéditas

atrairia a atenção do grande público. A digitalização do espetáculo da música está no número de

likes que um artista recebe em seu vídeo no youtube, que muitas vezes são clicks comprados no

mercado negro de mídias digitais, as chamadas fazendas de cliques, mas que proporcionam os 15

minutos de fama (KEDOUK, 2018).

2.5.3 SAMPLES E COLAGENS

Os modelos de consumo baseados em assinatura entregam catálogo quase infinito, são

baratos, acessíveis e possuem variedade de estilos. Entretanto, a influência dos algoritmos que

atuam sobre essa big data de arquivos de áudio, pode impactar cada vez mais a unificação ou

massificação dos gêneros musicais, porque visam sempre atender a massa.

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Volume significa dinheiro, e num negócio onde as margens são muito apertadas, ao

contrário do modelo antigo de distribuição através de um formato físico cujas margens eram

elevadíssimas, é importante ter um grande número de clientes assinantes para melhor remunerar os

investidores.

A pressão de investidores é comum, seja na era analógica ou na era digital e permeia as

estratégias dos gigantes da indústria fonográfica que acabam cedendo, investindo muito mais no

marketing e no comercial do que no artístico. Nenhuma novidade até aí porque desde as fórmulas

mágicas de sucesso da Motown, passando pelos famosos jabás nas rádios (LICHOTE, 2011) e a

difusão dos vídeos clipes da MTV tem sido assim.

A internet e a digitalização da música criaram um terreno mais democrático, mas ao mesmo

tempo implementou tecnologias que viabilizaram o consumo e distribuição de música nos canais

mais inusitados, como os ring tones dos telefones celulares.

Desde os tempos em que era somente possível apreciar música numa apresentação ao vivo,

passado pela revolução do gramofone que permitiu a reprodução gravada destas apresentações,

chegando até a revolução do CD e da música digital, o que se percebe é que quanto mais os meios

avançam, menor é a sofisticação da música que é produzida. Quanto mais recursos tecnológicos

surgem, menor é a capacidade de fazer música pura e se lança mão cada vez mais dos samples

(McGRATH, 2017), dos pre-sets e dos softwares de composição.

O computador é capaz de simular tudo, desde ruídos de amplificadores específicos até o

tom de voz de um determinado cantor. Se a máquina pode fazer por nós porque deveríamos

entender sobre música, se qualquer pessoa pode compor?

Aqui há uma relação com a obra do Mario Vargas Llosa (2013) e do Pierre Levy (1993),

que abordam o fato de que o computador nos deixa mais acomodados. Esta é a digitalização do

espetáculo no campo da música, a digitalização impactou vários negócios da indústria criativa

fazendo surgir novos players, mas nenhum deles com o compromisso de levar mais cultura para as

massas.

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2.6 A quem pertencem os dados?

Em seu livro, Who Owns the Future, Jaron Lanier defende a ideia que nós deveríamos

receber royalties pelas informações que geramos (LANIER, 2013), afinal, somos responsáveis por

abastecer as grandes plataformas com informações preciosas sobre nossos hábitos.

O Google sabe muito sobre nós (STEPHENS-DAVIDOWITZ, 2017), sabe quais são nossos

interesses, nossas angústias e nossos preconceitos. Todos os dias disponibilizamos informações a

nosso respeito e estas informações são usadas pelo Google para gerar receitas com publicidade.

Logo, nada mais justo do que recebermos pelas informações que damos ao Google.

O mesmo raciocínio poderia ser aplicado ao Spotify. Ao autorizarmos a plataforma de

streaming compreender nossos gostos musicais, estamos dando informações preciosas que vão

influenciar nas definições estratégicas do negócio e traçar novos rumos. Não se trata, obviamente,

de informações individuais, mas sim um conjunto de dados formados por uma massa crítica, por

pessoas que compartilham o mesmo gosto musical. Esses dados são monitorados em tempo real

pelo Spotify, gerando insights e conteúdo para novas ideias e estratégias de marketing.

É muito provável que esse tenha sido o processo que levou o Spotify a perceber que as

canções do rapper Sabotage tinham um volume grande de sessões de streaming, ou seja, as pessoas

estavam ouvindo muito esse artista. Hoje os analytics conseguem cruzar dados cruciais e em grande

volume, que mostram num dashboard, com precisão, os movimentos de todos os ouvintes de

música que assinam o serviço. Como isso, fica fácil saber com precisão quem são os artistas que

realmente geram audiência e daí desenvolver estratégias para alavancar o volume de sessões ou de

streaming.

Com tantas informações preciosas na palma da mão, os analistas do Spotify provavelmente

chegaram à conclusão de que seria bom para o negócio se eles tivessem mais canções do Sabotage

disponíveis na plataforma. Se a iniciativa gerou novas receitas para o Spotify, não é possível saber.

O serviço de streaming em questão não costuma divulgar informações sobre números de seus

projetos. Mas o simples fato de colocar um artista quase esquecido em evidência novamente,

utilizando Inteligência Artificial, abre precedentes para que as pesquisas com música e Inteligência

Artificial avancem velozmente para um modelo onde as gravadoras poderão melhorar suas receitas

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com royalties, sendo coautoras de canções compostas por máquinas de sua propriedade,

influenciadas pelas informações com dados de comportamento dos ouvintes.

2.6.1 PARA ONDE VÃO OS ROYALTIES?

Talvez, uma das discussões mais atuais, dentro dos escritórios de advocacia, esteja

relacionadas ao impacto que a Inteligência representa para o Direito. O objetivo aqui não é discutir

se as máquinas vão substituir advogados para analisar pilhas e mais pilhas de processos judiciais,

mas sim, discorrer sobre a quem pertence os direitos de uma obra musical criada 100% por uma

máquina.

A Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (BRASIL, 1998), não previu essa possibilidade

e determina que o autor “é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”,

deixando claro que o autor de uma determinada obra deverá ser um humano. Porém, é bem provável

que adaptações sejam feitas no âmbito do reconhecimento da co-criação máquina e homem.

O case do Sabotage remete a esse modelo, onde houve participação importante do fator

humano através de processo de curadoria e ajustes naquilo que foi produzido pela máquina. Sob

essa ótica, os envolvidos com a obra receberão seus direitos normalmente por serem coautores da

música.

Entretanto, a questão mais perigosa e controversa dentro da economia criativa é que, se a

Inteligência Artificial for responsável pela construção de grande parte do processo criativo, e se

estará cada vez mais concentrada em players poderosos que investem em tecnologia, é possível

que haja uma concentração na arrecadação de direitos autorais no futuro.

Do mesmo modo, como já vem acontecendo com os dados de usuários, que são informações

preciosas dadas gratuitamente para o Facebook, para o Google ou para a Amazon, as criações

musicais por máquina poderão gerar um efeito onde toda composição, seja ela automática ou não,

passará por algum servidor ou software de Inteligência Artificial, cujos direitos pertencem a algum

gigante da tecnologia. Isso explica porque o Spotify contratou todos os pesquisadores do Projeto

Flow Machines, da Sony (CRACKMAGAZINE, 2017).

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2.7 Tocando no cérebro

Uma das perguntas que a ciência procura responder e que permanece desafiando o

imaginário das pessoas é de onde vem a criatividade humana, e no caso da música, de onde vem a

inspiração que faz com que alguns compositores se transformem em grande sucesso e outros caiam

no esquecimento.

Da mesma forma, respostas mais precisas sobre por que a música é mais fácil para uns do

que para outros, tanto no que se refere a tocar um instrumento quanto a interagir e sensibilizar-se

ouvindo música, começam a surgir como resultado das pesquisas em Neurociência.

Muitas destas respostas, mesmo que parciais, estão no estudo da cognição, afinal, cientistas

e artistas desenvolveram processos de explore/exploit com o intuito de gerar algo novo. Ambos

estão de alguma forma tentando resolver um problema, seja ele científico ou artístico. O que artistas

e cientistas têm em comum é a capacidade de viver em um estado aberto de interpretação e

reinterpretação dos produtos do nosso trabalho (LEVITIN, 2007).

Pedro Domingos (2017) afirma que as relações criativas podem mudar, na medida em que

conhecermos melhor o cérebro. Inspirada pelo Projeto Genoma Humano, a nova área da

Conectômica22 tenta mapear cada sinapse do cérebro. A União Europeia está investindo um bilhão

de euros para construir um modelo completo dele. A iniciativa americana Brain, com 100 milhões

de dólares de financiamento somente em 2014, tem metas semelhantes.

Atenta à toda essa discussão, está o mercado criativo da música, que talvez seja uma das

áreas mais impactadas pelas novas tecnologias desde a Revolução Industrial, tanto na mudança de

modelo quanto na velocidade em que elas ocorreram,

É notório que o faturamento global com venda de música sofreu um revés com a introdução

dos modelos de streaming, quando a venda de CDs físicos caiu drasticamente em todo o mundo.

Porém, isso não significou necessariamente menor alcance. Ao contrário, o consumo de música

vem crescendo aceleradamente em todo o mundo graças à digitalização que possibilitou acesso à

música de forma rápida e barata (ROSA, 2018). Enquanto as vendas de CDs caem, as vendas de

22 Um conectoma é um mapa abrangente das conexões neurais do sistema nervoso de um organismo.

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músicas pagas em modelo de assinatura crescem. Entretanto, o alcance é muito maior, já que muitas

pessoas ouvem música gratuitamente na internet.

Figura 3 – Receitas da indústria global de música gravada – 1999-2017

(bilhões de dólares)

Fonte: Global Music Report 2018.

Figura 3 – Crescimento da receita nos anos 2013-107

Fonte: Global Music Report 2018.

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Os dados acima mostram o quanto o mercado de música cresce, mesmo sofrendo

solavancos pelas tecnologias disruptivas, provando o quão importante é a música para as pessoas.

Os americanos, por exemplo, gastam mais dinheiro com música do que com sexo (LEVITIN,

2007).

Ou seja, as pessoas têm uma forte ligação com a música como forma de entreter, relaxar,

pensar, sentir etc, Todas as pessoas nascem aptas a interagirem com a música e criarem de maneira

despretensiosa. Entretanto, o processo de composição tornou-se restrito, onde alguns produzem e

a grande massa restante consome.

Alguns pesquisadores defendem que a música tem um propósito para a humanidade e evolui

com ela (LEVITIN, 2007). As obras musicais produzidas há 50 anos são muito diferentes do que

se produz hoje em dia. Na medida em que nossos cérebros evoluem, e novas tecnologias se inserem

no mercado, nosso cérebro também acompanha essa evolução e novas sinapses são acionadas, tanto

para criar quanto para consumir música. O produtor Liminha afirmou, recentemente em uma

entrevista para o site da União Brasileira dos Compositores, que o cérebro das pessoas está

mudando e os produtores precisam se adaptar a isso. As músicas não possuem mais introdução,

por exemplo, o tempo estimado para um locutor de uma rádio falar uma vinheta. Atualmente isso

não existe mais (UBC, 2019).

As recentes descobertas do laboratório de pesquisa do Daniel J. Levitin, produtor musical

e pesquisador na área de Neurociência e Cognição, e autor do livro This is Your Brain on Music,

tem demonstrado que, ao contrário do que se pensava, a música não é restrita às atividades do lado

direito do cérebro, mas sim distribuída em todo o complexo cerebral, envolvendo quase todos os

subsistemas neurais, ativando as sensações e manipulando nossas emoções (LEVITIN, 2007). Isso

explica porque a música é tão natural e aceita em nossa sociedade, não se restringe apenas a uma

atividade artística, e faz bem à imensa maioria das pessoas.

De acordo com Levitin (2007), os elementos básicos de qualquer som são: volume, tom,

contorno, ritmo, andamento, timbre, localização espacial e reverberação. Nossos cérebros

organizam esses atributos perceptivos em conceitos de nível superior em dimensões. É a

combinação desses elementos que diferenciam sons organizados de ruídos aleatórios. Esses sons

organizados, dentro de uma relação com sentido desses elementos, formam o que conhecemos por

música. A frequência da vibração das moléculas de ar é captada por nossos tímpanos, identificada

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pelo cérebro e interpretada de várias formas, como alegria, tristeza, ansiedade, euforia etc. O tom

(vibração do ar), é o principal condutor dessas mensagens com significado.

Melodies are defined by the pattern or relation of successive pitches across time; most

people have no trouble recognizing a melody that is played in a higher or lower key than

they’ve heard it in before. In fact, many melodies do not have a “correct” starting pitch,

they just float freely in space, starting anywhere. “Happy Birthday” is an example of this.

One way to think about a melody, then, is as an abstract prototype that is derived from

specific combinations of key, tempo, instrumentation, and so on. A cognitive psychologist

would say that a melody is an auditory object that maintains its identity in spite of

transformations, just as a chair maintains its identity when you move it to the other side

of the room, turn it upside down, or paint it red (LEVITIN, 2007, p. 27)23.

Todos os sons que ouvimos são canalizados para o cérebro e na medida em que ganhamos

experiência somos capazes de identificar as nuances de determinadas combinações sonoras. Os

seres humanos costumam, por exemplo, associar acordes em tom maior com felicidade, e acordes

em tom menor com tristeza. Os compositores, normalmente, sabem disso e utilizam desses recursos

para passarem sua mensagem, seja através de uma música para melhorar sua autoestima e a de

quem ouve, como também para estimular sentimento de tristeza, abandono e rejeição. Tudo com o

propósito de criar novas canções que gerem algum tipo de identificação com o público num

percurso que começa nas vibrações do ar, passando pelos nossos ouvidos, até chegar no cérebro.

Each time we hear a musical pattern that is new to our ears, our brains try to make an

association through whatever visual, auditory and other sensory cues accompany it; we

try to contextualize the new sounds, and eventually, we create these memory links between

a particular set of notes and a particular place, time, or set of events (LEVITIN, 2007,

página 39)24

Levitin (2007) destaca ainda que a visão predominante do cérebro é que ele é um sistema

computacional, e pensamos nele como um tipo de computador. Redes de neurônios interconectados

23 As melodias são definidas pelo padrão ou relação de notas sucessivas ao longo do tempo; a maioria das pessoas não

tem dificuldade em reconhecer uma melodia tocada em um tom maior ou menor do que a que ouviram antes. De fato,

muitas melodias não têm um tom inicial “correto”, elas apenas flutuam livremente no espaço (Tradução do Autor). 24 Sempre que ouvimos um padrão musical que é novo para os nossos ouvidos, nossos cérebros tentam fazer uma

associação através de qualquer sinal visual, auditivo e outros sinais sensoriais que o acompanhem; tentamos

contextualizar os novos sons e, eventualmente, criamos esses links de memória entre um conjunto específico de notas

e um lugar, hora ou conjunto de eventos específico (Tradução do Autor).

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realizam cálculos com informações e combinam seus cálculos de maneira que levam a

pensamentos, decisões, percepções e, finalmente, à consciência.

Portanto, a atividade musical envolve quase todas as regiões do cérebro que conhecemos,

e quase todas as regiões do subsistema neural. Diferentes aspectos da música são tratados por

diferentes regiões neurais. O cérebro usa a segregação para processamento de música, e emprega

um sistema de detectores, cujo trabalho é analisar aspectos do sinal musical, como tom, andamento,

timbre e assim por diante. Alguns processamentos de música têm pontos em comum com as

operações necessárias para analisar outros sons. Entender a fala, por exemplo, requer que

segmentemos uma enxurrada de sons em palavras, frases e expressões sonoras. É assim que o

cérebro também identifica nuances, como o sarcasmo, raiva ou se o interlocutor está fazendo uma

pergunta. Muito do poder computacional do cérebro vem da enorme possibilidade de interconexão,

e decorre do fato de que os cérebros são máquinas de processamento paralelo que são capazes de

executar várias atividades ao mesmo tempo (LEVITIN, 2007).

O cérebro, com sua capacidade de processar, fruto da evolução de milhares de anos,

consegue entender as nuances sonoras. Quanto mais repetitivas são as nuances, mais familiar e

consequentemente mais fácil de se identificar um determinado som. Derek Thonson (2018), em

seu livro Hit Makers, destaca que o segredo do sucesso de uma canção está na relação de

familiaridade que ela traz, juntamente com um pouco de ineditismo. O truque é aprender a

emoldurar novas ideias como se fossem ajustes a ideias antigas, mesclar um pouco de fluência com

um pouco de disfluência, para fazer com que seu público veja a familiaridade atrás da surpresa.

Segundo Elizabeth Margulis (2019), uma musicóloga da Universidade do Laboratório de

Cognição de Música do Arkansas, “as pessoas gostam de melodias novas e surpreendentes, porém,

quando nós sentimos que podemos fazer minúsculas previsões de forma precisa em relação a como

uma música seguirá, a sensação é realmente boa”.

Isso explica o porquê ficamos admirados com os repentistas que cospem versos e rimas que

nossos cérebros esperam que aconteçam. Não requer nenhum esforço lembrar-se de uma melodia

ou letra que é fácil de ser lembrada; a melodia lembra a si mesma. O modelo prático disso foi a

fábrica de hits da Motown.

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Para vender algo familiar, torne-o surpreendente. Para vender algo surpreendente, torne-o

familiar. Nos pontos mais extremos do pensamento radical, é crucial que artistas e

empresários com ideias selvagens prestem atenção à puxada da familiaridade e se lembrem

do aviso de Max Planck: até mesmo as mais brilhantes inovações científicas encaram um

ceticismo inicial quando se distanciam demais do pensamento prevalecente. Grande arte

e grandes produtos atendem a públicos onde eles estão (DEREK, 2018, p. 1265).

As emoções que experimentamos com a música são o resultado de ter nossas expectativas

artisticamente manipuladas por um compositor talentoso. Um hit é um som organizado, mas a

organização tem que envolver algum elemento inesperado para não parecer algo robótico.

Compositores criam música com emoção, sabendo quais são as nossas expectativas e, em seguida,

muito deliberadamente, controlam quando essas expectativas serão ou não atendidas. Nós

desenvolvemos padrões ou esquemas para determinados gêneros e estilos musicais; estilo nada

mais é do que a repetição de um padrão (rock, sertanejo, funk).

Ou seja, não esperamos ouvir guitarras distorcidas na música sertaneja, a menos que o autor

queira surpreender. Esquemas são uma extensão da memória. Como ouvintes, reconhecemos

quando estamos ouvindo algo que já ouvimos antes, e podemos distinguir se já ouvimos

anteriormente na mesma obra ou em uma obra diferente. A audição musical exige, de acordo com

o teórico Eugene Narmour25, que possamos manter na memória, conhecimento das notas que

acabaram de passar, juntamente com o conhecimento de todas as outras músicas com as quais

estamos familiarizados que aproximam o estilo do que estamos ouvindo agora, ou seja, uma

“clusterização” ou agrupamento.

O que precisamos é de um algoritmo que agrupe de maneia espontânea objetos

semelhantes, ou diferentes imagens do mesmo objeto. Esse problema se chama clustering

(agrupamento) e é um dos mais estudados no machine learning. Um cluster é um conjunto

de entidades semelhantes ou, no mínimo, de entidades mais semelhantes umas às outras

que os membros de outros clusters. Agrupar faz parte da natureza humana, e com

frequência esse é o primeiro passo no caminho para o conhecimento (DOMINGOS, 2017,

p. 3.840).

Da mesma forma que os compositores brincam e jogam com as nossas expectativas, assim

também pode fazer o computador, especialmente quando ele dispõe de dados de comportamento

de ouvintes e suas preferências, não somente musicais, mas toda a sorte de preferências que são

25 Mais informações sobre o teórico disponíveis em: <https://web.sas.upenn.edu/enarmour/biography/>.

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possíveis de se registrar num banco de dados e de gerar algum algoritmo. Levitin (2007, p. 118)

cita um exemplo interessante:

A melodia é uma das principais formas pelas quais nossas expectativas são controladas

pelos compositores. Teóricos da música identificaram um princípio chamado

preenchimento de lacunas; em uma sequência de tons, se uma melodia der um grande

salto, para cima ou para baixo, a próxima nota deve mudar de direção. Uma melodia típica

inclui muito movimento gradual, isto é, tons adjacentes na escala. Se a melodia dá um

grande salto, os teóricos descrevem uma tendência para a melodia ‘desejar’ retornar ao

ponto de partida; essa é outra maneira de dizer que nossos cérebros esperam que o salto

fosse apenas temporário, e os tons que se seguem precisam nos aproximar e aproximar de

nosso ponto de partida, ou ‘casa’ harmônica.

A Neurociência tem empenhado esforços para a compreensão da atuação do cérebro em

relação a absorção de música, e na medida em que as pesquisas avançam e trazem respostas, mais

fácil se torna para os cientistas da computação não apenas imitarem o funcionamento do cérebro,

como também manipulá-lo. É possível que, gerar canções que grudem em nossa memória fique

cada vez mais fácil, uma vez que a própria ciência já está decifrando esse processo.

Quando percebemos algo, um padrão particular de neurônios dispara em um determinado

caminho para um estímulo particular. Embora cheirar uma rosa e cheirar ovos podres

invoquem sistema olfativo, eles usam diferentes circuitos neurais. Os neurônios podem se

conectar uns aos outros em milhões de diferentes maneiras. Uma configuração de um

grupo de neurônios olfativos pode sinalizar ‘rosa’ e outra pode sinalizar ‘podre’ Para

aumentar a complexidade do sistema, até os mesmos neurônios podem ter configurações

diferentes associadas com um evento diferente no mundo. O ato de perceber, então,

implica que um conjunto interconectado de neurônios são ativados de um modo particular,

dando origem à nossa representação mental do objeto que está lá fora no mundo. Lembrar

pode ser simplesmente o processo de recrutar o mesmo grupo de neurônios que usamos

durante percepção para nos ajudar a formar uma imagem mental durante o recolhimento.

Nós nos lembramos dos neurônios, puxando-os juntos novamente a partir de seus locais

diferentes para se tornarem membros do clube original de neurônios que estavam ativos

durante a percepção. Os mecanismos neurais comuns que fundamentam a percepção da

música e da memória para a música ajudam a explicar como é que as canções ficam presas

em nossas cabeças (LEVITIN, 2007, p. 154).

As emoções, arrepios e lágrimas que experimentamos com música são o resultado de termos

nossas expectativas artisticamente manipuladas por um compositor habilidoso e por músicos que

carregam esses sentimentos em suas interpretações e performance. Ao decifrar os comportamentos

do nosso cérebro com relação à forma como ele absorve música, é provável que num futuro muito

próximo, planejar e criar hits de sucesso seja algo banal.

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O computador poderá juntar nossos dados comportamentais de audição de música, mas

também basear-se nas descobertas da Neurociência para explorar os efeitos que a canção terá em

nossos cérebros e em nossas vidas. Descobrir uma música de sucesso não será mais por tentativa e

erro, ou mesmo com o esforço milionário de marketing. Os algoritmos estarão lá para cumprir esse

papel.

Entretanto, dúvidas ainda permanecem sobre como lidaremos com as fábricas de hits, e o

que será do mercado da música e da própria música quando um hit tornar-se uma commodity tão

desnecessária. Como abordado algumas vezes durante esta dissertação, a música está cada vez mais

parecida por causa dos modelos de distribuição global. A música regional tende a perder sua

importância comercial, ficando restrita aos pequenos grupos de pesquisa da história da arte.

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3 RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO

O objetivo desta pesquisa de campo é vivenciar de forma prática questões qualitativas

aplicando os conceitos desenvolvidos ao longo do Mestrado em Gestão da Economia Criativa. A

pesquisa está dividida em 4 partes:

Parte 1: Delimitação do tema e objetivos específicos

Parte 2: Estruturação da pesquisa

Parte 3: Questionários

Parte 4: Construção de personas

Parte 5: Construção de cenários

O resultado desta pesquisa de campo contribuiu para a dissertação em questão. Novas

pesquisas precisaram ser feitas constantemente utilizando essa mesma metodologia. Como trata-se

de um mercado muito dinâmico, novas iniciativas surgem a todo o momento.

3.1 Delimitação do tema e objetivos específicos da pesquisa de campo

O tema central da pesquisa de campo é sobre a influência dos algoritmos e da Inteligência

Artificial na criação de músicas. Os objetivos específicos, portanto, passam pelo entendimento de

como criar música através de computadores; pela avaliação do impacto na cadeia de valor da

produção musical; testar a recepção às músicas criadas com Inteligência Artificial; e por último

compreender como a Inteligência Artificial pode ser uma excelente ferramenta para os músicos e

eventualmente substituir os compositores.

3.2 Estruturação da pesquisa

a) Minigrupo de foco

Realização de um grupo de foco com 3 músicos profissionais

Onde: Estúdio Pombo Produções

Quando: 11 de dezembro de 2017

Participantes: Rogerio Miranda, Fabiano Marques e Alex Mouzinho

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b) Entrevista em profundidade

Entrevista com profissionais de tecnologia que atuam diretamente no desenvolvimento de

música e Inteligência Artificial.

Local: Porto Digital – Recife

Data: 23 de outubro de 2017

Participante: Professor Giordano Cabral

Entrevista com executivo da gravadora nacional

Local: ESPM

Data: 8 de dezembro de 2017

Participante: Ricardo Almeida

Entrevista com executivo de gravadora internacional

Local: Sede da Universal Music

Data: 4 de julho de 2018

Participante: Luiz Garcia

Entrevista com executiva da União Brasileira de Compositores

Onde: Sede da UBC – Centro – Rio de Janeiro

Data: 27 de abril de 2018

Participante: Elisa Eisenlohr

3.3 Aplicação da pesquisa

Realização de grupos de foco

Realização de grupos de foco com músicos e ouvintes de música

Realização de entrevistas em profundidade

Para uma coleta de dados mais focada, foram entrevistados dois profissionais que estão

atuando diretamente com música e Inteligência Artificial. São pesquisadores que participaram do

Projeto Flow Machines, da Sony e que criaram a primeira música pop utilizando técnicas de deep

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learning, learning machines e Inteligência Artificial, onde computadores absorveram música pop

mundial e criaram algumas canções, a partir dos algoritmos desenvolvidos para esse propósito. A

segunda parte da entrevista em profundidade foi com um executivo do mercado fonográfico (DA

DEUTSCHE WELLE, 2017).

3.4 Questionário

Foram utilizados dois questionários, um mais conceitual e mais abrangente, direcionados

aos pesquisadores do Projeto Flow Machines e outro mais detalhado orientado a um executivo do

mercado da música e ao minigrupo de foco.

3.5 Construção de personas

As personas foram construídas após a finalização das pesquisas:

Persona 1 – executivo do mercado fonográfico

Persona 2 – músico compositor

Persona 3 – consumidor de música

3.6 Estruturação de cenários

Os cenários foram desenvolvidos considerando o universo de um executivo de música de

uma gravadora multinacional e de um músico compositor profissional.

3.7 Questionários aplicados

Minigrupo de foco: músicos profissionais – roteiro semi-estruturado

Onde: Teresópolis – RJ

Quando: 11 de dezembro de 2017

Entrevistados: Rogerio Miranda, Fabiano Marques e Alex Mouzinho

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Avisos

Boa tarde. Gostaria de informar que esta conversa será gravada, peço todos que desliguem

os celulares para não interromper. Peçam que falem o mais próximo possível do gravador e evitem

falar junto. Cada um expressa sua opinião enquanto os outros escutam e assim sucessivamente.

Não se preocupem com o que vão falar, sejam sinceros e transparentes, não há necessidade de

concordar ou discordar, apenas falem de forma espontânea.

Introdução

Agradeço a presença de todos neste grupo focal sobre música e Inteligência Artificial. A

ideia desta pesquisa é descobrir se os computadores serão capazes de compor músicas de sucesso,

os chamados hits.

1- Para vocês, o que leva uma música a fazer sucesso? Vocês acham que existe alguma

relação entre sucesso e qualidade? Porque?

2- Vamos falar um pouquinho sobre gêneros musicais: quais são os gêneros musicais que

vocês acham que têm mais chance de fazer sucesso? Quais são os gêneros de que vocês

mais gostam?

3- Quais são os seus artistas favoritos? Vocês fazem questão em saber se seus artistas

favoritos são os compositores das músicas que eles tocam ou cantam?

4- Vocês assinam algum serviço de streaming para ouvir suas músicas ou ainda recorrem

aos arquivos MP3 ou até mesmo aos CDs antigos?

5- O fato da música não mais existir em meio físico (CDs), fez com que diminuísse a

pirataria? Vocês acham justo o valor que o Spotify cobra para permitir acesso a um

catálogo gigantesco de música?

6- Como vocês acham que os artistas ganham dinheiro? Ou como eles poderiam ganhar

mais dinheiro?

7- Vocês se incomodam com o fato do Spotify sugerir playlists baseadas no seu

comportamento de consumo?

8- Vocês acham que o estilo musical que vocês ouvem influencia no seu estilo de vida?

9- Vocês já ouviram falar em big data, algoritmos e Inteligência Artificial? Onde e como?

O que vocês entendem sobre isso?

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10- Vocês acham que a Inteligência Artificial terá algum impacto em nossas vidas no

futuro? Quais são as áreas que vocês acham que sofrerão mais impacto?

11- Vocês utilizam samples ou softwares de automação para compor? O que vocês acham

desses softwares?

12- Vocês conhecem alguma iniciativa de artistas artificiais, ou seja, artista fictício, mas

que lançam músicas no mercado?

13- Vocês já ouviram alguma música criada por computador?

14- Vocês também compõem músicas?

15- Bom, agora vou colocar uma música para tocar e gostaria de saber se vocês identificam

as influências deste compositor (mostrar a música Dad’s Car do Projeto Flow

Machines). Me falem com o que essa composição se parece?

16- Esta música foi feita por um software de Inteligência Artificial. O que vocês têm a dizer

sobre isso?

Comentários

O minigrupo de foco foi a experiência mais enriquecedora deste processo de pesquisa.

Embora tenha entrevistado músicos profissionais, e que têm uma visão peculiar sobre o mercado

da música, eles também contribuíram na construção de uma persona com a visão de consumidor.

Eles são músicos, mas também consomem música. Isso ficou bem claro logo no início da conversa.

Rogério, Fabiano e Alex, são músicos profissionais de diferentes estilos, mas compartilham

de uma visão de mercado semelhante. Ou seja, entendem que o sucesso é ser criativo dentro de um

processo de massificação. Para eles, sucesso é agradar um número grande de pessoas, e existem

muitos artistas que passam uma carreira inteira procurando agradar um público, mas não

conseguem.

Para eles, é muito delicado o fato de que o filtro para se atingir o sucesso é a decisão de um

diretor artístico de uma gravadora. Entretanto, eles enxergam oportunidades na distribuição digital

com possibilidade de alcançar uma audiência considerável através de canais como Spotify e

Youtube, onde são livres para se projetarem como bem entendem.

Não é à toa que muitos artistas, hoje em dia, são contratados por uma grande gravadora

depois de atingirem um bom nível de exposição nas mídias sociais. Com exceção do Fabiano, os

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outros dois músicos são compositores e tem alguma familiaridade com processos digitais de

gravação e edição.

Rogério inclusive utiliza o software Landr que faz o papel do engenheiro de masterização

e masteriza as canções utilizando Inteligência Artificial. Para Rogério, o processo de gravação saiu

dos grandes estúdios para os computadores pessoais, com plug-ins e planilha de som, o que fez

com que muitos músicos pudessem gravar músicas com qualidade de estúdio profissional, em suas

casas. Ao comentar sobre Inteligência Artificial, Rogério foi categórico em citar esses novos

programas de masterização que dispensam o engenheiro e delega essa tarefa à Inteligência

Artificial. Também comentou sobre o Projeto Amper, que trata-se de um software de Inteligência

Artificial que compôs sozinho suas músicas (apenas a voz foi de humanos) e que recebeu

investimentos de 4 milhões de dólares de um fundo de investimento. Rogério está mais na

vanguarda do que está acontecendo com a música e pretende usufruir de todos os recursos que a

tecnologia pode lhe oferecer.

Já do outro lado, tanto Fabiano como Alex são mais conservadores e tradicionalistas.

Sentem falta da época do vinil onde podiam abrir a capa, ver as fotos do artista e aprender as letras.

Eles dizem que os jovens de hoje sequer sabem quem está cantando as músicas. Fabiano não

compõe, mas Alex sim, e ele não acredita que a máquina tem a mesma inspiração dos seres

humanos. O processo de criação dele, por exemplo, não obedece a um único algoritmo. Ele pode

ter inspiração de várias maneiras. Mas Alex também não gosta de utilizar muita tecnologia em seu

som, prefere algo mais tradicional.

Quando coloquei a canção Daddy’s car do Projeto Flow Machines a reação foi unânime

em dizer que a música parecia Beatles. Expliquei que se tratava de uma canção composta por AI e

ficaram surpresos com a qualidade (exceto o Rogério que já conhecia o Projeto Amper).

Como conclusão deste foco, pude perceber claramente que a Inteligência Artificial terá um

papel preponderante na música, porém muito mais como um suporte e facilitador do que

propriamente de exclusão total do talento dos músicos. Na verdade, a AI vai ajudar os artistas a

serem mais criativos, finalizou Rogério.

Entrevista com executivo de gravadora: roteiro semiestruturado

Entrevista com executivo da gravadora Som Livre.

Onde: ESPM

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Quando: 8 de dezembro de 2017

Participante: Ricardo Almeida

O mercado da música

1-Como você vê o mercado da música atualmente em termos de crescimento e

oportunidades?

2-Qual é o percentual da receita com músicas digitais da sua gravadora?

3-Na sua opinião, a música ainda é um bom negócio?

4-A digitalização trouxe mais ameaças ou oportunidades para as gravadoras? E para os

artistas?

5-Você acha que as gravadoras podem perder mercado para os players de streaming e para

empresas como Apple, Google, Amazon?

6-Em algum momento vocês pensaram em criar uma plataforma de streaming própria?

7-Com relação aos artistas do seu cast, você saberia identificar aqueles que tem maior

potencial de trabalhar o ambiente digital?

8-Quais são os gêneros musicais da sua gravadora que têm melhor performance nas receitas

com streaming?

9-Dentre os seus artistas, qual o percentual daqueles que compõem as músicas que cantam?

10-Você acha que nos dias de hoje, onde não existe a limitação do meio físico no que tange

a prensagem, armazenamento e distribuição, seria possível um artista lançar um volume

maior de músicas por ano?

11-Se um artista de sua gravadora colocasse um número maior de músicas no mercado, as

chances de mais músicas explodirem aumentariam?

12-Para você, o que é mais importante: departamento artístico ou departamento de

marketing

Relação com tecnologia

.13-Quão importante a tecnologia é no seu negócio?

14-Vocês costumam contratar colaboradores com perfil mais analítico ou criativo? Experts

em tecnologia ou não?

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15-Você costuma utilizar analytics para medir a performance dos artistas? Quais são os

critérios? Antigamente a performance era medida pelo número de CDs vendidos, e

como é agora?

16-Você tem familiaridade com o conceito de big data? Como isso poderia impactar no seu

negócio?

17-Na sua opinião, como a Inteligência Artificial pode impactar no seu negócio? Explique.

18-Você acha que a Inteligência Artificial irá competir de igual para igual com

compositores humanos? Por que? Como você irá tirar proveito disso?

19-Você acha que a digitalização e a tecnologia estão massificando a música?

20- Como você vê o mercado da música daqui a 10 anos? O que irá mudar na sua opinião?

21- As gravadoras combateram fortemente o Napster quando ele surgiu no final dos anos

1990. Naquele momento, as gravadoras não enxergaram a mudança de paradigma no

mercado da música, hoje a distribuição de música está nas mãos de empresas de

tecnologia e é provável que seja um caminho sem volta. Diante do cenário atual, como

vocês encaram as novas tecnologias que estão revolucionando o mercado de uma forma

geral como a Inteligência Artificial e o Blockchain?

Comentários

O executivo da indústria fonográfica entrevistado foi o Ricardo Almeida, CFO da Som

Livre. Embora sua função seja na área financeira, Ricardo tem muito conhecimento sobre os

processos artísticos e de marketing, afinal é ele quem aprova novos investimentos.

Ricardo entende que a digitalização impactou severamente o mercado de música, trazendo

a extinção completa para uma imensa cadeia de valor da música gravada. Por outro lado, novas

oportunidades surgiram, a começar por uma grande redução nos custos de armazenamento e

distribuição. As gravadoras foram obrigadas também a buscarem novas alternativas de negócios

subjacentes.

O interessante, na visão do Ricardo é que, na sua opinião, a música não está sendo

impulsionada pela quantidade e sim pela qualidade. Se alguns direcionamentos da pesquisa

apontam para uma profusão de canções sendo colocadas no mercado, os artistas da Som Livre ao

contrário, têm lançado um número menor de músicas anualmente, porém dando mais foco e

investimentos para que essas músicas atinjam o grande público.

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Ricardo não vê ameaças na Inteligência Artificial, vê oportunidades de melhorar as margens

nos direitos autorais, uma vez que a gravadora poderia cuidar das composições e contratar apenas

intérpretes. Ricardo enxerga um futuro promissor para a música e acha que novas tecnologias

trazem sempre novas oportunidades. Ele comentou por exemplo que o Blockchain poderá ser uma

ferramenta que vai ajudar a combater a pirataria digital e também melhorar o controle de execução

pública. Hoje esse controle está nas mãos do ECAD e tudo é muito obscuro.

Com relação a discussão sobre a eterna guerra dentro das gravadoras entre o departamento

artístico e de marketing, Ricardo acredita num equilíbrio. A música hoje é muito mais um negócio

do que arte, mas é importante a busca contínua por artistas criativos e inovadores para alimentar o

long tail (ANDERSON, 2006).

Entrevista com pesquisador em música e Inteligência Artificial: roteiro semi-

estruturado

Entrevistado: Professor Giordano Cabral

Onde: Porto Digital Recife

Quando: 23 de outubro de 2017

Entrevistado: Professor Giordano Cabral

Curriculum do Giordano Cabral

Possui graduação em Ciências da Computação pela UFPE (1999), mestrado em Ciências

da Computação pela UFPE (2002) e doutorado em Informatique, Telecommunications et

Electronique pelo Laboratoire DInformatique de Paris (2008). Tem experiência na área de Ciência

da Computação, com ênfase em Software Multimídia, atuando principalmente nos seguintes temas:

Inteligência Artificial, representação e recuperação de informação musical, desenvolvimento de

sistemas, educação musical, sistemas interativos em tempo real, modelagem e simulação. Sua

experiência abrange laboratórios como o Sony Computer Science Lab, em Paris, a PUC RJ e o

Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no RJ. Atualmente é coordenador do

grupo de pesquisa Mustic, da UFPE e de diversas pesquisas de desenvolvimento tecnológico.

Perguntas endereçadas ao Professor Giordano Cabral:

1- A discussão sobre como a Inteligência Artificial irá substituir os humanos tem sido foco

em diversas áreas. Observando o mercado de gravadoras e do showbizz em geral, entendo

que a música está se tornando cada vez menos música e mais outras coisas como

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marketing, merchandising etc. As gravadoras estão desenvolvendo novas formas de

gerar receita, como a gestão de carreira de artista, produção de shows e eventos e

licenciamento de marca do artista. Dito isso, e levando em consideração que a música

pode estar tornando-se cada vez mais uma mercadoria, você acha que a IA substituirá os

compositores tradicionais, considerando que a IA irá compor de forma mais eficiente e

em maior volume?

2- Você acha que, com o apoio da AI, músicos e artistas poderão lançar mais músicas por

ano do que costumam lançar hoje?

3- Como você enxerga o mercado da música dentro de 10 anos? O que mudará em sua

opinião?

4- Em termos de distribuição de música e cobrança de royalties, você acha que o

Blockchain desempenhará um papel importante nessa indústria? Na sua opinião, como

isso acontecerá?

5- Compreendo que não existe uma fórmula para criar um grande sucesso. Para criar uma

música de sucesso, imagino que seja questão de tentativa e erro. Isso significa que,

quanto mais músicas um artista ou uma gravadora lançam, mais altas são as chances de

surgir um sucesso. Dito isso, você acha que o mercado de música será impulsionado pela

quantidade muito mais do que pela qualidade?

6- Você acredita que a AI será capaz de criar um botão de sucesso?

7- Espera-se que a Inteligência Artificial ajude os fãs a se apaixonarem ainda mais pelas

músicas, porque essas músicas se adaptam ao seu contexto. Como você acha que a

Inteligência Artificial usará grandes dados ou big data, para identificar o comportamento

e as tendências dos ouvintes de música, para melhor endereçar a estratégia das

gravadoras em termos de novos lançamentos?

8- O Projeto Flow Machines desenvolveu ferramentas de AI para ajudar os músicos a serem

mais criativos. Entretanto, essas ferramentas também podem ajudar pessoas que não são

músicos, a criar música. Considerando que, a Inteligência Artificial permitirá que

qualquer pessoa crie música, você acha que isso desencorajará os músicos reais a ganhar

a vida com a música?

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Comentários

De acordo com o Professor Giordano Cabral, a Inteligência Artificial não irá substituir a

capacidade criativa do ser humano, especialmente no que tange à música. Para ele, as ferramentas

de AI tornarão o trabalho mais fácil sendo utilizado como plataforma para edição de criação. Ele

considera que, mesmo que o computador possa criar músicas, o próprio algoritmo de otimização

irá tender para uma padronização na forma de criar, ou seja, para ele o “botão de hits” é utópico,

porque ele sempre cairá na armadilha da otimização. Somente a capacidade inventiva humana é

capaz de pensar fora da caixa. Ele não acredita que a AI irá desestimular os criadores de música,

mesmo facilitando o acesso à composição para quem não é músico. Na verdade, essa “competição”

poderá gerar obras cada vez mais geniais tanto para o mercado experimental quanto para o mercado

comercial.

Sobre a questão de branding, as previsões do Professor Giordano Cabral passam pelo

melhor aproveitamento do big data para gerar conteúdos customizados, incluindo-se a música. Na

visão de Giordano Cabral, o mercado será inundado por um volume de canções jamais imaginadas,

e o conceito de Cauda Longa (ANDERSON, 2006) aplica-se à essa realidade.

Entrevistado número 2: François Pachet

Onde: Entrevista via e-mail

Quando: 10 de dezembro de 2017

Entrevistado: Professor François Pachet

François Pachet’s Resumé: François Pachet is director of the Spotify CTRL (Creator

Research Technology Lab).

He is the former director of the Sony Computer Science Laboratory Paris, where he led the

music research team. He received his Ph.D. and Habilitation degrees from Université Pierre et

Marie Curie (UPMC). He is a Civil Engineer (Ecole des Ponts and Chaussées) and was Assistant

Professor in Artificial Intelligence at UPMC until 1997. He joined the Sony Computer Science

Laboratory in 1997 and created the music team to conduct research on interactive music listening,

composition and performance. Since its creation, the team developed several awardwinning

technologies (constraint-based spatialisation, intelligent music scheduling using metadata) and

systems: MusicSpace, PathBuilder, Continuator for interactive music improvisation, Flow

Composer etc.).

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François Pachet has published intensively in artificial intelligence and computer music.

He has been elected ECCAI Fellow in 2014 and he is Doctor Honoris Causa of the University of

Pernambuco (Brazil). After being Principal Investigator of the Flow Machines ERC Advanced

Grant, his current goal in Spotify is to build the new generation of tools to assist music creation.

He is also an accomplished musician (guitar, composition) and has published two music

albums (in jazz and pop) as composer and performer.

Perguntas endereçadas ao pesquisador François Pachet:

1- It’s been discussed how AI will replace humans in many different areas. In case of music

as a business, I understand that music is becoming less music and more other things like

marketing, merchandising, etc. Record labels is developing new ways to generate

revenue such as managing artist career, producing shows and events and artist brand

licensing. With that said, and, taking into account that music will became even more a

commodity, do you think that AI will replace composers considering that AI will compose

in a more efficient and quantitative way?

2- Do you think that with the support of AI, musicians and artist will release more music

per year than they usually release today?

3- How do you see music business within 10 years? What will change in your opinion?

4- In terms of music distribution and copyrights, do you think that Blockchain will play an

important role on this industry? How?

5- I understand that there is no formula to create a big hit. In order to create a song that

will become a hit, I believe that it is a question of trial and error. It means that, the more

songs an artist or a record label releases, the highest is the likelihood of coming up with

a hit. With that said, do you think that the music market will be driven by quantity rather

than quality?

6- Do you believe that AI will create a hit button?

7- AI Music hopes its technology will help fans fall in love with songs because those songs

adapt to their context. How do you think that AI will use big data to identify music

listeners behavior and trends, to better address record labels strategy in terms of new

releases?

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8- It’s known that Flow Machines has developed AI tools to help musicians to become more

creative. In the other hands, it will also help non-musicians to create. Considering that,

AI will allow any person to create music, does it mean that it will discourage real

musicians to make a living by music?

Comentários

O Professor François Pachet foi contatado pelo LinkedIn e se prontificou a responder a

algumas perguntas. Porém, não houve resposta de sua parte. Vale ressaltar que o Professor François

Pachet e toda a sua equipe que trabalhava no Projeto Flow Machines, da Sony, foram contratados

pelo Spotify e tiveram que assinar um termo de confidencialidade. Isso dificultou bastante a minha

pesquisa, porque essas pessoas são as mais importantes em todo o mundo no estudo de música e

Inteligência Artificial.

Construção de personas

A persona é uma pessoa fictícia que vai atuar como o representante do nosso usuário real

final.

Persona 1 – Executivo de gravadora

Nelson Motta é um executivo tradicional da indústria fonográfica. Saudosista, viveu os

melhores dias de glamour das gravadoras, especialmente nos anos 1990, década marcada pelo

surgimento do Napster, mais precisamente em 1998. Nelson Motta odeia a música digital, diz que

entende que o mundo mudou, mas gostava mesmo era da época em que se prensavam CDs e a

performance, tanto do artista quanto do departamento de vendas era medido pelo número de CDs

vendidos.

Nelson Motta não aceita as mudanças com facilidade e procura manter os resultados na

empresa na ponta do lápis. Seu foco é muito mais em resultados financeiros de curto prazo do que

no processo de desenvolvimento de artistas para o longo prazo. Com isso, ele tende a aceitar de

forma mais positiva que a Inteligência Artificial ajude o mercado a lançar mais músicas de forma

mais rápida para ganhar tanto nos blockbusters quanto na calda longa. Ele entende que quanto mais

música sua gravadora disponibilizar no mercado, maiores serão as suas receitas.

Nesse aspecto ele vê muitas similaridades com o modelo da Amazon, que gera bastante

venda na "cauda longa". Além disso, ele vê a possibilidade de aumentar a participação da gravadora

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nas receitas com royalties. Para Nelson Motta a música é um negócio e qualquer coisa que possa

ajudar o negócio a ser mais lucrativo é muito bem-vinda.

Persona 2 – Músico profissional

Rogério Miranda é musico profissional há cerca de 20 anos. Seu instrumento principal é a

guitarra, mas Rogério possui habilidade para tocar outros instrumentos, como violão, contrabaixo

e bateria. Suas principais influências são o rock inglês e a MPB, entretanto, Rogério também

costuma ouvir rock americano, especialmente as bandas de Seatle. Rogério costuma compor em

casa sozinho e depois trabalha os arranjos com seus colegas de banda. Tem bastante familiaridade

com softwares de gravação, produção, mixagem e masterização.

Ele tem noção de que a música tem lançado mão cada vez mais de tecnologia e isso é bom

para sua carreira, porque torna tudo mais fácil. Rogério é do tempo da música analógica. Até hoje

ele mantém sua coleção de discos de vinil e CDs. Sente-se um pouco incomodado com o fato de

que a música, hoje em dia, é 100% digital e ele gostaria que os novos lançamentos de suas bandas

preferidas chegassem ao mercado em CD ou vinil para poder acompanhar as letras e as fotos nos

álbuns.

Rogerio entende que Inteligência Artificial pode ajudar em muitas coisas, mas não entende

como um computador pode criar música por ser desprovido de imaginação. Entretanto, Rogério

utiliza softwares de masterização que renderizam suas composições com presets de sons

desenvolvidos por Inteligência Artificial.

Rogério gostaria de usar a Inteligência Artificial para poder compor músicas em maior

quantidade, mas na sua opinião isso não tem relação com criatividade. Rogério é um músico

criativo também na hora de fazer arranjos e por isso entende que a Inteligência Artificial seria mais

apropriada na elaboração de arranjos do que na composição propriamente. Rogério já compôs mais

de 100 músicas, mas nenhuma atingiu algum sucesso. Ele ganha dinheiro atualmente tocando em

bandas de covers na noite.

Na sua opinião a Inteligência Artificial jamais substituirá a capacidade criativa das pessoas,

especialmente dos músicos. Isso porque ele acha que a música é puro sentimento e por mais que as

máquinas possam criar, o resultado será algo que não tem sentimento e por isso não irá cativar as

pessoas.

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Persona 3 – consumidor de música adolescente

Luisa Santos é uma jovem de muitos sonhos. O principal deles é formar-se em Medicina e

trabalhar como Dermatologista. Luisa adora as redes sociais e atualmente utiliza bastante o

Snapchat e o Instagram. Utiliza o Whats App para trocar mensagens relacionadas aos estudos e já

faz mais de 1 ano que não acessa o Facebook. Luisa gosta muito de música e frequentemente vai a

shows. Ela acompanha vídeos de vários artistas no Youtube.

Luisa ainda não entrou para a faculdade de Medicina, porque está tentando uma vaga numa

instituição pública. Seus pais não podem arcar com as mensalidades de um curso de Medicina.

Luisa diz que se não fosse a Medicina, gostaria de ser cantora. Ela canta sempre que pode e adora

karaokês. Canta músicas em inglês sem saber uma palavra. Pretende estudar idiomas e aprender

pelo menos 2 antes dos 30 anos.

Com 20 anos de idade, é uma representante da geração Millennials. Adora tecnologia e já

lê bastante sobre como a Inteligência Artificial está revolucionando a Medicina. Ela assina o

serviço de streaming do Spotify, mas é fã da Apple, porque acha a empresa cool e vê uma relação

grande da Apple com a música. Mas mesmo assim preferiu assinar o Spotify, porque suas amigas

também assinam. Ela gosta de descobrir novos artistas através da ferramenta de recomendação do

Spotify, mas confessa que não reconheceria os artistas que tocam as músicas que ela gosta. Para

ela, a música é puro entretenimento e diversão. Não está nem aí se no futuro as músicas serão

compostas por máquinas.

Construção de cenários

Cenário 1

Fernando acordou cedo hoje para se preparar para uma reunião muito importante. Como

músico profissional e especialista em tecnologia aplicada à música, Fernando foi convidado por

uma start-up de Comunicação e Marketing que utiliza técnicas de big data, para compor o time de

colaboradores que estão desenvolvendo canções para uma empresa de moda, utilizando

Inteligência Artificial para criar o gênero e as letras ideais para o público da marca feminina

chamada Zeek.

Fernando não é compositor e jamais escreveu uma música sequer, mas ele conhece bastante

sobre música como instrumentista e também é expert em tecnologias. Fernando escreve para uma

revista focada em música e tecnologia chamada Softmusic e já publicou alguns ensaios sobre a

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influência da Inteligência Artificial no mundo da música. O trabalho do Fernando será compor

cinco canções para serem enviadas para o cliente para aprovação em uma semana.

A reunião foi bastante produtiva e Fernando já saiu com muita coisa para fazer em seu

estúdio caseiro, onde ele mantém um escritório para testar vários softwares de gravação, edição e

masterização, para avaliá-los e enviar suas críticas e comentários para a revista Softmusic. A tarefa

do Fernando é compor cinco músicas para uma marca famosa de roupas no estado do Rio de

Janeiro. E para isso ele irá recorrer aos dados de comportamento de um grupo de 2.000 clientes da

marca Zeek.

Além de várias interações com o site de e-commerce da marca, Rogério também tem

relatórios sobre o comportamento digital desses clientes nas redes sociais, além de dados de

pesquisa. Essas informações foram todas coletadas pela start-up de big data e inseridas num

software de machine learning ao longo de um ano.

Além das informações sobre o comportamento dos clientes, também foram processados

dados relacionados ao gosto musical desses clientes e as palavras mais comuns que elas costumam

publicar nas redes sociais.

Depois de processar todas essas informações num software de Inteligência Artificial, foram

gerados alguns resultados brutos de composições e letras. Embora tenha percebido que as canções

e as letras tinham relação com o público alvo da marca, Fernando teve que fazer algumas

interferências na sequência de acordes e também em algumas linhas melódicas. Para isso ele

utilizou um outro software chamado Continuator. Este software entende o gênero musical em

questão e propõe soluções que permitem fechar melhor os quadrantes das músicas.

Em seguida, Fernando submeteu todas as letras criadas por Inteligência Artificial para a

equipe de marketing da Zeek, que também fizeram ajustes nas expressões criadas. Depois de cinco

dias, totalmente envolvido com esse trabalho, Fernando finalmente finalizou as músicas. Em

seguida enviou as canções para aprovação da Zeek. Aprovadas as canções, seguiu-se para

masterização.

A Zeek já utilizava músicas pop conhecidas de outros artistas, mas pagava caro nos direitos

autorais. Entretanto, o software de masterização por Inteligência Artificial, chamado Landr, é capaz

de identificar o padrão sonoro das canções pop utilizadas pela marca para aplicar esse padrão,

também, nas novas músicas que foram compostas pela Inteligência Artificial.

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O trabalho foi entregue no prazo estimado. Um trabalho como esse sem a ajuda da

Inteligência Artificial levaria meses para ficar pronto. Com essa velocidade, é mais fácil para a

marca Zeek estar em sintonia com as transformações aceleradas de seu público.

As músicas que serão reproduzidas nas lojas da Zeek poderão ser ajustadas para adaptarem-

se à acústica de cada uma das lojas. Dessa forma, o impacto do music branding da Zeek é muito

maior. Suas clientes passaram a comentar sobre as novas músicas executadas nas lojas nas redes

sociais. O sucesso foi tanto, que a Zeek criou uma banda fictícia para divulgar a marca nas redes

sociais. Vídeos da Zeek Band serão postados no Youtube e novas interações com as clientes irão

enriquecer ainda mais o seu big data, possibilitando novas criações no futuro.

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4 RECOMENDAÇÕES

Levitin (2007), em seu livro This is Your Brain on Music, afirma que, sob o ponto de vista

orgânico, todo os seres humanos nascem com um sistema auditivo preparado para compreender as

variações sonoras do mundo exterior e interpretá-las. Ao longo do tempo, os sons foram evoluindo

e chegamos no modelo de música que conhecemos hoje.

O que o autor quer dizer com isso é que fisiologicamente todos temos recursos para

lidarmos com a música, seja criando ou consumindo. Ao logo do tempo, a música ficou restrita a

alguns poucos que criam e muitos tantos que consomem. Porém as novas tecnologias estão

nivelando o campo ao proporcionarem softwares e hardwares capazes de ajudar um leigo a compor

obras musicais. A música poderá perder o protagonismo uma vez que qualquer um pode ser

protagonista da música.

Os profissionais do mercado fonográfico precisam entender esse movimento e se

posicionarem de forma a usar essa “comoditização” a favor da geração de riqueza. As gravadoras,

por exemplo, já procuram novas fontes de receita com licenciamento de marcas de artistas,

merchandising, contratos de publicidade etc. Os produtores musicais terão que estudar Cognição e

Neurociência para poderem competir com a Inteligência Artificial. Os compositores de um modo

geral continuarão a criar, porém num cenário de concorrência quase desleal e terão que se

especializar em comportamento humano para dizer o que as pessoas querem ouvir de forma mais

assertiva do que a máquina. Se os humanos sempre dependeram da intuição para avançar, ou para

compor, agora os dados dizem muito mais sobre como fazer.

Domingos (2017) afirma que “Dados não podem substituir a intuição humana”. Na verdade,

é o oposto: a intuição humana não pode substituir os dados. Intuição é o que usamos quando não

conhecemos os fatos, e já que normalmente não os conhecemos, ela é preciosa. Porém, quando a

evidência está na nossa frente, por que negá-la?

A análise estatística vence batedores de beisebol talentosos (como Michael Lewis

memoravelmente documentou em Moneyball – O homem que mudou o jogo), vence especialistas

na degustação de vinhos, e todo dia vemos novos exemplos do que ela pode fazer. Artistas, de uma

maneira geral, se quiserem ser bem-sucedidos em suas carreiras, terão que compreender este

universo do analytics, da Neurociência e da tecnologia para terem uma carreira consistente.

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Mesmo assim, a ameaça de novas rupturas continua batendo à porta. Já os escritórios de

arrecadação poderão ter uma maior acuraria no aferimento das execuções públicas. Tecnologias

como blockchain, aliadas à softwares de monitoramento em tempo real impulsionarão o processo

de recolhimento de direitos autorais. Quando todos pensavam que os modelos de streaming

aniquilariam as receitas com royalties, os resultados do ECAD têm mostrado o contrário. Quanto

mais se difunde a música, mais se arrecada. E quanto mais se arrecada e se distribui esses royalties,

mais os compositores poderão investir em aperfeiçoamento para não caírem em extinção (UBC,

2018b).

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5 CONCLUSÃO

Não há como negar o fato de que as tecnologias de distribuição de música digital criaram

um oceano de oportunidades para a nova cadeia da música. Mesmo no cenário atual, a quantidade

de músicas que são lançadas é gigantesca. Hoje em dia é possível uma única pessoa, seja ela

profissional ou não, compor, produzir e fazer o upload da sua música numa plataforma de

streaming. Especula-se que o Spotify receba em torno de 20 mil músicas por dia (embora este

número não seja confirmado pela empresa). Entretanto, o resultado é um efeito paradoxal de

hiperconcentração do mercado. Muita disponibilidade de músicas, mas ninguém consome tudo

isso. Para se ter uma ideia o quadro abaixo mostra os gêneros musicais brasileiros e a quantidade

de artistas que mais tocam no Spotify:

Quadro 4 – Gêneros musicais tocados no Spotify

Fonte: Felix (2017).

Embora o Spotify não abra seus dados, algumas ferramentas que vasculham a web

conseguem extrair alguns insights, mas não é possível confirmar a acurácia. Entretanto, o que se

quer ilustrar aqui é que existem muito mais artistas do que as quantidades apresentadas acima, mas

que não são favorecidas pelos algoritmos de recomendação que recomendam aqueles que têm mais

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audiência e os que têm mais audiência acabam sendo os mais recomendados. O otimismo do Chris

Anderson com a Cauda Longa (ANDERSON, 2006) se realizou apenas para o agregador (Spotify).

Um compositor não pode viver de apenas cinco streamings por ano, mas o agregador,

somando milhões de poucas sessões de streaming consegue ganhar dinheiro. O otimismo da

democratização não se realizou. Os próprios agregadores podem começar a fazer suas próprias

músicas com a ajuda da Inteligência Artificial.

Ouvimos o que o algoritmo manda e estamos à mercê de dois ou três grupos internacionais

de distribuição de música que já há alguns anos acumulam dados de comportamento do usuário.

Vai demorar muito para que um novo player o alcance.

Essa dianteira sinaliza para os movimentos desses players, no sentido de investirem em

criação e produção de música com Inteligência Artificial. Ao absorverem as novas descobertas da

neurociência, agregadas à grande capacidade de se investir em algoritmos de machine learning,

esses players terão o mundo da música aos seus pés.

Pedro Domingos (2017), afirma que o futuro pertence àqueles que souberem em um nível

muito profundo como combinar sua área de especialização com o que o algoritmo faz melhor. Já

Yuval Harari, em seu livro 21 Lições para o Século 21, afirma que no futuro, talvez os únicos

cientistas restantes sejam cientistas computadores, ou seja, computadores fazendo ciência.

As pessoas, antes conhecidas como cientistas, dedicarão suas vidas à compreensão dos

avanços científicos realizados pelos computadores. Executivos de gravadora, talvez, terão que

passar o dia avaliando as milhares de obras geradas pelos computadores e analisando os dados de

comportamento ao redor do mundo para identificar o momento certo de divulgar uma música. Ou

quem sabe a própria máquina seja capaz de fazer todo o trabalho, tornando-se mais inteligentes do

que nós, no que Vernor Vinge (1993) batizou de “singularidade”, em um ensaio de 1993.

Entretanto, se chegar o momento em que os compositores e músicos sejam descartados, se

pensarmos isso no limite, essa utopia é praticamente impossível. As máquinas trabalham para

otimizar e quando toda a música do mundo for otimizada, teremos músicas pasteurizadas, seguindo

sempre o mesmo padrão. As máquinas podem até consumir esse padrão. Entretanto, nós seres

humanos, nos cansamos rapidamente das coisas, nos cansamos da previsibilidade e as artes em

geral estão justamente nessa fronteira, entre a familiaridade e a surpresa.

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O imprevisto não se captura na estatística e além disso estamos aumentando nosso poder

cognitivo de construir música, seja para o bem ou para mal, para a extrapolação da arte em sua

plenitude até à pasteurização completa. Vamos precisar trabalhar num nível cognitivo diferente e

assim, também, todos os que trabalham com música. Ou seja, essa forma de viabilizar, que

compositores profissionais e pessoas comuns possam compor de forma mais fácil, utilizando

softwares e hardwares de Inteligência Artificial, pode gerar dois resultados: 1- retirar algo genial

de alguém que não é músico, porque as circunstâncias não lhe permitiram que o fosse e que talvez

tenha a capacidade intuitiva de trazer coisas novas; 2- ou, realmente, você vai criar um processo de

massificação total, onde a música vai perdendo cada vez mais valor.

Em seus áureos tempos, as gravadoras conseguiam controlar o que ia ser distribuído, agora

é o Spotify, o Deezer, o Apple Music e o Youtube Music. Se esses players decidirem colocar uma

música em um trending ou numa playlist, em uma sugestão, uma recomendação, aquilo vai para o

mundo inteiro, para milhões de pessoas ao mesmo tempo. Então, existe um receio muito grande de

que isso fique cada vez mais concentrado.

A complexidade da música e a questão das letras como instrumento poético também vêm

se diluindo em função do mercado extremamente volátil. Por outro lado, uma ferramenta como o

Spotify não precisa restringir o cash de artista. É infinito. O artista pode estar disponível na

plataforma e se der a sorte de ser encontrado, ótimo. É uma forma de democratizar a música. A

antiga indústria da música era responsável por fazer um funil com base no gosto específico de um

diretor artístico. Hoje existem essas plataformas que disponibilizam as obras para o consumidor. O

artista compositor pode criar a obra mais experimental possível e terá a oportunidade de ser

encontrado ou continuar no eterno limbo digital.

Sob o aspecto puramente comercial da música, a Inteligência Artificial tem um papel

importante no que diz respeito a explorar a imensidão dos dados e manipular os algoritmos de

recomendação das plataformas de streaming. Se o sucesso vem por tentativa e erro, quanto maior

for o número de músicas disponibilizadas no arquivo da nuvem, maiores são as chances de se

produzir um hit. É muito pouco provável que o ser humano seja capaz de compor músicas em

profusão computacional. A Inteligência Artificial juntamente com o superpoder de processamento

cada vez maior dos computadores é capaz de compor centenas de milhares de músicas por dia e

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automaticamente fazer a distribuição mundial de toda essa experimentação para ver no que pode

resultar.

As plataformas de streaming possuem relatórios que apresentam num dashboard, em tempo

real, as músicas que as pessoas estão ouvindo em qualquer lugar do mundo, com que frequência

eles ouvem o quê, e porquê param de ouvir. Eles têm o big data a seu favor. Portanto, não é absurdo

suspeitar que esses distribuidores de música via streaming vão assumir o comando das

composições, colocar milhares de músicas para serem testadas e depois lucrarem com os sucessos

extraídos de testes A/B. Já existem, inclusive, plataformas que fazem esse tipo de previsão, que

calculam a probabilidade de sucesso de uma música, se ultrapassar determinado coeficiente, terá

grandes chances de se tornar o próximo Despacito. Isso é excelente para o modelo comercial, e

talvez será através desse mecanismo que os players de streaming, hoje deficitários porque tem uma

base muito maior de não pagantes do que de pagantes, conseguirão colocar seu balanço no azul.

No aspecto cognitivo, assim como um compositor/músico/letrista precisa ter um bom

background de conhecimentos diversos para promover novas sinapses, novas conexões de ideias e

novas interpretações de mundo para criar uma canção, por analogia, a Inteligência Artificial tem o

big data como seu background. A situação forneceu um indício; esse indício deu ao especialista

acesso à informação armazenada em sua memória, e a informação fornece a resposta. A intuição

não é nada mais, nada menos que reconhecimento (KAHNEMAN, 2012).

A Inteligência Artificial não cria à partir do nada. Basicamente foram os avanços na

capacidade de processar e armazenar a informação que viabilizaram as recentes pesquisas em

Inteligência Artificial. Novos algoritmos de aprendizado reproduzem a forma como o cérebro

humano resolve problemas. Atualmente, o computador consegue superar o homem em todas as

ciências exatas, mas ainda não é capaz de filosofar.

Yuval Harari, em seu livro Sapiens, diz que o que diferenciou o homem do animal na

história da evolução da vida na Terra foi a capacidade de imaginar restrita ao Sapiens. Talvez a

capacidade de imaginar será o que nos diferenciará das máquinas e continuaremos compondo

canções inesperadas. A aversão a algoritmos tomando decisões que afetam humanos ou compondo

canções sintéticas, está enraizada na forte preferência que muitas pessoas têm pelo natural sobre o

sintético ou artificial. Pergunte a qualquer pessoa se ela preferiria comer uma maçã cultivada de

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modo orgânico ou industrial, e a maioria vai responder que prefere a fruta “100% natural”

(KAHNEMAN, 2012).

Resumidamente, as pesquisas resultantes deste trabalho apontaram para o mesmo

raciocínio: as pessoas tendem a preferir Cazuza à Watson26, Gilberto Gil à Flow Machines, a menos

que não saibam quem está por trás daquela composição. Afinal, o espetáculo tem que continuar.

26 O Watson é a máquina de Inteligência Artificial da IBM

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ANEXO A – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

Entrevista: Giordano Cabral - Flow Machines

23/10/2017

Curriculum Giordano Cabral

ORADORES

TEMPO DE GRAVAÇÃO

47 minutos e 51segundos

MODALIDADE DE TRANSCRIÇÃO

Literal

[00:00:01] Tempo de início da gravação

Giordano Cabral: Mais fácil, digamos assim.

Joao Marcos: Entendi.

Giordano Cabral: Então, por exemplo, se trabalhar com letras de música, com as notas em si,

acordes que está querendo criar ainda é um pouco mais fácil. Então o Continuator que já é um

sistema interessantíssimo, que é um sistema justamente para continuar o que você tivesse tocando.

Eu entendia o seu padrão. Ele era capaz de capturar de alguma forma o seu estilo, enquanto na hora

que você estivesse tocando. Então já era um...

Joao Marcos: O Continuator então ele é à base desses plugins que os músicos têm usado na noite,

onde ele faz uma base...

Giordano Cabral: Não. Aquilo ali tem uma lógica um pouco diferente. Aquele ali você bota um

como tem nas inscrições dele. Faz uma camadinha.

Joao Marcos: Ele faz um overlup.

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Giordano Cabral: É. Mas é diferente. Ali não é uma camada de inteligência ali não. Só para

utilização mesmo. Você guarda a inteligência para você. A máquina só faz [inint] [00:00:49].

Joao Marcos: Entendi

Giordano Cabral: No caso foi uma [perda] [00:00:52] diferente. Isso foi evoluindo, evoluindo,

evoluindo. O meu doutorado inteiro foi um sistema de acompanhamento. Também automático etc.

E, enfim, isso vai evoluindo muito, muito, muito. É mais de 20 anos de pesquisa para chegar no

Flow Machines. Então na verdade o que o Flow Machines tem de diferente não é propriamente que

é uma proporção. É que é um negócio que as pessoas perseguem há muito tempo. Entendeu? Tem

muita gente perseguindo. A grande questão é que eles conseguiram realizar uma façanha técnica

mesmo de misturar modelo Markoviano com um sistema de satisfação de restrições. Você

conseguir fazer uma captura de estilo que você consiga manusear. E isso que é o grande segredo

do Flow Machines. Muito técnico. Porque você tem um monte de [inint] [00:01:32] por aí que faz.

Você tem Deep Learning que aprende não sei o que lá. Tem uma matéria do The Garden eu acho.

Com as várias iniciativas nessa linha de criação automática de música. E ai que você vê que tem

uma porrada, tem um monte de star-tup trabalhando com isso. Você tem muita gente fazendo.

Sabe? A questão é que no Flow Machines foi realmente um projeto onde eles conseguiram chegar

finalmente num ponto em que você cria música em que as pessoas escutam.

Joao Marcos: É.

Giordano Cabral: [inint] [00:02:01].

Joao Marcos: Você não percebe a diferença se...

Giordano Cabral: É. Você pode até perceber que há alguma coisa ali. Mas é uma música acessível.

Entendeu? E você passar nesse crivo humano é um negócio extremamente difícil.

Joao Marcos: É.

Giordano Cabral: Você faz um negócio. Você faz um negócio. É uma brincadeira. É curioso. Mas

se pegar uma música que realmente vá tocar na rádio, por exemplo, é um negócio extremamente...

isso é que é o patamar complicado.

Joao Marcos: Sim.

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Giordano Cabral: Então foi isso que a Spotify viu no fim das contas. E pegou e comprou todo o

laboratório.

Joao Marcos: Verdade.

Giordano Cabral: A Spotify. Trouxe todo mundo. Diga aí. Dobra esse daqui que [inint] [00:02:31]

transformar isso que vocês conseguiram. É uma pesquisa que conseguiu chegar no resultado. Agora

a gente quer pegar esse resultado e transformar em produto.

Joao Marcos: Exato. E aí é o ponto do comercial. Até então era uma pesquisa, talvez com intuitos

científicos. E agora ela está dentro de uma empresa que é extremamente comercial e que...

Giordano Cabral: É. Mas a Flow Machines já era da Sony. Então nunca foi da Academia.

Giordano Cabral: Veja. Pesquisa a gente não pode dissociar. Aqui no Brasil o negócio é muito

dissociado. A pesquisa está numa academia isolada.

Joao Marcos: Concordo plenamente.

Giordano Cabral: Dentro de uma bolha de pessoas que estão ali.

Joao Marcos: É verdade.

Giordano Cabral: Sabe? [inint] [00:03:10] filósofo [inint] [00:03:12] pensando fora da sociedade.

Isso aí foi feito na Sony. Na Sony. Quando que estava lá em 2003 até 2008 a gente fazia um monte

de pesquisa. E o horizonte final era o Playstation. Porque o Playstation era 30% de faturamento da

Sony. Dinheiro aquele [inint] [00:03:27] de bebê.

Giordano Cabral: Então assim. Você pensar que em coisa eles já pensavam. Em coisas que

pudessem funcionar dentro de um ambiente de entretenimento múltiplo. Porque o Playstation ele

não foi feito para ser só um joguinho. Porque foi ele que lançou Blu Ray. Ele lançou várias coisas.

Era para ser um super jogo.

Joao Marcos: É uma plataforma.

Giordano Cabral: A mídia conectada.

Joao Marcos: Com sistema multimídia.

Giordano Cabral: Era para conectar tudo ali.

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Giordano Cabral: Era para você ter o Spotify ali, o Netflix ali, o tocador de Blu Ray, jogo. Tudo ali

centrado no Playstation. Então fazia sentido que coisas musicais estivessem ali dentro e você

pudesse ter experiências diferenciadas. Mas enfim, sempre tem uma ótica comercial. Mas sempre

quer valer do comercial. Entendeu? Porque no comercial você tem uma associação com... como é

que você vai fazer uma exploração financeira. Como é que vai transformar aquilo de alguma forma

em dinheiro. E na verdade um centro desses de pesquisa não está propriamente preocupada com

isso. Mas ela está extremamente preocupada com algo que realmente as pessoas usem para valer

na sociedade. Entendeu? Então você está preocupado em criar algo que realmente tenha o impacto

dentro da indústria. Independente, ele não tem preocupação. E mesmo agora sendo proprietário da

Spotify. Sabe? Eles continuam sem preocupação de que aquilo vai gerar dinheiro.

Joao Marcos: Os pesquisadores você diz?

Giordano Cabral: É. A Spotify comprou uma célula.

Joao Marcos: Sim.

Giordano Cabral: A célula procura ser independente. Então ela virou um Spotify França, alguma

coisa assim. Essa célula ela continua pensando em algo que vá ter um impacto, mas não é

preocupação no nível dela de saber como explorar comercialmente aquilo ali. Isso quer dizer, que

aquilo ainda é um projeto que a Spotify ainda está turbinando para ver onde vai dar. Nem a Spotify

sabe exatamente aonde que vai dar. Certo? Agora do que você falou, um ponto controverso aí,

curioso, é o que a gente chama de analogia do hit button, que é o seguinte. Imagine que o seu sonho

é fazer o botão de hits. Certo? Você aperta um botão e sai um hit. Uma música, super sucesso. Por

definição isso é impossível. Porque o hit não é algo que segue uma lógica.

Joao Marcos: Uma fórmula.

Giordano Cabral: Uma fórmula. Porque justamente você fazer algoritmos que acham fórmulas é

fácil e as pessoas já têm isso há muito tempo. Então você consegue copiar hits muito fáceis. Você

fazer uma máquina que copie hits aí é outra coisa. Mas quando você gera cópias dos hits, eles não

são hits. Eles viram mais [do mesmo] [00:06:06]. Eles viram outras músicas que fazem sentido,

mas não tem aquela coisa específica que boa parte das vezes é justamente a inovação. Que tem de

diferente e ainda assim interessante. O François mesmo ele sempre ficou triste. Se tiver na

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entrevista da Folha de São Paulo ele relata esse caso. Ele relata na época que... sei lá de... que

apareceu [inint] [00:06:27], por exemplo, que onde foi... E na época você tinha todo esse negócio

de como fazer um hit. Sabe? Todas as regras e a lógica e etc, etc, etc. E se tentava fazer isso via

comprador, como é que se fazia algo que ajudasse nesse processo e tal. Aí você chega que o maior

hit do mundo foi Starway to Heavan que é música de sete minutos, sei lá o que.

Joao Marcos: Totalmente fora do padrão.

Giordano Cabral: Um solo de não sei quanto tempo, que era totalmente contra qualquer padrão da

época. E os hits são recorrentemente assim. Entendeu? Então isso quer dizer que na hora que você

gerar o botão de hit, ele imediatamente vai banalizar todas aquelas coisas e vai virar outra coisa.

Por isso que a abordagem do Flow Machines. Ela parte justamente do ponto de vista contrário.

Veja: as pessoas têm tentado a bem uns 20 anos fazer essa máquina de hits. Elas tentam fazer um

processo em que você pega o algoritmo e simplesmente puxa para aquele negócio no final. Usando

big [data] [00:07:35], o que for. Antigamente não era big [data] [00:07:37], porque não eram tão

grandes os dados.

Joao Marcos: Exatamente, hoje os dados são fundamentais para alimentar o machine learning

Giordano Cabral: Mas você já tinha todo um ferramental para fazer isso. Na minha época [inint]

[00:07:42] a composição. Eu compus uma música nova para o de Tom Jobim assim. Nada... virou

uma brincadeira. Entendeu? Mas enfim, o algoritmo estava lá. Conseguia pegar o geral, a

sequenciar as músicas, totalmente condizente com Tom Jobim. No fim das contas era só um

negócio que ele cuspiu lá. O que foi a grande sacada? Foi você perceber. O que aconteceu com

Flow Machines? Ele partiu da abordagem justamente inversa. A gente não tinha uma máquina que

você simplesmente dá um play onde ele gere. A gente quer ter uma ferramenta de produção e de

criação, mas que ela tenha um nível de inteligência para ela capturar esses estilos e você manuseá-

los. Então o que é o grande diferencial de Flow Machines na verdade é que você pode, primeiro

que ele já fala uma linguagem musical mesmo. Certo? Então tudo isso vira partitura, aqui o de

áudio, etc., etc., você manipula de uma maneira mais convencional, digamos assim. Então tudo

isso está misturado. Na verdade, você tem uma grande base de dados. Quando você gera essa base

de dados você é capaz de manipulá-la. Então [inint] [00:08:59]. Na [inint] [00:09:01] pense em dar

uma olhada nos vídeos do Flow Machines. Você vai ver [uns três] [00:09:03].

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Joao Marcos: Eu vi alguns já.

Giordano Cabral: Tem o primeiro que eles explicam como é que funciona. Acho que é bem

importante ver esse aí. Porque é essa a ideia de você pegar... Depois você lê com cuidado. Certo?

Você assiste com cuidado. Mas...

Trecho em inglês: [00:09:25 a 00:09:54].

Giordano Cabral: E isso [inint] [00:09:29] isso aqui foi quando começou o projeto. Isso ela explica

o que é [inint] [00:09:37], etc. Então é isso assim. A ideia é fazer ferramentas de autoria onde você

possa manipular e explorar explicitamente. Então essa é a ideia. Entendeu? Não é fazer o gerador

automático como se fosse um objeto tangível.

Joao Marcos: Mas então. Aí uma questão que eu trago assim minha. Primeiro. Qual é a razão do...

eu entendo a história do botton hit, talvez até por uma demanda da indústria pornográfica. Quanto

mais hit mais dinheiro. Isso é fato. Porém...

Giordano Cabral: É. Mas o hit sempre é uma questão comparativa. Esta é a grande questão.

Joao Marcos: Então. Mas aí que está. Onde eu quero chegar? Hoje você tem recursos que você

consegue saber a quantidade de pessoas que estão ouvindo uma música. O Spotify tem isso.

Giordano Cabral: Sim. Claro. Você pode direcionar as coisas para aqueles que público [inint]

[00:10:37].

Joao Marcos: Exatamente. E aí você também tem hoje uma convicção maior do que realmente é o

hit. Não é o que a gente...

Giordano Cabral: Isso aqui não vai haver mudanças não. Certo? Concordo.

Joao Marcos: Não é necessariamente o que a mídia está te impondo, mas sim o que as pessoas estão

ouvindo realmente ali pela plataforma e no mundo inteiro. E consegue ter isso regionalizado e etc.

E acredito eu que o hit, eu acredito que jamais... não imagino que isso seja possível, vocês terem

um botão de hit.

Giordano Cabral: Mas provavelmente vai ter um botão de um monte de coisa interessante.

Joao Marcos: Vai. Mas...

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Giordano Cabral: Pode sair músicas interessantes.

Joao Marcos: Pode sair. Mas ainda vai ser tentativa e erro. Sabe? Ou seja, se eu colocar dez músicas

no mercado, qual é a probabilidade de eu ter um hit? Vai ser 0,000 alguma coisa. Mas se eu colocar

duzentas mil músicas no mercado a minha probabilidade de ter um hit é muito maior.

Giordano Cabral: É. Isso é. Tem essa hipótese.

Joao Marcos: Então eu acredito na Inteligência Artificial como um gerador de volume, muito maior

do que a capacidade humana. E aí sim nesse meio você vai meio que filtrar ou galgar alguns hits

que vão acontecer naturalmente. Eu acredito que o fenômeno de fazer uma música se tornar um

sucesso ainda é muito... como é que se diz? Empírico. Então eu acho que o volume é que vai fazer

um grande papel nesse negócio. E aí por isso que eu acho que o Spotify se interessa nisso. Porque

ele fala: olha só. Eu tenho uma máquina que gera milhões e milhões...

Giordano Cabral: A razão de se interessar é meio óbvia mesmo. Com certeza.

Joao Marcos: Claro.

Giordano Cabral: Essa eu acho que é a grande questão na...

Joao Marcos: Ou seja, ele vai passar a fazer o papel da gravadora, curadoria. O levantamento talvez.

Até acho que... e aí são hipóteses minhas.

Fundo musical – [00:12:35 a 00:12:39].

Isso já é um experimento?

Giordano Cabral: Só estou fazendo que é para te demonstrar alguma besteira aqui. Qualquer coisa

que fazer.

Joao Marcos: Mas talvez a figura do artista ela vai ser sempre a de intérprete e a de compor

efetivamente, de criar um padrão com base na experiência do usuário e vai ficar na mão da máquina.

Sabe?

Giordano Cabral: Essa é a visão que a gente... não concordo. Não precisa nem ele mesmo lá. Que

a ideia de um negócio desse como esse aqui. Certo? A gente começa de uma grande base de dados.

A primeira coisa que você tem é que você tem uma base de dados de dezenas de milhares de

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músicas no formato específico dele que é com formato completo, com tudo que é tipo de

informação. Então você pega essa do [Iron Maiden] [00:13:15] I fell so Young. E você tem...

basicamente a meta e informação é registrada aqui. Além disso, você tem gravações. Gravações

mais típicas, de diversos tipos. O que você pode fazer? Aqui mesmo eu acabei de criar uma música

besta. Só para testar. Quero ver se está gerando alguma coisa porque acho que deu algum pau.

Joao Marcos: Esse software foi desenvolvido aqui?

Giordano Cabral: Não. Esse é o Flow Machines.

Joao Marcos: Ah. O Flow Machines.

Giordano Cabral: É porque a gente tem acesso a ele.

Joao Marcos: Entendi.

Giordano Cabral: Às vezes a gente dá manutenção a ele.

Joao Marcos: Uma oura pergunta que eu te faço, [Giordano] [00:14:00], assim. Com essa aquisição,

digamos assim, do núcleo de pesquisa pelo Spotify, você não acha que isso vai restringir a divisão

de informação, o compartilhamento de informação?

Giordano Cabral: Deles lá?

Joao Marcos: É.

Giordano Cabral: Não sei. Isso eu não sei dizer. É uma possibilidade, mas eu não sei te afirmar.

Não necessariamente. Certo? Na Sony como ele era um laboratório de pesquisa, eles realmente

procuravam sempre publicar. E eu acho que é muito provável que na Sony eles mantenham a ótica

de publicação. Porque isso mantém eles numa dianteira.

Joao Marcos: Então o projeto ele continua ou ele morreu?

Giordano Cabral: Ele continua. Provavelmente ele duplica.

Joao Marcos: Então com outras pessoas?

Giordano Cabral: Porque provavelmente a Sony está continuando ele e eu acho que o Spotify vai

fazer o dele. Vão ser duas práticas.

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Joao Marcos: Entendi. É porque na realidade a Sony leva como você falou, quantos anos de

experiência, de envolvimento.

Giordano Cabral: Mais a experiência. A experiência [inint] [00:15:00] da equipe, que a equipe foi

toda para o Spotify.

Joao Marcos: Pois é. Foi todo mundo para o Spotify.

Giordano Cabral: Mas a Sony quer continuar. E a Sony é a detentora da tecnologia a princípio.

Então...

Joao Marcos: Não tem muito...

Giordano Cabral: Enfim, é algo que está se decidindo, se definindo. Não está certo ainda não. Mas

o que eu quero dizer é o seguinte. Só gerar uma música ela já é um negócio meio... É como se fosse

assim. Você gerasse uma textura, mas assim gera uma fórmula. Entendeu? É como se fosse isso.

Então assim. O sucesso do Flow Machines se deve justamente a eles terem abdicado de ter feito

uma máquina que funcione sozinha. E eles criaram uma nova ferramenta de criação. Certo? Do

mesmo jeito que antigamente tinha N formas de criação ou até uma ferramenta com um [dó]

[00:15:44] da vida. Depois sei lá, se aparece um [inint] [00:15:47] que aparece com o [inint]

[00:15:49] de uma forma diferente. É uma maneira diferente de criar. Eles criaram a primeira

ferramenta onde você pode criar usando efetivamente a inteligência. Então você pode tanto criar e

explicitamente dizer: não gostei dessa nota. Venha para cá. Que nem essa aqui. Quero apagar. Ou

você pode dizer: esse trecho aqui crie de novo que eu não curti. Qualquer coisa você faz. Mas você

manipula. Certo?

Joao Marcos: A máquina entende isso aí?

Giordano Cabral: Não é um negócio de você dar um botão nas três. Não gostei. Você pega esse

treco de novo todinho de novo aqui. E não gostei. Pronto. Faça de novo.

Joao Marcos: É. Mas se você gostou significa que a máquina compôs.

Giordano Cabral: É. Mas não é gostei. Não é binário. Certo? Não é gostei de tudo, hoje eu descartei.

É algo que você manipula. Você pode dizer eu quero ter essa nota todinha no começo. Eu tinha

esse início de música que eu adorei. Eu quero que você preencha esse trechinho. E agora... e ele

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vai terminar desse jeito. E ela vai fazer um preenchimento aqui. Ela vai dizer. Eu quero que você

harmonize esse treco aqui para mim. Ou o contrário. Eu te dou uma harmonia, quero que você gere

uma melodia para mim. E eu quero pegar uma letra de música. Quero que você encaixe essa

melodia na letra que eu tenho. Ou eu quero gerar nova letra de acordo com alguma coisa. Então

você vai tirando, tomando todas essas decisões. A questão é que o conhecimento musical não é

obrigatório.

Joao Marcos: Realmente.

Giordano Cabral: E isso é realmente a ideia da tentativa. Então isso termina ao meu ver sendo mais

uma forma de trazer a composição,... o nível para o grande público para que todo mundo possa

efetivamente compor música com um nível de... não só compor como uma brincadeira assim como

o... Composição via loopy é muita [inint] [00:17:55] mesmo. Você só faz teste e vê o que é que dá.

Aqui você tem uma intencionalidade. Entendeu? Que eu acho que vai um pouco além da [tentativa]

[00:18:02].

Joao Marcos: Eu não tinha essa visão realmente.

Giordano Cabral: Então isso é um tipo de ferramenta que traz intenção. Então você pode ver na...

A palestra que ele deu aqui mesmo acho que está disponível no Youtube. E ele vai explicando como

foi o processo da criação de algumas das músicas que estão saindo no disco agora. Dia quinze de

novembro agora sai o disco do Forevers. Eu não sabia que [inint] [00:18:27]. O meu [inint]

[00:18:28] tinha uma música lá. Agora eu não fazia a menor ideia. O [inint] [00:18:30] olhou,

pegou um mesmo violão. Tem alguma música aqui que eu estava tocando. Sei lá. Essas músicas

aqui sou eu tocando. Certo? Aí achou alguma coisa legal disso aí, inseriu, mas mudou

completamente. Fica irreconhecível. Porque ele também não trabalha só nesse nível. Certo? A

grande questão do Flow Machines é que ele trabalha tudo isso direto no áudio. Então ele faz essas

coisas. Ele tem a representação simbólica e ele faz a sincronização disso com o áudio. E ele mexe

no áudio para gerar outra coisa. Então nada fica sintetizado propriamente. Você escuta músicas que

você...

Joao Marcos: Então na realidade...

Giordano Cabral: ... que soam orgânicas. Quer dizer, isso aí é foda.

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Joao Marcos: É foda.

Giordano Cabral: Aí deixa eu só dar um exemplo besta aqui. Essa aqui foi uma música que a gente

gravou. Então tem três coisas. Violão de sete cordas, cavaquinho e o [inint] [00:19:28], mais nada.

Sete cordas, cavaquinho e...

Música – [00:19:26 a 00:19:35].

Giordano Cabral: Então só isso aí. Música simples. Pegou essa música e disse: vamos recriar For

No One, dos Beatles com essa música daí. E ele gera um negócio diferente. Mas está aí.

Música - [00:19:47 a 00:20:02].

Giordano Cabral: Ele dá uma sintetizada. E [inint] [00:19:53], mas não está pegando os áudios. E

desembaralha os áudios completamente para que eles encaixem. Então assim. Tem um nível de

processamento de áudio que é [inint] [00:20:00]. Ou Billie Jean.

Música – [00:20:04 a 00:20:29].

Joao Marcos: Cara. Que novo.

Giordano Cabral: E aí nesse caso, na realidade tem uma síntese da melodia. Certo? Porque a voz

ela é diferente. Ela tem uma fonética e tudo.

Joao Marcos: Percebo.

Giordano Cabral: Então se você não falar a letra eu acho que fica estranho.

Joao Marcos: É. Fica estranha.

Giordano Cabral: Ele tem um algoritmo, mas é isso. Mas não funciona super bem não. O algoritmo

é para ver se funciona assim, por exemplo.

Música – [00:20:30 a 00:20:34].

Joao Marcos: Entendi.

Giordano Cabral: Fica estranho. Mas aí o que eu fiz? Eu refiz a banda com a voz normal e refazendo

o acompanhamento e a banda.

Música – [00:20:45 a 00:20:51].

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Giordano Cabral: Então, enfim. Ele gera coisas que não são sintetizadas.

Joao Marcos: Sim.

Giordano Cabral: Então ele tem todo esse nível simbólico. Tem nível de composição. Tem o nível

de arranjo e tem o nível de áudio, tem um milhão de coisas. Sempre trabalhando efetivamente na

informação musical. Entendeu? Então por isso que eles chegaram, na verdade eles chegaram, que

eles tiveram uma visão bastante pragmática. E tiveram uma visão disso como uma ferramenta de

manipulação, uma ferramenta de autoria. Isso para eles é uma nova geração de canções

Joao Marcos: Sem dúvida. Porque isso vai levar, como você falou...

Giordano Cabral: Mas não é um descarte. Entendeu? Do [inint] [00:21:33] com o compositor.

Todas essas músicas que estão aí teve alguém que olhou aqui e disse: bom. Gostei. Não gostei.

Joao Marcos: Então. Isso.

Giordano Cabral: Tire esse trecho. Apaga essa. Faz isso. Faz aquilo.

Joao Marcos: Tem que ter intervenção humana.

Giordano Cabral: É.

Joao Marcos: Mas aí é que está. A minha hipótese é se a música vai ser totalmente composta por

máquina? 100%. Ou seja, uma empresa como a Spotify, por exemplo, ela vai chegar e vai apertar

um botão a partir de uma determinada tendência que ela identificou lá no big data e vai falar o

seguinte. Olha. A gente precisa mais disso aqui.

Giordano Cabral: Gera outra [inint] [00:22:05].

Joao Marcos: É. Aí gera outras, muitas outras. Porque isso ele pode colocar dentro de uma camada

de teste, soltar isso e: essa aqui pegou e essa aqui não pegou.

Giordano Cabral: Essa também que [inint] [00:22:16].

Joao Marcos: E aí [inint] [00:22:17]. Aí chama agora um artista para gravar como intérprete e ele

vai ter um hit fantástico. Sabe? Então o volume porque... Eu me lembro na década de 80 você tinha

o Michael Sullivan e Paulo Massadas que eram fábricas de hits.

Giordano Cabral: Sim. Sim.

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Joao Marcos: Os caras tudo que eles colocavam na rua dava para fazer... Mas eles compunham

muito. Eu vi uma entrevista dele uma vez, ele falando: eu faço música todo dia. Faço dez, quinze

músicas todo dia. Um monte são descartadas. Várias são descartadas.

Giordano Cabral: Vai pra o lixo.

Joao Marcos: Vai tudo para o lixo. Mas o exercício de criar é que faz com que o meu algoritmo se

aperfeiçoe.

Giordano Cabral: Sim.

Joao Marcos: E evolua. Até que ele chegou numa formulazinha lá de refrão e não sei o que,

introdução de notas e tal. Mas hoje você tem tanto acesso a informação do tipo: quais são os acordes

mais utilizados dentro das músicas que fazem mais sucesso? Qual é a sequência harmônica ou

melódica que é agradável ao ouvido humano? E isso acaba gerando meio que uma... essa

massificação acaba pasteurizando a música. A música está cada vez mais parecida.

Giordano Cabral: Pois é. É. O problema é que o fenômeno, isso num primeiro instante essa coisas

geram [inint] [00:23:26]. O segundo momento é que essa pasteurização faz com que eles deixem

de ser isso. Isso é um fenômeno de longo prazo.

Joao Marcos: Isso aqui fica tudo igual?

Giordano Cabral: Isso é um fenômeno de longo prazo.

Giordano Cabral: Só que não é propriamente hitmaker. Certo?

Joao Marcos: Não.

Giordano Cabral: Na realidade ele é muito mais usado para achar lacunas não preenchidas do que

para efetivamente criar. Por que...

Giordano Cabral: E esse segredo eu acho que é algo que com certeza a Spotify usa. Certo?

Joao Marcos: É. O exemplo do [Neural] [00:24:04], por exemplo, eles identificaram que a Sabotage

tinha uma pertinência grande dentro da Spotify. Era um que movimentava mais dados, que no

fundo, no fundo também tem essa coisa de movimentação de dados. Ou seja, tinha mais downloads

ou streamings, seja lá o que for, e não tinha como fazer mais música do cara porque o cara já

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morreu há treze anos. E aí? Então, obviamente, tem toda uma questão de mídia, de projeção. E saiu

na imprensa e tal.

Giordano Cabral: É. Saiu lá fora também.

Joao Marcos: Lá fora também. Foi a primeira composição do Spotify usando Inteligência Artificial,

alguma coisa assim. E então teve uma repercussão e em cima de letra. Porque a base da música, o

happer que gravou foi a banda que acompanhava o Spotify quando ele era vivo.

Giordano Cabral: O Sabotage.

Joao Marcos: O Sabotage. E aí os caras pegaram todas as letras dele e criaram, identificaram um

padrão de escrita, de composição poética efetivamente e lançaram. Mas teve uma curadoria

humana.

Giordano Cabral: Sim.

Joao Marcos: As pessoas...

Giordano Cabral: É. Essa é a questão. Veja. Eu não estou discordando do seu ponto de vista. Certo?

Você está dizendo que... E eu estou até repassando muito ali com a visão deles que é [inint]

[00:25:16], milhões de [USBs] [00:25:17]. Existe um... a visão é que Inteligência Artificial vai

preencher muito mais essa alavanca. Porque sinceramente a música é feita disso como todas as

outras [inint] [00:25:30]. Tem trechos inexplorados, etc., etc., e, naturalmente, as pessoas vão por

esses caminhos. Certo? E às vezes é o contrário. Às vezes tem um supere estresse. Todo mundo

fica repetindo, repetindo, repetindo, fazendo um monte de sei lá. Sertanejo agora é... sofrência, sei

lá o que.

Joao Marcos: É.

Giordano Cabral: E é natural que a Inteligência Artificial na hora que você pega esses padrões com

esses... de tudo de acorde, sequencia disso, daquilo e daquele outro, você reproduz isso, você

consegue fazer. Mas isso que eu estou dizendo. Isso já existe há mais de vinte anos. Então assim.

É esperado realmente que se preencha uma certa lacuna disso. Certo? A questão é que vai somente

virar uma nova ferramenta para as pessoas usarem. Ainda assim. Porque veja. Isso pode ser uma

ferramenta na mão do próprio músico. Você pode ter uma ferramenta de Analytics desse em cima

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dos dados, que simplesmente mostra as músicas. Não precisa de música não. Tem muita gente aqui

buscando músicas extremamente em escala pentatônica com não sei o que, com não sei o que lá,

com certa cara assim, o cara assado, não sei das quantas. Tem muita vasão aqui e muita demanda

e tem pouca coisa. Mas direciona as pessoas. Não necessariamente máquinas. [inint] [00:26:10].

Entendeu? A questão é que isso vira ferramenta. E isso só chega na... Não diz que [inint] [00:26:18]

a máquina vai substituir ou não. Que ela leva no limite o tópico. No limite do tópico e você diz

isso. É. Vai chegar um momento que você descarta todo mundo e só elas trabalham. E a grande

questão é que quando você pensa isso no limite, nesse extremo, a utopia ela é intrinsicamente

impossível. Porque na hora que você pega um monte de máquinas todas elas estarão fazendo esse

mesmo padrão. Enquanto você estuda [inint] [00:26:47] de máquinas, todas essas coisas, isso é

para entender algoritmo de otimização. Todo mundo otimizou. E aí vire-se. Processa efetivamente

a pasteurização. E se fosse para as próprias máquinas consumir aí isso faria sentido. Também como

a gente tem um processo muito estranho. A gente cansa das coisas. A gente cansa da

previsibilidade. E as artes em geral elas estão justamente nessa fronteira entre a familiaridade e a

surpresa. E o trabalho artístico, entender isso é um negócio muito complexo. Quando você pega

algoritmo desse tipo eles vão muito mais para você ir buscar exemplos e trazer essa familiaridade.

Ninguém nunca inventou uma boa máquina de inventar piadas, por exemplo. Entendeu? E a gente

não sabe se é possível fazer isso. Que ela precisa do elemento surpresa, do imprevisto.

Joao Marcos: É.

Giordano Cabral: Então o imprevisto você não captura na estatística. Então essa coisa que é

essencialmente criatividade que a gente consegue explorar para um lado e para o outro, é normal

que existam máquinas que aumentem o nosso poder. E o que a gente está sempre trabalhando aqui,

na verdade a gente está aumentando o nosso poder cognitivo de construir música. A visão é essa.

A gente está dando uma ferramenta. Do mesmo jeito que quando a gente sistematizou música e os

instrumentos musicais e teve teorias etc., a gente aumentou absurdamente nosso poder cognitivo

com relação à música. A gente está num nível que um monte de outras informações também agora

conseguem modelar, conseguem pegar uma máquina que modele e simula isso. E a gente vai

precisar trabalhar num nível cognitivo diferente.

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Joao Marcos: É. E aí eu me recordo de um livro que eu li recentemente do Mario Vargas Llosa,

que é A Civilização do Espetáculo. Que ele fala um pouco de como a cultura vai se banalizando.

Que a cultura antigamente era restrita a uma elite, que mantinha aquilo ali dentro de um nível

intelectual X, de alta cultura. E ao longo dos tempos e muito em função das novas tecnologias, isso

vem se banalizando.

Giordano Cabral: É. E o próprio acesso a música banalizou [inint] [00:28:50].

Joao Marcos: Banalizou. É.

Giordano Cabral: É que se tem acessa qualquer um, termina que não dá muito valor. Mas na...

Joao Marcos: Exatamente. Até a própria forma com você compra a música hoje em dia banalizou

bastante.

Giordano Cabral: É.

Joao Marcos: E aí você tende a criar uma sociedade totalmente igualitária no sentido de como

consomem música ou de como consomem arte.

Giordano Cabral: Sim.

Joao Marcos: Então essa forma de você viabilizar com que compositores possam compor de uma

maneira mais fácil e que, eventualmente, até que um cara que não é músico possa compor, você

tem duas alternativas. Você pode conseguir tirar alguma coisa genial de alguém que não é músico

porque a vida não permitiu que fosse. Não teve a influência correta, mas tinha talvez a capacidade

intuitiva de trazer coisas novas. Ou realmente você criar um processo de massificação total, onde

a música ela vai perdendo cada vez mais valor. Como já está perdendo. Tem uma pesquisa que

agora não me lembro qual é a fonte. Uma das coisas que eu aprendi no Mestrado é que você tem

que sempre dar a fonte de tudo cara. Que mostra que, por exemplo, a quantidade de acordes da

música popular de uma maneira geral ela vem diminuindo.

Giordano Cabral: Eu vi.

Joao Marcos: E a complexidade da música e a questão da letra, a questão poética também vem se

diluindo em função do mercado extremamente agressivo. Por outro lado, uma ferramenta como o

Spotify ele não precisa restringir o cash de artista. É infinito. Você pode estar ali, você coloca tua

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música disponível lá e se você der sorte, se encontrar você pode ser consumido. Ela acaba

democratizando isso também. Porque você tinha uma indústria que fazia um funil com base no

gosto específico de um diretor artístico. Era assim. Hoje você consegue ter essa plataforma que te

coloca no mercado. O cara pode compor aí a música mais experimental possível e tem aí uma

plataforma para se divulgar. Agora, será que os analytics vão jogar a favor dele? Ou seja, vai

continuar no limbo? Então é assim. É mais ou menos...

Giordano Cabral: É. Tem muitas perguntas sem resposta.

Joao Marcos: Muitas.

Giordano Cabral: E [inint] [00:31:06] não tem muito como saber. Pragmaticamente, deixa eu

explicar como a gente pode avançar nessas coisas, como a gente pode lhe ajudar.

Joao Marcos: Antes de você chegar nesse ponto, me conta só um pouquinho como é que você...

como é que foi esse link do Pachet com vocês aqui? Foi simplesmente uma forma de trazer? Porque

eu me lembro que eu vi na internet, pesquisei uma coisa.

Giordano Cabral: É.

Joao Marcos: Ele pra captar ritmos brasileiros.

Giordano Cabral: É. Porque também isso é uma continuidade. Certo? O Pachet. O Geber é um

professor daqui já de uma certa... assim, ele foi meu orientador, então o Geber já foi trabalhar com

ele. Então eu fui nessa sequência. Então eu fui para lá. Em 2000 veio para cá. A gente quis continuar

trabalhando junto. A gente fez um monte de coisa junto. A gente fez no Brasil e na França. A

França no Brasil. Não sei. Não sei o que lá. E todos os trecos. Então a gente manteve uma

cooperação normal. A gente gosta de trabalhar junto. Eu gosto muito de trabalhar com ele.

Aparentemente ele gosta de trabalhar com a gente aqui também. Eu criei esse grupo de pesquisa.

Então eu mostrei que tinha muita gente competente que dava para formar aqui. Então esses meninos

todinhos que trabalham aqui fui eu que formei. E ele veio na verdade esse engajamento de todo

mundo. Ele é extremamente voltado a pessoas altamente engajadas. Então aqui a gente mostra

serviço, digamos assim. Então gosta de trabalhar com a gente sempre que tem oportunidade de

fazer coisa com a gente. E aí em 2013 a gente viu uma oportunidade de intensificar esse trabalho.

Foi [inint] [00:32:32] que é o professor [inint] [00:32:34] e na verdade foi ele que cutucou a gente.

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Ele disse: tem essa possibilidade aí. E aí? Bora escrever um projeto porque aí meio que tem a

desculpa de ficar vindo para cá interagir e tudo mais. Aí eu escrevi o projeto. A gente aprovou. Ele

passou. Veio seis vezes para cá, passavam mês aqui. Então o negócio foi uma troca muito intensa.

Muita gente da Sony. Quatro pessoas diferentes de lá vieram pra cá. Então tem uma cooperação

muito intensa ao longo de três anos e meio. E aí nesse último ano a gente estava para finalizar o

projeto. Último ano de projeto. E a gente quis fazer algo mais arrojado. Eu já trabalhava. Fiz várias

coisas. Tem vários outros sistemas, subsistemas aí que a gente trabalhou junto com ele que nem

foram lá ainda. E a gente quis fazer algo com um viés um pouco diferente que gerasse um resultado

prático, concreto e que a gente pudesse explorar de várias formas diferentes. Então o que a gente

pensou foi em fazer essa base brasileira dentro do sistema. Então você veja. Se você entrar no Flow

Machines você vê que do conjunto de Sony [inint] [00:33:40] que tem aqui dentro, veja quantos

são brasileiros. Tom Jobim, Ary Barroso, Ary Barroso, Beto Guedes, Bossa Nova. 1, 2, 3, 4, 5.

Tiaguinho, Caetano Veloso, Carlos [inint] [00:33:51], Cazuza. [inint] [00:33:55]. Você vê que mais

da metade das músicas que estão aqui agora são brasileiros.

Joao Marcos: É.

Giordano Cabral: E aconteceu. Olha que a base de áudios, você vê quanto tem aqui de Música

brasileira. A gente fez um negócio super gigante. Um acervo para ser usado por essas marcas. Uma

ótica dupla. Uma ótica de que para isso aqui é importante. É importante que a gente tenha uma

grande quantidade de material que a gente use, use para valer e explore os limites. E música

brasileira é muito complexa.

Joao Marcos: É.

Giordano Cabral: É muito valorizada porque o algoritmo não funciona. Tem um monte de coisa

que tem que mudar aí, tem que se ajustar porque as coisas não...

Giordano Cabral: Eles não entendem. Um milhão de coisas diferentes de cinco tipos especiais de

divisões, de harmonizações, do diabo a quatro, que força eles a evoluírem os algoritmos. Mas pelo

lado de cá tem a questão de preservação por um lado, mas principalmente tem a ótica de que você

tem uma tecnologia que está todo mundo apostando as suas fichas nela, então não somos cachorros

pequenos que estão apostando. Então a grande indústria está apostando nessa tecnologia e nessa

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hora você tem efetivamente Música Brasileira podendo estar assim na fronteira tecnológica. E a

gente sempre esteve na rabeira. Sabe?

Joao Marcos: Eu compreendo.

Giordano Cabral: A gente sempre tem esse... Veio guitarra elétrica, não sei o que e os Estados

Unidos a e Inglaterra inventam o estilo, depois de vinte anos a gente se apropria do estilo e cria

uma coisa nova nossa. Aí inventa qualquer outra coisa. Certo? De música eletrônica o que for.

Sempre vem alguma coisa que tem uma vanguarda tecnológica e a gente na rabeira associando o

que as pessoas já fizeram, misturando com alguma coisa daqui ou colocar. Então a gente tinha

muita essa ótica da gente que aqui está pela primeira vez a Música Brasileira na fronteira. Então

isso é o discurso da gente aqui, meio que compeliu, por exemplo, a apostar e investir muito, muito,

muito do meu tempo nesse negócio, que eu continuo investindo para ver como é que esse negócio

se desdobra. Mas então assim. A lógica é muito clara. Entendeu? Não tem muito segredo não. A

gente quer gerar coisas com isso. A gente quer fazer discos para dançar lá no Spotify via Forever

com coisa assim. A gente quer que essas coisas chegue no mundo. Entendeu? Agora que a gente

tem o material para trabalhar faltar trabalhar. Então a ótica é muito clara assim. A [inint] [00:36:18]

veio para suprir isso, fazer um negócio. Sempre tem que fazer um meio de campo que tem um

monte de confusão. Então meio de campo com os artistas, meio de campo técnico, meio de campo

contratual com a Sony, um monte de rolo. E agora o desafio é esse assim. Está dado.

Joao Marcos: E uma questão que talvez, eu não sei se vocês já discutiram muito isso, que de repente

é bem complexa. A questão dos direitos autorais com uma situação onde você, por exemplo, tem

uma música que você pega joga no Flow Machines uma música original do Tom Jobim, por

exemplo, ou do Caetano e você a partir dela você brinca e compõe uma nova música. A fonte é

aquela música. Uma outra situação é se uma máquina criar uma música por si só, os royalties são

de quem? São da empresa que desenvolveu esse algoritmo?

Giordano Cabral: Eu não tenho que esconder todas elas não. Vale a pena você conversar

diretamente com o pessoal lá. Mas algumas coisas que eu tenha presenciado. Certo? Primeiro. O

próprio algoritmo tem restrição anti-plágio. Então nada que é gerado é plágio. E isso é muito

curioso. Aliás, um compositor não faz isso.

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Giordano Cabral: E mesmo que ele faça. Boi com boi tem isso. Ele pode ter feito plágio

involuntariamente.

Joao Marcos: Faz involuntariamente. É. Involuntariamente.

Giordano Cabral: É. E o algoritmo não. Ele forçosamente não faz plágio. De jeito nenhum.

Giordano Cabral: E isso é uma coisa bem curiosa, bem interessante. A [inint] [00:37:41] de três

anos com os principais escritórios europeus sobre o assunto. E no fim das contas o parecer final é

de que isso é equivalente a uma inspiração e não a uma cópia. Do mesmo jeito que você escuta

argumento de qualquer pessoa. Certo? Chico Buarque. Termina, chega a uma harmonização meio

a la Chico Buarque de arranjo e... Sabe? N coisas que são nitidamente inspiradas, do mesmo jeito

que os Beatles inspiraram, etc., a máquina se inspira. Então justamente porque tem uma ferramenta

de manipulação. Isso não foi em última instância verificado como plágio. Mas como equivalente a

inspiração. Então isso deu uma tranquilizada nos ânimos gerais.

Joao Marcos: Legal.

Giordano Cabral: Embora as coisas tenham coisas diferentes, legislações diferentes,

principalmente Estados Unidos, Europa e Japão são diferentes. O Japão é onde é mais frouxo na

verdade. E como [inint] [00:38:25] do sistema fica hospedado no Japão tudo mais, [inint]

[00:38:27] não tem tido grandes problemas. Então lançou a música dos Beatles lá [inint] [00:38:34].

Giordano Cabral: Mas a música é de Bernardo [inint] [00:38:35]. É considerada de Bernardo [inint]

[00:38:36]. Porque ele é o autor. Não é a máquina que é o autor. E a grande questão é nunca é a

máquina. Óbvio. O autor sempre é a pessoa que tomou as decisões. Alguém precisa manipular. Ela

não chega por conta própria e gerou uma música nova. Sempre alguém explicitamente abre, queria

uma música nova e aí vai mexendo, mexendo até ele achar que ficou interessante.

Joao Marcos: Então o processo...

Giordano Cabral: Esse cara é o detentor dos direitos autorais.

Joao Marcos: O processo [inint] [00:39:00] foi assim então?

Giordano Cabral: Foi.

Joao Marcos: Não foi naturalmente a máquina. Ela chegou com aquele [inint] [00:39:03].

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Giordano Cabral: Não. Foi ele chegando aqui e fazendo [áudio] [00:39:07].

Joao Marcos: Com esse processo que você falou? Exatamente aí. Ele manipulou.

Giordano Cabral: Ele manipulava música. Música [inint] [00:39:26]. Ele vai aqui compor a

música, vai dizer eu quero pegar Beatles. Então já está aqui. É exatamente essa base. Daí você vai

apertar [inint] [00:39:37 a 00:39:39]. Aí você vai escolhendo coisas e tal e tal e tal, manda ele

compor. Ele gera uma proposta para você. E, provavelmente, uma proposta muito ruim. E aí você

vai mexendo, mexendo, alterando, gostei disso, não gostei. Isso daqui ele sempre vai se manter

estilisticamente fiel a base [inint] [00:39:55].

Joao Marcos: Então...

Giordano Cabral: Então esse que vai entrar em mix. Certo?

Música - [00:39:58 a 00:40:03]

Giordano Cabral: Então isso aqui é Beatles? Até agora não é nada de Beatles.

Giordano Cabral: Na hora que você fizer isso assim, começa colocar arranjos aqui de Beatles assim,

do tipo de guitarra, sei lá, o que for que você [inint] [00:40:14].

Joao Marcos: E esse software ele está em caráter experimental ou ele está fechado ainda?

Giordano Cabral: É. Depois a gente pesquisa. Eu acho que ele está fechado.

Giordano Cabral: E provavelmente acho que vai demorar um pouquinho.

Música – [00:40:27 a 00:40:31].

Giordano Cabral: Vamos testar se essa porcaria funciona. Mas enfim, você vai testando embaixo

desse. Sei lá. Possivelmente. Pronto. Esse funciona.

Joao Marcos: E ele já vai harmonizando sozinho. Não é?

Música – [00:40:45 a 00:40:49].

Giordano Cabral: Todas essas. Vou ver se encaixa aqui. Na verdade, são vários sistemas que estão

misturados aí. Sabe? Esse aqui a gente já... Este debaixo aqui é o recorder. Esse aqui é o composer.

Só que eu não sei se ele vai gerar não. Está dando um problema de servidor.

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Joao Marcos: Para fins de pesquisa, você acha que é possível conseguir um acesso ao software?

Giordano Cabral: Boa pergunta. Posso verificar lá. Eu para ter acesso e hoje na verdade está falando

com japonês para ver se a gente continua tendo acesso total ou até maior que a gente tinha antes.

Vou ter que conversar quais são as possibilidades de desdobramento. Vamos ver o que eles

respondem.

Joao Marcos: É. Porque seria legal até para ilustrar na hora de fazer a defesa da minha tese. Acho

que trazer esse conteúdo.

Giordano Cabral: Para ilustrar eu acho mais... Tem uma série de materiais que já existem assim.

Acho que dá pra você ver. Sinceramente eu não sei porque é uma coisa razoavelmente fechada.

Sabe? Então tem muita gente brigando por isso. Mas consigo cópia.

Joao Marcos: É. Eu imagino que seja assim. Não tenha dúvida.

Giordano Cabral: Mas bom. Para explicar. Isso aqui também é um [inint] [00:41:58]. Então você

pode manipular do jeito que você quiser.

Joao Marcos: Claro. Totalmente.

Giordano Cabral: Tem trilhões de... Cada um desses é um sistema na verdade diferente. Você tem

um monte de escolhas possíveis também. Pode escolher uma harmonia mais estreita, mas solta para

essas notas, posições. Principalmente essas coisas aqui. De ordem variável [inint] [00:42:17]

tecnologia.

Joao Marcos: Por exemplo, ali harmonia mais solta. Como é que está escrito ali?

Giordano Cabral: [Loose all street] [00:43:30].

Joao Marcos: Aí eu queria entender qual o critério para se usar esses...?

Giordano Cabral: Nem eu lembro do que é que aqui na... harmonia Street. Acho que quanto ele vai

se ater a forma de harmonização original. E quanto mais solto mais ele pode sair da original, mas

casar com a melodia gerada. Se eu não me não me engano é isso. Porque são dois processos

generativos que andam em conjunto e um é dependente do outro. Esse é ultra complexo. Na

verdade, que eles fazem, se eu não me engano, eles dão prioridade à melodia e aí você na realidade

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você regula o quanto a harmonia se encaixa nessa melodia ou quanto ela precisa ser coerente com

as harmonizações que ele já fazia.

Joao Marcos: Mas ai se colocar aumentada, terças e sétimas, etc., o software que decide? Ele joga

e experimenta. Ficou bom. Não ficou bom.

Giordano Cabral: Não. Não. Mas você pode mexer. [inint] [00:44:37 a 00:44:39]. Suspense aqui.

[inint] [00:44:42 a 00:44:44]. Você mexe em tudo. Um negócio completamente negócio encaixado.

O tempo é esse aqui. É... Caixa não. Pronto. Aí criei música nova dos os Beatles. Está aí. Ele não

está gerando áudio não por algum motivo. Ele está com problema aqui.

Joao Marcos: Com a base, com os instrumentos que você colocou?

Giordano Cabral: É. Ele deveria ter criado alguma coisa aqui. Deu algum problema real aqui. Na

hora que [inint][00:45:26] aqui, quando ele termina ele manda o...

Joao Marcos: Manda não ir?

Giordano Cabral: Como o pessoal saiu aí está dando uns problemas de manutenção.

Joao Marcos: Pode ser isso. Isso é um ponto que pode ser complicado cara. Acho que assim. O

Spotify, eu tentei várias vezes falar com Spotify, principalmente quando eu estava pesquisando

sobre os cases da sabotagem. Os caras não abrem para a gente não.

Giordano Cabral: Fechadão.

Joao Marcos: Fechadíssimos assim. Entendeu? E acho que quem trabalha lá acho que assina um

acordo de confidencialidade.

Giordano Cabral: É. Mas eu trabalho com dois negócios. Tem esse grupo da Spotify de Paris agora

que é... Bom. São doze pessoas já. Eu conheço, mas o François é o cabeça lá. Eu conheço o restante

do pessoal. E eu conheço o pessoal da [inint] [00:45:07] que fez doutorado junto comigo. Então a

gente é amigo mesmo. E eles foram primeiro. Vai fazer uns dois anos, que agora eles participaram

em Nova Iorque.

Giordano Cabral: Dependendo do que for, tipo de pergunta e tal, eu faço isso. Eu faço diretamente

a eles.

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Joao Marcos: Posso então usar você como canal assim de contato?

Giordano Cabral: Pode tentar. Eu não sei se vai dar certo não. Pode se tentar. [inint] [00:45:34] foi

legal. Ele passou para a gente os cinco principais desafios da expositora. Coisas assim bem

estratégicas nas fontes. Entendeu?

Joao Marcos: E teu doutorado foi...

Giordano Cabral: É. No deu [inint] [00:45:45].

Joao Marcos: O teu doutorado foi em que?

Giordano Cabral: Era o sistema de harmonização que [inint] [00:45:49] em áudio.

Joao Marcos: Harmonização?

Giordano Cabral: Então basicamente é isso. Esse negócio que ele faz aqui e comecei essa história.

Então basicamente é um sistema que você podia cantar qualquer coisa. Ele te acompanhava fazendo

violão ovacionado.

Joao Marcos: Em tempo real?

Giordano Cabral: Só que é meio complicado de fazer isso. E mais. Não era exatamente essas coisas,

mas tem muito a ver essas coisas que a gente está aprendendo e vão sendo incorporadas. Entendeu?

Eu acho que é isso. Vamos ver se a gente consegue falar com o Simões ali.

Joao Marcos: Vamos ver. Vamos ver. E uma outra pergunta.

Giordano Cabral: Eu acho que vale muito a pena você olhar, ver todos os vídeos que estão aqui.

Têm muito importantes.

Joao Marcos: Não. Eu vou ver. Eu vou ver. Eu já vi alguns no próprio site. [inint] [00:46:28].

Giordano Cabral: Depois você vê que tem algumas coisas completamente diferentes. Tem alguns

que não estão aí. Mas tem coisas tipo o [inint] [00:46:34] completamente diferentes. Tem mais

coisas bem...

Fim da gravação.

[00:47:51] Tempo final da gravação

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Celso Fonseca

24/05/2018

ORADORES

Celso

João

TEMPO DE GRAVAÇÃO

01 horas, 55 minutos e 06 segundos

MODALIDADE DE TRANSCRIÇÃO

Literal

[00:00:00] Tempo de início da gravação

Celso: Quer dizer, o que eu ia te dizer era o seguinte: uma das coisas que nós compositores sempre

falamos, é que é o seguinte, não tem essa fórmula, essa fórmula do sucesso, isso é tudo muitos

aleatório, quer dizer, são vários componentes que influenciam na criação de um sucesso, quer dizer,

como é que uma música vai ser um sucesso? Eu tenho, sei lá, 400 músicas gravadas e dessas 400

músicas... por que que essas 400 não são hits?

João: Aham?

Celso: Quer dizer, tem vários fatores que influenciam e até fatores que são alheios à própria

composição, como mercado, como como a música vai ser divulgada, enfim, tudo isso, momentos

de mercado. Mas do ponto de vista da criação, eu acho que tem uma coisa muito intrigante, eu

costumo dizer o tempo inteiro o seguinte, João: eu faço música há quase 40 anos e para mim, óbvio

que eu estudei, óbvio que eu sei compor, é óbvio que eu sei criar soluções, às vezes, claro, posso

empacar em uma coisa aqui e tal, mas se eu não descobrir uma solução ali naquele momento, sei

lá, amanhã eu descubro, ou vou sonhar com aquilo, ou vou, sei lá, no dia seguinte, eu vou sentar

de novo e vou trabalhar naquilo e aquilo vem. Isso para mim é tranquilo. Agora, existem momentos

e isso eu te garanto que isso acontece com todos nós compositores, todos, existe um momento em

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que vem uma música pronta do nada, inteira, inteira, música e letra e você não sabe, você às vezes

demora... o tempo que você demora para cantar a música, é o tempo que você demorou para

escrever, você não sabe... então, para mim ainda é muito, é um mistério.

João: Então, você tem que ler esse livro que eu estou te falando.

Celso: Isso ainda é um mistério, isso ainda é um mistério, mas falando do ponto de vista do hit, eu

sou muito amigo, eu conheci já há alguns anos, muito antes do sucesso, a Erika Ender, que é uma

das compositoras do Despacito, Despacito é uma música...

João: Maior hit do mundo.

Celso: ...Quer dizer, as pessoas gostando ou não, querendo ou não, a música foi número 1 em 98

países no mundo, então, quer dizer, a música é um sucesso. A Érica é uma compositora de sucesso

já há muito tempo, a Érica tem músicas gravadas no mercado latino em 160 discos, mas ela nunca

tinha feito um Despacito.

João: De onde que ela é?

Celso: A Erika é panamenha.

João: Panamenha.

Celso: Filha de pai panamenho e mãe baiana.

João: Olha.

Celso: Fala português fluente e tal, ela mora entre Miami, ela tem uma casa em Miami e outra em

Los Angeles. Ela é muito focada na composição, é muito disciplinada, é muito talentosa. E, então,

o que que aconteceu com o Despacito? O Luiz Fonsi, que ela já conhecia, que era um compositor

amigo dela, de Porto Rico, ligou para ela um dia e falou: "Erika, eu tive uma ideia de fazer uma

música, eu tenho o nome da música, Despacito", isso acontece muito, a minha música com Ronaldo

Bastos, Slow Motion Bossa Nova, o Rinaldo me ligou um dia e falou: "tive uma ideia de fazer uma

música Slow Motion Bossa Nova, esse nome".

João: Fantástica aquela música.

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Celso: Então, isso acontece. Então, ele chamou a Érica: "Érica, você vem aqui em casa?", "claro,

vamos trabalhar nisso". Ela foi para a casa do Fonsi e falou que em, sei lá, uma hora, duas horas,

eles fizeram o Despacito. Depois na hora de gravar, parece que tiveram a ideia de chamar o Daddy

Yankee não sei o que... depois teve toda aquela história do Justin Bieber, enfim, o resto é história

que todo mundo já sabe. Mas ela me falou: "Celso, no momento em que eu sentei com o Fonsi para

fazer a música, a gente estava fazendo mais uma música".

João: Sim, não esperava que aquilo fosse acontecer.

Celso: Não, e nem tinha como foco: "olha, a gente vai fazer uma música assim, falando disso, que

vai acontecer isso e a gente vai alcançar o mercado tal no..." não, eles fizeram uma música e

aconteceu o que aconteceu com a música. Então, quer dizer, é uma coisa que como a gente estava

falando, essa questão de, como você mesmo disse, o que que vai ser um hit? O que que vai ser um

sucesso? Quer dizer, é claro que talvez as máquinas consigam por meio de combinação de

algoritmos e de exemplos do que as músicas de sucesso têm, consigam criar coisas bem parecidas,

entendeu?

João: Então, de certa forma, isso aí que você está me contando é maravilhoso, extremamente rico,

porque é um case real, recente, que é o Despacito, mas no próprio livro Hit Makers, ele meio que

fala um pouco de uma certa fórmula, que é o fato de você ter uma música que traga um caráter de

familiaridade e ao mesmo tempo de ineditismo.

Celso: É o que ele fala, que se você quiser criar alguma coisa surpreendente, crie alguma coisa

familiar, quiser criar alguma coisa familiar, faça uma coisa surpreendente.

João: Exatamente, exatamente. Mas quando eu falei para você dessa questão de tentativa e erro, eu

acho que é, na realidade, porque eles sentaram para criar o Despacito, criaram o Despacito, que

tornou-se o que é, que poderia não ter acontecido.

Celso: Poderia ter sido mais uma música.

João: Poderia ter sido mais uma música, porque na cabeça deles...

Celso: Não, e poderia ter sido um relativo sucesso.

João: Um relativo sucesso...

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Celso: Ou não.

João: Ou não. Porque na cabeça deles, eles não estavam pensando que essa música ia fazer esse

sucesso todo.

Celso: A gente não pensa, quando você faz uma música, quando você faz uma música, você

simplesmente se senta para compor a música a partir de uma ideia, a partir de uma coisa, mas nunca

a gente imagina, quer dizer, é óbvio que tem as pessoas que são tocadas nisso...

João: É, mais comerciais...

Celso: ...Que são os hit makers que falam e tem uma fórmula, mas essa fórmula, às vezes não dá

certo.

João: Não, a fórmula não garante o sucesso.

Celso: Não garante.

João: Então, a minha teoria, ela está muito nessa questão de tentativa e erro. E na questão da

profusão de composição, porque o que que está acontecendo com o mercado hoje? O mercado hoje,

ele está cada vez mais concentrado nas plataformas de streaming...

Celso: Totalmente.

João: Totalmente, e aí esses caras de streaming, Celso, eles conseguem através de um dashboard,

olhar em tempo real o que que as pessoas estão escutando, em que lugar do mundo, com que

frequência, que faixa etária, porque eles têm o big data, eles têm os dados.

Celso: Cada um de nós que tem... eu por exemplo, eu tenho um perfil de artista no Spotify, eu posso

ver isso.

João: Claro.

Celso: Eu sei onde é que estão me ouvindo mais, quais são as minhas músicas que as pessoas

ouvem mais...

João: Exatamente.

Celso: ...Em que lugar do mundo.

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João: Exatamente, então eu acredito que... você falou, você tem 400 músicas gravadas, quantas

você tem compostas?

Celso: Quer dizer... não, eu tenho 400 músicas compostas, gravadas eu devo ter umas 200 talvez,

cento e poucas...

João: O dobro.

Celso: Agora, compostas eu tenho o dobro já.

João: Exatamente. Então, na realidade...

Celso: Que estão guardadas lá no meu computador.

João: Isso, e assim, o exercício de fazer uma música ele não é fácil, ele depende de um certo

conhecimento de música, ele depende de inspiração, quando você compõe letra e música, você tem

que fazer essa combinação de letra e música, ele é árduo, não é molezinha... tudo bem que às vezes

vai uma inspiração, você escreve...

Celso: O que é surpreendente, é o que eu falei para você, até hoje, para mim, isso ainda é um

mistério, mas essas ocasiões são raras também.

João: São raras, é um flow.

Celso: É um flow. Não, e assim, eu posso dizer para você, sei lá, se eu faço um álbum de 11 músicas,

pode ser que tenha acontecido em uma, ou pode ser que não tenha acontecido em nenhuma.

João: Verdade.

Celso: E eu acabo de lançar aquele álbum e aí acontece, entendeu? Eu falo: "poxa, essa música

devia estar no álbum e não está", é imprevisível.

João: É imprevisível, mas você concorda que quanto mais música você fizer, maiores são as

possibilidades de você ter um hit?

Celso: Totalmente.

João: Concorda? Então, eu acho que é aí que a Inteligência Artificial tem um papel importante,

porque o ser humano, ele é incapaz, por uma questão de limitação fisiológica, de compor, sei lá,

200 músicas em um dia, você não consegue compor 200 músicas em um dia.

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Celso: É como o Watson fazendo os diagnósticos de medicina.

João: Exatamente.

Celso: Uma doença, o cara... um médico ou uma equipe médica normal, não vai conseguir...

João: Na velocidade.

Celso: ...Ter aqueles dados todos na velocidade que o computador tem.

João: Exatamente. Então, a Inteligência Artificial, ela pode sim compor 200, 300, 1.000 músicas

por dia, e hoje você tem plataformas que instantaneamente você coloca essas 1.000 músicas no ar

para o mundo inteiro e a partir daí, você começa a ter os analytics, no momento que você bota uma

música em uma plataforma, ela entra em um algoritmo de recomendação, ela já vai sendo

direcionada para as pessoas que realmente tem interesse naquele modelo e aí começa a ter uma

ferramenta que começa a mensurar prováveis hits, isso já existe, já existem sites lá fora que você,

antes de lançar uma música, você coloca essa música no ar para avaliar pelas redes sociais, enfim,

pela internet de maneira geral, se a música tem aderência ou não, para efetivamente gravar. Então,

se a Inteligência Artificial pode compor em profusão, ela vai poder colocar muito mais músicas no

mercado, testar e começar a ter mais filtros de hits, que para o modelo comercial, isso é excelente,

para o modelo comercial, vamos esquecer o artístico. Comercialmente falando, isso é fantástico...

Celso: É a solução.

João: É a solução. E o que eu vejo, é que no futuro, talvez as gravadoras, elas...

Celso: Possam valer mão disso.

João: Exatamente, elas possam... quero ter a minha fabriqueta de música e vou passar a contratar

os artistas para interpretarem as minhas músicas, você está entendendo?

Celso: Sim.

João: Porque existe um mercado de compositores enorme, o ECAD arrecadou no ano passado, se

eu não me engano, foi 1 bilhão de reais, tem muito dinheiro e o Spotify hoje, ele é deficitário, ele é

deficitário, para ele poder fechar a conta, ele precisa fazer um monte de... corta um monte de custos.

Celso: Até pelo fato dele ser deficitário, ele não paga a gente direito, por isso.

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João: Exatamente, exatamente. E assim, talvez, para o Spotify também possa ser interessante, ele

mesmo começar a criar músicas, ele mesmo virar uma gravadora.

Celso: Claro.

João: E aí vou te explicar porque eu estou falando isso, porque o Pachet, do Flow Machines, que

também vou te mandar os links, que você vai adorar, que criou esse álbum baseado em Inteligência

Artificial, o Pachet foi contratado pelo Spotify. Todo o laboratório da Sony, do Flow Machines foi

contratado pelo Spotify, e no momento em que eles foram contratados, eu perdi completamente o

contato, eles... porque o Spotify é uma empresa muito fechada, tipo a Amazon, eles são

fechadíssimos, não abrem informação, já tentei falar com eles para o meu projeto, esquece. O que

que isso significa? Significa que os caras vão começar a produzir e é provável que esse modelo de

você lançar músicas em profusão e eles têm o poder na mão, porque eles é que tem o playlist, que

era a antiga rádio, a rádio antigamente, as gravadoras conseguiam controlar o que ia ser distribuído,

agora é o Spotify, se ele colocar aquilo ali em um trending da vida, em uma sugestão, uma

recomendação, aquilo vai para o mundo inteiro, para milhões de pessoas ao mesmo tempo. Então,

existe um receio muito grande de que isso fique cada vez mais concentrado.

Celso: Eu acho isso um perigo.

João: É um perigo.

Celso: É até interessante você falar isso, porque há um tempo atrás, um amigo meu que também é

muito ligado nessas coisas estava me mostrando uma lista, não sei se da Harvard, talvez, de todas

as profissões que vai desaparecer nos próximos 15, 20 anos, curiosamente compositor e músico

estava lá embaixo, quer dizer, não era... não era... mas pelo o que você está falando, não está tão lá

embaixo, não pode ser isso, pelo o que você está falando, daqui a pouco é uma raça em extinção.

João: Porque o que diferencia a gente da máquina é a nossa capacidade criativa.

Celso: Mas se a máquina consegue...

João: Se a máquina consegue criar, é que a máquina consegue criar em cima daquilo o que ela já

conhece, o ser humano é capaz de criar algo completamente inédito, isso eu acho que ainda é a

diferença, acho até que as futuras gerações precisam ser mais preparadas para isso, para cada vez

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mais usar o processo criativo, treinar o modelo criativo, porque aquilo o que é lógico, matemático,

a máquina vai fazer muito melhor do que a gente.

Celso: É, mas você não acha... agora me ocorreu uma coisa também, que é uma coisa que me chama

muito a atenção, e com a qual eu sou muito preocupado, que é o seguinte, é na evolução da música

em si, quer dizer, evolução da composição, quer dizer, se a gente for pensar lá atrás, os

compositores clássicos, eruditos, com todas as suas correntes, de Bach a Stravinsky, a Ravel a todos

eles, até os mais modernos, os mais experimentalistas e tal, a música foi... ela veio de uma evolução,

ela veio vindo em uma evolução, quer dizer, é claro, dentro de uma diversidade de estilos, quer

dizer, às vezes, o cara que gosta de Vivaldi pode não gostar Stravinsky, o cara que gosta Ravel

pode não gostar de Bach, e vice versa, enfim, mas tudo bem. Mas, de qualquer forma, a música foi

evoluindo, no jazz também, a mesma coisa, o Jazz passou por várias correntes, enfim, desde lá de

trás, o bebop não tem nada a ver com o cool jazz, que não tem nada a ver com... enfim. Mas o que

eu quero dizer com isso é o seguinte: a partir do momento em que a música... teve um momento

que a música parou de evoluir, na minha opinião, e a música passou a ficar concentrada exatamente

nessas fórmulas, exatamente por conta do mercado, o mercado precisa de hits, o mercado precisa

ganhar dinheiro, quer dizer, nós somos produtos, quer dizer, isso, eu tenho consciência, eu conheço

muitos amigos, tem muita gente que briga: "eu não sou um produto, eu sou um artista", não eu sou

um produto também, claro que eu sou, mas eu acho que a partir do momento em que a música ficou

muito voltada para o mercado, possibilitou que isso acontecesse.

João: Exatamente.

Celso: Agora, o que você está dizendo faz todo sentido, quer dizer, nós compositores, nós temos

que ficar atentos a inventar, a criar coisas diferentes e coisas que não tenham sido feitas ainda, até

para que daqui a um tempo, daqui a uns anos, as próprias máquinas possam começar a copiar essas

coisas que nós fizemos.

João: Exatamente, exatamente. Tem uma... no livro Noites Tropicais, o Nelson Motta fala que a

música está cada vez mais sendo menos música, e mais outras coisas.

Celso: O tempo todo. Hoje em dia, música, uma das coisas que me incomoda muito, mas que é

uma realidade, não tenho como fugir disso, que música hoje em dia é um acessório.

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João: É um acessório.

Celso: A gente sentava, saía um disco, um álbum, a gente sentava, chamava os amigos para a sua

casa e botava aquilo e ficava ouvindo, não, hoje em dia, você ouve música malhando, você ouve

música cozinhando, você música no carro, você ouve música viajando, você ouve música andando

na rua, a música é um acessório, entendeu?

João: É um acessório.

Celso: Você não está prestando atenção naquilo, às vezes você não sabe nem do que que se trata a

música, você não presta atenção na letra, você não presta atenção... aquilo o que está ali, está te

acompanhando ali, entendeu? Para você não pensar em outras coisas, aquela música está tocando

ali.

João: É verdade, tanto é que as gravadoras têm procurado artistas que... com base em alguns perfis,

por isso que eu acho que é um possível que você tenha uma fábrica de... redes de criações de música

e a gravadora passe a buscar artistas com base em uma demanda de perfil. Qual é a persona que

está sendo demandada nesse momento? Ah, eu preciso de uma menina que seja gostosinha, que

fale muito bem... ah, a Anitta, achamos essa menina, ela não compõe, ela não tem disco, não existe

disco, CD da Anitta, singles, então ela encara essa personagem e a gente explora isso ao máximo.

Celso: A gente explora isso e a gente vai municiando...

João: E vai municiando ela com questões. Hoje, ela tem um grupo de compositores para ela, que

compõem os hits da Anitta.

Celso: De acordo com o perfil dela.

João: De acordo com o perfil dela e provavelmente, essas composições, elas podem até estar

passando, eu não sei, por um processo de olha: "vamos olhar dados, vamos ver o que que as pessoas

estão querendo e vamos começar a escrever com base nisso", então, a inspiração virou transpiração.

Celso: E com base no que ela representa para as pessoas.

João: Com base no que ela representa, exatamente. Então assim, isso tudo chacoalha

completamente o universo da música.

Celso: É, não... muda completamente.

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João: Muda completamente, e assim, tem vários cases que agora não me vêm à cabeça, que retratam

um pouco disso, é porque a gente acaba falando, a gente acaba...

Celso: Agora por outro lado, tem uma coisa que eu fico pensando também, que é o seguinte: isso

eu falo muito, no momento em que começou a crise das gravadoras e a crise na música há um

tempo atrás, na transição para o digital...

João: Sim, sim, sim.

Celso: E lá no Napster e depois, mas enfim, começou uma crise e depois com as plataformas de

streaming e tudo isso e tal, não sei o que... e realmente as gravadoras se viram em um buraco, meio

em crise sobre o que fazer, o que sustentou as gravadoras foi o catálogo.

João: Catálogo, verdade.

Celso: Agora, no que consiste o catálogo, o que é o catálogo, são músicas atemporais, então, é uma

coisa que eu defendo o tempo inteiro, se você... tudo bem, não é um julgamento de valor, nem

tenho nada contra isso, eu acho que as coisas vão evoluindo da maneira que elas evoluem

naturalmente, a vida tem toda uma dinâmica, agora eu acho que, se você cria 10 Anittas, que dizer,

estamos falando Anitta porque a gente está citando Anitta, ou qualquer um, ou Sabotage, ou

qualquer outro... se a gente cria 10 Anittas, 10 Adeles, 10 Ed Sheerans, primeiro vai acontecer uma

coisa, a música não vai evoluir, a música vai ficar toda igual e, sobretudo, o que eu acho que é mais

preocupante para mim, assim, do ponto de vista... e que eu acho que até o mercado devia levar isso

em consideração, é que o que salvou o mercado, foi o catálogo e o que que é o catálogo? Foram as

músicas atemporais.

João: É, as coletâneas...

Celso: Não, mas as músicas atemporais.

João: Sim, sim.

Celso: Beatles faz música atemporal, o Elton John, sei lá, o James Taylor, o Paul McCartney, o

Steve Wonder, as músicas são atemporais, as músicas... o Cole Potter, Gustin, Tom Jobim, essas

músicas tocam há 50 anos...

João: É verdade.

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Celso: Há 60 anos e vão continuar tocando, ao passo de que se você reproduz esses hits efêmeros,

eles vão dar muito dinheiro, eles vão render durante um curto período de tempo, mas... então,

acabaram as músicas atemporais, acabou a música...

João: Acaba e aí vai chegar uma hora que vai esgotar completamente. Tem uma pesquisa de um

rapaz, se eu não me engano da Universidade de Alagoas, que ele... uma pesquisa interessante que

ele fez, ele mensurou ao longo do tempo, a média de acordes que as músicas tinham, a música

brasileira...

Celso: Eu posso imaginar.

João: Caindo absurdamente a quantidade de acordes por música.

Celso: Não, e hoje em dia, deve ter caído para um ou dois.

João: E tem um outro negócio interessante que eu vou te mandar o link também, é um grupo

australiano chamado Axis of Awsome, que é um grupo que identificou que a música pop tem meio

que uma formulazinha que é aquele padrão de dó, sol, lá menor, fa.

Celso: Sim.

João: E começou a interpretar várias músicas que tem esse padrão, então na música pop são vários

sucessos...

Celso: Ah, meu, se entrar no Youtube, tem vários vídeos explicando: "componha ao estilo de Ed

Sheeran", "componha ao estilo de Coldplay", componha ao estilo de não sei o que. Os caras, eles

entregam aquela fórmula, que é mais ou menos isso que você está falando.

João: E um outro fato interessante que eu queria entender um pouco da sua visão, é como essas

ferramentas todas, um software que pode te ajudar a criar, qualquer pessoa pode compor, não

necessariamente você precisa ter o conhecimento de música para compor.

Celso: É, não, se você jogar os dados ali e o software conseguir administrar e analisar tudo isso e,

a partir disso, criar uma música, realmente você não precisa ser músico.

João: Não precisa, você só precisa dizer "gosto" ou "não gosto", segue nessa linha, volta, meio que

dirigir o que está sendo criado pelo computador.

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Celso: Porque uma coisa, por exemplo, se você pega de muito tempo para cá, tem muitos produtores

que não são músicos, e tem até muitos músicos que não são músicos e tem essa... velha questão

dos DJs, que os DJs falam: "eu vou tocar", e músico fala "você não vai tocar nada, quem toca sou,

porque você vai apertar botão", mas ainda assim, você precisa de um imput humano, agora nesse

caso que você está falando, se você jogar tudo na máquina sem nenhum imput humano, se o cara

não tiver conhecimento nenhum, a máquina vai fazer tudo.

João: Vai fazer tudo, ela vai fazer tudo. Então assim, nas minhas conversas com o UBC, com a

Elisa, ela gostou do papo porque ela se inspirou para fazer algumas matérias e tal, e ela até, talvez,

vá fazer um evento sobre música Inteligência Artificial e vai me chamar para falar um pouquinho.

Celso: Ah, bacana. Ela falou que vai ter um sobre composição também, ela me disse isso há um

tempo atrás, mas que não necessariamente é esse.

João: Mas talvez seja esse, composição, aí entrar nesse mérito de: "olha, como é que a composição",

porque na realidade, o compositor, ele tem que olhar para isso, muito mais como uma oportunidade,

do que como uma ameaça.

Celso: Eu concordo plenamente.

João: Porque isso tudo vai te dar...

Celso: Nunca achei que isso fosse ameaça, sempre achei que isso pode ser uma ajuda.

João: Pode ser uma ajuda, pode te ajudar a ser mais criativo ainda. A história dos super humanos,

né? Você tem, talvez, uma perna mecânica que vai te ajudar a correr mais, talvez um chip no

cérebro que vai te ajudar a pensar mais rápido, então, se você tem recursos que possam

potencializar...

Celso: Que possam possibilitar, potencializar isso, claro, por que não usar?

João: Por que não usar? Ainda mais potencializar aquilo que nos diferencia da máquina. A gente

está em estágios, em termos de Inteligência Artificial, extremamente avançados, você fala do

Watson, você tem o Alexa...

Celso: Tem, eu tenho o Alexa em casa.

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João: Você tem essas grandes empresas de tecnologia investindo pesado nesse modelo, tem a

Amper, que é uma empresa americana que desenvolve também música com Inteligência Artificial

para a publicidade, ou seja, ele pega os dados, capta os dados de comportamento do cliente nas

redes sociais, no próprio banco de dados das empresas e começa a criar músicas... aí tem a questão

da música com branding... eu até vou...

Celso: O cliente sempre vai achar que está errado, mas tudo bem.

João: Tem isso, é a história da recomendação do Spotify também, tem muita gente que fala: "não,

isso não tem nada a ver comigo", mas tem muita gente que fala: "caramba, eu adorei a

recomendação".

Celso: Eu tenho um amigo que tem a Pandora em casa.

João: Pandora, sim.

Celso: Aí ele bota lá, rádio Celso Fonseca, que às vezes entrar umas coisas, que: "isso não tem nada

a ver comigo, não", mas o Pandora acha que tem.

João: Sim, é porque... o próprio Spotify também erra muito, coloca umas coisas que não tem nada

a ver... outra coisa que me veio à cabeça aqui, que eu ia falar, era... nossa, é tanta coisa na cabeça,

que você...

Celso: E o assunto é muito...

João: É muito vasto, o assunto é muito vasto, ele não tem fim, mas...

Celso: Você estava falando com relação a colocar os dados todos em uma máquina, uma pessoa

que não tem conhecimento nenhum.

João: Que não tem conhecimento, é. Então, isso acaba tornando muito viável a questão de que ser

criativo, ele passa por um conceito de percepção, como é que você enxerga o mundo e como é que

você pode passar uma mensagem para as pessoas...

Celso: É, sempre foi, porque, na verdade, nós criativos, quer dizer, e os compositores, nós não

somos nada mais do que contadores de histórias, cada um conta uma história, quer dizer, eu conto

a minha história ou conto uma história que você me contou, ou conto uma história que eu estou

sentado aqui no café e ouço uma pessoa da mesa do lado falar uma história para alguém contar, aí

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eu: "caramba". Eu fico tocado por aquilo e resolvo fazer uma música sobre uma história que eu

ouvi, isso é normal, nós vivemos disso.

João: Eu li uma matéria sua, uma entrevista sua, não me lembro qual foi o veículo, mas tem uma

história que você estava em um bar e o cara tocou a música sorte, aí alguém falou “ele que compôs

a música sorte”, o cara “não, é música de Caetano”.

Celso: Estava em um bar em que o cara estava tocando, era cantor do barzinho lá, aí no final ele

veio vender uns CDs dele, uns CDs que ele fazia lá dele mesmo, aí quando veio a música sorte,

veio sorte, autoria Caetano Veloso, e eu me lembro que alguma pessoa na mesa falou: “vem cá,

você sabia que sorte é dele, não é do Caetano Veloso?”, e o cara brigou, falou: “não, essa música

é do Caetano”, eu falei: “tá bom”.

João: Então, essa foi uma discussão, uma conversa que a gente teve com a Elisa, que é essa questão

do anonimato do compositor.

Celso: É, você vê todos esses... essas plataformas digitais, de streaming e até mesmo Apple Music,

acabou a ficha técnica, que dizer, você não... mesmo as rádios, não preciso nem ir tão longe, mesmo

as rádios já há muitos anos não falam os nomes dos compositores, não fala, absolutamente.

Antigamente falava, de fulano, não sei o que, não fala mais.

João: E então, por isso que... isso é uma coisa que tem que ser muito bem colocada, porque eu,

como músico, também já compus, sei o que que significa, eu acho uma... assim, um pecado mortal

você não dar o valor ou o crédito ou a importância...

Celso: É o crédito, sobretudo o crédito, para as pessoas saberem: “bom, esse cara é o autor dessa

música, esse cara fez essa música”.

João: Exatamente, então se você olhar para um modelo onde você tem, olha, o compositor está

desaparecendo, antigamente na rádio você era obrigado a falar, não era? Por lei, os créditos, o

Spotify, por uma questão até de espaço, o modelo de audição...

Celso: Cara, eu ouvi dizer essa semana ou semana passada que o Youtube vai começar a colocar os

créditos.

João: Ah, interessante.

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Celso: Eu li isso semana passada, lançou acho que em um site americano, alguma coisa assim, ou

inglês, que o Youtube vai... aliás, acho que foi a Érica que postou isso em algum lugar, que o

Youtube vai começar a colocar os créditos.

João: Interessante, provavelmente porque a coisa está se profissionalizando, o Youtube hoje tem

grande parte da receita dele com execução de música, de clipes.

Celso: Você sabe, você deve saber isso melhor do que eu, mas eu me lembro que há alguns anos,

eu li, era uma porcentagem absurda, talvez, 80% das pessoas que entram na internet, é para ouvir

música no Youtube.

João: É, é verdade.

Celso: O que é louco... quer dizer, depois veio o Spotify, veio o Deezer, todos eles, talvez isso tenha

mudado um pouco, mas as pessoas no Youtube não para ver clipes ou para ver filmes, é para ouvir

música...

João: É para ouvir música, coloca o play lá e deixa rolando.

Celso: É e deixa rolando aquilo ali, mais uma vez a música como acessório.

João: Porque é grátis também.

Celso: Sim, porque é grátis.

João: E tem essa questão, acho que o Spotify ainda tem essa... o Spotify, se eu não me engano, da

base do Spotify, acho que só 30% da base do Spotify é paga, os outros 70% não pagam nada.

Celso: Ah é isso?

João: É, é a troca por anuncio.

Celso: É o cara, ficou... eu acabei comprando porque eu não quero ficar ouvindo anuncio a cada

música que vai tocando.

João: É, eu tenho uma premium por isso, eu comprei o premium também porque eu ouço bastante,

eu acho fantástico, eu sou daqueles que carregava CDs na mochila para ouvir no walkman.

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Celso: E para viajar? Viajava com toneladas de CDs, de caixas de não sei o que, e tinha aquele

discman, e às vezes quando ia lá no avião, aí o discman, você carrega na mochila um pacote de

CDs, então, nesse sentido o Spotify é muito prático.

João: E essa revolução veio desde o iPod, que concentrou tudo ali em um aparelhinho

pequenininho.

Celso: Sim, embora eu, particularmente, eu acho uma pena que hoje em dia já exista, pelo menos,

sei lá, existem duas gerações, pelo menos, ou três...

João: Que já estão com tudo digital, né?

Celso: Não, que não conhecem o que é um som bom, porque você ouve naquele falantezinho desse

tamanhinho, que não responde grave, que tudo meio achatado, comprimido, o som é ruim, daí o

Jay-Z ter lançado o Tidal, que eu acho que até... falaram que ele está acabando com o Tidal, parece

que não deu muito certo, mas o som era superior a todas as outras plataformas, então cara, eu acho

uma pena, por exemplo, eu tenho um filho de 27 anos, que hoje em dia, ele já ouve LP também

claro que ele tem playlist dele, claro que ele tem o Spotify, claro que ele ouve as coisas do trabalho

para casa, não sei o que, na condução, enfim, ele ouve, mas ele, ele já aprendeu que tem uma

diferença, então ele tem os LPs, ele tem a pick-up, então já coloca ali, já ouve, ele sabe que ali tem

uma diferença e ele já voltou um pouco para esse ritual de reunir os amigos para ouvir um álbum,

entendeu? Então, o que eu acho... a única pena que eu acho com relação à essas plataformas é que

tem muita... por exemplo, minha filha que tem 19 anos, cara, ela acha que o som é esse.

João: É aquilo ali, ela provavelmente nem sabe qual é o rosto do artista.

Celso: É, mas mesmo em termos de qualidade, ela vai achar que o som é aquele som achatado,

aquele som... quer dizer, eu como músico, como produtor, como artista, o trabalho que a gente tem

de produzir um disco, de mixar, de você ter o maior cuidado com as frequências, com compressão,

com tudo e você tirar o melhor som, é uma coisa que eu sempre digo no estúdio, agora acabei de

fazer um disco, há uns meses atrás, que, aliás, está saindo amanhã.

João: Legal.

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Celso: E uma hora que eu cheguei para o engenheiro de som que estava comigo e falei: “cara, para

que que a gente está fazendo tudo isso?” e tira daqui, não, agora ouve em casa, eu falei: “para que

que a gente está fazendo tudo isso se as pessoas vão ouvir isso em um fone desse tamanhinho que

não vai responder nem um terço do que a gente está ouvindo aqui?”

João: Não, e assim, e você tocou em um ponto que era uma das questões que eu ia colocar nas

perguntas, que é o conceito de álbum, o conceito de disco fechado.

Celso: Acabou.

João: Acabou, então assim, lançar um álbum com 14 faixas, tal, tal, tal, algumas vezes até

temáticas, muitos álbuns...

Celso: Não, que falam umas com as outras...

João: Que falam umas com as outras.

Celso: Isso é uma outra coisa, uma outra preocupação que nós tínhamos, aliás, eu tenho ainda até

hoje, porque eu participei, eu sou da turma mais antiga, que é a ordem das músicas no álbum.

João: Sim.

Celso: Para mim ainda faz sentido, mas para a molecada é single, single, single, single e acabou.

Às vezes o cara pega um álbum de um artista, ele só conhece uma música e não está interessado

em conhecer as outras.

João: É, até porque, esse modelo de álbum, ele sempre foi... também é um modelo comercial, que

foi criado pelas próprias gravadoras com o mesmo conceito de que não é possível você ter um

álbum com 100% de hits, é muito raro isso, muito raro, talvez um Michael Jackson, com Thriller...

Celso: Não, Beatles.

João: Beatles, mas assim, é muito raro e esse era um modelo que era muito lucrativo para a

gravadora, tanto é que você tinha, segundo a ABEM, um modelo de quantificação de faixas era de

14 e se você colocasse menos faixa, você pagaria em cima de 14 e se você colocasse mais faixas

também pagaria em cima de 14, então ficou meio padronizado nessas 14 faixas.

Celso: Ficou restrito ali.

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João: É, 13, 14, ficou aquele modelinho, álbum duplo não adianta, porque eu pago em cima de 14,

então não vai valer a pena, então vamos dividir e tal. Então, a indústria, ela criou essas

fragmentações, e agora a coisa está mais fragmentada ainda.

Celso: Mais ainda.

João: Ela chegou no nível de single, da faixa única, que é o que a Anitta faz hoje direto, ela lança

faixas...

Celso: E de uma certa forma, se a gente pensar no modelo atual, estava até discutindo isso com a

minha gravadora, faz muito mais sentido, eu lançar uma coleção de singles, mês a mês, do que eu

lançar um álbum que vai se esgotar no lançamento, eu lancei aquele álbum, a pessoa vai ouvir uma

música e as outras 10 vão se perder porque acabou ali, não vai ter mais assunto.

João: E tem uma coisa também que assim...

Celso: Isso é louco, mas é uma realidade.

João: É uma realidade. E as pessoas estão no Spotify, essa galera nova, a minha filha tem 16 anos,

Spotify direto e o Spotify, ele lança por dia 20 mil músicas, por dia, 20 mil músicas novas são

adicionadas na plataforma no mundo inteiro. E se você estar em uma plataforma global, você

começa a competir com o mundo, deixa de ser um mercado local onde você tem a rádio tocando a

música brasileira etc, etc, você passa a competir com o mundo. E se você vai competir com o

mundo em uma plataforma onde, talvez, não sei, eu vou chutar aqui, onde talvez 90% das músicas

que estão lá são em inglês, os metadados que são os campos onde você classifica as músicas, porque

ele precisa de metadados, ele precisa para subir isso na plataforma, estão em inglês as letras, os

títulos, os temas, a música em português, ela acaba...

Celso: Não, fica completamente... a música... uma coisa que eu sempre falo e que nós brasileiros,

a gente fala isso o tempo inteiro, é assim, por experiência própria, a gente sabe disso, a música

brasileira, Tom Jobim já falava isso, que existem as três músicas mais importantes do mundo, a

americana, a brasileira e a cubana, que tudo vem daí, claro, tudo vem da África muito antes etc e

tal, mas a gente fala em termos de música comercial, de música que chega... enfim.

João: Que cobre o mercado.

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Celso: Agora, por que que a música brasileira nunca foi tão grande internacionalmente, sendo uma

música tão importante, de qualidade...

João: De qualidade...

Celso: Por causa da barreira da língua.

João: Barreira da língua. Inclusive, eu sei que você... algumas músicas, você canta bem inglês, tem

uma pronuncia boa, vale pensar sempre em estar...

Celso: Não, eu sempre gravo... esse meu álbum tem, esse meu álbum tem... e eu sempre gravo,

quer dizer, desde a... acho que a primeira que eu fiz, e essa questão o inglês para mim, às vezes, a

primeira que eu fiz, eu não pensei: “eu vou fazer uma música para conquistar um mercado, para

não sei o que”, não, é que às vezes a sonoridade, a coisa... por exemplo, essa história que eu contei

que o Ronaldo Bastos, me ligou, falei: “tive a ideia de fazer uma música chamada Slow Motion

Bossa Nova”, eu falei: “essa música tem que ser em inglês, não vamos fazer uma música chamada

Slow Motion Bossa Nova com letra em português”, então, ela já nasceu em inglês. Então, quer

dizer, as músicas começaram a partir disso, mas a partir de determinado tempo, eu comecei a pensar

cada vez mais que eu preciso me comunicar com o mundo, que é isso o que você está falando, é

para eu me comunicar com o mundo, eu tenho que falar uma língua que o mundo entenda.

João: Perfeito. E deixa eu te fazer uma pergunta, esse se comunicar com o mundo e até se colocar

como... que você se posiciona principalmente como um compositor, mas você tem uma carreira

artística também, você toca, você faz turnês etc, e você tem gravado ou gravou algumas músicas

pop, de sucesso, como Beleza Rara...

Celso: Ah, gravei Tudo Bem, do Lulu.

João: Tudo bem...

Celso: Gravei também da Rita Lee, Caso Sério.

João: Gravou também uma música também de um funk.

Celso: Ah não, gravei Ela Só Pensa em Beijar.

João: Só Pensa em Beijar, ficou sensacional, as versões...

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Celso: Do Mc Leozinho.

João: Sensacionais, deu um outro nível para a música.

Celso: É, porque na verdade, o que eu entendi ali foi que aquela música era uma música de amor e

que precisava ser dita de uma outra forma.

João: Claro, claro.

Celso: Então, eu extraí ali o que me interessava, quer dizer, mudei a harmonia, mudei um

pouquinho a melodia ali, mas de uma certa forma, eu acho que eu dei vida longa aquela música,

que aquela música teria se esgotado ali, naquele momento, e hoje em dia, eu acho qualquer pessoa

que cante aquela música, vai cantar na minha versão.

João: Para o violão principalmente.

Celso: É, não é uma coisa que eu fiz pensando nisso, obviamente, eu fiz porque eu gostava da

música, eu gostei da letra e resolvi fazer essa experiência.

João: Então e como são grandes sucessos, isso pode... isso te trouxe mais para perto de um público

novo, você percebeu isso através de algum feedback?

Celso: Olha, percebi... quer dizer, são duas coisas diferentes, primeiro é porque eu acho que eu

como compositor, e também como interprete, como artista, eu tenho uma assinatura, as pessoas

ouvem e falam: “ah, esse cara aí é o Celso Fonseca”, então eu percebi uma coisa muito curiosa que

era assim, muitas pessoas se espantavam em me ver cantando músicas populares com a minha

assinatura e muita... tem muita gente que falava assim: “nossa, eu não sabia que essa música tinha

uma letra”, tinha gente que falava: “eu não conhecia essa música, eu não sabia que essa música

tinha essa letra, não sabia que essa letra era tão bonita”. Então, quer dizer, isso desperta uma

curiosidade, primeiro com relação à eu ter feito aquela música daquele jeito e ter chegado a público

que não chegaria antes, entendeu? Agora, isso também é uma questão de nicho, para um nicho isso

funcionou, agora, por exemplo, para um nicho mais popularzão, o nicho que o Leozinho fez a

música ou para a galera que ouve aquilo, para aquela turma, não mudou nada a minha gravação, o

que continua valendo é a gravação dele, o que muda para mim, quando eu gravo um funk, já gravei

Claudinho e Bochecha também, é que, de uma certa forma, eu sofistico um pouco a música e trago

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a música, mostro essa música para um público que não teria acesso a essa música, que é um público

que não costuma ouvir esse tipo de música, esse tipo de rádio, esse tipo de coisa e tal.

João: Agora, tem uma passagem também do próprio livro Hit Makers, que você vai se recordar,

quando ele fala da Parada Billboard, que o mercado musical...

Celso: Foi só a partir dos anos 90 que a Parada Billboard começou a ser de verdade, eu não sabia

disso.

João: Exatamente, pelo (inint 39:59)

Celso: Porque aquilo era criado.

João: Era criado e hoje, com isso, a gente tem um novo padrão de música pop no mundo, muito

influenciado pelo hip hop americano, pelo rap americano, que é a música do povo, é como o funk

aqui no Brasil, por exemplo, ou o rap em São Paulo... a música mais regional, o forró, que são

músicas que retratam o cotidiano do povo efetivamente.

Celso: É, mas sabe que eu acho que isso leva à uma outra discussão e à outra reflexão, que é assim,

se você for nos Estados Unidos, a música é toda dividida em nichos, claro, você tem a rádio de hip

hop, você tem a rádio de jazz, você tem a rádio de funk, e é óbvio que as músicas mais populares

são as músicas que estão na parada, no top 100 da Billboard, mas existem outras músicas também

e que assim... o que eu fico pensando o tempo inteiro, é que... eu até faço uma brincadeira, assim,

eu falo: “nós fazemos as músicas, mas quem tem que vender essas músicas e quem tem que tornar

essas músicas um hit, são as gravadoras”, então, quer dizer, se você for pensar, potencialmente

qualquer coisa pode ser um hit, desde que as gravadoras invistam para que aquilo seja um hit.

João: Isso, isso, tem isso, inclusive, a repetição... inclusive, no Hit Maker, ele fala, a repetição é

um dos modelos...

Celso: Um dos modelos de... aí o que eu acho que acontece é que você reduz, você limita muito,

quando você passa a repetir só um modelo, acho que você reduz muito.

João: Reduz.

Celso: Porque eu me lembro, quando eu era adolescente, por exemplo, aqui na Rádio Jornal do

Brasil, por exemplo, se não me falha a memória, foi a primeira FM, não sei, não vou saber dizer

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agora, mas enfim, eu ouvia na Rádio Jornal do Brasil tudo, assim como tocava música dos Beatles,

tocava Gilberto Gil, aí também tocava uma música instrumental do (inint 42:05), aí tocava uma

música Ray Coniff, aí tocava um rock do Bill Haley, aí tocava não sei o que... quer dizer, era muito

mais democrático, a gente ouvia isso. Então, eu acho que o ouvinte, quer dizer, tinha a possibilidade

de escolher e até de ouvir coisas que ele não sabia que ele gostava, entendeu?

João: É, porque era uma... era broadcast onde você era passivo, você ouvia aquilo que o

programador da rádio...

Celso: E até tinha até assim, às vezes você falava: “você nas músicas que você mais gosta”, não sei

o que e tal. E era verdadeiro isso, não era manipulado. Mas o que eu digo é assim, por que que essa

diversidade não continua a ser tratada pelas gravadoras e pela indústria dessa forma? Por que que

a indústria só se preocupa... tá, vamos falar, o hip hop, eu sei que na estatística, se você olhar, talvez

hip hop e country, talvez sejam os gêneros mais vendidos nos Estados Unidos, agora por que que

a gravadora não concentra essas forças de produção e marketing em outros gêneros também? Isso

é sempre uma coisa que eu fico pensando, é uma coisa que me ocorre, porque eu acho que você

reduz, você limita muito, entendeu?

João: Eu acho que assim, se você olhar, eu me lembro que na faculdade eu li um livro de um cara

chamado Marshall McLuhan, que ele falava da aldeia global, e ele falava de uma coisa que era

assim, a linearidade é uma tendência, à medida que as pessoas avançam e evoluem, você vê que a

arquitetura é cada vez mais linear, cada vez mais quadrada, antigamente você tinha estilo gótico...

Celso: Era mais diverso.

João: Era mais diverso, os automóveis, por exemplo, você tinha uma diversidade, um detalhe, hoje

os automóveis são todos iguais, salvo o logotipo e um detalhe de farol, a carcaça...

Celso: Não, o chassi é o mesmo, o chassi é o mesmo, várias marcas usam o mesmo chassi.

João: Exatamente, porque a gente vive em um mundo em que o driver do mundo é o crescimento,

a economia do mundo, o capitalismo... é o crescimento, e o crescimento se dá com escala, você

tem que desenvolver escalas, quanto mais gente, eu atingir, melhor. Então, é assim na indústria

automobilística, é assim na indústria da moda e é assim na indústria da música. Então, a música,

hoje, o artista, ele é pensado globalmente, os mercados dominantes são os mercados inglês e o

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americano, dominam o mercado musical e o artista, ele é pensado para atingir, então ele precisa...

alguém lá está pensando: “olha, eu preciso atingir o cara que mora lá no interior da Bahia, eu

preciso atingir esse cara”.

Celso: Sim, mas aí eu te pergunto, no modelo antigo, vamos chamar de modelo antigo, no modelo

antigo o Luiz Gonzaga não atingia o Brasil inteiro? Quer dizer, agora estamos falando do Brasil.

João: Sim.

Celso: Ou, por exemplo, os Beatles não atingiam o mundo inteiro fazendo as músicas que eles

faziam? Ou os Rolling Stones... também não era escala?

João: Era escala, mas a gente também tem que entender o seguinte, isso também não é nada

científico, a gente está discutindo e pensando alto aqui. Se você olhar, eu li um livro há uns 10 anos

atrás, chamado O Mundo é Plano...

Celso: O Mundo é Plano, li também.

João: Leu também? Leu? Muito bom esse livro, ele é um livro de economia, mas ele traz algumas

coisas interessantes. Uma das coisas que ele coloca lá no livro é que os Estados Unidos, eles estão

perdendo para a China em formação de cientistas, por quê? Porque, de uma certa forma, a corrida...

a Guerra Fria, quando ela acabou, ela deixou de ser uma prioridade dentro do meio científico, onde

você tinha investimento pesado para uma potência superar a outra e tal, tal, tal, e ao mesmo tempo,

toda essa questão consumista trouxe para os Estados Unidos uma visão de que: “olha, eu não

preciso ser um cientista para ser uma estrela, para ser o cara, eu posso ser um jogador de basquete,

eu posso ser um jogador de baseball e ganhar muito dinheiro e ser uma estrela, eu posso ser um

artista da música”, até então, o governo financiava a ideia de que você tem que ser cientista e

bancava isso. Então, você passa a formar menos cientistas, tanto é que a China hoje, tudo bem que

tem a questão proporcional de população, mas a China já produz mais cientistas do que os Estados

Unidos, então acho que tem um...

Celso: Por conta de um investimento em formar novos cientistas.

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João: Sim, é o foco deles, porque assim, cabeças pensantes é que direcionam esse negócio, tanto é

que os Estados Unidos virou o que ele é, porque ele trouxe todas as cabeças pensantes pós-guerra

e... então, você tem que ter gente inteligente.

Celso: Ficou uma diversidade étnica, né, cara? Nos Estados Unidos você tem... todas essas cabeças

pensantes que eles trouxeram do mundo inteiro.

João: Do mundo inteiro, do mundo inteiro. Então, isso também é um outro livro muito bom, que é

um livro do Steven Johnson, De Onde Surgem as Grandes Ideias? Recomendo que você leia esse

livro também, eu vou te mandar.

Celso: Ah, eu já vi esse livro, não sei se aqui na Argumento ou na Travessa, eu já vi esse livro, já

quase peguei, falei: “isso aqui é interessante”.

João: Ele é interessante, porque ele fala assim: “como é que esse cara tem uma ideia? Como é que

alguém tem uma ideia? De onde vem isso?”. E ele fala um pouquinho de você ter... um background,

ou seja, quanto mais background você... tem mais possibilidade de ter ideia, como se fosse um big

data, quanto mais dados eu tenho, mais experiência...

Celso: É o que eu falo como compositor, as pessoas sempre me perguntam como compositor ou

mesmo como músico, e uma das coisas que a gente fala é: “cara, você tem que conhecer, você tem

que ouvir de tudo”, você primeiro não pode ter preconceito, você não pode ser um cara fechado em

um único estilo, em uma única coisa, não sei o que, você tem que ouvir de tudo, quanto mais

conhecimento e quanto mais coisas você absorver, aquilo vai ser melhor para o seu trabalho.

João: Que é isso o que o computador está fazendo, ele está absorvendo, ele até aprendendo...

Celso: Conhecimento.

João: ...Conhecimento e jogando e tal. Então assim, voltando um pouquinho, eu acho que, de certa

forma, o mundo está meio que ficando mais simples.

Celso: Sim.

João: As coisas estão ficando mais simples, e aí você não tem tanta necessidade absorver,

interpretar ou consumir algo mais complexo, então esse é um movimento que assusta um pouco...

Celso: É, de certa forma, está ficando mais simples e mais pobre.

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João: Exatamente e justamente pela busca da riqueza.

Celso: Sim, economia em primeiro lugar.

João: A busca da riqueza é que torna as pessoas mais pobres.

Celso: A economia em primeiro lugar sempre.

João: A economia em primeiro lugar. Então, é um pouco do que acontece com a música, eles

querem a linearidade, eles querem a escala.

Celso: Não, e eles querem o já conhecido, se isso já deu certo, vamos repetir essa fórmula ad

infinitum, porque a gente vai continuar ganhando dinheiro com isso, o que é o empobrecimento?

João: Eu trabalhei em duas gravadoras, eu trabalhei... fiz estágio na Sony Music e depois eu

trabalhei na Cid Entertainment, sabe?

Celso: Sei.

João: E eu, nesse meio tempo, eu também trabalhei em uma star-tup de internet chamada CDYOU.

Isso é uma historinha que eu vou te contar rápida, eu saí da CID para entrar nessa empresa de

internet, isso em 1999, pré-bolha da internet, e o conceito da empresa era fazer CDs personalizados,

você entrava no site, escolhia a música, a gente queimava o CD e entregava na casa, mas pagava

os royalties direitinho, tinha todo um sistema de direitos e tal, e também na plataforma tinha

download e tinha streaming, naquela época.

Celso: E funcionava?

João: Não funcionava, por quê? Porque na época não existia banda larga, na época não existia

smartphone, então assim, foi um negócio certo para o momento errado. O Spotify já pegou uma

onda de smartphone, aplicativos...

Celso: É, o Spotify até tem os playlists dedicados, quer dizer, tem playlist para festa... sei lá,

domingo alegre, tarde feliz, não sei o que, não sei o que no campo, eles fazem exatamente isso.

João: Mas você vê, há quase 20 anos atrás, a gente já estava pensando nisso, na música digital,

porque foi logo depois, o Napster em 98, então surgiram várias star-tups naquela época que não se

viabilizaram porque não tinha base instalada de banda larga, de smartphone, então não funcionou,

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mas enquanto durou, foi legal, porque a gente queimou alguns CDs, entregava na casa das pessoas

e tal...

Celso: Não... e isso deixa as pessoas felizes.

João: É... e a discussão que a gente tinha na época, nesse período meu de gravadora era: artístico

versus marketing. Poxa e aí? Porque o marketing, ele quer vender.

Celso: Não, e você que trabalhou em gravadora você sabe disso e eu acompanhei o tempo inteiro,

até como produtor, chegou um momento que o diretor de marketing passou a ser mais importante

que o diretor artístico.

João: Mais importante que o diretor artístico, exatamente, é a história do futebol. O olheiro do

futebol, ele é mais importante do que o, sei lá, o gestor principal que traz os patrocínios? E aí? Essa

é uma discussão. Então assim, eu vinha sempre do lado do artístico, sempre defendia o lado do

artístico por ter um pouquinho também dessa coisa de música e tal, mas porque eu entendo que

você precisa estar alimentando a fonte o tempo inteiro, você precisa reciclar...

Celso: Mas é o que eu chamo de levar a música adiante.

João: Exatamente.

Celso: É isso, e é o que sempre moveu a cultura do mundo, o que sempre moveu a cultura do mundo

foi isso, levar adiante, a partir do momento que você não leva mais adiante, acabou. A música vai

se esgotar naquele modelo ali e a gente vai parar aonde? Não vai, já parou, né?

João: E aí, você tocou em um ponto interessante... já parou... que é... isso já foi influência do meu

mestrado, a gente estudou um cara chamado Pierre Levy, é um filósofo, sociólogo, desses figurões

aí, e ele escreveu um livro chamado As Tecnologias da Inteligência... é um livro, nem é um livro

muito bom de ler, nem vou te recomendar, não, vou te mandar depois uma lista de livrinhos legais,

esse não, mas ele fala uma coisa interessante, que a gente está cada vez mais perdendo a nossa

capacidade de armazenar.

Celso: Sim.

João: Porque está tudo indo para o celular, para a nuvem. Lembra que você tinha 20 telefones de

cabeça? De amigos, de familiares?

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Celso: Hoje, eu mal sei o dos meus filhos...

João: Eu não sei nem o meu.

Celso: Não, dos meus filhos eu sei... eu tenho três, eu sei o telefone... não sei, só sei o telefone da

minha mulher.

João: Exatamente. Então, a gente está perdendo a nossa capacidade de armazenar, porque isso está

sendo delegado...

Celso: E é curioso, porque eu lembro dos meus telefones de casa da infância.

João: Claro, está ali, está no seu chip, está ali, eu também lembro.

Celso: Está ali, mas de um tempo para cá, nada, nada, zero.

João: Ficou muito volátil, tudo isso ficou muito volátil, os números as pessoas mudam o tempo

todo, agora é Whatsapp, você não precisa mais ligar, você fala pelo Whatsapp, então assim, a gente

está perdendo a nossa capacidade de armazenar. E outra coisa curiosa, quando você sai pelo Rio

de Janeiro, aliás, Rio de Janeiro não, vamos pensar que você vai para uma cidade diferente, com

uma, duas semanas você vai começar a memorizar para onde você ia, você ia ter uma noção, você

não precisa mais disso, não precisa, você tem Waze.

Celso: Não precisa, você tem Waze, você tem o Google Maps.

João: Então, você fica preguiçoso, mesmo no Rio de Janeiro que é uma cidade que eu conheço, às

vezes eu me perco e fico preguiçoso: “ah, eu vou pegar o mapa aqui”, você fica dependendo do

mapa. Então, a gente está perdendo a nossa capacidade de armazenar, que era uma capacidade que

a gente tinha de transmitir... você transmite aquilo o que você tem armazenado, se você não tem

nada armazenado você vai transmitir o que?

Celso: Transmitir o que? Nada, claro.

João: E aí a gente tem uma preocupação muito grande com o que é vai acontecer no futuro. As

pessoas estão cada vez mais lazy, as pessoas... a tecnologia vem fazer com que você... ela te traz

muito conforto, mas ao mesmo tempo ela... a tua capacidade de pensar, de analisar...

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Celso: Até se a gente for colocar isso de uma maneira mais filosófica, a tecnologia, ela veio para

distrair a gente o tempo inteiro do que é importante, do que é realmente importante, você se distrai

com o Facebook, você distrai como Twitter, você se distrai como Instagram, você se distrai com

todos esses brinquedinhos no telefone, enquanto isso você não está pensando em você, não está

pensando, sei lá, na sua carreira, no seu relacionamento com a sua família, com os seus filhos, você

está em casa, cada um está no seu smartphone fazendo um negócio, então quer dizer, tudo isso veio

para te tirar o foco, para te distrair...

João: E aí, trazendo isso para o nosso universo aqui de música, aqueles rituais de chamar os amigos,

abrir uma capa de um disco, ler a letra junto com o artista, ler a ficha técnica, virar o disco...

Celso: Demandava tempo, que é um tempo que ninguém tem mais.

João: Exatamente, é isso, você não tem mais esse tempo, você quer consumir, então por isso que a

Inteligência Artificial, ela está encontrando um terreno fértil para acontecer.

Celso: Claro, porque ela usa tudo isso como uma ferramenta para ajudá-la...

João: Exatamente, tem umas séries de TV na Netflix, não sei se você já ouviu falar, tem uma série

chamada Black Mirror.

Celso: Black Mirror, já vi vários episódios.

João: Já viu? Então, ela retrata um pouco isso, de uma forma até bastante polêmica algumas vezes

e desafiadora...

Celso: Mas é instigante sempre, eu gosto de ver porque é sempre instigante.

João: É instigante, porque quando você pensa em futuro da humanidade, são os nossos filhos, os

nossos netos, principalmente os nossos netos, porque os nossos filhos já estão integrados...

Celso: Nessa transição.

João: E aí? O que que vai ser dessas pessoas? Aí eu te pergunto, como é que você vê o mercado da

música, com base nisso tudo que a gente falou, como é que você o mercado da música para o

compositor efetivamente lá na frente? Vamos colocar uma janela de 10 anos, 15 anos.

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Celso: Olha, se a gente for pensar... tomando como base tudo isso que a gente está falando, eu não

sei, é difícil... e acho que até meio leviano eu tentar, adivinhatório, tentar fazer uma previsão.

João: Sim:

Celso: Mas com base em tudo isso que a gente está falando, se isso realmente se tornar uma

realidade, o compositor vai ser supérfluo, se você coloca... se como a gente já falou antes, você tem

um garoto aqui ou uma mulher, ou aquela moça que está servindo ali, você coloca todos os dados

ali no computador e resolve fazer uma música, e o computador vai fazer uma música para ela, cadê

o compositor? Onde é que está o imput? Onde é que está a minha criatividade? Se eu coloco ali

dentro do Watson, eu quero contar uma história de uma separação de uma mulher que se cansou

do marido, porque eles vinham tendo uma relação difícil, por causa disso, disso e disso, eles se

separaram, mas depois eles voltaram, quero contar essa história, você joga isso tudo ali dentro do

computador, deu o briefing com a melodia, eu quero que seja uma balada ou eu quero falar isso de

uma maneira mais... seja uma música mais dançante, mas que tenha esse tema... você coloca todos

os dados ali, se o computador fizer isso, acabou. Acabou, eu acho realmente... o compositor vai ser

absolutamente dispensável, infelizmente.

João: Então, o Flow Machines, o propósito deles, depois eu vou te mandar também os links, você

vai ver...

Celso: Isso eu acho mais interessante.

João: É mais interessante, porque a ideia do Flow Machines é justamente evitar que isso aconteça,

embora ele tenha...

Celso: Ele estimule em parte isso.

João: Embora o embrião dessa história foi Inteligência Artificial na música, compor com

Inteligência Artificial, o que ele propõe é: “olha, eu quero criar uma ferramenta tipo um Protools,

uma ferramenta que você possa... que possa te ajudar a compor melhor, a ser mais criativo e não

perder completamente esse caráter humano, não ficar totalmente sintetizado”. Então, o Flow

Machines, esse é o intuito, mas, de certa forma, tudo tem um driver de grana, então eles lançaram

um álbum. Hoje, por exemplo, seria...

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Celso: E o que aconteceu com esse álbum?

João: Então, é o que eu ia falar, seria muito interessante se eu pudesse saber o que aconteceu em

termos de execução, porque isso está no Spotify, mas o Spotify não abre os números, ele não abre

e assim como, por exemplo, eu estou tentando falar com a ABRAMUS...

Celso: Mas você não pode ver pelo número de streamings, você não pode ver pelo número de...

João: Posso ver pelo número de views no Youtube, por exemplo.

Celso: Não, mas se você entrar, por exemplo, esse álbum está no Spotify

João: Esse álbum está no Spotify.

Celso: Se esse álbum está no Spotify, ele deve ter as músicas mais ouvidas, as músicas mais tocadas,

as músicas mais... então, talvez, você tenha como ter um termo de comparação como com o Ed

Sheeran, com a Beyoncé, sei lá, e já que é efetivamente um álbum que foi criado, um fazedor de

hits, talvez seja interessante comparar a performance desse álbum, com os grandes hit makers, para

saber o que aconteceu com ele.

João: Então, mas essa comparação eu não consigo fazer olhando o aplicativo ou olhando o site do

Spotify.

Celso: Mas nem pelo número de streamings ou pelo número de... porque, por exemplo, eu entro

no meu Spotify, eu vejo que uma música teve um milhão e tantos não sei o que, a outra teve 300

mil, a outra teve 500 mil...

João: Sim, sim, dá, mas só que você tem que buscar o que você quer comparar e fazer isso

manualmente...

Celso: Não, não... sim, mas pelo menos acho que a gente tem uma ideia...

João: Você me deu uma boa ideia, eu não tinha pensado nisso.

Celso: Acho que a gente tem uma ideia, ainda que talvez não seja próxima da realidade, aquilo

pode ser manipulado, enfim, a gente não sabe...

João: Essa é uma boa ideia.

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Celso: Mas de uma certa forma, se você entrar, você entra no Ed Sheeran, entra nos maiores hit

makers, sei lá, entra no top 100 da Billboard... entra no top 5, tudo bem, entra no top 5 para ficar

mais fácil, e vê quem são os mais tocados. Vai no Spotify e ver qual é a quantidade de streamings

que tem essas músicas, aí entra nesse disco aí e compara...

João: É, vou fazer isso.

Celso: E compara porque, quer dizer, ainda que não seja de uma maneira tão precisa, pelo menos

vai te dar uma noção do que aconteceu.

João: Eu estou tentando conseguir com a ABRAMUS...

Celso: Os números, acho que os números realmente vai ser difícil... porque se o Spotify não abre,

às vezes as próprias sociedades não sei se abrem também...

João: Então, eu estou atrás da ABRAMUS para tentar alguma coisa do Sabotage.

Celso: As gravadoras sempre manipularam de uma certa forma. Eu sei, porque há alguns anos atrás

eu produzi um disco, eu sei o quanto esse disco vendeu, de um artista, eu sei quantos discos vendeu

e eu recebi um disco de ouro e não tinha chegado nem perto disso, a gravadora manipulou aquilo,

forjou um disco de ouro, para que? Para estimular as vendas daquele disco: “esse cara ganhou um

disco de ouro”, claro, aí vai todo mundo ouvir.

João: Vai todo mundo atrás.

Celso: É como compro likes.

João: É, fazenda de likes.

Celso: É como a fazenda de likes, se você vai ali... o hit makers fala muito isso, se você entra no

meu perfil do Instagram ou do Facebook, ou sei lá de que, ou do próprio Spotify, e você vê ali que

eu tenho 3 milhões de seguidores, 40 milhões de seguidores, você vai passar a me seguir não porque

eu sou o Celso Fonseca, mas porque eu tenho 40 milhões de seguidores, mesmo que esses

seguidores sejam fakes.

João: Inclusive, você me lembrou agora de um outro livro... eu vou te mandar esse livro também

como recomendação, porque você como compositor, você deve ler bastante...

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Celso: Não, eu leio muito, leio muito, sou compulsivo e ultimamente estou muito ligado nessa

questão.

João: Nessa área.

Celso: Nessa área.

João: Então, tem um livro que eu li também, no ano passado, chamado Everybody Lies, Todo

Mundo Mente, que é um livro que foi escrito por um engenheiro do Google, ele saiu o Google e

virou pesquisador, esse livro, antes de ser lançado, a tese dele foi extremamente combatida pela

academia, ninguém queria ouvir o que o cara tinha para dizer, porque a academia, o meio

acadêmico, ele é extremamente cético.

Celso: É, e normalmente são acadêmicos falando para acadêmicos.

Joao: Recentemente li um livro chamado Everybody Lies, do ex engenheiro do Google Seth,

Stephens-Da Vidowitz, que fala sobre com as pessoas mentem.

João: E ele descobriu isso usando o hábito de navegação na web das pessoas, então ele começou a

levantar alguns dados curiosos, do tipo assim, olha, os Estados Unidos, por exemplo, existe racismo

nos Estados Unidos? Se você for perguntar na rua, todo mundo vai falar que não: “não, não sou

racista”.

Celso: Mesmo aqui no Brasil, todo mundo diz que não.

João: E a gente sabe que nos Estados Unidos existem alguns estados que são mais tolerantes, outros

não, e aí ele começou a perceber o número de buscas, por exemplo, de piadas racistas em

determinados estados, ele percebeu: “esse estado aqui, caramba, extremamente racista, mas quando

eu vou fazer a pesquisa, o resultado é totalmente diferente”. E tem até uma coisa que ele fala lá

de... que as pessoas mentem com relação à vida sexual, “quantas vezes você faz sexo?”, “tantas

vezes por semana” ....

Celso: Quanto mais pessoal, mais a pessoa vai mentir.

João: Mas ela vai mentir. Então, de certa forma, a pesquisa de rua, ela não é real, a pesquisa real é

aquela... que são os imputs que as pessoas te dão espontaneamente, é o comportamento dela no

Google, por exemplo.

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Celso: Não, aí não tem como mentir...

João: Não tem como mentir.

Celso: Porque é aquilo que o cara efetivamente está fazendo.

João: E por que que esse cara, agora não me lembro o nome, mas por que que esse cara passou a

ter uma importância, lançou o livro e virou um cara badalado? Porque ele previu a vitória do Donald

Trump, enquanto todas as pesquisas estavam dizendo o contrário.

Celso: Ah, eu ouvi falar disso, eu ouvi falar disso.

João: Então, estava dando Hillary disparado, todos os institutos de pesquisa, mas as pessoas tinham

vergonha de dizer que iam votar no Trump, então os estados mais... até os estados mais democratas

acabaram mentindo, entendeu? E o Trump surpreendeu em alguns estados onde os democratas

tinham maioria. Então assim, a forma de você encarar o mundo, de você ler o mundo, ela está

mudando completamente, e a gente está falando do compositor, e os institutos de pesquisa? Os

carinhas que vão para a rua com aquele papelzinho ficar perguntando para você isso, isso e isso.

Então, a pesquisa, talvez, ela faça muito mais sentido nisso que a gente está fazendo aqui agora,

em um bate papo, sem necessariamente ter um roteiro para que você não se sinta pressionado.

Celso: É, e por exemplo, outra coisa que me ocorreu agora, é assim, eu ache até que, não me lembro

se é o (inint 1:06:27), mas que é uma coisa que me parece óbvia, que é o seguinte, que a maior... a

maior prova de que uma coisa vai ser... vai se tornar viral, é o boca a boca...

João: É o boca a boca.

Celso: ...Sou eu dizendo para você: "cara, você leu o Hit Makers?" aí falo: "você precisa ler o Hit

Makers", para pelo menos cinco pessoas... (inint 1:06:52) isso é real, isso, na verdade, é real, então

eu acho que isso é muito importante e é muito mais importante do que qualquer outro dado de

qualquer lista de best seller, de não sei o que, entendeu?

João: Sem dúvida.

Celso: E, na verdade, é o que funciona, entendeu? Porque: "pô, você já ouviu a música tal do Celso

Fonseca no Spotify? Pô, cara, tem uma música do Celso Fonseca no Spotify", outro fala: "cara, você

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tem que ouvir, cara você tem que...". Eu acho que isso realmente se torna viral, entendeu? E... quer

dizer, obviamente que hoje em dia, se você pegar um desses campeões de... da internet, esses...

João: Esses Youtubers.

Celso: Ou Youtubers desses, não sei o que, é claro que se uma cara desse, se um desses, disser que

o meu disco genial, é claro que eu vou atingir muito mais pessoas do que se eu disparar 30 milhões

de likes, que pode... se um influenciador desses diz que...

João: Isso.

Celso: E o que que é isso se não um boca a boca?

João: É um boca a boca.

Celso: Na verdade, é o boca a boca do cara que influencia os outros que estão ouvindo o que aquele

cara está dizendo, mas, na verdade, é um boca a boca.

João: E é muito louco porque...

Celso: É como se ele tivesse falando para cada uma daquelas milhões de pessoas lá: "eu gosto desse

negócio".

João: E a publicidade está se aproveitando disso.

Celso: Totalmente.

João: Está se aproveitando disso demais. E o mais lamentável, é que as pessoas são facilmente

influenciáveis.

Celso: Deixam se influenciar por isso, claro

João: Extremamente decepcionante isso.

Celso: Isso é decepcionante, isso é decepcionante, mas novamente volta aquilo que o livro fala,

que as pessoas gostam daquilo que já é reconhecido...

João: Que já é familiar.

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Celso: ...Que já é sucesso, aquele primeiro case que ele conta do cara que comprou os primeiros

quadros impressionistas e que ele (inint 1:08:36) e que ninguém dava nada: "isso não vale nada,

isso não vai chegar a lugar nenhum", de repente os caras...

João: É, ele comprou a coleção inteira.

Celso: Comprou a coleção inteira e depois, curiosamente, depois... ele conta a história do Louvre,

que não... que o salão em que estão todos os impressionistas de sucesso, o salão está apinhado de

gente, e no salão ao lado tem uns quadros dele que foi um dos primeiros a compor naquele estilo,

naquele formato, não tem ninguém, tem uma pessoa olhando, quer dizer, as pessoas vão ali no que

já é conhecido, no que já é famoso, reconhecido.

João: Verdade.

Celso: Agora, não deixa de ser decepcionante, porque... e te limita, você fica sem a curiosidade de

conhecer outras coisas.

João: Sem dúvida, sem dúvida. Eu tenho um livro, acho que vou te mandar também, esse é o

Mainstream, que é um livro...

Celso: Mainstream eu li.

João: Ah, você leu o Mainstream? Ele fala mais de cinema, né?

Celso: Sim, sim, fala mais de cinema, mas é maravilhoso, o modelo de distribuição, é maravilhoso,

é maravilhoso também.

João: É maravilhoso também.

Celso: Agora, você sabe uma coisa que eu... essa conversa toda, me veio uma coisa na cabeça, por

exemplo, quanto a questão da composição, sobretudo, do ponto de vista humano, ou seja, seres

humanos, compondo, eu sou um compositor, você é um compositor, outro compositor, o Vinícius

de Moraes, dizia que ele compunha para fazer amigos, isso era uma coisa que ele falava, ele falava:

"eu componho porque eu gosto de fazer amigos, se aquele cara é meu parceiro, ele vira meu amigo",

entendeu? Então, isso se torna uma coisa... e quer dizer, eu sei como é a experiência de juntar uma,

duas, três pessoas para fazer música, entendeu? Quer dizer, cada um tem uma ideia, cada um tem

um imput, cada um traz uma coisa, claro, isso que o computador te dá ali, se você jogar aquilo ali,

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mas eu acho que não tem a mesma... não tem o mesmo sabor, não tem o mesmo calor e não tem a

humanidade de você estar junto com uma outra pessoa compondo. Por exemplo, eu fui convidado,

estou indo semana que vem, quarta-feira estou indo para Cannes, eu fui lá convidado, pela primeira

vez eles vão fazer isso, tem o Midem, que é o...

João: O Midem.

Celso: E pela primeira vez no Midem, eles vão reunir, acho que são 10 ou 12 compositores do

mundo inteiro, a gente vai ficar confinado em uma casa...

João: Sensacional.

Celso: A gente vai ficar confinado em uma casa e esses 10 compositores, eles vão... vai

intercambiar, ou seja, eles vão fazer grupos de 3, 4 compositores, então, sou eu e mais três, no

primeiro dia. No segundo dia, esses três já mudam, já vão ser outros três...

João: De vários países...

Celso: Não, do mundo inteiro, tem gente do Japão, tem gente da Suécia, tem gente dos Estados

Unidos, tem gente da França, tem gente da África, tem gente da Índia, tem gente de não sei o que...

então, a gente vai reunir e no final... quer dizer, para eles ali, vai ter que sair dez músicas, e essas

dez músicas vão ser apresentadas no final do Midem.

João: Poxa, Celso, será que você pode depois que voltar, compartilhar comigo essa experiência?

Celso: Sim, claro. Agora, o que eu quero dizer para você é o seguinte: isso é inigualável...

João: Inigualável.

Celso: Isso é inigualável.

João: Isso é uma iniciativa para ir... em paralelo, pelo menos, não contra, ou atrás, ou a frente, mas

pelo menos, andar paralelo a esse crescimento, essa ameaça da Inteligência Artificial.

Celso: Da Inteligência Artificial e da criação estéril, né? Que você coloca isso, sem nenhum contato

com... então, o que eu quero dizer é isso, quer dizer, isso vai ser uma experiência bacana e

fundamental, e uma experiência real, que é um pouco parecido com o que você está falando, de

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você perguntar a uma pessoa, isso é uma coisa de verdade, o pessoal vai dar aquela opinião dela

sincera, o que ela acha e o que ela está sendo perguntada.

João: É verdade.

Celso: E a gente sentado ali, eu sentado cada dia com três compositores diferentes, de países

diferentes, imagina a diversidade de informações que virá de cada um de nós, e o que vai sair disso.

João: E uma coisa que seria interessante até nessas conversas que você vai ter lá, falar um

pouquinho desse papo que a gente está tendo aqui.

Celso: Sim.

João: Olha, inteligente artificial, eu vou te mandar os links de algumas matérias, de alguns projetos,

vou te mandar o negócio do Flow Machines, que você já vai preparado assim, que você curte esse

assunto, deu para perceber e você já dá uma sondada. E na volta, a gente volta a falar, o que que

está acontecendo em outros lugares e tal, o que que posso incrementar um pouquinho também...

Celso: Porque se você pensar, quer dizer, essa uma forma completamente arcaica, defasada, você

juntar 3, 4 pessoas para compor, que coisa maluca, para que que eu vou fazer isso?

João: Um hackathon.

Celso: Exatamente, por que que eu vou fazer isso se eu posso jogar tudo no computador e o

computador vai fazer essas 10 músicas em cinco minutos?

João: É que... imagina que cada compositor ali, ele é uma base de dados...

Celso: Sim, é isso...

João: Eu estou cruzando bases de dados, o que que vai sair disso aí? Mesmo que você tenha os

caras mais feras do mundo aí, não tem garantia também de que vai ser um sucesso, mas de certa

forma...

Celso: Mas você vai ter uma interatividade e vai ter um ganho em termos de experiência, em termos

humanos e em termos de... que eu acho que isso é insuperável.

João: Que fantástico, parabéns pelo convite...

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Celso: Cara, também fiquei muito... fiquei muito orgulhoso e muito feliz de ter sido escolhido,

porque eu sou o brasileiro da história.

João: Exato, você está representando o país ali com toda a tua bagagem e fantástico, fantástico...

deixa eu agora olhar aqui rapidinho que eu tenho umas perguntinhas, eu vou passar por elas... várias

a gente já tocou aqui na conversa... eu vou... só um minuto, aí eu vou ver se a gente deixou de

passar por alguma... ué, cadê?

Celso: Eu acho esse assunto muito interessante, cara, não só o que diz respeito ao futuro, diz

respeito ao meu ofício, como eu acho isso...

João: Não, isso...

Celso: Eu também quero poder ter ajuda do computador para quando eu tiver meus... meus brancos

criativos.

João: É... não, ele vai te ajudando, ele vai preencher exatamente esses... aqui, está aqui... esses

brancos criativos, ele vai te dar sugestões e você vai falar assim, gostei ou não gostei. A gente já

falou um pouquinho, você já falou de cara, um pouquinho, sobre o seu processo de composição,

que não é muito diferente de outros compositores...

Celso: Não, eu acho que quase todo mundo compõe da mesma forma, é mais ou menos isso, com

exceção daqueles que são focados no “eu vou fazer um hit”, mas aí já entra nesse outro... essa outra

história que a gente estava falando...

João: Tipo Sullivan e Massadas...

Celso: É.

João: Tinha um pouco essa pegada, né?

Celso: Tinha, mas embora, eu sou bem amigo do Sullivan, embora... eu acho que ele tenha

acontecido, aquilo foi uma... foi a consequência talvez de uma demanda ou de um pedido, de uma

determinada gravadora naquele momento, entendeu? Que precisava ter um cara ou uma dupla que

fizesse um caminhão de hits, entendeu? Agora, eu posso garantir que o Sullivan, bom, ele compõe

até hoje, e ele é uma cara que adora compor e que ele não pensa em compor: “vou fazer essa música

para fazer sucesso, claro que naquela... provavelmente eles fizeram aquilo tudo on demand, talvez

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aquilo tudo tenha sido encomendado: “a Xuxa vai gravar, precisa de uma música tal”. Sabe qual é

uma das coisas que mais me impressiona e que eu falo para ele, eu falo: cara, uma das coisas que

mais impressiona e consequentemente me emociona, é que é uma coisa que as pessoas não atentam

muito, pensa no parabéns para você, o parabéns para você é uma música universal, cantada em

várias línguas, agora, aqui no Brasil, existe um segundo parabéns para você que já foi instituído e

que é cantado...

João: O da Xuxa, é.

Celso: E que é cantado em todos, todos os aniversários, que é o da Xuxa, que é dele.

João: É dele.

Celso: "Hoje é seu aniversário... que dia tão feliz", isso é uma loucura...

João: Loucura, loucura.

Celso: Você pensar que o cara, que ele compete, entre aspas, não compete, ele está ali junto com o

parabéns para você oficial, isso é muito louco.

João: Tem... eu não sei se é na Hit Makers, ah não, é na This is brain on music, que ele fala, deixa

eu tentar lembrar aqui... é tanta informação, que eu fico perdido, cara.

Celso: É, eu às vezes me perco também.

João: Mas ele fala de uma música que é muito popular, que veio da... meu Deus do céu, eu preciso

lembrar qual é a música primeiro, mas é tipo um parabéns para você, uma música popular...

Celso: É no Hit Makers.

João: É no Hit Makers?

Celso: É, mas eu não estou lembrando qual é a música.

João: É no Hit Makers.

Celso: É no Hit Makers.

João: Que é aquele som familiar...

Celso: Exatamente, exatamente.

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João: As pessoas...

Celso: E que o cara fez uma música baseada, outras músicas baseadas naquilo ali...

João: Isso aí, é no Hit Makers. Então, deixa eu dar uma olhadinha aqui... já respondeu... ah, isso

aqui é uma coisa curiosa assim, você tem alguma meta de... quantitativa assim, eu preciso compor

x músicas por mês ou por ano, ou por dia?

Celso: Não, consciente não.

João: Não, né?

Celso: Mas eu sou um compositor compulsivo, mesmo, de verdade, talvez eu tenha mais músicas

são gravadas, do que músicas gravadas.

João: E isso significa que você compõe quantas músicas por ano, por exemplo? 50, 70, 20?

Celso: Não sei... mais...

João: 100?

Celso: Para você ter uma ideia, me encomendaram... talvez há um mês atrás, me encomendaram

umas trilhas, e me encomendaram umas trilhas para uma determinada coisa que precisa de muita

trilha, precisa de muita coisa, precisa de muito conteúdo, em três semanas, eu fiz 200.

João: Porra.

Celso: Agora, quer dizer, isso... eu me lembro que o Chico Buarque falava "sob pressão é melhor"

João: Sob pressão é melhor, é verdade.

Celso: Agora é... então, quer dizer, diante disso, eu não saberia mensurar, não sei, então assim,

consciente eu não tenho isso na cabeça, "ah, eu quero fazer 300 músicas esse ano", não, posso 300,

posso fazer 50 ou fazer 500, não sei, entendeu? E aí é que eu acho que é a grande diferença entre

o computador e o humano, é que talvez, talvez não, com certeza, o humano tem a necessidade de

compartilhar suas emoções e suas experiências, sejam elas contadas, ouvidas ou pessoais, o

compositor de verdade, ele tem... é quase como uma terapia, é quase terapêutico, você colocar

aquilo, você está triste, você está deprimido, ou você está muito feliz ou você está apaixonado, ou

você está eufórico, ou você tem, por exemplo, a gente teve essa conversa aqui, então: "eu vou

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escrever uma música sobre essa conversa". Então, eu acho que essa é a grande diferença entre o

computador e a máquina, entendeu? O ser humano sempre vai ter essa necessidade, sempre vai ter

a necessidade de falar alguma coisa, de compartilhar alguma coisa e de contar aquela história,

contar histórias, fundamentalmente, como eu falei, a gente é como um escritor, você quer contar

uma história.

João: Legal, legal. Deixa eu ver aqui agora de novo... muito bom.

Celso: Depois me lembra de eu falar um... de eu citar um exemplo que eu acho interessante, que

eu acho que vale a gente pensar, depois me lembra.

João: Pode falar, pode falar.

Celso: Que é o seguinte: esse é um caso que eu acho muito... é muito curioso, é um caso que é

muito fora de acordo, eu não sei se você conhece um compositor uruguaio chamado Jorge Drexler.

João: Jorge Drexler... não me veio à cabeça assim...

Celso: Então, eu vou te contar essa história. O Jorge Drexler, resumindo, eu conheci o Jorge

Drexler, quer dizer, conheci a música do Jorge Drexler há 12, 13 anos atrás, através de um amigo

meu compositor, que um dia eu fui na casa dele fazer uma música, e ele falou: “cara, ouve esse

cara aqui, que uma fã minha gravou uma compilação de músicas desse cara, um compositor

uruguaio, ouve isso aqui”. Eu ouvi e fiquei louco, falei: “cara, eu não saio daqui sem uma cópia

desse CD”, eu peguei o CD dele, ele copiou o CD para mim, eu trouxe o CD. E como eu também

sou compulsivo em compartilhar coisas, eu comecei a dar... fazer cópias desse CD, porque eu

queria que as pessoas ouvissem esse cara que eu achava tão incrível. E acabei que eu mandei esse

mesmo CD para o Caetano Veloso, para a Adriana Calcanhoto, para a Lilia Pinheiro, para uma

série de artistas amigos e que eu achava que tinham que conhecer esse cara. Bom, o Drexler é um

cara uruguaio que migrou para a Espanha, porque ele é médico formado, mas ele começou a fazer

música, foi convencido de que ele tinha que fazer a carreira de música, mas que no Uruguai, ele

não conseguiria fazer isso.

João: Entendi.

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Celso: Então, ele foi para a Espanha, foi morar em Madrid, em Madrid, efetivamente, ele começou

a gravar discos e começou a fazer música e desde a primeira vez que eu ouvi o Drexler, eu falei:

“cara, esse cara é um dos compositores mais incríveis que eu já ouvi”.

João: Nossa, preciso ouvir esse cara urgente.

Celso: Conheci o Drexler, acabei descobrindo o e-mail dele, mandei um e-mail para ele, eu estava

indo para a Europa fazer turnê e fazer entrevistas e tal, ia passar por Madrid, mandei um e-mail

para ele me apresentando, para a minha surpresa, ele falou: “cara, imagina, eu acompanho a música

brasileira há um tempão, conheço você, conheço os seus discos, conheço tudo”. Eu falei: “pô, a

gente pode se encontrar?”, “claro”. Bom, encontrei com ele lá, em 2002, se eu não me engano, e

desde então, ficamos amigos. E a primeira vez que o Drexler fez um show no Brasil, que ele cantou

no Brasil, ele não fez um show, a primeira vez que ele cantou no Brasil, foi em um show meu.

João: Fantástico.

Celso: Em 2002 também ou 2003, talvez, que eu chamei para dar uma canja, ensaiei com a minha

banda 3, 4 músicas dele, e ele subiu e cantou no Mistura Fina que nem existe mais, o Mistura Fina

que tinha aqui na Lagoa, foi a primeira vez que o Drexler cantou. Bom, dito isso, o Drexler, hoje

em dia, ele acabou de fazer uma turnê brasileira, agora, acabou... há um mês atrás, em que ele fez

Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, todos os

lugares lotados e todas as pessoas cantando todas as músicas do Drexler em espanhol.

João: Nossa, em espanhol, é.

Celso: E o Drexler está ficando cada vez maior no mundo inteiro, ele fora... claro, a língua

espanhola não dá para comparar com a nossa, que tem uma abrangência muito maior, mas o Drexler

está ficando cada vez maior e não é um cara do mainstream.

João: Entendi.

Celso: Agora, o mistério é esse, eu levei um casal de amigos não nesse, mas há dois anos atrás

quando ele veio, eu levei um casal de amigos para ver um show dele, que eu acho que ele fez ali

no Oi Casa Grande... bom, ele faz assim, Vivo Rio, imagina... a primeira vez que ele cantou, foi

em 2002, hoje em dia, ele faz Vivo Rio lotado e todo mundo canta as músicas dele. Agora, o mais

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curioso é o seguinte: você não conhece o Jorge Drexler, o Jorge Drexler não toca na rádio, não tem

música de Jorge Drexler em tema de nenhuma novela.

João: É só no boca a boca.

Celso: Isso não é uma loucura, isso não é um mistério?

João: Isso é louco, isso é um mistério, isso é uma coisa para ser investigada.

Celso: Isso não é uma coisa para ser investigada?

João: É, eu já estou curioso para ouvir.

Celso: E ele mesmo fala: “cara, eu me assusto... eu não sei”. Ele ganhou um Oscar, mas muito

depois de quando eu o conheci, ele ganhou um Oscar pelo Diários de Motocicleta, ele fez a trilha,

ele fez a música do filme... e ele ganhou um Oscar, há quem diga que isso se deve ao fato dele ter

ganhado um Oscar, eu não acredito, eu não acredito. Até porque ele não cantou na cerimônia do

Oscar, porque não deixaram que ele cantasse exatamente porque ele não era famoso. Ele era um

cantor uruguaio... aí eles botaram o Antônio Bandeiras e o Santana tocando...

João: Tocando a música dele?

Celso: A música dele, na apresentação do Oscar. Ao fim da história, ele ganhou, quando ele subiu

ao palco para receber, ao invés de agradecer, o que que ele fez? Se abaixou e cantou, foi no

microfone e cantou a música.

João: Preciso ver isso, deve ter no Youtube...

Celso: Tem, tem... e eu me lembro que na época, eu gritava em casa. Depois eu falei com ele, ele

falou: “cara, foi a única coisa me ocorreu”, ele falou: “eu vou chegar lá e vou cantar a música, vou

chegar lá e vou cantar, a música é minha”. Mas enfim, isso tudo para dizer o quão impressionante

é esse fenômeno, esse fenômeno... porque se você perguntar, chega aqui, pergunta: “quem é Jorge

Drexler?”, “não sei”. Aí você vai em um show do Vivo Rio, eu fui agora... porque eu estava em

Nova York, ele fez Rio e São Paulo, eu não estava aqui, mas ele fez Curitiba, e eu já tinha chegado,

eu cheguei em uma segunda-feira, ele fez Curitiba na sexta, resolvi ir, falei: “pela primeira vez eu

não vou ver um show do meu amigo?”. Eu comprei uma passagem e fui para a Curitiba ver o show

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dele, aí ele me chamou para cantar com ele e tal, cara ele fez a Opera de Arame (?) lotada, sei lá,

quantas pessoas...

João: Nossa, que louco isso.

Celso: Cara, todos cantavam.

João: Totalmente paralelo.

Celso: Paralelo, não, e eu falo para ele, isso eu falo há anos, desde lá de trás, eu falo para ele: “você

não tem fãs, você tem devotos”.

João: É. E esses devotos podem gerar novos devotos através do boca a boca.

Celso: E assim, para mim, na minha opinião, ele é o compositor de música popular, não vou dizer

música pop, porque música pop pode dar a conotação de música...

João: De má qualidade também.

Celso: De má qualidade e até de mainstream e ele não é um cara mainstream, música pop, você

pode botar o Jay-Z na música pop, você pode botar a Katy Perry, pode botar o Ed Sheeran, ele não

está dentro desse...

João: Eu estou entendendo.

Celso: Mas ao mesmo tempo, ele é o compositor de música popular mais importante do mundo,

por tudo, pelas músicas que ele faz, pelas letras, pelos temas que ele aborda, pelos shows, pela

criatividade, pela inquietude dele, cada hora ele inventa uma coisa diferente.

João: Preciso conhecer, preciso prestar atenção.

Celso: Sabe uma coisa muito interessante? Ele há uns anos atrás, talvez uns 5, 6 anos atrás, ele

inventou um aplicativo, eu não sei nem se ainda existe, ele inventou um aplicativo e o aplicativo

consistia no seguinte, você abrir o aplicativo e esse aplicativo tinha uma música e tinha centenas

de combinações de frases que ele tinha escrito.

João: Entendi.

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Celso: Como se eu tivesse uma música com, sei lá, 300 versões, sei lá. E ele colocou no aplicativo

e aí cada pessoa que comprava o aplicativo, ela colocava a sua frase na ordem que ela achava que

ela devia colocar...

João: Já estava gravado com alguma melodia cada frase?

Celso: Estava gravado com uma melodia. Então, era uma melodia com ele cantando.

João: Que genial isso. Você sabe o nome do aplicativo?

Celso: Cara, é que eu não tenho mais ele aqui...

João: Ele que criou, o Jorge?

Celso: Não, só botar Jorge Drexler app, sei lá, ou qualquer coisa assim...

João: Isso, isso.

Celso: ...No Youtube que você vai ver ou no Google, sei lá, você vai ver.

João: Isso é um embrião também dessa...

Celso: Sim, mas é muito interessante, porque claro, tudo aquilo tinha sido criado por ele, mas era

interativo a partir do momento em que as pessoas que baixavam aquele aplicativo... então, a

primeira audição que ele fez do aplicativo, ele chamou um grupo de pessoas, cada uma com seu

iPad e ele botava a música para tocar e cada pessoa botava a sua frase, e aquela frase ia aparecendo

para ele e ele ia cantando ao vivo, em tempo real, as frases que as pessoas...

João: Meu Deus, de acordo com a votação.

Celso: ...De acordo com aquilo que chegava para ele.

João: Que genial isso aí.

Celso: Ou seja, é um artista genial.

João: A frente do tempo.

Celso: A frente do tempo e completamente fora da curva.

João: Fora da curva.

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Celso: Esse casal... eu estava te contando que eu levei há dois anos atrás em um show dele, que é

um casal, o cara é meu amigo há muitos anos, é executivo, já foi CEO de várias multinacionais,

morou no mundo inteiro, morou no Japão, morou na Inglaterra, morou nos Estados Unidos, é um

cara... quer dizer, é um cara...

João: Global.

Celso: Global e com uma vasta cultura, inclusive, musical, que ele gosta muito de música e a

mulher dele também. Eu levei o casal, eu e minha mulher, levamos para ver o show do Drexler...

João: Eles também não conheciam?

Celso: Eles não conheciam. Chegou na metade do show, ele virou para mim e falou assim: “que

que é isso? Quem é esse cara que eu nunca ouvi falar e está todo mundo cantando?”.

João: Isso foi até bom, que eu me sinto até menos envergonhado de não conhecer o Jorge Drexler.

Celso: Não, por favor, todos... e quando ele fez o Vivo Rio, eram 3 mil pessoas, 2.500, sei lá quanto,

lotado... todos cantando.

João: Nossa, eu preciso...

Celso: Todos cantando, e é uma loucura. Não, e ele, agora, de alguns anos para cá, ele passou a ser

bem ativo nas redes sociais, ele tem o Instagram dele, ele tem a página no Facebook, tem o próprio

site dele, então quer dizer, você pode ver o movimento dele o tempo inteiro, agora é um fenômeno.

João: Engraçado, porque que que...

Celso: E é um fenômeno de fidelidade, isso que é louco, isso que é louco, porque falando assim,

ele poderia ser um cara do tamanho do Ed Sheeran, ele não é um cara do tamanho do Ed Sheeran,

mas ele é um cara, que ele é um fenômeno em fidelidade e exponencial, isso cresce a cada ano, a

cada ano, a cada ano, a cada ano, ele começou fazendo show aqui, eu não me lembro qual foi o

primeiro lugar que ele fez show aqui, na segunda vez que ele veio, ele já veio para o Canecão,

depois ele já veio para o Vivo Rio, depois... sabe?

João: E assim, será que ele já foi assediado pelo mercado?

Celso: Não, ele faz parte de uma gravadora, ele é da Warner, é uma multinacional na Espanha.

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João: Entendi. Mas eu digo, quer dizer, até então, o que deu mais projeção para ele foi a trilha do

filme Diário de Motocicleta.

Celso: É, projeção global sim, talvez o tópico: “quem é Jorge Drexler?”, “ah, aquele cara que fez

a música de Diário de Motocicleta e ganhou um Oscar”.

João: Que é uma trilha maravilhosa.

Celso: Não, mas a trilha ele não fez, ele fez uma canção, que é a canção que aparece nos créditos,

se você sair do cinema antes dos créditos, você não ouve a música dele.

João: Que doido isso.

Celso: Muito.

João: Muito doido.

Celso: Muito, muito.

João: Legal, essa dica eu preciso investigar...

Celso: Então, isso é uma coisa... até se você estudar esse fenômeno, você vai me ajudar a entender,

porque eu também não entendo, ele é muito meu amigo, a gente é muito próximo, mas eu não

entendo, e ele mesmo fala assim: “olha, para mim também é um mistério”, ele fala: “eu fico cada

vez mais feliz, eu fico cada vez mais realizado como compositor, como artista, como ser humano”,

mas ele também não entende.

João: E é mais no Brasil? No mundo inteiro?

Celso: Não, no mundo, ele fez a Argentina, acho que há um ano, dois anos atrás, no Luna Park, o

Luna Park é um lugar em que se fazem... é como se fosse um Rock in Rio, ele fez no Luna Park

lotado.

João: Meu Deus, que isso?

Celso: Ele fez agora, esse ano, ano passado, quatro noites na Argentina, no Teatro Gran Rex que é

o maior teatro que tem na Argentina, sold out, todos os dias, se você pegar a lista de shows dele, a

turnê dele, se você pegar hoje, dos que ele vai fazer daqui até o final do ano, provavelmente já estão

todos sold out.

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João: Tem alguma coisa... porque assim, hoje a gente está cada vez mais direcionado para o que

eles chamam de economia da experiência, tanto é que o Rock in Rio, se você olhar o primeiro Rock

in Rio, era um show de rock, palco, pessoas assistindo um show, hoje você vai para o Rock in Rio,

você tem um shopping center...

Celso: Exatamente, vende tudo, vende tudo.

João: Tudo. O show é mais um detalhe.

Celso: É, exatamente.

João: Então, a experiência, no caso do Jorge Drexler, tem alguma coisa de experiência ou é só

música na veia, público e música, artista?

Celso: Só música, só música, ele entra no palco e assim... como ele é um cara muito inquieto, à

medida que ele veio avançando e fazendo... os discos são diferentes entre si, por exemplo, o último

disco dele, que chama Salva Vidas de Gelo, ele teve a ideia de fazer um disco, ele falou: “bom,

tudo parte de mim e do meu violão, então eu vou fazer um disco em que o disco inteiro só vai ter

violões”, então o disco inteiro é gravado, tudo o que você ouve no disco é tocado por violões.

João: Inclusive, as percussões?

Celso: Inclusive as percussões, o violão virado do outro lado, tudo, tudo é tocado por violões, ou

pelo baixolão, sei lá, o que faz o baixo, mas é tudo acústico e tudo violão, quer dizer, a ideia

maravilhosa, ideia super bacana.

João: Bacana.

Celso: Então, ele é um cara muito inquieto e ele... agora, ele é esse fenômeno que eu não consigo

entender.

João: Entender.

Celso: E achei que era um exemplo bacana para...

João: É um exemplo fantástico, eu vou dar uma investigada...

Celso: Para a gente tentar entender, porque ninguém consegue entender, meus amigos, artistas,

compositores e tal, ninguém consegue entender, ninguém consegue entender, porque você pode até

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pensar: “ah, então, é porque ele virou um cara cult”, mas não pode virar um cara cult que toca

para...

João: Não pode.

Celso: ...Milhares de pessoas não é um cara cult.

João: Não, definitivamente não. Mas eu vou dar uma investigada também...

Celso: Agora, não é um cara mainstream também.

João: Também não. Está bem posicionado, digamos assim, né?

Celso: Sim, está muito bem posicionado, mas o que me impressiona é essa curva exponencial que

vai crescendo cada vez mais.

João: É, é. Não, bacana.

Celso: É incrível.

João: Vamos lá. A gente já falou aqui... ah, uma questão, se você hoje já usa algum tipo de recurso

tecnológico para te ajudar a compor.

Celso: Sempre usei, quer dizer, sempre usei... essas coisas que as pessoas falam de música

eletrônica, não sei o que, bom, nos anos 80, eu já usava todos os softwares disponíveis que tivessem

sons, bateria eletrônica, teclado, sempre usei isso. E hoje em dia, cada vez mais, quer dizer, essa

indústria de softwares, essa indústria de instrumentos virtuais, está cada vez mais real, hoje em

dia...

João: Os simuladores...

Celso: Não, os simuladores... tem simulador de piano que custa 3.500 dólares, só aquele simulador

de piano.

João: Só o simulador, você precisa ter o... comando...

Celso: Não, mas o comando custa 200 dólares, mas por quê? Porque aquilo tem o som de todos os

pianos com todas as articulações em toda... com todas as salas, com todos os lugares e microfonado

de todas as maneiras e não sei o que...

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João: Você faz o setup e...

Celso: Da mesma forma, o Viena, que é o simulador de orquestras, você tem uma orquestra inteira,

instrumento por instrumento, tocado com todas as articulações que alguém possa fazer. Mas como

é que você vai tirar proveito disso da melhor maneira? Se você for músico, porque você vai saber

exatamente... por exemplo, um range de um instrumento, porra, você não vai tocar acima de um

range de um trombone agudo lá, porque você sabe que o alcance do trombone vai daqui, aqui,

entendeu? A mesma coisa um trompete, um violino, uma viola ou um violocelo e tal, então quer

dizer, tem que um pouco saber isso...

João: Tem que saber um pouco.

Celso: Quer dizer, se não souber também, tudo bem também, vai ficar bem, mas vai ficar fake...

João: Vai no instinto.

Celso: Não, você vai ouvir e falar: “isso aí é artificial”, se você souber, eu duvido, se eu tocar para

você, é a mesma coisa das composições lá que o cara fez, que o computador fez, se eu tocar para

você uma trilha, eu fiz uma trilha orquestral para um desfile de modas da linha Niemayer (?), tem

até no Youtube, 2016, toda com instrumentos virtuais, você ouve e você não... você acha que é uma

orquestra, e você bota para as pessoas ouvirem e a maioria das pessoas vai dizer: “isso aí é uma

orquestra, isso aí não é um ser humano que gravou isso no teclado”. Então, quer dizer, eu sempre

usei e eu acho que essas coisas ajudam.

João: Eu concordo com você.

Celso: Até, sei lá, loops, entendeu? Você tem um loop de uma batida, tem um loop de um pedacinho

de música, enfim, eu acho que isso tudo sempre ajuda, eu uso.

João: Sempre complementa. Você sabe, existem aqueles que são mais puristas e que não...

Celso: Nunca fui, eu nunca tive preconceito com nada disso e sempre achei estimulante, e sempre

achei que isso é uma coisa que muito mais ajuda do que atrapalha.

João: Sim, concordo, concordo.

Celso: E por outro lado, eu também não penso: “ah, isso vai tirar o emprego”, não, não vai tirar o

emprego, se eu quiser uma orquestra... o Like Nice, foi o meu último disco antes desse que vai sair

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amanhã, foi indicado a quatro Grammy, o Latin Grammy. O Like Nice eu fiz com orquestra de

verdade, o disco inteiro é feito com uma orquestra, que eu falei: “ninguém vai...”, tudo bem, claro

que eu tenho essas facilidades com o software, mas eu quero um som de orquestra, quero gente

tocando de verdade.

João: Sim, é sentimento.

Celso: É, não... e você ouve... você cai para trás, eu posso reproduzir aquilo com os teclados, mas

eu queria que aquilo fosse uma orquestra de verdade.

João: É um pouco do papel do maestro, o maestro, ele está ali só para dar andamento? Não, é para

dar sentimento, um bom maestro, ele...

Celso: E um bom maestro, o músico está mais de olho no olho dele, do que na partitura ou do que

no comando, é exatamente o que ele...

João: Emoção.

Celso: Por isso que as pessoas falam... “ah, o Dudamel, não sei o que, a nona sinfonia regida por

ele é melhor do que a sinfonia... ah, mas o Rubinstein regia não sei o que”.

João: É isso.

Celso: É isso, é o sentimento.

João: Já falamos, já falamos... ah essa aqui é uma pergunta mais técnica, que também não precisa

passar por números, você sabe indicar, me dizer quais são as fontes de royalties para você? Se é

execução pública, se é streaming, se é licenciamento, o que que vem mais assim? Porque alguns

artistas eles ganham muito com a execução pública, mas agora o streaming está chegando, quer

dizer, todos os seus álbuns estão nas plataformas, eu sei que elas pagam muito pouco, mas...

primeiro, é representativo, vem em uma crescente?

Celso: É, não, nas plataformas não representativo, eu acho que nem para mim, nem para ninguém,

me contaram do Pharrell, quando ele estourou com o rap, naquele ano o Spotify pagou 1.500 dólares

ao Pharrell.

João: Que isso?

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Celso: Então, quer dizer, das plataformas não é representativo, mas para mim continua sendo a

execução pública, é onde eu mais recebo. Ou sincronização, quer dizer, eu já tive... acho que 16 ou

17 músicas em novelas, então quer dizer, acaba que a receita vem mais daí, do que de qualquer

outra coisa.

João: Do que de plataforma.

Celso: Do que plataforma, com certeza, muito mais.

João: Entendi, entendi.

Celso: Embora eu ache... há quem diga, quer dizer, os especialistas dizem que no futuro, as

plataformas vão ser muito melhores para nós, compositores, porque vai ser um pagamento direto,

não vai ter intermediação, aquilo vai vir direto para nós, então, que no futuro isso vai ser melhor

para nós, estou esperando.

João: É, porque hoje, você tem vários intermediários...

Celso: Vai passando por vários...

João: Que é um pouco do blockchain.

Celso: Isso.

João: Você já deve ter ouvido falar do blockchain e do smartcommons, que você pode te ruma

relação direta com quem está diretamente executando.

Celso: É isso, mas por enquanto, ainda não é assim.

João: É... para concluir assim, você... eu acho que a gente já falou sobre isso, a gente falou sobre

isso, mas só para ficar registrado, essa evolução tecnológica, seja na questão da distribuição, seja

nos aparatos tecnológicos que te ajudam a compor e no próprio fato de que as pessoas estão

menos... armazenando menos informação, você não acha que isso vai gerar uma massificação cada

vez maior da música?

Celso: Já está gerando.

João: Já está.

Celso: E acho que isso é... mais uma vez essa curva é exponencial, vai crescer cada vez mais.

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João: E como compositor que vive de música, assim, você já é um compositor consagrado, mas

imagina um garoto que está começando agora, que quer ser compositor, que decidiu ser compositor,

como é que ele se posiciona nessa história toda? Ou seja, se a música está massificada, eu vou ter

mais gente competindo comigo de igual para igual, vai ser fácil viver de música?

Celso: Não, eu acho que por tudo o que a gente conversou e por tudo o que a gente está falando,

eu acho que a competição é desleal, a competição é desleal. O garoto que está começando agora,

eu acho que é completamente aleatório assim, não dá para dizer para o cara: “vai em frente, você

vai ser um sucesso”, até porque isso depende de milhares de fatores não...

João: Não controláveis.

Celso: Não controláveis e que não necessariamente dizem respeito aquela música que o cara está

fazendo. Eu posso te um hit em potencial que ninguém sabe que é um hit, eu posso ter... eu tenho

15 álbuns, nesses 15 álbuns, eu já posso, dentro desses 15 álbuns, ter músicas que nunca foram

executadas e que sejam hits e nunca foram executadas. Quer dizer, as pessoas não sabem da...

João: Não sabem que elas existem.

Celso: Não sabem que elas existem.

João: É um pouco do que acontece com livro, eu trabalho com editora, hoje em dia, científica, mas

eu trabalhei com editora de livro trade. E a gente tinha uma questão que era o seguinte, quando

você lança um livro, ele normalmente, ele tende a ter uma curva de crescimento e tal, estabiliza,

depois cai e morre. Tanto é que você precisa estar lançando coisas novas, o business se sustenta

com novos lançamentos, tanto na música, quanto na...

Celso: Embora tenha os casos, como a gente falou...

João: De catálogo.

Celso: ...De catálogo, outro dia estava vendo, não sei se foi um livro do (inint 1:45:06), sei lá,

enfim, um livro desses clássicos, aqui, por exemplo, a gente pode ver... eu sei, porque eu sou filho

de médico, então, me lembro que o livro do Reinaldo Delamar, A Vida do Bebê...

João: A Vida do Bebê, é? Um clássico.

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Celso: Isso... quantas edições tem A Vida do Bebê? E lá, A Montanha Mágica, sei lá, pega os

grandes clássicos, então tem isso também.

João: A Vida do Bebê, eu trabalhei na Manchete, na Bloch Editores, e era brinde, a gente usava ele

como brinde da Revista Pais e Filhos, porque era um negócio fantástico. Mas ele já cai em um

conceito de cauda longa, sabe? Você tem o blockbuster e tem no cauda longa. Ele já caiu ali no

conceito de cauda longa, então o que eu conversava na editora era, o livro atinge um número de

pessoas por essa contaminação, pelo boa a boca e tal, mas ele não consegue atingir todo mundo e

ele, chega uma hora que essa curva perde força, porque o boca a boca diminui.

Celso: Claro.

João: No começo, mas depois diminui. Então, um espectro muito grande de pessoas não foi

impactado por aquele livro. Você conhece o Hit Makers, eu conheço, eu indiquei, você indicou,

mas vai chegar uma hora que a pessoa, o último lá da ponta, que não tem tanto interesse pelo

assunto quanto a gente, não vai passar dele. E tem outras pessoas da rede dele que poderiam entrar

com contato com isso e nunca vão ser alcançadas. Então, eu falava muito isso, que era importante

que você tivesse... depois do final dessa curva, normalmente, as editoras, elas preferem lançar um

título novo, do que ressuscitar aquele. E eu sempre falava: “olha, nós somos assassinos de livros”,

porque a gente... primeiro, vive de orgânico, então aconteceu o livro, burburinho, não sei o que, às

vezes é uma tradução de um sucesso lá fora, então, a gente vive do orgânico e assassina livros

constantemente. A gente tem que parar de fazer isso e voltar a entender até aonde chegou o impacto

desse livro e a partir daí reestabelecer essas conexões, porque hoje isso é possível, alguns anos

atrás, isso não era possível, mas hoje é possível trackear, acompanhar o que está acontecendo.

Talvez isso possa explicar um pouco o Jorge...

Celso: O Drexler...

João: O Drexler, até aonde chegou o impacto dele, qual é o perfil dessas pessoas que foram

impactadas, são análises que são importantes de serem feitas, para você tirar insights e olha,

desenvolver uma estratégia.

Celso: Agora entendi e daqui para frente, eu vou desenvolver uma estratégia e vou continuar.

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João: Mas assim, e aí falando um pouco dessa questão da massificação e concluindo, eu acho que

está muito relacionado a essa questão de sermos orientados ao crescimento a todo custo.

Celso: Sim, a economia está...

João: A economia precisa crescer, o país precisa crescer, o PIB precisa crescer, o faturamento

precisa crescer, o lucro precisa aumentar...

Celso: Precisamos vender, vender, vender, vender.

João: ... Você não pode, como... você conhece várias pessoas, você falou do seu amigo que foi

CEO de várias empresas, ele não pode chegar para um acionista e falar: “olha, ano que vem a gente

vai cair 5%”, não, ele não pode falar isso.

Celso: Tem metas, metas, metas e as gravadoras a mesma coisa.

João: E as gravadoras a mesma coisa. E esse crescimento no momento em que você começa a ter

um esgotamento de matéria prima, ele fica mais difícil e você tem que apelar para outras coisas.

Aí a música deixa de ser menos... deixa de ser música para ser mais outras coisas, para ser uma

Ivete Sangalo que... a Ivete Sangalo é um personagem, ela é uma marca...

Celso: Ela é uma marca.

João: A música dela não importa mais.

Celso: Mas foi a música que fez dela uma marca.

João: Claro, a música que ela fez dela uma marca, mas ela é acima tudo, uma entertainer, mais do

que músico, ela é uma entertainer, assim como a Anitta ou essas...

Celso: Ou o próprio Drexler, ele também ele.

João: Ou próprio Drexler, exatamente. Então, a capacidade de você ter... gerar empatia, ter carisma,

talvez sejam os atributos que os diretores artísticos vão procurar.

Celso: Não, eles vão ter que procurar e vão ter que achar isso. Por outro lado, agora me veio uma

outra ideia na cabeça, por outro lado isso é perigoso também, porque eles podem querer procurar

só isso em detrimento da música, entendeu?

João: Sim.

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Celso: O cara pode querer, quer dizer, vou chutar aqui um exemplo que veio na minha cabeça, que

pode ser completamente esdrúxulo, mas por exemplo, um Pablo Vittar, o Pablo Vittar é um

personagem, é um cara que... um cara que... aí se todas as gravadoras começarem a procurar Pablos

Vittares, entendeu? Quer dizer, isso não tem nada a ver com a música.

João: Não.

Celso: Isso não tem nada a ver com a música, tem a ver com vendas, com a economia, tem a ver

com o personagem, tem a ver com a marca. Ele provavelmente vai fazer milhares de comerciais,

como o Neymar, entendeu? Chega uma hora que o futebol do Neymar é o menos importante,

importa menos que qualquer outra coisa que ele vá vender, entendeu? Então, isso, quer dizer, por

um lado eu acho que tem que e prestar atenção, porque é importante, você não pode procurar só o

carisma, o artista, o entertainer, você tem que procurar um cara que tenha, quer dizer, talvez você

ache esse cara e os computadores façam música para esse cara, como a gente começou a conversa.

João: Exatamente, a gente fechou o ciclo agora.

Celso: Fechou o ciclo.

João: A gente fechou o ciclo, porque é para lá que eu estou apontando a minha pesquisa, ou seja, a

pergunta que eu quero responder é justamente essa: olha, ainda teremos necessidade de termos

compositores no modelo que a gente tem hoje? Ou a máquina vai poder fazer isso por que isso está

mudando toda uma indústria e a gente vai buscar muito mais a figura do cara carismático, do

entertainer, em detrimento do músico?

Celso: É, a gente vê isso em tudo, os youtubers, youtuber é uma profissão.

João: Que agora a garotada quer ser.

Celso: Quer. Os meus filhos falam: “pai, por que você não...”

João: Vira youtuber.

Celso: Quer ser youtuber, quer ser blogueiro, o que que é blogueiro? O que que o blogueiro faz? O

que que o youtuber faz? Ah não ser exercitar um certo narcisismo, uma certa idolatria.

João: Exatamente, sem conteúdo nenhum.

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Celso: Sem conteúdo nenhum, mas acaba que esses caras acabam gerando um conteúdo que vale

muita grande, entendeu?

João: Aí quando uma marca de prestígio vai lá e fala assim: “eu quero esse cara”, ela está

alimentando isso, então, no fundo, no fundo, isso pode ser um grande tiro no pé, porque se você

não acredita... se você não tem conteúdo, assim, o que que a gente vai ter? A gente tem hoje uma

diversidade de marcas para poder escolher, uma diversidade de tipos de automóveis e lá na frente

vai ser tudo uma coisa só, cara.

Celso: Tudo uma coisa só, é, exatamente.

João: Ford T, vai voltar tudo a ser uma...

Celso: Aí volta.

João: Então, é perigoso, mas... poxa, Celso, olha, foi ótimo o papo, cara, foi fantástico.

Celso: Adorei também.

João: Muito obrigado, hein.

Celso: Eu que te agradeço, porque é uma oportunidade da gente fazer uma reflexão sobre todas

essas coisas...

João: Exatamente.

Celso: ...Que para mim é uma coisa fundamental, é uma coisa super importante.

João: Sim, porque você é... o teu meio, você vive disso.

Celso: É o meu meio e é uma coisa que eu amo fazer, e eu ficaria uma pessoa muito triste, se no

futuro, o que eu fizesse, não fizesse mais sentido para as pessoas, entendeu?

João: E uma forma também de você se antecipar, você falar: “opa, espera aí, o que que é isso, o

que que é Flow Machines?”

Celso: Agora, por outro lado, é exatamente isso, por outro lado, eu sei que eu não sou um cara

conformado e quieto, e tranquilo o suficiente para dizer: “puxa, minha profissão vai acabar, agora

eu vou pescar...”, não eu vou querer saber exatamente como é o Flow Machines, eu vou querer me

reinventar. E vou querer ter prazer com essa reinvenção.

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João: Legal, legal, maravilha, maravilha, obrigado mais uma vez.

Celso: Eu que te agradeço, porque foi super...

João: Espero que a gente aqui comece também uma amizade e o que você precisar...

Celso: Com certeza e você também, quando eu voltar do Midem, eu vou te contar experiência,

como vai ser...

João: Legal, legal, isso é muito interessante.

Celso: ...Porque isso eles estão fazendo pela primeira vez e enfim, acho que é uma coisa inédita

para eles também, e é uma experiência que talvez eles queiram chegar a algum resultado.

João: E é provável que eles já estejam pensando nisso que a gente está falando, ou seja: “olha só

com essa evolução, Inteligência Artificial, será que isso ainda vai fazer sentido, será que isso ainda

vai ser um diferencial? Ou no próximo Midem, ao invés de eu chamar os compositores, eu vou

chamar os softwares, os algoritmos e vou botar eles para trabalhar, e vou ver o que que vai

acontecer? Será que eu vou criar uma competição?” Até interessante, porque o Midem, são algumas

palestras também e tal e...

Celso: É, todo o mercado da música mundial se concentra ali todo ano.

João: Está lá, o Spotify provavelmente vai estar lá e tal, então assim, gostaria muito... é semana que

vem, não é?

Celso: É, começa dia 3.

João: Eu vou até pesquisar qual é a programação do Midem para dar uma olhada.

Celso: Se você entrar no site do Midem, você consegue ver.

João: É, vou dar uma olhada. Semana que vem, eu estou indo à Nova York, eu vou a trabalho, mas

eu vou marcar uma reunião com o pessoal da Amper Music, que essa empresa que faz música para

comerciais com base em comportamento, usando Inteligência Artificial.

Celso: Isso é bacana.

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João: Isso é muito legal, aí eu pedi: “pô, quero conhecer e tal”, aí vou lá bater um papo com eles,

aproveitar que eu vou estar lá e olhar. Mas depois, a gente marca, quando você voltar do Midem, a

gente senta de novo e...

Celso: Não, claro, vamos, para conversar mais e para eu te contar o que aconteceu lá, porque eu

também estou curioso.

João: Legal, legal, eu vou fechar aqui, que eu acho que eu estou ficando sem bateria.

Fim da gravação.

[01:55:06] Tempo final da gravação

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Entrevista Elisa Eisenlohr - UBC

27/04/2018

ORADORES

João

Elisa

TEMPO DE GRAVAÇÃO

01 horas, 15 minutos e 14 segundos

MODALIDADE DE TRANSCRIÇÃO

Literal

[00:00:00] Tempo de início da gravação

João: Pronto, está gravando.

Joao: O que é a UBC e o que este órgão faz?

Elisa: Então, a UBC, a gente faz gestão coletiva de direitos autorais. Se alguém cria uma música,

ou seja, intérpretes, seja músico, seja produtor fonográfico, editor ou autor, compositor, ele tem um

direito de cobrar sempre que a música é usada, na verdade, ele tem o direito de autorizar ou não o

uso da música, só que essa autorização, ele acaba, pode fazer de forma onerosa ou não. Então, ele

tem essa prerrogativa de autorizar e aí, claro, que para um autor, um criador viver de música, ele

cobra por essa autorização, isso viabiliza o trabalho dele, o trabalho profissional. Então... só que se

alguém usa a sua música e você vai lá sozinho fazer essa cobrança, é muito provável que esse local

simplesmente pare de usar sua música e use outra música, e também ninguém tem o poder da

ubiquidade, então é muito difícil você ir em todos... estar em todos os lugares, presente para cobrar.

Então, o que que foi uma solução usada há mais de cem ano atrás no mundo todo? Os autores, eles

se juntam em associações e fazem essa cobrança em conjunto. Então, quando você está cobrando

por todo um repertório, você tem um poder de barganha muito melhor, e ainda é bom para os dois

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lados, porque reduz os cistos de transação do usuário de música, a gente usa usuário de música,

quem está usando a música, imagina ter que autorizar todas as pessoas que estão envolvidas na

produção daquele fonograma, por exemplo, que é intérprete, é, sei lá quantos músicos, produtor

fonográfico, é autor, compositor, é editora, é muita gente pra uma música, então assim, pra ele

também é muito mais fácil pagar um local só.

João: E essa coleta, ela é feita e ela é particionada dessa maneira, quer dizer, não só o compositor

efetivamente, mas o intérprete e o produtor, todos esses subdireitos, eles são...

Elisa: É, essa parte do intérprete... aqui no Brasil, isso tudo é cobrado em conjunto, aqui... a gente

está falando de execução pública, que a UBC atua na execução pública, que é a execução de música

em locais de frequência coletiva, isso envolve streaming, envolve TV, envolve rádio, envolve

sonoridade ambiental de loja, envolve shows. No Brasil, foram criadas várias associações, a UBC

foi a primeira, foi criada em 42... só que foram surgindo outras associações, primeiro por distância,

surgiu uma em São Paulo, depois, sei lá, alguém teve desavença com alguém da família diretoria,

resolveu montar uma outra associação. Então, isso acabou dividindo repertório e aí é aquela coisa

dos custos de transação, chegava, sei lá, antigamente era muito a cobrança de marchinha de

carnaval, muito nos bailes de carnaval, e alguns próprios diretores, Braguinha...

João: Ari Barroso.

Elisa: Ari Barroso... iam fazer a cobrança...

João: Olha que louco.

Elisa: Tem relatos... depois eu vou te dar o livro dos 70 anos da UBC, é interessantíssimo ver as

histórias, que eu fiz a pesquisa para o livro, como que era, eles falavam na assembleia como que

foi a cobrança, sei lá, nos locais tradicionais aqui no Rio de Janeiro...

Elisa: l... aí enfim, eles iam... aí, pelo fato de terem criado várias associações, chegou um momento

que elas começaram a se unir e até a própria UBC fazia cobrança para as outras.

João: Entendi, centralizar.

Elisa: Centralizava, mas enfim, depois por n motivos, resolveu criar-se uma entidade, foi criada

uma lei que criou uma entidade única e fez uma obrigatoriedade, que ia ser bom para todo mundo

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que gosta houvesse um único local para a cobrança, aí a distribuição é feita por entidades separadas,

a UBC é uma delas, é a maior de todas, tem quase 60% dos valores que são arrecadados pelo

ECAD, a gente tem quase a totalidade das representações internacionais.

João: E quem são essas outras associações, além da UBC?

Elisa: Tem a ABRAMUS, que é a segunda maior, tem a SOCINPRO, a MAR, SBACEM, Assim,

são outras seis, são sete ao todo.

João: E isso cobre 100% da arrecadação?

Elisa: Isso, cobre 100% da arrecadação associada, porque tem pessoas que não são associadas, é

uma minoria, mas assim, existem pessoas que não são associadas.

João: Existem algumas iniciativas online também de fazer esse papel da UBC, como Clube de

Compositores, onde eles têm...

Elisa: Não, é diferente.

João: É diferente?

Elisa: É diferente. Esses clubes, eles se propõem a fazer registro de obra, que é algo que não é

obrigatório, é válido, claro, quer dizer, quem define se é válido ou não, é o juiz, mas esse

tipo... registrar a obra já foi obrigatório para garantir o direito autoral, mas a partir de assinatura

de convênios internacionais e tal, entendeu-se que você não... para você ser protegido por direitos

autorais, você não precisa de registro.

João: O registro com a partitura, aquelas coisas?

Elisa: É, você não precisa registrar, a partir do momento que a sua obra artística foi criada, e eu

não estou falando só de música, de qualquer obra artística, ela já está... já é protegida por direitos

autorais do momento da criação. Agora, é aí que vem a dificuldade de iniciativas como blockchain,

por exemplo, por que? Porque isso é declaratório, se eu digo que ela é minha filha e vou lá e registro

ela no cartório, ela é minha filha. Uma outra pessoa vai ter que fazer uma prova de DNA ou vai ter

que provar por A mais B no juiz que a filha não é minha, que é dele, entendeu? Então assim, é

declaratório.

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João: Ele é declaratório no momento um, na sequência você tem a questão do plágio e você se

protege disso, a gente tem vários casos autores que brigam por terem sido compositores pioneiros,

os primeiros compositores, os originais daquela música, e tem muito a questão de...

Elisa: Sim, por isso que é bom ter um registro, mas o registro não comprova, por quê? Porque o

fato de... quer dizer, ele pode comprovar se é realmente você tiver a anterioridade, por quê?

Digamos que eu faça uma música, eu conto para você que eu a fiz a minha música assim, assim e

assim, você vai lá e registra.

João: Aí o registro passa a ser meu.

Elisa: Aí o registro passa a ser seu, se eu não conseguir provar, a música é sua, entendeu? A gente

vai ter que brigar na justiça, mas isso não tem nada a ver com recebimento de direitos autorais.

João: Não, mas eu acho que o blockchain, ele vai ser interessante não para preservar essa questão

de para onde a música foi e de onde ela surgiu, mas talvez pela questão da coleta, do recolhimento

dos direitos autorais, ou seja, cada vez mais você tem recursos digitais para distribuir a música, a

TV, hoje são aparelhos digitais, a música é digital, seja ela aberta ou fechada, as rádios, elas estão

se tornando rádios digitais, os players de streaming da mesma forma...

Elisa: É, na verdade, tudo já é digital, assim, a transmissão não é digital, mas a transferência de

dados entre ECAD, UBC e TVs, é tudo digital, eu falo que isso aqui parece um business de música,

mas é um business de TI, é de informática, a gente lida com informática, é praticamente um banco

e informática, é o tempo inteiro, esse departamento que você viu aqui, é tudo processamentado.

João: É, eu vi um vídeo...

Elisa: Onde a gente parou?

João: A gente estava falando do blockchain, de como isso poderia entrar no universo da música,

no negócio da música, do ponto de vista de arrecadação, de ter um controle mais apurado, porque

eu entendo que o ECAD é que tem essa capilaridade...

Elisa: Sim.

João: De ter as pessoas fazendo auditoria, a pesquisa... mas ele não consegue cobrir tudo, não dá

nem para ter uma estimativa do quanto o ECAD consegue cobrir... dá para ter essa estimativa?

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Elisa: Sim.

João: Dá para ter?

Elisa: Sim.

João: Ele cobre, por exemplo, porque eu entendo que o ECAD, ele cobraria uma... pela execução,

inclusive, de bandas de cover, que estejam tocando na noite, em algum lugar...

Elisa: Sim... é feito da seguinte forma, algumas fontes pagadoras, é feito a arrecadação direta, quer

dizer, a arrecadação é sempre feita, mas algumas fontes pagadoras é feita a distribuição direta, o

que que significa? Tudo o que tocou na TV, dependendo do canal, obviamente, vai exatamente

para aquilo o que tocou, porque a gente tem a informação, a troca de informação digital, mas por

exemplo, se você está falando de um barzinho, que são valores muito pequenos que pagam para o

ECAD, não vale a pena você deslocar um fiscal... nem é um fiscal, na verdade, a gente coloca um

aparelho nos locais, que faz a gravação e tal, mas primeiro, nem todos os locais pagam o ECAD e

a gente só faz a distribuição do que é pago, então assim, se o barzinho da esquina x pagou, aí eu

vou ver as músicas que ele está tocando.

João: Entendi.

Elisa: Entendeu? Só que assim, é feita uma amostragem certificada pelo Ibope, que tem uma

margem de erro muito pequena, menor até do que é recomendado pelo Ibope e tal, mas assim, o

custo benefício, é muito melhor de você fazer uma amostragem do que você simplesmente ouvir

tudo, porque assim, mesmo com a tecnologia de blockchain, você ainda vai ter que ter uma

tecnologia para fazer a aferição das músicas e fazer...

João: Em todos os estabelecimentos.

Elisa: Todos os estabelecimentos, então assim, o blockchain, ele entraria sim em uma... na parte de

documentação, do autor, ele poder ter mais controle sobre aquela documentação dele e os

smartcontracts, porque tem contratos que são super complexos, que são vários direitos que são

envolvidos, direitos de reprodução, direito de sincronização, direito de execução pública, cada

pessoa, cada entidade arrecada um tipo de direito, cada território é de uma forma, tem subedições,

é um universo bastante complexo e o blockchain pode ajudar nisso, o problema que o blockchain

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pode acarretar, é se ele for direto com o compositor, por que eu digo isso? Porque é muito complexo

e nem o próprio compositor, quando ele chega nessa complexidade toda, ele consegue entender

muito bem o que que está acontecendo e ainda tem essa coisa da autoridade da informação, você

pode falar que a música da Anitta é sua, porque é uma declaração de paternidade, é como se fosse

fazer uma declaração de paternidade.

João: Provavelmente o blockchain tem uma outra questão que é a validação em rede, essa validação

poderia comprovar que a música é de alguém ou não.

Elisa: Então, mas qual é a informação original? Se ela é declaratória? Sem ter um ente... porque o

grande lance do blockchain é a descentralização, sem alguém dizendo: "é isso mesmo"... até no

nosso sistema, que não é... que é centralizado, apesar de ser um pouco descentralizado, porque tem

várias bases de dados, a UBC tem uma base de dados, as editoras tem outra, a gente tem que se

comunicar, mas existe... eu, como UBC, eu tenho você como associado e eu tenho a Anitta como

associada, se você me diz que aquela música Vai Malandra, é sua e Anitta me diz que é dela, eu

coloco as músicas em conflito e eu falo: "olha, agora vocês vão ter que procurar a justiça, vocês

me trazem um documento que me diz exatamente como é que isso foi resolvido", e a obra fica

bloqueada. Uma coisa totalmente descentralizada, quem vai resolver isso?

João: É, é complicado, mas talvez seja o fato de que você tenha mais testemunhas validando que a

aquela informação é sua, do que...

Elisa: Não, tudo bem, mas como é que a pessoa vai validar? Como é que você vai validar? Eu estou

no meu quarto e fiz uma música aqui agora, fui lá e registro...

João: Se eu lancei essa música no blockchain, aí se o blockchain... é uma questão até que você

falou, ele elimina intermediários em algumas situações, se ele tem esse conhecimento de colocar

essa música no blockchain primeiro, pronto, está resolvido para ele, mesmo que ele tenha um órgão

como a UBC por trás, ajudando ele a interpretar, a traduzir todas essas informações e fazer o

recolhimento e tal, mas ele como compositor, lançou no blockchain, está registrado. Então, talvez,

não sei...

Elisa: Sim, está registrado, está registrado, mas aquela informação é correta?

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João: É o que você falou, é correta? Mas hoje, sob o ponto de vista jurídico, o que vale é o registro

também...

Elisa: Não, o registro não vale para os a distribuição de direitos autorais.

João: Sim, mas se você fez uma música, eu falo que a música é minha, a gente vai para briga, mas

você que fez, eu estou roubando essa música de você e estou dizendo que é minha, como é que a

gente resolve isso?

Elisa: Só o juiz.

João: Então, mas qual vai ser o veredicto do juiz, se ele não conhece nenhum dos dois?

Elisa: Não sei.

João: Ele vai precisar trazer evidências, do tipo, testemunhas...

Elisa: Sim, mas se eu não tiver evidências? E como é que você resolve isso em uma coisa

descentralizada no blockchain?

João: Eu acho que pela reputação, acho que talvez pelo...

Elisa: Então, mas aí você está criando um problema, de você está falando de reputação, você está

falando, por exemplo, o Martinho da Vila não rouba música?

João: Pode. Não, essa discussão é complexa.

Elisa: É complexa, a gente escreveu recentemente uma matéria sobre blockchain e a tecnologia,

óbvio que a tecnologia é muito bem vinda, tecnologia é sempre bem-vinda, mas assim, eu tenho

minhas dúvidas se é a salvação da indústria, se vai tirar todos os intermediários, pode ser que no

futuro isso aconteça, mas assim, eu que trabalho diretamente com os autores, eu percebo que assim,

apesar deles já recolherem direitos autorais, eles mal sabem qual é o direito dele, o que é

reprodução, eles mal sabem a diferença de uma obra e um fonograma.

João: É, eu sei, eu entendo o que você está falando.

Elisa: Entendeu? Então assim, ele, por exemplo, às vezes, isso acontece no nosso cadastro, o cara

registra uma obra como dele, mas não é a obra que ele quer registrar, ele quer registrar um

fonograma, ele registrou errado, a só que a gente por ser, ter uma central e a gente controlar uma

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base de dados, a gente consegue descobrir que aquilo ali é um erro, às vezes sem maldade, só que

se você faz sem centralização, você começa a fazer fluxo de dinheiro para uma pessoa errada e que

às vezes, até no nosso sistema também acontece, só que é um pouco mais controlado, a gente

consegue interromper.

João: Então assim, isso é um assunto maravilhoso, assim, e infinito, por enquanto, das horas de

discussão, de pensar. O blockchain não está muito no meu foco, na pesquisa, mas em algum

momento eu vou falar sobre o blockchain, mencionar etc, mas a minha preocupação maior e o meu

foco é com relação ao computador passar a compor.

Elisa: Ah sim, eu achei que você fosse falar de outras soluções também, porque a Inteligência

Artificial ela já está sendo usada de algumas coisas formas na música.

João: Sim, como software de produção, de mixagem...

Elisa: Não, não só na criação, mas também na busca, principalmente, onde está sendo muito usado

é na busca.

João: Na busca como assim?

Elisa: Na busca da música, por exemplo, a Universal tem um... seria até interessante você falar

com eles, com o Marcelo Falcão, da Universal, eles têm uma ferramenta que chama Universal

Music Production, que que é music production? É uma base de dados de músicas para você usar

em TV, a música em TV é o grande supra sumo da execução pública, porque assim, em especial

aqui no Brasil nesse momento agora que a produção audiovisual está crescendo muito, então assim,

isso gera muitas oportunidades para a música, porque você vê um programa de TV, tem música o

tempo inteiro, às vezes você nem percebe, mas tem o tempo inteiro, que são aquelas trilhas sonoras,

aquela música produzida especialmente para dar aquele clima, então é uma música que dá a tensão,

uma música que dá a coisa da comédia, a música que dá... ou não ter música que dá um suspense,

enfim, existe... você brinca com as emoções usando a música, você dá mais vida as cenas, então o

fato de usar música dentro de audiovisual, você gera também rendimentos para a música. E aí

você...

João: Esse banco de dados da Universal.

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Elisa: Aí o que que acontece? As pessoas que fazem as produções de audiovisual, elas têm que

buscar a música, tipo assim, eu quero uma música que seja tensa, o que é uma música tensa? O que

é uma música para comédia? E aí, a partir do uso que já foi feito, e algum imput que alguém

programou ali: "olha, isso aqui é uma cena engraçada, mas tensa e foi essa música aqui e a cena é

mais ou menos assim", não sei, o que programador diz para o programa de Inteligência Artificial,

depois ele vai...

João: Ele cruza esses dados e...

Elisa: Ele vai cruzando esses dados e vai começando a aprender sozinho, e depois ele começa a

ouvir a música e entender o que faz dessa música, uma música boa para uma cena assim, assim e

assado.

João: Ah, isso é interessante, eu acho que eu poderia bater um papo com ele também.

Elisa: Eu acho que sim, e isso já está em prática, então assim, porque essa base de dados, se você

entrar aí no Google, Universal Music Production, você já vai ver essa base de dados e você

consegue procurar por mood, que é uma coisa que todo mundo fala de música em produção

audiovisual, então, você busca, sei lá, triste, sei lá, alegre, aí ele vai te dar várias opções, eu quero

música triste, mas tensa ou com a batida x, de tantas batidas por minuto e o sistema, ele vai

conseguindo te recomendar.

João: Tem até um aplicativo de streaming que faz isso, que ele vai te dando sugestões por mood,

como é que é o nome do aplicativo agora? Alguma coisa play, como vários, é um aplicativo

brasileiro, nacional e que ele tem a proposta de te apresentar as canções não por algoritmo de

listening, mas por mood, não sei como ele faz isso, talvez em uma segunda-feira, todo mundo tem

mais ou menos o mesmo mood da segunda-feira, ou a sexta-feira, mas ele tem essa proposta, isso

é legal, isso é um assunto bastante interessante também, mas no mestrado eu preciso fazer um

recorte, a infelizmente, quando eu entrei para o mestrado, a minha ideia era estudar o impacto da

Inteligência Artificial nos negócios de uma maneira geral, muito aberto, muito amplo, então, eu

preciso fazer recorte, recorte...

Elisa: Então, se você for falar de Inteligência Artificial na criação, eu acho que é possível sim, eu

acho que vai ter muito pano para manga para advogado, para dizer quem foi que criou aquela

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música, se ela começar a gerar direitos. Teve recentemente até um caso, parece que semana passada

foi dado o veredicto daquele caso do macaco que fez o selfie e o juiz deu a autoria para o fotógrafo

que fez o setup, então será que a autoria da música que é feita por Inteligência Artificial, é do

programador? Porque, inclusive, os programas de software, eles são protegidos por direitos

autorais, não é nem propriedade intelectual, quer dizer, é propriedade intelectual, mas não é como

registro de marca, por exemplo, que você tem que ter um registro para você ser protegido, é direito

autoral.

João: Você já ouviu falar do Projeto Flow Machines, da Sony?

Elisa: Não.

João: É um projeto liderado por um cara chamado François Pachet, é um francês, ele já trabalhava

na Sony, já há muitos anos e era um laboratório totalmente focado em criar canções por Inteligência

Artificial. Essa relação da música com computação, ela vem de muitos anos, desde o Alan Turing,

aquele do jogo da imitação, ele foi o cara que começou com essa história de fazer a máquina

começar a tocar um instrumento instintivamente, aleatoriamente e...

Elisa: Por matemática.

João: Por matemática. E hoje, esse laboratório ele... o objetivo deles era justamente criar

mecanismos de auto composição, através de técnicas de machine learning, que é um pouco disso

que você falou da Universal, do banco de dados da Universal. Só que eles fizeram, por exemplo,

eles abasteciam o computador com uma série de fonogramas de determinados artistas e a máquina

aprendia aquele padrão de composição, são tantos acordes, é mais ou menos essa linha melódica,

ela varia aqui nessa escala... e como eles colocaram muito Beatles para a máquina ouvir, ela

aprendeu a compor como Beatles...

Elisa: A tocar como Beatles.

João: É, e criou uma música chamada Daddy's car.

Elisa: Ah, eu lembro.

João: Você lembra dessa música?

Elisa: Eu lembro desse caso.

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João: E eles lançaram um disco...

Elisa: Deixa eu ver se dá para a gente ouvir aqui.

João: Se você buscar aí Daddy's car, você vai ver. Eles lançaram um disco chamado Hello World,

e todas essas discussões vieram à tona com a relação em questão aos direitos autorais, porque na

composição desse projeto, existem todos os engenheiros que participaram, os músicos que

sugeriram, fizeram a curadoria, isso meio que ficou, não é do software... até porque o software foi

criado pela própria Sony, então a ideia do Flow Machines, na realidade, ela é até uma ideia

antecessora a Inteligência Artificial criando por si própria, porque ela, na realidade, ela criou um

software que você pode brincar com esse software, você pode, por exemplo, lançar uma linha de

acordes com uma melodia...

Elisa: E ele continua.

João: ...E ele vai continuando aquilo, ele vai continuando. Então, ele parte de uma base, o que eu

acho que vai acontecer em algum momento, é que o computador vai fazer por si só, ou seja, ele vai

se auto alimentar, ao ponto de...

Elisa: Ah, eu acho que é totalmente possível, mas eu acho que vai começar a acontecer algum

movimento interessante do público, porque música é emoção, eu acho que é muito uma máquina,

um programa reproduzir a emoção. A emoção envolve até os erros, então assim, de repente, tudo

bem... outro dia eu estava até conversando com um amigo meu, que ele é concertista, ele trabalha

na orquestra, na Petrobras Sinfônica, eu falei qual que é o papel do maestro? Porque, tudo bem,

ele dá o tempo, aquela coisa que todo mundo tem que acompanhar, são 80 instrumentos, todo

mundo tem que acompanhar ao mesmo tempo, mas ele rege a orquestra porque ele dá...

João: Ele dá emoção.

Elisa: ...Ele dá emoção, ele estava falando: "eu não sei explicar o que acontece, mas que todo

mundo entra em sintonia, por causa do maestro e tem maestro bom e maestro ruim e é difícil

explicar o porquê", eu falei: "cara, isso é uma coisa..." me dá até arrepio de falar "é uma coisa

humana", entendeu? E já é cool, por exemplo, já não virou cool você ter o barulhinho da agulha

tocando no vinil? Porque é saudosismo, porque isso remete à outras coisas, o seu passado e tal,

porque é chato para caramba aquele barulhinho do vinil, o ideal, teoricamente, é você ter um som

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puro, mas o som puro, ele não é humano e se a gente fala de arte, a gente fala de emoção, a gente

fala de uma pessoa se expressando.

João: Mas a gente vai começar a entrar em uma esfera que é interessante, que eu acho que é até um

livro que eu vou te recomendar, é... tem dois livros que eu li recentemente, está aqui, deixa eu te

mostrar aqui, que já entra no mérito cognitivo, de como que as pessoas entendem a música, de

como que ele absorve a música, quais são os componentes, quais são as áreas do seu cérebro que

são impactadas e afetadas, e quais são os padrões, existem alguns padrões, tanto é que, a gente

falou aqui, começou falando que não existe uma fórmula de sucesso, que é muito tentativa e erro,

então eu coloco músicas no mercado e se colar, beleza. Até uma das linhas de pesquisa minha, é

justamente essa, se o computador pode criar em profusão, diferente do humano, quem compõe...

compor é um processo árduo, você não consegue compor dez músicas, cem músicas em um dia, o

computador consegue.

Elisa: É verdade.

João: E o computador consegue colocar essas músicas nas plataformas de streaming e deixar lá no

big data, solto no big data e sentir o que que vai acontecer, e começar a olhar os analytics, porque

o Skype, ele mensura tudo.

Elisa: É, e se você está falando de machine learning, de repente, se o machine learning entender

que o erro faz com que a música seja mais...

João: Exatamente.

Elisa: Ele consegue aprender isso.

João: Olha, esse livro é sensacional, recomendo que você leia, quer ver?

Elisa: Ele vai provocar a nota errada, porque ele vai entender que as pessoas vão se comunicar com

isso de alguma forma.

João: Atualmente, eu estou lendo um livro que é This is our brain on music, que fala sobre os

processos cognitivos, de como a música realmente é vista pelo cérebro, quais são as emoções que

ela gera etc, que é esse aqui. E o outro que é legal, vou botar aqui...

Elisa: Deixa eu anotar, This is our brain in music?

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João: On music, esse livro aqui, olha. E o outro é esse aqui, Hit Makers, já ouviu falar do Hit

Makers?

Elisa: Já, deixa eu tirar uma foto.

João: Pode tirar... então, você vê que eu estou com uma literatura aqui, por exemplo, esse Emotion

Machine, que na realidade, a Inteligência Artificial, ela copia o modelo mental do cérebro humano

e existe uma troca entre as redes neurais artificiais e as redes neurais naturais. Então assim, é bem

possível, quer dizer, na realidade, isso já é uma realidade que o computador possa compor boas

músicas e o grande... que ele já compõe música, a gente já sabe, ele já faz isso, não é de hoje, já há

algum tempo, mas será que ele vai compor boas músicas ao ponto das pessoas chegarem e: "eu não

sei a diferença se isso é uma música de um humano ou de um computador, não consegui

identificar".

Elisa: Não, e se você está falando de composição, de repente, o computador pode compor a música

um humano pode interpretar.

João: Isso sempre, mais acredito em máquinas tocando no palco, isso não vai acontecer, mas se

assim, o computador criar em profusão, isso passar por uma espécie de analytics, que serão uma

validação, existem, inclusive, vários sites que fazem esse tipo de pesquisa, você lançar uma música

e ele começa a te dar os (inint 27:38) se aquela música tem potencial ou não de sucesso, e aí você

ter um filtro e ter um produto para lançar, com muito mais probabilidade de acerto, é muito maior,

essa linha de pesquisa que eu estou fazendo, ela entra no mérito, inclusive, isso tudo você vai ver

no Hit Makers, até de sequências de acordes, quais são as sequências de melódicas que são

agradáveis ao ouvido humano. O autor, ele fala um pouco de que é muito... você tem que usar os

dois componentes, o da familiaridade, ou seja, aquilo o que você já ouviu antes, é importante que

você continue, que é uma questão cognitiva do ser humano, com um fornecedor pouquinho de

surpresa, então, resumindo a fórmula do sucesso é um pouco isso, difícil, mas é um pouco isso.

Elisa: Mas aí pode acontecer um fenômeno que é o seguinte: na época que a gente não tinha carro,

que tinha carroças, cavalos e carroças, se alguém começasse a fazer uma pesquisa de qual o meio

mais rápido, como é que a gente faz com que chegue mais rápido a um outro local, provável as

respostas programadas das pessoas, as respostas mais comuns, seria: "ah, eu quero um cavalo mais

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forte, um cavalo mais rápido", difícil alguém que não seja um humano, eu não sei, acredito eu,

porque alguém tem que imputar alguma coisa antes, entendeu? Vir com uma solução, como "nós

vamos desenvolver um carro". Ou então, o celular, antigamente, a gente tinha aquele celular ou o

celular que era tijolão, que não tinha nada disso...

João: Só fazia ligações.

Elisa: Como transformar o celular em uma coisa melhor? "Ah, eu quero uma bateria que dura para

sempre, que ele seja grátis e...", coisas assim que as pessoas iam falar, ninguém ia falar ou... eu não

consigo imagina como a Inteligência Artificial ia surgir... surgiria como uma coisa muito

disruptiva, eu acho que o disruptivo, isso na arte também aconteceu, vem do humano...

João: Será?

Elisa: Então, por exemplo, assim, Beatles ou a música progressiva, que forma dois momentos assim

de música que foram totalmente fora da caixa e fizeram um shift no mercado por completo. Se você

tem um padrão e aquela máquina está aprendendo aquele padrão e melhorando aquele mesmo

padrão, como é que a vai fazer uma coisa disruptiva?

João: Então, aí a gente entra na questão comercial, existe um mercado de música, que é um mercado

que é cobrado por resultado cada vez maiores, ou seja, todo mundo é pressionado, as gravadoras

são pressionadas a trazerem melhores resultados ano a ano, essa pressão comercial, ela é um perigo

para o modelo artístico, até porque a arte, ela precisa ser consumida, se a gente observar as músicas

de uma maneira geral, assim como os carros, elas são cada vez mais parecidas, e o Nelson Motta

falava uma coisa interessante, que a música está sendo mais outras coisas e menos música, ou seja,

a Anitta, por exemplo, ela é uma artista que traz muito mais componentes, além da música...

Elisa: Eu ia falar isso também, porque é difícil você ver uma música que faz sucesso... como é que

a Inteligência Artificial vai ver os fatores que vão além dos acordes? Porque assim, não é só uma

música que faz sucesso, porque a música tem aquele acorde x, y, z, tem... em primeiro lugar, um

marketing por trás e em segundo lugar, tem o carisma do artista, entendeu? Porque às vezes a gente

vê um artista, que de repente, ele não canta bem, mas...

João: Então, mas isso não paga royalties, o que paga royalties...

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Elisa: Paga, paga, sabe por quê? Porque ele tem seguidores, ele tem fãs, e os fãs vão no show e os

fãs consomem a música dele...

João: Sim, verdade.

Elisa: ...Porque o fato de você ouvir Beatles, te deixa próximo dos Beatles, de alguma forma, e eles

não cantavam bem, eles não tocavam bem, depois houve uma evolução, mas no momento em que

eles surgiram, que foi totalmente disruptivo, eles estavam aprendendo a tocar, mas eles tinham

carisma, eles tinham aquela coisa roupinha, do jeito deles, deles serem de Londres e terem um

sotaque que ninguém estava acostumado, entendeu? Então assim, é o tipo da coisa que eu não

consigo ver a Inteligência Artificial surgindo com isso.

João: Não, eu acho que...

Elisa: O fator surpresa.

João: Naquilo que é matemático, a Inteligência Artificial vai ser melhor do que o humano.

Elisa: Vai ser muito melhor.

João: E a música, de certa forma, ela é matemática, ou seja, quando você transforma ela em zero e

uns, você consegue identificar as frequências e aprender aquilo e reproduzir.

Elisa: Os semitons, é.

João: Exatamente, porque de novo, está muito mais naquilo o que o artista é enquanto não música,

do que necessariamente música. Então, a música, se ela vira uma commoditie, eu preciso de cada

vez mais artistas como a Anitta, como a Ivete Sangalo, que são... que tem talentos que extrapolam

a questão da música. E se a música cada vez mais, menos música, ela vira uma commoditie, mas

ela é necessária, igual o petróleo, uma commoditie, mas é necessário para os carros rodarem, para

os aviões, então ela vai continuar sendo necessária e talvez ela passe por um modelo de produção,

de criação, muito mais automático, não somente porque a Inteligência Artificial vai fazer, mas não

porque os recursos tecnológicos vão te permitir também brincar com isso.

Elisa: É eu acho que vai permitir que muitos mais pessoas criem, por exemplo.

João: Exatamente.

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Elisa: Um cara que não é músico, não sabe nem tocar um violão, nem nada...

João: Exatamente, às vezes o cara que mais é músico, não sabe nem tocar um violão, ele tem dentro

dele, a percepção de que aquela determinada linha sonora...

Elisa: Isso já existe, já existem aplicativos que você faz música desenhando, coisas assim, você

com os dedos, você cria acordes: "ah, isso aqui eu não gostei", você muda...

João: Isso, isso. Deixa eu te perguntar um outro case, você conhece o case Neural do Sabotage?

Elisa: Não.

João: Não? Isso foi um case que o Spotify fez no ano de 2016, final de 2016, o Spotify também

pressionado por mais resultado etc, quanto mais execuções ele tiver, mais ele ganha dinheiro, e

eles fizeram uma pesquisa e descobriram que uma das músicas mais executadas, era uma música

do rapper Sabotage, você conhece o Sabotage?

Elisa: Sim, conheço.

João: Ele morreu já tem mais de dez anos, foi 2003, parece que ele morreu, assassinado...

Elisa: É, eu lembro.

João: Foi uma comoção e tal, e até hoje a música dele é pertinente e o Spotify percebeu isso e falou:

"vamos atrás desse cara, vamos gravar", só que ele já morreu. "E como que a gente faz?", eles

tiveram a ideia de fazer um álbum póstumo do Sabotage, pegaram todas as letras que ele tinha

desenvolvido ao longo da carreira, coisas que ele já tinha publicado, coisas que ele não tinha

publicado, jogou isso para um computador com técnicas de machine learning, o computador

começou a entender o padrão de escrita dele, o padrão de composição, porque aí a gente está

entrando em um outro mérito, que é letra do rap, que hoje é a música mais consumida no mundo,

já superou o rock nos Estados Unidos de uma maneira assim, intensa. E eles... o computador

aprendeu esse padrão de composição, como é, que palavras ele usava, quais tipos de rima, olha que

louco, e produziu uma letra. A partir disso, teve uma curadoria...

Elisa: Isso foi que ano?

João: 2016.

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Elisa: Ah, foi recente.

João: Foi recente. Teve uma curadoria com...

Elisa: Ah, estou vendo ali "como o Spotify ressuscitou o rapper Sabotage".

João: Isso, isso... depois se...

Elisa: Que legal, hein?

João: É, é muito legal. Teve... passou por uma curadoria, onde familiares do Sabotage, o NX Zero,

que era a banda que tocava com ele também participou desse processo colaborativo, no sentido de:

"olha, isso aqui tem a cara do Sabotage", porque o Sabotage, ele foi um cara muito marcante, ele

foi um artista muito peculiar e tinha uma forma de falar muito marcante, tanto é que ele é referência

para as bandas de rap paulistas, Racionais MC, toda essa galera que veio depois.

Elisa: Sim, tem muitas homenagens a ele.

João: Muitas homenagens a ele, então assim, ele passou por uma curadoria humana, obviamente,

mas de certa forma Isis é um marketing...

Elisa: E teve engajamento? Porque agora fiquei curiosa.

João: Então, isso é uma das coisas que eu queria ver com você, eu não sei se, no caso...

Elisa: Deixa eu ver o nome das músicas, vamos ver quantas views tem.

João: O nome da música é Neural.

Elisa: Se bem que com esse marketing também, deve ter tido, porque...

João: Sim, mas é importante perceber se isso teve continuidade ou não, mas mesmo com o

marketing, ficou restrito à mídia, de uma maneira geral, para o público, isso não passou muito, não

teve uma...

Elisa: Neural, RZO, Negra Li e Família Sabotage, é isso?

João: Isso.

Elisa: Mas ela foi executada pela Negra Li, ela foi criada pela Inteligência Artificial e interpretada

por outras pessoas.

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João: Isso, isso aí.

Elisa: Aqui não diz o número de views.

João: É. Por acaso essa música é da UBC?

Elisa: Eu tenho que ver aqui no sistema.

João: O Sabotage é um artista UBC? Porque a arrecadação em torno do Sabotage passa por aqui e

tal.

Elisa: Não sei de cabeça, mas deixa eu ver aqui.

João: Essa que está cantando aí é a filha dele.

Elisa: Ah é? Ah, estava Família Sabotage.

João: É só uma introduçãozinha, depois ele começa com... está vendo, do jeito que ele falava...

[Música]

Elisa: Sabe o nome civil dele?

João: Não, mas eu posso descobrir.

Elisa: Mauro Mateus dos Santos.

João: Está vendo, essa letra é toda output da Inteligência Artificial.

Elisa: Não está aparecendo, acho que não é nosso, não. Não deve ser nosso associado.

João: Uma das coisas que eu queria investigar, é justamente essa recepção.

Elisa: Deixa eu ver aqui, espera aí. Eu descubro... Ele está afiliado na ABRAMUS.

João: ABRAMUS?

Elisa: É, ABRAMUS é a concorrência. Aí para ver rendimento, essas coisas, vai ter que ver lá.

João: É, isso seria uma forma de ilustrar um pouco mais também, porque o que me veio direcionou

para pesquisar sobre música e Inteligência Artificial, foi o case do Sabotage, porque em uma

disciplina inicial, lá atrás no curso, eu precisava fazer a uma apresentação de alguma coisa e tal, eu

achei essa matéria, falei: "olha, isso é legal", e comecei a investigar a vida dele, assim, porque, na

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realidade, o mestrado que eu estou fazendo é em gestão da economia criativa, e economia criativa

é formas de gerar receitas com ideias, com o aquilo que não é tangível, então royalties era um

assunto que fazia sentido, música e Inteligência Artificial também fazendo um paralelo com a ideia

inicial do meu estudo.

Elisa: Essa gravação é de quem? Você pode procurar também a gravadora ou editora, isso deve ter

sido editado.

João: Então, eu acho e aí vem uma outra questão que eu queria...

Elisa: Eu posso ver no sistema para você depois.

João: Essas informações não são... até porque foi uma música, um single lançado pelo Spotify, ou

seja, isso provavelmente não tocou em outros lugares, provavelmente só no Spotify, eu não sei até

que ponto nível isso é exclusivo e eu queria entrar em uma outra questão agora com você, a gente

está conversando aqui e descobrindo, quando eu te falei do Flow Machines, depois também acho

que vale a pena você dar uma investigada, porque é bem legal o trabalho deles...

Elisa: Eu fiquei curiosa e eu estou pesquisando, e eu fiquei curiosa, porque eu queria saber se

colocaram o espólio do Sabotage ou o Sabotage, já que a música foi... que isso eu a discussão de

direito autoral, mesmo para os advogados muito interessante, porque se foi baseado no jeito que

ele fazia, ele não deveria também participar disso? Será que ele recebe direito autoral pela

execução?

João: Então, eu entrei nesse mérito, eu dei uma pesquisada, a família recebe.

Elisa: Só um minutinho, espera aí... ah, a família recebe?

João: A família recebe. Todos os direitos foram para a família do Sabotage.

Elisa: Ah, legal, é por isso que aparece...

João: Então, aí teve esse acordo para que eles recebessem, até porque como ele morreu e deixou

de produzir, tem toda uma questão de poxa, você falou do espólio, existe um documentário, ele

participou de alguns filmes como ator, ele participou do Carandiru, então ele ainda recebe direitos

de imagem, direitos conexos...

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Elisa: Sim, tem do ator de direitos conexos e direito de imagem, ele pode ter feito algum acordo de

direito de imagem também.

João: Enfim, e tem livros, algumas biografias, algumas pesquisas relacionadas ao Spotify, não tem

muita coisa, mas ele tem aí um assetzinho que deve gerar alguma receita para a família, ele é um

cara de origem muito humilde, mal tinha os dentes assim, você lembra dele, né?

Elisa: Uhum.

João: E curioso como uma pessoa de uma região tão sem conteúdo, teoricamente, conseguia ter

essa percepção, ele até falava que ele tinha... ele ficava assistindo televisão, lendo jornal, lendo

livro, absorvendo informação ao mesmo tempo que ele tinha o hábito de pensar, pensar para ele

era uma coisa corriqueira, e que ele ficava o tempo todo pensando, questionando, então por isso

que ele escrevia o que ele escreveu, não é muito... eu passei a conhecer o Sabotage agora também,

nem conhecia... conhecia da época de mídia, quando ele morreu, eu acompanho o mundo da

música, eu sou... como eu te falei, eu já trabalhei lá atrás, gosto de música, sou músico e acompanho

sempre, ouço, consumo etc, etc. Mas uma outra questão agora que eu queria levantar era a seguinte:

quando eu falei do Flow Machines, o Flow Machines foi um dos precursores, mas além do Flow

Machines, existem várias outras iniciativas de música com Inteligência Artificial, depois eu posso

te mandar alguns links para você dar uma olhada.

Elisa: Eu quero sim.

João: E algumas iniciativas até muito mais focadas em gêneros como metal, por exemplo, o

computador criando o metal e por aí vai. Mas teve um movimento que eu achei muito curioso e eu

achei até natural... para onde eu estou enxergando que a música vai, que é cada vez mais uma

concentração na mão desses players como o Spotify, porque eles têm o controle da informação, de

quem consome o que e em que lugar, e de que forma.

Elisa: E ainda tem o preço.

João: E ainda tem o preço, então assim, é muito possível, e aí eu estou colocando isso lá na frente,

que o próprio Spotify passe a produzir, assim como o Netflix passou a produzir. Aí você não precisa

de gravadora, qual é o papel da gravadora? E agora? E o que ele fez? Ele chamou o François...

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Elisa: Eu acho que você precisa ler uma matéria que tem no nosso site, que está dando um bafafá,

que é justamente junto com as gravadoras, eu acho que chama “com a palavra, as gravadoras”, que

é uma entrevista que o Marcelo Castelo Branco fez ao três CEOs das três principais multis, a

Universal... aqui, essa matéria aqui... “com a palavra, as gravadoras”, eles falam justamente sobre

esse papel dos... a gente chama de agregador digital... eles falam qual é o papel da gravadora ou da

gravadora digital, o agregador digital é a nova gravadora? E as respostas são interessantes, por

exemplo, a Universal respondeu: “eu acho que a gravadora não deveria se chamar gravadora,

porque eu não gravo”.

João: É, não grava.

Elisa: Para começar, eu não gravo.

João: Eu acho que eu li essa matéria sim.

Elisa: Você leu? Aí eles falam que os papéis são complementares, porque o papel da gravadora,

que ainda se chama gravadora por uma coisa histórica, é mais de cuidar do artista.

João: Isso, gerenciar a carreira do artista.

Elisa: Gerenciar a carreira do artista.

João: Coisa que ela não fazia, há pouco tempo atrás...

Elisa: Não, fazia, fazia muito mais, inclusive, só que ela se fiava muito mais nos direitos autorais

do que em outros tipos de receita.

João: Isso, exatamente.

Elisa: Hoje em dia, ela...

João: O contrato já...

Elisa: O contrato, hoje em dia, tem os contratos 360 que ela tem... ela tem participação... se a Anitta

faz uma... não sei se a Anitta tem contrato 360, mas um grande artista normalmente tem um contato

360... os artistas onde a gravadora investe de verdade, tem contrato 360, e aí a gravadora participa

do merchan, do direito de imagem, se ele contratado para fazer uma propaganda de Bombril, a

gravadora recebe, mesmo que não tenha nada a ver com a música...

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João: É, eu sei.

Elisa: Entendeu? Mas assim, antigamente, a gravadora, você é um músico e a gravadora acredita

no seu trabalho, ela te paga... ela te pagava, hoje em dia, não existe mais isso, mas pagava a sua

moradia, pagava o seu estúdio, você...

João: Pagava um advanced...

Elisa: Pagava um advanced, você ficava lá brincando de fazer música, e você não se preocupava

com nada, hoje em dia não, hoje em dia é o mundo produção independente, a gravadora só pega o

cara que já tem... eles chamam de momentum, se o cara já está gravado e já está fazendo sucesso,

aí a gravadora pega.

João: Mudou muito, o mercado mudou muito. Mas de qualquer maneira, a essência que é gerar

receita com o royalties ou execução, ela permanece, até porque essa é a natureza do negócio,

quando você ganha dinheiro fazendo comercial de Bombril, isso não é música.

Elisa: Não é música, você pegou no âmago, por isso que eu digo que... tem uma coisa que eu sempre

falo que... a gente representa intérpretes, a gente representa vários players do mercado, gravadora

e editora, mas o nome União Brasileira de Compositores, ele é estratégico, por quê? Porque a gente

trabalha muito com... a gente tem uma causa que é o direito autoral, porque o direito autoral, ele

faz com que o criador continue criando de forma profissional, não é uma coisa de dilentantismo,

aquilo vai ser a vida, a profissão dele é ser criador e o único membro da cadeia, dessa cadeia, que

tem a coisa mais frágil, é o compositor, porque o compositor não aparece, o compositor, ele não

tem imagem para vender para a Bombril, ele não faz show, ele não tem cachê de show...

João: É o único que vive da música.

Elisa: É o único que vive realmente do direito autoral. Para ele é muito sensível essa questão.

João: Eu vi um vídeo no site de vocês agora, sobre o Rio Creatives, o Rio2C, e uma das pessoas

que estava falando, eu não me lembro o nome dele, mas ele foi o compositor da música da Anitta...

Elisa: Pablo... Pablo Bispo.

João: É, a música... “essa menina é doida”?

Elisa: Sim.

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João: E aí ele falou: “poxa, eu era bancário e aí eu fiz a música e caramba”.

Elisa: Eu quis mostrar ele, porque ele era bancário, achei máximo isso.

João: Legal, aí ele vive... essa música bombou, estourou, deve ter arrecadado uma graninha legal,

e aí...

Elisa: Ele é um dos grandes compositores do momento, ele é o cara, ganha uma grana.

João: Ganha uma grana, eu falei graninha, nossa, imagina. Só aquela música especificamente, se

ele tem outras músicas, então, melhor ainda.

Elisa: Sim, tem várias.

João: Enfim, esse é o cara que realmente vive da música, ele precisa criar conteúdo.

Elisa: E ele não aparece, ele passa despercebido da música.

João: Então, como o compositor não aparece, e aí quando a gente vive no mundo em que a marca

é cada vez mais relevante, o artista, ele vira marca, ele faz propaganda, a propaganda busca ele, ele

recebe patrocínio, ele patrocina marcas... e se o compositor não aparece, que diferença faz se o

compositor é uma máquina ou se é uma pessoa?

Elisa: É verdade.

João: Entendeu? São questões que a gente... e aí? Sabe? Até que ponto a UBC amanhã pode falar

assim: “cara, esse negócio dá dinheiro, esse negócio é interessante e eu estou repassando...”

Elisa: Nossa, quero até anotar essa sua frase, porque eu... eu vou te entrevistar, hein?

João: Tá bom.

Elisa: Eu gostei desse tema para a revista, porque eu nunca tinha feito esse link, realmente...

João: De você... apesar de ele estar 100% engajado com a música, ele não aparece e aí qual é a

importância dele? Quem é o Pablo lá das quantas que você falou, que eu não lembro o nome dele...

Elisa: Pablo Bispo.

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João: E eu sei que existem vários compositores famosos, mas são famosos só no meio artístico: “eu

quero uma música de fulano de tal, quero a música do compositor x, y, z”. Então, ele está mais

nessa essência.

Elisa: Eu acho que você está me dando uma ideia de eu fazer uma campanha da importância de

mostrar o compositor, o trabalho do compositor.

João: Isso aí, porque olhando para essa perspectiva, e ele é tão importante quanto o artista, porque,

na verdade, ele é o trigger desse negócio, porque não começar a mostrar mais o compositor e ele

virar uma estrela também?

Elisa: Sim.

João: Você teve aí uma época, eu lembro... do Paulo Sullivan e Massadas, eles eram estrelas, mas

eles eram estrelas porque eles também cantavam, então eles apareciam, o rosto deles estava na

televisão, no Chacrinha, eles eram os grandes compositores, eles eram a fábrica de música, o

Sullivan e o Massadas. Roberto Carlos, Erasmo Carlos, fábrica de música e muito em esquema de

ghost writer, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, o cara cede direito, vende a música...

Elisa: É verdade, é bem estratégico isso de... a gente já acha estratégico, eu já tinha identificado

que é estratégico você mostrar o compositor por causa dessa questão que ele é o elo mais frágil, e

é o... de onde nasce o direito autoral, por causa do compositor...

João: Nasce por causa do compositor.

Elisa: A gente tem até uma proposta de fazer uma campanha, a gente já entrou em contato com o

Spotify, a gente quer um parceiro global para fazer essa campanha de tornar... já é obrigatório, não

é tornar obrigatório, mas é obrigatório que o compositor apareça, só que na rádio...

João: No início o nome dele.

Elisa: ...No rádio isso já é obrigatório, só que é difícil, eu entendo que no rádio o espaço é muito

pequeno, é difícil você fazer isso, mas no digital não, eu acho que as editoras deveriam começar a

entrar com ação contra o Spotify de direitos morais.

João: Por que o que que acontece? Se você começa a aniquilar o compositor e aí seja pelo fato dele

não aparecer e seja pelo fato de que outros mecanismos vão surgir, ele para de produzir, por que

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qual é a razão de produzir? É o dinheiro, principalmente, só o dinheiro na realidade, porque como

ele não traz outros atributos da profissão, para ele o mais importante é o dinheiro. E o que eu estava

falando também e o meu raciocínio era para chegar ao ponto de que o Spotify não pode começar a

compor?

Elisa: Sim.

João: Por que que ele contratou o Pachet? Um cara que é especialista, é a referência nos estudos,

nas pesquisas de música e Inteligência Artificial no mundo, o Spotify contratou... eu te falei isso...

ou não?

Elisa: Não.

João: Então, o Spotify contratou. O Pachet...

Elisa: Você acha que você está me entrevistando, eu que estou te entrevistando.

João: É? Então, o Pachet, eu falei com ele quando ele estava no Flow Machines, eu consegui falar

com ele, eu fiz uma entrevista com ele por Skype, e assim, o cara extremamente aberto.

Elisa: Ele é do Flow Machines?

João: Ele é do Flow Machines, François Pachet. Quando ele... aí teve um dia que eu mandei um e-

mail para ele e falei: “Pachet, tal, tal, tal”, perguntando algumas coisas, ele falou assim: “João, é o

seguinte, toda a equipe do Flow Machines foi contratada pelo Spotify”, olha que negócio de louco,

toda a equipe do Flow Machines foi contratada pelo Spotify. E o que que isso significa?

Elisa: Isso foi quando?

João: Isso foi em outubro do ano passado, outubro do ano passado, bem recente. E aí...

Elisa: Você é jornalista, não?

João: Eu? Não, eu sou publicitário, mas sou... curioso também como jornalista. E aí falei com ele,

ele falou assim: “olha, a gente acabou de ser contratado pelo Spotify, provavelmente eu não vou

conseguir te dar muitas informações mais”, aí eu falei: “não, ele não vai dar”, porque o Spotify é

super fechado, assim como a Amazon. E eu tentei falar com a equipe dele, um por um, mandando...

ninguém mais me respondeu e-mail, ou seja, sumiram.

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Elisa: Todos eles foram contratados? São quantos?

João: Todos, eu não sei quantos, mas pelo menos uns quatro que eu falava foram contratados pelo

Spotify, que provavelmente chamaram o Pachet e ele falou: “traz também fulano, fulano e fulano”,

provavelmente alguns engenheiros, sei lá, curadores, não sei. Ele é músico, o Pachet, o Pachet, ele

tem até uma relação com o Brasil, eu tive na Universidade de Pernambuco, por acaso eu fui lá a

trabalho, participar de um congresso de editoras, mas aproveitei a viagem para conversar com... ai

meu Deus, esqueci o nome dele agora, que é um pesquisador da Universidade de Pernambuco,

esqueci o nome dele, mas ele foi a ponte do Pachet, para o Pachet vir para o Brasil e fazer captura

de ritmos brasileiros, porque o trabalho dele como pesquisador é capturar ritmos do mundo inteiro,

para que a Inteligência Artificial possa reproduzir, ele reproduziu música pop e o próximo passo é

ele reproduzir músicas regionais, então ele veio para o Brasil, fez um laboratório com o pessoal da

Universidade Federal de Recife.

Elisa: Mas esse trabalho do Sabotage não teve a ver com o Pachet, ele ainda não era...

João: Nada a ver, não, ele ainda não era. Isso foi bem antes. E aí ele começou a capturar e tal, aí eu

fui nesse cara, nesse pesquisador e fui entrevistá-lo, tenho uma entrevista com ele assim nesse

mesmo modelo, mas focando muito mais na questão técnica, como é que funciona esse negócio, o

que que é o Flow Machines, daonde surgiu, qual é o código, entendeu? Qual é o propósito e, assim,

o propósito é criar uma ferramenta que ajude pessoas a comporem melhor, inclusive, não-

compositores, ele parte disso, então ele precisa ter um imput inicial e a partir disso, se você coloca

lá, lá menor e fá, ele já joga um sol, entendeu? E aí você... não precisa você ficar fazendo, ele vai

compor de uma maneira muito mais rápida. Só que assim, ele acabou indo para esse lado, porque

o Pachet também é músico, e quando você fala de computador compondo para um músico, é

sacrilégio, o músico é purista: “não, que isso?”, então você fala que o computador vai compor:

“não, não quero nem ouvir”.

Elisa: Mas o Pachet, ele é programador também?

João: Não, o Pachet, ele é músico profissional, pesquisador, professor... deixa eu ver a formação

dele aqui, quer ver?

Elisa: Eu fiquei curiosa se ele não é programador, se ele... deve ter algum entendimento...

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João: Quer ver? Eu tenho aqui, olha.

Elisa: Ele trabalha no Spotify qual? François Pachet...

João: Ele está na sede França.

Elisa: Ah tá.

João: Aqui... eu tenho o currículo dele aqui, olha...

Elisa: Eu entrei na página dele ali...

João: É, esse aí.

Elisa: Ah ele tem esse case aqui do... aqui foi um case dele, do Flow Machines.

João: Você já ouvir Daddy’s car? Toca aí para você ver.

Elisa: Foi ele que fez o programa que...

João: Isso, bem Beatles...

Elisa: Engraçado...

João: Ele é professor de Inteligência Artificial, então ele tem alguma bagagem técnica sim.

Elisa: Ele é professor de Inteligência Artificial.

João: É. É engenheiro civil por formação.

Elisa: Ah, ele é engenheiro. Que legal.

João: Então...

Elisa: Vou querer entrevistar ele também... ah, ele não vai mais dar entrevista, né?

João: Ele tem dado algumas entrevistas, ele tem colocado alguns artigos na web, mas eu estava

indo muito no mérito da questão técnica e como ele está no Spotify, o Spotify provavelmente deve

ter um acordo de confidencialidade...

Elisa: Para outras pessoas não terem as mesmas ideias.

João: Mas assim, é natural, é obvio, por que que o Spotify contrataria um pesquisador de música e

Inteligência Artificial? Ele vai começar a compor e vai soltar músicas e vai sugerir as músicas dele,

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porque ele tem o poder na mão hoje, ele tem aquilo que a TV tem, que o rádio tinha há algum

tempo atrás, de colocar o cara na playlist, a música dele, de colocar a música dele na playlist, aí

pode ser uma música composta por Inteligência Artificial, porque ele não precisa pagar o royalties

do autor, ele fica com essa grana.

Elisa: De repente é assim que o Spotify consegue finalmente algum lucro.

João: Exato, porque o negócio ainda não é lucrativo, ele tem capilaridade, ele tem volume, ele tem

big data, mas ele ainda não se paga.

Elisa: Eu acho que corre um sério risco.

João: É um sério risco. Então, essa é a grande pergunta que eu vou deixar...

Elisa: E aí acaba que a música deixa de ser uma coisa de arte, de fazer com que as pessoas vivam

de arte e acaba que é uma coisa de indústria e...

João: Total, se você ler esses livros que eu te recomendei, que é o Mainstream e o This is our brain

on the music, principalmente o Mainstream, que o outro é mais cognição e tal, você vai ler

exatamente isso, a música, ela está perdendo esse caráter de arte, vai virar nicho, muito nichozinho,

como já é, na verdade, e a gente.... só para você saber... um dado curioso, você sabe que nos Estados

Unidos sempre foi a... a grande referência sempre foi a parada da Billboard, o top 100, o top 500,

aquilo sempre foi uma referência, só que a parada da Billboard tinha uma influência muito grande

das rádios e das... e consequentemente das gravadoras.

Elisa: Sim, faz pouco tempo que tem o top digital, faz pouco tempo.

João: Mas a Billboard mudou, porque essa pesquisa...

Elisa: E outra, o top digital... ele é fake, existe jabá ali.

João: Você tem fazenda de like na China, então assim, não dá para acreditar em nada que você vê

hoje em dia, é complicado, mas a Billboard, ela mudou o paradigma e mudou a indústria

fonográfica americana, quando ela passou a usar o mesmo processo de captura de informação que

a Nilsen usa, que é na ponta da máquina, lá no caixa da máquina, porque até então, se você olhar o

histórico do top 100 da Billboard, o rock prevalecia como gênero mais influente, mais, enfim,

pertinente e sempre porque... porque as pessoas gostavam de rock, não sei, por influência das

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próprias gravadoras que queriam colocar os seus artistas de rock, pelo histórico que o rock sempre

teve, pelo progressivo, enfim. Quando a Billboard resolveu fazer uma aferição em tempo real na

boca do caixa, ou seja, todo CD que era vendido, ela passou a contar como... tinha um scanzinho,

assim como a Nilse faz, tinha uma ferramenta chamada bookscan, que você sabe o que está

vendendo efetivamente, e aí mudou completamente, porque o que se vendia era o rap nos Estados

Unidos, embora o rock aparecesse no top, mas o que se vendia era o rap, não é à toa que hoje os

grandes artistas americanos são os artistas de rap e recentemente um artista, que agora eu não me

lembro o nome dele, eu sou péssimo para nome, você já deve reparou, ele ganhou o Pulitzer,

como... um artista de rap ganhou esse prêmio.

Elisa: Sim, é verdade. É, a gente fez até uma matéria sobre isso, que o rap é o novo rock, que o

rap, pela primeira vez na história, ele passou o rock em termos de consumo de música e tal, mas

assim, tem essa questão de que os rankings são feitos, são fabricados.

João: E eu vou te fazer uma pergunta, se o Spotify já fez uma música de rap para o Sabotage, porque

o rap é muito mais... é matemática a construção e ele não necessariamente precisa fazer sentido,

não precisa ser uma letra como a do Gilberto Gil, por exemplo, que tem toda uma...

Elisa: Não sei, porque assim, o rap também tem muita conotação do que está acontecendo no

momento, então você teria que colocar notícias de jornal dentro dessa...

João: Por que não?

Elisa: Ou que está acontecendo em uma comunidade normalmente.

João: Você vasculha a web, vê quais são os assuntos do momento, por exemplo...

Elisa: Essa discussão eu li recentemente do Mano Brown falando: “existe uma pressão muito

grande em cima do rap para falar sobre as questões”, isso é muito pesado.

João: É, uma cobrança muito forte.

Elisa: Uma cobrança muito forte e eu quero falar de amor também, eu quero falar de outras coisas,

eu não quero ficar falando de quem matou não sei quem, da arma de não sei o que, mas em cima

do rap existe essa cobrança, Marielle Franco foi assassinada, tem que ter 300 raps sobre isso, as

pessoas ficam cobrando.

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João: E o rap ainda é uma música que não está na mídia, olha que louco isso, você vai para a Globo,

nas novelas, você vai... por isso que uma das coisas que eu queria ver com você, agora vou entrar

nas minhas demandas e vê se você pode me ajudar nesse sentido, uma delas era justamente

entender... eu sei que vocês coletam vários dados e vocês tem uma base de analystics enorme aqui,

que deve ser muito interessante e muito rica, e que não é divulgada para o mercado, porque ninguém

quer saber disso.

Elisa: As pessoas até querem saber, mas a gente tem a questão de alguma confidencialidade, no

sentido de não posso revelar valores de quem ganha o que...

João: Claro, isso faz todo sentido.

Elisa: Inclusive, a gente não revela rankings, tipo, ah, o Djavan arrecadou mais que o Caetano,

entendeu? Porque também não...

João: Isso, na verdade, mas você pode revelar gêneros musicais?

Elisa: Não.

João: Também não?

Elisa: A minha base de dados não tem gênero, ela tem gênero declarado assim, mas normalmente

as pessoas declaram tudo.

João: Vocês fazem metadados?

Elisa: A gente tem metadados.

João: Tem metadados?

Elisa: Sim.

João: E vocês é que fazem o cadastro aqui?

Elisa: Sim, mas a gente usa o cadastro que vem do compositor, do artista, do intérprete...

João: Então, não tem um padrão de metadados?

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Elisa: Tem um padrão de metadados porque a gente dá um... em termos leigos, um formulário para

o cara preencher, então tem um padrão, mas assim, eu não vou conferir se o cara botou que a música

é rap. O que é rap? Eu não tenho alguém que ouve a música e fala: “ah não, isso aqui é rap sim”.

João: Mas normalmente o próprio artista deveria fazer isso, ele classificar a sua própria música.

Elisa: Sim, existe lá a classificação de gênero de qual é a música, mas tem gente que põe qualquer

coisa, então eu não tenho essa segurança de que se você me perguntar quanto rendeu aos músicos

de rap, se foi mais do que de rock, a evolução...

João: Era isso que eu tinha curiosidade de olhar, eu sei que a gente não consegue entrar no mérito

de quem arrecada mais, até porque enfim, são questões privadas, mas entrar no mérito de gêneros,

ou seja, e até olhar a evolução disso, porque eu entendo que a música, ela está facilitando o caminho

para a Inteligência Artificial.

Elisa: Eu posso te dar gêneros, se você me der comparações, por exemplo, quero que você compare

um grupo de artistas x com um grupo de artistas y.

João: Tá.

Elisa: Então, você pega alguns nomes do rock, comparados com alguns nomes do rap.

João: Comparar grupos de artistas, né? É, mas você não precisa me dizer quem são os artistas.

Elisa: Não preciso dizer.

João: Mas é...

Elisa: Eu posso, de repente, fazer essa comparação, sem te dar os números, tipo assim, eu posso te

dar só o gráfico.

João: Só percentuais, você não precisa dizer número, você não precisa dizer: “olha, alguns milhões

aqui, alguns milhões”, não, não preciso saber disso, mas eu gostaria de saber assim, dentro da

arrecadação de direitos autorais no Brasil, se a gente pegar uma linha de, sei lá, cinco anos,

retroativa de cinco anos, o que que está acontecendo com a arrecadação nesses gêneros? A gente

sabe que o sertanejo vai bombar, a gente sabe que o funk carioca de uns tempos para cá também

começou a bombar, mas assim, obviamente, em regiões diferentes, você tem dados diferentes,

porque no Nordeste, por exemplo, é muito forró, quase não tem o funk ou o sertanejo, é menos, é

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muito forró lá no Nordeste, mas pelo menos isso já ajuda a ilustrar. Uma outra coisa que eu queria

fazer se for possível, eu gostaria de bater algum papo com algum compositor que vocês achem que

tem uma cabeça legal para trocar esse tipo de ideia e ver como ele se posiciona, seria mais uma

entrevista. E uma outra última coisa, que eu acho que seria muito legal, e aí é totalmente anônimo,

era fazer um survey com a base, você deve ter e-mail, que vocês mandam newsletter para todos os

associados, então os associados são compositores, é... de repente fazer, mandar uma pesquisa para

essas pessoas, sei lá, com poucas perguntas, nada... preencher muito o tempo deles, mas fazer um

surveyzinho relacionado à música e Inteligência Artificial para a base de compositores e aí eu

coletar esses dados, compilar...

Elisa: É, dependendo, essa pesquisa é até interessante que a gente pode usar para fazer uma... até

uma matéria, a gente usa esses dados e passa para você e usa para a nossa matéria.

João: Então, eu posso formular umas perguntinhas e eu divido com você e você dispara daqui, por

quê? Porque ai vai com endosso da UBC. Eu fiz algumas pesquisas assim com amigos e tal, não

tem o mesmo peso do que você entrevistar a base de compositores da UBC, onde você vai ter

respondente como Gilberto Gil, por exemplo, Caetano, não sei se eles vão responder, mas talvez o

fato de você ter isso por trás, dá um peso para a entrevista interessante.

Elisa: Assim, pessoas para você entrevistar, que veio na minha cabeça de cara, é...

João: Pode ser aqui do Rio ou pode ser de longe e eu faço por Skype.

Elisa: Uma pessoa que é muito inteligente nessa... e é um grande nome, é a Marisa Monte, Marisa

Monte ela... acredito que ela deva falar coisas interessantes sobre isso, ela é muito ligada ao

mercado, do que acontece no mercado, com o que lançamento, tanto que o lançamento do

Tribalistas foi uma coisa totalmente diferente.

João: Foi, foi.

Elisa: E foi tudo comandado por ela assim, então ela sabe muito o que está acontecendo no mundo,

na música digital, ela tem essa noção muito forte. Outra pessoa que eu penso, que é um cara mais

tímido, que é um fofo e de repente pode te ajudar, é o Cassim, que ele é produtor de grandes nomes

da MPB, já produziu grandes nomes, já produziu Caetano, já produziu Maria Bethania, já produziu

uma série de nomes e ele é artista também e ele é um cara disponível, fácil, inteligente...

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João: Então, gente disponível, não precisa ser artista muito famoso, é gente disponível que esteja

no meio...

Elisa: Ele é famoso, assim, no meio, porque ele é produtor muito requisitado.

João: É, ele é famoso.

Elisa: Mas ele não é a Marisa Monte, obviamente,

João: E que viva de royalties, não que viva, mas que os royalties seja parte do seu rendimento,

porque eu...

Elisa: Um cara mais próximo, fácil, é Ronaldo Bastos e ele adora filosofar, Ronaldo Bastos é o

parceiro de Milton Nascimento.

João: Eu conheço. Nossa, eu sou fã... da esquina, essa galera toda aí eu sou fã número 1.

Elisa: E ele é um cara fácil, eu tenho Whatsapp dele, posso falar com ele, ele teria interesse de

sentar e bater um papo... ele é calmo, entendeu? Ele senta e bate papo...

João: E seria bate papo, não entrevista chatinha, o que você acha disso, daquilo e daquilo, é bate

papo, porque depois eu vou ouvir isso tudo aqui, é como você fazendo uma entrevista, vai fazer

um filtro depois e tal, então é muito melhor do que ficar fazendo pergunta e tal, pressionando, isso

acho que vai me ajudar bastante, só que eu preciso de fazer isso tudo muito rápido, talvez assim, o

survey seria uma coisa... muito rápido que eu digo é assim, na verdade não é muito rápido, perdão...

Elisa: Deixa eu só complementar, por que que eu estou indicando o Ronaldo Bastos? Você falou

“que viva de direito autoral”, o Ronaldo Bastos é o típico compositor unicamente, ele não é artista,

ele não toca, ele não canta, ele só compõe, então...

João: Isso, perfeito. Ele seria o cara perfeito, aí você vê para mim, não precisa ser os três, um deles,

você pode ver a viabilidade, o interesse em participar, em trocar essa ideia e um só já é suficiente.

Eu já entrevistei um executivo de gravadora...

Elisa: Depois você me manda um e-mail com um lembrete assim?

João: Mando, mando, mando, pode deixar. Até com a questão de comparar grupos de artistas, tá?

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Elisa: Isso aí eu vou ter que ver com o meu departamento de TI, ver a demanda deles, dependendo

da demanda que você me fizer também, eu vou ver o que que eles vão...

João: Acho que, de certa forma, isso pode ajudar vocês também, no sentido de ter conteúdo para

as revistas, até de pensar em novas estratégias com os compositores, como é que o digital pode

ajudar o compositor agora, porque antigamente ele não tinha ferramenta para aparecer, hoje você

tem compositores, alguns compositores do sertanejo, eu não me lembro dos nomes, eu tenho tudo

anotado, mas alguns compositores, eles fazem vídeo no youtube, eles tocam violão e se apresentam

como o compositor daquela música e tem uma legiãozinha de seguidores, porque fez uma música

de sucesso, tem um cara que agora não me lembro o nome, é Simone e Simaria, é daqui?

Elisa: Não, é da ABRAMUS também.

João: É da ABRAMUS. Esse compositor dela que fez a música... que tem um clipe junto com a

Anitta, uma música estouradíssima também agora...

Elisa: Sei, mas eu não estou me lembrando agora... enfim, não me lembro.

João: Não sei o que... vida de... ah esqueci, mas é uma música que estourou muito, acho que é o

principal sucesso delas e foi ele que compôs a música, achei curioso o fato, um garoto que fez a

música, enfim...

Elisa: É o Dudu Borges?

João: Não lembro se é o Dudu Borges. Eu tenho anotado em algum lugar isso, são tantos nomes,

tantas coisas, eu preciso agora decorar até nome de autor, porque eu preciso fazer citação de autor,

chato demais, mas faz parte, mas enfim, é um tema muito interessante isso, para quem gosta de

música, para quem está no meio, faz muito mais sentido você mergulhar nisso, do que em outro

assunto qualquer. E minha ideia de fazer o mestrado é justamente... não pretendo ser professor,

posso até vir a ser, não nego isso, mas a ideia é justamente pesquisar, gosto de me aprofundar, de

aprender, já fiz MBA e tal, então, fazer um mestrado agora. E deixa eu ver aqui, outra coisa que

queria te perguntar, no site de vocês só temo relatório até 2016... é isso mesmo?

Elisa: Eu estou fazendo 2017 agora.

João: 2017 vai sair agora?

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Elisa: Sim, vai sair no final de maio.

João: Eu pretendo usar os dados que estão ali para ilustrar alguma coisa da pesquisa também. Deixa

eu ver se tem mais alguma coisa.

Elisa: Ele sai no final de maio, até primeiro de junho, ele está pronto.

João: Eu preciso entregar a pesquisa na realidade até novembro, o que eu tenho que fazer agora, de

curto prazo, é qualificação, então não tem nada a ver com isso que eu estou te pedindo, a gente

pode fazer esse survey com calma, você tem... a mesma ferramenta que você dispara a newsletter,

você pode disparar o survey...

Elisa: A gente já fez sim, a gente faz pesquisa de satisfação aqui, surveymonkey que a gente usa.

João: Aí eu posso te mandar as perguntas?

Elisa: Sim, sim.

João: A gente pode até pensar juntos.

Elisa: Tem que manter o negócio curto.

João: Curto, curto, curto.

Elisa: Tem que ser uma coisa curta.

João: É, porque ela tem que ser auto responsiva, eu não vou dar espaço para ele escrever, eu preciso

dar opções.

Elisa: Sim, é interessante, mas eu gosto de dar espaço... quando eu faço a minha... isso foi até uma

discussão aqui dentro, quando eu fiz a minha pesquisa de satisfação, todo mundo fala: “mas você

tem que dar opções”, eu falo: “cara, eu tenho que dar um momento para o cara se expressar”, porque

vai ser aquele momento que ele vai me dar um negócio que eu não previ, porque só o que eu previ

entra na múltipla escolha. Então assim, eu quero aproveitar todas as cabeças pensantes para me dar

ideias, sugestões e críticas sobre a UBC.

João: E a gente está falando de uma base de quantas pessoas mais ou menos?

Elisa: A gente está falando de uma base de 18 mil pessoas, 18 mil músicos.

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João: Compositores registrados na UBC?

Elisa: Não necessariamente compositores.

João: Tá, base total, artistas... é uma base boa, deve dá aí...

Elisa: 18 mil ativos, porque tem mailing que tem 100 mil, mas tem uma resposta pequena ou a taxa

de abertura é baixa.

João: E quando você faz essas pesquisas tem boas taxas de retorno?

Elisa: Tem muito boa taxa de retorno.

João: Em média quantos porcento assim?

Elisa: Ah, chega a 15, é muito boa a taxa de retorno.

João: Legal, ótimo, vai dar aí...

Elisa: Por isso que eu estou falando, que é um número que de repente não é muito alto de e-mail,

mas tem engajamento.

João: É bem fiel.

Elisa: Tem um engajamento muito alto.

João: Poxa, Eliza, acho que é isso, eu fiz aqui um roteiro de perguntas, mas não precisou passar

por ele, a gente cobriu quase tudo... talvez... é não...

Elisa: Eu tenho seu Whatsapp, a gente se falou pelo Whatsapp?

João: Não, mas vamos trocar?

Elisa: Vamos, acho que é legal, porque posso te perguntar coisas, que você me inspirou.

Fim da gravação.

[01:15:14] Tempo final da gravação

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Entrevista: Luiz Garcia – Universal Music

04/07/2018

Curriculum Luiz Garcia

ORADORES

João Marcos Abreu

Luiz Garcia

TEMPO DE GRAVAÇÃO

27 minutos e 20 segundos

MODALIDADE DE TRANSCRIÇÃO

Literal

[00:00:00] Tempo de início da gravação

João: Comecei a ler bastante sobre música e Inteligência Artificial e tudo que estava acontecendo

e falei: “cara, é essa a linha que eu vou seguir”, porque basicamente Luiz, o que eu tenho percebido

e aí... é uma entrevista livre, é um bate papo, o que eu tenho percebido é que resumidamente, a

Inteligência Artificial, ela já está compondo, você sabe disso, não sei se você está acompanhando...

Luiz: Eu não estudo isso, mas sim.

João: Hoje, você já tem algoritmos que são capazes de, através de um processo chamado machine

learning, que é aprendizado de máquina, uma máquina cheia de informações, que música hoje é

digital, é bits e bytes, a máquina é capaz de identificar padrões e através desses padrões, ela capaz

de reproduzir algo inédito, influenciado por aquilo que ela aprendeu. E é basicamente a forma como

um músico pensa, um compositor...

Luiz: Quem trabalha com música eletrônica já usa esses recursos.

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João: Totalmente, totalmente. Os samplers, todo esquema de programação, até o ponto de captar a

ambiência de quem está em um show de música eletrônica, a Inteligência Artificial é capaz de

identificar o mood e, a partir daí, sugerir playlists. E o Spotify, cara, é na veia, Inteligência Artificial

na veia, tudo o que eles fazem, eles monitoram, eles têm um dashboard com mapa mundi, ele sabe

que aqui no Brasil é isso que está acontecendo, em tempo real, em tempo real mesmo, um negócio

de doido. Então, isso está mudando muito a forma como as pessoas precisam encarar a música e

até trabalhar para ser descoberto dentro de um banco de dados enorme, o Spotify, ele coloca 20 mil

músicas novas por dia na plataforma, ou seja, aqueles artistas que não tinham nenhuma

oportunidade, nenhuma visibilidade, hoje ele tem, e tudo bem, ele vai ficar mergulhado em um...

Luiz: Mas ele joga igual aos outros.

João: Mas ele joga igual aos outros. E o filtro... o que era mais importante na indústria fonográfica

era o diretor artístico, que era o cara que falava: “esse entra, esse não entra, esse entra, esse não

entra”, com base em uma experiência de background, de percepção, começa a perder um pouco de

sentido, uma vez que tudo hoje, o driver é analytics, então assim, entrou no Spotify, teve views,

teve sessões, cara, é isso que vai valer como informação para eu projetar esse cara e alavancar esse

cara.

Luiz: É o diretor artístico, ele continua sendo muito importante, ele só... ele hoje não é só orientado

pelo passado, pelo o que aconteceu... na carreira daquele artista e ele usa as ferramentas atuais

como direcionamento, hoje, no Brasil, se ouve muito mais sertanejo e funk, do que rock, vou dar

um exemplo, hoje o sertanejo e o funk é o que é mais ouvido, esmagadoramente, do que o rock.

Então, a tendência, como você falou, de um diretor artístico é se focar muito mais nesses segmentos

na hora de contratar novos artistas ou gerar novas gravações, do que em um... não que deixe de

fazer... que, no caso assim, de uma gravadora, ela não tem gênero, ela abrange todos os gêneros,

do forró, no Brasil... uma gravadora, então, como a Universal, que é multinacional, a gente tem

muita música clássica, tem selos que só trabalham com música clássica, música gospel, católica,

enfim, todos os segmentos que são possíveis no Brasil... e aí de acordo com o país, você dar uma

maior ênfase naquele segmento que realmente vende mais, porque uma gravadora, ela é uma

empresa comercial, que tem acionistas, que tem que gerar lucro, então ela tenta trabalhar nos

segmentos que são mais importantes, para aquele país, mas com qualidade, é sempre... o que

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interessa não é a... na verdade, o que sempre, a chave que liga toda a história da música no Brasil

e no mundo, é o hit, no tempo do fonógrafo, do gramofone lá na Casa Edson, se não tivesse a

música boa ali, a invenção do vinil no Brasil, acho que as primeiras gravações no Brasil não teriam

vingado, se não tivesse a música boa, de boa qualidade. E até hoje, dentro desses segmentos, a

música de qualidade é a que dá... que faz a história acontecer.

João: Perfeito, inclusive, uma das coisas que eu tenho buscado com a minha pesquisa, é identificar

assim, o que que faz um hit, qual é a justifica, e eu tenho lido algumas coisas, alguns pesquisadores

americanos que mergulharam nessa história, que são músicos e aí eles têm uma visão também de

músicos... inclusive, um deles publicou um livro chamado Hit Makers, você já ouviu falar nesse

livro?

Luiz: Já ouvi falar, mas não li.

João: Cara, esse livro é bem legal, recomendo, muito bacana. E ele fala... resumindo, ele fala um

pouco de que o fato de um hit, ele traz... ele tem que trazer um caráter de familiaridade e ao mesmo

tempo ineditismo para se destacar dos demais, senão você pasteuriza tudo, fica tudo mais do

mesmo. E essa familiaridade, isso se justifica muito, se você olhar a música pop, pela forma como

as pessoas compõem as músicas, as sequências de acordes, já ouviu falar em um grupo chamado

Axis of Awsome, já ouviu falar desses caras? Eles tocam todos os hits pop com a mesma sequência

de acordes que é ré, lá, si menor, sol, ré, lá si menor, sol, e eles vão emendando uma música na

outra e ficam horas tocando hits com essa mesma sequência, insinuando que aquilo ali seja uma

fórmula também do sucesso, ou seja, a partir do momento que você compõe também naquela

sequência, você já tem metade do caminho andado e tal. Mas a minha preocupação e aí tem a ver

com a linha de pesquisa de mercado, é para onde que isso vai. Se você tem uma linha onde está

todo mundo buscando hits, e se as pessoas são muito parecidas e cada vez mais, porque o mundo

é mais global, hoje em dia, o que lança lá fora, chega aqui instantaneamente pelo Spotify, então as

pessoas estão mais conectadas, as pessoas estão mais parecidas, a própria música sertaneja, se você

olhar o processo de produção, se você tirar a voz sertaneja e escutar a massa sonora, é música pop.

Luiz: Sim.

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João: Então assim, isso tende a levar a música para o mesmo lugar? Aí eu queria ouvir um pouco

da tua opinião, principalmente porque vem de uma gravadora multinacional. Eu bati um papo com

o pessoal da Som Livre, que é mais música nacional, aí eu queria ouvir um pouco da sua visão com

relação a isso, você acha que isso é uma tendência? Dessa massificação dessa... obviamente que a

música é um business, e tem que ser, como você falou, tem acionistas, você precisa entregar

resultados, mas essa pressão por resultados, talvez ela esteja sacrificando a música como arte...

Luiz: Não, não, acho que... pode ter havido um tempo que isso aconteceu, mas acho que... assim,

pelo menos o que eu vejo do meu lado como... como executivo, quem é do alto escalão de uma

companhia dessa, já está mais do que provado que não se faz... se consegue chegar a algum lugar

se você pasteuriza o teu principal ativo que é a música, que é o sucesso. Então, se a gente não

estiver cercado de grandes artistas, de grandes compositores, a companhia feita do lado do

publishing e do recording, que são os autores e os artistas e para acontecer uma música que você

ouve do Spotify, ou em outro parceiro digital, Deezer, Apple, enfim, para você ouvir o CD e tudo,

você tem que ter a junção de uma grande composição, com um grande intérprete junto, que pode

até ser o mesmo autor da música ou não. Assim, eu acho que está acontecendo o caminho inverso,

porque hoje você tem na maior plataforma do mundo, inclusive do Brasil, que é o Spotify, como

você disse aí, 20 mil músicas por dia, então se você não entrega algo diferente e realmente...

João: Surpreendente.

Luiz: ...Surpreendente, você não consegue se destacar, entendeu? Porque ali no Spotify tem diversas

formas de você aparecer, você pode estar dentro de uma playlist grande, as maiores são do próprio

Spotify, mas para isso acontecer, de você estar em uma das playlists do Spotify, a tua música tem

que ser boa e a pessoa lá, o curador da playlist do segmento lá que é o teu gênero, o cara fala assim:

“cara, essa música é sensacional, eu vou botar ali”, e não interessa se você é super conhecido ou é

um desconhecido, você tem que ter a música boa. Então, eu acho que o que está acontecendo é o

inverso, cada vez mais... nas grandes companhias, ela... ela quer o cara que seja mais livre de

qualquer comprometimento comercial, para que aquela música seja mais natural e seja até mais

comercial no final, seja mais consumida, porque você não... hoje, a venda no Brasil, por exemplo,

hoje, esse ano... eu creio que 92% do comércio de música é digital, hoje o CD praticamente... o

nicho do nicho, está quase sendo o mesmo do tamanho do vinil. Então, em uma... você sendo

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artista, se você tiver a sua própria empresa, contrata gente para trabalhar o seu marketing digital,

você tem um bom assessor de imprensa e tal, você não necessariamente precisa estar em uma

gravadora grande se você tem realmente uma qualidade musical ou de composição que se destaque.

As gravadoras hoje, elas... o lance da gravadora é que ela alcança muito mais lugares do que uma

pessoa sozinha, a gravadora, ela é uma grande empresa de marketing e de orientação de carreira,

entendeu? Então, os departamentos artísticos, como você falou, o diretor artístico está seguindo

outro caminho agora, ele é hoje, ele é mais um diretor de conteúdo, do que o cara que vai...

João: (inint 12:10)

Luiz: Exato, você não... você... o trabalho artístico, ele é multimídia, entendeu? Você tem o artista,

ele se destacou com aquela música, ele criou uma marca, essa marca atrai jovens ou crianças, aí

você pode diversificar ele, você... ele pode fazer shows, ele pode lançar os produtos dele como

singles, hoje a indústria dos singles voltou, como existiu o compacto, hoje já... você lança muito

mais singles do que álbum e aquele sucesso ali pode ser desdobrado em uma marca de camisa, de

boné, etc., que depois pode virar um comercial de TV, que pode... a música tema de uma novela.

Ou seja, você...

João: Ampliou as possibilidades.

Luiz: Ampliou muito mais, cara, porque antigamente você... o artista pensava em vender CD,

depois CD e DVD e tal, agora você tem artista que ganha dinheiro em execução, execução pública,

em direito conexo, a música está tocando no Brasil todo, nas festas e tal, e uma coisa leva a outra

também, o sucesso não anda sozinho, ele leva... o artista para outras áreas de faturamento para ele.

João: Sim, sim.

Luiz: O que eu ia te falar? Assim, antigamente, você queria... o artista... “não, quero ter uma música

na novela, quero tocar na rádio, eu vou fazer sucesso, vou vender muito CD e não sei o que”, isso

sempre ajuda, mas hoje é mais uma ferramenta, a gente já viu aqui que o brasileiro, ele consome

muito entretenimento, sabe? Mas ele vê muita TV, ele ouve muito rádio, ele mexe muito no Spotify,

ele vê muitas coisas no Youtube, mas é muito tudo, acho que o Brasil é um dos países que mais fica

ligado nisso no mundo.

João: Mais conectado.

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Luiz: É, ele gasta, tipo, acho que 9 horas por dia, do dia dele, ou ver TV, ou ouvindo rádio, rede

social, ouvindo música no Spotify, não sei o que, cara, é inacreditável. Então, é importante... estar

na TV é importante, mas é importante estar no rádio, mas é importante estar em todas... porque

isso junto você faz... antigamente, você... vários artistas internacionais fizeram sucesso no Brasil,

quando uma música estourou em uma novela, em um personagem e tal, hoje você não ouve mais

falar isso, porque... a novela continua tendo um alcance grande, mas é um conjunto de coisas que

faz o artista se destacar. O rádio, apesar de ter uma impressão que é menos ouvido, por conta do

Spotify, que o Spotify você faz a sua rádio segmentada para você, mas não, a música... você vê,

quando uma música está tocando na rádio, bastante, você vê o Spotify subindo, porque o cara vai

lá, ouve aquela música, ou dá um shazam ali: “que música é essa? Eu quero ouvir mais desse

artista”, e o contrário também, quando ela está...

João: No Spotify.

Luiz: ...Bem posicionada no Spotify, em vários playlists, eu acho que isso influência algumas rádios

também, as rádios começam a tocar mais, está tudo interligado. E hoje em dia, com esse

crescimento da música digital, a gente só espera o Brasil mais forte economicamente, para mais

pessoas terem acesso ao smartphone, para ter... que o consumo disso é quase todo no celular. E o

Spotify, como você falou, ele é muito consumido na região Sudeste, aqui na região Sudeste, 75%

do consumo do Brasil é na região Sudeste, e o Brasil é um continente, imagina quando tiver mais

acesso, porque as pessoas têm celular...

João: Nordeste...

Luiz: ...As pessoas têm celular, no Brasil todo, tem mais celular do que habitante, o Brasil tem 210

milhões de pessoas, tem 250 milhões de celulares já. Acontece que a pessoa não tem dinheiro para

ter outras coisas, além de ter o celular.

João: Inclusive, um dos grandes desafios do Spotify é converter o pessoal que acessa gratuitamente

para pago, porque hoje, acho que só 30% da base do Spotify é paga, 70% é não paga.

Luiz: É, mas isso é uma base muito grande até, já é grande, no mundo é maior a discrepância, eu

acho. E apesar do Brasil ser um país em desenvolvimento, é incrível... eu acho que já está um

pouquinho mais de 30...

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João: É possível.

Luiz: Acho que já está mais de 30, mas é... o trabalho, assim, eu acho que de você divulgar um

artista ficou mais difícil, porque você não controla, você não pode ter um destaque no Spotify... ou

na Deezer ou em outras plataformas se você não é o dono da plataforma, então, você tem que fazer

aquela música daquele artista acontecer com uma gama de ferramentas diferentes para que aquela

música tenha um destaque, para aparecer melhor nessas... nesses serviços...

João: Nesses players.

Luiz: ...Nesses players. A própria Universal, ela tem as playlists dela, que a gente criou uma marca

lá, Digster e ela cria as próprias playlists, que são ótimas e cada vez são melhor... está tendo um

destaque maior, está... aqui a gente faz a curadoria, mas ainda as grandes playlists, são as playlists

do próprio serviço, as do Digster e as do Spotify, que é isso o que todo mundo quer entrar.

João: Então, vou trazer uma questão para você, para ver também qual é a tua percepção, a tua

opinião com relação a isso. Dentro das minhas pesquisas, eu entrei em contato com um laboratório

de Inteligência Artificial em música na França, chamado Flow Machines, esse laboratório, ele era

capitaneado por um cara chamado François Pachet, esse cara é, talvez, uma das grandes referências

na pesquisa de música com Inteligência Artificial. Ele já veio para o Brasil fazer captura de ritmos

brasileiros, para que isso fosse colocado na máquina, para que a máquina pudesse aprender o ritmo

brasileiro e reproduzir isso. E aí isso tem uma série de desdobramentos. E aí, ao mesmo tempo,

você sabe que... aliás, inclusive, o Flow Machines, ele lançou o primeiro disco totalmente composto

por Inteligência Artificial, chamado Hello World, e o disco, se você ouvir, ele lembra muito

Beatles.

Luiz: Ele está no Spotify?

João: Está. No Spotify, e você pode procurar no youtube, procura uma música chamada Daddy’s

Car... procura aí no youtube.

Luiz: Daddy’s Car?

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João: É. O que que esse cara fez? Ele colocou essa máquina para ouvir Beatles, então a máquina,

ela começou a entender o padrão de composição dos Beatles, o padrão harmônico, melódico e

começou a criar...

João: Então, depois você vê, é muito curioso, aí a máquina começou a compor no padrão Beatles,

por quê? Porque ela ouviu Beatles, então ela entendeu que a composição, a sequência de acordes,

ela começou a produzir músicas parecidas com Beatles. Paralelo a isso, você sabe que... aliás, teve

um caso aqui no Brasil que foi capitaneado pelo Spotify, da música Neural, do Sabotage, sabe quem

é o Sabotage, o rapper?

Luiz: Sei.

João: Ele morreu em 2003, e o Spotify percebeu que a música dele ainda era bastante pertinente

nas playlists, o rap também muito forte no Brasil e tal, e o Spotify falou assim: “quem é esse cara?

Precisamos lançar mais músicas dele. O cara morreu, o cara não existe mais, como é que a gente

faz?”. Os cara tiveram uma sacada genial, que foi de pegar todos os manuscritos do Sabotage, todas

as letras que ele já tinha escrito...

Luiz: E estava lá guardado.

João: Estava guardado, jogou isso tudo para uma máquina, a máquina aprendeu o modelo de

compor, de escrever, do Sabotage, e criou uma música chamada Neural, e lançou de forma inédita,

no mundo inteiro, foi lançada aqui no Brasil.

Luiz: Que legal isso.

João: Anota aí também, Neural o nome da música. Totalmente composta por Inteligência Artificial,

porém com uma curadoria da família do Sabotage, da família da banda que tocava com ele o n...o

RDZero, que era a banda que acompanhava o Sabotage e lançaram essa música. A repercussão

disso, cara, na mídia foi enorme, no mundo inteiro, repercutiu no mundo inteiro... é essa aí...

Luiz: Negra Li.

João: Isso aí, RZO, Negra Li e Família Sabotage, isso aí, perfeito. E eles fizeram essa letra, fizeram

uma letra baseada no modelo de compor do Sabotage. O Flow Machines criou uma música padrão

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Beatles, ou seja, a máquina é capaz de compor. E aí onde que eu quero chegar? Eu recentemente

estive com o pessoal da UBC.

Luiz: Com quem você esteve lá?

João: Com a Elisa, porque eu quero chegar no compositor, porque a música existe porque alguém

compõe, alguém precisa criar essa música, alguém precisa criar esse hit, e hoje são os humanos

que compõem. E paralelo a tudo isso, nessas pesquisas como Flow Machines, eu tentei entrevistar

o François Pachet, e aí no começo ele estava super aberto: “João, não sei o que, vamos...”, a troca

fluindo perfeitamente, até que um momento, eu liguei para ele, ele falou: “olha, eu estou saindo do

Flow Machines, eu estou indo para o Spotify”, eu falei: “caraca, mano”, porque isso é uma

informação que pode ter um impacto muito grande na indústria, porque se o Spotify está

interessando nesse tipo de pesquisa, até porque ele tem todos os dados, ele sabe o que que as

pessoas gostam, antes do cara criar uma música, eles já sabem o que que as pessoas querem,

entendeu? E quando ele traz um cara que é especialista em Inteligência Artificial, será que o Spotify

não quer passar a compor? Entendeu? E aí ele vai fazer o seguinte... cara, se a composição vira

uma commoditie e a máquina pode fazer, existe até um site lá fora chamado Hit Predictor, que

você coloca as músicas e ele dá a previsão de sucesso ou não, dependendo do número de sessões...

Luiz: Que legal isso.

João: Ele te dá...

Luiz: Eu vou anotar tudo isso que você está falando.

João: Anota aí, cara, anota aí.

Luiz: Muito bom.

João: Depois eu te mando alguns materiais, vou te mandar...

Luiz: Ah, manda, manda.

João: Vou te mandar alguns links, umas matérias que eu pesquisei, o Hit Predictor é assim, você

lança uma música, você coloca lá e aí os analytics vão te dizer, com um algoritmo complexo, cara,

que vai desde número de pessoas que escutaram...

Luiz: Qual era a empresa que ele trabalhava antes, que você falou?

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João: Na... era da Sony, do laboratório Sony e o projeto é Flow Machines.

Luiz: Flow Machines, isso.

João: É, é o projeto que...

Luiz: Quero olhar também.

João: É, esse aqui é o projeto mais evidente assim.

Luiz: Não, cara, isso aí você vê, isso é uma tendência do mundo moderno, você ter um computador

que você vai realizar a tarefa de alguém, como... dos anos 80, os computadores que jogavam contra

os campeões de xadrez lá, isso não tem jeito, você está com preguiça de traduzir um texto em

inglês, em italiano ou espanhol, por mais que você domine a língua, mas você está com preguiça,

você joga no Google Translator lá, ele já vai te dar uma base...

João: Isso aí.

Luiz: Tem uns preguiçosos que pegam aquele negócio e mandam um e-mail, mas você vê o

negócio... Eu tenho que te apresentar o Rodrigo, vou e apresentar o Rodrigo, vê se ele está aí?

João: Tá. Bom, cara, é uma discussão que rende para caramba...

Luiz: Vamos continuar, vamos outro dia continuar falando, quando você tiver no Rio.

João: E só para concluir, assim, com a UBC, conversando com eles, eles têm uma preocupação

muito grande, porque hoje em dia o compositor está sumindo da evidência, antigamente você tinha

até uma lei que obrigava a rádio a falar “música de fulano de tal”, hoje em dia, não tem, é só o

artista que está cantando, no player você quase não tem espaço para ver quem é o compositor, e na

verdade, ele é a fonte de tudo, cara.

Luiz: Sim, claro.

João: Sem o compositor não tem artista, cara, não tem música, não tem venda, não tem nada, e ela

quer tocar uma campanha de valorização do compositor, e talvez eu toque com ela, a minha ideia

era ajudar ela nesse sentido, uma vez que a gente está falando de Inteligência Artificial, de uma

ameaça à profissão, de criar talvez um documentário, alguma coisa assim, relacionado à

valorização do compositor.

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Luiz: Você só falou com ela lá?

João: Só falei com ela, mas eu conheço também o Marcelo...

Luiz: Castelo Branco?

João: É, da época CDYOU

Luiz: Eu ia te falar, você tem que falar como Marcelo, tem que conversar com o Marcelo.

João: É, mas o Marcelo estava viajando quando eu falei com eles, não vai faltar oportunidade, vou

conversar com ele também.

Fim da gravação.

[00:27:20] Tempo final da gravação

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ANEXO B – OUVINTE/CONSUMIDOR DE MÚSICA

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APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

BASEADO NAS DIRETRIZES CONTIDAS NA RESOLUÇÃO CNS Nº466/2012

Prezado (a) Senhor (a) Esta pesquisa é sobre música e Inteligência Artificial e está sendo

desenvolvida por Joao Marcos Abreu dos Santos, do Curso de Mestrado em Gestão da Economia

Criativa da Escola Superior de Propaganda e Marketing, sob a orientação do Professor Paulo Reis.

Os objetivos do estudo são: identifica o estágio atual da música artificial; entender a reação das

pessoas com o fato de que os computadores podem criar; e apontar direcionamentos para o mercado

da música

A finalidade deste trabalho é contribuir para que músicos, executivos e consumidores de música

tenham uma ideia clara sobre o impacto das tecnologias no mercado da música, especialmente no

que tange a Inteligência Artificial compondo músicas

Solicitamos a sua colaboração para participar de um minigrupo de foco, com duração de 1h, como

também sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em trabalho de Mestrado e

publicar em revista científica nacional e/ou internacional. Por ocasião da publicação dos resultados,

seu nome será mantido em sigilo absoluto. Informamos que essa pesquisa não tem objetivos

comercias, apenas científicos e que os resultados auferidos não terão nenhum impacto nos

participantes.

Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária e, portanto, o(a) senhor(a) não é

obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pelo

Pesquisador(a). Caso decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do

mesmo, não sofrerá nenhum dano. O pesquisador estará a sua disposição para qualquer

esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa.

______________________________________

Joao Marcos Abreu dos Santos

Mestrando em Economia Criativa - ESPM

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APÊNDICE B – DECLARAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA