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Brasília a. 43 n. 170 abr./jun. 2006 287 Otavio Luiz Rodrigues Junior O regime jurídico-constitucional da radiodifusão e das telecomunicações no Brasil em face do conceito de atividades audiovisuais A inconstitucionalidade do anteprojeto de lei que cria a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual – Ancinav 1 Otavio Luiz Rodrigues Junior é Consultor Jurídico do Ministério das Comunicações. Ad- vogado da União. 1. Apresentação do problema. 2. Artigo 4 o , inciso VI: impossibilidade de controle indica- tivo simultâneo. 3. Artigos 7 o a 10: Conceito de atividade audiovisual. Distinção entre radio- difusão e telecomunicações. Comunicação so- cial. Comunicação de massa: conceito equívo- co no ordenamento jurídico brasileiro. Impro- priedade da amplitude conferida ao conceito de atividade audiovisual em face da Constitui- ção de 1988. 4. Artigo 12: A descaracterização constitucional do conceito de empresa brasi- leira e o estabelecimento de limites inconstitu- cionais ao exercício dos serviços de radiodifu- são e de telecomunicações. 5. Artigo 25: O so- fisma da separação entre redes físicas e produção de conteúdo. Prevalência do regime constitucio- nal dicotômico entre os serviços de telecomu- nicações e de radiodifusão. 6. Artigo 36: A op- ção constitucional por estabelecer um único órgão autárquico de controle e regulação dos serviços de telecomunicações. Inconstituciona- lidade da criação de outra agência para o exer- cício da mesma função típica. 7. Artigo 42: A função de controle de outorgas de serviços de radiodifusão e de telecomunicações e a incons- titucionalidade de sua interferência por uma nova agência reguladora. 8. Artigo 43: O con- trole de conteúdo e seu perfil constitucional. 9. Artigos 44 a 47: Interferência da Ancinav nas atribuições de outros entes. 10. Artigo 84: A inconstitucionalidade do uso do Fistel como receita do Funcinav. 11. Artigo 93: Descaracte- rização do sentido de concessionário de servi- ços de telecomunicações. 12. Conclusões. Sumário

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Brasília a. 43 n. 170 abr./jun. 2006 287

Otavio Luiz Rodrigues Junior

O regime jurídico-constitucional da radiodifusão e dastelecomunicações no Brasil em face do conceito deatividades audiovisuaisA inconstitucionalidade do anteprojeto de lei que cria aAgência Nacional do Cinema e do Audiovisual – Ancinav1

Otavio Luiz Rodrigues Junior é ConsultorJurídico do Ministério das Comunicações. Ad-vogado da União.

1. Apresentação do problema. 2. Artigo 4o,inciso VI: impossibilidade de controle indica-tivo simultâneo. 3. Artigos 7o a 10: Conceito deatividade audiovisual. Distinção entre radio-difusão e telecomunicações. Comunicação so-cial. Comunicação de massa: conceito equívo-co no ordenamento jurídico brasileiro. Impro-priedade da amplitude conferida ao conceitode atividade audiovisual em face da Constitui-ção de 1988. 4. Artigo 12: A descaracterizaçãoconstitucional do conceito de empresa brasi-leira e o estabelecimento de limites inconstitu-cionais ao exercício dos serviços de radiodifu-são e de telecomunicações. 5. Artigo 25: O so-fisma da separação entre redes físicas e produçãode conteúdo. Prevalência do regime constitucio-nal dicotômico entre os serviços de telecomu-nicações e de radiodifusão. 6. Artigo 36: A op-ção constitucional por estabelecer um únicoórgão autárquico de controle e regulação dosserviços de telecomunicações. Inconstituciona-lidade da criação de outra agência para o exer-cício da mesma função típica. 7. Artigo 42: Afunção de controle de outorgas de serviços deradiodifusão e de telecomunicações e a incons-titucionalidade de sua interferência por umanova agência reguladora. 8. Artigo 43: O con-trole de conteúdo e seu perfil constitucional. 9.Artigos 44 a 47: Interferência da Ancinav nasatribuições de outros entes. 10. Artigo 84: Ainconstitucionalidade do uso do Fistel comoreceita do Funcinav. 11. Artigo 93: Descaracte-rização do sentido de concessionário de servi-ços de telecomunicações. 12. Conclusões.

Sumário

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1. Apresentação do problema

O anteprojeto de lei que dispõe sobre a or-ganização de atividades audiovisuais, sobre oConselho Superior do Audiovisual, a AgênciaNacional do Cinema e do Audiovisual e dá ou-tras providências, elaborado no âmbito doMinistério da Cultura e da Casa Civil daPresidência da República, ensejou, desdelogo, fundas polêmicas técnico-jurídicas,empolgando acerbo debate na opinião pú-blica brasileira no ano de 2004.

Neste estudo, pretendeu-se apreciar osartigos do anteprojeto que tocavam o âmbi-to normativo peculiar ao Ministério dasComunicações. Em obediência a essas pre-missas, as razões seguintes representamuma visão tópica do anteprojeto, que se cir-cunscreve aos aspectos de maior intimida-de com os ofícios do Ministério das Comu-nicações, assim entendidos, sua função, suaestrutura, suas atribuições administrativase o espaço de incidência das normas consti-tucionais, legais e infralegais que lhes sãopróprias. Igualmente, contemplam-se os efei-tos supostos do anteprojeto, em idênticos li-mites, sobre a Agência Nacional de Teleco-municações – Anatel, autarquia vinculada, eque merecem indispensável curadoria.

Ante a exigüidade temporal de sua ela-boração, o estudo nem de longe exauriu otema, mas, evidentemente, contribuiu a umperlustrar mais reflexivo da norma em mi-nuta, suas projeções sobre o ordenamentojurídico brasileiro e as implicações de natu-reza técnica ou tecnológica. O exame decantavários artigos e pospõe-lhes o que se ponde-rou essencial, em termos de confronto legis-lativo e axiológico, especificamente por suainadequação, o que informa persistir a impe-ratividade de seu reestudo ou mesmo suasupressão. O que tocaria a outros plexos doPoder Executivo, especialmente à Presidên-cia da República e ao Ministério da Justiça,não foi cuidado, pois, com superior quali-dade e proficiência, seus representantes ofarão. Esse propósito foi exceptuado apenasnaquilo que se mostrou absolutamente in-

dispensável à harmonia e ao concerto mate-rial da Constituição da República.

A exposição atende a um método. Cadaum dos artigos do anteprojeto, que se vinca-rem aos pressupostos acima delineados,será objeto de uma secção específica, relati-vamente independente das demais, indigi-tando-se a assimetria peculiar. Quando pos-sível, recomenda-se a supressão ou a modi-ficação do texto, a fim de conservá-lo.

2. Artigo 4o, inciso VI: impossibilidadede controle indicativo simultâneo

“Art. 4o O Poder Público, no quese refere ao desenvolvimento e à regu-lação das atividades audiovisuais,tem o dever de:

(...)VI – estimular o estabelecimento,

pela sociedade, de sistemas de classi-ficação indicativa de obras e outrosconteúdos audiovisuais, bem assimde códigos de auto-regulamentação daprodução e veiculação de conteúdosaudiovisuais pelos meios de comuni-cação de massa, com a participaçãode representantes da sociedade civil eassociações de exploradores de ativi-dades audiovisuais;”

Esse artigo prevê uma modalidade pa-raestatal de controle dos “conteúdos audio-visuais”, expressão que, como se verá nassecções seguintes, possui caráter de extre-ma abrangência, alcançando até os progra-mas veiculados por concessionários de ser-viços de radiodifusão sonora e de imagens.

O art. 21, inciso XVI, da ConstituiçãoFederal define que compete à União classi-ficar, para efeito indicativo as diversõespúblicas e os programas de rádio e televi-são. Assim, o estabelecimento, pela socie-dade, dos chamados “sistemas de classifi-cação indicativa” interfere nas atribuiçõesadministrativas cometidas à União, vulne-rando os ofícios do Ministério das Comuni-cações, no tocante às sanções por conteúdo,e do Ministério da Justiça, mais designada-

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mente no que concerne à classificação indi-cativa.

Essa antinomia opera-se mediatamente noplano infralegal. O art. 29, alínea af, da Leino 4.117, de 27-8-1962 (Código Brasileiro deTelecomunicações) indigita que é atribuiçãodo Ministério das Comunicações, sucessordo CONTEL – Conselho Nacional de Tele-comunicações, fiscalizar o cumprimento,por parte das emissoras de radiodifusão,das finalidades e obrigações de programa-ção, definidas no art. 38 dessa lei. Por seuturno, o art. 28 do Decreto no 52.795, de 31-10-1963 (Regulamento dos Serviços de Ra-diodifusão do Código Brasileiro de Teleco-municações), assim prescreve:

“As concessionárias e permissio-nárias de serviços de radiodifusão,além de outros que o Governo julgueconvenientes aos interesses nacionais,estão sujeitas aos seguintes preceitos eobrigações: “11 – subordinar os pro-gramas de informação, divertimento,propaganda e publicidade às finalida-des educativas e culturais inerentes àradiodifusão; 12 – na organização daprogramação: a) manter um elevadosentido moral e cívico, não permitindoa transmissão de espetáculos, trechosmusicais cantados, quadros, anedotasou palavras contrárias à moral famili-ar e aos bons costumes; b) não trans-mitir programas que atentem contra osentimento público, expondo pessoasa situações que, de alguma forma, re-dundem em constrangimento, aindaque seu objetivo seja jornalístico; c) des-tinar o mínimo de 5% (cinco por cento)do horário de sua programação diáriaà transmissão de serviço noticioso; d)limitar ao máximo de 25% (vinte e cin-co por cento) do horário da sua pro-gramação diária o tempo destinado àpublicidade comercial; e) reservar 5(cinco) horas semanais para a trans-missão de programas educacionais; f)retransmitir, diariamente, das 19 (de-zenove) às 20 (vinte) horas, exceto aos

sábados, domingos e feriados, o pro-grama oficial de informações dos Po-deres da República, ficando reservados30 (trinta) minutos para divulgação denoticiário preparado pelas duas Casasdo Congresso, excluídas as emissorasde televisão; g) integrar gratuitamenteas redes de radiodifusão, quando con-vocadas pela autoridade competente;h) obedecer às instruções baixadas pelaJustiça Eleitoral, referentes à propagan-da eleitoral; i) não irradiar identifica-ção da emissora utilizando denomina-ção de fantasia, sem que esteja previa-mente autorizada pelo Ministério dasComunicações; j) irradiar o indicativode chamada e a denominação autori-zada de conformidade com as normasbaixadas pelo Ministério das Comuni-cações; l) irradiar, com indispensávelprioridade, e a título gratuito, os avi-sos expedidos pela autoridade compe-tente, em casos de perturbação da or-dem pública, incêndio ou inundação,bem como os relacionados com acon-tecimentos imprevistos; m) irradiar,diariamente, os boletins ou avisos doserviço meteorológico; n) manter em diaos registros da programação; 13 – ob-servar as normas técnicas fixadas peloMinistério das Comunicações para aexecução do serviço; (...) 17 – facilitar afiscalização, pelo Ministério das Co-municações, das obrigações contraí-das, prestando àquele órgão todas asinformações que lhe forem solicitadas.”

Prefigura-se incompatível, material e for-malmente, o inciso VI do art. 4o do antepro-jeto com a Constituição de 1988, estando amerecer supressão em parte.

3. Artigos 7o a 10: conceito de atividadeaudiovisual. Distinção entre

radiodifusão e telecomunicações.Comunicação social. Comunicação de

massa: conceito equívoco noordenamento jurídico brasileiro.

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Impropriedade da amplitude conferidaao conceito de atividade audiovisual em

face da Constituição de 1988

“Art. 7o Para os fins desta Lei ati-vidade audiovisual designa o conjun-to de ações e atividades que compõema produção e a oferta de obras audio-visuais cinematográficas e de outrosconteúdos audiovisuais a usuário ougrupos de usuários, determinável ounão.

§ 1o Compõem o conjunto de açõese atividades a que se refere o caput,entre outros:

I – a exploração, direta e indireta,comercial e não comercial, de qual-quer natureza e finalidade, por quais-quer meios, de obras cinematográficase outros conteúdos audiovisuais; e

II – o provimento de bens e servi-ços específicos para a produção deobras cinematográficas e outros con-teúdos audiovisuais.

“Art. 8o Considera-se exploradorde atividade audiovisual, sujeito aodisposto nesta Lei, qualquer pessoaou grupo de pessoas, natural ou jurí-dica, que exerça, direta ou indireta-mente, atividade classificada comoaudiovisual.

§ 1o A exploração de atividade au-diovisual será regulada pela Ancinav,inclusive quando realizada porprestadora de serviço de telecomu-nicações.

(...).“Art. 9o Conteúdo Audiovisual é o

produto da fixação ou transmissão deimagens, com ou sem som, que tenhaa finalidade de criar a impressão demovimento, independentemente dosprocessos de captação, da tecnologiaempregada, do suporte utilizado ini-cial ou posteriormente para fixá-la outransmiti-las, ou dos meios utilizadospara sua veiculação, reprodução,transmissão ou difusão.

“Art. 10. Obra audiovisual é a fi-xação ou transmissão de conteúdoaudiovisual em um tempo de duraçãodeterminado.

(...)§ 4o A Ancinav definirá outras mo-

dalidades de obras audiovisuais econteúdos audiovisuais em função desua nacionalidade, natureza, finali-dade, forma, âmbito de exploração,meio de suporte e transmissão, tecno-logia empregada e outros atributos.”

Esses dispositivos encerram o punctumsaliens do anteprojeto, no que se refere à suainadequação.

Conceitua-se “atividade audiovisual”como sendo “o conjunto de ações e atividadesque compõem a oferta de obras cinematográ-ficas e de outros conteúdos audiovisuais ausuários ou grupos de usuários, determi-nável ou não”. Conglobando-a vêm as ex-pressões prestadores de serviço de telecomuni-cação, captação ou transmissão de imagens. Emsuma, confundiram-se três tipologias jurí-dicas absolutamente distintas (telecomuni-cações, radiodifusão e criação), subordinan-do pessoas jurídicas e naturais de caracte-res totalmente diversos, submetidos a regi-mes constitucionais próprios, a um novo eincompatível sistema de princípios, regrase sanções.

Na doutrina, não é recente a tentativa deabrandar as fronteiras práticas e teóricasentre a radiodifusão, as telecomunicações ea criação literário-jornalística. Há inclusiveuma expressão mais consolidada, a chama-da “comunicação de massa”, inspirada nodireito norte-americano.

Observe-se, porém, que até mesmo a “co-municação de massa” é alvo de censuraspor ser tida como excessivamente plurívocae, portanto, parcialmente inadequada a finsjurídicos. Mais ainda, dissociada do regimeconstitucional brasileiro. Seu conceito é vagoe incerto. Tal pode ser constatado na dou-trina mais atualizada (Cf. BITELLI, 2004, p.101), bem assim mediante simples pesquisanas normas legais e infralegais vigentes.

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Impera, nesse sentido, uma expressiva in-certeza onomástica. Somente a título deexemplo, o Decreto no 639 de 24-8-1992, quepromulga o Acordo sobre Cooperação Cul-tural entre o Governo da República Federa-tiva do Brasil e o Governo da República daPolônia, em seu art. 3o, afirma que: “As Par-tes promoverão também o desenvolvimentoda cooperação no âmbito das ciências hu-manas, ensino superior e educação, meiosde comunicação de massa, esporte e inter-câmbios juvenis, mediante: e) apoio à coo-peração entre os meios de comunicação de mas-sa, como rádio, televisão, órgãos de imprensa,redações e associações de jornalistas de ambos ospaíses, além de apoio ao intercâmbio de progra-mas de rádio e televisão, principalmente progra-mas culturais e educativos”.

O Decreto no 73.719, de 1-3-1974, quepromulga o Acordo sobre Cooperação Cul-tural entre o Brasil e a Nigéria, também éplurívoco ao determinar que:

“Art. 4.1. Cada Parte Contratanteencorajará, na medida do possível, ummelhor conhecimento da civilizaçãoe da cultura da outra Parte através dointercâmbio de livros, periódicos, pu-blicações científicas, revistas, jornais,fotografias, filmes e fitas magnéticas,bem como de informações e dados es-tatísticos que possam ajudar a conhe-cer o desenvolvimento de cada ParteContratante no território da outra.

2. As Partes Contratantes coope-rarão igualmente na produção de fil-mes e no domínio da comunicação demassa através do encorajamento dointercâmbio de material jornalístico,de rádio e de televisão, bem como defilmes e gravações musicais.”

O Decreto no 337 de 11-11-1991, que pro-mulga o Acordo Cultural entre o Governoda República Federativa do Brasil e o Go-verno da República Democrática de SãoTomé e Príncipe, do mesmo modo incorrenesse desvio terminológico: “2. Com a fina-lidade de cooperação no domínio da comu-nicação de massa, as Partes Contratantes se

comprometerão a organizar programas parao intercâmbio de filmes, de material jorna-lístico, de rádio e televisão, bem como dematerial cinematográfico”.

Para exalçar essa tese, a Lei no 9.709, de18-11-1998, que regulamenta a execução dodisposto nos incisos I, II e III do art.14 daConstituição Federal, igualmente se vale doconceito de meio de comunicação de massa (di-ferentemente de serviço). Em seu art. 8o, a leidefine os meios de comunicação de massacomo concessionários de serviço público,abrangendo ainda os serviços de radiodifu-são sonora e de imagens: “assegurar a gratui-dade nos meios de comunicação de massa conces-sionários de serviço público, aos partidos polí-ticos e às frentes suprapartidárias organi-zadas pela sociedade civil em torno da maté-ria em questão, para a divulgação de seuspostulados referentes ao tema sob consulta.”

O Decreto no 2.338, de 7-10-1997, queaprovou o Regulamento da Agência Nacio-nal de Telecomunicações, em seu art. 61,menciona a Superintendência de Serviçosde Comunicação de Massa.

A Constituição Federal de 1988 não gri-fou essa terminologia, exceto em seu Ato dasDisposições Transitórias, quando predicaque:

“Art. 2o No dia 7 de setembro de1993 o eleitorado definirá, através deplebiscito, a forma (república ou mo-narquia constitucional) e o sistema degoverno (parlamentarismo ou presi-dencialismo) que devem vigorar noPaís.

* O plebiscito de que trata este Ar-tigo teve sua data mudada para 21 deabril de 1993, por força da EmendaConstitucional de Revisão no 2, de 25-8-1992.

§ 1o Será assegurada gratuidadena livre divulgação dessas formas esistemas, através dos meios de comuni-cação de massa cessionários de serviçopúblico.

§ 2o O Tribunal Superior Eleitoral,promulgada a Constituição, expedirá

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as normas regulamentadoras desteartigo.”

E, posteriormente, ainda cuidando doplebiscito quanto à forma e ao sistema degoverno, na Emenda Constitucional de Re-visão no 2, de 25-8-1992, em seu artigo úni-co:

“Artigo único. O plebiscito de quetrata o art. 2o do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias realizar-se-á no dia 21 de abril de 1993.

§1o A forma e o sistema de governodefinidos pelo plebiscito terão vigên-cia em 1o de janeiro de 1995.

§2o A lei poderá dispor sobre a re-alização do plebiscito, inclusive sobrea gratuidade da livre divulgação dasformas e sistemas de governo, atravésdos meios de comunicação de massa con-cessionários ou permissionários deserviço público, assegurada igualda-de de tempo e paridade de horários.

§3o A norma constante do parágra-fo anterior não exclui a competênciado Tribunal Superior Eleitoral paraexpedir instruções necessárias à rea-lização da consulta plebiscitária.”

É nítido que o uso do termo comunicaçãode massa, desacompanhado de uma estrutu-ra infralegal específica, somente trouxe e tra-rá incertezas e imprecisões à compreensãode seu conteúdo, seja por seu conceito ex-cessivamente amplo, seja por sua vacuida-de, ao exemplo das várias indicções acimatranscritas. Note-se que, buscando a origemdo termo no direito norte-americano, ressu-ma sua amplitude objetiva. Donald E. Lively(1992, p.1) dá a exata noção disso ao escre-ver que:

“The terms of the First Amendmentwere constitutionally fixed two cen-turies ago. Since then, the means forcommunicating information havemultiplied in exponential fashion.Nearly 150 years after the First Amen-dment was ratified, the SupremeCourt depicted the press in terms ofnewspapers, periodicals, pamphlets,

and leaflets. Even that characterizati-on is underinclusive and hence obso-lete for modern purposes, given thesubsequent development of broadcas-ting, cable, satellites, telecommunica-tions, and computers.

Media law commences with thedeceptively simple premise that ‘Con-gress shall make no law (...) abridgingthe freedom of speech, or of the press.’Governance has become detailed,complex, and even contradictory asthe media have been progressively re-defined and augmented. Until thiscentury, mass communication prima-rily was a function of the printingpress. Technology in general and elec-tronification in particular have acce-lerated the processing and movementof information. What until recentlywere recognized as unique and legallysignificant capabilities and characte-ristics of various media, and the basisfor media-specific regulation, increa-singly are suspect as methodologiesof processing and disseminating in-formation become increasingly fungi-ble.”

A terminologia encontrada no antepro-jeto padece dos mesmos e severos defeitosda mencionada expressão, aqui utilizadaapenas para referir que a mudança do regi-me jurídico que biparte radiodifusão e tele-comunicações está a merecer um diplomaespecífico, com finalidades próprias, capazde solver todas as intrincadas questões tec-nológicas e jurídicas em implicação – pola-ridade. Em resumo, haveria a necessidadede uma harmonia constitucional prévia, li-berando ou não os obstáculos jurídicos, quese fundam, bem ou mal, em pressupostostecnológicos. O fato de estes últimos esta-rem superados não implica dizer que os li-mites constitucionais mereçam o desprezodo legislador ordinário, até porque há con-seqüências políticas de notória gravidade,ao estilo das regras de controle acionáriodas concessionárias de radiodifusão, ina-

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plicáveis aos executores de serviços de tele-comunicações.

Nada impede que o anteprojeto cuide doaudiovisual, desde que o faça sem alterar o re-gime jurídico próprio da radiodifusão e das tele-comunicações. Tal se justifica não pelo apegoatávico ao passado ou a padrões notoria-mente avoengos. Apenas e tão-somentequer-se dizer que não é o escopo do ante-projeto, nem este tem abrangência, especifi-cidade e condições para tanto, a subversãode todo um sistema estruturado em reparti-ção de competências, que envolve o PoderExecutivo e o Poder Legislativo.

De fato, o Código Brasileiro de Teleco-municações, instituído pela Lei no 4.117, de27-8-1962, e o Regulamento de Serviços deRadiodifusão, aprovado pelo Decreto no

52.795, de 31-10-1963, já definem o Serviçode Radiodifusão. Consideram-no comoaquele a ser recebido direta e livremente pelopúblico em geral, compreendendo a trans-missão de sons (radiodifusão sonora) e atransmissão de sons e imagens (televisão).Leia-se:

“Art. 4o Para os efeitos desta lei,constituem serviços de telecomunica-ções a transmissão, emissão ou recep-ção de símbolos, caracteres, sinais,escritos, imagens, sons ou informa-ções de qualquer natureza, por fio,rádio, eletricidade, meios óticos ouqualquer outro processo eletromagné-tico.

Telegrafia é o processo de teleco-municação destinado à transmissãode escritos, pelo uso de um código desinais.

‘Telefonia é o processo de teleco-municação destinado à transmissãoda palavra falada ou de sons.’ (Códi-go Brasileiro de Telecomunicações –Lei no 4.117, de 27-8-1962)

“Art.1o Os serviços de radiodifu-são, compreendendo a transmissão desons (radiodifusão sonora) e a trans-missão de sons e imagens (televisão),a serem direta e livremente recebidas

pelo público em geral, obedecerão aospreceitos da Lei no 4.117, de 27 deagosto de 1962, do Decreto no 52.026,de 20 de maio de 1963, deste Regula-mento e das normas baixadas peloMinistério das Comunicações, obser-vando, quanto à outorga para execu-ção desses serviços, as disposições daLei no 8.666, de 21 de junho de 1993.

Parágrafo único. Os serviços de ra-diodifusão obedecerão, também, àsnormas constantes dos atos interna-cionais em vigor e dos que no futurose celebrarem, referendados pelo Con-gresso Nacional”. (Regulamento deServiços de Radiodifusão – Decreto no

52.795, de 31-10-1963)Por sua vez, a Lei no 9.472, de 16-7-1997,

em seu art. 60, define Serviço de Telecomu-nicação como o conjunto de atividades quepossibilita a oferta de telecomunicação, sen-do que esta é a transmissão, emissão ou re-cepção, por fio, radioeletricidade, meios óp-ticos ou qualquer outro processo eletromag-nético, de símbolos, caracteres, sinais, escri-tos, imagens, sons ou informações de qual-quer natureza.

Os serviços de radiodifusão timbram-sepela transmissão de sons ou a transmissãode sons e imagens, destinada à recepçãodireta e livre pelo público, através dos apa-relhos receptores. Compete privativamenteà União legislar e dispor sobre tais serviços,fazendo-o, no último caso, mediante execu-ção direta, concessão, permissão ou autori-zação (art. 10, Código Brasileiro de Teleco-municações).

A Constituição da República estabeleceuma dicotomia entre serviços de radiodifu-são e de telecomunicações, embora estes úl-timos possam ser vislumbrados numa rela-ção gênero-espécie ante os primeiros. De fei-to, as telecomunicações caracterizam-sepela transmissão, emissão ou recepção desímbolos, caracteres, sinais, escritos, ima-gens, sons ou informações de qualquer na-tureza, por fio, rádio, eletricidade, meiosópticos ou qualquer outro processo eletro-

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magnético. A telegrafia (transmissão de es-critos, pelo uso de código de signos), a tele-fonia (transmissão de sons) e a transmissãode dados são espécies do gênero telecomu-nicações. A essência da radiodifusão en-contra-se na idéia de transmissão gratuita departículas sonoras ou sonorovisuais no espectroradioelétrico, sem qualquer restrição aos seusdestinatários. Em regra, essas partículas ouondas são propagadas no éter, sem guia es-pecial, a partir de suas geradoras. A gratui-dade e a generalidade da recepção timbrame diferenciam os serviços de radiodifusão.Os concessionários, permissionários e au-torizatários devem, quando for o caso, obtersua remuneração por meios próprios (pu-blicidade ou apoios culturais). A título deexemplo quanto a essa distinção, figure-seo chamado “serviço especial de televisão porassinatura”, definido pelo Decreto no 95.744,de 23-2-1988, como sendo aquele “destina-do a distribuir sons e imagens a assinantes,por sinais codificados, mediante utilizaçãode canais do espectro radioelétrico, permiti-da, a critério do poder concedente, a utiliza-ção parcial sem codificação”. Ressalvando-se que “não constitui TVA o encaminha-mento de sinais codificados às suas esta-ções repetidoras ou retransmissoras, porparte de concessionárias de serviços de ra-diodifusão de sons e imagens” (art. 2o). Arestrição ao acesso pelo uso de sinais codi-ficados permitiu sua qualificação jurídicacomo serviço de telecomunicações.

Desse modo, não basta sinalar que aconvergência tecnológica derruiu essas fron-teiras, igualando os serviços de radiodifu-são com os serviços de telecomunicações.Ora, entre esses já persistia um liame genus-espes, qualificando-se os últimos como con-tinentes dos primeiros. Essa escolha, que seevidencia no Regulamento de Serviços deRadiodifusão (art. 5o, inciso 22, “Radiodi-fusão: é o serviço de telecomunicações quepermite a transmissão de sons – radiodifu-são sonora – ou a transmissão de sons eimagens – televisão –, destinada a ser diretae livremente recebida pelo público”), demar-

cou a vontade do constituinte de 1988, quan-do foram redigidos os incisos XI e XII de seuart. 21:

“Art. 21. Compete à União:(...)XI – explorar, diretamente ou me-

diante autorização, concessão ou per-missão, os serviços de telecomunica-ções, nos termos da lei, que disporásobre a organização dos serviços, acriação de um órgão regulador e ou-tros aspectos institucionais;

XII – explorar, diretamente ou me-diante autorização, concessão ou per-missão:

a) os serviços de radiodifusão so-nora e de sons e imagens;

(...)”Não é constitucionalmente cabível tor-

nar indistintos esses serviços, colocando-osdebaixo do conceito de conteúdo audiovisual.O anteprojeto define-o como “o produto dafixação ou transmissão de imagens, com ousem som, que tenha a finalidade de criar aimpressão de movimento, independente-mente dos processos de captação, da tecno-logia empregada, do suporte utilizado ini-cial ou posteriormente para fixá-la ou trans-miti-las, ou dos meios utilizados para suaveiculação, reprodução, transmissão ou di-fusão” (art. 9o). Não apenas. A expressãomediante conteúdos audiovisuais poderáser controlada pela Ancinav, se realizadapor “prestadora de serviço de telecomuni-cações” (art. 8o, parágrafo primeiro, antepro-jeto). Além disso, tais conceitos traduzem,de forma literal, aquelas contidas no Regu-lamento de Radiocomunicações da UniãoInternacional de Telecomunicações – UIT,órgão da Organização das Nações Unidas– ONU do qual o Brasil é estado-Membro.Esse regulamento, elaborado e aprovadopor seus integrantes, constitui um conjun-to de normas equivalentes a um tratadointernacional, pelo que se regem a utili-zação e a exploração dos serviços de tele-comunicações e de radiodifusão em 189nações.

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Assim está definido no Regulamento deRadiocomunicações da UIT:

“Telecomunicação: qualquer trans-missão, emissão ou recepção de sím-bolos, sinais, textos, imagens e sonsou informação de qualquer naturezapor fio, rádio, meios ópticos ou qual-quer outro sistema eletromagnético.

Radiocomunicação: telecomunica-ção por meio de ondas de rádio.

Serviço de Radiodifusão: serviço deradiocomunicação no qual as trans-missões são destinadas à recepçãodireta pelo público em geral.”

Confrontando essas definições com ascontidas no caput do art. 7o e no art. 9o doanteprojeto, observa-se haver nítida simili-tude entre as mesmas, levando-se a afirmarque a atividade audiovisual é espécie dogênero serviços de telecomunicações (televi-são por assinatura) e serviço de radiodifusãode sons e imagens (televisão aberta), ou seja,dizem respeito à exploração dos serviçospúblicos referidos no art. 21, incisos XI e XII,alínea a, da Constituição da República. Ocor-re, porém, que esses serviços acham-se naesfera de atribuição do Ministério das Co-municações e da Anatel.

Em sendo admitido o anteprojeto, os ser-viços de radiodifusão de sons e imagens ede telecomunicações, definidos constituci-onalmente (art. 21, inciso XI e inciso XII, alí-nea a), tornar-se-iam “atividades audiovi-suais”. E, o mais grave, aqueles serviços,por natureza públicos e explorados direta-mente ou indiretamente pela União, perde-riam esse caracter, assumindo feições assi-métricas aos cânones da própria Constitui-ção Federal.

Por natural decorrência, os concessioná-rios, permissionários e autorizatários da-queles serviços públicos e a própria União,quando em exploração direta, passariam aser “exploradores de atividade audiovisu-al”, sujeitando-se aos termos deste antepro-jeto e não aos da Lei no 9.472/1997, que dis-ciplina em todos os seus aspectos os servi-ços de telecomunicações, e aos da Lei no

4.117/1962, que rege os serviços de radio-difusão. Desnecessário enaltecer a pletorade questionamentos judiciais ensejados apartir dessa conversão substancial da qualifi-cação jurídica dos serviços públicos de radio-difusão e de telecomunicações em “ativida-de audiovisual”.

Destaque-se, ademais, no caso específi-co dos serviços de telecomunicações, o queprescreve o §1o do art. 8o do anteprojeto: aatividade audiovisual será regulada pelaAncinav, inclusive quando realizada porprestadora de serviços de telecomunicações.Retira-se, dessa forma, a competência daAnatel, estabelecida na Lei no 9.472/1997,art. 19, de regular esses serviços de teleco-municações, expedindo as normas pertinen-tes.

A inconstitucionalidade é por demaisretumbante.

Veja-se o problema sobre outro aspecto.O art. 21 da Constituição Federal define seratribuição da pessoa jurídica de direito pú-blico interno titular da soberania nacional,a União, “explorar, diretamente ou median-te autorização, concessão ou permissão, osserviços de telecomunicações, nos termos dalei, que disporá sobre a organização dos servi-ços, a criação de um órgão regulador e outrosaspectos institucionais” (inciso XI).

A citada norma constitucional foi alte-rada pela Emenda no 8, de 15-8-1995, parapermitir que lei específica (a indicção aludeaos “termos da lei”) regesse os serviços detelecomunicações e, com maior destaque, aofim de possibilitar a instituição de um órgãoregulador. Não se cuidou de órgão regulador,o que, numa interpretação extensiva, per-mitiria imaginar a divisão desse mister comoutro plexo. Tratou-se de um órgão regula-dor, a significar a concentração desses mis-teres em um único ente, tamanha sua inter-ferência em um dos mais importantes seto-res da vida econômica nacional. É lícito con-cluir, portanto, que admitir seja estabeleci-do outro agente regulador (sob a forma deautarquia especial), além do já existente, éinconstitucional. Cabível seria, v.g., mudar

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a estrutura jurídica da Anatel. No entanto,ao lume do art. 21, inciso XI, nenhum outroente poderá assenhorar-se, mesmo em con-domínio funcional, das já amplas atribui-ções daquela agência.

No tocante aos serviços de radiodifusão,não se olvide que a outorga e a renovaçãode suas concessões e permissões, segundoo perfil que lhes foi delineado no texto cons-titucional vigorante (art. 223), constituem-se em atos administrativos compostos, osquais resultam “da manifestação de dois oumais órgãos, em que a vontade de um é ins-trumental em relação à de outro, que edita oato principal. Enquanto no ato complexofundam-se vontades para praticar um atosó, no ato composto praticam-se dois atos,um principal e um acessório; este últimopode ser pressuposto ou complementar da-quele” (DI PIETRO, 2000, p. 207). Em senti-do aproximado: MEIRELLES, 2000, p. 162;CARVALHO FILHO, 2001, p. 102. A dou-trina italiana refere tão-somente os atos com-plexos (DONATTI, 1903) e os autores fran-ceses preferem a terminologia atos-condição(JÈZE, 1935, p. 44).

O constituinte revelou imensa preocupa-ção com o papel social, político e econômicodessas concessões, permissões e autoriza-ções, imputando ao Poder Executivo a res-ponsabilidade por sua outorga e renovação,mas cometendo ao Legislativo a função deatribuir eficácia àqueles atos. Até mesmo afunção jurisdicional foi evocada, na medi-da em que o §4o do art. 223 da Constituiçãode 1988 prescreve que “o cancelamento daconcessão ou permissão, antes de vencido oprazo, depende de decisão judicial”. A ju-risprudência do Tribunal Federal da 3a Re-gião definiu adequadamente essa distribui-ção de prerrogativas: “É da competência doExecutivo, com posterior aprovação do Le-gislativo, a outorga e renovação das conces-sões, permissões e autorizações para o ser-viço de radiodifusão sonora e de sons e ima-gens (CF/88, art. 223 e parágrafo primeiro).O cancelamento, antes de vencido o prazo,da concessão ou permissão, depende de

decisão judicial” (4a Turma. AMS no

89.03.030145/SP. Rel. o Sr. Juiz. OLIVEIRA

LIMA. Decisão de 12-9-1990).A Comunicação Social, exercida por meio

de concessionárias, permissionárias e au-torizatárias de serviços de radiodifusão,ocupa um status diferenciado no regime ju-rídico contemporâneo. A Constituição aten-ta para o caráter deletério do uso nocivo dosmeios de comunicação, criando mecanismosde controle programático ou político (arts.221 e 222, CF/1988). Mais ainda, perfilhouum caminho de estabilizar essa Comunica-ção Social, restringindo a interferência esta-tal em seu exercício.

Pode-se enunciar um princípio da míni-ma intervenção nas concessões, permissões e au-torizações de radiodifusão, ao menos no queconcerne ao ato extremo de obviar seu exer-cício. Trata-se de uma outra faceta do com-promisso histórico do constituinte de 1988com os valores democráticos no âmbito doDireito da Comunicação, por tanto tempoobnubilados, que perpassa até mesmo peloamplo espectro da liberdade de expressão ede pensamento, vedada qualquer forma decensura, ao exemplo do art. 5o, incisos IV eIX c/c art. 220, §2o, CF/1988 (BASTOS, 1997,p. 48; MAMEDE, 1999, p. 55). Não é por ou-tro motivo que, de modo extremamente re-velador quanto à opção por esse primado,“a Constituição Federal ignorou a tradicio-nal diferença conceptual entre os institutosda concessão e permissão, ligada, basica-mente, à precariedade da permissão, poisexigiu, em ambos os casos, que a não-reno-vação dependesse de aprovação de, no mí-nimo, dois quintos do Congresso Nacional,em votação nominal” (MORAES, 2004, p.2050).

O Poder Executivo e o Poder Legislativo,cada qual a seu modo, foram erigidos à con-dição de titulares do poder-dever de outor-ga das concessões, permissões e autoriza-ções. Como efígies diferentes de uma mes-ma moeda, àquelas funções do Estado com-pete não apenas instituir esses vínculosadministrativo-constitucionais com os exe-

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cutores dos serviços de radiodifusão, bemainda, e de modo não menos importante,velar para seu exercício livre e infenso a posturasindevidamente restritivas (ROCA, 1998, p. 7).

Daí a importância não apenas normativamas axiológica de ser cuidado, em leis dis-tintas e com diferentes aspectos, tudo o quepertine à criação artística e seus meios de difu-são, ainda que esses venham a ser chama-dos de serviços de comunicação de massa,abrangendo até mesmo a imprensa. O quenão se prefigura útil nem conveniente é aimersão de todos esses conceitos num úni-co escopo legislativo, com tão específicas etemerárias conseqüências.

Finalmente, algumas considerações so-bre o conceito de atividade audiovisual emface do Direito Comparado e das previsõesencontradas no ordenamento jurídico bra-sileiro.

O chamado “Direito Audiovisual” ou“Direito do Audiovisual” (Audiovisual Law)tem-se desenvolvido recentemente, de modoespecial em Espanha e França. EnriqueLinde Paníagua e José Maria Vidal Beltrán(2003), destacados próceres dessa nova dis-ciplina em Espanha, apresentam uma defi-nição que expõe claramente o avanço objetivodo Direito Audiovisual sobre as esferas temáti-cas constitucionalmente repartidas e inerentes aoMinistério das Comunicações. A tanto, essamatéria é:

“dedicada a la intervención delEstado en los operadores de la radio,la televisión y la cinematografía, asícomo al régimen jurídico de lasemisiones audiovisuales. En primerlugar se estudian las razones delintervencionismo público así como lautilización de la técnica del serviciopúblico para el acceso a la actividadradiotelevisiva para, posteriormente,analizar de modo pormenorizado lascondiciones del acceso al ejercicio delas actividades radio-televisivas, ypor consiguiente la regulación de latelevisión pública en sus distintasmodalidades, de la televisión priva-

da, de las televisiones locales, de latelevisión vía satélite y de la televisiónpor cable. También en este lugar seestudia la radiodifusión sonora y laregulación de la cinematografía enEspaña. Por lo que se refiere a lasemisiones audiovisuales se analizanlos derechos y libertades relacionadoscon las emisiones audiovisuales(libertades de expresión e información,libertades y derechos de emisiónyrecepción, derecho al honor, derechode rectificación, derechos relaciona-dos con la propiedad intelectual yderechos conexos), así como lanormativa sobre programación(emisión de obras cinematográficas,normas sobre público infantil,emisiones violentas, acontecimientosde interés general, acceso de los gru-pos sociales y políticos significativos,procesos electorales) y normas sobrepublicidad (inserciones y cortespublicitarios, publicidad infantil ynormas específicas sobre productos).Al hilo de las regulaciones referidasanteriormente se estudia la potestadsancionadora de la Administración,así como la protección de los derechosfundamentales ylibertades públicas,de los consumidores y de la infancia.”

Interessante observar que a Lei no 86-1067, de 30-9-1986, publicada no BoletimOficial da República Francesa de 1o de ou-tubro de 1986, que dispõe sobre a liberdadede comunicação, trata exatamente do con-ceito de “comunicação audiovisual”.

Essa lei, aprovada no início da adminis-tração do Presidente François Miterrand, emseu art. 1o, estabelece o Conselho Superiordo Audiovisual, qualificado como “autori-dade independente” (autorité indépendante),composto por “nove membros nomeadospor decreto do Presidente da República. Trêsmembros serão nomeados pelo Presidenteda República, três membros serão designa-dos pelo Presidente da Assembléia Nacio-nal e três membros pelo Presidente do Sena-

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do” (art. 4o). No original: “Le Conseil supé-rieur de l’audiovisuel comprend neuf mem-bres nommés par décret du Président de laRépublique. Trois membres sont désignéspar le Président de la République, troismembres sont désignés par le président del’Assemblée nationale et trois membres parle président du Sénat.”

Em França, esse Conselho do Audiovi-sual possui funções de tal relevo que suacomposição foi compartida entre os três Po-deres da República. Essa fórmula simples-mente revela que a intervenção desse comi-tê nos meios de comunicação é tamanha quese fez necessária a distribuição de respon-sabilidades entre os delegatários diretos dalegitimidade popular. Anote-se que o con-ceito de “comunicação audiovisual”, encon-tradiço no art. 2o da lei francesa, abrangetoda comunicação ao público por meio deserviços de rádio ou de televisão, em suasdiversas modalidades, postas ao dispor des-se mesmo público por via eletrônica ou não(“On entend par communication audiovi-suelle toute communication au public deservices de radio ou de télévision, quelles quesoient les modalités de mise à dispositionauprès du public, ainsi que toute communi-cation au public par voie électronique de ser-vices autres que de radio et de télévision...”).

O art. 2o estabelece as categorias comuni-cação eletrônica e comunicação audiovisual, estauma espécie daquela:

“On entend par communicationsélectroniques les émissions,transmissions ou réceptions designes, de signaux, d’écrits, d’imagesou de sons, par voieélectromagnétique.

On entend par communicationau public par voie électronique toutemise à disposition du public ou decatégories de public, par un procédéde communication électronique, designes, de signaux, d’écrits, d’images,de sons ou de messages de toute naturequi n’ont pas le caractère d’unecorrespondance privée.

On entend par communicationaudiovisuelle toute communication aupublic de services de radio ou detélévision, quelles que soient lesmodalités de mise à disposition auprèsdu public, ainsi que toutecommunication au public par voieélectronique de services autres que deradio et de télévision et ne relevant pasde la communication au public en lignetelle que définie à l’article 1er de la loino 2004-575 du 21 juin 2004 pour laconfiance dans l’économie numérique.

Est considéré comme service detélévision tout service decommunication au public par voieélectronique destiné à être reçusimultanément par l’ensemble dupublic ou par une catégorie de public etdont le programme principal estcomposé d’une suite ordonnéed’émissions comportant des images etdes sons.

Est considéré comme service deradio tout service de communicationau public par voie électroniquedestiné à être reçu simultanément parl’ensemble du public ou par unecatégorie de public et dont leprogramme principal est composéd’une suite ordonnée d’émissionscomportant des sons.

Les services audiovisuelscomprennent les services decommunication audiovisuelle telleque définie à l’article 2 ainsi quel’ensemble des services mettant àdisposition du public ou d’unecatégorie de public des oeuvresaudiovisuelles, cinématographiquesou sonores, quelles que soient lesmodalités techniques de cette mise àdisposition.”

A Lei no 86-1067, de 30-9-1986, e issodeve ser grandemente considerado, foi bai-xada sob a égide de um Ministro da Cultura edas Comunicações, François Léotard, que em-presta seu nome ao diploma. Em suma, as

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duas atividades estavam reunidas numaúnica pasta. Note-se que os excessos da LeiLéotard foram recentemente expungidospela edição de novas indicções ab-rogatóri-as ou derrogatórias de seus preceitos origi-nais (Lei no 2004-669, de 9-7-2004, e Lei no

2000-719, de 1o-10-2000). Diversas normasrestritivas à liberdade de comunicação ouexcessivamente intervencionistas forammodificadas.

Mas, ainda há mais. No direito positivobrasileiro, tem-se um conceito de audiovi-sual. E é diverso do que ora se pretende apre-sentar ao Parlamento. O Decreto no 972, de4-11-1993, que promulga o Tratado sobre oRegistro Internacional de Obras Audiovisu-ais, concluído em Genebra, em 18 de abrilde 1989, aprovado pelo Decreto Legislativono 94, de 23-12-1992 – DOU de 29-12-1992,tendo entrado em vigor internacional em 27-12-1991 e, para o Brasil, em 26-6-1993, as-sim define obra audiovisual:

“Art. 2o Para efeitos deste Tratado,entende-se por ‘obra audiovisual’ todaobra que consista em uma série de ima-gens fixas ligadas entre si, acompanha-das ou não de sons, passível de tornar-sevisível e, caso seja acompanhada de sons,passível de tornar-se audível.”

Aqui se não contemplam as idéias detransmissão ou difusão, caríssimas aos con-ceitos de telecomunicações e de radiodifu-são, tais como constitucional e legalmentedelineados no Brasil. A prevalecer a noçãode “atividade audiovisual”, conforme o an-teprojeto, restaria evidente a incompatibili-dade da nova lei com aquele tratado, a cujaobservância vinculou-se a República.

Ante esses aspectos, deveriam ser supri-midas dos arts. 7o a 10 quaisquer referênci-as sobre radiodifusão e telecomunicações,bem como as expressões que se possam con-fundir com esses serviços e suas respecti-vas qualificações jurídicas (exempli gratia, oinciso I do §1o do art. 7o; o §1o do art. 8o; o art.9o), mantendo-se o conceito de atividadeaudiovisual naquilo que concerne a seusnaturais lindes.

4. Artigo 12: a descaracterizaçãoconstitucional do conceito de empresa

brasileira e o estabelecimento de limitesinconstitucionais ao exercício dos

serviços de radiodifusão e detelecomunicações

“Art. 12. Para os fins desta Lei,empresa brasileira é aquela constituí-da sob as leis brasileiras, com sede eadministração no País, cuja maioriado capital total e votante seja de titu-laridade direta ou indireta de brasi-leiros, os quais devem exercer em ter-ritório nacional, de fato e de direito,as funções editoriais, de seleção e di-reção da programação, bem como opoder de direção sobre as ativida-des sociais e funcionamento das em-presas.

§ 1o O funcionamento da empresacompreende, entre outros aspectos, oplanejamento empresarial e a defini-ção de políticas econômico-financei-ras, tecnológicas, de programação,inclusive quanto ao seu empacota-mento, de distribuição, de mercado ede preços e descontos.

§ 2o A Ancinav expedirá normaspara a apuração de controle sobre asempresas que exploram atividadesaudiovisuais para assegurar o cum-primento do disposto nesta Lei.”

Esse artigo é outro exemplo da inconve-niência de considerar os concessionários,permissionários e autorizatários de servi-ços de radiodifusão e de serviços de teleco-municações como “exploradores de ativida-des audiovisuais”, nos termos desse ante-projeto.

Ora, conforme a indicção em minuta,podem explorar atividades audiovisuais asempresas brasileiras definidas no caput doart. 12.

No entanto, ao estilo do art. 222 da Cons-tituição Federal (redação dada pela EC no

36, de 28-5-2002), somente podem explorarserviços de radiodifusão sonora ou de sons e ima-

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gens as empresas constituídas sob as leis brasi-leiras e que tenham sede no País, cujo capitaltotal e votante pertença, em pelo menos setentapor cento, a brasileiros natos ou naturalizadoshá mais de dez anos. A Lei no 10.610, de 20-12-2002, assim define a participação nessasempresas:

“Art. 2o A participação de estran-geiros ou de brasileiros naturalizadoshá menos de dez anos no capital soci-al de empresas jornalísticas e de radiodifu-são não poderá exceder a trinta por cen-to do capital total e do capital votantedessas empresas e somente se dará deforma indireta, por intermédio de pes-soa jurídica constituída sob as leis bra-sileiras e que tenha sede no País.

§ 1o As empresas efetivamente con-troladas, mediante encadeamento deoutras empresas ou por qualquer outromeio indireto, por estrangeiros ou porbrasileiros naturalizados há menos dedez anos não poderão ter participaçãototal superior a trinta por cento no ca-pital social, total e votante, das empre-sas jornalísticas e de radiodifusão.

§ 2o É facultado ao órgão do PoderExecutivo expressamente definidopelo Presidente da República requisi-tar das empresas jornalísticas e dasde radiodifusão, dos órgãos de regis-tro comercial ou de registro civil daspessoas jurídicas as informações e osdocumentos necessários para a veri-ficação do cumprimento do dispostoneste artigo.”

Além disso, em qualquer meio de comu-nicação social, a responsabilidade editoriale as atividades de seleção e direção da pro-gramação veiculada são privativas de bra-sileiros natos ou naturalizados há mais dedez anos, que também devem exercer obriga-toriamente sua gerência e definir o conteú-do da programação. Não é outro o teor doart. 222 da Constituição de 1988:

“Art. 222. A propriedade de em-presa jornalística e de radiodifusãosonora e de sons e imagens é privati-

va de brasileiros natos ou naturaliza-dos há mais de dez anos, ou de pesso-as jurídicas constituídas sob as leisbrasileiras e que tenham sede no País.

§ 1o Em qualquer caso, pelo menossetenta por cento do capital total e docapital votante das empresas jornalís-ticas e de radiodifusão sonora e desons e imagens deverá pertencer, di-reta ou indiretamente, a brasileirosnatos ou naturalizados há mais de dezanos, que exercerão obrigatoriamentea gestão das atividades e estabelece-rão o conteúdo da programação.

§ 2o A responsabilidade editorial eas atividades de seleção e direção daprogramação veiculada são privativasde brasileiros natos ou naturalizadoshá mais de dez anos, em qualquermeio de comunicação social.

§3o Os meios de comunicação so-cial eletrônica, independentemente datecnologia utilizada para a prestaçãodo serviço, deverão observar os prin-cípios enunciados no art. 221, na for-ma de lei específica, que também ga-rantirá a prioridade de profissionaisbrasileiros na execução de produçõesnacionais.

§4o A Lei disciplinará a participa-ção de capital estrangeiro nas empre-sas de que trata o § 1o

§5o As alterações de controle soci-etário das empresas de que trata o § 1o

serão comunicadas ao CongressoNacional.”

Caso prevaleça o texto do art. 12 do ante-projeto, no que pertine aos chamados “ex-ploradores de atividades audiovisuais”,essa indicção seria totalmente inaplicável aosque exercem serviços de radiodifusão e par-cialmente intangível aos que exploram servi-ços de telecomunicações. O §2o do art. 12, aoestabelecer que a Ancinav expeça regula-mento sobre a apuração de controle dos ex-ploradores de atividades audiovisuais, in-fringe as atribuições da Anatel, como órgãoregulador dos serviços de telecomunicações,

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e os ofícios do Ministério das Comunicações,como o órgão que detém ascendência jurídi-ca sobre os serviços de radiodifusão (LeiGeral de Telecomunicações, art. 19; CódigoBrasileiro de Telecomunicações, art. 34).

5. Artigo 25: o sofisma da separaçãoentre redes físicas e produção deconteúdo. Prevalência do regimeconstitucional dicotômico entre osserviços de telecomunicações e de

radiodifusão“Art. 25. À Ancinav compete ado-

tar as medidas necessárias para oatendimento do interesse público epara o desenvolvimento do cinema edo audiovisual brasileiros, atuandocom independência, imparcialidade,legalidade, impessoalidade, eficiênciae publicidade, e especialmente:

(...)XII – propor ao Ministério da Cul-

tura e ao Conselho Superior do Audi-ovisual as medidas que repute neces-sárias à observância dos princípiosconstitucionais e legais relativos àcomunicação social e à persecuçãodas suas atribuições, resguardadas ascompetências do Ministério das Co-municações e da Agência Nacional deTelecomunicações (Anatel), no queconcerne à rede física e outorgas;

XIII – apreciar, por iniciativa pró-pria ou provocação, e no âmbito dassuas atribuições, os comportamentossuscetíveis de configurar violação àsnormas legais aplicáveis à exploraçãode atividades audiovisuais, por pres-tadoras de serviços de radiodifusãopor sons e imagens e de serviços detelecomunicações, adotando as provi-dências necessárias;

XIV – regular a distribuição e ofer-ta de conteúdos audiovisuais por pro-gramadoras e operadoras nos servi-ços de comunicação eletrônica demassas, bem como qualquer outro ser-

viço assemelhado, para promover acompetição e a diversidade de fontesde informações;

(...)XXVI – solicitar informações aos

exploradores de atividades audiovi-suais.”

A redação do inciso XII desse artigo épor demais ampla, abrangendo categoriasjurídicas distintas, com regimes normativostambém díspares, o que enseja confronto aosditames da Constituição Federal.

As disposições contidas no Capítulo Vdo Título VIII da Constituição da Repúbli-ca, cuja epígrafe é “Da Comunicação Soci-al”, referem-se aos serviços de radiodifusão,incluindo a programação das emissoras (“Aprodução e a programação das emissorasde rádio e televisão atenderão aos seguintesprincípios:”, art. 221, caput; “A responsabi-lidade editorial e as atividades de seleção edireção da programação veiculada são pri-vativas de brasileiros natos ou naturaliza-dos há mais de dez anos, em qualquer meiode comunicação social”, art. 222, §2o). Ou-trossim, a formulação de políticas, a admi-nistração do espectro radioelétrico e a fisca-lização de conteúdo transmitido (programa-ção), desses mesmos serviços, encontram-se na esfera administrativa do Ministério dasComunicações (Lei no 4.117/1962, art. 29;Lei no 9.472/1997, arts. 19 e 127, inciso VII),sem embargo das responsabilidades própri-as do Ministério da Justiça. De modo sinté-tico, a Lei no 9.649, de 27-5-1998, que dispõesobre a organização da Presidência da Repú-blica e dos Ministérios, e dá outras providên-cias, em seu art. 14 é mui precisa ao definir:

“Art. 14. Os assuntos que consti-tuem área de competência de cadaMinistério são os seguintes:

(...)III – Ministério das Comunicações:a) política nacional de telecomu-

nicações, inclusive radiodifusão;b) regulamentação, outorga e fis-

calização de serviços de telecomu-nicações;

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c) controle e administração do usodo espectro de radiofreqüências;

d) serviços postais;”As normas recitadas, que se fundam na

Constituição Federal, não se limitam ape-nas ao que o anteprojeto denomina “redefísica” e “outorgas”. Aliás, a expressão“rede física” inexiste na terminologia legalem vigor. Desse modo, faz-se necessário,objetivando-se manter a coerência com osprincípios constitucionais e legais e, ainda,evitando-se a superposição de competênci-as administrativas, excluir o referido incisoXII. A ressalva final desse fragmento (“noque concerne à rede física e outorgas”) lem-bra muito a sentença proferida a favor deShylock, em “O Mercador de Veneza”, deWilliam Shakespeare: admite-se a execuçãocontra o devedor para que se lhe exija a cláu-sula penal, consistente numa libra de carnede seu coração, desde que se não derrame umagota de sangue, muito menos que se retire maisou menos que uma libra. Ao tempo em que sevulnera a essência das atribuições desseMinistério, afirma-se que aquelas são con-servadas. Contradictio in adjecto.

Com relação aos incisos XIII, XIV e XXVI,cabe afirmar que, notando-se o alcance dasdefinições de “atividade audiovisual” e de“conteúdo audiovisual”, contidas nos arts.7o e 9o do anteprojeto, a mencionada atribui-ção tem ingerência direta nas atribuições doMinistério das Comunicações e de seu ór-gão vinculado, a Agência Nacional de Tele-comunicações (Lei no 4.117/1962, art. 29; Leino 9.472/1997, art. 19; Lei no 9.649, de 27-5-1998, art. 14, inciso III). De fato, se a Lei no

4.117/1962 incumbiu ao Ministério dasComunicações regular e fiscalizar os servi-ços de radiodifusão, a Lei no 9.472/1997confere à mencionada autarquia o ofício defiscalizar, aplicando as sanções correspon-dentes, os serviços de telecomunicações (te-levisão por assinatura, verbi gratia). Nessesmisteres, estão incluídas a exibição, a vei-culação e a operação do conteúdo progra-mático (programação), bem como a explora-ção desses serviços.

Os incisos XIII e XIV devem ser alteradospara suprimir quaisquer referências a radio-difusão e a telecomunicações, e seu objeto es-pecífico, a transmissão e o conteúdo.

6. Artigo 36: a opção constitucional porestabelecer um único órgão autárquicode controle e regulação dos serviços detelecomunicações. Inconstitucionalidade

da criação de outra agência para oexercício da mesma função típica

“Art. 36. A Ancinav deve garantiro tratamento confidencial das infor-mações, necessárias ao exercício dassuas competências, que solicitar aosexploradores de atividades audiovi-suais, nos termos do Regulamento.

§1o Os exploradores, seus admi-nistradores ou controladores, devemapresentar os documentos no prazorequerido pela Ancinav, sob pena deaplicação das sanções previstas nes-ta Lei.

§2o A Ancinav, sempre que solici-tada, disponibilizará aos órgãos e en-tidades de defesa da concorrência, asinformações dispostas no caput, man-tida a garantia de tratamento confi-dencial dos mesmos.”

Observa-se, nessa regra, o uso da expres-são “atividade audiovisual”, cujo sentido éencontrado de modo explícito nos arts. 7o e9o do anteprojeto. No exercício de uma in-terpretação sistemática, é absolutamenterazoável supor que a redação do art. 36 daráensanchas a conflito de atribuições entre aAncinav, o Ministério das Comunicações ea Anatel.

Essa aporia, em razão das normas reci-tadas (Lei no 4.117/1962, art. 29; Lei no

9.472/1997, art. 19), poderá interferir na re-lação dos órgãos competentes para fiscali-zar a exploração dos serviços de radiodifu-são (Ministério das Comunicações) e de te-lecomunicações (Anatel) com os respectivosconcessionários, permissionários e autori-zatários. Sem esquecimento de outros cor-

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tes sobre o mesmo fato jurídico: defesa daconcorrência (CADE e Secretaria de DireitoEconômico do Ministério da Justiça) ou ocontrole indicativo (Ministério da Justiça),os quais deixam de ser analisados nesteparecer à vista da advertência inicial sobreseus limites.

A Lei Geral de Telecomunicações, nor-ma expressamente referida no art. 21, incisoXI, da Constituição Federal, como marco re-gulatório desses serviços, assevera em seuart. 7o que:

“Art. 7o As normas gerais de pro-teção à ordem econômica são aplicá-veis ao setor de telecomunicações,quando não conflitarem com o dispos-to nesta Lei.

§1o Os atos envolvendo prestadora deserviço de telecomunicações, no regime pú-blico ou privado, que visem a qualquerforma de concentração econômica, inclu-sive mediante fusão ou incorporação deempresas, constituição de sociedade paraexercer o controle de empresas ou qual-quer forma de agrupamento societário, fi-cam submetidos aos controles, procedi-mentos e condicionamentos previstos nasnormas gerais de proteção à ordem econô-mica.

§2o Os atos de que trata o parágra-fo anterior serão submetidos à apreci-ação do Conselho Administrativo deDefesa Econômica – CADE, por meiodo órgão regulador.

§3o Praticará infração da ordemeconômica a prestadora de serviço detelecomunicações que, na celebraçãode contratos de fornecimento de bense serviços, adotar práticas que possamlimitar, falsear ou, de qualquer forma,prejudicar a livre concorrência ou alivre iniciativa.”

Nesse sentido, é que a Agência Nacio-nal de Telecomunicações – Anatel, únicoórgão constitucionalmente responsável pelaregulação do sistema, baixou a Resoluçãono 195, de 7-12-1999 (DOU de 8-12-1999),que aprovou a Norma Complementar no 7/

99, a qual dispõe sobre procedimentos ad-ministrativos para apuração e repressão dasinfrações da ordem econômica e para o con-trole de atos e contratos no setor de teleco-municações.

De tal mercê, o art. 36 antecipa, por suageneralidade, o ponto de maior inadequa-ção de todo o anteprojeto, a saber: com a ex-pressão “atividade audiovisual”, incorpo-ra-se o fenômeno jurídico típico do audiovi-sual com seus elementos diversos – teleco-municações e radiodifusão. Tal ocorre semqualquer observância a todo um arcabouçojurídico constitucional, legal e infralegalassentado nesses conceitos basilares e so-bre os quais foram organizadas total ou par-cialmente as funções do Ministério das Co-municações, da Anatel e do Ministério daJustiça.

Esse dispositivo, em conformidade coma modificação proposta nos arts. 7o a 10,deve-se restringir à matéria exclusivamenteaudiovisual, conforme admitida no ordena-mento brasileiro em leis e tratados interna-cionais.

7. Artigo 42: a função decontrole de outorgas de serviços deradiodifusão e de telecomunicações

e a inconstitucionalidade de suainterferência por uma nova agência

reguladora“Art. 42. À Ancinav cabe regular

no marco desta Lei e em consonânciacom as diretrizes do Conselho Supe-rior do Audiovisual a exploração deatividades audiovisuais pelas seguin-tes categorias de serviços:

I – serviço de radiodifusão de sonse imagens;

II – serviços de telecomunicaçõesque tenham o conteúdo audiovisualcomo parte inerente ao serviço, inclu-indo os serviços de comunicação ele-trônica de massa por assinatura;

III – demais serviços de telecomu-nicações que não tenham o conteúdo

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audiovisual como parte inerente aoserviço, mas que o transmitam ou ofe-reçam ao usuário, sob autorização oulicença, quando necessária, dos ór-gãos competentes para tanto.

§ 1o Os serviços de comunicaçãoeletrônica de massa por assinaturacompreendem o Serviço de TV a Cabo,o Serviço de Distribuição de Sinais deTelevisão e de Áudio por Assinaturavia Satélite (DTH), o Serviço de Distri-buição de Sinais Multiponto Multica-nal (MMDS), o Serviço Especial de Te-levisão por Assinatura (TVA), bemcomo qualquer outro serviço dessanatureza.

§2o A exploração de atividades au-diovisuais dos serviços referidos nosincisos I, II e III do caput independe deautorização da Ancinav.

§3o É vedada a edição de atos deoutorga, a prorrogação ou renovaçãodas concessões, permissões e autori-zações, bem assim a autorização detransferência de concessão, permis-são ou autorização dos serviços referi-dos nos incisos I, II e III a pessoa físicaou jurídica que tenha incorrido em des-cumprimento do disposto nesta Lei edas normas expedidas pela Ancinavno exercício de suas competências.

§4o A Ancinav poderá requerer, aqualquer tempo, aos órgãos e entida-des públicas responsáveis pela tutelae regulação das telecomunicações e daradiodifusão as informações neces-sárias para o exercício das suas com-petências, inclusive as de natureza téc-nica, operacional, econômico-financei-ra e contábil das prestadoras de servi-ços, mantida a sua confidencialidade.”

§5o A Ancinav proporá ao Presi-dente da República, por meio do Mi-nistério da Cultura, ouvido o Con-selho Superior do Audiovisual, osRegulamentos necessários ao exer-cício das competências previstasneste Título.”

Tendo em atenção os argumentos assi-nalados nos comentários aos arts. 7o a 10 doanteprojeto e, ainda, o sentido emprestadoà “exploração de atividades audiovisuais”,só resta afirmar o conflito, na totalidade, doart. 42, e seus parágrafos, com as atribui-ções da Anatel e do Ministério das Comuni-cações.

É eloqüente o vilipêndio ao art. 21, inci-sos XI e XII, da Constituição Federal, aosarts. 29 e 34 da Lei no 4.117/1962 e ao art. 19da Lei no 9.472/1997. Ademais, a norma emgênese afirma ser “vedada a edição de atosde outorga, a prorrogação ou renovação dasconcessões, permissões e autorizações, bemassim a autorização de transferência de con-cessão, permissão ou autorização dos ser-viços referidos nos incisos I, II e III a pessoafísica ou jurídica que tenha incorrido emdescumprimento do disposto nesta Lei e dasnormas expedidas pela Ancinav no exercí-cio de suas competências”. Em síntese, oMinistério das Comunicações, a Anatel, aPresidência da República, o Congresso Na-cional teriam suas prerrogativas subordina-das ao placet de um ente subalterno, de na-tureza autárquica, ferindo-se a preeminên-cia magna do art. 223:

“Art. 223. Compete ao Poder Exe-cutivo outorgar e renovar concessão,permissão e autorização para o servi-ço de radiodifusão sonora e de sons eimagens, observado o princípio dacomplementaridade dos sistemas pri-vado, público e estatal.

§1o O Congresso Nacional apreci-ará o ato no prazo do art. 64, §§ 2o e 4o,a contar do recebimento da mensa-gem.

§2o A não-renovação da concessãoou permissão dependerá de aprova-ção de, no mínimo, dois quintos doCongresso Nacional, em votação no-minal.

§3o O ato de outorga ou renovaçãosomente produzirá efeitos legais apósdeliberação do Congresso Nacional,na forma dos parágrafos anteriores.

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§4o O cancelamento da concessãoou permissão, antes de vencido o pra-zo, depende de decisão judicial.

§5o O prazo da concessão ou per-missão será de dez anos para as emis-soras de rádio e de quinze para as detelevisão.”

No exemplo francês, em que existe umConselho Superior do Audiovisual, esse ple-xo conserva em si mesmo todos os fatoresde legitimidade identificados no art. 223 daConstituição Federal. Com efeito, aquele co-mitê (art. 4o da Lei no 86-1067, de 30-9-1986)é formado por representantes das funçõesdo Estado, relevando o suporte democráti-co do processo de outorga dos serviços aliregulados. Diferentemente das telecomuni-cações, a radiodifusão tem caráter intensa-mente ideológico, daí haver o constituinteoptado por compartilhar sua atribuição eseu controle ao Poder Executivo e ao PoderLegislativo. A hipótese de um conflito entrea Ancinav, mera autarquia, e o CongressoNacional torna dramaticamente axiomáti-ca a inconstitucionalidade dessa indicção.

8. Artigo 43: o controle de conteúdo eseu perfil constitucional

“Art. 43. A Ancinav disporá sobrea observância, pelas prestadoras dosserviços enumerados no art. 42, dosseguintes princípios aplicáveis à pro-dução e programação de conteúdosaudiovisuais estabelecidos no artigo221 da Constituição Federal, em espe-cial:

I – da promoção da cultura nacio-nal e regional e estímulo à produçãoindependente; e

II – da regionalização da produ-ção cultural, artística e jornalística,conforme percentuais estabelecidosem lei .

§1o No exercício da competênciareferida no caput, a Ancinav observa-rá as recomendações do Conselho deComunicação Social de que trata o art.

224 da Constituição Federal, e o dis-posto em lei específica.

§2o A produção e a programaçãodas prestadoras referidas no caput,ainda, aos princípios enumerados noart. 221, I e IV da Constituição, na for-ma da lei específica.”

Esse artigo, no que respeita à programa-ção, vulnera diretamente as funções da Ana-tel, como órgão regulador dos serviços detelecomunicações, e as do Ministério dasComunicações, a quem cabe a disciplina dosserviços de radiodifusão, incluindo o con-teúdo programático, juntamente com o Mi-nistério da Justiça. O Decreto no 52.795, de31-10-1963, é explícito ao prescrever que:

“Art. 28. As concessionárias e per-missionárias de serviços de radiodi-fusão, além de outros que o Governojulgue convenientes aos interessesnacionais, estão sujeitas aos seguin-tes preceitos e obrigações: (...) 11 – su-bordinar os programas de informação,divertimento, propaganda e publici-dade às finalidades educativas e cul-turais inerentes à radiodifusão; 12 –na organização da programação: a)manter um elevado sentido moral ecívico, não permitindo a transmissãode espetáculos, trechos musicais can-tados, quadros, anedotas ou palavrascontrárias à moral familiar e aos bonscostumes; b) não transmitir progra-mas que atentem contra o sentimentopúblico, expondo pessoas a situaçõesque, de alguma forma, redundem emconstrangimento, ainda que seu obje-tivo seja jornalístico; c) destinar o mí-nimo de 5% (cinco por cento) do horá-rio de sua programação diária à trans-missão de serviço noticioso; d) limitarao máximo de 25% (vinte e cinco porcento) do horário da sua programa-ção diária o tempo destinado à publi-cidade comercial; e) reservar 5 (cinco)horas semanais para a transmissão deprogramas educacionais; f) retrans-mitir, diariamente, das 19 (dezenove)

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às 20 (vinte) horas, exceto aos sába-dos, domingos e feriados, o programaoficial de informações dos Poderes daRepública, ficando reservados 30(trinta) minutos para divulgação denoticiário preparado pelas duas Ca-sas do Congresso, excluídas as emis-soras de televisão; g) integrar gratui-tamente as redes de radiodifusão,quando convocadas pela autoridadecompetente; h) obedecer às instruçõesbaixadas pela Justiça Eleitoral, refe-rentes à propaganda eleitoral; i) nãoirradiar identificação da emissora uti-lizando denominação de fantasia,sem que esteja previamente autoriza-da pelo Ministério das Comunicações;j) irradiar o indicativo de chamada e adenominação autorizada de confor-midade com as normas baixadas peloMinistério das Comunicações; l) irra-diar, com indispensável prioridade, ea título gratuito, os avisos expedidospela autoridade competente, em casosde perturbação da ordem pública, in-cêndio ou inundação, bem como os re-lacionados com acontecimentos im-previstos; m) irradiar, diariamente, osboletins ou avisos do serviço meteo-rológico; n) manter em dia os regis-tros da programação; 13 – observar asnormas técnicas fixadas pelo Minis-tério das Comunicações para a execu-ção do serviço; (...) 17 – facilitar a fis-calização, pelo Ministério das Comu-nicações, das obrigações contraídas,prestando àquele órgão todas as in-formações que lhe forem solicitadas.”

A Lei no 9.610, de 19-2-1998, que altera,atualiza e consolida a legislação sobre di-reitos autorais e dá outras providências,também ensejará conflito de normas em facede seu art. 95: “Cabe às empresas de radio-difusão o direito exclusivo de autorizar ouproibir a retransmissão, fixação e reprodu-ção de suas emissões, bem como a comuni-cação ao público, pela televisão, em locaisde freqüência coletiva, sem prejuízo dos di-

reitos dos titulares de bens intelectuais in-cluídos na programação.”

Finalmente, o art. 43 do anteprojeto sim-plesmente reproduz os incisos do art. 221da Constituição Federal, que define os prin-cípios a serem atendidos na produção e naprogramação das emissoras de rádio e televi-são: “I – preferência a finalidades educati-vas, artísticas, culturais e informativas; II –promoção da cultura nacional e regional eestimulo à produção independente que ob-jetive sua divulgação; III – regionalizaçãoda produção cultural, artística e jornalísti-ca, conforme percentuais estabelecidos emlei; IV – respeito aos valores éticos e sociaisda pessoa e da família”.

Logo, a norma projetada atribui à Anci-nav o controle de conteúdo sobre ativida-des das concessionárias e permissionáriasde radiodifusão, o que invade as prerrogati-vas do Ministério das Comunicações. E,quando esse conteúdo for veiculado medi-ante serviço de telecomunicações, estar-se-á ofuscando as atribuições da Anatel. Umavez mais, são válidos os anteriores argu-mentos contra essa possibilidade.

9. Artigos 44 a 47: interferência daAncinav nas atribuições de outros entes

“Art. 44. À Ancinav compete, noque respeita à regulação e fiscaliza-ção da exploração de atividades au-diovisuais pelas prestadoras de ser-viços de radiodifusão de sons e ima-gens, dispor especialmente sobre:

I – o cumprimento do disposto noparágrafo 2o do artigo 222 da Consti-tuição Federal; e

II – o cumprimento do disposto nosartigos 38, alíneas ‘d’ e ‘h’, e 124 daLei no 4.117, de 27 de agosto de 1962.”

“Art. 45. Compete à Ancinav, comrelação ao Serviço de TV a Cabo, emespecial, a regulação e a fiscalizaçãodas disposições contidas nos artigos3o, 10, incisos III, IV, V, VI, VII, 30, inci-sos I, IV e V, 31, incisos III e IV, e 38 da

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Lei no 8.977, de 6 de janeiro de 1995,resguardadas as competências doMinistério das Comunicações e daAnatel relativas às outorgas e quali-dade dos serviços, incluindo a expe-dição de normas e padrões técnicos.”

“Art. 46. Visando propiciar a com-petição efetiva e a diversidade de fon-tes de informação, a Ancinav poderáestabelecer condições à exploração deatividades audiovisuais por prestado-ras de serviços de telecomunicações esuas coligadas, controladas ou con-troladoras.”

“Art. 47. O descumprimento dasnormas expedidas pela Ancinav noexercício de suas competências sujei-ta as prestadoras dos serviços enume-rados no art. 42 às sanções previstasnesta Lei.”

O art. 44 subtrai do Ministério das Co-municações atributos que lhe são inerentes,na medida em que a esse cabe, por lei, disci-plinar o serviço de radiodifusão e fiscali-zar, juntamente com o Ministério da Justiça,o conteúdo programático, conforme trans-crição anterior.

O art. 45 retira da Anatel suas peculia-res atribuições, vez que a essa agência cabe,segundo reproduzido acima, como órgãoregulador, disciplinar e fiscalizar, em todosos aspectos, os serviços de telecomunicações.

O art. 46 confere à Ancinav o mister deassegurar “competição efetiva e a diversi-dade de fontes de informação” na explora-ção de atividades audiovisuais por presta-doras de serviços de telecomunicações. Osaspectos da competição e de controle de con-teúdos, no que respeita a tais serviços, comoexaustivamente demonstrado, dizem respei-to à Anatel. É cometimento da agência, comoúnico órgão regulador dessa atividade eco-nômica, disciplinar, em todos os aspectos,os serviços de telecomunicações, estabele-cendo inclusive as restrições, os limites ouas condições a seu desenvolvimento pelosagentes privados. Reitere-se: a Constituiçãoda República não instituiu dois entes regu-

ladores desses serviços, mas um único, nostermos de seu art. 21, inciso XI. A previsão,nesse ponto, é inconstitucional.

O art. 47 suprime do Ministério das Co-municações e da Anatel as atribuições quelhes são constitucionalmente peculiares. AoMinistério e àquela agência cabem, confor-me transcrição anterior, disciplinar e fisca-lizar, em todos os aspectos, os serviços deradiodifusão e de telecomunicações.

10. Artigo 84: a inconstitucionalidadedo uso do Fistel como receita do

Funcinav

“Art. 84. Constituem receitas doFuncinav:

(...)VI – cinco por cento dos recursos a

que se referem as alíneas ‘c’, ‘d’, ‘e’ e‘j’ do art. 2o da Lei no 5.070, de 7 dejulho de 1966, com as alterações in-troduzidas pela Lei no 9.472, de 16 dejulho de 1997”;

A Lei no 5.070, de 7-7-1966, que cria oFundo de Fiscalização das Telecomunica-ções e dá outras providências, estabelece emseu art. 2o que:

“Art. 2o O Fundo de Fiscalizaçãodas Telecomunicações – FISTEL éconstituído das seguintes fontes:

a) dotações consignadas no Orça-mento Geral da União, créditos espe-ciais, transferências e repasses que lheforem conferidos;

b) o produto das operações de cré-dito que contratar, no País e no exteri-or, e rendimentos de operações finan-ceiras que realizar;

c) relativas ao exercício do poderconcedente dos serviços de telecomu-nicações, no regime público, inclusi-ve pagamentos pela outorga, multas eindenizações;

d) relativas ao exercício da ativi-dade ordenadora da exploração deserviços de telecomunicações, no re-gime privado, inclusive pagamentos

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pela expedição de autorização de ser-viço, multas e indenizações;

e) relativas ao exercício do poderde outorga do direito de uso de radio-freqüência para qualquer fim, inclu-sive multas e indenizações;

f) taxas de fiscalização;g) recursos provenientes de convê-

nios, acordos e contratos celebradoscom entidades, organismos e empre-sas, públicas ou privadas, nacionaisou estrangeiras;

h) doações, legados, subvenções eoutros recursos que lhe forem desti-nados;

i) o produto dos emolumentos, pre-ços ou multas, os valores apurados navenda ou locação de bens, bem assimos decorrentes de publicações, dadose informações técnicas, inclusive parafins de licitação;

j) decorrentes de quantias recebi-das pela aprovação de laudos de en-saio de produtos e pela prestação deserviços técnicos por órgãos da Agên-cia Nacional de Telecomunicações;

l) rendas eventuais.Parágrafo único. Os recursos a que

se refere este artigo serão recolhidosaos estabelecimentos oficiais de cré-dito, em conta especial, sob a denomi-nação de ‘Fundo de Fiscalização dasTelecomunicações’”.

Tendo em conta o estabelecido nas alí-neas do citado art. 2o e observando que aAncinav não exercerá quaisquer das ativi-dades e atribuições arroladas, não se vis-lumbra qualquer fundamento jurídico paraque seja destinado ao Fundo Nacional parao Desenvolvimento do Cinema e do Audio-visual Brasileiros (Funcinav) a percentagemde recursos do Fundo de Fiscalização dasTelecomunicações – FISTEL.

Além disso, o FISTEL, como o próprionome diz, é um fundo de natureza contábildestinado a prover recursos para cobrir dis-pêndios realizados com a fiscalização deserviços de telecomunicações, bem ainda

para desenvolver os meios e aperfeiçoar atécnica necessária a essa execução.

A fiscalização dos serviços de cabe, porforça do disposto na Lei Geral de Telecomu-nicações, à Anatel, sendo essa agência aadministradora do fundo (art. 50, Lei no

9.472/1997). A autarquia reguladora pode-rá aplicá-lo, segundo o art. 3o da Lei no

5.070/1966, de modo exclusivo: a) na insta-lação, custeio, manutenção e aperfeiçoamen-to da fiscalização dos serviços de telecomu-nicações existentes no País; b) na aquisiçãode material especializado necessário aosserviços de fiscalização; c) na fiscalizaçãoda elaboração e execução de planos e proje-tos referentes às telecomunicações; d) noatendimento de outras despesas correntes ede capital por ela realizadas no exercício desua competência.

O art. 145 da Constituição Federal pres-creve que “a União, os Estados, o DistritoFederal e os Municípios poderão instituiros seguintes tributos: (...) II – taxas, em ra-zão do exercício do poder de polícia ou pelautilização, efetiva ou potencial, de serviçospúblicos específicos e divisíveis, prestadosao contribuinte ou postos a sua disposição”.

O conceito de taxa é afeto ao exercício dopoder de polícia ou à utilização de serviçospúblicos específicos e divisíveis. Trata-se deuma espécie tributária vinculada. GeraldoAtaliba (1969, p. 43-54), muito a propósito,acentua que “a base de cálculo dos tributosdeve ser estreitamente correlacionada como elemento material da hipótese de incidên-cia. Nos impostos, será uma ordem de gran-deza ínsita na coisa ou atividade tributada,ou inerente ao sujeito passivo. Nos tributosvinculados, pelo contrário, há de ser umaordem de grandeza ínsita à atividade pú-blica que precisamente os justifica” (Consi-derações em torno da teoria jurídica da taxa.Revista de Direito Público, São Paulo: RT, n.9, p.43-54, jul./set. 1969).

A instituição do Funcinav, tendo por in-tegrante de suas receitas a parcela tributá-ria do Fistel, ofusca o liame essencial quedeve existir entre a taxa e o poder de polícia

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ou o serviço que a enseja. O Supremo Tribu-nal Federal, por reiteradas vezes, tem assi-nalado a inconstitucionalidade de taxascom esse vício na base de cálculo ou comfalta da condição de serviço específico par-ticularizado, que lhe é característica consti-tucional e legal (RE no 204.827-SP. DJU de25.04.1997, Rel. o Sr. Min. Ilmar Galvão, Ple-nário). No mesmo sentido: RE no 216207/MG. Rel. Sr. Min. Ilmar Galvão. PrimeiraTurma. DJU 25-06-1999, p.30.

11. Artigo 93: descaracterização dosentido de concessionário de serviços de

telecomunicações

“Art. 93. As prestadoras de servi-ços de telecomunicações caracteriza-das como serviços de comunicaçãoeletrônica de massa por assinatura,devem oferecer, em cada um dos pa-cotes de canais de programação, per-centual mínimo de obras audiovisu-ais brasileiras a ser definido na formado regulamento.

§ 1o O percentual se dará em rela-ção ao volume total de programaçãooferecido pelas operadoras em cadaum dos seus pacotes, excetuados oscanais referidos nas alíneas ‘a’ a ‘h’do inciso I do art. 23 da Lei no 8.977,de 1995;

§ 2o A Ancinav estabelecerá os pra-zos e outras condições necessárias àefetivação do disposto no caput desteartigo;”

O art. 93 suprime atribuições da Anatel.Mais uma vez é identificável o óbice consti-tucional expresso do art. 21, inciso XI: “ex-plorar, diretamente ou mediante autoriza-ção, concessão ou permissão, os serviços detelecomunicações, nos termos da lei, quedisporá sobre a organização dos serviços, acriação de um órgão regulador e outros as-pectos institucionais”. Ao interferir nos con-teúdos veiculados pelas concessionárias deserviços de telecomunicações, a Ancinav

açambarca misteres da Anatel. Não se deveesquecer, com suporte no que já se decantousobre os diferentes regimes constitucionaisda radiodifusão e das telecomunicações, ohibridismo deletério da fórmula “comuni-cação eletrônica de massa por assinatura”.

12. ConclusõesOs vários dispositivos analisados apre-

sentam severas inconstitucionalidades ma-teriais ou formais. Incorporarem-se tais in-dicções ao ordenamento jurídico implicariaa necessidade de sensíveis mudanças naestrutura constitucional dos serviços de ra-diodifusão e de telecomunicações. Em suma,a criação da nova agência desvia-se do regi-me existente, de departição jurídica entre osaludidos serviços, bem assim insere umnovo órgão em misteres constitucionalmen-te limitados a um único titular, a AgênciaNacional de Telecomunicações. O antepro-jeto não reúne condições adequadas à suaapresentação ao Poder Legislativo.

Notas1 Versão adaptada do PARECER/MC/CON-

JUR/OLRJ/No 0058-1.01/2005, da ConsultoriaJurídica do Ministério das Comunicações, elabora-do pelo autor e aprovado pelo Sr. Ministro de Esta-do das Comunicações, conforme despacho minis-terial de 13-1-2005, que analisou o anteprojeto delei que visava a instituir a Agência Nacional doCinema e do Audiovisual, encaminhado ao Minis-tério das Comunicações por meio do Ofício-Circu-lar no 070/2004-SAG/C.Civil/PR da Subchefia deAnálise e Acompanhamento de Políticas Governa-mentais da Casa Civil da Presidência da Repúbli-ca. O parecer foi apresentado em reunião ministe-rial e do Conselho Superior do Cinema, sob a regên-cia do Exmo. Sr. Presidente da República, LuizInácio Lula da Silva, na qual se decidiu que o ante-projeto não seria apresentado ao Congresso Nacio-nal. A elaboração desse parecer contou com a par-ticipação da Coordenadora-Geral de Assuntos Ju-rídicos de Telecomunicações e Postais da Consul-toria Jurídica do Ministério das Comunicações, aadvogada da União Adalzira França Soares deLuca.

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