Telecomunicações no Brasil: Modelo em transição · Alguns conceitos • Economia Política: •...

27
Telecomunicações no Brasil: Modelo em transição Prof. Murilo César Ramos Pesquisador Sênior Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias de Comunicações (CCOM) Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom) Universidade de Brasília (UnB)

Transcript of Telecomunicações no Brasil: Modelo em transição · Alguns conceitos • Economia Política: •...

Telecomunicações no Brasil:

Modelo em transiçãoProf. Murilo César Ramos

Pesquisador Sênior

Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias

de Comunicações (CCOM)

Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom)

Universidade de Brasília (UnB)

Alguns conceitos

• Políticas públicas podem ser definidas como processos normativos que, uma vez em curso em um dado ambiente institucional de viés democrático, objetivam o bem estar geral da população.

• Esse bem estar pode resultar de políticas públicas genéricas, como a construção de usinas hidrelétricas capazes de gerar energia para parcelas diversas da população, ou como o estabelecimento de medidas de política externa capazes de posicionar um determinado Estado nacional em posição de vantagem em matéria de comércio exterior, por exemplo.

• O bem estar pode resultar também de políticas específicas, como medidas de seguridade social capazes de assegurar condições essenciais de existência para trabalhadores assalariados, ou como a prestação de serviços públicos universais, de que são exemplos clássicos a educação, a saúde, o saneamento básico, os transportes coletivos, ou as telecomunicações.

• (Murilo César Ramos, Crítica a um Plano Nacional de Banda Larga – uma perspectiva da economia política das políticas públicas. Anais da IV Conferência Acorn-Redecom, Brasília, DF, Brasil, Maio 14 e 15, 2010)

Alguns conceitos• Economia Política:

• “The study of the social relations, particularly the power relations, that mutually constitute the production, distribution and consumption of resources”.

• (In Mosco, V. (1996) The Political Economy of Communication – rethinking and renewal. London: Sage Publications.)

• Modelo:

• Na economia política, um modelo abarca o conjunto de processos sociais e de produção estipulados pelo Estado com o objetivo de regular alguma ativiadeeconômica.

Alguns conceitos• Public policy is an issue deeply immersed in the intricacies of the

democratic processes (Souza, 2001). Public policy can be viewed as both cause and consequence of democracy, once its proposal frameworks, principles, guidelines, plans and projects constitute vital pillars for the affirmation of human rights, which constitute the essence of any society that pretends itself minimally democratic. Minimally because, even in the most mature, liberal, democratic societies of today, human right gaps not only persist, but tend to increase – such as the abysmal gaps in the distribution of income -, and can only be corrected by public policies that, in time, will be able to expand those rights to the most possible highest points of social, political, economic and cultural equality (Pikkety, 2014; Bobbio, 1998; Bobbio, 1995). Among the human rights in constant dispute in contemporary societies, democratic or not, is the massive or, ideally, universal access to the means of information and communication.

Alguns conceitos

• Transição, não saber muito bem onde se está, e menos ainda paraonde se vai; momento de grandes desafios, de chamamento àcriatividade, ou até mesmo à paranóia. (Andy Grove, Only theparanoid survive, Harpers’s Collins, 1997)

• O exercício das nossas perplexidades é fundamental para identificaros desafios a que merece a pena responder. Afinal, todas asperplexidades e desafios resumem-se num só: em condições deaceleração da história como as que vivemos hoje é possível pôr arealidade no seu lugar sem correr o risco de criar conceitos e teoriasfora de lugar?” (Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice, osocial e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez Editora,1995.)

••

Modelo em transição• 1962 - CBT (Lei nº 4.117): marco regulatório fundador das

modernas comunicações brasileiras

• Na origem, meados dos anos 1940, a radiodifusão; o rádio,especificamente: privado-comercial, financiado pela publicidade;precariedade contratual, insegurança jurídica (a questão doespectro), insegurança política (Estado Novo, censura).

• Para uma retrospectiva detalhada, ver Marcus A. Martins, Ohistórico legal das comunicações no Brasil e a tramitação doCódigo Brasileiro de Telecomunicações. In Murilo César Ramos eSuzy dos Santos, Políticas de Comunicação – buscas teóricas epráticas. São Paulo: Editora Paulus, 2007, p. 305-330.

Modelo em transição• A emergência e a crescente centralidade da televisão

• Mais:

• Estado Maior das Forças Armadas (EMFA): Comissão Permanente de Comunicações; grupo de estudo para oferecer subsídios aoCongresso Nacional (+- 1957)

• Órgão federal centralizado (futuro CONTEL), sistema nacional de telecomunicações, empresa pública para operar os troncos do sistema

• Começa a se estruturar uma lei ‘convergente’

• O hiato do governo de Jânio Quadros, o lobby das empresasprivadas de telecomunicações, o lobby das empresas privadasde radiodifusão (ABERT), o lobby das forças armadas: desseconjunto de interesses nasceu o CBT em agosto de 1962, nãoobstante os 52 vetos apostos pelo então presidente JoãoGoulart, todos derrubados – primeira e última vez com essaextensão político-normativa – pelo Congresso Nacional.

Modelo em transição• O golpe civil-militar de 1964, e o paradoxo das

telecomunicações

• 1965 – Embratel

• 1967 – Ministério das Comunicações

• 1972 – Telebrás, , debaixo da qual passariam a

existir as operadoras estaduais de telefonia pública

e comunicações de dados, estruturadas a partir da

estatização progressiva das mais de duas mil

companhias telefônicas locais e regionais, privadas

Modelo em transição• Anos 1970: moderna infra-estrutura nacional de telecomunicações

• Implantação das redes físicas de alcance local e regional, do sistema nacional de microondas e do sistema nacional de comunicações por satélite. Caracterizava-se aí um verdadeiro projeto nacional para o setor.

• Renovação da telefonia local e interestadual; recuperação de redes físicas; implantação de uma rede nacional de microondas; lançamento de satélites nacionais de telecomunicações; criação de um centro de pesquisa e desenvolvimento - o CPqD, em Campinas; o apoio ao surgimento e consolidação de uma rede nacional de televisão - a Rede Globo, do empresário Roberto Marinho; o apoio ao surgimento e consolidação de uma forte indústria nacional de equipamentos para o setor.

Modelo em transição• Anos 1980:

• Ocaso do regime civil-militar

• Diretas Já: 1982 (Rede Globo)

• Tancredo Neves/José Sarney: 1983

• Constituição Federal: 1987-1988

• Estatização de fato do Sistema Telebrás: Art. 21, sob controleacionário estatal

• Mas, Telebrás já sob o efeito da centralização orcamentáriado FNT, passando a ficar dependente do auto-financiamento; e, com a chamada Nova República, passa a sofrer um processo de partidarização da sua gestão

• Mais ainda: globalização e neoliberalismo, sob os efeitos da ascensão do thatcherismo e reaganismo; tempos de pensamento único

• Na América Latina, o Consenso de Washigton

Modelo em transição• 1989: Fernando Collor

• 1992: impeachment e Itamar Franco

• 1993: revisão constitucional, sob o impacto da CPI dos ‘anões do orçamento’

• 1994: Plano Real e eleição de Fernando Henrique Cardoso

• 1991 – 1995: a lei 8.977/1995, dispondo sobre a TV a Cabo

• 1995 – 1998: privatização do Sistema Telebrás e a gestão do atua modelo institucional das telecomunicações brasileiras

Modelo em transição• Em 14 de fevereiro de 1995, o Poder Executivo encaminhou ao

Congresso Nacional sua proposta de flexibilização do monopólio estatal das telecomunicações, que alterava o Inciso XI do Art. 21 da Constituição Federal:

• Proposta de Emenda Constitucional:

• Art. 1º: É suprimida a expressão “a empresas sob controle acionário estatal” no Art. 21, Inciso XI, da Constituição, passando o dispositivo a ter a seguinte redação:

• Art. 21: .....

• XI - explorar, diretamente ou mediante concessão os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União.

• Art. 2º: Esta emenda entra em vigor na data de sua publicação.

Modelo em transição• Mas, durante os quase exatos seis meses que se passaram

entre a apresentação da Emenda e sua aprovação pelo Congresso Nacional, sua redação sofreria mudanças significativas, resultando na seguinte:

• Art. 21. Compete à União:

• .........................................

• XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização do serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

• XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

• a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

Modelo em transição

• (Lei 8.977, de 06/01/1995, a Lei de TV a Cabo)

• (Lei 9.295, de 19/07/1996. a ‘lei mínima de

telecomunicações)

• Lei 9.472, de 16/07/1997, a Lei Geral de

Telecomunicações

• Lei 9.998, de 17/08/2000, institui o Fust

• Lei 12.485, de 12/09/2011, dispõe sobre o SeAC

• Lei 12.965, de 13/04/2014, Marco Civil da Internet

• PLC 79/2016, ‘novo modelo’

Modelo em transição• A base legal do novo modelo institucional das

telecomunicações

• Anatel (MC)

• Privatização do Sistema Telebrás

• Pilares do novo modelo:

o Universalização do serviço essencial, a telefonia fixa comutada

o Ampla competição, por meio de uma arranjo regulatório assimétrico: em regime público e privado, entre concessionários incumbentes e autorizados entrantes (as empresas espelho)

o Estratégia 3+1: três operações regionais e uma de longa distância, mirando em 6+2

Modelo em transição• Lei do Fust

• Os primeiros sinais, muito precoces, de desajuste do modelo

• Art. 1o Fica instituído o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – Fust, tendo por finalidade proporcionar recursos destinados a cobrir a parcela de custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações de universalização de serviços de telecomunicações, que não possa ser recuperada com a exploração eficiente do serviço, nos termos do disposto no inciso II do art. 81 da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997.

Modelo em transição• Art. 5o Os recursos do Fust serão aplicados em programas,

projetos e atividades que estejam em consonância com plano geral de metas para universalização de serviço de telecomunicações ou suas ampliações que contemplarão, entre outros, os seguintes objetivos:

• I – atendimento a localidades com menos de cem habitantes;

• II – (VETADO)

• III – complementação de metas estabelecidas no Plano Geral de Metas de Universalização para atendimento de comunidades de baixo poder aquisitivo;

• IV – implantação de acessos individuais para prestação do serviço telefônico, em condições favorecidas, a estabelecimentos de ensino, bibliotecas e instituições de saúde;

Modelo em transição• V – implantação de acessos para utilização de serviços de

redes digitais de informação destinadas ao acesso público, inclusive da internet, em condições favorecidas, a instituições de saúde;

• VI – implantação de acessos para utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso público, inclusive da internet, em condições favorecidas, a estabelecimentos de ensino e bibliotecas, incluindo os equipamentos terminais para operação pelos usuários;

• VII – redução das contas de serviços de telecomunicações de estabelecimentos de ensino e bibliotecas referentes à utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso do público, inclusive da internet, de forma a beneficiar em percentuais maiores os estabelecimentos freqüentados por população carente, de acordo com a regulamentação do Poder Executivo;

Modelo em transição

• De onde surgiu a internet na regulamentação do

FUST, se o fundo era de universalização, e o único

serviço universalizável era, e é, o STFC, aquele

prestado em regime público?

• Por que os formuladores da LGT não anteciparam

a internet, se ela já era matéria de política pública

desde, por exemplo, só pra ficar no caso brasileiro,

os debates, entre 1991 e 1994, que geraram a Lei

de TV a Cabo?

Modelo em transição• No Fust, e seus paradoxos, uma síntese das virtudes e vícios do

modelo institucional das telecomunicações derivado da LGT.

• No paradoxo da radiodifusão, na separação constitucional entre o gênero telecomunicações e a espécie radiodifusão, um vício estrutural, que torna a ideia de convergência uma virtual impossibilidade em nosso ambiente político-normativo das comunicações.

• Nas telecomunicações, o vício de origem, traduzido na primazia do STFC, produziu uma sequência de arranjos normativos parciais – a começar pela lei do Fust - que, em tese, comprometem o debate e formulação de um modelo institucional convergente para as comunicações brasileiras.

Modelo em transição• Decreto 7.175, de 12/05/2010

• Art. 1o Fica instituído o Programa Nacional de Banda Larga - PNBL com o objetivo de fomentar e difundir o uso e o fornecimento de bens e serviços de tecnologias de informação e comunicação, de modo a:

• I - massificar o acesso a serviços de conexão à Internet em banda larga;

• II - acelerar o desenvolvimento econômico e social;

• III - promover a inclusão digital;

• IV - reduzir as desigualdades social e regional;

• V - promover a geração de emprego e renda;

• VI - ampliar os serviços de Governo Eletrônico e facilitar aos cidadãos o uso dos serviços do Estado;

• VII - promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação; e

• VIII - aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras.

Modelo em transição• Art. 2o O PNBL será implementado por meio das ações

fixadas pelo Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital -CGPID, instituído pelo Decreto no 6.948, de 25 de agosto de 2009.

• Art. 3o Compete ao CGPID, além das atribuições previstas no art. 2º do Decreto nº 6.948, de 2009, a gestão e o acompanhamento do PNBL, cabendo-lhe:

• I - definir as ações, metas e prioridades do PNBL;

• II - promover e fomentar parcerias entre entidades públicas e privadas para o alcance dos objetivos previstos no art. 1o;

• III - fixar a definição técnica de acesso em banda larga, para os fins do PNBL;

• IV - acompanhar e avaliar as ações de implementação do PNBL; e

• V - publicar relatório anual das ações, metas e resultados do PNBL.

Modelo em transição• Art. 4o Para a consecução dos objetivos previstos no art. 1o,

nos termos do inciso VII do art. 3o da Lei no 5.792, de 11 de julho de 1972, caberá à Telecomunicações Brasileiras S.A. -TELEBRÁS:

• I - implementar a rede privativa de comunicação da administração pública federal;

• II - prestar apoio e suporte a políticas públicas de conexão à Internet em banda larga para universidades, centros de pesquisa, escolas, hospitais, postos de atendimento, telecentros comunitários e outros pontos de interesse público;

• III - prover infraestrutura e redes de suporte a serviços de telecomunicações prestados por empresas privadas, Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos; e

• IV - prestar serviço de conexão à Internet em banda larga para usuários finais, apenas e tão somente em localidades onde inexista oferta adequada daqueles serviços.

Modelo em transição• § 1o A TELEBRÁS exercerá suas atividades de acordo com a

legislação e a regulamentação em vigor, sujeitando-se às obrigações, deveres e condicionamentos aplicáveis.

• § 2o Os sistemas de tecnologia de informação e comunicação destinados às atividades previstas nos incisos I e II do caput são considerados estratégicos para fins de contratação de bens e serviços relacionados a sua implantação, manutenção e aperfeiçoamento.

• § 3o A implementação da rede privativa de comunicação da administração pública federal de que trata o inciso I do caput consistirá na provisão de serviços, infraestrutura e redes de suporte à comunicação e transmissão de dados, na forma da legislação em vigor.

• § 4o O CGPID definirá as localidades onde inexista a oferta adequada de serviços de conexão à Internet em banda lagra a que se refere o inciso IV do caput.

Modelo em transição• Art. 5o No cumprimento dos objetivos do PNBL, fica

a TELEBRÁS autorizada a usar, fruir, operar e manter a infraestrutura e as redes de suporte de serviços de telecomunicações de propriedade ou posse da administração pública federal.

• Parágrafo único. Quando se tratar de ente da administração federal indireta, inclusive empresa pública ou sociedade de economia mista controlada pela União, o uso da infraestrutura de que trata o caput dependerá de celebração de contrato de cessão de uso entre a TELEBRÁS e a entidade cedente.

Modelo em transição• LGT nasceu defasada; e ‘divergente’

• FUST foi o sintoma precoce

• PNBL foi, e continua sendo, uma colcha de retalhos• Como tem sido os remendos feitos durante os processos de

revisão dos contratos de concessão

• Demora em reconhecer o imperativo de se debater um novo modelo, convergente

• Convergente porque deve incluir o que a Constituição Federal, Artigo 222, denominou, a partir de 2002, de comunicação social eletrônica: TV digital, aberta e por assinatura, e a ‘internet’

PLC 79/2016 e o ‘novo modelo’• Pontos para discussão:

• Phasing out do STFC

• Concessão / autorização

• Bens reversíveis, e a polêmica dos 110 bilhões

• PNBL 2: investimentos em banda larga

• Flexibilização de uso de espectro