Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

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Autores: Ana Margarida Ramos, Ana Paula Almeida, Paulo Alexandre Pereira, Sara Reis da Silva. / Conceção e elaboração: Universidade de Aveiro. / Coordenação geral do Projeto: Isabel P. Martins e Ângelo Ferreira. / Cooperação entre o Ministério da Educação de Timor-Leste, o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, a Fundação Calouste Gulbenkian e a Universidade de Aveiro. / Financiamento do Fundo da Língua Portuguesa.

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República Democrá ca de Timor-LesteMinistério da Educação

Guia do ProfessorTEMAS DELITERATURA ECULTURA12. ano de escolaridade

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Guia do ProfessorTEMAS DELITERATURA ECULTURA12.o ano de escolaridade

Projeto - Reestruturação Curricular do Ensino Secundário Geral em Timor-Leste

Cooperação entre:Ministério da Educação de Timor-Leste | Camões - Instituto da Cooperação e da Língua | Fundação Calouste Gulbenkian | Universidade de Aveiro

Financiamento do Fundo da Língua Portuguesa

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Este guia de professor é propriedade do Ministério da Educação da República Democrática de Timor-Leste, estando proibida a sua utilização para fins comerciais.

Os sítios da Internet referidos ao longo deste livro encontram-se ativos à data de publicação. Considerando a existência de alguma volatilidade na Internet, o seu conteúdo e acessibilidade poderão sofrer eventuais alterações. Caso tenha sido inadvertidamente esquecido o pedido de autorização de uso de algum material protegido por copyright, agradece-se que seja comunicado, a fim de serem tomadas as providências adequadas.

TítuloTemas de Literatura e Cultura - Guia do Professor

Ano de escolaridade12.o Ano

AutoresAna Margarida RamosAna Paula AlmeidaPaulo Alexandre PereiraSara Reis Da Silva

Coordenadora de disciplinaAna Margarida Ramos

Colaboração das equipas técnicas timorenses da disciplina Este guia foi elaborado com a colaboração de equipas técnicas timorenses da disciplina,sob a supervisão do Ministério da Educação de Timor-Leste.

IlustraçãoMasi Olarinda - ConspiraçãoMaria Gabriela Carrascalão

Design e PaginaçãoEsfera Crítica Unipessoal, Lda.Sofia Simões

1ª Edição

Conceção e elaboraçãoUniversidade de Aveiro

Coordenação geral do ProjetoIsabel P. MartinsÂngelo Ferreira

Ministério da Educação de Timor-Leste

2014

ISBN978 - 989 - 753 - 135 - 4

Impressão e AcabamentoCreativa Design Consultant, Lda.

Tiragem300 exemplares

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Índice

Agradecimentos

1 Apresentação

2 Sugestões de operacionalização do programa

3 Orientações metodológicas

4 Sugestões de apoio à utilização do manual (tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta)

Unidade Temática 1: Estéticas da brevidade – O ContoUnidade Temática 2: O Romance como género narrativoUnidade Temática 3: Relações interartísticas

5 Textos e atividades complementares1. Sobre O Anjo de Timor, de Sophia de Mello Breyner Andresen2. Sugestões de atividades em torno dos contos

2.1. O Anjo de Timor2.2. “O Fazedor de Luzes”2.3. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

3. Proposta complementar para o estudo do conto. Análise de A Ilha Desconhecida de José Saramago4. Análise de textos complementares

6 Textos de apoio

7 Avaliação

8 Bibliografia

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Agradecimentos

Os autores agradecem aos herdeiros de José Saramago e à sua editora

a autorização para a inclusão, neste guia, da versão integral do conto

A Ilha Desconhecida. Agradecem, igualmente, a João Paulo Esperança

a cedência da tradução para tétum, do conto O Anjo de Timor,

de Sophia de Mello Breyner Andresen, assim como as sugestões

fornecidas. Exprimem ainda o seu reconhecimento a Urraca Magno

de Corte-Real Araújo, pela autorização para a reprodução neste guia

de um excerto da sua tese de mestrado.

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I. Apresentação

O programa de Temas de Literatura e Cultura pretende construir-se com base no desafio da descoberta

e do diálogo; deste modo, propõem-se atividades que mobilizem a investigação, a pesquisa e a reflexão sobre

e com textos diversificados, cruzando-os com as mundividências de professores e de alunos e com o estado do

conhecimento pedagógico da atualidade, promotores da construção individual e interventiva do saber, tendo

como indeclinável ponto de partida as preferências e os gostos do aluno.

O guia do professor acompanha as orientações subjacentes ao programa da disciplina, disponibilizando

informação teórica relevante, sínteses e esquemas, sugestões de atividades alternativas e/ou complementares,

propostas de exploração de documentos de natureza diversificada, material de apoio, bem como tópicos de

leitura e cenários de resposta. Estes últimos servem de apoio ao professor na correção dos exercícios e guiões

do manual, mas não podem ser vistos como respostas únicas e fechadas, soluções exclusivas para as questões

formuladas. Privilegia-se o uso de esquemas, simplificando a apresentação da informação, e de sugestões

práticas, tendo em vista a sua utilização em sala de aula. Em muitos casos, o professor poderá completar a

informação apresentada recorrendo à bibliografia específica.

A disciplina de Temas de Literatura e Cultura organiza-se em torno de núcleos temáticos relevantes, sele-

cionados de acordo com a sua pertinência e adequação ao contexto de Timor-Leste. Apresenta, como objetivos

primordiais, o desenvolvimento de competências variadas nas áreas da literatura e da cultura, familiarizando os

alunos com um património vasto de textos de distinta proveniência; a ampliação de competências de leitura e

de domínio oral e escrito da língua portuguesa; o estabelecimento de relações entre os vários anos curriculares,

com vista à consolidação de conhecimentos e de competências, evitando a sua segmentação em blocos estan-

ques. Para o efeito, o programa da disciplina estabelece rumos pedagógicos, fornecendo ao professor indicações

sobre a forma como organizar e gerir a sua prática letiva, permitindo-lhe, mesmo assim, ampla liberdade na

seleção dos materiais, na sequenciação das unidades e dos temas, e na gestão do dia a dia da prática letiva.

Privilegiam-se momentos de reflexão e de diálogo para suscitar o desenvolvimento de perceções novas, a par-

ticipação responsável e relevante dos alunos no processo de construção do saber, a promoção de uma atitude

dinâmica, um tratamento rigoroso e criativo dos conteúdos, procurando corresponder à diversidade das neces-

sidades e motivações dos alunos, assim como a construção de uma relação significativa entre os alunos e as suas

representações do mundo, por meio da fala e da escrita, o incentivo à autonomia e aos olhares alternativos e,

ainda, o compromisso e a corresponsabilização de alunos e professores.

O Manual do Aluno, com o qual o presente Guia estabelece uma relação próxima, prevê o aprofundamento

e ampliação de alguns horizontes teóricos já conhecidos dos alunos e centra-se no estudo de três unidades

nucleares, dedicadas respetivamente ao conto, ao romance e às relações interartísticas.

Em termos gerais, o manual, ao qual o presente guia serve de apoio, visa aproximar os alunos de um

elenco muito amplo de textos de distinta tipologia e de diversa proveniência cultural e geográfica, mas com

natural preponderância do contexto lusófono, nele se encontrando representados designadamente os espaços

literários timorense, português, brasileiro e moçambicano. Pretendeu-se, deste modo, proporcionar aos alunos,

pela intermediação do texto de cunho documental e/ou literário, contacto com novas visões do mundo e

práticas culturais, permitindo-lhes a ponderação crítica de coincidências e singularidades por confronto com o

seu próprio universo experiencial. Pela sua importância na formação estética e, mais latamente, cívico-cultural

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Apresentação | 7

dos destinatários, concedeu-se assumido destaque à literatura timorense, sobretudo à poesia e ao romance,

esperando-se, assim, estimular a sua divulgação junto dos alunos e da comunidade em geral e, em última

instância, a sua validação estético-cultural.

Na constituição do elenco de textos, foram tomados em consideração os critérios de atualidade,

representatividade e consenso crítico, privilegiando áreas temáticas consonantes com os centros de interesse

dos alunos e julgadas aptas a potenciar as suas competências problematizantes e judicativas.

Acompanhando o trabalho do Manual, que dá especial destaque ao modo narrativo, propondo o estudo

de três contos e a leitura integral de um romance, este guia procura completar o trabalho realizado com o Manual,

sugerindo atividades complementares e leituras de aprofundamento. Valorizando a literatura timorense e a

literatura sobre Timor-Leste, pretende-se que a escolha dos textos promova a identificação dos alunos com os

universos de referência neles evocados/recriados, tomando em consideração a proximidade espacial e temporal

destes com os autores e narrativas selecionados. Nesta medida, optou-se, no caso do conto, por completar a

oferta do Manual, selecionando mais um texto passível de análise, A Ilha Desconhecida, de José Saramago. É

ainda facultada uma tradução para tétum do conto de Sophia de Mello Breyner Andresen, O Anjo de Timor, de João

Paulo Esperança. Este material pode permitir a realização de atividades de comparação e até de tradução, com vista

ao enriquecimento da interpretação e das competências comunicativas em ambas as línguas oficiais timorenses.

No tocante ao romance, e atendendo ao contexto de implementação do Manual, selecionou-se a obra

inaugural de Luís Cardoso, Crónica de uma Travessia. A época do Ai-Dik-Funam, pela natural identificação que pode

estimular junto dos destinatários potenciais, além de contribuir para a divulgação, em contexto timorense, de

um dos autores mais relevantes da literatura nacional. No Guia, são fornecidos textos de apoio complementares

à leitura e análise do romance, diversificando os pontos de vista críticos por ele sugeridos e promovendo o

diálogo e a discussão em torno de algumas linhas de sentido dominantes.

O guia integra, ainda, em apoio e complemento à unidade três do manual, textos relevantes sobre

diversas manifestações artísticas, procurando desenvolver a sensibilidade estética do aluno e atenção, mas

também o espírito crítico e a capacidade de expressão em torno do objeto artístico.

Neste guia, é possível encontrar textos suplementares e respetivos guiões de leitura, em complemento

aos incluídos no Manual. Permitem ao professor diversificar as atividades propostas, mas também auxiliá-lo, por

exemplo, na organização de instrumentos de avaliação, como os testes formativos e sumativos.

Aconselha-se vivamente os professores a consultarem os Guias do Professor dos anos anteriores nos

quais, para além de um glossário de termos literários, é possível encontrar um conjunto amplo de materiais

pedagógicos de apoio ao trabalho em sala de aula.

Uma nota final para esclarecer que os autores deste guia optaram, à semelhança do que ocorrera já

com os materiais didáticos dos 10º e 11º anos, por adequar todos os textos ao Acordo Ortográfico da Língua

Portuguesa, familiarizando os alunos com a norma que se encontra em vigor, no sistema educativo português,

desde o ano letivo de 2011-2012, sem que, no entanto, estes deixem de contactar com as distintas variedades

que a caracterizam e enriquecem. Nessa medida, apesar de, nos textos de autoria brasileira e africana, terem

sido introduzidas as alterações ortográficas prescritas pelo Acordo, mantêm-se, naturalmente, inalteradas todas

as características (lexicais ou sintáticas, por exemplo) da variante respetiva.

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II. Sugestões de operacionalização do programa

Formulado em articulação lógica com os programas dos anos anteriores, na medida em que nele se

retomam parcialmente alguns horizontes teóricos e conteúdos conceptuais já abordados anteriormente, o

presente programa estrutura-se em três macrounidades, centradas em torno das formas narrativas do conto e

do romance e das relações interartísticas.

Concretamente, o programa concretizar-se-á na abordagem de textos variados, tanto literários como

não literários, pertencentes a universos linguísticos, literários e culturais diversos, com particular incidência na

área lusófona, designadamente na emergente literatura timorense, procurando-se, assim, contribuir para a sua

validação estética e legitimidade institucional. Foram valorizados autores contemporâneos, estimulando-se uma

leitura comparatista dos textos selecionados. Os textos foram escolhidos segundo critérios de proximidade e

afinidade semânticas, privilegiando universos reconhecíveis pelos alunos, nomeadamente temáticas ligadas à

identidade, mas também à História, à Natureza, à viagem e às relações com o sagrado e o religioso e com o

universo tradicional.

Em sintonia com a vocação estético-formativa e com a orientação disciplinar subjacentes à disciplina

de Temas de Literatura e Cultura, o programa de 12.º ano, além de visar familiarizar o aluno com o fenómeno

literário (e, mais latamente, estético) e com algumas das suas vertentes/especificidades, valorizando o texto

como construção artística, prescreve a leitura, análise e interpretação de um corpus selecionado como estratégia

complementar de promoção do exercício crítico e da apreciação valorativa, tendo como corolário o alargamento

dos horizontes culturais do aluno.

Com as diferentes modalidades de leitura que o programa propõe, abrem-se possibilidades quer ao nível

da pesquisa seletiva e/ou direcionada, quer quanto às hipóteses de estudo comparativo/contrastivo de uma

pluralidade de modalidades textuais, permitindo, por exemplo, reconhecer e diferenciar géneros e tipologias,

modos de expressão ou, ainda, similitudes ou dissemelhanças temático-formais. O contacto sistemático e

plurimodal com textos (orais e escritos) deverá, ainda, estimular o exercício da escrita ou da prática da língua

portuguesa, com vista à aquisição/consolidação de um registo adequado, rigoroso e pessoal. Neste âmbito, são

propostos exercícios expressivo-criativos, como a redação livre ou dirigida, a reescrita ou reinvenção, entre outros.

A prática da oralidade, desejando-se continuada, recorrente, orientada e planificada, reveste-se, igualmente, de

um caráter plural, integrando exercícios como o debate, o role-play, o depoimento, a exposição, a entrevista, entre

outros. A opção por metodologias diversificadas, especialmente colaborativas e/ou o trabalho de projeto e/ou

de investigação, assentes em tarefas individuais, de pares, de grupo ou de turma, determinará um envolvimento

dos alunos na programação das atividades a desenvolver no âmbito da disciplina e na progressiva capacidade de

autogestão da sua aprendizagem/conhecimento. Englobando os conteúdos processuais exigidos pelo Programa

de Temas de Literatura e Cultura para o 12º ano, as sequências organizam-se em torno de competências nucleares,

e de acordo com um conjunto de secções que se sucedem, conjugam e complementam:

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Sugestões de operacionalização do programa | 9

Oralidade

Objetivos Específicos Atividades de aprendizagem Instrumentos de avaliação*

– Captar as ideias essenciais e as intenções de textos orais de diferentes tipos e níveis de formalização, reconhecendo ideias expressas, estabelecendo relações lógicas e realizando deduções e inferências

– Produzir textos orais de diferentes tipos e de níveis distintos de formalização, realizando operações de planificação, cumprindo as propriedades da textualidade e adequando o discurso à finalidade e à situação de comunicação

– Exprimir oralmente ideias, opiniões, vivências e factos, de forma fluente, estruturada e fundamentada

– Participação em fóruns de leitura, clubes de leitura ou tertúlias

– Realização de debates e confronto de ideias

– Formulação e reflexão de hipóteses interpretativas

– Exposição oral de trabalhos de pesquisa

– Dramatizações

– Observação direta da participação e do empenho dos alunos na sala de aula e na realização dos trabalhos de casa

– Questionários orais e escritos

– Fichas de trabalho variadas

– Apresentações orais

– Trabalhos individuais, em pares e em grupo

– Produções textuais orais

Leitura

Objetivos Específicos Atividades de aprendizagem Instrumentos de avaliação*– Utilizar estratégias de leitura diversificadas; – Captar o sentido e interpretar textos escritos– Reconhecer, distinguindo as nucleares das acessórias, as ideias expressas– Estabelecer relações lógicas– Realizar deduções e inferências– Analisar propriedades específicas de diferentes tipologias textuais– Interpretar relações entre a linguagem verbal e códigos não verbais– Manifestar preferências na seleção de leituras e exprimir as suas opiniões e gostos sobre textos lidos– Relacionar diferentes textos por se-melhança ou contraste (tema/forma)

– Leitura para informação e estudo– Leitura silenciosa (individual)– Leitura em voz alta– Leitura expressiva– Leitura coral (em grupo)– Leitura dramatizada– Leitura orientada– Leitura recreativa– Leitura extensiva versus leitura intensiva– Leitura global versus leitura seletiva– Leitura exploratória versus leitura aprofundada– Declamações / Poetry SlamPerformances– Maratonas de leitura

– Observação direta da participação e do empenho dos alunos na sala de aula e na realização dos trabalhos de casa – Questionários orais e escritos– Fichas de trabalho variadas– Fichas de leitura (ver modelos propostos no guia do professor do 10º ano)– Produções textuais – Trabalhos de pesquisa (individual, em pares, em grupo)

* Ver grelhas de apoio à avaliação incluídas no guia do professor do 10º ano.

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10 | Sugestões de operacionalização do programa

Escrita

Objetivos Específicos Atividades de aprendizagem Instrumentos de avaliação*

– Produzir textos de várias tipologias, realizando operações de planificação, cumprindo as propriedades da textualidade (continuidade, progressão, coesão e coerência) com finalidades diversas e destinatários diferenciados, respeitando a respetiva matriz discursiva– Exprimir ideias, opiniões, vivências e factos, de forma pertinente, estruturada e fundamentada– Realizar operações de revisão de texto, procedendo às necessárias correções/reformulações

– Redação de pequenos ensaios críti-cos/analíticos– Reescrita e/ou escrita criativa por motivação temática ou formal, por imitação ou transformação– Criação conjunta de ficheiros relati-vos a textos e a experiências de leitura– Elaboração de questionários – de escolha múltipla, de verdadeiro/falso, de análise literária e estilística– Realização de trabalhos de pesquisa– Elaboração de antologias – temáticas, autorais– Elaboração de anúncios– Ilustração de poemas, contos ou cenas– Conversão de textos em guiões de te-atro, radiofónicos ou cinematográficos– Organização de um portefólio– Divulgação de pesquisas, leituras e escritas em jornais, revistas, blogues…)

– Observação direta da participação e do empenho dos alunos na sala de aula e na realização dos trabalhos de casa – Questionários escritos– Fichas de trabalho variadas– Fichas de leitura – Produções textuais – Trabalhos de pesquisa (individual, em pares, em grupo)– Portefólio (ver indicações para a sua construção no guia do professor do 10º ano)

* Ver grelhas de apoio à avaliação incluídas no guia do professor do 10º ano.

De modo a apoiar o trabalho do professor e, inclusivamente, promovendo uma atitude de autoformação contínua, aconselha-se fortemente a consulta assídua do Guia do Professor da disciplina de Temas de Literatura e Cultura do 10º ano, nomeadamente dos seguintes capítulos: (4) Tratamento de informação e organização do trabalho; (5) Leitura; (6) Da expressão/compreensão oral à expressão escrita; (7) Modos literários e análise

textual; (8) Texto não literário; (10) Material de apoio ao trabalho do professor e, finalmente, (11) Glossário.

Em termos de calendarização da lecionação das unidades temáticas prevista, propõe-se a seguinte organização,

ajustável, naturalmente, ao contexto e as características das turmas (dificuldades; gostos; progressos, etc.):

1º período 2º período 3º períodoUnidade Temática 1:

Estéticas da brevidade – O Conto

Unidade Temática 2:

O Romance como género narrativo

Unidade Temática 3:

Relações interartísticas

Uma nota final: O programa e o manual respetivo preveem a leitura integral do romance selecionado que deve ser facultado aos alunos. O Guião de Leitura do romance presente no Manual só pode ser cabalmente explorado com base nesse pressuposto. Contudo, nos casos em que tal não for possível, aconselha-se a leitura de capítulos do romance e a análise de excertos. Com o objetivo de facilitar esta tarefa, foram integrados três excertos no Manual e um no

Guia do Professor.

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III. Orientações metodológicas

1. Operacionalização

A operacionalização do programa de Temas de Literatura e Cultura prevê um ensino centrado no

aluno e no desenvolvimento das suas competências, nomeadamente as relacionadas com a compreensão de

documentos escritos (textos literários e não literários). O papel do professor deve ser o de um modelo de leitor

capaz de orientar o processo de aprendizagem do aluno, tendo em vista a sua progressiva autonomização.

Neste sentido, o professor desempenha um papel muito relevante, ajudando o aluno a superar as suas

dificuldades (desconhecimento de léxico; falta de referências literárias e/ou históricas, etc.), mas não centrando

exclusivamente as atividades na exposição de conteúdos sobre o texto ou sobre o seu contexto de produção.

Pretende-se que o aluno seja capaz de se relacionar comunicativamente com textos que não conhece,

descobrindo-lhe os sentidos, interrogando-os e interrogando-se sobre a mensagem que encerram. O processo

de descoberta progressiva do universo literário contempla a relação pessoal do leitor com o texto, a criação de

hipóteses de interpretação, o preenchimento dos espaços em branco do texto e a formulação de juízos pessoais

(sempre devidamente orientados e fundamentados) sobre o que se lê. Ainda que incompletas, as leituras

pessoais/individuais dos alunos devem ser incentivadas, assim como deve ser estimulada a leitura de bibliografia

secundária, com vista ao enriquecimento das primeiras leituras, sustentando as conclusões deduzidas. O trabalho

de pesquisa e de investigação, individual ou em grupo, deve ser promovido, tendo em vista o desenvolvimento das

competências de leitura de textos diversos, a seleção de informação pertinente e o enriquecimento da enciclopédia

do leitor, capacitando-o para o processo de leitura, para além de desenvolver hábitos e métodos de estudo.

A aula, é ainda, um espaço de liberdade e de criatividade, sobretudo se tivermos em conta que grande

parte dos textos lidos e estudados é de modalidade lírica e pode incentivar atividades de recriação e de reescrita,

ou de transposição interartística, por exemplo. A expressão pessoal de gostos e de interesses tem lugar na aula,

sobretudo se fundamentada.

A leitura dos textos pode ser realizada de formas diferentes. A padronização da leitura pela rotina não

ajuda à aproximação do leitor ao texto e, por isso, o professor deve propor formas alternativas de ler, tendo em

conta a situação, o texto e os objetivos da leitura. Entre as modalidades mais comuns de leitura, todas passíveis

de serem usadas na aula, encontram-se as seguintes:

ouvir ler leitura dramatizada

leitura para informação e estudo leitura orientada

leitura silenciosa (individual) leitura recreativa

leitura em voz alta leitura extensiva versus leitura intensiva

leitura expressiva leitura global versus leitura seletiva

leitura coral (em grupo) leitura exploratória versus leitura aprofundada

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12 | Orientações metodológicas

As modalidades de leitura têm que ver com o objetivo principal com que aquela é realizada, ou seja, a

finalidade para que se orienta. De entre as modalidades possíveis de leitura, destaquem-se as seguintes:

Leitura recreativa ou fruitiva (ler por prazer) – leitura de fruição, também ligada ao entretenimento e à distração, decisiva para a criação de hábitos de leitura;

Leitura informativa, funcional ou instrumental (ler para saber) – leitura realizada com um fim específico (aceder a informação, resolver um problema, etc.);

Leitura formativa, analítica e crítica (ler para estudar, analisar, interpretar e refletir) – leitura realizada tendo em vista a interpretação e construção do significado do texto.

A explicitação, junto dos alunos, das várias formas e modalidades de leitura ajuda a diversificar a relação

dos alunos com os textos, encorajando-os a uma aproximação pessoal, construída de forma gradual, ao universo

literário. O seu uso alternado pode, ainda, variar ritmos e dinâmicas de lecionação, introduzindo novidade na

prática letiva e conduzindo, em alguns casos, a experiências gratificantes.

As atividades direta ou indiretamente relacionadas com a leitura foram divididas em três fases:

pré-leitura, leitura e pós-leitura.

A pré-leitura destina-se a ativar conhecimentos prévios que os alunos tenham acerca do assunto ou do

próprio texto, tendo em vista a construção de um horizonte de expetativas, decisivo para o estabelecimento de

uma relação produtiva do leitor com o texto. Trata-se, no fim de contas, de suscitar a curiosidade e predispor os

alunos para a leitura. A pré-leitura pode ser realizada através de várias atividades:

– Estratégias de exploração dos elementos paratextuais (títulos e subtítulos, elementos visuais, prólogos e prefácios, advertências ao leitor, etc.)

– Guias de antecipação

– Questionários prévios à leitura da obra

– Conversa acerca de livros (“Book Talk”/”Book Bits”)

– Mapas semânticos, mapas de contrastes

A leitura visa facilitar a compreensão, dirigindo a atenção do aluno para informação relevante, de acordo

com os objetivos previstos (por exemplo, identificar o tema, caracterizar personagens, analisar o estilo, etc.). O

guião de leitura utilizado, com tópicos relevantes ou perguntas, detém uma importância nuclear no processo de

leitura, orientando-o e, a pouco e pouco, auxiliando o aluno a que o desempenhe de forma autónoma. Atividades

como os registos de leituras realizadas, por exemplo, permitem a sistematização de técnicas e processos de

leitura. Outras estratégias auxiliares (a necessitarem, igualmente, de prática sistemática) do processo de leitura

são o recurso ao sublinhado, a tomada de notas e a elaboração de esquemas.

A pós-leitura está associada, geralmente, a atividades de alargamento da interpretação, podendo incluir a

produção escrita e a expressão oral. Tem como principais objetivos promover a reflexão, facilitando a elaboração

de sínteses (com vista à organização da informação) e a confirmação de expetativas. Pode, inclusivamente,

promover a expressão de respostas pessoais dos leitores face ao texto, assim como o estabelecimento de

relações de analogia ou contraste entre textos. A construção criativa de textos e a elaboração de esquemas ou

mapas de síntese são algumas atividades utilizadas, tendo em vista a consolidação de competências de leitura.

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Orientações metodológicas | 13

A disciplina de Temas de Literatura e Cultura procura, ainda, desenvolver a aprendizagem da língua

portuguesa, proporcionando experiências relevantes e significativas para os alunos, tanto ao nível da escola

como da comunidade. A seleção de textos revela-se, neste sentido, crucial para o desenvolvimento das

competências já enunciadas. Para além das sugestões contidas no programa, o professor pode e deve encontrar

outras propostas de leitura adequadas e atraentes para os seus alunos, tendo em conta os seguintes critérios

que devem invariavelmente nortear a seleção:

Qualidade literária;

Integridade – privilegiar textos completos em detrimento de fragmentos ou de adaptações;

Progressão – partir de textos mais simples e, talvez, mais breves, para textos mais extensos e mais complexos, naturalmente mais exigentes em termos de interpretação;

Diversidade e Representatividade – seleção de textos de diferentes tipologias – incluindo os não literários – e procedentes de diferentes línguas e culturas;

Intertextualidade – seleção de textos e obras que dialoguem entre si, recuperando temas e motivos, através de alusões ou paródias, chamando a atenção para o cariz simultaneamente singular e integrativo dos textos;

Identificação – seleção de obras ou textos significativos, sob diferentes pontos de vista, para os alunos e em função da sua experiência de vida;

Acessibilidade – seleção de textos, tendo em conta a sua existência e disponibilidade no contexto educativo específico.

Procede-se, a título exemplificativo e sem pretensões de exaustividade, a uma enumeração de diferentes

textos, literários e não literários, suscetíveis de serem selecionados para abordagem nas aulas de Temas de

Literatura e Cultura:

Textos literários e paraliterários

– narrativas literárias em língua portuguesa (de Portugal, dos países de língua oficial portuguesa, traduções da literatura universal…)

– literatura popular e tradicional (cancioneiro, romanceiro, contos, mitos, fábulas, lendas, …)

– narrativas juvenis de diferentes tipos (realistas, de mistério, de aventura, fantásticas, de ficção científica)

– banda-desenhada e/ou narrativas gráficas

– textos dramáticos

– poesia, textos de canções

– crónica

– relatos de viagens

– géneros biográficos (autobiografias, diários, memórias)

Textos não literários

– ensaios; discursos

– textos jornalísticos (notícia, reportagem, texto de opinião, crónica, recensão, crítica, entrevista)

– relatos de viagem

– textos de cariz pedagógico ou divulgativo, nomeadamente extraídos de manuais escolares; excertos de textos de divulgação científica; textos de obras de referência (enciclopédias e dicionários)

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14 | Orientações metodológicas

– material informativo e publicitário diversificado (folhetos, brochuras, publicidade escrita)

– textos de comunicação de tipo variado (cartas, correio eletrónico, convites, avisos, recados)

– textos destinados à comunicação digital (blogue, fórum, comentários)

– textos usados para compilar informação (índices, ficheiros, catálogos, glossários) ou para a organizar,

sintetizar e sistematizar (roteiros, sumários, legendas, notas, esquemas, planos)

Sugestões de recursos didáticos

Apesar da existência de uma inegável limitação ao nível da acessibilidade dos recursos didáticos por

parte de professores e de alunos e da grande variedade de contextos escolares e letivos, optou-se por deixar

listadas várias sugestões, tendo em vista não só a melhoria previsível da situação atual ou do contexto à data da

elaboração do presente Guia, como a divulgação de recursos úteis, numa estratégia de sensibilização e formação

dos vários agentes educativos. O guia do professor integra recursos adicionais e complementares dos do manual

do aluno, podendo ser utilizados na sala de aula, de acordo com os objetivos e organização do professor.

Material de uso quotidiano – Caderno diário, quadro, giz, manual, textos policopiados de diferentes

origens, fichas de trabalho, informativas e/ou de sistematização das aprendizagens realizadas.

Material técnico de apoio – cassetes de áudio e vídeo; leitor/gravador; cassetes e CD; televisor;

retroprojetor; computador em rede; impressora; auscultadores.

Material de recolha e de divulgação de produções dos alunos - portefólio, jornal de turma ou de escola,

jornal de parede.

Instrumentos de apoio ao ensino e à aprendizagem – gramáticas, dicionários (de língua, de autores, de

símbolos, de mitos, de rimas, do livro, etimológicos, etc.), prontuários, enciclopédias (de arte, de história…) e

outras obras de referência e de consulta, como Histórias de Arte ou História da Literatura, ou simples auxiliares

de trabalho, em suporte convencional ou digital (ver lista de sítios da internet incluída no final do Guia).

Banco de imagens e documentos audiovisuais – músicas, filmes, imagens (reproduções de ilustrações,

pinturas, fotografias, mapas), posters, diapositivos, registos áudio e vídeo de poemas musicados e/ou declamados;

de histórias narradas oralmente; de músicas ou excertos; de representações teatrais, livros eletrónicos.

Material autêntico – jornais, revistas (se possível alguns literários), brochuras, folhetos, publicidades.

Biblioteca escolar e/ou sala de leitura e centro de recursos (incluindo, de preferência, as tecnologias de

informação e de comunicação) – estes contextos são particularmente importantes para a formação de leitores

e a divulgação do escrito, tornando-o próximo do universo de referências e de vivências dos alunos. Funcionam,

além disso, como polos disseminadores de atividades pedagógicas e culturais, centros de cultura, pontes com a

família e a comunidade.

Comunidade e agentes culturais – salas de exposições, museus, eventos e locais de interesse cultural,

associações, feira do livro, salas de espetáculos, livraria, teatro.

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15

IV. Sugestões de apoio à utilização do manual (tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta)

Unidade Temática 1: Estéticas da brevidade – O Conto

A unidade temática sobre o conto visa sensibilizar os alunos para as características e possibilidades

de concretização ficcional de um género com presença expressiva na literatura moderna e

contemporânea, cultivado, com renovada vitalidade, em múltiplas línguas, literaturas e culturas,

objeto de tratamento literário assíduo e de estudos teóricos que sustentam a sua legitimidade e

estatuto canónico.

Os alunos devem ser capazes de:

1. caracterizar o conto literário contemporâneo como género autónomo, distinguindo-o do conto

tradicional, mas nele rastreando processos e traços estilísticos evocativos dessa memória oral

2. identificar as diferentes categorias da narrativa, procedendo à sua análise para cada um dos contos

estudados, determinando os efeitos da brevidade e condensação diegéticas:

a. identificar personagens e proceder à sua caracterização;

b. sintetizar a ação e explicar o seu desenvolvimento;

c. localizar a ação no espaço e no tempo;

d. identificar o narrador e caracterizá-lo quanto à participação e focalização.

3. identificar o tema principal dos contos lidos, esclarecendo a sua concretização técnico-narrativa

4. caracterizar, no plano retórico-estilístico, os contos lidos e analisados

5. deduzir mensagens explícitas e implícitas nos textos lidos

6. comparar textos lidos, identificando semelhanças e proximidades semântico-formais, propondo a sua

organização segundo ciclos temáticos ou morfológicos

7. emitir a opinião sobre textos lidos, de forma crítica e judicativamente fundamentada

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16 | Sugestões de apoio à utilização do manual

Competências Nucleares

Oralidade Leitura Escrita

– Debate orientado, diálogo entre pares e exposições orais sobre os temas abordados

– Comentário oral sobre textos lidos

– Debate sobre posições e pontos de vista deduzidos a partir dos contos

– Exposição comentada de ilustrações

...

– Pesquisa seletiva de informação biobibliográfica relativa ao autor/texto em estudo

– Análise de paratextos e formulação de hipóteses interpretativas

– Análise formal e interpretação de contos

– Análise contrastiva de temas e tópicos

– Microanálise textual (análise intensiva)

– Leitura comparativa dos vários contos estudados, através da identificação de motivos comuns; semelhanças na perspetiva ou ponto de vista adotado; proximidade de estilos e registos

– Leitura silenciosa

– Leitura expressiva

– Leitura dramatizada e/ou coral

...

– Pesquisa de informação biobiblio-gráfica sobre os autores estudados

– Construção de uma base de dados de autores

– Ilustração de contos ou de excertos de contos

– Resumo

– Comentário

– Reescrita de textos (redação de contos e/ou de parte de contos)

– Redação de comentários ou recensões críticas, a partir da leitura de contos

– Exercícios de escrita orientada (biografia; comentário; recensão; entrevista; resumo; reconto; etc.)

– Escrita criativa

– Concurso literário

– Divulgação dos textos produzidos

...

Introdução ao estudo do conto literário

Atividade 1.1

a. verdadeiro – “Desse significado original de enumerar objetos passa-se por ampliação para o de expor acontecimentos reais ou fictícios”; “já que toda a narração, seja crónica de historiadores ou relato maravilhoso, incorpora desde tempos muito longínquos o significado de enumerar acontecimentos reais ou fictícios”...b. verdadeiro – “Constituindo, tal como o romance, a novela ou a epopeia, um género do modo narrativo, o conto é normalmente definido e analisado em conexão com aqueles géneros narrativos e em particular”; “Género do modo narrativo onde convive com outras categorias históricas como o romance, a novela ou a epopeia”...c. falso – “Pela sua versatilidade, o conto aproxima-se de outras formas narrativas caracterizadas pela brevidade, como a lenda, o mito, a fábula ou a alegoria.”; “No entanto, o conto pode aproximar-se tanto dessas formas que em alguns casos chega a confundir-se com elas ou a alimentar-se da sua seiva”...d. falso – “Não obstante, desde as suas origens anónimas e de transmissão oral até à sua emergência como forma literária original e madura no século XIX”e. falso – “É necessário sublinhar que a extensão, só por si, não se afigura um decisivo fator distintivo”f. verdadeiro – “O conto tem origem na tradição oral numa prática comunitária ao serão e é motivado por circunstâncias socioculturais, ideológicas e pragmáticas, por forma a dar continuidade à moral vigente e manter coesa determinada coletividade”; “o conto enraíza-se em ancestrais tradições culturais que faziam do ritual do relato um fator de sedução e de aglutinação comunitária”g. falso – “Não há uma medida exata que determine a medida de um conto”h. verdadeiro – “Pode dizer-se também que estas raízes socioculturais são remotamente responsáveis por uma certa subalternização que pode afetar o conto”i. falso – “a ação do conto baseia-se precisamente nessa concentração e nessa linearidade a sua capacidade de seduzir o recetor”j. falso – “o conto conquistou uma identidade própria e ocupa um lugar relevante no panorama da literatura contemporânea”

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 17

Atividade 1.2.Relação Conto e Romance: Afinidades: trata-se de géneros que pertencem ao modo narrativo e as tendências modernas do conto aproximam-no do romance, podendo incluir ambos análise psicológica, ambiguidade, problemáticas de cunho existencialista, entre outras. Diferenças: menor extensão do conto que é também marcado pela linearidade, sem incluir normalmente as intrigas secundárias que caracterizam o romance; o romance dá relevo, muitas vezes, à complexidade e à evolução da personagem, enquanto no conto ela é marcada por uma certa linearidade e unidade.

Relação Conto e Poesia Lírica:Afinidades: contenção; intensidade poética e força emotiva; estrutura limitada, exigindo habilidade técnica aos respetivos autores na montagem minuciosa dos textos; intuição lírica; estrutura fechada.Diferenças: modo literário (lírico e narrativo); apresentação visual/gráfica dos textos.

Atividade 1.3.

Categorias da Narrativa Processos de Concentração

Ação brevidade da trama; estrutura fechada; ação simples; concentração de eventos; linearidade da ação sem intrigas secundárias; microações; tensão dramática; ação intensa

Tempo brevidade temporal; esquema temporal restrito tendencialmente limitado e reduzido; quando o tempo é mais alargado, é organizado de forma económica; velocidade descritiva; recurso a sumários e elipses

Espaço limitação do espaço; espaço sem destaque descritivo acentuado

Personagem reduzido elenco de personagens; muitas vezes, o conto centra-se numa só personagem; caracterização esquemática das figuras.

Atividade 1.4.a) A trama breve e a estrutura fechada visam a construção de um texto caracterizado pela intensidade, concentração e grande impacto, de modo a poder ser lido e apreendido de forma praticamente imediata pelo leitor. Desta forma, os elementos da narrativa (ação, tempo, espaço, personagem) têm que estar ao serviço dessa brevidade e efeito garantido junto do leitor que, desde as origens do conto, na literatura oral, sempre o definiram.b) Em princípio, o esforço interpretativo não pode ser demasiado exigente, dado que uma das características da leitura do conto reside na necessidade de ser apreendido de forma imediata e recordado sem esforço. Contudo, o espaço nele concedido ao não-dito e ao subentendido reclamam uma participação ativa do leitor e a sua implicação na reconstrução do sentido global do texto.

Introdução ao conto O Anjo de Timor1.1 A causa timorense, associada à liberdade e autodeterminação do povo, e a luta pela erradicação das minas antipessoais usadas em guerras e em conflitos.1.2 Em comum, ambas as causas têm a defesa do homem, das vítimas inocentes e desprotegidas dos grandes conflitos e dos interesses dos homens.1.3 a. A ligação de Sophia à causa timorense e profunda empatia que sentia em relação ao sofrimento do seu povo. O apelo pessoal e emocional sentido pela escritora que construiu o texto como uma espécie de oração ou prece literária pelo país e pelas suas gentes. b. Ligação afetiva e solidária com o país e com a sua história recente.c. Temática ligada à valorização da justiça, da generosidade, do direito à liberdade e à paz. Temática de retorno à origem, à infância e à inocência.d. O liurai simboliza todo o povo timorense; a mensagem do anjo simboliza a esperança; e a oferta do liurai simboliza o desejo de restituição da inocência e da infância.e. A escolha da pintora recaiu nos tons quentes de Timor que a ensaísta associa aos elementos naturais: ocre da terra; verde das montanhas; azuis do mar; amarelos do sol e vermelho-sangue da guerra.

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18 | Sugestões de apoio à utilização do manual

Guião de Leitura do conto O Anjo de Timor1. Resposta pessoal, a partir das pesquisas realizadas.2. Um dos motivos expressos na introdução prende-se com a divulgação das imagens do massacre de Santa Cruz, numa altura em que a situação de Timor começa a ser conhecida internacionalmente. Pela via literária, a autora associa-se à causa timorense e à luta do seu povo.3. Para além de ter sido amiga de Ruy Cinatti, que com ela partilhava a sua ligação a Timor, Sophia era uma mulher e uma escritora de causas, nomeadamente as associadas à liberdade, aos direitos humanos e à defesa dos que sofrem. A causa timorense, por todos esses motivos, era-lhe próxima e familiar e, por isso, lhe dedicou este conto, entre outros poemas e intervenções públicas.4. O liurai, enquanto “chefe” de uma comunidade, simboliza todo o seu povo. Equipara-se, além disso, pelo seu caráter real, aos Reis Magos que visitaram o Menino Jesus após o seu nascimento. Desta feita, o liurai seria um outro rei do Oriente que desejaria saudar o nascimento do filho de Deus e prestar-lhe homenagem através de uma oferenda.5. Resposta pessoal que terá de ter em conta a ligação do divino a Timor e a necessidade de uma especial proteção para o seu povo em honra da fidelidade demonstrada.6. a. O desejo de sabedoria.b. Parcialmente, uma vez que descobriu a existência de um povo especial, que adorava um Deus único, mas não conseguiu chegar até ele por causa da distância.c. Quando percebeu que não lhe era possível viajar até ao país onde morava o povo que aguardava a chegada de Deus que salvaria todos os homens.d. A descoberta da existência de um povo que aguardava o nascimento de Deus entre os homens.e. Essa descoberta é fundamental para sua existência porque lhe dá a conhecer as suas limitações, mas também as suas aspirações. É uma viagem reveladora da medida da existência humana.7. O liurai era um homem poderoso e bom, curioso e desejoso de saber mais e conhecer mais mundo. É um homem crente, fiel e esperançoso.8. A família recebeu-o cheia de alegria e emoção e celebrou a sua chegada com uma grande festa, exprimindo o seu contentamento.9. O liurai não se sente completamente feliz, porque se sente incompleto e irrealizado. 10. Ao contrário dos restantes, o liurai mantém-se fiel ao sonho que teve com Deus e ao pedido de espera de um sinal que Ele lhe mandaria. De alguma forma, a personagem vive para além dos limites do mundo conhecido e da sua própria existência, porque acredita em algo maior do que ele próprio e mantém-se fiel à espera e à esperança.11. a. O ritual resume-se à espera noturna, depois de todos irem dormir. Todas as noites o liurai se sentava à entrada da porta de sua casa, a olhar para o céu, à espera do sinal prometido por Deus.b. Toda a sua vida, até à sua velhice, até ao aparecimento do Anjo.12. O texto narra o percurso de vida do liurai e inclui muitas marcas da passagem do tempo. Alguns exemplos: “na sua juventude”; “um dia”; “no dia seguinte”; “na manhã seguinte”; “daí em diante”; “à noite”; “à medida que os anos passavam”; “de vez em quando”; “numa noite assim”...13. Com alegria e felicidade, mas também com grande tranquilidade.14. O anúncio do nascimento de Jesus, o filho de Deus.15. a. Devido à distância existente entre Timor e o local do nascimento do Menino.b. Enviando o anjo como mensageiro e portador da sua oferenda.16. O jogo infantil significa a restituição da inocência e da pureza da infância.17. Resposta pessoal.18. O anjo agradece e aplaude a oferta, já que a prenda é adequada à sua condição de criança, distinguindo-se de todas as outras recebidas pelo Menino Deus.19. “adormeceu na paz do Senhor”. A expressão remete para a tranquilidade e a paz que resulta de uma missão cumprida, depois de uma longa espera.20.

Visão Audição Olfato Gosto Tato

brilho das estrelas barulhos da noite; voz do mar; suspiro do vento nas árvores

perfumes da noite; cheiro da terra; aroma das flores; aroma do sândalo; cheiro distante do mar

No excerto, surgem em grande destaque as sensações olfativas e auditivas, já que a cena é noturna e a descrição contempla a relação do liurai com o espaço e o ambiente envolventes, percebidos através, sobretudo, daqueles dois sentidos.21. A oferta de um brinquedo remete simbolicamente para as ideias de infância e de esperança. No momento da escrita do conto, ambas estavam ameaçadas e o texto parece apelar a uma proteção divina para que o futuro do território possa ser assegurado.22. Terminando sobre a forma de uma prece ou oração, o conto relembra a existência de um elo duradouro entre Timor e Deus. Daí que seja relembrada essa aliança e, em nome dela, invocada a necessária proteção em momentos particularmente duros como os que se viviam na altura.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 19

Para além do texto1.a. tema central – Natal; temas secundários – viagem; fé; sagrado...b. leitores jovensc. A temática natalícia está presente no conto O Cavaleiro da Dinamarca.d. A referência a uma posição hierárquica timorense, o liurai, ao jogo tradicional, o caleic, à natureza timorense e às tradições (como a festa de acolhimento do liurai).e. A referência ao nascimento de Deus, o seu anúncio através de um Anjo, aos Reis Magos e ao presépio remetem para aspetos do Cristianismo e de um dos seus momentos mais relevantes. Aqui, cruzam-se com uma história ficcional, surgindo perspetivados de um ângulo diferente, à luz da cultura e da fé timorenses. 2.2.1 O poema, tal como o conto, também parte do mesmo acontecimento, o Massacre de Santa Cruz, que surge como símbolo visível e concreto de todo um longo e invisível sofrimento. É evidente, pelo tratamento que a autora faz do tema, que este acontecimento, em particular, a marcou de forma indelével, levando-a a recriá-lo em textos diferentes como forma de chamar a atenção e de denunciar a situação existente.2.2 Para Sophia, Ruy Cinatti confunde-se com o próprio território timorense, tal era a ligação que o poeta tinha com Timor. Foi através da sua voz que Sophia conheceu Timor e a evocação daquele território e dos seus habitantes é aqui mediada pela figura do engenheiro poeta.2.3 No poema, alude-se ao Muro de Berlim. A comparação pretende sublinhar a ideia de que o muro de silêncio que cerca Timor, impedindo que a situação seja denunciada e tornada visível, é mais espesso e mais pesado do que o muro físico que separava a cidade alemã.2.4 Sândalo, flor, búfalo e montanha são nomes ligados à paisagem timorense, ao seu relevo, à sua fauna e flora, permitindo a identificação física do território. Cantos, danças e ritos remetem já para atividades criativas, procedendo à caracterização humana da paisagem. 2.5 A última estrofe, introduzida pela conjunção adversativa “mas”, dá conta do romper do silêncio e da barreira que separava o território timorense da visibilidade internacional. A mudança, apresentada como “milagre”, tem que ver com o facto de as imagens do massacre terem sido salvas e divulgadas pelo mundo, denunciando a situação existente e possibilitando a sua alteração.2.6a. antítese/adjetivação/paralelismo/repetição – o verso sublinha a oposição entre a enormidade da dor e a pequenez do povo, denunciando assim a injustiça da situaçãob. dupla adjetivação – reforça a caracterização do paísc. tripla adjetivação – caracterização pormenorizada das notíciasd. enumeração – reiteração e insistência na forma como são apresentadas as ações realizadase. anáfora – destaca a expressão as imagens, valorizando a sua importância2.7a. O sofrimento é tanto que parece exceder a capacidade do povo, sobretudo se atendermos ao número de pessoas.b. Para além da distância física em relação a Portugal, a fragilidade tem que ver com a pobreza, a instabilidade, a insegurança...c. Remete para a antiguidade e fidelidade às origens dos ritos praticados.d. A clareza das imagens do massacre não deixava margem para dúvidas ou interpretações menos claras.2.8 Resposta livre/pessoal.3.1 Temática religiosa e natalícia.3.2 O título recupera a última frase do conto, que expressa a fidelidade dos reis timorenses ao Menino Deus e, simbolicamente, ao Cristianismo.3.3

Situação Inicial Existência de um dadolin muito antigo

Problema Desconhecimento do significado do dadolin

Complicações resultantes do problemaIncapacidade de decifrar o dadolinProblemas de subsistência das comunidades

Elemento pacificador Intervenção do lia-na’in e descodificação do dadolin

Situação final Encontro com o Salvador

3.4 Trata-se de um segmento retirado/parafraseado da Bíblia.3.5 O texto concilia os elementos e rituais tradicionais, incluindo as crenças e as hierarquias sociais e políticas timorenses, com a mensagem cristã, colocando os reis timorenses na figuração do presépio. O Cristianismo é, desta forma, integrado e absorvido pela cultura local, com a qual mantém afinidades, não surgindo aqui recriado como uma imposição externa. Assim, as oferendas para o Filho de Deus são próprias do contexto cultural timorense e incluem produtos cujo significado simbólico reforça a ideia da fidelidade do povo timorense em relação à mensagem cristã.

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20 | Sugestões de apoio à utilização do manual

3.6 Os três reis, como os três Reis Magos, simbolizam a totalidade do território (parte oriental, central e ocidental), sendo reveladores da ideia de união de posições e convicções em relação à religião.3.7 Resposta pessoal, que deverá incluir a referência a que se trata de produtos tradicionais timorenses que identificam o país e a sua cultura, mas também a explicação do simbolismo do belak, dos panos que servem de proteção e agasalho ao Menino e do sândalo que representa simbolicamente a riqueza natural do país.3.8 A temática natalícia; o facto de os reis timorenses também integrarem a figuração do presépio, oferecendo prendas simbólicas da cultura timorense; a manifestação da fé timorense.

Introdução ao conto “O Fazedor de Luzes”1. O texto deverá incluir dados relativos à data e local de nascimento do escritor; referências breves ao universo familiar e ao enquadramento social da sua infância, salientando a particularidade do contexto em que cresceu, marcado pelo racismo. Incluir também a alusão à sua estreia literária; às influências literárias de Craveirinha, João Cabral de Melo Neto, Drummond de Andrade, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade e Fernando Pessoa.2. O pai estava ligado à escrita, quer através do jornalismo, quer da própria literatura, o que possivelmente influenciou o escritor.3. As recordações mais marcantes aqui referidas têm que ver com o racismo que dominava a Beira nos anos 70, com segregação racial praticada de forma recorrente e assídua. Alguns episódios concretos são reveladores da injustiça no tratamento da comunidade negra, atitude incompreensível para o autor, na altura ainda criança. 4. Iniciou-se com um livro de poesia intimista publicado em 1983. Foi influenciado no seu percurso pelas leituras de Craveirinha, João Cabral de Melo Neto, Drummond de Andrade, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade e Fernando Pessoa.5. Resposta livre.

Guião de Leitura do Conto “O Fazedor de Luzes”1. O narrador é a filha do “fazedor de estrelas”, sendo uma narradora homodiegética (participa, mas não é a protagonista).2. Pai e filha. Ainda é recordada a memória da mãe que morreu no momento do parto. Por esse motivo, pai e filha são muito próximos e unidos, já que toda a vida viveram juntos.3. É a mãe ou a sua memória. O pai não recupera do sofrimento da perda e desiste de refazer a vida, dedicando-se exclusivamente à sua filha. Esta, não tendo conhecido a mãe, assiste ao sofrimento do pai e sente-se triste por, mesmo de forma inconsciente, ter sido a causa da morte da mãe e da consequente infelicidade do pai.4. O momento presente, com a narradora já adulta, e o passado, o tempo da infância que ela recorda. O presente é caracterizado pela saudade e a constante recordação do passado, principalmente da figura paterna, dada a ligação existente.5. A ação tem lugar à noite, ao ar livre, nas traseiras da casa, no quintal da mesma, tal como é identificado no último parágrafo do conto e referido ao longo dele. 6. A família parece viver com algumas dificuldades, em resultado da inatividade do pai. “Queria possuir uma estrela como as outras meninas tinham brinquedos, bonecos, cachorros”.7.

Autoimagem do pai O pai aos olhos dos “outros”

Fabricador de estrelasFaz estrelas por encomendaFornecedor do paraísoSenhor, grande, num local não identificável

Não faz nada na vidaPreguiçosoInativo

8. A narradora vê-o como “um deus caseiro” e, apesar de ter de cuidar de si própria, compreende a especial personalidade do pai, ligada ao sofrimento provocado pela perda da mulher, deixando-o quase incapaz de existir. As saudades que tem do pai e a forma como fala dele são reveladoras de que, apesar de tudo, ele desempenhou o seu papel de protetor e de educador de forma eficaz.9. Os comentários tinham que ver com a inatividade do pai, a falta de trabalho e de sustento da casa, uma vez que este afirma “você escuta os outros se lamentarem de seu pai”.10. 10.1 Os pedidos insistentes decorrem do desejo de possuir algo comparável aos brinquedos das outras crianças, dadas as carências materiais com que vivia a família: “eu não podia ter nada”. As recusas do pai são tentativas de valorização da sua “atividade”, mostrando-se inacessível pela dificuldade e exigência da mesma.10.2 A oferta final surge como tentativa de explicar à filha a sua morte próxima.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 21

11. O silêncio resulta do enorme sofrimento provocado por essa perda, uma vez que não só não fala da mulher, como nunca a substitui na sua vida, parecendo quase desistir dela, vivendo num completo luto. A filha é o único laço afetivo que o mantém preso à existência.11.1 O silêncio é quebrado no momento em que percebe que a sua morte está próxima e a filha ficará sozinha. A referência à mãe é uma forma de a preparar para a sua partida, de modo a que o seu sofrimento e a solidão não sejam tão grandes.12. O pai sente-se alheado da realidade e do mundo onde vive, como se não pertencesse àquele tempo e àquele lugar. “Não ter um aqui” significa essa incapacidade de adaptação à realidade. A criação de uma outra, alternativa, corresponde ao desejo da personagem de existir completamente. A ânsia por se deslocar a esse local, já que neste se sente imperfeito e incompleto, também se deve à perda da mulher.13. “quando se ergueu lhe veio uma tontura”; “eu o amparei”; “outras vezes ele voltou a tontear”.14. O pai recorre à metáfora de que as estrelas são o local escolhido pelos mortos para habitar, de forma a estarem próximos daqueles que amam, estejam mortos ou vivos. Desta forma, a filha podia sentir-se acompanhada de cada vez que olhasse o céu, porque saberia que ambos os pais estariam na estrela escolhida, juntos e felizes.15. “E fingi apontar uma estrela, entre os mil cristais do céu. Ele fez conta que anotava o preciso lugar, marcando no quadro negro o astro que eu apontara. Me ajeitou a mão na minha fronte e me puxou para o seu peito. Senti o bater do seu coração.”16. O último parágrafo retoma o momento presente e tem ligação com o início do conto, já que todo o texto resulta das memórias da narradora da sua infância e da relação com o pai. Já adulta, a narradora continua a recordar as palavras do pai e a olhar o céu e as estrelas em busca da sua presença. As memórias transformam-se em saudade e a dor da perda em choro, apesar da ordem do pai que não chorasse a olhar o céu. Trata-se de um momento de reencontro, através da memória, com a sua infância e com os afetos marcantes, em particular a figura tutelar do pai, daí a referência às primeiras mãos que lhe “seguraram a existência”.17. Alguns exemplos: “o céu era uma ardósia riscada por súbitos morcegos”; “meu nascimento foi um luto”; “aquele côncavo de sua mão era minha gruta”; “inteiro presépio do horizonte”; “deus tão caseiro”; “raiz segurando a última árvore”; “dançarinas visões”; “a terra é uma mulher muito ciumenta”...18. Os neologismos resultam muitas vezes da combinação de duas palavras, com vista à duplicação de sentidos da formulação original. “Estreloso” resulta da junção de estrelado e luminoso; desta forma e com recurso a um único adjetivo, o céu é duplamente adjetivado. “Infirmamento” é o resultado da junção de infinito e firmamento, sublinhando assim a sua infinitude; “anteriorou” resulta da verbalização de anterior, referindo-se a quem a deu à luz e a antecedeu em existência.19. transmexido; compridar; reconchego; nevoava; fabricador; poeiraram; tontear...20. O título do conto remete para a personagem principal, o pai da narradora, que dizia ser fabricador de estrelas. A referência às estrelas será crucial para a compreensão do texto, uma vez que simbolizam a presença eterna das figuras queridas que já morreram.21. A narradora dá conta da ligação muito próxima ao pai. Através da antítese e da comparação (para além da adjetivação), afirma, por um lado, a aspereza e a dureza físicas da mão do pai, mas não deixa de sublinhar, por outro, a sua doçura, ligada ao afeto, à proximidade e à cumplicidade existente entre ambos. A hipálage presente na expressão “exclusiva mão” reforça essa ideia de pertença e de profunda união entre pai e filha que só se tinham um ao outro.22. “Em minha toda vida, eu conheci só aquela exclusiva mão dele, docemente áspera como a pedra. Aquele côncavo de sua mão era minha gruta, meu reconchego. E mais um agasalho: as estranhas falas com que ele me nevoava o adormecer”; “Eu estremecia, gostosa de me sentir pequenina, junta a esse deus tão caseiro”; “Me ajeitou a mão na minha fronte e me puxou para o seu peito. Senti o bater do seu coração”; “eu me vou deitando na capulana onde as primeiras mãos me seguraram a existência.” Os sentimentos surgem expressos de forma indireta, através das ações ou pensamentos das personagens.

Para além do texto1. Resposta pessoal.2. Resposta pessoal.3. Resposta pessoal.4. Resposta pessoal.5. Resposta pessoal.6. Resposta pessoal.

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22 | Sugestões de apoio à utilização do manual

Introdução ao conto O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá1.1 Questões exemplificativas:- Fale-nos do seu lugar natal. Onde nasceu e onde viveu quando era menino?- Qual a primeira profissão que exerceu?- Qual o título da sua primeira obra?- Prosseguiu estudos superiores a pedido do seu pai. Que faculdade frequentou? - O que mais o marcou no seu primeiro matrimónio?- Sempre foi militante político de esquerda. O que recorda de mais doloroso decorrente dessa sua convicção ideológica?- Onde esteve exilado? Qual desses destinos foi o mais significativo para si? Porquê?- De todas as obras publicadas, quais as que lhe vêm com mais facilidade à memória?- E dos prémios? Qual foi, para si, o mais gratificante? Porquê?- […]1.2.1a) Na capa, contracapa e lombada do livro: na capa, observa-se a indicação do nome do autor, registado com maiúsculas, com dimensão superior aos restantes elementos linguísticos e com recurso à cor vermelha, opções gráficas que poderão assentar numa intenção comercial (marketing editorial), visto que, salientando-se a autoria, uma autoria de prestígio/consagrada, procura-se garantir ao leitor a qualidade do volume. Além da referência ao autor, incluem-se o título e o subtítulo, este último também em tom vermelho, neste caso, a reiterar/sugerir a temática amorosa. As duas ilustrações recriam os protagonistas da narrativa. Observa-se, ainda, a menção à autoria das ilustrações. O texto da contracapa dá conta da génese/contexto criativo do conto, avançando com a data e com a referência ao seu primeiro destinatário. Com as referências cronológicas e a menção ao facto de este texto continuar a ser lido (e lido não apenas pelos mais novos, mas por leitores de todas as idades), associadas à reiteração da sua beleza (“belíssima”/o), intenta-se persuadir o potencial recetor.b) O título da obra introduz uma categoria narrativa, em concreto, as personagens ou os protagonistas. Poderá fazer antever (função catafórica ou antecipatória) o antagonismo entre ambas, facto que determinará o desenvolvimento da ação e o seu desenlace.c) No subtítulo, anuncia-se o modo/género literário no qual se situa a obra. Neste, destaca-se, igualmente e em certa medida, uma categoria narrativa, neste caso, a ação ou o enredo, bem como a isotopia fundamental do relato: o amor. De certo modo, funciona como uma “falsa pista.”d) O prefácio ou as explicações prévias facultam informações relativas ao enquadramento da obra (quando, onde, porquê e para que/m foi escrita a obra), designadamente o momento de escrita, data da publicação, destinatário específico, dedicatórias, entre outros. No prefácio, destaca-se o recurso ao vocábulo/termo “fábula”, aspeto que determina, à partida, a leitura e as expectativas do recetor, atendendo ao facto de que esta forma literária prevê uma estrutura narrativa linear constituída por situações paradigmáticas que usa animais para destacar conclusões moralizantes ou apresentar a metaforização de diferentes tipos sociais que compõem um espectro dramático e dinâmico da sociedade.e) A “trova” representa uma espécie de mote de toda a narrativa, funcionando como metáfora da diegese, criando expectativas – positivas ou negativas – acerca da narrativa. f) Os títulos dos capítulos assentam, quase na totalidade, na sugestão/construção/mecanismo temporal. Através de uma leitura dos títulos, podemos identificar: o tempo em que se desenrola a ação (desde a primavera até ao inverno); a introdução de um recuo no tempo da narração dos acontecimentos (“Capítulo inicial, atrasado e fora do lugar”), facto que dá conta da falta de correspondência entre a ordem real e a ordem textual dos acontecimentos; a introdução de parêntesis que possuem uma função informativa/explicativa.g) As ilustrações, que serviram de motivação para a publicação do livro, recriam, genericamente em tons sóbrios, as figuras e os momentos diegéticos mais relevantes. Além disso, sendo muito expressivas, fornecem informações e confirmam o estado de espírito das personagens (vide pormenor dos bigodes do gato…). Sucedem-se aos títulos dos capítulos, parecendo anunciar o relato, fecham cada um destes e surgem também a partir da técnica da capital ilustrada, na abertura também destes. A componente visual, criada a partir de uma técnica mista que integra o desenho a lápis e a aguarela, por exemplo, evidencia uma configuração simples, quase “näive” e próxima das produções visuais próprias da infância.

Guião de Leitura do Conto O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá1. a); 2. a); 3. c); 4. c); 5. b); 6. a); 7. c); 8. a); 9. b); 10. a); 11. a); 12. c); 13. a); 14. b).2. A ação2.1 A estação da primavera - Continuação da estação da primavera - Fim da estação da primavera - A estação do verão - A estação do outono - Continuação da estação do outono - A estação do inverno - A noite sem estrelas2.2 A arquitetura da narrativa:

O Vento conta uma história à Manhã >

A Manhã (re)conta-a ao Tempo >

Sapo Cururu, velho companheiro do Vento,(re)conta essa história ao narrador, que a transcreve

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 23

*A HISTÓRIA DE AMOR DO GATO MALHADO E DA ANDORINHA SINHÁ:

1. Madrugada2. Parêntesis * 3. A estação da primavera4. Novo parêntesis, para apresentar a Andorinha Sinhá * 5. Continuação da estação da primavera6. Capítulo inicial, atrasado e fora de lugar * 7. Fim da estação da primavera * 8. A estação do verão9. Parêntesis das murmurações * 10. A estação do outono11. Parêntesis poético12. Post Scriptum13. Parêntesis crítico * 14. Continuação da estação do outono * 15. A estação do inverno * 16. A noite sem estrelas2.3 A “(des)ordem” decorre da (des)valorização do vetor temporal, uma vez que, paralelamente à linearidade/circularidade cronológica (a ação decorre durante um ano: Primavera-Verão-Outono-Inverno), se observa uma discrepância entre o tempo da história e o tempo do discurso. A estruturação do relato baseia-se, do ponto de vista da organização das sequências narrativas, na técnica do encaixe, bem como, quanto à ordem da categoria temporal, em mecanismos como a analepse e a prolepse. 2.4 Situação inicial – encontro e enamoramento da Andorinha e do Gato; peripécias – aproximação, namoro feliz e afastamento dos protagonistas; ponto culminante – anúncio do casamento da Andorinha e do Rouxinol; desenlace – casamento da Andorinha e morte do Gato Malhado. 2.4.1 Situação inicial: primavera – estação da regeneração/do nascimento/da vida; Peripécias: verão, como tempo do sol, do bem estar, da alegria, da diversão; outono – tempo da chegada dos tons sombrios, da melancolia, da tristeza; Ponto culminante: fim da estação e chegada, em definitivo, do afastamento e do sofrimento; desenlace: inverno – separação e desfecho.2.5 O capítulo correspondente ao verão é curto, uma vez que corresponde a um momento da diegese e da vivência amorosa dos protagonistas muito positivos. Esta brevidade do relato é, pois, consentânea com a configuração psicológica do tempo.2.5.1 O narrador, assumindo o seu papel de “selecionador de informação” e sugerindo, em certa medida, a sua compaixão e solidariedade pelo Gato Malhado, evita referir-se pormenorizadamente ao seu sofrimento ou mencionar “coisas tristes”. 2.6 A tragicidade e o dramatismo do desenlace são apenas sugeridos. Releia-se o último capítulo “A noite sem estrelas”. Marcado por um registo eufemístico, este é pontuado também pelo recurso a elementos simbólicos como a própria expressão “noite sem estrelas”, “vermelho de sangue” e, mesmo, “rosa azul”.2.7 Resposta livre. 3. 3.1

Personagens principais ou protagonistas Personagens secundárias Figurantes

Gato MalhadoAndorinha Sinhá

RouxinolVelha CorujaReverendo PapagaioGalo Don Juan de Rhode IslandSapo CururuPombo CorreioVaca MochaPais da Andorinha

ManhãTempoCobra CascavelCãesPata e Pato

3.2 Gato Malhado – olhos pardos e feios que pareciam refletir maldade; feio, corpanzil forte e ágil, de riscas amarelas e negras; era de meia-idade e visto como egoísta, mal humorado e convencido; vivia isolado e “à margem” (antissocial), como se fosse um vagabundo; era carente de atenção e afeto; altera o seu comportamento, após ter conhecido/se ter aproximado da Andorinha (ainda assim, a sua má fama persegue-o até ao desfecho da narrativa).

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Andorinha Sinhá – bonita, risonha, alegre, aventureira, gentil; adora conversar e mantinha boas relações com todos; a sua vida era tranquila e “fresca” até ter conhecido o Gato Malhado, a quem encarou como um desafio; sofre muito por amor.3.2.1 Retratos antagónicos, tanto do ponto de vista físico, como psicológico. Andorinha – ave versus Gato Malhado – felino; ar/céu versus terra; juventude versus “meia idade”; simpatia versus antipatia; etc.3.3 3.3.1 O Gato mostrava-se: mau, egoísta, mal humorado, antipático (“Não mantinha relações de amizade com os vizinhos e quase nunca respondia aos raros cumprimentos que, por medo e não por gentileza, alguns passantes lhe dirigiam”; “Do Gato Malhado ninguém se aproximava”; “ruindade do gatarraz”.)3.3.2 O Gato Malhado era temido e ostracizado/discriminado. Era visto como o culpado de/responsável por “todos” os males acontecidos no parque. “Provas não existiam, mas que outro teria sido? Bastava olhar a cara do bichano para localizar o assassino. Bicho feio aquele.”; “Faltavam provas, é verdade, mas – como disse o Reverendo Papagaio – quem podia tê-lo feito senão aquele sinistro personagem, sem lei nem Deus, tipo à-toa?” 3.3.3 “[…] a primavera entrou pelo parque adentro […]. O Gato Malhado dormia quando a primavera irrompeu, repentina e poderosa. Mas a sua presença era tão insistente e forte que ele despertou do seu sono sem sonhos, abriu os olhos pardos e estirou os braços.”; “Ria pela boca, e, o que era ainda mais inexplicável, ria pelos olhos pardos também.” Primeiro sinal visível: sorriso.3.3.4 Estupefação, incredulidade, medo... 3.3.5 Admiração, simpatia, carinho, amor, amizade...3.3.6 Sinhá não reconhece o Gato como um ser perigoso e, por isso, não o teme. “Eu? Fugir? Não tenho medo de ti, os outros são todos uns covardes... Tu não me podes alcançar, não tens asas para voar, és um gatarrão ainda mais tolo do que feio. E olha lá que és feio...”3.3.7 “Ouvia falar mal dele mas fitava o seu nariz róseo, de grandes bigodes, e – ninguém sabe por que – duvidava da veracidade das histórias.”. 3.4 3.4.1 Gato Malhado e Andorinha Sinhá – amor3.4.2 Gato Malhado e Velha Coruja – respeito3.4.3 Gato Malhado e Vaca Mocha – animosidade/inimizade3.4.4 Andorinha Sinhá e seus pais – amor/respeito3.4.5 Andorinha e Rouxinol – amizade/fraternidade3.4.6 Gato Malhado e Papagaio – animosidade/inimizade.3.5 Resposta livre (algumas sugestões: Coruja, a alcoviteira – sabia a vida de todos; Cobra, a perigosa; etc.) 3.6 3.6.1 ConversasAndorinha Sinhá – Vaca Mocha: decorre na estação da primavera, no início da aproximação dos dois protagonistas; nesta conversa, “um sermão”, a Vaca Mocha dá conta de um episódio com que pretende manchar a reputação do Gato. Avisa Sinhá de que “os gatos são inimigos irreconciliáveis das andorinhas”. Trata-se de uma conversa de aconselhamento, com avisos e advertências.Gato Malhado – Velha Coruja: decorre no último dia do verão, mas é relatada no capítulo “Continuação da estação do outono”; trata--se de uma conversa na qual a “anciã” relembra as leis do mundo (“às andorinhas é proibido casar com gatos […]. E para romper uma lei, é preciso uma revolução...”), tentando que o Gato se conforme com a situação.3.6.2 Velha Coruja – “Anciã” sábia, conhecia ao pormenor a vida de todos os habitantes do parque e é com ela que o Gato mais falava; Vaca Mocha – é uma figura com muito prestígio, respeitada por todos, pois era descendente de um touro argentino. É tranquila, circunspecta, um pouco solene e irónica. No entanto, possuía um temperamento vingativo e um humor variável. Expressa-se num registo no qual mistura o português e o espanhol (para dar um certo prestígio). 4. 4.1

primavera verão outono inverno

“espalhafato de cores, de aromas, de melodias. Cores alegres, aromas de entontecer, sonoras melodias.”“vestidas de luz e de cores”“riscas amarelas e negras”“seguem o cacarejar da orgulhosa galinha”“olorosa de perfumes sutis” “botões nasciam perfumados”[…]

“sol ardente e suas noites plenas de estrelas”“olhos ainda mais pardos”“silêncio de noite profunda”“latidos do pequeno coração”

“O Vento sentia frio, e, para esquentar-se, corria zunindo pelo parque”“cauda de nuvens e com elas pintou o céu de cores cinzentas”“murmurações […] murmurações que de tímidos cochichos se transformaram em obstinado rumor.”“brando sol hibernal”“pétala de rosa, das rosas vermelhas do seu buquꔓera maviosa a orquestra dos pássaros e que o seu melodioso rumor”

“noite sem estrelas”“Apenas uma pétala vermelha sobre o coração, uma gota de sangue.”

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4.2 primavera – descoberta; verão – alegria/felicidade; outono – desilusão/desencanto/nostalgia/perda; inverno – sofrimento/tristeza/separação. 4.3 Renovação/revitalização da natureza com a chegada da primavera – apelo aos sentidos (sensorialismo)4.4 (A resposta deve ter em conta as informações veiculadas e sistematizadas anteriormente)4.5 Resposta livre.5. 5.1 Um ano5.2 A história principal é narrada cronologicamente a partir da sucessão das estações do ano. Simbolicamente, elas são consentâneas com os sentimentos das personagens principais. Na primavera, o Gato e a Andorinha conhecem-se. No verão, o Gato apercebe-se de que está apaixonado pela Andorinha e fica com ciúmes por ela sair com o Rouxinol. No outono, o Gato sofre com a opinião dos outros habitantes do parque, não se livrando da má fama que tem (mau, rabugento, perigoso, temido), e escreve poemas apaixonados e nostálgicos. O inverno corresponde à triste separação dos dois amantes.5.3 Num discurso eminentemente subjetivo, próximo do leitor e facilmente percetível por este, o narrador avança com uma noção de tempo ou de vivência do tempo a partir da contraposição implícita dos conceitos de tempo cronológico ou real e tempo psicológico, ou seja, o modo como a temporalidade é experienciada. Extensão/demora e brevidade são, aqui, sinónimos de angústia/sofrimento e felicidade/alegria, respetivamente. 5.3.1 “A Estação do verão”: “Este é um capítulo curto porque o verão passou muito depressa com o seu sol ardente e suas noites plenas de estrelas. É sempre rápido o tempo da felicidade”; “A Estação do inverno”: “Este devia ser um capítulo longo porque o começo do inverno foi um tempo de sofrimento. Mas por que falar de coisas tristes, por que contar as maldades do Gato Malhado cujos olhos andavam escuros de tão pardos?”6. 6.1 Relação narrador-leitor: proximidade, cumplicidade; o narrador apresenta-se, por vezes, como se estivesse a contar exclusivamente ao leitor esta história.6.2 6.2.1 Juízos de valor depreciativos relativamente a: Cobra Cascavel, Reverendo Papagaio, Pata e Pato, Pombo-Correio.6.3 Discurso – Galo – casamento civil; sermão – reverendo Padre Urubu – casamento religioso6.3.1 Galo Don Juan de Rhode Island – “fez um discurso eloquente sobre as virtudes e os deveres de uma boa esposa, especialmente sobre a fidelidade devida ao marido. Da fidelidade do marido à esposa ele não falou. Era maometano e não hipócrita: todos sabem que o galo Don Juan de Rhode Island possui um harém” – machista, genuíno, “libertino”, devasso, infiel; Sacristão Papagaio – sermão “comovente”; mensagem consentânea com as expectativas da família da Andorinha.6.4 Narrador heterodiegético, ou seja, não participa na ação que relata. Avançando frequentemente com comentários/juízos de valor/a sua própria perspetiva, parece assumir a posição de um “contador de histórias”. O seu discurso é eminentemente subjetivo, pois, além de utilizar, por vezes, a primeira pessoa, tece considerações sobre vários assuntos, dá a sua opinião sobre as atitudes das personagens, faz comentários relativos à própria estrutura/construção da narrativa (nível metatextual) e dirige-se, até, por vezes, diretamente ao leitor.7. 7.1 a. – D (humanização da rosa que, como os protagonistas, se vê afetivamente “despedaçada”)b. – C (sugestão da vitalidade, da energia e da alegria, bem como de uma certa “dor”/inquietação, suscitadas pelo enamoramento/amor) c. – D (o dia, como se estivesse “solidário” com os protagonistas, “padece” dos mesmos males)d. – A (acentua a profunda tristeza do Gato)e. – B (identificação da pétala com uma gota de sangue a sugerir o sofrimento, a dor...)f. – B (identificação simbólica – veja-se a duplicidade simbólica da cor vermelha, que sugere simultaneamente paixão, dor, morte/tragédia, etc.).7.2 7.2.1 “canção nupcial” e “canto funerário” – expressões com sentido antitético; a primeira referente à situação de matrimónio da Andorinha com o Rouxinol; a segunda a remeter para a tragédia/”morte” do Gato Malhado. “A música doía-lhe no coração. Canção nupcial para os noivos; para o Gato Malhado, canto funerário.”7.2.2 Epílogo da história – desenlace trágico/disfórico da história de amor do Gato Malhado e da Andorinha Sinhá; parágrafo final – encerramento do discurso: “Aqui termina a história que a Manhã ouviu ao vento e contou ao Tempo que lhe deu a prometida rosa azul. […].”

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8. 8.1.1 Anunciar a história de amor que vai ser narrada (trata-se de um amor contrariado/impossível, devido aos preconceitos sociais); avançar com a sua própria perspetiva sobre o tópico ficcionalizado.8.1.2 Ficcionalizar e implicar o leitor numa reflexão de índole subjetiva acerca daquilo que é a importância/determinação social/individual; valorizar o amor, a igualdade e a liberdade na construção de um mundo melhor.8.1.3 Valorização de linhas ideotemáticas como: o amor, a igualdade, o elogio da diferença, etc. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá como figuras simbólicas.8.2 Esta trova, consentânea com a perspetiva da Velha Coruja, avança com uma visão ou uma possibilidade de alteração da (des)ordem que impede que cada um siga o seu caminho, a sua vontade ou o seu coração. Nota-se, pois, a ânsia e a necessidade de mudança.8.3 Presença de figuras animais que funcionam, em certa medida, como tipos e representantes de virtudes e defeitos; os animais, todos personificados/humanizados, são “usados” com intuito moralizante.8.4 Elogio da diferença; testemunho de uma visão do mundo desencantada, pelo facto de este se pautar por “normas e regras” sociais que se sobrepõem aos afetos e à vontade individual. 8.5 A. – d.; B. – e.; C. – g.; D. – a.; E. – b.; F. - c.; G. – f.; H. – i. ; I. – h.8.6 A crítica é desfavorável; a este segmento não se encontra alheia uma intencionalidade crítica/irónica.8.6.1 Resposta livre. 8.7 lei das andorinhas = normas, leis, regras impostas pela sociedade (neste caso, às andorinhas é proibido casar com os gatos)8.7.1 Por exemplo, de amores contrariados/proibidos; da discriminação social; etc.8.7.2 Resposta livre.8.8

O AMOR

Vence Mas Não Vence

As diferenças de:- género- origem- ideologia- etc.

- o status quo; a rigidez implacável das convenções sociais, do preconceito, etc.

Para além do texto O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá1. Resposta livre (ter em atenção a estrutura da carta). 2. Resposta livre (ter em atenção alguns dos requisitos habituais dos convites de casamento).3. Resposta livre (ter em atenção aspetos comuns das ementas: variedade e sequência de pratos, por exemplo).4. Resposta livre.5. Resposta livre.6. Resposta livre.7. Resposta livre.8. Resposta livre.9. Resposta livre.10. Resposta livre (sugestão: rever a história de Romeu e Julieta, de Shakespeare, por exemplo).11. Resposta livre.12. Resposta livre.13. Em todos os textos, é significativa a presença de uma figura felina; por vezes, verifica-se antagonismo; ficcionalização recorrente de tópicos como a liberdade, a diferença, a irreverência, o sonho, etc.

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Unidade Temática 2: O Romance como género narrativo

Os alunos devem ser capazes de: 1. distinguir os géneros narrativos do conto, novela e romance

2. analisar elementos paratextuais, antecipando assuntos, temas e tópicos

3. interpretar a mensagem global de um texto e selecionar informação específica

4. exprimir, de forma fundamentada, oralmente e por escrito, ideias e pontos de vista pessoais

5. estabelecer analogias entre diferentes textos, comparando as ideias e os valores expressos

6. reconhecer o valor simbólico da palavra inserida no seu contexto sociocultural

7. ler e interpretar uma novela ou um romance

8. sintetizar a intriga e segmentar as sequências narrativas, esclarecendo as modalidades da sua articulação

9. identificar e distinguir os espaços físico, social, cultural e psicológico

10. diferenciar o tempo histórico, o tempo da história e o tempo do discurso

11. caracterizar o relevo, a função e a modalidade de composição das personagens

12. identificar as funções do narrador

13. reconhecer indícios textuais da relação narrador/narratário

14. identificar marcas retórico-estilísticas distintivas da escrita do autor presentes no texto

Competências Nucleares

Oralidade Leitura Escrita

– Debate orientado, diálogo entre pares e exposições orais sobre os temas abordados

– Comentário oral sobre o romance lido, assim como os excertos/fragmentos textuais

– Debate sobre posições e pontos de vista adotados nos romances pelas diferentes personagens

– Comentário oral de temas selecionados

...

– Pesquisa seletiva de informação biobibliográfica relativa ao autor/texto em estudo

– Análise de paratextos e formulação de hipóteses interpretativas

– Análise formal e interpretação do romance e/ou de excertos

– Análise contrastiva de temas e tópicos selecionados

– Microanálise textual (análise intensiva)

– Leitura silenciosa

...

– Pesquisa de informação biobiblio-gráfica sobre o autor estudado

– Resumo

– Comentário

– Reescrita de textos

– Redação de comentários ou recensões críticas, a partir da leitura do romance e/ou de excertos

– Exercícios de escrita orientada (biografia; comentário; recensão; entrevista; resumo; reconto; etc.)

– Escrita criativa

– Concurso literário

– Divulgação dos textos produzidos

...

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Crónica de uma travessia, de Luís Cardoso - Introdução

1.a. Título Crónica de uma Travessia e subtítulo A Época do Ai-Dik-Funam: a presença explícita do termo “crónica”, logo no título, orienta/condiciona as expectativas de leitura do destinatário extratextual deste romance, sugerindo a força da temporalidade no relato de acontecimentos balizados pela História, aspeto reiterado ainda pelo recurso ao termo “época”. Simultaneamente, regista-se a contaminação do discurso por uma vivência pessoal, subjetiva e direta da realidade social, política e cultural de Timor, facto que redunda numa expressão de índole reflexiva e que se materializa, não raras vezes, numa organização/estrutura desviada da linearidade cronológica.b. Os fios da matéria autobiográfica (do narrador) e biográfica (da figura paterna), ou seja, de histórias/estórias pessoais, sendo, em larga medida, também ela decorrente da “biografia coletiva” do povo timorense, entrelaçam-se com os fios da História. O romance poderá, pois, ser entendido como uma (auto)biografia romanceada. c. A opção por uma perspetiva autodiegética ou a adoção da sua própria voz por parte do narrador para relatar acontecimentos vividos/pro-tagonizados por si resulta num discurso marcadamente testemunhal e verosímil. Por vezes, até, e decorrente desta opção, parece celebrar--se uma intimidade cúmplice entre o narrador e o seu potencial destinatário, largamente assente também no pressuposto da sinceridade. d. A “travessia” consubstancia-se, de forma plural, nas viagens que o narrador empreende ou nos percursos que, além de físicos, são também profundamente psicológicos, de auto e de heterognose, em busca de um sentido identitário individual e coletivo. Para esta construção identitária, baseada nas “deslocações” mencionadas por parte do narrador, são também relevantes as viagens do pai, bem como as de outras figuras participantes na ação.e. A expressão “A Época do Ai-Dik-Funam” propõe uma leitura determinada, por exemplo, pela interpretação simbólica das cores das flores da árvore “ai-dik”. A associação do verde e do vermelho podem ser entendidos como símbolos da resistência e da ligação afetiva do povo timorense a Portugal. 2. 2.1

Traços caracterizadores Passagens justificativas

coexistência de História e ficção “Tentar definir o romance histórico leva-nos obrigatoriamente para o campo da História e da ficção, uma vez que o subgénero supõe a existência de referentes extratextuais verificáveis que sustentam parte da rede de significações do texto ficcional.”“Uma definição de índole narratológica do conceito de romance histórico deve partir da ponderação entre o romance como género e a História como fenómeno capaz de ser textualmente representado, relacionando-se com a especificidade do subgénero também com a propensão narrativa da historiografia”

relação entre passado e presente “o romance histórico se caracteriza pela consciencialização da diferença temporal entre o processo presente da representação e a realidade pretérita representada, que é atualizada pela poética da ficção, abarcando a definição também os binómios facto/ficção e passado/presente.”

presença de marcadores referenciais

“Para além de marcadores da passagem do tempo, os episódios históricos, tal como as personagens com referentes ou ecos históricos e as referências a figuras históricas, estabelecem uma relação profunda entre a ação do romance e o período e os factos históricos ficcionalizados”

importância da competência literária e cultural do leitor

“exigindo o contrato de (co)interpretação do leitor informado competência literária e cultural no que diz respeito ao contexto histórico da ação, para que possa ser feita uma leitura profunda dos subtextos históricos/historiográficos que também constituem o universo ficcional, uma vez que a presença da História no romance não pode ser totalmente ignorada, em prol de uma leitura da obra como fruto apenas do poder criativo que dá lugar à ficção. […]”

interseções entre romance histórico e biografia

“Um dos discursos mais próximos poderá ser o da biografia. Desde o classicismo que a biografia e a História pertenciam a domínios semelhantes. […] No romance histórico de início de novecentos onde abundam as biografias de caráter encomiástico destinadas a exaltar as virtudes dos antepassados, as diferenças ente a História e a biografia eram, por vezes, pouco significativas. […] À medida que o século XX se aproxima do fim, a biografia assume características próprias passando por uma interpretação criativa da vida das personagens ou, até, recriando aspetos mais obscuros ou mais convencionalmente escamoteados. […]”

processos inovadores na ficção histórica contemporânea

“a evocação dos tempos idos pode revestir-se de diversas formas, havendo a salientar a biografia, a alteração da pessoa narrativa, a modificação de perspetiva, a alteração pura e simples dos fenómenos, a anulação do tempo e a emergência do duplo.”“modo de inserir o passado que se pode afastar da conscienciosa construção oitocentista e que se aproxima de obras anteriores, embora haja, evidentemente, propósitos claros de transgressão que passam por uma herança positivista e romântica impossíveis de esquecer.”

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2.2– Passando a realidade histórico-factual pelo filtro da sua sensibilidade/imaginação, Luís Cardoso recria, por exemplo, personagens, reinventando os seus possíveis papéis ou as suas intervenções histórico-políticas na vida/História de Timor. Factos como os estatutos da UDT ou o Partido Nacionalista, bem como a APODETI, são ficcionalmente pontuados de figuras imaginadas pelo romancista.– As notas biográficas avançadas acerca de Xanana Gusmão, por exemplo, revelam, não apenas o seu caráter de guerrilheiro, a sua coragem e a capacidade de resistência, aliás historicamente documentadas, mas também uma visão autoral visivelmente subjetiva e/ou pessoal (“desconfiança” e “incredulidade”).

2. ParatextosA) Capa1. 1.1 – cores dominantes e seu significado simbólico – vermelho escuro, branco, bege/amarelo – resistência/sofrimento; poder; iniciativa e disposição para agir com espírito pioneiro; vontade; energia; pureza e otimismo. – motivos selecionados – mapa/carta geográfica antiga; motivo – casa timorense – memória e cultura.– informações textuais presentes na capa – título e subtítulo (função catafórica e simbólica); autor; nº da edição – estratégia de marketing e da legitimação da qualidade literária; “autores lusófonos” – filiação numa linha/contexto cultural...– tratamento visual dado à mancha gráfica – manutenção do aspeto “real”, sugerindo a componente histórico-factual da narrativa; tratamento estético a partir de ilustração, dando conta da vertente estética/artística da narrativa.1.2a) História, real, passado, cultura e memória versus viagem, aventura, contemporaneidade;b) No caso português, convicção de que o potencial recetor reconhecerá os motivos visuais que integram a capa, podendo aproximar-se do volume em virtude desta identificação; no caso inglês, intenção de apelar a outros públicos (mais jovens, talvez) 1.3 e 1.4 Resposta livre.

B. Prefácio1. a. Resposta livre.b. José Eduardo Agualusa como autor da lusofonia.2. Título do prefácio – “Como um prefácio” – sugestão de uma certa fuga à “disciplina”/norma da apresentação objetiva de uma obra; não pretende resumir nem desenvolver os conteúdos da obra, uma das funções “clássicas” do prefácio; visão subjetiva da obra.3. – Timor enquanto espaço independente, reconhecido internacionalmente; espírito combativo e livre do seu povo com repercussões e “incomodativo” para aqueles que comprometeram a sua liberdade; da “ilegalidade” à abertura e ao reconhecimento.4. Timor como um país quase sem literatura escrita – consequências do ponto de vista da memória e da sua preservação. 5. – Escrita de Luís Cardoso originada pela cultura timorense, dando conta das suas idiossincrasias, mas situada no universo lusófono, porque congrega ou reúne em si muitas das singularidades dos povos que têm em comum, na sua História, a língua portuguesa e a pre-sença/convívio histórico com Portugal – “inúmeros encontros (imigrantes cabo-verdianos, degredados políticos portugueses, ex-militares guineenses e angolanos)”. 6. a. – “contexto de produção da obra”;– “transgredir, por exemplo, as normas de objetividade características da redação científica”;– “função de apresentação/comentário da obra, mantendo-se, tradicionalmente, à parte da estrutura interna desse texto”;– “O prefácio postula uma leitura iminente da obra sequente, pelo que inclui com alguma frequência comentários preparatórios da leitura que ajudam a determinar, à partida, o seu leitor ideal”;– “um discurso explicativo/justificativo de autoria variável que envolve o seu locutor e que se constitui, na maioria dos casos, como metatexto”.b.– romance como “repositório” da memória individual e coletiva; retrato da História e da Estória; registo memorialista, confessional, autobiográfico e biográfico; coexistência de “mito e realidade, estória e História, entre o sonho e a vida.” c.

Luís Cardoso Timor-Leste

Em 1981 No Instituto Superior de Agronomia “Timor era ainda um lugar fora do mundo...” […]

Na altura da publicação do romance Autor lusófono, que “continua habitado por Timor”

“Timor ocupa as atenções de uma parte importante do mundo”

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30 | Sugestões de apoio à utilização do manual

Guião de leitura integral do romance Crónica de uma travessia, de Luís Cardoso | PERSONAGENS

A1. O narrador-protagonista e o pai por ele evocado no decurso do seu relato autobiográfico.2. O romance pretende reconstituir tanto a crónica familiar (do narrador e do seu núcleo familiar), como a crónica de uma época coincidente com a história colonial e pós-colonial de Timor-Leste. Nesse sentido, a multiplicidade de personagens secundárias e figurantes convocadas pelo narrador ao longo do seu relato autobiográfico, designadamente as que detêm evidente notoriedade pública na cena política timorense, permitem a construção de uma narrativa de acentuado cunho testemunhal/documental.3. Porque constitui o polo centralizador da narrativa, a figura do narrador é objeto de uma autocaracterização individualizante. O pai, pelo contrário, em virtude de descrever uma trajetória de vida comum a muitos timorenses na diáspora e no exílio, constitui uma personagem tipificada com um alcance transindividual.B1. A cena que abre o romance é reveladora da importância que nele assumem os temas da viagem formativa e iniciática consubstanciada na “travessia” desde logo anunciada no título. Ela prepara, assim, as múltiplas travessias (para Ataúro, Lautém ou Díli) que o romance reiteradamente relata.2.1 É, com efeito, a partir das deambulações geográficas do pai e em função da sua repercussão na própria trajetória de vida do narrador que este ordena narrativamente a crónica familiar. O primeiro capítulo acentua a constante itinerância do pai: “Desta vez não desceria à cidade de Díli”; “De regresso a casa, contou que tinha ido à vila de Betano”; “Viera para Portugal quatro anos antes”, etc.2.2

origens familiares “Ele era o meu pai. Descendente de famílias de Manufahi, uma terra cujo nome soava a terror e a traição”.

formação académica “[…] fora estudar para o colégio de Soibada, fundado por religiosos no ano de 1898 com a intenção de formar professores catequistas para o desempenho de ações missionárias. Era uma escola frequentada sobretudo por filhos de liurais que, subtraídos ao seu meio nativo e insubmisso e depois de catalogados como instruídos, passaram a ser o instrumento de divulgação da língua, cultura e religião portuguesas”; “Foi chamado para fazer o curso de Enfermagem na altura em que deflagrou a Segunda Guerra Mundial”; “Voltou ao curso de Enfermagem e feita a graduação foi enviado para o tirocínio nas regiões de fronteira”.

atividades profissionais “Ele, o meu pai, não se fez professor catequista. Acabada a instrução primária, voltou para Same. Enquanto aguardava pelo curso de Enfermagem fez-se agricultor de café […]”; “[…] quando os Japoneses entraram em Timor, já andava a municiar os comandos australianos que moveram uma intensa e desmesurada defesa contra os Nipónicos”; “E a cavalo percorria as vilas de Bobonaro e o olhar altivo dos kuda-uluns, Marobo e as suas termas, Cailaco e o seu forte de pedra, Maliana e a lonjura da sua planície, sempre acompanhado da sua caixa de seringas, atrás da malária, do tifo e da disenteria”.

simpatias políticas “Era membro da UDT e defensor convicto do mate-bandera-hum. Como tal foi preso […] durante a guerra civil depois da debandada dos dirigentes da sua formação partidária”.

relação com Portugal “Viera para Portugal quatro anos antes, com a família, para recuperar a memória que perdera num acidente de viação em Díli, depois do seu regresso à cidade vindo do mato. Trazia a esperança de encontrar uma merecida recompensa, melhores dias, não tanto pelos préstimos doados enquanto convertido e zeloso funcionário do império mas, sobretudo, pelo facto de terem sido eles, os Timorenses, a assumir a suprema tarefa de substituir a mãe-pátria distante durante as suas ausências nos momentos difíceis”; “defensor convicto do mate-bandera-hum”; “Por isso dizia que se sentia no direito legítimo e inalterável de reivindicar o regresso de Portugal para recuperar a memória da maternidade, e os Timorenses, do nascimento”.

retrato psicológico “zeloso funcionário do império”; “defensor convicto do mate-bandera-hum”; “Chorava de cada vez que se lembrava dos seus rostos e nomes”; “Finda a guerra, ficou com cicatrizes que ostentava como uma medalha, e que com algum pudor disfarçava; muitas histórias para contar, nomes de combatentes australianos que ajudou e que, antes da sua morte, me ofereceu com a indicação de reivindicar alguma retribuição em meu favor. Guardava religiosamente invólucros de cartuchos como troféus de guerra e pendurava-os no teto da minha casa para afastar o mau-olhado, demónios e assaltantes”.

2.3 A ocultação temporária do referente do discurso visado – o pai – gera, por um lado, um efeito de surpresa narrativa, confirmando, por outro, a dimensão arquetípica da personagem, cuja trajetória é representativa da de inúmeros outros timorenses anónimos. Desse modo, ao pai nunca é atribuído um nome próprio, assim se esbatendo a dimensão de caso singular na composição desta personagem.2.4 Ao invés de indiciarem qualquer distanciamento afetivo, essas expressões designativas apontam para a natureza paradigmática da personagem e constituem uma outra estratégia de tipificação.2.5.1 O excerto transcrito refere a invasão japonesa de Timor, ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial, e a sua ressonância no círculo familiar do narrador, patenteada pela guerra à escala doméstica entre a mãe e o pai, demonstrando como o circunstancialismo histórico é decisivo para a configuração das personagens do romance. 2.5.2 A família do narrador replica, nas suas vicissitudes e em escala miniatural, a história coletiva do povo timorense.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 31

2.6.1 Trata-se de uma analepse completiva que não seria possível senão em função do conhecimento posterior que o narrador recolheu sobre o percurso biográfico do pai ou dos dados coligidos a partir do que ele próprio lhe terá contado.2.6.2 Trata-se, com efeito, de uma biografia (do pai) interpolada na autobiografia (do narrador-filho), uma vez que os marcos cronológicos convencionais do relato biográfico são constituídos pelo nascimento e morte da personagem cuja vida se reconstitui, tal como acontece no romance de Luís Cardoso.2.7 Os membros da família suportavam, de forma resignada, esse modo de vida nómada, “como se carregassem um pesado fardo ou tivessem de cumprir uma lacrimosa pena ou penitência”.3. “descendente de antigos deportados moçambicanos”; “dentes brancos”; “voz grossa”; “Parecia minúsculo em terra, mas no mar era ele a entidade. […] Vestia apenas um langotim ou hakfolik, uma reduzida peça de vestuário de quem navega entre o mar e o céu”.4.1 O rain-fila consiste nas “partidas que a terra prega aos intrusos, virando-se ao contrário, obrigando então aqueles a socorrer-se dum malabarismo, no qual o guia se sujeita a despir toda a roupa e a vesti-la do avesso como forma de encontrar o caminho de retorno”.4.2 A mãe exprime a sua firme crença nestas manifestações quotidianas do sobrenatural e exorta o filho a ficar de sentinela. 5.1 Trata-se de uma relação de atração mútua e súbita cumplicidade, explicáveis pelo facto de o silêncio do prisioneiro lembrar ao velho sokão o do seu filho Lamartinho: “O sokão já tinha feito outras travessias com outros desterrados. Nunca tinha sentido uma atração especial como por Simão. Principalmente pelo seu silêncio contemplativo. Um silêncio contagiante como o do seu filho Lamartinho que tempos antes deixara também a sua ilha para estudar no colégio de Maliana e depois regressara para ficar como chefe de suku de Maquili”; “Simão adormeceu. O ancião ficou angustiado pela rapidez da chegada do sono. Lembrou-se da idade de Simão e pensou que o recuo no tempo até aos braços da mãe para o embalar fora muito curto”.5.2 A trágica história do sokão envolve a partida do seu filho que, influenciado pelo padre, decidira deixar a ilha para ir estudar em Maliana. O sofrimento causado pela ausência do filho fez a mãe, desgostosa, degredar-se no alto de Manukoko onde aguardava o seu regresso. Sentindo-se culpado pelo afastamento do filho, o sokão começara a navegar em torno da ilha até que lhe foi mostrado o momento de regressar para junto da esposa. Ao chegar ao alto de Manukoko, encontrara o seu corpo morto e já devorado pelas aves. Jurou não voltar ao mar, até que um dia o informaram de que teria que atravessar o oceano para ir buscar a Díli o filho que enfim regressara.5.3 A relação entre o comandante da embarcação e o prisioneiro, que era a que inicialmente vigorava entre o sokão e Simão, alterou-se drasticamente no decurso da travessia, ao ponto de a pergunta formulada pelo primeiro-cabo não poder ter já uma resposta previsivel-mente afirmativa: “O sokão baixou a cabeça para não responder a uma pergunta para a qual não tinha achado resposta durante a traves-sia. Seria considerar-se a ele próprio um carcereiro. Simão também não respondeu”. 6.1 Tanto no caso do sokão, como no de Simão, a travessia implica, num plano simbólico, o confronto com a sua existência passada e culmina numa experiência de comunhão solidária e de empatia que opera, em ambos, uma decisiva transformação interior.7. Caracterização direta: “[…] os olhos de Mário Lopes que se destacavam da têmpora saliente, de rosto grande e lábios carnudos, encimado por uma calva reluzente salpicada por cabelos raros alvos e encarapinhados. Vestia calças e uma camisa branca solta disfarçando o grosso e balanceado baixo-ventre; sustentavam-no duas longas pernas arqueadas que tremiam quando se aventurava para fora da sua residência para gerir o negócio da cantina, ali na vila de Maumeta”.Caracterização indireta: “Era malae-metam e desterrado bem sucedido, originário de São Tomé e Príncipe. Adquirira uma embarcação, uma corocora com que fazia a transação de peixe seco para Díli e regressava com mantimentos, roupas, cervejas, coca-cola e diversas mercadorias que às vezes se entornavam na praia na altura do desembarque e desvendavam tabaco de contrabando, o qual ao ser pescado nos atiçava a tontura, e chocolates derretidos que nos provocavam nos intestinos ronrons e diarreias. Também se dizia que fazia contrabando de livros e ideias subversivas que pregava em aniversários, batizados, casamentos e sobretudo durante os enterros, aproveitando a sequência da oratória fúnebre do professor catequista para fazer autênticos ensaios de maldizer e recuperar a memória dos defuntos, culpabilizando as autoridades pelos enterrados e desterrados. Tinha fama de ter boa escrita e caneta afinada e disso alguns tiveram proveito e competia com o malai Queiroz ain aat, no desempenho destas tarefas intimidatórias. Juntos atemorizavam as autoridades administrativas e liurais, confiscadores de mulheres alheias e bens de outrem. A eles se socorriam todos os que, injustiçados, lhes pediam que fizessem exposição ao governador para sugerir reparação às vítimas”.8. De facto, a mãe parece ser a guardiã das crenças ancestrais e superstições timorenses ligadas à cultura popular, como fica demonstrado nas passagens seguintes: “Minha mãe, supersticiosa, desconfiava serem feridas provocadas pelas garras da Pontiana”; “Mesmo assim, alguns quartos continuavam vazios e escuros, onde ninguém entrava e a minha mãe suspeitava ouvir ruídos, vozes e lamentos de parentes falecidos que se aproveitavam de ser defuntos para virem reclamar benesses e dividendos”.9. Um dos professores estudara na missão católica e casara com uma filha dos liurais de Suro e “ganhara com isso uma postura aristocrática, condensando uma mistura de austeridade com severidade”. O outro era, pelo contrário, “rústico e forte” e representava a orientação progressista da igreja católica. A caracterização tipificante de ambos acentua as suas diferenças de personalidade, elidindo o seu nome próprio. 10.1 Os “anjos masculinos” a que o narrador alude são, provavelmente, Oliveira Salazar e o presidente Américo Tomás, cujos retratos, durante a vigência do Estado Novo, eram obrigatoriamente exibidos nas salas de aula.10.2 A “pátria distante” a que o narrador se refere com ironia é o Portugal metropolitano longínquo e desconhecido, cabeça de um vasto império que só utopicamente constituía uma pátria una.11. A personagem do militar firaku desempenha uma função decisiva no surgimento do gosto do narrador pela leitura. Com efeito, o namorado da prima contava-lhe histórias bíblicas que estimulavam a sua imaginação infantil e foi por seu intermédio que, ainda criança, tomou contacto com “o tal livro, a Bíblia”. Mesmo depois de terminado o namoro, confessa o narrador: “Fiquei dono do livro e das histórias que passei a contar. Histórias alheias que atraíam a simpatia de todos. Histórias para fazer chorar e culpabilizar os antepassados pelo presente dos filhos. Histórias ainda hoje vividas”.

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32 | Sugestões de apoio à utilização do manual

12. O pai do narrador pede para o filho roupa e calçado dois números acima. Revela, pois, ser poupado, previdente e pragmático. 13. Ironia. O excerto transcrito revela a visão crítica, mas complacente, que o narrador conserva do caráter e do comportamento do pai avaliados retrospetivamente.14. Entre ambos e o narrador desenvolve-se uma súbita cumplicidade alicerçada na descoberta e na partilha. Assim, Manucoli permitiu ao narrador “conhecer parentes e lugares sagrados, mistérios e feitiços”, possibilitando-lhe o contacto “com as [suas] próprias entranhas antes de as abandonar definitivamente para submergir no reino cristão”. Por seu turno, o avô partilha com ele a memória de antigas batalhas.15.1 Autocaracterização direta. 15.2 Não. A modalidade de caracterização do narrador-protagonista predominante é a indireta, implicando, regra geral, a dedução dos seus atributos de caráter e traços distintivos de personalidade através das suas ações e comportamentos. 16.

Personagem Retrato

mestre Egídio “o magricelas, sempre com um lenço ao pescoço, movimentava-se suavemente e com elegância, como uma ave rara. Era professor de Música e da terceira classe. Tinha um rosto dorido como o de um Beethoven refugiado numa mata tropical para compor óperas depois das descida das águas de um dilúvio”.

mestre Jaime “[…] o prefeito, cuja fama de tirano se espalhara por todo o território e constituía uma auréola que o próprio alimentava. Tinha uma sombra menos sombria que o próprio, e o odor da sua presença levava--me a fazer chichi nos calções, de susto e medo. Montava o seu cavalo branco e, de chicote na mão, devia ser uma cópia de algum retrato de Napoleão, perseguia os internos em longas marchas por terrenos lamacentos e chuvosos em busca de lenha e pedra para reconstituir os muros do colégio. Obrigava os capitães dos castelos a flagelarem os comandados quando capinavam lentamente a horta. Era uma figura faraónica. […] Na sala ao lado, mestre Jaime fazia da turma uma autêntica câmara de tortura. […] Dizia que eram estúpidos como o kuda-burro e nunca ninguém tinha visto um. […] Limpava o quadro preto com o rosto escuro dos alunos que, cobertos com o pó do giz branco, dizia ficarem mais esclarecidos. Aos mais renitentes mandava-os rastejar por baixo das carteiras, obrigando os restantes a cometerem pisadelas como forma de forçarem a aprendizagem. Era ele o chefe da Mocidade Portuguesa, equipado a rigor com a farda de calças castanhas e a camisa verde. […] Era ainda ele que dava as aulas de Ginástica, com a mocidade portuguesa deitada no chão […]. No auge da sua fúria, dizia que queria o melhor para todos nós. À sua maneira. Que a sabedoria tinha um preço, cabendo a ele estabelecer o quantitativo. Mas aquele homem longilíneo cumpria rigorosamente a sua missão”.

mestre Fernando Osório Soares

“Era alto, cabelos brancos, tronco ereto e tinha os pés descalços grossos e lamacentos. Vestia uma lipa verde quadriculada e usava uma camisa de caqui castanha. […] Tinha um ar nativo, pleno de sabedoria ancestral e gentia, que não se coadunava com o ensino da gramática portuguesa, da leitura e da tabuada. […] Mestre Fernando era um homem que transmitia serenidade. Quando lhe tocava a vez de vigiar o dormitório, era a altura em que eu melhor adormecia […]. Só se sentia orgulhoso por aquilo que fazia”.

mestre Alberto “[…] oriundo de Lacló, do reino leal às autoridades portuguesas, pelo que incitava constantemente os alunos à porrada, sem ele ter dado nenhuma. Parecia viver num contínuo arraial. Curava as mordidelas dos ratos, lacraus e serpentes, através de indução psicológica – com um grito expulsava a maleita pelo susto que provocava no paciente”.

mestre Narciso Lobato “O mestre Narciso Lobato era aquele que às vezes ia à caça e regressava pela madrugada na altura da missa matinal com os veados e corças pendurados nos cavalos e me fazia sonhar com uma alimentação melhorada de arroz com alguma carne”.

17. O padre Júlio, um irmão leigo português, revelou ao narrador uma nova dimensão da metrópole distante, “folclórica e divertida, despojada de heróis e mártires”, através do contacto com a música, a dança e a poesia. Como confessa o narrador, “Embora tivesse consciência de que eu nunca poderia visitar a metrópole que me era oferecida através dos guias turísticos – os manuais escolares –, deliciava-me com a fantasia das suas cidades, serras, rios, gentes e língua”. 18.1 Xanana Gusmão.18.2 Uma vez que o romance visa concretizar o projeto de relatar a crónica de um tempo, a alusão a personagens históricas ou referenciais constitui uma estratégia de verosimilhança e concorre, assim, para a instituição de um efeito de real.19.1 No seminário jesuíta de Dare, o narrador teve que submeter-se a uma rotina escolar mais rígida e exigente que se destinava a fazer a “triagem daqueles que verdadeiramente tinham vocação sacerdotal”.19.2 Padre Bernardo, o jesuíta francês que ensinava Francês e Matemática, tinha um passado heroico e aventuroso e era objeto de indisfarçável admiração por parte do narrador: “[…] fora tenente e sobrevivente da Primeira Grande Guerra, marcado com um estilhaço de granada no peito e a Marselhesa no coração. Fez voto, fez-se à China, que se fez comunista e o expulsou, pelo que guardava religiosamente uma pera de mandarim e o ar recolhido de Buda”.20. “Era um homem alto, robusto e enérgico, possuidor dum discurso inflamante que fazia concorrência ao do bispo […]. Tinha por missão e vontade arrancar os Timorenses e Timor do esquecimento a que fora devotado durante longos anos […]. Percorria todos os cantos do território, vilas e aldeias, umas vezes de carro, outras a cavalo e muitas vezes a pé. […] Cumprimentara liurais, sabia das doenças dos chefes de suku e das dificuldades da população. […] Tinha extrema necessidade de que os seus atos fossem conhecidos em Timor, projetados na metrópole e comparados com o Timor indonésio, então menos desenvolvido.”

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 33

21. Ramos Horta é mencionado na qualidade de jovem jornalista de A Voz de Timor, uma publicação impulsionada por Alves Aldeia. Mário Carrascalão, recém-regressado da metrópole onde estudara Silvicultura, é referido por, no seu regresso a Timor, assumir a direção dos serviços de Agricultura e Florestas.22. Venâncio: “Venâncio era o mais velho de nós todos e usava uns óculos graduados que lhe aumentavam o peso dos anos. Era o chefe de fila de um grupo de excluídos de Dare que ainda guardavam a pose e os gestos comedidos de atividades sacramentais. Vinha de bicicleta ao liceu […]. Venâncio, de caneta fina, exibia nas aulas de Português o seu raro prestígio de declinador das palavras latinas e sabedor de complicados complexos de magna mater do Pessoa, do Herculano, de Zaratustra e de Camões, do platonismo. No recanto da sua casa, como um arqueólogo perfecionista, procurava nos apontamentos trazidos do seminário palavras difíceis e rebuscadas para enfeitar os trabalhos de casa que ele, solícito, se prontificava a declamar nas aulas, libertando-nos assim de tarefas e apertos, enrubescendo a loira professora pelo encanto e sedução dos temas abordados que terminavam sempre com a eterna busca da felicidade. […] Venâncio ainda não tinha encontrado a felicidade, perdendo-se nos meandros dos complexos. Descobriu o de Caronte. Pediu uma bolsa de estudos, atravessando então os sete mares para ir tirar na cidade de Évora o curso de Regente Agrícola”.Adriano: “Adriano era o único cavaleiro montado, mesmo solitário, daquela praça”; “Adriano entrava na sala de aula com passos solenes como se ainda estivesse montado num cavalo. Tinha perfil de John Wayne e passos de Trinitá. […] Estava sempre vestido com roupas imaginárias de cowboy embora se apresentasse com calças de terilene brilhante sem dinheiro para comprar as inflacionadas jeans, que os marinheiros filipinos do navio mercante “Musi” vendiam de contrabando no cais de Díli. Adriano apaixonara-se pela Fernanda que se sentava na cadeira anterior e o deixava ver os longos cabelos pretos que caíam pelas costas como uma catarata por onde deslizavam os olhos, as mãos, o corpo e a alma do cavaleiro”.23. O discurso premonitório do pai do narrador vem a concretizar-se no tumultuoso período que se sucedeu à “era do império que acabava no Ramelau”, na sequência da revolução portuguesa do 25 de Abril de 1974. Como se sabe, em agosto de 1975, após uma breve coligação com a FRETILIN, a UDT encenou um golpe de estado, respondido pela FRETILIN com um contragolpe, que fez deflagrar uma guerra civil, à qual a administração portuguesa não conseguiu fazer frente, abandonando a ilha.24. Ramos Horta é apresentado como um jornalista extrovertido e sedutor. Nicolau Lobato era um ex-seminarista austero e reservado, inclinado à introspeção e à procura apaixonada do conhecimento. 25. O narrador alude, neste passo, ao modo como o pai fantasiava um confortável cargo administrativo para o filho, insistindo nas supostas vantagens da dependência colonial em relação à metrópole. A expressão “rota submersa das caravelas” reporta-se ironicamente à persistência dessa nostalgia de subordinação em relação à tutela colonial.26. Venâncio tinha abandonado as suas inabaláveis convicções religiosas de outrora, substituindo-as pela militância intransigente em defesa da causa do povo timorense que se convertera, para ele, numa nova religião: “Já não era aquele platónico que tentava convencer os catecúmenos à resignação, com argumentos que havia um paraíso extraterreno, mas o duro militante que queria impor a aceitação dum paraíso terreno, testado e frutuoso em outras latitudes com uma nova nomenclatura e acessível aos rejeitados”. 27. O narrador reconhece que o facto de o pai ter apoiado a UDT (União Democrática Timorense) e o seu lema de Mate bandera hum foi responsável pela perseguição que lhe foi posteriormente movida pela FRETILIN. O narrador parece, pois, simpatizar com a causa da resistência timorense e a defesa da independência do território da dominação portuguesa defendidas pelo movimento liderado por Ramos-Horta.28.1 “Domingos era forte e baixote, tinha um rosto redondo e sorria sempre. Era daquelas pessoas que escondem as lágrimas com sorrisos. Mau era magro, direito como uma mandioca seca, fitava-me com os olhos atentos, distantes”; “Domingos e Mali Mau personificavam o tal maubere, excluído das benesses do colonialismo português, rosto de velho num corpo de criança, descalço e analfabeto. Nunca teve acesso à instrução, não leu os manuais escolares, não sabia onde ficava Portugal, nem a língua falada, e uma grande parte, apesar do esforço ciclópico dos missionários, não tinha sido batizado e mergulhava ainda nos cultos germânicos. […] Formavam um misto de maubere com cantor pop”.28.2 As palavras traduzem a tentativa de averiguar a origem e o passado de cada um, explicando em função deles o sucesso ou fracasso das vidas respetivas na capital portuguesa. 28.3 Embora personificassem exemplarmente o paradigma nativo do homem maubere, Domingos e Mali Mau “vestiam jeans, blusão de marca e calçavam botas de couro”. Esta indumentária ocidental e contemporânea explica a sua semelhança com cantores pop.28.4 Em face da sua desproteção e vulnerabilidade numa terra estranha, o narrador enuncia a sua perplexidade relativamente ao seu futuro: “Que fariam nesta terra como se tivessem passado do real para as páginas duma crónica de escravos trazidos pelas caravelas descrita pela pena de Pigafeita”.29.1 O conceito de heroísmo personificado pelo pai do narrador não diz respeito à sua entrega bélica ou à sua militância em favor de uma causa, mas prende-se sobretudo como a lição de resistência e inteireza por ele exemplarmente encarnada ao longo da sua vida.30. Ao deslocamento geográfico do pai do narrador para Lisboa corresponde uma reemergência das memórias da sua existência timorense. A amnésia afeta, em particular, as vivências mais recentes (porque mais traumáticas) e permite a sua momentânea evasão da circunstância hostil em que se vê forçado a sobreviver.31.1 As metáforas animais veiculam o declínio da robustez e do vigor que tinham caracterizado o pai do narrador, patente na analogia que se estabelece entre o seu andar e o “passo lento dos búfalos”, e o sofrimento pela solidão a que fora condenado na capital expresso no “olhar sofredor e sacrificado dos animais de estimação”.32 A acusação dirigida à geração que herdara Timor-Leste era devida à tumultuosa situação política no território, ao seu futuro incerto e ao sofrimento pela luta pela independência: “– Que fizeram vocês de nós, de vós próprios e do povo que deixámos vivos nas vossas mãos?”.33.1 Xanana Gusmão, outrora o “cabeludo guarda-redes da Académica, poeta de sonetos e que fora seminarista em Dare”, era agora quem “comandava a guerrilha e incendiava os corações nas montanhas e as almas dos jovens nas praças”.

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34 | Sugestões de apoio à utilização do manual

33.2 Tal como Che Guevara, ideólogo e líder da revolução cubana, Xanana Gusmão constituía, para as jovens gerações timorenses, a figuração emblemática do espírito revolucionário de libertação e da luta contra a subjugação. Era, pois, o símbolo da apologia da resistência. 33.3 O narrador confessa o seu receio de que o surgimento messiânico deste profeta pudesse, em nome da luta por um ideal de libertação, conduzir o povo a um extermínio coletivo.34. A divisa mate-bandera-hum é reiterada, no epílogo do romance, para designar, já não a bandeira portuguesa à qual o velho enfermeiro se mantivera intransigentemente fiel ao longo da vida, mas o lençol branco que envolveu o seu corpo morto no hospital.

Guião de leitura integral do romance Crónica de uma travessia, de Luís Cardoso | ESPAÇO

1. [apresenta-se, a título exemplificativo, a localização de alguns acontecimentos narrativos referidos no romance]capítulo 1: travessia do narrador de Díli para Ataúro, na companhia dos paiscapítulo 3: travessia do narrador de Ataúro para Dílicapítulo 4: subida à vila de Aileu...Conclusão possível: A existência de numerosos percursos realizados pelas personagens, recobrindo quase a totalidade do território timorense: Sul, Norte, Centro, Ponta Leste, Ataúro.2.a. O narrador e os pais, um cipaio africano, um prisioneiro chamado Simão. O comandante da embarcação é Aldroaldo, o sokão.b. Para os pais do narrador, significa o início de uma nova etapa de vida; para o sokão, um tempo nostálgico de rememoração e de construção de uma amizade cúmplice com o prisioneiro Simão; para o narrador, um tempo de descoberta e aprendizagem.c. Porque, tal como acontecia com Simão, também ele tinha transportado em silêncio o filho, na travessia de regresso à ilha, numa situação em tudo semelhante à que agora revivia.d. O ritual consiste em lavar as mãos e os olhos antes de pôr os pés na água.e. A travessia ocorre de noite, uma vez que é essa a altura em que o sokão melhor se orienta.f. O narrador descreve, com indisfarçável emoção, a contemplação extática do nascimento do sol que, neste contexto, terá que relacionar--se simbolicamente com a experiência de autorrevelação e iluminação interior destas personagens e com o surgimento de um novo ciclo nas suas vidas respetivas.g. A ilha era convencionalmente lugar de desterro e de punição, mas nela iria ocorrer a “ressurreição” simbólica do sokão. h. Resposta pessoal.3. a. “Destinaram-nos uma casa grande feita de paredes de bambu e com teto de capim onde algumas cobras faziam ninhos e grandes correrias em perseguição das ratazanas que às vezes buscavam proteção debaixo da minha esteira e deixavam marcas na minha carne”; “Era uma casa grande com muitos quartos, como se o construtor adivinhasse que os enfermeiros tivessem sempre muitos filhos e poucos morressem à nascença”.b. As ratazanas que atacavam, de noite, o narrador e a suspeita da mãe de que ouvia vozes e lamentos de parentes falecidos.c. A mãe ficava de sentinela junto à cama do narrador, acendia uma vela e rezava o terço, para além de se munir de um prego e de um limão azedo. As suas ações justificam-se em função das crenças timorenses sobre como afugentar espíritos malignos.d. A lenda de Pontiana, a mulher-pássaro, corrente na tradição do maravilhoso popular timorense, refere que a sua aparição ocorre de noite, sendo particularmente temível para as crianças e mulheres. e. Os medos eram tanto os que derivavam das crenças e superstições, como os que decorriam da suspeita do desembarque clandestino na ilha de indonésios disfarçados de pescadores.f. A ilha é, por um lado, um espaço de degredo de prisioneiros e de desterro provisório de profissionais em trânsito, como acontece com o pai do narrador. A sua exuberante cultura popular faz com que nela coabitem práticas mágico-rituais e superstições que se tornam inseparáveis do quotidiano. Por outro lado, a variedade exótica da paisagem e a fauna concorria também para a singularidade do cenário.4. É em Ataúro que decorrem as aprendizagens fundadoras da personalidade do narrador, aí recebendo os fundamentos da sua educação religiosa (a catequese em tétum) e patriótica (o hino nacional), bem como os rudimentos da alfabetização em português.5. Trata-se da Bíblia, cujas histórias o fascinaram, e com as quais tomou contacto por intermédio do militar que era, à época, namorado da sua prima Rosa. 6. Como explica o narrador, através de exemplos da aprendizagem da leitura, o português era um idioma estranho e abstrato que se vinha sobrepor artificialmente ao tétum, cuja aprendizagem, pelo contrário, se revelava natural em função da sua experiência de vida timorense. Tal como desconhecia com essa pátria distante que, para ele, era Portugal, também o seu idioma em nada refletia a sua realidade de criança timorense.7. O narrador prossegue os seus estudos no colégio D. Nuno Álvares Pereira, em Soibada. A frequência do colégio exige a renovação da indumentária e nova travessia rumo a Díli.a. Embora as duas travessias correspondam a experiências formativas e de maturação do narrador, a segunda distingue-se pelo sofrimento causado pelo primeiro afastamento físico da sua família. b. Resposta pessoal.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 35

8. O colégio, descrito como um “bastião lusitano encravado no coração de Timor para comemorar uma Aljubarrota distante”, era um espaço hostil, onde não havia lugar para os valores “antigos e gentios” e onde os mestres recorriam a extrema severidade na inculcação de valores culturais totalmente desvinculados da realidade cultural timorense. Embora a alimentação se baseasse numa ração diária de milho, o facto de ser afilhado do cozinheiro do colégio permitiu ao narrador ter acesso a alguns privilégios alimentares.9. O enfermeiro tinha sido colocado na vila de Lautém: “A vila tinha sido transferida para o interior, para um local aprazível onde havia uma lagoa polvilhada de camarões, circundada de árvores centenárias que albergavam macacos durante o dia e corujas de noite. Lautém assustava os intrusos. Uma terra de homens orgulhosos, emotivos e falantes de fataluko”.10. Devido à distância entre Lautém e Soibada, assim como pelo facto de a dureza do estilo de vida imposto no colégio ter sido responsável pelo surgimento de sintomas de tuberculose.11.a. A imagem da metrópole que o narrador começa a formar é, em grande parte, modelada pelo seu professor da quarta classe que dessa pátria de contornos difusos lhe revela uma outra dimensão mais “folgada, folclórica e divertida, despojada de heróis e mártires”, proporcionando-lhe o contacto com a poesia e a música portuguesas. b. Macau, Índia, Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Madeira, Açores, Brasil. A imagem destes territórios, propagada pelos manuais escolares, encontra-se, para o narrador, associada ao imaginário dos Descobrimentos e eles representam, portanto, uma espécie de “paraísos na Terra”.12. O narrador parte para Díli, com o objetivo de ingressar no seminário de Dare.13. Quando interrogado pelo funcionário do arquivo de identificação e ao mencionar que era natural de Cailaco, aquele comentário identifica-o depreciativamente como oriundo de “terra de Kuda-uluns” – os que “comem o que montam” –, aludindo ao grupo étnico do narrador conhecido como o dos “devoradores de cabeças de cavalo”.14.a. Bebora era um bairro periférico, constituído por casas feitas de folha de palmeira, onde residia um abundante contingente de comerciantes árabes. Situava-se no “lado da cidade onde o calor mais explodia” e era, por isso, um espaço urbano caracterizado pela insalubre precariedade das condições de vida dos seus moradores.b. Os seus habitantes eram pequenos funcionários públicos, pedreiros e carpinteiros, pequenos comerciantes, desempregados, vendedores de rua e jovens que vinham para Díli ambicionando melhores condições de vida.c. Apesar de deslocados na capital timorense, não se desvinculam das suas raízes: “Instalavam-se em casa de parentes, mais ou menos remediados, mantendo sempre uma ligação com o interior como suporte psicológico e de manutenção alimentar”.15. Dare é um espaço de formação espiritual e de despojamento ascético, pelo que se supõe que quem nele ingressa está disposto a abdicar das solicitações mundanas e a abraçar o serviço de Deus.16.a. O bairro de Colmera ou o estádio de futebol. Nestes locais, praticava-se a prostituição, ouvia-se música, assistia-se à luta de galos ou a partidas de futebol.b. As mais concorridas são as lutas de galos e o futebol, atividades masculinas por excelência, a que acorria o contingente militar estacionado em Díli.17. O seminário era o local onde ingressava uma elite que, depois da “triagem daqueles que verdadeiramente tinham vocação sacerdotal”, teria acesso a uma formação superior e iria previsivelmente ocupar lugares de destaque na vida pública timorense.18.a. O seminário, constituído por um conjunto de edifícios amarelos circundados por plantações de café, é comparado pelo narrador a uma granja.b. O narrador compara o espaço a uma “granja”, descrevendo-o como uma “espécie de Sintra tropical”.19.a. A discussão de ideias, os serões de canto, poesia e música clássica, filmes e acampamentos.b. A música e a poesia (de Sophia de Mello Breyner); os jornais A Bola e A Época, mas também novos padres que tinham ido para a metrópole estudar Filosofia e Teologia.c. Estes bens permitiram o incremento da circulação de notícias entre a metrópole e o território timorense.20.a. “A estrada marginal estendia-se duma ponta à outra da cidade, desde o farol de ferro branco, onde estavam instaladas as residências das autoridades militares e civis, passando pelo porto de Díli que cheirava a sândalo pronto a ser embarcado em forma de caixotes, até Lecidere, o farol de círio branco, a residência oficial do bispo”.b. O narrador vai inscrever-se no quinto ano no liceu de Díli. Esta formação académica poderia permitir-lhe o acesso a um emprego na fazenda, possibilitar-lhe o desempenho das funções de chefe de posto duma vila do interior ou garantir-lhe a admissão ao curso de sargentos milicianos na tropa.21. A viagem para uma Lisboa mitificada à distância, através de fotografias e documentários, é antecipada com euforia expectante pelo narrador. Os seus parentes, por seu turno, “mostram-se satisfeitos como se tivessem enviado uma encomenda para um sítio distante e seguro”, mas também saudosos e apreensivos na hora da partida.

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23. Ao confrontar as suas expectativas iniciais com a realidade que encontra, o narrador sente-se inequivocamente dececionado: “Esperava ver um mar de gente a encher as ruas com flores e cores. Era um domingo chuvoso, frio e nebuloso, quando aterrámos no aeroporto. Um outubro de outono invernal. As avenidas estavam vazias, com figuras dispersas vestidas de preto”.24. O narrador evoca o seu imaginário infantil dos aeroportos onde desembarcavam, como divindades descidas do céu, autoridades civis, militares e religiosas. Enquanto criança, tentava “decifrar qual delas tinha o rosto mais parecido com Deus”.25. O narrador relata a sua experiência de desenraizamento na metrópole portuguesa e a relação ambígua que mantém com os seus compatriotas, uma vez que a elite política refugiada “mantinha uma reserva muito grande relativamente aos estudantes bolseiros, os quais considerava como guardas vermelhos, expoliadores do passado e do presente”. Embora morasse numa residência aristocrática, “que albergava um ninho de futuros gestores”, essa coabitação assemelhava-se à de “fantasmas retirados dos manuais escolares”.26. A Austrália, destino ambicionado por muitos timorenses (“O El Dorado do Cruzeiro do Sul”), era “mais quente, mais ao sul, próximo de Timor”. Assim, quase todos aguardavam pela carta de chamada de um parente. 27. Os habitantes do vale do Jamor eram maioritariamente funcionários públicos que aspiravam à reintegração no funcionalismo ou à reforma antecipada para rumarem à Austrália. Muitos deles desenvolvem estratégias de adaptação, com vista a atenuar a sensação de estranhamento num meio hostil: cultivam hortas e criam galos de luta, fundam agremiações desportivas, organizam bailes, formam equipas de futebol, coros infantis com trajes timorenses, difundem o folclore timorense.28. Enfim regressado à terra que “impingia [ao filho] como sendo verdadeira”, o velho enfermeiro transporta consigo as memórias inalienáveis do espaço timorense. A estreiteza do novo país de acolhimento, bem como o facto de se encontrar confinado ao quarto exíguo de uma pensão da Segurança Social, faziam-no evadir-se para o que considerava ser o mato, mas era, na realidade, a estação de caminho de ferro.29. “Eu pensava no destino daqueles velhos, que atravessavam continentes, fugindo da morte matada para virem morrer de morte velha, sem direito a que cresçam nas suas campas o eucalipto branco e o capim. Como os búfalos, arrastados pelas torrentes das águas da ribeira de Carau-ulum e submersos no lodo da foz que escoa no mar homem, ou tassi mane.”“Recuperava a respiração dizendo que os de Ataúro eram os melhores nadadores na piscina de Soibada”.As comparações com o universo timorense demonstram, por um lado, que é ele o universo de referência e o termo de comparação com a realidade metropolitana, traduzindo, por outro, o violento desenraizamento do pai do narrador que, transplantado para a capital portuguesa, insiste em nela vislumbrar ainda a paisagem timorense.30. De facto, o pai do narrador não chega a concretizar a última travessia e essa trajetória incompleta pode relacionar-se com o impasse histórico vivido em Timor-Leste após a ocupação indonésia e com o longo e doloroso período de resistência que se lhe seguiu. 31. Elencam-se abaixo algumas espécies animais e vegetais, mencionadas no romance, cujas características e simbologia no âmbito da cultura timorense, os alunos deverão investigar:Flora: ai dik (eritrina); várzeas de arroz; eucaliptos brancos; acácias; ai-loks (arbusto espinhoso da família da Ziziphus mauritana); gondoeiros (ficus benjamina); tamarindos; coqueiros; al-hum (árvore protetora); casuarinas; sândalo; Albizia mollucana; canela; durião; gramíneas.Fauna: toninhas e tubarões; cobras; jiboia; pomba cinzenta; galos selvagens; corujas; búfalo; manu mean (galo vermelho); crocodilo.32. Constituindo uma das linhas estruturantes do romance, o exílio aparece como tema subjacente a vários episódios, sobretudo os que implicam o deslocamento/desenraizamento ou a viagem: a constante itinerância do velho enfermeiro, desde a travessia inicial para Ataúro à vinda para Lisboa; as viagens formativas do narrador (para o seminário de Dare ou para o liceu de Díli, por exemplo) ou, enfim, o exílio/expatriação dos timorenses que, na sequência da revolução democrática do 25 de abril, se reúnem no vale do Jamor.

Guião de leitura integral do romance Crónica de uma travessia, de Luís Cardoso | TEMPO

1. Resposta pessoal. Apresentam-se abaixo, a título exemplificativo, alguns acontecimentos históricos referidos no romance. Os períodos colonial e pós-colonial (século XX) dominam a narrativa

1941-1945 Envio, durante a 2ª Guerra Mundial, de tropas australianas e invasão japonesa de Timor-Leste

1945 Derrotado o Japão pelas forças aliadas, é reposta a administração portuguesa no território.

1974 Golpe militar que põe termo à ditadura em Portugal. Início do processo de descolonização de Timor-Leste. Formam-se as primeiras organizações políticas: a UDT, a FRETILIN, a APODETI. Inicia-se um processo de violentas lutas políticas.

1975 A Indonésia invade, a 7 de dezembro, o território, provocando milhares de vítimas e de refugiados que partem para a Austrália e para Portugal.

1981 Xanana Gusmão passa a liderar o Conselho da Resistência Nacional.

2. Sugere-se que o professor, conjuntamente com os alunos, selecione alguns dos acontecimentos referidos no ponto anterior (v.g. invasão japonesa de Timor-Leste, 25 de Abril de 1974) e, em torno deles, seja desenvolvida alguma pesquisa (bibliográfica ou na internet) que permita a sua adequada contextualização.3. A oposição à ditadura portuguesa (poesia e música de intervenção), a guerra do Vietname, a guerra colonial em Angola e na Guiné.

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4. a. O coronel Alves Aldeia, Ramos-Horta, Ângelo Correia, Abílio Araújo, Mário Carrascalão, Manuel Carrascalão. [Sugere-se que os alunos redijam, para cada uma destas personalidades, uma breve nota biográfica, recorrendo a fontes bibliográficas ou à pesquisa na internet].5. As ideias subversivas, contrárias ao regime ditatorial português, chegam a Timor e ao conhecimento do narrador através do contacto com oficiais milicianos regressados da metrópole, cujas mulheres ensinavam no liceu, possibilitando-lhe a leitura de literatura clandestina.6.a. O surgimento de grupos musicais que cantavam rock e imitavam as bandas anglo-americanas de referência, como os Creedence Clearwater Revival ou os Rolling Stones, a voga de danças como o ieié ou o uso da minissaia.b. Cultura do entretenimento (música e dança) e vestuário.7.a. O naufrágio do navio Arbiru, ocorrido em 1973, prenuncia o fim da “era do império que acabava no Ramelau”.b. O pai do narrador tinha embarcado, no ano anterior, para Singapura, com o objetivo de acompanhar a saúde dos tripulantes do navio Arbiru e poderia, nessa altura, ter sido uma das vítimas do naufrágio.8. Trata-se do 25 de Abril de 1974 que pôs termo à ditadura em Portugal. Sugere-se que os alunos realizem uma sumária pesquisa bibliográfica e/ou na internet sobre este acontecimento.9. A Timor-Leste chega apenas um eco longínquo da revolução democrática ocorrida em Portugal, embora as notícias fossem difundidas na rádio como “um relato de futebol”. A rotina dos habitantes do território permaneceu inalterada: “Tudo continuava como dantes. […] Embora todos soubessem que aquele quotidiano tinha os dias contados, ninguém ousava pô-lo em causa.”10. A 31 de dezembro de 1978, as tropas indonésias matam Nicolau Lobato, líder da resistência timorense.11.a. A guerra de Manufahi.b. O velho enfermeiro e mestre Alberto “depois de quase um século reviviam a memória do que fora um marco na história de Timor”.12. É Xanana Gusmão quem assume a liderança da resistência timorense e nele convergem novas esperanças de libertação, visto ter forçado os militares indonésios a deslocarem-se para as montanhas para um acordo de cessar-fogo e recusado encetar negociações.13. A aceleração do ritmo narrativo deve-se à morte iminente do pai do narrador que surge entrelaçada com a história recente de Timor-Leste.

Guião de leitura integral do romance Crónica de uma travessia, de Luís Cardoso | AÇÃO

1.1. Simbolicamente, a primeira comunhão consubstancia um ritual de iniciação evocativo da travessia que o narrador agora empreende, reenviando, de modo cíclico, para o espaço da infância.1.2. Remete para o tempo da infância do narrador passado em Timor-Leste.1.3. A história do pai do narrador surge intersetada com a sua própria – tornando indissociáveis biografia e autobiografia – e com a história do próprio território timorense. A relevância deste cenário histórico aproxima o romance do memorialismo.1.4. A vida de ambas as personagens – narrador e pai – surgem inscritas na história timorense numa relação de mútua implicação. As derivas do pai do narrador ou o seu acidentado percurso formativo são indesligáveis das convulsões históricas verificadas no território, tenham elas ocorrido em tempos mais recuados (a batalha de Manufahi, por exemplo) ou façam parte da história recente (o movimento de resistência liderado por Xanana Gusmão).1.5. O romance inicia-se e encerra, numa nítida construção simétrica, com o relato da doença e morte do pai do narrador. A sua estrutura é, portanto, circular.2. A intervenção da igreja católica, expressa sobretudo em atividades de missionação e na formação escolar, desempenha um papel crucial no percurso formativo do narrador (desde o ensino precoce da catequese ao seu ingresso no seminário de Dare), mas também, num âmbito mais lato, no quotidiano da comunidade em geral, sobretudo em virtude da sua ação evangelizadora. Como se refere, no final do capítulo 2, “O missionário batizava e confessava os catecúmenos, gentios com nomes de reis e profetas”.3. Trata-se do namoro, que cedo termina, entre um militar firaku e Rosa, uma prima do narrador. 4. Antes de ingressar no colégio D. Nuno Álvares Pereira, onde receberia uma educação católica, o velho Manucoli pretendia que o narrador conhecesse a sua cultura autóctone e as raízes fundadoras da sua identidade.5. A viagem, incómoda e acidentada, é acompanhada pela descrição deslumbrada da paisagem. Quando chega à periferia de Lautém, o narrador fica perplexo com o abandono da vila, descobrindo depois que o seu centro se tinha deslocado para o interior.6. A vocação do narrador, expulso do seminário de Dare, não era a do serviço religioso. 7. O narrador parece apreciar a “governação aberta” de Alves Aldeia, sobretudo pelo interesse manifestado pelo governador nos usos e costumes locais e pelo respeito que demonstra pela cultura original timorense: “Incansável, Alves Aldeia fazia uma governação que mais tarde viria a ser conhecida como aberta […]”; “Os liurais gostavam dele”.8. A partida de Abílio Araújo era vista como uma aposta política na formação de um futuro quadro da administração do território. O regresso de Mário Carrascalão “dos céus da metrópole” destinava-se ao exercício da chefia dos Serviços de Agricultura e Florestas.

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9. O narrador apresenta, de forma circunstanciada, as diferentes fações e tendências políticas em jogo no território, na sequência do 25 de Abril, e enumera as personalidades que começam a emergir como líderes de cada um dos movimentos em formação, exprimindo a sua perplexidade em face das suas posições antagónicas relativamente ao destino de Timor-Leste: “Como foi possível estarem escondidas tamanhas contradições? Como foi possível a árvore de Samoro ter produzido três ramos tão antagónicos?”.10. A perspetiva do narrador sobre Lisboa, anterior à sua partida para a capital, é nitidamente eufórica e idealizada, moldada pelos estereótipos da “cidade branca inundada de sol, pombas e telhados vermelhos” com “ruas com flores e cores”.11. O narrador desloca-se repetidamente ao aeroporto para ir esperar algum parente fugido da guerra civil a quem estava reservado o desterro num país desconhecido.12. A viagem de comboio tem como destino o Entroncamento, que o narrador imaginava como “o centro do mundo”, onde “se cruzavam todos os comboios da terra, os homens de diferentes raças, do Norte e do Sul, cruzados e maometanos”.13. Pelo confronto com o hibridismo entre a cultura maubere e os códigos ocidentais, convertendo-os num “misto de maubere com cantor pop”.14. O narrador decide ir ao vale do Jamor, na época natalícia, a convite de um colega do pai. A vista proporcionou-lhe um conhecimento em primeira mão das precárias condições de vida dos timorenses deslocados na capital, bem como das estratégias de adaptação e sobrevivência por eles adotadas num meio adverso.15. A história do pai do narrador finaliza, como começara, com uma travessia, neste caso simbolicamente anunciada pela sua morte: “O ponto da partida e o fim da travessia”.16. Trata-se de um final aberto, tanto no que diz respeito à trajetória biográfica do narrador, como no que toca à renovação cíclica metaforicamente figurada nas árvores em flor das ruas de Lisboa. 17. Trata-se de uma expressão indicativa da perpétua renovação da vida.

Guião de leitura integral do romance Crónica de uma travessia, de Luís Cardoso | NARRADOR

1. Narrador autodiegético, uma vez que, como acontece no género autobiográfico, é o próprio protagonista da história que conta, como se deduz logo desde a abertura do romance: “Como fazia todas as manhãs, atravessei o rio de barco. […] Naquele dia eu vestia roupa branca, sem mácula, sem suor, saído de um banho de água fria como quando ele me conduziu ao altar para receber a minha primeira comunhão”.2. O narrador é não omnisciente, uma vez que não detém um conhecimento ilimitado sobre o universo diegético, não lhe sendo permitido, por exemplo, antecipar acontecimentos futuros. A informação narrativa de que dispõe decorre exclusivamente da reconstituição retrospetiva da sua experiência autobiográfica. Assim se explica o recurso ocasional ao registo de discurso modalizante, expressivo da dúvida ou da incerteza: “Parecia ter vertido todo o líquido vermelho da vida na terra antes de embarcar. Como se ele próprio soubesse para o que vinha, embora oficialmente tivesse dito que queria recuperar a memória perdida num acidente vascular”.3. Trata-se de um narrador subjetivo, como se deduz pelo recurso sistemático a um registo de discurso pessoal (que torna explícita a sua implicação afetiva na história que relata) ou à linguagem figurativa, corrente sobretudo nos fragmentos em que predomina a descrição paisagística. 4. No romance de Luís Cardoso, é evidente a relação de coimplicação que se estabelece entre autor empírico (isto é, a personalidade civil do escritor) e narrador (isto é, a instância responsável pela enunciação da história). Assim, em virtude do substrato autobiográfico de Crónica de uma Travessia, verifica-se uma coincidência entre autor e narrador – os dois protagonistas de que fala Paul Auster – e vida e escrita encontram-se indissociavelmente coligadas. 5. De facto, tratando-se de um narrador participante na história que conta como protagonista, são constantes os seus comentários judicativos sobre as personagens convocadas no decurso do relato, as apreciações críticas de acontecimentos históricos, as efusões emotivas ou a expressão (explícita ou implícita) de valores ético-morais. Refiram-se, a título exemplificativo, os passos seguintes: “Eu tinha medo da cidade de Díli que crescera como a jiboia depois de ter engolido um búfalo”; “Eu perguntava qual a razão por que vieram para Portugal. Se não teriam, de facto, feito uma opção errada e que fariam eles nesta terra sem um conhecimento prévio das coisas e dos lugares”; “Caminhava lento como se fosse o dono do tempo. Deve ser a única gratificação que a vida concede aos velhos”.

Guião de leitura integral do romance Crónica de uma travessia, de Luís Cardoso TEMAS, MOTIVOS E CÓDIGOS IDEOLÓGICOS

1. Como refere o sokão, no capítulo 1, “A natureza retribui os sentimentos dos homens”, acrescentando que, quando transporta um passageiro enfurecido, o mar torna-se mais bravo. Verifica-se, portanto, uma simpatia cósmica que une, em harmonia especular, o homem e os elementos naturais.2. São vários os passos do romance em que surge delineada a geografia referencial e simbólica da ilha, perspetivada como cenário protetor ou prisão confinante. Atente-se, a este propósito, nos passos seguintes: “[…] a ilha de Ataúro, a qual, no breu da noite, se dobrava sobre si mesma como uma tartaruga gigante feita terra para se eternizar”; “a intrusa era ela mesma, a ilha, no coração do mar”; “Era uma ilha cercada de pequenos medos”. 3. a. As dificuldades são as que decorrem do uso coercivo de um idioma sentido como artificial que em nada refletia as vivências do narrador enquanto criança: “Foi-me ensinado primeiro a catequese em tétum, depois o hino nacional em português e finalmente algumas canções em latim”. No que diz respeito ao colégio de Soibada que o narrador frequenta, por exemplo, “embora a escola fosse um local erigido no

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meio daquelas colinas, como um altar de sabedoria, com gente oriunda de diversas etnias e falantes de diferentes idiomas, o português era obrigatório, e sancionado com reguadas quem transgredisse essa norma”, sendo mencionada a severa vigilância dos “guardas linguísticos”. b. Apesar da imposição colonial do português como língua obrigatória no sistema educativo, as escolas evidenciavam o convívio plurilingue verificado em território timorense. Assim, o colégio de Soibada “era uma autêntica Torre de Babel para onde afluíam jovens de muitas partes de Timor, falantes de muitas línguas”; a missão em Fuiloro “era uma escola que embora lecionasse em português tinha missionários italianos e espanhóis” e o seminário de Dare era “uma mistura de latinidade. Portugueses, espanhóis, e o francês Padre Bernardo […]”.c. A língua desempenha funções de coesão comunitária e de consolidação da identidade em face do invasor.4.a. Refiram-se, a título exemplificativo, os seguintes passos: “[O missionário] Fazia autênticas inaugurações de dinastias nativas de Afonso Henriques e Vasco da Gama, ou de profetas musculados como Sansão e Moisés”; “Eram jovens mais desterrados que cruzados. Iam para lá na continuação da demanda e aportavam às terras, segundo Camões, onde o Sol em nascendo vê primeiro ou que o lenho manda sândalo salutífero e cheiroso, no momento em que era dado como findo o ciclo do império e se dava início à fase de ressurreição e posterior morte de uma nação”.b. O imaginário das viagens e da expansão ultramarina – a “rota submersa das caravelas”, como o narrador se lhe refere – ecoa insistentemente no romance, reenviando para o passado imperial, colocado em confronto com as convulsões políticas e a luta pelo direito à autodeterminação que dominam o presente timorense.5. Na verdade, as personagens timorenses em situação de diáspora ou exílio que afluem à metrópole submetem-se a um violento processo de aculturação que culmina na construção de uma identidade híbrida, em que coabitam elementos das respetivas culturas autóctones e códigos culturais do país de acolhimento. Dois episódios relatados no romance tornam explícita a natureza híbrida da identidade dos timorenses na capital portuguesa: a visita do narrador ao vale do Jamor e o encontro com Domingos e Mali-Mau. 6. De facto, a aquisição pelo narrador de competências de leitura e de escrita é objeto de menção reiterada, como acontece com o relato das suas dificuldades de aprendizagem da língua portuguesa em que foi escolarizado ou com a descoberta deslumbrada do prazer da leitura, através do contacto com as instigantes narrativas bíblicas, proporcionado pelo namorado da prima. 7. O romance de Luís Cardoso apresenta várias afinidades com o modelo do romance de formação ou aprendizagem: a presença de um narrador autodiegético que vai documentando as suas experiências formativas no seu confronto (frequentemente decetivo) com o mundo; o caráter itinerante do herói que aprende ao ritmo das suas deambulações; o contacto iniciático com as experiências do amor e da morte, culminando com a conquista da maturidade adulta e a sua acomodação (nem sempre pacífica) ao mundo.8.a. O ascendente fantasmático de uma metrópole longínqua; a presença da administração colonial; a imposição da língua portuguesa no sistema educativo; a sintonização dos currículos escolares com a realidade estranha dessa “pátria distante”. b. A afirmação de uma identidade cultural distinta da do colonizador; o reconhecimento e valorização das culturas locais; a luta pelo direito à autodeterminação.9.a. A educação do protagonista compreende as etapas seguintes: – início da escolaridade em Ataúro com dois professores catequistas destacados pela diocese de Díli para o ensino da catequese e da primária; – frequência do colégio D. Nuno Álvares Pereira, em Soibada, “um bastião lusitano encravado no coração de Timor”, onde “o regresso aos valores antigos e gentios estava completamente vedado”; – transferência para a Missão dos Salesianos de Fuiloro, onde vigorava um ensino mais liberal, “sem o rigor e o peso da Mocidade Portuguesa”; – frequência do Seminário de Dare, onde os professores eram padres jesuítas e era obrigatório o estudo do Canto Coral e Moral, vigorando uma disciplina rígida, destinada a apurar vocações. – transferência para o Liceu de Díli, onde se praticava um ensino seletivo por nele estudarem os filhos das altas autoridades europeias; era o único local que formava quadros para administração da província, onde a ação da Mocidade Portuguesa mais se fazia sentir. b. Esses rituais constituem o prolongamento, no plano educativo, da coerção colonial que visava controlar, uniformizando-as, a diversidade civilizacional e a pluralidade de culturas locais que conviviam no vasto império.10. O narrador torna explícita, em múltiplos passos, a decisiva influência da Igreja Católica nos domínios da administração colonial, da evangelização e da educação, uma vez que as escolas missionárias se encontravam sob sua tutela. A religião católica configura mais uma das estratégias de controlo e de propagação da ideologia colonial, pela imposição de uma prática de culto e de valores culturais e linguísticos metropolitanos, frequentemente em oposição explícita ao modo de vida das comunidades autóctones. Se, por um lado, o narrador dirige uma crítica implícita à severidade dos métodos pedagógicos correntes na escola católica, por outro, reconhece a crucial função educativa desempenhada por padres e missionários. A importância da religião católica encontra-se ainda patente no ingresso do narrador no seminário de Dare, uma vez que o pai “achou que era altura de ter um padre na família”.11. São múltiplas as referências, no romance, a rituais e crenças mágico-animistas típicas da cultura popular timorense. Sugere-se, a este propósito, a identificação e comentário das que se encontram descritas nas seguintes passagens/episódios da narrativa:a. “Em cada curva havia uma capelinha, uma santa, uma cruz branca com o nome duma entidade falecida anunciando precaução. Minha mãe mandava parar em cada estação e rezava uma oração, não fôssemos nós ter o mesmo destino daquelas entidades que se desfizeram no longo precipício salpicado de rochas cortantes e que acabava num fundo de mar calmo e azul com tubarões ao largo” (cap. 1)b. Rain – fila: “partidas que a terra prega aos intrusos, virando-se ao contrário, obrigando então aqueles a socorrer-se dum malabarismo, no qual o guia se sujeita a despir toda a roupa e a vesti-la do avesso como forma de encontrar o caminho de retorno” (cap. 1)

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c. Os tubarões como transfiguração dos antepassados (cap. 1)d. A lenda de Pontiana (cap. 2)e. O regresso de almas do outro mundo que reclamam benesses e dividendos (cap. 2)f. “De manhã, acordava-me na altura em que se dirigia à fonte e levava consigo ovos que recolhera na véspera para dar de oferenda à enguia que vivia na fonte e protegia o caudal mantendo os aquíferos limpos. Anos mais tarde, um parente destemido viria a ficar imobilizado do lado esquerdo por ter ousado matar a enguia, impedindo desta forma o escorrer das águas e secando a fonte” (cap. 4) g. “Em criança foi-me dito para nunca me aproximar do sítio onde nascia o arco-íris. Era suposto ser o local onde adormecia a jiboia que depois de um faustoso manjar bocejava para as nuvens manchas coloridas de sangue que desenhavam no espaço o trajeto percorrido ao longo da curva retilínea” (cap. 6)h. “Morava em Vila Verde, próxima do pântano de Kaikoli, atapetado de gramíneas gigantes, onde estava enterrada a central elétrica e onde, segundo constava, ancoravam espíritos que sequestravam pessoas quando tentavam atravessá-lo encurtando o caminho do mercado. E pelo escoadouro subterrâneo enviavam-nos para o mar”.i. “O velho enfermeiro tinha-me dito que o naufrágio do navio “Arbiru” era a premonição de algo de catastrófico que estava para acontecer. Habituado que estava a ler nos sinais do tempo e no canto dos pássaros a sorte e a morte dos homens, nunca mais teve paz, depois de eu o ter visto encharcado em lágrimas como naquele dia fatídico”.j. relato encaixado de Mali Mau (cap. 9)k. “Falaram-me dele [de Xanana Gusmão] como sendo bravo e possuidor do matam-élic, feitiço que lhe permitia transfigurar-se em diferentes animais para iludir a perseguição dos militares”.12. Na referência camoniana ao território de Timor, recupera-se intertextualmente o poema épico que celebra a gesta ultramarina dos portugueses e que constitui, portanto, um dos textos fundadores do projeto colonial, num momento de impasse histórico para o território timorense. Transcritos neste passo da narrativa, estes versos terão que ser lidos como indício do declínio do projeto imperial português e em confronto com o futuro incerto do território timorense.13. UDT (União Democrática Timorense): Domingos Oliveira, Francisco Lopes da Cruz, Paulo Pires. Defendia a integração de Timor na comunidade de países de língua portuguesa.FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente): Xavier do Amaral, Nicolau Lobato, Ramos-Horta. Defendia a independência de Timor-Leste.APODETI (Associação Popular Democrática Timorense): Osório Soares, Domingos Pinto. Defendia a integração de Timor-Leste na Indonésia como uma região autónoma. 14. O velho enfermeiro abraçou os ideais da UDT, uma vez que pertencia ao grupo de timorenses “formados em escolas missionárias, educados segundo o modelo cristão cruzado e posteriormente integrados no funcionalismo público”, não lhe agradando, portanto, perder a posição que tinha conquistado durante a vigência da administração colonial.15. Como, com frequência, acontece nas partidas de futebol, também nos programas radiofónicos de debate político eram dirigidos “insultos a atletas, árbitros e demais parentes”. A analogia entre o futebol e a discussão político-ideológica torna explícito o confronto entre fações contendoras que reclamavam soluções díspares para o futuro do território.

Guião de leitura integral do romance Crónica de uma travessia, de Luís Cardoso | LINGUAGEM E ESTILO

1. 1. metáfora; 2. adjetivação múltipla; 3. comparação; 4. paralelismo de construção; 5. onomatopeia; 6. hipérbole; 7. sinestesia; 8. enumeração; 9. jogo de palavras; 10. pleonasmo; 11. eufemismo2.1. Comparação. Sublinha a imponência e acentua a proeminência simbólica da arquitetura do seminário de Dare.2.2. Comparação, sinestesia, personificação. Associadas neste fragmento descritivo da cidade de Díli, estas figuras de estilo constituem notações subjetivas do narrador-observador relativas à cor, luminosidade e temperatura do cenário urbano de Díli e da ilha de Ataúro transfigurada, através de traços personificantes, em sentinela.2.3. Adjetivação múltipla e comparação. Trata-se de esboçar um retrato físico e psicológico das personagens de Domingos e Mali Mau, através da acumulação de traços fisionómicos e atributos de caráter. A comparação da postura corporal de Mali Mau com “uma mandioca seca” representa um nítido processo de exagero caricatural.3. O diálogo entre o narrador e o chefe da estação reveste, na economia simbólica do romance, um sentido decetivo e irónico. Com efeito, enquanto criança, o narrador tinha idealizado o Entroncamento como o ponto de confluência de todos os comboios do mundo. Em adulto, é confrontado com o abandono e a desolação do cenário magnificado pela imaginação infantil, agora reduzido às suas modestas proporções. Com indisfarçável ironia, o chefe da estação aconselha-o a dirigir-se a Fátima em demanda de milagres.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 41

Análise intensiva de excertos do romance

Atividade 11.1 O excerto está situado no primeiro capítulo do romance e corresponde ao momento da chegada do narrador e da família a Ataúro, no final da travessia de barco.1.2 O momento é o nascer do dia. Depois da longa travessia marítima noturna, chegar a Ataúro ao nascer do dia simboliza, em alguma medida, uma espécie de recomeço para a família do narrador.1.3 1.3.1 Advérbios de tempo: primeiro, depois, finalmente1.3.2 Audição. O nascer do dia anuncia-se com um ruído que parece decorrer do movimento dos elementos naturais.1.3.3 Personificação e comparação. O nascimento do dia é, através da personificação e da comparação, associado a um parto. A Natureza dá à luz o sol, tal como uma mulher o seu filho. Esta imagem reforça a interpretação pessoal e animista dos elementos naturais.1.3.4 A metáfora refere-se ao mar.1.3.5 O belak dourado é o sol. A sua visão é, de acordo com o texto, uma oferta aos viajantes, depois da travessia noturna. Ao ser dado em troca de uma noiva alude, implicitamente, ao barlak.1.3.6 Metáfora. Refere-se à noite e reforça a ideia da personificação dos elementos naturais presente em todo o parágrafo.1.3.7 Decorre de uma leitura/interpretação animista da natureza, feita por analogia com a existência humana.1.41.4.1 “Carapaça de tartaruga”; “velha carcaça”; “intrusa no coração do mar”. Todas aludem à geografia e ao relevo da ilha.1.4.2 Pela sua localização geográfica. Situada na costa norte, em frente de Díli, é uma espécie de território que se interpõe entre Timor e a imensidão do mar. 1.5 1.5.1 As árvores enegrecidas são viúvas.1.5.2 Resposta pessoal que poderá incluir a referência ao facto de o narrador associar as árvores negras, da costa, a viúvas que ali ficaram à espera do regresso dos maridos. O caráter estático das árvores, a sua localização e a sua cor permitem essa associação às figuras femininas.1.6.1 Alguns exemplos: sol como “bola de fogo”; mar como “bandeja azul”; sol como “belak dourado”; noite como “silenciosa noiva”; ilha como “carapaça de tartaruga”; árvores como “viúvas”...1.7. Ataúro é descrita neste excerto de uma forma disfórica, o que também terá que ver com a utilização da ilha como prisão e local de desterro. Ainda que esse não fosse o motivo da viagem do narrador, a associação da viagem a um exílio acaba por marcar a imagem que constrói da ilha para a qual a família é obrigada a deslocar-se.1.8. Resposta pessoal. 1.9. Resposta pessoal.1.10. Resposta pessoal.

Atividade 2I - AÇÃO1. A ação do texto tem que ver com as memórias das vivências familiares e escolares relativas à infância do narrador, neste caso centradas em dois episódios particulares: o medo da mãe dos “ataques” de Pontiana e o processo de alfabetização do narrador em português.2. Ações secundárias: a crença da mãe de que a casa estava assombrada e a forma como procurava ocupar os quartos vazios para expulsar as almas-penadas; as idas à caça do sargento que comandava o posto. As sequências narrativas estão organizadas através do encadeamento.

I - ESPAÇO E TEMPO1. Casa e escola1.1 “casa grande feita de paredes de bambu com teto de capim”; “casa grande com muitos quartos”1.2 O narrador acredita que o tamanho da casa se deve ao facto de o construtor achar que os enfermeiros tinham sempre muitos filhos.1.3

A CASA

Personagens Sensações incómodas que a casa provoca Soluções encontradas

Mãe presença e ataques de Pontianapresença de almas-penadas

ritual de proteção com recurso a uma vela, ao terço, um prego e um limãoocupação dos quartos com hóspedes

Filho ataques das ratazanas tentativa de caçar Pontiana

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2. Alfabetização e aprendizagem formal da leitura e escrita em língua portuguesa.2.1. Tamanho/dimensão, já que ambas eram casas grandes.3. Atendendo ao contexto, é um espaço social privilegiado, já que o pai do narrador é um enfermeiro, a família habita uma casa grande e o narrador frequenta a escola.4. O narrador parece dominado por alguma incompreensão face à realidade que o rodeia, como se algo de estranho caracterizasse o seu meio. Por um lado, perturbam-no os ruídos da casa e as reações da mãe, revelando comportamentos supersticiosos, por outro, o narrador estranha ainda a aparente falta de relação entre a língua que aprende na escola (português) e a língua que fala em casa (tétum), como se ambas se contradissessem. À incompreensão soma-se também o medo, sobretudo dos retratos colocados na sala de aulas e que associa a assombrações.5. 5.3. 5.4. 5.5. 5.2. 5.1.6. A utilização da ardósia e do ponteiro, a referência à cartilha, as aulas de Desenho e de Redação e, sobretudo, a referência às imagens dos chefes de estado na sala de aula remetem para o período do Estado Novo.6.1. O medo das figuras presentes nos retratos, extensivo ao chefe do posto, também ele branco, é sintomático e simbólico do sentimento dominante.

III - PERSONAGENS1. Narrador, mãe, pai, figuras dos retratos, sargento.1.1 O narrador e a mãe são personagens principais e as restantes são secundárias.2. A mãe do narrador é supersticiosa, temente, crente e religiosa. Esta caracterização é indireta e resulta da observação do comportamento e ações da mãe.3. 3.1 O país é Portugal e os anjos são as figuras políticas tutelares do Estado, o presidente da República e o Presidente do Conselho de Ministros. No período temporal em apreço, estas figuras seriam as de Américo Tomás (presidente entre 1958-1974), descrito como gordo, calvo e vestido de branco, e Salazar.3.2 Estranheza em relação ao país, mas também curiosidade pelas referências a características como as frutas desconhecidas. Medo em relação às figuras, dada a sua aparência física descrita como ameaçadora e assustadora.4. Catequese, matérias patrióticas, a escrita e o alfabeto, números e tabuada, leitura, Desenho e Redação.5. O narrador chama a atenção para a falta de relação entre as matérias ensinadas e o contexto no qual era praticado o ensino, revelando que as mesmas tinham alusões desadequadas, desconhecidas e até incompreensíveis para os alunos.6. A aprendizagem da leitura e da escrita é feita numa língua diferente da língua materna do narrador, o que lhe cria problemas adicionais ao nível da descodificação e até da compreensão.

IV - NARRADOR E NARRATÁRIO1. Narrador homodiegético, focalização interna1.1 Recurso à narração em primeira pessoa. Alguns exemplos: “Destinaram-nos”; “Minha mãe”; “minha cama”. 2. O narratário não é identificável, uma vez que o narrador não se dirige, de forma textualmente explícita a ninguém. Existe, contudo, um narratário extratextual que é o leitor.

V - MODOS DE EXPRESSÃO E DE REPRESENTAÇÃO1. Exemplos de descrição: “uma casa grande feita de paredes de bambu com teto de capim”; “era uma casa grande com muitos quartos”; “alguns quartos continuavam vazios e escuros”...Exemplos de narração: “Meu pai comprou-me uma ardósia com o respetivo ponteiro e desejou-me que não me faltasse nunca a saliva”; “Foi-me ensinado primeiro a catequese em tétum, depois o hino nacional em português...”; “As redações avançaram com as louvações à minha pátria”; “Fui informado...”...2.1 Resposta pessoal.2.2 Resposta pessoal.2.3 Resposta pessoal.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 43

Atividade 3

3.1 O excerto situa-se já durante a juventude do narrador, quando este se encontra a estudar no Liceu de Díli, depois da passagem por vários locais. Neste momento, a família, nomeadamente o pai, volta a ser obrigada a deslocar-se, saindo de Lautém para Díli.3.2 O narrador, o filho do velho enfermeiro, é a personagem principal do romance, já que é a partir das suas memórias que a ação evolui. A natureza autobiográfica do romance permite que esta personagem-narrador apresente afinidades biográficas com o próprio autor, sem que as mesmas ponham em causa o caráter ficcional que caracteriza o romance.3.3 O narrador começa por recordar as recomendações que, desde a infância, lhe tinham sido feitas sobre Díli. Essas recomendações, co-notando negativamente a cidade, parecem explicar a relação difícil e um pouco controversa que mantém com aquele espaço, revelando--se decisivas no processo de formação da personalidade da personagem. Ao realizar a crónica familiar e a crónica de um tempo histórico, o narrador recorre à memória do passado que convoca de forma assídua com vista ao seu relato.3.4 O maravilhoso habita o quotidiano e está diariamente presente na vida das pessoas que o incorporam nas suas atividades e comportamentos habituais. Outra passagem onde se alude a este universo é a relativa ao local onde estava enterrada a central elétrica e onde se acreditava que “ancoravam espíritos que sequestravam pessoas quando tentavam atravessá-lo encurtando o caminho do mercado. E pelo escoadouro subterrâneo enviavam-nos para o mar”.3.5.1 A deslocação do narrador resulta da deslocação do pai, o elemento propulsor que movimenta a família e a leva a percorrer quase a totalidade do território timorense, deslocações que constituem o centro narrativo do romance. Neste caso, a deslocação do pai prende-se com a necessidade de cuidar dos tuberculosos, no hospital de Lahane.3.5.2 Medo e estranheza, resultantes da sua pequenez face ao espaço: “Eu tinha medo da cidade de Díli que crescera como a jiboia depois de ter engolido um búfalo.” – comparação (reforça a animização do espaço e da própria cidade); “sentia-me como um cabrito-montês” – comparação; “no meio daqueles prédios que se amontoavam no centro” – imagem (reforça a imagem/sugestão visual da cidade desor-ganizada)3.5.3 Animismo e comparação – “crescera como uma jiboia”; adjetivação – “cidade barulhenta”; “cidade ocupada”; imagem – “no meio daqueles prédios que se amontoavam no centro”.3.5.4 Época colonial – “administração, escolas”; “monumento em honra dos Descobrimentos”; II Guerra Mundial – “velhas barcaças japonesas”3.6. O referente é o pai do narrador. A perífrase destaca a idade avançada da personagem, mas sobretudo o seu cansaço, depois de décadas de trabalho em condições difíceis, sempre em movimento, percorrendo todo o território. Também poderá remeter para o cansaço e exaustão das ideias por ele defendidas relativas à manutenção de Timor sob a soberania portuguesa. Ao longo do romance, esta personagem é repetidamente referida desta forma, como se o narrador se distanciasse, pela não identificação do grau de parentesco que o une ao enfermeiro, das suas posições, percursos e pontos de vista.3.7.1. É a descrição, como se observa pela suspensão da ação, que para no tempo, demorando-se o narrador, numa posição estática, contemplativa, na caracterização do que o rodeia. Distingue-se pelo uso do pretérito imperfeito, pelo recurso sistemático à adjetivação, à enumeração, à comparação e à caracterização pormenorizada do espaço. Neste caso, estão presentes também identificadores toponímicos.3.7.2. Movimento, barulho e atividade comercial, ligados ao transporte de mercadorias, mas também atividade social, com os movimentos das personagens, nomeadamente dos magalas. Há alguma placidez e tranquilidade de alguns grupos sociais. “cidade barulhenta de carros de obras públicas”; “firakus ululantes”; “chinas, que adormeciam na hora da sesta”; “magalas que […] deambulavam pelas praias”.3.7.3. A tropa, dada a inexistência de guerra ou de atividade militar significativa, parece comportar-se de forma singular, o que leva o narrador a comparar as suas deslocações frequentes à cidade, trajados à civil, a idas a romarias populares, o que configura uma crítica implícita à inação. Esta alusão remete para atividades lúdicas, de entretenimento e distração, bem diferentes das tradicionais atividades militares. 3.8.1. Os militares em missão, muito longe de casa, aproximavam-se das jovens timorenses, estabelecendo com elas relacionamentos amorosos. Para a maioria deles, com ligações estáveis no continente, estas relações pouco significado teriam. Para elas, contudo, como a comparação indica, trata-se de uma espécie de última oportunidade de sobrevivência e de fuga a um contexto difícil, uma hipótese que não querem deixar escapar de sair do território timorense e ir para o continente.3.9.1. Visuais e táteis.3.9.2. Adjetivação; metáfora; comparações.

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44 | Sugestões de apoio à utilização do manual

Unidade Temática 3: Relações interartísticas

Os alunos devem ser capazes de:

1. descodificar os nexos relacionais entre distintas modalidades de criação artística

2. contactar com a obra de autores, artistas plásticos, músicos, etc. do espaço lusófono

3. reconhecer a dimensão estética, lúdica e interventiva da palavra, da música, da pintura, da escultura,

do cinema, do teatro, etc.

4. valorizar as dimensões simbólicas, históricas e socioculturais da literatura, em particular, e da arte, em

geral

5. apreender criticamente os sentidos da mensagem de um objeto artístico

6. captar os mundos imaginários sugeridos pela experiência estética

7. identificar e comentar o valor expressivo de diversos recursos estilísticos

8. descodificar os sentidos implícitos na linguagem figurativa e na representação simbólica

9. expressar e partilhar ideias, sentimentos e emoções

Competências Nucleares

Oralidade Leitura Escrita

– Diálogo e troca de impressões entre pares sobre diversificadas manifestações culturais e artísticas

– Exposições orais

– Comentário oral de textos lidos e imagens observadas

– Declamação

– Debate orientado

– Leitura silenciosa

– Leitura expressiva

– Leitura dramatizada e/ou coral

– Leitura para pesquisa e seleção de informação sobre a vida e a obra de diversos autores/artistas

– Leitura de imagens

– Análise formal e interpretação de poemas ou excertos de narrativas

– Análise comparativa de temas e tópicos

– Exercícios de escrita orientada

– Resposta a questionários orientados

– Exercícios de escrita criativa (estória, concurso de poesia, …)

– Realização de trabalhos de pesquisa, de pares e/ou de grupo

– Construção de trabalhos de projeto

– Redação de comentários

– Divulgação dos trabalhos efetuados

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 45

Atividade 1.1.1 Resposta pessoal.2.1, 2.2, 2.3 Resposta pessoal.3. Lombada (i), prefácio (r), portada ou página de rosto (f), sinopse (o), bibliófilo (m), índice (v), opúsculo (c), capa (g), prontuário (u), adenda ou apêndice (p), bibliografia (t), manual (h), contraportada (q), posfácio (j), contracapa (a), glossário (s), pilha (l), biblioteca (b), orelhas, abas ou badanas (k), cólofon ou colofão (d), epígrafe (w), dedicatória (n), dicionário (e)

Atividade 21.1 A poesia é interventiva, porque verbaliza a revolta, apela à ação, estimula o despertar de consciências e o desejo de promover a mudança e a reconstrução; a poesia tem, ainda, propriedades catárticas. 1.2 a. As palavras de Xanana Gusmão compreendem a vontade de mudança e de liberdade, de reconstrução do país e restauração da paz.b. A mensagem de Xanana Gusmão ultrapassa as barreiras da prisão. 1.3 São verbos de tom afetivo, na medida em que se estabelece uma analogia entre o país e uma criança que “reclama” um território (“um mar, um céu”) e respeito (“embale”) pela sua identidade. 1.4 Palavras parónimas. 1.5 “…convocou a solidariedade e negou o isolamento”.2.1, 2.2 Resposta pessoal.2.3 Resposta pessoal, tendo como suporte a pesquisa efetuada.

Atividade 31. É comum considerar que, muitas vezes, as palavras apresentam limitações na verbalização de determinadas emoções, ao passo que a perceção de determinada realidade, através de uma imagem, é mais imediata e não necessita de legendas.2. 2.1 O quadro é composto por inscrições manuscritas em tétum, português e inglês, com diferentes tamanhos e pedaços de tais com predominância do azul, do vermelho, do laranja e apontamentos de branco, sobre um fundo de tonalidade desbotada. 2.2 Os principais elementos plásticos (cores, traços, formas e texturas) enfatizam o tema evidente da tela – a reconstrução de Timor-Leste. 2.3 As palavras e as imagens complementam-se na intenção eminentemente panfletária, apelando à ação, à promoção da mudança por via do diálogo e do pacifismo2.4 Simboliza o desgaste, o rompimento, o desentendimento, a rutura, mas também a união e a manutenção de laços. 2.5 e 2.6 Resposta pessoal.2.7 A paz e o entendimento só são alcançáveis, caso os intervenientes demonstrem um comprometimento com a caridade, a bondade, o diálogo, assim como a predisposição para um novo olhar, rumo à construção de um futuro, diferente e melhor.

Atividade 41. 1.1 Resposta pessoal. 1.2 Resposta pessoal, sugerindo a ideia da abrangência da exposição, acessível a todos os falantes (plurilingues) de Timor.2. Resposta pessoal, apontando a ideia de que o silêncio e a imagem são formas válidas de luta, e possibilitam, a par da palavra, “fazer a diferença”.

Atividade 52. Em traços largos, a imagem representa uma paisagem perfeita, escondida pela sobreposição de uma espécie de papel de parede, gasto e rasgado, emoldurados com simplicidade. A simplicidade da moldura em madeira conjuga o tom com o fundo manchado e estragado; entre o centro e o canto inferior direito, apresenta-se um rasgão muito significante, desvendando uma casa, envolvida pelo aconchego idílico da terra verde e do céu azul. 3. Resposta pessoal.

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46 | Sugestões de apoio à utilização do manual

Atividade 61.1 a. Sob um fundo de vermelho intenso, há a sugestão de uma moldura, cujo padrão se assemelha a um tais, que contém uma imagem de azul forte. b. Acentuado contraste entre cores frias (azul) e cores quentes (vermelho), sugerindo a tranquilidade do “rosto” perante um contexto sangrento, hostil. c. O retrato apresenta marcas de degradação gradual, com manchas similares a marcas de bala.d. Infância, idade adulta, velhice.1.2 e 1.3 Resposta pessoal.

Atividade 71. O quadro é composto pela representação impressiva do cemitério de Díli; a imagem construída contempla a disposição realista dos diferentes túmulos, com predominância pelas cores branca, vermelha, castanha, amarela e azul, sobressaindo as duas cruzes, vermelha e negra, na parte central, ao fundo, que traduzem a ideia de sangue e morte subjacente ao massacre de Díli. A predominância da cor branca associa-se à dimensão espiritual deste espaço e à ideia de paz. O quadro tem a função simbólica de evocar e homenagear o povo timorense, vítima do massacre de Díli que marcou a história recente de Timor-Leste.1.1 Esta imagem, para o povo timorense e para o mundo, confirma o provérbio chinês – “uma boa imagem vale mais do que mil palavras”.1.2 Resposta pessoal.

Atividade 8Parte I1. “…histórias de esperança, de tristeza, de choque e de amizade”; “… mensagem de esperança e celebração da paz”; reflexões sobre a condição da mulher timorense, a língua portuguesa e a lusofonia.1.1 Maria Madeira pretende denunciar as atrocidades a que o seu povo foi exposto ao longo dos tempos, apelar à paz e demonstrar o seu orgulho pela língua portuguesa e pela lusofonia.2. É notória a proximidade entre os dois povos em virtude da gastronomia (o arroz), do bambu e da língua portuguesa: “Macau tornou--se muito familiar por causa da língua portuguesa”.3.

Títulos Descrição sumária Acontecimentos inspiradores Mensagem

Velas Composição em tons laranja com velas a arder, algumas cobertas com o tais.

“…os jovens timorenses vão à praia, acendem velas e deixam--nas na água a navegar. É um sinal de agradecimento pela paz”.

Esperança e celebração da paz.

Beije e não fale Instalação constituída por quatro quadros, em tons rosa, com fios de tinta vermelha

“… um quarto de tortura” Denunciar a tortura a que muitas mulheres timorenses foram submetidas.

Vizinhos “… composto por um prédio […] nas janelas foram coladas imagens de campos de arroz e de canas de bambu…”

Constatação de semelhanças entre Timor e Macau.

Salientar laços entre os dois países.

Ambiente familiar Mapa de Macau desenhado à mão, com os nomes das principais avenidas, sobrepondo-se ao mapa de Portugal e emoldurado por linhas azuis que representam o tais, a presença de Timor.

A artista apercebeu-se de que “havia tantos portugueses em Macau, …”

Familiaridade entre Timor e Macau “por causa da língua portuguesa”.

4. Resposta pessoal.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 47

Parte II1. A exposição resulta de um projeto de investigação sobre os panos d’obra da Guiné-Bissau, reproduzindo os seus padrões e texturas, numa perspetiva etnológica e com recurso à reciclagem de elementos contemporâneos. 2. O pano d’obra é o elemento inspirador para a criação de obras que incluem elementos quotidianos : “O suporte é o papel reciclado, todo feito à mão. A opção não foi ao acaso. Manuela Jardim procurava um material que mantivesse a sensação rugosa dos panos, que eram feitos de algodão grosso. Não encontrou no papel liso nem na tela esse ‘lado humano’ dos panos”.3. Manuela Jardim atribui muita importância à dimensão ecológica da criação em África, um local com poucos recursos e dificuldades de acesso às matérias, através da reciclagem e da utilização de materiais.

Parte III1. Resposta pessoal, observando as orientações para a produção textual. 2. Resposta pessoal que resulta das pesquisas efetuadas.3.

Pano d’obra Tais

Origens Século XV Tempos imemoriais

Técnicas de tecelagem Teares manuais de banda estreita Teares, técnicas do ikat e sotis

Fibras e tonalidades AlgodãoAzul obtido do anil vegetalPreto, branco

AlgodãoCores naturais vivas, entre as quais predomina o vermelho

Motivos e padrões Padrões geométricos de estilo islâmico, a par de elementos europeus

Desenhos evocativos de animais e elementos da natureza, diretamente associados aos mitos e aos ritos tradicionais;Desenhos geométricos; Motivos florais e de inspiração religiosa (por influência dos portugueses)

Finalidades Cerimónias que celebram as várias fases da vida do indivíduo, o seu estatuto e outras festividades

Cerimónias que celebram as várias fases da vida de um indivíduoRituais que se prendem com as tradições do grupo. Festividades.

Atividade 91. 1.1 Resposta pessoal, atendendo às normas impostas pela tipologia textual.

Atividade 101.1 Resposta pessoal2. Trabalho em grupo.

Atividade 111. 2. Loi Sa’e, donzela e mancebo.2.1 As personagens encontram-se no decurso de uma festividade e, entre ambas, estabelece-se uma relação de sedução e encantamento.3. Adjetivos – “dengosa”, “vaidosa”; Verbos – “geme”, “mexe”, “serpenteando”.4. A ambiência circundante coadjuva a sedução, através de diversos elementos, nomeadamente a “silhueta ondulante” do monte que desce, a luz da lua, o ritmo do batuque e o som do roçar dos tais que, em uníssono, deixam o mancebo rendido à beleza feminina.5. Metáfora e aliteração, sugerindo a semelhança do mancebo com a serpente que encanta e conquista. 6. As onomatopeias e os sinais gráficos mencionados ilustram as sensações de toque, de expectativa e encantamento.7. A última estrofe funciona como uma espécie de conclusão, sugerindo a consumação da “dança” que se ensaiou ao longo do poema. 8. e 9. Resposta pessoal.

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48 | Sugestões de apoio à utilização do manual

Atividade 121. 1.1 A associação dos dois títulos prende-se com a dimensão espiritual que encerra o anseio de Timor pela liberdade. 2. 2.1 O sujeito poético acusa as entidades causadoras do sofrimento do povo timorense e da destruição do país, bem como todos os outros que assistem apaticamente a essa situação. Neste sentido, o sujeito poético interpela o mundo, solicitando a sua intervenção, a sua ajuda. 2.2 Sob o ataque de balas e o derramamento de sangue, Timor exprime “um gemer… lamuriante / um murmurar agonizante”; contudo, resistente e esperançosa, a alma de Timor “… viva continua / forte, cheia de dignidade”, “É voz que te persegue / e que grita!...”.2.3 Na origem desta guerra, encontram-se interesses económicos relacionados com o petróleo. 2.4 O mundo reage com apatia, assistindo sem intervir; Timor mantém a dignidade, a força e a capacidade de resistência. 2.5 A utilização de letras maiúsculas no último verso pretende enfatizar a recusa da desistência por parte do povo leste-timorense.2.6 A força de Timor ultrapassa os limites da fisicalidade, possui uma dimensão espiritual. 3. Resposta pessoal.

Atividade 131. 2. A mensagem reitera os tópicos do sofrimento e da resistência do povo timorense.3. Há uma identificação entre a natureza e o povo: outrora, as acácias, leia-se, as pessoas foram “esvoaçantes, dengosas, tagarelas, / alegres cantando a liberdade!”; depois, ficaram “tintas do sangue do Timor… / que geme, suplica e grita / pela liberdade perdida…”4. O momento de ontem caracteriza-se pela alegria da liberdade; o momento de hoje é o de um povo aprisionado, sem felicidade.4.1 “… mas hoje floriram / de flores vermelhas…”, sugerindo o momento da perda de liberdade.5. A associação entre os dois verbos é fónica, mas também semântica, na medida em que a cor das acácias metaforiza as feridas, o sangue de Timor.

Atividade 141. Resposta pessoal.2. A imagem lembra uma multidão aprisionada, cujos rostos, similares a espectros, apresentam traços de sofrimento, e inclinam os corpos para o lado direito da tela, em busca de outro lugar, de outro estado.3. Resposta pessoal.

Atividade 151. 1.1 O poema descreve e enaltece a paisagem representada no quadro, pormenorizando-a com a alusão aos diversos elementos da natureza – o frio e o calor, o vento e a brisa, as cores, a luz e a sombra, as formas,...1.2 O sujeito poético exprime iterativamente o seu anseio pela liberdade, pela possibilidade de ver e viver a paisagem descrita.2. 2.1 Madrugada: “pelas frias manhãs”, “abre a cortina do céu”, “nascer do sol”; manhã: “tórridos sóis”; tarde: “tardes de calma”; entardecer: “ao entardecer das ondas”; noite: “ao cantar dos grilos”, “falar para a lua”, “pelas janelas da noite”.2.2 As estrofes do poema metaforizam o gradual desejo de reconstrução do país, por analogia com o dia e a representação da passagem do tempo: 1ª estrofe – “acordar”, “abre a cortina” (o despertar para o empreendimento); 2ª estrofe – “cavalgar”, no sentido de agir, enquanto se lembra e respeita as memórias do passado identitário “murmurariam no ar lendas de Timor”; 3ª estrofe – “sentir o cansaço”, “espreguiçando-se”, sugerindo a satisfação de alcançar um objetivo e antecipando um futuro melhor “sob os risos das crianças […] de todo o Timor”; 4ª estrofe – “meditar o futuro”; 5ª estrofe – “falar”, “contar”, “criar”, ensinar a “crescer e a amar”.2.3 A intencionalidade do sujeito poético prende-se com o desejo de liberdade e a necessidade de construção, de evolução, desde o “despertar” até ao “amar”. 2.4 O uso de ponto de exclamação no título e no encerramento do poema ilustra a emoção que impele o sujeito poético.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 49

Atividade 161. 1.1 As duas manifestações artísticas incidem sobre a dimensão sagrada da uma lulik, símbolo da identidade timorense.1.2 Expressões sugestivas: “Uma Lulik”, “da terra”, “do céu”, “visível”, “invisível”, “homens vivos”, “e mortos”, “mundo físico”, “mundo espiritual”, “sol nascente”, …2. “Uma Lulik” contempla a dimensão física e a dimensão espiritual da cultura e das crenças que se implicam reciprocamente, em perfeita comunhão. 3. Resposta pessoal.

Atividade 171. As ilhas das quais o escritor se aproxima parecem “mais secas, menos exuberantes, de um verde esparso e fatigado”.2. Um funcionário americano na Polícia de Fronteiras, num país lusófono; a precariedade das habitações: “vivendas carbonizadas”, “barracões construídos de improviso”, “tendas de praia”; o vaguear das pessoas, sem rumo, entre ruínas; carros degradados e sem matrícula; proliferação de contentores …2.1 Os habitantes de Díli evidenciam dificuldades e falta de meios na reorganização do seu quotidiano. 2.2 Entre as duas cidades, os contentores constituem uma solução provisória que tende a tornar-se definitiva, e contemplam a ideia de fragilidade e orgulho em simultâneo. 3. O escritor acredita na prosperidade de Timor, tendo em conta que detém “as pessoas, uma mão-cheia de dirigentes políticos […] recursos petrolíferos, […] o café e o turismo”.4. e 5. Resposta pessoal.

Atividade 181. Acácias em flor, colinas, patos, mar, pôr do sol, nuvens de fogo, baía, sombra no céu.1.1 Resposta pessoal. 2.

Visuais Auditivas Táteis

“Acácias em flor”, “cidade espalhada em colinas”, “cascata de vidros”, “voo disparado daqueles patos”, “pôr do sol”, “nuvens cor de fogo”, “um dongo na baía”, “sombra no céu”…

“O ruído do mar monótono”, “constante”, “distraído”, “o compasso ao pensamento”, “repete aquelas frases”

“O calor da tua mão”, “a tua mão aquece a minha mão”

3. A contemplação da paisagem desperta as memórias do sujeito poético, recordando a época, o tempo em que “eu trouxe no meu peito com vinte anos / os versos de combate”. 3.1 Outrora, o sujeito poético terá sido um jovem guerreiro e, na atualidade, medita sobre esses tempos, enquanto contempla a mesma paisagem.3.2 Antítese que traduz a ambivalência sentida pelo sujeito poético entre determinação e receio. 4. O sujeito poético descreve o que “sentia no rumo do futuro”, utilizando o pretérito imperfeito do indicativo, em oposição ao presente do indicativo das formas verbais a que recorre para sugerir a atualidade: “eu ouço, ele diz”.4.1 O ruído do mar associa-se à expressividade dos adjetivos “monótono, constante, distraído”, “indiferente”, no passado e no presente, repetindo “aquelas frases, cáusticas, brutais” porque, no fim de tudo, simboliza o apaziguamento: “o mar que nos embala e nos conforta”.4.2 O sujeito poético revela um temperamento aguerrido, forte e esperançoso, como um lutador e um construtor de um futuro melhor, mantendo as suas convicções, porque “a alma não está gasta, / a ânsia não está morta, / se os olhos são capazes de chorar!”5. A sombra no céu sugere a passagem de uma nuvem no céu, a iminência de um temporal / uma dificuldade no horizonte, assim como a névoa sugere a apreensão e a tristeza que domina o seu estado de espírito. 6. De forma sucinta, o termo designa a descrição de uma obra artística/visual por meio da linguagem verbal.6.1 Sim, tendo em conta que se faz uma descrição pormenorizada da paisagem contemplada à qual se associam memórias penosas dos momentos aí vivenciados. 7. e 7.1 Resposta pessoal.8. A beleza daquele lugar assume uma dimensão valorativa em virtude das vivências dolorosas e da nobreza dos ideais defendidos.

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50 | Sugestões de apoio à utilização do manual

Atividade 191. “colinas”, “vulcão”, “rocha”, “ilha”, “ilhas”.2. Crianças muito magras, subnutridas, adoentadas, pobres, sem vestuário (nuas), isoladas, solitárias, afastadas do mundo. 3. Mágoa, dor, apreensão, preocupação.4. Há uma mensagem implícita de esperança num futuro promissor, uma saída para um futuro de “sol”, de abundância. 5. A mancha tipográfica do poema sugere uma aproximação à representação gráfica de um arquipélago.

Atividade 201. 1.1 b/ 1.2 c/ 1.3 b/ 1.4 c/ 1.5 a/ 1.6 b2. “Naquela roça grande…”.3. Revolta e mágoa pela sua condição de escravo: “é o suor do meu rosto que rega as plantações // e aquele vermelho-cereja / são gotas do meu sangue feitas seiva”.4. Rega as plantações, torra e pisa o café, vai à tonga, traz a tipoia ou o cacho do dendém, capina, faz o milho crescer e os laranjais florescer. 5. Resposta pessoal.6. 6.1 Resposta pessoal. 7. Trabalho de pesquisa.7.1 e 7.2 Resposta pessoal resultante da pesquisa.

Atividade 211. Resposta pessoal.

Atividade 221. 2.

Aspetos da personagem Aspetos da técnica pictórica

Quadro A Retrato de um homem idoso, com barba e cabelos brancos, rosto com rugas, olhar profundo e esboçando um sorriso. Indumentária e adornos tradicionais.

Fundo escuro, sendo o retrato delimitado, na parte inferior, por uma trave de madeira. Contraste entre o fundo e a luminosidade que incide sobre o rosto e a camisa branca, realçando a vivacidade dos tons dourados e verde-azulados do restante vestuário.

Quadro B Retrato de um menino, cuja expressão, no olhar e no sorriso, transmite vivacidade.

O fundo de madeira sugere o interior de uma habitação, com apontamentos de vegetação e luminosidade vinda do exterior, incidindo sobre o olhar e o sorriso da criança.

2.1 No quadro A, os constituintes plásticos insinuam a ideia de conhecimento, de sabedoria; no quadro B, os constituintes plásticos servem a ideia da pureza, da felicidade.2.2 Os dois quadros são contrastantes, no que diz respeito à idade e à seriedade dos retratados, bem como no recurso à variedade e intensidade cromática. Em comum, destaca-se a presença de um sorriso.2.3 Reverência pela sabedoria contida na palavra “katuas”; fé e esperança patentes na expressão “futuro naroman”.3. Resposta pessoal.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 51

Atividade 231. 1.1 c/ 1.2 c/ 1.3 b/ 1.4 a2. Resposta pessoal.3. Resposta pessoal.4. Trabalho de pesquisa.4.1 e 4.2 Resposta pessoal, mediante a pesquisa efetuada.

Atividade 241. e 2. Resposta pessoal.3. 3.1 Ver – exercer o sentido da vista; perceber ou conhecer por meio desse sentido; contemplar; presenciar; olhar para; assistir; observar; notar; divisar; advertir; reparar em; tomar cuidado com; atender a; ponderar; deduzir; prever; visitar; percorrer; conhecer; experimentar …Olhar – fixar os olhos em; fazer por ver; estar voltado para; mirar; observar; pesquisar; examinar; considerar; reparar em; encarar; contemplar; velar; vigiar; ponderar…Notar a variação de intensidade percetiva entre os dois verbos, relacionada com a implicação variável do sujeito.3.2 Deficiente, adj. 2 gén. em que há deficiência; incompleto, falho, imperfeito. A definição engloba todos os seres humanos, já que “ninguém é perfeito”, todos apresentamos imperfeições, falhas.3.3 Resposta pessoal.4. 4.1 Resposta pessoal.4.2 Permitem jogos de palavras/conceitos que enfatizam a imperfeição, característica de cada ser humano. 4.3 Trabalho de pesquisa.4.4 Resposta pessoal.5. 5.1 Trabalho de grupo.

Atividade 251. 1.1 a. Presença de Timor-Leste na Expo 2012; b. potenciais visitantes do evento; c. remete para a forma geográfica da ilha com aproximação à fisionomia de um crocodilo.1.2 Fundo branco, sobre o qual, no canto superior esquerdo, se pode ler o nome do país com letras destacadas a negrito, e o nome da exposição e do local onde terá lugar com letras esbatidas; o símbolo icónico central, na diagonal, representa a ilha e contém duas das cores da bandeira timorense – vermelho e amarelo.1.3 Institucional, pois não tem intuitos de comercialização. 2. 2.1 a. Anunciar a participação de Timor-Leste na exposição internacional Expo 2012; b. Yesou, Coreia do Sul, até 12 de agosto de 2012; c. “A Vida do Oceano e da Costa, diversidade de recursos e atividades sustentáveis” e “Águas Cristalinas e Areias Brancas”, respetivamente; d. “Impulsionar um crescimento económico sustentado nos recursos do mar, respeitando o meio ambiente”.3. Resposta pessoal.4. Promover o desenvolvimento económico com consciência ecológica.

Atividade 261. 1.1, 1.2, e 1.3 Resposta pessoal.2. O tema da exposição e as fotografias apontam para o facto de ser essencial garantir os direitos e as necessidades das crianças no mundo.

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52 | Sugestões de apoio à utilização do manual

Atividade 271. 1.1 Resposta pessoal.1.2 Resposta pessoal.2. Resposta pessoal.3. A arte pode representar, técnica e esteticamente, os sentires e as singularidades de cada indivíduo, bem como a sua interpretação pessoal das características da comunidade em que se insere.4. Resposta pessoal.

Atividade 281. A valorização da cultura de um povo perpassa pela sua divulgação junto da comunidade através, por exemplo, da exposição de obras de arte ou manifestações culturais em museus, galerias, espetáculos, programas de televisão e/ou de rádio, bibliotecas, festivais, etc.2. 2.1 Construção do Museu e Centro Cultural de Timor-Leste, a par da criação da Biblioteca Nacional e Arquivo de Timor-Leste.2.2 Coleção geológica (no Palácio Presidencial); coleção arqueológica (dispersa por vários países); coleção etnográfica (no Ministério da Educação). 2.3 Ser um espaço de atração turística, de diversão e de investigação, e albergar as futuras instalações das Escolas de Artes e Música.2.4 Resposta pessoal.3. Resposta pessoal.4. 4.1 Trabalho de grupo.4.2 Resposta pessoal, subordinada às orientações para a redação de um relatório.

Atividade 291. 1.1 Resposta pessoal, seguindo as orientações para escrever um artigo de opinião crítica. 2. a./b./c./d. – Trabalho de grupo.

Atividade 301. Apresentação oral.

Atividade 311. 1.1 Trabalho de pesquisa.1.2 Exposição oral.1.3 Trabalho de grupo.2. Trabalho de grupo.2.1 Trabalho de grupo.

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tópicos de leitura e cenários possíveis de resposta | 53

Atividade 321. Comemorar o primeiro aniversário da data histórica do 20 de maio; promover e apoiar a “Arte Moris”, considerada a única escola de pintura em Timor-Leste; comercializar os trabalhos dos artistas; impulsionar o desenvolvimento da escola; contribuir para a reconstrução nacional através da afirmação e do reforço de elementos da identidade nacional; estimular a realização de iniciativas semelhantes.2. O dia 20 de maio comemora a independência da ocupação indonésia.3. “… reunindo nomes já consagrados […] e jovens estreantes…”.4. 4.1 Trabalho de pesquisa.4.2 Trabalho de pesquisa.5. Trabalho de pesquisa.5.1 Pintura, escultura, fotografia, música, teatro, …5.2 Valorizar a herança cultural de Timor-Leste; desenvolver a formação artística, contemplando a educação e a consciência ambientais. 6.

Localização Quintal KiiK, Díli

Fundadores Luca Gansser, Gabriela Gansser

Colaboradores Yahya Lambertz, Maria Madeira

Princípios orientadores Educação ambiental

Temas abordados Temas tradicionais da vida nas aldeias; temas sociais e políticos.

Objetivos Valorizar a herança cultural de Timor-Leste; promover a autoestima individual e coletiva; desenvolver a formação artística.

Atividade 301. 1.1 Trabalho de grupo (alíneas a, b, c, d, e, f).

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54

V. Textos e Atividades Complementares

O conjunto de textos e respetivos guiões de leitura que se segue foi desenvolvido no sentido de

ajudar o professor no processo de seleção de atividades complementares das já propostas no Manual

do Aluno. Estes materiais poderão, por exemplo, ser utilizados na elaboração de instrumentos

de avaliação, formativa ou sumativa, em atividades específicas para alunos com dificuldades, em

atividades de enriquecimento curricular e extracurricular, como aulas de apoio, para realização

em trabalho de casa ou em trabalho de grupo. Procuram, também, colmatar a dificuldade sentida

pelos professores na obtenção de materiais didáticos, em particular de textos literários relacionados

diretamente com os temas em estudo.

1. Sobre O Anjo de Timor, de Sophia de Mello Breyner Andresen

Versão em tétum do conto de Sophia de Mello Breyner Andresen

Para melhor compreensão do conto O Anjo de Timor, de Sophia de Mello Breyner Andresen,

sugere-se a leitura desta versão em língua tétum. Este texto, no seu todo ou parcialmente, pode ser

objeto de estudo e análise contrastiva com a versão em língua portuguesa:

Anju Timór nian, husi Sophia de Mello Breyner Andresen

Tradusaun ba tetun husi João Paulo T. Esperança ho Emília Almeida de Araújo

Sophia oferese istória ida-ne’e ba Nuno Higino iha 1992, bainhira situasaun iha Timór aat loos no ema

komesa ona hatene iha komunidade internasionál: “Ba Amu Higino Cunha nu’udar obrigadu tanba ninia poema

ne’ebé furak tebetebes.”

Kuandu oportunidade mosu ba Cenateca atu publika livru ida-ne’e, Sophia i nia oan sira hatán kedas sin

ba konvite.

Graça Morais, ne’ebé pinta dezeñu sira, mós hatudu laran-luak hanesan.

Tanba ida-ne’e maka momentu importante liu iha atividade Cenateca nian nu’udar editora, ami hato’o ba

sira na’in-rua ami-nia obrigadu ho sentimentu kle’an.

Anju Timór nian

Tinan barak liubá, tinan barak ona, iha Timór, iha liurai ida ne’ebé boot tebes no laran-di’ak tebes.

Bainhira nia sei foin-sa’e nia deside atu la’o lemo rai iha mundu, atu sai matenek liu tan.

Nia sa’e ró hodi halo viajen, husi nusa ba nusa, até nia to’o iha rain ida dook tebetebes.

Iha-ne’ebá, loron ida, nia koñese makfa’an ida ne’ebé mai husi dook tebes, husi nasaun sira iha Loromonu

ne’ebá, no nia ne’e mós la’o lemo rai durante tinan barak nia laran ona.

Makfa’an ida-ne’e dehan ba nia katak, iha ninia viajen ida, nia rona ema konta katak, iha fatin ne’ebé dook liu

tan, liu tiha foho oioin, tasi-boot no rai-maran fuik nakonu ho rai-henek no luan tebes, iha povu ida ne’ebé adora

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Textos e atividades complementares | 55

Maromak ida de’it ne’ebé bele halo buat hotu-hotu, no nia maka hamosu Universu no buat-moris hotu-hotu iha

nia laran. No povu ida-ne’e fiar katak sira-nia Maromak, loron ida sei tun mai rain atu soi ka salva ema hotu-hotu.

– Ha’u hakarak bá to’o nasaun ne’ebé povu ne’e hela bá, timoroan ne’e dehan.

Ha’u hakarak rona notísias tan kona-ba Maromak ne’ebé loron ida sei hela iha ita-nia leet.

– Aiá!, ne’e labele, makfa’an ne’e hatán. Nasaun ne’e hela dook tebes, maski ó la’o durante ó-nia moris

tomak ó sei la bele to’o iha-ne’ebá.

No sira kontinua hanesan ne’e kalan tomak, maibé, iha loron tuirmai, makfa’an sa’e ró hodi arranka ba ninia rain.

Bainhira ró dook to’o nia la bele haree ona, liurai hanoin:

– Ha’u haree tiha ona fatin barak no povu barak, maibé ha’u sei la bele hasoru povu ida-ne’ebé adora

Maromak ida de’it, tanba maski ha’u la’o durante ha’u-nia moris tomak ha’u sei la bele to’o iha-ne’ebá. Tanba

ne’e, ha’u la’o lemo rai tan ba halo saida?

No nia fila fali ba nia rain.

Ninia viajen kleur, naruk no susar.

Bainhira nia to’o ba ninia uma kalan boot ona no ema hotu toba tiha ona. Nia kolen loos no, foin tama, nia toba

dukur kedas latan ba rai. No durante nia toba, nia rona lian ida iha ninia mehi ne’ebé dehan ba nia atu hein, hein

nafatin, tanba loron ida, iha kalan boot, Maromak sei haruka sinál ida ba nia.

Iha dadeer tuirmai, liurai nia família simu nia ho ksolok boot tanba nia viajen dura tinan barak, no la iha ona

ema ida hatene se nia sei moris ka mate tiha ona. Ninia inan-aman haruka bolu família hotu no belun sira no iha

lokraik ne’ebá sira hotu kanta no dansa atu selebra tanba nia mai fali.

Maibé bainhira sira hotu arranka tiha ona no sira ne’ebé hela iha uma ho nia toba dukur ona, liurai bá

tuur iha nia odamatan uma nian, nia hein hela Maromak Nia sinál. Nia hela iha-ne’ebá nonook no ho atensaun

maka’as, no só bainhira kalan boot liu maka nia bá toba.

Hahú husi momentu ne’ebá, nia sempre hanesan ne’e. Durante rai-loron liurai hasoru malu ho nia belun i

maluk sira no nia ukun populasaun sira-nia moris no serbisu. Nia ukun-na’in ne’ebé ema hotu hadomi no respeita

tanba nia laran-di’ak, justu no matenek.

Maibé iha rai-kalan, kuandu ema hotu toba tiha ona, nia tuur mesak fali, iha nia odamatan uma nian,

hein hela Maromak Nia sinál ruma. Nia rona tarutu kalan nian, anin huu iha ai-hun, tasi nia lian iha dook, nia

horon kalan nia morin – rai nia iis, ai-funan nia morin, ai-kameli nia morin, iis husi tasi dook ne’ebá. Nia hateke la

hotu ba fitun sira-nia nabilan.

Tinan barak liu, nia hetok sai katuas, maibé kalan-kalan nia tuur iha nia odamatan uma nian, hein hela

Maromak Nia sinál. Nia sempre tau iha ninia sorin kaixa ki’ik halo ho ai-kameli ne’ebé nia rai iha nia laran ai-fuan

kaleik ne’ebé uluk bainhira nia sei labarik nia uza hodi halimar hana kaleik.

No, dala ruma, nia halo kuak ki’ik balu iha rai no, hanesan kuandu nia sei labarik, nia halimar ho ai-fuan

kaleik.

Maibé dala ruma nia ta’uk kalan no nia sente mesak, hanesan fali se Maromak la haree nia karik. Entaun

nia dehan:

– Ha’u-nia Maromak, keta husik ha’u. Haree lai ha’u.

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56 | Textos e atividades complementares

No iha kalan ida hanesan ne’e, bainhira nia sente kolen loos no mesak tebes, dala ida tan nia foti ulun no

hateke ba fitun sira.

Entaun nia haree fitun boot ida ne’ebé momoos no nabilan tebes sa’e husi Lorosa’e no, neineik tebes, liu

husi lalehan. No Universu tomak nonook tanba ksolok. Maibé derrepente lian maka’as ida hananu:

– Glória ba Maromak leten aas ba no dame iha rain ba ema laran-kmanek.

No liurai ne’e haree iha ninia oin joven ida ne’ebé hatais nabilan hotu. No nia komprende katak ida-ne’e

maka manu-ain husi Maromak, tanba nia oin naroman kmanek ho ksolok boot.

No joven hatete:

– Ha’u maka Anju Timór nian. Haksolok bá, liurai, tanba Maromak ne’ebé ó hein kleur nakfila an ba mane

no ohin tun mai rain. Nia ne’e labarik ida ne’ebé foin moris no toba hela iha balada nia luhan ida iha du’ut-maran

nia leten. Maibé anju hotu-hotu hananu hodi hahi’i nia no lakleur bibi-atan sira sei to’o atu adora nia. No loron

balu tan sei to’o liurai matenek na’in-tolu ne’ebé la’o daudaun tuir fitun. Sira sei hakne’ak hodi adora labarik ne’e

no ida-idak sei fó prezente ida ba nia. Gaspar lori kaixa ida ho osan-mean. Melchior kaixa ida ho mirra no Baltazar

kaixa ida ho insensu.

– Ha’u hakarak bá ho sira, ukun-na’in timoroan hatete-sai.

– Ne’e labele. Belén ne’e hela dook tebes, maski ó la’o durante ó-nia moris tomak ó sei la bele to’o iha-

ne’ebá.

– Entaun, anju, ó ne’ebé halai lailais liu duké ema nia hanoin, lori lai ha’u-nia prezente ba Labarik-Mane.

Ne’e kaixa ida halo ho ai-kameli ne’ebé rai iha nia laran ai-fuan kaleik ne’ebé uluk ha’u uza hodi halimar kaleik

bainhira ha’u sei labarik.

Anju kaer kaixa iha nia liman no dehan:

– Ne’e di’ak katak ó hanoin atu haruka brinkedu ida ba Nia. Bainhira liurai matenek sira to’o iha Belén,

ha’u sei iha ne’ebá ho sira no ha’u sei tau ó-nia kaixa iha Labarik-Mane nia oin!

Anju lakon, no iha momentu ne’e kedas liurai sadere ba ai-riin ida iha nia uma no toba dukur iha Na’i Maromak

nia pás.

Hahú husi momentu ne’ebá, sempre ke ita selebra Natál, Anju Timór nian hakne’ak iha oin husi prezépiu

ne’ebé iha lalehan, no fó ba Labarik-Mane prezente husi liurai katuas ne’e.

Iha Natál ne’e, dala ida tan, Anju Timór nian hakne’ak tiha no fó fali kaixa halo ho ai-kameli no ai-fuan kaleik:

– Labarik Maromak, Liurai-oan Dame nian, Maromak ne’ebé bele halo buat hotu-hotu, hanoin lai povu

Timór nian ne’ebé Ó fó mai ha’u knaar atu tau matan ba sira. Rona lai sira-nia orasaun, haree lai sira-nia terus.

Haree oinsá sira la para temi Ó-nia naran, maski iha masakre ka raan-fakar nia laran. Na’i Maromak, liberta lai sira

husi sira-nia dadur, fó sira dame, justisa, liberdade. Fó lai Ita-Boot nia Grasa tomak ba sira.

Glória ba Ó, Na’i!

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Textos e atividades complementares | 57

2. Sugestões de atividades em torno dos contos

2.1. O Anjo de Timor

1. Realiza uma pesquisa de textos literários sobre o Natal, incluindo contos e poemas, e

elabora uma pequena antologia em conjunto com os colegas da tua turma. Não te esqueças

do conto de Sophia de Mello Breyner, A Noite de Natal.

2. Seleciona uma das cenas de que mais gostaste do conto estudado e procura ilustrá-la

através de um desenho ou de uma fotografia.

3. Investiga o significado simbólico do sândalo e explica a razão da sua associação tão

frequente a Timor-Leste.

4. O conto evidencia algumas características – diálogo entre as personagens, por exemplo

– que permitem a sua dramatização. Procura, com os colegas da turma e da escola e com

a ajuda dos professores, encenar uma cena (ou todo o conto). Procede às transformações

necessárias, reescrevendo o texto, de modo a que possa ser facilmente representado.

5. Lê o conto O Cavaleiro da Dinamarca, também escrito por Sophia de Mello Breyner

Andresen, e procura identificar as semelhanças que existem com O Anjo de Timor. Depois

de as elencares, elabora um pequeno ensaio sobre essas afinidades.

6. Realiza uma pesquisa sobre histórias de temática religiosa, consultando livros ou

perguntando a alguns familiares mais velhos. Escreve algumas das que mais gostaste e

ilustra-as, procedendo à sua divulgação na escola e na comunidade.

7. Conheces o jogo do caleic? Informa-te sobre as suas regras e descobre onde e como é

jogado. Redige as regras do jogo e ilustra-as com desenhos ou fotografias explicativos.

8. Elabora, em alternativa, uma crónica sobre o jogo.

2.2. “O Fazedor de Luzes”

1. Realiza uma pesquisa na internet sobre o escritor moçambicano Mia Couto. Que dados

recolheste? Redige um pequeno texto sobre o autor e a sua obra a partir das informações

coligidas. Para te ajudar, sugerimos a consulta dos endereços que se seguem:

Page 60: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

58 | Textos e atividades complementares

http://lusofonia.com.sapo.pt/mia.htm

http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/letras/recen010.htm

http://www.triplov.com/letras/mia_couto/index.htm

http://www.revistabula.com/posts/entrevistas/entrevista-mia-couto

2. O conto aborda a realidade moçambicana. Investiga características desta cultura africana

e refere algumas diferenças relativamente ao contexto timorense.

3. Este conto elege como temas principais a morte e a infância. Faz uma pesquisa sobre os

rituais e cultos moçambicanos ligados à morte. Compara-os com os timorenses. Encontras

algumas semelhanças?

4. A temática da orfandade, no conto, é objeto de tratamento literário. Informa-te sobre

esta dura realidade em Moçambique e compara-a com a situação que conheces em Timor-

-Leste. Que semelhanças e diferenças encontras?

5. Como o conto tem lugar em Moçambique, desenvolve alguma pesquisa sobre a realidade

das crianças neste país. Tenta coligir informação sobre a sua educação, assistência social,

divertimentos e hábitos.

6. A adoção pode ser uma forma de superar a perda dos pais biológicos. Informa-te sobre

o modo como funciona e as leis que a regem. Podes mesmo escrever uma pequena crónica

sobre este assunto.

7. Se este conto te agradou e ficaste com curiosidade em conhecer mais alguns textos

narrativos breves de Mia Couto, sugerimos a leitura das obras seguintes. A partir da leitura

que realizares, tenta proceder ao levantamento dos principais traços caracterizadores da

escrita deste autor, assim como das linhas temáticas e/ou ideológicas valorizadas:

a) Vozes anoitecidas (1987)

b) Cada homem é uma raça (1990)

c) Cronicando (1991)

d) Estórias abensonhadas (1994)

e) Contos do nascer da terra (1997)

f) O gato e o escuro (2000)

g) ...

8. Pesquisa informações sobre outros autores moçambicanos que escrevam em português.

Page 61: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos e atividades complementares | 59

2.3. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

1. Ordena os seguintes excertos da narrativa, de forma a obteres uma sequência correta dos

acontecimentos:

a) “Foi assim, com esse diálogo um pouco idiota, que começou toda a história do Gato Malhado e da

Andorinha Sinhá”.

b) “Ia espiá-lo todos os dias até que naquele dia da chegada da primavera…”.

c) “Sonhou com a Andorinha, era a primeira vez que ele sonhava havia muitos anos”.

d) “Um dia, de brando sol hibernal realizou-se o casamento da Andorinha com o Rouxinol”.

e) “Proibiram terminantemente a Andorinha de se aproximar do inimigo”.

f) “… a Andorinha quis ir a todos os lugares que haviam aprendido a amar na primavera e no verão”.

g) “Foram-se conhecendo um ao outro, cada dia uma nova descoberta”.

h) “E as flores coravam e sussurravam ao ouvido da Terra: Andorinha não pode, não pode, com o Gato

casar! E em coro cantavam: É pecado mortal!”.

i) “O Gato Malhado era a sombra na vida clara e tranquila da Andorinha Sinhá”.

j) “– Se eu não fosse gato, te pediria para casares comigo”.

k) “Sobre o vermelho do sangue da pétala de rosa brilhou a luz da lágrima da Andorinha Sinhá”.

l) “Jamais o Gato Malhado voltara a dirigir a palavra a quem quer que fosse”.

m) “Era uma vez antigamente, mas muito antigamente, nas profundas do passado quando os bichos

falavam…”.

n) “Olhou espantado, porque fugiam todos se era tão belo o parque naquela hora da chegada da

primavera?”.

o) “Não sei que jeito ela deu ao voar que conseguiu derrubar sobre ele uma pétala de rosa, das rosas

vermelhas do seu buquê de noiva”.

p) “Aqui termina a história que a Manhã ouviu do Vento e contou ao Tempo que lhe deu a prometida

rosa azul”.

q) “Assim, quando deitou a gentil cabecinha sobre a pétala de rosa que lhe servia de travesseiro, havia

decidido continuar a conversa no outro dia…”.

r) “Tão terno, que aquele dia de outono foi encontrar o Malhado escrevendo um soneto”.

s) “De repente rebolou-se na grama como se fora um jovem gato adolescente…”.

t) “O Gato tomou a direção dos estreitos caminhos que conduzem à encruzilhada do fim do mundo”.

u) “Que bom casamento para a Andorinha. O Rouxinol é belo e gentil, sabe cantar, é da raça volátil, com

ele bem pode a Andorinha casar”.

v) “A história que a Manhã contou ao Tempo para ganhar a rosa azul foi a do Gato Malhado e da Andorinha

Sinhá; ela a escutara do Vento…”.

w) “Então ela lhe disse que aquela tinha sido a última vez e que ia casar-se com o Rouxinol porque, ai!

porque uma Andorinha não pode casar-se com um Gato”.

Page 62: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

60 | Textos e atividades complementares

2. Esquema de apoio à leitura do conto

PERSONAGENS

Protagonismo concedido a dois animais, de habitats diferentes

Personificação / animização dos heróis e das restantes personagens

O Gato enquanto anti-herói (em confronto com as outras personagens, em particular com a Andorinha)

Densidade / riqueza psicológica

Personagens individuais (Gato e Andorinha) versus Personagens-tipo (habitantes do parque)

ARQUITETURA NARRATIVA

O Vento conta uma história à Manhã

A Manhã (re)conta-a ao Tempo

Sapo Cururu, velho companheiro do Vento,

(re)conta essa história ao narrador, que a

transcreve

A HISTÓRIA DE AMOR DO GATO MALHADO E DA ANDORINHA SINHÁ

1. Madrugada

2. Parêntesis

3. A estação da primavera

4. Novo parêntesis, para apresentar a Andorinha Sinhá

5. Continuação da estação da primavera

6. Capítulo inicial, atrasado e fora de lugar

7. Fim da estação da primavera

8. A estação do verão

9. Parêntesis das murmurações

10. A estação do outono

11. Parêntesis poético

12. Post Scriptum

13. Parêntesis crítico

14. Continuação da estação do outono

15. A estação do inverno

16. A noite sem estrelas

Page 63: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos e atividades complementares | 61

Organização das sequências narrativas:

– predominantemente por encadeamento

– importância da técnica do encaixe (micronarrativas)

– Linearidade e/ou simplicidade aparente versus Complexidade das técnicas narrativas

– Circularidade (relação ação-tempo)

– Coerência narrativa

– Pausas na narração

O TEMPO

(Vetor fulcral)

Circularidade e linearidade cronológica (um ano): primavera-verão-outono-inverno

Discrepância: tempo da história / tempo do discurso

Recriação literária do “longínquo” (Presente versus Passado)

Definição dos capítulos em função de unidades de tempo (exceto no caso dos parêntesis…)

O ESPAÇO

– Natural

– Restrito

– Parque = espaço

– central, nuclear e unívoco

– físico, social, moral e simbólico

MICROESPAÇOS

– ameixeira

– laranjeira

– pombal

– lago

– laranjeira

– […]

Page 64: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

62 | Textos e atividades complementares

ESTRATÉGIAS TEXTUAIS

– segmentos de prosa poética,

– coloquialidade,

– perguntas retóricas,

– reiterações,

– sensorialidade…

A SIMBOLOGIA DE ALGUNS ELEMENTOS

O gatosimbolismo muito heterogéneo (como a própria personagem…), oscilando entre as tendências benévolas e malévolas; atitude, ao mesmo tempo, doce e dissimulada; suscita desconfiança.

A andorinhaé a mensageira da primavera – ligada à fecundidade, à alternância e à renovação; como nunca pousa na terra, está isenta de contaminação.

A rosa azul o impossível

O vermelho cor da vida, da força, do poder

As pétalas (vermelhas) pedaços de sofrimento – alma e coração despedaçados

A gota de sangue o sofrimento, a tragédia, a destruição da vida

A lágrima a dor e intercessão (muitas vezes, comparada à pérola)

As quatro estações

primavera (aliada à madrugada) - nascimento da paixão, renovação, esperança, vida

verão - o calor da paixão

outono - o desânimo, a melancolia

inverno - o desfecho, o final…

A “noite sem estrelas” a desesperança, a tristeza, a infelicidade

Page 65: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos e atividades complementares | 63

VETORES IDEOTEMÁTICOS:

– O amor e/ou paixão

– A importância dos afetos

– A alegria e/ou felicidade versus a tristeza

– Liberdade

– “Desafio” do status quo

– Indivíduo versus Sociedade

– Igualdade

– Tolerância

– “Luta”:

– contra a discriminação

– contra os preconceitos

– por um mundo melhor

[…]

OUTROS ASPETOS

– O humor de “riso largo”

– A ironia

– A crítica (nem sempre captável pelos mais novos)

– Tom sentencioso / moralizante

– A reflexão metaliterária

– A fusão propositada autor-narrador

– As falsas pistas “enganadoras” e a tentação de uma leitura “gastronómica”

Page 66: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

64 | Textos e atividades complementares

3. Proposta complementar para o estudo do conto. Análise de A Ilha Desconhecida de

José Saramago

3.1. Introdução

José Saramago, Prémio Nobel da Literatura em 1998, é, possivelmente, o escritor português mais

conhecido em todo o mundo. Singular romancista, é sobretudo neste género narrativo que escreveu com

mais assiduidade. A sua vasta obra ganha o reconhecimento do público e da crítica a partir do início dos anos

80, com a publicação de romances como Levantado do Chão (1980), Memorial do Convento (1982), O Ano da

Morte de Ricardo Reis (1984) e A Jangada de Pedra (1986). A sua produção literária começara muitos anos

antes, com a publicação, em 1947, do seu primeiro romance – Terra do Pecado. Também escreveu e publicou

poesia, além de crónicas, que tiveram uma influência decisiva na construção do seu estilo narrativo.

Nascido a 16 de novembro de 1922, Saramago conheceu a realidade portuguesa do século XX e manifestou,

desde sempre, um forte empenhamento político e social, fruto de convicções firmes e determinadas. Forçado,

por razões económicas, a abandonar prematuramente os estudos, exerceu variadas funções profissionais e

manteve sempre um gosto forte pela leitura e pela cultura.

Para uma visão mais completa sobre a vida deste autor, aconselhamos vivamente a consulta do sítio da

internet da Fundação criada com o seu nome, com vista a perpetuar a sua obra: http://josesaramago.org

3.2. Conto A Ilha Desconhecida, de José Saramago

Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco. A casa

do rei tinha muitas portas, mas aquela era a das petições. Como o rei

passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os

obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar

à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar con-

tínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandalo-

so, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar,

Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-se-

cretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira

de se calar. Então, o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário,

este chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua

vez mandava o segundo, e assim por aí fora até chegar à mulher da lim-

peza, a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta

das petições e perguntava pela frincha, Que é que tu queres. O suplican-

te dizia ao que vinha, isto é, pedia o que tinha de pedir, depois instalava-

-se a um canto da porta, à espera de que o requerimento fizesse, de um

em um, o caminho contrário, até chegar ao rei. Ocupado como sempre

estava com os obséquios, o rei demorava a resposta, e já não era peque-

fotografia de Ângelo Ferreira

Page 67: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos e atividades complementares | 65

no sinal de atenção ao bem-estar e felicidade do seu povo quando resolvia pedir um parecer fundamentado por

escrito ao primeiro-secretário, o qual, escusado seria dizer, passava a encomenda ao segundo-secretário, este

ao terceiro, sucessivamente, até chegar outra vez à mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme

estivesse a maré.

Contudo, no caso do homem que queria um barco, as coisas não se passaram bem assim. Quando a mulher da

limpeza lhe perguntou pela nesga da porta, Que é que tu queres, o homem, em lugar de pedir, como era o

costume de todos, um título, uma condecoração, ou simplesmente dinheiro, respondeu, Quero falar ao rei, Já

sabes que o rei não pode vir, está na porta dos obséquios, respondeu a mulher, Pois então vai lá dizer-lhe que

não saio daqui até que ele venha, pessoalmente, saber o que quero, rematou o homem, e deitou-se ao comprido

no limiar, tapando-se com a manta por causa do frio. Entrar e sair, só por cima dele. Ora, isto era um enorme

problema, se tivermos em consideração que, de acordo com a pragmática das portas, ali só se podia atender um

suplicante de cada vez, donde resultava que, enquanto houvesse alguém à espera de resposta, nenhuma outra

pessoa se poderia aproximar a fim de expor as suas necessidades ou as suas ambições. À primeira vista, quem

ficava a ganhar com esse artigo do regulamento era o rei, dado que, sendo menos numerosa a gente que o vinha

incomodar com lamúrias, mais tempo ele passava a ter, e mais descanso, para receber, contemplar e guardar os

obséquios. À segunda vista, porém, o rei perdia, e muito, porque os protestos públicos, ao notar-se que a resposta

estava a tardar mais do que o justo, faziam aumentar gravemente o descontentamento social, o que, por seu

turno, ia ter imediatas e negativas consequências no afluxo de obséquios. No caso que estamos narrando, o

resultado da ponderação entre os benefícios e os prejuízos foi ter ido o rei, ao cabo de três dias, e em real pessoa,

à porta das petições, para saber o que queria o intrometido que se havia negado a encaminhar o requerimento

pelas competentes vias burocráticas. Abre a porta, disse o rei à mulher da limpeza, e ela perguntou, Toda, ou só

um bocadinho. O rei duvidou por um instante, na verdade não gostava muito de se expor aos ares da rua, mas

depois reflexionou que pareceria mal, além de ser indigno de sua majestade, falar com um súbdito através de

uma nesga, como se tivesse medo dele, mormente estando a assistir ao colóquio a mulher da limpeza, que logo

iria dizer por aí sabe Deus o quê, De par em par, ordenou. O homem que queria um barco levantou-se do degrau

da porta quando começou a ouvir correr os ferrolhos, enrolou a manta e pôs-se à espera. Estes sinais de que

finalmente alguém viria atender, e que portanto a praça não tardaria a ficar desocupada, fizeram aproximar-se

da porta uns quantos aspirantes à liberalidade do trono que por ali andavam, prontos a assaltar o lugar mal ele

vagasse. O inopinado aparecimento do rei (nunca uma tal coisa havia sucedido desde que ele andava de coroa

na cabeça) causou uma surpresa desmedida, não só aos ditos candidatos mas também à vizinhança que atraída

pelo repentino alvoroço, assomara às janelas das casas, no outro lado da rua. A única pessoa que não se

surpreendeu por aí além foi o homem que tinha vindo pedir um barco. Calculara ele, e acertara na previsão, que

o rei, mesmo que demorasse três dias, haveria de sentir-se curioso de ver a cara de quem, sem mais nem menos,

com notável atrevimento, o mandar chamar. Repartido pois entre a curiosidade que não pudera reprimir e o

desagrado de ver tanta gente junta, o rei, com o pior dos modos, perguntou três perguntas seguidas, Que é que

queres, Por que foi que não disseste logo o que querias, Pensarás tu que eu não tenho mais nada que fazer, mas

o homem só respondeu à primeira pergunta, Dá-me um barco, disse. O assombro deixou o rei a tal ponto

desconcertado, que a mulher da limpeza se apressou a chegar-lhe uma cadeira de palhinha, a mesma em que ela

própria se sentava quando precisava de trabalhar de linha e agulha, pois além da limpeza, tinha também à sua

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66 | Textos e atividades complementares

responsabilidade alguns trabalhos menores de costura no palácio, como passajar as peúgas dos pajens. Mal

sentado, porque a cadeira de palhinha era muito mais baixa que o trono, o rei estava a procurar a melhor

maneira de acomodar as pernas, ora estendendo-as para os lados, enquanto o homem que queria um barco

esperava com paciência a pergunta que se seguiria, E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei

de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher da

limpeza. Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei

disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem

não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas

desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, estão todas nos mapas, Nos mapas

só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer,

então não seria desconhecida, A quem ouviste falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse

caso, por que teimas em dizer que ela existe, Simplesmente por que é impossível que não exista uma ilha

desconhecida, E vieste aqui para me pedires um barco, Sim, vim aqui para pedir-lhe um barco, E tu quem és, para

que eu to dê, E tu quem és, para que não mo dês, Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me

todos, Mais lhes pertencerás tu a eles do que eles a ti, Que queres dizer, perguntou o rei inquieto, Que tu, sem

eles, és nada, e que eles, sem ti, poderão sempre navegar. Às minhas ordens, com os meus pilotos e os meus

marinheiros, Não te peço marinheiros nem pilotos, só te peço um barco, E essa ilha desconhecida, se a

encontrares, será para mim, A ti, rei, só te interessam as ilhas conhecidas. Também me interessam as desconhecidas

quando deixam de o ser, Talvez esta não se deixe conhecer, Então não te dou o barco, Darás. Ao ouvirem esta

palavra, pronunciada com tranquila firmeza, os aspirantes à porta das petições, em quem, minuto após minuto,

desde o princípio da conversa, a impaciência vinha crescendo, e mais para se verem livres dele do que por

simpatia solidária, resolveram intervir a favor do homem que queria o barco, começando a gritar, Dá-lhe o barco,

dá-lhe o barco. O rei abriu a boca para dizer à mulher da limpeza que chamasse a guarda do palácio a vir

restabelecer imediatamente a ordem pública e impor a disciplina, mas, nesse momento, as vizinhas que assistiam

das janelas juntaram-se ao coro com entusiasmo, gritando como os outros, Dá-lhe o barco, dá-lhe o barco.

Perante uma tão iniludível manifestação da vontade popular e preocupado com o que, neste meio tempo, já

haveria perdido na porta dos obséquios, o rei levantou a mão direita a impor silêncio e disse, Vou dar-te um

barco, mas a tripulação terás de arranjá-la tu, os meus marinheiros são-me precisos para as ilhas conhecidas. Os

gritos de aplauso do público não deixaram que se percebesse o agradecimento do homem que viera pedir um

barco, aliás o movimento dos lábios tanto teria podido ser Obrigado, meu senhor, como Eu cá me arranjarei, mas

o que distintamente se ouviu foi o dito seguinte do rei, Vais à doca, perguntas lá pelo capitão do porto, dizes-lhe

que te mandei eu, e ele que te dê o barco, levas o meu cartão. O homem que ia receber um barco leu o cartão

de visita, onde dizia Rei por baixo do nome do rei, e eram estas as palavras que ele havia escrito sobre o ombro

da mulher da limpeza, Entrega ao portador um barco, não precisa ser grande, mas que navegue bem e seja

seguro, não quero ter remorsos na consciência se as coisas lhe correrem mal. Quando o homem levantou a

cabeça, supõe-se que desta vez é que iria agradecer a dádiva, já o rei se tinha retirado, só estava a mulher da

limpeza a olhar para ele com cara de caso. O homem desceu do degrau da porta, sinal de que os outros candidatos

podiam enfim avançar, nem valeria a pena explicar que a confusão foi indescritível, todos a quererem chegar ao

sítio em primeiro lugar, mas com tão má sorte que a porta já estava fechada outra vez. A aldraba de bronze

Page 69: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos e atividades complementares | 67

tornou a chamar a mulher da limpeza, mas a mulher da limpeza não está, deu a volta e saiu com o balde e a

vassoura por outra porta, a das decisões, que é raro ser usada, mas quando é, é. Agora sim, agora pode-se

compreender o porquê da cara de caso com que a mulher da limpeza havia estado a olhar, foi esse o preciso

momento em que ela resolveu ir atrás do homem quando ele se dirigisse ao porto a tomar conta do barco.

Pensou ela que já bastava de uma vida a limpar e a lavar palácios, que tinha chegado a hora de mudar de ofício,

que lavar a limpar barcos é que era a sua vocação verdadeira, no mar, ao menos, a água nunca lhe faltaria. O

homem nem sonha que, não tendo ainda sequer começado a recrutar os tripulantes, já leva atrás de si a futura

encarregada das baldeações e outros asseios, também é deste modo que o destino costuma comportar-se

connosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para tocar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar,

Acabou-se, não há mais que ver, é tudo igual.

Andando, andando, o homem chegou ao porto, foi à doca, perguntou pelo capitão, e enquanto ele não chegava

deitou-se a adivinhar qual seria, de quantos barcos ali estavam, o que iria ser o seu, grande já se sabia que não,

o cartão de visita do rei era muito claro neste ponto, por conseguinte ficavam de fora os paquetes, os cargueiros

e os navios de guerra, tão-pouco poderia ser ele tão pequeno que resistisse mal às forças do vento e aos rigores

do mar, o rei também havia sido categórico neste ponto, Que navegue bem e seja seguro, foram estas as suas

formais palavras, assim implicitamente excluindo os botes, as faluas e os escaleres, os quais, sendo bons nave-

gantes, e seguros, conforme a condição de cada qual, não tinham nascido para sulcar os oceanos, que é onde se

encontram as ilhas desconhecidas. Um pouco afastada dali, escondida por trás de uns bidões, a mulher da limpe-

za correu os olhos pelos barcos atracados, Para o meu gosto, aquele, pensou, porém a sua opinião não contava,

nem sequer havia sido ainda contratada, vamos ouvir antes o que dirá o capitão do porto. O capitão veio, leu o

cartão, mirou o homem de alto a baixo, e fez a pergunta que o rei se tinha esquecido de fazer, Sabes navegar,

tens carta de navegação, ao que o homem respondeu, Aprenderei no mar. O capitão disse, Não to aconselharia,

capitão sou eu, e não me atrevo com qualquer barco, Dá-me então um com que possa atrever-me eu, não, um

desses não, dá-me antes um barco que eu respeite e que possa respeitar-me a mim, Essa linguagem é de mari-

nheiro, mas tu não és marinheiro, Se tenho a linguagem, é como se o fosse. O capitão tornou a ler o cartão do

rei, depois perguntou, Poderás dizer-me para que queres o barco, Para ir à procura da ilha desconhecida, Já não

há ilhas desconhecidas, O mesmo me disse o rei, O que ele sabe de ilhas, aprendeu-o comigo, É estranho que tu,

sendo homem do mar, me digas isso, que já não há ilhas desconhecidas, homem da terra sou eu, e não ignoro

que todas as ilhas, mesmo as conhecidas, são desconhecidas enquanto não desembarcarmos nelas, Mas tu, se

bem entendi, vais à procura de uma onde nunca ninguém tenha desembarcado, Sabê-lo-ei quando lá chegar, Se

chegares, Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias escrever nos anais

do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres dizer que chegar, sempre se chega, não serias quem és se

não o soubesses já. O capitão do porto disse, Vou dar-te a embarcação que te convém, Qual é ela, É um barco

com muita experiência, ainda do tempo em que toda a gente andava à procura de ilhas desconhecidas, Qual é

ele, Julgo até que encontrou algumas, Qual, Aquele. Assim que a mulher da limpeza percebeu para onde o ca-

pitão apontava, saiu a correr de detrás dos bidões e gritou, é o meu barco, é o meu barco, há que perdoar-lhe

a insólita reivindicação de propriedade, a todos os títulos abusiva, o barco era aquele de que ela tinha gostado,

simplesmente. Parece uma caravela, disse o homem, Mais ou menos, concordou o capitão, no princípio era uma

caravela, depois passou por arranjos e adaptações que a modificaram um bocado, Mas continua a ser uma cara-

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68 | Textos e atividades complementares

vela, Sim, no conjunto conserva o antigo ar, E tem mastros e velas, Quando se vai procurar ilhas desconhecidas, é

o mais recomendável. A mulher da limpeza não se conteve, Para mim não quero outro, Quem és tu, perguntou o

homem, Não te lembras de mim, Não tenho ideia, Sou a mulher da limpeza, Qual limpeza, A do palácio do rei, A

que abria a porta das petições, Não havia outra, E por que não estás tu no palácio do rei a limpar e a abrir portas,

Porque as portas que eu realmente queria já foram abertas e porque de hoje em diante só limparei barcos, Então

estás decidida a ir comigo procurar a ilha desconhecida, Saí do palácio pela porta das decisões, Sendo assim, vai

para a caravela, vê como está aquilo, depois do tempo que passou deve precisar de uma boa lavagem, e tem

cuidado com as gaivotas, que não são de fiar, Não queres vir comigo conhecer o teu barco por dentro, Tu disseste

que era teu, Desculpa, foi só porque gostei dele, Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser

a pior maneira de gostar. O capitão do porto interrompeu a conversa, Tenho de entregar as chaves ao dono do

barco, a um ou a outro, resolvam-se, a mim tanto se me dá, Os barcos têm chave, perguntou o homem, Para

entrar, não, mas lá estão as arrecadações e os paióis, e a escrivaninha do comandante com o diário de bordo, Ela

que se encarregue de tudo, eu vou recrutar a tripulação, disse o homem, e afastou-se.

A mulher da limpeza foi ao escritório do capitão para recolher as chaves, depois entrou no barco, duas coisas lhe

valeram aí, a vassoura do palácio e a prevenção contra as gaivotas, ainda não tinha acabado de atravessar a pran-

cha que ligava a amurada ao cais e já as malvadas estavam a precipitar-se sobre ela aos guinchos, furiosas, de

goela aberta, como se ali mesmo a quisessem devorar. Não sabiam com quem se metiam. A mulher da limpeza

pousou o balde, meteu as chaves no seio, firmou bem os pés na prancha, e, redemoinhando a vassoura como se

fosse um espadão dos antigos, fez debandar o bando assassino. Foi só quando entrou no barco que compreen-

deu a ira das gaivotas, havia ninhos por toda a parte, muitos deles abandonados, outros ainda com ovos, e uns

poucos com gaivotinhos de bico aberto, à espera da comida, Pois sim, mas o melhor é mudarem-se daqui, um

barco que vai procurar a ilha desconhecida não pode ter este aspeto, como se fosse um galinheiro, disse. Atirou

para a água os ninhos vazios, quanto aos outros deixou-os ficar, até ver. Depois arregaçou as mangas e pôs-se a

lavar a coberta. Quando acabou a dura tarefa, foi abrir o paiol das velas e procedeu a um exame minucioso do

estado das costuras, depois de tanto tempo sem irem ao mar e sem terem de suportar os esticões saudáveis do

vento. As velas são os músculos do barco, basta ver como incham quando se esforçam, mas, e isso mesmo suce-

de aos músculos, se não se lhes dá uso regularmente, abrandam, amolecem, perdem nervos das velas, pensou a

mulher da limpeza, contente por estar a aprender tão depressa a arte de marinharia. Achou esgarçadas algumas

bainhas, mas contentou-se com assinalá-las, uma vez que para este trabalho não podiam servir a linha e a agu-

lha com que passajava as peúgas dos pajens antigamente, quer dizer, ainda ontem. Quanto aos outros paióis,

viu logo que estavam vazios. Que o da pólvora estivesse desmunido, salvo uns pozinhos negros no fundo, que

primeiro mais lhe pareceram caganitas de rato, não lhe importou nada, de facto não está escrito em nenhuma

lei, pelo menos até onde a sabedoria duma mulher da limpeza é capaz de alcançar, que ir em busca duma ilha

desconhecida tenha de ser forçosamente uma empresa de guerra. Já a ralou, e muito, a falta absoluta de mu-

nições de boca no paiol respetivo, não por si própria, que estava mais do que acostumada ao mau passadio do

palácio, mas por causa do homem a quem deram este barco, não tarda que o sol se ponha, e ele a aparecer-me

aí a clamar que tem fome, que é o dito de todos os homens mal entram em casa, como se só eles é que tivessem

estômago e sofressem da necessidade de o encher. E se já traz marinheiros para a tripulação, que são uns ogres

a comer, então é que não sei como nos iremos governar, disse a mulher da limpeza.

Page 71: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos e atividades complementares | 69

Não valia a pena ter-se preocupado tanto. O sol havia acabado de sumir-se no oceano quando o homem que

tinha um barco surgiu no extremo do cais. Trazia um embrulho na mão, porém vinha sozinho e cabisbaixo. A

mulher da limpeza foi esperá-lo à prancha, mas antes que ela abrisse a boca para se inteirar de como lhe tinha

corrido o resto do dia, ele disse, Está descansada, trago aqui comida para os dois, E os marinheiros, perguntou

ela, Não veio nenhum, como podes ver, Mas deixaste-os apalavrados, ao menos, tornou ela a perguntar, Disse-

ram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego

dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um

impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso, E não lhes falaste da ilha desconhecida,

Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conheço, Mas tens a certeza de que ela existe, Tan-

ta como a de ser tenebroso o mar, Neste momento, visto daqui, com aquela água cor de jade e o céu como um

incêndio, de tenebroso não lhe encontro nada, É uma ilusão tua, também as ilhas às vezes parece que flutuam

sobre as águas, e não é verdade, Que pensas fazer, se te falta a tripulação, Ainda não sei, Podíamos ficar a viver

aqui, eu oferecia-me para lavar os barcos que vêm à doca, e tu, E eu, Tens com certeza um mester, um ofício, uma

profissão, como agora se diz, Tenho, tive, terei se for preciso, mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero

saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és, O filósofo

do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às ve-

zes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, visto que sou

mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos

se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa. O incêndio do

céu ia esmorecendo, a água arroxeou-se de repente, agora nem a mulher da limpeza duvidaria de que o mar é

mesmo tenebroso, pelo menos a certas horas. Disse o homem, Deixemos as filosofias para o filósofo do rei, que

para isso é que lhe pagam, agora vamos nós comer, mas a mulher não esteve de acordo, Primeiro, tens de ver o

teu barco, só o conheces por fora, Que tal o encontraste, Há algumas bainhas das velas que estão a precisar de

reforço, Desceste ao porão, encontraste água aberta, No fundo vê-se alguma, de mistura com o lastro, mais isso

parece que é próprio, faz bem ao barco, Como foi que aprendeste essas coisas, Assim, Assim como, Como tu,

quando disseste ao capitão do porto que aprenderias a navegar no mar, Ainda não estamos no mar, Mas já esta-

mos na água, Sempre tive a ideia de que para a navegação só há dois mestres verdadeiros, um que é o mar, o ou-

tro que é o barco, E o céu, estás a esquecer-te do céu, Sim, claro, o céu, Os ventos, As nuvens, O céu, Sim, o céu.

Em menos de um quarto de hora tinham acabado a volta pelo barco, uma caravela, mesmo transformada, não

dá para grandes passeios. É bonita, disse o homem, mas se eu não conseguir arranjar tripulantes suficientes para

a manobra, terei de ir dizer ao rei que já não a quero, Perdes o ânimo logo à primeira contrariedade, A primeira

contrariedade foi estar à espera do rei três dias, e não desisti, Se não encontrares marinheiros que queiram vir,

cá nos arranjaremos os dois, Estás doida, duas pessoas sozinhas não seriam capazes de governar um barco des-

tes, eu teria de estar sempre ao leme, e tu, nem vale a pena estar a explicar-te, é uma loucura, Depois veremos,

agora vamos mas é comer. Subiram para o castelo de popa, o homem ainda a protestar contra o que chamara

loucura, e, ali, a mulher da limpeza abriu o farnel que ele tinha trazido, um pão, queijo duro, de cabra, azeitonas,

uma garrafa de vinho. A lua já estava meio palmo sobre o mar, as sombras da verga e do mastro grande vieram

deitar-se-lhes aos pés. É realmente bonita a nossa caravela, disse a mulher, e emendou logo, A tua, a tua carave-

la, Desconfio que não o será por muito tempo, Navegues ou não navegues com ela, é tua, deu-ta o rei, Pedi-lha

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70 | Textos e atividades complementares

para ir procurar uma ilha desconhecida, Mas estas coisas não se fazem do pé para a mão, levam o seu tempo,

já o meu avô dizia que quem vai ao mar avia-se em terra, e mais não era ele marinheiro, Sem tripulantes não

poderemos navegar, Já o tinhas dito, E há que abastecer o barco das mil coisas necessárias a uma viagem como

esta, que não se sabe aonde nos levará, Evidentemente, e depois teremos de esperar que seja a boa estação, e

sair com a boa maré, e vir gente ao cais a desejar-nos boa viagem, Estás a rir-te de mim, Nunca me riria de quem

me fez sair pela porta das decisões, Desculpa-me, E não tornarei a passar por ela, suceda o que suceder. O luar

iluminava em cheio a cara da mulher da limpeza, É bonita, realmente é bonita, pensou o homem, que desta vez

não estava a referir-se à caravela. A mulher, essa, não pensou nada, devia ter pensado tudo durante aqueles três

dias, quando entreabrira de vez em quando a porta para ver se aquele ainda continuava lá fora, à espera. Não

sobrou migalha de pão ou de queijo, nem gota de vinho, os caroços das azeitonas foram atirados para a água, o

chão está tão limpo como ficara quando a mulher da limpeza lhe passou por cima o último esfregão. A sereia de

um paquete que saía para o mar soltou um ronco potente, como deviam ter sido os do leviatã, e a mulher disse,

Quando for a nossa vez faremos menos barulho. Apesar de estarem no interior da doca, a água ondulou um

pouco à passagem do paquete, e o homem disse, Mas baloiçaremos muito mais. Riram os dois, depois ficaram

calados, passado um bocado um deles opinou que o melhor seria irem dormir, Não é que eu tenha muito sono, e

o outro concordou, Nem eu, depois calaram-se outra vez, a lua subiu e continuou a subir, em certa altura a mu-

lher disse, Há beliches lá em baixo, o homem disse, Sim, e foi então que se levantaram, que desceram à coberta,

aí a mulher disse, Até amanhã, eu vou para este lado, e o homem respondeu, E eu vou para este, até amanhã,

não disseram bombordo nem estibordo. Decerto por estarem ainda a praticar na arte. A mulher voltou atrás,

Tinha-me esquecido, tirou do bolso do avental dois cotos de vela, Encontrei-os quando andava a limpar, o que

não tenho é fósforos, Eu tenho, disse o homem. Ela segurou as velas, uma em cada mão, ele acendeu um fósforo,

depois abrigando a chama sob a cúpula dos dedos curvados, levou-a com todo o cuidado aos velhos pavios, a luz

pegou, cresceu lentamente como faz o luar, banhou a cara da mulher da limpeza, nem seria preciso dizer o que

ele pensou, É bonita, mas o que ela pensou, sim, Vê-se bem que só tem olhos para a ilha desconhecida, aqui está

como as pessoas se enganam nos sentidos do olhar, sobretudo ao princípio. Ela entregou-lhe uma vela, disse,

Até amanhã, dorme bem, ele quis dizer o mesmo doutra maneira, Que tenhas sonhos felizes, foi a frase que lhe

saiu, daqui a pouco, quando lá estiver em baixo, deitado no seu beliche, vir-lhe-ão à ideia outras frases, mais

espirituosas, sobretudo mais insinuantes, como se espera que sejam as de um homem quando está a sós com

uma mulher. Perguntava-se se já dormiria, se teria tardado a entrar no sono, depois imaginou que andava à pro-

cura dela e não a encontrava em nenhum sítio, que estavam perdidos os dois num barco enorme, o sonho é um

prestidigitador hábil, muda as proporções das coisas e as suas distâncias, separa as pessoas, e elas estão juntas,

reúne-as, e quase não se veem uma à outra, a mulher dorme a poucos metros e ele não soube como alcançá-la,

quando é tão fácil ir de bombordo a estibordo.

Tinha-lhe desejado felizes sonhos, mas foi ele quem levou toda a noite a sonhar. Sonhou que a sua caravela

ia no mar alto, com as três velas triangulares gloriosamente enfunadas, abrindo caminho sobre as ondas,

enquanto ele manejava a roda do leme e a tripulação descansava à sombra. Não percebia como podiam ali

estar os marinheiros que no porto e na cidade se tinham recusado a embarcar com ele para ir à procura da

ilha desconhecida, provavelmente arrependeram-se da grosseira ironia com que o haviam tratado. Via animais

espalhados pela coberta, patos coelhos, galinhas, o habitual da criação doméstica, debicando os grãos de milho

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Textos e atividades complementares | 71

ou roendo as folhas de couve que um marinheiro lhes atirava, não se lembrava de quando os tinha trazido para

o barco, fosse como fosse era natural que ali estivessem, imaginemos que a ilha desconhecida é, como tantas

vezes o foi no passado, uma ilha deserta, o melhor será jogar pelo seguro, todos sabemos que abrir a porta

da coelheira e agarrar um coelho pelas orelhas sempre foi mais fácil do que persegui-lo por montes e vales.

Do fundo do porão veio agora um coro de relinchos de cavalos, de mugidos de bois, de zurros de asnos, as

vozes dos nobres animais necessários para o trabalho pesado, e como foi que vieram eles, como podem estar

numa caravela onde a tripulação humana mal cabe, de súbito o vento deu uma guinada, a vela maior bateu

e ondulou, por trás dela estava o que antes não se vira, um grupo de mulheres que mesmo sem as contar se

adivinha serem tantas quantos os marinheiros, ocupam-se nas suas coisas de mulheres, ainda não chegou o

tempo de se ocuparem doutras, está claro que isto só pode ser um sonho, na vida real nunca se viajou assim. O

homem do leme buscou com os olhos a mulher da limpeza e não a viu, Talvez esteja no beliche de estibordo, a

descansar da lavagem da coberta, pensou, mas foi um pensar fingido, porque ele bem sabe, embora também

não saiba como o sabe, que ela à última hora não quis vir, que saltou para a ilha desconhecida, vou-me embora,

e não era verdade, agora mesmo andam os olhos dele a procurá-la e não a encontram. Neste momento o céu

cobriu-se e começou a chover, e, tendo chovido, principiaram a brotar inúmeras plantas das fileiras de sacos

de terra alinhadas ao longo da amurada, não estão ali porque se suspeite que não haja terra bastante na ilha

desconhecida, mas porque assim se ganhará tempo, no dia em que lá chegarmos só teremos que transplantar

as árvores de fruto, semear os grãos das pequenas searas que vão amadurecer aqui, enfeitar os canteiros com

as flores que desabrocharão destes botões. O homem do leme pergunta aos marinheiros que descansam na

cobertura se avistam alguma ilha desabitada, e eles respondem que não veem nem de umas nem das outras,

mas que estão a pensar em desembarcar na primeira terra povoada que lhes apareça, desde que haja lá um

porto onde fundear, uma taberna onde beber e uma cama onde folgar, que assim não se pode, com toda esta

gente junta. E a ilha desconhecida, perguntou o homem do leme, A ilha desconhecida é coisa que não existe, não

passa duma ideia da tua cabeça, os geógrafos do rei foram ver nos mapas e declararam que ilhas por conhecer

é coisa que se acabou desde há muito tempo, Devíeis ter ficado na cidade, em lugar de vir atrapalhar-me a

navegação, Andávamos à procura de um sítio melhor para viver e resolvemos aproveitar a tua viagem, Não sois

marinheiros, Nunca o fomos, Sozinho, não serei capaz de governar o barco, Pensasses nisso antes de ir pedi-lo ao

rei, o mar não ensina a navegar. Então o homem do leme viu uma terra ao longe e quis passar adiante, fazer de

conta que ela era a miragem de uma outra terra, uma imagem que tivesse vindo do outro lado do mundo pelo

espaço, mas os homens que nunca haviam sido marinheiros protestaram, disseram que ali mesmo é que queriam

desembarcar, Esta é uma ilha do mapa, gritaram, matar-te-emos se não nos levares lá. Então, por si mesma, a

caravela virou a proa em direção à terra, entrou no porto e foi encostar à muralha da doca, Podeis ir-vos, disse

o homem do leme, ato contínuo passaram em correnteza, primeiro as mulheres, depois os homens, mas não

foram sozinhos, levaram com eles os patos, os coelhos e as galinhas, levaram os bois, os burros e os cavalos, e

até as gaivotas, uma após outra, levantaram voo e se foram do barco transportando no bico os seus gaivotinhos,

proeza que não tinha sido cometida antes, mas há sempre uma vez. O homem do leme assistiu à debandada em

silêncio, não fez nada para reter os que o abandonavam, ao menos tinham-no deixado com as árvores, os trigos

e as flores, com as trepadeiras que se enrolavam nos mastros e pendiam da amurada como festões. Por causa do

atropelo da saída haviam-se rompido e derramado os sacos de terra, de modo que a coberta era toda ela como

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72 | Textos e atividades complementares

um campo lavrado e semeado, só falta que venha um pouco mais de chuva para que seja um bom ano agrícola.

Desde que a viagem à ilha desconhecida começou que não se vê o homem do leme comer, deve ser porque está

a sonhar, apenas a sonhar, e se no sonho lhe apetecesse um pedaço de pão ou uma maçã, seria um puro invento,

nada mais. As raízes das árvores já estão penetrando no cavername, não tarda que estas velas içadas deixem de

ser precisas, bastará que o vento sopre nas copas e vá encaminhando a caravela ao seu destino. É uma floresta

que navega e se balanceia sobre as ondas, uma floresta onde, sem saber-se como, começaram a cantar pássaros,

deviam estar escondidos por aí e de repente decidiram sair à luz, talvez porque a seara já esteja madura e é

preciso ceifá-la. Então o homem trancou a roda do leme e desceu ao campo com a foice na mão, e foi quando

tinha cortado as primeiras espigas que viu uma sombra ao lado da sua sombra. Acordou abraçado à mulher da

limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos, confundidos os beliches, que não se sabe se este é o de bombordo

ou o de estibordo. Depois, mal o sol acabou de nascer, o homem e a mulher foram pintar na proa do barco, de

um lado e do outro, em letras brancas, o nome que ainda faltava dar à caravela. Pela hora do meio-dia, com a

maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.José Saramago, A Ilha Desconhecida

3.3 Guião de leitura do conto

1. Identifica as personagens presentes neste conto. Atenta na forma como são designadas.

Qual o critério usado? Como explicas o facto de o narrador não lhes atribuir nome próprio?

2. A ação não surge localizada num espaço e tempo específicos. Justifica também esta

opção do narrador.

3. A organização do palácio do Rei parece seguir a hierarquia das personagens que lá se

encontram. Qual te parece ser o objetivo do narrador ao apresentar o palácio dessa forma?

Justifica a tua resposta.

4. A que se deve a insistência da personagem principal junto do rei? O rei acaba por

concordar com a exigência que é feita. Por que motivos?

5. O que leva a mulher da limpeza a abandonar o seu posto e a seguir o homem que foi

pedir o barco? Justifica.

6. O primeiro parágrafo do conto encerra várias críticas implícitas à figura do rei e ao modo

de funcionamento do seu palácio. Procede ao seu levantamento e explica o seu alcance.

7. Como terás dado conta, o narrador não procede à caracterização das personagens.

Contudo, as suas ações e evolução ao longo do texto permitem-nos proceder ao seu retrato

psicológico. Elabora, então, o retrato das personagens principais do conto.

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Textos e atividades complementares | 73

8. Faz o levantamento de todos os obstáculos e dificuldades que o homem tem de enfrentar

para realizar o seu sonho de viajar rumo à Ilha Desconhecida. Qual o simbolismo de todas

estas adversidades?

9. Atenta, agora, na reação dos marinheiros quando o homem os tenta contratar para

fazerem parte da tripulação do navio. Como a explicas?

10. Face a todos os problemas e dificuldades encontrados, quem toma a iniciativa para

resolver o impasse em que se encontra o casal? Porquê?

11. Identifica, no conto, o momento em que as duas personagens principais se aproximam

afetivamente uma da outra. A que se deve essa aproximação? Que qualidades é que cada

um deles encontra no outro?

12. A partir de certa altura, o conto abandona o domínio da realidade e entra no espaço do

onírico. Localiza no texto esse momento.

13. Analisa, agora, com atenção, o sonho do protagonista. Efetua um levantamento das

fases que o constituem. O que terá motivado esse sonho?

14. A dada altura do sonho, a caravela parece transformar-se na própria ilha que o homem

busca. Qual te parece ser o significado desta transformação?

15. Quando acorda, o casal decide batizar a caravela. Qual o nome que lhe atribuem e qual o

seu significado?

16. Explica a última frase do conto.

17. Consideras esta uma narrativa aberta ou fechada? Porquê?

18. Qual o simbolismo da viagem que o casal inicia?

19. Parece-te que o homem encontrou ou não a sua Ilha Desconhecida? Onde é que ela

estava realmente?

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74 | Textos e atividades complementares

20. Atenta no seguinte excerto do conto:

E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente

se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher da limpeza. Para ir à procura da ilha

desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso, como se

tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar

logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem

foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas

conhecidas, E que ilha desconhecida é essa que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria

desconhecida, A quem ouviste falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, por que

teimas em dizer que ela existe, Simplesmente por que é impossível que não exista uma ilha desconhecida, E

vieste aqui para me pedires um barco, Sim, vim aqui para pedir-lhe um barco, E tu quem és, para que eu to dê,

E tu quem és, para que não mo dês, Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos, Mais lhes

pertencerás tu a eles do que eles a ti, Que queres dizer, perguntou o rei inquieto, Que tu, sem eles, és nada,

e que eles, sem ti, poderão sempre navegar. Às minhas ordens, com os meus pilotos e os meus marinheiros,

Não te peço marinheiros nem pilotos, só te peço um barco, E essa ilha desconhecida, se a encontrares, será

para mim, A ti, rei, só te interessam as ilhas conhecidas. Também me interessam as desconhecidas quando

deixam de o ser, Talvez esta não se deixe conhecer, Então não te dou o barco, Darás.

a) Reescreve o texto, utilizando as marcas gráficas e outras do discurso direto.

b) Enumera as características deste tipo de discurso. Se te surgirem dúvidas, consulta uma gramática.

c) Depois procede à transformação do texto que elaboraste para o discurso indireto.

d) Finalmente, reflete sobre as consequências da opção do escritor em “transgredir” sistematicamente

esse tipo de escrita comparando os teus textos com o original. Que diferenças notas? Quais as suas implicações?

3.4. Para além do texto...

1. Obedecendo às regras da construção do diálogo, simula uma conversa breve entre as duas personagens principais, sobre os seus planos de futuro.

2. Imagina que o casal chegou finalmente à tal Ilha Desconhecida. Elabora uma descrição dessa Ilha, tal como tu próprio/a a imaginas. Não te esqueças de empregar os recursos mais frequentes da descrição.

3. Na noite em que o homem sonhou com a viagem, a mulher da limpeza também teve um sonho. Imagina-o e descreve-o.

4. Quando o homem sonha com uma série de animais a serem transportados na embarca-ção, é possível estabelecer uma analogia com um episódio bíblico do Antigo Testamento. Consegues identificá-lo? Que semelhanças existem entre eles? Qual é o seu significado?

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Textos e atividades complementares | 75

3.5. Sugestões de atividades em torno da leitura do conto

1. Faz o levantamento de alguns dados biográficos de José Saramago e elabora uma tabela

cronológica com os elementos mais marcantes do seu percurso. Procura na internet

fotografias do autor que ilustrem o teu trabalho.

2. As Ilhas ou viagens até ilhas são temáticas recorrentes em muitos textos da literatura

portuguesa e estrangeira. Realiza uma pesquisa e faz o levantamento de alguns desses

títulos, assim como dos respetivos autores. Que conclusões retiras dessa pesquisa?

3. Redige uma notícia de jornal, dando conta da viagem realizada pelo casal do conto em

busca da Ilha desconhecida.

4. Depois, imagina que uma estação televisiva resolve fazer-lhes uma entrevista, antes da

partida para esta viagem. Cria o guião das perguntas e inventa as respetivas respostas.

5. Elabora uma lista dos objetos (bens) essenciais que os viajantes teriam de levar para esta

aventura.

6. Imagina que o homem (ou a mulher) escreveu uma carta ao Rei, agradecendo a oferta da

embarcação e dando conta das peripécias da viagem. Redige essa carta.

7. Imagina o Diário de Bordo da viagem em busca da Ilha e cria, pelo menos, quatro

entradas relativas a quatro dias diferentes.

8. O conto refere um tipo de embarcação específica como tendo sido a que foi cedida ao

homem e à sua companheira. Efetua uma pesquisa sobre as características deste barco,

sobre a época em que era utilizado e sobre as suas funções. Podes também procurar uma

ilustração representativa e juntá-la ao teu trabalho.

9. Consulta os seguintes sítios que te sugerimos (ou outros que descubras) sobre José

Saramago e sobre este conto, em particular, e faz o levantamento resumido (até sob a

forma de esquema) das informações mais pertinentes que lá encontraste:

Páginas sobre José Saramago:

http://josesaramago.blogs.sapo.pt/95699.html

http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/saramago/

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76 | Textos e atividades complementares

Páginas sobre aspetos específicos do conto “A Ilha desconhecida”:

http://www.lumiarte.com/livrarialuardeoutono/saramago.html

http://polemikos.com/livro/liv20010111.html

http://www.releituras.com/jsaramago_conto.asp

http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/volumes/32/htm/comunica/ci097.htm

http://www.omarrare.uerj.br/numero8/pdfs/Mari.pdf

Para reter

O significado da opção do narrador em não identificar com nome próprio as personagens.

A indeterminação espáciotemporal da ação e as suas implicações na construção do significado do texto.

A classificação do narrador.

A construção narrativa do conto.

O papel da mulher da limpeza no desenrolar da intriga.

A crítica ao funcionamento burocrático e confuso do poder.

O significado simbólico (ou mesmo utópico) da Ilha Desconhecida.

O simbolismo da caravela e da própria viagem que é realizada pelas personagens.

O tratamento narrativo da temática da viagem.

A importância da presença de um forte universo onírico.

Alguns traços da escrita e do estilo de José Saramago.

Verifica se sabes

... explicar o título do conto.

... identificar a temática central da narrativa.

... identificar as personagens e proceder à sua caracterização de forma indireta.

... distinguir as personagens principais das secundárias.

... identificar as críticas presentes no conto.

... explicar a opção pela indeterminação espaciotemporal da ação.

... proceder a um resumo da intriga do texto.

... explicar o desejo do homem em encontrar a Ilha Desconhecida.

... enumerar os obstáculos e os oponentes à realização da viagem.

... identificar as personagens que desempenham a função de adjuvantes.

... explicar o simbolismo de alguns elementos presentes no conto: ilha, viagem e caravela.

... esclarecer os motivos que levam a mulher da limpeza a seguir o homem.

... explicitar o sentido dos parágrafos finais do conto.

... estabelecer uma relação com outros textos da literatura portuguesa e explicar essa relação.

... apontar algumas características do estilo de José Saramago.

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Textos e atividades complementares | 77

4. Análise de textos complementares

Lê com atenção um outro tipo de prefácio, desta vez de um livro de poesia:

Prefácio

O meu primeiro e inesquecível encontro com Timor foi aquela madrugada em que, ao chegarmos a casa,

depois de não sei que festa, mal abrimos a porta da rua fomos surpreendidos por um barulho de vozes e risos. E

quando abrimos a porta da sala vimos os nossos filhos – ainda pequenos – e a queridíssima criada Luísa sentados

no chão em roda de Ruy Cinatti que tinha a seu lado uma mala de onde iam saindo tecidos, objetos de madeira,

caixas, pequenas estatuetas, punhais – e naquela noite de Lisboa cheirava de repente a sândalo.

Mal nos vimos abraçaram-nos com alvoraçada alegria. Depois também nós nos sentámos no chão. O Ruy

contou que o avião dele tinha chegado já de noite e ele não tinha tido coragem para ir àquela hora em busca de

hotel. Por isso tinha mandado o táxi seguir para a Travessa das Mónicas e disse que ia dormir ali mesmo no chão

porque gostava muito do nosso chão. Mas logo a Luísa partiu a fazer-lhe uma cama e eu fui deitar as crianças

tontas de sono e de excitação. E de novo me sentei no chão a ouvir as histórias de Timor, das árvores, das flores,

dos búfalos, das fontes, das danças e dos ritos. E enquanto falava o Ruy ia mostrando as suas fotografias da

maravilhosa mulher de longos gestos e dos homens vestidos com os belíssimos trajes tradicionais – às vezes

levantava-se e fazia alguns passos de danças timorenses.

E assim ficámos até dez horas.

Ao longo dos dias, ao longo dos anos muitas vezes falei de Timor com o Ruy. Contou-me como celebrara

o pacto de sangue com o chefe de uma família timorense e como por isso, segundo a lei ancestral de Timor, se

tornara ele próprio um timorense. De facto para ele Timor era uma verdadeira pátria. Para mim era uma ilha

encantada no extremo do Extremo Oriente, mas para ele era uma pátria – o lugar onde encontrara o seu destino.

Um dia trouxe-me um poema que ele traduzira da língua tétum – Chamava-se Consagração de uma Casa

Timorense.

Era um poema sobre a construção de uma casa – uma construção simultaneamente prática e sagrada

pois é a casa onde moram os deuses e os homens, a alma dos antepassados mortos e os seus descendentes

vivos. Um lugar onde convivem o presente o passado e o eterno.

Uma construção que é, nos materiais e formas usadas, uma técnica meticulosa e rigorosa e,

simultaneamente, é, gesto por gesto, uma poética. E onde o espírito religioso estabelece o caráter sacral do

quotidiano.

Uma construção que é simultaneamente trabalho, canto, dança, grito, consagração e festa. Uma

consagração que é poema vivido rente ao quotidiano.

Não posso deixar de citar uma passagem do texto que diz:

“Estão atando, amarrando andam,

Atar pontas só, amarrar bases só,

Atando bem, peso igual.

Já andam levando, já sustentando aos ombros,

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78 | Textos e atividades complementares

Levantando aos gritos, levando em algazarra,

Dançando o Hou-ló, dançando o Herlele,

Entoando o Sala-makat e o Da’a-doun.

Cão estrangeiro, galo estrangeiro,

Cantar o Kolo-kolo e o Bui-muk.

Levar até vir, trazer até vir,

Terra plana, terra nivelada,

Em terra umbigo, em terra centro.

Em terra meio, em terra eixo,

Junto pedra angular, em pátio sagrado

Colocar pano, pôr ordenadamente,

O cimeiro seguir um ao outro, o pé um ao outro.”

Um poema que revelava uma cultura viva, elaborada, refinada, estreitamente una com o viver quotidiano,

um mundo maravilhosamente equilibrado entre o encantamento espiritual e o respeito perante a sacralidade da

imanência. Um daqueles raríssimos poemas exemplares que só nascem de uma longa tradição viva e vivida dos

mitos, dos símbolos e dos valores de um mundo ancestral.

[excerto do Prefácio a À Janela de Timor, de João Aparício (1999), por Sophia de Mello Breyner Andresen]

Guião de Leitura

1. Neste excerto, a autora portuguesa revela a forma como descobriu Timor e a cultura

timorense. Que elementos a marcaram especialmente? Por que razões?

2. Mesmo à distância, a relação que Sophia estabelece com Timor alicerça-se em vários

elementos sensoriais. Identifica-os e alude à sua relevância e ao seu simbolismo.

3. No seu relato dos encontros com Ruy Cinatti, fica clara a ligação do poeta português

àquele território. Como exprime a autora essa relação?

4. A autora integra no seu testemunho um fragmento de um poema tradicional timorense

sobre a construção de uma casa. Qual o seu significado?

5. Por que razão este texto exemplifica, segundo a autora, a especificidade e a riqueza da

cultura timorense? Justifica a tua opinião.

Page 81: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos e atividades complementares | 79

Para além do texto…

1. A construção da Casa Sagrada é um ritual muito importante na tradição cultural

timorense. Investiga a forma como se desenvolve e o significado de que se reveste e redige

uma crónica sobre o assunto.

2. Recolhe alguns testemunhos pessoais sobre o simbolismo da Casa e ilustra-os com

desenhos e/ou fotografias alusivos ao tema. Considera a possibilidade de realizares uma

pequena exposição com os melhores trabalhos.

O prefácio continua, depois, com uma leitura e análise dos poemas de João Aparício,

situando a sua escrita num contexto histórico e político muito particular:

Mas em 1975, sem declaração de guerra, a Indonésia invade Timor com violência brutal.

Por isso hoje À Janela de Timor é um livro de revolta moral e intelectual perante o esmagamento de um povo.

De poema em poema o texto de João Aparício é a crónica dolorosa de um país ocupado e oprimido

onde à sombra da bandeira vermelha e branca da Indonésia se sucedem os abusos, os ultrajes e onde os direitos

humanos são espezinhados e escarnecidos: mulheres violadas, homens na prisão, destruições, massacres.

No poema “O casamento e o rei das ilhas” ressoam ainda o horror do homem castrado e da noiva violada.

“Hoje os gritos da noiva, violada e humilhada,

Uma voz forte e clamorosa,

Sem ninguém que a oiça e chore…

As dores estranhas do noivo, castrado e torturado,

A sensação, insuportável e divina,

Sem ninguém que as alivie e importe…

………………………………………………………….

Ai dos noivos! Já não são sinónimo

Do grande substantivo Amor…

Tal estão, escarnecidos, sem honra,

Sem futuro e sem nobre lar…”

Mas tão dura como a violência torna-se a arrogância dos invasores que, seguros da sua própria

impunidade, dizem olhando os Timorenses:

“Afinal não passam de um povo indefeso,

Pacífico e sem voz.”

Page 82: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

80 | Textos e atividades complementares

Mas pior do que tudo foi, durante muitos anos, a surdez das grandes potências democráticas defensoras

dos direitos humanos. De facto, as grandes potências eram como os três macacos da fábula:

“Nada tinham sabido, nada tinham ouvido, nada tinham visto.”

Até que no dia 12 de novembro de 1991, em Díli, o jornalista inglês Max Stahl, com grande audácia e risco,

conseguiu filmar o massacre de Santa Cruz.

A partir deste dia o muro do silêncio foi vencido. A evidência irrefutável das imagens impôs-se nos écrans

das televisões. As sociedades democráticas foram obrigadas a ver “claramente visto” o crime da Indonésia em

Timor. Um crime do “pecado organizado” da nossa época.

Mas mesmo nos piores momentos de encobrimento o povo de Timor nunca perdeu a sua extraordinária

coragem, a sua fé e a sua esperança.

A fabulosa guerrilha esgueirando-se entre os labirintos e as brumas das montanhas continuou a enfrentar,

quase desarmada, o invasor.

E sempre os Timorenses tiveram a seu lado, amparando o seu sofrimento e defendendo os seus direitos

humanos, os admiráveis Bispos e Padres de Timor.

E sempre o povo de Timor teve consigo a força viva da sua cultura. Os altos cimos das montanhas sagradas

erguidos como imagens tutelares de proteção estão continuamente presentes no olhar e na lembrança de cada

resistente. As tradições dos antepassados são tradições de coragem e de honra. E uma coragem de homens que

sabem esperar e confiar.

Por isso a guerrilha combate e a população, apesar das ameaças sempre presentes, acorre pacificamente

às manifestações de protesto arriscando a prisão, a tortura e arriscando a própria vida.

E simultaneamente o povo timorense permanece aberto e atento à poética do país onde habita, desde a

solenidade das altas montanhas, vivas de mitos, até à beleza da flor, das gentes humanas, das tradições antigas.

É por isso que em À Janela de Timor o poeta, apesar da violência e da dor, nunca perde a linha musical

do encantamento.

Assim, no livro de João Aparício estão igualmente presentes, lado a lado, os poemas da revolta e os

poemas líricos.

O caráter especial deste livro vem-lhe dessas múltiplas vozes que ora falam uma por uma, ora se

conjugam, ora se confundem. Aqui ora encontramos a identificação do autor com toda a dor de um povo ora

encontramos a sua identificação com a beleza das imagens, com o alto cimo de Ramelau, Cabláqui e Matebian,

a sua identificação com toda a poética do mundo ancestral.

Por isso o poema “Esta noite” diz:

Page 83: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos e atividades complementares | 81

“O meu ser

É uma caverna de memórias,

É o sal, o sol, a flauta melodiosa,

A água, a terra, a roseira mansa e brava,

E o pulsar doloroso

Das vidas do meu Povo.”

E em “Meu nome”:

“Timor,

Imagem viva de Ramelau, Cabláqui e Matebian,

Três almas gémeas, imortais e sagradas,

Loucas no combate e mansas no amor.

Timor, ó Terra minha,

És o meu nome!”

Em muitos destes poemas encontramos, inseridas no texto português, frases em tétum que são pequenas

esculturas de coral nítidas e brilhantes.

Em diversas notas o poeta dá-nos a sua tradução e maravilha-nos a riqueza do sentido onde aflora a

ritualidade de uma poética muito antiga. O poema “Xanana-Mito” diz:

“És a úma lúlik dos velhos,

O lia na’in dos sábios…”

[“És a casa sagrada dos velhos,

O senhor da palavra dos sábios…”]

E assim João Aparício religa o herói contemporâneo à sapiência dos antepassados.

E assim este pequeno país quase desarmado, quase isolado pelo muro de silêncio dos poderosos, resiste,

testemunha a sua confiança no próprio direito.

Pois moralmente Timor é uma fortaleza.

Lisboa, 6 de fevereiro de 1998Sophia de Mello Breyner Andresen

Page 84: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

82 | Textos e atividades complementares

Guião de Leitura

1. Contextualizando o livro de poesia de João Aparício, a autora lembra, no seu prefácio,

momentos marcantes da história recente de Timor. Identifica-os.

2. Segundo Sophia de Mello Breyner, quais são os temas mais relevantes da poética do

autor que estruturam este livro? Justifica.

3. A autora não avança uma explicação para o título da coletânea. Como interpretas este

título? Qual o significado simbólico da alusão à janela?

4. Procede ao levantamento de palavras e expressões usadas pela autora que sirvam para

caracterizar esta coletânea poética como “literatura de intervenção” ou “literatura de combate”.

5. Identifica as principais críticas que a autora portuguesa faz à comunidade internacional. E

como avalia o comportamento dos timorenses? Que principais qualidades lhes reconhece?

6. Explica, por palavras tuas, a afirmação de Sophia de Mello Breyner sobre o uso do tétum

nos poemas portugueses: “Em muitos destes poemas encontramos, inseridas no texto

português, frases em tétum que são pequenas esculturas de coral nítidas e brilhantes.”

7. Como interpretas a frase final do texto da autora? A que se refere através do recurso à

metáfora?

8. Seleciona alguns dos poemas mais marcantes do livro e procede à leitura expressiva.

9. Realiza um trabalho de pesquisa sobre outros autores timorenses que trataram

literariamente a questão da resistência durante a anexação, procedendo ao levantamento

de alguns textos e das respetivas notas biográficas dos autores em questão. Que temas e

motivos são comuns aos vários textos e autores?

Page 85: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

83

VI. Textos de apoio

A. Para saber mais...

1. Sobre Luís Cardoso

a) “Do encantamento à ira” (entrevista)

Entrevista com Luís Cardoso, concedida ao jornal Expresso, em 1998

“Fora a décima primeira vez que se perdera. Quando as autoridades o trouxeram de volta,

recomendaram que a polícia não tinha por missão resgatar quem se ausentara no tempo. Trazia

a roupa suada e molhada, colada à pele como a de um náufrago. Os cabelos crescidos e soltos, a

barba branca e densa como de um bé-nain ou o espírito das águas (...).”

Luís Cardoso, Crónica de uma Travessia

Luís Cardoso é considerado o primeiro romancista timorense. Nasceu em Cailaco, vila no interior de Timor.

Iniciou os estudos em colégios missionários e num seminário, tendo interrompido os estudos, que prosseguiu

em Portugal, quando se deu a revolução do 25 de Abril de 1974. Exilado em Portugal, licenciou-se em Silvicultura

no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa. Entre 1992 e 1996, assumiu o cargo de representante em Portugal

do Conselho Nacional da Resistência Maubere, entre outras atividades ligadas à divulgação da cultura maubere

e à comunidade timorense em Portugal. Hoje, “terminou o tempo do encantamento”, afirma-se militante “da

causa que mantém todo o povo em luta”.

A distância da terra avivou-lhe a memória de um tempo em que, na companhia do pai enfermeiro,

peregrinava por terras do Timor português. O exílio forçado fê-lo desembarcar na praia lusitana que aprendera

a amar nos bancos da escola missionária. Luís Cardoso – primeiro romancista timorense – teve a ousadia de

mostrar o roteiro da travessia dolorosa de um povo, que viu o imaginário desmoronar-se perante a ofensa bruta

das botas de Suharto.

EXPRESSO – Este livro é simultaneamente autobiografia e a crónica de um país...

LUÍS CARDOSO – É o meu retrato e o de todos os timorenses que atravessaram um tempo difícil, desde os tempos

do encantamento até aos dias da ira. Escrevi-o tentando ser o mais íntimo possível, contando a história de Timor

através de uma história pessoal, uma vivência igual a tantas outras que muitos timorenses poderiam contar.

EXP. – Qual foi o tempo de encantamento?

L.C. – Em Timor, no tempo da administração portuguesa, os manuais escolares ensinavam-nos os nomes de rios,

das serras, das linhas de caminho de ferro, das cidades de Portugal. Havia um percurso imaginário de um país

distante, que não conhecíamos. Havia um encantamento provocado pelo que nos ensinavam na escola, onde

existiam dois mapas, o da mãe-pátria e o da Terra Santa. Entre os dois havia uma coincidência: o poder colonial

transmitia uma imagem mítica de Portugal que era coincidente com a imagem da religião originária da Terra

Santa. A mensagem transmitida pelos missionários decalcava as razões da pátria com as da religião. Era o tempo

do encantamento.

Page 86: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

84 | Textos de apoio

EXP. – Timor, onde ficava no meio dessa história?

L.C. – Ficava sobretudo na parte escura desta luz. Ainda estávamos na escuridão, tínhamos de sair da escuridão

para conhecer a luz que nos era oferecida, tanto através dos manuais escolares como através da própria religião.

Havia um encantamento, que girava na nossa cabeça. A maioria não sabia o que era Portugal, era uma coisa tão

distante. A única possibilidade de virmos a conhecer este paraíso era caso um dia conseguíssemos um lugar de

funcionário da administração, os quais podiam vir cá nas viagens de licença graciosa...

EXP. – E os dias da Ira?

L.C. – Começam quando se dá a fratura entre os líderes dos diversos grupos timorenses. E toda a gente sabia

perfeitamente que uma situação de tensão interna iria provocar uma entrada da Indonésia. Os dias da ira

perpetuaram-se no exílio. Por incrível que pareça, Timor sempre foi ela própria a terra dos exilados portugueses,

dos anarquistas de quem o regime se queria livrar. O que acontece agora é que somos nós, timorenses, que

tomamos Portugal como a nossa terra de exílio. Há, neste ponto de vista, uma rota ao contrário: antes era Timor

que recebia os portugueses que o regime exilava. Hoje, são os portugueses a receber os exilados timorenses.

EXP. – Mas não é somente a história de Timor que perpassa no texto...

L.C. – É também a minha a história concreta, envolvida pela própria história timorense. Pretendi transmitir,

através do tempo do encantamento e dos dias da ira, essa travessia da história de Timor. Quis dar uma ideia do que

foi Timor, através dos meus olhos, o Timor que eu conheci. E também o Timor dos bons malandros, entre aspas.

EXP. – Quem eram os “bons malandros”?

L.C. – “Bons malandros” éramos nós, que andávamos no liceu, na escola técnica, que seguiríamos o mesmo

destino dos funcionários da administração colonial. Mas nós, os “bons malandros”, ao mesmo tempo que

estávamos a ser envolvidos pela administração portuguesa, tínhamos também uma posição crítica em relação

ao regime, assumindo uma atitude oportunista: aproveitávamos as possibilidades que o regime providenciava

para subirmos na escala social. Mas fomos nós quem, após o 25 de Abril, começou a colocar problemas políticos

à metrópole. Fomos nós, os “bons malandros” e sobretudo quadros da administração colonial portuguesa, que

formámos a FRETILIN, a UDT e APODETI.

EXP. – Quem coloca problemas políticos a Lisboa são os beneficiários desse regime?

L.C. – Claro. Todos os quadros da FRETILIN, da UDT e da APODETI eram beneficiários. São os “bons malandros”

que não conseguiram concertação de modo a encontrar uma solução. Penso que, na altura, se a igreja católica

timorense tivesse o posicionamento que mantém hoje, de unificação, não se teria chegado aos tempos da ira.

EXP. – Porquê?

L.C. – Porque a elite dos “bons malandros” foi toda formada nos seminários. Eram filhos de professores-catequis-tas. Foi o caso de Nicolau Lobato (primeiro comandante da guerrilha), Abílio Araújo, Lopes da Cruz (atual em-baixador de Timor, nomeado por Jacarta), Domingos Oliveira (primeiro líder da FRETILIN), Osório Soares (atual

governador de Timor) e o próprio Xanana Gusmão.

EXP. – Se a Igreja Católica tivesse assumido o papel congregador que hoje D. Ximenes Belo desempenha, os dias

da ira não teriam chegado?

L.C. – Acredito nisso. Possivelmente a Indonésia não teria invadido Timor.

Page 87: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos de apoio | 85

EXP. – O que é que falhou?

L. C. – A igreja católica, na altura, era sobretudo uma igreja de missionários, o que significava o caminhar conjunto

com o regime colonial. A Igreja timorense de hoje foi formada na luta constante. É nacionalista, apesar de não

se assumir como poder político. A Igreja manifesta-se na defesa dos Direitos Humanos, na defesa dos interesses

do povo timorense, se isto coincide neste momento com a questão política, muito bem. É uma Igreja que tenta

fortificar-se para impedir a islamização do povo timorense, que é um objetivo político da ocupação da Indonésia.

E o protagonista é toda a estrutura da Igreja Católica, não é apenas D. Ximenes Belo.

EXP. – Toda a narrativa do livro é feita na primeira pessoa...

L.C. – É uma forma de ser mais honesto com o leitor. Podia ter colocado outro narrador, mas quis ser eu próprio a

contar um tempo que observei com os meus próprios olhos. Aliás, a literatura timorense baseia-se na oralidade,

na figura do contador de histórias, que é uma pessoa que vem das montanhas e que, além de contar a sua

própria vida, o seu quotidiano e os seus mitos, vai criando outras estórias. Quis precisamente pegar neste jogo.

EXP. – Mas, curiosamente, é uma narrativa tutelada pela figura do pai.

L.C. – Os nossos pais tendem a ver nos filhos a sua própria continuidade. Viajam através dos filhos. Neste sentido

o livro é uma dupla viagem: a viagem da pátria a Timor e a viagem de pai para filho. E o que acontece às vezes é

que ele projeta os seus sonhos no filho, para que sejam por ele concretizados. Acredito que os sonhos de meu

pai fossem no sentido de eu ascender a tal carreira dos “bons malandros”. Ele viajaria através de mim; ele nunca

pensou que um dia viesse a Portugal. Quando eu era miúdo era ele que me inculcava a noção de pátria. O meu

pai, que era enfermeiro, cumpria a sua tarefa de funcionário público, mas ao mesmo tempo misturava as coisas:

quando as penicilinas não davam efeito ele servia-se dos saberes ancestrais, dos remédios timorenses, dos

produtos naturais. Percorri todo o Timor com o meu pai nesta peregrinação no tempo da presença portuguesa.

EXP. – Onde mora neste livro a atual luta política de Timor?

L.C. – Mora sobretudo no ambiente que se traça ao longo do texto. Não é um livro de resistência; pretendi

destrinçar: há um facto político e a liderança da resistência traça a sua luta pelos seus próprios meios. Eu por

mim tentei, tão-só, descrever o percurso de um timorense envolvido também nessa luta. Mas não é um livro

apolítico. A resistência do povo ao invasor tem aqui lugar: o exílio forçado, a imagem dos “bons malandros”,

alguns dos quais são os atuais líderes da resistência.Arquivos de Literatura (Expresso) 21 de março de 1998

http://www.sudoestealentejano.com/literatura/paginas/luis_cardoso.htm#Obra (28-12-2008)

Page 88: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

86 | Textos de apoio

b) Excerto de Na Rota das Especiarias – Diário de uma Viagem a Flores, Bali, Java e Timor

Lorosae

(casa queimada)

Janto no restaurante Casa Queimada com dois velhos amigos: Jorge Mesquita, conselheiro da missão

portuguesa em Díli, e Luís Cardoso, autor de um belo romance, Crónica de uma Travessia (Publicações Dom

Quixote, Lisboa, 1997), no qual o poderoso imaginário timorense se funde com uma narrativa autobiográfica

temperada por fina ironia.

Luís Cardoso é um bom escritor e, o que me parece consideravelmente mais difícil de encontrar, um homem

bom. Conheci-o faz muito tempo no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, que ambos frequentámos, e foi

com ele que descobri Timor. Silvicultor de profissão, o meu amigo regressou ao seu país vai para dois meses, com

o propósito de trabalhar nas terras dos seus antepassados, nas altas e frescas montanhas, para lá de Maubisse,

recuperando as plantações de café e sândalo. Num tempo em que os quadros timorenses retornam, vindos de

Portugal, da Indonésia ou da Austrália, animados, sobretudo, com a perspetiva de ocuparem lugares importantes

na futura administração do território, muita gente olha com desconfiança para o romancista-silvicultor. “Poucos

me compreendem”, confessa.

Um dos maiores problemas de Timor, se não o maior, passa por esta questão – a desconfiança mútua. Os

jovens estudantes vindos da Indonésia, que falam e pensam em bahasa, olham com rancor aqueles que, vindos

de Portugal e da Austrália, defendem a adoção da língua portuguesa como idioma oficial. Os que nunca saíram

daqui olham para todos com não menor suspeita, temendo as novas ideias, os hábitos estranhos, a possibilidade

de que alguns retornados lancem pedras ao charco. A Igreja Católica, cuja influência cresceu muito nos últimos

anos, em parte devido ao facto de se ter colocado sempre ao lado do povo contra a brutalidade das forças

de ocupação da Indonésia, parece ser hoje a grande força conservadora. Todos os políticos com pretensões a

ocuparem cargos no futuro governo lhe prestam tributo.

O restaurante Casa Queimada era, antes dos massacres que destruíram Díli, um belo casarão colonial,

propriedade da família Borges Ferreira, à qual pertence um outro romancista timorense, Ponte Pedrinha. O

casarão foi destruído, e é assim, inteiramente calcinado, que atualmente funciona como restaurante. Hoje faltou

a eletricidade. Velas colocadas no chão e nas mesas lançam contra as paredes grandes sombras misteriosas.

Naquele ambiente, o imaginário fantástico de Luís Cardoso, que brevemente deverá lançar um novo romance,

A vida, a morte e a ressurreição dos galos, ganha autenticidade. Ao mesmo tempo, ouvindo-o falar da sua terra

com a paixão de sempre, parece-me mais fácil voltar a acreditar em Timor.

José Eduardo Agualusa, Na Rota das Especiarias – Diário de uma Viagem a Flores, Bali, Java e Timor Lorosae

Page 89: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos de apoio | 87

c) O elemento paisagístico em Crónica de uma travessia. A época do Ai-Dik-Funam, de Luís

Cardoso

Entendemos, portanto, que as longas e/ou sucessivas travessias abordadas apresentam um leque

abrangente que cobre travessia física, imaginária (interior ou estática) e metafórica, que se refere necessariamente

à própria vida do homem de uma forma transversal, conforme afirma Alzira Seixo: “ela [a travessia] inculca,

obviamente, a própria vida humana como travessia em função de um topos literário e religioso praticamente

universal, configurando, na brevidade desta narrativa […], várias travessias menores” (Seixo, 1998: 24).

A análise efetuada ao longo deste capítulo permitiu-nos constatar que o narrador, ao descrever o seu

percurso desde o nascimento até à juventude, integra necessariamente descrições de paisagens, principalmente

na fase relativa à infância e adolescência, que podemos tomar como o retrato de Timor-Leste em tempos

idos. Das descrições feitas, apercebemo-nos do apreço do narrador pelo meio rural e da sua capacidade de

observação. Isso é notório na maneira como a paisagem é contemplada com rigor, descrita detalhadamente

através de termos adequados, conciliando conhecimentos, criatividade e imaginação.

A paisagem é-nos apresentada sob múltiplas facetas, segundo a perceção do narrador ou, em alguns

casos, de outras personagens. Tendo como referência o valor estético, a paisagem rural ganhou atenção

significativa no romance em estudo. O apego que o narrador tinha em relação ao meio rural permitiu-lhe

descrever a paisagem desse meio de uma forma fascinante. Destacamos aqui algumas características essenciais

dos locais por onde passou. No romance, Cailaco, com o seu forte, Maliana com a sua planície, Marobo com

as suas águas termais são paisagens que fazem parte do distrito de Bobonaro, onde o papel do cavalo como

meio de transporte é destacado. O narrador foca Ataúro e o mar, as travessias marítimas, os animais marinhos,

o nascer do sol que tanto o fascinou, o coberto vegetal e os animais terrestres, o destaque de uma casa à

beira mar e o aeródromo como um matagal. Fala da colina de Dare com a estação botânica (reunindo uma

variedade de árvores), as buganvílias, os edifícios de telhado reluzente como provas de intervenção humana.

Retrata vários pontos do distrito de Manatuto: a missão de Soibada com “a soberana colina de Aitara” e a sua

capela, a sua localização e condição natural; Pualaka com os poços de gás natural; a condição natural do Subão

com os mármores explorados pelos indonésios, o longo precipício, as rochas cortantes e a estrada com as suas

curvas; Laclubar com as suas produções agrícolas e técnicas de trabalho, clima e alimentação; o vale da ribeira

de Lacló com as suas várzeas. As duas vilas de Lautém (antiga e nova) são destacadas também, essencialmente

nos elementos que as distinguem.

Apreendemos, no entanto, que o narrador guarda uma imagem negativa sobre o meio urbano, de Díli a

Lisboa respetivamente. A primeira, por estar em construção, e a segunda, pelo seu clima e pelo desfasamento

em relação à imagem criada na infância, são paisagens que contribuem para o desapego do narrador ao meio

urbano, ainda que esteja inserido nele. Em outras passagens, apresenta as travessias de barco, um elemento

que une as duas cidades. Dito de outra forma, as travessias de barco em Lisboa fazem reviver a terra natal

e, particularmente, as travessias que ligam as duas ilhas, Timor e Ataúro. A análise da paisagem do romance

centra-se, particularmente, na oposição temática entre meio rural e meio urbano, usando a mesma técnica de

escrita assente em dicotomias e recursos estilísticos, a referir: comparação, metáfora, sinestesia, personificação,

perífrase, metonímia. (pp. 67-69)

Page 90: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

88 | Textos de apoio

[…]

Falar de travessia envolve necessariamente falar da movimentação de um sujeito de um lugar para

outro. Isso implica, por sua vez, contacto com novas paisagens. Assim sendo, ao longo das travessias tratadas no

romance em estudo, não escasseiam registos sobre paisagens. O olhar do contemplador, funcionando como um

filtro, capta o mundo, seleciona as imagens e os fenómenos que o narrador tenta representar por palavras.

As descrições paisagísticas do país no referido romance dão acesso a diversas perceções e interpretações

(designadamente sobre o espaço, o tempo e a história do povo timorense), indo ao encontro da seguinte

afirmação de Helena Buescu:

“o tema da paisagem e a descrição, nas suas várias formulações textuais, fizeram analisar diversos

registos da subjetividade no universo romanesco, indiferentemente figurada através da personagem, do

narrador e do que seria lógico designar como o descritor. Esta subjetividade apresenta-se, afinal, sempre

como intersubjetiva, transindividual e vivencial: é a forma de mostrar a implicação da consciência no mundo

e a interdependência entre mundo e consciência” (Buescu, 1990: 290).

Fazendo uso desta subjetividade, Luís Cardoso oferece aos leitores uma visão geral do que é Timor-Leste,

através da “camuflagem” das suas travessias na obra em análise. Embora o protagonista não esteja identificado

por um nome, este romance autobiográfico trata, por assim dizer, não só da história pessoal do seu autor, como

também a de qualquer timorense, ou ainda da história do país.

Ao debruçarmo-nos sobre a travessia que fizemos nas páginas anteriores, notamos que o estudo da paisa-

gem como tema literário permite-nos tomar conhecimento de um grande leque de informações sobre Timor-Leste,

informações sobre memórias do passado que se ligam ao presente. O narrador-protagonista, ao deambular por

esses espaços da/na sua narrativa, abre-se àquilo que é novo e adapta-se a novas realidades; regista as impressões

sob um olhar cada vez mais crítico, aguçado e inquietante, valendo-se da expressividade da linguagem. Em conso-

nância, as descrições paisagísticas permitem-nos conhecer múltiplas facetas sobre Timor, entre elas, a organização

da vida em sociedade, a multiplicidade de culturas, a situação geográfica, o clima, a história e a própria valorização

estética da paisagem, num forte encadeamento como se um não pudesse existir sem o outro.

Alguns elementos paisagísticos adequados para falar da simbologia permitiram-nos fazer breves reflexões

neste aspeto.

Comum à literatura pós-colonial em geral, a hibridação linguística constitui uma das marcas cardosianas,

para representar o povo timorense, como bem explicita Rebeca Hernández:

“a representação da hibridação linguística nas obras literárias pós-coloniais é uma forma altamente

eficaz e criativa de mostrar a integração e as tensões de dois mundos em contacto, com as suas línguas e as

suas culturas, representando o hibridismo não só das personagens, mas também da sociedade pós-colonial e

da identidade própria desta sociedade” (Hernández, 2006: 144).

Subjacente a esta hibridação linguística está a questão da identidade. A ocupação indonésia fez surgir

entre os timorenses uma consciência coletiva para marcar a sua diferença; criou-se uma nova identidade; so-

nhou-se uma comunidade imaginada; reinventou-se um novo país – Timor-Leste independente, onde se constrói

a hibridação linguística entre um conjunto de línguas autóctones e o português.

Page 91: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos de apoio | 89

Para ir ao encontro do tema desta dissertação, foram retratadas a paisagem timorense e a portuguesa,

cada uma com as particularidades que as aproximam ou as distanciam. No entanto, é importante ressaltar que,

na íntegra, há uma certa contiguidade entre as paisagens referidas, de um tempo passado e de um presente que

se interligam. Enquanto o narrador-protagonista estava em Timor, construía a imagem de um Portugal distante

alimentada pelos manuais escolares; vivendo exilado em Portugal, o seu olhar volta-se para Timor, o que o leva

a aludir a elementos paisagísticos timorenses, assente em uma hibridação cultural.

Este estudo constitui também uma forma de valorizar os elementos paisagísticos no sentido de divulgar e

conservar o património timorense. Citamos, a título de exemplo, Dare (a “Sintra Tropical”) e Ataúro (o paraíso da

infância do narrador), áreas pertencentes ao distrito de Díli, que possivelmente se tornarão lugares de destaque

(tal como acontece com Tormes de A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós ou Terras do Demo, de Aquilino

Ribeiro). Por conseguinte, essas duas zonas rurais poderão ganhar mais atração, decorrente da valorização

das suas paisagens, divulgadas através da obra cardosiana. A falta de atenção relativamente a essas paisagens

contribuirá para a degradação desses espaços, como sucede com a “vila marítima iluminada” de Lautém, o

que gerará a perda de património. Aplica-se aqui a ideia preconizada por R. Nelson (1989): “Every place, like

every person, is elevated by the love and respect shown toward it, and by the way in wich its bounty is received”

(apud Queiroz, 2009: 144), atribuindo a esses lugares o estatuto de “território literário”. Tomar esses lugares

como património significa conferir-lhes um valor afetivo e preservar para as gerações vindouras aquilo que

resta da história e identidade cultural timorenses, como Claudiany Pereira (s/d: 6) afirma: “muitos dos lugares

mencionados são apenas memória que o testemunho de Cardoso e outros escritores irá restituir ao passado de

Timor, porque, entre eles, alguns já desapareceram queimados ou destruídos pelo governo indonésio”.

Para além disso, a representação literária da paisagem dá-nos a possibilidade de percecionar as diversas

sensações, opondo-se à representação cartográfica baseada apenas na sensação visual. O recurso aos diversos

sentidos permite dar conta da riqueza e diversidade da paisagem, o que torna a representação realizada mais

cativante e informativa. Das descrições paisagísticas de Luís Cardoso, apercebemo-nos que ele tem capacidade

de ver quando nos relata sobre o espaço, formas e respetivas cores da paisagem. Constatamos que a paisagem

é também mediada pela audição através da captação de sons. O odor da paisagem está presente nas suas

descrições. O sentido gustativo não se exclui. E quanto ao sentido do tato, o escritor vale-se dele para transmitir

as sensações de frio e calor, conjugando com os outros sentidos para uma apreensão global e plena da paisagem

descrita. Nesta linha de raciocínio, Luís Cardoso está longe da crítica de se centrar mais naquilo que se vê, ou

seja, no “Landscape’s ocular-centrism” (H. Macpherson apud Queiroz, 2009: 112).

Repensando na obra de María López Sández, Paisaxe e nación, salientamos que a figuração literária da

paisagem (que funciona como marca identitária de/para um povo) em Crónica de uma Travessia evoca a pertença

dos timorenses relativamente a essa insularidade. Essa marca identitária diferencia os timorenses dos indonésios

e australianos seus vizinhos. Reconhece-se a partir das suas práticas socioculturais, políticas, religiosas no espaço

timorense. Esta obra inaugural de Luís Cardoso, escrita em português (a “língua de resistência” contra o domínio

indonésio), constitui um dos seus contributos na luta por essa diferença. Ainda que não seja propriamente um

livro de resistência, não é apolítico, como defende o próprio autor numa entrevista dos “Arquivos de Literatura”

do Expresso. Enquanto autor timorense de maior destaque, ele esforça-se por transmitir um pouco do que é

Timor, que no geral é contado oralmente; através das descrições paisagísticas lembra que Timor tem um passado

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90 | Textos de apoio

histórico diferente dos países que o circundam e que este passado, tal como a paisagem, a diversidade linguística

e cultural, configura a identidade timorense, fundamental na prossecução dos objetivos deste jovem país: ser

livre, independente e formar uma nação. (pp. 71-74)

Urraca Magno de Corte-Real Araújo, O elemento paisagístico em Crónica de uma travessia.

A época do Ai-Dik-Funam, de Luís Cardoso (tese de mestrado em Teoria da Literatura apresentada à Universidade do Minho, 2011)

2. Sobre aspetos culturais timorenses e lusófonos

c) Panaria tradicional

Pano-de-terra está na moda, Filinto Elísio

Basta correr os olhos pelos transeuntes para ver a força do pano-de-terra na moda contemporânea.

Pano-de-terra está na moda. De repente uma camisa e um vestido com a tira do pano-de-terra tornaram-se

fashion. O pano-de-terra ganhou efetivamente espaço, seja numa ponta de saia ou de calça, numa manga de

blusa, na alça, num decote ou na peça inteira. São detalhes que fazem a diferença no corpo. E no artesanato

cabo-verdiano. E na cultura de Cabo Verde.

A Mostra de Artesanato, intitulada “Cabo-Verdianamente”, apresentada por duas artesãs, a jornalista

Glaucia Nogueira e a professora das artes visuais Olga Kuktchenka, uma brasileira e outra russa, que escolheram

Cabo Verde como espaço de residência e de projeto estético, vem marcar um momento diferenciado no percurso

do artesanato das ilhas. Primeiro, porque revela o potencial de qualidade cognitiva do artesanato cabo-verdiano.

E segundo, porque conota a universalidade ancestral das peças antropológicas cabo-verdianas. As duas estran-

geiras, de alma cabo-verdiana, conseguiram com as suas obras a cabo-verdianidade, a inovação e a diversidade.

E “Cabo-Verdianamente” sai do comum através da introdução no nosso mercado de peças exclusivas, tanto da

Cerâmica, como da Tecelagem, todas culturalmente identificadas e ambientalmente compatíveis.

Gláucia Nogueira apresenta aqui bandejas e bases de copos, jogos de porta-canetas, porta-clips e

porta-cartões, caixas de toucador, bijuteria e cartões de Natal em material reciclado. Beleza pura, como dizem

os brasileiros. E Olga Kuktchenka surpreende-nos com pratos decorativos, que, no início, responderam a uma

solicitação da irmã, colecionadora desse tipo de objetos de arte.

Um passeio pelas peças expostas dá-nos a ideia de que o potencial estético e criativo do pano-de-terra,

além de diverso, é inusitado. Esta Mostra, por conseguinte, vem ampliar, com rara qualidade e clara originalidade,

a oferta do artesanato cabo-verdiano, através de diferenciais e referenciais, numa altura em que começamos a

questionar os caminhos do artesanato nacional, apartados dos tempos da Cooperativa Resistência, do Centro

Nacional do Artesanato e do Atelier-Mar, entre outras iniciativas dignas de nota. Num momento em que se nota

uma certa crise no artesanato produzido em Cabo Verde, ideias novas sobre o tradicional podem contribuir para

sacudir um pouco as coisas e fazer com que surjam produtos mais atuais, diz Gláucia Nogueira. Em verdade, não

há dúvida de que o artesanato cabo-verdiano precisa de dar um grande salto de qualidade.

Page 93: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos de apoio | 91

Se a natureza, conforme o antropólogo Claude Lévi-Strauss, constitui uma fonte inegável de recursos

materiais, assim como um objeto de pensamento que se presta às mais ricas possibilidades de sistematização,

então o pano-de-terra, em suas várias formas de ocorrência, é, sem dúvida, um fruto bom para usar, mas também

para pensar. Bom para pensar Cabo Verde, as relações dos homens com os meios em que vivem, com os mundos

que veem e representam, e os encontros e desencontros desses homens uns com os outros.

A economia do algodão é fundadora do arquipélago de Cabo Verde. As primeiras cartas sobre Cabo Verde,

sobretudo as de 1463/64, referem-se ao plantio do algodão e ao fabrico do pano-de-terra que, doravante, seria

por muito tempo moeda de troca para o resgate de escravos nos vários mercados da Costa da Guiné. Só por isso, o

pano-de-terra permanece entre nós como um elemento emblemático do processo histórico do povo cabo-verdiano

e daqueles ligados à economia-mundo de então, centrada no modo de produção escravocrata e mercantil.

A economia do algodão não foi apenas fundadora do arquipélago, mas deu centralidade e visibilidade a

Cabo Verde. Pelo menos assim foi até ao declínio da panaria no século XVIII, com a introdução pelos ingleses da

fazenda industrial. Mas, antes disso, o negócio era tão estruturante que as companhias monopolistas, das quais

se destaca a de Grão Pará e Maranhão, queriam ter o exclusivo da produção e do comércio da panaria, impondo

leis severas aos contrabandistas. Basta dizer que o contrabando do pano-de-terra era penalizado com a morte.

Di-lo a Carta Régia de 1687, pelo menos.

Segundo o Senhor As Águas, o pano-de-terra, com a designação de Pano D’obra e Pano Bicho, era, e é

ainda, confecionado em teares rudimentares, feitos de madeira, ou paus atados com cordas, utilizando-se como

matérias-primas algodão, lãs e fibras na tecedura, e o anil na tingidura. Ao tempo, toda a cadeia de produção

era complexa, nela entrando o plantio do algodão, a recolha, o tratamento do cardal e o penteado da linha,

a fiação, o criativo estético, a tecelagem, a distribuição-venda, etc. Uma cadeia complexa que carece de mais

estudos e de outros valores agregados à grande obra de referência que foi “Panaria Cabo-Verdiana Guineense”,

do investigador António Carreira.

Além da centralidade e visibilidade, o pano-de-terra introduziu valores culturais e estéticos notáveis,

conforme revelam as estampas mais comuns dos panos produzidos na ilha de Santiago. O pano-de-terra revela

a diversidade e a fusão culturais do cabo-verdiano. Assim como o crioulo, que se originou do encontro da

língua portuguesa e das várias línguas africanas, dentre as quais a Mandinga, como diria o Professor Nikola

Quint, o pano-de-terra também se afirma como signo e sina da cabo-verdianidade, o que significa dizer, de uma

identidade inconfundível. O grande valor estético do pano-de-terra tem a ver com a harmonia das suas cores e

os seus padrões figurativos, em que formas geométricas e simétricas se intercalam e se conjugam a duas cores,

ou mais, na feitura de desenhos, em relevo, de casas, barcos, insetos, símbolos religiosos, etc.

Na nova era que simbolicamente se inicia com o fim das comemorações do 30º Aniversário da

Independência Nacional e com a transformação do país para os parâmetros de Desenvolvimento Médio e para

os objetivos do Milénio, a Cultura – muito mais que a economia – será fator determinante da Boa Governação. É

preciso colocar a imaginação e a criatividade ao serviço de Cabo Verde.

A proteção e a promoção da diversidade dos conteúdos e expressões culturais são elementos estratégicos

de construção desta nova era e estão entre os aspetos prioritários de uma política pública da Cultura.

E o artesanato deve ser tratado como estrela de primeira grandeza na constelação desta política cultural.

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92 | Textos de apoio

Esta nova visão deverá permitir, entre outras coisas, que se amparem adequadamente os criadores na área do

artesanato. “Cabo-Verdianamente” dá o mote da atenção de que o setor precisa. Em prol do desenvolvimento da

Cultura Cabo-verdiana. É que, de repente, nos damos conta de que não basta ser cabo-verdiano; o que importa

é ter cabo-verdianidade!Texto de apresentação da exposição “Cabo-Verdianamente”.

http://arquivomomentos.blogspot.pt/2005/11/pano-de-terra-sta-na-moda.html

De influência africana e portuguesa, os panos d’obra cabo-verdianos constituem uma das mais expressivas

manifestações artísticas do arquipélago. Pacientemente tecidos com fio de algodão, nos teares manuais de

banda estreita, das ilhas de São Nicolau, Santiago e Fogo, oferecem padrões geométricos complexos, ditos de

“estilo islâmico”, a par de elementos europeus, ambos possivelmente introduzidos pelos portugueses (Cruz de

Cristo), de cor azul (índigo – extraído de uma planta local de nome urzela), ou negra, sobre fundo branco, com

grandes semelhanças com os panos produzidos pelos Papéis e Manjacos da Guiné-Bissau, provavelmente por

importação de técnicas e padrões juntamente com os escravos de etnias fula, mandinga e manjaco levados de

zonas entre a Guiné-Bissau e Serra Leoa.

A qualidade dos panos d’obra cabo-verdianos era muito apreciada ao longo de toda a costa da Guiné.

O comércio durante os séculos XVI e XVII incluía sempre este artigo, pela riqueza dos mesmos e pelos bons

negócios que se podia fazer com eles. Existem outros tipos de “panú di tera” (em crioulo), nomeadamente o “pano

bicho”. A diferença entre cada tipo está na complexidade dos padrões e, por isso, das tiras de tecelagem. São

necessários seis dias para tecer um pano bicho. Um pano d’obra ocupa duas pessoas durante 10 a 12 dias. Como

eram exatamente os panos originais, perdeu-se nas brumas do tempo, mas os panos, tal como os conhecemos

hoje em Cabo Verde, são uma bela mistura de padrões tradicionais islâmicos e africanos. Hoje, o algodão para a

produção dos panos d’obra é importado, e as cores estão quase reduzidas a preto, branco e azul (índigo). A maior

parte dos panos fabricados é do tipo pano bicho, devido à maior rapidez com que são executados, ao custo da

matéria-prima e, consequentemente, à facilidade de venda. Por outro lado, são relativamente poucas as pessoas

que dominam a técnica do pano d’obra.

Cada pano d’obra é, por si só, uma obra de arte única. Embora os panos d’obra se encontrem por toda

a costa ocidental de África, os padrões intrincados dos panos d’obra de Cabo Verde e da Guiné-Bissau (e de

algumas regiões do sul do Senegal – nomeadamente, Casamança) são os mais avançados. Se pretende levar

uma recordação especial de Cabo Verde, visite um dos centros de tecelagem em São Domingos, a escassos 20

minutos da capital (Praia), e aprecie estas belas peças de artesanato, cuidadosa e carinhosamente elaboradas

pelas tecedeiras do interior de Santiago. Adquirir um pano d’obra de Cabo Verde transcende a simples compra

pois está a levar, também, um pouco da história e da cultura do país.

http://www.hojelusofonia.com/mediateca/panos-dobra/

Page 95: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

Textos de apoio | 93

Panaria

Esta arte, perdida e parcialmente recuperada, continua numa luta muito difícil pela sua sobrevivência,

face aos desafios dos novos tempos. Algumas obras tentam registar a excelência do pano da Guiné, antes que

a sua história se perca totalmente, algumas empresas, continuam a tentar manter viva esta herança cultural.

O pano da Guiné é um pano de reconhecida qualidade, como a seguir é referenciado. “Para isso deve ter con-

corrido a boa padronagem introduzida na panaria cabo-verdiana e depois passada à Guiné. O pano de lavores

e desenhos geométricos (mais tarde designado de pano de obra) deve ter sido criado pelos portugueses nesse

decurso de tempo. Nas conclusões do seu livro, Carreira atribui aos portugueses a introdução, na tecelagem

cabo-verdiana, da técnica de desenhos geométricos de estilo muçulmano, em lavores, para o que se teriam

inspirado na padronagem de tecidos hispano-mouriscos trazidos pelos Árabes à Península e levados pelos portu-

gueses nas mercadorias destinadas ao escambo na costa ocidental e a difusão, partindo de Cabo Verde, na região

de Cacheu, da tecelagem de panos com desenhos geométricos... técnica essa retida exclusivamente pelo grupo

manjaco-papel e sem que nenhuma outra das regiões limítrofes das islamizadas, tivesse tentado a imitação.”

(1996: Isabel Borges Pereira Mesquitela, O Pano Artesanal na República da Guiné-Bissau).

Os Fulas e Mandingas são os grandes mestres tecelões, mas outras etnias marcam igualmente uma

presença, como os manjacos e os papéis, na panaria da Guiné. “O Fula e o Mandinga cultivam desde há séculos

o algodão. Preparam-no e tecem-no em panos simples sem quaisquer padrões. Estes panos são posteriormente

tingidos pelo Saracoles, com desenhos predominando o azul obtido do anil vegetal que com o algodão constituía

a base da produção de panos da Guiné e cabo Verde” (ibidem).

Os panos mais coloridos são normalmente utilizados em cerimónias ou festividades. Esta exposição

tinha como ponto de partida a coleção de panaria guineense e cabo-verdiana do Museu Nacional de Etnologia,

recolhida na sua maioria entre as décadas de 1960 e 1970. Nota: A Artissal, fábrica de tecelagem tradicional

que emprega 16 tecelões em Quinhamel (a 30 quilómetros de Bissau), criada em 2005, é uma das tentativas de

manter viva esta arte.http://arteguine.com.sapo.pt/panaria.html

A pintora Manuela Jardim está a realizar em colaboração com o Museu Nacional de Etnologia um traba-

lho sobre a panaria de Cabo Verde e da Guiné-Bissau de que resultou a exposição extremamente original, inti-

tulada “Através dos Panos” que está patente no referido museu e cuja visita se recomenda vivamente. Manuela

Jardim é uma pintora portuguesa, nascida em Bolama, e que conjuga na sua criação artística de forma harmonio-

sa as suas raízes simultaneamente africanas e portuguesas. É uma expressão do Portugal plural, e da mestiçagem

cultural que emerge de forma crescentemente inovadora e criativa na sociedade portuguesa e que é uma das

nossas mais-valias mais evidentes no quadro cultural europeu. Manuela Jardim é uma pintora que partiu do

imenso azul do mar e do céu para o diálogo com a melhor poesia portuguesa, incluindo Camões e Fernando Pes-

soa e que encetou nos últimos anos uma revisitação mais profunda das suas origens guineenses designadamen-

te da panaria. Aliás, os panos, os mares, os búzios, sempre estiveram presentes na sua pintura para quem olhar

com atenção a estrutura dos seus quadros. Manuela Jardim procurou estudar do ponto de vista estético a ligação

já referida pelos trabalhos de António Carreira entre os azulejos moçárabes, que são a matriz da rica azulejaria

portuguesa, e os panos de obra, tecidos em teares manuais, que ainda hoje se usam em Cabo Verde e na Guiné-

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94 | Textos de apoio

-Bissau. Basta assistir a um batuque em Santiago (Cabo Verde) para ver a ligação que existe entre os motivos dos

panos que as mulheres usam à cintura e os azulejos moçárabes que se encontram, por exemplo, no Museu dos

Azulejos em Lisboa. A partir dessa investigação, Manuela Jardim concebeu um percurso que conjuga a exposição

de panos da Guiné, Cabo Verde e de outros países vizinhos, que fazem parte das reservas visitáveis do museu,

com esculturas em arame e papel reciclado que reproduzem a inspiração da panaria tradicional da Guiné-Bissau

e Cabo Verde ou com suportes bidimensionais em papel reciclado que reproduzem a estampagem dos panos de

obra que foram objeto de investigação. Estão também patentes materiais que resultaram da desconstrução dos

motivos decorativos das estampagens dos panos de obra, que vão ser utilizados para explicar ao público esco-

lar o processo criativo que lhe está subjacente. A exposição conjuga cultura com uma preocupação educativa;

é uma exposição viva, em que a visita às reservas de panaria do museu é articulada com o funcionamento de

diversos ateliers, de curta ou longa duração. Os primeiros estão ligados a visitas guiadas de escolas ou outras

instituições e permitem uma introdução prática à educação visual e artística; os outros, mensais, já estão ligados

a uma aprendizagem das técnicas utilizadas. O cuidado, o rigor, e o bom gosto estiveram presentes no facto de

na inauguração termos sido brindados com música de Corá, instrumento musical constituído por uma caixa de

ressonância e inúmeras cordas, aproximadamente 21, que é usado por alguns povos mandingas, designadamen-

te da Guiné-Bissau, e que foi muito bem tocado pelo músico guineense Galissa. A exposição foi inaugurada pela

Ministra da Cultura, que celebrou recentemente com a Ministra da Educação um protocolo no quadro do qual

se prevê uma colaboração entre os dois Ministérios. A colaboração da pintora e professora Manuela Jardim com

o Museu de Etnologia antecipou-se a este protocolo, resultou de uma aposta feita e ganha na qualidade deste

projeto pela Ministra da Educação, Maria Lurdes Rodrigues. Não é em vão que se faz esta viagem através dos

panos. Ficamos com uma grande curiosidade em perceber quais os reflexos que esta nova experimentação de

materiais e técnicas terá nos trabalhos futuros da pintora e arriscaríamos escultora, Manuela Jardim.

http://inclusaoecidadania.blogspot.pt/2006/01/atravs-dos-panos.html

O Tais é o tecido tradicional de Timor-Leste. Estes são

bastante coloridos e feitos, principalmente, por mulheres.

É usado, sobretudo, em celebrações e como presentes. Um

dos lugares mais populares para comprar estes tecidos é

o Mercado de Tais, localizado em Díli, repleto de lojas de

produtos feitos de tais e outros típicos do país. “Os tecidos

de Timor-Leste têm um papel muito importante nos rituais

comunitários e, sendo eles produzidos para grupos étnicos

diferentes, distinguem-se uns dos outros, tanto no estilo e

técnicas como no seu significado cultural. Os desenhos são

um sistema de identificação da linguagem cultural representando mitos ancestrais de todo o grupo e os seus

símbolos. Os Tais são igualmente utilizados em cerimónias e rituais religiosos que celebram as mudanças nas

diferentes etapas da vida ou do estatuto social, em rituais animistas ou outros rituais ligados à agricultura. São

também utilizados em festas e são muito estimados como troca entre membros da comunidade.

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Textos de apoio | 95

Timor é conhecido não só pela qualidade dos seus tecidos (algodão e cores naturais), mas também pelas

diversas técnicas decorativas”.

Talvez, à primeira vista, não seja muito animadora, por causa de o mercado ser meio escondido, apesar

de estar a 200 metros do “centro comercial” de Díli, a Rua Colmera, ou então pela placa já meio desbotada. No

entanto, um passeio pelo Mercado de Tais de Díli proporciona um mergulho na cultura timorense, semelhante

apenas se sair da capital e for para algum distrito e interagir com as pessoas mais velhas.

http://naraiz.wordpress.com/2012/04/13/mercado-de-tais-dili-timor-leste/

A ilha de Timor, longa e estreita, com a forma semelhante a um crocodilo, segundo uma das lendas da

tradição Maubere, está inserida no arquipélago indonésio, situada a menos de 500 quilómetros da Austrália.

No caso específico de Timor-Leste, que ocupa metade da ilha, torna-se muito difícil identificar e

territorializar os vários grupos étnicos, com uma grande diversidade cultural e linguística, provenientes das

antigas guerras internas e das consequentes integrações de subgrupos em outros grupos. É preciso entender

que, apesar de Timor-Leste se encontrar dividido em treze distritos, as diferentes línguas são cerca de quinze

e distribuem-se de uma forma esparsa e errática por todo o território. Tal diversificação é transposta para os

têxteis, em termos de cores, motivos e técnicas usados na tecelagem.

O significado dos têxteis

Os têxteis que saem dos teares não são destinados prioritariamente a serem usados, exceto quando já

estão gastos ou se destinam a cerimónias que celebram as várias fases da vida de um indivíduo: apresentação

de um recém-nascido, dia de iniciação na caça de um jovem guerreiro, casamento, enterro, etc.. Ou ainda em

certos rituais que se prendem com as tradições do grupo: inauguração de uma casa, por exemplo. Em todas

estas cerimónias está implicado o indivíduo, a linhagem, a família e a etnia ou grupo em que ele se encontra

inserido, e é aqui que os têxteis ganham uma importância relevante, como produtos de troca nas relações sociais

e económicas, assegurando a sobrevivência da linhagem e do grupo.

As fibras e as tingiduras

Os vários processos de fiação e tecelagem têm lugar essencialmente durante a estação seca. São

atividades femininas, muito valorizadas pelos membros masculinos e femininos de cada grupo, inteiramente

conscientes da importância dos têxteis nas relações mencionadas anteriormente.

A principal fibra utilizada é o algodão e, nos locais onde ele é cultivado, a fiação manual é ainda comum,

especialmente para têxteis que possuam um caráter especial.

O algodão comercializado e fios pré-tingidos encontram-se com facilidade nos mercados regionais, assim

como corantes químicos. A cidade de Lospalos, por exemplo, é conhecida pela sua produção têxtil, utilizando o

fio comercializado e corantes químicos.

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96 | Textos de apoio

As fibras sintéticas têm, consistentemente, feito a sua intrusão nos têxteis, e hoje é possível adquiri-las

na maioria dos mercados regionais: rayon, acetato, acrílico e polyester, para além de fios metálicos, na maioria

dourados (antigamente obtidos, nalgumas regiões, a partir da fundição de moedas holandesas).

Contudo, as tingiduras naturais são muito usadas em toda a ilha, sendo o vermelho a cor dominante. A

explicação para este facto não é clara. Embora existam alguns autores que apontam para uma inspiração a partir

do tom das buganvílias em flor durante a estação seca, esta cor, para muitas comunidades timorenses, está

tradicionalmente associada à vida, ao sangue e à coragem.

Timor tornou-se conhecido pelas cores vivas dos seus têxteis, embora essa não seja uma característica

comum a todo o território de Timor-Leste.

Os teares tradicionais

O fabrico das armações, onde é executada a técnica do ikat e teares, está geralmente a cargo dos homens.

Complexos de serem entendidos no seu funcionamento, possuem, na esmagadora maioria dos casos, um aspeto

muito rudimentar.

Uma vez os fios paralelos uns aos outros, a tecedeira inicia o seu minucioso trabalho de atar, cobrindo

pequenas porções de vários fios, de maneira a formar um desenho, só visível bastantes dias mais tarde, após o

tingimento e novo esticamento das meadas na teia.

Os teares, bem mais complexos nos seus componentes, mas igualmente rudimentares, são teares de

cintura. Estes obrigam as tecedeiras a trabalhar sentadas no chão de pernas estendidas, geralmente em esteiras

por elas elaboradas, esticando o próprio tear e a teia, com a tensão exercida pelo seu corpo, através de uma cinta

que ela faz passar nas costas, na zona lombar.

A tecelagem é feita por tecedeiras que vivem nas comunidades locais, onde elas e as suas famílias

são responsáveis por todo o processo, desde a preparação dos fios à operação de atar as linhas para formar

o desenho, ao tingimento dos fios culminando com a tecelagem dos panos. A produção inclui muitas vezes a

combinação das técnicas de ikat e sotis (passagem suplementar na teia).

Os diversos tais

Embora o vestuário ocidental seja largamente usado no dia a dia, os têxteis locais ainda têm um

significado muito importante nos rituais que celebram as mudanças das várias fases da vida ou o status social,

nos rituais anímicos ou outros que se prendem com a agricultura. Nas cerimónias, os homens vestem panos

retangulares, denominados tais mane, compostos por dois ou três painéis cosidos entre si, que envergam à volta

da cintura, e as mulheres vestem tais feto semelhantes, mas cosidos numa forma tubular, para assentar justo ao

corpo, usados à volta da cintura ou atravessados na zona do peito, apenas com uma prega em baixo para permitir

o movimento. Pequenas faixas (salendas) são muito populares como elementos de troca ou como presentes.

Ambos os tais, para além de serem usados nas cerimónias, rituais religiosos e festas, constituem igualmente

presentes muito apreciados para dar e trocar entre os membros da comunidade.

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Textos de apoio | 97

Os motivos tradicionais

Os padrões e os motivos têm um grande significado para os timorenses, tanto para aqueles que tecem

como para os que vestem os tais. Por toda a ilha, os motivos continuam a ser tradicionais na sua origem. Estes

evocam maioritariamente os animais e elementos da natureza, diretamente associados aos mitos e aos ritos

tradicionais: figuras antropomórficas com os braços e as mãos esticados são comuns, assim como representações

zoomórficas de pássaros, galos, crocodilos, cavalos, peixes e insetos de água. Plantas, árvores (origem da vida e

centro do mundo), e folhas, também surgem de uma forma consistente. Os desenhos geométricos, semelhantes a

ganchos e losangos, localmente conhecidos por kaif, são, de um modo geral, interpretações da cultura Dong-Son.

Estes motivos foram todos herdados dos antepassados, e, tal como as receitas, transmitidos de mãe para filha.

Os desenhos são sistemas de reconhecimento de uma linguagem cultural e representam os mitos ancestrais de

todo o grupo e os seus símbolos. Mesmo quando estes motivos não podem ser associados a qualquer simbologia

cultural, representam sempre mais do que uma mera decoração como, por exemplo, o prestígio do indivíduo que

enverga o tais, a sua posição na escala social, etc.

Os tais de Timor-Leste

Em Díli, os tais têm um cariz mais comercial e surgem com cores vivas e faixas muito estreitas em

ikat, intercaladas com muitas outras estreitas riscas em cores sólidas. São usados o fio de algodão importado

e os corantes químicos, mas o processo meticuloso de elaborar o desenho, através do atamento das linhas

e tingimento do padrão nos fios, segue o método das vilas mais remotas. Possivelmente devido à influência

portuguesa que acabou por deixar marcas relevantes na vivência nesta metade da ilha, os motivos florais de

inspiração europeia, assim como os de inspiração religiosa, são os mais evidentes, suplantando os motivos do

gancho e do losango que encontramos em Timor Ocidental.

http://lenalorosae.blogspot.pt/2007/03/tais-os-txteis-de-timor-leste.html

d) Sobre Arte Moris

Da sua atividade, destaca-se o popular programa de TV, “Programa Bibi Bulak”, o drama radiofónico

“Rua do Repolho”, sobre a violência doméstica e a peça de teatro “Susubeen Kinur”. Possui um núcleo central

de escritores, atores e diretores timorenses e um consultor estrangeiro. Funciona – com um orçamento baixo

e sem patrocinador regular – no Departamento de Artes Dramáticas da Arte Moris Livre – Escola de Artes, no

piso superior do edifício do antigo Museu Nacional. O projeto tem como objetivo auxiliar o desenvolvimento

da sociedade civil, através de oportunidades para pessoas de todas as idades e classes sociais na prática de

um ou mais aspetos das artes dramáticas. É também um lugar de ensaio e gravação de filmes. Os trabalhos de

recuperação do edifício são executados voluntariamente por membros da Bibi Bulak, com exceção de tudo o que

requeira especialização.

http://artenoharia.blogspot.pt/2011/09/art-moris-escola-de-artes-em-timor.html

Page 100: Temas de Literatura e Cultura 12º - Guia do Professor

98

VII. Avaliação

A avaliação desempenha um papel importante no processo de ensino/aprendizagem, não se limitando à classificação final dos alunos e à sua seriação. A avaliação fornece informações aos professores e aos alunos sobre o trabalho desenvolvido e as aprendizagens realizadas. A avaliação, de caráter contínuo, deverá ter em conta as diferentes competências desenvolvidas ao nível da expressão e da compreensão oral e escrita. Definida em conjunto com os alunos, pode incluir diferentes atividades, para além dos habituais testes e fichas, devendo incidir sobre trabalhos (individuais, de pares ou em grupo) realizados ao longo do ano, incluindo apresentações orais e produções textuais, questionários orais e escritos, fichas de leitura, trabalhos de pesquisa, portefólios, …

Deverá ser criado espaço para a autoavaliação, realizada pelo aluno, suscitando a sua reflexão pessoal e fundamentada sobre as aprendizagens realizadas e o percurso para as desenvolver.

Neste sentido, a avaliação pode assumir diferentes formas, de acordo com os objetivos pretendidos:

Avaliação diagnóstica para aferição de competências, realizada logo no início do ano (ou em momentos relevantes do processo), e incidindo sobre diferentes conteúdos e contemplando tarefas diversas, incluindo a produção oral e escrita;

Avaliação formativa como exercício de validação das aprendizagens efetuadas e colmatação das eventuais dificuldades manifestadas, incluindo modalidades de autoavaliação;

Avaliação sumativa, através de produções e exposições orais e escritas, com atribuição de classificação quan-titativa e qualitativa que ilustre o nível de desempenho do aluno. Para além dos registos escritos, a avaliação funda-menta-se na observação direta da prestação do aluno, tendo em conta aspetos como a progressão, o empenho e o

cumprimento das normas acordadas (testes escritos, questionários, fichas de leitura, trabalhos, portefólios…).

Critérios de avaliação

Expressão oral Expressão escrita LeituraAspeto (postura; contacto visual, expressividade corporal e facial)

Voz (dicção, intensidade, ritmo)

Conteúdo (organização, qualidade, adequação)

Organização do texto em períodos e parágrafos, exprimindo apropriadamente os nexos temporais e lógicos

Redação com correção ortográfica, morfológica e sintática

Utilização de vocabulário apropriado, preciso e variado

Aplicação correta das regras básicas de pontuação e de acentuação

Originalidade e criatividade

Dicção

Intensidade

Ritmo

Expressividade

Instrumentos e atividades para avaliação

Expressão e compreensão oral

Exposição oral de trabalhos de pesquisa

Escrita

Participação em fóruns de leitura, clubes de leitura ou tertúlias

Realização de debates e confronto de ideias

Formulação e reflexão de hipóteses interpretativas

Dramatizações

Leitura

Declamações

Performances

Poetry Slam

Maratonas de leitura

Redação de pequenos ensaios críticos/analíticosReescrita e/ou escrita criativa por motivação temática ou formal, por imitação ou transformaçãoCriação conjunta de ficheiros relativos a textos e a experiências de leiturasElaboração de questionários – de escolha múltipla, de verdadeiro/falso, de análise literária e estilísticaRealização de trabalhos de pesquisaElaboração de antologias – temáticas, autorais, de géneros…Elaboração de anúnciosIlustração de poemas, contos ou cenasConversão de textos em guiões de teatro, radiofónicos ou cinematográficosOrganização de um portefólioDivulgação de pesquisas, leituras e escritas em jornais, revistas, blogues…

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VIII. Referências bibliográficas

a) Textos literários

AAVV (2009). (Con)Textos. Díli: Centro de Língua Portuguesa / Instituto Camões em Díli.

GUSMÃO, Xanana (1998). Mar Meu. Poemas e Pinturas/ My Sea of Timor. Poems and Paintings. Porto: Granito/Instituto Camões.

AGUALUSA, José Eduardo (2008). Na Rota das Especiarias – Diário de uma Viagem a Flores, Bali, Java e Timor Lorosae. Lisboa: Dom Quixote.

AMADO, Jorge (1999). O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. Lisboa: Edições Europa-América.

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner (2001). O Anjo de Timor. Marco de Canaveses: Cenateca (ilustrações de Graça Morais). Texto em português e tradução para tétum, de João Paulo T. Esperança e Emília Almeida de Araújo, disponível em: http://webzoom.freewebs.com/jpesperanca/O%20Anjo%20de%20Timor_ICamoes.pdf

CARDOSO, Luís (1997). Crónica de uma travessia. A época do Ai-Dik-Funam. Lisboa: Dom Quixote.

CARRASCALÃO, Maria Gabriela (2012). Timor das Acácias Feridas. Melbourne: Wild Dingo Press (no prelo)

COUTO, Mia (2007). “O fazedor de luzes” in Na berma de nenhuma estrada e outros contos. Lisboa: Caminho.

b) Obras de Referência

AAVV (1997-2000). História e antologia da literatura portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

AGUIAR E SILVA, V. M. (1990). Teoria e metodologia literárias. Lisboa: Universidade Aberta.

AGUIAR E SILVA, V. M. (1994). Teoria da Literatura (8.ª edição). Coimbra: Almedina.

CEIA, Carlos (dir.). E-Dicionário de Termos Literários, http://www.edtl.com.pt/

CHEVALIER, J. E GHEERBRANT, A. (1994). Dicionário dos Símbolos. Lisboa: Editora Teorema.

COELHO, Jacinto do Prado (1978). Dicionário da Literatura, 5 volumes, Porto: Figueirinhas

ECO, Umberto. (1983). Leitura do texto literário. Lector in fabula. Lisboa: Ed. Presença.

FARIA, M. I. & Pericão, M. G. (1988). Dicionário do livro. Lisboa: Guimarães Editores.

FIGUEIREDO, Olívia e FIGUEIREDO, Eunice (2003). Dicionário Prático para o Estudo do Português – Da Língua aos Discursos. Porto: ASA.

MACHADO, A. M. (org. e dir.) (1996). Dicionário de literatura portuguesa. Lisboa: Presença.

MATOS, Maria Vitalina Leal de (2001). Introdução aos Estudos Literários. Lisboa – São Paulo: Editorial Verbo

MOISÉS, Massaud (1971). A Criação Literária. Prosa – II. São Paulo: Melhoramentos.

MOISÉS, Massaud (1985). Dicionário dos termos literários. São Paulo: Cultrix

REIS, Carlos (1992). Técnicas de Análise Textual. Introdução à Leitura Crítica do Texto Literário. 3ª ed., Coimbra: Almedina.

REIS, Carlos (2008). O Conhecimento da Literatura. Introdução aos Estudos Literários. 4ª reimp., Coimbra: Almedina.

REIS, Carlos e Ana Cristina M. LOPES (2007). Dicionário de Narratologia. 7.ª ed. Coimbra: Almedina.

SCHOLES, R. (1991). Protocolos de leitura. Lisboa: Edições 70.

SENA, Jorge de (1982-1988). Estudos de Literatura Portuguesa. 2 volumes. Lisboa: Edições 70.

SHAW, Harry (1982). Dicionário de termos literários. Lisboa: D. Quixote.

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100 | Referências bibliográficas

c) Bibliografia específica sobre os conteúdos lecionados

ARAÚJO, Urraca Magno de Corte-Real (2011). O Elemento paisagístico em Crónica de uma travessia. A época do Ai-Dik-Funam, de Luís Cardoso. Tese de mestrado em Teoria da Literatura apresentada à Universidade do Minho (exemplar policopiado)

BUENO, Eva Paulino (2002).”A língua da travessia: o Português no Timor-Leste”. Revista Espaço Acadêmico, Ano II, nº18 (novembro).

DUARTE, Luís Ricardo (2013). “Luís Cardoso. A circum-navegação de um país. Entrevista”, JL – Jornal de Letras Artes e Ideias 1104, 23 de janeiro a 5 de fevereiro de 2013, pp. 7-8

FERREIRA, Priscilla de Oliveira (2010). “Que Timor é este na obra de Luís Cardoso?”. Cadernos do IL. Porto Alegre, nº 41 (dezembro), 34-47. (disponível em http://seer.ufrgs.br/cadernosdoil/article/view/24950/pdf)

GOMES, José António (org.) (2009). Literatura de Timor-Leste em Língua Portuguesa – Aspetos literários, histórico-culturais e relações com Portugal. Porto: Escola Superior de Educação (documento policopiado).

Revista Camões, nº 14 (Julho-Setembro 2001), “Timor Lororosa’e”. [acessível na Biblioteca Digital Camões em http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes].

GONÇALVES, Henriqueta Maria (1995). “Conto”, in Biblos, vol. 1, pp. 1267-1271.

LACERDA, D. (2000). “Luís Cardoso, primeiro escritor timorense, autor de Une île au loin”. Latitudes, nº8 (mai), 31. (disponível em http://www.revues-plurielles.org/_uploads/pdf/17_8_8.pdf)

MARÍN TAFFAREL, Teresa (2001). El Tejido del Cuento. Barcelona: Octaedro.

MARINHO, Maria de Fátima (2005). Um poço sem fundo. Novas reflexões sobre Literatura e História. Porto: Campo das Letras.

PAREDES NÚÑEZ, Juan (1986). Algunos aspectos del cuento literario (Contribución al estudio de su estructura). Granada: Universidad de Granada.

PEREIRA, Claudiany (2006). “Luís Cardoso e a vivência da diáspora: nota breve sobre a literatura de Timor-Leste”. Revista Língua & Literatura, vol. 8, nº12, 37-48. (disponível em http://www.fw.uri.br/publicacoes/linguaelitera-tura/artigos/n12_3.pdf)

PUGA, Rogério Miguel (2006). O essencial sobre o romance histórico. Lisboa: IN-CM.

RONZANI, Ana Claudia, CHAVES, Christine de Alencar, SILVA, Kelly (2012). “As elites timorenses em travessias sob o olhar de Luís Cardoso”. In SILVA, Kelly, SOUSA, Lúcio (orgs.). Ita Maun Alin ... O Livro do Irmão Mais Novo. Afinidades Antropológicas em torno de Timor-Leste. Lisboa: Edições Colibri, 191-210. (disponível em http://www.academia.edu/1871346/Elites_timorenses_em_travessias_sob_o_olhar_de_Luis_Cardoso

SEIXO, Maria Alzira (2001). “Marginalizações. Crónica de uma Travessia, de Luís Cardoso”. In Outros Erros. Ensaios de Literatura. Porto: Edições Asa, 372-376.

d) Bibliografia sobre didática da leitura e da literatura

AMOR, Emília (1993). Didática do Português. Lisboa: Texto Editora.

ANTÃO, J. A. S. (1997). Elogio da leitura. Porto: Edições Asa.

BARBEIRO, Luís Filipe e PEREIRA, Luísa Álvares. (2007). O Ensino da Escrita: A Dimensão Textual. Lisboa: Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (colab. de Conceição Aleixo e Mariana Oliveira Pinto).

CEIA, Carlos (2003). Normas para apresentação de trabalhos científicos (4ª ed.). Lisboa: Editorial Presença.

COUTINHO, Maria Antónia (2003). Texto(s) e Competência Textual. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Referências bibliográficas | 101

DIONÍSIO, Maria de Lurdes da Trindade (2000). A construção escolar de comunidades de leitores. Leituras do Manual de Português. Coimbra: Almedina.

DUARTE, Inês e MORÃO, Paula (2006). Ensino do Português para o Século XXI. Lisboa: FLUP- Edições Colibri.

DUARTE, Isabel Margarida (org.) (2001). Gavetas de Leitura. Estratégias e materiais para uma pedagogia da leitura. Porto: Asa.

FIGUEIREDO, Maria Jorge Vilar e BELO, Maria Teresa (1993). Comentar um texto literário. Lisboa: Editorial Presença.

FIGUEIREDO, Olívia (2004). Didática do Português Língua Materna – Dos Programas de Ensino às Teorias e das Teorias às Práticas. Porto: ASA.

FONSECA, Fernanda Irene (org.) (1994). Pedagogia da escrita. Perspetivas. Porto: Porto Editora.

GARCÍA SOBRINO, Javier (coord.) (1994). A Aventura de Ler. Porto: Porto Editora

GIASSON, Jocelyne (2007). A Compreensão da Leitura. Porto: Asa.

GOMES, José António (1996). Da Nascente à Voz. Contributos para uma Pedagogia da Leitura. Lisboa: Caminho.

JOLIBERT, Josette (1998). Formar Crianças Leitoras. Porto: Asa.

LAMAS, Estela Pinto Ribeiro (coord.) (2000). Dicionário de Metalinguagens da Didáctica. Porto: Porto Editora.

MELLO, Cristina (1998). O Ensino da Literatura e a Problemática dos Géneros Literários. Coimbra: Almedina.

MELLO, Cristina et alii (org.) (2003). Didática das Línguas e Literaturas em Portugal: Contextos de Emergência, Condições de Existência e Modos de Desenvolvimento. Coimbra: SPDLL/Pé de Página Editores.

MORAIS, José (1997). A Arte de Ler. Psicologia Cognitiva da Leitura. Lisboa: Cosmos.

NIZA, Sérgio (coord) (1998). Criar o Gosto pela Escrita. Lisboa: Ministério da Educação/Dep. de Educação Básica.

PEREIRA, Luísa Álvares (2008). Escrever com as Crianças: Como Fazer Bons Leitores e Escritores. Porto: Porto Editora.

POSLANIEC, Christian (2006). Incentivar o prazer de ler. Atividades de leitura para jovens. Porto: Asa.

ROCHETA, M. I. & NEVES, M. B. (org.) (1999). Ensino da literatura, reflexões e propostas a contracorrente. Lisboa: Edições Cosmos.

SIM-SIM, Inês (2007). O Ensino da Leitura: A Compreensão de Textos. Lisboa: Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (colab. de Cristina Duarte e Manuela Micaelo).

SIM-SIM, Inês (coord.) (2006). Ler e Ensinar a Ler. Porto: Asa.

SOARES, Maria Almira (2003). Como motivar para a leitura. Lisboa: Presença

VILAS-BOAS, António José (2001). Ensinar e Aprender a Escrever – por uma Prática Diferente. Porto: Edições Asa.

VILAS-BOAS, António José (2005). Oficinas de Leitura Recreativa – Criar e Manter Comunidades de Leitores na Escola. Porto: Edições ASA

e) Gramáticas de referência

BECHARA, Evanildo (1999). Moderna Gramática Portuguesa, 37ª ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Lucerna.

CINTRA, Luís Filipe L. e Celso CUNHA (1984). Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa: Sá da Costa.

MATEUS, Maria Helena Mira et alij (2003). Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho.

VILELA, Mário (1999). Gramática da Língua Portuguesa. Coimbra: Almedina.

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102 | Referências bibliográficas

f) Programas

COELHO, Maria da Conceição (coord.), SERÔDIO, Maria Cristina e CAMPOS, Maria Joana (2001). Programa de Literatura Portuguesa 10.º e 11.º ou 11.º e 12.º anos do Curso Científico-Humanístico de Línguas e Literaturas, Lisboa: Ministério da Educação [acessível em http://florcistina.no.sapo.pt/literatura_portuguesa_10_11_homol.pdf]

REIS, Carlos (coord.) et alij (2008). Programas de Português do Ensino Básico, Lisboa: Ministério da Educação [acessível em http://www.oei.es/pdf2/programa_portugues_ensino_basico.pdf]

Programa de Português do Pré-Secundário (2010). Ministério da Educação de Timor-Leste

g) Sítios na Internet

Por serem objeto de atualização mais ou menos constante (mas também por ser possível

o seu encerramento ou mudança de endereço), a lista de endereços disponibilizada terá que ir

sendo periodicamente revista, corrigida e enriquecida. Contemplaram-se sítios oficiais, de natureza

distinta, com vista à diversificação das informações obtidas e das fontes usadas.

http://lusofonia.com.sapo.pt/ (Plataforma de apoio ao estudo da Língua Portuguesa no Mundo)

http://purl.pt/index/geral/PT/index.html (Biblioteca Nacional Digital – Portugal)

http://rcbp.dglb.pt/pt/Paginas/default.aspx (Rede de Conhecimento das Bibliotecas Públicas)

http://sitio.dgidc.min-edu.pt/linguaportuguesa/Paginas/PNEP.aspx (Programa Nacional de Ensino do Português)

http://theka.ativamente.eu/ (Projeto Gulbenkian de Formação de Professores para o Desenvolvimento de Bibliotecas Escolares)

http://timordonorteasul.blogspot.com/ (Blogue do escritor timorense Abé Barreto Soares)

http://umalulik.blogspot.com/ (Blogue sobre Timor e cultura timorense)

http://www.ait.pt/ (Associação de Informação Terminológica)

http://www.app.pt/ (Associação de Professores de Português)

http://www.bn.pt (Biblioteca Nacional de Portugal)

http://www.casadaleitura.org (Casa da Leitura)

http://www.cerit.org/gentes_cult_liter.html (Identidade Timorense)

http://www.ciberduvidas.sapo.pt (Ciberdúvidas da Língua Portuguesa)

http://www.citi.pt/cultura/index (temas da literatura e da cultura port.)

http://www.clube-de-leituras.net (Clube de Leituras)

http://www.cplp.org/ (sítio oficial da CPLP)

http://www.dgidc.min-edu.pt/recursos_multimedia/recursos_cd.asp (Recursos multimédia)

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/gramatica/index.html (Fóruns e materiais didáticos)

http://www.dgidc.min-edu.pt/TLEBS/GramaTICa/index.html (GramáTICª.pt)

http://www.dglb.pt (Direção Geral do Livro e das Bibliotecas)

http://www.ecrits-vains.com/atelier/atelier.htm (Oficina de escrita)

http://www.edtl.com.pt/ (Dicionário de Termos Literários)

http://www.estacaodaluz.org.br/ (Museu da Língua Portuguesa)

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Referências bibliográficas | 103

http://www.historiadodia.pt/pt/index.aspx (História do dia)

http://www.instituto-camoes.pt/cvc/aprender-portugues.html (Instituto Camões – Centro Virtual)

http://www.leitura.gulbenkian.pt/ (Fundação Gulbenkian – Leitur@)

http://www.linguateca.pt/assoc.html (Linguateca)

http://www.nonio.uminho.pt/netescrita/ (Projeto Netescrit@)

http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt (Plano Nacional de Leitura)

http://www.porbase.org (Porbase)

http://www.portaldalinguaportuguesa.org/ (Portal da Língua Portuguesa – Iltec)

http://www.portugal-linha.pt/literatura/ (página de literatura lusófona)

http://www.rbe.min-edu.pt/ (Rede de Bibliotecas Escolares portuguesas)

http://www.reading.org/ (Associação Internacional de Leitura)

http://www.vidaslusofonas.pt (página com biografias de escritores, organizadas segundo uma tábua cronológica)

Ver, ainda, sítios de autores e sobre autores.

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