tEMpEStadE EM alt O-MaR -...

25
41 PHOÎNIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017. TEMPESTADE EM ALTO-MAR * Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa ** Resumo: Tradução com comentários de uma cena de tempestade na Odisseia de Homero (V, vv. 278-383). Poseidão provoca a tempestade que quase suga e mata Odisseu. As deusas Ino Leucoteia/ Brancadei (que lança para ele seu véu protetor) e Atena vêm para resgatá-lo. Julgamos que a passagem * * Recebido em: 25/02/2017 e aceito em: 31/03/2017. Agradeço ao Lhia, ao Deivid, que formalmente me convidou, à Regina, ao Fábio, aos que acolheram a indicação do meu nome para esta conferência. É uma honra poder estar como colaboradora no Lhia/ UFRJ, a 1ª colocada no ranking universitário de 2016 da Folha de S. Paulo. Parabenizo-os, sobretudo, pela escolha do tema, pela sintonia com os problemas críticos de nossa época. A Organização das Nações Unidas no Brasil (ONUBR), em 18/01/2017, relatou: “Em 15 dias, mais de 2,8 mil migrantes chegaram à Europa pelo Mediterrâneo. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) informou na semana passada que 2.876 refugiados chegaram à Europa pelo mar nos 15 primeiros dias de 2017, em comparação com os 23.664 migrantes que entraram no continente no mesmo período do ano passado. Os migrantes desembarcaram principalmente na Itália (2.851) e na Grécia (691), repetindo o cenário observado em 2016. De acordo com a agência da ONU, durante o período, houve 219 mortes, em comparação com os 91 óbitos nas primeiras semanas de 2015. O número de vítimas é considerado baixo pelo Projeto de Migrantes Desaparecidos da OIM, que está investigando relatos recentes que acrescentariam pelo menos mais 200 mortes ao número total. Funcionários da OIM de Roma informaram que tiveram a oportunidade de falar com quatro sobreviventes de um trágico naufrágio ocorrido no último sábado (14) nas águas entre a Líbia e a Itália. Há relatos de que um barco com cerca de 180 migrantes a bordo teria virado no mar agitado próximo ao largo da costa da Líbia. “Parece provável que este incidente tenha resultado na morte de mais 100 pessoas. Ainda não sabemos as nacionalidades das vítimas ou se havia mulheres e crianças no navio. Trata-se de um começo trágico para o ano novo”, disse o diretor do escritório de coordenação da OMI para o Mediterrâneo em Roma, Federico Soda.” Cf. https:// nacoesunidas.org/mais-de-28-mil-migrantes-chegaram-a-europa-pelo-mediterraneo- nos-15-primeiros-dias-de-2017/ Acesso em 04/02/2017. ** Professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais. CNPq/Fapemig.

Transcript of tEMpEStadE EM alt O-MaR -...

  • 41PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    tEMpEStadE EM altO-MaR*

    Tereza Virgnia Ribeiro Barbosa**

    Resumo:

    Traduo com comentrios de uma cena de tempestade na Odisseia de Homero (V, vv. 278-383). Poseido provoca a tempestade que quase suga e mata Odisseu. As deusas Ino Leucoteia/ Brancadei (que lana para ele seu vu protetor) e Atena vm para resgat-lo. Julgamos que a passagem

    ** Recebido em: 25/02/2017 e aceito em: 31/03/2017.

    Agradeo ao Lhia, ao Deivid, que formalmente me convidou, Regina, ao Fbio, aos que acolheram a indicao do meu nome para esta conferncia. uma honra poder estar como colaboradora no Lhia/ UFRJ, a 1 colocada no ranking universitrio de 2016 da Folha de S. Paulo. Parabenizo-os, sobretudo, pela escolha do tema, pela sintonia com os problemas crticos de nossa poca. A Organizao das Naes Unidas no Brasil (ONUBR), em 18/01/2017, relatou: Em 15 dias, mais de 2,8 mil migrantes chegaram Europa pelo Mediterrneo. A Organizao Internacional para as Migraes (OIM) informou na semana passada que 2.876 refugiados chegaram Europa pelo mar nos 15 primeiros dias de 2017, em comparao com os 23.664 migrantes que entraram no continente no mesmo perodo do ano passado. Os migrantes desembarcaram principalmente na Itlia (2.851) e na Grcia (691), repetindo o cenrio observado em 2016. De acordo com a agncia da ONU, durante o perodo, houve 219 mortes, em comparao com os 91 bitos nas primeiras semanas de 2015. O nmero de vtimas considerado baixo pelo Projeto de Migrantes Desaparecidos da OIM, que est investigando relatos recentes que acrescentariam pelo menos mais 200 mortes ao nmero total. Funcionrios da OIM de Roma informaram que tiveram a oportunidade de falar com quatro sobreviventes de um trgico naufrgio ocorrido no ltimo sbado (14) nas guas entre a Lbia e a Itlia. H relatos de que um barco com cerca de 180 migrantes a bordo teria virado no mar agitado prximo ao largo da costa da Lbia. Parece provvel que este incidente tenha resultado na morte de mais 100 pessoas. Ainda no sabemos as nacionalidades das vtimas ou se havia mulheres e crianas no navio. Trata-se de um comeo trgico para o ano novo, disse o diretor do escritrio de coordenao da OMI para o Mediterrneo em Roma, Federico Soda. Cf. https://nacoesunidas.org/mais-de-28-mil-migrantes-chegaram-a-europa-pelo-mediterraneo-nos-15-primeiros-dias-de-2017/ Acesso em 04/02/2017.

    ** Professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais. CNPq/Fapemig.

  • 42 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    como um todo pode ser analisada como uma alegoria. Esta memorvel pas-sagem pode nos servir de estmulo para pensar o conceito de resilincia e associar a cena situao de pelo menos 3.800 pessoas que, at 2016, morreram ou foram perdidas no Mar Mediterneo.

    Palavras-chave: traduo; Homero; Odisseia; tempestade; resilincia; crise migratria.

    StORM On thE hIGh SEaS

    Abstract: We offer a translation and commentaries of a storm passage in Homers Odyssey, (V, 278-383). Poseidon stirs up the storm, which nearly drags and kills Odysseus. The goddesses Ino Leucotea/ Brancadei (who throws his protective veil to him) and Athena come to his rescue. We pro-pose that the whole passage can be analyzed like an allegorical picture. A remarkable and emblematic passage like that stimulates us to think about the concept of resilience. Finally, we compare the storm scene and the migrant crisis when, until 2016, at least 3,800 persons died or were declared missing in the Mediterranean Sea.

    Key-words: translation; Homer; Odysseys storm; resilience; migrant crisis.

    O mar e os gregos1

    Sobre a Grcia, Marie-Claire Beaulieu (2016, p. 1) abre a introduo de seu livro intitulado the sea in the Greek imagination com uma frase de impacto que resume, definitivamente, a eterna condio dessa terra: O mar est por toda parte nas paisagens gregas.

    2 Antes de Beaulieu, porm,

    Francoise Ltoublon (2001, p. 27) afirmou, em sintonia com a colega, que o mar, por certo, figura como meio natural dos gregos.

    3 Beaulieu no refe-

    rido estudo, contudo, vai alm, alarga horizontes e ratifica:

    Dos cumes de montanhas escarpadas s baixas planuras, o Me-diterrneo raramente fica fora da vista. Para os ilhotas e para os moradores da costa martima ele mais do que uma realidade geogrfica, um modo de vida. E isso era ainda mais verdadeiro para os gregos da Antiguidade, que eram excelentes marinheiros e pescadores tarimbados, desde os primeiros tempos. Na verdade, os gregos contavam com o mar no s para seu sustento e transporte, mas tambm para notcias, guerras, trocas comerciais e polticas, bem como para o desenvolvimento cientfico. O mar tambm ocu-

  • 43PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    pou um lugar importante na vida religiosa dos gregos. A gua do mar foi usada para vrios tipos de purificao, muitos rituais eram realizados beira-mar, e alguns festivais prescreviam jogar no mar, aos deuses, as oferendas.

    4

    Entretanto, Ltoublon quem reala a obscura e instigante etimolo-gia do termo definidor das grandes guas sonoras e moventes: ! (LTOUBLON, 2001, p. 28). Beekes (2010, p. 74; p. 530), por sua vez, aponta uma questo curiosa; segundo ele, para nomear o mar, os gregos no usaram a raiz comum europeia, mas recorreram a palavras antigas. Assim, , que antes era sal, tornou-se o mar salgado, e , antes caminho, mar-alto; de outro modo, eles tomaram termos de um suposto pr-grego: o caso de , via de passagem, e , a palavra misteriosa de Ltoublon.

    Todavia, essa grande massa de gua seja no masculino ( , ou ) ou no feminino ( ), seja the sea, o mar ou la mer gua de ambguo carter: alimenta, via de passagem, meio que conduz guerra e morte, elemento que constitui um povo, que firma a cultura; assunto para fazer literatura.

    Mar, lugar onde a liberdade, os encontros e o fracasso residem; espao de jbilo, surpresa e medo; rota e fronteira. Certo que esse Mediterrneo, o mar que chamamos greco-romano, origem de mltiplas estratgias de sobrevivncia, inclusive a que se faz com e pela arte; arte que transporta, de l para c, ideias.

    5 Seu encanto, sua complexidade natural, sua grandeza e

    formosura surpreendem e justificam o fato de que os helenos concebiam-no at como morada de deuses (aqui, nele reside Iemanj!).

    Rodrguez Lpez (2008, p. 178),6 como Ltoublon e Beaulieu, reafirma

    que a Grcia antiga (e, acrescente-se, igualmente a moderna) , por anto-nomsia, desde sempre uma terra marinheira. Ela e o Mediterrneo, que a esculpiu, continuam sendo matria-prima que originou mltiplas e profun-das crenas, prticas, textos e fantasias. Cercados de gua, os gregos, tal como prope Juan Antonio Roche Crcel em El mar en las literaturas del Mediterrneo Occidental (2008),

    7 precisaram poetar essa natureza cir-

    cundante para se autodefinir. Foi, talvez, por isso que o mar se converteu para eles em contrafigura da vida humana, tornou-se espelho que refletia os homens, sua vida e labutas. Pois bem, se o mar matriz literria para inumerveis textos e se o queremos grandioso a ponto de se abeirar ao

  • 44 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    sublime, bastar-nos-ia para arrebatarmos aos poetas o desejo de emular imaginar nele a circunstncia exasperada de uma borrasca.

    Poderamos pensar que tal concepo se firmasse somente para a An-tiguidade ou apenas na regio do Mediterrneo; no assim. A interao com e o enfrentamento do mundo de guas so tarefas ordinrias para mui-tos; os temporais continuam a abastecer relatos de vitrias e derrotas. To-dos os dias, em algum lugar, algum reconta um sucesso, um malogro e um combate no mar. Testemunhos mostram esquecendo por um instante a onda cruel que avana e arrebenta nas praias de pases de todo o mundo com refugiados desprotegidos que fogem de guerras e infortnios nossa ligao visceral com o universo das guas. Frye Gaillard e as colegas Shei-la e Peggy coletam depoimentos de habitantes da regio do Alabama que passaram pelo furaco Katrina no Oceano Atlntico. Dos relatos, destaca-mos apenas um para sensibiliz-los para o tema:

    Chuva, a mais gelada e pesada que eu jamais senti, implacvel, me abateu, ela disse. A um vento depravado me pegou e me afundou para dentro dum buraco desses de uma rvore arrancada. Atraquei num galho e agarrei minha vida querida, mal e mal notan-do os barulhos medonhos minha volta os guinchos de pssaros espavoridos, o grito aflito de um bezerro afogando, os gemidos mortais da velha gua branca do Sr. Deakle soterrada debaixo do celeiro que caiu. (GAILLARD, 2008, p. 3)

    8

    A adolescente de 13 anos, Alma Bryant, conta sua experincia bem no meio do olho do furaco: ela se salvou trepando por cima de escombros que boiavam entre galinhas mortas, capados inchados, cobras se contorcendo (GAILLARD, 2008, p. 3).

    9 Ao fim dos depoimentos, Gaillard (2008, p. 4)

    conclui, pragmtico: [F]uraces vm, furaces vo, exigindo resilincia dos que sobrevivem.

    10

    Eis aqui uma das mais fortes razes para a fecundidade do tpos que elegemos: ele cria modelos de resilincia. O relato da sobrevivente ao Katrina serviu para entendermos a posio de Alma Bryant, que superou porque agiu e reagiu positivamente s adversidades impostas. O valor in-trnseco de vermos, lermos e interpretarmos as tempestades no mar que elas so provas de nossa gana ou desgosto pela vida. Talvez seja este o objetivo de discorrermos sobre o tema, metfora de resistncia e superao em tempos difceis.

  • 45PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    O mar literrio

    Se o mar est por toda parte, ele, coincidncia ou no, est presente tambm em toda a antiga literatura grega remanescente. Evidentemente, seria ingnuo pensar que pudesse haver uma nica viso de to inslido elemento, definido e nomeado de tantas maneiras. Muitos mares h; o nos-so tempestuoso. Escolhemos Homero como base. O aedo seria para ns uma tbua de salvao, pois ele congrega um repertrio cultural comum, se nos reportamos aos seguidores da teoria formular de Milman Parry,

    11 hoje

    j bastante modificada, mas guardando a essncia de sua hiptese. Os poemas homricos definiram, em palavras e frmulas atualmente

    entendidas como large words (conceito que engloba, inclusive, as cenas tpicas, como as de uma tempestade, e histrias formatadas) , um com-partilhado cultural no entorno do Mediterrneo. De fato, possvel elencar as impresses e expresses comuns de um povo em frases e sintagmas recorrentes nesses poemas tal como pensava William Chase Greene (1914) j antes do sistematizador Parry (1930). Ele ponderou:

    Cedo os gregos comearam a pensar no mar. Bem antes dos poemas homricos tomarem forma literria, o grande espetculo de sua silhue-ta e cor, seu drama de som e movimento, deve ter encontrado expresso na lngua. Em sua forma mais simples, isso que significa o epteto homrico, que vocaliza, em modo descritivo largo, a natureza fsica de seu objeto. O mar largo, profundo, sem limite, prpura, vinho-escuro, ele alto e ressonante e muito arrojado, ve-nervel, brumoso. Essa coisa salgada a no vindimada, se este o significado de ; assim, o trilho dos navios nomeado caminhos dgua. Tais descries brotam de impresses que no foram geradas por mente individual nenhuma. Para qualquer par de olhos o mar largo, para qualquer par de orelhas as ondas rezingam, para qualquer lngua elas so salgadas. Bem facilmente esses termos descritivos se fizeram frases convencionais e estereotipadas que se repetiam, naturalmente, nos lbios de cada um, uma vez que j haviam sido utilizadas. (GREENE, 1914, p. 428)

    12

    O que Greene postulou , realmente, o que temos na Odisseia e na Il-ada. A condio dos poemas, terreno compartilhado, deu-lhes o estatuto de literatura de fundao e nos impeliu a abordar a Odisseia em nosso estudo.

  • 46 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    No vamos percorrer os apontamentos de Greene, que cita as ocorrncias do mar em muitos dos seus estados de alma e em vasta seleo de tex-tos,

    13 nem mesmo os de seus inmeros sucessores, que recolhem e analisam

    a presena do mar nos textos legados pelos antigos. Buscamos chegar ao alto-mar da Odisseia e examinar as turbulncias que l se formaram para mirar o resiliente Odisseu. Ele poder nos levar ao sofrimento dos milhes de nufragos que transitam aflitos nas guas do Mediterrneo contempor-neo. Milhares de homens, mulheres e crianas que morrem ao cruzar a rota central do Mediterrneo, o caminho mais perigoso de todos os que o mar oferece. A rota oriental, percorrida por cerca de outros tantos, a maioria da Sria, est fechada desde maro de 2016. Da Turquia para a Grcia, da Nigria, Somlia, Lbia...

    14

    O mar, na Odisseia, a encruzilhada que une tudo: o real dos homens, o sublime dos deuses e o imaginrio dos monstros; via que se desdobra em muitos outros caminhos molhados os (Od. III, v. 71), veredas de um serto literrio inundado. Jaqueline Goy afirma ser a Odis-seia, para alm de uma histria das aventuras de um marujo que retorna, um poema sobre o mar, escrito com tal preciso que poderia ser conside-rado o primeiro tratado de oceanografia. Para ela,

    (...) Odisseia no um simples relato de navegao que permite ir de um ponto a outro, mesmo que Homero nos d o mtodo de se localizar na imensido da plancie marinha. Desse modo, quando Ulisses navega, ele tem os olhos fixos nas Pliades e no Boieiro, que se pe muito tarde, e na Ursa, que tambm chamamos de Car-ruagem, a nica das estrelas que nunca mergulha para banhos de mar. Ele navega, nas rotas da costa, mantendo a Ursa mo es-querda (V, vv. 270-278), assim, com esta orientao, Ulisses segue na direo do leste para voltar para taca. (GOY, 2003, p. 225)

    15

    Vale a pena conferir os versos gregos a que Goy se refere declarando que Ulisses mantinha a Ursa mo esquerda. Os versos so os seguintes (Od. V, vv. 270-277):

    , , ,

  • 47PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    , : , , .

    Ento com arte firmava o leme, sentado; nenhum sono nas plpebras lhe pousa,de olho nas Pliades, no Boieiro que tarde mergulha e na Ursa, a que apelidam vago,a que gira sobre si e espreita o rion,s ela esquiva aos banhos dOceano!Pois a ela tendo ele, esquerda da mo, Calipso,diva de deusas, levou-o a travessar o alto-mar.

    Mas observemos os detalhes da narrativa: o controle do leme, os no-mes das constelaes e a posio das estrelas mostram clara evidncia de intimidade com o mar. O autor parece estar bem sintonizado com o mundo que o rodeia. Jaqueline Goy argumenta que esse criador no somente est situado nos mesmos espao e tempo em que Odisseu navega, como tam-bm extremamente [...] consciente de que o que mais importante para a navegao vela o vento. Prova disso que ele consagra todo o canto X ao poder de olo, mestre do vento, olo que est por trs, quando o vento se solta, a onda se agiganta e se veste com inchadas montanhas (GOY, 2003, p. 226).

    16

    O mar e os ventos so elementos fundamentais para se criar uma tem-pestade. Eles agregam e perturbam troianos, aqueus, antropfagos e gente que come po; ele, o mar odisseico, com as foras dos ventos vindos de olo (ou Zeus ou Poseido), agita os homens, os deuses e os demnios. Nesse vis, nos aliamos a Salvatore Bone, que retoma Zygmunt Bauman, para dizer que o mar movimenta e fecunda a literatura ocidental, e, na Odisseia, constitui-se, com sua movncia, incerteza, contradio e perigo, uma espcie de ideia lquida (BONE, 2016, p. 119), e que a liquidez da ideia mediterrnea significa, antes de qualquer outra coisa, a presena tanto de afirmaes quanto de contradies internas e de projetos hegemnicos (como a ideia colonialista de perceber como fundadora a cultura do Me-diterrneo) que esbarram em enfrentamentos minoritrios (BONE, 2016, p. 126). Recordemos, de novo, os refugiados; a absurdidade das ondas que atravs do mar se pem em fuga; este o contexto que escolhemos para ler

  • 48 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    a tempestade que se abate sobre Odisseu, nufrago exmio que enfrenta o poder tempestuoso de Poseido e se faz, com auxlio da estrategista Atena, vencedor.

    Juan Antonio Roche Crcel coleta e indica, ao estudar o naufrgio na tragdia tica, a construo por alegoria das catstrofes; por essa via, embora expanda sua anlise sobre o medo que se apodera daqueles que navegam o mar e enfrentam piratas, segue Patricio Carvajal quando investiga o nau-frgio (2007).

    17 Ao fim e ao cabo, dos ensaios de ambos, entende-se que os

    gregos, na abordagem do mar, antropomorfizaram-no e, paralelamente, fisio-morfizaram o homem em suas aes e sentimentos. As tormentas so como os infortnios. Crcel conclui que, nas tragdias, os dramaturgos conceberam o homem como o mar: um ser trgico assolado por desgraas e abatido pelo medo e pela dor que vive sob os mesmos tipos de foras que, com violncia, aoitam o mar e as ondas que se debatem contra os rochedos.

    Atribuda aos deuses, a tempestade tem beleza especial. Observar cu e mar em grande turbulncia pode ser um estratagema para criar um espet-culo arrebatador, oportunidade inigualvel de, na literatura, gerar o subli-me.

    18 Henry J. M. Day (2013, p. 142-156), investigando a obra de Lucano,

    poeta do rol de emuladores de Homero, entende que o latino, por seu tur-no, no limita a tempestade aos deuses. Para Day, Lucano v as borrascas como manifestao de fenmenos naturais de poder e desordem a um s tempo. Desse modo, o enorme volume lquido que desaba sobre um solit-rio marinheiro tem carter claramente alegrico e, nesse vis, o mar terrvel que desagua sobre Odisseu, depois de sua partida de Oggia para Esquria, pode ser visto, em meio s inmeras paisagens que se descortinam na Odis-seia, como efeito para retratar a luta do homem contra a aniquilao total. Ns, espectadores de terra firme, ou do livro aberto, provamos do terror instigado pelo poder das guas (ou dos deuses) em convulses.

    Vislumbremos, portanto, a bravura do heri singular que enfrenta no s a borrasca que se forma, mas todo o cosmo em fria: um homem contra o Mediterrneo inteiro. Vamos focalizar o tpos da tempestade. Os deuses decidiram: Odisseu deixar Oggia. Calipso, a contragosto, instrui o Laer-tida, que corta toras de madeira, prepara-as e faz sua embarcao. A ninfa auxilia, produzindo vento propcio nas velas do audaz navegante. Foi-se seu amado refm. A tranquilidade dura o tempo de 17 dias, mas no dcimo oitavo... Vejamos o que Homero diz:

  • 49PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    , , 280 . . , 285 , , , , . . 290 , , . 295 , . , , ; , 300 , , . , , . . 305 , . . 310 , . , .

  • 50 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    , 315 , . , 320 , . , , . , , , 325 . . , , 330 , . , ,, , . 335 , , , , , ; 340 . , , , . 345 , . , , . 350 ,

  • 51PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    : . , 355 , , . , , . , ; 360 , ,, . , , , , . . 370 , , , . , , , . , 375 : , . . 380 , , . . , , , 385 .

  • 52 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    Dez e mais sete dias navegou, cruzando alto-mar; a, no dcimo oitavo, apontou a serra sombria daterra dos fecios. Estava l bem rente a ele!Surgiu qual couraa em riba do alto-mar nevoado...S que a ele o chefe treme-terra, revindo dosetopes, ao longe, l da serra Solimo, mirou! Ele surgiu vogando mar! Ento enfuriou-se mais fundo e, pro imo peito, o topete agitando, atestou:Opa! Decerto os deuses pra Odisseu bandearam outra vez, no meio da minha estada cos etopes; mais a mais, ele j vai perto da terra dos fecios; l, pra ele, fado safar-se do cume da misria que lhe veio. Mas hei de lev-lo, juro, ao fastio do medonho.No que disse, juntou nuvens e franziu o alto-mar;nas mos o tridente tomando, toda ventania topetoucoos tantos ventos todos e todos os nevoeiros enublou a terra e, na mesma, o mar! Noite breou cu abaixo.Com o Euros o Notos topou; tambm o afiado Zfiro comBreas, boreal filho etreo, o que a gr onda ondeia.A, pois, vacilaram de Odisseu suas juntas e o flego; marfado, ele diz ao imo do gro corao: que frouxo sou, que me vem agora l de to longe? Temo. Vai que decerto a deusa disse s desengano?!Ela me disse que no mar, antes de a terra ptria chegar,dores ho de transbordar! Isso tudo j se cumpre.Quanta nuvem rodeou Zeus no enorme cu,ele franziu o alto-mar e as ventanias rugem, coos ventos todos, agora me salvo pra um podre fim. Os dnaos... tri, tetrafelizes os que se finaramna larga Troia, levados ao sabor dos atridas! ; eu devia ter morrido e rematado o porvir no dia que contra mim, muitos, com paus-de-espeto-bronze, os Troas, disputavam o Pelida morto.Nisso qui lograva ritos, tinha glria entre os Aqueus!Jagora, em soturna morte, foi-me dado morrer.No que falou, por cima uma superonda, de chofre escarrada, lacera-o; a barca rangiu em roda.

  • 53PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    E pra longe da barca ele bateu e o timo dasmos arrancou! E, ao meio, o mastro forte se lhe partiu no chegado da chusma de cruzados ventos; e, l longe, panos e ripa despencam no alto-mar.E por muito tempo afundado o deixou; nem podia,de pronto, boiar, retido pela bruteza da grande onda! que a veste pesava, a que lhe deu a diva Calipso.Devagar subiu, cospe da boca salmoura emfel, a que da cabea lhe escorria muito, enem assim, mesmo roto, da barca descuidou; e,rompendo pelas ondas, prendeu-a, bem no meio,sentou, ele que do arremate de morte se safou.A ela a grande onda no enxurro levava, pra c e l,tal qual Breas outonal acantos pela planura rolae eles, embolados entre si, maranhavam; assim, a ela os ventos rodam pelo mar-pleno, pra c e l!Dum lado Notos joga pra Breas rodopiar;do outro, de volta, Euros larga pra Zfiro lufar.Mas viu-o a filha de Cadmo, Ino fino sop, Brancadei dantes mortal e que sonorosa fora,agora partilha de deuses, nos altos-mares-puro-sal,honras. Ela lastimou o vagante Odisseu, to dodo,a, qual mergansa voante aparecida dum remanso, aflorou, e se meteu nas trelas da barca e disse fala:Qual qu, camaro, contra ti Poseido treme-cho encrespou bravio e tantos males te gerou, por qu? , mas, inda que to afanado, arrasar-te no vai.Ento, faz isto aqui, no me pareces desvairar: Desveste estas vestes, deixa que os ventos a barca levem, de braadas, porm, nadando, acha volta para a terra fecia; l, destino, tu te hs de safar.Ta, toma! roda do peito esse indestrutvel xale enrola! No temas nem padecer nem morrer. Mas quando ferrares mo no cho firme,larga-o e lana-o no alto-mar mareante de volta; distante da costa e vira tu prprio as costas pra longe.No que assim vozeou a deusa, a, o xale entregou e,

  • 54 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    de volta, pelas funduras do alto-mar ondulado, qual mergansa afundou; coa onda sombria se cobriu.Mas o sofrido Odisseu divino se inquietoue, aflito, disse mesmo ao seu largo peito:Aziago eu! Acaso outro dolo teceu pra mim umdos imortais, nisso de me forar a pular da barca?Decerto, mas eu c, ainda, no me rendo, pois dos olhos longe vejo a terra quela disse que asilo me h de ser. Decerto, mas isto que farei, digno me parece ser:o tanto que possam encaixadas estar as ripas, ata, fico na mesma, resisto dores padecendo, no que me vem a onda pra desmantelar a barca:nadarei, pois no h previso de nada melhor.Mal ia levantando tais coisas no tino e no imo,levanta por cima grande onda Poseido treme-cho,conchuda, brutal e colossal, e ela a ele arremessa.Foi tal qual vento borboto que fardos de trigo secodesmantela e, ara!, tudo espalha, ali, alhures, l!E assim um ripazal espalhou. S que Odisseu emcima duma ripa montou e galgou tal qual gua guiada,as vestes desvestiu, as que Calipso diva lhe deu.E, de pronto, o xale roda do peito enrolou, emesurado caiu no mar-pleno, braos em asas,disposto a nadar. S que o chefe treme-cho viue agitou o topete e pra seu imo peito murmurou:Pois seja: no sofrer muitas agruras, erra pelo alto-mar,qui, at te infiltrares entre robusta gente de Zeus,indassim, me fio: tu no hs de demandar bordoadas.Assim, no que retumba, aoita as guas-belas-crinas,partiu para Egas, l onde, pra ele, h opima manso.Nisso Atena, a moa de Zeus, diverso pensou. Eh! Os cursos mesmos dos outros ventos trancou e ordenou cessar e remansarem-se todos! A,assopra pro Breas veloz e quebra o mar-das-ondasat quele, Odisseu-de-Zeus-nascido, entre os fecios remeiros se infiltrasse fugido da morte e da m sorte.

  • 55PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    Comentrios

    O chefe treme-terra Poseido detesta Odisseu. Por isso, o poeta demar-ca enfaticamente a chegada dele, que far o heri, debaixo de forte refre-ga, combater as foras da natureza, descer s funduras das guas, receber auxlio dos deuses e chegar, nufrago, a terra desconhecida. Que detalhes construram a magnificncia da passagem?

    O excerto se abre com uma frmula comum para marcar a durao da viagem em dias: topamos o 18 dia sem novidades. Pachorra. De repente, desponta longe Poseido. A forma verbal usada , surge, des-ponta (traduzida por apontou; homenagem ao som do termo ). Ele apontou na serra (o neutro plural foi vertido como coletivo: serra sombria). Boa notcia: Esquria rente a Odisseu, igual a um escudo boiando no mar. A leitura que adotamos, escudo/couraa, para a terra que boia no mar a da edio do Perseus.

    19 Assim, temos

    , ou seja, tal como couraa. O sintagma expresso condensada da frase , veio assim como uma couraa que aparece sobre.... Trata-se de uma comparao breve e por metonmia ( couro de animal; parte de alguns escudos era coberta por couro; entende-se a parte pelo todo). O recurso tem efeito visual imediato, j que os escudos homricos, redondos e com lombada, se colocados de borco, do impresso de pequenos montes; nesse sentido, Esquria tinha forma arredondada com elevao central. Alegra-se Odisseu. Seu maior inimigo est de frias! Como artfice engenhoso, o poeta retoma os versos 22-25 do canto I, quando, para alvio de guerreiro, Poseido descansa entre os eto-pes. A terra dos etopes, nos poemas, lugar distante, l onde os deuses fazem banquetes e festas. No s Poseido, como tambm Zeus e ris ficam de folga (Il. I, vv. 423-424; XXIII, vv. 205-208). Hoje essas plagas so ptria de aflitos que se lanam ao mar fugindo de sistemas totalitrios. Por certo, dura pouco o sossego do navegante. Eis que cruel vem Poseido, que visa longe o infeliz. E onde se coloca o deus para avistar Odisseu? No topo da serra Solimo. Perrin afirma que os eram um lugar mtico na sia Menor, prximo da Lcia (PERRIN, 1894, p. 29). Herdoto (1, 173) identifica seus moradores como Lcios (1, 173), mas Homero (Il. VI, vv. 167-186) coloca-os, no episdio de Belerofonte, como inimigos. A re-gio, segundo Merry e Riddell, foi colonizada por cretenses (1886, p. 235). Stanford (1990, p. 278) remete o leitor a Herdoto e a Estrabo (1, 21, 10)

  • 56 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    e confirma seus antecessores. Heubeck, West e Hainsworth (HWH)20

    real-am o lugar como ponto estratgico de viso e comentam a capacidade dos deuses de distinguirem as coisas ao longe; citam o epteto para Zeus e Hlios. Para Pierron (1875, p. 247), o termo , genitivo de , refere-se a uma cadeia de montanhas na Pisdia, da traduzirmos a expresso por serra Solimo.

    Eis Homero construindo o suspense. Estamos tensos, Odisseu vem vagando tranquilo, mas, sem saber, est sob a mira de Poseido. O dio do deus, pela frmula (PERRIN 1894, p. 30), colocada imediatamente depois de seu olhar (v. 284), se acirra; a frase frequente na exposio dos afetos violentos. Pierron entende que o advrbio d um tom de grandeza veemente e indefinida (1875, p. 247). Cada vez mais o tpos da tempestade se conforma com o sublime. Poseido se pe a falar em lar-go solilquio; alis, no trecho, esse recurso bastante utilizado (4 vezes em 109 versos). HWH (1990, p. 280) informam que, em todo o restante do po-ema, contra o excesso desses versos, a frmula ser utilizada apenas quatro vezes. Na Ilada, utilizada uma vez no canto XI e trs no XVII; uma vez no XVIII e duas nos cantos XX, XXI e XXII cada um, isto , 11 vezes ao todo. Poseido-mar-antropomorfizado exibe sua irritao com um balanar de cabea, . A frmula se repete na Ilada (XVII, vv. 200 e 442). , para ns, passou a ser topete. Num mover de cabea, v-se a cabeleira do deus, as cristas de ondas; movncia das guas-cabelos--ondulados de Poseido. Imagem magnfica.

    O deus brame em frmula recorrente:21

    , e compe o 1 hemistquio do v. 286 (lemos o termo como uma interjeio, opa!). Ele est enfurecido: foi passado para trs; mesmo assim, reco-nhece: Odisseu vai se salvar, quando chegar terra dos fecios; por isso, urge faz-lo sofrer, uma compensao pelo cegamento de Polifemo. Nesse trecho a palavra importante. HWH (1990, p. 333) indicam vrios estudos sobre a passagem e sobre o uso do termo , que integra, nos poemas, o campo semntico do destino. A bibliografia vasta (cf., por exemplo, A. W. H. Adkins 1960, p. 17-29). O que queremos destacar, porm, que o termo, sendo um paralelo conceitual de (parte, lote, poro, sorte), alternativa mtrica til. Ardil potico eficaz: Poseido, ao indicar que Odisseu vai se salvar, deixa-nos tranquilos para apreciar o hor-ror do temporal que vem. A ameaa sugere o tipo de gozo: vamos assistir a uma tragdia, o divino levar o mortal s raias do fim (v. 289, ):

  • 57PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    uma catstrofe sem morte. A nfase da ira de Poseido se pode notar pelo sintagma ; nele, o tem o sentido de (PIERRON, 1875, p. 247). Traduzimo-lo como hei de, que, por sua vez, se associa a e se junta com , isto , digo que o levo. A traduo tendeu para o estranhamento; afinal, uma divindade que fala e ameaa!

    Mas, como vimos, quando Poseido aparece e aqui se usa de uma qua-se dramaturgia (LTOUBLON, 2001, p. 30) , o narrador conduz o ouvinte com pulso forte e o faz participar da aflio do heri. Depois do anncio de tal sofrimento causado ao heri, tudo comea. As nuvens amontoadas vo esconder Esquria. Diferentes ventos sopram de uma s vez; o cu desce e se une com o mar; acumulaes e imagens hiperblicas aparecem. As aes so rpidas: juntar nuvens, franzir o mar, levantar o tridente e instigar ventos. Todos os quatro ventos do mar Egeu mar interior na bacia do Mediterneo uns contra os outros, em fria, esto em cena. Nuvens e mar, sob a ao do deus, vo se unir contra Odisseu. O efeito sublime (DAY, 2013). Ga-nham destaques o enjambement e a rapidez de ritmo dos versos. A passagem sustenta-se no real. R. Hampe (1952, p. 7 e 8 principalmente) indica que as tormentas so bruscas e caticas no mediterrneo. Na traduo, preocu-pamo-nos em preservar a personificao do mar; por isso, o verbo / , agitar, perturbar, assustar, etc., foi traduzido guardando o es-tranhamento da figura divina em ao por franzir.

    Cresce a imagem, recorrente na iconografia, do deus que instiga mar e ventos com o seu tridente. Ele escondeu a terra dos fecios, ocultou com nuvens mar e cu. Tudo breu. Terra, mar e cu anoitecido se tornam um s e escuro mundo. Merry e Riddell (1886, p. 236) e Stanford (1987, p. 302) fazem notar que a linguagem e o ritmo do verso sugerem ao repentina. Stanford reala o monosslabo no fim do v. 294, que se fecha de for-ma abrupta: a noite desgua, desaba em sbita queda.

    Observe-se que a unio das foras da natureza contra o heri no exclui, inclusive, a disputa delas entre si. Na primeira etapa, nuvens e ondas agem juntas, nessa segunda os ventos se desentendem. O Euros se choca com o Notos; o Zfiro, que designado como um vento assaz violento (cf. Il. II, v. 147), com o Breas. O deus fez. Odisseu tremeu. Ele prorrompe em lamen-tos. Desejaria ter morrido na guerra, lastima, pois, no mar, no vai angariar faustoso funeral. Seu vigor foi abalado no corpo e no nimo. Universo e heri esto em caos. Os sentimentos misturados se manifestam num soli-lquio mais longo que o de Poseido. O v. 299 se inicia com uma frmula

  • 58 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    banal ( , em nossa traduo, que frouxo sou!) que soa como reprimenda de si para si. O filho de Laertes, num abalo momen-tneo, assume o medo, ; recompondo-se, volta sua capacidade de rever as prprias aes e redireciona-se para o propsito final. Assim faz retrospectiva das previses de Calipso. A profecia traz-lhe alento.

    A ateno do nufrago est no espao do vasto cu. O heri fica de tal modo impressionado que atribui a ao formadora da tempestade a Zeus, o mor. Ele erra; Poseido gerou a tormenta. A ignorncia do agente por parte de Odisseu, para HWH (1990, p. 281), cria verossimilhan-a; ns a vemos, entretanto, como ironia do poeta. O tom irnico, o qual tentamos manter na traduo, reiterado por causa da anttese na fala do heri: Agora me salvo para um podre fim.

    Subindo aos cus, em tom exacerbado e crescente, vo os seus quei-xumes. O passado invadiu a memria desse ex-combatente, e a nostalgia de Troia e a vontade de morrer em glria o esmagam. Ele lamuria-se por no poder conquistar para si as honras devidas aos vares valorosos, as que Aqui-les recebeu; faanha ambiciosa: um simples mortal ser tratado como Aquiles, o filho de Ttis... Alis, nessa circunstncia, a Odisseu de nada lhe valeu ser bisneto do rei dos ventos. O lamento o faz pattico. A exposio ps-morte, que traz consequncias para o defunto (Il. XXIII, vv. 69-74; Od. XI, vv. 51-78) e configura humilhao (HWH, 1990, p. 281), o oprime. O fausto dos fu-nerais homricos representa o prmio derradeiro; alm disso, em tempo de guerra, a morte se converte em festim (VERMEULE, 1984, p. 183). Morrer era definitivo. Por alguns instantes nos esquecemos de Poseido. E, de s-bito, no movimento csmico desordenado, o assalto de uma onda enorme estraalha a barca e lana fora o heri. A onda desce do alto descrevendo um ataque brusco o qual traduzimos por escarrar, personificando a onda como uma excreo do mar-Poseido. A barca rangiu. Podemos pensar que o texto sugere outro efeito de suspense e perguntamos: Odisseu vai morrer ago-ra?. Afundado no abismo, ele no podia erguer-se (v. 320), mas, resiliente, retorna. J quase perdido, recebe o auxlio leal de Ino Leucoteia, nome que traduzimos por Brancadei. Sua interveno uma surpresa, dado que, na rotina do poema, espervamos que fosse outra a salvadora. Lambin (2004, p. 99) constata a expectativa frustrada com a ausncia de Atena nesses ver-sos. A deusa aparecer apenas no final da cena. Brancadei surge, em smile, como um pssaro marinho, ; alguns traduzem o vocbulo por mer-gulho, uma espcie do gnero Mergus hoje ameaada; outros, por gaivo-

  • 59PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    ta; ns o traduzimos por mergansa. O smile para os que conhecem o objeto recuperado nos faz ver a forma quando surge a tal marrequinha, mergansa. Em meio a bravo temporal, no mesmo verso, como reala Lambin (2004, p. 100), um remanso (). nesse lugar sossegado que ela boia. Deusa sendo, como Calipso, ela prev a vitria de Odisseu no combate con-tra guas e ventos; depois disso, ela ordena e recebe uma desobedincia em troca. A razo da rebeldia e resistncia de Odisseu advm do fato de que a ordem causar dupla perda: o abandono da barca e das ricas vestes oferecidas por Calipso (LAMBIN, 2004, p. 101). Ademais, a recusa refora o carter astucioso de Odisseu, que duvida da oferta e gratuidade da deusa. S no v. 373 que ele reconhece que seu prprio corpo, com o auxlio da estranha deusa, ser meio mais eficaz para a salvao. Nada lhe restar; da divindade e de seu prprio corpo vir sua redeno. Ino exortou: abandonar o navio sem olhar para trs, usar o xale ofertado e abandon-lo tambm. A passagem sugere um tpos comum: h perigo no apego e no ato de olhar para trs. O recado foi dado, a cena se fecha com uma frmula recorrente nos poemas homricos, , que normalmente compe o 1 hemistquio de versos de transio.

    O heri pondera, em solilquio, e no se entrega confiadamente or-dem de uma marrequinha. O trecho tem um tom emocional bem marcado pela expresso , traduzida como aziago eu. O medo aumenta (PERRIN, 1894, p. 37), teriam os deuses fabricado para ele mais um dolo ( )? Com sua hesitao, a dramaticidade cresce. Enquanto refle-te, em meio pausa deliberativa, de chofre, ele recebe outro golpe fulmi-nante do mar. a forte e intimidadora grande onda, a conhecida e temida pelos marujos veteranos. Merece realce a fuso Poseido e onda de mar (v. 366-367): o deus se torna um enorme corpo de gua e, atravs dessa fu-so, entra em ao novamente; brutal e colossal, ele arremessa o heri para longe. Unem-se mar, vento e deus em crescendo de foras, o pice do combate. A onda implacvel descrita em detalhes: vem do alto, enorme, , (colossal, brutal e em forma de arco, ou de concha). Na traduo, trocamos a ordem por motivos de sonoridade. Assim, aps a descrio minuciosa, o poeta, atravs de um smile, nos leva para a imagem de destruio provocada por uma ventania no campo.

    22

    Finalmente, depois do baita susto, Odisseu resolve atender marrequi-nha-deusa: desveste a tnica, monta sobre uma das ripas despregadas da barca e, como se cavalgasse uma gua, nu, se pe a nadar. Mas, de pronto,

  • 60 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    entra em cena, outra vez, Poseido. Cresce o medo na gente. Odisseu s, em pelo, sobre um pedao de madeira, que mais lhe advir? Enfim nossa expectativa frustrada. Poseido, entediado, desdenha e abandona a pobre presa ao sabor das ondas. O deus parte para Egas, lugar de culto seu. Princi-pia a bonana com Palas Atena, que fecha os caminhos dos ventos (exceto a rota do Breas), que devem se acalmar () para dormir. Com o auxlio da padroeira, Odisseu, no bafejo de Breas, depois de nadar por dois dias, chega a Esquria (PERRIN, 1894, p. 39): a salvao no tarda.

    Documentao escrita

    HOMER. homers Odyssey. (Books I-XII). Introd. e comm. W. Merry; James Riddell. Oxford: Clarendon Press, 1886. (v. 1)._____. homers Odyssey. (Books V-VIII). Introd. e comm. B. Perrin. London/Boston: Ginn & Company, 1894._____. Iliad. Disponvel em: . Acesso no perodo de 10/12/2015 a 10/12/2016._____. Iliadis. Oxford: Oxford University Press, 1989. (v. I e II).HOMRE. lOdysse dhomre. (Chants I-XII). Introd. e comm. Alexis Pier-ron. Paris: Librairie Hachette, 1875.HOMER. Odyssey. Disponvel em: . Acesso no perodo de 10/12/2015 a 1012/2016._____. Odyssey of homer. Introd. e comm. W. B. Stanford. London: St Martin Press, 1987.

    Referncias bibliogrficas

    ADKINS, A. W. H. Merit and responsibility: a study in Greek values. Oxford: Clarendon Press, 1960.BEAULIEU, M.-C. the sea in the Greek imagination. Philadelphia: Univer-sity of Pennsylvania Press, 2016.BEEKES, R. Etymological dictionary of Greek. Leiden/Boston: Brill, 2010.BONO, S. Mediterraneo, storie di uma idea liquida. Mediterranea: ricerche storiche, Palermo, v. XIII, n. 36, p. 119-132, 2016.

  • 61PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    CHANTRAINE, P. dictionnaire tymologique de la langue grecque: histoi-re des mots. Paris: Les ditions Klincksieck, 1968/1970/1974/1977. (v. I, II, III, IV).CCERO. Antnio. Guardar: poemas escolhidos. Rio de Janeiro/So Paulo: Editora Record, 1996.DAY, H. J. M. lucan and the sublime: power, representation and aesthetic experience. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.FENNO, J. A great wave against the stream: water imagery in Iliadic battle sce-nes. american Journal of philology, Baltimore, v. 126, n. 4, p. 475504, 2005.FOLEY, J. M. Reading Homer through oral tradition. college literature, West Chester, v. 34, n. 2, p. 1-28, 2007.GAILLARD, F.; HAGLER, S.; DENNISTON, P. (Org.). In the path of the storms. Auburn/Alabama: Pebble Hill Books/Auburn University Press, 2008.GOY, J. La mer dans lOdysse. Gaia: Revue interdisciplinaire sur la Grce Archaque, Grenoble, v. 7, n.1, p. 225-231, 2003.GREENE, W. C. The sea in the Greek poets. the north american Review, Cedar Falls, v. 199, n. 700, p. 427-443, 1914. HAMPE, R. die Gleichnisse homers und die bildkunst seiner Zeit. Tbin-gen: Max Niemeyer Verlag, 1952.HEUBECK, A.; WEST, S.; HAINSWORTH, J. B. a commentary on homers Odyssey. Oxford: Clarendon Press, 1990. (v. I).JANKO, R. the Iliad: a commentary. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. [v. IV (books 13-16)].LAMBIN, G. Lpisode dIn-Leucotha (Odysse, V, v. 333-353), bulletin de lassociation Guillaume bud, Paris, v. 1, n. 2, p. 97-110, 2004. LAUSBERG, H. Elementos de retrica literria. Trad. R. M. Rosado Fernan-des. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1972.LTOUBLON, F. Le rcit, de la formule limage. Europe: revue littraire mensuelle Homre, Paris, n. 865, p. 20-47, 2001.LPEZ, M. I. R. Arqueologa y creencias del mar en la antigua Grecia. Ze-phyrus, Salamanca, n. LXI, p. 177-195, enero-junio/2008. MORRISON, A. D. the narrator in archaic Greek and hellenistic poetry. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. MUGLER, Charles. les origines de la science grecque chez homre. Lhomme et lunivers physique. Paris: Librairie C. Klincksieck, 1963.

  • 62 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    PARRY, M. Studies in the epic technique of oral verse-making. In:_____. (Org.) the making of homeric verse: the collected paper of Milman Parry. Oxford: Clarendon Press, 1971, p. 266-324.PEREIRA, M. H. da R. Frmulas e eptetos na linguagem homrica. alfa, So Paulo, v. 28, p. 1-9, 1984.THEODOSSIOU, E.; MANIMANIS, V. N.; MANTARAKIS, P.; DIMITRIJE-VIC, M. S. Astronomy and constellations in the Iliad and Odyssey. Journal of astronomical history and heritage, Chiangmai, v. 14, n. 1, p. 22-30, 2011.VERMEULE, E. la muerte en la poesa y en el arte de Grecia. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1984.VIVANTE, P. homer. New Haven: Yale University Press, 1985. _____. Rose-fingered Dawn and the idea of time. In: ATCHITY, K.; HOGART, R. C.; PRICE, D. (Org.). critical essays on homer. Boston: G. K. Hall, 1987, p. 51-61._____. the epithets in homer: a study in poetic values. New Haven/London: Yale University Press, 1982.

    Stios

    CRCEL, J. A. R. Una aproximacin sociolgica y cultural al mar desde la tragedia griega. In: CORTS, C. (Org.). El mar en las literaturas del Medi-terrneo Occidental. Universitat dAlacant. Alicante: Biblioteca Virtual Mi-guel de Cervantes, 2008. Disponvel em: . Acesso em 04/06/2015.CARVAJAL, P. I. R. Naufragio, Piratera y Sodales Martimas. Revista de estu-dios histrico-jurdicos, Valparaso, n. 29, p. 233-243, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 04/06/2015.ORGanIZaO das naes Unidas no brasil. Disponvel em: . Acesso em 04/02/2017.MAIS de 40 refugiados morrem em naufrgios no mar Egeu. Disponvel em: . Acesso em: 22/01/2016.

  • 63PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    notas

    1 Esta conferncia parte de pesquisa mais ampla, desenvolvida com Matheus Tre-

    vizam e Jlia Avellar, e que se dedica ao estudo do tpos da tempestade no mundo antigo.2 Nossa traduo para: The sea is everywhere in the Greek landscape.

    3 Nossa traduo para: ... la mer semble, certes, tre le milieu naturel des grecs.

    4 Nossa traduo para: The sea is everywhere in the Greek landscape. From rug-

    ged mountaintops to low-lying plains, the Mediterranean is rarely out of sight. For islanders and coastal villagers the sea is more than a geographical reality, it is a way of life. This was even truer for the Greeks of Antiquity, who were excellent seafa-rers and sustained fisheries from the earliest times onward. In fact, the Greeks relied on the sea not only for sustenance and transportation, but also for news, warfare, commercial and political exchange, as well as scientific development. The sea also held a large place in the religious life of the Greeks. Seawater was used for various kinds of purification, many rituals were held on the seashore, and some festivals required throwing offerings to the gods into the sea. Seafaring was also the occasion for numerous rituals. In this way, the sea pervades many aspects of ancient life.5 A. Ccero (1996, p. 25) canta a chegada de um emigrante pelo mar: Buscando

    o ocidente com o olhar/ que desde sempre foi lmpido e grvido./ Chegou terra ao fim de todo mar./ Sem planos certos foi e at sem roupa, / sem cada dia o po e sem famlia,/ sem nem saber o que era o Ocidente,/ chegou chorando assim como quem nasce, e o mundo alumbra um segundo e assombra. Perguntamos: pode a arte estrangeira (mar literrio) chegar ao Brasil como criana que nasce chorando esperando uma traduo?6 Nossa traduo para: Grecia es una tierra marinera por antonomasia y el mar un

    elemento que habra de convertirse en el origen de mltiples y profundas creencias. Em un marco ideolgico de tintes naturalistas, el dominio martimo desempe un papel cardinal en la civilizacin griega, ya que muchas de sus facetas, tanto hist-ricas como legendarias, tienen al mar como teln de fondo. La complejidad natural del pilago, cuyos fenmenos tienen la capacidad de sobrecoger el espritu humano, su insondable grandeza, su versatilidad, su misterio y su hermosura justifican que el mar fuera concebido por los griegos como morada de los dioses, espacio de mitos y creencias.7 Publicao on-line, disponvel em . Texto no paginado. Acesso em 20/01/2017.8 Nossa traduo para: Rain, the coldest and heaviest I have ever felt, pounded me

    relentlessly, she said. Then the vicious wind picked me up and immersed me in one of those craters made by an uprooted tree. I clutched the limb . . . and held on

  • 64 PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    for dear life, barely conscious of the weird noises all around me the shrieks of fri-ghtened birds, the woeful cry of a drowning calf, the dying moans of Mr. Deakles old white mare pinned beneath the demolished barn.9 Traduo nossa de: dead chickens, bloated hogs, writhing snakes.

    10 Traduo nossa para: The hurricanes come and the hurricanes go, requiring re-

    silience of those who survive.11

    Bibliografia breve: Parry (1971), Vivante (1982 e 1987, Clark (2006), Foley (2007).12

    Nossa traduo para: The Greeks began early to think about the sea. Long before the Homeric poems took literary form, the great spectacle of its shape and color, its drama of sound and motion, must have found expression in speech. In its simplest form, this means the Homeric epithet, which voices in a large descriptive way the physical nature of its object. The sea is wide, deep, boundless, purple, or wine-dark; it is loud-sounding and much-dash, hoary or misty. This salt thing is unvintaged, if that be the meaning of ; as the highway of ships, it is named the waterways. Such description comes from impressions that have not been turned over in any individual mind. To any pair of eyes the sea is large, to any ears its breakers are surging, to any tongue they are salt. Quite easily the descriptive terms became stereotyped in conventional phrases which recurred naturally to the lips of everybody, when once they had been used. 13

    Tambm Juan Antonio Roche Crcel cataloga as ocorrncias de imagens do mar. Ele se restringe ao teatro, tragdia, em Una aproximacin sociolgica y cultural al Mar desde la Tragedia Griega.14

    Dados disponveis em . Acesso em 22/01/2016.15

    Nossa traduo para: (...) lOdysse nest pas un simple rcit de navigation pour aller dun point un autre, mme si Homre donne la mthode pour se reprer dans limmensit de la plaine marine. Ainsi, lorsque Ulysse navigue: son il fixait les Pliades et le Bouvier qui se couche si tard et lOurse quon appelle aussi le Chariot, la seule des toiles qui jamais ne se plonge aux bains de locan. Il navigue sur les routes du large en gardant toujours lOurse gauche de la main. (V, vv. 270-278), si bien quavec cette orientation, Ulysse va vers lest et revient vers Ithaque.16

    Nossa traduo para: [] bien conscient que ce qui est le plus important pour la navigation voile cest le vent, au point quil consacre tout le chant X au pouvoir dole, matre du vent: Quand le vent se dchane, le flot devient gant et dresse ses montagnes gonfles.17

    Nossa traduo para: El naufragio en la Antigedad, adems de su sentido ca-tastrfico, conservado hasta hoy a pesar de los cambios culturales (...) tambin tuvo

  • 65PHONIX, Rio de Janeiro, 23-2: 41-65, 2017.

    un sentido religioso-poltico completamente diferente. Dicho sentido, que es el originario, conecta el naufragio con la exclusividad de la proteccin divina y, en consecuencia, tambin de la proteccin jurdica a los solos individuos de la propia sociedad poltica: con meridiana claridad, los antiguos pensaban que si un extran-jero (...) sufra una catstrofe martima (...) esto no poda ser otra cosa que la ex-presin del castigo proveniente de la ira de los dioses, de tal forma que el nufrago era un sujeto completamente indigno del socorro de los hombres y del de la ley. (Publicao on-line, texto no paginado).18

    Entendemos o sublime como uma estratgia de criao que oferece meios para se obter a sensao de imponncia, temor e maravilhamento diante de fenmenos naturais grandiosos. 19

    Homero ser citado a partir do texto oferecido gratuitamente pelo Projeto Per-seus: Odyssey, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3atext%3a1999.01.0135; (acesso de 10/10/2015 a 10/12/2016); Iliade, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3atext%3a1999.01.0133; (acesso no perodo de10/10/2015 a 10/12/2016). Edio escolhida por estar em domnio pblico.20

    A partir de agora citados como HWH.21

    Esta frmula ocorre na Odisseia, por exemplo, em IV (v. 169 e v. 333), IX (v. 507), XI (v. 436), XIII (vv. 172 e 383) e XVII (v. 124).22

    Stanford comenta que este canto V seria o trecho do poema em que h mais smi-les (vv. 328, 394, 432, 488). Todos, exceto um, tomados da vida rural que contrasta com as vagas martimas (STANFORD, 1987, p. 304).