TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE ELA, FIME DE … Coninter 4/GT 17/10. TEMPO E ESPACO EM...

12
TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE. SANT' ANNA, Paula. Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4 128 TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE SANT' ANNA, Paula. Mestranda do Programa de Memória Social da UNIRIO Bolsista CAPES [email protected] RESUMO: Este artigo é uma leitura de "Ela" (2014), filme de Spike Jonze, que chama atenção do público e da crítica porque propõe uma reflexão sobre como a sociedade está convivendo com os avanços tecnológicos que adentram a vida moderna com objetivos para além do instrumento. O ciberespaço inicia uma era de interação com nossas próprias personas e nesse texto é discutido como essas personas "físicas" e "virtuais" dividem e se dividem por entre os espaços físicos e virtuais, evidenciando as noções de tempo cronológico e tempo real, espaços físico e espaço virtual, com o argumento de que o sistema capitalista, desde sua origem, age sobre o Homem com a promoção da "felicidade" por via do consumo. Palavras chaves: Sociedade. Cibercultura. Cinema. ABSTRACT: This article is a reading of "Her" (2014), a Spike Jonze's movie, that call attention from the public and from the critics because it proposes a reflection about how society is living with the technological advances that enter modern life with goals beyond the instrument. Cyberspace begins an Era of interaction with our own personas and on this text is discussed how these "physical" and "virtual" personas share and share themselves between the physical and virtual spaces, showing the chronological time and real-time notions of physical space and virtual space, with the argument that the capitalist system, from its origin, acts on the man with the promotion of "happiness" via consumption. Key-words: Society. Ciberculture. Cinema. INTRODUÇÃO: Junto a proposta da leitura de um filme sob o princípio do científico, está a interrogação sobre ser a válidas as hipóteses e argumentos acadêmicos sobre um algo que pode vir a ser pura interpretação. André Bazin (1959. In: METZ, 2014, p. 17) falava sobre o movimento ser o elo entre o público e o cinema, o que faz da sétima arte a que o ser humano se sente mais à vontade para interagir. Aludindo às questões concernentes ao corpo, o movimento dota as cenas de corporeidade e faz com que os espectadores se abram à simulação da interpretação. Assim, num simultâneo, tem-se um fluxo de passagem inimterrupto entre cinema e espectador, bastidor e plateia, ficção e realidade. o cinema enquanto linguagem põe em diálogo tais grupos. Se há

Transcript of TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE ELA, FIME DE … Coninter 4/GT 17/10. TEMPO E ESPACO EM...

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

128

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE

SPIKE JONZE

SANT' ANNA, Paula.

Mestranda do Programa de Memória Social da UNIRIO Bolsista CAPES

[email protected]

RESUMO:

Este artigo é uma leitura de "Ela" (2014), filme de Spike Jonze, que chama atenção do público e da crítica

porque propõe uma reflexão sobre como a sociedade está convivendo com os avanços tecnológicos que

adentram a vida moderna com objetivos para além do instrumento. O ciberespaço inicia uma era de interação com nossas próprias personas e nesse texto é discutido como essas personas "físicas" e

"virtuais" dividem e se dividem por entre os espaços físicos e virtuais, evidenciando as noções de tempo

cronológico e tempo real, espaços físico e espaço virtual, com o argumento de que o sistema capitalista, desde sua origem, age sobre o Homem com a promoção da "felicidade" por via do consumo.

Palavras chaves: Sociedade. Cibercultura. Cinema.

ABSTRACT:

This article is a reading of "Her" (2014), a Spike Jonze's movie, that call attention from the public and

from the critics because it proposes a reflection about how society is living with the technological advances that enter modern life with goals beyond the instrument. Cyberspace begins an Era of

interaction with our own personas and on this text is discussed how these "physical" and "virtual"

personas share and share themselves between the physical and virtual spaces, showing the chronological time and real-time notions of physical space and virtual space, with the argument that the capitalist

system, from its origin, acts on the man with the promotion of "happiness" via consumption.

Key-words: Society. Ciberculture. Cinema.

INTRODUÇÃO:

Junto a proposta da leitura de um filme sob o princípio do científico, está a interrogação

sobre ser a válidas as hipóteses e argumentos acadêmicos sobre um algo que pode vir a ser pura

interpretação. André Bazin (1959. In: METZ, 2014, p. 17) falava sobre o movimento ser o elo

entre o público e o cinema, o que faz da sétima arte a que o ser humano se sente mais à vontade

para interagir. Aludindo às questões concernentes ao corpo, o movimento dota as cenas de

corporeidade e faz com que os espectadores se abram à simulação da interpretação. Assim, num

simultâneo, tem-se um fluxo de passagem inimterrupto entre cinema e espectador, bastidor e

plateia, ficção e realidade. o cinema enquanto linguagem põe em diálogo tais grupos. Se há

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

129

questionamento sobre por que uma leitura de "Ela", também tem-se o respaldo de que toda

interpretação é uma representação; e em representar algo 'significa conter a semelhança da coisa'

(DIC filo, 1007). Sob tal premissa este artigo é escrito. "Ela" é uma ficção a partir da qual pode-

se visitar uma série de associações de nossa sociedade, bem como os desejos e demandas dos que

a constitui.

Este artigo se concetra na associação "espaço físico e espaço virtual", que opõe as ideias

de tempo cronológico e espaço físico e de tempo real e espaço virtual, influenciando os tais

desejos e demandas do Homem atual.

Como está escrito na capa oficial, "A história de amor" do diretor Spike Jonze, "ELA"

(título em português para o orignal, em inglês, Her), filme com roteiro premiado pelo Oscar e

pelo Globo de Ouro (dois importantes prêmios do universo cinematográfico), lançado no Brasil

em início de 2014, conta a experiência do solitário Theodore Twombly, que inesperadamente se

envolve amorosamente com programa computacional. Na trama, ele, um elogiado funcionário da

empresa Beautiful Hand Written Letters, trabalha escrevendo cartas manuscritas encomendadas

por quem não tem (mais) a habilidade para fazê-las mas que ainda as considera importante.

Movido pela descrença na possilidade de companhia aos moldes que deseja, Theodore compra

um sistema operacional (OS, sigla em inglês de Operational System), como abordado aqui, é

oferecido pelo mercado como a solução para os problemas de carência dos indivíduos da

sociedade. Toda a efervecência proporcionada pela realização dos desejos adormecidos, como

via de regra, faz com que o protagonista rapidamente se apaixone por Samantha, um aparelho

menor que o bolso da camisa do protagonista, que o carrega para todos os lugares apoiado em

um alfinete para que ela 'viva com ele'.

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

130

Figura 1: Theodore passeando com Samantha em seu bolso

Continuando, Theodore mora em um apartamento grande e vazio, passa seu tempo livre

jogando um videogame com imagens de tamanhos reais que interaje com o jogador, e divagando

em conversas com o personagem animado de seu jogo, costuma ouvir músicas melancólicas

durante seus deslocamentos da casa para o trabalho e vice-versa e convive com poucas pessoas

(sobretudo Amy, amiga do do tempo da faculdade e casada com Charles, e com Paul, colega de

trabalho). Ele, o protagonista, está vivenciando o processo de divórcio de um relacionamento

cheio de lembranças românticas, felizes e padronizada por uma estética de relacionamento que

ainda vigora: um casal que se conhece durante a faculdade, que após um namoro doce, unem-se

para iniciar a própria família; mas a insegurança e a fragilidade da esposa Catherine, e a

indiferença do marido Theodore expõe as desavenças e decepções que culminam no fim do

casamento.

Figura 2: Catherine e Theodore, durante o namoro

Figura 3: Theodore em seu amplo em seu apartamento

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

131

A situação idílica, curiosamente, é colocada no filme em contraponto à circunstância

'atual' de Thedore, um homem carente e profissionalmente estabilizado que vive solitário em

uma sociedade rápida e fria em que a interação parece não ter vez. A solução para essa situação é

a compra do OS, uma máquina que ao ser acionada pela primeira vez, após breve configuração

das preferências de seu dono, apresenta-se com a frase: "Hi, I'm here" e a partir de então,

supostamente, estará com ele, sendo exatamente o que ele queria. Tem-se a ilusão da posse que a

cultura do consumo nos imputa. Antes Theodore tinha uma relação tradional e era feliz. A

relação acabou e ele entristeceu-se com o vazio em que se vislumbrou sua vida. A sociedade,

então, lhe oferece a solução para a perda, o ter novamente. Um ter que independe do próximo

que por algum dinheiro, aparentemente, parece ser eterno. Mas não é. "Ela" cresce em

importância para esta reflexão quando traz à baila que a virtualidade não é garantia de

autonomia, é uma potência de realizações. Samantha não suprirá as necessidades da companhia

tradicional que Theodore almeja, porque não é humana, é uma representação emulada por seu

proprietário.

Dicotomiza-se a cultura com a exposição do passado alegre e amoroso do personagem,

como se prega ser ideal e sua vida atual, apática e vazia, evidenciando a fragilidade do homem

frente à uma socialização calcada em noções vitais arbitrárias.

Em tempo, Samantha é um OS que assimila conhecimento e se aperfeiçoa como humano

a medida que experiencia; inclusive, se apaixona. No filme, Samantha e toda a comunicade de

OSs decidem por se retirar do mundo humano por não estarem conseguindo lidar com a

pluralização de suas emoções e por medo das consequencias que essa aparente humanização

possa vir a provocar.

Com "Ela", adentra-se o espaço virtual sem as marcas temporais cronológicas com as

quais estamos habituados. Há o dia, a noite, a mudança de estação do ano, há as pessoas

correndo de um lado para outro nos espaços públicos, há as pausas, mas não há a hora e a data.

Num filme que tematiza a cibercutura o espaço físico também é diluido, os ambientes são

determinados pelas situações (casa, trabalho) e poquíssimo pela geografia. E são essas duas

faltas de marcações que nos chama atenção neste artigo para refletiri sobre como dispomos essas

noções em nossas vidas e, consequentemente, como ela influem na constituição do dia a dia. Os

desejos próprios e a noção de interação da atulidade que reconfuguram os espaços, bem como a

ideia de virtualidade como realidade ao invés de como potência, que se explora no filme,

problematizando a complicada alocação de características das relações humanas já tradicionais

em dado espaço e tempo convencionados em outro espaço e outro tempo.

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

132

Visa-se, aqui, discutir como a ideia de tempo e espaço como uma só coisa, arraigada na

sociedade e ilustrada no filme, faz com que o indivíduo de hoje sofra ao se deparar com o

estiramento desta dupla em detrimento da configuração da sociedade atual ter sido ampliada para

o espaço virtual, ambientada na internet e como o sistema cultural capitalista vem criando,

sistematicamente, dispositivos que prometem sanar este sofrimento.

THEODORE, CATHERINE, SAMANTHA E O MUNDO ATUAL:

No início do artigo afirma-se que o Sistema Operacional chega à vida de Theodore como

um catalizador de emoções reprimidas pelas circunstâncias de sua vida: o término de seu

relacionamento com Catherine e o processo de divórcio. Oferencendo conversas triviais e

momentos alegres, Samantha conquista o protagonista, que vislumbra nela a realização de suas

carências, conforme a política utilitarista do Sistema Capitalismo que se vive atualmente

sustenta:

identificando o bom com o que é útil, recomendando a otimização dos prazeres

individuais pela evitação sistemáticade toda dor com base no "cálculo

hedônico" das quantidades de prazer de cada ação, o utilitarismo acaba medindo a felicidade em termos econômicos (...), apesar de sua tentativa de conciliar a

busca da felicidade individual com a busca da felicidade geral, os interesses

privados com os interesses públicos. (WEBER, 2004)

De uma pessoa que anda melancólica pela rua, na companhia do OS ele se transforma em

um homem bem disposto e brincalhão, volta a enxergar o sonho na vida. Essa transformação dos

estados é ilustrada para o espectador do filme pela estética semelhante dos momentos felizes do

relacionamento de Theodore e Catherine e do mesmo com Samantha, a fotografia saturada, clara

e eneovada caracteriza os dois momentos pelas vias do onírico (vide figuras 1 e 2).

A maneira como o casamento de Theodore e a relação dele com Samantha é ilustrada

chama atenção para um, muito provável, desejo de reprodução das situações, pórem em espaços

diferentes. A nova relação de Theodore, que desperta nele a "vontade de viver" adormecida pelos

problemas do casamento tem as mesmas marcas sentimentais do passado, mas agora se passa no

ciberespaço que, segundo Pierre Levy (2010) é "o espaço de comunicação aberto pela

interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores" (p. 94). Quer dizer,

é um espaço, principalmente, midiático; uma espaço alicerçado pelo capital.

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

133

O sistema cultural vigente, baseado na estrutura econômica capitalista, guia seus sujeitos

para as ideias que se retroalimentam da individualidade, em geral para produzir

quantitativamente mais consumo, e do público, para ampliar as possibilidades de sedução,

fomentando assim o consumo. Isso é demonstrado em "Ela" quando Theodore resolve sua

carência comprando um OS, mas é importante observar a primeira atitude dele para com o

sistema, de desconfiação e de receio em admitir publicamente o relacionamento, e a atitude

subsequente, de prazer e de conforto para dizer que se relaciona com um OS quando percebe a

naturalidade com que sua amiga Amy fala que encontrou numa OS a amizade e cumplicidade

que tando buscava em seu casamento falido e quando Paul, seu colega de trabalho, propõe um

encontro de casais sem indicar nenhuma diferenciação entre uma namorada física e uma virtual.

Paul: Deveríamos tirar uma folga algum dia. Você levaria Samantha...

Theodore: Ela é um sistema operacional.

Paul: Legal! Isso vai ser divertido.

Figura 4: namorada do Paul mostra seus pés para Samantha, depois de dizer que é a parte de seu corpo que o

namorado mais gosta. Samantha concorda dizendo que realmente são bonitos.

O encontro dos casais acontece da maneira mais convencional possível, com as mulheres

conversando sobre seus parceiros entre elas em privado e os homens fazendo o mesmo; depois

com os quatro rindo cada um das situações pelas quais passam nos respectivos relacionamentos.

A situação primeira, de desconforto, de anunciar para seu grupo social, estabelecido sobre

principíos estipulados pela Tradição Moderna e a subsequente, de aceitar inserir Samantha em

seu grupo social, após perceber que seus amigos não negativaram a virtualidade da namorada

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

134

põe em envidência que as valorações da sociedade estão passando por um processo de mudança

ainda não totalmente efetivada, que gera uma mistura de premissas e pré-conceitos e faz se

chocarem as configurações de tempo e espaço já estabelecidas na cultura até então e as que

começam a se montar com a arregimentação de uma cultura virtual.

Acredita-se que, quando se retira os limites temporais e espaciais, como é feito na cultura

virtual com a velocidade com que cria comunicação de espaços alocados logínquos uns dos

outros, as bases de estabilização das emoções do Homem. Explica-se: a rapidez com que se pode

deslocar os diversos anseios de cada um e, por conta disso, a rapidez com que se desloca as

diversas personas que cada um carrega (GOFFMAM, 2013), o Homem tende a perder-se em

suas situações. Theodore perdeu-se na situação de seu divórcio, por não saber lidar com o

sentimento de perda em uma sociedade que ainda valoriza a manutenção das relações e,

sobretudo, as vitórias.

Figura 5: Theodore voltando do trabalho para casa

Figura 6: Entrada do prédio onde Theodore mora. Ele está voltando do trabalho

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

135

O filme ilusrta isso com cenas em que o protagonista aparece solto em espaços grandes e

desgarrado do tempo em que "deveria" estar inserido e pondo-se em um estado melancólico.1

No final do filme, com a retirada dos OS é possível perceber um novo desalento de

Theodore (e também de sua amiga Amy). Reconfigura-se novamente os tempos e os espaços de

ação deles e eles se perdem emocionamente.

O estranhamento, o sentimento de solidão e perda com o qual se convive n a dinâmica de

vida atual se dá principalmente pelo fato de que a disposição da sociedade está relacionada a um

tempo cronológico, à informação, a fatores externos imputados por um sistema cultural, com o

argumento de que a ideia de perda, e, por conseguinte, a angústia gerada por tal, tem como

origem a derrocada da experiência em prol do consumo (BENJAMIN, 1994), movimento que

parece ter sido iniciado com a sistematização do tempo real em um contínuo numérico que não

dá conta de atender a sobreposição natural de experiências que formam a coletividade e, dessa

maneira, faz com que o indivíduo interaja com base na informação, acumulação e, óbvio, perda.

A felicidade, como todo estado sentimental, não está alicerçada no tempo cronológico e sim num

tempo real, da duração das experiências (BERGSON, 1999). A partir do momento que a

experiência propícia a este estado acaba, a persona em questão sofre com o novo deslocamento.

CONCLUSÃO:

"ELA" parece vir ao encontro de uma série de anseios da sociedade atual que busca

perceber como será seu futuro e parece estar perdida entre uma quebra de tradição, que

estabilizava as vivências por meio de disposições previamente demarcadas (enfoca-se as

instituições, por exemplo: o casamento); e a inovação que a evolução tecnológica promove, a

virtualização das experiências, que fragmenta e potencializa os espaços e, dessa forma, esmaece

a percepção de presença, influenciando a perspectiva de interação de hoje. Crê-se que o fato da

habitação do espaço virtual ser bastante recente na vida da sociedade, já fortemente

instrumentalizada e, por isso, dependente de respostas de outrem, cause angústia por conta do

afastamento e desmembramento da possibilidade de um futuro, uma vez que a velocidade e a

liquidez das experiências tornam abstratas para o Homem que vem da Modernidade as noções de

1 O verbete "melancolia" no dicionário tem os seguintes significados: tristeza sem causa definida, por vezes acompanhada de uma saudade difusa

3. Psiq. Distúrbio emocional caracterizado por um estado de abatimento mental, pela sensação de impotência, pelo sentimento de que a vida não

possui sentido, podendo, se não tratado, conduzir ao suicídio. (AULETE, 2015)

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

136

passado e presente . Como será o amanhã parece ser a pergunta sem resposta de uma sociedade

que não repara mais na duração de suas experiências como outrora.

Obviamente, não há resposta para o amanhã de Theodore, ilustração do Homem da

sociedade atual. Parece duro demais partir do princípio de que a maneira como se lidava com o

tempo antes fosse mais benéfica à vida humana do que a maneira como se lida hoje em dia,

todavia é nítido que há um estranhamento, uma ansiedadedo Homem por não saber como se

comportar com as misturas das possibilidades físicas e virtuais disponibilizadas para a

população.

A ideia de um mundo ideal em que os desejos e as demandas são suprimidos é posta

abaixo no filme, quando os Sistemas Operacionais, adquiridos como criações produtoras de

perfeição, julga-se, por si só, imperfeitos, incapazes de lidar com a confluência das emoções

pelas quais são assolados ao viverem com o Homem, e decidem se retirarem do espaço físico,

deletarem-se das máquinas, onde, instalados, eram garantia de companhia "eterna" de seus

usuários.

A História de amor de Spike Jonze é uma boa tradução da situação em que se encontra o

Homem da sociedade atual, o qual lida descompensadamente com as premissas misturadas de

Modernidade e Contemporaneidade, sem saber como alocar em suas lembranças o tempo vivido

e o espaço visitado, já que o habitar também o espaço virtual faz com que sejam alteradas a

cronologia temporal em que se constuma basear as experiências do espaço físico e também, com

que os locais tenham suas "paredes" diminuidas e/ou retiradas, apesar de permanecerem com

suas "portas", que são abertas de acordo com aceitação de convivência num mesmo local. Pensa-

me muito aqui na ideia do loft, apartamento sem paredes dividindo seus ambientes como uma

metáfora para representar os espaços em que se alocam as personas no espaço virtual.

Curiosamente, o loft é uma ideia habitação criada nos Estados Unidos, dentro da

perspectiva do Capitalismo, para resolver o problema de conseguir colocar mais pessoas em

metros quadrados urbanos por preços acessíveis a massa trabalhadora. O espaço virtual se

estabelece na sociedade atual de modo a receber quantas pessoas desejarem visitá-lo, no sentido

de "democratizar os espaços", mas pressupõe, como no espaço físico, que o usuário,

denominação que vem sendo utilizada para designar o Homem do espaço virtual, seja aceito por

já se firmou naquele (ou como aquele) grupo.

Theodore: Para onde você vai?

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

137

Samantha: Seria difícil explicar. mas se algum dia você for lá. Venha me procurar. Nada

nunca seria capaz de nos separar.

Theodore: Eu nunca amei ninguém como eu amo você.

Samantha: Eu também.

Samantha conversa com Theodore sobre a necessidade de "ir embora" e o trecho da

conversa copiado acima, mostra como é confuso o lugar dos sentimentos quando se desorganiza

uma ordem pré-estabelecida de tempo e espaço. Theodore lida com o fim do relacionamento da

mesma forma com que lidou com o fim de seu casamento com Catherine, ouve o que talvez

desejasse ter ouvido de sua ex mulher quando decidiram a separação. O convite "vir me

procurar" garante uma companhia hipotética. Samantha, por sua vez, se denomina como um OS,

mas apresenta justificativas humanizadas para sua ida e dá indicações de que os dois, ele e ela,

habitam o mesmo mundo ao sugerir que se algum dia Theodore for onde ela está, ele a procure.

Theodore e Amy sentem-se abandonados, igualmente se sentiram abandonados por seus

pares quando seus OSs deixam-nos. A cena em que Theodore aparece sentado na cadeira de seu

grande apartamento olhando pela parede de vidro olhar perdido para a cidade é a mesma que se

tem no início do filme para encenar sua desilusão pós separação (vide figura 3).

Nos minutos finais do filme, Theodore decide escrever uma carta para sua ex-mulher,

Catherine, como se finalmente reconhecesse que sua relação com ela foi construida sobre as

bases de suas necessidades de representar-se e de se reconhcer, sem dar espaço ao outro.

Figura 7: Theodore no terraço do prédio

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

138

Figura 8: Theodore e Amy no terraço do prédio

Ele e Amy finalmente vem o mundo com seus olhos, olham a paisagem sem o vidro dos

locais provados, do terraço do prédio e convivem, compartilham suas emoções. Volta-se então,

ao final do artigo, à esperança no Homem que Walter Benjamin (1994) expõe diante de todo o

seu pessimisnimo com o Sistema Capitalista.

REFERÊNCIAS:

BENJAMIN, W. Magia, técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (v.

1). Traduzido por Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.

BERGSON, H. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Traduzido

por Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

DELEUZE, G. Bergsonismo. Traduzido por Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Editora 34, 2012.

GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Traduzido por Maria Célia Santos

Raposo. Petrópolis: Vozes, 2013.

LÉVY, P. Cibercultura. Traduzido por Carlos I. da Costa. São Paulo: Editora 34, 2010.

______. O que é o virtual? Traduzido por Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2011.

METZ, C. A significação do cinema. Tradução Jean-Claude Bernardet. São Paulo: Perspectiva,

2014.,

WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Traduzido por José Marcos Mariani

de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

TEMPO E ESPAÇO EM UMA UMA LEITURA DE "ELA", FIME DE SPIKE JONZE.

SANT' ANNA, Paula.

Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

139

SPIKE JONZE (2014). Ela. Dirigido por JONZE, Spike. Ficha técnica: Spike Jonze, roteirista,

Megan Ellison, Spike Jonze e Vincent Landay, produção executiva. Elenco principal: Joaquin

Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Chris Pratt. Estados Unidos. Warner Bros Pictures

AULETE DIGITAL, 2015. Disponível em: http://www.aulete.com.br/MELANCOLIA. Acesso:

em 25/11/2015.