Tendência demográficas
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Portugal num mundo em mudana
Colocao de Portugal
NA HISTRIA DO PENSAMENTO DEMOGR-
FICO, as teses populacionistas, favorveis ao
crescimento da populao, fi zeram prevalecer
a sua importncia, entre outros factores, pela
relao estabelecida entre esse crescimento e
o poder poltico, econmico e militar das na-
es. O populacionismo poderia sintetizar-se
pela ideia de Montchrestien (1615), segundo
a qual a maior das riquezas que qualquer pas
poderia possuir seria a a inesgotvel abun-
dncia dos seus homens, fonte indicativa do
poder e infl uncia do soberano.
Com as cambiantes prprias que o tempo
acentuou, ainda hoje comummente reconhe-
cida a relao entre o efectivo populacional de
um pas e o seu poder diante daqueles que o
rodeiam ou com aqueles outros com os quais
interage, embora a mediao do progresso ma-
terial e tecnolgico seja muito relevante, como
confi rma o cenrio que se vive, por exemplo,
entre Israel e os seus vizinhos rabes.
Poder assim afi rmar-se que no quadro das
relaes internacionais contemporneas, o
valor da demografi a no despiciendo, seja
no plano da avaliao de risco de confronta-
o, seja para a determinao dos equilbrios
polticos em sede da concertao interna-
cional, seja ainda, e por maioria de motivos,
nas relaes econmicas e culturais entre os
povos. Bastaria lembrar que no mbito da UE
a introduo da chamada clusula demogrfi -
ca, no Tratado de Nice (que entrou em vigor
em 2003), veio defi nir um novo conceito de
maioria qualifi cada assegurada com, pelo
menos, 62% da populao da Unio transfi -
gurando o seu motor poltico.
O barmetro demogrfi co
A expanso do efectivo populacional mun-
dial um dado incontornvel do passado e
do presente, projectando-se indelevelmen-
te sobre o futuro colectivo da humanidade.
As estimativas das Naes Unidas para 2011
apontam 6,97 mil milhes de seres humanos,
esperando-se atingir o patamar dos 7 mil
milhes j no prximo ano (Naes Unidas,
2010). Em termos prospectivos, para 2050
projectam-se 9,30 mil milhes.
O Mundo demografi camente assimtrico,
no apenas por imposio dos limites impos-
tos pelas fronteiras polticas, mas tambm pela
dinmica demogrfi ca que cada sociedade in-
terpreta. O mapa Populao em 2010 permi-
te perceber a emergncia dos gigantes demo-
grfi cos contemporneos escala das naes.
Assim, a China e a ndia, respectivamente
com 1,35 mil milhes e 1,24 mil milhes de
pessoas, destacam-se de um conjunto de trs
outros pases muito populosos, ainda que
numa escala no comparvel: Estados Unidos
da Amrica, Indonsia e Brasil (este com qua-
se 200 milhes de habitantes). Um conjunto
de seis pases, de quatro continentes diferen-
tes (Paquisto, Bangladeche e Japo na sia;
Mxico na Amrica do Sul; Nigria em frica;
Federao Russa na Europa), apresenta efec-
tivos populacionais acima dos 100 milhes.
de reter que estes onze pases concentram
em 2011 mais de 60% da populao mundial,
sensivelmente o que representavam h 40
anos, e um pouco menos do que se projecta
que representem (para 2050 o valor aponta-
do de 55,4%). No entanto, devemos pensar
em cifras distintas: estes 11 pases tero, den-
tro de 40 anos, cerca de um bilio mais de
pessoas.
escala das grandes regies mundiais, esta
realidade sugere uma compreenso que dis-
pensa (e no perturbada) pelas fronteiras.
Com excepo do Norte da Europa, cuja
variao populacional nos ltimos quarenta
anos (14%) ser a mesma que se projecta para
igual perodo (at 2050), todas as restantes
regies do globo conhecero um crescimen-
to entre 2011 e 2050 bastante inferior quele
que se registou entre 1970 e 2010, embora
com diferenas assinalveis entre si. Podere-
mos afi rmar, sem correr riscos excessivos, que
esta anunciada transio demogrfi ca, que
corresponde a um arrefecimento do ritmo de
crescimento, no impede que esta continue
a crescer. Cinco regies da frica subsariana
(excepo para a frica Austral) experimenta-
ro variaes mdias anuais de 3% ou mes-
mo acima deste valor. Mas tambm a Amrica
Central, a Ocenia, a sia Central, o Norte de
frica, a sia Ocidental e a Melansia cresce-
ro a ritmos superiores ao valor mdio anual
projectado para a populao mundial (0,8%).
A validade da prospectiva demogrfi ca, con-
trariamente econmica cuja incerteza
incomparavelmente maior assenta em larga
medida no facto de a mudana demogrfi ca
no devir mais prximo, a vinte ou trinta anos,
estar inscrita no comportamento pretrito
(sobretudo na mortalidade e na fecundidade)
e no ser rasurvel por opo individual ou
decreto poltico. Tal signifi ca que, exceptuan-
do eventos extremos (guerras, grandes pan-
demias, surtos migratrios imprevisveis), a
prospectiva demogrfi ca funciona como se de
uma profecia se tratasse. Em face dos dados
disponveis, percebe-se o impacto de uma
dinmica populacional com as caractersticas
que se vem referindo sobre a explorao dos
recursos naturais, sobretudo sobre a gua, o
solo, o subsolo e a atmosfera. Uma vez mais,
a mediao tecnolgica poder atenuar os
impactos mais signifi cativos, mas difi cilmen-
te inverter uma tendncia de depauperao
intensiva e continuada desses mesmos recur-
sos, agravando carncias, fazendo perigar a
relao humana com o ambiente, sempre to
contingente (entendida na dupla vertente da
conservao ambiental e da sustentabilidade
do nosso bem-estar), e alimentando confl itos
internos e entre naes. A inesgotvel abun-
dncia dos homens conduz(ir) a uma inevi-
tvel abundncia de crises ambientais e ecol-
gicas por fora da presso antrpica sobre os
ecossistemas e os recursos. Uma maior expo-
sio s secas, s cheias e s presses ambien-
tais constitui um impedimento de peso para
a concretizao das aspiraes das pessoas
(Naes Unidas, 2011) e essa vulnerabilidade
correlaciona-se fortemente com a demografi a.
Mas no s: essa abundncia pode sugerir um
perigosssimo questionamento sobre a viabi-
lidade de se manterem as nossas liberdades
substantivas, pretexto para recolocar frontei-
ras onde se havia conquistado o livre-trnsito,
A assimetria demogrfica mundial
Paulo Machado
Populao em 2010 (em milhes). Fonte: ESRI, 2010; Naes Unidas, Maio de 2011.
115 a 120
40 a 65
120 a 310
65 a 115
310 a 1.341
7,5 a 15
1 a 2,5
15 a 25
2,5 a 7,5
25 a 40
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153
3.3.7JANUS 2011-2012
expulsar quem anteriormente se acolheu,
ameaar em vez de cooperar.
O desequilbrio demogrfi co mundial plas-
mado na diferena abissal entre os efectivos
populacionais das regies desenvolvidas e das
regies menos desenvolvidas, respectivamen-
te 1,24 mil milhes e 5,67 mil milhes deve
ainda ser analisado na sua fora impactante
sobre as relaes polticas internacionais, es-
taduais e das sociedades civis, tanto quanto
sobre a economia mundial, entendida como
sistema de trocas, suscitando razoveis d-
vidas sobre a capacidade de manterem e/ou
aprofundarem mecanismos regulatrios num
contexto de crescente assimetria e escassez.
O desafi o das estruturas
A assimetria demogrfi ca revela-se, se possvel
de modo ainda mais impressivo, com a obser-
vao das estruturas demogrfi cas. insufi -
ciente afi rmar que a populao mundial em
2011 composta por cerca de 35% de jovens
com menos de 20 anos (2,43 mil milhes), se
no se atalhar que 89,7% desses (2,18 mil mi-
lhes) nasceram em regies menos desenvol-
vidas. Porm, e pensando no topo da estru-
tura populacional, seria um erro deixar-nos
arrastar pela ideia de que o envelhecimento
uma questo demogrfi ca e social dos pa-
ses ricos. Com efeito, se os ndices de enve-
lhecimento no se confundem nos pases
desenvolvidos por cada 100 jovens existem
quase outros tantos idosos; nos pases no
desenvolvidos apenas 20 idosos para 100 jo-
vens no se pode olvidar que quase 2/3 dos
idosos que vivem no planeta Terra (62,6%)
podem ser encontrados nas regies menos
desenvolvidas, e, por conseguinte, com nveis
de pobreza mais acentuados.
Por outro lado, o desafi o da assimetria demo-
grfi ca refl ectida na estrutura da populao
deve ser entendida pelo reconhecimento da
proximidade que se verifi ca entre regies jo-
vens e regies envelhecidas.
So dessa proximidade exemplo as regies da
Europa do Sul e do Norte de frica, separadas
apenas pelo Mediterrneo. Olhando para os
escales etrios intermdios, que comportam
as coortes que correspondem fora de tra-
balho potencial desses povos (entre os 20 e
os 44 anos), verifi camos existirem diferenas
considerveis j hoje, mas que se acentuaro
nas prximas dcadas. Sem perspectivas de
assimilao dessa mo-de-obra nas economias
nacionais, que muros seria necessrio cons-
truir para travar a ambio pela margem rica,
ali to perto?
Portugal e a sua situao
demogrfi ca no mundo
Com pouco mais do que 10,6 milhes de resi-
dentes em 2011, e projectando-se uma dimi-
nuio efectiva at 2050, para uma populao
residente que no dever exceder 9,4 milhes
de habitantes, Portugal representa hoje, e re-
presentar sempre, uma percentagem nfi ma
da populao mundial (0,2% agora, 0,1% em
quarenta anos). A questo mais sensvel, das
que foram observadas neste texto, prende-
se com a acentuao do envelhecimento da
estrutura demogrfi ca, acima dos valores m-
dios da Europa do Sul, da EU 27 e do mundo,
sendo legtima a expectativa de uma descon-
tinuidade geracional com consequncias so-
ciais graves.
Integrando uma regio europeia (Europa do
Sul) com sinais evidentes de estagnao de-
mogrfi ca, tendo crescido apenas 22% nos
ltimos quarenta anos, e que se projecta para
os prximos quarenta (at 2050) atravs de
uma variao populacional nula, em clara
divergncia com o resto do mundo no eu-
ropeu, Portugal arrisca sobrepor a uma crise
estrutural econmica uma outra, de natureza
demogrfi ca, sem precedentes na sua histria
secular.
Numa perspectiva de longue dure, podemos
afi rmar que o mundo assimtrico que conhe-
cemos hoje, resultante de dinmicas muito
distintas que marcaram o compasso da hist-
ria demogrfi ca desde o sculo XIX, tender a
reforar as principais linhas do nosso tempo
(crescimento global, ainda que mais brando;
envelhecimento progressivo das estruturas
populacionais; pulses migratrias acrescidas
entre o Sul e o Norte), mas com uma diferen-
a muito signifi cativa em relao a um passa-
do recente: essas tendncias ocorrero num
palco mundial globalizado, crescentemente
interdependente, e sero mais uma fonte de
tenso social e poltica (nacional e regional),
do que factor de apaziguamento.
Buhler (2011) recorda Auguste Comte quan-
do este afi rmava que la dmographie, cest
le destin, exprimindo a sua convico de
que tempo de os europeus tomarem o seu
destino em mos e perceberem o signifi cado
do defi nhamento populacional em que se co-
locaram.
Referncias bibliogrfi cas
MACHADO, Paulo (2007) As Malhas que a (C)idade Tece mudana social, envelhecimento e velhice em meio urbano. Lisboa: TPI 44, LNEC.NAES UNIDAS (2011) Prospectiva da Populao Mundial: Reviso de 2010. Departamento de Assuntos Econmicos e Sociais. Diviso da Populao, Edio CD-ROM.PNUD (2010) Relatrio de Desenvolvimento Humano 2010 A Verdadeira Riqueza das Naes: Vias para o Desenvolvimento Humano. Nova Iorque: Naes Unidas.BUHLER, Pierre (2011) La tectonique des plaques dmographiques. Telos, verso digital. Acedido a 26 de Maio de 2011 em: http://www.telos-eu.com/fr/article/la-tectonique-des-plaques-demographiques.
A DESCONTINUIDADE GERACIONAL
A descontinuidade geracional exprime uma relao entre grupos etrios, atravs do ndi-ce de envelhecimento, quando este assume valores superiores a 530 (idosos por cada 100 jovens). Nestas condies tericas, de-fi nidas pelos valores da Descendncia M-dia, admite-se que a probabilidade de uma pessoa com mais de 65 anos poder receber apoio de proximidade com regularidade, em termos de suporte sua vida domstica, por parte de um elemento mais jovem, diminu-ta ou inexistente. escala das unidades de vizinhana (quarteires urbanos, pequenos lugares em meio rural), Portugal tem hoje parte considervel do seu territrio em risco de descontinuidade geracional elevada ou mesmo severa (determinando um isolamen-to social e individual extremo das pessoas idosas), suscitando a emergncia de uma refl exo sobre o alcance do conceito poltico de coeso social.
(Machado, 2007)
Variao de 2011-2050
Variao de 1970-2010
Ttulo: Taxas de variao da populao mundial, por grandes regies (em %).Fonte: Naes Unidas, Departamento de Assuntos Econmicos e Sociais. Diviso da Populao (2011).Prospectiva da Populao Mundial: Reviso de 2010. Edio CD-ROM.
frica Ocidentalfrica Setentrional
frica Central
Melansia
sia Ocidental
Norte de frica
sia Central e do Sul
Austrlia/Nova Zelndia
Amrica CentralMundo Micronsia Sudeste Asitico
Amrica do Norte
Amrica Central
Polinsia
frica Austral
Carabas
Europa do Norte
Europa do Sul
Europa Ocidentalsia Oriental
Europa do Leste
0
50
100
150
200
250
-50
Estruturas demogrficas da Europa do Sul e do Norte de frica, em 2011 e 2050, por grandesgrupos etrios. Fonte: Naes Unidas, Departamento de Assuntos Econmicos e Sociais. Diviso da Populao(2011). Prospectiva da Populao Mundial: Reviso de 2010. Edio CD-ROM.
0
10
20
30
40
50
+65 anos45-64 anos20-44 anos0-19 anos
Europa do Sul, 2050Norte de frica, 2050Europa do Sul, 2011Norte de frica, 2011
[...] o mundo assimtrico que conhecemos hoje [...] tender a reforar as principais linhas do nosso tempo [...]