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0 UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES – CÂMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LITERATURA COMPARADA TENENTE MÁRIO PORTELA FAGUNDES: A CONSTRUÇÃO DO HERÓI NO DIS- CURSO DA HISTÓRIA OFICIAL E EM LETRAS DE CANÇÕES GAÚCHAS Mestranda: Jaci Luft Seidel Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula Teixeira Porto Frederico Westphalen, dezembro de 2013.

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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES –

CÂMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM LETRAS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LITERATURA COMPARADA

TENENTE MÁRIO PORTELA FAGUNDES: A CONSTRUÇÃO DO HERÓI NO DIS-

CURSO DA HISTÓRIA OFICIAL E EM LETRAS DE CANÇÕES GAÚCHAS

Mestranda: Jaci Luft Seidel

Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula Teixeira Porto

Frederico Westphalen, dezembro de 2013.

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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES –

CÂMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM LETRAS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LITERATURA COMPARADA

TENENTE MÁRIO PORTELA FAGUNDES: A CONSTRUÇÃO DO HERÓI NO

DISCURSO DA HISTÓRIA OFICIAL E EM LETRAS DE CANÇÕES GAÚCHAS

Jaci Luft Seidel

Dissertação de Mestrado apresentada ao Pro-grama de Pós-graduação em Letras – Mestra-do em Letras, área de concentração em Litera-tura Comparada, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Paula Teixeira Porto, como requisito parcial para a realização do exame de qualifi-cação de dissertação.

Frederico Westphalen, dezembro 2013.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

1 O HERÓI NA LITERATURA E NA HISTÓRIA: CONTEXTUALIZAÇÃO

1.1 O herói na história: conceitos teóricos

1.2 O herói na literatura: conceitos teóricos

2 HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL: A FIGURA DE TENENTE POR-

TELA NO DISCURSO HISTORIOGRÁFICO OFICIAL

2.1 Contexto Histórico e Cultural que envolve o Tenente Portela

2.2 A vida breve e a morte trágica de Tenente Portela

2.3 A construção do herói Tenente Portela na História Oficial das o-

bras de Jacó Beuren, Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes, Jalmo An-

tonio Fornari e Heloisa Helena Leal Barreto Gehlen

3 TENENTE MÁRIO PORTELA FAGUNDES NAS CANÇÕES DO RIO

GRANDE DO SUL

3.1 A Cultura e a Literatura gaúcha do Rio Grande do Sul

3.2 Canção Regional e a construção do herói Tenente Portela nas le-

tras de alguns compositores gaúchos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

ANEX0 A - LETRAS DAS MÚSICAS DO CANTO DOS BRAVOS – 3ª EDI-

ÇÃO – PINHEIRINHO DO VALE/RS

ANEXO B – HINO DO MUNICÍPIO DE TENENTE PORTELA/RS

ANEXO C – POESIA COMPOSTA PELO PADRE CLAUDIR MIGUEL ZUCHI

PARA A MISSA CRIOULA DA 5ª. EDIÇÃO DO CANTO DOS BRAVOS DE

PINHEIRINHO DO VALE/RS.

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RESUMO

Este trabalho, baseado nos pressupostos metodológicos da Literatura Comparada, busca analisar de que maneira é construída a figura do herói Tenente Mário Portela Fagundes em canções regionais e no discurso da História Regional na obra historio-gráfica como objeto de estudo “O Tenente Portela na marcha da Coluna Revolucio-nária”, de Jacó Beuren. Nela, o autor busca as origens de Tenente Portela, as cau-sas que levaram os Tenentes a deflagrar a revolução, enfatiza o imaginário e permi-te que a mente do leitor enfoque o Evento da Coluna Prestes, ocorrido nas margens do Rio Pardo, em janeiro de 1925, em Pinheirinho do Vale/RS. A segunda obra “Te-nente Portela e a Coluna Prestes no Rio Grande do Sul” é de Jalmo Antonio Fornari, Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes e de Heloisa Helena Leal Barreto Gehlen. Os autores apresentam os dados biográficos de Tenente Portela de forma bem detalha-da e precisa; implicitamente procuram evidenciar que Tenente Portela é idealista. A terceira obra da História Regional, “Tenente Mário Portela Fagundes: Origem, For-mação e Morte”, de Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes, discorre sobre a vida de Tenente Portela, sua origem, formação e de como ocorreu a morte do mesmo. Nas letras da música gaúcha criadas para o Evento “O Canto dos Bravos”, edição de 2011, de Pinheirinho do Vale/RS, selecionam-se para análise: “Homenagem especi-al a Mário Portela Fagundes”, de Ari Fonseca; “Coluna dos Sonhos”, do Puro San-gue; “Pinheirinho do Vale”, do Xiru Missioneiro; “Canto dos Bravos”, Tenente Zinha-ni; “Tenente Portela”, de Valdomiro Mello; “Pinheirinho dos meus versos”, de Valdo-miro Maicá. As letras das canções têm como tema o combate ocorrido nas margens do Rio Pardo, próximo ao Rio Uruguai, em Pinheirinho do Vale, fato que faz parte da Coluna Prestes, ocorrido em janeiro de 1925, confronto no qual morreu Tenente Por-tela, fazendo a retaguarda a Prestes. As letras procuram elevar Tenente Portela a herói da causa revolucionária e fazem alusão ao município de Pinheirinho do Vale. As reflexões, ancoradas nas relações entre a Literatura e a História, mostram que Tenente Mário Portela Fagundes, pela representação da história oficial e das letras das canções, foi institucionalizado como um herói regional com traços de valentia, inteligência e liderança, o que remete à configuração de herói proposta por alguns pesquisadores como Joseph Campbell, Aristóteles, Nicola Abbagnano, Fernando Seffner e o dicionário Houaiss. PALAVRAS-CHAVE: Tenente Mário Portela Fagundes. Herói. Letras de canções. Historiografia. Literatura Comparada.

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ABSTRACT Based on methodological assumptions of Comparative Literature, the present paper aims to analyze the way in which the image of the hero Tenente Mário Portela Fagundes is built along regional songs and through the discourse of Regional History as object of study “O Tenente Portela na marcha da Coluna Revolucionária”, a histo-riographic essay by Jacó Beuren. In this composition, Beuren presents data such as Tenente Portela’s origins and the reasons why the Lieutenants sparked the revolu-tion, besides, the author highlights imagination and leads the reader’s mind to focus on Coluna Prestes event, fact that took place on the bank of Rio Pardo in January, 1925 in Pinheirinho do Vale/RS. The second composing is called “Tenente Portela e a Coluna Prestes no Rio Grande do Sul”, whose authors are Jalmo Antonio Fornari, Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes and Heloisa Helena Leal Barreto Gehlen. The writers show bibliographical data about Tenente Portela in a very accurate and de-tailed process; they implicitly intend to point Tenente Portela’s idealism. The Re-gional History third essay, “Tenente Mário Portela Fagundes: Origem, Formação e Morte”, whose author is Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes, reports Tenente Por-tela’s life, origin, education and death. Among Gaucha songs created to the event “Canto dos Bravos”, 2011 edition, from Pinheirinho do Vale/RS, some were selected to be analyzed: “Homenagem especial a Mário Portela Fagundes”, by Ari Fonseca; “Coluna dos Sonhos”, by Puro Sangue; “Pinheirinho do Vale”, by Xiru Missioneiro; “Canto dos Bravos”, by Tenente Zinhani; “Tenente Portela”, by Valdomiro Mello; “Pi-nheirinho dos meus versos”, by Valdomiro Maicá. The lyrics of the songs mentioned above emphasize the combat happened on Rio Pardo banks in Pinheirinho do Vale/RS, near Uruguay, event that belongs to Coluna Prestes from January, 1925, battle in which Tenente Portela died during the rear to Prestes. The lyrics seek to enhance Tenente Portela as the hero of the revolutionary event and refer to Pinheir-inho do Vale. While concerned in the relation between Literature and History, the re-flections upon the proper story and the lyrics reveal Tenente Mário Portela Fagundes as an institutionalized regional hero, mainly because of his bravery, smartness and leadership traits, features that match the hero arrangement proposed by some re-searchers as Joseph Campbell, Aristóteles, Nicola Abbagnano, Fernando Seffner and the Houaiss dictionary. KEY-WORDS: Lieutenant Mário Portela Fagundes. Hero. Lyrics. Historiography. Comparative Literature.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao meu esposo, Gervásio, por estar sempre ao

meu lado, pela compreensão e apoio incondicional, pelo amor que nunca faltou, sen-

timento que vai além das palavras e foi fundamental para concluir esta dissertação;

aos meus filhos William e Angélica, pelo apoio, compreensão, amor filial e pela afe-

tuosidade dedicadas a mim, a quem tenho profunda admiração e amor.

A minha orientadora, Professora Dra. Ana Paula Teixeira Porto, pela confian-

ça em mim depositada, pela compreensão, paciência e pela forma cordial e eficiente

com que conduziu a minha orientação com muito zelo e comprometimento, além dos

seus ensinamentos e atitudes que conquistaram a minha admiração.

Ao Professor, Dr. Breno Sponchiado pela ampla bibliografia que me forneceu

para um melhor entendimento sobre o herói gaúcho, pelo incentivo ao tema escolhi-

do desta análise.

Aos Professores do curso de Mestrado de Letras – Literatura Comparada,

com os quais muito aprendi nesses anos de convívio, em especial: Professora Dra.

Denise Almeida Silva pelo convite feito a mim para fazer o Mestrado de Letras; Pro-

fessor Dr. Lizandro Calegari, Professora Dra. Maria Tereza Veloso, Professora Dra.

Luana Teixeira Porto, Professora Dra. Ana Paula Teixeira Porto, Professora Dra.

Edite Maria Sudbrack, Professor Dr. Breno Sponchiado e Professor Dr. Robson Pe-

reira Gonçalves pelas aulas excepcionais e por terem oportunizado que encontrasse

um novo norte na minha vida pessoal e profissional.

Aos Professores da banca de qualificação e defesa dessa dissertação, Pro-

fessor Dr. Flavi Lisboa e Professora Dra. Luana Teixeira Porto pelas sugestões deta-

lhadas, apresentadas no exame de qualificação, o meu agradecimento especial.

Um agradecimento muito especial às colegas de Mestrado, Letícia Sangaletti

e Larissa Rigo pelo apoio incondicional, bem com Denise Guerra, Larissa Tirloni,

Vanessa Fritzen, Joice Machado, Girvani Seitel e Gustavo Menegusso pela amiza-

de, carinho e companheirismo ao longo das aulas, por terem contribuído muito com

a minha pesquisa.

A todos os meus amigos e amigas, pessoas presentes em diferentes momen-

tos e lugares, com as quais sempre é prazeroso compartilhar algo.

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Aos que se dispuseram em dar entrevista, informando dados significativos pa-

ra complementação da pesquisa, um agradecimento especial.

Aos compositores e historiadores, um agradecimento por terem produzido um

material tão rico que fecundou toda a minha pesquisa, motivando-me a saber mais

sobre a história de Tenente Portela.

Um agradecimento especial ao Ser Supremo que me acompanhou nessa jor-

nada, no trânsito, nas dificuldades, nessa caminhada em busca do saber.

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“Não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de todos

os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua exten-

são. Temos apenas de seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo

abominábel, encontramos um deus. E lá, onde esperávamos matar alguém, mata-

remos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da

nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na compa-

nhia do mundo todo”.

Joseph Campbell

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Sabe-se que muitas pessoas no mundo almejam cultivar os seus heróis. É

mais que notória a necessidade de grupos sociais humanos possuírem heróis. To-

dos os povos cultivam os seus heróis. A preservação dos mitos heroicos do passa-

do, não somente forja o caráter desses povos, mas principalmente mantém as bases

fundamentais na busca de seus heróis, constituído por um grupo de indivíduos uni-

dos por uma origem, por ideologias e principalmente por ideais e aspirações comuns

na edificação de seus heróis. Para tanto, esta pesquisa ultrapassa o campo da litera-

tura e entra na história, no contexto social do período da Revolução Tenentista, res-

paldando-se em aspectos temáticos, principalmente de cunho social e cultural.

Nesse sentido, o interesse pelo estudo sobre a construção de herói na música

gaúcha regional do Rio Grande do Sul, com embasamento na historiografia da pri-

meira metade do século XX, mais precisamente da Coluna Prestes1, ocorrida entre

os anos de 1924 a 1927, consiste no ponto de partida para a elaboração desta dis-

sertação. Como Professora de Literatura e ouvinte de canções gaúchas e profissio-

nal preocupada em conhecer a canção de sua região, esta pesquisadora propõe a

análise de como é construída a figura do herói Tenente Mário Portela Fagundes

(Tenente Portela2) em letras de canções compostas por músicos gaúchos, que pos-

suem como pano de fundo as memórias de feitos revolucionários do personagem

histórico em questão, como também observar o gaúcho, sua constituição histórica e

ficcional, representados pela História (notadamente no discurso historiográfico) e

recontados através de canções, por meio dos quais se produzem efeitos imaginá-

rios, capazes de contribuir para a constituição de um herói.

Sob a óptica de que Tenente Portela é visto como herói pelos simpatizantes

da causa revolucionária e em conformidade com as ideias apresentadas por estudi-

osos da área da literatura e da história em relação ao heroísmo do personagem, po-

1 A Coluna Prestes foi um movimento político, liderado por militares, contrário ao governo da Repúbli-ca Velha e às elites agrárias, no período de 1924 a 1927. O principal objetivo foi a insatisfação de parte dos militares (tenentismo) com a forma que o Brasil era governado na década de 1920: falta de democracia, fraudes eleitorais, concentração de poder político nas mãos da elite agrária, exploração das camadas mais pobres pelos coronéis, os líderes políticos locais.História do Brasil. Disponível em: http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/coluna_prestes.htm. E http://www.historiadobrasil.net/documentos/coluna_prestes.htm - Acesso em: 12 fev. 2013. 2 Nome abreviado do Tenente Mário Portela Fagundes a ser utilizada neste texto.

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de-se observar como essa figura histórica é constituída em melodias e versos de

canções gaúchas, criadas especificamente para homenagear Tenente Portela. As

letras das canções são objetos centrais de reflexão, pois o estudo desenvolvido in-

sere-se no âmbito da Literatura Comparada, que possibilita diálogo entre a literatura

e outras áreas de conhecimento.

Levando em conta, nesta análise, a interface entre história, literatura e can-

ção, consideram-se as letras das canções como exemplos de literatura, comparti-

lhando a visão de Fischer (2013) apresentada no curso “Literatura e canção”, pro-

movido pelo Mestrado em Letras da URI em 2013. Fischer defende a tese de que

canção é um gênero literário como também um gênero musical. O autor salienta que

“temos o dever de considerar a canção como gênero literário, e o dever de conhecer

o patrimônio da canção brasileira para poder repassá-lo aos alunos em sala de au-

la”, Fischer (2013). Além disso, considera-se que a área das Letras, na qual esta

pesquisa é desenvolvida, dá abertura para discussões sobre objetos literários diver-

sos.

Em perspectiva semelhante, o professor doutor Norberto Perkoski (2013), no

curso de “Literatura e Canção”, realizado no evento “Novos Olhares à Literatura: lite-

ratura e outras linguagens” na URI, em 2013, salientou que é possível ler o mundo

através da canção. Esta, segundo o professor, apresenta-se como um sistema de

significações3 da contemporaneidade dos sentidos sociológicos e culturais de um

modo de vida. Desse modo, entende-se que a razão de ser da canção é significar,

ou seja, produzir significados. Nas relações da canção estão envolvidos valores cul-

turais que dão sentido ao texto. Para orientar o comportamento dos indivíduos na

vida social, a cultura passa a ser uma das principais motivações para a composição

de canções, que associam ao significado o significante, a parte sonora de palavras e

versos combinados de forma especial. O autor defende a tese de que a canção deve

carregar a literatura pela melopéia, que estuda a melodia, o ritmo da música, e pela

melopoética, pois através da canção é possível ver um mundo imaginário, carregado

de significados, construindo novos textos literários (PERKOSKI, 2013).

3 A semiótica e a semiologia são as ciências dos signos e as suas abordagens para o estudo da cul-tura material, consideram os artefatos como signos cujos significados são determinados pelos usos que deles são feitos. Semiologia – do grego semio (signo) e do latim logia (estudo de). Semiótica – do grego semio (signo) e ótica (ciência de). A Semiótica é a ciência geral dos signos e da semeiose que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de significa-ção. Ocupa-se do estudo do processo de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da idéia (FONTOURA,2010, p.02).

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Nesse sentido, considerando os pontos de vista de Fischer (2013) e Perkoski

(2013) de que a canção é um objeto de estudo literário, fundamenta-se este traba-

lho, que pressupõe que a letra da canção permite chegar ao que a canção quer dizer

e de que forma expressa sua mensagem e, portanto, colaborar para a construção da

figura de herói, como Tenente Portela. Para isso, toma-se também como pressupos-

to o diálogo entre dois discursos: o literário, representado pelas letras de canções

gaúchas, e o histórico, representado pela pesquisa bibliográfica acerca de Tenente

Portela e da história do Rio Grande do Sul; dessa forma, para consolidar essa pers-

pectiva de análise interdisciplinar, é necessário analisar a letra da canção, compa-

rando-a com a história oficial Regional, o que fornece elementos fundamentais de

pesquisa na área de literatura comparada.

Há de se salientar nessa perspectiva que um dos trabalhos pioneiros encon-

trados sobre Literatura e Canção4 é um estudo sobre a obra poética de Chico Buar-

que, de José Miguel Wisnik5, dissertação esta sob orientação de Afrânio Coutinho6,

de 1973, da UFRJ. Wisnik (s.d) defende a ideia de que é preciso mesclar música e

literatura para entender e conhecer a cultura do país, um enfoque similar ao que se

propõe neste trabalho à medida que, através da análise de canções realizada nesta

pesquisa, pode-se também conhecer a cultura do Estado e algumas particularidades

dessa forma de expressão literária, contribuindo ainda para os estudos mais abran-

gentes da literatura comparada.

Capacchi (2003) realiza a pesquisa sobre a comunicação entre as letras de

canção do cancionista Renato Russo e a poesia literária dos anos 80 com a finalida-

de de averiguar semelhanças ou divergências entre elas. Na comparação da poesia

4 Na linha de pesquisa de literatura e canção atualmente encontramos muitos trabalhos relacionados,

entre eles a dissertação de Candice Cláudia Capacchi, As Letras de Canção de Renato Russo e seu Diálogo com a Poesia dos anos 80, de 2003, da UFPR, porém nos anos 80 ainda não tinham muito respaldo, entre os pioneiros desse viés investigativo está José Miguel Wisnik, que desenvolveu a pesquisa sobre as obras de Chico Buarque de Olanda em 1973. 5 Crítico, músico, pesquisador, compositor, intérprete, ensaísta, e também professor de literatura. Entrevista dada pelo professor à TVBRASIL, no programa Segue o Som. Disponível em: http://tvbrasil.ebc.com.br/segueosom/episodio/as-propostas-de-jose-miguel-wisnik-para-a-cultura-nacional. Acesso em: 18 abr. 2013. 6 Afrânio dos Santos Coutinho foi professor, crítico literário e ensaísta, nasceu em Salvador, BA, em 15 de março de 1911 e faleceu no dia 05 de agosto de 2000 no Rio de Janeiro. Quarto ocupante da Cadeira 33, eleito em 17 de abril de 1962. Diplomou-se em Medicina, em 1931, mas não seguiu a carreira médica, entregando-se ao ensino de Literatura e História no curso secundário, foi bibliotecá-rio da Faculdade de Medicina, Professor da Faculdade de Filosofia da Bahia.Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=41&sid=310 –ACADEMIA BRASI-LEIRA DE LETRAS. Acesso em 18 de abril de 2013.

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moderna dos anos oitenta com as letras das canções de Renato Russo, pode ser

visto o enfoque do eu lírico como semelhança (CAPACCHI, 2003, 5-6)

Assim, pode-se comparar a poesia moderna dos anos 80 com algumas letras

de canção do cantor Renato Russo, sob o enfoque do percurso amoroso do eu lírico.

Ainda é necessário esclarecer que o estudo da canção pode contemplar refle-

xões sobre a letra e sua composição musical. Tatit (2002) define o cantor como “u-

ma gestualidade oral, ao mesmo tempo contínua, articulada, tensa e natural, que

exige um permanente equilíbrio entre os elementos melódicos, linguísticos, os pa-

râmetros musicais e a entoação coloquial” (TATIT, 2002, p. 09). Nesse sentido o au-

tor propõe um equilíbrio entre os elementos linguísticos e musicais. Para Tatit,

(2002),

Compor uma canção é procurar uma dicção convincente. É eliminar a fron-teira entre o falar e o cantar. É fazer da continuidade e da articulação um só projeto de sentido. Compor é, ainda, decompor ao mesmo tempo. O cancio-nista decompõe a melodia com o texto, mas recompõe o texto com a entoa-ção (TATIT, 2002, p.11).

Levando em consideração que muitas canções não se preocupam com mé-

trica, Amorim (2010) salienta que

haveria o contra-argumento dos versos livres de Walt Whitman, Fernando Pessoa e grande parte dos modernistas brasileiros. Não é poema o que faz Fernando Pessoa sob o heterônimo de Álvaro de Campos? Não é um gran-de poema a Canção de mim mesmo (Song of myself), de Whitman? E não se encontra ali métrica ou rima. Ritmo, por vezes. Lirismo, o tempo inteiro, (AMORIM, 2010) .

Desse modo, reconhece-se a importância da musicalidade, da métrica e da

rima dos versos musicais das canções, ou seja, a melopeia da canção. Porém o viés

desta pesquisa limita-se a analisar comparativamente as letras de canções regionais

e os discursos da historiografia Regional sobre a construção do herói Tenente Porte-

la através do método da Literatura Comparada, sem esboçar análises acerca da

composição musical. Interessa, portanto, refletir sobre as letras enquanto literatura,

recorrendo a elementos da teoria da literatura para construção da interpretação das

letras das canções selecionadas. Por esse prisma, Carvalhal (2010) esteia-se em

conceitos sobre o comparatismo, dada a importância que a literatura comparada dá

ao diálogo interdisciplinar com outras áreas do conhecimento, como a história:

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O estudo da literatura além das fronteiras de um país em particular, e o es-tudo das relações entre literatura de um lado e outras áreas do conhecimen-to e crença, como as artes, (pintura, escultura, arquitetura, música), a filoso-fia, a história, as ciências sociais (política, economia e sociologia), as ciên-cias, as religiões, etc, de outro. Em suma, é a comparação de uma literatura com outra ou outras, e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana (CARVALHAL, 2010. p. 74).

O enfoque proposto, ao relacionar as letras das canções ao discurso da

história oficial, é uma contribuição às pesquisas realizadas na área de Letras. Há

pesquisas sobre canção de vários gêneros musicais, porém este estudo sobre a

canção gaúcha regional é pioneiro, sendo inédito na linha de pesquisa da Literatura

Comparada no programa de Mestrado em Letras da URI, já que é o primeiro

trabalho de dissertação a elencar letras de canções como objeto de pesquisa e

também o primeiro a se ocupar em, a partir de textos da História oficial Regional

(livros que remontam a historiografia de Tenente Portela), refletir sobre uma

representação singular desse personagem. Nesse sentido parece pertinente fazer

um estudo aprofundado em torno das criações artísticas, como as letras de canções

gaúchas, que apresentam Tenente Portela como personagem histórico,

comparando-as com o discurso oficial apresentado em manuais da historiografia

Regional rio-grandense. Acompanhando as ideias propostas por Carvalhal (2010),

pode-se dizer que: “as relações entre a literatura e as outras artes encontram no

campo dos estudos semiológicos, nas relações que os sistemas sígnicos travam

entre eles, novas possibilidades de compreensão para essas correspondências”

(CARVALHAL, 2010, p. 49). Desse modo, essa análise proporciona uma reflexão

entre a letra da canção e a história regional, formando um novo texto sobre Tenente

Portela, eleito como herói pelos compositores da canção gaúcha e pelos

historiadores ora em estudo.

No decorrer da análise, no que tange às letras das canções abordadas nesta

pesquisa, é importante ressaltar que o enfoque da pesquisa limita-se às letras das

canções, não sendo objeto de estudo a melodia, a música em si, embora se reco-

nheça que a análise da melopeia é uma possibilidade de interpretação profícua tam-

bém. Num estudo de Luiz Tatit, (2002), sobre a melopeia, o autor manifesta a ideia-

de que:

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No mundo dos cancionistas não importa tanto o que é dito mas a maneira de dizer, e a maneira é essencialmente melódica. E na junção da sequência melódica com a unidade linguística, ponto nevrálgico dessa tensividade, o cancionista tem sempre um gesto oral elegante, no sentido de aparar as a-restas e eliminar os resíduos que poderiam quebrar a naturalidade da can-ção (TATIT, 2002, p. 09).

Cabe ressaltar a importância tanto da melodia quanto da letra da canção, po-

rém esse estudo leva em consideração a letra da canção que representa a literatura.

Cada compositor apresenta a trajetória do Tenente Portela de acordo com

suas concepções ideológicas e conhecimento do evento reportado. Em seu conjun-

to, os dados analisados enfatizam o imaginário que envolve a figura de Tenente Por-

tela, nos quais se pode perceber os enfoques dados ao evento da Coluna Prestes e

da morte de Tenente Portela ora em análise, ocorrido nas margens do Rio Pardo,

hoje município Pinheirinho do Vale, região noroeste do Estado do Rio Grande do

Sul.

Na tentativa de tornar épica a narrativa, os escritores das letras das canções

gaúchas apresentam critérios da abordagem sobre as dificuldades que os cavalaria-

nos enfrentavam nas matas fechadas e de quem fazia parte do grupo, bem como os

motivos e circunstâncias que levaram os tenentes a deflagrarem a revolução tenen-

tista em outubro de 1924, denominada Coluna Prestes. As longas cavalgadas não

se limitavam somente a encontrar adeptos, mas sim a fazer comícios, nos quais dis-

cursavam figuras que, consideradas ilustres, convenciam as pessoas a aderir a essa

corrente de pensamento revolucionário.

Por esse viés, elege-se como corpus de análise a letra de canções gaúchas

criadas especialmente pelos compositores gaúchos para o Canto dos Bravos7, sua

terceira edição realizada em 2011. Nesse sentido, o estudo recai sobre as canções

da edição acima citada por ter sido o único concurso8 realizado desde a criação

desse Evento. O tema do concurso foi a trajetória de Tenente Portela, e o eveno

7 Evento fundado em março de 2009 pela Secretaria Municipal do Desporto, Turismo e Trânsito, com apoio da Administração Municipal, CTG Repontando Gado de Pinheirinho do Vale, tendo como local as margens do Rio Pardo, em Pinheirinho do Vale/RS. Foi criado para resgatar o fato histórico ocorri-do em 25 de janeiro de 1925, o confronto com os legalistas no qual morreu Tenente Mário Portela Fagundes, fazendo a retaguarda de Prestes que seguiu para Santa Catarina, no episódio da Coluna Prestes. No local há um memorial, no qual realiza-se o Evento. Embora o Canto dos Bravos se asse-melhe ao Concurso dos Festivais Nativistas, houve concurso somente no ano de 2011, no qual foram selecionadas as seis canções dessa análise. Nas demais edições, os cantores nativistas prestaram homenagens a Tenente Portela através de canções. 8 As letras desse concurso foram analisadas pela melopeia, como também pela melopoética com maior ênfase, especialmente o contexto em torno dos feitos revolucionários de Tenente Portela.

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elegeu seis composões vencedoras, as quais serão analisadas nesta pesquisa. Nas

demais edições do Canto dos Bravos, não houve concurso, porém todos os cantores

e compositores gaúchos tiveram oportunidade de apresentar suas canções em

homenagem ao Tenente Portela. O objetivo principal desse evento é prestar

homenagens ao Tenente Portela pela sua bravura e coragem demonstrada pela sua

atuação da Coluna Prestes.

Desse modo, relacionamos as seis canções como objetos literários da

pesquisa: “Homenagem especial a Mário Portela Fagundes”, de Ari Fonseca9;

“Coluna dos Sonhos”, do Puro Sangue10; “Pinheirinho do Vale”, do Xiru

Missioneiro11; “Canto dos Bravos”, do Tenente Zinhani12; “Tenente Portela”, de

Valdomiro Mello13, “Pinheirinho dos meus versos”, de Valdomiro Maicá14 os quais,

através do discurso musicado, procuram elevar Tenente Portela a herói.

Estas letras têm como tema o episódio15 ocorrido nas margens do Rio Pardo,

próximo ao Rio Uruguai, em Pinheirinho do Vale. Este fato faz parte da Coluna Pres-

tes, ocorrido no dia 25 de janeiro de 1925, combate no qual morreu o Tenente Porte-

la, fazendo a retaguarda a Prestes. As letras procuram elevar o Tenente Portela a

herói da causa revolucionária, fazem alusão ao município de Pinheirinho do Vale, ou

seja, este marco histórico relaciona-se com o município, sendo um elo entre ambos.

Os compositores das canções estudadas reverenciam a cultura gauchesca,

fazem parte dos CTGs16 e do MTG17, participando de eventos promovidos por essas

9 Músico, compositor, repentista e trovador da Região do Médio Alto Uruguai. Gravou recentemente em seu último CD a música Homenagem especial a Mário Portela Fagundes, letra composta para o Evento O Canto dos Bravos, de 2011, 3ª edição. 10 Cantor e compositor da música tradicionalista, experiente e organizador da Batida do Monjolo. Compôs a música Coluna dos Sonhos, especialmente para o Evento do Canto dos Bravos, 3ª Ed. 2011. 11 Um dos maiores cantores e compositores da música gaúcha. Já foi consagrado com um disco de ouro. Compôs a letra Pinheirinho do Vale, em homenagem ao Tenente Portela para o Evento, o Can-to dos Bravos, 3ª ed. 2011. 12 Gilberto Zinhani, oficial do Batalhão da Brigada Militar de Palmitinho/RS, intérprete da música gaú-cha e sertaneja. Compôs a letra Canto dos Bravos, 3ª ed. 2011. 13 Considerado o maior trovador do Brasil, e cantor da música gauchesca. Faz parte da história dos que já se foram: Gildo de Freitas, Teixerinha, entre outros. Compôs a letra Tenente Portela, faixa 06, do DVD, volume 03, pela COMUBRA vídeo para o Evento: O Canto dos Bravos, de Pinheirinho do Vale/RS, 3ª ed. 2011. 14 Músico, cantor e compositor destacado da música gauchesca. Compôs a letra e musicou Pinheiri-nho dos meus versos, para o Canto dos Bravos, 3ª ed. 2011. 15 Esse episódio é a batalha ocorrida nas margens do Rio Pardo em Pinheirinho do Vale no dia 05 de janeiro de 1925, entre a retaguarda do Tenente Mário Portela Fagundes com sua tropa e os legalis-tas, soldados que representam as forças governistas. Nesse combate o Tenente Portela morreu. 16 Centro de Tradições Gaúchas. 17 O MTG é um órgão catalisador, disciplinador, orientador das atividades dos seus filiados e entidades associativas, além de congregar mais de 1400 Entidades Tradicionalistas, legalmente

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entidades, e são entusiastas da música gauchesca e ainda se preocupam, quando

da participação no evento de 2011, a discorrer sobre a figura de Tenente Portela.

Esses eventos culturais trazem semelhança nas vestimentas e o culto às

cavalgadas, meio de transporte usado pelos membros da Coluna Prestes,

especialmente as homenagens através das composições gaúchas ora em análise.

Nesse sentido considera-se pertinente um estudo mais aprofundado sobre a

origem do gaúcho e de Tenente Portela na historiografia oficial, selecionando-se tex-

tos da história que serão também objeto da pesquisa, dando suporte à perspectiva

comparatista entre as letras das canções mencionadas e o discurso historiográfico

sobre Tenente Portela. Nessa perspectiva, serão consideradas no corpus do traba-

lho estas obras: O Tenente Portela na marcha da Coluna Revolucionária, Tenente

Portela e a Coluna Prestes no Rio Grande do Sul e Tenente Mário Portela Fagun-

des: Origem, Formação e Morte.

É relevante salientar que foram escolhidas essas três obras da história regio-

nal pelo fato de abordar a vida e a morte do Tenente Portela, sua trajetória existen-

cial, mais especificamente a atuação do protagonista dessa análise na Revolução

Tenentista, denominada Coluna Prestes. Essas obras apresentam semelhanças da

narrativa sobre esse personagem e são de autoria de pesquisadores locais, ou seja,

do Rio Grande do Sul, os quais, a partir de pesquisa científica e acadêmica, produzi-

ram reflexões acerca especificamente da trajetória de Tenente Portela e resultados

tornados públicos nas obras recolhidas para esta investigação:

O Tenente Portela na marcha da Coluna Revolucionária (1969) é obra de Ja-

có Beuren18, professor e jornalista. Nela o autor busca as origens de Tenente Porte-

la, as causas que levaram os Tenentes a deflagrar a revolução, enfatiza o imaginário

e permite que a mente do leitor enfoque o Evento da Coluna Prestes, ocorrido nas

constituídas, conhecidas por Centro de Tradições Gaúchas. A história do Movimento Tradicionalista Gaúcho pode ser contada a partir de vários momentos. Alguns reconhecem como ponto de partida a fundação do Grêmio Gaúcho, por Cezimbra Jacques, em 1889. Outros, a ronda gaúcha, no Colégio Julio de Castilhos, de 1947. Ainda há quem defenda como marco inicial a fundação do 35 CTG, em abril de 1948 ou a realização do 1º Congresso Tradicionalista Gaúcho, em 1954, ou, ainda, a constituição do Conselho Coordenador, em 1959. Mas, foi em 1966, durante o 12º Congresso Tradicionalista Gaúcho realizado em Tramandaí, que foi decidido organizar a associação de entidades tradicionalistas constituídas, dando-lhe o nome de Movimento Tradicionalista Gaúcho, o MTG. Assim é que, desde 28 de outubro de 1966, a Instituição se tornou conhecida como MTG (Mo-vimento Tradicionalista Gaúcho- http://ideiailtda.com.br/clientes/mtg/pag_historiamtg.php). 18 Natural da cidade de Estrela, Jacó Beuren mora há mais de 30 anos em Três Passos, de onde continua produzindo trabalhos inclusive literários. É autor de sete livros, descobriu cedo o talento de escritor quando editava poesias de um jornal em Cerro Largo.

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margens do Rio Pardo, em janeiro de 1925, na época, município de Palmitinho, hoje

Pinheirinho do Vale.

A obra Tenente Portela e a Coluna Prestes no Rio Grande do Sul (Coletânea

de Artigos) foi publicada em 1997 por Jalmo Antonio Fornari19, Fátima Marlise Mar-

roni Rosa Lopes20 e de Heloisa Helena Leal Barreto Gehlen21, e apresenta os dados

biográficos de Tenente Portela de forma bem detalhada e precisa; implicitamente os

autores procuram evidenciar que o Tenente Portela é idealista, que luta pela causa

do povo brasileiro, pelo despertar de um Brasil mais justo, com maiores direitos de

cidadania, bem como para acabar com a corrupção, algo tão difícil de ser banido do

país. Para este estudo, reproduzem-se alguns dados da obra desses autores.

E o artigo “Tenente Mário Portela Fagundes: Origem, Formação e Morte”, de

Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes, publicado nos Anais do Seminário: Memórias

de Tenente Portela e Municípios Descendentes, em Ijuí (2006), argumenta sobre a

vida de Tenente Portela, suas origens, formação e de como ocorreu a morte do

mesmo. Além disso, traz informações em torno da formação da Escola Militar do

Realengo, vista como a mais importante e cobiçada escola de formação militar do

País. A autora comenta que os mais brilhantes alunos procuravam fazer cursos su-

periores com formação militar, especialmente Engenharia Civil.

Visando a um estudo mais aprofundado sobre o gaúcho, o discurso de alguns

autores e historiadores situam o gaúcho no contexto sócio-econômico inicial, como

um ser idealizado, do qual nasce a representação heroica que a literatura revela.

Nesse sentido, Silveira afirma que:

o herói gaúcho é o homem característico do pampa rio-grandense, configurando-se ora como homem do campo, ora como soldado de um exército ímpar, um ser telúrico capaz de morrer defendendo ideais relacionados à terra-mãe, o que emprestava maior nível de verossimilhança às narrativas(SILVEIRA, 2004, p.23.)

19 Jornalista, Radialista, empresário na cidade de Tenente Portela. Fundou o Jornal Província e a Rádio Província FM de Tenente Portela/RS. 20 Professora, doutora, graduada em Estudos Sociais pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS, 1978; Graduação em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Pal-mas, 1986; Especialização em História pela URI - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, 1995; Mestrado em História pela UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2002; Doutorado em História pela UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2009; Gradu-ação em Sociologia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS, 2012. 21 Professora e escritora de Tenente Portela/RS.

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Pode-se citar um dos escritores gaúchos, Simões Lopes Neto, que soube re-

presentar o imaginário do gaúcho, sua evolução e importância para a cultura gaúcha

em Contos Gauchescos. Nesta obra enfatiza dois traços sobre o gaúcho: a oralidade

e o regionalismo da linguagem, bem como a fixação do mundo gauchesco. A obra

Querência, de Nilda Jacks (1999), caracteriza o gaúcho como:

simples, determinado, amigo e hospitaleiro. Tem hombridade, honradez, é trabalhador e merece confiança, razão pela qual é considerado um povo à parte do País. Essa tradição impede que se projete para fora de suas fron-teiras, porque traz a imagem negativa de ser macho e valente (JACKS, 1999, p,165-166)

Além disso, como objetivos específicos do trabalho, destacam-se: Visitar as

produções literárias e da História em torno do herói Tenente Portela na letra das

canções gaúchas e na história oficial, levando em consideração a expressiva home-

nagem ao Tenente Portela na história e nas canções gaúchas, elevando o Tenente a

herói da Revolução Tenentista, que acentuam uma memória coletiva e constroem

uma memória convergente; Evidenciar os diferentes enfoques sobre Tenente Portela

na historiografia regional e nas letras das canções abordadas; Constatar quais são

os elementos e recursos estéticos utilizados para apresentar o herói Tenente Portela

nas letras de músicas gaúchas e no discurso da História estudados no corpus desta

pesquisa, apontando aproximações e distanciamentos na representação do herói

nos objetos de pesquisa selecionados, considerando os métodos da Literatura Com-

parada. Por fim destacar os movimentos em torno do marco histórico, o memorial em

homenagem a Tenente Portela, entre eles a Cavalgada da Integração Sul Brasilei-

ra22; Cavalgada do Tenente Mário Portela Fagundes23; Trilheiros do Tenente24, mais

especificamente O Canto dos Bravos, terceira edição, para o qual as canções foram

compostas, evidenciando a relevância deste fato histórico para a Região no que tan-

ge à cultura regional, contribuindo significativamente para os estudos da literatura

regional.

O Evento Canto dos Bravos é uma combinação entre história e cultura gaú-

cha, tem como principal meta elevar os feitos revolucionários de Tenente Portela.

22 Cavalgada que integra os três Estados da Região Sul: Paraná, Santa Catarina e RS. Movimento que percorre, todos os anos na Semana da Pátria, o caminho feito pela Coluna Prestes em 1924 a 1927. 23 Cavalgada alusiva ao aniversário do Município de Tenente Portela/RS. 24 Grupo de motoqueiros de Pinheirinho do Vale/RS, que fazem trilha nos feriados e fins de semana. O nome do grupo “Trilheiros do Tenente” é uma homenagem ao TMPF.

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Desde a sua criação em 2009, a cada ano aumenta a participação do público, não

só local, mas de toda a Região, bem como de outros Estados, como do município

vizinho, Itapiranga, SC. As famílias prestigiam o Evento pelo significado histórico e

cultural, como também pela beleza do local, preservação consciente da mata nativa,

trilhas ecológicas que margeiam o Rio Pardo e o do Rio Uruguai. O Evento, Canto

dos Bravos, faz parte do Calendário dos Eventos Culturais do Estado do Rio Grande

do Sul.

A quarta edição do Canto dos Bravos contou com a presença dos artistas Xirú

Missioneiro, João Chagas Leite, Valdomiro Maicá, Ari Fonseca, Puro Sangue, Gaitei-

ro da Palmeira e dos talentos da região, como Miguel Marques e Valdori de Cristo

que, em suas composições elevam o Tenente Portela a herói Regional. Em entrevis-

ta, o Secretário Municipal do Desporto, Turismo e Trânsito, Sérgio Luiz dos Santos,

salienta que a quarta edição do Canto dos Bravos, de 2012, contou com um público

expressivo:

O Canto dos Bravos foi pensado para resgatar o marco histórico da Coluna Prestes. Alcançamos esse objetivo e mais que isso, conquistamos a simpa-tia do público que participa fielmente todos os anos, como também os artis-tas que estão engajados com os propósitos do evento (SANTOS, 2013).

Para a fundamentação teórica, torna-se pertinente fazer um estudo sobre a

configuração do herói na literatura, valendo-se de considerações pertinentes a pes-

quisadores de renome. Nesse sentido, faz-se necessária uma análise sobre a cons-

trução do herói e suas origens, com embasamento de renomados críticos literários.

Além disso, remontar a fatos históricos que contribuem para a fundamentação teóri-

ca da criação artística das letras de canção ora em análise.

Elencam-se também abordagens bibliográficas que focalizam o herói, as

quais auxiliarão na análise e interpretação do herói na literatura e na historiografia.

Nesse sentido, o estudo gira em torno da figura do Tenente Portela, visto como herói

pelos seus seguidores, que comungam as mesmas ideologias. Os compositores

destacam as atitudes e a forma com que o Tenente Portela desempenhou a sua li-

derança na Coluna Revolucionária no início do século XX. Busca-se um aprofunda-

mento sobre o gaúcho, suas origens para entender melhor o engajamento do gau-

chismo alusivo ao Evento da Coluna Prestes, mais especificamente o culto a Tenen-

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te Portela, representado através de cavalgadas, eventos culturais e sociais, elevan-

do-o a herói Regional.

Além disso, a fim de coletar dados sobre o evento Canto dos Bravos, realiza-

ram-se entrevistas com os organizadores do evento, os quais contribuíram com de-

poimentos sobre a importância desse acontecimento. As entrevistas foram feitas em

junho de 2013, sendo gravadas e transcritas pela pesquisadora, com a concordância

dos entrevistados.

Para compreender melhor esta abordagem da pesquisa, Carvalhal (2010) a-

ponta para a ideia de que “a literatura comparada é uma forma específica de interro-

gar os textos literários na sua interação com outros textos, literários ou não, e outras

formas de expressão cultural ou não” (CARVALHAL, 2010, p. 74). Desse modo,

busca-se um diálogo entre a história regional e a letra da canção gaúcha, destacan-

do analogias que elegem o Tenente Portela como herói regional. Levam-se também

em conta elementos da Teoria Literária a partir da Literatura Comparada para anali-

sar as letras das canções selecionadas, agregando assim, perspectivas interdiscipli-

nares com a área do conhecimento da História, que fornece subsídios para compre-

ender o discurso da história oficial.

O estudo da literatura possibilita um diálogo profícuo com a história, o que

permite uma aproximação entre ambas. Este campo de pesquisa instiga reflexões

da crítica moderna que aproxima cada vez mais os dois campos do conhecimento.

Pageaux, (2011), em Musas na Encruzilhada, faz um questionamento em torno do

comparatismo, do paralelo que pode existir entre a literatura, que tende à síntese, e

a história, que, no século XX, é transformada em Nova História, passando a ser in-

terdisciplinar. O pesquisador pontua que:

A “Nova História” pode oferecer à literatura comparada uma tripla lição. Em primeiro lugar, a de um prodigioso alargamento dos campos de pesquisas por meio de novos questionamentos, de novas documentações, de novos métodos. Ao mesmo tempo em que assimila tais métodos (linguística, semi-ologia, antropologia, por exemplo), o historiador ensina ao pesquisador em literatura uma lição de prudência e de eficácia: é o problema escolhido, o campo de pesquisa delimitado que impõem um ou vários métodos – e não o inverso ( tal como fazem inúmeros “críticos”). Essa História se deseja nova, “total”, na medida em que o horizonte de cada estudo é o tempo de viver de uma sociedade em todos os aspectos de sua cultura (PAGEAUX, 2011, p. 74).

Nesse sentido, o viés desta pesquisa é significativo pelo fato de buscar a

comparação de um fato histórico regional com a letra da canção gauchesca, lançan-

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do mão da literatura comparada. Esse estudo viabiliza uma adequada perspectiva

de interpretação do texto literário, que passa a ser relevante para o contexto regio-

nal, especialmente no que diz respeito aos municípios de Pinheirinho do Vale e Te-

nente Portela. O foco específico é um estudo em torno do Tenente Portela, que foi

um personagem histórico real e passou a personagem heroico em músicas gaúchas

e na historiografia.

Observa-se ser notório o papel do Tenente Portela na história tanto do Rio

Grande do Sul, quanto regional, o que por si só justifica a realização deste estudo

que contribui para esclarecer como esse herói regional tem sido representado no

imaginário cultural através das canções e na história oficial; dessa forma, esta análi-

se busca o aprofundamento sobre os estudos acerca do herói, as suas origens e

como ocorre a sua construção na letra da música gaúcha, comparando-a ao período

das Revoluções Tenentistas, especialmente o marco histórico ocorrido em Pinheiri-

nho do Vale, no qual o Tenente Portela foi morto pelos legalistas.

Considerando que a Coluna Prestes foi um marco de lutas sociais no Brasil

inteiro, iniciado no Estado do Rio Grande do Sul, convém ressaltar a ideia de que

este momento histórico torna-se pertinente para a discussão em torno de conflitos

sociais evocados no objeto desta pesquisa. Nesta perspectiva, pretende-se enfocar

aspectos históricos assinalados pela figura do herói, evidenciando a realidade sócio-

histórica brasileira, como também remontar a origem do gaúcho, o contexto social do

qual emerge.

Além disso, essa pesquisa torna-se relevante por ser pioneira nesta linha de

pesquisa ao oportunizar análise de letras de canções regionais do Rio Grande do

Sul sob o viés proposto, bem como pela importância dessa investigação no contexto

Regional, tornando o fato conhecido e as produções locais como objeto de pesquisa.

Esta dissertação poderá ser usada como material de pesquisa literária nas escolas

da Região, ampliando o conhecimento histórico e literário e fornecendo subsídios

para conhecer a história de Tenente Portela e como essa figura remonta ao perfil de

herói tanto nas letras de canções quanto na história oficial.

Justifica-se também esta pesquisa em relação ao local do evento trágico, no

qual o Tenente Portela encerrou sua jornada. Este fato diz respeito à terra natal da

pesquisadora, à qual faz parte da história de vida dos pinheirinhenses, que, de certa

forma vem à tona no dia a dia, tendo em vista que esse marco histórico faz parte da

história de Pinheirinho do Vale. Porém esta análise realiza-se de forma imparcial,

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sem cunho ideológico, mas sim evidenciando o que está construído na letra das mú-

sicas gaúchas e obras da história regional.

A estrutura da dissertação está composta da seguinte forma. No primeiro ca-

pítulo analisar-se-á o herói na história e na literatura, levando em conta os conceitos

teóricos; no segundo capítulo será feito um estudo sobre a História do Rio Grande

do Sul que gira em torno do Tenente Portela, sua biografia e como ocorreu a cons-

trução do herói na História oficial; já no terceiro capítulo, será apresentada a análise

do corpus literário da dissertação, será estudada a cultura gaúcha e o gênero musi-

cal usado pelos compositores das canções em homenagem ao Tenente Portela.

Como também será realizada uma análise da música regional, o enfoque recai sobre

a letra das canções gaúchas compostas para a terceira edição do Canto dos Bravos

de Pinheirinho do Vale, numa análise da construção do herói, o Tenente Portela,

elevado pelos compositores a herói Histórico Regional pela sua atuação na Coluna

Prestes.

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1 O HERÓI NA LITERATURA E NA HISTÓRIA: CONTEXTUALIZAÇÃO

1.1 O herói na história: conceitos teóricos

Visando a uma análise da constituição do herói, encontram-se uma vasta

literatura e registros históricos desde os tempos mais remotos em torno dos

conceitos sobre o herói, que geralmente apresenta uma dimensão semidivina e tem

grandeza de espírito. Nesse raciocínio, Houaiss (2001) argumenta que “o herói é

elevado à classe dos semideuses” (HOUAISS, 2001, p.1520). Nicola Abbagnano

(1998), no Dicionário de Filosofia, tratando do termo, remete ao pensamento de

Aristóteles:

Se houvesse duas categorias de homens tais que a primeira diferisse da segunda tanto quanto se julgava que os deuses e os heróis diferiam dos homens, sobretudo pela valentia física e pelas qualidades da alma, então sem dúvida, ficaria evidente a superioridade dos governantes sobre os governados (ARISTÓTELES apud ABBAGNANO, 1998, p. 498).

Desse modo, o herói é visto como alguém superior, com grandeza de alma e

espírito, sobretudo valentia física. Em conformidade com as relevantes ideias de

Abbagnano, (1998), foi no romantismo que retornou a acreditar na existência de

indivíduos excepcionais, encarnados pela providência histórica para cumprir tarefas

relevantes. São seres humanos que seguem a sua própria paixão, sua ambição:

“trata-se da astúcia da razão: esta utiliza os indivíduos e suas paixões como meios

para realizar seus próprios fins” (ABBAGNANO, 1998, p. 498). Fato que permite

deduzir que, em certo ponto, o indivíduo perece ou é levado à ruína pelo sucesso:

“Nos heróis, age a mesma necessidade da história, e por isso resistir a eles é inútil.

Eles são levados irresistivelmente a cumprir sua obra” (ABBAGNANO, 1998, p. 498).

Desse modo, o herói segue o ideal que traçou, mesmo que isso lhe custe a vida.

Abbagnano(1998) apresenta outro conceito sobre realizações de homens neste

mundo:

A história universal, a história daquilo que o homem realizou neste mundo, substancialmente outra coisa não é senão a história dos grandes homens que aqui agiram. Foram estes grandes homens os líderes da humanidade, os inspiradores, os campeões, e, lato sensu, os artífices de tudo aquilo que

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a multidão coletiva dos homens cumpriu e conseguiu (ABBAGNANO, 1998, p. 498).

Dessa forma, percebe-se que os grandes feitos históricos que os autores de-

fendem foram realizados por indivíduos idealistas, líderes heroicos que lutaram por

justiça social e liberdade. Nessa perspectiva, observa-se que o herói encontra-se

tanto na ficção literária, quanto nos fatos históricos, tendo em vista que muitas vezes

a ficção se aproxima muito mais da verdade do que os registros históricos, como

pontua Seffner (1993):

Esta fronteira entre ficção e história, consideradas as duas como narrativas sobre o mundo, é de fato muito traiçoeira. E é nessa fronteira que o herói se move, é ali onde ele mais habita. Nessa fronteira temos, por exemplo, as re-lações entre história e literatura. Convém discutir um pouco essas duas for-mas de narrar o mundo (SEFFNER, 1993, p.197).

Nesta esteira, as narrativas históricas da humanidade, que tratam da conven-

ção da veracidade dos fatos, desde os tempos remotos até a atualidade aproximam-

se da ficção literária, visto que a obra literária, que trabalha com a ficcionalidade,

situa-se em um determinado período da civilização, permitindo que ela se aproxime

muito mais da realidade do que os registros históricos encontrados nos livros de his-

tória ou didáticos. Seffner (1993) salienta que “uma boa ficção pode nos dizer mais

da história do que muitas verdades oficiais de historiadores”(SEFFNER, 1993,

p.197), e, neste contexto encontra-se o herói, seu enquadramento nos acontecimen-

tos, nos grupos sociais, com ideologias que orientam a ação humana.

Cezar (1995) sustenta que se encontram elementos que comprovam a apro-

ximação da história com a ficção literária, porque, como a história, a literatura produz

clássicos, por conterem em seu elemento a ficção:

Os historiadores quando aproximam-se dos padrões narrativos da arte lite-rária adquirem uma “disposição explicativa”: este elemento mítico na sua obra é reconhecível naqueles relatos históricos que, como o declínio e que-da do Império Romano de Gibbon, continuam a ser reverenciados como clássicos muito tempo depois que os “fatos” neles contidos foram reconhe-cidamente apurados por pesquisas subsequentes e que seus argumentos explicativos formais foram transcendidos pelo advento de novas teorias so-ciológicas e psicológicas (CEZAR, 1995, p. 174).

O autor pondera sobre o estilo do historiador, que deve ser levado em consi-

deração, pelo fato de, muitas vezes, sofrer interferências em sua escrita, que não é

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feita de forma livre. O autor menciona a ideia de que as formas de escrever a histó-

ria obedecem a códigos, normas e métodos que principalmente regulam a imagina-

ção e afastam o historiador do literato. Acerca do saber histórico, Cezar (1995) traz

uma fala que menciona fatos, tais como: “A história oscilará provavelmente sempre

entre a arte da narrativa, a inteligência do conceito e o rigor das provas...”, (CEZAR,

1995, p. 174), nesse sentido, as provas passam a ser mais seguras, os conceitos

mais explicitados e o conhecimento ganha muito com isso, bem como a arte da nar-

rativa nada perde. O autor conclui dizendo que:

É preciso considerar que o mito do texto como representação objetiva do passado continua a ser vivido em nossa época. É um mundo para o qual es-ta crença ainda faz sentido; é um comportamento de consumidor; espera-se da história a verdade sobre as coisas pretéritas, não mais as dúvidas como as que assolam o presente (CEZAR, 1995, p. 175-176).

Assim, ao referir-se a pessoas que passaram por situações trágicas ou fatos

importantes que deixaram marcas na história, usam a linguagem metafórica para dar

maior significação ao fato, como por exemplo, nesse estudo: “se o combate da Ra-

mada teve um herói, este herói foi o Comandante Mário Portela”(LOPES, 2006, p.

134); ou ainda: “Mário Portela Fagundes, o soldado intrépido e inteligente” (FOR-

NARI, 1995, p. 77). “Ao que parece, o amigo morto nas margens do Rio Pardo se-

gue presente, ao menos no reconhecimento de sua abnegação, empenho, idealismo

e luta por aquela causa” (PRESTES apud FORNARI, 1995, p. 87). Nota-se que os

autores esteiam-se em conceitos relativos ao idealismo do jovem Tenente Portela, o

heroísmo expressado através da ficção literária. Assim Tenente Portela, através dos

seus feitos históricos, passa a ser visto como um herói por determinados grupos de

pessoas da sociedade, pelas ideologias que comungam e cultuam através de even-

tos cívicos, culturais e sociais.

Na história da humanidade, desde os tempos remotos, revelaram-se muitos

heróis. Na ficção literária, no cinema ou até mesmo na vida real, o herói sempre en-

contra o seu espaço, pois ele nasce a partir de uma necessidade espiritual como

forma de se proteger do desconhecido. Assim, a literatura é um espaço perfeito para

abrigar muitos heróis. Lima e Santos (2011) em seu artigo “A Trilha do Herói: da an-

tiguidade à modernidade”, partilha a ideia de que as obras literárias reproduzem o

sistema social e o herói é quem ilumina de forma estratégica tal sistema, seja atra-

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vés de textos literários poéticos, como da narrativa literária. O autor pontua que

“os heróis na história política, sócio-econômica e da literatura são personagens que

podem vir da burguesia, da elite, do poder e das classes sociais baixas, insurgindo

contra um governo autoritário, contra as injustiças sociais de um sistema econômico”

(LIMA; SANTOS, 2011, p. 03).

Isso permite dizer que o herói pode emergir da imaginação de várias gera-

ções, que posteriormente podem ser vistos na literatura, bem como podem ser seres

humanos reais de muita coragem e determinação, que realizam ações na luta por

mais igualdade e justiça social de sua comunidade.

Se analisar o discurso oficial da história como um texto, remontar-se-á à prer-

rogativa de que a narrativa histórica surgiu de um processo de escrita, que não se

preocupa com a documentação ou comprovação de fatos. Tal escrita está relaciona-

da aos gêneros literários como romance, conto e poema. Dessa forma compreende-

se que a História proporciona um espaço próprio, com um comentário específico,

mesmo que prossiga sistematizando seu conhecimento através de suas narrativas.

Sobre isso, Barthes (1988) explica que a estrutura narrativa foi originalmente ampli-

ada na ficção, nos mitos e nos primeiros textos épicos, o que a torna ao mesmo

tempo o indicativo e a prova da realidade.

Nesse sentido o discurso histórico acaba sendo constituído como um texto,

que possibilita ao leitor várias interpretações sem apresentar uma única verdade.

Bann (1994) explica que um determinado fato ou contexto específico pode suscitar

múltiplas visões acerca da história. Nas palavras do autor:

A História não é simplesmente um gênero literário. Até o fim do Século XVIII é inconcebível a classificação da escrita histórica como uma subdivisão da literatura. A História implica uma atitude para com o passado e com o que quase poderia ser chamado de uma miragem do passado (...) mas a Histó-ria também é um corpo e um texto, como texto carrega a autoridade equiva-lente a da lei (...) como um corpo, é acessível por formas que ignoram ou passam ao largo da lei (BANN, 1994, p. 139).

O período em que o romance passa a ganhar status e licença poética, permi-

tindo a criatividade, o imaginário poético e literário, mais precisamente no século

XVIII, é a mesma época em que a história busca afirmar-se como disciplina, procura

ser reconhecida como ciência.

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Santos (2005) argumenta que o pensamento positivista nesse mesmo perío-

do, influenciou a historiografia moderna a partir da raiz alemã, por outro lado o ro-

mance representa o conhecimento humano a partir da imaginação, mesmo que este

conhecimento esteja presente em contextos históricos bem definidos, como os ro-

mances ancorados na historiografia. Ou seja, o romance encontra-se aportado no

imaginário, enquanto que a história relata fatos comprovados. O autor propõe a ideia

de que:

A pluralidade de significações dos textos literários e históricos decorre de inúmeras contextualizações. Há uma dinâmica que caracteriza a arte literá-ria e a construção do texto histórico, que aderem, transformam ou rompem as suas cargas significativas (SANTOS, 2005, p. 2).

Desse modo, compreende-se que o imaginário da arte e da literatura permite

ao leitor muitas interpretações, já que dependem muito do espaço cultural e históri-

co, bem como do leitor ou produtor, que visa a uma leitura prazerosa e democrática.

Permitem ainda constituir a figura do herói, podendo também apresentar o retros-

pecto de uma cultura específica. Pesquisas apontam que os primeiros tipos de he-

róis foram os clássicos, que não são caracterizados como intelectuais, mas sim de

muita coragem e bravura com estratégias bem sucedidas. Lima e Santos (2011)

manifesta a ideia de que “Eles representam o poder e a burguesia. O herói é quem

leva a coragem ao máximo, a ponto de sacrificar a própria vida por uma causa mai-

or” (LIMA; SANTOS, 2011, p. 03). Dessa forma, o papel do herói é fundamental nas

obras clássicas construídas por determinados grupos sociais, através das quais se

passa a conhecer melhor o passado, fazendo uma reflexão em torno dele, criando

novas possibilidades e fontes inspiradoras para avançar no presente.

A memória histórica não fez desaparecer os mitos gregos, assim o herói nas-

ceu a partir do mito. O pesquisador Feijó (1995) aponta para a ideia sobre herói de

que: “a mitologia grega pode ser resumida na vida dos deuses e heróis, sendo que

os deuses tinham características humanas, como vícios e virtudes, e os heróis tendo

características divinas, com poderes especiais, embora fossem mortais” (FEIJÓ,

1995, p. 14).

Nesse sentido cabe salientar que o herói é quem merece a confiança do povo

pela sua coragem e atitudes, conquista o afeto do povo pelo seu caráter que se im-

põe sobre os demais. O herói verdadeiro sempre se apresenta como guardião da

ordem para proteger a sua nação. Porém torna-se pertinente lembrar que na história

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é preciso analisar quem a escreveu e qual a linha de pensamento que consagrou

seus heróis. De certa forma, a criação do herói se dá por meio do discurso por quem

detém o poder e dita as regras.

O herói tem um espaço muito amplo na literatura. Os desejos e anseios cole-

tivos, os mitos, as crenças recebem forma representativa de seu compositor. Isso

aponta para a ideia de que o leitor vê no herói características e afinidades da reali-

dade dos amantes da literatura. O personagem emerge da passagem do herói divi-

no para o herói humano, marcando a história da literatura. Acompanhando as ideias

propostas por Feijó, (1995), “na mitologia, o herói é divino. Na poesia épica ele é

unidade de sentimento e ação. Na história é separado da realidade. Na literatura, o

destino do herói é a sua iniciação: a descoberta de si mesmo” (FEIJÓ, 1995, p. 63.).

Vogler (2006) afirma que os heróis trágicos, comuns em epopeias clássicas,

como na célebre tragédia Édipo Rei, frequentemente são pessoas superiores, que

possuem poderes extraordinários, que tendem a se igualar aos deuses, ou até se

considerarem melhores que eles. Além disso, o estudioso afirma que os heróis trági-

cos “ignoram advertências sensatas ou desafiam os códigos morais locais, achando

que estão acima das leis divinas e humanas” (VOGLER, 2006, p. 151), o que pode

desencadear a destruição do herói trágico.

É importante ressaltar que, com o passar do tempo, a modernidade possibili-

tou a união da tragédia a outros gêneros, de modo de que a imagem do herói trágico

acabou se modificando. Se na antiguidade, o herói pertencia à aristocracia, hoje, na

modernidade, a classe social do herói mostra-se, possivelmente, outra. De acordo

com Lesky (1976), hoje o herói é identificado pelo seu lado humano:

Somente no século passado é que o desenvolvimento da tragédia burguesa pôs fim à ideia de que os protagonistas do acontecer trágico deviam ser reis, homens de estado ou heróis. (...) só que hoje não mais o interpretamos do ponto de vista da classe social, mas do ponto de vista humano num sen-tido mais transcendente. E em lugar da alta categoria social dos heróis trá-gicos, coloca-se agora outro requisito, que eu poderia configurar como con-siderável altura da queda: o que temos de sentir como trágico deve signifi-car a queda de um mundo ilusório de segurança e felicidade para o abismo da desgraça ineludível, (LESKY, 1976, p. 26).

Mesmo com a distância entre o trágico do passado e o da modernidade, e

também considerando as inúmeras transformações histórico-sociais, compreende-se

que o herói trágico e suas singularidades ainda podem aparecer em personagens da

modernidade, que representam não a superioridade e o poder do trágico antigo, mas

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um herói que se sacrifica de maneira libertária para apontar sempre novos cami-

nhos. Tal estereótipo de herói trágico moderno pode ser observado na historiografia,

tanto brasileira como gaúcha, assim como em monumentos representativos e até

pontos importantes de uma determinada localidade.

Para exemplificar, citamos o monumento do Panteão da Pátria e da Liberdade

Tancredo Neves, de Brasília, inaugurado em sete de setembro de 1986, com o obje-

tivo de homenagear brasileiros que possuem ideais de liberdade e democracia. O

Panteão leva o nome de Tancredo Neves, que foi o primeiro presidente eleito atra-

vés do voto direto, após um longo período de ditadura militar. No salão principal do

Panteão, fica o Livro de Aço dos Heróis Nacionais, que destina uma página para o

nome de cada herói brasileiro. Tal personagem é homenageado a partir de cinquen-

ta anos após o seu falecimento, como também reconhecimento de seus atos heroi-

cos, conforme designação do Congresso Nacional.

De acordo com o site da Secretaria da Cultura do Distrito Federal25, atualmen-

te consta o nome de dez brasileiros homenageados como heróis nacionais no Livro

de Aço. Dentre eles, estão: Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiraden-

tes, líder e mártir do movimento da Inconfidência Mineira, e Patrono Cívico da Nação

Brasileira; Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares que, lutou e deu a

sua vida pelo ideal de liberdade dos escravos no Brasil, no século dezessete; Mare-

chal Deodoro da Fonseca, responsável pela Proclamação da República; D. Pedro I,

imperador que proclamou a Independência do Brasil; Duque de Caxias, patrono do

Exército brasileiro; José Plácido de Castro, que lutou pela anexação do território do

Acre ao território brasileiro; Almirante Tamandaré, patrono da Marinha brasileira; Al-

mirante Barroso, que comandou a força naval brasileira na Batalha do Riachuelo;

Alberto Santos Dumont, o "Pai da Aviação" e patrono da Aeronáutica e da Força Aé-

rea Brasileira; e, José Bonifácio de Andrada e Silva cognominado o "Patriarca da

Independência" pelo seu trabalho no processo da independência brasileira.

Inúmeros personagens históricos26, considerados heróis, são representados

na literatura. Essa afirmativa vai ao encontro com as pertinentes ideias de Lima e

Santos (2011) que indicam para a existência na literatura ou na história da humani-

dade de “muitas personalidades que transitam entre o real e o imaginário, mas que

25 http://www.sc.df.gov.br/panteao-da-patria.html - Acessado em: 14 fev. 2013. 26 Ver-se-á na próxima seção, “O herói na literatura: conceitos teóricos”, a representação de persona-gens históricos considerados heróis.

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acabam se solidificando na cultura de um povo como um mito. A mitologia é o poder

que a linguagem exerce sobre o pensamento humano” (LIMA; SANTOS 2011, p.

06). Desse modo pode-se dizer que o real se forma a partir do cotidiano em uma

sociedade de um determinado povo, de acordo com as suas crenças, direciona a

vivência em comunidade, o que gera a cultura desse povo.

Já para Cassirer (2009), a linguagem possibilita a produção do imaginário:

“tanto o saber, como o mito, a linguagem e a arte, foram reduzidos a uma espécie de

ficção, que se recomenda por sua utilidade prática, mas à qual não podemos aplicar

a rigorosa medida da verdade se quisermos evitar que se dilua no nada” (CASSI-

RER, 2009, p.21). Ainda no raciocínio do autor, o pensamento é consolidado a partir

das palavras. Logo, o mito está associado à linguagem e ambos são resultados de

um mesmo ato fundamental da elaboração espiritual da concentração e elevação da

simples percepção sensorial. O imaginário evoca a ilusão do real no simbólico,

(CASSIRER, 2009).

Cabe lembrar que o herói, desde a antiguidade clássica à modernidade, de-

sempenha a função de protetor e salvador da humanidade. Dessa forma pode-se

dizer que de situações históricas, de personalidades que tiveram seu mérito reco-

nhecido por situações heróicas enfrentadas ou pela morte trágica, deram origem a

muitos personagens das artes e do imaginário popular.

Na abordagem de Kothe (1985), retomando as ideias de Baudelaire, afirma-se

que, “segundo Baudelaire, o poeta é o grande herói da modernidade, pois vive numa

espécie de realidade em que não há propriamente lugar para o poeta: o que ele faz

não vale nada para a sociedade” (KOTHE, 1985, p. 53.). Fica evidente que no sis-

tema capitalista no qual o homem vive cercado por muitos medos, até de si mesmo

frente ao mundo tecnológico conduz ao individualismo, o poeta encontra refúgios na

arte através da qual pode expressar o seu espírito revolucionário.

Nesse sentido, no entendimento dos estudiosos Adorno e Horkheimer (1985),

“O mito converte-se em esclarecimento e a natureza em mera objetividade. O preço

que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre o

que exercem o poder” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 21). Isso permite dizer

que o ser humano torna-se alienado do seu próprio saber que desenvolveu e, para

se manter no poder, sente necessidade de fazer uso dele para realizar a satisfação

pessoal, que, na percepção dos mitos, se busca a divindade. Assim, o esclarecimen-

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to procura exterminar os mitos, visto como um conjunto de crenças que conduz a

humanidade há muito tempo.

Entende-se que a sociedade capitalista avança técnica e racionalmente,

exclui cada vez mais os menos favorecidos, os detentores de uma educação

fragmentada que não conseguem acompanhar a evolução da tecnologia que avança

em nome da modernidade. Assim, marginaliza a classe pobre, reduzindo seus

integrantes à coisas. Esses, por sua vez, podem ser manipulados pelos detentores

do poder, e, quando não servem mais, são eliminados como um objeto qualquer,

sem levar em conta o “ser”, a vida em sua essência, o direito à vida digna.

A história do Brasil aponta heróis, como Bento Gonçalves27, que, para os

gaúchos é o herói da grande revolução republicana e separatista de 1835, também

visto por muitos como vilão; outro herói, Tiradentes28, o mártir da Inconfidência

Mineira. Tais personagens heroicos acabam aproximando as narrativas históricas

das literárias, tendo em vista que suas histórias passam a ser narradas em obras

literárias.

O líder Bento Gonçalves é retratado no romance de Letícia Wierzchowski, A

Casa das Sete Mulheres, como um indivíduo majestoso, imagem que se cristaliza o

gaúcho na identidade regional, inserida na Revolução Farroupilha. A narrativa traz

uma perspectiva épica, em que os heróis do Rio Grande do Sul combatem, liderados

por Bento Gonçalves, contra a opressão do poder central, com derramamento de

sangue. Esse líder Farroupilha é elevado à majestade por representar a força e o

brio, além de ser um símbolo de retidão. O herói Bento Gonçalves, além de defender

a sua província, mantém um espírito de defesa de nação que se encontra em

decadência (WIERZCHOWSKI, 2008, p.36)

José Luciano de Queiroz29, no artigo “Pintando o herói da República: A cons-

trução do imaginário mitificado de Tiradentes e o Ensino de História”, pontua que o

27 Nasceu em 23 de setembro de 1788, Militar brasileiro e chefe da Revolução Farroupilha, consa-grou-se como herói histórico. Embora questionado de que Bento Gonçalves seja herói ou bandido. 28 Nasceu na Fazenda do Pombal, em 16 de agosto de 1746 Morreu no Rio de Janeiro, 21 de abril de 1792. Seu nome é Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, participou da Inconfidência Mineira, um movimento iluminista brasileiro. Foi executado e esquartejado pelo governo português. Sua cabeça foi fincada em um poste em Vila Rica e outras partes do corpo foram expostos nas estradas da região. Considerado o maior Herói Nacional, com o nome inscrito em primeiro lugar no Livro de Aço do Panteão da Pátria e da Liberdade, Tiradentes é um mistério quase completo. http://www.brasilazul.com.br/tiradentes-heroi-sem-rosto.asp. Acesso em 13/02/2013. 29 Professor do Departamento de História e Geografia da UEPB, Campina Grande, Doutorando em história pelo PPGH/UFPE.

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contexto histórico em torno da figura heroica de Tiradentes eleva esse personagem

à divindade de Cristo no período do Império, pois salienta que

As representações construídas em torno de Tiradentes como um Cristo, não são peculiaridades dos pincéis de Pedro Américo e demais pintores. Na lite-ratura, por exemplo, Castro Alves escreveu a peça Gonzaga ou a Revolu-ção de Minas se referindo ao “Cristo da multidão” e Luis Gama, abolicionista e republicano, escreveu um artigo para o primeiro número do jornal come-morativo do 21 de abril, editado pelo Clube Tiradentes (1882), com o título “À forca o Cristo da Multidão”(QUEIROZ, p.7)

Desse modo, alguns paradigmas de representação do herói são

reconstituídos na literatura, seja ela em verso ou em prosa, do que suscitou ampla

discussão teórica da constituição do herói em textos literários, como destacado a

seguir.

1.2 O herói na literatura: conceitos teóricos

Desde a antiguidade, nos mais diversos períodos e civilizações, os povos es-

tabeleciam alguns personagens da sociedade como seus heróis. O termo herói a-

presenta um significado diferente conforme as correntes literárias, a cultura, as ori-

gens e de acordo com a época do contexto do herói. Nesse capítulo, trazem-se al-

guns exemplos pontuais de heróis, porém sem compromisso temporal. Martins

(2011), na dissertação de mestrado O conceito de herói em narrativas de alunos

chineses de Português Língua Não Materna, argumenta que, de acordo com os

clássicos gregos,

o herói posiciona-se entre os deuses e os homens, representando a degra-dação dos deuses e a promoção dos homens [....]o herói tem uma origem divina, vivendo uma infância misteriosa tem, enquanto adulto, uma vida de combates contra inimigos ferozes que, ao servirem de provas libertadoras, lhe proporcionam a imortalidade (MARTINS, 2011, p. 28.)

Oliveira (2012), em perspicaz análise sobre a figura do herói, argumenta que

“O herói é a primeira figura a assumir a função do mito, estando presente no cotidia-

no da humanidade por meio, tanto da mitologia como da literatura. Ele é uma figura

antropológica que permeia a mente (in)consciente de todo ser humano” (OLIVEIRA,

2012, p. 87).

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Como o herói nasce a partir de uma necessidade espiritual, como uma manei-

ra de proteção contra o medo do desconhecido, a literatura passa a ser um amplo

espaço que abriga muitos heróis. Baseando-se nas ideias de Lima e Santos, nas

obras literárias, passa a ser representado o sistema social, “e o herói é a dominante

que ilumina estrategicamente a identidade de tal sistema” (LIMA; SANTOS, 2011, p.

03).

Conforme reflexões de Lima e Santos (2011), os clássicos, vistos como os

primeiros heróis, não são caracterizados como heróis, porém como homens de muita

coragem e bravura. Suas estratégias geralmente são bem sucedidas, como também

demonstram vontade para adquirir novos conhecimentos, geralmente representam o

poder e a burguesia. Desse modo, encontram-se em posições superiores às demais

pessoas que levam uma vida mais simples, sem destaque social. O herói é aquele

imbuído de muita coragem a ponto de sacrificar a própria vida por uma causa nobre.

Nas palavras dos autores: “As obras clássicas são construídas por determinadas

classes sociais e permite-nos compreender o passado, repensando-o, criando novas

sensibilidades e novas luzes para que se possa progredir no presente” (LIMA; SAN-

TOS, 2011, p.03).

Sabe-se que os gregos nomeavam de heróis aqueles que se destacavam pe-

la sua coragem e valentia nos ritos e cultos, surgindo assim o mito desde os povos

primitivos. Desse modo ocorreu o nascimento do herói a partir do mito, e os mitos

gregos não desapareceram da memória histórica. Conforme análise de Lima e San-

tos (2011), “a mitologia grega pode ser resumida na vida dos deuses e heróis, sendo

que os deuses tinham características humanas, como vícios e virtudes, e os heróis

tendo características divinas, com poderes especiais, embora fossem mor-

tais”(FEIJÓ apud LIMA; SANTOS, 2011, p. 04). De acordo com os autores Lima e

Santos, o herói é um indivíduo que adquire a admiração pela bravura e conquistas,

consequentemente adquire o afeto do povo pelo seu caráter. Os autores salientam

que “O verdadeiro herói deve sempre lutar para estabelecer e garantir a ordem para

proteger a sua nação” (LIMA; SANTOS, 2011, p. 04). Desse modo, a criação do he-

rói se dá por meio do discurso.

Os heróis da tragédia clássica mantêm as origens dos ilustres, como também

as missões dos antigos heróis, porém se distinguem no destino do herói, transfor-

mando a ação numa catástrofe final, como a célebre tragédia Édipo Rei, uma obra

literária que ilustra a construção do herói no texto literário. De acordo com Lima e

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Santos (2011), a literatura tem um amplo espaço dedicado ao herói. Seu maior poe-

ta foi o grego Homero, do século VIII a.C. que transmitia oralmente as sagas herói-

cas do povo grego, reunidas em duas obras primas: a Ilíada e a Odisseia. De acordo

com os autores:

Na Ilíada estão narrados acontecimentos que envolvem o último ano da guerra de tróia, cujo herói principal é Aquiles. A Odisséia narra o retorno do herói Ulisses para o lar, após a guerra de Tróia. Os dois heróis são mitológi-cos e fazem parte da crença popular que consequentemente os tornou he-róis épicos pela criação que o poeta Homero lhes deu. Vale ressaltar que as respectivas obras são datadas do século VIII – VII a. C. e portanto, as mais antigas referências ordenadas sobre mitos que certamente já eram parte da sociedade grega a mais de quatro séculos antes de serem registradas por escrito (LIMA; SANTOS, 2011, p. 04.)

Na Literatura Medieval encontra-se em evidência Lancelote, O Cavaleiro da

Charrete, no terceiro romance do Ciclo Arturiano de Chretien de Troyes, entre 1135

a 1185; esse personagem é visto como o herói da charrete. Conforme Silva (2004),

na obra O Cavaleiro da Charrete:

Lancelote é o cavaleiro totalmente subjugado por seu amor a Guinevere. De acordo com informações fornecidas pelo autor na introdução da obra, esta foi-lhe encomendada pela própria condessa, a partir do argumento que ela lhe fornecera e que faz do herói, a princípio, uma espécie de proscrito em seu meio social por ferir uma de suas normas básicas. Para salvar sua a-mada Guinevere, ele utiliza um meio de transporte vil, a charrete, em lugar do nobre cavalo (SILVA, 2004, p. 01).

O romance de Lancelote, O Cavaleiro da Charrete, tornou-se relevante para o

futuro desenvolvimento do Ciclo Arturiano pelo fato de Lancelote, através de suas

aventuras e proezas, tornar-se famoso, como também pelo seu amor pela mulher

do rei Arthur, a Sra. Guinevere.

No período Renascentista do século XV e XVI, as raízes do romance de cava-

laria estão na Idade Média. Geralmente o protagonista é um herói de origem miste-

riosa, porém os personagens são nobres. O que gera o tema é a junção entre amor

e aventura, bem como os ideais defendidos são a justiça, a coragem e a fidelidade.

A utopia cavaleiresca na obra Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes,

torna-se motivo de zombaria pelo fato do protagonista, que representa o herói, ser

um cavaleiro ridículo, apaixonado por uma dama do povo, a bela Dulcineia. Ele pas-

sa a esgrimir contra rebanhos de carneiros e moinhos de vento.

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A literatura do Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XX, apresen-

ta a obra épica de Érico Veríssimo, O Tempo e o Vento. É uma trilogia que mostra o

heroísmo não só dos homens, mas também muito bem representado pelas mulhe-

res. A mulher simboliza o tempo que fixa raízes, e o homem representa o vento, vis-

to como conquistador e passageiro (BORGES, 2009).

Ana Terra, uma das personagens da obra, dará continuidade de sua descen-

dência através da neta Bibiana, que ainda na adolescência demonstra a sua manei-

ra determinada de escolhas, não aceita um casamento de conveniências com Bento

Amaral, contrariando as expectativas femininas de seu tempo. Ela se casa com Ro-

drigo Cambará, cedendo aos apelos dos sentimentos e desejos. Borges argumenta

que Bibiana terá a mesma força e determinação da avó, traz uma fala de Ataíde so-

bre essa intensidade feminina: “É patente, em toda a obra de Veríssimo, a tensão

entre os dois pólos do espírito ibérico: a alma heróica e a alma lírica; a alma con-

templativa e a alma ativa; a alma masculina e a alma feminina (ATAÍDE apud BOR-

GES, 2009, p. 245).

Já no Romantismo, o herói expressa o modelo da sociedade da época, con-

sagrado ao sofrimento e em alguns casos a um fim trágico. A sociedade aristocrática

dita os valores do comportamento individual do herói: a coragem, a honra, a fidelida-

de e o respeito à memória dos antepassados. Por outro lado, o herói do naturalismo

representa um produto de fatores naturais, da hereditariedade e da educação.

José de Alencar, na obra O Guarani, traz a representação do herói Peri, que

idolatra a sua amada, dedicando-se inteiramente a sua senhora. No final do roman-

ce, Peri desempenha um ato heróico, toma veneno para que a sua tribo, que é an-

tropófaga, ao comer sua carne, morresse envenenada. Após a derrota dos portu-

gueses, D. Antônio pede a Peri que ele se converta ao cristianismo e fuja com sua

filha Ceci.

O romance existencialista do século XX questiona o conceito de herói, visto

que o homem vive num mundo de contradições e passa a ser alguém diferente de

um herói. O realismo apresenta um herói que intervém socialmente e politicamente,

sempre é alguém que denuncia a corrupção e a opressão, busca a liberdade para as

pessoas da sociedade na qual está inserido.

Imagens sociais e reais que fazem parte da história da humanidade são

representadas na literatura, muitas vezes, como personagem principal um herói

protagonista de um fato real. Dessa forma, através da literatura, constata-se que os

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fatos históricos têm uma versão diferente do que se aprende nos bancos escolares.

Jorge Amado, por exemplo, defende a tese do heroísmo de Luiz Carlos Prestes30.

Embora alguns assuntos não possam ser generalizados, é possível, com a obra O

Cavaleiro da Esperança, mudar o paradigma de que na história sempre existe um

lado do Bem e um lado do Mal. Dessa forma, em todos os lados existem homens,

sejam índios, brancos ou negros, e, sendo homens, nenhum lado deve ser

totalmente inocente, cada um comunga de uma determinada ideologia e defende o

que pensa ser correto.

Nesse sentido, a obra O Cavaleiro da Esperança, de Jorge Amado, editado

em 1942, apresenta como herói protagonista o comunista brasileiro Luís Carlos

Prestes. Este protagonista de fato existiu, é de carne e osso, tem certidão de nasci-

mento e é narrado pelo escritor como um herói histórico, pela luta por liberdade e

democracia no período da ditadura militar no Brasil. O autor traz à tona o cenário da

época da Revolução Tenentista, da primeira metade do século XX, narrando “os ga-

úchos dando sua vida pela liberdade” (AMADO, 2011, p.33). Os revolucionários

mantêm a esperança de que o amor pela liberdade, pela luta contra as fórmulas feu-

dais de governo, libertem o povo das péssimas condições de vida. Salienta que “Es-

sas terras do Sul estão encharcadas de sangue revolucionário, é vermelha a raiz

desses pastos e dessas árvores” (AMADO, 2011, p.34) Enfatiza a coragem de líde-

res gaúchos que lutaram por maior liberdade e justiça social.

O autor descreve o cenário do Cavaleiro da Esperança com linguagem poéti-

ca, elevando o protagonista da obra a herói, a um grande líder necessário às raças e

classes sociais menos privilegiadas do povo brasileiro. Destaca o surgimento do lí-

der do povo desde o seu nascimento, elogia as qualidades do gaúcho e comunista

Luiz Carlos Prestes pelo espírito de liderança. Prestes tinha como seu principal alia-

do de causa o Tenente Portela, fiel seguidor da causa revolucionária, porém não se

aliou ao comunismo, mas sim se engajou na Coluna Prestes por acreditar em seu

ideal.

No que tange à relação entre literatura e história, Seffner (1993) explica que,

no período Renascentista, havia uma correlação muito grande entre as duas áreas

do conhecimento. O autor propõe a ideia de que a história encontra sua perfeita ex-

pressão numa forma muito semelhante à da literatura:

30

Líder revolucionário da Coluna Prestes ocorrida entre 1924 a 1927 no Brasil.

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Na ausência de conhecimentos e conceitos mais sólidos que tratassem da complexidade do social, da estrutura da sociedade, na ausência de uma metodologia de trabalho do historiador, o jeito de contar a história era sem-pre como relato das aventuras dos povos, nações e heróis. A história surge como memória dos povos e de seus melhores e mais importantes indivíduos (SEFFNER, 1993, p. 197).

Isso indica que fatos contados passam a ser narrativas literárias, evidencian-

do a aproximação entre história e literatura. Desse modo, compreende-se que a his-

tória trabalha com a convenção da veracidade, enquanto que a literatura trabalha

com a ficcionalidade. Assim, concebe-se que a literatura proporciona um campo bem

abrangente da ficção desde os tempos mais remotos, mas que permitem uma apro-

ximação da realidade dos fatos históricos de um determinado período da humanida-

de.

Nesta esteira de produções que trabalham dualmente a ficção e a história,

encontra-se uma relação de parentesco, uma aproximação e diferença entre o ro-

mance e a epopeia. Bastos (2007) pontua que a epopeia se aproxima mais do real,

“conjugando matéria de extração histórica, o terreno do real, e matéria de extração

mítica, o terreno do maravilhoso, impunha ao protagonista, o herói, a tarefa de ultra-

passar os limites do humano para merecer o reconhecimento dessa sua condição”

(ARISTÓTELES apud BASTOS, 2007, p. 48). Na epopeia, o protagonista é elevado

a alguém extraordinário, um semideus, aquele que se destaca pelas atitudes nobres

e pela coragem de chamar a responsabilidade para si, resolvendo os problemas da

coletividade.

Aristóteles31 (2006) sublinha que a epopeia se assemelha à tragédia, salvo o

canto e a encenação, os demais elementos essenciais são os mesmos: “também

são necessários os reconhecimentos, as peripécias e os acontecimentos patéticos.

Deve apresentar pensamentos e beleza de linguagem. [ ] mas a epopeia difere da

tragédia em sua constituição pelas dimensões e emprego do metro” (ARISTÓTE-

LES, 2006, p.84). Quanto a extensão, a epopeia goza de uma vantagem peculiar

conforme o autor:

enquanto na tragédia não é possível imitar, no mesmo momento, as diver-sas partes simultâneas de uma ação, exceto a que está sendo representada

31

Tradução da obra Arte Poética de Pietro Nassetti, em 2006.

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em cena pelos autores, na epopeia que se apresenta em forma de narrativa, é possível mostrar conjuntamente vários acontecimentos simultâneos, os quais, se estiverem bem conexos com o assuntos, o tornam mais grandioso. Daí resultam várias vantagens, como engrandecer a obra, permitir aos ou-vintes transportarem-se a diversos lugares, introduzir variedades por meio de episódios diversos: pois a uniformidade não tarda em gerar a saciedade, causa do fracasso da tragédia. O metro heróico, a experiência o prova, é o que melhor convém à epopeia (ARISTÓTELES, 2006, p. 85).

De acordo com o autor, o metro heróico é o dotado de maior gravidade e am-

pliação, é o mais apto a acolher metáforas e glosas e a imitação pela narrativa é su-

perior as demais (ARISTÓTELES, 2006).

Já no período Renascentista, o romance que surgiu em fins do século XVIII vi-

ria a ser considerado sucessor da epopeia, foi consolidado no decorrer do século

XIX. Porém houve um questionamento de como o romance passou a substituir a e-

popeia. Bastos (2007) salienta que:

O romance parece-lhe híbrido, uma das ramificações secundárias do gêne-ro épico à qual não faltariam a riqueza e a variedade de interesses, de esta-dos, de caracteres, de condições de vida, assim como todo pano de fundo de um mundo total e a descrição épica de acontecimentos, como a epopeia. Contudo, o romance careceria da poesia do mundo primitivo que é a fonte da epopeia (BASTOS, 2007, p. 51).

Dessa forma pode-se compreender que tanto o romance como a epopeia são

criações da grande literatura épica, são produções literárias diferentes, mas de um

mesmo gênero literário. “Mesmo o condicionamento externo - os dados histórico-

filosóficos que se impõem à sua (do escritor) criação – não apagam a admissão de

uma procedência comum ao romance e à epopeia” (BASTOS, 2007, p. 53.). Assim,

o romance surge num tempo da afirmação da sociedade burguesa, quando o mundo

infantil, do qual o poeta da epopeia falava não existe mais. Sucessivamente “o ro-

mance é a epopeia burguesa [...] o que foi a epopeia para os antigos, especialmente

os gregos, é o romance para a sociedade burguesa dos séculos XIX e XX” (BAS-

TOS, 2007, p. 54).

Bastos (2007) declara que a diferença formal entre as duas produções literá-

rias consiste na presença do verso na epopeia e não na prosa, porém visto por Lu-

kács como “um critério superficial e puramente artístico” (LUKÁCS, Apud, BASTOS,

2007, p. 54). Sugere a ideia de que o romance é a epopeia burguesa desprovida da

antiga grandeza, de que o poeta não pode ser o cantor de uma comunidade, pelo

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fato da sociedade estar dividida em classes sociais e que buscam interesses diver-

gentes.

O herói da epopeia não é propriamente um indivíduo pelo fato da característi-

ca essencial de seu objetivo não ser um destino pessoal, mas sim o de toda uma

comunidade. Lukács (1965), em A Teoria do Romance, baseia-se na ideia de que: “o

herói da epopeia não é nunca um indivíduo. Desde sempre, considerou-se como

uma característica essencial da epopeia o fato de o seu objeto não ser um destino

pessoal, mas o de uma comunidade” (LUKACS, 1965, p. 66). O crítico faz um ques-

tionamento filosófico em torno da vida, como ela pode tornar-se essencial, se na e-

popeia vê-se que a essência não está determinada em sua totalidade, e a existência

requer uma sucessão de aventuras para que possa constituir-se como tal, (LUKÁCS,

1965).

De acordo com o autor, torna-se perceptível, nesse sentido, um esvaziamento

da substância, sendo que inicia um questionamento e a relação sujeito objeto come-

ça a se alterar como um todo orgânico e fechado. Ao perceber que a relação com a

essência se altera, vai da imanência à transcendência, percebe-se a essência já ins-

talada no mundo transcendente. Então o homem se separa do seu meio, torna-se

solitário e não vive mais da totalidade de um mundo perfeito e homogêneo. O ho-

mem passa a viver numa constante tensão entre o singular e o universal. Surge as-

sim o ambiente do romance desse novo contexto, o épico moderno.

No capítulo “Heróis da modernidade”, de O heroi, Kothe (1985) argumenta

que o trágico da modernidade emerge sob a desintegração de valores e certezas da

Idade Média. O autor cita exemplos de heróis trágicos modernos e os distribui em

heróis da decadência, heróis do avesso, heróis proletários e heróis burgueses. No

que tange aos heróis antigos, eles estão em conformidade com os heróis do

avesso,na classificação do autor. Sobre isso, Kothe (1985) postula:

O percurso do herói moderno é a reversão do percurso do herói antigo. Se antigamente se colocava a questão do percurso individual ou grupal entre o alto e o baixo da sociedade, o herói passa a ser, com o processo de indus-trialização, o próprio questionamento da estruturação social em classe alta e classe baixa (KOTHE, 1985, p.65).

Conforme o autor, gêneros como a epopeia e o soneto, que eram considera-

dos antigamente maiores, de certo modo alteraram a sua forma; já o romance, que

foi um gênero antes bastante depreciado pela poética, passa a assumir um papel

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preponderante. Kothe (1985) explica que, mesmo que a tragédia tenha sido repre-

sentada pelo melodrama, é possível constatar não só o reflexo de uma situação so-

cial nova, mas também mais participação popular, e ainda a possibilidade de trans-

formar tal quantidade em uma nova qualidade.

No que diz respeito à tragédia épica ou epopeia, o herói é alguém superior,

um líder que tem autoridade, paixão pelo seu ofício e um grande poder de expres-

são, porém suas ações são sempre alvo de críticas sociais. O gênero narrativo he-

roico que assume o lugar da epopeia heroica segue em vários aspectos o gênero

épico (FRYE, 1973). Porém, ao referir-se ao herói nesta narrativa, ele apresenta

moderação e caráter pacificador.

Em leitura análoga, Meletínski (2002) argumenta que essas características

também são observadas nas narrativas do extremo oriente, sendo que mostram “a

ousadia, a sede de glória militar, a fidelidade sexual, a honra de samurai, mas o

sangue frio é apreciado mais do que a fúria combativa ou a ira e o ódio pelo inimigo”

(MELETÍNSKI, 2002, p. 72). Já Lukács, na Teoria do Romance, salienta que a epo-

peia é o gênero de vitórias, das batalhas vencidas, no qual o protagonista age cora-

josamente sem medo e sem outro sentimento a guiá-lo. O poeta diz que não é a fal-

ta de sofrimento ou a segurança do ser que revestem homens jovialmente rígidos,

“mas sim a adequação das ações às exigências intrínsecas da alma: à grandeza, ao

desdobramento, à plenitude” (LUKÁCS, 2009, p. 26). O herói da epopeia serve como

exemplo ao ambiente em que se encontra inserido, visando à construção de seu

mundo. Ele é o representante de uma comunidade, por isso nunca visa ao bem indi-

vidual, mas sim o bem coletivo.

O herói do romance não legitima uma trajetória coletiva, mas geralmente se

opõe a elas, por se referir a um indivíduo exemplar de um tipo de herói que busca

sempre algo inovador. Bastos (2007) discorre sobre o fato de que, com a divisão da

sociedade em classes, surge o romance em substituição à epopeia: “A equivalência

reafirma a íntima relação entre, de um lado, o surgimento histórico do romance e sua

consolidação como gênero literário dominante e, de outro, o surgimento histórico da

sociedade burguesa e sua consolidação como classe social dominante” (BASTOS,

2007, p. 55). Porém, Goldman observa que esta hipótese de Lukács deve ser res-

tringida, pelo fato de não se aplicar a todos os romances, e, de maneira nenhuma

aplica-se à obra de Balzac, que ocupa um lugar considerável na história do romance

ocidental (GOLDMAN apud BASTOS, 2007).

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O herói do romance tem como missão a busca da totalidade do ser, o mundo

ideal, o autoconhecimento, que tem como cenário um mundo fragmentado, vazio de

sentido. Depois da meta alcançada, a vitória do herói figurará como sentido essenci-

al da organização da vida. Porém, a trajetória do herói torna-se irônica quando a di-

ferença entre ser e dever-ser não é superada, pelo fato do quadro histórico-filosófico

não mais o permitir. Desse modo, trava-se uma eterna luta entre o ideal e a realida-

de, desejo e impossibilidade de idealização do homem no mundo. A tarefa dos per-

sonagens do romance é de construir seu próprio destino, são indivíduos solitários,

geralmente vivem num mundo abandonado por deus. O herói do romance precisa

fundamentar-se e se decidir através de um projeto existencial que escolheu para si

mesmo.

No que tange à construção da narrativa do herói, Reis (1987) argumenta que

a narrativa se desenvolve e existe a partir do protagonista, o herói que se destaca

dos demais personagens. As demais categorias como o tempo, o espaço e a ação

da narrativa se organizam em função do herói, as quais acentuam sua centralidade.

Desse modo, o romance narra o rumo da alma do protagonista que, através das a-

ções que confronta com o mundo, coloca-se à prova para que sua essência seja en-

contrada.

Assim, como o romance é uma arquitetada composição do autor que terá de

integrar partes independentes ao todo, o romance deve ser biográfico, figurando

desse modo o indivíduo problemático para quem as ideias tornaram-se ideais alcan-

çáveis. Nesse sentido, o romance se configura tendo como limite a experiência de

seu protagonista à procura do real sentido da vida. Os demais personagens se inte-

gram na estrutura do contexto e ganham sentido pelo destino do protagonista, que é

o fio condutor da narrativa. Vale ressaltar que toda a trama, articulada ao percurso

do herói, passa a ter unidade. Ainda na composição biográfica configura-se a carac-

terística de que, ao protagonista, é atribuído um alto valor, no sentido de ele ser ca-

paz de produzir e criar, por sua própria experiência, todo um mundo interior e exteri-

or, bem como de mantê-lo em equilíbrio.

Silva (2004) evidencia o raciocínio de que, na atualidade, os meios de co-

municação e a transformação da indústria cultural, através da globalização, contribu-

íram para que o conceito de herói apresente-se de forma mais complexa pelo fato de

ter perdido a aura sagrada que o caracterizava, e, torna-se, por outro lado, num mo-

delo a seguir pelos jovens em sintonia com as questões contemporâneas. No entan-

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to, o autor pontua que, na sua ausência, os super-heróis do presente têm uma idên-

tica construção narrativa à estrutura da literatura da antiguidade clássica como a O-

disséia e a Ilíada (SILVA, 2004).

Não apenas a literatura, seja ela romance ou biografia, representa persona-

gens heróicos reais, que viveram em determinado período histórico. Esse campo

transcende também para o poético. Tendo em vista que são poucos os trabalhos

que estudam o herói histórico na poesia, busca-se analisar poesias musicadas que

representam, não só o herói como personagem, mas que identificam fatores sociais,

históricos e culturais de uma comunidade. Desse modo têm-se presente narrativas

que partem de fatos históricos e passam a ser obras literárias, como exemplificado a

seguir.

Por esse prisma, Basílio da Gama em 1769 escreveu a obra O Uraguai em

forma de romance. Relata a disputa entre Jesuítas e índios, liderados por Sepé Tia-

raju contra os espanhóis e portugueses no Rio Grande do Sul, nos Sete Povos das

Missões. É um poema épico, retrata a história da expedição mista de europeus con-

tra as missões jesuíticas do Rio Grande do Sul, para executar as cláusulas do Tra-

tado de Madrid. Sepé Tiaraju foi imortalizado como herói.

Anita Garibaldi: Uma heroína brasileira, de Paulo Markun (2003), é uma ho-

menagem à memória da mulher que lutou no Brasil, no Uruguai e na Itália por um

ideário político que brotou de sua comunhão física e intelectual com um homem à

frente de seu tempo, seu marido, o herói da unificação italiana, o aventureiro Giu-

seppe Garibaldi. Esta é uma narrativa ancorada em fatos históricos da Guerra dos

Farrapos da primeira metade do século XVIII (MARKUN, 2003.).

A leitura da bibliografia acerca do herói na história e na literatura permite a

elaboração de uma síntese, com pontos comuns, que denotam como esses

discursos assinalam a figura do herói. Desse modo, percebe-se que o herói reúne

todos os atributos necessários para superar qualquer obstáculo de forma

excepcional. O protagonista heroico situa-se numa situação intermediária entre os

deuses e os homens, apresenta uma dimensão semidivina. Seu heroísmo é

carregado de muita coragem e bravura, sente-se poderoso para interagir em

situações delicadas que precisam de muita ousadia e determinação.

O herói sabe que o povo confia nele, nesse sentido confia sempre nas suas

próprias atitudes corajosas por ser dotado de muitas virtudes para garantir a

segurança de seu povo. Porém o herói também apresenta dois lados: de um lado

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há a condição humana, na sua complexidade social e ética; por outro lado,

representa as virtudes que o indivíduo comum não consegue, mas gostaria de

atingir, que é a fé, a coragem, a determinação, a paciência, principalmente a força

de vontade e o poder de ação incomum. E esse heroísmo muitas vezes resulta em

um martírio trágico.

Os atos de um herói primam sempre pela moral, pelo fato de seus objetivos

serem sempre moralmente justos. Nesse sentido, o herói passa a ser guiado por

ideais nobres, libertários, por estar embriagado de fraternidade e justiça social,

características que o impulsionam para agir com coragem mesmo que sua vida seja

sacrificada.

O herói da modernidade, na segunda metade do século XIX, conforme

Benjamim (1989), ao analisar a obra de Baudelaire, classificava como heroica a vida

de Edgar Allan Poe. Nas palavras do autor: “Baudelaire conformou sua imagem de

artista a uma imagem de herói. [...] O herói é o verdadeiro objeto da modernidade.

Isso significa que, para viver a modernidade, é preciso uma constituição heroica”

(BENJAMIM, 1989, p. 73-74.). Desse modo, os poetas encontram no lixo da

sociedade seus assuntos heroicos. Benjamim (1989) argumenta que a modernidade

heroica se revela como uma tragédia onde o papel do herói está disponível.

Existem também pessoas, sem serem dotadas de heroísmo que

protagonizam atitudes e gestos dignos de um herói. Há ainda os indivíduos que

demonstram heroísmo para realizar façanhas egoístas de cunho vaidoso, por

orgulho, ganância ou ódio. Estas exceções não impedem de serem vistas como atos

heroicos, porém são arquétipos do anti-herói.

No entanto, o heroísmo é um fato radicado no imaginário e na moralidade

popular. São feitos realizados com muita coragem e superação que inspiram

exemplos entre os povos, constituindo a imagem de herói. Situações de

competições, de conflito e revoluções são situações ideais para a realização de

feitos considerados heróicos.

Nesse sentido, podem-se analisar as situações heroicas nas quais o

protagonista desta pesquisa, Tenente Portela, encontra-se inserido. O protagonista

ora em análise é caracterizado na historiografia e nas canções como alguém

superior, um grande líder do povo, um indivíduo exemplar com muita autoridade, que

se destacou dos demais integrantes da Retaguarda, a qual comandava. Segundo a

história oficial, sabendo do risco que corria, preferiu sacrificar a sua vida por uma

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causa nobre, caminhou para uma morte trágica. Este fato o elevou a herói na

historiografia e na letra da canção gaúcha.

Tendo em vista as abordagens sobre o herói, toma-se como objeto de estudo

a figura de Tenente Portela, já que seus feitos revolucionários na Coluna Prestes,

conforme o embasamento teórico estudado, através de seus autores, o

caracterizaram como herói. Para tanto, estudar-se-á no próximo capítulo o contexto

histórico e cultural em que viveu tal personagem, a biografia, a história de Tenente

Portela, sua vida e morte, a constituição do herói na história oficial do Estado do Rio

Grande do Sul.

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2. HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL: A FIGURA DE TENENTE PORTELA NO

DISCURSO HISTORIOGRÁFICO OFICIAL

2.1 Contexto Histórico e Cultural que envolve Tenente Portela

As principais circunstâncias que levaram os tenentes a deflagrarem a revolta

em julho de 1922, o Levante do Forte de Copacabana, foram: fraude nas eleições e

falta de seriedade política; reclamação do povo por justiça social e econômica; auto-

ritarismo dos grandes latifundiários sobre seus empregados pobres. Na capital do

país, no Rio de Janeiro, os militares viviam sob clima de tensão e expectativa, prin-

cipalmente na Escola Militar do Realengo. O afastamento voluntário de Luís Carlos

Prestes e a formatura do Tenente Portela, que voltou para o Rio Grande do Sul, fo-

ram os motivos pelos quais não participaram da revolta do Forte de Copacabana, de

julho de 1922, tendo sido o motivo principal da rebelião Tenentista de 1924 (BEU-

REN, 1969).

Em outubro de 1924, o movimento é retomado em vários Estados do Brasil.

Inicia então a Marcha da Coluna Revolucionária com duração de três anos. Os moti-

vos desta revolução eram os mesmos do Levante de 1922. Este movimento percor-

reu vários estados do Brasil, entre eles o Rio Grande do Sul, perfazendo um total de

vinte seis mil quilômetros, com o término em fevereiro de 1927. Os destacamentos

eram compostos de vanguarda e retaguarda, sendo comandados por homens de

confiança, como o Tenente Portela, entre outros (BEUREN, 1969).

Observa-se, pelas expressões usadas pelo autor, a elevação do Tenente Por-

tela a alguém superior, de extrema lealdade e confiança, configurando-o a um herói

pelo seu idealismo e confiança na missão que lhe fora confiada. O autor deixa claro

que Tenente Portela é alguém que se destaca aos demais pelo espírito de liderança

e pela liderança nata.

Beuren (1969) salienta que a Coluna não era composta somente de homens,

mas também de mulheres e crianças. Nos sertões, as crianças e mulheres estavam

expostas aos mais diversos tipos de feras, répteis venenosos, moscas, mosquitos,

causando doenças. As intempéries, o frio e a chuva eram fatores que prejudicavam

aquela população em marcha. Comentando sobre as dificuldades enfrentadas, o

autor afirma que:

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Havia mulheres que, 40 minutos após dar à luz um filho, tomavam de suas cavalgaduras e prosseguiam. As contingências obrigavam a tais procedi-mentos, fossem ou não razoáveis. A morte, esta apagada e distante con-cepção do homem livre e sem obstáculos, povoava, com seu bafo de apre-ensão e desespero, esses ambientes por vezes soturnos, horríveis e inevi-táveis,(BEUREN, 1969.p. 31).

O autor salienta que as longas cavalgadas não se limitavam a encontrar a-

deptos, pois oportunizavam fazer comícios, nos quais discursavam figuras que con-

sideravam ilustres, como o Padre Manoel Macedo, Osvaldo Cordeiro de Farias, en-

tre outros. Procuravam elucidar o povo sobre os objetivos da Revolução Tenentista

deflagrada em 1924 (BEUREN, 1969).

Para reverenciar o marco histórico, o evento trágico no qual o Tenente Portela

perdeu a vida, como também enaltecer a causa revolucionária, um dos sobreviven-

tes da Coluna Prestes e colega de farda de Portela, Osvaldo Cordeiro de Farias,

nomeado por Vargas a Interventor do Rio Grande do Sul, em passeio pela Região

em 1942, determinou que a vila, então chamada Miraguay, passasse a se chamar

Tenente Portela para homenagear um dos líderes da Coluna Prestes, o Portelinha

(BEUREN, 1969).

Constata-se que o discurso da história oficial proposto por Beuren (1969) en-

fatiza a forma como Tenente Portela morreu, sacrificando a sua própria vida em prol

de uma causa revolucionária, corroborando para a tese de que o discurso historio-

gráfico seleciona fatos e imagens que sinalizam Tenente Portela como um sujeito

ímpar no contexto de sua época no cenário regional. Percebe-se a institucionaliza-

ção regional da figura do herói pela causa do povo. O protagonista era chamado de

Portelinha pelos seus simpatizantes por ter uma estatura mediana, de um metro e

cinquenta e oito centímetros, como também pela confiança e apreço que lhe dedica-

vam. O diminutivo “inha” atribuído ao seu sobrenome induz a essa dupla leitura, re-

metendo tanto à estatura quanto ao apreço, ao laço afetivo em torno de sua figura.

Ainda conforme Beuren (1969), em 1954 é formada uma comissão para tornar

o Distrito de Tenente Portela município. Em agosto de 1955, o Governador do Esta-

do do Rio Grande do Sul, Sr. Ildo Meneghetti, assinou a Lei número 2.673, passando

o Distrito de Tenente Portela a Município e dando oportunidade a esta comunidade

ter identidade própria pelo espírito de liderança e potencialidade próprias.

Em 1968, uma comissão do Município de Tenente Portela, nomeada pelo en-

tão Prefeito Elcides José Salamoni, visitou as margens do Rio Pardo, então municí-

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pio de Palmitinho, hoje Pinheirinho do Vale, o local do Evento em que o Tenente

Portela perdeu a vida, para acender a chama crioula da Semana da Pátria. Naquela

ocasião, o local era de difícil acesso, em torno de setecentos metros foram feitos a

pé pelo grupo, no meio da mata, até chegar às margens do Rio Pardo. Ao chegarem

ao local, o autor descreve a cena: “A haste vertical de uma cruz eleva-se entre outra

haste e uma cruz menor. Sobre esta haste tosca e corroída pelas intempéries, há

uma coroa: a coroa que Prestes ali colocara em 1958” (BEUREN, 1969, p.18).

Este fato deixa claro que até então o local não era muito visitado, porém, com

o tempo, começou a crescer a popularidade do local, como também admiração pelo

Tenente Portela. De acordo com o autor, em uma conversa confidencial que o pro-

tagonista teve com seu irmão Albino, deixou claro o seu idealismo, a convicção de

dar a vida pelo Brasil: “Recém agora posso dispor de minha vida e vou dá-la por um

Brasil melhor, onde haja mais justiça e mais amor ao próximo [...] Nossa palavra está

empenhada nesta causa nobre de provocar, pelo menos, o despertamento do Brasil”

(PORTELA apud BEUREN, 1969, p. 10).

Nessa esteira, constata-se que o autor, ao reproduzir o discurso de Tenente

Portela, evidencia fatos que deixam explícita a intenção de Tenente Portela de pro-

teger o povo brasileiro da corrupção e da injustiça social. Ao ressaltar essas pala-

vras, acentua que Tenente Portela é um indivíduo exemplar, que luta em favor de

uma causa nobre. A sua lealdade aos seus superiores e a maneira libertária de ser

são indicativos ressaltados para torná-lo um herói que se sacrifica em prol da huma-

nidade.

A partir daquela data, tornou-se tradicional, no Município de Tenente Portela,

através de uma cavalgada, designada Cavalgada do Tenente Mário Portela Fagun-

des32, acender a chama crioula no túmulo do mesmo, nas margens do Rio Pardo em

Pinheirinho do Vale, por ocasião da Semana do Município para render homenagens

àquele que deu o nome ao Município. Em 2010, tornou-se lei Municipal, número

1.803/10, declarando como evento histórico e cultural a cavalgada Tenente Mário

Portela Fagundes, a qual percorre o caminho da Coluna Prestes até Pinheirinho do

Vale/RS. Este ato de confiança e respeito pelo Tenente Portela, de homenageá-lo

nominando o evento da Cavalgada de Tenente Portela, comprova que autoridades

municipais apresentam Tenente Portela como herói municipal, celebrado na Semana

32 Cavalgada alusiva ao aniversário do Município de Tenente Portela/RS.

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do Município de Tenente Portela, ou seja, uma figura celebrada pela comunidade

local.

Em dezembro de 1981, o Prefeito Municipal de Tenente Portela, Sr. Lúcio A-

dalberto Motta assina a Lei Municipal de número 032/81, autoriza a mudança do

nome da praça para: Praça Tenente Portela, localizada na Avenida Luís Carlos

Prestes. Além da homenagem de patrono do município de Tenente Portela, bem

como da Cavalgada que acende a chama crioula no túmulo de Tenente Portela em

Pinheirinho do Vale/RS, os munícipes designaram a Praça de Tenente Portela para

deixar viva a lembrança heroica daquele que se sacrificou pela causa do povo, com-

provando a confiança do povo ao protagonista que teve uma morte trágica, lutando-

pela humanidade.

Há também a Cavalgada da Integração Sul Brasileira33, que leva como lema

“No lombo do cavalo, tradição e resgate”(ANZOLIN, 2011, p. 2). Refaz o caminho do

movimento revolucionário da Coluna Prestes, buscando no jazigo do Portela a

“Chama da Paz” (ANZOLIN, 2011, p. 2.) em Pinheirinho do Vale/RS, com destino a

Dionísio Cerqueira/SC. O trajeto percorrido pelos cavalarianos é de aproximadamen-

te 150 quilômetros “para respeitar a história e a tradição” (ANZOLIN, 2011, p. 02).

Anzolin (2011), no relato da cerimônia de acendimento da chama crioula no jazigo

do Tenente Portela, com a presença de um dos combatentes da Coluna Prestes, se

expressa:

Avançando em uma marcha firme e compassada, eles se aproximam do Ja-zigo de Mario Portela. Aos poucos, rodeiam o local, que fica às margens do Rio Pardo, como foram sepultados os “tombados” em combate. Assim que todos se ajeitam, os coordenadores, Leonir da Rocha e Leonir Basei, ento-am a palavra de ordem.[...] Logo em seguida todos se unem no pedido de proteção e benção, cada qual de sua forma. Aos pés do jazigo, um soldado do 14º Regimento da Cavalaria Mecanizado (Cem), de São Miguel do Oes-te, entoou o toque do silêncio em homenagem aos que caíram em batalha. O pequeno cerimonial emocionou a todos. Em frente ao túmulo, um senhor franzino e de cabelos brancos, chama a atenção. Pensativo, ele fitava o lo-cal, como se buscasse na memória, resquícios de lembranças do que ocor-rera no local. Esidro Pires Nardi, de 101 anos, que participou da Coluna Prestes quando tinha apenas 15 anos e era responsável pelos cuidados do cavalo utilizado por Luiz Carlos Prestes, líder do movimento revolucionário. Com a memória um pouco longe, ele se lembrou de alguns episódios, como batalhas e enfrentamentos. - Quando não havia encontro com os Federalis-tas, era tudo tranquilo. A gauchada vivia na paz. Mas quando havia confli-tos, a bala zunia nas orelhas, o coração disparava e nós levávamos o mato no peito! – Contou o ex-combatente (ANZOLIN, 2011. p. 02).

33 Cavalgada que integra os três Estados da Região Sul: Paraná, Santa Catarina e RS.

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Este evento mostra o esforço que os cavalarianos fazem no intuito de se a-

propriarem da herança simbólica para homenagear os que tombaram na defesa dos

direitos do cidadão. O local hoje encontra-se preservado, com trilha ecológica que

costeia às margens do Rio Pardo e do Rio Uruguai em Pinheirinho do Vale/RS. O

cenário é encantador, as águas calmas, o cantar dos pássaros, as plantas nativas,

as belas paisagens permitem imaginar um ambiente acolhedor, próprio para medita-

ção, bem diferente do momento da batalha ocorrida em janeiro de 1925. Além do

resgate histórico, esta cavalgada objetiva cultuar o amor pelas tradições gaúchas

que passa de geração em geração.

Recentemente um grupo de motoqueiros de Pinheirinho do Vale, nos feriados

ou em fins de semana, faz trilha nas matas e margens dos rios Uruguai e Pardo. Pa-

ra dar identidade ao grupo, em julho de 2012 formalizaram o nome Trilheiros do Te-

nente34, para homenagear o Tenente Portela pelo legado de idealismo e amor pelo

Brasil. O líder dos Trilheiros do Tenente, Sr. Genilton Staub, comenta que: “O Te-

nente Mário Portela Fagundes foi um jovem que não se conformou com a hipocrisia

e corrupção que reinava no país, compartilhou a liderança do movimento revolucio-

nário na primeira metade do século XX, deu a sua própria vida na luta pela demo-

cracia e pela liberdade”.35 Nesse sentido, através dessa referência, fica clara a con-

fiança do povo, principalmente dos mais jovens, os trilheiros, que expressam respei-

to e admiração pelo líder revolucionário do início do século XX, Tenente Portela, o

que acentua os traços heroicos de Tenente Portela. O grupo de motoqueiros tem

como ponto de concentração o monumento do Tenente Portela, bem como local de

partida e de chegada dos trilheiros.

Da mesma forma, o evento do Canto dos Bravos36, criado em março de 2009

pela Secretaria Municipal do Desporto,Turismo e Trânsito com apoio da Administra-

ção Municipal, CTG Repontando Gado de Pinheirinho do Vale, tendo como local as

margens do Rio Pardo, no memorial do Tenente Portela, em Pinheirinho do Vale/RS,

tem como meta reverenciar Tenente Portela através da música gaúcha. O nome da-

34 Grupo de motoqueiros de Pinheirinho do Vale/RS, que fazem trilha nos feriados e fins de semana. 35 Líder dos motoqueiros, “Trilheiros do Tenente” de Pinheirinho do Vale/RS. Entrevista feita no dia 04 de outubro de 2012 pela pesquisadora. 36 Evento criado para resgatar a história do Evento ocorrido nas margens do Rio Pardo: o tombamen-to do Tenente Mário Portela Fagundes com toda a sua retaguarda no ano de 1925, da Coluna Pres-tes, pela Secretaria Municipal do Desporto, Turismo e Trânsito de Pinheirinho do Vale/RS.

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do ao evento, “Canto dos Bravos”, é uma forma encontrada pela comunidade para

referenciar a figura de Tenente Portela pela bravura e coragem, configurando-se a

herói regional.

Assim, todos os anos acontece o Canto dos Bravos, no qual se realiza um

festival de músicas gauchescas. Este evento é um sucesso de público e valorizado

pelos admiradores pela causa tenentista. O aumento sistemático de simpatizantes

que participam anualmente desse evento comprova que a comunidade regional vê

Tenente Portela como um herói a ser reverenciado.

Em leitura análoga, Gennie Luccione (1977) diz que o mito está sempre nas

entrelinhas, como nas história indígenas, “o mito é a parte escondida de toda histó-

ria, a parte subterrânea, a zona ainda não explorada porque faltam ainda as pala-

vras para chegar até lá. Para contar o mito, a voz do contador no meio da reunião

tribal quotidiana não basta. É preciso lugares e momentos particulares” (LUCCIONI,

1977, p.77). Assim defensores da causa revolucionária procuram reverenciar e enal-

tecer o Tenente Portela, preservando o local do tombamento do mesmo, bem como

na criação dos mais diversos tipos de eventos tradicionais, cívicos e culturais para

tornar cada vez mais presentes nos feitos históricos do Tenente Portela, elegendo-o

como herói. Desse modo, como o mito é um reflexo de sua época e a palavra passa

a ter um poder de convencimento, através da palavra, torna o mito real. Desse modo

o povo vangloria o idealista de Tenente Portela através de eventos tradicionais, cívi-

cos e culturais, elevando-o a um herói histórico.

Nesse sentido, os fatos mencionados pelos autores comprovam o crescimen-

to da fama de Tenente Portela, tornando público seu heroísmo através da história

ora em análise. Os historiadores destacam somente qualidades de Tenente Portela,

desde a infância comprometido com a família, a dedicação aos estudos, o trabalho

militar e a sua atuação na Coluna Prestes, assim como salientam as muitas home-

nagens que recebeu na sua atuação, caracterizada como exemplar, como Tenente e

como um dos líderes da Revolução Tenentista. Assim, o município Tenente Portela,

a Cavalgada Tenente Mário Portela Fagundes, a Praça Tenente Portela, o evento

Canto dos Bravos e as atividades dos Trilheiros do Tenente são homenagens pres-

tadas a Tenente Portela, dados que sinalizam a comprovação do heroísmo de Te-

nente Portela do imaginário local. As homenagens que recebeu após a sua morte,

bem como a simpatia pelo seu idealismo crescem a cada ano, acentuando traços

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positivos pela grandes ações que idealizou, configurando-se a um herói no imaginá-

rio da comunidade regional também.

Esses registros destacam também a eternidade do mito. Roland Barthes diz

que “o mito não nega as coisas; a sua função é, pelo contrário, falar delas; simples-

mente, purifica-as, inocenta-as, fundamenta-as em natureza e eternidade, dá-lhes

uma clareza, não de explicação, mas de constatação” (BARTHES, 1962, p.163).

Grupos da sociedade, por questões ideológicas ou para reverenciar as tradições ga-

úchas e culturais, cultuam o marco do Tenente Portela no resgate da história da Co-

luna Prestes, elevam Tenente Mário Portela Fagundes a herói, como inspiração pela

liberdade do povo brasileiro, um fator que se mostra frequente também na biografia

da vida desse personagem narrada no discurso da história oficial, como demonstra-

do na próxima seção deste trabalho.

2.2 A vida breve e a morte trágica de Tenente Portela

Tenente Portela nasceu na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, no dia 15

de julho de 1898, filho de José da Silva Fagundes, comerciante, e de Gabriela Por-

tela Fernandes. Provém de uma família de classe média baixa. Seus avós paternos

eram Albino da Silva Fagundes e Joaquina Nunes da Silva, e os maternos, Gabriel

José Portela e Amélia Josefina Braga Portela, naturais do Estado, porém o avô ma-

terno tem suas origens em Portugal. O protagonista cresceu em Pelotas, no Rio

Grande do Sul, período em que reinava o borgismo aliado ao positivismo.

Cresceu junto com seus irmãos. Sua família passou por dificuldades econô-

micas, como também o irmão mais velho faleceu, causando sofrimento à família.

Ainda na adolescência possuía atitudes nobres. Aos dezessete anos, sabendo dos

sacrifícios dos pais para manter o lar e a educação dos filhos, passou a dedicar-se

arduamente aos estudos, para atingir seus objetivos de forma digna. Dedicado às

suas funções, contribuía nas despesas da família, dando aulas particulares de ma-

temática. Seu grande sonho era de poder dar uma vida mais tranquila aos pais e aos

dois irmãos. Isso demonstra a harmonia familiar que proporcionou a educação e-

xemplar de Tenente Portela (LOPES, 2006).

Em suas contundentes observações, Lopes (2006) argumenta que Tenente

Portela foi estudante do Ginásio Pelotense em dois turnos, à noite frequentava as

aulas na Academia do Comércio que funcionava no Clube Caixeiral, tendo sido alu-

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no de Simões Lopes Neto, entre outros. Durante um ano, interrompeu seus estudos

para ajudar seu irmão mais novo na criação de aves e a cultivar a terra em uma

granja da família Portela Fagundes. Como a prioridade dos pais era dar estudo aos

filhos, venderam a propriedade de Pelotas, e a família foi residir em Porto Alegre.

Nesse contexto, o Tenente Portela passou a estudar na Escola Estadual Júlio de

Castilhos, concluindo o ginasial em 1918.

Para não perder o vínculo de amizade com seu amigo pelotense, Joaquim Al-

ves da Fonseca, escrevia cartas como forma de se comunicar. Nestas cartas ele

deixa transparecer o que ele pensava para o Brasil. São cartas em forma de diário,

como também analisa a sociedade que se apresenta cheia de falsidade e hipocrisia.

As cartas evidenciam um discurso questionador, próprio de um intelectual que refle-

tia sobre a estrutura social da sua época. Um trecho destas cartas relata o seguinte:

[...] eu conheço através do olhar alegre das palavras puras e da sinceridade que todos aclamam, todo ódio e toda falsidade destes indivíduos que só es-peram o momento oportuno para a traição [...] A corrupção dessa sociedade atual é espantosa. Cada qual trata de enganar o mais possível aos outros, riem pela frente para cravarem as garras pelas costas sob o pretexto de mentira comercial, usa-se das maiores traições, contra as quais não há ar-mas defensivas (PORTELA apud LOPES, 2001, p. 59).

Percebe-se, no discurso das cartas selecionado pelo pesquisador e publica-

das em sua obra, que Tenente Portela é um intelectual que reflete sobre o contexto

do país. Nesse sentido, Tenente Portela pode ser visto como questionador da estru-

tura social, comprovando o seu heroísmo, a busca de alternativas para dar maior

qualidade de vida ao povo brasileiro. Neste excerto de uma das cartas do Tenente

Portela, ele deixa transparecer a indignação que sente pela falta de lealdade e

comprometimento pelos detentores do poder. No entanto, apesar da hipocrisia

reinante no país, sentia-se otimista em relação ao progresso, visto como uma forma

de melhorar a vida do povo brasileiro: “hoje dizemos que é a época da luz, do

progresso, da liberdade, hoje os povos têm leis que regem as vidas das Nações e

lhes garantem os direitos de vida e de propriedade” ( PORTELA apud LOPES, 2001,

p. 60). Nesse sentido, Tenente Portela não perde a esperança de tornar o Brasil um

país com tendências mais democráticas, com direitos iguais para todos, para tornar-

se próspero, um dado apontado na história oficial que reforça seus atributos

heroicos relacionados à busca incessante de salvar a humanidade enfim, de lutar

por um mundo melhor.

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Nos argumentos de Lopes (2001), uma de suas grandes qualidades foi a dis-

ciplina. Acordava muito cedo para fazer exercícios físicos, hábito que procurou pas-

sar aos colegas e amigos. Tinha como hábito ler muito, tendo um cuidado especial

com o seu intelecto. Isso aponta para a tese de que Tenente Portela é um ser hu-

mano exemplar, um modelo de comportamento, que implicitamente caracteriza-o

como herói. Lia textos bíblicos da religião católica, porém tinha uma grande queda

pelo espiritismo, sendo um grande conhecedor e seguidor da doutrina de Alan Kar-

dec. Num excerto da dissertação de Mestrado de Fátima Marlise Marrone Rosa Lo-

pes, a autora argumenta que: “o Kardecismo, assim como o positivismo, marcaram

positivamente a formação intelectual de Tenente Portela, que se expressaram mais

tarde através de seus atos. As cartas o elevam, assim como suas atitudes e ações

na Coluna Prestes” (LOPES, 2001, p. 22).

Na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, realizou o seu grande so-

nho: o curso de engenharia, que iniciou em 1919. No segundo ano, integrou a co-

missão que ergueu um monumento aos heróis de Laguna, as vítimas da Guerra do

Paraguai de 1865 a 1870. A memória em torno de Tenente Portela, a forma como é

apresentada, caracterizando-o de forma positiva, enaltecendo a conduta que mante-

ve ao longo de sua vida descrita na história oficial, constrói a imagem do Tenente

Portela como um herói, um líder de muita autoridade.

A Escola Militar do Realengo é vista como a mais importante e cobiçada esco-

la de formação militar do País. Lopes (2006) comenta que os mais brilhantes alunos

procuravam fazer cursos superiores com formação militar, especialmente Engenha-

ria Civil:

A Escola Militar do Realengo era sucedânea da antiga Academia Real Mili-tar fundada por Dom João VI, antecessora da Atual Academia Militar de A-gulhas Negras. O que podemos concluir é que esta escola foi, no período compreendido entre 1918 a 1924, o celeiro militar e político da Nação, isto é, uma escola que questionava a realidade política e por extensão a situa-ção sócio-econômica do Brasil. De lá saíram homens como Luís Carlos Prestes, Siqueira Campos, Mário Portela Fagundes, Artur da Costa e Sil-va,[...] entre outros, cujos papéis foram importantes na história do País no século XX (LOPES, 2006, p.119).

Desse modo percebe-se, no discurso da pesquisadora, que esta escola for-

mou cidadãos que tomaram consciência da injustiça social presente no País, com

atitudes firmes, lutaram através de manifestos e revoluções contra a corrupção, em

defesa da democracia e do povo oprimido, por uma vida mais digna. O contexto em

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torno da ideologia da Escola Militar do Realengo contribuiu para a formação de Te-

nente Portela de forma positiva, pelo fato de ressaltar que Tenente Portela tornou-se

um líder autêntico, destacando-se dos demais colegas de farda pelo comportamento

exemplar como um herói. Em 1921 o Tenente Portela se formou na Escola Militar

do Realengo com excelentes notas, tendo sido aluno de Luiz Carlos Prestes. For-

mado, assumiu as funções de comandante da 1ª., 2ª. e 3ª. Companhia do Batalhão

Ferroviário de Santo Ângelo/RS, tesoureiro e chefe da construção da estrada de fer-

ro de Cruz Alta a Porto Lucena. Desse modo, implicitamente a historiadora Lopes

(2006) imprime a imagem de um líder que tem autoridade, construindo a imagem de

herói pelas funções que exerce.

Desse modo, Tenente Portela recebeu várias menções de louvor, tendo sido

muito elogiado pelos seus superiores. Um dos boletins expedido pelo Tenente Coro-

nel Alberto Laverence Vanderley traz o seguinte: “agradeço ao 2º. Tenente, o Porte-

la, o auxílio leal, eficaz e inteligente prestado a minha administração e a boa vontade

com que sempre procurou dar desempenho às missões que lhe foram confiadas,

tanto no serviço do Batalhão...( B.I. 193 de 12/08/22] (LOPES, 2001, p. 47). Nesse

sentido acentua-se o heroísmo de Tenente Portela pela forma exemplar com que

liderou a função de Tenente, dotado de muitas virtudes e confiança no povo brasilei-

ro. Já no pronunciamento do Tenente Coronel Alberto Laverene Wanderley, coman-

dante daquela Unidade, na passagem de comando e elogio, expressou-se assim:

...durante o meu mandato fui sempre valiosa e eficazmente auxiliado por to-dos os oficiais, tanto no serviço do Batalhão,como na construção da Estra-da de Ferro Cruz Alta – Porto Lucena, tornando-se assim fácil o desempe-nho da missão de que estive investido, o que aliás eu já esperava de mili-tares que se fazem notar pelo preparo intelectual, esmerada educação, es-pírito de corpo e perfeita compreensão dos seus deveres profissionais. A-tendendo ao modo como desempenhou suas funções técnicas e militares, [...] elogio Tenente Portela, pelo zelo, inteligência e dedicação revelados no exercício de suas atribuições [...]( B.R. 153, de 04/07/23] (LOPES, 2001, p. 48).

Nesse discurso, fica evidente que Tenente Portela se destacava dos demais

integrantes daquele Batalhão pela forma elogiosa com que o seu superior se repor-

tou em relação a Tenente Portela. Novamente o recorte do discurso acentua aspec-

tos heroicos desta figura.

No campo profissional, Tenente Portela continuou pautando sua vida com

conduta exemplar conforme descrito nas referências abordadas. Segundo estas, ele

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foi promovido a 1º. Tenente pela eficiência e dedicação ao seu trabalho, no dia 28 de

junho de 1923. Como 1º. Tenente, teve um excelente relacionamento com seus su-

bordinados, as ordens eram dadas de forma educada, e dava aulas de educação

física a todo o batalhão. Esse comportamento diferenciado que teria mantido com

seus subordinados acentua outro traço de heroísmo e prima pela humanização do

ser humano.

O personagem em estudo era dotado de um espírito idealista, dedicou todo o

seu tempo ao seu trabalho, deixando a afetividade de lado. Porém, mostra-se incon-

formado com a situação do país pelo fato de reinar a desordem financeira, havia im-

postos exorbitantes, desonestidade administrativa, falta de justiça social, rígida cen-

sura à imprensa, perseguições políticas, uma verdadeira ditadura que permitia so-

mente o que realmente interessava aos detentores do poder. Beuren (1969) afirma

que “Artur Bernardes continuava no poder e durante sua presidência, 1922 a 1926, o

País esteve sob estado de sítio37 (BEUREN, 1969, p. 33.) Esse cenário fez o Tenen-

te Portela refletir e tomar atitudes pela causa dos menos favorecidos, da massa tra-

balhadora, configurando-se como uma luta libertária. Desse modo, a história oficial

enaltece Tenente Portela, traçando a construção do herói histórico no discurso ofici-

al.

A Coluna Prestes que teve seu início em outubro de 1924, sob o comando de

Luiz Carlos Prestes e de Tenente Portela que comandou a retaguarda, conquistou o

apoio das cidades de São Luiz Gonzaga, Uruguaiana e Cachoeira do Sul. Seguiu

em direção a Palmeira das Missões. No dia 03 de janeiro de 1925, a Coluna Prestes

trava o famoso “Combate da Ramada”38 , comandado por Tenente Portela, que se

mostra dotado de capacidade de liderança. Foi uma vitória muito cara, com muitos

mortos e feridos para ambos os lados (BEUREN, 1969).

37

O Estado de Sítio é um instrumento que o Chefe de Estado pode utilizar em casos extremos: agressão efetiva por forças estrangeiras, grave ameaça à ordem constitucional democrática ou calamidade pública. Esse instrumento tem por característica a suspensão temporária dos direito e garantias constitucionais de cada cidadão e a submissão dos Poderes Legislativo e Judiciário ao poder Executivo, assim, a fim de defender a ordem pública, o Poder Executivo assume todo o poder que é normalmente distribuído em um regime democrático. É uma medida provisória, não pode ultrapassar o período de 30 dias, no entanto, em casos de guerras, a medida pode ser prorrogada por todo o tempo que durar a guerra ou a comoção externa. Disponível em: http://www.brasilescola.com/politica/estado-sitio.htm. Acesso em 12 jul. 2013. 38 Fato marcante para a história da região e do Brasil: o confronto entre a "Coluna Prestes e as For-ças da Campanha da Legalidade", que ficou conhecido como "Combate da Ramada".

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A Coluna seguiu a sua marcha, Prestes na vanguarda e o Tenente Portela na

retaguarda com parte do batalhão. Foi difícil a travessia na mata densa, como tam-

bém os provisórios já estavam próximos. No município de Palmeira das Missões,

hoje Pinheirinho do Vale, Prestes, com a vanguarda, havia atravessado o Rio Pardo.

Porém o Tenente Portela, com seu grupo, permaneceu na margem do lado de cá do

rio em companhia do Tenente Bins. De surpresa, foram atacados pelos provisórios,

representantes do governo. O destacamento da vanguarda assistiu tudo da outra

margem do rio, sem nada poder fazer em favor dos companheiros que, mesmo lu-

tando bravamente, foram mortos, pois os provisórios eram um grupo maior e com

mais armamento. A morte trágica de Tenente Portela, que, segundo o autor, lutou

bravamente, foi inevitável, passando da vida para a história como um herói. A tragi-

cidade acentua o heroísmo de Tenente Portela.

O local da batalha, na qual morreu Tenente Mário Portela Fagundes, foi de-

nominado como o Cemitério dos Prestes, talvez em virtude da visita de Luiz Carlos

Prestes ao local em 1958, ocasião em que fez uma homenagem póstuma ao fiel

companheiro de causa, Tenente Portela, como pode ser visualizado na imagem a-

baixo:

ILUSTRAÇÃO 1 - Memorial do Tenente Portela nas margens do Rio Pardo-Pinheirinho do Vale/RS

Nesse sentido, compreende-se que os autores da historiografia ora em análi-

se evidenciam somente atributos que enaltecem Tenente Portela através do resgate

histórico desde a sua juventude, a vida em família, nos estudos e principalmente na

forma com que atuou na Coluna Prestes, resultando na morte trágica. Esse discurso

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sinaliza a construção de um herói regional pelas atitudes e ações demonstradas du-

rante a sua vida.

2.3 A construção do herói Tenente Portela na História Oficial das obras de Ja-có Beuren, Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes, Jalmo Antonio Fornari e de Heloisa Helena Leal Barreto Gehlen

Este subcapítulo é dedicado a ampliar as reflexões sobre o heroísmo do Te-

nente Portela na história oficial, especialmente nas três obras selecionadas como

corpus de análise do discurso histórico, como destacado na introdução deste estudo.

Na obra O Tenente Portela na marcha da Coluna Revolucionária (1969), Jacó Beu-

ren enfatiza o imaginário, permite que a mente do leitor enfoque o Evento da Coluna

Prestes, ocorrido nas margens do Rio Pardo, em Pinheirinho do Vale. O imaginário

flui como se aquele evento estivesse acontecendo naquele momento:

A emoção de que nos havíamos impregnado, fez com que as palavras se nos coagulassem na garganta e nos tolhesse a língua. A magnificência do momento parecia trazer-nos, ante os olhos, as cenas que acabáramos de ouvir. Tudo, ali, se nos deparava, a um tempo, misterioso e sublime e impe-lia-nos àquele silêncio de prece, àquele silêncio que o coração reclama para a contemplação das nobrezas. As narrações dos circundantes nos haviam tomado o coração. A palavra, que pode conter em si, em determinadas cir-cunstâncias, o tom de todas as maravilhas, poderia, em tal ocasião, ser de-masiadamente inoportuna e indiscreta. Ali, nesse ambiente tão rico em ima-gens, não havia mais lugar para palavras (BEUREN, 1969. p. 20).

Descreve o ambiente calmo e mágico, com uma paisagem fantástica, aves

silvestres e águas calmas, um cenário acolhedor que não combina com as cenas

que acabaram do confronto, cenas fortes, com derramamento de sangue, com mais

de trinta mortes. Estes corpos foram sepultados em uma vala, porém o Tenente Por-

tela foi sepultado separado e colocaram, naquela árvore, uma inscrição de identifi-

cação. Mais tarde construíram um jazigo para o Tenente Portela. O autor deixa cla-

ro que o Tenente Portela não era comunista, ao enfatizar que “a atuação do Tenente

Portela e o comunismo são antíteses. Não devemos baralhar, nem lançar em des-

vão fatos incontestes como estes” (BEUREN, 1969, p. 23).

No combate da Ramada, ocorrido no dia 03 de janeiro de 1925, foi decisiva a

atuação do Tenente Portela para vencer os legalistas. De acordo com o autor “Essa

vitória tática que aureolava de novos louros o gênio militar de Prestes, revelou, ain-

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da, nesse protagonista, o soldado intrépido e inteligente [...]” (BEUREN, 1969, p. 35).

Ou seja, as virtudes de Tenente Portela destacaram-se pelo espírito de liderança e

astúcia no combate que resultou na vitória do seu destacamento. Ainda em janeiro,

ao referir-se à batalha ocorrida nas margens do Rio Pardo, o autor explana sobre

conceitos que realçam o caráter do Tenente Portela, “...era um grande companheiro.

Inteligência viva e lúcida, bravura inconteste, entusiasmo sem medida pela causa da

revolução [...], ágil, ativo, empreendedor, Portela sobressaía onde estivesse” (BEU-

REN, 1969. p. 38). Nesse sentido, constata-se o destaque de Tenente Portela dos

demais personagens, integrantes do seu Batalhão, traço que eleva o protagonista a

herói. Em tal perspectiva, percebe-se que o autor sublimou as atitudes do protago-

nista dessa pesquisa, destacando a sua lealdade pela causa revolucionária.

Os autores da obra Tenente Portela e a Coluna Prestes no Rio Grande do Sul

(1997) apresentam Tenente Portela como idealista e muito educado, especialmente

com seus subordinados. O protagonista, um ser humano dotado de muita personali-

dade pela forma que conduziu o seu comando, luta em prol de uma causa nobre,

traço que o caracteriza como herói. Mostra-se inconformado com a situação do país

pelo fato de reinar a desordem financeira, havia impostos exorbitantes, desonestida-

de administrativa, falta de justiça social, rígida censura à imprensa, perseguições

políticas, uma verdadeira ditadura que permitia somente o que realmente interessa-

va aos detentores do poder. Esse cenário fez o Tenente Portela refletir e tomar ati-

tudes pela causa dos menos favorecidos, da massa trabalhadora, o que novamente

acentua a construção de uma figura questionadora, que discorre sobre causas soci-

ais e portanto um sujeito que ilustra a configuração heroica.

Lopes, em seu artigo, traz uma fala do Tenente Portela, na qual este se dirige

ao irmão Albino. Nesta expressão, Tenente Portela deixa claro seu amor pelo Brasil,

disposto a dar sua vida por maior dignidade humana e justiça social:

O que idealizei aos quatorze anos me foi dado a cumprir totalmente. Recém agora posso dispor de minha vida e vou dá-la por um Brasil melhor, onde haja mais justiça e mais amor ao próximo. [..] Eu disse para o papai e a mamãe que daqui a uma semana estarei de volta, para tranquilizá-los, não lhes diga nada a este respeito, mas eu sei que não volto mais. Nossa pala-vra está empenhada nesta causa nobre de provocar pelo menos o despertar do Brasil. Sei que vou para a morte, mas vou. A vocês peço apenas que não se envolvam em nada e permaneçam unidos. Para este sacrifício, dos nossos basta um e quero partir tranquilo de que a vocês não faltará amparo moral, nem recursos (PORTELA Apud LOPES, 1995, p. 20).

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A transcrição acima mostra que a autora evidencia que Tenente Portela luta

pela causa do povo brasileiro, pelo despertar de um Brasil mais justo, com maiores

direitos do cidadão brasileiro, bem como para acabar com a corrupção, algo tão difí-

cil de ser banido do país. Principalmente batalha por maior qualidade de vida e direi-

tos iguais, em especial aos menos favorecidos, colaborando para a construção de

Tenente Portela como um herói dotado de muita coragem, que luta por causas no-

bres que visando à melhoria nas condições de vida da população de seu país. Ainda

nessa perspectiva, é possível associar também que esse discurso contribui para ca-

racterização de Tenente Portela como um mito. Campbell, em O poder do mito, traz

uma abordagem sobre o cidadão que, ao ingressar no exército, passa a dedicar-se

às causas nobres do povo, não age individualmente, mas como agente transforma-

dor da realidade, em busca de um ideal:

Alistar-se no exército, vestir um uniforme, é outro. Você desiste de sua vida pessoal e aceita uma forma socialmente determinada de vida, a serviço da sociedade de que você é membro. Eis porque me parece obsceno julgar pessoas em termos da lei civil, por atos que elas praticaram em tempo de guerra. Elas não estavam agindo como indivíduos, mas como agentes de algo acima deles, a que se haviam consagrado inteiramente. Julgá-los como se fossem seres humanos é totalmente impróprio39(CAMPBELL,1990, p.13.)

Dessa maneira, o discurso de Tenente Portela permite uma reflexão em torno

das atitudes tomadas por ele, que abre mão da vida familiar e pessoal, pela causa

do povo brasileiro. Sente-se na obrigação de lutar por mais justiça social, liberdade e

dignidade humana. Campbell (1990) diz que os mitos oferecem modelos de vida,

porém estes modelos devem ser adaptados ao tempo moderno, desse modo, “as

virtudes do passado são os vícios de hoje” (CAMPBELL, 1990, p.13).

O idealismo e espírito de liderança, traços típicos da configuração de herói,

como abordado no primeiro capítulo desta pesquisa, passam a ser reconhecidos

pelo próprio adversário que, em um dos relatos contados pelo Capitão do 6º. Corpo

Auxiliar da Brigada Militar, (os legalistas) Pedro Sales de Oliveira Mesquita diz:

O inimigo foi pego de surpresa, o que nos leva a crer firmemente que nem por sonho esperava que uma força legal fosse capaz de alcançar pelo ca-

39

Militares têm um julgamento diferenciado dos demais cidadãos. Desse modo há impunidade dos militares pelo fato de muitos deles se beneficiarem dessas leis.

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minho pavoroso que tomara, cheio de labirintos, como é o mesmo. O passo que escolheram era fundo, cheio de tocos, quase intransitável. Tanto que parte da cavalhada que eles pensavam atravessar a nado, pereceu afoga-do. O pessoal estava sendo passado em canoas que eles haviam conse-guido em número de três, mas que caíram em nosso poder, arrebatadas em meio de cerrada fuzilaria, pelos nossos valentes soldados [...], um revolu-cionário chegou a entrar n’água com o fito de agarrar o cadáver do Major Portela, que, ferido no peito, atirara-se ao rio pretendendo atravessá-lo, po-rém morreu no meio do percurso. Seu corpo ficou preso a uns galhos (MESQUITA apud LOPES, 1995, p. 22).

Desse modo, observa-se que Tenente Portela lutou bravamente, porém sua

equipe era em número muito reduzido e com menos armamento que os provisórios.

Lopes (1995) menciona dados que comprovam a ideia de que havia sentimento de

respeito e admiração pelo idealismo que a força governista tinha em relação ao Te-

nente Portela. A transcrição do Diário do Capitão Oliveira Mesquita diz:

Antes de providenciarmos sobre a volta mandamos proceder o enterramen-to dos corpos que estavam amontoados à beira do rio,[...] Todos apresenta-vam horrível expressão [...], com exceção do Major Portela que conservava, após a morte, aquele mesmo sorriso triste que em vida o acompanhava. Pobre moço! Jovem, inteligentíssimo, estimado por todos que o conheciam, tendo diante de si um grande futuro, sacrificou tudo na defesa de uma cau-sa tão inglória, quanto estúpida (MESQUITA apud LOPES, 1995, p. 22-23).

Nesta perspectiva, constata-se que o texto sugere que o próprio adversário

admirava o Tenente Portela pela forma que conduzia as ações da Revolução. Desse

modo, deram-lhe uma sepultura separada, à sombra de uma pitangueira, deixaram

uma inscrição na referida árvore: “Aqui jaz Major Mário Fagundes Portela – morreu

como um bravo, na defesa de uma causa inglória”(LOPES, 1995, p. 23). A inscrição

feita na lápide pelo adversário remete à ideia de que o próprio adversário tinha uma

admiração ímpar por Tenente Portela, este gesto acentua a bravura e a luta por

causas nobres defendidas pelo protagonista, traços estes que o elevam a herói. Es-

te local, com o passar dos anos, passou a ser visitado por historiadores, estudantes,

professores e simpatizantes da causa da Coluna Revolucionária.

Em um depoimento do revolucionário João Alberto Luís de Vargas sobre a

morte do amigo e companheiro de causa, o Tenente Portela, argumenta:

Durante três anos convivi com Portela na Escola Militar e ali apreciei as su-as qualidades de caráter, a sua vocação de líder e a sua aplicação aos es-tudos. A notícia de sua morte, essa sim me surpreendeu, abateu por muito

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tempo o ânimo de Prestes. Foi uma das perdas que ele mais sentiu (VAR-GAS apud LOPES, 1995, p. 23).

Desse modo, o discurso histórico passa a exaltar o jovem Tenente Portela a-

través de relatos de atitudes nobres, designando-o herói que, aos vinte seis anos de

idade, perde a vida lutando pelo povo brasileiro, por mais liberdade. Em um dos de-

poimentos de Tenente Portela no ano de 1924, expressou-se assim: “Todas as

grandes causas tiveram seus mártires antes de seus heróis, sejamos, pois os márti-

res que os heróis hão de vir” (PORTELA apud LOPES, 1995, p. 23). Desse modo, o

discurso de Tenente Portela deixa transparecer a coragem e o próprio desprendi-

mento de sua vida pela luta em prol de uma causa, através da qual deseja conquis-

tar mais liberdade e justiça social do povo brasileiro.

Lopes (1995) destaca o idealismo do Tenente Portela, seu senso de respon-

sabilidade para com o povo, que passou a ser reconhecido e venerado, elevando-o

a um herói a ser celebrado. O local do evento, nas margens do Rio Pardo em Pinhei-

rinho do Vale, passou a ser visitado de forma sistemática. E a cada ano que passa

surgem novos admiradores de Tenente Portela que dão continuidade a esse proces-

so de celebração deste personagem local.

Num depoimento de Fornari (1995) sobre o local do evento, assim se expres-

sa: “...o silêncio da Barra do Pardo, o monumento fúnebre e vazio no meio da clarei-

ra da mata, me faz voar no mundo imaginário e somar pedaços de uma história que

nunca será escrita. Muitas vezes o imaginável é mais importante que a verda-

de”(FORNARI, 1995, p. 90). Desse modo, o evento em torno do Tenente Portela

passa a ter cada vez mais popularidade, especialmente por quem comunga da

mesma ideologia, sobretudo os simpatizantes do gauchismo através de canções

compostas para reverenciar o Tenente Portela, no campo da referência ao herói na

literatura, e acentuá-lo como um herói pela sua coragem e bravura.

Lopes (1995) destaca um excerto da entrevista que Luiz Carlos Prestes con-

cedeu ao autor. Segundo Lopes (1995), Prestes foi professor do Tenente Portela na

Escola Militar do Realengo e declarou que: “Portela era o melhor aluno da turma,

tinha muitas iniciativas, ele tomou a iniciativa da construção do Monumento aos He-

róis da Laguna. Participou da comissão na luta pela montagem para que este Movi-

mento fosse feito e colocado lá na Praia Vermelha” (PRESTES apud LOPES, 2006,

p.131). Nesse sentido, as marcas deixadas pelo Tenente Portela são lembradas

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constantemente para dizer que o protagonista é um herói, um exemplo a ser segui-

do. Os fatos que ocorreram num tempo distante, através da linguagem, do imaginá-

rio, tornam-se presentes na atualidade tanto pelo fato de o discurso da historiografia,

como nas obras de Jacó Beuren, Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes, Jalmo Antonio

Fornari e de Heloisa Helena Leal Barreto Gehlen, acentuar essa idealização heroica

de Tenente Portela, quanto pela aceitação e valorização da comunidade regional de

Tenente Portela e Pinheirinho do Vale em continuar celebrando as virtudes e a bra-

vura de seu idealista mais ilustre.

Levando em consideração o discurso da historiadora Fátima Marlise Marroni

Rosa Lopes, a forma como descreve a vida familiar, escolar e profissional, como

também a promoção após a morte do Tenente Portela, exalta os feitos históricos,

elevando-o a herói. A autora salienta que o Tenente Portela foi promovido ao posto

de Capitão pós-morte com a anistia de 1931. Mereceu a perpetuação de seu nome

em um município devido à extraordinária participação num dos mais importantes

movimentos políticos revolucionários deste país. Tenente Portela, além de ser pro-

movido mesmo depois de sua morte, de acordo com o relato de Beuren, afirma que,

“quando ingressara nesse Movimento Revolucionário, já tinha seu nome constante

na lista de promoções para Capitão. Com a anistia decretada após a vitória da Revo-

lução de 1930, foi promovido (post-mortem) ao posto de Capitão” (BEUREN,1969, p.

16). Esse protagonista também foi imortalizado com a cedência de seu nome a um

município, ideia esta que também coopera para elevá-lo a herói, um modelo a ser

seguido pelo idealismo com que exerceu as sua funções profissionais.

Exemplificando como a figura desse herói é celebrada em sua comunidade,

mesmo transcorridos diversos anos após sua morte e seus feitos, em homenagem

ao Portela, João Alberto Preto, médico do município de Tenente Portela, escreve

uma poesia que sublinha os traços heróicos desse mito histórico:

TENENTE PORTELA Era julho, inverno brabo Bem no Sul do meu Rio Grande, Quando nasceu este sangue, De guerreiro e professor, Sendo em vida um doutrinário, Do Batalhão Ferroviário E do idealismo em ardor. A feminina paixão, Que mais o acalentava, Na liberdade angariava, Seu desejo de conquista

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Onde as ânsias de um povo Brotavam de um gesto novo: -Manifesto Tenentista. Capitaneado por Prestes Na “Coluna da Bravura” Viu a vitória madura Junto ao solo da Palmeira Onde a verdade lavada No “Combate da Ramada” Foi semente verdadeira. Junto às margens do Rio Pardo, Tombou peleando inconteste Era a retaguarda Prestes No bravio de um movimento Porque até as causas mais nuas Passaram a ser, também suas Ao legá-lo um monumento. Grande causa, mártir e herói, Foi a tríade da sua vida Era a bandeira em guarida Que o próprio Prestes exclamou: “- Não se faz um amigo assim Pra depois, perdê-lo assim...” Como o destino o levou (PRETO apud FORNARI, 1995, p. 124)40

Percebe-se, através da linguagem poética, construída com métrica e rimas

regulares que harmonizam o discurso lírico, e metafórica empregada pelo autor des-

sa poesia, que Tenente Portela pode ser visto como alguém superior a um simples

mortal, uma figuração que acentua o seu heroismo. O autor do poema refere-se a

Tenente Portela como alguém que já nasce com características superiores às de-

mais pessoas, de acordo com os versos: “Quando nasceu este sangue, De guerreiro

e professor” (PRETO apud FORNARI, 1997, p. 124), qualidades que também são

destacadas pelos historiadores. O autor dos versos deixa transparecer a sabedoria,

apregoada por Tenente Portela, e o idealismo que deixa transparecer em suas a-

ções na profissão, como no excerto: “Sendo em vida um doutrinário, Do Batalhão

Ferroviário, E do idealismo em ardor” (PRETO apud FORNARI, 1997, p. 124). Nos

versos: “Grande causa, mártir e herói, Foi a tríade da sua vida” (PRETO apud FOR-

NARI, 1997, p. 124), ao referir-se à tríade de Tenente Portela, procura resumir em

três palavras a vida do protagonista: causa, algo nobre, que deve ser realizado, da-

da a sua importância; mártir, pois Tenente Portela sacrificou sua própria vida pelo

40

Poesia de João Alberto Preto, médico de Tenente Portela/RS, elaborada em de 30 de maio de 1996.

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povo; e herói, por ter doado sua vida pela causa do povo brasileiro, lutou por mais

liberdade e justiça social.

Cassirer comenta que a metáfora é o vínculo intelectual entre a linguagem e o

mito: “é a palavra que, por seu caráter originariamente metafórico, deve gerar a me-

táfora mítica e prover-lhe constantemente novos alimentos” (CASSIRER, 2006,

p.102). Nesse sentido, torna-se evidente que, pela expressiva reverência ao Tenente

Portela, passa a ser visto como um herói histórico Regional. Conclui-se que a histó-

ria regional sobre Tenente Portela no Rio Grande do Sul, relatada nas obras O Te-

nente Portela na marcha da Coluna Revolucionária ( 1969) Jacó Beuren; Tenente

Portela e a Coluna Prestes no Rio Grande do Sul( Coletânea de Artigos), (1997) do

jornalista Jalmo Antonio Fornari, Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes e de Heloisa

Helena Leal Barreto Gehlen; e Tenente Mário Portela Fagundes: Origem, Formação

e Morte de Fátima Marlise Marroni Rosa Lopes, publicado nos Anais do Seminário

Memórias de Tenente Portela e Municípios Descendentes, em Ijuí (2006), expres-

sam, através do discurso, a heroicização do protagonista dessa análise pela forma

com que conduziu as ações, tanto na vida familiar, como durante o estudo, a vida

profissional como militar e, principalmente, pelas atitudes que teve na Revolução

Tenentista.

No discurso de Beuren, os fatos e passagens sobre Tenente Portela caracte-

rizam o protagonista de forma positiva que o destacam dos demais pela sua cora-

gem e bravura, tendo sido promovido após a morte, o que já foi citado nessa análise.

Isso evidencia de forma explícita que Tenente Portela teve atitudes dignas pela pro-

moção que recebeu, mesmo após a sua morte.

Na história apresentada por Fornari (1995), este comenta sobre um discurso

de Tenente Portela sobre a Tomada da Bastilha que proporcionou transformações

sociais e políticas significantes na França, no século XVIII, fazendo uma relação com

o levante tenentista liderado por Isidoro Diaz, no Estado de São Paulo:

Os nossos companheiros de farda hoje agem como os franceses que, uni-dos com o povo, derrubaram a monarquia corrupta decapitando a nobreza viciada. Os heróicos militares paulistas, atacando o federalismo eivado de vícios e imoralidades políticas, levam ao cadafalso o poder corrupto que ho-je explora e suga o povo brasileiro (PORTELA apud FORNARI, 1997, p. 37)

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Nesse discurso, Tenente Portela expressa a sua consciência em relação ao

Brasil, demonstra muita coragem para lutar contra a corrupção reinante no país, evi-

denciando o seu idealismo pela causa do povo brasileiro.

Lopes (2006) destaca de forma explícita a vida exemplar do Tenente Portela,

a maneira libertária que imprimia nas ações desenvolvidas, especialmente como mi-

litar: “Continuou Tenente Portela recebendo elogios de louvor pela extrema dedica-

ção com que realizava seu trabalho”[...] A vida de Portela na caserna, como vimos

pelos repetidos elogios, continuou sendo pautada por conduta exemplar e de dedi-

cação ao serviço (LOPES, 2006, p. 127-129.). A autora descreve passagens que

revelam as virtudes do protagonista, diferenciando-o dos demais integrantes do seu

Batalhão.

Lopes (2006), após descrever os diversos boletins de promoção do Tenente

Portela, salienta que:

A vida profissional e funcional do TMPF no 1º. Batalhão Ferroviário de San-to Ângelo, como se pode constatar na análise dos boletins internos e outros documentos da época, nas declarações prestadas pelo seu companheiro Luiz Carlos Prestes, em entrevista à autora, é repleta de elogios, justificados por vários atos que denotam competência e registros que demonstram mui-ta disciplina (LOPES, 2006, p. 132-133.).

Nesse sentido o discurso da história regional das três obras arroladas nessa

pesquisa apresenta somente qualidades do protagonista, a vida exemplar como líder

que tem muita autoridade e sabe conduzir, com educação, a liderança à frente do

seu comando, ainda acentua a imagem virtuosa de Tenente Portela para a constru-

ção desse mito heroico. No discurso da história não se observam quaisquer referên-

cias a aspectos não idealizados e virtuosos de Tenente Portela. Desse modo, confi-

gura-se a institucionalização do herói regional no Rio Grande do Sul, através da his-

tória oficial apresentada pelos autores citados nesta análise.

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3 TENENTE MÁRIO PORTELA FAGUNDES NAS CANÇÕES DO RIO GRANDE

DO SUL

3.1 A Cultura e Literatura gaúcha no Rio Grande do Sul

Para melhor contextualizar as canções selecionadas para esta pesquisa, as

quais são objeto de análise neste capítulo, é oportuno reconhecer que elas estão

relacionadas à cultura local do Rio Grande do Sul, algo que merece atenção especi-

almente porque a cultura regional está sintonizada com a construção da imagem do

gaúcho. Esta, ao longo dos anos, sofreu várias transformações e, com o passar do

tempo, criou-se o herói gaúcho. De acordo com Oliven (2006), “a imagem do Gaú-

cho tornou-se cada vez mais mítica, tomando proporções de ícone” (OLIVEN, 2006,

p.27). Nesse sentido, o universo imaginário criou proporções gigantescas para se

viver o mito do gaúcho pela necessidade cultural de formar mitos. Porém esta ima-

gem do gaúcho que temos hoje foi se transformando pela influência estética que a

própria literatura ocasionou junto com a influência histórica.

Para entender melhor a palavra gaúcho, a pesquisadora Zilá Bernd (2007)

aponta para a ideia de que:

À palavra gaúcho são atribuídas várias etimologias: a mais aceita é que se deriva de gaudério, nome usado para designar tipos campestres que habi-tam às margens do Rio do Prata no século XVIII. Segundo Alberto Juvenal de Oliveira (2002), a palavra apareceu pela primeira vez em 1802, na obra de Felix de Azara, História de Los Quadrúpedes Del Paraguay, na qual o autor afirma que peões, ginetes, gaúchos e gaudérios traziam sempre o la-ço e as boleadeiras. O sentido era pejorativo, pois confundia gaúchos com nômades, bandidos, desertores e ladrões... No século XIX, a expressão ga-úcha era utilizada para se referir ao homem valente, patriota, bravo e des-temido, hospitaleiro, grande cavaleiro e ótimo soldado (BERND, 2007, p. 302).

Desse modo, a figura do gaúcho foi se transformando aos poucos, principal-

mente pela influência da literatura, heroicizando o gaúcho a partir do século XIX,

passando de vilão a mocinho ou ainda de bandido a herói. Nesse sentido, Flavio

Loureiro Chaves (1982) manifesta a ideia de que pelo menos três personagens his-

tóricos influenciaram diretamente na formação do mito do gaúcho: Rafael Pinto Ban-

deira, no século XVIII, que foi um guerreiro crioulo, iniciou a cavalaria gaúcha, parti-

cipou decisivamente nos acontecimentos anteriores e posteriores ao Tratado de

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Santo Ildefonso, em 1777; no século XIX, José de Abreu foi herói da Campanha da

Cisplatina e Bento Gonçalves, foi o grande herói do maior fato histórico do Rio

Grande do Sul, a Revolução Farroupilha, visto por uns como herói e por outros como

bandido (CHAVES, 1982).

Como nomes históricos foram transformados em heróis e contribuíram para a

mitificação do gaúcho, também há fatos históricos que contribuíram para a mitifica-

ção do homem sul rio-grandense. A história indígena contribuiu muito para a forma-

ção do herói gaúcho, pois o gaúcho herdou da cultura indígena o chiripá41, que é

uma das peças da indumentária típica do Estado, e o chimarrão, que não deixa de

ser a principal bebida característica do gaúcho.

O Estado do Rio Grande do Sul faz fronteira com o Estado de Santa Catarina

ao norte, com o oceano Atlântico ao leste, com o Uruguai ao Sul e com a Argentina

ao oeste. No período colonialista, as tribos indígenas mais numerosas presentes no

Estado eram Charrua e Guarani. Naquele período, havia uma numerosa presença

de espanhóis e portugueses, sendo que o controle do estado alternava-se entre es-

tas duas etnias. Em 1822, após o Brasil tornar-se independente de Portugal, o Rio

Grande do Sul travou uma guerra de independência contra o Governo Central, a Re-

volução Farroupilha ocorrida no período de 1835 a 1845. Foi um movimento republi-

cano e separatista, um marco histórico que diferenciou o povo gaúcho dos demais

habitantes do Brasil.

Em contraste com a identidade nacional brasileira, Oliven (2006) manifesta a

ideia de que a construção diferenciada da identidade regional se desenvolveu como

resposta aos esforços de centralização realizados pelo governo federal (OLIVEN,

2006). Desse modo, a figura do gaúcho é representada tipicamente como o traba-

lhador das fazendas ou ainda homem do campo, usuário de vestimentas típicas co-

mo bombacha, bota, espora, chapéu e pala. Tem como bebida preferida o chimar-

rão e é apreciador de churrasco. Além disso, outra característica fundamental asso-

ciada à imagem do gaúcho é o forte senso de responsabilidade e a masculinidade

agressiva.

Personagens e fatos históricos contribuíram para a formação do gaúcho, mas

foi na literatura que surgiu de fato o herói gaúcho a partir de modelos e característi- 41

Roupa feita de algodão usada pelos índios guarani, kaiowá. Ainda em uso no Paraguai e Mato Grosso do Sul para peão domador pois possibilita maior movimento das pernas sobre o cavalo que a calça comprida.

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cas vigentes no Rio Grande do Sul. A marca do gaúcho traz na literatura regionalista

o heroísmo de quem principalmente defende a sua bandeira, o seu ideal.

Na busca de um estudo mais aprofundado sobre a ressignificação do gaúcho,

mencionamos a tese de doutorado Imaginário sobre o gaúcho no discurso literário,

da Verli Fátima Petri da Silveira (2004) salienta que

o Romantismo desentocou o mito do gaúcho, trazendo-o à literatura e é nesse momento histórico e cultural que a literatura brasileira começa a a-bandonar a importação de mitos europeus, buscando instituir seus próprios heróis( SILVEIRA, 2004, p. 23).

Desse modo, o gaúcho é visto como homem simples do campo, recuperado

pelo discurso literário como herói, e Silveira defende a ideia de que “é do eco dessa

realidade social que emergem as imagens de sujeito que construíram a história do

sul do Brasil e que mais tarde são idealizadas pela classe artística que eleva um su-

jeito imaginário ao estatuto de herói regional” (SILVEIRA, 2004, p.23).

Historicamente, há uma tendência idealizada por alguns autores de enaltecer

o passado do gaúcho, caracterizando-o como guerreiro. Desse modo, a Revolução

Farroupilha passa a ser o tema central, rica em atos de bravura, vista como uma re-

ferência ao heroísmo do gaúcho. Essa heroicidade encontra respaldo em Bento

Gonçalves, Canabarro, Souza Neto, entre outros. Nesse sentido não pode ser nega-

do o heroísmo do gaúcho ou sua militarização, no entanto a história oficial não leva

em consideração as razões dos adversários e relata o fato como se a verdade esti-

vesse somente com o gaúcho, vendo o outro como inimigo que deve ser combatido

(PESAVENTO et al, 1984, p.68-71). Nesta esteira, o gaúcho é exaltado pelas vitó-

rias grandiosas das lutas fronteiriças com os castelhanos, destacam-se lances de

heroísmo, bem como domínio do cenário do pampa, no qual se encontra a figura

altaneira, viril e destemida do gaúcho “centauro dos pampas [...] monarca das coxi-

lhas”(PESAVENTO et al,1984, p. 67)

O passado do Rio Grande do Sul, com o estilo fronteiriço e militarizado, é um

elemento indispensável para a formação da história sulina. A abordagem de Goulart

(1978) caracteriza o gaúcho como um indivíduo singular: “De laço em riste, colado

ao fogoso corcel que o arrebatava nas cargas heroicas, o gaúcho era como uma es-

tátua equestre em meio ao campo aberto, que parecia estremecer ao tropel dos in-

domáveis centauros sulinos” (GOULART, 1978. p. 55). Assim, as lutas constantes

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com os castelhanos transformavam cada homem em soldado e as fazendas em

quartel general. Nesse sentido, o gaúcho tem como valores a honra e a lealdade,

ideologicamente é caracterizado como campeiro por ser um homem rude, que passa

por lutas e guerras históricas sempre em defesa do seu chão, do seu estado, o Rio

Grande do Sul. A partir dessa ressemantização do gaúcho, intelectuais e literatos

iniciam a criação de agremiações e sociedades voltadas às tradições gaúchas.

Na primeira metade do século XVIII, para transmitir a cultura, usava-se da

oralidade nas diferentes classes sociais, bem como esta forma de manter a cultura

era passada de geração através de contos, cantigas, anedotas, lendas, mitos, qua-

drinhas, entre outras. O papel da transmissão e administração da cultura era da fa-

mília, principal instituição responsável que reunia a comunidade na Igreja e nas fes-

tas religiosas e populares como forma de manter viva a identidade cultural. Moacir

Flores (1989) argumenta que a primeira escola surgiu no ano de 1770, na atual ci-

dade de Gravataí, na qual os índios aprendiam a língua portuguesa.

O primeiro jornal, O Diário de Porto Alegre, surgiu no ano de 1827 no Rio

Grande do Sul. Também outros periódicos foram criados, porém a maior preocupa-

ção desses jornais era com a política, deixando de lado a produção intelectual. Em

1868, foi fundado o Partenon Literário, de Porto Alegre, o qual teve como um dos

principais fundadores José Antônio do Vale Caldre e Fião. Nesta sociedade procu-

ram juntar os modelos culturais europeus com a visão positivista da oligarquia rio-

grandense, com o intuito de exaltar a cultura regional gaúcha. Esta sociedade visou

a editar revistas, desenvolveu cursos com aulas noturnas, promoveu peças teatrais,

manteve um museu e uma biblioteca, como também promoveu campanhas abolicio-

nistas (FLORES, 1869).

Com o objetivo de qualificar professores para o exercício do magistério, foi

criada a Escola Normal em 1869. Porém, o governo colonial proibia o funcionamento

de universidades, bem como se posicionava contrário à imprensa. Este tratamento

do governo originou um atraso cultural muito grande. As obras científicas daquele

período eram todas estrangeiras. No Brasil, nesse período, há somente poesia e

peças de oratória por falta de estudo universitário e pesquisa científica (FLORES,

1869).

No tangente à economia, o Rio Grande do Sul tinha como foco principal a pe-

cuária extensiva num cenário da sociedade de guerras, com lutas fronteiriças, não

permitindo dedicação à produção intelectual. Nesse sentido, muitos autores saíram

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do Rio Grande do Sul e publicaram suas obras em outros estados. Em 1849 o médi-

co José Antônio do Vale Caldre e Fião publicou o romance O Corsário na capital do

império, o qual traz como tema a vingança de um vaqueano. Tem como pano de

fundo a Revolução Farroupilha com personagens históricos. Acompanhando um

comentário sobre o romance O Corsário, Flores (1989) diz que:

O herói é o vaqueano que se veste à monarca, que significa um bom cam-peiro. O termo gaúcho designa elementos armados e mal encarados, pois a palavra ainda se aplica ao marginal da área do campo. O diálogo reproduz termos regionais como poncho, churrasco, macega, restinga, encilhado, a-pear-se, faxina, vargem (FLORES, 1989. p. 65-66).

Como a palavra gaúcho ainda era usada no sentido pejorativo na primeira

metade do século XIX, o protagonista é identificado como o monarca das coxilhas.

Depois dessa fase, na segunda metade do século XIX, implanta-se a ideia de que o

Rio Grande do Sul se diferencia das demais províncias brasileiras, objetivando a

propagação da federação. Surge então o gaúcho mítico na literatura regionalista

(ZILBERMAN, 1985). Levando em consideração questões ideológicas instauradas

na produção cultural que envolve o mito do gaúcho, construído ao longo dos anos

pela literatura rio-grandense e pela historiografia oficial, Zilbermann (1985) defende

a ideia de que “A literatura sulina colaborou bastante para a consolidação deste fe-

nômeno, valendo-se do tipo popular local como uma de suas personagens favoritas,

[...] às vezes idealizando, às vezes desmistificando a figura do gaúcho” (ZILBER-

MANN, 1985, p.21).

Do ponto de vista histórico, Zilbermann (1985) pontua que:

Decisiva igualmente foi a canalização de fatores de ordem histórica, sendo integrada à personalidade do gaúcho a índole guerreira e livre supostamen-te constituída ao tempo da - e por causa do tipo de - formação da sociedade pastoril [...] e esta, como privilegia, de preferência, a época da consolidação dos setores sociais e econômicos ligados à pecuária, vê o passado como a idade do ouro (ZILBERMANN, 1985, p.41).

Nesse sentido, o gaúcho passou a ser mitificado pelas suas origens, pelo seu

passado pastoril, pelo espírito guerreiro, criando uma personalidade própria, pas-

sando a identificar-se de maneira ideal, assumindo assim, um modelo de comporta-

mento. Essa imagem do gaúcho deixou de corresponder aos fatos reais há muito

tempo, sendo vivida somente simbolicamente, inclusive na literatura mais recente

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produzida no Rio Grande do Sul. Barthes (1975) pontua que esse fenômeno é de-

signado de “naturalização da história” através da linguagem mítica (1975, p.162).

Ainda no Romantismo, o escritor José de Alencar desenvolve uma visão do

regionalismo brasileiro através nos seus textos. Uma de suas obras marcantes é O

Gaúcho, publicado em 1870, argumenta sobre o habitante da Província do Rio

Grande do Sul, enfoca o romantismo e o regionalismo, retrata o Brasil, especialmen-

te o pampa gaúcho. Esta obra sofre profundas críticas no final do século XIX, pelo

fato de o escritor não conhecer de perto o Rio Grande do Sul, porém descreve, em

sua narrativa, a figura do gaúcho. No lançamento do livro, o escritor cearense cau-

sou indignação nos escritores gaúchos, entre eles, Apolinário Porto Alegre e Simões

Lopes Neto, que passam a enaltecer o gaúcho em suas obras literárias, influencia-

dos por José de Alencar, com uma vantagem: de conhecerem profundamente a vida

do gaúcho.

O regionalismo gaúcho teve grande influência da obra O Vaqueano (1872), de

Apolinário Porto-Alegre, com um assunto sulino. A construção desse romance res-

significa o gaúcho e inaugura uma tradição. Isso pelo fato de o protagonista vaquea-

no resumir as características do guasca42. Nesta obra o autor aborda o temperamen-

to do gaúcho tradicional, com enfoque sobre o episódio da Revolução Farroupilha de

1835. Pela primeira vez o autor coloca em cena a figura do vaqueano rio-grandense,

um tipo agreste, leal, forte, corajoso e desinteressado. Apolinário figura entre os fun-

dadores do Partenon Literário, descreve a realidade de sua época, a forma de ser do

rio-grandense contemporâneo. Em seus contos, usou termos que caracterizam o

monarca das coxilhas, usou em torno de trezentos termos regionais, os quais classi-

ficou como o falar do povo. Seus contos exaltam a Revolução Farroupilha, apresen-

tam um cunho histórico, dando uma autenticidade nacional. Flores destaca que o

conto “A Tapera”, de 1869:

narra o retorno de um oficial farroupilha às ruínas da casa de sua antiga namorada. Ele relembra a invasão das tropas legalistas pilhando a casa e um dos mercenários, tentando violentar a moça que se suicida. Como não pode vingá-la, o herói se mata com as picadas de aranha caranguejeiras (FLORES, 1869, p. 66).

42 S.m. e s.f. Habitante do campo; caipira, roceiro, gaúcho. Adj. referente a gaúcho.

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Desse modo, o regionalismo teve o merecimento de resgatar o culto consa-

grador aos homens rudes e bravos, pela atuação centáurica, fixaram características

próprias, individualizando-os no ceio da nação brasileira, dando origem à tradição

gaúcha que passa a se organizar através de movimentos tradicionalistas.

Simões Lopes Neto soube representar o imaginário do gaúcho, sua evolução

e importância para a cultura gaúcha. Com a obra Contos Gauchescos, escrita em

1912, enfatiza dois traços sobre o gaúcho: a oralidade e o regionalismo da lingua-

gem, bem como a fixação do mundo gauchesco. Nesta obra, o autor dá ampla conti-

nuidade ao regionalismo. Nesta narrativa, torna-se pertinente reconhecer caracterís-

ticas documentais que vão da linguagem dialética aí incorporada até a fixação de um

código ético específico, passando pelo registro histórico e a fotografia duma tipologia

social, caracterizando o texto como regionalista. A ideologia empregada na narrativa

do autor propicia ao gaúcho uma aura heroica. O escritor hoje é visto como um dos

expoentes do Movimento Tradicionalista Gaúcho no Rio Grande do Sul pelo fato de

manter, no imaginário da ficção literária, o modelo de gaúcho, arquitetado no fictício

mundo popular, tornando-o assim mais real.

O autor, em Contos Gauchescos, define, através do personagem principal e

narrador Blau Nunes, uma figura social típica do Rio Grande do Sul, um homem sem

defeitos e de muitas virtudes, um vaqueano humilde, honesto, valente e cheio de

esperanças. Esses valores presentes na personalidade do protagonista definem a

imagem do gaúcho.

Até na primeira metade do século XX, o gaúcho principalmente encontra-se

ligado à terra, visto como heroico no imaginário social. Ele precisa sentir a terra, tra-

balhar nela, sentir-se ligado à terra mãe, como sendo algo familiar. Desse modo, ele

não necessita ter documentado a terra na qual habita, mas sim estar nela e usufruir

dela, onde ele cresceu, constituiu família, cavalgou e muito amou. Isso permite-se

dizer que é dos pampas que surge a liberdade do gaúcho.

Essa valorização do gaúcho, também denominada de gauchismo43, como

ponto de referência são as manifestações culturais que precisam ser compreendi-

das, e que geram um certo sentimento de pertencimento. O culto às tradições é ofe-

recido por encarnação de uma imagem do gaúcho. Os adeptos do tradicionalismo se

43 Tudo aquilo que tem a ver com o gaúcho, as suas manifestações e práticas culturais.

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intitulam como verdadeiros gaúchos, guardiões de uma pureza em nome da autenti-

cidade (Maciel, 2005). Desse modo, o gauchismo passa a ser visto como movimento

social, por possuir um núcleo hegemônico, que é o Tradicionalismo, movimento so-

cial organizado em Centros de Tradições Gaúchas(CTGs)

A valorização do patrimônio cultural tradicional do Rio Grande do Sul sempre

foi evocada como um processo de consolidação. Conforme Rodrigues ( 2008), “atu-

almente o MTG é uma entidade que atingiu um nível de aceitação popular que dá ao

movimento uma relativa autonomia e capacidade de autogestão como empresa pa-

trimonial da tradição gaúcha” (RODRIGUES, 2008, p. 78). Nesse sentido, grande

parte dos indivíduos busca constantemente cultuar as tradições históricas gaúchas,

da mesma forma como o MTG procura fazer. Cabe lembrar que esse ato remete à

identidade, ideia abstrata que permeia o imaginário social. Ao acreditar na recupera-

ção de “um gaúcho original, autêntico, portanto verdadeiro, se tem um instrumento

poderoso para aliciar pessoas a agirem e pensarem de determinadas formas” (RO-

DRIGUES, 2008, p. 79).

Nesse sentido, o gauchismo possui particularidades próprias, características

que identificam o homem do Rio Grande do Sul, desde a vestimenta, as danças, as

poesias, os festivais e concursos, nos quais se apresentam canções que caracteri-

zam o gaúcho através de sua história, seus feitos do passado.

Brum (2006) manifesta a ideia de que o tradicionalismo institui práticas que

procuram cultuar a glorificação de um passado atualizado e salienta que:

O movimento tradicionalista gaúcho ou apenas tradicionalismo, como mani-festação do gauchismo, pode ser entendido como um conjunto de ativida-des organizadas e regulamentadas que objetivam celebrar a figura do gaú-cho e seu modo de vida em um passado relativamente distante, tal como os participantes e, sobretudo, os pesquisadores (tradicionalistas) do movimen-to o percebem e o definem em seus escritos, instituindo práticas de culto em torno das quais se glorifica um passado continuamente atualizado e inter-pretado no presente (BRUM, 2006, p.02).

Essas manifestações culturais compreendem todos os elementos do gau-

chismo que defendem as ideias e valores que diferenciam e identificam o gaúcho em

relação às demais regiões do Brasil.

Em 1948, a expressão gaúcho alcança um certo status social pelo fato da

fundação do CTG “35” de Porto Alegre/RS, como também pela grande ampliação

da criação de CTGs no Estado. Para alçar a primazia simbólica no Rio Grande do

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Sul, surge o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), fundado em 1966, tinha co-

mo objetivo congregar as entidades tradicionalistas, como estabelecer as diretrizes e

princípios, pautado pelo discurso de reviver, restaurar e preservar o patrimônio cultu-

ral dos gaúchos. Conforme Maciel (2005), “a cultura é, assim, vista como uma coisa

viva, em permanente mutação, em que práticas e manifestações culturais são com-

binadas, apropriadas e ressemantizadas” (MACIEL, 2005, p. 446).

Entre as manifestações culturais que congregam a cultura gaúcha, o ENART

(Encontro de Arte e Tradição) realiza-se anualmente no Rio Grande do Sul e tem

como finalidade a preservação, valorização e divulgação da arte e das tradições, dos

usos e costumes da cultura do Rio Grande do Sul. Esses encontros promovem o

intercâmbio cultural, além da retomada de consciência dos valores morais do gaú-

cho entre os participantes das mais variadas regiões do Rio Grande do Sul, além de

projetar essa cultura popular em nível Estadual.

No tangente ao assunto em questão, a imagem do gaúcho heróico e as mani-

festações culturais do Canto dos Bravos de Pinheirinho do Vale/RS têm como prin-

cipal objetivo divulgar o fato histórico, a morte do Tenente Portela ocorrida em janei-

ro de 1925 através de canções e enaltecer o heroísmo dessa figura histórica. As

canções inclusas no festival apresentam traços característicos do gauchismo, as

expressões e melodias. Além disso, a forma como os cantores se apresentam, como

também as invocações divinas, salientam a bravura de Portela, pois, conforme o

compositor Missioneiro (2011), “Tenente Portela Fagundes saiba,tua força bravia,

teu jeito cordial, se no céu existe o grande paraíso,pois aqui na terra temos outro

igual (MISSIONEIRO, 2011, v.19-22). Ou seja, a linguagem conotativa torna presen-

te a imagem heroica de Tenente Portela, e, de acordo com a letra, o destino dele era

marcado pela sua cordialidade e bravura.

Neste contexto em que vem sendo construída a música gauchesca, não só a

literatura no campo artístico representa o herói gaúcho, mas também a música. Esta,

além de ser considerada um estilo musical que apresenta temas populares, atos he-

róicos e fatos históricos rio-grandense. Como também, a letra da música apresenta

versos rimados, com sílabas métricas e linguagem poética, como nos versos “Meu

Pinheirinho forte e bravo altaneiro, hoje te canto qual o filho que te abraça, dentro do

peito, levo junto comigo,tua lembrança, tua história, minha raça (MAICÁ, 2011, v.9-

12). Ou seja, a linguagem poética faz um elo entre o fato histórico, a cidade e a poe-

sia, promovendo harmonia musical. Também contribui com a construção social idea-

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lizada de Portela através da narração de lutas simbólicas que legitimam a cultura

gaúcha.

Como já havia vários estilos musicais no Estado, a música gaúcha tradicional

(ou seja, a que marca o estilo singular das produções regionais) ganha status, torna-

se autêntica, como o xote, a polca, a rancheira, a valsa campeira. Para fortalecer

esse gênero musical, organizam-se festivais de música nativista, valorizando o pas-

sado e o homem do campo de modo a também fortalecer o mito do herói gaúcho. A

partir desses festivais a música, a indumentária e outros elementos passam a ser

eleitos como tradição gaúcha e valorizados na cultura regional.

No século XXI, a cultura gaúcha busca maior espaço na mídia Nacional para

solidificar e ressignificar a identidade do gaúcho. Nesse sentido, os seguidores da

cultura gaúcha se denominam como gaúcho por sentir orgulho do Estado do Rio

Grande do Sul. Em 2012, no Programa Encontro da Rede Globo, na ocasião da Se-

mana Farroupilha, realizada na Capital de Porto Alegre/RS, fez uma homenagem

aos gaúchos. Nessa ocasião foram divulgadas as danças típicas e a apresentação

da música Querência Amada, composição do Teixerinha. Em julho de 2013, o Pro-

grama Encontro homenageou o Rio Grande do Sul através da dança da chula, apre-

sentada por quatro gaúchos, como também reverenciou os gaúchos pela cultura e

espírito de liderança. Esses elementos presentes na cultura regional cumprem a

função da descrição da cultura de uma determinada região, o que é primordial para

a construção identitária de um povo. De acordo com Felippi (2003),

Os meios de comunicação são importantes construtores da realidade e das identidades e, mesmo tendo contribuído historicamente para a difusão de uma cultura global homogênea, têm também desempenhado papel na difu-são de identidades plurais, híbridas e até contribuído para a consolidação ou resistência dessas culturas e identidades (BRITO et ali FELIPPI, 2003, p.02).

Essa imagem do gaúcho corrobora a construção da identidade regional do Sul

no Brasil, ligando-a uma valorização das culturas gauchescas e enaltecendo valores

de gaúcho como um sujeito singular. Desse modo, a cultura gaúcha se expande por

outros estados e países através de descendentes, como também por simpatizantes.

Esse culto à cultura gaúcha ocorre nos Estados brasileiros, como também fora do

País, como em Nova Iorque, Lisboa, Paris e Japão como consequência da diáspora

dos gaúchos pelo Brasil e pelo mundo (KAISER, 1999).

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Nesse sentido, a cultura gaúcha passa a ter influências que a singularizam a-

través das manifestações culturais e literárias. Entre essas manifestações, a canção

regional, vista como atividade artística, apresenta elementos importantes para a so-

lidificação do gauchismo através da letra que evoca fatos históricos e atos heroicos,

como também o tradicionalismo do rio-grandense, seus usos e costumes.

3.2 Canção Regional e a construção do herói Tenente Portela nas letras de al-

guns compositores gaúchos

Um gênero musical muito evidente no Estado no Rio Grande do Sul é a can-

ção nativista, que tem como principal tema apresentar a realidade do gaúcho, suas

tradições e manifestações culturais através da música, voltadas para o regionalismo

e o tradicionalismo. Em 1971, surge esse movimento nativista com a criação da Cali-

fórnia da Canção Nativa, em Uruguaiana/RS, no período da ditadura militar.

As canções nativistas, como as selecionadas para esta pesquisa, são objetos

de investigação acadêmica, de questionamentos, incluindo os estudos que visam a

situar a canção gaúcha no modo como ela passa a ser exercida e renovada na mú-

sica regional, como no trabalho de Duarte (2009), que argumenta:

No campo da comunicação em massa, tais canções reforçam e renovam a identidade cultural gaúcha, contendo fortes índices de idealização, porém revelando dados de modernidade capazes de seduzir a população urbana e superar o estigma de “grossura” que há décadas pairava sobre a arte popu-lar regional (DUARTE, 2009, p.01).

Mas há a possibilidade de, entrando no campo literário, de analisar as can-

ções enquanto gênero literário, algo cada vez mais valorizado na área da Literatura

Comparada, o que permite fazer reflexões formais em torno da canção gaúcha, re-

verenciando a história regional. Fischer (2013) enfatiza a importância de considerar

a canção, além de gênero musical, um gênero literário pelo fato de a canção ter uma

presença muito forte na cultura brasileira.

Partindo do pressuposto então da canção como literatura, cabe fazer alguns

apontamentos sobre esse contexto abordado nesta pesquisa, as quais fazem parte

do rol de festivais de canções regionais promovidos no Rio Grande do Sul e conside-

rados um dos ícones da cultura.

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O evento “I Califórnia da Canção Nativista”, visto pelos tradicionalistas como

inovador e pioneiro, motivou produtores culturais e artistas a realizarem eventos se-

melhantes. Desse modo, ao longo dos anos, foram surgindo outros festivais da mú-

sica nativa, obtendo popularidade também fora do estado. Entre esses festivais po-

de-se citar “Coxilha”, de Cruz Alta que já está na 33ª edição; “Gauderiada”, de Rosá-

rio do Sul, está na 31ª edição; “Carijo”, de Palmeira das Missões, entre outros. Po-

rém, nos anos 80, nestes festivais surgiram algumas polêmicas em torno das músi-

cas que podiam ser apresentadas, sobre o gênero musical, que tipo de instrumen-

tos, idiomas e roupas podiam ser usados nos festivais.

Há também o festival de música gauchesca, o “Minuano da Canção Nativa”

de Santa Maria/RS, bem como o “Festival Minuano” realizado em Capão da Cano-

a/RS, os quais se realizam sistematicamente. Músicas já consagradas fazem parte

do DVD da 6ª e 7ª edição do Minuano da Canção Nativa. O evento realizado em

2008, em Santa Maria/RS possibilitou a gravação em CD das 13 obras finalistas

desse festival nativista. Nomes conceituados no cenário rio-grandense da música

nativista interpretam as obras, como por exemplo: Dante Ledesma, Pirisca Greco,

Cesar Lindemeyer, Xiruzinho, entre outros (Jornal do Nativismo). Esses festivais de

música nativa passaram a ter um espaço distinto, especialmente na década de 80

como referência à cultura gaúcha.

Esses festivais da canção nativa dão abertura para se delinear uma identida-

de para a música regional, que hoje segue duas posições opostas: a dos que são

contrários à modificação na essência da música gaúcha e a dos que misturam dife-

rentes gêneros musicais. Nesse sentido, o gaúcho Dorotéo Fagundes, que é cantor,

compositor, instrumentista, poeta e radialista, mostra-se um fervoroso propagador do

regionalismo brasileiro. Em suas composições divulga a cultura gaúcha, salienta que

“um país não se faz sem sua cultura própria” (FAGUNDES, 2012, p. 95). O poeta

luta pela valorização brasileira em seus programas de rádio, produz agendas com

conteúdos culturais, ou ainda compõe e canta "para convencer e não para convenci-

dos”(FAGUNDES, 2012. p. 95). Dessa maneira, ele dá vazão à musicalidade gau-

chesca, que perpassa pela consciência brasileira, valorizando a cultura nacional.

O poeta acredita que uma nação precisa de duas coisas fundamentais, con-

forme proferiu em uma de suas falas:

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Cultura própria e economia forte. Nenhum país do mundo se desenvolveu com cultura estrangeira. Temos que ter nossa cultura, reafirmar os nossos sentimentos. Se perdermos nossa cultura regional, perderemos a nossa i-dentidade de nação (FAGUNDES, 2012, p. 95).

Assim como Dorotéo, muitos tradicionalistas expressam a cultura gaúcha a-

través dos versos com o objetivo de não perder a identidade cultural, ou seja, as tra-

dições do povo gaúcho. Este sentimento nativista desenvolve a consciência regiona-

lista brasileira através da musicalidade, valorizando o chão brasileiro mais do que o

estrangeirismo musical que veio com a globalização desde 1945, no pós-guerra.

Neste contexto da canção gaúcha, os cancioneiros criam suas músicas para

reverenciar fatos históricos ou indivíduos que lutaram heroicamente em defesa da

sua pátria. Nesse sentido, considerando que as seis canções analisadas fazem

parte do contexto da música regional nativista, observa-se que os compositores da

cultura gaúcha veneram Tenente Portela pela sua bravura e coragem nas letras das

canções especialmente compostas para o evento “Canto dos Bravos”, terceira

edição realizada em 2011. As letras fazem alusão ao fato histórico ocorrido em

Pinheirinho do Vale/RS, batalha na qual Tenente Portela morreu tragicamente. Nas

canções ele é reverenciado como defensor da liberdade e da dignidade humana e

há uma linguagem e uma melodia que ilustram de forma exemplar o estilo musical

das canções nativistas do Rio Grande do Sul. As canções trazem características

regionais, como também contribuem de forma significativa para a construção da

figura do herói Tenente Portela, elementos estes expressos na letra dessas

canções.

O compositor Mello (2011) tematiza o confronto ocorrido nas margens do Rio

Pardo, próximo ao Rio Uruguai, em Pinheirinho do Vale, em 1925, entre a retaguar-

da de Tenente Portela e os legalistas, representantes do Governo, culminando com

a morte do protagonista dessa análise. A canção intitulada “Tenente Portela” procura

elevar Tenente Portela a herói da causa revolucionária, faz alusão ao município de

Pinheirinho do Vale. Ou seja, este marco histórico relaciona-se com o município,

sendo um elo entre ambos, como nos versos 7 e 8 da primeira estrofe: “Pinheirinho

do Vale a batalha final, Ficou o memorial de um herói do país”, e nos versos trinta e

cinco a trinta e oito: “Ao bravo Portela foi minha mensagem, De lindas paisagens é

bom que se fale, De braços abertos pra lhe receber, Venha conhecer Pinheirinho do

Vale (MELLO, 2011).

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Levando em consideração a análise melopoética do compositor Valdomiro

Mello, a letra da canção “Tenente Portela” está estruturada em quatro estrofes de

oito versos e dez sílabas métricas rimadas, o que dá ideia de métrica heroica, além

disso possui uma estrofe com dez versos também contendo rimas. Em cada estrofe

reverencia o Tenente Portela como personagem histórico, alguém que está sempre

na memória do povo, um herói que morreu muito jovem defendendo os interesses do

povo. Eleva-o a herói pela sua bravura e coragem. Na abordagem sobre o herói na

História dessa análise, Lima e Santos (2011) argumentam que o herói representa o

poder e a burguesia, é quem manifesta muita coragem, sacrificando a própria vida

por uma causa nobre.

Sabe-se que Tenente Portela foi perpetuado na história através do seu nome

ter sido legado a um município, além de praças e escolas, tornando-o imortal, além

de ser lembrado em canções, como nos versos de Mello: “Tenente Portela, a sua

história, sempre na memória do povo é imortal” (MELLO, 2011, v.1-2). Essas home-

nagens tornam viva a imagem de Tenente Portela, fatos que o caracterizam como

herói regional através do imaginário social.

O compositor lança mão da metáfora para enaltecer o heroísmo de Tenente

Portela no verso: “Um bravo herói que morreu tão novo” (MELLO, 2001, v. 3). Bravo

remete à ideia de coragem de lutar pelos direitos do povo, para protegê-los das in-

justiças sociais: “Defendendo o povo, injustiça social”(MELLO, 2011, v. 4).

Essa imagem de Tenente Portela como herói é reafirmada na conclusão do

refrão: “Há poucos metros do Rio Uruguai, do Rio Pardo cai rumo a Porto Feliz,/:

Pinheirinho do Vale a batalha final, ficou o memorial de um herói do país” (MELLO,

2011, v. 5-8). Nessas contundentes observações, o compositor afirma que Tenente

Portela está sempre na memória do povo, que será reverenciado pelo seu idealismo,

imortalizando-o, ao afirmar que ficou o memorial de um herói do país, declara-o um

herói do Brasil, ou seja, a conclusão exposta no refrão reafirma a imagem de Tenen-

te Portela como herói. Nesse raciocínio, Campbell (1990) argumenta que o objetivo

do herói geralmente é o de salvar um povo, ou uma ideia, “O herói se sacrifica por

algo, aí está a moralidade da coisa” (CAMPBELL, 1990, p.135). Ou seja, o composi-

tor enaltece Tenente Portela por ter sacrificado a sua vida em defesa da liberdade

do povo brasileiro. A letra da canção demonstra a coragem do protagonista, de en-

frentar barreiras para lutar contra o Governo da época. Campbell faz uma reflexão

sobre a salvação do mundo, para salvar cada indivíduo: “as pessoas têm a ilusão de

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salvar o mundo, trocando as coisas ao redor, mudando as regras, quem está no co-

mando e assim por diante”(CAMPBELL, 1990. p. 158), Tenente Portela, conforme

descrito na letra da canção, teve a ilusão de salvar o povo brasileiro e proporcionar-

lhes mais liberdade e justiça social.

Nesse sentido, a memória histórica reafirma a mitificação de Tenente Portela.

Conforme já citamos nessa análise, Feijó argumenta que o herói tem características

divinas e poderes especiais, mesmo sendo mortal (FEIJÓ, 1995).

Nos versos 9 a 12, o poeta faz uma exaltação bucólica a Tenente Portela e

expressa saudades do passado, especialmente a melancolia pela falta de Tenente

Portela. Nesses versos, o poeta louva-o, diz que o herói teria que voltar e lutar pelo

povo: “Ao povo canto com honra e moral, Que o chão Nacional necessita de agora,

Precisaria retornar de novo, Lutar pelo povo, Portela de outrora”(MELLO, 2011, v.9-

12)

O compositor lança mão da metáfora no verso “num triste combate fechou-se

a cancela, tombava Portela ferido no peito” (MELLO, 2011, v. 15-16) para referir-se à

morte trágica de Tenente Portela. No verso poético “Descansa o herói sagrado”

(MELLO, 2011, v 19), o poeta faz uso da metáfora para enaltecer Tenente Portela a

alguém acima dos homens ao dizer herói sagrado, descansa em paz na tradição

católica.

Desse modo, Cassirer (2006), que já foi citado nesta análise, argumenta que

a metáfora é o vínculo intelectual entre a linguagem e o mito, por seu caráter origina-

riamente metafórico, gera a metáfora mítica, fornecendo-lhe novos alimentos (CAS-

SIRER, 2006). Ou seja, as expressões poéticas na letra da canção ampliam o hero-

ísmo de Tenente Portela, além disso, o poeta diz que o protagonista dessa análise

cumpriu sua missão com muita honra, como também orgulhou a bandeira brasileira,

como sinalizam os versos: “nesta pátria brasileira, que orgulhou nossa bandeira,

com honra e dever cumprido” (MELLO, 2011, v. 20-22).

Para comprovar a superioridade do herói dessa análise, o poeta declama a

terceira estrofe do poema que possui dez versos, os quais têm sete sílabas métri-

cas, bem como há rima entre os versos. Esta estrofe, com perfeição formal da re-

dondilha maior, contribui com o conjunto das ideias, faz uma homenagem enfática a

Tenente Portela, lamenta a sua morte, e o sujeito lírico sente por nunca mais ter

surgido alguém igual para salvar o povo da injustiça social. Conforme já consta nes-

sa pesquisa em O Herói na Literatura, Lima e Santos (2011) comentam que pessoas

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notáveis que transitam entre o real e o imaginário se consolidam na cultura de um

povo como um mito (LIMA;SANTOS, 2011).

O poeta reverencia Tenente Portela, chama-o de “bravo sentinela” (MELLO,

2011, verso 24), ou seja, alguém sempre alerta com muita coragem para defender o

povo, bem como orgulhou o maior símbolo nacional, a Bandeira Brasileira. Enfatiza

que não surgiu outro Portela para defender os direitos dos menos favorecidos e lutar

pela liberdade do povo brasileiro, “E que outro Mário Portela, Nunca mais tenha sur-

gido” (MELLO, 2011, v. 25-26), o que se configura como um herói que merece ser

homenageado.

Acompanhando as ideias propostas por Oliveira (2012) sobre a concepção de

herói, destaca-se que:

a narrativa acerca do herói é igual ao mito, tem função equivalente ao mes-mo. Mas a explicação para essa semelhança e universalidade das narrati-vas é que o herói substitui o ser humano exemplar, que se esforça por uma renovação social, pelo domínio criativo da vida e pela ampliação da consci-ência (OLIVEIRA, 2012, p. 88- 89).

Desse modo, as reverências expressivas a Tenente Portela, visto como um

ser humano exemplar, especialmente na letra da canção, permitem elegê-lo como

herói histórico regional.

A inspiração heroica de Tenente Portela surgiu da problemática imposta pela

situação caótica do Brasil: a falta de liberdade, de direitos humanos e a pobreza,

cuja solução exigia um feito grandioso e extraordinário, cujo desafio teve um fim trá-

gico, porém hoje lembrado pelos simpatizantes da causa revolucionária. Nos versos

“Tenente Portela, antiga Paris, deixou uma raiz de fibra e coragem, por merecimento

e dignidade, ganhou a cidade em sua homenagem” (MELLO, 2011, v. 31-34), cons-

tata-se que o autor evidencia o fato de Tenente Portela ser homenageado com o

nome de uma cidade, o que remete à ideia de lealdade aos seus superiores, a ma-

neira libertária de ser torná-lo um herói que se sacrificou em prol da humanidade.

A letra da canção de Mello aponta que Tenente Portela vive no imaginário

popular como uma entidade sacrificada a favor da sua terra, visto que o protagonista

ajudou e lutou pelo povo, como também morreu por ele, como nos versos “Lamento

assim ter morrido, este bravo sentinela (MELLO, 2011, v. 23-24). Essa nobreza de

Tenente Portela também permite uma associação com um sentimento de imortalida-

de, percebido no verso “Ao bravo Portela, foi minha homenagem” (MELLO, 2011,

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verso 35). Desse modo, o herói é visto como alguém superior, com grandeza de al-

ma e espírito, sobretudo valentia física, de bravura, que se destaca dos demais.

O cantor gaúcho Ari Fonseca, em sua composição intitulada “Homenagem

Especial a Mário Portela Fagundes”, privilegia sua letra com versos rimados e onze

sílabas métricas. Essa prática artística apresenta inconfundíveis características pró-

prias, carregados de linguagem figurada. A poesia lírica reverencia Tenente Portela

como testemunho de seu legado idealista. No estribilho, o compositor caracteriza a

ideia de comando, de alguém que está sempre à frente de um grande projeto social,

“/:Quem são estes homens que vem cavalgando:/, /: A Coluna Prestes vem se apro-

ximando, Tenente Portela que vem comandando/” (FONSECA, 2011, v. 3-4).

Nesse poema, a letra e a música se completam, atribuindo igual peso ao ver-

bal, quanto ao musical, pois ocorre a configuração entre a letra e a música, tornando

a essência a razão da existência dessa canção. Ou seja, a letra e a música articu-

lam-se para enaltecer a figura de Tenente Portela. O pesquisador contemporâneo

Anthony Storr explica essa afirmação de forma filosófica:

embora, presumivelmente, as funções linguística e musical sejam proces-sadas, respectivamente, nos hemisférios direito e esquerdo do cérebro, quando palavra e música se encontram intimamente ligadas, como ocorre na canção, as duas funções passam a processar-se juntas, no mesmo he-misfério – o direito – formando uma única Gestalt (STORR apud TATIT, 2002, p. 213).

Ou seja, é a sincronia entre o musical e a métrica como também a temática

alusiva ao fato histórico o que proporciona um estilo melódico. Numa análise da me-

lopoética, o poeta faz um suspense sobre a identificação da comitiva nos versos 1 e

2, “Quem são estes homens que vem cavalgando, Quem são estes homens que

vem cavalgando” (FONSECA, 2011, v.1-2); fica perceptível o clímax nesse processo

narrativo assinalado pelo questionamento de quem vem chegando. Em seguida,

num tom mais suave, tranquiliza o povo ao afirmar que é Tenente Portela no co-

mando “A Coluna Prestes vem se aproximando,Tenente Portela que vem coman-

dando (FONSECA, 2011), e isso expressa a ideia de confiança no líder Tenente Por-

tela.

O compositor exalta o protagonista à imagem imortal, a alguém que, com mui-

ta honra, faz parte da história do Rio Grande do Sul quando afirma: “Ecoa entre os

homens de sangue nas veias, a grande peleia por um ideal, o Canto dos Bravos a-

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brindo a cancela, Tenente Portela, herói imortal”(FONSECA, 2011, v. 5-8). Nesses

versos, o cantor acentua a bravura e a coragem de Tenente Portela e expõe a pró-

pria vida pelo ideal revolucionário. A imortalidade do protagonista dessa análise,

também apontada pelo compositor Mello, reafirma a construção heróica do persona-

gem.

Em conformidade com essas contundentes ideias, percebe-se que o herói é a

personificação do homem ideal, por ser possuidor de virtudes e valores mais desen-

volvidos, como, por exemplo, o engajamento social desinteressado e a coragem ci-

vil. Nas palavras de Müller: “o herói representa, portanto, o modelo do homem criati-

vo, que tem coragem para ser fiel a si mesmo, a seus desejos, fantasias e a suas

próprias concepções de valores. Ele se atreve a viver a vida, em vez de fugir dela”

(MÜLLER, 1992, p. 09). Essa imagem encontra-se na segunda estrofe do composi-

tor Fonseca, a qual faz alusão às origens de Tenente Portela e engrandece os seus

feitos quando afirma:

Na costa do Rio Pardo, com a tropa cansada, Última pousada o filho pelotense /: Ali sua campa rodeada de glória, Seu nome na história do chão rio-grandense :/(FONSECA, 2011, v.9- 12).

Nesse verso, o letrista apresenta de forma explícita que o protagonista é al-

guém que se destaca dos demais indivíduos, tendo o nome de Tenente Portela de

forma gloriosa na história do Rio Grande do Sul.

Nesta perspectiva, o herói é capaz de transpor o medo do desconhecido, per-

correr caminhos perigosos, mas que ao mesmo tempo geram prazer. Acompanhan-

do as ideias propostas por Hendersen, pode-se dizer que a psicanálise atribui ao

mito do herói a função de “desenvolver no indivíduo a consciência do ego – o co-

nhecimento de suas forças e fraquezas – de maneira a deixá-lo preparado para as

difíceis tarefas que a vida lhe há de impor” (HENDERSEN,1992, p. 112). Esse ideal

libertário, conforme se lê nas letras das canções de Fonseca e Mello, estava à frente

da vida de Tenente Portela, tendo sido a sua principal meta, ou seja, mais um ele-

mento que corrobora a percepção de que as letras fortalecem a imagem de Tenente

Portela como um herói de grande valor para a comunidade regional.

Já o compositor Valdomiro Maicá, na canção “Pinheirinho dos meus versos”,

enaltece Pinheirinho do Vale pela sua origem e bravura com linguagem figurada, faz

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uso da metáfora quando diz: “terra Divina” (MAICÁ, 2011). O poeta faz alusão ao

herói perpetuado na história, “hoje a história é quem vai te exaltar”(MAICÁ, 2011,

v.16). Os versos contém onze sílabas métricas, são rimados com ênfase poética,

conforme a canção:

Do berço altivo de imigrantes deste chão, Bem onde o sol vem acordar a esperança, Um canto bueno de Pinheirinho do Vale, Terra Divina onde a paz fez sua crença. As travessias feitas no Rio Uruguai, Bravo pinheiro que serviu para orientar, /:Com alemães, portugueses e italianos, Surge o povoado com amor pelo seu lugar.:/ Estribilho:

Meu Pinheirinho forte e bravo altaneiro, Hoje te canto qual o filho que te abraça, Dentro do peito, levo junto comigo, Tua lembrança, tua história, minha raça.:/ Também foi palco de lutas tão sangrentas, Onde Portela, o Tenente foi tombado, Mas que as peleias, um dia foram tantas, Hoje a história é quem vai te exaltar. Toda paisagem foi se transformando, Pra ser querência desta buena gauchada. /:É a mãe terra com origem tão marcante, De uma gente valorosa e abençoada :/ (MAICÁ, 2011, v.1-20).

Na criação de Maicá em “Pinheirinho dos meus versos”, emerge a atribuição

valiosa sobre o herói “terra Divina onde a paz fez sua crença” (MAICÁ,2011, v.4), o

poeta refere-se ao local, pelo fato de ser um espaço memorável em que anualmente

celebra-se a missa como abertura do Evento do Canto dos Bravos para homenagear

os que tombaram, lutando pela liberdade do povo.

Nos versos “é a mãe terra com origem tão marcante, de uma gente valorosa e

abençoada”, (MAICÁ, 2011, v.19-20), o poeta atribui as origens do povo gaúcho ao

evento no qual Portela foi morto, remete um olhar histórico sobre o fato e enaltece a

comunidade.

Na letra da canção intitulada “Pinheirinho do Vale”, do compositor Xiru Mis-

sioneiro, está explícito o eu-lírico que idealiza a paisagem do cenário do “Canto dos

Bravos”, ambiente propício para fugir da agitação da grande cidade, próprio para

enaltecer o local do tombamento de Tenente Portela, conforme constata-se nos ver-

sos:

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Meu vale de sonhos, de tantas belezas, Que a mãe natureza nos emoldurou, Hastes verdejantes de lindas fontes, E a luz do horizonte nos mergulhou. Nos bosques floridos, tão colorido, Um jeito tão lindo deslumbrando cor, Pássaros cantando, alvorada festiva, Da lição pra vida pro resto do mundo Pássaros cantando, alvorada festiva, Da lição pra vida pro resto do mundo(MISSIONEIRO, 2011, v.1-10)

A letra lança mão da metáfora ao referir-se a Pinheirinho do Vale “meu vale

de sonhos... a mãe natureza” (MISSIONEIRO, 2011). O saudosismo faz-se presente

quando o compositor diz: “hastes verdejantes de lindas fontes, e a luz do horizonte

nos mergulhou. Nos bosques floridos, tão colorido...pássaros cantando, alvorada

festiva”(MISSIONEIRO, 2011). Nesse sentido, o compositor, através da letra, vive o

presente deslumbrado com a linda paisagem. A canção é essencial na composição

da paisagem que envolve o cenário do “Canto do Bravos” por possuir belas árvores

nativas, muitos pássaros e o encontro de dois Rios (o Rio Uruguai e o Rio Pardo)

contribui na composição poética. Além disso, usa expressões do gauchismo ao refe-

rir-se aos filhos do Rio Grande do Sul “/:Tua alma de Pampa, te retrata e estampa,

no coração de cada filho teu.:/”(MISSIONEIRO, 2011, 11-12).

Toda a canção está carregada de linguagem figurada para enaltecer a cidade

de Pinheirinho do Vale e dos rios que banham a cidade, idealiza a terra e constrói

um cenário típico para um herói:

Pequena gigante, cidade encantada, Pelos rios banhada, que vem e que vai, O lago Rio Pardo se sente enciumado, Dividindo espaço com o Rio Uruguai (MISSIONEIRO, 2011, v.13-16)

Assim como os demais compositores e os historiadores regionais cujos textos

foram já comentados, o compositor Xiru Missioneiro louva Tenente Portela, compara

o paraíso do céu com o da terra, implicitamente se refere ao ambiente do “Canto dos

Bravos”, como nos versos:

Tenente Portela Fagundes sabia, Tua força bravia, teu jeito cordial, Se no céu existe o grande paraíso, Pois aqui na terra temos outro igual( MISSIONEIRO, 2011, v.17-20).

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Nessa excerto, o compositor permite que o imaginário flua, comparando o

paraíso com o cenário do “Canto dos Bravos”. Faz uso na letra da canção da

linguagem metafórica. Além disso, caracteriza Tenente Portela como homem de

coragem e cordialidade de forma a acentuar alguns traços que carcaterizam um

herói.

O compositor Tenente Zinhani, na letra “Canto dos Bravos”, caracteriza

conotativamente os indivíduos que vivem nessa terra como bravos, com coragem

para defender o pago através de versos rimados: “Nesta terra de bravos, de lança,

daga e cavalo, defendem o nosso pago” (ZINHANI, 2011, v.1-3).

Além disso, o copositor usa expressões que caracterizam o gaúcho, como

nos versos:

Terra charrua, Com raça, fibra e destemor Foi criando nesta terra O povo de paz e amor, Que ama e defende este pago, Com honras de peleador (ZINHANI, 2011, v. 4-9).

As palavras “charrua, pago e peleador” são frequentes na linguagem do

gaúcho, idealizam a forma e a maneira de ser gaúcho.

O compositor Zinhani (2011), acentua o heroísmo de Tenente Portela através

dos traços poéticos nos versos: “Tombaram em cachoeiras, heróis de muitas

querências” (ZINHANI, 2011, v.12-13), também faz uso da metáfora: “é solo sagrado

dos cabras” (ZINHANI, 2011, v.18), ou seja, o solo no qual estão enterrados Tenente

Portela e seus subordinados é sagrado.

Campbell (1990) lembra que a proeza do herói dá início com alguém que se

sente excluído entre os membros de uma sociedade ou ainda de quem foi usurpado

de algo. Esse indivíduo vai para uma jornada além do normal, principalmente para

descobrir seu lugar na sociedade. Geralmente, o herói faz um caminho que inicia

com a partida e termina com a chegada, e essa jornada tem algo de divino, uma

busca espiritual. Esse alguém evolui para a coragem da própria responsabilidade.

Nessa passagem se morre e renasce (CAMPBELL, 1990, p. 131-133).

O cancionista cristaliza sua obra na canção, expressando seu sentimento de

honra aos que defendem essa terra. Assim como os demais compositores da

canção regional, Zinhani também acentua, na letra, traços de valentia e coragem do

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protagonista dessa análise como nos versos: “Que ama e defende este pago, com

honras de peleador” (ZINHANI, 2011, v.8-9), o que se configura a um herói Regional.

Para concluir a análise das canções, a letra “Coluna dos sonhos”, do

compositor Puro Sangue (2011), inicia com uma estrofe declamada, justificando os

motivos pelos quais Tenente Portela aderiu à revolução tenentista, mesmo sabendo

que seria um caminho sem volta:

Contra o voto de acabresto, E as demandas do poder, Vale à pena se erguer, Em revolta regoluta, Mesmo que eu penso que esta luta, Seja matar ou morrer (PURO SANGUE, 2011, v. 1-6).

O compositor Puro Sangue (2011) tem como tema da canção a trajetória de

Tenente Portela, seu legado e a batalha final. Além disso, a linguagem conotativa é

presença marcante, o que acentua o heroísmo de Tenente Portela. Na primeira

estrofe, a letra qualifica o protagonista, mostra o firme propósito do ideal pelo qual

aderiu ao movimento revolucionário:

De Santo Ângelo partiu o Tenente, Com sua tropa e só um legado, Sertão adentro, abrindo picadas, Imagem cravada e um lenço colorado(SANGUE, 2011,v.7-10).

No estribilho, o tema não foge dos demais cancionistas, perpetua o nome de

Tenente Portela na história. Os versos estão impregnados de características

conotativas, dando maior encanto e eficácia à canção gaúcha:

É marcha no tempo que avança em memória, Do jovem que sonha, pensa e realiza, Tenente Portela é nome na história, Coluna de sonhos que o tempo eterniza (SANGUE, 2011,v.11-15.

Conforme já foi pontuado nessa análise, Lima e Santos (2011) acentuam que

“o verdadeiro herói deve sempre lutar para estabelecer e garantir a ordem para pro-

teger a sua nação”(LIMA; SANTOS, 2011, p. 04). Desse modo, o compositor Puro

Sangue (2011) apresenta Tenente Portela como um jovem idealista, que vem para

modificar situações, resgatar um povo da escravidão, apregoar a mensagem revolu-

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cionária e estabelecer um novo reinado, eliminando qualquer tipo de ameaça preju-

dicial à população. E, mesmo que seu ideal tenha fracassado, culminando com a

morte, seu nome foi imortalizado pelo compositor:

Ecoa no vale do velho Rio Pardo, O grito de brado do jovem Tenente, Coluna de sonhos e a seus ideais, Fazendo trincheiras para seguir em frente. Pelos legalistas ele foi tombado, Manchando-se a Pátria verde e amarela, Parando a jornada, ficando na história, Hoje em cada jovem,é o Tenente Portela(PURO SANGUE, 2011, v.16-23).

Na letra do compositor Puro Sangue, como as demais canções dos

compositores gaúchos, observa-se a exposição de um sentimento único, partilhado:

o de caracterizar Tenente Portela como alguém de muita coragem, bravura e

lealdade, elevando-o a herói regional com importância histórica, social e cultural e

com laços de afeto com a comunidade rio-grandense. As estratégias e

procedimentos utilizados pelos compositores das canções tornam a letra poética,

carregada de lirismo, fato que intensifica o teor heroico do protagonista dessa

análise, pois os versos líricos, acompanhados de uma melodia enaltecedora, forte e

vibrante da maioria das músicas, corroboram para esteticamente criar essa imagem

de Tenente Portela.

Nesse sentido, percebe-se na expressão dos letristas e dos historiadores re-

gionais a ideia de perpetuar a imagem de Tenente Portela como herói através de um

estudo da realidade de vida, alargando o conhecimento das lições que deixou com

seu exemplo sem qualquer referência pejorativa ou negativa ao personagem. Não

há, nos objetos históricos e nas letras estudados, quaisquer referências que não se-

jam voltadas à idealização de Tenente Portela. Constata-se que os versos dos com-

positores produzidos no século XXI conservam os mesmos propósitos de idealiza-

ção da figura de Tenente Portela cultuados no século passado. Dessa forma, apesar

de uma distância temporal de produção dos objetos analisados, vê-se que a imagem

de Tenente Portela continua sendo preservada, objetivando a sua idealização, o que

de certa forma remonta também à criação de heróis tipicamente gaúchos, dando-se

vazão ao gauchismo presente na cultura do Estado.

A análise dessas canções evidenciou a forte relação entre a memória e a

história na construção do herói Tenente Portela, através da Literatura Comparada.

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Tanto a história regional quanto a letra das composições ora em análise

proporcionam uma união de ideias confluentes, garantem a eficácia do heroísmo de

Tenente Portela, agregam um forte cunho de verdade e naturalidade ao que está

sendo dito.

Assim, a maneira de agir, a atitude firme e corajosa, a luta por uma causa no-

bre diferenciou Tenente Portela dos demais, conforme propõem as letras e o discur-

so de historiadores, e então ele passou a ser considerado um herói pelos simpati-

zantes desta causa, principalmente pelos compositores, historiadores Regionais,

admiradores e engajados da música gauchesca. Essa pelo menos é a representa-

ção constituída no material historiográfico e nas canções analisadas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da pesquisa realizada, pode-se constatar que o viés desse estudo li-

mitou-se a analisar comparativamente as letras de canções regionais com o discurso

historiográfico regional sobre a construção do herói Tenente Portela através do mé-

todo da Literatura Comparada, sem esboçar análises acerca da composição musi-

cal. Desse modo, refletiu-se sobre as letras44 enquanto literatura, recorrendo a ele-

mentos da Literatura Comparada para construção da interpretação das letras das

canções selecionadas. Nesse sentido, visou-se a analisar de que maneira é constru-

ída a figura do herói Tenente Portela no discurso da História oficial e em letras de

canções, alusivos ao Evento da Coluna Prestes, ocorrido na primeira metade do sé-

culo XX, no Brasil a partir de um enfoque que dialoga a História e a Literatura, com-

preendendo que as letras são exemplos de literatura, o que possibilita uma interface

entre literatura e história no âmbito dos estudos de literatura comparada.

Nesse sentido, o discurso da história, que se limita ao recorte das três obras

que remontam a trajetória do Tenente Portela, permite observar que a imagem de

Tenente Portela, a vida exemplar como líder que tem muita autoridade e sabe con-

duzir, com educação, a liderança à frente do seu comando, mantém-se ressaltado

ao longo dos quarenta anos, após a primeira publicação de Jacó Beuren e apresen-

tada pelos demais historiadores. Isso aponta que o passar dos anos não alterou a

imagem de Tenente Portela na história regional; pelo contrário, a perspectiva dos

historiadores é confluente e salienta o heroísmo da figura de modo a colaborar para

a memória coletiva dos eventos históricos acentuem a bravura, a coragem e o e-

xemplo singular de Tenente Portela no Rio Grande do Sul. Tais referências permi-

tem inferir a ideia de heroísmo desse personagem singular na estrofe do Hino do

município de Tenente Portela/RS: “E na hora da verdade, Um Tenente segue em

frente, Legando o nome da cidade, Orgulho de nossa gente” (AGNOLETTO, 1987,

v.5-8).

Da mesma forma, as letras das canções apresentam somente qualidades do

protagonista, perpetuando a imagem da construção do mito heroico, Tenente Porte-

44

Homenagem especial a Mário Portela Fagundes, de Ari Fonseca; Coluna dos Sonhos, do Puro Sangue; Pinheirinho do Vale, do Xiru Missioneiro; Canto dos Bravos, de Tenente Zinhani; Tenente Portela, de Valdomiro Mello e Pinheirinho dos meus versos, de Valdomiro Maicá.

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la. Esses textos, direcionados a um público amplo, também estabelecem as mesmas

relações históricas e de formação de herói na cultura regional. As letras são, nessa

perspectiva, um instrumento que reforça, no imaginário popular, a figura exemplar de

Tenente Portela, o que se consolida também pelos eventos musicais que ampliam a

difusão das canções na comunidade regional.

Desse modo, surgiram muitos eventos para homenagear esse protagonista

pelas atitudes nobres que teve durante a sua vida, especialmente a participação no

Evento da Coluna Prestes. O local do confronto entre a retaguarda de Tenente Por-

tela com os legalistas, os soldados da força governista, no qual Tenente Portela foi

morto, localizado às margens do Rio Pardo, no município de Pinheirinho do Vale/RS.

Foi construído um memorial para os tombados, porém o túmulo de Tenente Portela

foi edificado em separado, por se destacar dos demais revolucionários, pelo seu es-

pírito de liderança. Pode-se, comprovar através dos mais diversos eventos, que, no

imaginário cultural, Tenente Portela é elevado a herói regional pela sua atuação, tan-

to na sua juventude, como estudante, em família e principalmente a sua atuação na

Coluna Prestes.

Esses eventos em torno da figura de Tenente Portela reforçam a ideia de he-

roísmo desse protagonista, tornando o fato cada vez mais notório entre a comunida-

de Regional que celebra anualmente o Canto dos Bravos, tornando viva a imagem

de Tenente Portela, o que o configura como um herói regional pela sua coragem de

lutar pelo despertar do Brasil.

O Memorial em homenagem a Tenente Portela, conforme ilustração 1, da pá-

gina 56 dessa análise, construído no meio da mata nativa, com trilhas ecológicas

que margeiam o Rio Pardo e o Rio Uruguai, recebe visitantes durante todo o ano de

toda a região como de estudantes, professores, historiadores e simpatizantes dessa

causa, algo que também acentua a presença heróica de Tenente Portela na comu-

nidade. No mês de março, na semana de aniversário do Município de Pinheirinho do

Vale, realiza-se o Evento “O Canto dos Bravos” para homenagear Tenente Portela,

especialmente pela atuação na Coluna Prestes. É também uma forma de, na cultura

regional, fortalecer os ideais de bravura e coragem de Tenente Portela.

Outro fato marcante que se pode destacar sobre a importância de Tenente

Portela foi a de representantes do Ministério Público e do Instituto do Patrimônio His-

tórico do Estado (IPHAE) no ano de 2011, os quais visitaram o jazigo de Tenente

Portela nas margens do Rio Pardo em Pinheirinho do Vale/RS para tornar o local

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Patrimônio Cultural do Estado do Rio Grande do Sul. Com efeito, em 2012 a admi-

nistração municipal de Pinheirinho do Vale criou a Lei Municipal nº 24/2012, que de-

clara como Patrimônio Histórico e Cultural o Monumento de Tenente Portela, situado

nas margens do Rio Pardo em Pinheirinho do Vale/RS. Em 2013, esse marco histó-

rico passou a integrar o Patrimônio Cultural do Estado do Rio Grande do Sul de a-

cordo com o Parecer IPHAE de nº 87/2013, publicado no Diário Oficial do Estado do

Rio Grande do Sul de oito de novembro de 2013. É plausível destacar que todas as

articulações feitas em torno da figura de Tenente Portela convergem para elegê-lo

como idealista, defensor dos menos privilegiados, o que novamente raqtifica a cele-

bração desse personagem como herói na comunidade local (Site da Prefeitura Mu-

nicipal de Pinheirinho do Vale/RS45).

A Cavalgada de Tenente Mário Portela Fagundes, criada pelo município de

Tenente Portela, ocorre todos os anos na semana do aniversário do município. A-

cende-se a chama crioula nesse memorial para rememorar àquele que legou o no-

me à cidade de Tenente Portela.

Outro movimento que cultua a memória de Tenente Portela é a Cavalgada da

Integração Sul Brasileira que, todos os anos, na Semana da Pátria, é organizada

com saída do Memorial de Tenente Portela, em Pinheirinho do Vale/RS. No memori-

al realiza-se o acendimento da chama crioula e prestam-se homenagens a Tenente

Portela por considerá-lo um idealista, que, segundo os historiadores regionais, “lutou

pelo despertar do Brasil” (BEUREN, 1969). No encerramento da cerimônia um sol-

dado entoa o “toque do silêncio”, em seguida a cavalgada percorre o caminho da

Coluna Prestes até Dionísio Cerqueira, Santa Catarina. Conforme entrevista realiza-

da com o Secretário do Desporto e Turismo de Pinheirinho do Vale, Sergio dos San-

tos:

a chama crioula que é acesa no memorial do Tenente Portela, visto como herói, percorre o caminho da Coluna Prestes, atravessa o Estado de Santa Catarina e vai até Barracão do Paraná. Após é distribuída e levada para ou-tros Estados do Brasil, sendo uma das cavalgadas mais importantes da Re-gião (SANTOS, 2013)

Os eventos em torno da figura de Tenente Portela fortalecem no imaginário

regional o heroísmo desse protagonista, que é cultuado com um mártir. Esse senti- 45

www.pinheirinhodovale.rs.gov.br

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mento vai se enraizando na cultura local através das canções e do discurso dos his-

toriadores que elevam Tenente Portela como um herói necessário ao povo brasileiro.

A ilustração 3 apresenta o momento do acendimento da chama crioula pelos inte-

grantes da Cavalgada da Integração Sul Brasileira.

ILUSTRAÇÃO 2 - Homenagem pela memória de Tenente Mário Portela Fagundes realizada pelos componentes da Cavalgada da Integração Sul Brasileira

Levando em conta a importância do Memorial de Tenente Portela, foi criado o

Canto dos Bravos em 2009, que, como já salientou-se nessa pesquisa, objetiva

resgatar a história de Tenente Portela. Além disso, faz parte dos eventos do

calendário do Estado do Rio Grande do Sul. É um espaço cultural no qual os

cantores gaúchos cantam músicas em homenagem a Tenente Portela, perpetuando

a imagem de herói desse militar. A cada ano que passa esse acontecimeno recebe

mais pessoas que passam a cultuar o herói Tenente Portela. Segue a divulgação do

evento:

ILUSTRAÇÃO 3 – Capa do fôlder - 3º Evento do Canto dos Bravos, do qual foram selecionadas as seis letras da canção dessa análise

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O evento do “Canto dos Bravos” conquista cada vez mais popularidade em

nível regional e nacional, pois há simpatizantes que vêm conhecer o marco histórico

presente no município de Pinheirinho do Vale/RS. São fatores que contribuem

também para salientar Tenente Portela como um herói a ser respeitado e

consagrado. Percebe-se também que a imagem de herói é cultuada também pelos

jovens pelo fato do grupo de trilheiros, em dois mil e doze, optarem pelo nome “Tri-

lheiros do Tenente” pelo espírito de idealismo e liberdade pregado pelo Tenente Por-

tela.

Nesse sentido, o imaginário coletivo e individual, através dos anos, instituiu a

figura de Tenente Portela como herói regional, dotado de características que o ele-

vam a uma representação extremamente positiva de seus feitos e de seu caráter.

Não se observam quaisquer referências a aspectos não idealizados e virtuosos de

Tenente Portela. Desse modo, configura-se a institucionalização do herói regional no

Rio Grande do Sul, através da história oficial, dos movimentos cívicos e culturais e

das letras das canções apresentadas pelos compositores citados nesta análise.

No que tange à canção gaúcha, reconhece-se a importância da musicalidade,

dos versos musicais das canções, ou seja, a melopeia da canção. Cabe ressaltar

que o viés desta pesquisa leva em consideração a melopoética, a análise literária

das letras dos compositores que elevam Tenente Portela a herói Regional, numa

comparação com a história regional através da Literatura Comparada, sem esboçar

análises acerca da composição musical. Assim refletiu-se sobre as letras enquanto

literatura num diálogo interdisciplinar com a história regional.

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Observou-se nessa análise a construção do herói Tenente Portela no discurso

da história Regional e na letra das canções da terceira edição do Canto dos Bravos

de Pinheirinho do Vale/RS, alusivos ao combate ocorrido entre a retaguarda de Te-

nente Portela da Coluna Prestes e os legalistas, em 1925.

Além disso, revisaram-se as produções literárias e da História em torno do he-

rói Tenente Portela na letra das canções gaúchas e na história oficial regional. Cons-

tatou-se a expressiva homenagem a Tenente Portela na história regional e nas can-

ções gaúchas, elevando o Tenente a herói da Revolução Tenentista. Constatou-se

que os letristas lançaram mão da linguagem figurada, fazendo uso frequente da me-

táfora para atribuir qualidades heroicas ao protagonista dessa análise. Já os histori-

adores fizeram uso da linguagem denotativa ao referir-se a Tenente Portela, ou seja,

usaram a palavra em seu sentido original para atribuir características louváveis a

Tenente Portela. Em ambos discursos, Tenente Portela e visto como um herói, o que

sinaliza que tanto o leitor mais maduro, que certamente é o público-alvo dos textos

dos historiadores, quanto o leitor mais geral, notabilizado pelos apreciadores das

canções do festival “Canto dos Bravos”, são incentivados a ver Tenente Portela co-

mo um exemplo a ser seguido.

Destacaram-se também os movimentos em torno do marco histórico, o memo-

rial em homenagem a Tenente Portela, entre eles a Cavalgada da Integração Sul

Brasileira, Cavalgada do Tenente Mário Portela Fagundes, Trilheiros do Tenente, e

O Canto dos Bravos, terceira edição, para o qual as canções foram compostas nes-

se sentido, evidenciou-se a relevância deste fato histórico para a Região no que

tange à cultura regional, que contribui significativamente para os estudos da literatu-

ra regional. De forma análoga, o compositor Fonseca, em seus versos, busca a valo-

rização da memória regional, a figura de Tenente Portela “O Canto dos Bravos que

nunca se cale, Pinheirinho do Vale cada vez mais se expande, Coluna Prestes com

Mário Portela, e o grito da guela, levante Rio Grande” (FONSECA, 2011, v. 17-20).

Os dados aqui analisados, que relacionou as letras das canções ao discurso

da história oficial, é uma contribuição às pesquisas realizadas na área de Letras.

Averiguou-se que há pesquisas sobre canção de vários gêneros musicais, porém

este estudo sobre a canção gaúcha regional é pioneiro, sendo inédito na linha de

pesquisa da Literatura Comparada no programa de Mestrado em Letras da URI, já

que é o primeiro trabalho de dissertação a elencar letras de canções como objeto de

pesquisa e também o primeiro a se ocupar em, a partir de textos da história oficial

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regional (livros que remontam a historiografia de Tenente Portela), refletir sobre uma

representação singular desse personagem. Nesse sentido, perpetra-se um estudo

aprofundado em torno das criações artísticas, como as letras de canções gaúchas,

que apresentam Tenente Portela como personagem histórico, comparando-as com o

discurso oficial apresentado em manuais da historiografia regional rio-grandense.

Salienta-se que, a partir das canções e da história regional analisadas,

poderia ser realizado um estudo mais aprofundado e determinar métodos e

estratégias recorrentes de persuasão dos escritores e letristas para compor a

imagem heroica de Tenete Portela, num trabalho focado nas particularidades

liguísticas das obras literárias e historiográficas. Ainda seria possível analisar o viés

da melopéia que sinaliza para um estudo profícuo na canção gaúcha, podendo

enriquecer as análises, fundindo letra e música.

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ANEXO A - LETRAS DAS MÚSICAS DO CANTO DOS BRAVOS - 3ª EDIÇÃO – PINHEIRINHO DO VALE/RS

Homenagem especial a Mário Portela Fagundes Ari Fonseca Estrebilho Quem são estes homens que vem cavalgando, Quem são estes homens que vem cavalgando, /: A Coluna Prestes vem se aproximando, Tenente Portela que vem comandando:/ 1- Ecoa entre os homens de sangue nas veias A grande peleia por um ideal, /: o Canto dos Bravos abrindo a cancela, Tenente Portela, herói imortal :/ 2- Na costa do Rio Pardo, com a tropa cansada, Última pousada o filho pelotense /: Ali sua campa rodeada de glória, Seu nome na história do chão riograndense :/ 3- Seu Luís Carlos Prestes conte pra o Tenente, Que hoje tua gente tem (ais) de verdade, /: E graças a luta deste povo teu, Pinheirinho cresceu, é uma linda cidade :/ 4- O Canto dos Bravos que nunca se cale, Pinheirinho do Vale cada vez se expande, /: A Coluna Prestes com Mário Portela, E o grito na guela, levante Rio Grande :/. Tenente Portela Valdomiro Mello 1- Tenente Portela, a sua história, Sempre na memória do povo é imortal, Um bravo herói que morreu tão novo, Defendendo o povo, injustiça social, Há poucos metros do Rio Uruguai, Do Rio Pardo cai rumo a Porto Feliz, /: Pinheirinho do Vale a batalha final, Ficou o memorial de um herói do país :/

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2- Ao povo canto com honra e moral, Que o chão Nacional necessita de agora, Precisaria retornar de novo, Lutar pelo povo, Portela de outrora De Sul a Norte, de Leste a Nordeste, De Luís Carlos Prestes foi braço direito, /: Num triste combate fechou-se a cancela, Tombava Portela ferido no peito :/ Na sombra das pitangueiras, Seu corpo foi sepultado, Descansa o herói sagrado, Nesta pátria brasileira, Que orgulhou nossa bandeira Com honra e dever cumprido, Lamento assim ter morrido, Este bravo sentinela, E que outro Mário Portela, Nunca mais tenha surgido. 3- Falavam que Prestes foi um mal feitor, Não foi não senhor, foi um justiceiro, Sincero e honesto, corajoso e crítico, De falsos políticos no chão brasileiro, Tenente Portela, antiga Paris, Deixou uma raiz de fibra e coragem, /: Por merecimento e dignidade Ganhou a cidade em sua homenagem:/ 4- Ao bravo Portela foi minha mensagem, De lindas paisagens é bom que se fale, De braços abertos pra lhe receber, Venha conhecer Pinheirinho do Vale. 5- O Canto dos Bravos sai todos os anos, Artistas pampianos voltam novamente, Talentos da gaita, do canto e do pinho, Recebe o carinho do povo presente. Pinheirinho do Vale Xiru Missioneiro 1- Meu vale de sonhos, de tantas belezas, Que a mãe natureza nos emoldurou, Hastes verdejantes de lindas fontes, E a luz do horizonte nos mergulhou. 2- Nos bosques floridos, tão colorido, Um jeito tão lindo deslumbrando cor,

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Pássaros cantando, alvorada festiva, Da lição pra vida pro resto do mundo Pássaros cantando, alvorada festiva, Da lição pra vida pro resto do mundo. Estrebilho: Pinheirinho do Vale, que no verso ressalvo, O Canto dos Bravos, do chão renascer, /:Tua alma de Pampa, te retrata e estampa, No coração de cada filho teu.:/ 3- Pequena gigante, cidade encantada, Pelos rios banhada, que vem e que vai, O lago Rio Pardo se sente enciumado, Dividindo espaço com o Rio Uruguai. 4- Tenente Portela Fagundes sabia, Tua força bravia, teu jeito cordial, Se no céu existe o grande paraíso, Pois aqui na terra temos outro igual. 5- Pequena gigante, cidade encantada, Pelos rios banhada, que vem e que vai, O lago Rio Pardo se sente enciumado, Dividindo espaço com o Rio Uruguai. Pinheirinho dos meus versos Valdomiro Maicá 1- Do berço altivo de imigrantes deste chão, Bem onde o sol vem acordar a esperança, Um canto bueno de Pinheirinho do Vale, Terra Divina onde a paz fez sua crença. As travessias feitas no Rio Uruguai, Bravo pinheiro que serviu para orientar, /:Com alemães, portugueses e italianos, Surge o povoado com amor pelo seu lugar.:/ Estrebilho: /:Meu Pinheirinho forte e bravo altaneiro, Hoje te canto qual o filho que te abraça, Dentro do peito, levo junto comigo, Tua lembrança, tua história, minha raça.:/ 2- Também foi palco de lutas tão sangrentas,

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Onde Portela, o Tenente foi tombado, Mas que as peleias, um dia foram tantas, Hoje a história é quem vai te exaltar. Toda paisagem foi se transformando, Pra ser querência desta buena gauchada, /:É a mãe terra com origem tão marcante, De uma gente valorosa e abençoada :/ Canto dos Bravos Tenente Zinhani Estreb: Nesta terra de bravos, De lança, daga e cavalo, Defendem do nosso pago. 1- Terra charrua, Com raça, fibra e destemor Foi criando nesta terra O povo de paz e amor, Que ama e defende este pago, Com honras de peleador. 2- Deve-se temer a morte, Em muitas batalhas sangrentas, Tombaram em cachoeiras, Heróis de muitas querências, Defendem a nossa terra, Os ideais de fronteiras. 3- Aqui em Pinheirinho do Vale, Nas margens do Rio Pardo, É solo sagrado dos cabras, Dencansam lá dentro os soldados, Tenente Mário Portela, E seus fiéis legionários. Coluna dos Sonhos Puro Sangue Contra o voto de acabresto, E as demandas do poder, Vale à pena se erguer, Em revolta regoluta, Mesmo que eu penso que esta luta, Seja matar ou morrer.

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1- De Santo Ângelo partiu o Tenente, Com sua tropa e só um legado, Sertão adentro, abrindo picadas, Imagem cravada e um lenço colorado. Estreb É marcha no tempo que avança em memória, Do jovem que sonha, pensa e realiza, Tenente Portela é nome na história, Coluna de sonhos que o tempo eterniza. 2- Ecoa no vale do velho Rio Pardo, O grito de brado do jovem Tenente, Coluna de sonhos e a seus ideais, Fazendo trincheiras para seguir em frente. 3- Pelos legalistas ele foi tombado, Manchando-se a Pátria verde e amarela, Parando a jornada, ficando na história, Hoje em cada jovem,é o Tenente Portela.

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ANEXO B - HINO DE TENENTE PORTELA-RS

Hino de Tenente Portela-RS Compositor: Cesar Martin Agnoletto Lei Municipal número: 090/87 Prefeito Municipal: Odilo Gabriel

Os índios e imigrantes Que lutaram com bravura, Plantando no solo raízes Para uma geração futura. E na hora da verdade Um Tenente segue em frente Legando o nome da cidade Orgulho de nossa gente Estribilho: Tenente Portela avante Com progresso e nobreza Tenente Portela encante O Rio Grande com beleza Majestoso Yucumã Que aos céus se estampa Brota na alma do povo Fruto de nova esperança. E entre matas e coxilhas, Colhemos nossas riquezas E as vozes com fervor Exaltam tua grandeza Estrib. Cidade de grandes eventos De legado imortal Tenente Portela “semblante” Fruto de nosso ideal. O Rio Uruguai demarca Os povos em igualdade Irmanando continentes Com razões de liberdade. E ao retornarmos pro rancho Ao matear de cada dia, Vivamos com alegria Unidos numa grande partilha. Assim como o sol brilha E a sombra nos dá o abrigo Ai viveremos todos amigos Formando uma grande família.

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ANEXO C – POESIA COMPOSTA PELO PADRE CLAUDIR MIGUEL ZUCHI PARA

A MISSA CRIOULA DA 5ª. EDIÇÃO DO CANTO DOS BRAVOS, 2013, DE PI-NHEIRINHO DO VALE/RS.

1 Nesta missa bem crioula Queremos rezar irmanados, Neste recanto do Estado Com muito respeito e carinho. Trilhando firme o caminho Cultivando nossa cultura Enaltecendo a bravura Neste chão, que é Pinheirinho. 2 Terra que tem a sua história Lembrança dos antepassados, Cada um traz o legado Seu brio forte na essência. Que a divina providência Abençoe toda sua gente Dando saúde e paz como presente Em mais um ano de existência. 3 Se lutamos por liberdade Não queremos ser escravos, E neste canto dos bravos Brindamos à cordialidade. Semeamos a fraternidade Como o Patrão do céu ensinou Deu o exemplo e semeou Para toda a humanidade. 4 Neste marco que hora estamos Uma luta foi travada, Com tiros, lanças e espada Que triste lembrança nos traz. Está escrito nos anais Historiadores do passado Muito sangue foi derramado Em defesa dos ideais. 5 Mas se ouvirmos bem o evangelho De Jesus, que é bom tropeiro, Que para o bem também foi guerreiro Dos humildes um defensor. Se a humanidade ouvisse o seu clamor Teria muito mais paz nesta terra Não existeria tantas guerras Somente respeito e amor. 6 Ele também pagou caro Pelos seus ensinamentos, Teve enorme sofrimento Crucificaram o próprio Jesus. Mas se seguirmos a sua luz De nada devemos temer A única arma a nos defender Será sempre a SANTA CRUZ.

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7 Por isso patrícios amigos Presentes nesta solenidade, Gente de fibra e lealdade É um momento de emoção. Os acordes da gaita e do violão Faz ecoar nas canhadas é a fé e o amor desta gauchada Pela nossa tradição. 8 Peço ao nosso Pai o Criador E a Virgem Maria, primeira prenda do céu, Cubra-nos com seu véu E muita saúde nos mande. Que essa nossa cultura se expande Num simbolismo de paz E ao São Pedro,nosso capataz. Que vigie este nosso Rio Grande.