Tentativa de Burlar Direitos Trabalhistas Se Manteve No Decurso Da História

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Tentativa de burlar direitos trabalhistas se manteve no decurso da história. Entrevista especial com Graça Druck “O que os deputados defensores do PL 4330 não dizem é que liberar a terceirização vai inverter completamente a relação, pois poderá atingir não os atuais estimados 17%, mas 80 ou 90% dos trabalhadores brasileiros”, adverte a socióloga. Depois da aprovação do PL 4330 na Câmara dos Deputados, no início do mês, no dia 16-04-2015, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu o futuro do Direito Administrativo e da Administração Pública Brasileira, autorizando que a gestão de serviços públicos, a exemplo da administração de escolas públicas, universidades estatais, hospitais, museus, poderá ser administrada por associações e fundações privadas qualificadas como “organizações sociais”. A decisão está sendo criticada, inclusive no âmbito acadêmico, já que a partir da normativa do STF, as universidades federais não precisam mais realizar concurso público para contratar novos professores. Entre os pesquisadores contrários à medida, Graça Druck explica que, nas áreas em que a gestão dos serviços públicos já vem sendo feita pelas Organizações Sociais, como na área da saúde, as pesquisas “têm mostrado o quanto esse tipo de contrato precariza o trabalho e leva à perda de qualidade nos serviços prestados à sociedade”. Conforme a medida for estendida às universidades, pontua, “isto vai levar ao fim dos concursos públicos para professores e funcionários técnico-administrativos. Os resultados serão catastróficos para o ensino, a pesquisa e a extensão produzidos nas universidades. Atualmente, só Foto: fmauriciograbois.org.br

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Tentativa de burlar direitos trabalhistas se manteve no decurso da histria. Entrevista especial com Graa Druck O que os deputados defensores do PL 4330 no dizem que liberar a terceirizao vai inverter completamente a relao, pois poder atingir no os atuais estimados 17%, mas 80 ou 90% dos trabalhadores brasileiros, adverte a sociloga.

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Depois da aprovao do PL 4330 na Cmara dos Deputados, no incio do ms, no dia 16-04-2015, o Supremo Tribunal Federal STF decidiu o futuro do Direito Administrativo e da Administrao Pblica Brasileira, autorizando que a gesto de servios pblicos, a exemplo da administrao de escolas pblicas, universidades estatais, hospitais, museus, poder ser administrada por associaes e fundaes privadas qualificadas como organizaes sociais. A deciso est sendo criticada, inclusive no mbito acadmico, j que a partir da normativa do STF, as universidades federais no precisam mais realizar concurso pblico para contratar novos professores.Entre os pesquisadores contrrios medida, Graa Druck explica que, nas reas em que a gesto dos servios pblicos j vem sendo feita pelas Organizaes Sociais, como na rea da sade, as pesquisas tm mostrado o quanto esse tipo de contrato precariza o trabalho e leva perda de qualidade nos servios prestados sociedade. Conforme a medida for estendida s universidades, pontua, isto vai levar ao fim dos concursos pblicos para professores e funcionrios tcnico-administrativos. Os resultados sero catastrficos para o ensino, a pesquisa e a extenso produzidos nas universidades. Atualmente, s possvel produzir conhecimento na universidade quando h dedicao exclusiva dos professores da carreira, que tm estabilidade para desenvolver as pesquisas. Com o fim dos concursos e da carreira, ficaro professores das organizaes sociais, com contratos por tempo determinado, sem qualquer vnculo com o funcionalismo pblico. Ser uma forma de intermediao de mo de obra precarizada. E enfatiza: Isto representa um golpe na educao pblica do pas, num contexto em que a palavra de ordem do atual governo Ptria Educadora.Na entrevista a seguir, concedida IHU On-Line por e-mail, Graa Druck faz uma anlise histrica do surgimento da CLT e explica que, embora ela tenha representado, poca de seu surgimento, uma estratgia poltica e ideolgica de Getlio Vargas, ela incorporou um conjunto de direitos sociais e trabalhistas reivindicados pela classe trabalhadora. Contudo, pontua, estudos mostram, desde aquele momento, que a reao do empresariado brasileiro foi a de no aceitar, no aplicar, de burlar e condenar o enrijecimento dessa legislao. Esse comportamento, esclarece, que se manteve no decurso da histria no diferente do que estamos presenciando no Congresso Nacional, com a votao do PL 4330, no STF com a liberao da terceirizao no servio pblico, nas 101 propostas de modernizao trabalhista da CNI, cuja principal proposta estabelecer o negociado sobre o legislado, ou seja, o fim da CLT.Graa Druck doutora em Cincias Sociais pela Universidade de Campinas Unicamp, com ps-doutorado na Universidade de Paris XIII, Frana. Leciona Sociologia na Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal da Bahia.Confira a entrevista.

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IHU On-Line - Depois de 10 anos de tramitao do PL 4330 na Cmara, em que contexto histrico, poltico e social se d aprovao do PL na Cmara dos Deputados? Quais so, na sua avaliao, as motivaes que levaram a essa aprovao?Graa Druck - Estamos vivendo um contexto poltico muito difcil e, depois do golpe de 64 e do perodo da ditadura militar, penso que o atual momento um dos mais perigosos para a democracia brasileira e para o conjunto dos trabalhadores, pois estamos diante de um movimento ou de uma onda extremamente conservadora, que ameaa direitos, conquistas e avanos sociais, procurando golpear instituies tpicas da democracia, desmoralizando-as e desrespeitando-as. Exemplo disso o prprio Congresso Nacional, onde foi votado o PL 4330. Um Congresso de maioria conservadora, cujos deputados votam sem conhecer e outros defendem, de forma cnica, a mando dos empresrios que financiaram sua eleio, que o PL 4330 vai legalizar ou garantir direitos para 12 milhes de trabalhadores terceirizados hoje no pas.Ora, esse nmero foi estimado por alguns estudos (do Dieese e CUT), nos segmentos formais da economia. No esto includos a os que esto sem contrato e sem carteira, ou seja, sem qualquer proteo trabalhista. O que os deputados defensores do PL 4330 no dizem que a liberao da terceirizao vai inverter completamente a relao, pois poder atingir no os atuais estimados 17%, mas 80 ou 90% dos trabalhadores brasileiros. O que explica a aprovao agora, depois de vrias tentativas sem sucesso, especialmente nos ltimos dois anos, por conta das lutas e campanhas levadas por um conjunto de instituies da sociedade (sindicatos, centrais, direito do trabalho, juristas, advogados, pesquisadores, etc.), essa conjuntura desfavorvel e a nova composio do Congresso Nacional, que reflete a onda conservadora.IHU On-Line - Como chegamos a esse momento? O que est acontecendo no Brasil, que viabilizou a aprovao do PL num governo que tem, teoricamente, como pano de fundo, pautas dos trabalhadores, como o nome do partido sugere?Graa Druck - O governo atual de Dilma Rousseff, que venceu as eleies, contou com o apoio de amplos segmentos dos trabalhadores brasileiros e de suas principais organizaes polticas. Mas tambm foi fruto de alianas partidrias, a chamada base aliada, cujos acordos refletem uma postura conservadora, expressa na formao do novo ministrio. Considero que a composio do governo j anunciava o que hoje est se presenciando: a defesa de um ajuste fiscal pela presidente e seus apoiadores como nica alternativa para fazer frente a um novo quadro da economia internacional, que tem freado o crescimento econmico. Neste plano, penso que os governos do PT fizeram uma opo e se tornaram refns de uma inexorabilidade da globalizao e da financeirizao econmica, sem buscar romper com a insero subordinada do pas nesse processo.Ao mesmo tempo, o PT perdeu base social, se distanciou dos trabalhadores, foi envolvido em processos desgastantes, como o chamado mensalo e, mais recentemente, o caso da Petrobras. Isto se refletiu sobre o tamanho das bancadas no Congresso. Vivemos uma situao de grande fragilidade do governo e do partido da presidente, onde se evidenciam conflitos internos e com a sociedade organizada, a exemplo da Central nica dos Trabalhadores, que no pode mais manter uma defesa cega do governo Dilma, sem criticar o ajuste fiscal e as medidas que implicam perda de direitos como as medidas provisrias 664 e 665, que alteram as regras da concesso de benefcios previdencirios e trabalhistas, entre eles a concesso do seguro-desemprego. um quadro difcil e com muitas contradies, idas e vindas, avanos e retrocessos num curto espao de tempo, vide o que ainda est ocorrendo na votao das emendas do PL 4330."Os governos do PT fizeram uma opo e se tornaram refns de uma inexorabilidade da globalizao e da financeirizao econmica, sem buscar romper com a insero subordinada do pas nesse processo"

IHU On-Line - O que a aprovao do PL 4330 na Cmara dos Deputados indica sobre quais sero os rumos do trabalho no Brasil?Graa Druck - Veja, a aprovao do PL 4330 gerou uma repercusso que no era esperada. Canalizou as atenes dos mais diferentes segmentos da sociedade. Virou pauta central de toda a imprensa. E o mais importante, gerou muita resistncia, crtica e mobilizao. As manifestaes, inclusive com paralisaes, do dia 15 de abril em todo o pas conseguiram impactar o Congresso, que no conseguiu dar continuidade votao das emendas. H deputados que mudaram sua votao. H partidos que recuaram de suas posies.Est ocorrendo uma certa disputa entre a Cmara e o Senado, entre o prprio PMDB. H ainda um processo de negociao com o governo que, diga-se de passagem, desnudou atravs da proposta do Ministro da Fazenda para que as empresas contratantes pagassem diretamente os encargos trabalhistas ao governo, para que no perdesse arrecadao o quanto a terceirizao sonegadora dos direitos dos trabalhadores. Pois bem, considerando que aps a votao na Cmara ainda vai ao Senado, cujo presidente afirmou que a terceirizao que retira direitos no passa naquela casa, e vai para a presidente da Repblica, que pode vetar o projeto, ainda no est definido o quadro. Se as mobilizaes continuarem podem ainda impedir que o centro do PL 4330 seja aprovado.IHU On-Line - A terceirizao um fenmeno mundial?Graa Druck - Sim. Na forma como vem se desenvolvendo parte da reestruturao produtiva e da toyotizao como forma de gesto do trabalho, onde as redes de subcontratao/terceirizao so elemento central, embora existam especificidades em cada pas, por conta da fora do movimento sindical e das formas de regulao do Estado. Num quadro em que a economia est comandada pela lgica financeira sustentada no curtssimo prazo, as empresas buscam garantir seus altos lucros, exigindo e transferindo aos trabalhadores a presso pela maximizao do tempo, pelas altas taxas de produtividade, pela reduo dos custos com o trabalho e pela volatilidade nas formas de insero e de contratos. o que sintetiza a terceirizao, que como nenhuma outra modalidade de gesto, garante e efetiva esta urgncia produtiva determinada pelo processo de financeirizao ao qual esto subordinados todos os setores de atividade, j que so tambm agentes e scios acionistas do capital financeiro.IHU On-Line - A sua tese de doutorado, defendida em 1995 e publicada em livro em 1999, j chamava ateno para o processo de terceirizao no mercado de trabalho e teve como ttulo Terceirizao: (Des)Fordizando a Fbrica. Que anlise faz do processo de terceirizao no Brasil nesses ltimos 20 anos? O que mudou no mercado de trabalho ao longo desse tempo, considerando a ampliao da terceirizao?Graa Druck - Este livro analisou resultados de uma pesquisa realizada no Polo Petroqumico de Camaari, que cobriu o universo das fbricas no incio dos anos 1990, onde a terceirizao j era uma realidade. Dez anos depois (2005), realizamos outra pesquisa no Polo, cujos resultados foram publicados no livro A Perda da Razo Social do Trabalho: terceirizao e precarizao, pela Boitempo, organizado por mim e por Tnia Franco. Nesse perodo j se constatava um crescimento vertiginoso da terceirizao na indstria petroqumica, atingindo setores nucleares das fbricas, a exemplo da manuteno e mesmo operao, o que mudava eram as novas formas utilizadas: cooperativas, pejotizao, ONGs, empresa filhote.Os diversos setores pesquisados nos anos 2000 bancrios, call centers, petroqumico, petroleiro, construo civil, alm das empresas estatais ou privatizadas de energia eltrica, comunicaes e dos servios pblicos de sade e educao revelam, alm das estatsticas que indicam o crescimento da terceirizao, as mltiplas formas de precarizao dos trabalhadores terceirizados em todas estas atividades: nos tipos de contrato, na remunerao, nas condies de trabalho e de sade e na representao sindical. Retratam uma evoluo que eu caracterizo como uma epidemia da terceirizao, no quadro de uma precarizao social do trabalho que atinge todas as atividades e todos os segmentos de trabalhadores, mesmo que de forma hierarquizada.Todas as pesquisas mostram o binmio indissocivel entre terceirizao e precarizao, pois ela a terceirizao a principal forma de flexibilizar e precarizar o trabalho hoje. E observe que este crescimento ocorre num quadro de regulamentao atravs do Enunciado 331 que probe a terceirizao na atividade-fim, um limite que no impediu a epidemia. Imagine agora se aprovado na ntegra a essncia do PL 4330, que libera totalmente a terceirizao.IHU On-Line - J possvel vislumbrar se com a aprovao da lei da terceirizao haver impactos para a CLT? Que impactos seriam esses?Graa Druck - Considero que o principal impacto poltico. Isto significa que a vitria do empresariado neste Projeto de Lei a liberdade conquistada pelo capital para precarizar legalmente o trabalho, pois o Estado passa a permitir essa situao. Ora, todas as manifestaes de empresrios e de suas instituies (a CNI, as federaes estaduais, os seus representantes no Congresso Nacional, etc.) defendem o fim da CLT, criticando-a como antiga, atrasada, rgida e que impede a modernidade das relaes trabalhistas. Leia-se: impede a flexibilidade para o capital ou a liberdade de fazer o que quiser com os trabalhadores, sem o limite de regulao pelo Estado, onde a livre negociao entre patres e empregados seria a soluo.Num quadro de fragilizao e fragmentao dos trabalhadores, com sindicatos fracos, sem organizao ou at mesmo de fachada, d para entender a desfavorvel relao de foras que se estabeleceria. Em sntese, o avano dessa ofensiva patronal pela liberao da terceirizao e contra os direitos estabelecidos pela CLT est questionando na essncia a existncia do Direito do Trabalho e pode, se vitoriosa, impor o seu fim enquanto um direito fundamental que nasceu atravs do reconhecimento da assimetria e desigualdade entre capital e trabalho na sociedade capitalista."Vargas conseguiu destruir os sindicatos livres, quando imps que os direitos definidos pela CLT s seriam vlidos para os trabalhadores cujos sindicatos fossem os oficiais, ou seja, criados pelo governo"

IHU On-Line - Quando surgiu a CLT, tericos que estudavam o mundo do trabalho a criticavam na tentativa de ampliar direitos e reduzir a jornada. Como entender essa total reverso nos dias de hoje, em que a defesa da CLT parece ser a nica alternativa para os trabalhadores? Nesse sentido, como v as crticas que foram feitas CLT poca? Essas crticas ainda so vlidas ou a CLT se transformou, de fato, no instrumento de garantia de direitos dos trabalhadores?Graa Druck - A discusso e as anlises sobre a CLT na sua origem no a condenam, mas explicam que ela representou a estratgia poltica e ideolgica de Getlio Vargas poca. Por um lado, ela incorporou um conjunto de direitos sociais e trabalhistas reivindicados pela classe trabalhadora, a exemplo do descanso semanal remunerado, frias, 13, estabilidade, proibio do trabalho do menor, que foram apresentados como uma doao de Vargas aos trabalhadores, no contexto de uma ideologia trabalhista ou trabalhismo construda por ele e seus ministros.No centro dessa ideologia, estava o no reconhecimento de que esses direitos eram aqueles pelos quais os trabalhadores lutavam desde o pr-1930. Da a ideia do mito da doao ou o roubo da fala, de que falam Angela de Castro Gomes e Adalberto Paranhos, estudiosos desse momento histrico, dentre outros. Por outro lado, a CLT imps a regulamentao dos sindicatos pelo Estado, condenando o sindicalismo livre construdo at ento, e criando uma estrutura sindical incorporada ao Estado, que os definia como rgos de conciliao de classe e que passam a funcionar como parte do aparelho estatal sob total controle do governo.Apesar das resistncias do movimento operrio a essa regulao, Vargas conseguiu destruir os sindicatos livres, quando imps que os direitos definidos pela CLT s seriam vlidos para os trabalhadores cujos sindicatos fossem os oficiais, ou seja, criados pelo governo. sobre essa questo central da CLT que a crtica dos estudiosos e de segmentos do movimento sindical se voltou.No que se refere ainda aos direitos estabelecidos pela CLT, estudos mostram, desde aquele momento, que a reao do empresariado brasileiro foi a de no aceitar, no aplicar, de burlar e condenar o enrijecimento dessa legislao. Luiz Werneck Vianna, outro estudioso desse processo, mostra, atravs de documentos das instituies empresariais ou de declaraes de empresrios, que mesmo antes da CLT, no perodo anterior a 1930, no debate sobre a implantao de leis trabalhistas especficas (a exemplo do direito a frias e da proibio do trabalho do menor), estas foram condenadas e criticadas pelo empresariado, que por muitos anos resistiram sua aplicao. Esse foi um comportamento que se manteve no decurso da histria no Brasil e que no difere do que hoje estamos presenciando no Congresso Nacional, com a votao do PL 4330, no STF, com a liberao da terceirizao no servio pblico, nas 101 propostas de modernizao trabalhista da CNI, cuja principal proposta estabelecer o negociado sobre o legislado, ou seja, o fim da CLT.IHU On-Line - Que categorias ou que perfil de trabalhadores devem ser prejudicados por conta da terceirizao?Graa Druck - Todos os trabalhadores sero prejudicados, sem exceo. Mesmo que de forma diferenciada, como j se constata hoje. Associar os trabalhadores terceirizados apenas aos que tm menor qualificao no corresponde realidade. Isso vale tanto para a indstria como para os servios. Isto , h atividades complexas de manuteno, na rea de tecnologia da informao, logstica, etc. que empregam trabalhadores com alta qualificao, atravs de contratos de prestao de servios, cooperativas, consultorias. Todos sem vnculo e sem direitos. Um caso exemplar na rea de sade, com os mdicos, enfermeiros; ou na rea jurdica, no caso dos advogados. Todos profissionais que vivem em condies extremamente precrias porque so terceirizados, sem emprego e com jornadas de trabalho sem limites.IHU On-Line - Alguns socilogos apontam para precarizao da terceirizao em relao s mulheres, considerando que elas tm salrios inferiores aos dos homens. Que impactos prev em relao ao trabalho feminino?Graa Druck - Considero que a terceirizao precariza o trabalho dos homens e das mulheres. O que existe uma desigualdade estrutural entre o trabalho feminino e masculino imposto pela diviso sexual do trabalho. Assim, as mulheres continuaro em condies mais precrias dos que os homens, aprofundando essa situao com a liberao da terceirizao."Todos os trabalhadores sero prejudicados, sem exceo"

IHU On-Line - Um dos pontos polmicos do PL 4330 a permisso da terceirizao na atividade-fim. A partir disso, se aponta para a ampliao do nmero de trabalhadores como pessoas jurdicas.Graa Druck - O PL 4330 libera a terceirizao para qualquer tipo de atividade, ou seja, nenhuma diferenciao entre atividade-meio e atividade-fim, como hoje estabelecido pelo Enunciado 331; isto , qualquer atividade, inclusive aquela que prpria ou especialidade da contratante, caindo por terra o (falso) argumento do patronato de que uma das principais justificativas para a terceirizao a especializao ou focalizao.Mas tambm libera e legaliza a cascata de subcontratao, o que tem sido objeto de denncia e de fiscalizao do Grupo Mvel de Erradicao do Trabalho Escravo, criado pelo Ministrio do Trabalho e Emprego - MTE, formado por auditores fiscais, procuradores do Ministrio Pblico do Trabalho - MPT e da Polcia Federal - PF. Pois exatamente atravs da ilimitada cadeia de subcontratao que se encontra o uso do trabalho anlogo ao escravo, conforme divulgado na imprensa e pelo MTE, para o setor txtil, construo civil, agronegcios, dentre outros.Uma das principais propostas para pr algum limite terceirizao, defendida pela maioria dos sindicatos e agentes do direito do trabalho a responsabilidade solidria , negada pelo PL, para as empresas contratantes, mas defende para o caso das terceiras que subcontratarem outras empresas. Ou seja, vlida para as empresas menores e subordinadas s contratantes que, teoricamente, estabelecem uma relao contratual entre empresas, mas no aceita que a mesma relao contratual realizada entre a contratante e a contratada, isto , tambm entre empresas, estabelea a responsabilidade solidria.Em sntese, no s a questo da atividade-fim, embora esta seja fundamental.IHU On-Line - Outro ponto polmico acerca dos riscos da terceirizao o fim das convenes coletivas. Contudo, no ano passado, os garis do Rio de Janeiro conseguiram um aumento salarial histrico s margens do sindicato. Por outro lado, com a terceirizao, j se sabe que a categoria dos bancrios, por exemplo, foi em certa medida desmantelada. Que cenrios vislumbra em relao s convenes coletivas?Graa Druck - Um dos efeitos polticos mais importantes da terceirizao a fragmentao dos coletivos de trabalho e a pulverizao dos sindicatos. Fraciona e discrimina, cria trabalhadores de primeira e de segunda categoria, incentiva a concorrncia entre eles e seus sindicatos. Ou seja, essa fragilizao repercutir fortemente nas convenes coletivas, pois a fora dos trabalhadores ser menor. Isto, sem dvida, exigir outras estratgias de organizao dos trabalhadores para alm do modelo sindical existente. As direes sindicais tm que se repensar, redefinir suas aes. Especialmente o lugar que ocupa a negociao com os patres. Penso que as formas mais hegemnicas de atuao sindical, hoje, precisam ser reinventadas."Se as mobilizaes continuarem, podem ainda impedir que o centro do PL 4330 seja aprovado"

IHU On-Line - Com a aprovao do PL 4330, como ficam as demais pautas acerca da reduo da jornada de trabalho, licena-maternidade de seis meses, licena-maternidade para os pais, ampliao de direitos?Graa Druck - At a aprovao final do PL 4330, ainda temos um caminho a ser percorrido. E acho que a atuao dos sindicatos e demais segmentos contrrios precisa continuar na linha do que foi feito nas mobilizaes nacionais do dia 15 de abril. Ir s ruas, denunciar os parlamentares, paralisar as atividades, amplificar a resistncia. Isso possvel, se acreditarmos na fora do movimento social e no limitarmos a atuao atravs da negociao. Pois apenas negociar numa conjuntura de ofensiva do capital e de foras de direita no pas , para dizer o mnimo, perigoso. Por isso a mobilizao fundamental. Isso vale para a defesa de todos os demais direitos dos trabalhadores.IHU On-Line Depois da aprovao do PL 4330, como avalia a deciso do STF de liberar a terceirizao nas reas sociais do Estado, sinalizando o fim do concurso pblico?Graa Druck - Por fim, mas no menos importante, quando ainda estava respondendo as questes dessa entrevista, fui (fomos todos) surpreendida com a deciso do STF que decidiu liberar a terceirizao nas reas sociais do Estado, ou seja, permite o fim dos concursos pblicos para contratao de pessoal. Esta uma deciso aps 17 anos, quando foi movida uma Ao Direta de Inconstitucionalidade - Adin contra as Organizaes Sociais - OS no servio pblico. Esta possibilidade foi proposta quando da reforma do Estado, implementada no governo Fernando Henrique Cardoso pelo ento Ministro da Reforma do Estado, Bresser Pereira. O uso de OS vem ocorrendo principalmente na rea de sade, no SUS, atravs de contratos de gesto em administrao de hospitais, laboratrios, cooperativas, onde o critrio de avaliao quantitativo, para medir ndices de produtividade.Os profissionais e estudiosos da rea tm mostrado o quanto esse tipo de contrato precariza o trabalho e leva perda de qualidade nos servios prestados sociedade. No caso da educao, setor no qual me insiro, isto vai levar ao fim dos concursos pblicos para professores e funcionrios tcnico-administrativos. Os resultados sero catastrficos para o ensino, a pesquisa e a extenso produzidos nas universidades.Atualmente, s possvel produzir conhecimento na universidade quando h dedicao exclusiva dos professores da carreira, que tm estabilidade para desenvolver as pesquisas. Com o fim dos concursos e da carreira, ficaro professores das organizaes sociais, com contratos por tempo determinado, sem qualquer vnculo com o funcionalismo pblico. Ser uma forma de intermediao de mo de obra precarizada.Isto representa um golpe na educao pblica do pas, num contexto em que a palavra de ordem do atual governo Ptria Educadora. A sintonia da extrema corte (o atual STF) com o empresariado brasileiro muito grande e no por acaso que a ofensiva do capital contra a CLT e na defesa da liberao da terceirizao atravs do PL 4330 conta com o seu apoio, conforme demonstrado por esta deciso exatamente neste momento. Penso que isso vai gerar uma forte mobilizao, unindo os trabalhadores do setor privado e pblico contra as aes que visam precarizao e perda de direitos. Espero que as organizaes e os movimentos sociais consigam responder a essa ofensiva. Depende de nossa vontade poltica.