Teodicéia - Um texto de Ed René Kivitz[1][1].

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  • 8/6/2019 Teodicia - Um texto de Ed Ren Kivitz[1][1].

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    Tufao nas Filipinas no dia 01 de dezembro de 2006

    Teodicia - Um texto de Ed Ren Kivitz.

    Acho que Epicuro foi quem formulou a questo a respeito da relao entre a onipotncia e abondade de Deus. A coisa mais ou menos assim: se Deus existe, ele todo poderoso e

    bom, pois no fosse todo-poderoso, no seria Deus, e no fosse bom, no seria digno de serDeus. Mas se Deus todo-poderoso e bom, ento como explicar tanto sofrimento nomundo? Caso Deus seja todo-poderoso, ento ele pode evitar o sofrimento, e se no o faz,

    porque no bom, e nesse caso, no digno de ser Deus. Mas caso seja bom e queira evitaro sofrimento, e no o faz porque no consegue, ento ele no todo-poderoso, e nesse caso,tambm no Deus. Escrevendo sobre a Tsunami que abalou a sia, o Frei Leonardo Boffresume: Se Deus onipotente, pode tudo. Se pode tudo porque no evitou o maremoto? Seno o evitou, sinal de que ou no onipotente ou no bom.

    Considerando, portanto, que no possvel que Deus seja ao mesmo tempo bom e todo-poderoso, a lgica que Deus uma impossibilidade filosfica, ou se preferir, a idia de

    Deus no faz sentido, e o melhor que temos a fazer admitir que Deus no existe.

    Parece que estamos diante de um dilema insolvel. Mas Einstein nos deu uma dicapreciosa. Disse que quando chegamos a um problema insolvel, devemos mudar oparadigma de pensamento que o criou. O paradigma de pensamento que considera obinmio onipotncia/bondade como ponto de partida para pensar o carter de Deus nosdeixa em apuros. Existiria, entretanto, outro paradigma de pensamento? Ser que as

    palavras onipotncia e bondade so as que melhor resumem o dilema de Deus diantedo mal e do sofrimento do inocente? H outras palavras que podem ser colocadas nestequebra-cabea?

    Este problema foi enfrentado por So Paulo, apstolo, em seu debate com os filsofosgregos de seu tempo. A mensagem crist era muito simples: Deus veio ao mundo e morreucrucificado. Pior do que isso: Deus foi crucificado num jogo de empurra entre judeus e

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    romanos, isto , diferentemente dos outros deuses, o Deus cristo foi morto no por deusesmais poderosos, mas por homens. Sendo Deus, jamais poderia ser morto por moshumanas, e sendo o Deus onipotente, jamais poderia nem mesmo ser morto. Paulo,apstolo, estava, portanto, diante de um dilema semelhante ao proposto por Epicuro: Deusera uma impossibilidade filosfica.

    Foi ento que os apstolos surgiram com uma resposta to genial que os cristosacreditamos que foi soprada pelo Esprito Santo: antes de vir ao mundo ao encontro doshomens, Deus se esvaziou da sua onipotncia[i], isto , abriu mo do exerccio de suaonipotncia, e por amor[ii], deixou-se matar por eles[iii]. (Eu disse que Deus abriu mo doexerccio de sua onipotncia, bem diferente de Deus abriu mo de sua onipotncia).

    O apstolo Paulo admitia que no era possvel pensar em Deus sem considerar o binmiobondade/onipotncia. Optou pela palavra amor, assim como o apstolo Joo, que afirmouDeus amor[iv]. Jesus de Nazar foi Deus encarnado na forma de Amor, e no Deusencarnado na forma de Onipotncia.

    Isso faz todo o sentido. Um Deus que viesse ao encontro das pessoas em trajes onipotenteschegaria para se impor e reivindicar obedincia irrestrita, impressionando pela suamajestade e fora sem iguais. Jung Mo Sung adverte que a contrapartida do poder aobedincia, enquanto a contrapartida do amor a liberdade. Tambm assim pensou oapstolo Paulo, ao afirmar que o que constrange as pessoas a viver para Deus o amor deDeus (demonstrado na morte de Jesus na cruz)[v], e nunca o poder de Deus.

    Na verdade, Deus no tinha escolha. Ao decidir criar o ser humano sua imagem esemelhana, deveria cri-lo livre. Desejando um relacionamento com o ser humano, deveriadar ao ser humano a liberdade de responder voluntariamente ao seu amor, sob pena de serum tirano que arrasta para sua alcova uma donzela contrariada. Somente o amor resolveriaesta equao, pois somente o amor d liberdade para que o outro seja livre, inclusive pararejeitar o amor que se lhe quer dar.

    Andr Comte-Sponville um ateu confesso (sei que vou levar pedradas) que discorre arespeito do amor divino como poucos que j li. Acredita que o amor divino um ato dediminuio, uma fraqueza, uma renncia. Usa os argumentos de Simone Weil: a criao da parte de Deus um ato no de expanso de si, mas de retirada, de renncia. Deus e todasas criaturas menos do que Deus sozinho. Deus aceitou essa diminuio. Esvaziou de siuma parte do ser. Esvaziou-se j nesse ato de sua divindade. por isso que Joo diz que oCordeiro foi degolado j na constituio do mundo. Deus permitiu que existissem coisas

    diferentes Dele e valendo infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo,como Cristo nos prescreveu nos negarmos a ns mesmos. Deus negou-se em nosso favorpara nos dar a possibilidade de nos negar por Ele. As religies que conceberam essarenncia, essa distncia voluntria, esse apagamento voluntrio de Deus, sua ausnciaaparente e sua presena secreta aqui embaixo, essas religies so a verdadeira religio, atraduo em diferentes lnguas da grande Revelao. As religies que representam adivindade como comandando em toda parte onde tenha o poder de faz-lo so falsas.Mesmo que monotestas, so idlatras [vi].

    Voc j imagina onde quero chegar. Isso mesmo, entre a onipotncia e a bondade de Deusexiste a liberdade do homem, e o compromisso de Deus em respeitar esta liberdade. Isso

    ajuda a entender porque existe tanto sofrimento no mundo. O mal no procede de Deus eno promovido ou determinado por Deus. O mal conseqncia inevitvel da liberdadehumana, que teima em dar as costas para Deus e tentar fazer o mundo acontecer sua

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    prpria maneira. Diante do mal e do sofrimento, o Deus com os homens, encarnado emAmor, tambm sofre, se compadece, tem suas entranhas movidas de compaixo[vii].

    Mas voc poderia perguntar por que razo Deus no acaba com o mal. Isso simples: Deusno acaba com o mal porque o mal no existe, o que existe o malvado. O mal no umaentidade ao lado de Deus. O mal o resultado de uma ao humana em afastar-se do Deus,

    sumo bem. O monotesmo cristo afirma que h um s Deus, e que o mal a privao dapresena de Deus. Os cristos no somos dualistas que postulamos a existncia do bem e domal. O mal apenas a ausncia do bem. Por isso, o mal no existe, o que existe omalvado, aquele que faz surgir o mal porque se afasta de Deus, o supremo e nico bem.

    Ariovaldo Ramos me ensinou assim, e completou dizendo que para acabar com o mal,Deus teria que acabar com o malvado. Mas, sendo amor, entre acabar com o malvado eredimir o malvado, Deus escolheu sofrer enquanto redime, para no negar a si mesmodestruindo o objeto do seu amor. Por esta razo Deus se diminui, esvazia-se de suaonipotncia, abre mo de se relacionar em termos de onipotncia-obedincia, e se relacionacom a humanidade com base no amor, fazendo nascer o sol sobre justos e injustos [viii], e

    mostrando sua bondade, dando chuva do cu e colheitas no tempo certo, concedendosustento com fartura e um corao cheio de alegria a todos os homens[ix].

    uma pena que Epicuro no tenha lido os apstolos cristos, no tenha corrido no parqueao lado de Ricardo Gondim, no tenha ouvido Ariovaldo Ramos pregar, e nem tenhaassistido s aulas de Jung Mo Sung.

    ____________________[i] Carta aos Filipenses 2.6-8[ii] Evangelho de Joo 3.16[iii] Atos dos Apstolos 2.23[iv] Primeira Carta de Joo 4.7[v] 2Corntios 5.14,15[vi] Comte-Sponville, Andr,Pequeno tratado das grandes virtudes, So Paulo: MartinsFontes, 1995, Captulo 18: Amor.[vii] Evangelho de So Mateus 9.36; 14.14[viii] Evangelho de So Mateus 5.44,45[ix] Atos dos Apstolos 14.17

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