Teologia Bíblica - Antigo Testamento

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 T T E E O O OL L L O O OG G G I I I A B B Í Í B B L L I I C C A A A  A A A N N T T I I I G G G O O O  T T T E E E S S S T T T A A AM M ME E E N N N T T TO O Mauro Fernando Meister

Transcript of Teologia Bíblica - Antigo Testamento

  • TTTEEEOOOLLLOOOGGGIIIAAA

    BBBBBBLLLIIICCCAAA

    AAANNNTTTIIIGGGOOO

    TTTEEESSSTTTAAAMMMEEENNNTTTOOO

    Mauro Fernando Meister

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 2

    Objetivos

    Compreender a natureza, funo e mtodo da Teologia Bblica;

    Estudar e entender o carter da revelao de Deus atravs do Antigo e Novo Testamentos. Analisar o carter progressivo, histrico, orgnico, e adaptvel da

    revelao;

    Compreender e assimilar o significado do Cordo Dourado (Eclesiastes 4.12) que conduz e mantm, numa harmoniosa unidade, tudo o que a Bblia apresenta;

    Compreender as partes individuais do Cordo Dourado: Reino, Pacto (ou Aliana) e Mediador. Como essas partes esto integradas e como, simultaneamente, mantm

    seu papel e contribuies individuais.

    Crescer no conhecimento da Palavra inspirada, autoritativa, infalvel e inerrante de Deus e, progressivamente, aceitar as maravilhosas verdades da soberania, amor, graa

    e misericrdia do Deus trino;

    Compreender o que ser o povo da aliana de Deus e o que ser agente dentro de seu Reino.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 3

    BIBLIOGRAFIA

    Livros usados como base em nossa disciplina

    Gerard Van Groningen, A Famlia da Aliana (So Paulo: Cultura Crist, 1997).

    Gerard Van Groningen, From Creation to Consumation, (Dort: Dort Press, 1997).

    [Os volumes 1 e 2 esto no prelo pela Editora Cultura Crist.]

    Gerard Van Groningen, Revelao Messinica no Velho Testamento (Campinas: LPC,

    1994). [Em reedio pela Editora Cultura Crist.]

    O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos (Cultura Crist, reedio, 2002).

    Outros livros em portugus:

    Ortodoxos (Evanglicos):

    A. Crabtree, Teologia do Velho Testamento, 4 ed. (Rio de Janeiro, JUERP, 1986).

    D. A. Carson, Teologia Bblica ou Teologia Sistemtica: Unidade e Diversidade no

    Novo Testamento (Vida Nova, 2001).

    George Eldon Ladd, Teologia do Novo Testamento (Rio de Janeiro: JUERP, 1984).

    Ralph Smith, Teolgia do Antigo Testamento: Histria, Mtodo e Mensagem (So

    Paulo: Vida Nova, 2001).

    Walter Kaiser Jr, Teologia do Antigo Testamento (So Paulo: Vida Nova, 1980).

    Wilson C. Ferreira, Esboo de Teologia Bblica (Patrocnio: CEIBEL, 1985).

    Heterodoxos

    Alfons Deissler, O anncio do Antigo Testamento, traduo Luiz Joo Gaio (So

    Paulo, Ed. Paulinas, 1984).

    Claus Westermann, Teologia do Antigo Testamento (So Paulo: Paulinas, 1982).

    Georg Fohrer, Estruturas Teolgicas Fundamentais do Antigo Testamento (So

    Paulo: Edies Paulinas, 1982).

    George Ernest Wright, O Deus Que Age (So Paulo, ASTE, 1967).

    Gerard Hasel, Teologia do Antigo Testamento: Questes Fundamentais do Debate

    Atual, (Rio de Janeiro: JUERP, 1975), 1 edio.

    Gottwald, As tribos de Iahweh: Uma Sociologia da Religio de Israel Liberto 1250-

    1050 a.C. (So Paulo: Paulinas, 1986).

    Von Rad, G. Teologia do Antigo Testamento (So Paulo: ASTE, 1974).

    Em ingls

    Ortodoxos:

    Gerhardus Vos, Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1976, 80).

    Gerhardus Vos, The Kingdom and the Church (Grand Rapids: Eerdmans, 1951).

    John Sailhamer, Introduction to Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan,

    1995).

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 4

    Martens, Elmer A., God 's Design: A Focus on Old Testament Theology (Grand

    Rapids: Baker, 1981).

    Kline, M., By Oath Consigned, (Grand Rapids: Eerdmans, 1968).

    Kline, M.,The Structure of Biblical Authority, (Grand Rapids: Eerdmans, 1974).

    Richard Gaffin, ed. Redemptive History and Biblical Interpretation: The Shorter

    Writings of Geerhardus Vos (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed

    Publishing Co., 1980).

    William Dumbrell, Covenant and Creation, (Grand Rapids: Baker, 1993).

    Heterodoxos:

    Brevard Childs Old Testament Theology In A Canonical Context, (Philadelphia:

    Fortress Press, 1989).

    Eichrodt, W., Theology of the Old Testament, 2 Vols (Philadelphia: Westminster,

    1961).

    Hayes e Prussner, Old Testament Theology: its history & development (Atlanta: John

    Knox Press, 1985).

    John Bright, The Kingdom of God (Nashville: Abingdom, 1978).

    Ollenburger, Martens e Hasel, editores, The Flowering of Old Testament Theology: A

    Reader in Twentieth Century Old Testament Theology, 1930-1990

    (Winona Lake: Eisenbrauns, 1992).

    Paul J. Achtemier, Harpers Bible Dictionary (San Francisco: Harper and Row, Publishers, 1985).

    Ronald Clements, One Hundred Years of Old Testament Interpretation (Philadelphia:

    The Westminster Press, 1976).

    Walter Brueggmann, Old Testament Theology: Essays on Structure, Theme, and Text

    (Minneapolis: Fortress Press, 1992).

    Walter Brueggeman, Theology of the Old Testament: Testimony, Dispute, Advocacy

    (Minneapolis: Fortress Press, 1997).

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 5

    ndice

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 3

    I. TEOLOGIA BBLICA: DEFINIO ............................................................................... 7

    O QUE TEOLOGIA BBLICA? ................................................................................ 7

    BUSCANDO UMA DEFINIO ORTODOXA ................................................................ 9

    A RELAO DA TB E OUTRAS DISCIPLINAS......................................................... 11

    COMPLEMENTOS: ................................................................................................. 15

    II. TEOLOGIA BBLICA: DESENVOLVIMENTO ............................................................. 19

    POSSIVEL UM CENTRO UNIFICADOR? ................................................................. 19

    PROBLEMA 1 UNIDADE E DIVERSIDADE ............................................................... 19

    PROBLEMA 2 HISTRIA DA TRADIO ................................................................ 20

    PROBLEMA 3 TEOLOGIA E CNON ....................................................................... 21

    PROBLEMA 4 A ANALOGIA FIDEI E A REVELAO PROGRESSIVA ....................... 22

    PROBLEMA 5 ANTIGO E NOVO TESTAMENTO ...................................................... 23

    III. TEOLOGIA BBLICA: ESBOO ............................................................................... 25

    MTODOS ............................................................................................................ 25

    A QUESTO DO DISPENSACIONALISMO ................................................................ 28

    SISTEMA PACTUAL .............................................................................................. 29

    MITTE: TEMAS INTEGRADOS ............................................................................... 31

    REINO .................................................................................................................. 31

    PACTO ................................................................................................................. 33

    MEDIADOR .......................................................................................................... 37

    IV. TEOLOGIA BBLICA: EXPOSIO ......................................................................... 39

    CRIAO, QUEDA, JULGAMENTO E PACTO....................................................... 39

    CRIAO ............................................................................................................. 39

    OS VICE-GERENTES DA CRIAO ........................................................................ 48

    MANDATOS DO PACTO DA CRIAO ................................................................... 54

    QUEDA, JULGAMENTO E PACTO RECONFIRMADO ............................................ 60

    A QUEDA ............................................................................................................. 60

    OS PATRIARCAS ....................................................................................................... 69

    I. CIRCUNSTNCIAS DE ABRAO ......................................................................... 69

    II. GNESIS 12.1-3 ............................................................................................... 69

    III. GNESIS 15 .................................................................................................... 69

    IV. GNESIS 17 .................................................................................................... 69

    V. ABRAO COMO MEDIADOR DO PACTO ............................................................ 69

    VI. VIDA NO PACTO ............................................................................................. 69

    VII. CONCLUSO COM RESPEITO AO PACTO ABRAMICO.................................... 69

    VIII. PACTO COM ISAQUE .................................................................................... 70

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 6

    IX. PACTO COM JAC .......................................................................................... 70

    MOISS: XODO ...................................................................................................... 71

    I. CINCO PONTOS DE CONTATO COM REVELAO EM GNESIS .......................... 71

    II. CHAMADO DE MOISS ..................................................................................... 71

    III. MOISS, O MEDIADOR ................................................................................... 71

    MOISS: SINAI E PACTO .......................................................................................... 72

    I. REFERNCIAS HISTRICAS - XODO 19:1-4 ..................................................... 72

    II. CONFIRMAES - XODO 19:5-6 ..................................................................... 72

    III. RESPOSTA - XODO 19:7-9 ............................................................................ 72

    IV. PACTO CONSOLIDADO - XODO 24:5-8 ......................................................... 72

    V. A LEI - XODO 20-23 .................................................................................... 72

    VI. A TEOCRACIA ................................................................................................ 72

    VII. O PACTO RECONFIRMADO - XODO 32-34 ................................................... 72

    MOISS NO DESERTO .............................................................................................. 73

    I. TEMAS EM LEVTICO ........................................................................................ 73

    II. PREPARAO PARA A MARCHA - NMEROS 1-10 ............................................ 73

    III. REVELAO DURANTE A MARCHA NO DESERTO ............................................ 73

    MOISS NA TERRA ................................................................................................... 74

    I. ESTGIOS INICIAIS NA POSSESSO DA TERRA ................................................... 74

    II. PACTO RECONFIRMADO - DEUTERONMIO 1-34 ............................................. 74

    APNDICES ................................................................................................................... 75

    APNDICE 1 - O MITTE DA REVELAO NO ANTIGO TESTAMENTO VAN

    GRONINGEN ......................................................................................................... 76

    APNDICE 2 - O REINO CSMICO: RESULTADO DA CRIAO VAN GRONINGEN .. 80

    APNDICE 3 - A REVELAO A RESPEITO DO REINO E DO PACTO NA POCA

    NOAICA ............................................................................................................... 85

    APNDICE 4 - PERODO DA MONARQUIA - VAN GRONINGEN .............................. 97

    A CONSOLIDAO DA MONARQUIA ATRAVS DE DAVI E SALOMO: OS REIS

    ESCOLHIDOS DE YAHWEH ................................................................................. 115

    APNDICE 5 - CARACTERSTICAS DA REVELAO G. VOS .............................. 143

    APNDICE 6 - REAS PROBLEMTICAS ............................................................ 147

    APNDICE 7 - TEXTOS SOBRE PACTO ................................................................. 151

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 7

    Teologia Bblica do AT

    I. TEOLOGIA BBLICA: DEFINIO

    Em nosso curso de Teologia da Aliana vamos nos aprofundar no tema da aliana dentro da perspectiva da Teologia Bblica. Para tanto vamos comear tentando entender o que teologia bblica e como esta disciplina se relaciona com as demais teologias dentro da Enciclopdia Teolgica1.

    O QUE TEOLOGIA BBLICA?

    Aos olhos de muitos parece bvio que toda a TEOLOGIA tem que ser BBLICA. Mas isto no fato. Na estrutura dos estudos acadmicos encontramos diferentes formas de se fazer teologia. Alm da Teologia Bblica encontramos a Teologia Dogmtica, Teologia Histrica, isto sem contar com a infinidade de teologias contemporneas que apareceram no sculo passado como as teologias das minorias (Negra, Feminista, da Libertao, etc).

    Ainda que sejam chamadas de TEOLOGIA, que significa etimologicamente estudo de Deus, grande parte desses estudos no toma as Escrituras como fonte de estudo. Assim, fundamental entendermos com clareza o terreno em que estamos pisando para no cairmos em buracos ao longo do caminho.

    A maioria das teologias mencionadas acima difere uma das outras em dois aspectos de sua essncia: pressupostos e mtodos. Em alguns casos os pressupostos so puramente filosficos e terminam at mesmo por desprezar completamente a Bblia afirmando que para se fazer boa teologia devemos nos livrar dela e do que ela nos ensina. Em outros casos a Bblia serve apenas como um acessrio, mas no como a fonte de conhecimento teolgico. Nosso pressuposto confessional neste curso de que toda a boa teologia bblica, para ser verdadeira teologia, tem que tomar a Bblia como fonte INSPIRADA, INERRANTE e INFALVEL.

    Nossos principais objetivos neste curso so:

    1. Entender o papel e os pressupostos da Teologia Bblica;

    2. Entender o que a Teologia da Aliana dentro de uma perspectiva bblico-teolgica;

    3. Aplicar a Teologia da Aliana na leitura das Escrituras como um todo e entender as suas implicaes para a vida crist.

    O acadmico Gerhard Hasel, especialista em Teologia Bblica, alista em seu livro

    Teologia do Antigo Testamento: Questes do Debate Atual, 2

    mais de 950 ttulos de

    livros e artigos que tratam da teologia bblica nos mais diversos aspectos. Ainda que a disciplina seja relativamente nova podemos afirmar que existe entre os estudiosos uma crise quanto sua natureza e definio. Mas no nos desanimemos. Posso

    1 Enciclopdia Teolgica definimos como Enciclopdia Teolgica o universo de disciplinas e reas que fazer

    parte essencial dos estudos da teologia. Tradicionalmente a Enciclopdia Teolgica divide-se em 5 grandes

    reas: estudos Exegticos, Sistemticos, Pastorais, Histricos e Gerais (introdutrios) 2 Gerhard Hasel, Teologia do Antigo Testamento: Questes Fundamentais do Debate Atual, (Rio de Janeiro:

    JUERP, 1975), 1 edio.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 8

    dizer como testemunho pessoal que o estudo da TB foi um dos empreendimentos mais lucrativos para a minha compreenso da teologia, da unidade das Escrituras e para a minha vida pessoal como cristo, esposo, pai e pastor.

    Terreno

    Para comear a esboar nossa definio de TB precisamos mapear a rea em que estamos andando, afinal, queremos dar passos seguros. Para comear a mapear a rea muito importante definir quais so os pressupostos com que vamos trabalhar. O uso do termo BBLICA no ttulo da disciplina reflete alguma coisa do terreno que queremos conhecer. Por isto precisamos perguntar seriamente o que queremos dizer com esta palavra, o que entendemos ser a Bblia, e para que fim ela est em nossa disciplina.

    O que a Bblia para voc?

    Um simples texto que manifesta uma srie de verdades universais?

    Um livro que reflete um grande nmero de crenas de um povo antigo chamado Israel e uma comunidade chamada crist?

    Ou a Bblia mais do que isto?

    O cristianismo histrico define a Bblia como a Palavra de Deus! Acrescido a essa definio precisamos de certos qualificadores que nos permitam identificar exatamente o que queremos dizer. Muitos podem dizer que a Bblia a Palavra de Deus e ao fim manifestar diferentes conceitos quanto a ela.

    Os cristos afirmaram atravs dos tempos que esse livro chamado Bblia a Palavra de Deus inspirada, infalvel, inerrante, autoritativa e a sua nica regra de f e prtica (normalmente estes conceitos so trabalhados em disciplinas de introduo Teologia Sistemtica [Prolegomenos]).

    Nela Deus revelou tudo o que Lhe aprouve revelar para o bem dos seus filhos. Segundo a Confisso de F de Westminster I.I:

    ...foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservao e propagao da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupo da carne e malcia de Satans e do mundo, foi igualmente servido faz-la escrever toda..." ( Daqui para frente CFW ).

    Portanto, em nossa definio, estamos tomando o conceito acima como ponto de partida. Isso fundamental, porque no universo acadmico vamos encontrar muitos estudiosos lidando com a teologia bblica sem, no entanto, considerar qualquer dessas definies como verdadeiras. Isso pode tornar as coisas um tanto confusas. O conceito acima conhecido como um conceito ortodoxo de inspirao das Escrituras. Em contrapartida encontramos conceitos diferentes destes e os consideramos como no ortodoxos ou heterodoxos.

    Ortodoxia

    considerado um conceito ortodoxo aquele que aceita plenamente a definio de que a Bblia toda inspirada por Deus, inerrante e infalvel. Neste grupo podemos encontrar um grande nmero de representantes em diferentes denominaes histricas. Em alguns casos so chamados de conservadores, fundamentalistas ou at mesmo evanglicos somente (principalmente no contexto norte americano).

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 9

    Heterodoxia

    Os no-ortodoxos no aceitam a teorias da inspirao das Escrituras como a entendemos, principalmente quanto inerrncia. Muitos heterodoxos chegam a afirmar que crem na inspirao da Escrituras e at na sua infalibilidade, mas certamente no aceitam que as Escrituras no erram em tudo o que afirmam. Pensam que como literatura a Bblia contm vrios erros em diversas reas, sendo que ela infalvel quanto s verdades chamadas espirituais. Os heterodoxos tambm esto representados em vrias denominaes histricas. Podem usar em seus estudos e sermes um linguajar extremamente semelhante ao que os ortodoxos usam, podendo confundir quem ouve a respeito de sua posio. So geralmente chamados de liberais ou neo-ortodoxos.

    A maioria dos livros de teologia bblica traduzidos para a lngua portuguesa tem pressupostos heterodoxos, por isso de fundamental importncia estarmos atentos aos ttulos que trazem a teologia bblica como tema. Estes livros so geralmente publicados em lngua portuguesa pelas Edies Paulinas, Paulus, Vozes, Sinodal, e ASTE, entre outros.

    Citaremos em nosso curso vrios desses textos e comentaremos suas posies para que tenham uma idia clara das diferenas que os pressupostos fazem em nossa teologia.

    BUSCANDO UMA DEFINIO ORTODOXA

    1. George Ladd [Teologia do Novo Testamento (Rio de Janeiro: JUERP, 1984), p. 25] traz a seguinte definio:

    A teologia bblica a disciplina que estrutura a mensagem dos livros da bblia em seu ambiente formativo histrico. A teologia bblica primariamente uma disciplina descritiva. Ela no est inicialmente preocupada com o significado ltimo dos ensinos da Bblia ou com a sua relevncia para os dias atuais. Esta a tarefa da teologia sistemtica. A tarefa da teologia bblica de expor a teologia encontrada na Bblia em seu prprio contexto histrico, com seus principais termos, categorias e formas de pensamentos. O propsito da Bblia contar uma estria sobre Deus e seus atos na histria.

    2. Wilson C. Ferreira (Esboo de Teologia Bblica do Novo e Velho Testamentos, (Campinas: LPC, 1985), p. 20-21) responde pergunta tema de nossa aula da seguinte forma:

    Teologia Bblica o ramo da Teologia Exegtica que busca descobrir, conhecer e explicar a revelao de Deus ao homem, conforme se entende das Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamento A Bblia Sagrada.

    3. Grant Osborne (Hermeneutical Spiral (Doners Grove: Intervarsity Press, 1991), p. 263) define a Teologia Bblica como

    O brao da pesquisa teolgica que se preocupa em encontrar temas atravs das diversas sees da Bblia e ento procurar os temas unificadores da Bblia.

    Podemos considerar que estas trs definies trazem em comum um ponto: a Bblia como fonte ltima. Isso importante de ressaltar porque muitos telogos consideram que impossvel encontrar uma teologia bblica. Podemos tambm dizer que os trs autores citados partem de um pressuposto ortodoxo quanto ao valor das Escrituras.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 10

    At mesmo a definio de Ladd, que traz a seguinte sentena O propsito da Bblia contar uma estria sobre Deus e seus atos na histria deve ser considerada como ortodoxa considerando que a diferena que faz entre estria e histria no significa que os eventos narrados e a teologia explicada por eles sejam fictcios. O que Ladd tem em mente que a histria que encontramos na Bblia no se encaixa nos padres que historiadores modernos considerariam aceitveis para um livro de histria. Ao estudar as Escrituras partimos do princpio que tudo o que se encontra nelas verdico, mas seu propsito principal no de servir como um relato de histria e sim como o registro dos atos e palavras de revelao de Deus naquilo que aprouve a Deus revelar e fazer registrar. Assim, a histria que encontramos nas Escrituras uma histria seletiva, ou seja, registra apenas aquilo que tem valor para a sua funo teolgica.

    Pontos discordantes.

    No entanto, ainda que tenham um ponto de partida em comum, encontramos vrias diferenas.

    a. Observe que a primeira definio diz que a Teologia Bblica (de agora em diante TB) uma disciplina primariamente descritiva, ou seja, o seu papel meramente o de observar e relatar a teologia conforme encontrada nas Escrituras.

    b. J a segunda definio abre um pouco mais o campo da TB quando fala em "conhecer e explicar" a revelao; o autor reconhece que o papel da disciplina vai alm do papel descritivo e entra para o campo da aplicao.

    c. A terceira definio tem uma nfase bem diferente da duas primeiras. A sua nfase recai sobre a descoberta de temas que demonstram a unidade das Escrituras.

    Pessoalmente creio que a TB tem um papel mais abrangente do que ser meramente descritiva. Creio que a TB d os primeiros passos rumo a aplicao teolgica que ser concluida pela Teolgia Sistemtica (veremos mais adiante sobre a relao entre estas duas disciplinas). Portanto, a meu ver, a TB tem um papel descritivo e normativo (a preocupao em retirar o significado ltimo do texto e sua relevncia como norma de vida para o cristo).

    Nossa definio

    Para trabalharmos bem a nossa disciplina tomamos como definio a juno de duas definies:

    Gerhardus Vos:3

    A Teologia Bblica o brao da Teologia Exegtica que lida com o processo da auto-revelao de Deus registrado na Bblia (Biblical Theology: Old and New Testament. Edinburgh: The Banner of Trush Trust, 1975).

    Gerard Van Groningen concorda e acrescenta:

    Finalmente, o assunto da teologia bblica o processo da revelao divina. De fato, a teologia bblica, como disciplina, se enderea particularmente e especificamente histria da revelao porquanto executada no curso do tempo de Ado a Malaquias

    3 Gerhardus Vos foi professor de Teologia Bblica durante vrias dcadas no Seminrio de Princenton e

    considerado o pai da disciplina no campo ortodoxo em nosso sculo.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 11

    e desde a anunciao do nascimento de Cristo at o ltimo escrito inspirado do apstolo Joo, o Livro de Apocalipse.

    (From Creation to Consumation, Siux Center: Dort Press College, 1996 No prelo pela Editora Cultura Crist - vrias de nossas aulas posteriores sero adaptaes dos captulos do livro de Van Groningen).

    Examinando o conhecimento

    Com esta aula voc deve ter aprendido:

    1. O que Teologia Bblica.

    2. Conhecer e avaliar, ainda que superficialmente, a diferena entre uma posio ortodoxa e heterodoxa.

    3. A dar uma breve definio de Teologia Bblica.

    A RELAO DA TB E OUTRAS DISCIPLINAS

    Entender a relao da TB com outras disciplinas da enciclopdia teolgica nos ajuda a compreende melhor para que estudamos esta disciplina e qual o seu papel diante do quadro geral da teologia.

    Pelo simples fato de chamar-se teologia bblica a discipina sucita questes quanto sua natureza, tais quais, em que difere de outras teologias? No que diferente da Teologia Sistemtica? Quais so os primeiros passos em direo a uma teologia realmente bblica?

    Creio que podemos partir da anlise do professor Paulo Anglada para entendermos a relao e a posio da TB em relao s demais disciplinas da enciclopdia teolgica. Observe o grfico4 abaixo e a ordem seguida no processo da interpretao at chegarmos ao seu alvo final, a pregao:

    Podemos identificar que h uma ordem e que cada passo de extrema importncia no processo interpretativo. Diante do grfico acima compreendemos a seguinte ordem e funo:

    a. A hermenutica nos fornece as regras pelas quais devemos abordar o texto bblico.

    b. A exegese nos fornece os instrumentos de preciso, incluindo as lnguas originais, para obter o sentido exato de um texto.

    4 Paulo Anglada, Orare et Labutare: A Hermenutica Reformada das Escrituras,

    Fides Reformata em formato eletrnico: http://www.thirdmill.org/files/portuguese/80641~9_18_01_3-32-

    30_PM~anglada1.htm

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 12

    c. A TB trs a exegese ao contexto do todo e fornece o material base para a sistematizao, que por sua vez usada para a boa pregao da Palavra de Deus.

    Vejamos a seguir quais so as diferenas bsicas entre as principais partes da teologia.

    Teologia Bblica e Exegese

    (O material abaixo uma adaptao de Grant Osbrone, Hermeneutical Spiral)

    Ainda que a ordem lgica da relao entre a exegese e a teologia bblica seja de sequencial, com a TB precedida da exegese, podemos dizer que existe uma tenso continua entre as duas disciplinas.

    Com isto queremos dizer que o significado ltimo de um texto no pode ser determinado de maneira isolada. A exegese isolada de um texto no pode, de maneira definitiva, dar o sigificado do mesmo sem antes consultar a outros textos e os resultado da TB.

    Segundo Gaffin, em certa medida, a TB reguladora da exegese (Gaffin, Systematic Theology and Biblical Theology em The New Testament Student and Theology 3:35-37 ed. John Skilton (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed), p. 44). Em outras palavras, o significado do texto em anlise pela exegese depende da exegese de outros textos, e a soma das interpretaes nos leva ao significado pretendido. Sei que pode parecer estranha a idia em um primeiro momento, afinal, nossa busca exegtica pelo significado pretendido pelo autor e pela maneira como o texto foi compreendido pelos primeiros leitores. No entanto, no podemos nos esquecer de certas caractersticas da revelao que influenciam profundamente na forma como lemos as Escrituras.

    Podemos tomar por exemplo a interpretao isolada de alguns textos que tm, ao longo do tempo, trazido dificuldades igreja crist. Todos conhecemos a diviso, j no perodo apostlico, entre a forma de reconhecimento da f legtima conforme ensinada por Tiago, a questo da f e das obras.

    Ef 2.8-9 Porque pela graa sois salvos, mediante a f; e isto no vem de vs; dom de Deus; no de obras, para que ningum se glorie.

    Tg 2.14-17

    Meus irmos, qual o proveito, se algum disser que tem f, mas no tiver obras? Pode, acaso, semelhante f salv-lo? Se um irmo ou uma irm estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vs lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessrio para o corpo, qual o proveito disso? Assim, tambm a f, se no tiver obras, por si s est morta.

    Uma leitura isolada do texto em Tiago pode levar alguns a pensar que as obras so o princpio, enquanto que uma leitura isolada de Paulo pode levar alguns idia de que as obras no so fruto da salvao. a TB que nos auxilia na compreenso do todo e nos leva a concluir que ningum pode ser salvo pelas obras, mas, no entanto, as obras so um resultado da f verdadeira. Lendo passagens isoladas podemos chegar a concluses contraditrias. Porm, no nvel mais profundo, alm da superfcie, os dois temas so harmnicos. desta forma que a TB exerce o seu papel.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 13

    Observe a ilustrao abaixo para entender melhor os papis da Teologia sistemtica

    e TB:

    Teologia Bblica e Teologia Sistemtica

    Esta tambm uma relao digna de nossa observao. Vimos anteriormente que a TB precede a teologia sistemtica no caminho da compreenso teolgica. Como est implcito no nome da disciplina, a teologia sistemtica encarrega-se de sistematizar as verdades bblicas. Estas verdades bblicas so primeiramente fruto do trabalho da Teologia Bblica. A diferena bsica que a Teolgia Bblica trabalha com estas verdades procurando observar estritamente o carter progressivo da revelao de Deus e fazendo reales entre os resultados da exegese. J a Teologia Sistemtica busca outros recursos para completar sua tarefa.

    De certa forma, fazem parte mais intensa das ferramentas da Teologia sistemtica a filosofia, a histria e a prpria revelao natural, alm da Teologia Bblica.

    Podemos dizer que a origem de ambas as disciplinas difere:

    Teologia Bblica Teologia Sistemtica

    Origem Histrica Origem didtica

    importante notar que as duas disciplinas no so e no devem ser ensinadas como excludentes (h uma tendncia e certa rixa entre teologos sistemticos e bblicos).

    Historicamente, como disciplina acadmica, a Teologia Sistemtica nasceu primeiro, mas, em sua essncia, deve sempre ser primeiramente bblica. Observe, por exemplo, as Institutas da Religio Crist, de Joo Calvino. Ainda que a teologia ali encontrada seja exposta de maneira sistemtica, ela parte de uma compreenso contextualizada do texto bblico.

    Um dos grandes problemas da histria da teologia sistemtica que houve tempos em que os telogos ignoravam o carter progressivo da revelao a ponto de usarem o texto bblico como um texto prova para os dogmas j estabelecidos, sem levar em considerao o contexto e as regras hermenuticas necessrias para uma correta interpretao. Isso gerou o famoso escolasticismo no perodo ps-reforma.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 14

    Por fim, a metodologia das duas disciplinas diferente, ainda que ambas tenham um mesmo alvo: tornar clara a revelao de Deus para a mente humana. Para muitos estudiosos a tarefa da TB puramente descritiva (como vimos na citao de Ladd, acima) enquanto o papel da sistemtica seria o de converso das verdades descritas em verdades aplicveis. Nesse caso, afirmam que a TB nos diz o que o texto significou para a sua poca enquanto a sistemtica trata de estabelecer o que o texto significa hoje e como deve ser aplicado.

    Teologia Bblica e Teologia Histrica

    Precisamos primeiro definir o que teologia histrica. Hoje j no encontramos muito comumente esta disciplina em currculos teolgicos.

    A teologia histrica trabalha com a histria do dogma ou a histria da prpria teologia. Entendendo a histria da igreja podemos perceber como uma determinada doutrina se desenvolveu em diferentes perodos da histria e traar a origem e as estruturas que esto por trs de uma determinada tradio confessional.

    Creio que o desprezo teologia histrica tem trazido grande prejuizo igreja contempornea. atravs da teologia histrica que podemos compreender melhor a nossa origem, as razes do nosso procedimento hermenutico, exegtico e sistemtico; pela teolgia histrica que podemos compreender melhor a nossa postura quanto ao culto e a lei moral de Deus; na teologia histrica que temos o ponto de referncia para analisarmos os nossos prprios pressupostos e a nossa tradio a fim de que a mesma no se torne mero tradicionalismo.

    importante admitir que todos temos um pr-entendimento do texto bblico, quer tenhamos sido criados em contato com a Bblia ou no. A teologia histrica nos auxilia a compreender o nosso pr-entendimento e analisar se devemos descart-lo ou no. luz da teologia histrica podemos reavaliar nosso pr-entendimento. S assim poderemos seguir conscientemente na busca do significado verdadeiro de um texto e sua teologia.

    O grfico abaixo pode nos ajudar a compreender um pouco a interdependncia entre as disciplinas:

    Com esse grfico queremos demonstrar o aspecto de interdependncia da Teologia Bblica, Teologia Sistemtica e como elas interagem com os dados bblicos e nosso pr-entendimento a respeito do texto. Em ltima instncia, muito difcil separar com preciso a rea de abrangncia de cada uma das duas disciplinas. A interao do telogo com os dados e o pr-entendimento de cada um no seu campo de conhecimento cria o que Osborne chamou de crculo hermenutico.

    Teologia Bblica e Teologia Homiltica

    Ainda que a TB tenha a sua tarefa descritiva especfica, impossvel separ-la da pregao. Qualquer um que leia o texto bblico est interessado em saber o que ele

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 15

    significou, o que ele significa e como a mensagem do texto deve ser aplicada e proclamada. Nesse ponto a TB e a pregao andam prximas, ainda que vrios estgios estejam envolvidos no processo. No prprio ato da pregao bblica, especialmente da exposio de um texto, fundamental que se passe pela contextualizao da passagem individual ao seu ambiente teolgico, ao lugar em que esse texto especfico ocupa no todo da Escritura.

    O Expositor bblico aquele que faz a mistura das duas disciplinas. De acordo com Osborne, ao mesmo tempo em que existe a proximidade, existe a distncia. Ele diz Os dados bblicos foram traduzidos e intrepretados pela exegese, combinados pela TB, transformados em teses dogmticas pela teologia sistemtica, desenvolvidos em padres de pensamento de vrias situaes e tradies pela teologia histrica e agora aplicado situao corrente pela teologia homiltica. (p. 270) Logo, no ato de expor o pensamento do texto bblico a TB uma ferramenta essencial e no pode ser desprezada. Pessoalmente creio que a Exposio Bblica a melhor forma de ensinar as verdades bblicas a partir do plpito.

    IMPLICAES PRTICAS

    Diante da definio e relao da TB com outras disciplinas da enciclopdia teolgica podemos observar a sua importncia como:

    1. A disciplina que colhe diretamente e organiza os primeiros frutos da exegese propriamente dita.

    2. D o primeiro passo na direo da contextualizao maior dos textos individuais, assim como de livros e sees da Bblia.

    3. Como fonte primria para o trabalho da teologia sistemtica evita que o dogma se torne imutvel diante da prpria Escritura (o que acontece na Igreja Catlica Romana).

    4. Facilita a leitura das Escrituras mostrando a unidade e progresso da revelao de Deus a seu povo.

    5. Serve como uma ferramenta indispensvel na exposio das Escrituras.

    De certa forma pode se dizer que a TB a disciplina onde vrias outras matrias da enciclopdia teolgica se encontram.

    COMPLEMENTOS:

    Obras de Referncia sobre a Histria da Teologia Bblica

    Gerhard Hasel, Teologia do Antigo Testamento: Questes Fundamentais do Debate

    Atual. Apresenta e discute o atual debate em torno da TB e faz a sua prpria sugesto de

    trabalho. Obra de fundamental importncia para a compreenso da atual situao no campo da

    TB.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 16

    Ollenburger, Martens e Hasel5 apresenta uma srie de ensaios, por autores

    reconhecidos no campo da TB, conservadores e no conservadores, fazendo uma

    apresentao, anlise e sinopse de cada um. um bom exemplo de material primrio coletado

    e organizado, dando ao leitor uma viso ampla dos estudos da TB neste sculo. Na ltima

    seo do livro os autores apresentam textos que apontam as provveis direes da disciplina

    no prximo sculo.

    Hayes e Prussner, Old Testament Theology: Its History and Development6 procura

    traar paralelos entre a teologia bblica das diversas pocas e as influncias recebidas em cada

    uma.

    Clements, One Hundred Years of Old Testament Interpretation7 traz tambm um

    importante referencial histrico de teologia bblica.

    Ralph Smith8 usa cerca de 60 pginas de seu livro de TB para apresentar uma breve

    histria da disciplina. Smith, um telogo batista conservador, discute a natureza da TB e sua

    origem dentro do prprio cnon (p. 22).

    Como disciplina acadmica, o nascimento da teologia bblica se d por volta da

    segunda metade do sculo XVIII. At esse perodo parece que a igreja no havia ainda

    traado uma distino clara entre teologia bblica e teologia dogmtica, entre teologia do

    Antigo Testamento e teologia do Novo Testamento. Em seu discurso de abertura na

    Universidade de Altdorf, Johann Philipp Gabler, 1787, trabalhou pela primeira vez nesse

    tema: Sobre a distino apropriada entre Teologia Bblica e Teologia Dogmtica e os

    objetivos especficos de cada uma.9

    Os perodos aps o sculo XVIII apresentam diferentes tendncias dentro da

    disciplina seguindo os diversos movimentos culturais e sociais de cada poca.

    Os ltimos 70 anos, perodo considerado de renascimento da teologia bblica10 com

    o surgimento de vrios ttulos, podem ser divididos em trs ondas como se v abaixo:

    5 Ollenburger, Martens e Hasel, editores, The Flowering of Old Testament Theology: A Reader in Twentieth

    Century Old Testament Theology, 1930-1990 (Winona Lake: Eisenbrauns, 1992). 6 Hayes e Prussner, Old Testament Theology: its history & development (Atlanta: John Knox Press, 1985).

    7 Ronald Clements, One Hundred Years of Old Testament Interpretation (Philadelphia: The Westminster Press,

    1976). 8 Ralph Smith, Teolgia do Antigo Testamento: Histria, Mtodo e Mensagem (So Paulo: Vida Nova, 2001).

    9 Johann Philipp Gabler, Um Oratrio sobre a Distino Prpria entre Teologia Biblica e Dogmtica e seus

    Respectivos Objetivos. 10

    Hayes e Prussner, Old Testament Theology, 143ss.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 17

    Lista Cronolgica de algumas Teologias do Antigo Testamento

    1930-199011

    A Primeira Onda

    1933 Ernst Sellin, Old Testament Theology on a History-of-Religion Basis

    Theology

    1933-39 Walther Eichrodt, Theology of the Old Testament

    1935 Ludwig Kohler, Old Testament Theology

    1938 Wilhelm Moller and Hans Moller, Biblical Theology of the Old

    Testament in Its Development of Salvation History

    1940 Paul Heinisch, Theology of the Old Testament

    1946 Millar Burrows, An Outline of Biblical Theology

    1948 Albert Gelin, The Key Concepts of the Old Testament

    1948 Geerhardus Vos, Biblical Theology

    A Segunda Onda 1949 Otto Baab, The Theology of the Old Testament

    1949 Theodorus C. Vriezen, An Outline of Old Testament Theology

    1950 Robert C. Dentan, Preface of Old Testament Theology

    1950 Otto Procksch, Theology of the Old Testament

    1952 George Ernest Wright, O Deus que Age

    1954-56 Paul van Imschoot, Theology of the Old Testament

    1955 Edmond Jacob, Theology of the Old Testament

    1956 H. H. Rowley, A F de Israel (Em Portugus)

    1957-61 Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento

    1959 George Knight, A Christian Theology of the Old Testament

    1961 James Muilenburg, The Way of Israel

    1962 J. Barton Payne, The Theology of the Older Testament

    1962-65 Abraham J. Heschel, Theology of Ancient Judaism

    1968 Werner H. Schmidt, The Faith of the Old Testament: A History

    A Terceira Onda 1970 Maximiliano Garcia Cordero, Theology of the Bible: Old

    Testament

    1971 Chester K Lehman, Biblical Theology: Old Testament

    1972 Alfons Deissler, O Anncio Do Antigo Testamento12

    1972 Georg Fohrer, Estruturas Fundamentais do Antigo Testamento, Paulus, 1982

    1972 Walther Zimmerli, Old Testament Theology in Outline

    1974 John L. McKenzie, A Theology of the Old Testament

    1976 David Hinson, Theology of the Old Testament

    1978 Ronald E. Clements, Old Testament Theology: A Fresh Approach

    1978 Walter C. Kaiser Jr., Teologia do Antigo Testamento

    1978 Samuel L. Terrien, The Elusive Presence: Toward a New Biblical Theology

    1978 Claus Westermann, Elements of Old Testament Theology (Em port.)

    1979 William A. Dyrness, Themes in Old Testament Theology

    1981 Elmer A. Martens, God 's Design: A Focus on Old Testament

    Theology

    1986 Brevard S. Childs, Old Testament Theology in a Canonical Context

    1986 Paul D. Hanson, The People Called: The Growth of Community in the Bible

    11

    Ollenburger, Martens & Hasel, The Flowering, 56, com acrscimos. 12

    Leitura no Erro! Fonte de referncia no encontrada., 85.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 18

    Definio no Ortodoxa de Teologia Bblica Paul Achtemier

    Definindo a tarefa da Teologia do ANTIGO TESTAMENTO

    A ascenso da teologia do AT como uma disciplina distinta da teologia dogmtica no

    aconteceu at o dcimo oitavo sculo a.D. At ento, era considerado que toda a teologia

    era bblica, ou, de uma forma diferente, a distino entre teologia dogmtica e teologia

    bblica no havia sido entendida. A Bblia era compreendida como o repositrio da

    mesma verdade que os telogos buscaram delinear de uma maneira sistemtica. A Bblia

    era assim a base para o empreendimento teolgico, e nenhuma tenso foi percebida entre

    a f bblica e formulaes contemporneas.

    O Iluminismo introduziu uma mudana importante. Aplicando as mesmas ferramentas

    literrias e histricas que tinham sido usadas desde o Renascimento no estudo do grego

    antigo e do latim clssico, estudiosos bblicos comearam a descobrir caractersticas nos

    escritos bblicos que pareciam distintos ou mesmo discrepantes em relao s doutrinas

    da igreja. Alguns deles comearam a insistir em liberdade das autoridades eclesisticas

    em suas tentativas de iluminar a verdadeira natureza dos escritos bblicos. Sob esta nova

    perspectiva, estudiosos treinados em universidades, no sculo dezenove, preferiram

    escrever histrias da religio de Israel em lugar de teologias do AT. Um mpeto que se

    somou a este desenvolvimento foi uma srie de descobertas arqueolgicas muito

    importantes (por exemplo: Cdigo de Hamurabi, o Elish Enuma, e os tabletes Tell el-

    Amarna). Estas descobertas atraram a ateno para o lugar da religio Israelita dentro do

    horizonte cultural do Antigo Oriente Prximo.

    O sculo XX testemunhou um interesse renovado pela teologia bblica e a preocupao

    em delinear as qualidades que so nicas f de Israel, sem negar, com certeza, as

    conexes importantes estabelecidas pelas geraes prvias de estudiosos entre a religio

    Israelita e as religies de naes vizinhas. O que muito importante reconhecer, porm,

    que o legado do Iluminismo evidente em todo o empreendimento contemporneo de

    descrever a teologia do Antigo Testamento. O Antigo Testamento no apresenta uma

    teologia sistemtica, antes uma diversidade bastante rica de escritos que tratam

    freqentemente de vrios problemas histricos, ticos e sociais, com perspectivas

    teolgicas bastante diferentes umas das outras. Estes escritos surgiram durante um

    perodo de mais de mil anos, e em muitos casos, geraes subseqentes alteraram e

    ampliaram o material recebido, para aplic-lo s novas circunstncias. A tarefa da

    teologia do AT apresentar a origem, a natureza e a histria da transmisso destes

    escritos com tanta preciso quanto possvel. Assim obtm-se uma silhueta clara das

    convices das quais os escritos do testemunho e das comunidades dentro das quais eles

    surgiram.

    Dada a complexidade dos dados, no surpreendente descobrir que a unanimidade no

    prevalece entre telogos do AT na questo de metodologia.

    Alguns insistem que a tarefa do telogo bblico dar uma descrio das vises teolgicas

    dos escritos bblicos e das comunidades dentro das quais eles foram produzidos, to

    claras quanto possvel, a fim de no obscurecer a contribuio sem par da Bblia para a f

    contempornea. A tarefa de traduzir essas vises em declaraes contemporneas de f

    mantm-se bastante distinta e normalmente dada por outra disciplina, especialmente

    pelo telogo sistemtico. Outros protestam que o significado teolgico dos escritos

    bblicos no pode ser compreendido por tal aproximao imparcial; a profundidade e

    sutilezas da religio Israelita s podem ser entendidas e s podem ser representadas

    pessoalmente por algum familiarizado com a linguagem da f e envolvido nas decises

    e aes que surgem desta f. 13

    13

    Extrado de Paul J. Achtemier, Th.D., Teologia Bblica, Harpers Bible Dictionary, (San Francisco: Harper and Row, Publishers, Inc.) 1985.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 19

    II. TEOLOGIA BBLICA: DESENVOLVIMENTO

    POSSIVEL UM CENTRO UNIFICADOR?

    Vrios estudiosos da teologia bblica crem que existe um tema central unificador (um Mitte)14 da teologia do Antigo Testamento que costura as diversas partes do texto, apresentando, pelo menos, uma idia teolgica geral. Outros entendem que esse Mitte estende-se do AT para o NT. Certamente, devido aos muitos pressuposto envolvidos, esse conceito muito discutido entre os telogos. Entre os telogos no ortodoxos (heterodoxos) esse conceito se torna ainda mais complexo, dependendo, principalmente, da escola crtica do telogo. Nosso alvo nessa aula analisar quais so os principais problemas levantados pelos telogos contemporneos para formular uma teologia bblica. bem verdade que em nosso curso j partimos de um pressuposto ao dizer que estamos estudando a Teolgia da Aliana, mas ainda assim importante entender o que as vrias linhas da teologia andam dizendo a respeito da idia de um tema central unificador (Mitte).

    PROBLEMA 1

    UNIDADE E DIVERSIDADE

    Esse possivelmente o cerne de todo o debate no que diz respeito ao chamado mtodo histrico-crtico15 de interpretao. Os telogos crticos, na sua maioria, duvidam que seja possvel encontrar um centro teolgico capaz de amalgamar temas teolgicos ou doutrinas. Isto se d, principalmente, porque partem do pressuposto que os escritos bblicos so originrios de diferentes fontes da tradio da religio de Israel e do antigo Oriente Prximo, tradies essas que so circunstanciais e no pressupoem a atividade divina na revelao. A descrena em um processo de auto-revelao da parte de Deus torna impossvel pensar que entre os diferentes escritos, cada um com uma tradio independente, ao longo de vrios sculos, exista algum tipo de unidade.

    Sem dvida existe grande diversidade entre os escritos da Bblia. No s em relao extenso de tempo em que eles foram escritos como tambm com relao aos motivos particulares que formam o ambiente em que cada um deles foi composto. Tanto Israel quanto a igreja primitiva tinham questes e problemas a serem resolvidos, onde cada um dos escritos do AT e NT nasceram.

    14

    Esse o termo teolgico em alemo usado pelos telogo bblicos e encontrado em diversos livros da rea.

    15 O mtodo histrico-crtico de interpretao o mtodo usado pelas linhas heterodoxas e que no aceitam a autoridade, inspirao e inerrncia das Escrituras. Olham para a Bblia como um livro ordinrio, repleto de erros que s podem ser percebidos analisando criticamente o desenvolvimento do texto ao longo do tempo. Existem vrias linhas de interpretao histrico-crticas: crtica das fontes, crtica da redao, crtica do cnon, crtica da forma, histria da tradio, etc. IMPORTANTE: quando falamos em crtica textual no estamos falando de um mtodo crtico de interpretao e sim do processo crtico pelo qual encontramos os textos do AT e NT que so mais confiveis dentro da tradio da igreja crist.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 20

    Essa diversidade faz com que a possibilidade de uma unidade desaparea? isso que postulam muitos estudiosos crticos. No entanto, esse ceticismo parte dos pressupostos histrico-crticos. A diversidade no implica em desunidade, antes, nos d a oportunidade de encontrar a unidade em um nvel mais profundo do que o superficial.

    At mesmo alguns estudiosos crticos, como Walter Eichrodt,16 encontram temas que expressam a unidade mais profunda entre os escritos bblicos. Alis, o primeiro telogo-bblico da era moderna a propor o pacto (ou aliana) como tema unificador foi Eichrodt (W. Eichrodt, Theology of the Old Testament (Londres: SCM Press, 1961) -1a edio em alemo, 1933/ 1a edio em ingls, 1961). J outros telogos heterodoxos, como Von Rad, postulam que no exista qualquer unidade entre os escritos vtero-testamentrios (von Rad, G., Teologia do Antigo Testamento (So Paulo: ASTE, 1974) -1a edio em alemo, 1960).

    interessante observar que toda a formulao da Confisso de F de Westminster17 quanto ao seu sistema teolgico fundamentada sobre o entendimento pactual (CFW, cap. VII). .

    Para ns importante refletir sobre o fato de que encontramos na Bblia uma grande diversidade de autores, pocas, temas tratados e local de origem dos textos. No compreender a diversidade bblica o caminho para uma tica fundamentalista a respeito das Escrituras. No entanto, a diversidade no , para ns, com o pressuposto da revelao divina e a inspirao do Espirito Santo sobre o texto sagrado, um problema, e sim, uma fonte de riqueza.

    Portanto, a diversidade no um fator que impossibilite a unidade.

    PROBLEMA 2

    HISTRIA DA TRADIO

    Segundo os estudiosos crticos, a histria da tradio um fator complicador da teologia bblica. A histria da tradio um mtodo de abordagem do texto bblico que tenta fazer uma reconstruo radical da histria do texto conforme o temos em mos. Basicamente, a histria da tradio tenta considerar e analisar as muitas tradies que esto por trs de um texto sem considerar o produto final, o texto propriamente dito. Um famoso postulante dessa escola Martin Noth, que diz que o texto bblico derivado de um grande nmero de tradies orais que em determinado tempo foram formatadas por um editor que lhas deu um carter nacional (ver Augustus Nicodemus Gomes Lopes, Lendo Josu como Escritura, Fides Reformata 4/2 (1999) 5-24, 7).

    16

    Ver bibliografia. 17

    A Confisso de F de Westminster (1649) a confisso de f reformada escrita na Inglaterra e seguida principalmente pelo ramo reformado Presbiteriano. Podemos dividir o movimento reformado em duas grandes linhas, a linha no continental (fora do continente europeu Inglaterra, Esccia e Irlanda), seguindo a CFW e a linha continental, originada na Holanda, que segue a chamada Trs formas de unidade, a saber, o Catecismo de Heidelberg, a Confisso Belga e os Cnones de Dort. Existem vrias outras confisses reformadas que seguem as mesmas linhas destas aqui citadas.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 21

    Outra linha dentro do mtodo da histria da tradio defendida por Hartmut Gese. Para ele, ao contrrio de Noth, a tradio no uma coleo artificial de tradies fragmentadas e at mesmo contraditrias, mas o resultado final de um longo processo de interpretao e re-interpretao das tradies para que as mesmas pudessem ser relevantes a novas situaes. Um exemplo seria a tradio dos Dez Mandamentos que foram re-interpetados diante de diferentes situaes (observe as diferenas entre xodo 19 e Deuteronmio 5). Segundo Gese, uma tradio no substitui, mas re-interpreta a anterior.

    Assim, o que encontramos no texto bblico seria uma re-interpretao de tradies anteriores por novos indivduos interessados em aplicar os velhos textos. De novo, esbarramos nos pressupostos desses estudiosos. Em ambos os casos, no consideram a atividade divina quanto re-interpretao do texto. O fato que ambas as linhas dependem de um grande volume de especulao em torno da reconstruo do texto, especulaes estas que mudam de acordo os ventos das opinies histricas e que tornam impossvel o desenvolvimento de uma TB.

    relevante para o estudante de teologia reconhecer estas linhas de desenvolvimento no mundo acadmico para que no caia como vtima destes mtodos de interpretao que se encontram como base de vrios livros teolgicos no mercado.

    Portanto, ainda que seja importante estarmos conscientes da histria da tradio, ela no uma ferramenta diretamente til ou essencial para o desenvolvimento da TB.

    PROBLEMA 3

    TEOLOGIA E CNON

    As discusses em torno do cnon certamente so determinantes com relao nossa forma de abordar a TB. H muitos sculos a igreja percebeu e reconheceu o cnon das Escrituras (esse assunto geralmente abordade nas aulas de panorama ou introduo do AT e NT). Foi sobre esse cnon que a igreja desenvolveu sua percepo teolgica, submetendo-se revelao de Deus. Os estudos crticos vieram se contrapor a essa percepo, negando a autoridade do cnon em virtude do ceticismo em relao revelao de Deus. Por vrios sculos deixou-se de falar em TB entre os estudiosos crticos, sendo feito um grande esforo em torno da histria de Israel e das tradies e fontes por trs do texto. Alis, entre os estudiosos crticos no se houve falar de uma teologia bblica entre os sculos XVII e XX.

    A partir da dcada de 30 do sculo passado houve um retorno ao estudo da TB. As propostas histrico-crticas mais recentes contemplam uma anlise cannica das Escrituras. Ao contrrio de outras escolas crticas que trabalham com o mtodo diacrnico18 de abordagem do texto (viz. histria da tradio), Brevard Childs prope uma anlise sincrnica19 do texto, uma

    18

    Analisam o texto ao longo do tempo (dia + cronos) tentando entender a sua formao e os fatores que levaram o texto a chegar forma em que se encontra. Nos estudos diacrnicos no h uma preocupao com a forma final do texto.

    19 O estudo sincrnico concentra-se na forma final do texto e sua mensagem.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 22

    anlise do produto final resultante dos processos de formao do mesmo. Na perspectiva de Childs, a TB se torna novamente possvel, mesmo com os pressuposto crticos. Com essa perspectiva, reforando a idia de cnon como contexto e as relaes internas entre as partes da Escritura, Childs faz um esforo similar a abordagem reformada da analogia da f (prximo tpico). O problema principal da abordagem da crtica cannica que ela acaba por rejeitar as ferramentas de interpretao do mtodo gramtico-histrico,20 fornecendo um contexto fictcio para os escritos bblicos. A inteno do autor no mais determinante para a compreenso do texto, e sim a inteno da comunidade que recebeu o texto como cannico e fez com que o texto se tornasse parte do cnon.

    Isso nos leva a um ltimo ponto sobre a questo da TB e cnon. H uma tendncia de muitos telogos, principalmente na rea dogmtica, de operar com um cnon dentro do cnon. Que quer dizer isto? que muitas vezes nos deixamos envolver por determinados pressupostos que nos fazem escolher dentro do cnon aquilo que mais nos agrada. Acabamos dando uma nfase no natural em determinadas linhas, fazendo-as mais centrais do que a prpria Escritura. Observe bem que com isso no queremos afirmar que no existam linhas centrais. O problema a subjetividade na determinao destes temas, principalmente quando usamos textos prova, sem a observao contextual necessria. Isso acaba formando o cnon dentro do cnon. Devemos sempre levar em considerao a unidade das Escrituras e o cnon como um todo. S assim o dogma, a comunidade ou o estudioso deixaro de predominar sobre o contexto cannico.

    PROBLEMA 4

    A ANALOGIA FIDEI E A REVELAO PROGRESSIVA

    A analogia da f outro assunto muito importante para o estudioso da TB. A analogia da f o princpio reformado de que a Escritura interpreta a Escritura.21 Osborne prope que talvez o melhor termo para ser usado fosse analogia scriptura (Hermeneutical Spiral, 273). Esse princpio, quando mal aplicado, gera uma distoro na TB. Isso acontece quando a analogia em passagens paralelas usada para determinar o sentido do texto sem deixar que a passagem fale por si mesma. Isto pode gerar uma conformidade artificial entre diferentes textos da Bblia. Isso acontece, sobretudo, quando a TB no trabalhada como precedente teologia sistemtica. Acaba-se por inserir no texto um significado que no o pretendido originalmente.

    realmente perigoso quando permite-se que a f determine o sentido do texto. Deve acontecer exatamente o contrrio. No entanto, no podemos nunca esquecer que a interpretao sempre envolve pressupostos. Assim, devemos trabalhar na TB sempre em dilogo consciente com a teologia sistemtica, perguntando se o sistema teolgico no ultrapassou os limites do texto ou torceu o texto em funo de seus pressupostos.

    20

    Historicamente os reformados usam o mtodo gramtico-histrico de interpretao, onde se busca interpretar o texto luz das regras sinttico-gramticas e seu contexto histrico, fazendo as perguntas clssicas da hermenutica: quem, quando, onde, porqu, para que, etc.

    21 Esse assunto abordado no estudo da hermenutica.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 23

    Outro perigo fundamental a paralelomania. Isso acontece quando o intrprete, sem uma anlise bblico-teolgica aprofundada, considera dois textos (seja por semelhana de palavras, temas ou situaes) como paralelos. muito importante que o telogo bblico tenha plena conscincia do carter progressivo da revelao de Deus que est registrado nas Escrituras.

    PROBLEMA 5

    ANTIGO E NOVO TESTAMENTO

    Talvez essa seja a rea mais difcil de se chegar a um consenso entre os telogos bblicos e uma rea central no debate sobre a TB. Est intimamente ligado a unidade e diversidade.

    Qual a autonomia dos testamentos dentro da unidade bblica? Fala-se constantemente sobre TB do AT e TB do NT. Seria essa uma terminologia apropriada? Muitos telogos, como Bultmann, tem advogado uma total descontinuidade entre os dois testamentos considerando o NT o incio de uma nova religio. Bultmann pergunta em seu artigo sobre profecia e cumprimento: Quanto, ento, a histria judaica do Antigo Testamento representa a profecia cumprida na histria da comunidade do Novo Testamento? Ela cumprida na sua contradio interna, um aborto. (Rudolf Bultmann, Prophecy and Fulfillment em Claus Westermann, Essays in Old Testament Hermeneutics (Richmond: John Knox Press, 1963), 50-75, 72). No entanto, essa separao absoluta fruto do negativismo prprio de alguns telogos crticos.

    Esse, porm, no um problema que afeta somente os estudos crticos. Mesmo entre os estudiosos ortodoxos existem linhas de interpretao que alegam uma descontinuidade irreal entre o AT e o NT (veja-se o dispensacionalismo).

    Porm, o simples fato do AT ser citado algumas centenas de vezes no NT, e de existirem, segundo Nestle-Aland, mais de 1100 aluses do AT no NT, suficiente para que se reconhea o quanto o NT depende, na sua formao, do AT. No s nisto, mas tambm com relao aos temas, vocabulrio, relaes tipolgicas e demonstrao do progresso da revelao fica clara a interdependncia dos testamentos.

    Assim sendo, alegar descontinuidade dar asas a pressupostos que nem mesmo vrios estudiosos crticos consideram.

    muito importante que o telogo bblico tenha uma noo muito clara da continuidade e unidade das Escrituras, o seu material bsico na construo da TB.

    IMPLICAES PRTICAS

    Ainda que existam questes a serem discutidas, elas no so insuperveis. Como vimos, as dificuldades no nos impedem de buscar por um centro unificador ou um Mitte para a teologia.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 24

    MITTE ADOTADO NESSE CURSO

    O centro unificador (mitte) ser um complexo integrado considerado seu estabelecimento desde a criao de trs temas: Reino, Pacto e Mediador. O reino a estrutura bsica que inclui todas as coisas; o instrumento administrativo do reino o Pacto e o Mediador o agente.22No nosso curso vamos adotar um Mitte com trs temas, a saber Reino / Pacto (aliana)/ Mediador. Essa a proposta de Van Groningen em seus livros Revelao Messinica do Velho Testamento (Campinas: LPC, 1995), 942 pginas e From Creation to Consumation (Siux Center: Dort Press College, 1996), 604 pginas - Em traduo pela Editora Cultura Crist).

    Uma ilustrao grfica da proposta ficaria assim:

    O reino o pacto e o mediador so os temas que interligam os Testamentos e

    os livros de cada um, mostrando a unidade essencial da revelao progressiva de

    Deus ao seu povo.

    22

    V. Groningen, From Creation to Consumation.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 25

    III. TEOLOGIA BBLICA: ESBOO

    Antes de analisar cada parte do Mitte adotado em nosso curso, precisamos ainda discutir a respeito da metodologia que usaremos em nosso curso. Como abordar as Escrituras com esses temas? Seria suficiente verificar tudo o que Bblia fala sobre cada um deles e condensar esse ensino em trs grandes captulos? Ou seria melhor abordar cada livro da Bblia para ver o que fala sobre esses temas? Ou ainda, analisar o desenvolvimento desses temas numa linha histrica? Essas perguntas devero ser respondidas abaixo medida em que analisamos diversas possveis abordagens. Descrevo abaixo os mtodos mais comuns usados na Teologia Bblica e as vantagens e desvantagens de cada um.

    A base do material abaixo foi adaptada do livro Hermeneutical Spiral, Grant Osborne (Downer Grove, IL: IVP, 1991).

    MTODOS

    O Mtodo Sinttico (ou temtico)

    Nessa abordagem temas teolgicos so traados atravs das camadas de material bblico em relao aos vrios perodos histricos. Isto pode ser feito de duas formas:

    1. seguindo a abordagem da histria da religio, que estuda as fontes e mudanas teolgicas nos perodos estudados (grande parte dos telogos bblicos do AT); 2. simplesmente descrevendo os aspectos teolgicos de diferentes autores sem grande preocupao em traar linhas de continuidade entre eles (muitos telogos na rea do NT). Esse mtodo tende a enfatizar a unidade das Escrituras. No entanto, corre-se

    o risco de tornar o resultado artificial e subjetivo, uma vez que as diferentes categorias ou temas podem ser impostos da teologia ao texto ao invs de naturalmente serem percebidos nele. At mesmo temas considerados universais como o pacto podem acabar sendo usados de forma indiscriminada, torcendo os dados bblicos, ou mesmo ignorando-os, para que o resultado se encaixe em um determinado padro.

    Mtodo

    Conceito Valor Perigo

    a) Sinttico Segue os temas teolgicos bsicos

    por todas as partes das Escrituras a

    fim de notar seu desenvolvimento

    atravs do perodo bblico

    nfase que d unidade das

    Escrituras

    Tendncia para a subjetividade:

    possvel enquadrar a matria do

    NT dentro de um padro artificial

    O mtodo analtico

    O mtodo analtico, seguido por George Ladd (Teologia do Novo Testamento, JUERP) o mtodo que se preocupa em estudar as nfases distintivas dos livros individuais da Bblia e o desenvolvimento das tradies para verificar qual a mensagem exclusiva de cada um. Dai termos os conceitos de Teologia Paulina, Teologia Joanina e etc. Essa proposta tem suas razes naquele que considerado o pai da teologia bblica enquanto disciplina distinta da teologia

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 26

    sistemtica, Johann Philipp Gabler, que em 1787, trabalhou pela primeira vez nesse tema: Sobre a distino apropriada entre Teologia Bblica e Teologia Dogmtica e os objetivos especficos de cada uma.23 a teologia bblica do perodo ps-iluminista.

    Esse mtodo tenta evitar perigos que so comuns na tarefa da teologia, como a tendncia de impor um determinado pensamento pr-concebido ao texto ou de canonizar determinados padres de pensamento, como se os distintos autores dos livros cannicos no tivessem caractersticas que lhe so peculiares.

    No entanto, os perigos desse mtodo so notrios. Um deles exatamente o de se perder de vista a unidade do pensamento bblico, fazendo da teologia uma mera colagem de teologias. No incomum, em determinados crculos, falar-se de teologias em contraposio a uma teologia bblica. Outro perigo a degenerao da abordagem em uma simples histria da religio, preocupada em buscar as origens do pensamento teolgico de um escritor ao invs de analisar os seus frutos e implicaes como Palavra de Deus.

    O mtodo da Histria da Religio

    Este mtodo tem semelhanas com o anterior mas tem suas peculiaridades enquanto escola de pensamento. Seu proponente mais conhecido Rudolf Bultmann. A proposta principal deste mtodo a de elucidar o desenvolvimento das idias religiosas dentro de Israel e na Igreja primitiva. Na maioria dos casos os proponentes do mtodo afirmam que as idias religiosas so tomadas de emprstimo das culturas e religies subjacentes do Antigo Oriente Prximo. Em geral, qualquer paralelo tomado como uma fonte ou uma analogia para o pensamento religioso conforme descrito no AT e NT. Dentro dessa perspectiva a histria da religio o norteador da forma como se busca os dados teolgicos e o existencialismo o controlador da interpretao. Quando o estudioso adotando esse mtodo se atm puramente aos dados bblicos, pode-se obter algum resultado positivo. A tendncia, no entanto, a de rever os dados luz dos dados extra-bblicos e suas concluses se tornam especulativas.

    c) Histrico Estuda o desenvolvimento de

    idias religiosas na vida do povo

    de Deus

    Tentativa de entender a

    comunidade dos crentes por trs

    da Bblia

    Subjetividade da maioria das

    reconstrues, nas quais o texto

    bblico est merc do

    pesquisador.

    O Mtodo da Crtica da Tradio

    A crtica da tradio , em certa medida, uma reao ao mtodo da histria da religio. Von Rad, um dos principais representantes dessa escola de pensamento, trabalha com os pressupostos de que a reconstruo histrica pura impossvel e o que de fato importa o desenvolvimento da confisso da comunidade na qual os escritos cannicos apareceram. Para Von Rad, a tarefa da teologia bblica trabalhar com a frmula confessional e no os eventos que originaram esta frmula.

    Nesse sentido, a histria objetiva no importante. O que importa a histria da salvao, que no tem conexo com a histria real. Para tanto, o telogo bblico precisa trabalhar com as teorias especulativas do desenvolvimento

    23[

    Johann Philipp Gabler and the Delineation of Biblical Theology em Scottish Journal of Theology 52/2 (1999), 139-57.

    b) Analtico Estuda a teologia distintiva de

    sees individuais e nota a

    mensagem especfica de cada uma

    delas

    nfase no significado do autor

    individual

    Diversidade radical, que resulta

    numa colagem de quadros, sem

    coeso

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 27

    das tradies ou comunidades (para fugir da especulao histrica trabalha-se com a especulao da tradio).

    Conseqentemente, para Von Rad, no existe um princpio normativo de interpretao. O AT contm uma srie de confisses religiosas de Israel e o NT uma srie de interpretaes destas confisses. A Escrituras se resumem a isto!

    O Mtodo Cristolgico

    Esse um ponto de certa forma crtico dentro de nossa definio. Crtico porque a tendncia evanglica a de fazer uma leitura cristolgica do Antigo Testamento. De acordo com os proponente dessa leitura, devemos interpretar cada parte do AT luz do evento de Cristo. At mesmo Karl Barth prope esta leitura.

    Em um certo sentido essa leitura representa um cuidado contra o mtodo da histria da religio e a desvinculao entre a mensagem do AT e NT que produzida, por exemplo, pelo mtodo analtico ou histria da tradio. Por outro lado, existem grandes perigos em uma leitura cristolgica. O primeiro deles exatamente a alegorizao do AT para que os textos possam ser lidos de acordo com o NT (por exemplo, a tentativa de se ler a relao de Cristo e a Igreja no livro de Cantares de Salomo). De certa forma perde-se a noo do progresso da revelao e sacrifica-se a mensagem do AT em funo do NT.

    Que toda a Escritura aponta para Cristo de fato o que cremos. Como, porm, isto acontece, o que deve ser bem esclarecido. Devemos partir do pressuposto que antes do advento de Cristo o AT era incompreensvel aos seus leitores? Creio que no. Ainda que o AT seja promessa e o NT o cumprimento (essa a proposta do Mitte centro unificador- de Walter Kaiser), existe uma mensagem no AT que era compreendida pelos leitores e receptores da revelao naquele perodo, a saber, a vinda do Messias e todas as suas implicaes. Que o NT nos esclarece pontos obscuros da mensagem do AT tambm parte do que cremos, mas na aplicao do nosso mtodo hermenutico devemos, caminhar passo a passo, considerando a mensagem do AT no seu prprio contexto e no simplesmente ler a mensagem do NT nas pginas do AT.

    d) Cristolgico

    Faz de Cristo a chave

    hermenutica dos dois

    Testamentos

    Reconhecimento do verdadeiro

    centro da Bblia

    Tendncia de espiritualizar

    passagens e forar interpretaes

    que lhes so estranhas,

    especialmente em termos da

    experincia veterotestamentria de

    Israel. No se deve considerar que

    tudo no AT ou no NT seja um

    "tipo de Cristo.

    O Mtodo Confessional

    Essa abordagem a que considera a Bblia como uma srie de declaraes de f. Essa proposta desconsidera o aspecto histrico da revelao e a interpretao que devemos fazer da mesma.

    O mtodo confessional impe ao texto categorias de pensamento. relevante conquanto enfatiza a necessidade dos credos, mas extremamente negativo no domnio que exerce sobre o texto bblico. Ao contrrio do que se possa pensar, vrios estudiosos liberais e neo-ortodoxos fazem uso desse mtodo (von Rad, Oscar Cullmann, Eissfeldt).

    Um dos princpios que gera essa abordagem a constatao de que impossvel ter uma aproximao neutra e s as comunidades originais podiam entender a teologia bblica. Nossa proposta que nos aproximemos, atravs do

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 28

    mtodo gramtico histrico, o mximo possvel, da compreenso dos primeiros leitores e assim possamos entender a teologia bblica.

    Mtodo Misto

    Como vimos acima, cada um dos mtodos possui algum ponto positivo. A combinao dos pontos positivos e o uso do texto bblico como guia, com pressupostos claros, pode eliminar vrias de suas dificuldades. por ai que vamos trabalhar o nosso esboo bblico teolgico. Osborne prope alguns critrios que devemos ter em mente aos quais acrescento meu pensamento e modifico abaixo:

    1. Os dados na construo teolgica devem refletir o pensamento individual de um autor assim como o gnero literrio que utilizado (sabedoria, o pensamento de Marcos ou Mateus, ou Rute).

    2. Devemos trabalhar com a forma cannica final dos documentos (para evitar a reconstruo especulativa) e buscar o inter-relacionamento dos temas teolgicos entre autores e livros da Bblia.

    3. Comear com o pensamento das obras e autores individualmente e depois traar os temas medida em que eles emergem naturalmente desses escritos e depois verificar os aspectos de unidade.

    4. Descobrir os temas individuais e depois a sua unidade dinmica e os aspectos mltiplos que os unem.

    5. Trabalhar com o pressuposto de que os autores individuais conheciam, em certa medida, o pensamento de autores anteriores a eles, assim como aspectos do pensamento de seus contemporneos.

    6. Trabalhar com ambos os testamentos, enfatizando tanto a sua unidade como a diversidade.

    Dessa forma estaremos aplicando os pontos positivos dos mtodos acima.

    Aceitando como verdadeiras as perspectivas dos autores bblicos (mtodo confessional), procurando, porm, no deixar de lado a abordagem descritiva, que considera de maneira relevante o aspecto histrico e o desenvolvimento da revelao na histria.

    A QUESTO DO DISPENSACIONALISMO

    O dispensacionalismo uma forma de esboo bblico teolgico que merece uma pequena descrio por ser o mtodo mais popular de interpretao das Escrituras. Sugiro a leitura do captulo "Alianas ou Dispensaes: Qual destas estrutura a Bblia?" de Palmer O. Robertson, O Cristo dos Pactos (Campinas: LPC, 1997).

    e)Confessional Considera a Bblia como uma

    srie de declaraes de f que

    esto alm do alcance da histria

    Reconhecimento dos credos e da

    adorao no NT

    Separao radical entre a f e a

    histria

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 29

    A interpretao dispensacionalista oposta interpretao pactual. A literatura que popularizou o dispensacionalismo na sua forma mais bsica foi a Bblia Anotada de Scofield (1910) e a literatura dispensacionalista representada hoje por autores como Ryrie, Dwight Pentecost, John McArthur, Charles Swindoll e Tim LaHaye. O Seminrio Teolgico de Dallas certamente o maior centro de divulgao desta teologia. certo que a interpretao

    dispensacionalista moderna difere em muito da antiga interpretao de Scofield. importante observar que dispensacionalistas, ainda que em oposio teologia Reformada pactual, so grandes aliados contra o liberalismo, modernismo e neo-ortodoxia (veja-se o exemplo de Macarthur).

    O dispensacionalismo bsico divide a histria da salvao em sete dispensaes (perodos), comeando com a dispensao da inocncia (veja a tabela). Mais recentemente j se fala em aliana ednica.

    Um dos resultados mais problemticos, e mais visvel dessa forma de interpretao a distino entre diferentes propsitos de Deus atravs da histria. No dispensacionalismo no se v uma unidade de propsito no plano de Deus. No se pode afirmar simplesmente que Deus trabalha para redimir um povo para si mesmo. Segundo o dispensacionalismo Deus tem um propsito para o Israel tnico e outro para a igreja! So dois propsitos distintos.

    Robertson faz uma boa comparao do sistema dispensacionalista com o pactual.

    SISTEMA PACTUAL

    No sistema pactual afirmamos que a histria da redeno contnua e que a vinda do Messias o cumprimento da promessa feita por Deus a Ado e Eva em Gnesis 3, no que chamamos de o proto-evangelho. O propsito de Deus na redeno nico: redimir um povo para si, sem a distino entre Israel e a Igreja. A igreja o verdadeiro Israel de Deus e Jesus Cristo, o Rei da aliana davdica, o mesmo Rei e Senhor da Igreja. A Confisso de F de Westminster fala de duas dispensaes, referindo-se forma de administrao do pacto da graa no perodo do AT e NT. Para maior esclarecimento dessa relao, faa a leitura obrigatria, "Lei e Graa" nas referncias.

    A proposta do nosso curso pactual. O esquema abaixo esboa a idia do progresso da revelao de Deus dentro do princpio pactual. A idia abaixo no de nos dar um "molde" para ler as Escrituras, mas a reflexo do que cremos ser a estrutura da revelao conforme a encontramos nas Escrituras.

    A diviso da histria da redeno conforme o pensamento dispensacionalista

    Inocncia

    Consincia

    Governo Humano

    Promessa

    Lei

    Graa

    Plenitude dos Tempos

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 30

    Note os seguintes aspectos: (1) O reino csmico de Deus o palco em que toda a criao est

    includa (representado pela linha tracejada). (2) Deus se revelou no tempo da criao, e enquanto

    o fez, ele pactuou com Ado e Eva (o pacto da criao representado pelas linhas escuras dentro

    das quais os perodos pactuais aconteceram). (3) Nove perodos pactuais, durante os quais foi

    dada cada vez mais revelao, seguiram-se um ao outro. Cada um pressupe a presena e atuao

    continuada dos precedentes. (4) A revelao dada no primeiro no anulada; ela expandida e

    explicada. (5) O pacto o meio administrativo que passa pelo centro. (6) No mago do pacto

    est o mediador (entre as duas linhas vermelhas). (7) Quando Deus garantiu a No que seu pacto

    seria mantido, ele falou do pacto da criao, com o pacto redentor sustentando-o e

    desenvolvendo-o.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 31

    MITTE: TEMAS INTEGRADOS

    Como dito anteriormente, vrios estudiosos da teologia bblica crem que existe um tema central unificador da teologia do Antigo Testamento (um Mitte) que costura as diversas partes do texto, apresentando, pelo menos, uma idia teolgica geral. Outros entendem que esse Mitte estende-se do AT para o NT. Terminamos nossa aula anterior afirmando que o nosso curso adotaria um Mitte com trs temas integrados: Reino / Pacto / Mediador. Nessa aula vamos discutir cada um desses temas integrados.

    REINO

    O Reino o primeiro dos trs conceitos que estudaremos. Literalmente, a frase "Reino de Deus" nunca aparece em nossas tradues do Antigo Testamento. A sua realidade, entretanto, marcante por toda a Escritura. [1] No porque a frase no aparece que o conceito deixa de existir. Em lugar algum das Escrituras voc encontra o termo trindade, mas sabemos que a Trindade um conceito fundamental que permeia toda a Escritura. O conceito do Reino de Deus um conceito chave para compreendermos a Bblia. Sem ele no podemos compreender corretamente a relao do prprio Deus com sua criao. Veja a explicao de Van Groningen sobre a natureza do Reino:

    O Resultado da Criao: O Reino Csmico

    O cosmos o reino; especificamente, o reino csmico. O termo reino (malkut) pode ser entendido como referindo-se a um ou mais aspectos envolvidos no conceito ou a todos eles. Um reino envolve uma pessoa, um rei (melek) ou rainha (malka) que tenha posio de autoridade suprema. Tambm envolve o exerccio efetivo da autoridade real (malak - reinar) e pode se referir cidade, palcio ou trono onde a autoridade exercida e de onde emitida. Finalmente, o termo "reino" refere-se ao domnio ou territrio sobre o qual o regente exerce sua autoridade real. Embora seja verdade que o termo no aparece em Gnesis 1-2, a idia, particularmente a de reino/domnio, certamente aparece. Os salmistas confirmaram isso quando cantaram sobre Yahweh reinando, seu trono desde a antigidade, e de um mundo firmemente estabelecido (Sl 93.1-2). Davi cantou sobre o trono de Yahweh estabelecido nos cus e seu reino governando sobre tudo (Sl 103.19). Ele cantou sobre o reinado e reino de Yahweh, referindo-se a todo o cosmos, quando exaltou ao "meu Deus e Rei" (Sl 145.1) cujo reino para sempre e cujo reinado resiste por todas as geraes (Sl.145.13). Os salmistas puderam cantar assim e os profetas anunciaram repetidamente que Deus era o Governador (rei) soberano e eterno sobre todo o universo, porque Deus tinha se revelado assim quando criou o cosmos.

    Assim sendo, no h nada no universo que esteja fora do domnio do Deus criador. Pergunto, o que que pode existir fora do domnio do criador? Seriam as foras do mal, Satans e seus seguidores? O prprio inferno? No, absolutamente nada est fora do domnio de Deus! Deus o rei soberano sobre todas as coisas e chamamos de Reino de Deus esse domnio que Ele exerce sobre tudo e todos. Observe o conceito abaixo:

    No fcil definir o Reino porque o prprio Senhor Jesus no o fez na sua pregao. H apenas inferncias da significao do Reino. Paulo disse que o

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 32

    Reino de Deus no comida, nem bebida, mas justia, alegria e paz no Esprito Santo (Rm 14.17), mas isto no uma definio. O entendimento do Reino de Deus mais aceito aquele que colocado nestes termos: O reino de Deus , antes, um modo de Deus governar; o exerccio de Suas regras, antes do que um territrio sobre o qual Ele rege. O reino de Deus pode, ocasionalmente, ter conotaes espaciais, quando se refere ordem das cousas ou a um estado de paz e alegria, mas o reino de Deus est sempre ligado especialmente ao Seu povo. O reino de Deus deve ser entendido como o governo de Deus ativo na histria humana. Quando dizemos que Deus o Senhor da histria, isto quer dizer que Ele est executando Seus planos nela. Isto hoje Ele faz atravs de Jesus Cristo, quando na histria humana Ele executa o propsito da redeno do pecador, sujeitando todas as cousas debaixo do Seu poder, inclusive o prprio Satans, at que a consumao do Reino se d no novo cu e na nova terra. O reino de Deus no deve ser entendido simplesmente como a salvao de alguns indivduos, ou como algo efetuado simplesmente nos coraes dos homens. O reino de Deus mais abrangente do que isso. Ele o governo de Deus sobre toda a criao. Deus o Rei e age na histria dos homens executando os Seus propsitos de antemo concebidos. Isto Deus faz hoje debaixo da administrao de Jesus Cristo. 24

    O conceito de reino as vezes complicado de se entender porque em nenhum lugar das Escrituras encontramos uma definio absoluta de Reino. Os textos das Escrituras que nos ensinam sobre o Reino normalmente tratam de aspectos do Reino, diferentes facetas desta realidade bblica. Observe algumas dessas facetas abaixo:

    Mt 4:17 Da por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque est prximo o reino dos cus.

    Em que sentido o reino pode estar prximo e no presente?

    Mt 4:23 Percorria Jesus toda a Galilia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenas e enfermidades entre o povo.

    O reino uma mensagem?

    Mt 5:3 Bem-aventurados os humildes de esprito, porque deles o reino dos cus.

    Como algum pode possuir o reino?

    Mt 6:10 venha o teu reino; faa-se a tua vontade, assim na terra como no cu;

    O reino pode estar no cu e no na terra?

    Mt 6:13 no nos deixes cair em tentao; mas livra-nos do mal pois teu o reino, o poder e a glria para sempre. Amm!

    Qual a relao entre o reino, o poder, a glria e a eternidade?

    Mt 6:33 buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justia, e todas estas coisas vos sero acrescentadas.

    Seriam os valores do reino?

    Mt 8:11 Digo-vos que muitos viro do Oriente e do Ocidente e tomaro lugares mesa com Abrao, Isaque e Jac no reino dos cus.

    Alguns j esto no reino.

    Mt 11:12 Desde os dias de Joo Batista at agora, o reino dos cus tomado por esforo, e os que se esforam se apoderam dele.

    Como pode o reino ser tomado por esforo? Como algum que se esfora se apodera dele?

    Mt 12:28 Se, porm, eu expulso demnios pelo Esprito de Aqui parece que o reino j est

    24

    Heber Carlos de Campos, A Doutrina do Reino de Deus, CPPGAJ No Publicado.

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 33

    Deus, certamente chegado o reino de Deus sobre vs. presente.

    Caso voc tenha um software de bblia, faa uma busca na palavra REINO e d uma rpida olhada nos resultados.25

    Leia os textos abaixo e relacione o conceito de Reino com a criao e observe como os escritores bblicos viam a extenso do Reino (no se esquea do contexto de cada um desses versos):

    a. Salmo 47.9

    b. Salmo 93.1

    c. Salmo 96.10

    d. Salmo 97.1

    e. Salmo 99.1

    f. Salmo 146.10

    g. Isaas 52.7

    h. Daniel 7 e 11

    i. Mateus 3.2

    j. Mateus 4.17

    k. Atos 28.31

    l. Apocalipse 1.9

    PACTO

    (O texto abaixo uma adaptao do texto que se encontra em Fides Reformata 3/1 (1998), Uma breve Introduo ao Estudo do Pacto)

    O substantivo pacto significa, segundo o Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa,(31) "ajuste", "conveno" ou "contrato". Estes trs substantivos so tambm usados para definir o significado do substantivo aliana. Diferentes verses da Bblia em portugus usam os substantivos pacto, aliana, acordo e concerto para traduzir o substantivo hebraico berith que aparece cerca de 290 vezes no Antigo Testamento.(32)Para todos esses sinnimos a idia bsica que encontramos a de unio entre duas partes, um pacto ou acordo bilateral. No entanto, at mesmo a etimologia do substantivo grandemente discutida. Basta passar os olhos por alguns dicionrios de teologia ou livros que tratem especificamente do assunto para verificar que h entre os estudiosos grande discordncia. As posies mais defendidas so: (1) a de que berith derivada do assrio birtu, que significa "lao", "vnculo"; (2) a de que o substantivo tem origem na raiz de barah, "comer," que aparece poucas vezes no Antigo Testamento (2 Sm 3.35; 12.17; 13.5; 13.6; 13.10; Lm 4.10), e est relacionado com a cerimnia que selava um acordo ou relacionamento entre partes; (3) a de que o substantivo est ligado preposio bein "entre."(33)De todas estas a primeira posio a mais aceita entre os estudiosos do Antigo Testamento.(34)

    Da prpria dificuldade em se estabelecer a origem e significado do termo berith surgem as primeiras divises no seio daqueles que defendem a teologia pactual. Por exemplo, exatamente o que se quer dizer quando se fala em acordo? Isto implica em que as alianas bblicas sejam "bilaterais"? No se pode negar que a idia de pacto traga consigo, no seu sentido mais natural, a bilateralidade, ou seja, duas partes so envolvidas em um pacto. Vrios pactos acontecem entre duas pessoas, naes ou grupos na narrativa bblica (ver Js 9.15; 1 Sm 20.16; 2 Sm 3.12-

    25

    Caso no tenha um software de estudos bblicos voc pode baixar gratuitamente da Internet o e-Swords (http://www.e-sword.net) inteiramente grtis e as verses da Bblia que lhe interessarem, incluindo Joo Ferreira de Almeida Atualizada (http://www.e-sword.net/files/bibles/pjfa.exe) e mandar salvar o arquivo. Se gostarem, me digam, e se no gostarem, tambm!

  • TEOLOGIA BBLICA - ANTIGO TESTAMENTO 34

    21; 5.1-3; 1 Rs 5.12); em certos casos um pacto feito para resolver uma disputa entre partes (Gn 21.22-32; 26.26-33; 31.43-54).

    Centenas de vezes o substantivo aparece no contexto de um pacto entre

    Deus e seres humanos. Como, nesse contexto, entender a bilateralidade? Um pacto implica sempre em igualdade entre as partes? Certamente que no. A bilateralidade, no contexto do pacto entre Deus e homens, implica to somente em que duas partes esto envolvidas, mas no que exista a igualdade entre essas partes. Telogos tm chamado esse tipo de aliana "unilateral" de "monergista," ou seja, iniciada e garantida por Deus nos seus termos. Portanto, estamos falando de uma aliana que no envolve um acordo de duas partes,(35)na qual no existe negociao de direitos e obrigaes. Nesse sentido a aliana divino-humana unilateral. um compromisso feito pela iniciativa de Deus com relao sua criao. O ser humano um receptor da aliana divina. Isso se torna evidente no texto de Gnesis 17.2, que traduzido para o portugus como "Farei uma aliana entre mim e ti" onde o verbo traduzido como "fazer" tem por raiz no hebraico o verbo "dar" (nathan), que nos daria, se traduzido literalmente, uma sentena sem sentido. No entanto, a fora do argumento est no fato de que a raiz do verbo traduzido por "fazer" em portugus envolve algo que dado: um pacto. O texto no reflete um acordo de duas partes iguais, com os mesmos