TEORIA CERAL · 1999-10-11 · 8 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL um compêndio ou tratado....

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Cândido Rangel Dinamarco Bruno vasconcelos Carrilho Lopes TEORIA CERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL' 2ª edição, revista e atualizada -- ---- ---- •••••

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Cândido Rangel DinamarcoBruno vasconcelos Carrilho Lopes

TEORIA CERALDO NOVOPROCESSO CIVIL'

2ª edição,revista e atualizada

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TEORIA GERAL DONOVO

PROCESSO CIVIL

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CÂNDIDO RANGEL DINAMARCOBRUNO VASCONCELOS CARRILHO LOPES

TEORIA GERAL DONOVO

PROCESSO CIVIL2ª edição,

revista e atualizada

- -MALHEIROS:~: EDITORES

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Teoria Geral do Novo Processo Civil(Ç) Cândido Rangel Dinamarco

Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes

1ª ed., 01.2016.

Direitos reservados desta edição porMALHElROS EDITORES LTDA.

Rua Paes de Araújo, 29, conjunto 171CEP 04531-940 - São Paulo - SP

Tel.: (11) 3078-7205 - Fax: (11) 3168-5495URL: www.malheiroseditores.com.bre-mail: [email protected]

Composição: PC Editorial Ltda.Capa: Vânia Amato

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

02.2017

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D583t Dinamarco, Cândido Rangel.Teoria geral do novo processo civil/Cândido Rangel Dinamarco,

Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. - 2. ed. - São Paulo: Malheiros, 2017.264 p. ; 21 cm.

Inclui índice e apêndice.ISBN 978-85-392-0359-8

1. Processo civil - Brasil. 2. Jurisdição. 3. Ação judicial. I. Lopes, BrunoVasconcelos Carrilho. 11.Título.

CDU 347.91/.95(81)CDD 347.8105

Índice para catálogo sistemático:1. Processo civil: Brasil 347.91/.95(81)

(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo - CRB 10/1507)

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Aos nossos colegasdo Departamento de Direito Processualda Academia do Largo de São Francisco

e do Escritório de AdvocaciaDinamarco, Rossi, Beraldo e Bedaque.

Tudo que pensamos, queremos e fazemosem direito processual

é fruto desses nossos centros de convivênciae do diálogo mantido permanentemente com esses colegas.

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APRESENTAÇÃO À lª EDIÇÃO

Este livro é o resultado de uma parceria entre um dos maisantigos e idosos processualistas em atividade no país e um jovemintegrante de uma geração bem posterior. Ao contrário de constituiruma barreira à harmonia e ao entendimento, essa distância entre asgerações foi para nós um estímulo à prática das virtudes da com-preensão, da humildade e da disposição a dialogar - e essa foi atríplice argamassa de uma edificação que, antes de agradar ou nãoagradar ao público leitor, representou para nós uma experiência ex-tremamente gratificante e manifestação da unidade das linhas geraisde pensamento geradas e cultivadas em nossa Escola Processual deSão Paulo.

O resultado foi uma conjugação entre a solidez de pensamentosamadurecidos durante mais de cinco décadas e a modernidade dasconstruções desenvolvidas na doutrina nacional e estrangeira emtempos mais recentes. O diálogo aberto, as discordâncias, as res-peitosas críticas recíprocas e a busca de soluções ao mesmo temposólidas e coerentes com o estado atual da ciência processual no Brasile no mundo foram, ao longo desses meses de preparo da nossa Teoriageral do novo processo civil, a fonte de nossas inspirações e de nossaforça. Nesta obra deixamos intencionalmente transparecer ideias econstruções já presentes na produção literária de cada um de nós,notadamente nas Instituições de direito processual civil e A instru-mentalidade do processo, de Cândido Rangel Dinamarco, e nas tesesLimites objetivos e eficácia preclusiva da coisa julgada, Honoráriosadvocatícios no processo civil e Tutela antecipada sancionatória, deBruno Vasconcelos Carrilho Lopes.

Como uma teoria geral que é, esta obra limita-se ao exame daslinhas mestras do sistema do processo civil contido no novo Códigode Processo Civil brasileiro, sem descer a especificações próprias a

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um compêndio ou tratado. Nossa linha estrutural caminhou sobre a baserepresentada pelos institutos fundamentais do direito processual, que sãoa jurisdição, a ação, a defesa e o processo - com a convicção de que to-das as normas, todos os conceitos e todos os princípios norteadores dessaciência estão contidos nesses quatro institutos de grande magnitude esempre se integram na área representada por um deles. Essa é a linhacentral ou a metodologia estrutural de nossa obra.

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO

BRUNO VASCONCELOS CARRILHO LOPES

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SUMÁRIO

Apresentação .. 7

CAPÍTULO IINTRODUÇA-O

I. direito e processo 152. teoria geral do processo 163. o direito processual civil e sua teoria geral................................. 174. as três fases metodológicas da ciência processual civil.............. 175. instrumentalidade e escopos do processo - o processo civil de

resultados 206. tutela jurisdicional 227. as crises de direito material e as diversas modalidades de tutelajurisdicional 24

8. tutela jurisdicional definitiva e a coisa julgada 259. as tutelas provisórias - a garantia constitucional da tempestivi-

dade, as tutelas de urgência e a tutela da evidência 2610. as tutelas de urgência (cautelares ou antecipadas) 2711. a estabilização da tutela antecipada 2812. a tutela da evidência 2913. efetividade, segurança e técnica processual............................... 3014. outros meios de solução de conflitos (ou meios alternativos) 3115. breve histórico do processo civil brasileiro - as fontes 3316. breve histórico do processo civil brasileiro - a doutrina 3517. processo civil comparado 3618. o atual modelo processual civil brasileiro 3719. fontes do direito processual 4020. ajurisprudência entre as fontes do direito 4121. irretroatividade da jurisprudência 4422. as normas processuais civis - cogentes ou dispositivas 4523. as dimens(jes da norma processual no espaço 4624. as dimensões da norma processual no tempo - irretroatividade 47

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25. jurisdição, ação, defesa e processo como institutos fundamen-tais 48

26. primazia da jurisdição 51

CAPÍTULO IIOS PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL

27. processo e Constituição - os princípios e o direito processualconstitucional- colisão entre princípios e a regra da proporcio-nalidade 53

28. inafastabilidade do controle jurisdicional- efetividade, tempes-tividade e adequação da tutela jurisdicional 54

29. tempestividade da tutela jurisdicional 5530. imparcialidade do juiz e a impessoalidade na condução dos

processos e nojulgamento das causas 5731. juiz natural 5832. igualdade processual.................................................................... 5933. contraditório - um direito das partes e um dever do juiz 6134. liberdade das partes 6635. publicidade dos atos processuais 6836. duplo grau de jurisdição 6937. motivação das decisões 7238. devido processo legal.................................................................... 74

CAPÍTULO 1IlJURISDIÇA-O

39. ajurisdição no quadro do poder estatal...................................... 7740. jurisdição estatal ejurisdição arbitral......................................... 7941. espécies de jurisdição estatal........................................................ 8042. jurisdição contenciosa ou voluntária 8043. jurisdição comum ou especial...................................................... 8244. jurisdição de direito ou de equidade 8245. jurisdição inferior ou superior 8346. limites àjurisdição - internos ou internacionais 8447. o direito processual civil internacional e a cooperação jurisdi-

cional- as cartas rogatórias - o auxílio direto 8548. a competência internacional do juiz brasileiro 8649. organização judiciária - temas fundamentais - a tutela consti-

tucional da organização judiciária 8750. o elenco fechado dos órgãos integrantes do Poder Judiciário.. 8951. as garantias institucionais do Poder Judiciário 9052. as garantias individuais dos juízes - os impedimentos 90

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SUMÁRIO 11

53. estrutura judiciária brasileira 9154. ojuiz - sua posição institucional................................................. 9355. ojuiz - funções, poderes, deveres e responsabilidade 9356. o impedimento e a suspeição do juiz 9457. os auxiliares da Justiça 9658. os auxiliares permanentes da Justiça 9759. os auxiliares eventuais da Justiça - os auxiliares de encargo

judicial e os órgãos extravagantes 9860. o advogado 10061. o Ministério Público 10162. as Defensorias Públicas 10263. competência - conceito e espécies 10364. competência - critérios determinativos 10565. conceitos de foro, fórum, comarca, subseção judiciária, seção

judiciária, Região ejuízo 10666. a competência dos Tribunais Superiores - originária ou recursal 10867. a competência civil das diversas Justiças (competência dejuris-

dição) 10868. competência territorial ou deforo 10969. concurso eletivo deforos 11070. foros subsidiários 11171. modificaç(jes da competência - competência absoluta e relativa 11172. prevenção 113

CAPÍTULO IVAÇÃO E DEFESA

73. direito de ação - conceito - a evolução histórica da teoria daação 115

74. condições da ação - a carência de ação 11675. a teoria da asserção 11876. defesa 119

CAPÍTULO VPROCESSO

77. processo, procedimento e a relação jurídica processual- o con-ceito de processo e o contraditório 123

78. a relativa rigidez e indisponibilidade do processo e do procedi-mento .. 124

79. diferentes tipos de processo e de procedimento 12780. o procedimento-padrão para a prestação da tutela jurisdicio-

nal 129

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81. afase postulatória 13182. afase ordinatória 13283. a fase instrutória 13484. afase decisória 13485. uma possível fase prévia, ou antecedente 13486. entre afase de conhecimento e a eventualfase de liquidação.. 13587. afase de cumprimento de sentença 13588. execução por título executivo extrajudicial................................ 13789. o processo monitório 14290. o processo dos juizados especiais 14291. mandado de segurança individual ou coletivo 14592. processo coletivo 14793. ação popular 14894. processo para o controle abstrato da constitucionalidade das

leis 14995. processo arbitral 15196. os sujeitos do processo 15297. juiz e partes na relação processual 15398. o conceito puro de parte e o conceito puro de terceiro 15499. parte e representante 155

100. sucessão processual e substituição processual........................... 155101. pluralidade de partes 156102. litisconsórcio 156103. intervenções de terceiros 159104. intervenção litisconsorcial voluntária 160105. intervenção do litisconsorte necessário 160106. assistência simples ou litisconsorcial 161107. recurso de terceiro prejudicado 162108. denunciação da lide 162109. chamamento ao processo 163110. sucessão do réu pela parte legítima 163111. incidente de desconsideração da personalidade jurídica 164112. amicus curire 164113. a tríplice capacidalle processual - a capacidade de ser parte, a

de estar emjuízo e a postulatória 165114. faculdades das partes -faculdades puras ou não 166115. ônus das partes 167116. deveres das partes 168117. o dever de lealdade 168118. formação, suspensão e extinção do processo 170119. formação do processo - a demanda 17l120. identificação da demanda - seus elementos constitutivos 171

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SUMÁRIO 13

121. relações entre demandas -litispendência, continência e conexi-dade .. 172

122. prejudicialidade 174123. cumulação de demandas 176124. estabilização e alteração da demanda 178125. o mérito e a distinção entre o objeto do processo e o objeto do

conhecimento do juiz 178126. pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito 179127. meios instrumentais do processo civil 181128. provas (ônus, objeto, meios, fontes e valoração) 181129. ônus da prova 183130. atos processuais 184131. negócios jurídicos processuais 187132. forma dos atos processuais (modo, lugar e tempo) e a medida

da adoção do princípio da liberdade das formas pelo Código deProcesso Civil 188

133. prazos 189134. preclusão 191135. defeitos dos atos processuais e a instrumentalidade das formas 193136. suspensão do processo 195137. extinção do processo ou dafase cognitiva 196138. julgamento do mérito 197139. custo do processo 198140. eficácia da sentença e coisa julgada - a eficácia preclusiva da

coisa julgada 200141. meios de impugnação das decisões judiciais 204142. recursos - conceito, espécies e efeitos 204143. os pressupostos de admissibilidade dos recursos e o seu mérito 208144. legitimidade recursal 208145. interesse recursal ~ 209146. adequação do recurso interposto 209147. tempestividade 210148. a regularidade formal da interposição e do processamento 210149. preparo 211150. juízo de admissibilidade ejuízo de mérito dos recursos 211151. apelação 212152. agravo de instrumento 214153. o recurso especial e o recurso extraordinário 214154. o recurso especial e o recurso extraordinário repetitivos e o

incidente de resolução de demandas repetitivas 215155. agravo interno 217156. embargos de declaração 217

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157. recurso ordinário 217158. agravo em recurso especial e em recurso extraordinário 218159. embargos de divergência 218160. incidente de assunção de competência 218161. incidente de arguição de inconstitucionalidade (reserva de Ple-

nário) 219162. a nova técnica que substitui o recurso de embargos infringen-

tes 219163. devolução oficial........................................................................... 220164. suspensão da tutela provisória 220165. as demandas autônomas de impugnação às decisões judiciais 221166. ação rescisória 221167. ação anulatória de sentença arbitral 222168. ação anulatória de atos negociais homologados judicialmente 222169. querela nullitatis 223170. relativização da coisa julgada 223171. reclamação 224172. mandado de segurança contra ato judicial 224173. habeas corpus 225174. arguição de descumprimento de preceito fundamental............. 225

Apêndice - Glossário Básico de Direito Processual Civil 227

Índice alfabético-remissivo 259

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CAPÍTULO!INTRODUÇÃO

1. direito eprocesso

Chama-se direito material, ou substancial, o corpo de princípiose regras referentes a fenômenos da vida ordinária de todo dia, como aunião de duas pessoas para a vida em comum e constituição de família,como o crédito, os atos ilícitos causadores de dano a outrem, as pres-tações de serviços, os cheques, as sociedades em geral, a relação dohomem com o meio ambiente, as relações econômicas de consumo etc.

O direito processual entra em cena quando algum sujeito, lamen-tando ao juiz um estado de coisas que lhe desagrada e pedindo-lhe umasolução mediante invocação do direito material, provoca a instauraçãodo processo.

O processo é uma técnica para a solução imperativa de conflitos,criada a partir da experiência dos que operam nos juízos e tribunais.Seus institutos são modelados segundo conveniências do exercício defunções e atividades muito específicas e reservadas a profissionais es-pecializados - e que são ajurisdição, exercida pelos juízes, a ação e adefesa, praticadas pelas pessoas em conflito através de seus advogadosbem como pelo Ministério Público nos casos em que a lei lhe dá legiti-midade para atuar.

O ordenamento jurídico divide-se portanto em dois planos distintos,interagentes mas autônomos e cada qual com sua função específica. Àsnormas substanciais compete definir modelos de fatos capazes de criardireitos, obrigações ou situações jurídicas novas na vida comum depessoas, além de estabelecer as consequências específicas da ocorrênciadesses fatos. As normas processuais ditam critérios para a revelação danorma substancial concreta emergente deles, com vista à efetivação prá-tica das soluções ditadas pelo direito material.

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16 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Há certos institutos processuais que guardam uma proximidademuito significativa com a situação de direito substancial em relação àqual o processo atuou ou deve atuar. Esses institutos - ação, competên-cia, fontes e ônus da prova, coisa julgada e responsabilidade patrimonial- são responsáveis por situações que se configuram fora do processo edizem respeito diretamente à vida das pessoas em sociedade, em suasrelações com as outras ou com os bens que lhes são úteis ou desejados;e só em um segundo momento eles são objeto das técnicas do processo,a saber, quando um processo se instaura e então se pensa nas atividadesa serem desenvolvidas para a sua atuação. Essas verdadeiras pontes depassagem entre o direito e o processo compõem o que se denomina dedireito processual material.

2. teoria geral do processo

Tudo que se diz a respeito do processo comporta distinções e es-pecificações conforme a análise se dirija ao processo civil, trabalhista,eleitoral, administrativo, penal, legislativo ou mesmo não estatal.Apesar dessas distinções, há pontos em comum que permitem integrartodos eles em um só quadro e inseri-los em um único universo do direito.Como resultado tem-se a formação da teoria geral do processo, definidacomo um sistema de conceitos e princípios elevados ao grau máximo degeneralização útil e condensados indutivamente a partir do confrontodos diversos ramos do direito processual.

A teoria geral do processo permite identificar a essência dogmáticado direito processual, em seus quatro institutos fimdamentais Uurisdi-ção, ação, defesa e processo). Ela é responsável pelo estabelecimentodo conceito de cada um e, acima disso, determina as funções quedesempenham no sistema; o direito processual como um todo e cadaum de seus ramos em particular compõem-se em torno da estruturarepresentada pelo poder a ser exercido, pelas posições das pessoas in-teressadas e pelas formas como esses complexos de situações jurídicassubjetivas se exteriorizam em atos coordenados aos objetivos preesta-belecidos, sempre relacionados com a oferta de uma tutela jurisdicionalàquele que tiver razão. Além disso, a teoria geral do processo tambémidentifica e define os grandes princípios e garantias que coordenam etutelam as posições dos sujeitos do processo e o modo de ser dos atosque legitimamente realizam ou podem realizar. Por fim, ela reúne eharmoniza os institutos, os princípios e as garantias, compondo assimo sistema processual.

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INTRODUÇÃO

3. o direito processual civil e sua teoria geral

17

o direito processual civil é responsável pelo exerCÍcio da jurisdição,ação e defesa com referência a pretensões fundadas em normas de direi-to privado (civil, comercial) e também público (administrativo, tributá-rio, constitucional). Excluem-se do âmbito do processo civil as causasde natureza penal e, em alguma medida, os processos que tramitam pe-rante a Justiça do Trabalho ou a Justiça Eleitoral, pois disciplinados pornormas próprias e sujeitos à lei processual civil apenas supletiva e sub-sidiariamente (CPC, art. 15). Nesse contexto costuma ser dito tambémque o direito processual civil é o ramo do direito processual destinadoa dirimir conflitos em matéria não penal. Chega-se a essa delimitaçãopor exclusão, à falta de algum outro critério mais direto para definir oslimites do direito processual civil.

Também o direito processual civil tem sua teoria geral, a qual,mesmo não sendo dotada da mesma amplitude e generalidade que ateoria geral do processo (supra, n. 2), é responsável pela identificação ecoordenação de seus próprios institutos. Esta é uma obra de teoria geraldo processo civil, em que as atenções se endereçam aos institutos fun-damentais integrantes da estrutura do sistema do processo civil, com asespecificações que lhe são próprias mas sem as especificações próprias aum compêndio em que os pormenores são estudados. Aqui se focalizama jurisdição civil, a ação civil, a defesa no processo civil e o próprioprocesso civil.

4. as três fases metodológicas da ciência processual civil

o processo civil moderno é o resultado de uma evolução desen-volvida a partir de um longo período no qual o sistema processual eraencarado como mero capítulo do direito privado, sem autonomia; passoupor uma fase de descoberta de conceitos e construção de estruturas bemordenadas, mas ainda sem a consciência de um comprometimento coma necessidade de direcionar o processo a resultados substancialmentejustos; e só em tempos muito recentes, a partir de meados do século XX,começou a prevalecer a perspectiva teleológica do processo, superadoo tecnicismo reinante por um século. Falamos por isso em três fasesmetodológicas na história da ciência processual civil: uma de sincretis-mo, vigente desde as origens; uma autonomista ou conceitual, que seimplantou em meados do século XIX; e, finalmente, uma teleológica ouinstrumentalista, que é a atual.

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18 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Só passou a existir um conhecimento organizado dos fenômenosprocessuais - e, portanto, uma verdadeira ciência do processo civil - nasegunda dessas fases; no sincretismo inicial os conhecimentos erampuramente empíricos, sem qualquer consciência de princípios e sem con-ceitos próprios. O processo era concebido como um modo de exercíciodos direitos, sendo visto apenas em sua realidade fisica exterior percep-tível aos sentidos; ou seja: era confundido com o mero procedimentoquando o definiam como uma sucessão de atos e nada se dizia sobre arelação jurídica entre seus sujeitos (infra, n. 77).

Essa primeira fase é qualificada como sincrética porque, sem aconsciência da autonomia do direito processual, os institutos processuaise o processo mesmo eram tratados no mesmo plano dos institutos dedireito material, como se dele fizessem parte. Essa ideia estava presenteem famosa manifestação de um romanista do século XIX, segundo oqual aquele que propõe a ação está a exercer o próprio direito,justamen-te porque a defesa do direito é um elemento constitutivo dele próprio(Vittorio Scialoja).

A segunda dessas fases (autonomista, conceitual) teve origem nafamosa obra com que, em 1868, Oskar Von Bülow proclamou em ter-mos sistemáticos a existência de uma relação jurídica toda especial entreos sujeitos principais do processo - juiz, autor e réu -, e que difere darelação jurídico-material litigiosa por seus sujeitos (a inclusão do juiz),por seu objeto (os provimentos jurisdicionais) e por seus pressupostos(os pressupostos processuais). A sistematização de ideias em tomo darelaçãojurídica processual conduziu às primeiras colocações do direitoprocessual como ciência, afirmados seu método próprio (distinto do mé-todo concernente ao direito privado) e seu próprio objeto. Essas ideiasfundamentais abriram caminho a um fecundíssimo florescer de refle-xões e obras científicas, especialmente da parte de alemães, austríacose italianos, e inicialmente voltadas a um dos conceitos fundamentais daciência processual: a ação. Construíram-se ricas e variadas teorias, todasconvergindo à afirmação de sua autonomia em face do direito material.Tomou-se consciência dos elementos identificadores da demanda (par-tes, causa de pedir, pedido - infra, n. 120), elaboraram-se as teorias dascondições da ação e dos pressupostos processuais (infra, nn. 74 e 126) e,acima de tudo isso, formularam-se princípios (infra, nn. 27 ss.). Os ale-mães dedicaram-se com particular interesse ao árduo tema do objeto doprocesso, seja em obras gerais ou monografias, chegando a soluçõesmais ou menos estabilizadas (infra, n. 125).

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[NTRODUÇÃO [9

Foi nessa segunda fase que os processualistas se aperceberam deque o processo não é um modo de exercício dos direitos, colocado nomesmo plano que os demais modos indicados pelo direito privado, mascaminho para obter uma especial proteção por obra do juiz - a tutelajurisdicional (infra, n. 6). O objeto das normas de direito processual nãosão os bens da vida (cuja pertinência, cujo uso, disponibilidade etc. odireito privado rege) mas os próprios fenômenos que na vida do proces-so têm ocorrência, a saber: a jurisdição, a ação, a defesa e o processomesmo.

Esse novo modo de encarar o processo, a partir de então cultivado,pôs fim à fase sincrética do direito processual, em que prevalecia aclássica conceituação privatística da ação como algo inerente ao própriodireito subjetivo material (daí também ser denominada de teoria imanen-tista) ou o próprio direito subjetivo que, quando violado, adquire forçaspara buscar sua restauração em via judiciária.

Daí a hoje repudiada indicação da ação como um direito adjetivo,dado que os adjetivos não têm vida própria e só se explicam pela ade-rência a algum substantivo. A alusão ao próprio direito processual comodireito adjetivo era sinal da negação da autonomia deste.

Depois, suplantada a fase sincrética pela autonomista, foi precisoquase um século para que os estudiosos se apercebessem de que o sis-tema processual não é algo destituído de conotações éticas e objetivos aserem cumpridos no plano social, no econômico e no político. Prepon-derou por todo esse tempo a crença de que ele fosse mero instrumentoapenas do direito material, sem a consciência de seus escopos metaju-rídicos e de suas responsabilidades perante a sociedade e seus valores.Esse modo de encarar o processo por um prisma puramente jurídico foisuperado a partir de quando alguns estudiosos, notadamente italianos(destaque a Mauro Cappelletti e Vittorio Denti), lançaram as bases deum método que privilegia a importância dos resultados da experiênciaprocessual na vida dos consumidores do serviço jurisdicional - o queabriu caminho para o realce hoje dado aos escopos sociais e políticosda ordem processual, ao valor do acesso à justiça e, numa palavra, àinstrumentalidade do processo.

Tal é o momento atual da ciência do processo civil, nesta faseinstrumentalista ou teleológica, em que se tem por essencial definir osobjetivos com os quais o Estado exerce a jurisdição, como premissa ne-cessária ao estabelecimento de técnicas adequadas e convenientes.

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5. instrumentalidade e escopos do processo- o processo civil de resultados

É vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a usualafirmação de que ele é um instrumento, enquanto não acompanhada daconsciência dos objetivos a serem alcançados mediante seu emprego -sabido que todo instrumento deve ser preordenado a um objetivo, comotodos os meios só têm significado e relevância quando predispostos a umfim. O raciocínio teleológico há de incluir então, necessariamente, a fi-xação dos escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores dasua instituição e das condutas dos agentes jurisdicionais que o utilizam.

Os escopos do processo são de natureza social, política e jurídica.O primeiro escopo social, que é o principal entre todos eles, é a pacifi-cação depessoas mediante a eliminação de conflitos comjustiça. É essaem última análise a razão mais profunda pela qual o processo existe e selegitima na sociedade. Outro escopo social é O de educação das pessoaspara o respeito a direitos alheios e para o exercício dos seus - o que,em última análise, é o que hoje se costuma indicar como exercício dacidadania.

Entre os escopos políticos do processo está o de dar amparo à esta-bilidade das instituições políticas. Generalizar o respeito à lei mediantea atuação do processo tem por decorrência o fortalecimento da autori-dade do Estado, na mesma medida em que este se enfraquece quandose generaliza a transgressão à lei. Outro escopo político é o de exercícioda cidadania. Sendo a participação política um dos esteios do Estadodemocrático, as nações modernas têm consciência da importância derealçar os valores da cidadania, premissa essa que repercute no sistemaprocessual mediante a implantação e estímulo a certos remédios destina-dos à participação política, como é o caso da ação popular (infra, n. 93).Tem-se ainda como escopo político a preservação do valor liberdade.O processo é um meio de culto às liberdades públicas mediante defesados indivíduos e das entidades em que se agrupam contra os desman-dos do Estado. Entre os modos disponíveis para a reação aos abusosde poder pelos agentes estatais e preservação dessas liberdades está aprestação da tutela jurisdicional mediante instrumentos como o habeascorpus, o mandado de segurança individual ou coletivo, o habeas dataetc. (Const., art. 5º, incs. LXVIII, LXIX, LXX, e art. 105, inc. I, letrab - infra, nn. 91, 172 e 173).

Finalmente, o escopo jurídico do processo é a atuação da vontadeconcreta do direito. A definição desse escopo decorre de uma tomada

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INTRODUÇÃO 21

de posição pela teoria dualista do direito, que se contrapõe à unitária.O ordenamento jurídico seria unitário se processo e direito material sefundissem em uma unidade só e a criação de direitos subjetivos, obriga-ções e concretas relações jurídicas entre sujeitos fosse obra da decisãojudicial e não da mera ocorrência de fatos previstos em normas gerais.A corrente dualista, bem ao contrário da unitária, afirma que a ordemjurídica se divide em dois planos muito bem definidos, o substanciale o processual, cada qual com funções distintas. O direito material écomposto por normas gerais e abstratas, cada uma delas consistente emuma tipificação de fatos previstos pelo legislador (hipótese legal, oufat-tispecie) e fixação da consequência jurídica desses fatos (sanctio juris):sempre que ocorre na vida concreta algum fato que se enquadre no mo-delo definido naquela previsão legal, automaticamente se desencadeiaa consequência estabelecida no segundo momento da norma abstrata.Direitos subjetivos, obrigações e relações jurídicas constituem criaçãoimediata da concreta ocorrência dos fatos previstos nas normas. O juiznão os cria nem concorre para a sua criação: limita-se a revelar a normaconcretamente destinada a reger os casos em julgamento, sem criá-Ia,porque ela já preexistia. Os direitos e obrigações existem antes do pro-cesso e em sua imensa maioria se extinguem pela satisfação voluntária,sem qualquer recurso a este ou aos juízes.

É da experiência comum a constituição e a extinção de direitos emnúmero indefinido de casos e correspondendo à normalidade da vida dodireito, sem qualquer intervenção jurisdicional. Os direitos estão aí emplena vida, na complexidade do convívio social, a eles sobrepairandoo sistema processual do exercício da jurisdição, com visas de generali-dade, somente como fator de severa advertência, ou seja, somente paradissuadir tanto quanto possível eventuais recalcitrantes com propensãoa condutas divergentes do sistema jurídico. O que a decisão judicialefetivamente acrescenta à situação jurídico-material existente entre aspartes é a segurança jurídica, a qual não é algo de novo do ponto devista substancial. Ela constitui fator social de eliminação de insatisfa-ções mas não traz alteração da situação de direito material, a qual lhepreexistia e agora veio a adquirir uma clareza e uma estabilidade antesinexistentes.

A definição dos escopos do processo e a consciência de que este éum instrumento a serviço de todos esses escopos permitem ao intérpretedefinir certas ideias, premissas e princípios que nortearão a concepçãodos institutos processuais em sua aplicação a cada situação concreta.Assume particular relevância nesse contexto a ideia de processo civil de

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resultados, de íntima aderência à missão social do processo e à teoriageral do processo civil.

Consiste esse postulado na consciência de que o valor de todo osistema processual reside na capacidade, que tenha, de propiciar aosujeito que tiver razão uma situação melhor do que aquela em que se en-contrava antes do processo. Não basta o belo enunciado de uma sentençabem estruturada e portadora de afirmações inteiramente favoráveis aosujeito quando o que ela dispõe não se projetar utilmente na vida deste,eliminando a insatisfação que o levou a litigar ou a resistir a uma preten-são de outro sujeito e propiciando-lhe sensações felizes pela obtençãoda coisa ou da situação postulada. Na medida do que for praticamentepossível, o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo eprecisamente aquilo que ele tem o direito de obter, sob pena de carecerde utilidade e, portanto, de legitimidade social.

6. tutela jurisdicional

Tempos houve em que a tutela de direitos era apontada como esco-po do processo, no sentido de que a jurisdição se exerceria e o processose realizaria com a finalidade institucional de proteger direitos. O pro-cesso seria um instrumento institucionalmente predisposto à tutela dosdireitos do autor - na mesma medida em que a ação seria o direito destede obter em juízo o que lhe fosse devido. O que determinou o banimentoda tutela de direitos do sistema e da linguagem do processualista moder-no foi a óbvia descoberta de que o processo não é um modo de exercíciode direitos pelo autor, mas instrumento público para o exercício da ju-risdição e consecução de seus escopos, particularmente o de pacificar ossujeitos e oferecer-lhes o acesso àjustiça (supra, nn. 4 e 5).

Não se fala hoje em tutela de direitos mas em tutela jurisdicional àspessoas, qualificada como o amparo que, por obra dos juízes, o Estadooferece a quem tem razão em uma causa posta em juízo. Tutela é ajuda,proteção. É jurisdicional a proteção outorgada mediante o exercício dajurisdição, para que o sujeito beneficiado por ela obtenha, na realidadeda vida e das relações com as coisas ou com outras pessoas, uma situa-ção mais favorável do que aquela em que antes se encontrava. Sabidoque o escopo magno do processo civil é a pacificação de pessoas e aeliminação de conflitos segundo critérios de justiça (supra, n. 5), consis-tindo nisso a função estatal a que tradicionalmente se chamajurisdição,segue-se que compete aos órgãos jurisdicionais outorgar essa proteçãoàquele cuja pretensão seja merecedora dela. O exercício consumado da

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INTRODUÇÃO 23

jurisdição há de ter por resultado a prevalência efetiva de uma pretensão,para que o conflito se elimine e cada um obtenha o que lhe é devidosegundo o direito (bens ou situações jurídicas). Sem a efetividade deresultados assim o processo civil careceria de legitimidade.

A definição de que a tutela jurisdicional é concedida às pessoaspermite concluir que ela tanto pode ser concedida ao autor quanto aoréu, conforme o caso. "Só tem direito à tutela jurisdicional aquele quetem razão, não quem ostenta um direito inexistente" (Liebman). O autorreceberá essa tutela quando o juiz, entendendo que ele tem razão, ouseja, que tem direito ao bem ou à situação jurídica pretendida, julgarprocedente a sua demanda. Mas da bipolaridade do processo resultaque, não tendo razão o autor mas o réu, a este será concedida a tutelajurisdicional e não àquele - e isso é feito mediante a sentença de im-procedência da demanda do autor. A declaração contida na sentençade improcedência é uma tutela concedida ao réu, com o mesmo pesoque teria o acolhimento da pretensão do autor. Ao negar a existênciado vínculo jurídico-material afirmado pelo autor com fundamento nosfatos trazidos em sua causa de pedir, a sentença de improcedência liber-ta o réu da pretensão deste e, quando passada em julgado, propicia-lheuma segurança jurídica equivalente à que o autor obteria em caso deprocedência de sua demanda. Considerar somente a tutela jurisdicionaldevida ao autor, sem estabelecer essa bipolaridade, é manter-se apegadoaos velhos preconceitos inerentes ao repudiado método conhecido comoprocesso civil do autor.

A tutela jurisdicional, assim enquadrada no sistema de proteçãoao homem em relação a certos valores, não se confunde com o próprioserviço realizado pelos juízes no exercício de uma função estatal. Não seconfunde com ajurisdição (infra, n. 39). A tutela é o resultado do pro-cesso em que essa função se exerce. Ela não reside na decisão judicialem si mesma como ato processual, mas nos efeitos que ela efetivamenteproduz fora do processo e sobre as relações entre pessoas ou entre estase os bens da vida. No processo ou na fase executiva tutela só haveráquando o titular do direito tiver obtido o bem desejado. No cognitivo omomento tutelar depende da espécie de crise jurídica a debelar e, por-tanto, da natureza e eficácia da sentença que acolher a pretensão daqueleque tiver razão. As crises das situações jurídicas e as de certeza sãodesde logo debeladas pela própria sentença (constitutiva ou meramentedeclaratória, conforme ocaso), dando-se desde logo a tutela; mas as deadimplemento perduram depois da sentença condenatória, e a tutela efe-tiva só poderá advir como fruto da execução forçada (infra, n. 7).

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Tutelajurisdicional não é somente a emissão de provimento juris-dicional em cumprimento ao dever estatal que figura como contrapostodo poder de ação. A ação, como direito a obter uma resposta do juiz àsua pretensão, em si considera-se satisfeita e exaurida sempre que emiti-do esse provimento, quer seja favorável ou desfavorável. É portanto umconceito indesejavelmente técnico e em boa medida vazio para quembusca resultados - e o processo civil de hoje é acima de tudo um pro-cesso civil de resultados (supra, n. 5). A utilidade prática que se desejado processo é a efetiva satisfação de pretensões apoiadas pelo direito.

7. as crises de direito materiale as diversas modalidades de tutela jurisdicional

Como referido, o sistema processual é estruturado para prestardiferentes modalidades de tutela jurisdicional, cada uma apta a debelarum tipo de crise de direito material. Em grandes linhas, são passíveisde serem prestadas as tutelas declaratória, constitutiva e condenatória(parte da doutrina subdivide esta última em condenatória, executiva emandamental).

A tutela declaratória visa a eliminar crises de certeza mediante umadecisão sobre a existência, inexistência ou modo de ser de uma situaçãojurídica. É admitida no ordenamento jurídico brasileiro de forma bas-tante ampla, mas com a exclusão de declarações sobre a ocorrência defatos - a tutela jurisdicional meramente declaratória pode ter por objetosomente a existência, inexistência ou modo de ser de direitos, obrigaçõesou relações jurídicas (CPC, art. 19, inc. I). Todas as sentenças prestamtutela declaratória, isolada ou agregada a algum outro efeito. Tambémsão declaratórias as sentenças de improcedência da demanda do autor,sem importar se o demandante pleiteou tutela de outra natureza, pois asentença de improcedência limita-se a declarar que a tutela por ele plei-teada não é devida.

A tutela constitutiva lida com a crise das situações jurídicas, paracriar, reconstituir, modificar ou extinguir uma situação jurídica. A sen-tença que presta tutela constitutiva sempre conterá uma declaração, naqual é reconhecido o direito à nova situação a ser criada, agregada a umsegundo momento lógico, no qual a nova situação é efetivamente criada.

É o caso de demanda em que se pede a anulação de um casamento.Em um primeiro momento lógico ela declara que o autor tem direito àdissolução do vínculo matrimonial, e no segundo realiza essa dissolução- e é esse momento que distingue as sentenças constitutivas das demais.

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INTRODUÇÃO 25

A tutela condenatória responde à demanda por uma prestação evisa a debelar uma crise de adimplemento. Em seu primeiro momentológico a sentença que concede essa tutela contém a declaração de exis-tência do direito do demandante, e no segundo a imposição da sançãoexecutiva, que autoriza a execução para o caso de o direito reconhecidonão ser satisfeito voluntariamente (cumprimento de sentença - infra, nn.80 e 87). A tutela executiva (por alguns denominada executiva lato sen-su) constitui uma complementação da tutela condenatória, responsávelpela efetivação prática do direito do demandante ao bem pretendido in-dependentemente de ser requerida a instauração da fase de cumprimentode sentença. Finalmente, a tutela mandamental, que também é espéciede tutela condenatória, incorpora uma ordem do órgão jurisdicional paraque o demandado faça ou deixe de fazer algo.

o art. 515, inc. r,do novo Código de Processo Civil atribui eficáciaexecutiva às "decisões proferidas no processo civil que reconheçam aexigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer oude entregar coisa" - e não apenas à sentença condenatória, como era datradição do direito brasileiro, o que põe em dúvida a diferença entre atutela declaratória e a condenatória.

8. tutela jurisdicional definitiva e a coisa julgada

Das funções realizadas pelo Estado (infra, n. 39) a jurisdição é aúnica dotada do predicado de definitividade, caracterizado pela imuni-zação dos efeitos dos atos realizados. Os atos dos demais Poderes doEstado podem ser revistos pelos juízes no exercício da jurisdição comfundamento na ilegalidade do ato ou incompetência do agente, mas ocontrário é absolutamente inadmissível.

O mais elevado grau de imunidade a futuros questionamentos éa autoridade da coisa julgada material, que se forma no momento emque todos os recursos admissíveis no processo hajam sido esgotados ou,pela não interposição no prazo, hajam se tomado inadmissíveis (infra,n. 140). A própria Constituição Federal assegura essa autoridade (art.5º, inc. XXXVI), primeiramente como afirmação do poder estatal, nãoadmitindo que os atos de exercício de um poder soberano por naturezapossam ser depois questionados por quem quer que seja. Tal é o primei-ro significado da imutabilidade em que se traduz a autoridade da coisajulgada material. Nem as próprias partes, nem outros órgãos estatais,nem o legislador ou mesmo nenhum juiz, de qualquer grau de jurisdição,

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poderão rever os efeitos de uma sentença coberta pela coisa julgada ecom isso alterar a situação concretamente declarada ou determinada porela (ressalvadas as excepcionais hipóteses de ação rescisória ou em queé possível questionar a coisa julgada por outros meios - infra, nn. 166ss.). Daí ser ela uma garantia constitucional, estabelecida em beneficioda intangibilidade dos resultados do processo e consequente segurançadas relações jurídicas.

A definitividade caracterizada pela coisa julgada e ordinariamenteindicada como característica da jurisdição só se impõe com relação àsdecisões de mérito e a algumas específicas decisões terminativas, indi-cadas no ~ IQ do art. 486 do cpc. Nos demais casos (as outras decisõesterminativa, tutelas provisórias etc.) não se tem verdadeira definitivi-dade, mas algum grau de imunidade - grau maior ou menor, conformeo caso. Existem pois medidas jurisdicionais definitivas e outras nãodefinitivas.

9. as tutelas provisórias - a garantia constitucional da tempestividade,as tutelas de urgência e a tutela da evidência

Entre as decisões judiciais que não contam com o atributo da defini-tividade ganharam destaque e nova sistematização no Código de Proces-so Civil de 20 15 aquelas que concedem a tutela provisória. Constituindoa tempestividade da tutela jurisdicional um dos três predicados sem osquais não se cumpre satisfatoriamente a garantia constitucional de aces-so à justiça (efetividade-tempestividade-adequação - infra, n. 28), cuidao direito infraconstitucional de predispor medidas técnico-processuaisdestinadas a propiciar a aceleração do processo e consequente oferta,com a menor demora possível, dos resultados esperados do exercício dajurisdição. Tais são as tutelas provisórias regidas pelos arts. 294 ss. donovo Código e que se qualificam, conforme o caso, como tutelas urgen-tes (arts. 300-3 10) ou tutela da evidência (art. 311). As tutelas urgentes,por sua vez, classificam-se em tutelas cautelares e tutelas antecipadas.

Essas tutelas levam o nome de provisórias justamente porque nãosão predestinadas a se perpetuar no mundo jurídico. Por disposiçãoexpressa do Código de Processo Civil, toda tutela provisória "pode,a qualquer tempo, ser revogada ou modificada" (art. 296). E elas sãoassim suscetíveis de revogação ou modificação porque são concedidasmediante uma instrução sumária, que não oferece ao juiz a certeza daexistência do direito do autor, mas somente uma idônea probabilidade, aque a doutrina denominafumus bonijuris.

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INTRODUÇÃO 27

Todas as tutelas provisórias relacionam-se de algum modo com odecurso do tempo e visam a proporcionar à parte algum grau de satis-fação em relação ao bem ou situação pretendido, sem a imposição dasinevitáveis longas esperas pela solução final da causa. As urgentes sãodestinadas também a neutralizar os efeitos corrosivos do tempo-inimigosobre possíveis direitos da parte, seja mediante comprometimento desua fruição, seja pela criação de insuportáveis dificuldades para isso - eessa situação de risco conceitua-se como periculum in mora. A oferta dastutelas provisórias em nível infraconstitucional pelo Código de ProcessoCivil constitui obediência ao ditame da "razoável duração do processo",imposto pela Constituição Federal em seu art. 5º, inc. LXXVIII (infra,n.29).

10. as tutelas de urgência (cautelares ou antecipadas)

A concessão das tutelas de urgência depende sempre da concomi-tante presença dos requisitos da probabilidade da existência do direitoafirmado pelo autor (jilmus boni juris) e do risco de seu perecimentopelo decurso do tempo (periculum in mora - CPC, art. 300, caput).Diante da opção feita pelo novo Código ao bifurcar as tutelas de urgên-cia entre as cautelares e as antecipadas, permanece relevante distinguiros conceitos referentes a cada uma delas. São cautelares as medidas comque a ordem jurídica visa a evitar que o passar do tempo prive oprocessode algum meio exterior que poderia ser útil ao correto exercício da ju-risdição e consequente produção, no futuro, de resultados úteis e justos(fontes de prova ou bens suscetíveis de constrições, como a penhora); esão antecipações de tutela aquelas que vão diretamente à vida das pes-soas e, antes do julgamento final da causa, oferecem a algum dos sujeitosem litígio o próprio bem pelo qual ele pugna ou algum beneficio que aobtenção do bem poderá proporcionar-lhe. As primeiras são medidas deapoio ao processo, e as segundas às pessoas.

Pôr o bem sob constrição judicial mediante o arresto, que é umamedida cautelar (CPC, art. 30 I), não significa que a parte interessada jáfique desde logo satisfeita em sua pretensão ao bem da vida em disputano processo - porque o arresto não põe o bem à disposição do credormas dojuizo, ficando em regime de depósito judicial, em princípio compessoa diferente do possível credor. Medidas como essa não são aptasa produzir o menor grau de satisfação, como as antecipatórias. Elas sãocautelares. Diferentemente, entregar o bem ao autor mediante um inter-dito possessório (nas ações de reintegração ou manutenção de posse etc.)

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ou mandar que a comissão de concurso admita o candidato a realizar aprova enquanto a sentença final não vem é oferecer provisoriamentea esses sujeitos uma situação favorável e benéfica em relação a algumbem a que talvez tenham direito. Essas medidas são antecipatórias detutela.

Realmente, o novo Código de Processo Civil optou por distinguirnitidamente o trato de cada uma das tutelas de urgência (as cautelares eas antecipadas), quando o muito que elas têm em comum aconselhavaum trato unitário. É atribuída relevância à distinção entre essas duastutelas urgentes ao instituir procedimentos distintos para cada uma delasquando postuladas em caráter antecedente, ou seja, antes da propositurada demanda principal (arts. 303-310). Como está no par. de seu art. 294,as tutelas de urgência tanto podem ser concedidas em caráter incidentalquanto antecedente, ou seja, no curso do próprio processo da ação prin-cipal ou antes de sua instauração (CPC, art. 294, par.).

A distinção entre tutela cautelar e tutela antecipada foi fonte deinúmeros problemas nas últimas duas décadas de vigência do Códigode 1973, não sendo raras as decisões que negavam tutela antecipadaapenas por ter sido postulada a título de cautelar ou vice-versa - e seriasalutar, por isso, que o novo Código evitasse por todos os modos que ojurisdicionado fosse exposto a risco semelhante. O art. 305, par., do novoCódigo de Processo Civil resolve em parte esse problema ao estatuir quediante de um pedido de antecipação de tutela equivocadamente tratadopela parte como pedido de medida cautelar o juiz o processará comopedido de medida antecipatória (art. 303).

11. a estabilização da tutela antecipada

Embora todas as tutelas provisórias sejam suscetíveis de revogaçãoou modificação a todo tempo (e por isso é que são provisórias - CPC,art. 296), uma disciplina muito peculiar é disposta pelo novo Código deProcesso Civil em relação à tutela antecipada de urgência postulada emcaráter antecedente. Seu art. 304, caput, dispõe que, concedida a anteci-pação, ela se torna estável "se da decisão que a conceder não for inter-posto o respectivo recurso". O processo será extinto mas, de acordo como S 2º do art. 304, "qualquer das partes poderá demandar a outra com ointuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada".A decisão antecipatória "conservará seus efeitos enquanto não revista,reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de quetrata os 2º" (art. 304, S 3º) e o "o direito de rever, reformar ou invalidar

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INTRODUÇÃO 29

a tutela antecipada, previsto no S 2º deste artigo, extingue-se após doisanos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos ter-mos do S Iº" (art. 304, S 5º). Sobre a natureza da estabilidade da decisãoantecipatória, o S 6º do art. 304 esclarece que "a decisão que concede atutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitossó será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferidaem ação ajuizada por uma das partes". Tem-se portanto uma decisãoantecipatória que se estabiliza independentemente de confirmação ul-terior em decisão que julgue o mérito da causa. Ela se estabiliza masnão faz coisa julgada. Mesmo após passado o prazo de dois anos paraa propositura da demanda destinada a rever, reformar ou invalidar dadecisão antecipatória não será formará a coisa julgada. A estabilidade sefortalecerá mas não contará com atributos idênticos à eficácia preclusivae à função positiva desta (infi'a, n. 140).

12. a tutela da evidência

Tutela da evidência é denominação equívoca que abrange diferentessituações em que a tutela pode ser antecipada, todas com o ponto em co-mum consistente na desnecessidade de uma situação de perigo a debelarou de um periculum in mora (CPC, art. 311, caput). Não é como nasmedidas urgentes (cautelares ou antecipadas), concebidas como meio depreservar os direitos contra possíveis deteriorações causadas pelo decur-so do tempo. A tutela da evidência é uma medida provisória suscetívelde ser concedida na pendência do processo e sem esperar por toda a tra-mitação do procedimento, podendo ser imposta como sanção ao "abusodo direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte" (art.311, inc. I - infra, n. 117) ou com fundamento em uma forte probabili-dade da existência do direito do autor, representada por documentos oupela harmonia com súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal outese firmada em julgamento de casos repetitivos (incs. lI-IV - infra, n.20). Pela própria descrição das hipóteses em que é cabível e da formacomo está disciplinada deduz-se que essa antecipação da decisão final dacausa somente pode ser concedida incidentalmente ao processo em quese pede a tutela definitiva, jamais em caráter antecedente.

Evidência na linguagem comum significa clareza, visibilidade oucerteza manifesta. Na teoria do conhecimento evidência é um "caráter deobjeto de conhecimento que não comporta nenhuma dúvida quanto à suaverdade ou falsidade". Mas a "evidência" com base na qual o juiz pode

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conceder essa espécie de tutela é menos que isso. Não passa de umagrande probabilidade com fundamento na qual o juiz poderá concederessa espécie de tutela - a qual, justamente por não traduzir uma certeza,é suscetível de revogação ou modificação a qualquer tempo, sendo porisso provisória (CPC, art. 296). No fundo é um jilmlls boni jllris qua-lificado, ao qual o legislador, em disposição discricionária, entendeude atribuir o efeito de autorizar a antecipação do julgamento da causa,independentemente da concreta presença de uma urgência.

13. efetividade, segurança e técnica processual

A tutela jurisdicional pode ser prestada mediante as chamadas viasordinárias ou pelas tutelas diferenciadas que se concedem mediante arealização de processos especialíssimos e destinados a produzir resulta-dos em menos tempo, como o monitório, o do mandado de segurança, odos juizados especiais etc. (infra, n. 78).

É também relevante o aspecto técnico residente na disciplina dosprocedimentos a serem adotados nos processos em geral e nos diversosgraus de jurisdição. Toda disciplina procedimental envolve o elenco deatos a serem praticados, a ordem sequencial de sua realização e aformacom que cada ato se realizará. Pelo aspecto daforma disciplinam-se omodo, o lugar e o tempo para a realização do ato (infra, n. 132). Alémdisso, ao estabelecer os casos em que cada modelo procedimental deveser adotado (procedimento comum ou especial, conforme o caso - in-fra, n. 78) a lei exige a observância desses preceitos, seja no tocanteà escolha do procedimento adequado, seja na realização de todos osatos exigidos, na ordem e pela forma adequadas. Essas são importanteslinhas da técnica processual destinada à correta busca da tutela juris-dicional.

O procedimento como técnica e a necessidade de sua observânciaconstituem fatores de segurança dos litigantes, sem os quais se abririacaminho para abusos, arbitrariedades e consequente insegurança. Devemno entanto ser afastados os exageros de um apego irracional à rigidezformal, do culto à forma pela forma, em prejuízo da efetividade do pro-cesso.

O processo civil moderno repudia o formalismo irracional, me-diante a flexibilização das formas e a interpretação racional das normasque as exigem, segundo os objetivos a atingir. É de grande importânciaa regra da instrumentalidade das formas, concebida para conduzir a essainterpretação e consistente na afirmação de que, quando atingido por

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INTRODUÇÃO 31

algum modo o objetivo de determinado ato processual e não ocorrendoprejuízo a qualquer dos litigantes ou ao correto exercício da jurisdição,nada há a anular ainda quando omitido o próprio ato ou realizado comtransgressão a exigências formais (CPC, arts. 277 e 282, S lº - infra, n.135). As exigências formais estão na lei para assegurar a produção dedeterminados resultados, como meios preordenados a determinados fins:o que substancialmente importa é o resultado obtido, ou o fim atingido,e não tanto a regularidade formal no emprego dos meios.

Disposições legais como essas constituem normas de superdireitoprocessual porque incidem sobre aquelas que exigem certas formas ecominam de nulidade certos atos irregulares, afastando sua incidênciaem nome da racionalidade do sistema.

14. outros meios de solução de conflitos(ou meios alternativos)

A solução de conflitos não é atividade exclusiva do Estado, median-te a oferta da tutela jurisdicional estatal. São crescentes a valorização eo emprego dos meios não judiciais de solução de conflitos, ditos meiosalternativos (ou paralelos à atuação dos juízes), como a arbitragem, aconciliação e a mediação - o que conduz ao reconhecimento da equi-valência entre eles e a jurisdição estatal. Do ponto de vista puramentejurídico as diferenças são notáveis e eliminariam a ideia de que se equi-valham, porque somente a jurisdição estatal tem entre seus objetivos ode dar efetividade ao ordenamento jurídico substancial, o que está forade cogitação nos chamados meios alternativos. Mas o que há de substan-cialmente relevante no exercício da jurisdição estatal, pelo aspecto socialdo proveito útil que é capaz de trazer aos membros da sociedade, estápresente também nessas outras atividades: é a busca de pacificação daspessoas e grupos mediante a eliminação de conflitos que os envolvam.Tal é o escopo social magno da jurisdição, que atua ao mesmo tempocomo elemento legitimador e propulsor da atividade jurisdicional (su-pra, n. 5).

O juízo arbitral, ou arbitragem, consiste no julgamento do litígiopor pessoa escolhida consensualmente pelas partes (o árbitro), median-te trâmites bastante simplificados e menor apego a parâmetros legaisrígidos (o possível julgamento por equidade - lei n. 9.307, de 23.9.96,art. 2º - Lei de Arbitragem/LA). Exclui-se esse meio quanto a direitosnão disponíveis (art. Iº c/c art. 25), justamente porque resulta de uma

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convenção entre as partes (convenção de arbitragem - LA, art. 3º), comrenúncia à jurisdição estatal - e o julgamento não é feito por um juizestatal, mas por árbitro, cidadão privado.

Depois de muita discussão uma alteração da Lei de Arbitragemveio a dispor que, em certas circunstâncias, também aAdministração PÚ-blica pode, sob certos requisitos e algumas ressalvas, submeter-se ao jul-gamento por árbitros (LA, art. IQ,9 IQ,red.lei n. 13.129, de 26.5.2015).

A conciliação consiste na intercessão de um sujeito entre os litigan-tes com vista a persuadi-los à autocomposição sugerindo-lhes soluçõese induzindo-os a se comporem amigavelmente. Pode dar-se antes doprocesso e com vista a evitá-lo, qualificando-se nesse caso como con-ciliação extraprocessual; quando promovida no curso do processo é en-doprocessual. Na mediação também se objetiva a autocomposição, massem que o mediador apresente propostas concretas de solução a seremapreciadas pelos litigantes. Ele atua identificando as causas do conflito,buscando alternativas para sua superação e propiciando as condiçõesnecessárias para as partes chegarem por si próprias a um acordo.

Em prestígio à solução dos conflitos por conciliação ou mediação,o novo Código de Processo Civil estabelece, com bastante amplitude,que "o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensualdos conflitos" (art. 3Q, 9 2Q) - para logo em seguida dizer que "a conci-liação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitosdeverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos emembros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judi-cial" (art. 3Q

, 9 3Q). No contexto dessa atitude de incentivo às soluções

concertadas entre as partes, seu art. 139, inc. V, inclui entre os deveresdo juiz o de "promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferen-cialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais". Alémdisso, a valorização desses meios alternativos na doutrina brasileira atuallevou o Conselho Nacional de Justiça a instituir uma "Política JudiciáriaNacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses", com o objetivo de"assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequadosà sua natureza e peculiaridade" (res. CNJ n. 125, de 29.11.20 IO,art. IQ,caput) - estabelecendo que "aos órgãos judiciários incumbe oferecermecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamadosmeios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestaratendimento e orientação ao cidadão" (art. IQ, par.).

As vantagens dessas soluções alternativas consistem principalmenteem evitar as dificuldades que empecem e dificultam a tutela jurisdicio-

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INTRODUÇÃO 33

nal, a saber: a) o custo financeiro do processo (taxas judiciárias, hono-rários de advogados, perícias etc.), que na conciliação ou na mediaçãoficam significativamente reduzidos; b) a excessiva duração dos trâmitesprocessuais, que muitas vezes causa a diluição da utilidade do resulta-do final; c) o necessário cumprimento das formas processuais, com airracional tendência de muitos a favorecer o formalismo. Indicam-setambém em prol da arbitragem (d) o melhor conhecimento da matériaa ser julgada pelos árbitros especializados, além (e) do menor apego àrigidez da lei, dada a possibilidade de optar pelo juízo de equidade (CPC,art. 140, par., c/c LA, art. 2º) e (f) da possibilidade de convencionar aconjidencialidade, que favorece a preservação da privacidade ou mesmode segredos empresariais.

15. breve histórico do processo civil brasileiro - asfontes

Pelo aspecto de suas fontes legislativas o processo civil brasileirodesenvolveu-se mediante oito fases históricas mais ou menos delimi-tadas entre si, começando pela aplicação das Ordenações do Reino eculminando, no presente, com o Código de Processo Civil de 2015.

Na primeira fase, logo em seguida à Independência brasileira, eranatural que, até que sobreviesse uma legislação nacional, prosseguissemem vigor neste país as Ordenações Filipinas, cujo Livro III regia o pro-cesso civil em todo o Reino Português.

A segunda fase foi representada pela chamada Consolidação Ri-bas, elaborada por solicitação do Governo brasileiro ao Cons. AntônioJoaquim Ribas e consistente na reunião em um só texto de toda a vo-lumosa messe de leis que haviam sido promulgadas com alteração dasdisposições contidas nas Ordenações Filipinas. A Consolidação passoua ter força de lei em dezembro de 1876.

A terceirafase foi precedida pelo Regulamento n. 737, editado peloGoverno Imperial brasileiro no ano de 1850 e destinado inicialmente areger apenas "a ordem do juízo no processo comercial" - até que, nosalbores da República, sobreveio um decreto mandando estender o dis-posto naquele Regulamento às causas cíveis em geral (dec. n. 763, de16.9.1890) e com isso consumando essa fase.

A quarta fase da história das normas de direito processual vigentesno Brasil foi a dos Códigos estaduais, propiciada pela Constituição Re-publicana de 1891 ao estabelecer a competência legislativa concorrenteda União e dos Estados para legislar sobre o processo. Essa fase nãodurou muito nem foi de bom nível a maioria dos Códigos estaduais que

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chegaram a ser editados - e a doutrina costuma realçar o bom nível so-mente dos Códigos da Bahia e de São Paulo.

A quinta fase começou no ano de 1939 com a vigência do primeiroCódigo de Processo Civil brasileiro de âmbito nacional, o que constituiefeito da reunificação da competência para legislar sobre o processo,ditada pela Constituição Federal de 1934.

A sexta fase principiou no ano de 1974 com a vigência do Códigode Processo Civil promulgado no ano anterior. Esse diploma foi porta-dor de algumas inovações de substância (efeito da revelia, julgamentoantecipado do mérito, recorribilidade de todas as interlocutórias, tratopormenorizado das cautelares em um livro específico, ênfase à éticaprocessual etc.) e muitos aperfeiçoamentos formais, notadamente delinguagem. Seu Anteprojeto fora elaborado em 1961 por solicitação doentão Presidente Jânio Quadros ao prof. Alfredo Buzaid, da Faculdadede Direito de São Paulo.

A sétima fase foi a fase das Reformas do Código de Processo Ci-vil de 1973. Ele principiou a ser reformado antes mesmo de entrar emvigor a IQ de janeiro de 1974, mediante leis promulgadas no próprioano de 1973, durante sua vacatio legis. Outras leis reformadoras so-brevieram nos anos subsequentes, até que nos anos 1994-1995 e 2002,por iniciativa de dois Ministros do Superior Tribunal de Justiça (Mins.Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira), veio um surtomuito intenso de novas leis responsáveis por uma significativa moder-nização do processo civil brasileiro, inclusive mediante a implantaçãode instrumentos de agilização da prestação jurisdicional (antecipaçãoda tutela jurisdicional, execução das obrigações de fazer e de não fazeretc.). Essas foram as chamadas Reforma do Código de Processo Civile Reforma da Reforma, seguidas da Lei do Cumprimento de Sentença,de 2005, responsável pelo traçado de um novo perfil do processo civilbrasileiro, um novo modelo. Das modificações que trouxe, a de maiormagnitude sistemática foi a implantação de um processo sincrético, quereúne em um único processo as atividades que antes eram realizadas emdois processos distintos e separados - o de conhecimento e o executivo.

A oitava fase é representada pela entrada em vigor do novo Códigode Processo Civil brasileiro, em março de 2016. O Anteprojeto desseCódigo foi elaborado por uma Comissão de onze membros, escolhidosentre conhecidos professores de direito processual civil e profissionaisdo direito, os quais traçaram desde logo as linhas fundamentais da novareforma, com grande valorização das garantias constitucionais do pro-

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cesso, dos meios alternativos de solução de conflitos, da cooperaçãoentre os sujeitos processuais etc.

16. breve histórico do processo civil brasileiro - a doutrina

A história do desenvolvimento da cultura processualística brasileirapode, logo de início, ser dividida em duas fases, uma das quais foi dosprimórdios do século XIX até ao ano de 1939 e a outra a partir desseano, quando aportou neste país o prof. Enrico Tullio Liebman. Sendo deorigem judaica, Liebman refugiou-se no Brasil em fuga às perseguiçõesantissemitas então praticadas pelo governo fascista de Benito Mussoliniem seu país, a Itália. Lecionou por sete anos como professor contratado naFaculdade de Direito do Largo de São Francisco, além de reunir e coorde-nar os estudos de um grupo de jovens processualistas da época, entre osquais vieram a ter muito destaque os profs. Luís Eulálio de Bueno Vidigal,José Frederico Marques e Alfredo Buzaid. Com essa atividade e com apublicação de vários estudos sobre o processo civil brasileiro, Liebmanfoi o responsável pela implantação de um novo pensamento processualís-tico neste país, conhecido como Escola Processual de São Paulo.

Em sua bagagem cultural Liebman trouxe ao país o que havia demais moderno e profundo na ciência processual europeia e particular-mente na italiana e na alemã. Tendo sido aluno de Giuseppe Chiovenda,que foi o grande fundador da Escola Processual Italiana, Liebman soubetransmitir aos seus discípulos brasileiros as lições deste e de outrosgrandes processualistas italianos da época, principalmente FrancescoCarnelutti e Piero Calamandrei, bem como dos alemães Hellwig, Kõle,James Goldschmidt etc.

Antes de Liebman pontificaram no processo civil brasileiro prin-cipalmente os paulistas João Mendes Jr. (no início do século XX) eGabriel de Resende Filho, o carioca Luís Machado Guimarães, o per-nambucano Francisco de Paula Batista e outros. Concomitantemente àsua presença e nas décadas que se sucederam, tiveram muito destaque,entre outros, os profs. Moacyr Amaral Santos, autor das conhecidíssimasPrimeiras linhas de direito processual civil, Galeno Lacerda, autor dohistórico Despacho saneador, José Joaquim Calmon de Passos, CelsoAgrícola Barbi, Alcides de Mendonça Lima, Celso Neves etc.

Bem depois, e já nos anos sessenta e setenta, começou a florescerno Brasil uma nova geração de grandes processualistas, com especial

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destaque ao carioca José Carlos Barbosa Moreira e aos paulistas AdaPellegrini Grinover e José Manoel de Arruda Alvim Netto. Foi nesseperíodo que, por influência do italiano Mauro Cappelletti e seu empenhopela efetividade do processo, muitos outros processualistas brasileirosse revelaram e muito produziram. Foi também desse período o início deuma postura constitucionalista da parte dos processualistas brasileiros,os quais passaram a valorizar significativamente os grandes pilares cons-titucionais do sistema processual.

Em tempos mais recentes, e especialmente por conta da preparaçãoe chegada do novo Código de Processo Civil brasileiro, formou-se umanova geração de processualistas brasileiros, muito presente na doutrinamediante seus escritos e participação em congressos, reuniões de estudosetc.

17. processo civil comparado

A ciência processual civil brasileira vive em tempos presentes,mais do que nunca, uma grande necessidade de tomar consciência dasrealidades circundantes representadas pelos institutos e conceitos dossistemas processuais de outros países, para a busca de soluções ade-quadas aos problemas da nossa Justiça. Isso é consequência natural dequatro ordens de fatores, identificados (a) na globalização econômicae cultural gerada pela crescente aproximação entre culturas de naçõessoberanas e intensificação do comércio internacional, (b) na crise delegitimidade pela qual passa o Poder Judiciário brasileiro, que inclusivejá levou à instituição de um Conselho Nacional de Justiça encarregadode lhe ditar ou retificar rumos, com poder censório sobre os juízes detodos os graus, (c) na assimilação de institutos novos pela própria lei doprocesso e (d) especificamente na coletivização da tutela jurisdicionalem uma sociedade de massa. Tais fatores de pressão tomam imperiosasas comparações jurídicas que sempre foram úteis ao aprimoramentoinstitucional do direito de um país e agora se revelam como prementenecessidade, sendo elas imprescindíveis para que não se caminhe àscegas nem se corram desnecessários riscos de fracasso e de injustiças.

A regra de ouro de toda comparação jurídica é a utilidade que elapossa ter para a melhor compreensão e a operacionalização de ao menosum dos sistemas jurídicos comparados. A partir daí chega-se à percepçãode que os estudos de direito comparado, necessários de modo assim ur-gente no processo civil brasileiro, devem endereçar-se aos ordenamentosjurídicos em que as novas realidades de interesse atual já tenham sido

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mais vivenciadas e àqueles com cujos países o Brasil vai estreitando re-lações comerciais e com os quais é indispensável incrementar meios decooperação jurisdicional. Daí o interesse por certos institutos da commonlaw, como as class actions (processo coletivo - infra, n. 92) e o staredecisis (vinculatividade dos precedentes - infra, n. 20); pela estruturae mecanismos judiciários e processuais dos países da América Latina,máxime daqueles integrantes do Mercosul; e pela ordem processual dospaíses europeus dos quais nos vêm alguns institutos aqui assimilados oucogitados em tempos recentes.

Os entusiasmos com o direito comparado precisam sempre, no en-tanto, ser refreados por uma série de cautelas impostas pela observaçãode alguns fatores que, quando não levados na devida conta, poderiamconduzir à inutilidade das comparações ou a distorções indesejáveis.Quando se diz que a comparação jurídica só se legitima na medida dautilidade que tiver ao menos para um dos ordenamentos comparados,é preciso extrair dessa máxima todo seu conteúdo sistemático, para en-tender que uma comparação jurídica, para ser realmente útil, precisa serautêntica (fiel) e boa (produtora de resultados úteis e corretos). Não têmrazão de ser as comparações que não partam do correto entendimento dosignificado das leis comparadas no contexto jurídico, cultural, políticoe econômico de seu próprio país; é indispensável captá-Ias em seu con-teúdo substancial na ordem jurídica a que pertencem e não meramentenas locuções verbais em que se expressam. Não são boas - e podematé ser prejudiciais - as comparações que, partindo de enganos quantoao significado que uma lei tem em seu sistema, conduzam a importarsoluções incompatíveis com o contexto sistemático da ordem jurídicanacional. Para evitar essas distorções, quatro ordens de fatores precisamser considerados, a saber: a) a diversidade das fontes do direito proces-sual (infra, nn. 19 e 20), (b) a estrutura do Poder Judiciário de cada país(infra, n. 49), (c) O modelo processual vigente em cada país (infra, n. 18)e (d) a diversidade de conceitos presentes nos ordenamentos jurídicoscomparados.

/8. o atual modelo processual civil brasileiro

Uma dada ordem processual, considerada pelo conteúdo específicodas normas que contém, pela concreta conformação dos órgãos que aoperam e pelo modo de ser dos institutos encadeados em razão desseobjetivo, constitui um modelo processual. Tem-se por modelo proces-sual cada um dos sistemas processuais encontrados especificamente nos

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diversos lugares do mundo e em tempos diferentes. Falar em modeloprocessual é considerar um dado sistema processual pelos elementosque concretamente o identificam e diferenciam de outros no tempo e noespaço. Com essas premissas, sabemos que o modelo processual civilbrasileiro é o resultado do que dispõem as normas constitucionais einfraconstitucionais deste país e neste momento com relação às técnicase categorias jurídicas predispostas à solução de conflitos e às pessoas econjuntos de pessoas encarregadas de pôr em ação as técnicas proces-suais. É usual em doutrina a distinção entre o modelo constitucional doprocesso e seu modelo infraconstitucional.

O modelo constitucional do processo civil brasileiro da atualidade écomposto pelas normas, pelos princípios e garantias integrantes do direi-toprocessual constitucional e particularmente por aquelas que oferecema tutela constitucional do processo (infra, nn. 27 ss.). Considerados oselementos estabelecidos nesse nível superior, chegamos a uma série decaracterísticas centrais do processo civil brasileiro, entre as quais sedestacam:

a) a unidade dajurisdição estatal, a qual no Brasil é exercida exclu-sivamente por juízes do Poder Judiciário, inexistindo aqui o contenciosoadministrativo, que é um sistema de órgãos verdadeiramente jurisdicio-nais integrados na Administração Pública e encarregados dos processosem que esta seja parte;

b) um Poder Judiciário separado e independente dos demais Pode-res do Estado, aos quais não presta conta e dos quais não recebe controleou fiscalização alguma (infra, n. 39);

c) a dualidade das técnicas de controle da constitucionalidade dasleis ou atos normativos, o qual poderá ser feito em sede de controleabstrato (Const., art. 102, inc. I - infra, n. 94) ou incidentemente emqualquer processo, por juízes ou tribunais de todos os níveis (controleincidental);

d) a oferta de um conjunto de garantias integrantes da tutela cons-titucional do processo, entre as quais a da inafastabilidade do controlejurisdicional, a do contraditório, a da igualdade, a do juiz natural, a dapublicidade dos atos processuais, o severo veto às provas obtidas pormeios ilícitos, a exigência de motivação de todas as decisões judiciáriasetc. (infra, nn. 27 ss.).

O conjunto dessas disposições e garantias impostas pela ordemconstitucional permite identificar o perfil democrático do processo civilbrasileiro, sendo essa a síntese de seu modelo constitucional.

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INTRODUÇÃO 39

A diferenciação e identificação do modelo processual brasileirono plano infraconstitucional deve ser buscada mediante a observaçãode todo o conjunto da legislação vigente, inclusive em diversas leisextravagantes, e não somente no Código de Processo Civil. Por suavez, o novo Código reproduz certas características da ordem processualjá implantadas na vigência do estatuto revogado e também inovou aoimpor outras, que de igual modo concorrem à identificação do modelobrasileiro.

A primeira e mais ampla das constatações emergentes dessa obser-vação é a da coletivização da tutela jurisdicional, ausente no Códigomas presente de modo muito especial na Lei da Ação Civil Públicae no Código de Defesa do Consumidor (infra, n. 92). Do confrontoentre o novo Código de Processo Civil e essas leis resulta a percepçãode que no modelo brasileiro convivem a tutela individual e a coletiva,cada qual com seu determinado campo de atuação. A implantação datutela coletiva foi um fator de primeira grandeza para a identificação domodelo processual civil atual, em confronto com a ordem vigente antesdaquelas leis.

No âmbito do Código de Processo Civil a mais ampla de todas ascaracterísticas do processo civil brasileiro é representada pela implanta-ção de um processo sincrético, com a instituição de um procedimento--padrão no qual se decide sobre a concessão de eventual tutela provisó-ria, se realizam as atividades de cognição, culminantes na sentença demérito, bem como se propicia efetividade aos efeitos desta mediante aexecução forçada (infra, n. 80). Essa construção diferencia o modelo deagora em relação ao vigente antes da lei que por primeiro implantou oprocesso sincrético, a Lei do Cumprimento de Sentença (lei n. 11.232,de 22.12.2005). Diferencia-o também dos clássicos modelos processuaisdos países europeus mais adiantados, nos quais a cognição e a execuçãose processam em processos separados e autônomos e não em meras fasescomo no processo sincrético brasileiro.

O novo Código trouxe também algumas outras inovações muitorelevantes, como (a) a grande abertura que proporciona à efetivação dosmeios alternativos de solução de conflitos, consistentes na arbitragem,na conciliação e na mediação (supra, n. 14), (b) a implantação de umsistema colaboracionista, no qual o juiz e as partes são conclamados adialogar e a cooperar entre si para a busca de soluções com a maior bre-vidade possível (infra, n. 33), (c) a grande valorização da jurisprudência,que severamente seu art. 927 manda que os juízes e tribunais observemnas hipóteses que indica etc. (infra, n. 20).

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Além dessas características de grande impacto no sistema, outraso atual modelo processual civil apresenta, algumas delas vindas daslegislações anteriores mas também responsáveis por uma contraposiçãoentre esse modelo e o de outros países. É o caso (a) da singularidadedos juízos em primeiro grau jurisdicional, em oposição aos sistemas eu-ropeus em que o primeiro grau é representado por um órgão colegiado,(b) da divisão do procedimento cognitivo emfases, com a delimitaçãoentre estas e sem a possibilidade de retomar a uma fase anterior para arealização de atos inerentes a ela (infra, n. 78), (c) das preclusões ine-rentes a essa rigidez, perdendo a parte o direito de realizar os atos de seuinteresse quando não os houver realizado em tempo oportuno (infra, n.134), (d) dos poderes de iniciativa probatória, racionalmente concedidosao juiz para que, em certos casos, ele possa determinar a realização deprovas independentemente de pedido das partes (mitigação do princípiodispositivo - infra, n. 33), (e) da oferta de tutelas de urgência e da tutelada evidência (arts. 294 ss.) como instrumentos de aceleração da tutelaju-risdicional (supra, nn. 9 ss.), (f) dos severos poderes concedidos ao juizpara assegurar a efetividade dessa tutela, inclusive mediante a imposiçãode sanções pecuniárias ao obrigado renitente (astreintes) etc.

19. fontes do direito processual

Fontes do direito são os canais pelos quais as normas vêm ao mun-do jurídico, oriundas da vontade do ente capaz de ditá-Ias e impô-las oude exigir sua observância. São, por esse aspecto, asformas de expressãodo direito positivo, lembrando que o direito é composto não somentepelas normas positivadas, mas também pelos valores sociais que lhesestão à base e devem transparecer no exame de cada fato relevante paraa vida das pessoas ou grupos.

O direito processual civil tem por fontes (a) a Constituição Federal,(b) a lei complementar federal, (c) a lei ordinária federal, (d) os tratados,convenções ou acordos internacionais dos quais a República Federativado Brasil faça parte, (e) as Constituições e leis estaduais, (f) os regimen-tos internos dos tribunais e (g) a jurisprudência, em algumas situações edentro de certos limites. Não há leis municipais sobre o direito proces-sual nem se admitem medidas provisórias com esse objeto (Const., art.62, S Iº, letra b).

A Constituição Federal é responsável pelo enunciado dos grandesprincípios e garantias do direito processual, pelo regramento básico doPoder Judiciário e pela fixação de certas competências no âmbito des-

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INTRODUÇÃO 41

te. O arsenal desses princípios e garantias integra o direito processualconstitucional, constituindo o que se chama tutela constitucional doprocesso. Aos princípios e garantias constitucionais estão subordinadoso direito infraconstitucional, que deve obrigatoriamente observá-los(supremacia da Constituição), bem como os juízes e tribunais, que têm odever de dar-lhes efetividade em casos concretos.

A lei ordinária federal é um diploma normativo aprovado pelasCasas do Congresso e sancionado pela Presidência da República. A com-petência para toda a legislação processual é exclusiva da União (Const.,art. 22, inc. I) e o Código de Processo Civil é a mais importante entreas leis ordinárias federais responsáveis pela disciplina do processo civilbrasileiro.

A lei complementar federal é uma lei também aprovada pelo PoderLegislativo Federal e sancionada pela Presidência da República, com acaracterística consistente na exigência de aprovação por maioria absolu-ta de cada uma das Casas do Congresso Nacional (Const., art. 69). A LeiOrgânica da Magistratura é uma lei complementar de muita repercussãona ordem processual brasileira, na medida de sua recepção pela Consti-tuição Federal de 1988 (lei compl. n. 35, de 14.3.79).

Os tratados e convenções internacionais ocupam a mesma posiçãodas leis ordinárias federais na hierarquia das leis, salvo aquelas queversem sobre direitos humanos, como é o caso do Pacto de São José daCosta Rica, que é a Convenção Americana de Direitos Humanos, em vi-gor desde 1978 e incorporada à ordem jurídica brasileira em 1992 (dec.n. 678, de 6.11.92). Por força do disposto no art. 5º, S 3º, da ConstituiçãoFederal, no Brasil os tratados portadores desse conteúdo gozam de statusconstitucional.

Às Constituições dos Estados a Constituição Federal atribui a com-petência para definir a competência de seus Tribunais de Justiça (art.125, S Iº). As leis estaduais são responsáveis pela organização judiciáriade cada Estado e sempre serão de iniciativa do Tribunal de Justiça (art.125, S Iº). Aos tribunais compete, por meio de seus Regimentos Inter-nos, disciplinar as chamadas questões interna corporis (Const., art. 96,inc. I, letra a).

20. ajurisprudência entre asfontes do direito

A inclusão ou não inclusão da jurisprudência entre as fontes dodireito processual civil constitui uma resultante do que a respeito dis-

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puserem a Constituição e a lei de determinado país em determinadomomento, não sendo viável uma tomada de posição a respeito dessa tor-mentosa polêmica com caráter de generalidade e sub specie ceternitatis.Uma resposta havida por correta em dada ordem jurídica pode não sê-locom referência a uma outra. O que se afirma hoje pode não coincidircom o que vigia no passado neste mesmo país.

Há algum tempo vem sendo questionada a divisão em comparti-mentos estanques entre os sistemas jurídicos da common law e da civillaw, ou entre os sistemas ligados à chamada família romano-germânicado direito e os dafamília anglo-americana. São crescentes nos países decivil law o prestígio e a força da jurisprudência, enquanto na commonlaw as leis crescem em número e adquirem maior relevância - relativi-zando-se com isso as tradicionais e notórias diferenças entre esses doissistemas. O ordenamento jurídico brasileiro sempre foi tratado como umtípico ordenamento jurídico de civil law, em que a jurisprudência nãoconstitui fonte do direito, mas essa é uma afirmação que, dada a evolu-ção experimentada nas últimas décadas, foi gradualmente se tornandoinsustentável.

Constitui significativo marco inicial dessa evolução a criação da Sú-mula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, noano de 1963. Apesar de não guardarem força vinculante, os enunciadosdessa Súmula vêm sendo utilizados como parâmetro para o julgamentodas causas com elas relacionadas, por refletirem a posição consolidadado Supremo Tribunal Federal acerca de um tema. A evolução prosseguiucom o Código de Processo Civil de 1973, que instituiu a uniformizaçãodejurisprudência (arts. 476-479) e, nesse passo, legitimou a criação desúmulas pelos demais tribunais. Nos anos noventa e no início deste sé-culo tal evolução tornou-se mais nítida e se acelerou, com as novidadestrazidas por várias lei especiais, que de algum modo estabeleceram anecessidade de observância de certos precedentes jurisdicionais pelostribunais e pelos juízes. De enorme significado sistemático foi a im-plantação das súmulas vinculantes, as quais, diferentemente das nãovinculantes, são de observância obrigatória em todos os graus de jurisdi-ção, inclusive com a possibilidade de reclamação ao Supremo TribunalFederal em caso de descumprimento (Const., art. I03-A - lei n. 11.417,de 19.12.06). Em nível infraconstitucional constitui também importantepasso em direção à inclusão da jurisprudência entre as fontes do direito acriação do incidente de julgamento dos recursos repetitivos pelo Supre-mo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça (CPC-73, arts.543-8 e 543-C - CPC-2015, arts. 1.036 ss. - infra, n. 154).

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INTRODUÇÃO 43

Essa evolução normativa, aliada à relevância espontaneamenteconferida à jurisprudência na prática judiciária da atualidade, preparouo terreno para a imposição, agora presente no novo Código de ProcessoCivil, da obrigatória observância de determinados precedentes, decisõese linhas jurisprudenciais pelos juízes de todos os níveis - o que, emconsequência, os qualifica como verdadeiras fontes do direito. Váriosdispositivos desse estatuto convergem a essa imposição, o que, emúltima análise, constitui manifestação de um dos propósitos básicos dolegislador de 2015, expressos em sua Exposição de Motivos - a saber, opropósito de "imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando--lhe assim maior coesão".

No novo Código, seu art. 926 constitui um suporte dessa reorgani-zação das fontes do direito, ao estatuir que "os tribunais devem unifor-mizar sua jurisprudência e mantê-Ia estável, íntegra e coerente". Mantê--la estável, íntegra e coerente significa prestigiá-Ia mediante sua obser-vância sistemática, o que passa a ser imposto logo no art. 927, segundo oqual "os juízes e os tribunais observarão" os precedentes ali indicados,como as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle abstrato deconstitucionalidade (inc. 1), os enunciados de súmula vinculante (inc. 11),os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resoluçãode demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário eespecial repetitivos (inc. I1I) etc.

A jurisprudência deixou portanto de exercer mera influência noespírito dos aplicadores da lei e passou a integrar o conjunto normativoa ser considerado nos julgamentos. Em reforço a esse entendimento, oart. 489, S Iº, inc. VI, do novo Código de Processo Civil dispõe que "nãose considera fundamentada qualquer decisão judicial" que "deixar deseguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pelaparte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamentoou a superação do entendimento" (inji'a, n. 37) e o art. 988 oferece a re-clamação como meio destinado a garantir a observância de algumas dasdecisões vinculantes indicadas no art. 927 (infra, n. 171).

o art. 927 do Código de Processo Civil não indica entre as decisõesque deverão ser observadas pelos juízes e tribunais a decisão do Supre-mo Tribunal Federal sobre matéria a respeito da qual tenha sido reco-nhecida repercussão geral. No entanto, seu art. 988, S 5º, inc. lI, afirmao cabimento de reclamação contra a decisão que não a observar, apóso esgotamento das instâncias ordinárias. O cabimento da reclamação éindicativo de que esse precedente também é de observância obrigatória.

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44 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Após toda essa evolução e agora com a obrigatoriedade da obser-vância desses precedentes judiciais, na ordem jurídico-positiva brasileirada atualidade a jurisprudência é uma fonte de direito. Mas ressalva-seque a jurisprudência dotada desse poder de impor não é toda e qualquerlinha de julgamentos, de qualquer tribunal e muito menos dos juízos deprimeiro grau de jurisdição. Somente integram as fontes do direito osprecedentes, decisões e linhas jurisprudenciais indicados na lei, especial-mente no art. 927 do Código de Processo Civil, os quais, pelo maior pesosistemático de que são dotados, diferenciam-se dos demais e ganhamessa eficácia de se projetarem em julgamentos futuros.

Os dispositivos com que o novo Código de Processo Civil atribuieficácia normativa aos precedentes jurisdicionais têm sido tachados deinconstitucionais por parte da doutrina, por suposta infração ao principioda separação entre os Poderes do Estado e ao da legalidade, impostosna Constituição Federal. Mas é preciso ter a consciência de que nenhumprincipio ou garantia constitucional é dotado de imperatividade absoluta,a ponto de sobrepor-se invariavelmente a todos os demais e em quais-quer circunstâncias - derivando daí a legitimidade dessas inovações, asquais devem sobreviver a tais questionamentos porque são destinadas aoferecer à população uma expressiva dose de segurança jurídica e essasegurança é um valor também cultivado pela Constituição Federal (art.5º, caput). Como em todos os casos de colisão entre principios, é impe-riosa ainda a observância do principio da proporcionalidade, tambémde assento constitucional e reafirmado nos arts. 8º e 489, S 2º, do novoCódigo de Processo Civil (infra, n. 27).

21. irretroatividade dajurisprudência

Em virtude dessa aproximação da jurisprudência à lei ou da suaparcial imperatividade como fonte de direito, sua eficácia normativasujeita-se, tanto quanto a da lei, às limitações temporais ditadas pelaConstituição Federal em relação a fatos pretéritos ou situações jurídicasconsumadas. Tanto quanto a lei, a jurisprudência não pode projetar essaeficácia ao passado, a ponto de se impor sobre essas situações, semguardar o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito ou à coisajulgada (Const., art. 5º, inc. XXXVI - infra, n. 24). O próprio substratoconstitucional da aceitabilidade da jurisprudência como fonte do direito,ou seja, a oferta de segurança jurídica à população mediante a previ-sibilidade dos julgamentos do Poder Judiciário, impõe essa limitação

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INTRODUÇÃO 45

temporal da eficácia nonnativa da jurisprudência - porque seria umatraição o Poder Judiciário proferir reiteradas decisões em determinadosentido, induzindo as pessoas e as empresas a pautarem suas vidas, seusnegócios e seu planejamento de acordo com uma jurisprudência queacreditaram ser firme, e depois virem os próprios juízes com uma outralinha de decisões, castigando quem confiou nessa finneza.

Para preservar a irretroatividade da jurisprudência e das decisõesjudiciárias em geral o legislador ditou o art. 27 da Lei da Ação Diretade Inconstitucionalidade (lei n. 9.868, de 11.11.99), segundo o qual, "aodeclarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vistarazões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, poderá oSupremo Tribunal Federal, por maioria dois terços de seus membros,restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficá-cia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venhaa ser fixado". Disposição de conteúdo semelhante está presente no art.927, S 3º, do novo Código de Processo Civil, aplicável a alguns dos pre-cedentes, decisões e linhas jurisprudenciais que o mesmo artigo definecomo vinculantes: "na hipótese de alteração de jurisprudência dominantedo Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores ou daquelaoriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dosefeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica".

22. as normas processuais civis - cogentes ou dispositivas

As nonnas de direito processual civil, por se destinarem a disci-plinar o exerCÍcio da jurisdição e os modos como os interessados sãoadmitidos a colaborar com o juiz que a exerce, são invariavelmentede direito público, não obstante possam ser de direito privado as queregem os conflitos a serem solucionados através do processo. Isso nãosignifica que todas elas sejam de ordem pública. São de ordem públicaas normas processuais referentes a relações que transcendam a esfera deinteresses dos sujeitos privados, disciplinando relações que os envolvammas fazendo-o com atenção ao interesse da sociedade como um todo,ou ao interesse público. Existem normas processuais de ordem pública eoutras, também processuais, que não o são.

Não é possível traçar conceitos muito rígidos ou critérios apriorísti-cos bem nítidos para a distinção entre umas e outras. Como critério ge-ral, são de ordem pública as normas processuais destinadas a assegurar ocorreto exercício da jurisdição (que é uma função pública, expressão do

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poder estatal), sem a atenção centrada de modo direto ou primário nosinteresses das partes conflitantes. Não o são aquelas que têm em conta osinteresses das partes em primeiro plano, sendo relativamente indiferenteao correto exerCÍcio da jurisdição a submissão a estas ou eventual dispo-sição que venham a fazer em sentido diferente. Esses diferentes graus deimperatividade indicam a existência de normas processuais cogentes aolado de normas processuais dispositivas - aquelas, com imperatividadeabsoluta e nenhuma liberdade deixada às partes para disporem de mododiferente, ainda quando de acordo; estas são dotadas de imperatividaderelativa e portanto portadoras de preceitos suscetíveis de serem alteradospelos litigantes.

São de ordem pública e portanto cogentes as normas constitu-cionais responsáveis pela definição da competência de cada uma dasJustiças (Justiça Federal, Justiças Estaduais, Justiça do Trabalho, JustiçaEleitoral- Const., arts. 109, 114 etc. - infra, n. 66). São dispositivas asnormas infraconstitucionais relativas à competência territorial, ou deforo (infra, n. 67), etc. A consequência prática é que, proposta uma de-manda perante Justiça incompetente, o juiz obrigatoriamente a declararáe enviará o processo à Justiça competente, com ou sem alegação da parte- enquanto a demanda proposta em umforo incompetente (comarca) alipennanecerá, apesar da incompetência, se o réu não tomar a iniciativa dealegar essa incompetência (CPC, art. 65). Competência absoluta no pri-meiro caso (norma cogente) e relativa no segundo (norma dispositiva).

23. as dimensões da norma processual no espaço

Destinando-se primordialmente à disciplina de uma função estatal,que é a jurisdição, é natural que a lei processual se imponha exclusi-vamente no território do Estado que a edita. É essa a dimensão da leiprocessual no espaço, expressão da regra da territorialidade das normasprocessuais (CPC, arts. lº e 13).

Quanto aos atos processuais realizados no exterior com reflexosno Brasil, o mesmo princípio da territorialidade da lei processual, queimpede a imposição desta além-fronteiras, conduz ao reconhecimento davalidade desses atos quando obedientes à lei do país em que foram reali-zados e compatíveis com a ordem pública brasileira. Se faltar um dessesrequisitos não se homologa a decisão estrangeira (CPC, art. 963) nem setêm por válidos os atos realizados no curso de uma cooperação interna-cional (cumprimento de carta rogatória para a citação do demandado oupara a produção da prova etc. - CPC, art. 26 - infra, n. 47).

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INTRODUÇÃO

24. as dimensões da norma processual no tempo - irretroatividade

47

A lei processual também tem a sua dimensão temporal, que assumeespecial relevância prática com a vigência do novo Código de ProcessoCivil brasileiro, em 18 de março de 2016.

A eficácia da lei processual vai, em princípio, de quando entra emvigor até que revogada. Sua aplicação é imediata, disciplinando fatos esituações jurídicas a partir de quando entra em vigor. Fatos ocorridos esituações já consumadas no passado não se regem pela lei que entra emvigor, especialmente quando estiverem em jogo os limites representadospelo direito adquirido, pelo ato jurídico perfeito ou pela coisa julgada(Const., art. 5º, inc. XXXVI- LINDB, art. 6º). E também, inversamente,não se regem pela lei velha os fatos ou situações que venham a ocorrerdepois de sua revogação.

Na aplicação dessas regras distinguem-se inicialmente duas hipó-teses muito claras, para afirmar (a) que seguramente a lei processualnova não se aplica aos processos findos e (b) que ela invariavelmente seaplica aos processos instaurados em sua vigência. Quanto aos processospendentes na entrada em vigor da lei nova, seria em tese admissível(a) aplicar a eles desde logo a lei nova, de modo integral, (b) preservar oprocesso todo, imunizando-o à alteração legislativa, e fazê-lo prosseguirsob o império da lei velha ou (c) respeitar as fases procedimentais jásuperadas ou em curso (postulatória, ordinatória etc. - infra, nn. 81-84),impondo a lei nova somente quanto às fases subsequentes.

Nenhuma dessas linhas prevalece, mas a do chamado isolamento dosatos processuais, pela qual a lei nova, encontrando um processo em de-senvolvimento, respeita a eficácia dos atos processuaisjá realizados e assituaçõesjá consumadas, disciplinando os atos a serem realizados a partirde sua vigência. Nesse sentido deve ser interpretado o art. 14 do novoCódigo de Processo Civil, ao dispor que "a norma processual não relroa-girá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitadosos atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob avigência da norma revogada". Tal regra é complementada pelo art. 1.046,capul, no que se refere especificamente à vigência do novo Código: "aoentrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aosprocessos pendentes, ficando revogada a lei n. 5.869, de 11 de janeiro de1973" - que era o Código de Processo Civil anterior.

Algumas especificações importantes à incidência imediata donovo diploma processual são trazidas (a) no art. 1.047, que trata da

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instrução probatória ("as disposições de direito probatório adotadasneste Código aplicam-se apenas às provas requeridas ou determinadasde oficio a partir da data de início de sua vigência"), (b) em seu art.1.054, ao tratar da extensão da coisa julgada às questões prejudiciaisdecididas na motivação da sentença ("o disposto no art. 503, S 1º, so-mente se aplica aos processos iniciados após a vigência deste Código,aplicando-se aos anteriores o disposto nos arts. 5º, 325 e 470 da Lei n.5.869, de li de janeiro de 1973"), e (c) no art. 1.046, S 1º, ao disporque as normas do Código de Processo Civil de 1973 "relativas ao pro-cedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revogadasaplicar-se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início davigência deste Código".

25. jurisdição, ação, defesa e processocomo institutos fundamentais

Do exposto nos itens anteriores é possível extrair os institutosfimdamentais do direito processual ou as grandes categorias jurídicasinerentes a esse ramo jurídico, situadas em um nível tal de generalização,que acima delas nenhuma outra se possa indicar e nenhuma reduçãoútil possa ser feita. São elas ajurisdição, a ação, a defesa e o processo.Todas as demais unidades sistemáticas que integram e dão forma aodireito processual convergem a essas grandes categorias, e para seremcorretamente compreendidas dentro do sistema e em harmonia com eleé indispensável que sempre as reportemos ao nível dos institutos funda-mentais. É sobre estes que diretamente atuam os grandes princípios dodireito processual e através deles adquirem sentido as regras fundamen-tais impostas pela Constituição ao sistema de administração da justiça. Amaneira como princípios e garantias influem nos institutos menores e navida comum do processo já constitui uma especificação, filtrada a eles apartir daquele plano superior.

Em termos rigorosamente científicos diz-se que jurisdição, ação,defesa e processo constituem o objeto da ciência processual. Assimcomo a ciência da matemática tem por objeto os números, e a químicaas substâncias naturais; assim como a ciência penal tem por objeto ocrime, a pena e o criminoso; assim como a ciência do direito civil tempor objeto as pessoas, coisas e atos jurídicos - assim também a ciênciaprocessual tem por objeto material a jurisdição, a ação, a defesa e oprocesso, remontando a esses quatro institutos todos os seus institutosmenores. Estudar o direito processual é estudar esses seus institutosfundamentais.

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INTRODUÇÃO 49

Não é exagero, portanto, dizer que os quatro institutos fundamen-tais resumem em si e exaurem toda a disciplina do direito processual.Todos os fenômenos do processo adquirem significado global e sem-pre resultam mais bem explicados quando vistos como integrantes dacategoria maior em que se incluem. Nos institutos fundamentais estãoa melhor justificação e a explicação satisfatória de qualquer institutomenor, de toda e qualquer norma contida no ordenamento processual.Para o entendimento especificado dessa relação e percepção da influên-cia que cada um dos grandes institutos projeta sobre o sistema, algumasreflexões iniciais serão desenvolvidas logo a seguir, para em capítulosespecíficos desta obra ser apresentada uma visão mais detalhada decada um deles.

Jurisdição. A jurisdição estatal é a atividade pública com a qualo órgão jurisdicional substitui a atividade das pessoas interessadas poruma atividade sua, buscando a pacificação de pessoas ou grupos emconflito, mediante a atuação da vontade do direito em casos concretos.Ele o faz revelando essa vontade concreta mediante uma declaração(processo ou fase de conhecimento) ou promovendo com meios práticosos resultados por ela apontados (execução forçada ou cumprimento desentença). Sendo a jurisdição uma expressão do poder estatal (ou umpoder, como costuma ser afirmado), é mediante o entendimento dafimção representada por ela, em confronto com os desígnios do Estadocontemporâneo solidário, que se poderão traçar caminhos seguros quan-to a uma série de situações processuais de alta relevância - a principiarpela definição e limites dos poderes decisórios exercidos pelo juiz aolongo de todo o processo, inclusive mediante a determinação da dose depoder investigatório que ele deve exercer (infra, n. 33). No Estado dedireito, atuando os agentes do poder segundo os critérios de legalidade eresponsabilidade, resultam daí as exigências formais impostas ao juiz, oslimites de sua liberdade de convicção, o dever de fundamentar sentençasetc. - adiantando-se desde logo que esses são severos ditames da garan-tia democrática do devido processo legal, que em si mesma consiste emum sistema de limitações ao exercício do poder, todas elas voltadas àsegurança das pessoas (Const., art. 5º, inc. LIV - infra, n. 38).

Ação. A ação é instituto exclusivo do direito processual. É o direitoa obter um pronunciamento do juiz acerca de uma pretensão (decisãode mérito), independentemente de esse pronunciamento ser favorávelou desfavorável àquele que o pede. Tal é a teoria abstrata da ação, queprepondera na doutrina brasileira e está presente no Código de ProcessoCivil deste país com as retificações propostas por Enrico Tullio Liebman

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- considerando-se que esse direito, apesar de abstrato e portanto existirindependentemente de o direito subjetivo material do autor existir ounão, só existirá em casos concretos quando estiverem presentes certascondições, as condições da ação (interesse de agir e legitimidade adcausam - CPC, art. 485, inc. VI - infra, n. 74).

Defesa. A faculdade de resistir à pretensão deduzida em juízo temno processo a mesma relevância jurídica que a ação tem. Nem sempre,porém, esse igual destaque lhe tem sido dado, sendo mais recente aorientação que veio de uma trilogia estrutural Uurisdição, ação, proces-so), sem ali incluir a defesa, e passou a considerá-la também no primeiroplano dos institutos processuais.

A tradicional pujança da teoria da ação e o preconceito do processoa serviço da tutela de direitos (supra, n. 6), mais a real expressão daação como garantia inafastável no Estado de direito, levam a doutrinabrasileira quase a deixar na sombra a importância do jus exceptionis.Bem pensado, contudo, na dialética contraditória do processo e em facedos objetivos que hoje se reconhecem à ação e a este, é preciso ver nadefesa o contraposto negativo da ação, dotado do mesmo valor que estatem na dinâmica processual.

Processo. O processo é o instrumento da cooperação entre o juiz,como agente do poder, e as pessoas interessadas (as partes). Ele é opalco em que atuam os protagonistas do drama litigioso, ou o roteiro aque deve adaptar-se o papel que cada um deles vem desempenhar, coma crescente participação do diretor. O conceito de processo ainda nãoencontrou formulação definitiva na doutrina. Certo é, no entanto, que seencontra intimamente enleado com o de procedimento, que é sua expres-são visível, com a relação processual, que constitui um vínculo jurídicoentre todos os sujeitos do processo, e com a garantia constitucional docontraditório, responsável pela legitimidade política de todo o sistema.

As regras sobre o procedimento - formas, prazos, atos essen-ciais, ordem na sua sucessão, modo como cada um deve ser realizadoetc. - são o reflexo da maneira como o direito positivo encara todos osinstitutos fundamentais do direito processual. Todo procedimento, paraser legítimo em si mesmo e portanto habilitado a legitimar o exerCÍciodo poder estatal pelo juiz, deve incluir amplas possibilidades de parti-cipação a todos os sujeitos processuais - ou seja, oportunidades para aefetividade do direito de ação e do jus exceptionis pelas partes, e para ocorreto e produtivo exerCÍcio da jurisdição pelo juiz.

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26. primazia da jurisdição

INTRODUÇÃO 51

Ao longo da história do direito a ação tem sido o fasCÍnio dos es-tudiosos em geral. Antes, dos civilistas. Depois, dos processualistas econstitucionalistas do mundo latino do direito. Ainda hoje, dos brasilei-ros. Ela tem um significado de superlativa grandeza em sede de direitoprocessual civil moderno, porque uma das características fundamentaisdo Estado de direito consiste precisamente na abertura do Poder Judiciá-rio ao exame de pretensões de toda ordem e qualquer valor e no acesso aele por qualquer pessoa, de qualquer condição social ou econômica, numcrescendo que é bem uma das mais visíveis diretrizes políticas da atua-lidade. A garantia constitucional da ação coincide com a da inafastabili-dade do controle jurisdicional (Const., art. 5º, inc. XXXV - infra, n. 28).

Nem por isso se justifica, todavia, a colocação da ação ao centrodos institutos fundamentais do direito processual, como foi no passado.A uma visão sistemática dos institutos processuais e da mecânica ope-racional do sistema ela se revela como nada mais que um instrumentodestinado a possibilitar o exercício da jurisdição - porque sem seuexerCÍcio, ou seja, sem a provocação do sujeito interessado, jurisdiçãoalguma se exerce (princípio da demanda, ou da inércia do juiz - CPC,art. 2º - infra, n. I 19). Depois, tomada a iniciativa pelo titular da ação, oprocesso se instaura e o juiz principia a exercer a jurisdição - sendo quea produção de resultados no mundo exterior é obra da jurisdição e de seuexerCÍcio, não da ação em si mesma. É o juiz, no exerCÍcio da ação, quemoferece a tutela jurisdicional àquele que tiver direito a ela. Os efeitosda sentença - o constitutivo, o meramente declaratório e o condenató-rio - são produzidos pelo juiz, no exerCÍcio da jurisdição (supra, n. 7).Também a satisfação de direitos ocorre no processo ou fase de execução.

Imagine-se um sistema processual em que ajurisdição se exercessede ofício, ou seja, sem a provocação da parte. Sentenças seriam profe-ridas, direitos seriam satisfeitos e obter-se-ia a segurança jurídica pelaincidência da coisa julgada, apesar de ação alguma haver sido exercida.Não haveria um direito de ação mas os resultados da jurisdição seriamobtidos. Nesse imaginário país, se não houvesse juízes e não se exerces-se ajurisdição, resultado algum seria produzido em tutela a quem querque fosse.

Vistos os grandes institutos processuais por essa óptica, percebe-seque a jurisdição constitui o núcleo essencial do sistema, em tomo doqual gravitam todos os demais. A ação, como pressuposto indispensável

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ao seu exerCÍcio. A defesa, como imposição da ordem constitucionaldestinada a oferecer aos litigantes uma paridade em armas. O processo,como um conjunto de meios operacionais indispensáveis ao exerCÍciode todos esses poderes ou faculdades e, acima de tudo, como meio paraque o exercício da jurisdição possa legitimamente produzir resultadosúteis na vida exterior das partes em suas relações reCÍprocas ou com osbens da vida.

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CAPÍTULO!!OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL

27. processo e Constituição- os princípios e o direito processual constitucional- colisão entre princípios e a regra da proporcionalidade

Direito processual constitucional é o método consistente em exami-nar o sistema processual e os institutos do processo à luz da Constituiçãoe das relações mantidas com ela. Não é mais um entre os diversos ramosdo direito processual, como o direito processual civil, o trabalhista, openal etc. O método constitucionalista inclui o estudo das recíprocasinfluências existentes entre Constituição e processo - relações que seexpressam na tutela constitucional do processo, representada pelos prin-cípios e garantias que, vindos da Constituição, ditam padrões políticospara a vida daquele.

Ao se conceber e interpretar os institutos de direito processual,portanto, os princípios constitucionais devem sempre ser tomados comosuperiores premissas de todo o sistema, ponderando-se a importânciaconcreta de cada um e buscando uma solução que, na medida do possí-vel, confira a máxima efetividade a todos eles. Para os casos de eventuaiscolisões entre princípios o sistema constitucional impõe a regra da pro-porcionalidade, reafirmada nos arts. 8º e 489, S 2º, do novo Código deProcesso Civil e responsável pela harmonização dos princípios e pelojusto equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados.É a proporcionalidade que autoriza e legitima a concessão de medidasurgentes antes da citação do réu (medidas liminares concedidas inauditaaltera parte) e portanto sem a prévia efetivação da garantia constitucionaldo contraditório (infra, n. 33) - sendo essa aparente violação um culto aum valor também elevadíssimo e de igual modo amparado pela Constitui-ção Federal, que é o do acesso àjustiça mediante a efetividade e tempes-tividade da tutela jurisdicional (Const., art. 5º, inc. XXXV - infra, n. 28).

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o novo Código de Processo Civil trata com muito zelo os princí-pios constitucionais do processo, contendo uma boa gama de disposi-ções reafirmando esses princípios e impondo sua observância. Não sórecomenda a sua observância logo a partir de seu art. lº, como também,na disciplina dos institutos que o compõem, repete-se com bastantefrequência na exigência dessa observância (notadamente com relação aoprincípio do contraditório).

A Constituição formula princípios, oferece garantias e impõe exi-gências em relação ao sistema processual com um único objetivo final,que se pode qualificar como uma garantia-síntese e é o acesso àjustiça,mediante a concessão, "em tempo razoável", de uma "decisão de méritojusta e efetiva" (Const., art. 5º, incs. XXXV e LXXVIII - CPC, art. 6º).Mediante esse conjunto de disposições a Constituição Federal quer afei-çoar o processo a si mesma, de modo que ele reflita, em menor escala, oque em escala maior está à base do próprio Estado de direito (legalidade,devido processo legal, participação em contraditório). Ela quer um pro-cesso pluralista, de acesso universal, participativo, isonômico, liberal,transparente, conduzido com impessoalidade por agentes previamentedefinidos e observância das regras, sem excessos etc. - porque assim elamesma exige que seja o próprio Estado e assim é o modelo político dademocracia.

28. inafastabilidade do controle jurisdicional- efetividade, tempestividade e adequação da tutela jurisdicional

Do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (Const.,art. 5º, inc. XXXV) era tradicionalmente extraído um mero direito deingresso em juízo, um direito de demandar sem qualquer referência apredicados da tutela jurisdicional ou a eventuais óbices ilegítimos à suaconcessão - ou, em outras palavras, nesse princípio costumavam osprocessualistas brasileiros identificar a garantia constitucional da ação.A consciência instrumentalista, a caracterização do processo como uminstrumento ético e a necessidade de visualizar a atividade jurisdicionalpela ótica dos consumidores dos serviços jurisdicionais (processo civilde resultados - supra, n. 5) etc. vieram porém a determinar uma subs-tancial alteração na identificação do conteúdo e do modo de ser desseprincípio.

Atualmente, além de uma garantia de mero ingresso no PoderJudiciário com suas pretensões em busca de reconhecimento e satisfa-ção, aquele dispositivo constitucional representa a garantia de outorga,

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a quem tiver razão, de uma tutela jurisdicional efetiva, adequada etempestiva (Kazuo Watanabe), além de impedir a imposição de óbicesilegítimos à concessão da tutela eventualmente devida. Com serviços ju-risdicionais de boa qualidade obtém-se uma tutela adequada, compatívele aderente aos interesses em jogo no processo e capaz de fazer justiçacom observância dos valores presentes nas normas de direito material.A tempestividade da tutelajurisdicional decorre de sua prestação em umprazo razoável, compatível com a complexidade da causa, a urgênciana obtenção da tutela e a conduta manifestada pelas partes no processo- sempre com a preocupação de obstar aos males corrosivos dos direi-tos representados pelo tempo-inimigo. A efetividade diz respeito à realsatisfação do direito judicialmente reconhecido, ao seu implemento nomundo da vida.

Todo esse feixe de aberturas propiciado pelo princípio da inafasta-bilidade do controle jurisdicional sujeita-se porém às restrições legitima-mente postas pelas regras técnicas do processo e mesmo pelo convíviocom outras normas viventes no próprio plano constitucional. Isso explicapor que certas pretensões em face do Estado encontram a barreira repre-sentada pelas fórmulas de independência dos Poderes e equilíbrio entreeles; explica também por que a propositura de uma demanda em juízo ésempre sujeita a uma série de requisitos técnico-processuais, inclusive deforma (infra, n. 132); e também explica por que as pretensões só poderãoser afinal julgadas se presentes os chamados pressupostos de admissi-bilidade do julgamento do mérito etc. (infra, n. 126). Tais são óbiceslegitimamente postos à plena universalização da tutelajurisdicional, decuja presença no sistema se infere a legítima relatividade dessa garantia.Essa relatividade, todavia, não significa debilidade da garantia e nãopode conotar-se por um nefasto conformismo diante de situações nãojurisdicionalizáveis, sob pena de inutilidade da garantia. Dos óbices le-gítimos e intransponíveis é indispensável distinguir os óbices perversos,residentes às vezes na própria lei, em sua interpretação apegada a valoresdo passado e principalmente em certas realidades sociais, econômicas ouculturais estranhas à ordem processual - como a pobreza, a ignorância,o temor reverencial, as influências nefastas de poderosos, os desviosde conduta de certos juízes etc. Essas barreiras internas e externas sãoevidentemente ilegítimas e dificultam o acesso àjustiça.

29. tempestividade da tlltelajllrisdicional

Um dos grandes desafios enfrentados pelos estudiosos e pelosoperadores do processo tem sido ao longo de muitas décadas o da busca

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de meios capazes de neutralizar os efeitos perversos do tempo sobre osdireitos, mediante a oferta de meios aptos a proporcionar a tempestivi-dade da tutela jurisdicional - ou seja, a acelerar o curso dos processosem sua caminhada rumo à oferta dessa tutela. Essa preocupação é tantomaior e mais grave quando se sabe que as longas. demoras dos processosvêm constituindo o pior dos males de toda a ordem processual, não sóneste país mas também naqueles de legislação e organização judiciáriamais aprimoradas. O decurso do tempo é muitas vezes causador do pe-recimento de direitos ou de insuportáveis angústias pela espera de umatutela jurisdicional, nascendo daí a imagem do tempo-inimigo, da qualse vale a doutrina há mais de meio século para ilustrar esses desgastes.

"É imenso e em grande parte desconhecido o valor que o tempotem no processo. Não seria imprudente compará-lo a um inimigo contrao qual o juiz deve lutar sem tréguas" (Francesco Camelutti, escrevendonos anos cinquenta).

O Estado brasileiro tem sido sensível a essa realidade, tanto que jáno ano de 1992 veio à luz um decreto incorporando à ordem jurídica des-te país a Convenção Americana de Direitos Humanos (conhecida comoTratado de São José da Costa Rica), cujo art. 8º, n. 1, assim dispõe: "todapessoa tem o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro deum prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente eimparcial, estabelecido anteriormente por lei ( ...)". E depois, para cumpri-mento do compromisso então assumido, a emenda constitucional n. 45,de 8 de dezembro de 2004, incluiu no capítulo da Constituição Federal re-ferente às garantias de direitos mais essa disposição: "a todos, no âmbitojudicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do proces-so e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (art. 5º, inc.LXXVIlI). E agora, bem mais recentemente, o art. 4º do novo Códigode Processo Civil dispõe que "as partes têm o direito de obter em prazorazoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa".

Para a consecução desse desiderato, já na ordem constitucional sãooferecidos valiosos instrumentos destinados a produzir resultados juris-dicionais em breve tempo, como é o mandado de segurança (Const., art.5º, inc. LIX - infra, n. 91). Esse e outros meios de tutela jurisdicionaldiferenciada (infra, n. 78) são oferecidos também no plano do direitoinfraconstitucional, sendo de abrangência muito ampla as tutelas ace-leratórias consistentes em medidas provisórias de natureza cautelar ouantecipatória de tutela (CPC, arts. 294 ss.) ou consistentes na tutela daevidência (art. 311 - supra, n. 9).

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Nesse quadro de disposições voltadas à aceleração do processo éporém necessário que se considerem na determinação do prazo razoáveltodos os princípios constitucionais que regem o direito processual. Essesprincípios devem ser ponderados em conjunto com o da tempestividadeda tutela jurisdicional na busca de uma solução conciliadora, e a rapidezdeve ser compatível com um grau de cognição suficiente para o alcancede uma decisão justa, correta perante o direito vigente.

30. imparcialidade do juiz e a impessoalidadena condução dos processos e no julgamento das causas

A Constituição não dedica palavras à garantia da imparcialidade dojuiz mas contém uma série de dispositivos destinados a assegurar quetodas as causas postas em juízo - cíveis, trabalhistas, criminais - sejamconduzidas e processadas por juízes imparciais. Seria absolutamenteilegítimo e repugnante o Estado chamar a si a atribuição de solucionarconflitos, exercendo o poder sobre as partes, mas permitir que seusagentes o fizessem movidos por sentimentos ou interesses próprios, semo indispensável compromisso com a lei e os valores que ela consubs-tancia - especialmente com o valor do justo. Os agentes estatais têm odever de agir com impessoalidade, sem levar em conta esses sentimentosou interesses e, portanto, com abstração de sua própria pessoa e de seuspróprios interesses. O juiz, ao conduzir o processo e julgar a causa, é na-quele momento o próprio Estado, que ele consubstancia nessa atividade.

Mas imparcialidade não se confunde com neutralidade nem impor-ta um suposto dever de ser ética ou axiologicamente neutro. A doutrinaprocessual moderna vem enfatizando que o juiz, embora escravo da lei,como tradicionalmente se diz, tem legítima liberdade para interpretar ostextos desta e as concretas situações em julgamento segundo os valoresda sociedade. O sistema de pluralidade de graus de jurisdição e a publi-cidade dos atos processuais operam como freios a possíveis excessos eprática de parcialidades a pretexto dessa liberdade interpretativa. Nojulgamento dos recursos, feito por outras pessoas (que são os juízes dosórgãos superiores da Magistratura), não se reproduzem necessariamenteos mesmos possíveis sentimentos e interesses do juiz inferior, reconsti-tuindo-se a indispensável impessoalidade.

Sem poder racionalmente oferecer uma formal garantia de que osjuízes serão imparciais, procura a Constituição criar as melhores condi-ções possíveis para a imparcialidade daqueles, minimizando-se quantose possa os riscos de comportamentos parciais. Para tanto ela estabelece

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a garantia do juiz natural, proibidos os chamados tribunais de exceção(infra, n. 3 I), além de se empenhar em oferecer condições máximas paraa imparcialidade das pessoas que exercem a jurisdição estatal ao reiterara tríplice e tradicional garantia endereçada aos juízes individualmente,ou seja, as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidadede vencimentos (art. 95, caput - infra, n. 52).

A par disso, a lei processual infraconstitucional estabelece casosem que, segundo a experiência comum, o juiz se considera fragilizadoem sua capacidade de ser firme e imparcial, com o risco de mostrar-semenos resistente a pressões e tentações a que, como ser humano, poderiaestar sujeito: vêm daí os conceitos de impedimento e suspeição do juiz(CPC, arts. 144-148), integrados nas técnicas pelas quais o juiz se abs-tém de oficiar em dado processo ou pode ser recusado pela parte (infra,n. 56). Também o princípio da demanda, que reduz o juiz à inércia atéque haja a iniciativa de parte para a formação de um processo (CPC,arts. 2º e 141), figura entre os cuidados da ordem jurídica em prol doresguardo da imparcialidade judicial (infra, n. 119).

Também o árbitro, que tanto quanto o juiz é sujeito à impessoa-lidade no exercício da jurisdição, tem o dever de ser imparcial, seve-ramente imposto pela Lei de Arbitragem, e ainda o chamado dever derevelação, que o obriga a declinar, antes de aceitar o encargo, eventuaisfatores de possível suspeição ou impedimento (LA, arts. 13, S 6º, e 14,caput e par.).

31. juiz natural

A garantia do juiz natural consiste em exigir que os atos de exerCÍ-cio da função estatal jurisdição sejam realizados por juízes instituídospela própria Constituição e competentes segundo a lei. Seu significadopolítico-liberal associa-se mais de perto às garantias do processo penalque do processo civil, resolvendo-se na preocupação de preservar o acu-sado e sua liberdade de possíveis desmandos dos detentores do poder.Daí a ideia, sempre presente entre os estudiosos daquela matéria, de quea garantia do juiz natural impõe que o processo e o julgamento sejamfeitos pelo órgão judiciário que já existisse e já fosse competente nomomento em que praticado o ato imputado a uma pessoa. No processocivil, em que as pessoas comparecem com suas pretensões e estas sãojulgadas - não os fatos em si mesmos, ou a pessoa -, tal aspecto da ga-rantia do juiz natural deixa de ter toda a grande importância que tem noprocesso penal.

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Com esse desconto, prepondera a garantia conforme costuma serapresentada, ou seja, caracterizada por esse trinômio: a) julgamentos porjuiz e não por outras pessoas ou funcionários, sendo considerados juízessomente os integrantes dos órgãos enunciados pela Constituição Federalem numerus clausus (Const., art. 92 - infra, n. 50); b) preexistência doórgãojudiciário, sendo vedados também para o processo civil eventuaistribunais de exceção instituídos depois de configurado o litígio (art. 5º,inc. XXXVII); c)juiz competente segundo a Constituição e a lei (art. 5º,inc. LIII).

No processo civil, mesmo quando já instaurado o processo, a com-petência passará para outro órgão judiciário nas hipóteses de extinção doórgão prevento ou de superveniência de novas normas que lhe alterem acompetência absoluta (CPC, art. 43 - infra, n. 71).

32. igualdade processual

Destinado a ser um microcosmos em relação ao Estado democráti-co, o processo civil moderno rege-se pelos grandes pilares da democra-cia, entre os quais destaca-se a igualdade como valor de primeira gran-deza. O princípio isonômico, ditado pela Constituição em termos deampla generalidade (art. 5º, caput, c/c art. 3º, inc. IV), quando penetrano mundo do processo assume a conotação de princípio da igualdadedas partes. Da efetividade deste são encarregados o legislador e o juiz,aos quais cabe a dúplice responsabilidade de não criar desigualdadese de neutralizar as que porventura existam. Tal é o significado da fór-mula tratar com igualdade os iguais e desigualmente os desiguais, namedida das desigualdades. A leitura adequada dos arts. 7º e 139, inc.I, do Código de Processo Civil mostra que este inclui entre os deveresprimários do juiz a prática e preservação da igualdade entre as partes,ou seja: não basta agir com isonomia em relação a todas as partes, étambém indispensável neutralizar desigualdades. Essas desigualdadesque o juiz e o legislador do processo devem compensar com medidasadequadas são resultantes de fatores externos ao processo - fraquezasde toda ordem, como pobreza, desinformação, carências culturais epsicossociais em geral. Neutralizar desigualdades significa promovera igualdade substancial, que nem sempre coincide com uma formaligualdade de tratamento, porque esta pode ser, quando ocorrentes es-sas fraquezas, fonte de terríveis desigualdades. A tarefa de preservar aisonomia consiste portanto nesse tratamento formalmente desigual quesubstancialmente iguala.

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Exemplos vivos são a promessa constitucional e legal de assistên-ciajuridica integral aos necessitados (Const., art. 5º, inc. LXXIV, e art.24, inc. XIII - CPC, arts. 98 ss.), o zelo pelo interesse dos incapazes(CPC, arts. 71, 72, inc. I, 178, inc. 11, 190 etc.) e o tratamento especialconcedido às causas de interesses de idosos, as quais devem ser proces-sadas e julgadas com prioridade (CPC, art. 1.048).

Na prática da isonomia pelo juiz esse dever inclui não só o de ofe-recer oportunidades iguais de participação aos litigantes, mas também ode pô-los sempre em situação equilibrada, mediante decisões coerentes.O juiz pratica a isonomia dando oportunidades iguais, V.g., quando con-cede prazos equivalentes a ambas as partes para apresentarem memoriaiscom alegações finais; ou quando, tendo diligenciado a obtenção de ummeio de prova de interesse de uma das partes (p. ex., quebra do sigilobancário do adversário), tem o dever isonômico de diligenciar análogoelemento probatório de interesse da outra parte etc.

Uma realidade preocupante no direito infraconstitucional brasi-leiro e em várias linhas da orientação constante dos tribunais são osprivilégios de que gozam os entes estatais e seus agentes quando partesno processo civil. Às disposições legais que instituem situações dedesequilibrada vantagem ao Estado e ao Ministério Público acrescem--se certas tendências dos juízes a privilegiá-los ainda mais, o que elesfazem ao conferir a essas entidades tratamentos incompatíveis coma garantia constitucional da isonomia processual. Compreende-se ozelo pelas coisas do Estado e do interesse público, sendo legítimas asmedidas destinadas a evitar malversações ou omissões lesivas aos bense interesses geridos pelos agentes do Estado; mas o que preocupa é oexagerado desequilíbrio anti-isonômico instituído em nome desse zeloe desse interesse geral, que vem conduzindo o sistema processual adeixar os adversários da Fazenda ou do Ministério Público em situaçãoinferiorizada no processo.

Eis os mais destacados tratamentos diferenciados que o direitopositivo e os tribunais vêm concedendo aos entes públicos: a) prazosprivilegiados à Fazenda Pública e ao Ministério Público, ou seja, pra-zos em dobro para todas as manifestações processuais (CPC, arts. \ 80e (83); b) ciência dos atos judiciais mediante intimação pessoal e nãomediante publicação pela Imprensa Oficial, como se dá em relação aoslitigantes comuns (CPC, arts. 180 e 183); c) honorários da sucumbênciaarbitrados em niveis inferiores (CPC, art. 85, S 3º); d) duplo grau dejurisdição obrigatório (art. 496).

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Essas disposições infraconstitucionais não trariam maiores máculasao sistema se houvesse da parte dos juízes e tribunais a disposição deconfrontá-las severamente com a garantia constitucional da igualdade,impedindo que se impusessem ou confinando-as no menor espaço pos-sível. Mas a realidade é oposta. Não apenas vem sendo quase invariavel-mente afirmada a constitucionalidade de disposições dessa ordem, comotambém juízes existem que vão além e concedem à Fazenda Pública e aoMinistério Público outros privilégios que sequer na lei estão propostos,como ocorre quando excluem a incidência do efeito da revelia não tendoa Fazenda oferecido contestação (CPC, art. 344).

E também o Ministério Público, notadamente o Federal, quandoatua no processo como mero custos legis (ou fiscal da ordem juridica- CPC, art. 178), devendo pairar acima dos interesses dos sujeitos emconflito, vem manifestando uma grande tendência a zelar pelos interes-ses das pessoas jurídicas de direito público, opinando aguerridamente,postulando a seu favor - e chegando ao ponto de interpor recursos contradecisões desfavoráveis a estas (o que inclusive é vedado pela Constitui-ção Federal, art. 129, inc. IX).

Apoiados no falso dogma da indisponibilidade dos bens do Estado,os privilégios concedidos pela lei e pelos tribunais aos entes estataisalimentam a litigiosidade irresponsável que estes vêm praticando me-diante a propositura de demandas temerárias, oposição de resistênciasque da parte de um litigante comum seriam sancionadas como litigânciade má-fé (CPC, arts. 79-81 - infra, n. 117), a excessiva interposição derecursos etc. - tudo concorrendo ainda mais para o congestionamentodos órgãos judiciários e retardamento da tutela jurisdicional aos mem-bros da população.

33. contraditório - um direito das partes e um dever dojuiz

Contraditório é participação, e a sua garantia, imposta pela Consti-tuição com relação a todo e qualquer processo - civil, penal, trabalhista,ou mesmo não jurisdicional (art. 5º, inc. LV) -, significa em primeirolugar que a lei deve instituir meios para a participação dos litigantes noprocesso e o juiz deve franquear-lhes esses meios. Mas significa tambémque o próprio juiz deve participar da preparação do julgamento a serfeito, exercendo ele próprio o contraditório. A garantia deste resolve-seportanto em um direito das partes e em deveres do juiz. É do passado aafirmação do contraditório exclusivamente como abertura para as partes,desconsiderada a participação do juiz.

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A participação a ser franqueada aos litigantes é uma expressão daide ia, plantada no mundo político, de que o exercício do poder só se le-gitima quando preparado por atos idôneos segundo a Constituição e a lei,com a participação dos sujeitos interessados. O juiz, inerte no início esempre atuando por provocação de parte (CPC, arts. 2º e 141), é um ins-titucionalizado ignorante dos fatos que interessarão para o julgamento,sendo-lhe vedado decidir segundo o conhecimento que eventualmentetenha deles fora dos autos (CPC, art. 371). As partes, conhecendo osfatos, até porque os vivenciaram na maior parte dos casos, sabem dequais pessoas poderão valer-se como testemunhas, conhecem realidadescaptáveis mediante perícias (contábeis, médicas, de engenharia etc.),têm documentos ou sabem onde estão etc. Daí o seu interesse em par-ticipar e a legitimidade da exigência constitucional de que se lhes dêoportunidade para isso.

Para cumprir a exigência constitucional do contraditório, todo mo-delo procedimental descrito em lei contém e todos os procedimentos queconcretamente se instauram devem conter momentos para que cada umadas partes peça, alegue eprove. O autor alega e pede na demanda inicial.Instituído o processo mediante o ajuizamento desta e citado o réu, esteé admitido a pedir e alegar logo de início, podendo manejar fundamen-tos de defesa e postular a improcedência da demanda ou a extinção doprocesso. Ambas as partes são admitidas a produzir provas dos fatosalegados. A parte contrariada por uma decisão tem o caminho abertopara pedir ao tribunal uma decisão favorável, mediante a interposição derecurso. Ao pedir, cada um dos litigantes alega, isto é, traz fundamentosdestinados a convencer o juiz; e alega também, ao fim do procedimentoe antes da sentença, analisando os fatos, as provas e as consequênciasjurídicas daqueles etc.

Diante desses conceitos mostra-se redundante e inadequada a locu-ção contraditório participativo, que se vê aqui e acolá na doutrina bra-sileira atual - porque, se contraditório é participação, jamais se poderáconceber um contraditório que não seja participativo.

Por outro lado, a efetividade das oportunidades para participar de-pende sempre do conhecimento que a parte tenha do ato a ser atacado.O sistema inclui portanto uma atividade posta em ação pelo juiz e seusauxiliares, consistente na comunicação processual e destinada a ofereceràs partes ciência de todos os atos que ocorrem no processo. O primeiroe mais importante entre os atos de comunicação processual é a citação,indicada como a alma do processo e que é o ato com que o demandado

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fica ciente da demanda proposta, em todos os seus termos (CPC, art.238), tomando-se parte desde então (infra, n. 98). Para o conhecimentodos atos que se realizam ao longo do procedimento, com o eventual cha-mamento a ter alguma conduta ou abster-se dela, existem as intimações(CPC, art. 269): o autor é intimado da defesa processual deduzida peloréu, este é intimado quando o autor pede a antecipação da tutela, a parteque requereu uma perícia é intimada a adiantar os honorários do perito,ambos são intimados das decisões e sentenças proferidas etc.

Atenta a esse quadro de participação dos litigantes, a doutrina vemhá algum tempo identificando o contraditório oferecido às partes nobinômio informação-reação, com a ressalva de que, embora a primeiraseja absolutamente necessária, sob pena de ilegitimidade do processoe nulidade de seus atos, a segunda é somente possível. Esse é, de certomodo, um culto ao valor da liberdade no processo, podendo a parte optarentre atuar ou omitir-se, segundo sua escolha (infra, n. 34).

No processo ou fase de conhecimento o réu que não oferece con-testação considera-se revel e a lei, legitimamente, endereça-lhe a pesadasanção consistente em mandar que o juiz em princípio tome por verda-deiras todas as alegações verossímeis feitas pelo autor em matéria defato (CPC, art. 344). Nem por isso contudo peca esse processo por faltade contraditório - dado que com a citação regularmente feita o deman-dado ficara ciente, e isso significa que decorrem de sua própria omissãoas consequências que ele suportará.

Há casos em que a reação se impõe como absolutamente indis-pensável, falando a doutrina, com relação a eles, na necessidade de umcontraditório efetivo. É o que se dá quando a citação tiver sido feita pormeios precários, como a publicação de editais, vindo o réu a permanecerrevel. A lei manda que o juiz dê curador a esse demandado (CPC, art. 72,inc. lI), com o munus de oferecer obrigatoriamente a defesa, sob penade nulidade de todos os atos processuais subsequentes. Assim sucede,fazendo-se necessária uma reação que em casos normais seria somentepossível, justamente porque a informação não foi feita de modo con-fiável. Não se sabe se o réu não respondeu à inicial porque não quis ouporque não soube da sua propositura.

A garantia constitucional do contraditório endereça-se também aojuiz, como imperativo de sua função no processo e não mera faculdade(o juiz não tem faculdades no processo, senão deveres e poderes - in-fra, n. 55). Essa é uma das principais tônicas dos dispositivos do novoCódigo de Processo Civil que tratam do contraditório, ao disporem que

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compete "ao juiz zelar pelo efetivo contraditório" (art. 7º) e que, salvoalgumas exceções muito específicas e justificadas pela necessidade detutela a outros princípios, "não se proferirá decisão contra uma das partessem que ela seja previamente ouvida" (art. 9º, caput).

A participação que a garantia do contraditório impõe ao juiz consis-te em atos de direção, de prova e de diálogo.

A direção do processo é feita em primeiro lugar mediante o impulsodo procedimento, do qual a lei expressamente encarrega o juiz (impulsooficial - CPC, art. 2º). Não obstante seja das partes o interesse primáriopela solução dos conflitos em que estão envolvidas, nem por isso se podedesconsiderar que o processo é o instrumento público de exercício deuma função pública, a jurisdição (infra, n. 39). Embora possam aquelaster a disponibilidade das situações de direito material pelas quais litigam,não pode o Estado-juiz permanecer à disposição do que elas fizerem ouomitirem no processo, sem condições de cumprir adequadamente suafunção. Por isso, em princípio as omissões dos litigantes não devemconduzir à paralisação do processo, sendo dever do juiz encaminhá-loadiante segundo as regras do procedimento, para com isso poder realizaros objetivos da função jurisdicional mediante a prática do ato final de-sejável (decisão de mérito na fase de conhecimento, entrega do bem naexecução forçada). A regra do impulso oficial, como desdobramento daparticipação que a garantia do contraditório impõe ao juiz, quer que eledetermine ou realize os atos necessários independentemente de requeri-mento das partes. Só em casos extraordinários, que a lei indica, a omis-são das partes conduz à paralisação ou mesmo à extinção do processo.

O juiz exerce o poder-dever de direção do processo, também,mediante a atividade de saneamento (inji-a, n. 82), que é por definiçãoinquisitiva e portanto independe de provocação das partes. Sanear sig-nifica depurar o processo de imperfeições, pondo-o em condições deprosseguir sem questões técnicas a resolver - e em princípio o juiz nãodepende de pedido do réu para extinguir o processo, em vez de saneá-lo,quando deparar com certos fatores impeditivos do julgamento do mérito(CPC, art. 485).

A efetiva direção do processo, pelo impulso e saneamento, constituifator importantíssimo para a celeridade da oferta de tutela jurisdicional,evitando atividades inúteis e retrocessos indesejáveis.

Outro dever do juiz moderno, ligado à garantia constitucional docontraditório, é o de tomar iniciativas probatórias em certos casos. A vi-são tradicionalista do processo, com exagerado apego àquela ideia de umjogo em que cada um esgrima com as armas que tiver, levava à crença de

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que o juiz, ao tomar alguma iniciativa de prova, arriscar-se-ia temeraria-mente a perder a imparcialidade para julgar depois (supra, n. 30). Tal erao fundamento do princípio dispositivo, naquela visão clássica segundoa qual só as partes provariam e o juiz permaneceria sempre au-dessusde la mêlée, simplesmente recebendo as provas que elas trouxessem,para afinal examiná-las e valorá-las. A vocação solidarista do Estadomoderno, no entanto, que não permanece naquele laissez faire, laissezpasser, da filosofia política liberal, exige que o juiz seja um personagemparticipativo e responsável, não mero figurante de uma comédia. Afinal,o processo é hoje encarado como um instrumento público que não podeser regido exclusivamente pelos interesses, condutas e omissões doslitigantes. Ele é uma instituição do Estado, não um negócio combinadoemfamília, e daí o dever de exercer ativamente o contraditório, impostopela Constituição Federal e pela lei ao juiz.

Por isso, o princípio dispositivo vai sendo mitigado e a experiênciamostra que o juiz moderno, suprindo deficiências probatórias do proces-so, não se desequilibra por isso nem se torna parcial. Isso não significaque o juiz assuma paternalmente a tutela da parte negligente. O quea garantia constitucional do contraditório lhe exige é que saia de umapostura de indiferença e, percebendo a possibilidade de alguma provarelevante e pertinente que as partes não hajam requerido, tome a inicia-tiva que elas não tomaram e mande que se produza. Exige-lhe também,para a efetividade da isonomia processual, que diligencie o que a partepobre não soube ou não pôde diligenciar (até porque muitas vezes patro-cinada por advogados dativos, nem sempre empenhados em sua efetivadefesa). O processo civil moderno repudia a ideia do juiz Pilatos, que,em face de uma instrução mal feita, resigna-se a fazer injustiça, "lavan-do as mãos" e atribuindo a falha aos litigantes. O art. 370 do Códigode Processo Civil dá expressamente ao juiz esse poder-dever de suprirdeficiências probatórias de oficio, e o art. 95, mandando que as partesrateiem os honorários do perito quando a prova tiver sido determinadade oficio pelo juiz, confirma a existência desse poder. Ainda existem vo-zes doutrinárias contra essa maneira de ver a figura do juiz no processo,mas o compromisso que todo juiz deve ter com o valor do justo não podepermitir solução diferente.

O juiz participa em contraditório também pelo diálogo. A modernaciência do processo afastou o irracional preconceito segundo o qual ojuiz que durante o processo expressa seus pensamentos e sentimentossobre a causa estaria prejulgando e, portanto, afastando-se do cumpri-mento do dever de imparcialidade. A experiência mostra que ele não per-

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de a equidistância entre as partes quando tenta conciliá-las, avançandoprudentemente em considerações sobre a pretensão mesma ou a prova,quando as esclarece sobre a distribuição do ônus da prova ou quandoas adverte da necessidade de provar melhor. Nem decai o juiz de suadignidade quando, sentindo a existência de motivos para emitir de oficiouma decisão ou julgar com fundamento em ponto de fato ou de direito arespeito do qual as partes não debateram, antes as chama à manifestaçãosobre esse ponto (CPC, arts. 9º e IOº). O juiz mudo tem também algode Pilatos e, por temor ou vaidade, afasta-se do compromisso de fazerjustiça.

Esse dever de diálogo do juiz com as partes, com todas essas reper-cussões, foi haurido do que dispõe o art. 16 do nouveau code de procé-dure civile francês e erigido nas últimas décadas a uma verdadeira regrauniversal do processo, inerente à garantia constitucional do contraditórioe ao correto exercício da jurisdição. O novo Código de Processo Civilreafirma de forma expressa esse dever ao dispor, no art. IOº, que "o juiznão pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamentoa respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se mani-festar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de oficio".

34. liberdade das partes

A liberdade, como valor humano de primeiríssima grandeza, inte-gra a essência da democracia e chega a constituir um verdadeiro poloatrativo em tomo do qual gravita uma série de garantias constitucionais.Ela é formalmente assegurada no art. 5º, caput da Constituição Federal,e para propiciar a efetiva liberdade dos particulares em face do próprioEstado a ordem constitucional institui garantias muito amplas, entre asquais avultam a do devido processo legal e a da legalidade. A primeiradelas (art. 5º, inc. LlV), resolvendo-se em um sistema de limitações aoexercício do poder estatal, impede que a esfera de liberdade das pessoasseja invadida além do que for compatível com o regime democrático ecom a própria Constituição (infi-a, n. 38). Pela garantia da legalidaderesigna-se o Estado a só interferir nas escolhas das pessoas - e portantoem sua liberdade - mediante normas regularmente instituídas pelo Po-der competente ("ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algumacoisa senão em virtude de lei" - art. 5º, inc. 11).

Não existe norma constitucional específica portadora da garantiade liberdade das partes no processo. A liberdade processual é todaviaóbvia projeção processual da própria garantia geral de liberdade (art. 5º,

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caput). É também - e acima de tudo - uma intuitiva decorrência de vá-rias outras garantias constitucionais do processo. O pleno e eficaz exer-cício das garantias de ingresso em juízo e acesso àjustiça (art. 5º, inc.XXXV), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV) dependeda liberdade que as partes tenham de atuar segundo suas próprias estra-tégias, suas escolhas, sua vontade e sua conveniência. O conteúdo dessaliberdade é representado pelo conjunto de faculdades de que as partesdispõem ao longo de todo o processo, qualquer que seja a espécie desteou o tipo de procedimento. Sua medida é a medida das outras garantiasconstitucionais do processo, cuja efetivação depende da livre atuaçãodos litigantes - porque a liberdade das partes outra coisa não é senãoa faculdade de desfrutar das oportunidades e dos beneficios oferecidospor aquelas. Respeitados os limites postos pela lei em harmonia com osistema constitucional, cada uma das partes atuará como quiser e quandoquiser, formulando pedidos e requerimentos na medida do que quiser eomitindo-se, se assim preferir, nos momentos em que entender de omitir--se. As manifestações da garantia constitucional da liberdade das partestransparecem ao longo de todo o processo, desde sua instauração e atéque se extinga.

Pelo aspecto puramente técnico-formal a liberdade das partes éassegurada mediante a regra geral de liberdade das formas, segundo aqual os atos processuais revestir-se-ão, em princípio, da forma que seuprodutor preferir (CPC, art. 188 - inji'a, n. 132). Mesmo nos casos emque a lei exija forma especial para o ato (petição inicial, interposição erazões de recurso etc. - arts. 3 I9, 1.0 IO etc.) essa exigência é mitigadapela regra segundo a qual o puro erro de forma não terá consequênciasmaiores do que a anulação do próprio ato, sem atingir necessariamenteos demais atos do processo (arts. 28 I e 283), e pelo princípio da instru-mentalidade das formas, regra de superdireito processual destinada asalvar da anulação os atos cuja irregularidade não haja causado prejuízoe aqueles que, apesar da irregularidade, tenham atingido o objetivo (su-pra, n. 13 - inji'a, n. 135). Essas mitigações reforçam a liberdade formaldas partes no processo.

Como é natural ao próprio conceito de liberdade, a das partes nãoé absoluta nem o sujeito está imune às possíveis consequências des-favoráveis das opções ilegítimas que vier a fazer. A racionalidade e afuncionalidade do princípio liberal no processo expressam-se no equilí-brio entre normas que concedem faculdades e outras que as restringemlegitimamente, relativizando o conceito de liberdade processual. Háuma série de construções inerentes ao sistema destinadas a promover o

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equilíbrio entre a liberdade de cada um dos litigantes e a do outro, bemcomo a compatibilidade da liberdade de ambos com o interesse públicopelo correto exercício da jurisdição, com segurança para todos. Existetambém, mais especificamente, a necessidade de observar as exigênciasformais do sistema, respeitando-se prazos, realizando-se os atos no lugaradequado e revestindo-se cada um deles de um mínimo de requisitosquanto ao modo de sua feitura (infra, nn. 132 e 133). Devem tambémser respeitadas as exigências éticas do sistema, assim como as sançõescominadas aos infratores (infra, n. 117).

35. publicidade dos atos processuais

A publicidade dos atos processuais constitui projeção da garantiaconstitucional do direito à informação (Const., art. 5º, inc. XIV) em suaespecífica manifestação referente ao processo. É também garantida nonovo Código de Processo Civil ao impor a promoção e o resguardo dapublicidade na aplicação do ordenamento jurídico (art. 8º), ao declararque "os atos processuais são públicos" (art. 189, caput) e ao determinarque "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públi-cos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade" (art. 11).Seus arts. 11, par., e 189 trazem uma justificável ressalva à publicidade,fundada na tutela à intimidade (Const., art. 5º, inc. X), ao ditarem casosem que deve ser decretado o segredo dejustiça no processo e ao estabe-lecerem que nesses casos o acesso aos autos e o direito de pedir certidõesficarão restritos às partes e a seus patronos.

No que diz respeito ao conhecimento pelas partes e seus patronos apublicidade dos atos do processo constitui apoio operacional à efetivida-de do contraditório, dado que as reações das partes são condicionadasà ciência dos atos que lhes dizem respeito (supra, n. 33). Por isso, notocante às partes e seus advogados tal garantia não sofre restrição algu-ma (CPC, art. 107, inc. 1,c/c art. 189, S Iº). O advogado como tal, nãoestando no patrocínio de qualquer das partes do processo, tem a prerro-gativa de examinar os autos em cartório, salvo nos casos de segredo dejustiça (CPC, art. 107, inc. I).

Ao processo arbitral não se impõe a exigência constitucional dapublicidade, dado o fato de não ser ele um meio de exerCÍcio do poderestatal, aliado a certas conveniências da opção por esse meio de solu-ção de conflitos, inclusive a de preservação de intimidades ou segredosempresariais.

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36. duplo grau dejurisdição

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o princípio do duplo grau de jurisdição é intimamente ligado àestruturação do Poder Judiciário em dois ou mais níveis ou graus, repre-sentados pelos juízes inferiores e pelos tribunais de várias posições nahierarquia judiciária. Tem-se no presente a convicção de que os juízesdos tribunais (desembargadores ou ministros) são pessoas de maiorexperiência que os de primeiro grau, reunindo condições para melhorjulgar, seja por esse motivo, seja porque ordinariamente decidem emórgãos colegiados - onde eventuais erros de um podem ser neutralizadospela participação dos demais.

Existe ainda a conveniência psicológica de oferecer aos perdedoresmais uma oportunidade de êxito, sabendo-se que confinar os julgamen-tos a um só grau de jurisdição teria o significado de conter litigiosidadese permitir que os estados de insatisfação e desconfiança se perpetuassem- provavelmente acrescidos de revoltas e possíveis agravamentos.

Diante dessas diversas ordens de conveniências, as legislações dospovos civilizados em geral atribuem aos tribunais a competência pararedecidir sobre o que os juízes inferiores houverem decidido, com opoder de revisão inerente à relação de hierarquia funcional entre eles(competência recursal). Dão-lhes também em relação a certas causas oua certas partes particularmente qualificadas a competência para conduziro processo desde o início e decidir pela primeira vez sobre as pretensões,pontos ou questões nele contidas (competência originária). Nesses casosos órgãos inferiores não têm participação alguma e fora deles é proibidoaos tribunais exercer a jurisdição sem que aqueles já a tenham exercido(infra, nn. 63 ss.).

A Constituição Federal expressa clara opção pela possibilidade derecursos contra as decisões judiciárias (a) ao estabelecer a competênciados Tribunais de superposição para o julgamento do recurso ordinário,do extraordinário e do especial (art. 102, incs. II-III, e art. 105, incs. II--III), (b) ao dispor sobre os recursos a serem endereçados aos tribunaisintegrantes da Justiça da União (Superior Tribunal Militar, TribunalSuperior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Tribunais RegionaisFederais - art. 108, inc. 11)e (c) ao prever órgãos inferiores e superio-res nas Justiças Estaduais, justamente para que as causas principiadasperante aqueles possam em algum momento chegar a estes. Também asleis ordinárias, notadamente os Códigos de Processo, oferecem a via dosrecursos postos à disposição da parte vencida, com minuciosa especifi-cação da admissibilidade de cada um deles (CPC, arts. 994 ss.).

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São casos de competência originária dos tribunais, p. ex., a doSupremo Tribunal Federal para as ações declaratórias da constituciona-lidade ou da inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federaisou estaduais (Const., art. 102, inc. I, letra a), a do Superior Tribunal deJustiça para "os mandados de segurança e os habeas data contra ato deMinistro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Ae-ronáutica ou do próprio Tribunal" (art. 105, inc. I, letra b), a dos Tribu-nais de Justiça para os mandados de segurança impetrados contra atos doGovernador ou do Prefeito da Capital (nos Estados cujas Constituiçõesassim dispõem) etc.

Considerado esse quadro sistemático, o princípio do duplo grau dejurisdição tem dois significados distintos e desdobra-se em dois aspectosde especial relevância na disciplina do exercício da jurisdição, a saber,(a) na oferta de recursos a serem manejados pela parte vencida, possi-bilitando-lhe o acesso aos tribunais com suas irresignações em relaçãoa decisões desfavoráveis, e (b) na imposição, salvo casos excepcionaisde competência originária dos tribunais, do processamento inicial dascausas por juízes inferiores, de primeiro grau, para só depois, se houverrecurso, legitimar-se o exercício da jurisdição pelos tribunais. A infraçãoa essa segunda regra, com eventual decisão do tribunal sobre a causa oumesmo sobre algum incidente processual ainda não decidido por umjuizinferior, constitui o que se chama supressão de um grau de jurisdição.

O fato de o duplo grau de jurisdição ser um dos princípios inte-grantes da tutela constitucional do processo não significa que estejam osjuízes e tribunais adstritos a observá-lo inelutavelmente. A Constituiçãoe também as leis infraconstitucionais enunciam casos de irrecorribili-dade de certas decisões, ou seja, casos em que a parte não terá direito aum novo julgamento por um órgão judiciário superior. Há portanto umprincípio do duplo grau de jurisdição, presente em várias disposiçõesconstitucionais, que poderá ser afastado pelo legislador em um juízo deproporcionalidade quando em confronto com outros princípios de igualou maior relevância, como o que impõe a prestação da tutela jurisdicio-nal em um prazo razoável (supra, nn. 27 e 29). Não há uma garantia deintangibilidade total ao princípio do duplo grau de jurisdição.

Poder-se-ia pensar nesse contexto em uma suposta compatibilidadeconstitucional de disposições legais que o excluíssem de modo absolutoou quase, criando bolsões de irrecorribilidade. Casos assim extremostransgrediriam porém o essencial fundamento político do duplo grau,que em si mesmo é projeção de um dos pilares fundamentais do regimedemocrático, abrindo caminho ao arbítrio do juiz, não sujeito a controle

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algum (Const., art. 5º, S 2º - "os direitos e garantias expressos nestaConstituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípiospor ela adotados" etc.). Além disso, uma disposição dessa ordem seriaincompatível com os padrões do devido processo legal (infra, n. 38).

Situação peculiar é a das sentenças proferidas pelos juizados es-peciais cíveis, que estão sujeitas somente a um recurso endereçado aum colegiado composto por juízes de primeiro grau (não integrantesde tribunal algum) e sediado nos próprios juizados. Essa construção,presente na primitiva Lei das Pequenas Causas (lei n. 7.244, de 7.1.84),foi elevada a nível constitucional (Const., art. 98, inc. I) e transpareceagora na vigente Lei dos Juizados Especiais (lei n. 9.099, de 26.9.95,art. 41). A Constituição Federal nega a admissibilidade do recurso es-pecial ao Superior Tribunal de Justiça nas causas decididas por aquelescolegiados (art. 105, inc. I1I)mas deixa o caminho aberto à do recursoextraordinário ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, inc. I1I).Somentenesse estreitíssimo limite pode ter efetividade o princípio do duplo graujurisdicional em relação a essas causas.

Também a Lei de Execução Fiscal (lei n. 6.830, de 22.9.80) excluio acesso aos órgãos recursais em causas abaixo de detenninado valoreconômico, cabendo recurso ao próprio juízo prolator da sentença (art.34). Tal disposição é suspeita de inconstitucionalidade mas não foi dadapor inconstitucional pelos tribunais competentes.

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Com relação à outra vertente do princípio do duplo grau de jurisdi-ção, ou seja, à vertente da proibição de supressões de grau jurisdicional,existem no novo Código de Processo Civil algumas disposições que vêmgerando suspeitas de inconstitucionalidade por transgressão a esse prin-cípio. Elas estão no 9 3º de seu art. 1.013, que manda o tribunal julgadorda apelação decidir sobre o meritum causa: em certas situações nas quaisem primeiro grau de jurisdição o mérito não haja sido julgado ou sejanula a sentença que o julgou.

A de mais patente confronto com esse princípio é aquela pela qual,"se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunaldeve decidir desde logo o mérito quando (...) constatar a omissão no exa-me de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo" (art. 1.013, S 3º,inc. III). Sentenças assim, que a doutrina qualifica como citra petita, nãocontêm decisório algum quanto ao pedido omitido, mas o novo Códigode Processo Civil autoriza que o tribunal decida sobre esse pedido pelaprimeira vez, ou seja, sem que o haja feito o juiz inferior.

a julgamento do mérito é também permitido ao tribunal "quandoreformar sentença fundada no art. 485" (CPC, art. 1.013, 9 3º, inc. 1).

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Na sistemática do Código, "sentença fundada no art. 485" é sentençaterminativa, que extingue o processo sem julgamento do mérito - dondese vê que, ao julgar o mérito nessa situação, o tribunal estará a julgá-lopela primeira vez.

E o art. 1.013, S 3º permite também que o tribunal decida o mérito"quando decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação"(inc. IV). Entre todas as hipóteses previstas naquele dispositivo é essaa que maior desafio faz à ordem constitucional, porque não se limitaa colidir com o princípio do duplo grau de jurisdição. Reconhecer anulidade por falta de fundamentação e logo no mesmo ato decidir omeritum causce é renegar a exigência de motivação de todas as decisõesjudiciárias (infra, n. 37). Essa é uma garantia constitucional de funda-mentaI relevância (Const., art. 93, inc. IX), que o Código de ProcessoCivil reitera (art. lI).

37. motivação das decisões

No Estado de direito, em que o poder se autolimita e seu exercíciosó se considera legítimo quando fiel aos valores da nação e a certasregras procedimentais adequadas, é natural que à liberdade de formarlivremente seu convencimento no processo corresponda para o juiz odever de motivar suas decisões. Daí a regra do livre convencimentomotivado, inerente ao contexto de legalidade contido na cláusula dueprocess of law (Const., art. 5º, inc. LIV) e manifestado na fórmula deequilíbrio fornecida pelo art. 371 do Código de Processo Civil - o juizformará livremente seu convencimento mas necessariamente medianteapreciação da prova constante dos autos. A necessidade de explicitudedos motivos de decidir, que deve estar presente na motivação de todas asdecisões judiciárias, é uma imposição da própria Constituição Federal,que o Código de Processo Civil reitera (Const., art. 93, inc. IX - CPC,art. lI), e visa a conferir transparência ao exercício do poder pelo juiz,para conhecimento pelas partes e possível controle pelos órgãos superio-res da Magistratura e pela própria opinião pública.

Ainda quando não houvesse essa explícita exigência constitucionale legal da motivação, mesmo assim a exigência ali estaria, como diretoe claríssimo desdobramento da garantia do devido processo legal (infra,n. 38). Da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciárias decorrea exigência procedimental da tríplice estrutura da sentença, a qual devenecessariamente incluir, em precedência ao seu núcleo dispositivo, orelatório e a motivação (CPC, art. 489, ines. I-lI).

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Com razão, todavia, os tribunais brasileiros não são radicalmenteexigentes no tocante ao grau de pormenorizações a que deve chegar amotivação da sentença e das decisões judiciárias em geral. Toleram-seeventuais omissões de fundamentação no tocante a pontos colaterais aolitígio, pontos não essenciais ou de importância menor, irrelevantes oude escassa relevância para o julgamento da causa. O que não se tolerasão as omissões no essencial, que violariam os princípios, fórmulas eregras de direito positivo atinentes à motivação da sentença, chocando-sede frente com a garantia político-democrática do devido processo legal.

É natural, portanto, que sempre se aprecie o cumprimento do deverde motivar, em cada caso concreto, em face das questões debatidas nainstrução da causa e do grau de relevância de cada uma delas. Na prática,reputa-se não motivada a decisão judiciária que se omita sobre pontos defato ou de direito cujo exame pudesse conduzir a julgamento diferentedaquele pelo qual houver optado o juiz. Tal é a regra e tal a dimensão dainteireza da motivação.

Não obstante a impossibilidade de emitir critérios muito objetivosacerca dos limites entre a sentença mal motivada e a não motivada,algumas indicações são trazidas pelo art. 489, S Iº, do novo Código deProcesso Civil ao dispor que "não se considera fundamentada qualquerdecisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão", que selimitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, semexplicar sua relação com a causa ou a questão decidida (inc. I), empre-gar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concretode sua incidência no caso (inc. 11),invocar motivos que se prestariam ajustificar qualquer outra decisão (inc. 1II), não enfrentar todos os argu-mentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusãoadotada pelo julgador (inc. IV), se limitar a invocar precedente ou enun-ciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nemdemonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos(inc. V), ou deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ouprecedente invocado pela parte sem demonstrar a existência de distinçãono caso em julgamento ou a superação do entendimento (inc. VI).

O S 2º do art. 489 integra essa disciplina ao dispor que, "no casode colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critériosgerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam ainterferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentama conclusão".

A falta ou insuficiência de motivação constitui vício formal, repu-tando-se inválida a decisão judiciária que nesse vício houver incidido

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(infra, n. 135). Essa invalidade, ou imperfeição do ato, é tratada pelaordem jurídico-processual como nulidade absoluta, justamente porque,além de comprometer a segurança das partes em relação à idoneidade dojulgamento (e especialmente da parte vencida), diz respeito diretamen-te à própria estrutura do sistema e à ordem pública: uma sentença nãomotivada ou insuficientemente motivada constitui fator de desgaste daconfiabilidade do próprio Poder Judiciário, que a emitiu, e da idoneidadedas instituições processuais do país. Nisso consiste o caráter absolutodas nulidades em geral. E, por ser absoluta, essa nulidade das decisõesjudiciárias comporta exame por iniciativa da parte interessada ou mesmode oficio pelos tribunais (CPC, art. 485, S 3º), na medida da devoluçãooperada pelos recursos a eles endereçados (art. 1.013 - infi'a, n. 142).

Apesar de a decisão não motivada ser nula e de essa ser uma nu-lidade absoluta, em nome da tempestividade na oferta da tutela jurisdi-cional, e para evitar idas e vindas na marcha processual, o novo Códigode Processo Civil trata essa nulidade de uma forma muito peculiar. Deacordo com seu art. 1.013, S 3º, inc. IV, "se o processo estiver em condi-ções de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o méritoquando (...) decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação".Ou seja: se a causa estiver madura para julgamento o reconhecimentoda nulidade da decisão pelo tribunal não terá efeito algum, pois lhe cabeprosseguir no julgamento, enfrentando o mérito do litígio (supra, n. 36).A ser aplicada essa sistemática de duvidosa constitucionalidade, é de seperquirir se vale a pena exigir do tribunal a análise da alegação de nuli-dade, pois seu pronunciamento a esse respeito será totalmente inócuo.

Ainda quando viciada a decisão por falta ou deficiência de moti-vação, a partir de quando sobrevier a coisa julgada a invalidade do atodeixa de ser causa para a anulação porque ares judicata é a sanatóriageral das nulidades do processo. Decorrido o biênio decadencial paraa propositura da ação rescisória, a sanação da sentença se consolida eperpetua-se a eficácia preclusiva da coisa julgada, responsável pelaestabilização da sentença, ainda quando portadora de vícios como esse(CPC, arts. 505 e 508 - infra, nn. 140 e 166).

38. devido processo legal

O devido processual legal, assegurado constitucionalmente (Const.,art. 5º, inc. LIV), é um sistema de limitações ao poder, imposto pelo pró-prio Estado de direito para a preservação de seus valores democráticos.Ele tem na ordem constitucional o significado sistemático de fechar o

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OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL 75

CÍrculo das garantias e exigências relativas ao exerCÍcio do poder, me-diante uma fórmula sintética destinada a afirmar a indispensabilidade detodas elas e reafirmar a autoridade de cada uma. Esse enunciado explí-cito vale ainda como norma de encerramento portadora de outras exi-gências não tipificadas em fórmulas mas igualmente associadas à ideiademocrática que deve presidir a ordem processual (Const., art. 5º, ~ 2º).

A doutrina tem muita dificuldade em conceituar o devido processolegal e precisar os contornos dessa garantia - justamente porque vagae caracterizada por uma amplitude indetenninada e que não interessadeterminar. A jurisprudência norte-americana, empenhada em expressaro que sente por due process of law, diz que é algo que está em tomo denós e não sabemos bem o que é, mas influi decisivamente em nossasvidas e em nossos direitos (Juiz Frankfurter, da Corte Suprema norte--americana).

A essa cláusula atribui-se uma dimensão que vai além dos domi-nios do sistema processual, apresentando-se como um devido processolegal substancial que, em essência, constitui um vínculo auto limitativodo poder estatal como um todo, fornecendo meios de censurar a próprialegislação e ditar a ilegitimidade de leis que afrontem as grandes basesdo regime democrático (substantive due process of law).

Ao proclamar genericamente que "ninguém será privado da liber-dade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art. 5º, inc. LIV)quis a Constituição brasileira pôr esses valores sob a guarda dos juízes,não podendo ser atingidos por atos não jurisdicionais do Estado. Quistambém proclamar a autolimitação do Estado-juiz no exercício da pró-priajurisdição, no sentido de que a promessa de exercê-Ia será cumpridacom as limitações contidas nas demais garantias e exigências, sempresegundo os padrões democráticos da República brasileira. O poder es-tatal exercido pelo juiz sofre todas as limitações inerentes ao Estado dedireito democrático, não podendo avançar sobre competências de outrosjuízes e não podendo, ainda quando eventualmente lhe autorize a lei,exercer o poder de modo capaz de comprimir as esferas jurídicas dosjurisdicionalizados além do que a Constituição permite.

É óbvio que nenhuma das garantias constitucionais teria necessi-dade de reafirmação ou suporte mediante a cláusula genérica do devidoprocesso legal. Ela tem, contudo, umafimção organizatória, responsá-vel pelo traçado do perfil democrático do processo e por atrair à órbitadas medidas de tutela constitucional certas garantias não caracterizadascomo verdadeiros princípios ou lançadas de modo genérico em outros

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dispositivos constitucionais, mas que com ele guardem pertinência.Diante disso, consideram-se incluídas no quadro do devido processolegal as garantias do direito à prova, da inadmissibilidade da prova ob-tida por meios ilícitos (art. 5º, inc. LVI), da inviolabilidade do domicílio(art. 5º, inc. XI), do sigilo das comunicações e dados (art. 5º, inc. XII),do dever de motivação dos atos judiciários (art. 93, inc. IX) etc. - e sealguma disposição infraconstitucional for emitida ou alguma decisãojudiciária proferida sem infração específica a qualquer dessas garantiasassim tipificadas mas violando as premissas do Estado liberal democrá-tico ela será violadora da garantia ampla e vaga do due process of law, epor isso carecerá de legitimidade constitucional.

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CAPÍTULO 111JURISDIÇÃO

39. ajurisdição no quadro do poder estatal

A jurisdição costuma ser conceituada com a tríplice qualificaçãocomo poder, como função e como atividade, mas essa assertiva mereceuma retificação. Ela não é propriamente um poder, mas uma expressãodo poder estatal, o qual é uno e não comporta qualquer ramificação emuma pluralidade de poderes diversificados - o Estado não tem mais deuma capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Essa ca-pacidade é uma só, e o que diferencia seu exerCÍcio em variados setoresda atuação do Estado é afunção exercida em cada um deles. A funçãoexercida na atividade legislativa é a de instituir normas de caráter gerale abstrato destinadas a reger no futuro a vida dos integrantes da socie-dade (legislação). A função exercida na atividade administrativa é a depromover o bem comum mediante a oferta de serviços e segurança àpopulação (administração). E a função exercida na atividadejurisdicio-nal consiste na busca da pacificação de sujeitos ou grupos em conflito.É mais correto, portanto, qualificar a jurisdição como uma expressão dopoder estatal, exercida com afimção de pacificar e mediante as ativida-des disciplinadas pela Constituição e pela lei.

Com essas características a jurisdição estatal situa-se, juntamentecom a legislação, entre as atividades jurídicas do Estado. É uma ativi-dade ligada essencialmente à atuação jurídica, enquanto a legislaçãose destina à produção jurídica. A jurisdição identifica-se pela presençade dois elementos essenciais, quais sejam: o caráter substitutivo e osescopos a realizar.

Ora, assumido que o sistema processual é impulsionado por umasérie de escopos e que o Estado chama a si a atribuição de propiciar aconsecução destes (supra, n. 5), uma das funções estatais é a de realizar

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os escopos do processo. Tal é ajurisdição estatal, função exercida peloEstado através dos juízes com vista à solução imperativa de conflitosinterindividuais ou supraindividuais e aos demais escopos do sistemaprocessual. Entre estes está o de atuação do direito material, tradicional-mente apontado como fator apto a dar à jurisdição uma feição própria ediferenciá-la conceitualmente das demais funções estatais - pois nenhu-ma outra é exercida com o objetivo de dar efetividade ao direito materialem casos concretos. Conceitua-se pois ajurisdição estatal, a partir dessaspremissas, como função do Estado, destinada à solução imperativa deconflitos e exercida mediante a atuação da vontade do direito em casosconcretos.

Falar em solução imperativa é pressupor o exerCÍcio do poder.O Estado persegue os objetivos do processo com fundamento em suaprópria capacidade de decidir imperativamente e impor decisões (defi-nição de poder estatal, segundo a ciência política) e sem a necessidadede anuência dos sujeitos. A situação destes perante o Estado que exercea jurisdição é de sujeição - conceituada esta como impossibilidade deevitar os atos alheios ou furtar-se à sua eficácia.

Consequência direta dessa relação de sujeição entre o jurisdiciona-do e o Estado é a inevitabilidade da jurisdição estatal, que outra coisanão é senão a inevitabilidade do próprio Estado ou do poder estatal comoum todo. O poder estatal não é exercido na medida em que o desejem ouaceitem os particulares, mas segundo os desígnios e decisões do próprioEstado, expressos pelos agentes regularmente investidos. A inevitabili-dade manifesta-se na ordem processual mediante a dispensa de qualquerato de anuência do demandado para figurar no processo (a citação bastapara fazê-lo parte neste e, com isso, pô-lo em estado de sujeição) e naimposição imperativa dos resultados do processo a ambos os litigantes.

O autor tem liberdade para optar, segundo sua própria vontade,por provocar ou não provocar o exerCÍcioda jurisdição pelo Estado-juiz(prinCÍpio da demanda, ou inércia do juiz - infra, n. 119), mas uma vezinstaurado o processo ele estará, tanto quanto o réu, em estado de sujei-ção aojuiz.

Pelo aspecto técnico a atividade jurisdicional é sempre substitutivadas atividades dos sujeitos envolvidos no conflito, a quem a ordem jurí-dica proíbe a autotutela. Seja quando o sujeito aspira a um bem negadopela pessoa que lho podia dar (p. ex., pretensão a uma soma de dinheiroetc.), seja nos casos em que o processo é o único caminho para obtê-lo

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(p. ex., anulação de casamento), a atividade jurisdicional é sempre subs-titutiva de alguma atividade das pessoas. Os atos excluídos de autotutelasão substituídos pela atividade do juiz, que, com imparcialidade, verificase o sujeito tem ou não razão e, por ato seu, propicia-lhe a obtenção dobem na primeira dessas hipóteses.

Também se aponta como elemento identificador da jurisdição, res-ponsável por sua diferenciação em relação às demais funções estatais, oseu exercício exclusivamente em relação a casos concretos, sem vocaçãoà generalidade como se dá com a lei. Esse critério distintivo, todavia,vai se esmaecendo na medida da expansão dos efeitos das decisõesjudiciárias com a valorização dos precedentes e aplicação a casos filturoS(supra, n. 20).

40. jurisdição estatal ejurisdição arbitral

No atual estado da ciência processual todo estudo sobre a jurisdiçãodeve passar pela inclusão, nesse conceito, da jurisdição exercida pelojuiz estatal e também por aquela que se exerce no processo arbitral,sabendo-se que a arbitragem é um processo e, tanto quanto o processoconduzido pelos juízes, insere-se desenganadamente na teoria geral doprocesso. É do passado a crença em um monopólio estatal da jurisdição,responsável pela concentração dos estudos sobre esta com o foco lan-çado exclusivamente sobre a jurisdição estatal. Há notórias diferençasentre essas duas espécies de jurisdição, mas não tantas nem tão pro-fundas que legitimem o alijamento da jurisdição arbitral do conceito dejurisdição. Também a jurisdição arbitral é exercida com fundamento emum poder, mas, diferentemente do que se dá com a jurisdição estatal, afonte do poder do árbitro não é o imperium soberano do Estado, como ado Estado-juiz, mas a vontade bilateral das partes que houverem optadopela arbitragem, sem a qual esta não será admissível.

Ajurisdição exercida pelo árbitro também tem caráter substitutivo,embora não inclua atos de constrição sobre pessoas ou bens, o que podelevar à necessidade de, após proferido o laudo pelos árbitros, recorrer osujeito à jurisdição estatal para obter dos juízes a execução do julgado(a jurisdição arbitral in sola notione consisti!, como se dava com a ju-risdição romana das fases iniciais). Para essa e outras situações em queo árbitro necessita do apoio do juiz estatal a lei institui a carta arbitral,substancialmente equivalente às cartas precatórias trocadas entre juízesestatais (LA, art. 22-C). Essas solicitações de cooperação jurisdicional

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são feitas exclusivamente pelos árbitros aos juízes de direito e jamaispor estes àqueles.

Em princípio a jurisdição arbitral não é dotada do predicado da ine-vitabilidade, coessencial à do juiz. O árbitro só será investido se, quandoe na medida em que o queiram os sujeitos em conflito; mas, havendouma regular convenção de arbitragem (cláusula compromissória), anenhuma das partes será lícito recusar o processo arbitral ou furtar-se aocumprimento do que ali vier a ser decidido. A Lei de Arbitragem ofereceum mecanismo destinado a compelir a parte resistente a "comparecerem juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiênciaespecial para tal fim" (art. 7º).

41. espécies dejurisdição estatal

Sendo una como expressão do poder estatal, que é também uno enão comporta divisões (supra, n. 39), a rigor a jurisdição não seria sus-cetível de classificação em espécies. As conhecidas classificações dasespécies dejurisdição justificam-se, apesar disso, pela utilidade didáticade que são portadoras e por serem elementos úteis para o entendimentode uma série de problemas processuais, como a competência, graus dejurisdição, poderes decisórios mais amplos do juiz em certos casos etc.Para esses fins classificam-se as espécies de jurisdição: a) segundo omodo como o juiz se comporta diante do conflito, em jurisdição con-tenciosa ou voluntária; b) segundo a Justiça competente, em jurisdiçãocomum e especial; c) segundo as fontes formais do direito relevantespara julgar, emjurisdição de direito e de equidade; d) segundo a posiçãohierárquica do órgão julgador, emjurisdição inferior e superior.

42. jurisdição contenciosa ou voluntária

Existem situações conflituosas ou ao menos potencialmente confli-tuosas em que o juiz não é chamado a dirimir diretamente um conflitomas a criar situações novas capazes de dar a desejada proteção a um dossujeitos ou a ambos, como que administrando os interesses de um ou detodos. É o caso das situações descritas no art. 725 do Código de ProcessoCivil, como a emancipação de um incapaz, a alienação de quinhão emcoisa comum, a expedição de alvará judicial etc. Tem-se nesses casosuma atividade judicial (de juízes) que tradicionalmente a doutrina incluino quadro da administração pública de interesses privados. Tal ativida-de, que é ajurisdição voluntária, opor-se-ia à jurisdição contenciosa, na

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qual o conflito existente entre os sujeitos é posto diretamente diante dojuiz e dele recebe solução favorável a um dos sujeitos e desfavorável aooutro.

O Código de Processo Civil de 1973, ao dizer que "a jurisdiçãocivil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o ter-ritório nacional, conforme as disposições que este Código estabelece"(art. Iº), não só afirmava a existência dessas duas vertentes da jurisdi-ção (contenciosa e voluntária) como também mandava que a segundadelas se exercesse segundo os atos, as formas e as garantias inerentes aoprocesso civil contencioso. O novo Código de Processo Civil não reedi-ta tal dispositivo, provavelmente porque os autores do Anteprojeto nãopretendiam contemplar a jurisdição voluntária no sistema processualbrasileiro, mas estabelece que, "quando este Código não estabelecerprocedimento especial, regem os procedimentos de jurisdição volun-tária as disposições constantes desta Seção" (art. 719). Diante disso, ehavendo procedimentos a observar (arts. 719 ss.), estando presente ocontraditório, devendo ser motivadas as decisões e sentenças ali profe-ridas, operando o duplo grau de jurisdição e prevalecendo os padrõesditados pela garantia do devido processo legal, o que se tem ali é autên-tico exercício dajurisdição.

Diante dessa inclusão da jurisdição voluntária no conceito dejuris-dição, suas características distintivas quando comparada com a conten-ciosa são essas: (a) não consiste em dirimir diretamente conflitos entre aspartes, (b) consequentemente, não são julgadas pretensões antagônicas,(c) destina-se a dar tutela a uma das partes, previamente determinada, oua ambas, sem se colocar para o juiz a escolha entre tutelar uma delas oua outra, (d) é invariavelmente exercida por juízes integrantes do PoderJudiciário e (e) deve sempre ser exercida pelo juiz com inteira impar-cialidade.

Despreocupada dos conflitos como núcleo justificador da atividadejurisdicional, a doutrina tradicional indicava diversas espécies dejurisdi-ção voluntária, incluindo habitualmente entre elas certos casos de meracertificação feita pelo juiz (legalização de livros comerciais, aposiçãode visto) ou pura e simples recepção e publicidade (publicação de testa-mento particular). Esses atos têm realmente pura natureza administrativa(administração pública de interesses privados, realizada pelo juiz), masnão há a mínima razão ou utilidade prática ou sistemática que justifiqueconsiderá-los de jurisdição voluntária. Não se referem a conflitos, nãolhes dão solução nem se realizam pelas formas do processo civil. Nãosão atos dejurisdição voluntária.

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43. jurisdição comum ou especial

A distinção entre jurisdição comum e jurisdição especial tem porcritério aproximativo a natureza das normas jurídico-substanciais combase nas quais os conflitos serão julgados. Existe uma jurisdição comum,exercida com referência a litígios fundados em direito comum (direitocivil, comercial, administrativo, direito penal comum), e jurisdição es-pecial, que se refere a ramos de direito substancial especial (direito dotrabalho, direito eleitoral, direito penal militar). A jurisdição comum éexercida por órgãos da chamada Justiça comum (STJ, Justiça Federal,Justiças dos Estados e Justiça do Distrito Federal e dos Territórios), emcontraposição àjurisdição especial exercida por órgãos de uma Justiçaespecial como a Justiça do Trabalho, a Eleitoral ou a Militar.

44. jurisdição de direito ou de equidade

o critério das fontes formais de direito conduz à distinção entre aschamadas jurisdição de direito e jurisdição de equidade. Em princípiocumpre ao juiz decidir segundo as regras enunciadas no direito positivo,ou seja, na lei, da qual se costuma dizer que ele é escravo. São excep-cionais as autorizações a julgar sem os parâmetros ditados em lei (CPC,art. 140, par.) porque a generalização de julgamentos assim abriria cami-nho ao arbítrio. Por lei entendem-se todas as normas postas pelos entesdotados de competência para isso, em todos os níveis (Constituição,lei complementar ou ordinária federal, fontes estaduais ou municipais,regulamentos em geral etc.), sendo que julgar segundo tais normas é umfator de segurança inerente à legalidade imposta pelo Estado de direito.Isso não significa que no exercício da própria jurisdição de direito ojuiz esteja impedido de interpretar os textos legais a partir dos valoresda sociedade, nem que ele esteja vinculado à letra da lei, sem atenção atais valores, às realidades da vida ou às peculiaridades de cada caso con-creto - dispondo o art. 8º do Código de Processo Civil que, "ao aplicaro ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigênciasdo bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa hu-mana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, apublicidade e a eficiência". Julgar por equidade, ao contrário, é pautar-sepor critérios não contidos em lei alguma e não apenas interpretar inte-ligentemente os textos legais. Ao julgar por equidade o juiz remonta aovalor do justo e à realidade humana, econômica, política, cultural, socialou familiar em que se insere o conflito - à cequitas enfim - para retirardaí os critérios com base nos quais julgará. Mesmo um julgamento por

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equidade deve ser feito com impessoalidade, sem ter por fonte os gostospessoais ou preferências axiológicas do julgador. Cumpre-lhe compor-tar-se como autêntico canal de comunicação entre os valores vigentes nasociedade e o caso em julgamento.

São casos de jurisdição de equidade no processo civil brasileiro:a) a fixação do valor dos alimentos devidos entre ascendentes e descen-dentes ou entre cônjuges e a serem dimensionados segundo a necessi-dade do credor e apossibilidade do devedor (CC, art. 1.694, S Iº); b) asdecisões sobre a guarda defilhos (lei n. 6.515, de 26.12.77, art. 10º, esp.S Iº); c) a fixação e dimensionamento das multas por descumprimentode liminares ou sentenças relativas a obrigações de fazer ou de não fazer(CPC, arts. 536, S Iº, e 537, S Iº) etc.

No processo arbitral pode ojulgador (árbitro) decidir por equidadequando expressamente autorizado pelas partes (lei n. 9.307, de 23.9.96,art. 2º, art. 11, inc. 11,e art. 25, inc. 11)- a não ser em arbitragens nasquais a Administração Pública seja parte, onde os julgamentos por equi-dade são expressamente excluídos pela lei (LA, art. 2º, S 3º, red. lei n.13.I29, de 26.5.2015). Nosjuizados especiais cíveis o árbitro é autoriza-do por lei a julgar por equidade, dispensada a autorização dos litigantes(LJE, art. 25); mas também ali ordinariamente ojuiz exerce jurisdição dedireito, apesar da redação do art. 6º da lei especial.

45. jurisdição inferior ou superior

A distinção entre jurisdição inferior e jurisdição superior é um refle-xo do modo como se estrutura a Justiça do país, havendo os órgãos in-feriores representados pelos juízos de primeiro grau e os órgãos de grausuperior, que são os tribunais. Aquela distinção é feita segundo os grausem que a jurisdição é exercida, ou seja, levando-se em conta que ela éexercida, conforme o caso, por órgãos inferiores ou superiores. A partirdesse critério ajurisdição é adjetivada de inferior quando exercida pelosjuízes de primeiro grau, ou seja, por aqueles que ordinariamente proces-sam e julgam as causas originariamente, sem terem competência recursalalguma (salvo embargos de declaração - infra, n. 156), e, ao contrário,estando suas decisões sujeitas aos recursos endereçados aos tribunais. Échamada superior a jurisdição exercida pelos órgãos dotados de com-petência recursal em variados níveis, que vão dos Tribunais de Justiçaou Regionais Federais até ao Superior Tribunal de Justiça e ao SupremoTribunal Federal- a competência desses tribunais não é exclusivamenterecursal, mas também originária em certos casos.

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46. limites àjurisdição - internos ou internacionais

As limitações constitucionais e legais à oferta da tutela jurisdicionalaparecem na disciplina da jurisdição sob as vestes de certas técnicas,como a da competência, das condições da ação, exigências procedi-mentais etc. (pressupostos de admissibilidade do provimento de mérito_ infra, n. 126). Trata-se de limitações porque são regras destinadas aimpedir o exercício indiscriminado da jurisdição, condicionando-o arequisitos postos racionalmente. Os exemplos acima são de limitaçõesque se passam no direito interno, qualificando-se por isso como limitesinternos da jurisdição.

Uma ordem muito significativa de limitações internas de extremarelevância na prática do processo é representada pela territorialidade dainvestidura do juiz, como consequência das regras de divisão judiciáriado território nacional. A cada órgão judiciário só é lícito exercer a juris-dição no âmbito geográfico doforo que lhe é atribuído por lei (comarcasnas Justiças Estaduais e subseções na Federal) e eventuais invasõesalém-divisas não autorizadas por lei constituem ultrajes à investidurado órgão cujo território haja sido invadido. Esse tema não se confundecom o da distribuição das causas entre foros, pois consiste somente emvedar a imposição do poder sem respeitar divisas. Intimamente ligada àterritorialidade da jurisdição é a necessidade de expedir cartas precató-rias, solicitando a cooperação do juiz do lugar para a realização de atosno foro em que exerce a jurisdição (CPC, arts. 236, S IQ,c/c art. 237, inc.III). Tal é a importância dessa ordem de limitações, que a doutrina chegaa erigi-Ia em princípio inerente à jurisdição.

Constitui legítima ressalva a essa regra a disposição do Código deProcesso Civil segundo a qual, "nas comarcas contíguas de fácil comu-nicação e nas que se situem na mesma região metropolitana, o oficial dejustiça poderá efetuar, em qualquer delas, citações, intimações, notifica-ções, penhoras e quaisquer outros atos executivos" (art. 255).

Externamente a jurisdição é limitada por certos fatores inerentes aoconvívio entre Estados soberanos, que levam cada um destes a excluirsua própria jurisdição em muitos casos e a recusar a de outros Estados emoutros. As regras da chamada competência internacional são limitativasda própria jurisdição, não meros critérios de distribuição de seu exercí-cio entre os juízes do mesmo país (competência). Em relação às causasexcluídas da competência do juiz nacional a jurisdição do país não seexerce porque o poder estatal é insuficiente para chegar até elas. Por falta

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de competência internacional o juiz nacional será carecedor de jurisdição.Não se trata de mera incompetência, como a locução poderia fazer crer.Tal é um sistema de limitações territoriais da própria jurisdição, e não deseu exercício, carecendo de jurisdição e não de pura competência o juizbrasileiro para as causas a ele não atribuídas em lei (CPC, arts. 21 ss.).

A consequência prática dessa distinção é que (a) enquanto o reco-nhecimento da incompetência interna do juiz perante o qual a causa foiproposta tem como consequência a remessa do processo a outro, tambémno território brasileiro (CPC, art. 64, S 3º), (b) o reconhecimento de suaincompetência no plano internacional, sendo competente a autoridadejudiciária de outro país, implica a extinção do processo por ausência dejurisdição do juiz brasileiro.

47. o direito processual civil internacionale a cooperação jurisdicional- as cartas rogatórias - o auxílio direto

A coexistência de Estados soberanos em tomo de todo o planeta,com um entrosamento mais intenso ou menos intenso de atividades ede negócios, gera conflitos que transcendem os limites de dado país,para interessar também a outro ou outros. Para reger as atividades ju-risdicionais referentes a esses conflitos as nações estabelecem normasde convivência e cooperação, integrantes do direito processual interna-cional. São normas estabelecidas em tratados internacionais e no direitointerno de cada país, em parte limitativas do exercício da jurisdição(competência internacional) e em parte destinadas a facilitar e propiciara/ormação, a execução e a circulação dos provimentos jurisdicionais derelevância além-fronteiras.

Tal é a cooperação jurisdicional internacional, à qual o Código deProcesso Civil dedica todo um capítulo (arts. 26-41), ressalvando quetoda cooperação de um juiz brasileiro a um estrangeiro há de observarcertos preceitos e princípios inerentes à ordem pública brasileira, comoo devido processo legal, a igualdade de tratamento entre nacionais e es-trangeiros, a publicidade processual etc. (arts. 26 e 39). O novo Códigotraça também o desenho do âmbito dessa cooperação, a qual poderá terpor objeto os atos de comunicação processual (citação, intimação), aprodução de prova, a homologação de decisão estrangeira etc. (art. 27).

Segundo uma linguagem que já se implantou nos estudos doutriná-rios referentes ao novo Código, a cooperação jurídica internacional será

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ativa quando solicitada pelo juiz brasileiro epassiva quando solicitada aesse juiz. Obviamente uma cooperação que para um dos países envolvi-dos é ativa será passiva para o outro e vice-versa.

Nesse contexto têm muita importância as cartas rogatórias, quesão uma solicitação de cooperação jurisdicional endereçada pelo juizde um país ao de outro. Elas podem ter por objeto a "prática de ato decitação, intimação, notificação judicial, colheita de provas, obtenção deinformações e cumprimento de decisão interlocutória, sempre que o atoestrangeiro constituir decisão a ser executada no Brasil" (CPC, arts. 35e 237, inc. lI).

Também está disciplinado no Código de Processo Civil o chamadoauxílio direto, consistente na cooperação jurídica entre o Brasil e outrosEstados soberanos, a ser prestada por órgão não jurisdicional e, natural-mente, fora do âmbito do exerCÍcio da jurisdição. "Cabe auxílio diretoquando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridadejurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil"_ diz o art. 28 do Código de Processo Civil. Os pedidos de auxílio diretopassarão por uma autoridade central, que no Brasil é o Ministério daJustiça (CPC, arts. 26, 9 4º, e 29), e poderão ter por objeto a "obtenção eprestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre proces-sos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso" (art. 30, inc. I),a iniciativa de produção de provas (inc. lI) etc.

48. a competência internacional dojuiz brasileiro

Os arts. 21 a 23 do Código de Processo Civil estabelecem a compe-tência do juiz brasileiro no plano internacional, fazendo-o com atençãoàs pessoas, bens e valores ligados ao Estado brasileiro (território, popu-lação e instituições) e levando em conta o interesse deste na solução dosconflitos. Há casos em que a competência do juiz nacional é exclusivae portanto se repudia a eficácia de sentenças ou decisões eventualmentepronunciadas no exterior, e casos de competência concorrente, com re-ferência aos quais a lei brasileira tem como competente o juiz nacionalmas aceita a eficácia do que em outro país haja sido decidido. O critériopelo qual o legislador faz essa distinção entre competência internacio-nal exclusiva e competência internacional concorrente é o da maior oumenor relevância das causas em relação ao Estado brasileiro, ao seuterritório ou à sua população.

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Pelo que dispõe o art. 23 do Código de Processo Civil, o juiz bra-sileiro é internacionalmente competente, com exclusividade, (a) paraas demandas "relativas a imóveis situados no Brasil" (art. 23, inc. I),(b) para, "em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmaçãode testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situadosno Brasil" (art. 23, inc. lI) e (c) para, "em divórcio, separação judicialou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados noBrasil" (art. 23, inc. 1Il). Nesses casos a ordem jurídica brasileira excluia eficácia de julgados estrangeiros, os quais aqui não produzirão o efeitodesejado e aos quais o Superior Tribunal de Justiça não concederá ho-mologação (homologação de decisão estrangeira - CPC, arts. 960 ss.).

Há outros casos em que, sendo menos intensa a relevância dessespontos de ligação entre a causa e a vida do país, a competência fixadaem atenção a eles não exclui outras e será, portanto, concorrente. É oque ocorre com a competência do juiz brasileiro para julgar demandasem que (a) "o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domi-ciliado no Brasil" (art. 21, inc. 1), (b) "no Brasil tiver de ser cumprida aobrigação" (art. 21, inc. lI), (c) "o fundamento seja fato ocorrido ou atopraticado no Brasil" (art. 21, inc. 1Il), (d) se pleiteia a condenação a pa-gar alimentos quando "o credor tiver domicílio ou residência no Brasil"ou "o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedadede bens, recebimento de renda ou obtenção de beneficios econômicos"(art. 22, inc. 1), (e) o pedido decorre "de relações de consumo, quandoo consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil" (art. 22, inc. lI),e (f) "as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdiçãonacional" (art. 22, inc. IlI). Nesses casos, como a competência nacionalnão exclui a estrangeira, eventual sentença proferida no exterior poderá,em tese, ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (arts. 960 ss.).

49. organização judiciária - temas fundamentais- a tutela constitucional da organização judiciária

Embora tradicionalmente conceituada como o direito administra-tivo da Justiça e das instituições judiciárias, não se confundindo como direito processual nem se reputando integrante deste, a organizaçãojudiciária constitui um tema tão vizinho a ele, que aos poucos foi sendoabsorvido nas preocupações dos processualistas. Tem-se no presente aconsciência de que, tanto quanto se dá nas ciências naturais, o conheci-mento de uma função há de estar sempre ligado ao dos órgãos que a de-sempenham, sob pena de ser superficial ou desviado da realidade. Assim

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se colocando, os estudos dos processualistas da atualidade não mais selimitam à formulação dos conceitos e definição das estruturas inerentesao exercício da jurisdição, da ação e da defesa mediante o emprego dastécnicas do processo, que são os temas fundamentais do direito proces-sual. Esses estudos vão também em busca da adequada compreensão daconstituição orgânica do complexo de instituições judiciárias, inclusivemediante a inserção desse tema no foco dos princípios e garantias ine-rentes a uma autêntica tutela constitucional da organização judiciária.É de grande relevância para o direito processual o conhecimento não sóda estrutura judiciária do país e das relações entre os diversos órgãos ouorganismos judiciários, mas também dos fundamentos político-constitu-cionais dessa intrincada disciplina.

Pelo aspecto político as mais amplas disposições constitucionaisatinentes à organização judiciária brasileira são as que colocam o Ju-diciário como um Poder entre os Poderes do Estado, autônomo e emharmoniosa convivência com o Legislativo e o Executivo (Const., arts.2º e 92-126). A Constituição Federal chama também a si o traçado daslinhas mestras da organização judiciária brasileira, seja ditando direta-mente uma série de disposições destinadas a prevalecer em relação atodo o Poder Judiciário nacional, seja determinando a elaboração de umalei complementar a ser observada pela União e pelos Estados em suaslegislações. Essa lei complementar, que será o Estatuto da Magistraturae se pautará por certos parâmetros enunciados no art. 93 da Constituição,ainda não foi editada. Continua em vigor, por isso, e na medida em querecepcionada pela ordem constitucional vigente, a Lei Orgânica da Ma-gistratura Nacional, que é do ano de 1979 e, portanto, anterior à vigenteConstituição Federal (lei compl. n. 35, de 14.3.79).

São de diversas ordens as disposições constitucionais atinentesà organização judiciária, estabelecendo elas: a) o elenco fechado dosórgãos judiciários do país, fora dos quais não se admite o exercício dajurisdição pelo Estado (arts. 92, 98, 125, S 3º, e 126); b) garantias insti-tucionais do Poder Judiciário e individuais aos juízes (infra, nn. 51 e 52);c) a estrutura judiciária brasileira, constituída de órgãos distribuídosentre as diversas Justiças e órgãos superpostos a estas (infra, n. 53); d) acomposição e a competência dos órgãos de superposição (arts. 10 1-102e 104-105 - infra, n. 65); e) a estrutura e a competência de cada uma dasJustiças da União, nos diversos graus jurisdicionais (infra, n. 66); t) aobservância dos princípios constitucionais pelos Estados na organizaçãodas respectivas Justiças, cabendo às Constituições Estaduais a disciplinada competência de seus tribunais (art. 125, caput e S Iº); g) a determina-

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ção de que as leis locais de organização judiciária sejam necessariamenteda iniciativa do Tribunal de Justiça (art. 125, caput e ~ Iº).

As normas sobre todos esses temas inerentes à organização judiciá-ria ou estão na própria Constituição Federal ou devem ser fiéis às linhasgerais integrantes da tutela constitucional da organização judiciária, sobpena de ilegitimidade. Elas regem a Justiça e sua autonomia, a estruturajudiciária, a composição dos juízos em todos os graus de jurisdição, oregime da Magistratura e os períodos de trabalho forense.

De envolta com a matéria puramente organizacional do PoderJudiciário, entre essas normas acham-se algumas que ou são preponde-rantemente de direito processual, e não de organização judiciária, ou aomenos situam-se em uma zona cinzenta e participam de igual modo deambas as naturezas. As normas sobre competência estão nessa situação,porque é natural que o mesmo poder legiferante (no caso, o Estado fe-derado), ao instituir seus órgãos e organismos judiciários (os juízos e ostribunais), delimite desde logo o campo de atuação de cada um, ou seja,sua competência. De outro lado, ao definir a competência do SupremoTribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça a Constituição (a)institui o recurso extraordinário, o recurso especial e o recurso ordinárioconstitucional, que só por essa via indireta estão delineados na ordemconstitucional e são admissíveis nos limites da autorização constitucio-nalmente definida (art. 102, incs. I1-III-art. 105, incs.II-III); b) afirmao próprio princípio do duplo grau de jurisdição, ao definir ou prevera competência recursal dos tribunais em geral; c) idem, quanto à açãorescisória de seus próprios julgados, atribuída à competência de cada umdos órgãos de superposição e dos Tribunais Superiores; d) institui a açãodireta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade(art. 102, inc. I, letra a), bem como (e) a arguição de descumprimentode preceito fundamental (art. 102, S Iº) e (f) a ação popular (art. 5º, inc.LXXIII) etc.

50. O elenco fechado dos órgãos integrantesdo Poder Judiciário

o art. 92 da Constituição Federal relaciona os órgãos jurisdicionaisdo país, que são o Supremo Tribunal Federal (inc. I), o Superior Tribunalde Justiça (inc. 11),os Tribunais Regionais Federais, os juízos federais deprimeira instância (inc. 111),os tribunais e juízes do trabalho (inc. IV), ostribunais e juízes eleitorais (inc. V), os tribunais e juízes militares (inc.VI) e os tribunais e juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios(inc. VII). Entre esses órgãos de diversos níveis é distribuído o exercício

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da jurisdição estatal brasileira, não podendo ela ser exercida por qual-quer outro órgão, organismo ou pessoa, sob pena de infração à garantiaconstitucional do juiz natural.

Também o Conselho Nacional de Justiça está incluído na lista doart. 92 da Constituição Federal (inc. I-A), mas não exerce jurisdiçãoalguma. Suas funções são exclusivamente administrativas, cabendo-lheatividades relacionadas com a autonomia do Poder Judiciário, sua orga-nização, condutas dos juízes etc. (Const., art. 103-8, S 4º e seus incisos)- e isso significa que o Conselho Nacional de Justiça é um órgãojudiciá-rio, porque está entre os órgãos judiciários indicados na Constituição Fe-deral, mas não é um órgão jurisdicional, porque não exerce a jurisdição.

51. as garantias institucionais do Poder Judiciário

Para a independência do Poder Judiciário como um todo em facedos demais Poderes do Estado a ordem constitucional oferece-lhe tra-dicionalmente certas garantias e oferece-as também aos juízes que ointegram. No plano das garantias ao Poder Judiciário como um todo aConstituição Federal demonstra muito zelo em assegurar seu autogover-no (art. 96, inc. I) e sua autonomia administrativa ejinanceira (art. 99),a qual se desdobra em diversas outras garantias e prerrogativas, como aque têm os tribunais de elaborar suas próprias propostas orçamentárias(art. 99, ~ Iº) e a de ter a exclusividade em projetos de lei relacionadoscom eles próprios e seus serviços (art. 125, ~ Iº, 2ª parte).

Em complementação à fórmula autonomia administrativa efinan-ceira (art. 99) e ao poder de elaborar o regimento interno (art. 96, inc.I), a Constituição dá a cada tribunal a competência para (a) eleger seusórgãos diretivos, (b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares, (c)prover os cargos de juiz de carreira no âmbito de sua atuação, (d) proporao Legislativo a criação de novos cargos em primeiro grau de jurisdição,(e) prover cargos administrativos mediante concursos segundo a lei e aConstituição, (f) decidir sobre a vida funcional de juizes e servidores(férias, licenças - art. 96, inc. I, letras a aj)o

52. as garantias individuais dos juízes- os impedimentos

Sempre com vista a assegurar a independência e a imparcialidadedos juízes, a Constituição Federal dedica a estes a clássica garantiatríplice da vitaliciedade-inamovibilidade-irreduditibilidade de venci-

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mentos (art. 95, ines. I-III). A garantia da vitaliciedade significa queeles só poderão perder seu cargo por decisão tomada em processo juris-dicional ou quando atingida a idade-limite de setenta e cinco anos; a daestabilidade, que cada juiz só se transfere de um cargo a outro quandoassim for sua vontade, salvo em caso de certas infrações funcionais; ada irredutibilidade de vencimentos, que, salvo em situações especiaisprevistas na própria Constituição, os vencimentos dos magistrados nãopodem sofrer reduções.

A preocupação pela independência dos juizes leva a Constituiçãotambém a impor-lhes certos impedimentos ou a vedação de atividadesque possam comprometer sua imparcialidade. Pelo disposto no par. deseu art. 95, o juiz é impedido, p. ex., de "exercer, ainda que em dispo-nibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério" (inc. I), de"dedicar-se à atividade politico-partidária" (inc. III), de receber auxíliosou contribuições de quem quer que seja (inc. IV), de "exercer a advo-cacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos trêsanos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração" (inc.V) etc. Esse último impedimento, que leva no linguajar comum o nomede quarentena, aplica-se somente, como se vê de sua redação, aos juízesaposentados ou que de algum outro modo hajam deixado de pertencerà Magistratura. Aos juízes em exercício as atividades da advocacia sãoproibidas pelo modo mais absoluto.

53. estrutura judiciária brasileira

A Justiça brasileira é composta do Supremo Tribunal Federal, dosTribunais Superiores da União (entre os quais o Superior Tribunal deJustiça), do Conselho Nacional de Justiça e dos inúmeros órgãos judi-ciários de mais de um grau de jurisdição distribuídos entre as diversasJustiças indicadas na Constituição Federal, a saber: Justiça Militar daUnião, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Justiçasdos Estados e Justiça do Distrito Federal e Territórios (Const., arts. 92,98, 125, S 3º, e 126).

o Conselho Nacional de Justiça está incluído no rol do art. 92 daConstituição Federal mas, embora seja um órgão judiciário, não é umórgão jurisdicional, porque não exerce a jurisdição mas somente ativi-dades e funções administrativas.

As Justiças da chamada jurisdição especial, todas elas da União(Militar, do Trabalho e Eleitoral), estruturam-se da seguinte forma:

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I - a Justiça do Trabalho compõe-se em primeiro grau de varas dotrabalho, cada uma ocupada por um juiz do trabalho (Const., art. 116).Seus órgãos de segundo grau são os Tribunais Regionais do Trabalho,cada um deles exercendo jurisdição sobre determinada Região: manda aConstituição que haja ao menos uma Região para cada Estado da Fede-ração, podendo haver Estado dividido em mais de uma (como o de SãoPaulo, onde se situam a 2ª e a 15ª Regiões). No ápice da Justiça do Tra-balho está o Tribunal Superior do Trabalho (art. 111), cuja competênciarecursal, em princípio referente a matéria de direito (não de fatos e suaprova), diz respeito aos julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho;

11- a Justiça Eleitoral é integrada em primeiro grau de jurisdiçãopelos juízes eleitorais (que são os próprios juízes estaduais acumulandofunções) e pelas Juntas eleitorais (art. 121). Em segundo grau, pelosTribunais Regionais Eleitorais - um na Capital de cada Estado e um noDistrito Federal (art. 120). O Tribunal Superior Eleitoral, órgão de cú-pula dessa Justiça, é recursal mente competente para as causas julgadaspelos Tribunais Regionais Eleitorais (Cód. Eleit., art. 22, inc. 11);

III - a Justiça Militar da União tem apenas os Conselhos de JustiçaMilitar como órgãos de primeiro grau de jurisdição (Conselhos Especiaisou Permanentes) e o Superior Tribunal Militar como órgão de jurisdiçãosuperior (Const., art. 122). Inexistem órgãos intermediários entre osConselhos e o Tribunal Superior.

Nas Justiças que exercem a chamada jurisdição comum (JustiçaFederal e Justiças Estaduais comuns) cada Estado tem seu Tribunal deJustiça e na Justiça Federal existem tantos Tribunais Regionais Federaisquantas as Regiões em que o país está dividido - atualmente o país estádividido em cinco Regiões, mas a emenda constitucional n. 73, de 6 dejunho de 2013, atualmente suspensa por liminar concedida pelo Supre-mo Tribunal Federal (AOI n. 5.017), cria quatro novas Regiões. A estru-tura dessas Justiças está estabelecida da seguinte forma:

I - a Justiça Federal tem varas em primeiro grau de jurisdição Guí-zos federais), localizadas em todas as suas subseções judiciárias, e umtribunal de segundo grau em cada uma das Regiões em que o territórionacional se divide (Tribunais Regionais Federais);

11- cada uma das Justiças dos Estados e a do Distrito Federal eTerritórios têm suas varas em primeiro grau, localizadas nas milharesde comarcas existentes em todo o país, e em segundo grau o Tribunal deJustiça. A divisão do Estado em comarcas (foros) e a definição das varasa existir em cada uma delas Guízos) é feita por lei estadual de iniciativado Tribunal de Justiça (Const., art. 96, inc. rI, letra c).

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Sobre as Justiças comuns (Federal e Estaduais) paira o SuperiorTribunal de Justiça, que é também um dos Tribunais Superiores da Uniãomas não faz parte de qualquer delas. Tem competência originária para ascausas indicadas na Constituição (art. 105, inc. I) e competem-lhe tam-bém os recursos eventualmente cabíveis contra a única ou última deci-são de cada uma dessas Justiças em matéria infraconstitucional (decisõesdos Tribunais Regionais Federais ou dos Tribunais de Justiça - recursoespecial e recurso ordinário - art. 105, ines. II-IlI).

Questões constitucionais apreciadas pelas diversas Justiças ou pelopróprio Superior Tribunal de Justiça são suscetíveis de apreciação peloSupremo Tribunal Federal pela via do recurso extraordinário.

54. ojuiz - sua posição institucional

Ressalvada a jurisdição praticada pelos árbitros, o exercício dajurisdição é feito pelo Estado mediante a atuação dos juízes. Só haveráatividade verdadeiramente jurisdicional quando os atos de seu exercícioforem realizados por pessoa investida na condição de juiz - ou seja,pessoa que, segundo as regras constitucionais e legais vigentes, tenhasido admitida à Magistratura, nomeada e empossada no cargo, estandono exercício deste (Const., art. 92, ines. I, lI, IlI, IV, V, VI e VII). Foradisso não se tem umjuiz, e portanto não se trata de um legítimo agenteestatal exercente da jurisdição.

A abstração feita para entender que é o Estado quem exerce a ju-risdição, embora os atos desse exercício sejam materialmente realizadospelos juízes, tem por corolário imediato a conotação de impessoalidadeque qualifica a atuação destes. O juiz não atua em função de seus inte-resses ou de seus escopos pessoais, mas daqueles que motivam o Estadoa assumir a função jurisdicional (supra, n. 5) - e daí a necessária impar-cialidade, que constitui a primeira de todas as virtudes exigidas a umjuiz (supra, n. 30).

55. ojuiz -funções, poderes, deveres e responsabilidade

Os poderes do juiz no processo, que melhor se qualificam comopoderes-deveres, são condensados na distinção entre os poderes rela-cionados com a condução e direção do processo (atividades-meio) e opoder de decisão (atividade-fim). No processo ou fase de conhecimentoos poderes de condução e direção exercem-se mediante atos de impulsoprocessual, de iniciativas ao longo do procedimento (inclusive iniciativa

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probatória, se for ocaso), de comando dos rumos deste e saneamento deeventuais irregularidades etc. Esse é o significado do art. 139 do Códigode Processo Civil ao dispor que "o juiz dirigirá o processo conforme asdisposições deste Código". O ato-fim que o juiz tem o dever de praticarno processo ou fase de conhecimento é o julgamento da causa medianteuma sentença de mérito, sempre que presentes os requisitos para tanto- e o Código de Processo Civil estabelece que "o juiz não se exime dedecidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídi-co" (art. 140). Essa exigência ou esse veto ao non liquet liga-se inclusiveà garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional(Const., art. 5º, inc. XXXV - supra, n. 28).

No quadro dos deveres do juiz, o art. 139 do Código de ProcessoCivil inclui o de a assegurar às partes igualdade de tratamento (inc. I),o de velar pela duração razoável do processo (inc. lll), o de prevenirou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça (inc. I1I), ode determinar as medidas necessárias para assegurar o cumprimentode ordem judicial (inc. IV), o de promover a autocomposição entre aspartes (inc. V) etc. Deve ainda julgar preferencialmente as causas postassob sua responsabilidade de acordo com a ordem cronológica, a partirdo momento em que estiverem em condições de julgamento (art. 12).Tem o juiz o poder de exigir pontualidade aos auxiliares da Justiça mastambém o dever de ser ele próprio pontual (art. 226), podendo qualquerdas partes representar aos órgãos competentes "contra juiz ou relator queinjustificadamente exceder os prazos previstos em lei, regulamento ouregimento interno" (art. 235).

O art. 143 do Código de Processo Civil estabelece também a res-ponsabilidade civil e regressiva do juiz por certos atos ou omissões,como sua eventual atuação no processo "com dolo ou fraude" (inc. I) ea recusa, retardamento ou omissão injustificada de providência que devaordenar (inc. lI). Tal responsabilidade não exclui eventual responsabili-dade do juiz no plano administrativo, a ser apurada pelo órgão censóriocompetente, ou mesmo sua responsabilidade penal, quando for o caso.

56. o impedimento e a suspeição dojuiz

Com vista a assegurar a lisura do juiz no exercício da jurisdição,ou a sua imparcialidade, a lei processual enumera situações em que eledeve afastar-se por iniciativa própria ou será afastado pelo tribunal com-petente, por iniciativa de uma das partes - tais são, segundo um linguajarcorrente, o dever de abstenção por parte do juiz e o direito de recusa,

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outorgado pela lei às partes. Todas as hipóteses descritas pelo Código deProcesso Civil (arts. 144- I45) têm em comum a existência de algum en-volvimento do juiz com alguma das partes ou com a própria causa, o quedesaconselha sua permanência no processo. A lei as distingue em casosde impedimento e casos de suspeição do juiz, sendo aqueles suscetíveisde verificação objetiva, e estes de conotação mais subjetiva.

As causas de impedimento do juiz, enumeradas no art. 144 do Có-digo de Processo Civil, conduzem a uma severa proibição de atuar noprocesso, porque revelam envolvimentos mais profundos e comprome-tedores da capacidade de ser imparcial. Por isso, eventual impedimentodo juiz pode ser alegado a qualquer tempo, e se uma sentença vier a serproferida por juiz impedido, e apesar disso passar em julgado, mesmoassim continuará sujeita a desconstituição pela via da ação rescisória(art. 966, inc. lI) - o que não acontece em casos de mera suspeição. Aprimeira das causas de impedimento, e a mais grave entre todas, consisteno fato de o próprio juiz ser parte na causa (art. 144, inc. IV). E o juiz seconsidera impedido, ou seja, proibido de participar do processo e profe-rir decisões, também na hipótese de haver atuado nesse mesmo processocomo mandatário de uma das partes, como promotor de justiça ou mes-mo como juiz em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão (art.144, incs. I-lI), na de ser cônjuge, parente ou companheiro de quem noprocesso esteja na condição de advogado, defensor público ou promotorde justiça (inc. IlI), na de ser parente próximo de uma das partes, sercônjuge de uma delas ou com ela conviver em regime de união estável(inc. IV), na de ser sócio ou membro de direção ou de administração depessoa jurídica parte no processo (inc. V) e em várias outras tambémindicadas no art. 144 do Código de Processo Civil, todas suscetíveis deserem verificadas e constatadas objetivamente.

Os casos de su!>peição do juiz, todos eles de gravidade menor queos de seu impedimento, estão enumerados nos incisos do art. 145 doCódigo de Processo Civil, ali figurando as hipóteses de ser o juiz amigoíntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados (art. 145,inc. I), de haver recebido presentes ou dádivas de pessoas envolvidasno litígio ou aconselhado uma destas (inc. lI), de ser credor ou devedorde alguma dessas pessoas (inc. I1I) ou de ter interesse no julgamentoem favor de qualquer das partes (inc. IV). Entre todas as hipóteses desuspeição do juiz a de maior conotação subjetiva é a do motivo de foroíntimo, que ele próprio alegará ao se abster de prosseguir no processo,sem necessidade de qualquer especificação ou demonstração (CPC, art.145,9 Iº).

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A operacionalização prática da recusa do juiz impedido ou suspeitodá-se mediante uma petição específica a ser endereçada ao próprio juizpela parte interessada, no prazo de quinze dias a partir de quando houvertido conhecimento do fato gerador do impedimento ou da suspeição (art.146). Ao juiz, no entanto, não compete proferir decisão alguma a respei-to do pedido de seu afastamento. Ele somente poderá, como verdadeiraparte nesse incidente, aceitar as razões expostas pela parte e afastar-sevoluntariamente do processo, ou, em caso de não as aceitar, determinar aremessa dos autos ao tribunal competente, com as razões de sua defesa.Ao tribunal competirá decidir (art. 146, 99 1º- 7º).

57. os auxiliares da Justiça

o exercício da jurisdição depende de uma série de atividades deapoio, indispensáveis à qualidade e à efetividade de um serviço orga-nizado e seguro, as quais são prestadas por pessoas especializadas, osauxiliares dajustiça. O juiz não é profissionalmente habilitado a realizarexames técnicos para a descoberta de fatos, ou de suas causas, indispen-sáveis ao julgamento em certos casos - e daí a necessidade do serviçodos peritos (CPC, arts. 156-158). Não conhece todas as línguas, de todosos povos - e daí a presença dos intérpretes (CPC, arts. 162-164) etc.

Há também atividades que, ainda quando teoricamente a seu alcan-ce, na prática jamais seriam bem conduzidas pelo juiz (documentação,certificação, conservação e guarda de autos, diligências externas etc.)ou, se o fossem, ocupariam irracionalmente o seu tempo, a dano dorendimento do serviço essencial, que é a própria jurisdição - e daí aparticipação efetiva e diuturna dosjuncionários de cartório, oficiais dejustiça etc. (CPC, arts. 150-155).

Em seu art. 149 o novo Código de Processo Civil enumera os auxi-liares da Justiça, que são o escrivão ou chefe de secretaria, o oficial dejustiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor,o mediador, o conciliador, o distribuidor, o contabilista e o regulador deavarias. Todos eles, por serem agentes públicos, têm o dever de atuarcom impessoalidade e imparcialidade, tendo as partes a faculdade derecusá-los quando houver sinal de sua suspeição ou impedimento (CPC,art. 148, inc. lI).

o que qualifica os auxiliares da Justiça como tais são suas funçõesde algum modo integradas na vida dos processos em juízo. Por isso, nãose consideram auxiliares da Justiça os delegatários e funcionários que

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atuam no chamado foro extrajudicial, como os tabeliães, os registradorese seus auxiliares. Os profissionais mais antigos vivenciaram um tempoem que os escrivães (auxiliares da Justiça) cumulavam certas funções doforo extrajudicial, sendo por isso, ao mesmo tempo, escrivães e tabeliães- e vem daí alguma confusão conceitual que até hoje ainda se vê entreos menos informados. Mas os integrantes do foro extrajudicial gozamdefé pública, do mesmo modo que os auxiliares permanentes da Justiça.

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Entre os auxiliares da Justiça existem os que, integrando o esquemafixo da Justiça, são considerados auxiliares permanentes desta (escrivão,oficial de justiça etc.). Diferentes são os auxiliares eventuais da Justiça,que são pessoas ou entidades chamadas a atuar em casos concretos - eessa categoria subdivide-se em auxiliares de encargo judicial (peritos,tradutores, administradores) e órgãos extravagantes (Correios, PolíciaMilitar, Imprensa Oficial).

58. os auxiliares permanentes da Justiça

Os auxiliares permanentes da Justiça são servidores públicos, in-tegram os quadros judiciais, percebem pelos cofres públicos, têm seusdeveres instituídos em lei, são hierarquicamente subordinados ao juiz epassíveis de responsabilidade por danos eventualmente causados às par-tes, ou a quem quer que seja, no exercício de suas funções (responsabi-lidade civil e regressiva - CPC, art. 155). Os encargos e deveres de cadaum são definidos no Código de Processo Civil, com remissão tambémàs leis de organização judiciária (CPC, art. 150). Os auxiliares perma-nentes da Justiça gozam também dejé pública, consistente na presunção(relatíva) de veracidade das afirmações que fizerem no exercício de suasatividades, especialmente em suas certidões. Eles são (a) o escrivão ouchefe de secretaria, (b) o oficial de justiça, (c) o distribuidor, (d) o con-tabilista, ou contador judicial, (e) o partidor judicial, (f) o depositáriopúblico e (g) o administrador-depositário.

Em muitos dispositivos o Código de Processo Civil alude aos ser-vidores permanentes como serventuários, o que é uma impropriedade(arts. 96, 228, 233, 715, S 4º, etc.). São serventuários as pessoas quetrabalham em regime misto, em cartórios não oficializados e às vezespercebendo custas e emolumentos. Nos juízos e tribunais existem ex-clusivamente servidores. Mas o Código de Processo Civil despreza taldistinção e chega ao ponto de dizer "os serventuários e os auxiliares daJustiça" (art. 715, S 4º). Quais seriam esses serventuários que não sãoauxiliares da Justiça? Talvez os do foro extrajudicial, mas não se sabe

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com segurança se foi essa a intenção do legislador ao fazer essa oposiçãoentre uns e outros.

o escrivão ou chefe de secretaria (Justiças Estaduais ou Federal) éum diretor de serviço, que coordena e administra os serviços de todo opessoal de cartório (escreventes). Competem-lhe basicamente a guardae movimentação de autos, a redação de oficios e mandados judiciais, apresença nas audiências (por si ou por um preposto - CPC, art. 152) etc.Ele deve, preferencialmente, atender à ordem cronológica para a publi-cação e efetivação dos pronunciamentos judiciais (art. 153).

O oficial de justiça é encarregado de serviços externos, como ci-tações, intimações, penhoras e outros atos constritivos sobre bens oupessoas, certificando o ocorrido, além de realizar certas avaliações e"auxiliar o juiz na manutenção da ordem" (CPC, art. 154, ines. I-VIII).

O distribuidor não está arrolado no art. 149 do Código de ProcessoCivil mas é um importante auxiliar permanente da Justiça, dado que adistribuição dos processos a um juízo e um cartório é uma exigênciainexorável do próprio Código (art. 284). Seu regime jurídico é discipli-nado nas leis de organização judiciária, quanto a pontos da disciplina doCódigo de Processo Civil que eventualmente não lhe sejam aplicáveis.

O contabilista, o partidor judicial, o depositário público e oadministrador-depositário exercem em casos específicos as funçõesque o Código de Processo Civil e as leis de organização judiciária lhesatribuem.

59. os auxiliares eventuais da Justiça- os auxiliares de encargo judicial e os órgãos extravagantes

São auxiliares eventuais da Justiça, na subcategoria dos auxiliaresde encargo judicial, o perito, o avaliador, o arbitrador, o inventariantee o administrador - e todos eles são pessoas fisicas não integrantes dosquadros judiciários, que o juiz chama a prestar seus serviços em casosespecíficos. Recebem remuneração por seus serviços, arbitrada pelo juizda causa e a ser paga pelas partes, e têm, como todos os outros, o deverde imparcialidade e impessoalidade, respondendo civil e regressivamen-te pelos danos que possam vir a causar.

De todos eles o de maior destaque e mais minuciosa disciplina peloCódigo de Processo Civil é o perito. É nomeado pelo juiz entre profis-sionais de sua confiança pessoal especializados no objeto da perícia (art.465). O novo Código não exige que seja portador de grau universitário,

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como fazia o anterior (CPC-73, art. 145, S Iº), bastando que seja "legal-mente habilitado" em sua especialidade científica ou técnica (CPC-2015,art. 165, S 1º). Sua função é a de realizar o exame de pessoas ou coisassempre que o fato a investigar depender de conhecimentos técnicos es-pecializados, dos quais ordinariamente o juiz não é portador (arts. 156e 375). Ao fim ele elabora suas conclusões em um laudo, respondendofundamentadamente aos quesitos elaborados pelo juiz e pelas partes,mas o juiz não é vinculado a essas conclusões, sendo livre para formarseu próprio convencimento, inclusive as contrariando se entender que éo caso (art. 479). Pode também, se não se considerar suficientemente es-clarecido, determinar a realização de uma nova perícia, por outro perito,quando for o caso (art. 480).

Podem participar da perícia também os assistentes técnicos even-tualmente indicados pelas partes (CPC, art. 471, ~ 1º). Esses expertsnão são auxiliares da Justiça, mas de cada uma das partes que os hajamindicado.

Na outra subcategoria dos auxiliares eventuais da Justiça, a saber,na classe dos órgãos extravagantes, estão certas entidades públicas ouprivadas que recebem do juiz o encargo de prestar no processo serviçosinerentes a suas especialidades. É o caso dos Correios, quando chamadosa distribuir as cartas de citação etc.; da Polícia Militar, quando necessáriaao cumprimento de ordens judiciais ou para trazer compulsoriamente astestemunhas que deixam de comparecer perante o juízo etc.; de institu-tos especializados em exames médicos ou de laboratório, como o Imescexistente em São Paulo (Instituto de Medicina Social e Criminologia);das empresas jornalísticas públicas ou privadas, que se encarregam dapublicação de intimações e editais judiciários de toda ordem (art. 257,par., etc.); dos bancos, especialmente do Banco do Brasil, para a guardade valores depositados à conta do juízo, etc.

o Código de Processo Civil dá especial relevo às funções do me-diador e do conciliador, incluídos entre os auxiliares da Justiça (arts.149 e 165 ss.), sendo secundado pelo disposto na Lei da Mediação,promulgada já na vacatio legis daquele (lei n. 13.140, de 26.6.2015, esp.art. 11). Eles são no momento meros auxiliares eventuais, sem qualquervinculação permanente com o Poder Judiciário, sem dependência hie-rárquica ao juiz, sem receber dos cofres públicos e sem integrar quadroalgum. No futuro poderão tornar-se auxiliares permanentes da Justiça, see quando os tribunais vierem a instituir seus quadros próprios de conci-liadores e mediadores, a serem preenchidos mediante concurso público

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(CPC, art. 167, S 6º), e, naturalmente, passando eles a ser remuneradospelas verbas de cada tribunal.

60. o advogado

São privativas dos advogados as atividades de postulação perantequalquer juízo de qualquer grau de jurisdição (EA, art. Iº, inc. I). Emseu conjunto, os atos que realiza no processo constituem opatrocínio emjuízo, que o advogado faz mediante procuração outorgada pelo cliente.Patrocinar significa diligenciar a defesa do cliente, e inclui as atividadesconsistentes em elaborar petições iniciais, defesas, recursos ou respostaa eles e peças escritas em geral, bem como participar de audiências ousessões dos tribunais etc. Só o advogado tem capacidade postulatóriaplena, sendo esta um requisito indispensável para a validade do processocivil ou da defesa do demandado (CPC, art. 103, caput - infra, n. 113).A própria parte, sendo advogado, também pode postular em causa pró-pria (CPC, art. 103, par.).

Essa inserção do advogado no sistema da defesa dos direitos levouo constituinte a proclamá-lo indispensável à administração da justiça,na consideração de que sem ele é impossível a regular realização deum processo justo e équo, segundo as prescrições legais inerentes aodue process of law (Const., art. 133). A defesa técnica, que só o advo-gado tem condições de propiciar à parte, constitui um dos requisitosindispensáveis ao efetivo exerCÍcio do contraditório, também garantidoconstitucionalmente. Em complementação a essa disposição constitu-cional dispõe incisivamente o art. 103 do Código de Processo Civil que"a parte será representada em juízo por advogado regularmente inscritona Ordem dos Advogados do Brasil" - sendo nulos os atos privativosdele quando realizados sem sua participação (EA, art. 4º). Sua atuaçãoé incluída entre as funções essenciais à justiça (Const., arts. 127 ss.).O Estatuto da Advocacia proclama ainda que em seu ministério privadoo advogado presta serviço público e exerce função social (art. 2º, S Iº).

Sob a rubrica constitucional das funções essenciais à justiça(Const., arts. 127 ss.) residem ainda preceitos institucionalizadores daAdvocacia-Geral da União (art. 131), da Procuradoria-Geral da FazendaNacional (art. 131, par.) e das Procuradorias dos Estados e do DistritoFederal (art. 132). Compreende-se que as funções dessas entidades se-jam essenciais à administração da justiça e indispensáveis ao exercícioda jurisdição porque o advogado o é (art. 133) e em todas elas estãoinvariavelmente presentes o advogado e sua atuação (EA, art. 3º, S Iº).

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61. o Ministério Público

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o Ministério Público é por definição a instituição estatal predestina-da ao zelo pelo interesse público no processo - sendo essa a síntese sis-temática do disposto no art. 176 do Código de Processo Civil, segundo oqual "o Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regimedemocrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponí-veis". Essa disposição constitui reprodução em nível infraconstitucionaldo que está afirmado no art. 127 da Constituição Federal, segundo oqual "o Ministério Público é instituição permanente, essencial à funçãojurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, doregime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

A presença do Ministério Público no processo civil é ditada pelarelevância desses interesses e pela total inconveniência política deautorizar o juiz a instaurar processos por iniciativa própria, a envolver--se apaixonadamente em teses controvertidas ou a empenhar-se com acombatividade de uma verdadeira parte na busca ou produção de provas.Tais funções são atribuidas ao Ministério Público, que não exerce juris-dição, e portanto suas iniciativas processuais não turbarão a serenidadee a imparcialidade daquele que irá julgar. E porque estão emjogo certosvalores reputados essenciais, que o sistema não quer deixar à margem datutela oferecida mediante o processo, sua atuação processual é reputadaessencial àjurisdição (Const., arts. 127 ss.).

o art. 129 da Constituição Federal enuncia asfunções institucionaisdo Ministério Público. Na área da jurisdição civil a mais destacada entreelas é a legitimidade ativa para a ação civil pública endereçada à tutelado patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros direitosdifusos e coletivos (art. 129, inc. III - infra, n. 92). A Constituição Fe-deral legitima ainda o Ministério Público, no campo cível, a promoverjudicialmente o respeito dos entes estatais aos direitos constitucional-mente assegurados (art. 129, inc. lI), a ter a iniciativa da ação direta deinconstitucionalidade, da ação declaratória de constitucionalidade ouda representação para fins interventivos (art. 129, inc. IV - v. tambémart. 103, inc. VI - infra, n. 94) e a promover a proteção às populaçõesindígenas (art. 129, inc. V). Ao enunciar tais funções institucionais aConstituição Federal apenas esboçou o quadro geral das hipóteses dointeresse público cujo zelo lhe quis confiar. As disposições específicascontidas nos diversos incisos constituem mera exemplificação, porqueo próprio art. 129 estabelece uma norma de encerramento mediante aqual põem a cargo do Ministério Público outras funções que lhe forem

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conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (inc. IX). Abre,com isso, caminho para que a lei confira ao Ministério Público outrasfunções que, sendo endereçadas ao zelo do interesse público primário,não contrariem os objetivos da Instituição.

o interesse público cujo zelo a Constituição atribui ao MinistérioPúblico não é o interesse do Estado ou de qualquer pessoa jurídica dedireito público, cujo patrocínio a própria Constituição lhe proíbe (art.129, inc. IX). O interesse público que lhe cumpre tutelar é o interessepúblico primário, ou seja, o interesse da sociedade em si mesma, ou doEstado pro populo, e não do Estado pro domo sua. É uma distorção ins-titucional a defesa dos interesses patrimoniais dos cofres do Estado peloMinistério Público, e foi por ter consciência dessa distinção que o novoCódigo de Processo Civil estabeleceu que "a participação da FazendaPública não configura, por si só, hipótese de intervenção do MinistérioPúblico" (art. 178, par.).

62. as Defensorias Públicas

Até à vigência da atual Constituição Federal o pouquíssimo que oEstado fazia em cumprimento da promessa constitucional de assistên-cia judiciária restringia-se praticamente à dispensa de custas e taxasjudiciárias, sendo insuficiente a oferta de serviços de patrocínio judicialgratuito. Esses serviços vinham sendo prestados pelas procuradoriasdos diversos Estados, e em alguns lugares pelo Ministério Público oupor certas entidades privadas, como o Departamento Jurídico do CentroAcadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito de São Paulo.

Visando a institucionalizar sistematicamente tal função em todo opaís e dar-lhe dignidade especial, a Constituição Federal de 1988 incluiuas Defensorias Públicas entre os organismos que exercem funções es-senciais à justiça e atribuiu-lhes os encargos naturais a entidades dessaordem, ou seja, os de orientação e defesa gratuita dos necessitados pe-rante órgãos judiciários de todos os graus de jurisdição (Const., art. 134).A emenda constitucional n. 80, de 4 de junho de 2014, alterou a redaçãodo art. 134 da Constituição para deixar clara a legitimidade das Defenso-rias Públicas para postular direitos coletivos dos necessitados, seu deverde prestar assistência jurídica no âmbito extrajudicial e enaltecer suarelevância para o regime democrático e a defesa dos direitos humanos.

Há uma forte tendência a atribuir às Defensorias Públicas a legiti-midade para a defesa de interesses coletivos mesmo quando não se trate

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JURISDIÇÃO

de beneficiários necessitados, ou seja, carentes de recursos para sua pró-pria defesa em juízo. Esse pensamento, no entanto, não é fiel à própriajustificativa política da implantação das Defensorias, que é o empenhoem igualar os desiguais, nem ao próprio art. 134 da Constituição Fede-ral, que em sua redação atual diz ser sua função "a orientação jurídica,a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judiciale extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral egratuita, aos necessitados". Não é legítimo ler o art. 134 sem ler essasúltimas palavras.

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Há Defensorias Públicas atuando no âmbito da União, dos Esta-dos e do Distrito Federal; e uma lei complementar federal "organizaa Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios eprescreve normas gerais para sua organização nos Estados" (lei compl.n. 80, de 12.1.94). Os membros de todas as Defensorias são integradosem carreiras, com acesso mediante concurso público de provas e títulos,gozando da garantia da inamovibilidade e ficando proibidos de exercera advocacia fora das atribuições institucionais (Const., art. 134, S Iº).

63. competência - conceito e espécies

Competência é a quantidade de jurisdição cujo exercício a lei ou aConstituição atribui a um órgão jurisdicional- ou, como se costuma di-zer, ela é a medida dajurisdição. Assumido que esta, como expressão dopoder estatal, é una e tão indivisível quanto este, vê-se que somente o seuexercício é distribuído, e não ela própria. Cada juiz, de qualquer grau, emqualquer das variadas Justiças de que se compõe o Poder Judiciário bra-sileiro, exerce a mesmajurisdição que os demais juízes do país exercem,mas o faz no campo limitado da distribuição de seu exercício, ou seja,nos limites das causas, incidentes ou recursos que lhe atribui a Consti-tuição Federal ou a lei. Em cada país a distribuição da competência parao exercício da função jurisdicional leva em conta, como premissa gerale inafastável, o modo como se estruturam os órgãos de sua Magistratura.No Brasil, em que a Constituição institui várias Justiças diferentes ereciprocamente autônomas, sobrepondo a todas dois tribunais que nãopertencem a nenhuma delas (o STF e o STJ) e estruturando-as em órgãosinferiores e órgãos superiores, é sobre esse pano de fundo que se distri-buem as causas de toda natureza.

Para a determinação da competência para dada causa ou recursoé necessário percorrer toda uma caminhada de concretização da juris-dição, partindo do plano extremamente abstrato e genérico em que se

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situa esta e percorrendo diversas etapas até chegar ao conhecimentode qual juiz ou qual órgão será concretamente competente para deter-minada causa ou determinado recurso. Colocam-se nesse iter diversosproblemas, que se expressam nas seguintes indagações de caráter bemprático:

a) É competente o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunalde Justiça ou alguma das Justiças existentes no país?

b) Não sendo competente o Supremo Tribunal Federal nem o Supe-rior Tribunal de Justiça, qual dessas Justiças será competente?

c) No seio da Justiça competente, a competência será de um órgãoinferior ou de um superior (tribunal)?

d) A competência será do órgão judiciário situado em qual lugar, ouem qual/oro?

e) No seio do foro competente, a qual juízo caberá a competência,ou a órgãos de qual espécie?

f) Qual será o órgão competente para eventual recurso interpostonessa causa?

Na primeira dessas indagações reside o tema da eventual compe-tência originária de um daqueles órgãos superiores (Supremo TribunalFederal ou Superior Tribunal de Justiça). Nas demais são temas inerentesà competência de jurisdição, à competência de foro, à competência dejuízo e à competência recursal.

A competência de jurisdição consiste na distribuição de causas en-tre as diversas Justiças que integram o Poder Judiciário do país, a saber:Justiças dos Estados, Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, JustiçaFederal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar. Essadistribuição é feita ordinariamente pela própria Constituição Federal, aqual fixa a competência da Justiça Federal (art. 109) e das outras Justiçasda União, recebendo as Justiças Estaduais uma competência residual,ou seja, para as causas não dedicadas pela Constituição a qualquer outradelas (Const., art. 25, S Iº).

A rigor seria inadequado falar em competência de jurisdição, por-que ou determinado tema diz respeito àjurisdição ou à competência. Porfalta de uma linguagem mais precisa, todavia, essa locução está consa-grada e não há por que buscar outra. Tenha-se presente, no entanto, que afalta de competência dejurisdição para determinada causa não significafalta dejurisdição.

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A competência de foro, ou competência territorial, resolve-se nadistribuição geográfica da competência em todo o território nacional, ouseja, distribuição entre os milhares de foros existentes no Brasil. Os fo-ros das Justiças Estaduais chamam-se comarcas, e os da Justiça Federalsubseções. Em cada Estado existem inúmeros foros, ou comarcas, e emcada Região da Justiça Federal uma pluralidade de subseções.

A competência de juízo consiste na atribuição da competência, noseio de determinado foro, aos diversos órgãos jurisdicionais diferencia-dos entre si ali porventura existentes - ou seja, a cada um de seus juízos.Há comarcas com juízos diferentes entre si (varas criminais, varas cíveis,varas da família e sucessões, varas da Fazenda Pública etc.) e tambémhá em muitas delas uma pluralidade de juízos da mesma competência -uma quantidade de varas cíveis ou de varas fazendárias etc. Só se chegaà indagação sobre qual o juízo competente quando já se conhece o forocompetente para dada causa, porque, como é óbvio, a causa que não per-tence a dado foro não pode ser ali distribuída entre seus diversos juízos.

A competência recursal é a competência de algum tribunal (órgãosuperior da jurisdição). Ela é facilmente determinada pelo fato de umadada causa tramitar ou ter tramitado perante um órgão de primeiro graude determinada Justiça, sabendo-se que sempre a competência recursalpertence ao tribunal da mesma Justiça por onde a causa tramita. A com-petência recursal do Supremo Tribunal Federal é principalmente para orecurso extraordinário, e a do Superior Tribunal de Justiça para o recursoespecial (infra, n. 153).

64. competência - critérios determinativos

O novo Código de Processo Civil disciplina a distribuição dacompetência em três seções, a saber: a) uma, portadora de disposiçõesgerais, onde estão todas as normas determinadoras da competência,especialmente da territorial (arts. 42-53); b) outra, com a disciplina damodificação da competência ou sua prorrogação (arts. 54-63); c) umaterceira, sobre a incompetência (arts. 64-66), incluindo-se ali o trato doconflito de competência (art. 66). A partir dessas disposições é possívelverificar que a competência será determinada, em primeiro lugar, peloselementos da demanda a ser proposta, a saber: levando-se em conta(a) as partes, (b) os fundamentos integrantes da causa de pedir e (c) opedido. Também a natureza do processo e afunção exercida pelo PoderJudiciário no mesmo processo ou em processo antecedente exercemalguma influência sobre a determinação da competência.

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Esses critérios são manipulados pela Constituição Federal ou peloCódigo, seja para determinar a competência de cada juiz, de cada tribu-nal ou de cada Justiça, seja para distinguir casos em que a competênciaé absoluta, o que a torna inderrogável, e casos em que ela é relativa,comportando modificações.

65. conceitos de foro, fórum, comarca, subseção judiciária,seção judiciária, Região e juízo

Há certas palavras de uso corriqueiro no trato da competência e daorganização judiciária que, por despreparo ou talvez por desatenção, nãoraro são empregadas de modo inadequado, às vezes pelo próprio legis-lador. Para o bom entendimento entre quem as usa e quem as ouve ou lêé muito conveniente fixar bem os conceitos, para evitar mal-entendidos.São elas: foro, fórum, comarca, subseção judiciária, seção judiciária,Região e juízo.

Foro, em 'direito processual, é o nome que se dá a cada uma dasporções territoriais em que se divide o país para efeito de distribuiçãoda competência, seja em primeiro grau jurisdicional, seja em grau maiselevado. Há milhares de foros de primeiro grau espalhados por todo oterritório nacional, integrantes das várias Justiças. Nas Justiças dos Esta-dos cada foro de primeiro grau chama-se comarca. Na Federal, subseçãojudiciária. O foro de cada Tribunal de Justiça é todo o Estado em quese situa. O dos Tribunais Regionais Federais abrange toda uma Região.O foro do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça étodo o país. Na disciplina da competência, porém, só se costuma manejaro conceito deforo de primeiro grau (comarcas ou subseções).

Não confundirforo comfórllm. Esses dois vocábulos vêm da mes-ma origem latina, sendo o vocábulo forllm-fori empregado para dizerpraça ou, por extensão, área. Em língua portuguesa o significado dessevocábulo se bifurcou, sendo usada a forma foro para designar as áreasterritoriais da divisão judiciária efórum para o edifieio onde têm sede osórgãos jurisdicionais de primeiro grau de jurisdição. Mas na linguagemcomum em alguns Estados brasileiros costuma-se dizer foro para desig-nar o prédio ocupado pelo Poder Judiciário.

Há também o péssimo uso do vocábulo foro, especialmente pelamídia mal informada, na expressãoforo privilegiado. Não existe um foroprivilegiado. Um tribunal não é um foro, mas um órgão judiciário. Mascom muita frequência se emprega equivocadamente essa locução para

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JURISDIÇÃO

designar a competência originária de certos tribunais, especialmente doSupremo Tribunal Federal, para processar criminalmente os ocupantesde algum cargo elevado na hierarquia do Poder Executivo ou do Legisla-tivo. Em vez de dizerem (corretamente) que o Supremo Tribunal Federaltem competência originária para julgar o Presidente da República, dizem(erradamente) que este tem/oro privilegiado.

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Corretamente, em muitas disposições fala o novo Código deProcesso Civil em comarca ou subseção judiciária e não somente emcomarca, como fazia o estatuto de 1973. Comarca é o nome dado aosmilhares de foros em que se divide o território nacional na organizaçãodas Justiças Estaduais, para o exerCÍcio da jurisdição de primeiro graupelos juízes de direito. Mas só nas Justiças Estaduais. Na Federal os fo-ros de primeiro grau são chamados subseções, ou subseções judiciárias,e em cada um deles, também espalhados por todo o país, atuam osjuízes federais.

O conceito de subseção judiciária é ligado ao de seção judiciária,empregado pela Constituição Federal ao dispor que "cada Estado, bemcomo o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária que terá porsede a respectiva Capital, e varas localizadas segundo o estabelecidoem lei" (art. 110). Esse é, no entanto, um conceito inteiramente inútil,porque não há em lei alguma, sequer no Código de Processo Civil oumesmo na própria Constituição, qualquer disposição atribuindo compe-tência a uma seção judiciária para o exerCÍcio da jurisdição. Na estruturada Justiça Federal existem as Regiões, que atualmente são cinco e numfuturo próximo provavelmente passarão a ser nove (supra, n. 53). CadaRegião é composta de uma ou mais unidades da Federação. A Quarta Re-gião, p. ex., abrange territorialmente os Estados do Rio Grande do Sul,Santa Catarina e Paraná, sendo o Tribunal Regional Federal dessa Re-gião sediado em Porto Alegre. Na Segunda Região estão os Estados doEspírito Santo e Rio de Janeiro etc. Como em cada Região só existe umTribunal Regional Federal, e não em cada Estado ou seção judiciária,tem-se que a competência de cada um desses tribunais inclui todos osEstados que façam parte de sua Região. Uma causa julgada em primeirograu de jurisdição em uma das varas federais da cidade de Vitória pode-rá ir ter, em grau de recurso, ao Tribunal Regional Federal da SegundaRegião, sediado na cidade do Rio de Janeiro - simplesmente porque nãohá um desses órgãos de segundo grau na cidade de Vitória ou em lugaralgum do Estado do Espírito Santo. Por isso é que, como foi dito acima,o conceito de seção judiciária, de dimensão igual ao de cada Estado, nãoserve para coisa alguma. Existe apenas a competência de primeiro grau

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de cada uma das subseções e a competência de segundo grau do TribunalRegional Federal de cada uma das Regiões.

Juízo é sinônimo de órgão jurisdicional. Há juízos de primeirograu, que são as varas federais ou estaduais existentes em todo o país,e também os de grau superior, que são os tribunais em geral - emborausualmente essa palavra seja empregada somente para designar os juí-zos de primeiro grau. Em cada/oro há ao menos um juízo de primeirograu, e onde os há em maior número os juízos poderão ter competênciacomum e cumulativa ou, conforme as leis de organização judiciária,competências diversificadas (varas cíveis, da família e sucessões, cri-minais etc.).

66. a competência dos Tribunais Superiores- originária ou recursal

Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal deJustiça dispõem de competência recursal, ou seja, para recursos contraacórdãos de outros tribunais (Tribunais de Justiça, Tribunais RegionaisFederais), e de competência originária, que inclui causas a serem pro-cessadas e julgadas já inicialmente por eles próprios, sem terem passadopelas instâncias ordinárias.

A principal competência recursal do Supremo Tribunal Federal é ade julgar o recurso extraordinário (Const., art. 102, inc. IlI), e a do Su-perior Tribunal de Justiça o recurso especial (Const., art. 105, inc. IlI).Ambos são competentes também para o recurso ordinário, o qual temcabimento, em certas circunstâncias, contra acórdãos dos Tribunais deJustiça, dos Regionais Federais e, conforme o caso, do próprio SuperiorTribunal de Justiça (recurso ordinário ao STF - Const., arts. 102, inc. 11,letra a, e 105, inc. 11,letra a). A competência originária desses Tribunaisestá disciplinada nos arts. 102, inc. 11, e 105, inc. 11, da ConstituiçãoFederal.

67. a competência civil das diversas Justiças(competência dejurisdição)

A competência civil da Justiça Federal em primeiro grau jurisdi-cional está descrita em seis dos onze incisos do art. 109 da ConstituiçãoFederal, dos quais o mais abrangente é o que ali inclui "as causas emque a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem in-teressadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto

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as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitorale à Justiça do Trabalho" (art. 109, inc. I). O substrato político dessedispositivo é a conveniência de não submeter aos Estados federados ascausas em que seja parte o Estado Federal. A Justiça Federal é tambémcompetente, sempre segundo o art. 109 da Constituição Federal, paracausas envolvendo direitos humanos, tratados internacionais, direitosdos indígenas etc.

Os Tribunais Regionais Federais têm competência recursal emrelação às causas processadas e julgadas pelos juízos federais de pri-meira instância (Const., art. 108, inc. 11)e competência originária paracertas ações derivadas da atuação dos próprios órgãos federais (açõesrescisórias, mandados de segurança contra ato jurisdicional, conflitos decompetência etc. - art. 108, inc. I).

Quanto à competência das Justiças dos Estados ou do Distrito Fede-ral a Constituição Federal é completamente si lente, donde se infere queelas serão competentes sempre que nenhuma outra Justiça o seja - e tal éo critério residual estabelecido no art. 25, ~ Iº, da própria Constituiçãopara a competência dos Estados tanto em matéria jurisdicional quantoadministrativa ou legislativa. Os Tribunais de Justiça são competen-tes para os recursos interpostos contra juízes estaduais e têm tambémcompetência originária (a) não só em relação a certos processos ouincidentes derivados do exercício da jurisdição por algum órgão judiciá-rio estadual (ação rescisória, mandado de segurança contra ato judicial,conflitos de competência entre juízes do Estado), como também (b) paracertas iniciativas envolvendo autoridades estatais de nível elevado(como o mandado de segurança contra ato do Governador do Estado oudo Prefeito da Capital etc.). Parte dessa competência originária é ditadapelas Constituições Estaduais.

68. competência territorial 011 deforo

A competência territorial é a que recebe do direito positivo umadisciplina mais detalhada. O primeiro dos critérios tradicionalmente aca-tados nos estatutos de direito processual civil leva em conta uma especialcircunstância relativa a uma das partes, a saber, o domicílio do deman-dado (CPC, art. 46 - "a ação fundada em direito pessoal ou em direitoreal sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio doréu"). Ser em regra competente significa que esse foro é o que se chamaforo comum, destinado a prevalecer sempre que a lei não estabeleça parao caso algumforo especial.

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Há no Código de Processo Civil uma diversidade muito significa-tiva de foros especiais, os quais se aplicam especificamente às causasali indicadas, e com relação a estas prevalecem sobre o foro comum - eisso constitui uma aplicação da conhecida máxima lex specialis derogatlege generale. São foros especiais, p. ex., (a) o do lugar em que se situa oimóvel em disputa quando a causa tiver fundamento em direito real, res-salvadas as exceções ditadas pelo próprio Código (CPC, art. 47 - forumrei sitcc), (b) o foro onde a obrigação deveria ter sido cumprida para asdemandas propostas para obter seu cumprimento (forum destinatcc so-lutionis - art. 53, inc. m, letra d), (c) o foro do lugar do ato ou fato paraa ação de reparação de dano (forum delicti - art. 53, inc. IV), (d) o forode domicílio ou residência do alimentando para a ação em que se pedemalimentos (art. 53, inc. lI), (e) "o foro da residência do idoso, para a cau-sa que verse sobre direito previsto no respectivo Estatuto" (art. 53, inc.m, letra e) etc., etc., etc. (são muitas as outras hipóteses consideradas eregidas pelo Código de Processo Civil).

69. concurso eletivo de foros

Há também na disciplina da competência territorial casos em quea lei oferece ao autor dois ou mais foros igualmente competentes, paraque este, segundo seu interesse e sua própria decisão, escolha o que maislhe convier. São osforos concorrentes, como no caso de ação visando àindenização por danos decorrentes de acidente de veículos, para a qualé competente "o foro de domicílio do autor ou do local do fato" (art.53, inc. V). Há também um concurso eletivo de foros quando houverna causa dois ou mais réus com domicílios em lugares diferentes: se acausa não for da competência de nenhum foro especial, devendo poisprevalecer o comum (domicílio do réu), o autor optará livremente peloforo do domicílio de qualquer dos réus (art. 46, ~ Iº). Haverá tambémum concurso eletivo de foros sempre que haja uma dupla incidência deregras sobre a competência territorial, como no caso de obrigações aserem cumpridas indiferentemente em dois ou mais lugares ou de da-nos que transcendam os limites de dois ou mais foros. De modo muitoespecífico o Código de Processo Civil estabelece um concurso de foroscom relação às demandas envolvendo direitos reais sobre imóveis aoestabelecer que se o imóvel se achar situado em mais de uma comar-ca ou subseção judiciária o autor moverá sua demanda no foro de suapreferência, e a competência deste "estender-se-á sobre a totalidade doimóvel" (CPC, art. 60).

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JURISDIÇÃO 111

70. foros subsidiários

Consideram-se subsidiários os foros que serão competentes quandonão for possível determinar o foro principal - quer seja esse o foro co-mum, quer algum especial. É o caso do disposto no art. 46, 9 2º, do Có-digo de Processo Civil, segundo o qual, "sendo incerto ou desconhecidoo domicílio do réu, ele poderá ser demandado onde for encontrado ou noforo de domicílio do autor" (foros subsidiários do comum). Tem tambémesse significado o par. do art. 48 desse Código quando estabelece que "seo autor da herança não possuía domicílio certo" será competente para oinventário o foro da situação dos bens imóveis deixados pelo falecidoou outros que os incisos desse parágrafo indicam. Esses foros são sub-sidiários do "foro de domicílio do autor da herança, no Brasil" (art. 48,caput), do qual em regra é a competência para os inventários.

71. modificações da competência- competência absoluta e relativa

Nem todas as competências são estabelecidas em lei de modo infle-xível, imutável. Há casos em que algumas delas, em certas circunstân-cias, podem ser modificadas ou, como se diz, prorrogadas. O fenômenoda prorrogação da competência consiste em atribuir uma dada causa aum órgão que de início seria incompetente mas, quando presente algumadessas circunstâncias, poderá tomar-se competente, deixando de sê-loaquele que antes detinha a competência. Prorrogar é alargar. Alarga--se a esfera da competência ordinariamente atribuída a um órgão, paraali inserir uma causa ordinariamente não incluída. Isso quer dizer queao lado das competências absolutas, que não comportam modificaçãoalguma, há as relativas, suscetíveis de modificação. Aquelas são regidaspor normas jurídicas cogentes, e estas por normas dispositivas. Apro-ximadamente o critério adotado pelo legislador para distinguir entre ascompetências suscetíveis e as não suscetíveis de prorrogação é o do inte-resse público. Quando uma competência é estabelecida na Constituiçãoou na lei em contemplação de certas conveniências do próprio Estado oudo correto exercício da jurisdição pelo juiz ela é absoluta. São relativasas competências estabelecidas em beneficio de uma das partes ou ematendimento a uma conveniência sua (p. ex., a competência do foro dodomicílio do réu - CPC, art. 46). As causas de modificação da compe-tência estão estabelecidas na lei, especialmente no Código de ProcessoCivil, o qual em alguns casos permite que a competência venha a sermodificada também pela vontade das partes ou de uma delas.

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o primeiro e mais sólido bloco das competências absolutas é repre-sentado por aquelas resultantes das disposições com que a ConstituiçãoFederal estabelece a competência originária ou recursal do SupremoTribunal Federal e dos Tribunais Superiores ou a competência de cadauma das Justiças integrantes do Poder Judiciário brasileiro (arts. 102,105, 109 etc.). São disposições calcadas em conveniências políticas dopróprio Estado brasileiro ou de suas instituições, que o constituinte nãoquer deixar ao sabor da vontade das partes ou das opções do legisladorinfraconstitucionaI. A própria Constituição não oferece abertura algumapara a modificação dessas competências e também não consente que olegislador venha a flexibilizá-Ias, porque isso viria contra o severo prin-cípio da supremacia da Constituição.

No plano infraconstitucional são três as possiveis causas de pror-rogação da competência, indicadas pelo Código de Processo Civil: a) arelação de conexidade ou continência entre duas ou mais demandas (in-fi'a, n. 121), (b) a omissão do réu em alegar em sua contestação a incom-petência do órgão judiciário perante o qual o autor ajuizou sua demandae (c) a eleição de foro. Entre essas causas, a de maior poder modificadoré a conexidade ou a continência (CPC, art. 54), e a de menor poder é aeleição de/oro (art. 63). Em situação intermediária está o caso de omis-são do réu em alegar oportunamente a incompetência do juiz (art. 65).Diante dessa graduação entre as causas de modificação, é lícito falar emuma relatividade da relatividade da competência.

É do entendimento geral que em princípio também pode ser pror-rogada a competência quando o autor opta pelo foro do domicilio doréu, desprezando a competência de algum foro especial eventualmentedesignado pela lei para a demanda que propõe. Essa orientação legitima--se pela circunstância de que, ao ir ao foro do adversário, o autor estáoferecendo a este uma vantagem maior ou uma maior comodidade paraexercer seu direito de defesa.

Todas essas causas de modificação só podem incidir sobre as com-petências relativas, como tais indicadas na lei. As absolutas, justamenteporque absolutas, não comportam modificação alguma, ainda quandoestabelecidas no plano infraconstitucionaI. É absoluta a "competênciadeterminada em razão da matéria, da pessoa ou da função", a qual, se-gundo dispõe o art. 62 do Código de Processo Civil, "é inderrogável porconvenção das partes". Na realidade, a competência por matéria, pessoa

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ou função não se prorroga em situação alguma, ou seja, nem pela eleiçãode foro, nem pela omissão do réu nem sequer pela conexidade ou con-tinência. Essa conclusão também se infere mediante uma interpretaçãoa contrario sensu do disposto no art. 54 do Código de Processo Civil,segundo o qual "a competência relativa poderá modificar-se pela cone-xão ou pela continência, observado o disposto nesta Seção" - porque aodizer somente que a competência relativa se prorroga por conexidadeou continência o legislador deixou clara a intenção de não querer quetambém a absoluta se prorrogue.

No sistema do Código de Processo Civil é relativa, em primeirolugar, a competência de foro, ou territorial, que se considera vulnerávela qualquer daquelas três causas de modificação da competência - masmesmo entre as competências territoriais em princípio é absoluta a do lu-gar de situação da coisa para as demandas fundadas em direito real sobreimóvel (jorum rei sita: - art. 47). E também é relativa a competência porvalor, como resulta daqueles dispositivos do Código de Processo Civil.

Pelo aspecto operacional do processo, por dois aspectos se mani-festa a diferença entre a competência absoluta e a relativa. Ambas sealegam na contestação (CPC, art. 337, inc. 11)mas somente a relativa de-pende estritamente dessa alegação nesse lugar e nesse momento, porquenão sendo feito isso a competência se prorroga (CPC, art. 65). Ao juizé vedado conhecer de oficio da incompetência relativa (CPC, art. 337,S 5º - Súmula n. 35-STJ), mas a incompetência absoluta, ao contrário,(a) pode e deve ser declarada de oficio e (b) não fica sujeita a preclusãoalguma, sendo lícito à parte alegá-Ia e ao juiz declará-Ia "em qualquertempo e grau de jurisdição" (art. 64, S Iº).

72. prevenção

Prevenção é um critério de fixação da competência de um entredois foros ou juízos igualmente competentes pelo qual passa a ter com-petência somente um deles, excluindo-se os demais. Pra: venire significachegar antes, e juiz prevento é aquele que por primeiro tiver tomadocontato com a causa ou com uma causa conexa a uma outra que venha aser proposta depois. Como dispõe o art. 59 do Código de Processo Civil,"o registro ou a distribuição da petição inicial toma prevento o juízo", eisso significa que esse juízo ou esse foro será competente não só para acausa a ele distribuída e para todos os incidentes que nela venham a ser

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instaurados (prevenção originária), mas também para outras, conexas aela, que venham a ser propostas depois (prevenção expansiva - CPC, art.58). Com o registro ou distribuição da primeira causa chega-se à estabili-dade da competência do primeiro juiz, consistente na chamada perpetua-ção da competência estabelecida no art. 43 do Código de Processo Civil.

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CAPÍTULO IVAÇÃO E DEFESA

73. direito de ação - conceito- a evolução histórica da teoria da ação

Segundo o entendimento preponderante nos países de cultura pro-cessual romano-germânica, e especialmente no Brasil, a ação é o direitoa obter do Estado-juiz um pronunciamento a respeito de uma pretensãotrazida a juízo (decisão de mérito), independentemente de esse pronun-ciamento ser favorável ou desfavorável àquele que o tiver pedido. Talé a teoria abstrata da ação, que surgiu na Alemanha e na Áustria nasegunda metade do século XIX e sucedeu a teoria imanentista e a teoriada ação como direito concreto (supra, n. 4).

O Código de Processo Civil brasileiro consagra a teoria abstrata daação, mas na formulação resultante de sua retificação, proposta por En-rico Tullio Liebman em famosa aula inaugural proferida na Universidadede Turim no ano de 1949, quando combateu os exageros a que sua for-mulação radical conduzia. Disse o Mestre que, embora a ação prescindada existência do direito subjetivo material sustentado pelo autor - sendopor isso abstrata -, sua existência depende do modo como em cada casoconcreto o direito à sentença de mérito se relaciona com a ordem jurí-dica material e com a situação em que o autor se encontra em relação àsua pretensão. Foi dada então muita ênfase às condições da ação comorequisitos para que, em cada situação concretamente considerada, o au-tor tenha direito ao pronunciamento jurisdicional de mérito.

Em resumo. Na teoria de Liebman, que o novo Código de ProcessoCivil adota, o direito de ação é direito a obter o pronunciamento do juizsobre uma pretensão, ou sobre o mérito, ainda quando o autor não tenharazão no plano do direito material. Estando presentes as duas condiçõesda ação (interesse de agir e legitimidade) o juiz pronuncia sim uma sen-

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tença de mérito mas julga a causa contrariamente aos interesses do autor(improcedência da demanda). Quando uma das condições faltar o juiznega-se a julgar a pretensão do autor, porque nesse caso ele não terá odireito de ação. O interesse de agir e a legitimidade ad causam incluem--se entre os pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito(infra, n. 126). Segundo está no art. 485, inc. VI, do Código de ProcessoCivil, "o juiz não resolverá o mérito quando (...) verificar a ausência delegitimidade ou de interesse processual".

Assim concebido, o direito de ação é mais que o mero direito dedemandar, que não passa do direito de ingressar em juízo com umapretensão qualquer, ainda que em falta de uma das condições da ação.Nesse caso o autor não terá direito à sentença de mérito, ou direito deação, mas direito de comparecer em juízo ele terá (direito de demandar),porque esse direito não depende de condição alguma e constitui umdos aspectos da garantia constitucional da ação, contida no art. 5º, inc.XXXV, da Constituição Federal (supra, n. 28). Verificando a falta deuma das condições da ação, ou de ambas, o juiz indeferirá a petição ini-cial (CPC, art. 330, ines. I1-I1I), impedindo que o processo siga avante,porque de antemão já saberá que não será factível qualquer decisão sobreo meritum causce- mas ele não pode negar-se a se manifestar sobre essapetição, mesmo que seja para indeferi-la (e essa é uma inerência da ga-rantia constitucional do direito de demandar).

74. condições da ação - a carência de ação

As condições da ação constituem requisitos sem os quais o direitode ação inexiste em dado caso concreto. A teoria das condições da açãofoi debatida nas últimas décadas à luz dos referidos conceitos lançadospor Enrico Tullio Liebman (supra, n. 73), que em sua formulação origi-naI de 1949 enunciou como condições da ação a possibilidade jurídicado pedido, o interesse de agir e a legitimidade ad causam. Essa fórmulafoi integralmente acolhida no sistema do Código de Processo Civil de1973.

Mas a possibilidade jurídica do pedido sempre foi alvo de inúmerascríticas, dada a dificuldade de ser traçada uma distinção precisa entre adecisão que extingue o processo por impossibilidade jurídica do pedidoe a decisão de mérito que julga a demanda improcedente. Essas críticasforam acolhidas pelo novo Código de Processo Civil, que não faz maisreferência à possibilidade jurídica entre as condições da ação, referindo

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apenas o interesse de agir e a legitimidade ad causam (arts. 17, 330,ines. 11e IlI, 337, inc. IX , e 485, inc. VI).

Em fase ulterior de sua produção o próprio Liebman veio a re-pudiar a categoria jurídico-processual da possibilidade jurídica comocondição da ação no momento em que a legislação de seu país instituiuo divórcio - o pedido de dissolução do vínculo conjugal era, na lição doMestre, o principal exemplo ilustrativo da carência de ação por falta depossibilidade jurídica.

a interesse de agir é o núcleo do direito de ação. Está presentequando o provimento jurisdicional postulado for capaz de efetivamenteser útil ao demandante, operando uma melhora em sua situação na vidacomum - ou seja, quando for capaz de trazer-lhe uma verdadeira tutela,a tutela jurisdicional. Por isso, só se legitima o acesso ao processo e sóé lícito exigir do Estado o pronunciamento de mérito pedido na medidaem que ele possa ter essa utilidade e essa aptidão. Interesse, em direito,é utilidade.

Há dois fatores sistemáticos muito úteis para a aferição do inte-resse de agir, como indicadores de sua presença em casos concretos:a necessidade da realização do processo e a adequação do provimentojurisdicional postulado. Só há o interesse-necessidade quando sem oprocesso e sem o exerCÍcio da jurisdição o sujeito seria incapaz de obtero bem desejado. Um exemplo muito expressivo de falta do interesse--necessidade é a propositura de demanda com o pedido de condenaçãodo devedor que já houver posto o valor do débito à disposição do credor.a interesse-adequação liga-se à existência de múltiplas espécies deprovimentos e tutelas instituídos pela legislação do país, cada um delesintegrando uma técnica e sendo destinado à solução de certas situaçõesda vida indicadas pelo legislador (infra, n. 79). Em prinCÍpio não é fran-queada ao demandante a escolha do provimento e portanto da espécie detutela a receber. A título de exemplo, o credor que não dispuser de umdocumento qualificado pela lei como título executivo (CPC, art. 784)não pode propor execução por título extrajudicial para a satisfação deseu crédito (infra, n. 88). Deve propor demanda condenatória e, apósimposta a condenação pelo juiz, buscar a satisfação do crédito em sedede cumprimento de sentença (infra, n. 80).

A legitimidade ad causam é a qualidade para estar em juízo comodemandante ou demandado em relação a determinado conflito trazidoao exame do juiz. Ela depende sempre de uma concreta relação entre osujeito e a causa e se traduz na relevância que o resultado desta virá a

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ter sobre a esfera de direitos do autor, seja para favorecê-la ou para res-tringi-la. Tem portanto legitimidade ativa para uma causa o sujeito queem tese poderá vir a se beneficiar juridicamente dos efeitos da tutela ju-risdicional pleiteada; e tem legitimidade passiva aquele que também emtese poderá sofrer algum impacto desfavorável em sua esfera jurídica.

Em falta de uma das condições da ação ou de ambas (interesse enecessidade) diz-se que o autor é carecedor de ação, ou seja, que ele nãotem o direito de ação em dado caso concreto. Carecer significa não ter.E, por não ter o autor direito de ação, o mérito da causa não poderá serjulgado (CPC, art. 485, inc. VI) e o processo será extinto sem esse julga-mento, mediante uma sentença que não será de mérito mas terminativa.

75. a teoria da asserção

É frequente e muito forte na doutrina a defesa da denominada teoriada asserção, referente às condições da ação. Segundo seus seguidores,estas deveriam ser aferidas in statu assertionis, ou seja, a partir dasalegações apresentadas pelo autor em sua petição inicial - de modoque se estaria diante de questões de mérito sempre que, por estarem ascondições expostas na inicial de modo aparentemente correto, só depoisse verificasse a falta de sua concreta implementação. Ou, em outras pa-lavras: pela teoria da asserção uma mesma matéria seria apreciada comocondição da ação se o autor, por seu advogado, houvesse descrito umasituação que já à leitura da petição iniciàl se percebesse que caracteri-zaria a falta de uma das condições da ação (p. ex., o autor vem a juízocobrar uma dívida exibindo um documento segundo o qual o titular docrédito é outra pessoa, e não ele); mas essa mesma falta de legitimidadedeixaria de ser uma condição de ação e passaria a ser um motivo parajulgar improcedente a demanda se o autor tivesse tido a habilidade dedissimular os fatos verdadeiros, descrevendo uma situação em que eleteria o direito de ação, mas depois a prova demonstrasse que as coisasse passaram de modo diferente do descrito (p. ex., aquele autor alegouque o crédito constante no documento exibido fora transferido a ele pelocredor inicial, mas a prova veio a demonstrar que essa cessão de créditojamais aconteceu). Daí levar essa linha de pensamento o nome de teoriada asserção, uma vez que, segundo seus inúmeros seguidores, o critériopara aferir a caracterização ou não caracterização da falta de uma dascondições da ação consistiria no modo como o autor a;s'évera os fatosem sua petição inicial.

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Bem analisada, porém, essa teoria sustenta uma arbitrária transfor-mação de algo que de início seria uma condição para julgar o mérito ea partir de determinado momento seria motivo para julgar a demandaimprocedente - com o julgamento do mérito, pois. Na realidade, porém,uma condição da ação é sempre uma condição da ação, ou seja, requi-sito para a existência do direito de ação, sendo arbitrária essa distinçãoque leva em conta o comportamento do autor, de modo que poderia este,dissimulando na petição inicial a verdadeira situação de fato, transfor-mar uma questão preliminar em uma questão de mérito, como em umamilagrosa transformação da água em vinho. Na realidade, não basta queo demandante descreva formalmente uma situação em que aparente-mente estejam presentes as condições da ação. Por falta de uma delasem qualquer momento o processo deve ser extinto sem julgamento domérito, quer o autor já haja descrito uma situação em que ela falte, querdissimule a situação e só mais tarde a prova revele ao juiz a realidade.

76. defesa

o direito de defesa, oujus exceptionis, consiste em um conjunto defaculdades oferecidas ao réu para opor resistência à pretensão do autor.Embora seja esse direito um verdadeiro contraposto negativo do direitode ação, é uma constante nas obras clássicas de direito processual civila inclusão da ação entre os institutos fundamentais do processo (ao ladoda jurisdição e do processo), sem igual referência à defesa. Apesar de sercorrente a afirmação da necessidade de tratamento igualitário das partes,com a garantia de plena defesa ao demandado, dedica-se à ação todo umtrato sistemático, com amplo estudo de seu conceito, de suas classifica-ções e a enunciação de suas condições, mas à defesa não. A referência aesta é na maioria das vezes restrita à menção, no trato do procedimentojudicial, das modalidades de defesas passíveis de serem apresentadaspelo demandado e à classificação das matérias que podem ser alegadasna defesa, de acordo com a potencial repercussão da alegação (improce-dência da demanda, extinção do processo sem o julgamento do mérito,modificação da competência) ou com referência à possibilidade de aquestão ser conhecida ex officio pelo julgador (exceções e objeções).Não é usual, no entanto, o exame do direito de defesa em si mesmo oude suas projeções constitucionais. Essa ausência de uma análise siste-mática da defesa tem por resultado a persistência nos estudos da ciênciaprocessual de ide ias ultrapassadas, já superadas no trato do direito deação, além de conter em si uma inconstitucional discriminação entre asfaculdades do autor e as do réu no processo.

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o necessário paralelismo entre a ação e a defesa não tem contudo ocondão de superar uma diferença fundamental entre esses dois institutos.É mediante o exerCÍcio da ação que o processo tem início, sendo desdelogo delimitado o seu objeto, o objeto do processo. O pedido deduzidopelo autor define o material sobre o qual juiz e partes desenvolverãosuas atividades processuais, delimitando com isso os efeitos externossuscetíveis de serem incluídos no dispositivo da sentença. Com a defesa,apesar do destaque que lhe deve ser atribuído, o réu simplesmente resisteao pedido do demandante. O réu não veicula um pedido próprio, senão ode rejeição do pedido do autor, e portanto sua manifestação não implicaa ampliação do objeto do processo (infra, n. 125).

Essa fundamental distinção entre os institutos repercute na dimen-são dos ônus impostos às partes para que os possíveis interesses de umaou de outra possam ser reconhecidos no julgamento da causa. O autortem o ônus de alegar na petição inicial todas as causas de pedir quepretenda ver apreciadas no julgamento. São porém poucas as matériasque precisam ser necessariamente alegadas em contestação para seremconhecidas pelo julgador, admitindo a lei em diversas situações que oréu apresente depois o argumento omitido ou seu exame ex ojJicio nojulgamento da causa (CPC, arts. 334, S 5º, e 342).

No que se refere aos possíveis conteúdos da defesa, esta podeconsistir na alegação de preliminares, ou seja, razões para que o méritonão possa ser julgado, ou de pontos relacionados com o próprio mérito.Defesa processual no primeiro caso, e defesa de mérito no segundo - eo réu tem ampla liberdade para estruturar sua defesa segundo as estra-tégias de sua escolha. É lícito cumular logo na contestação todas asdefesas que tiver, ainda que relativamente contraditórias entre si. O réususcita preliminares, opondo-se ao julgamento do mérito, sem prejuízode, em prosseguimento, passar ao exame deste para pedir que a demandainicial seja rejeitada e a tutela jurisdicional plena se conceda a ele e nãoao autor. Também na defesa de mérito é permitido que ele desenvolvauma argumentação escalonada, de modo que o acolhimento de um dosfundamentos prejudique o conhecimento do subsequente e assim suces-sivamente. Esse é o sistema da eventualidade da defesa, assim chamadoporque os fundamentos sucessivos só serão conhecidos se ocorrer oevento de o precedente ser afastado pelo juiz (CPC, arts. 336 e 337).

Em uma formulação bem didática e aderente a essas ideias enu-meram-se do seguinte modo os fundamentos de defesa que o réu podealegar: a) a falta de uma das condições da ação ou de qualquer outro

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AÇÃO E DEFESA

pressuposto sem o qual o mérito não possa ser julgado (pressupostosde admissibilidade do julgamento do mérito); b) especificamente, aincompetência do juiz perante o qual a demanda foi proposta pelo autor;c) a não ocorrência dos fatos alegados por este na petição inicial; d) aineficácia jurídica desses fatos, ou seja, a ausência de fundamentos dedireito suficientes para a acolhida da pretensão do autor com fundamentoneles; e) a ocorrência de fatos novos, influentes sobre a existência ou avida do direito deste (fatos impeditivos, modificativos ou extintivos -CPC, art. 326).

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Essa variedade de defesas admissíveis pela ordem processual levaa doutrina a classificá-las de diversos modos, como a seguir se sintetiza.Todas elas são exceções, tomado esse vocábulo em sentido bastante am-plo (como emjus exceptionis, que é o próprio direito de defesa).

Defesas de mérito ou defesas processuais. As de natureza proces-sual visam a impedir ou retardar o julgamento do mérito da causa. As demérito, à obtenção de uma sentença de mérito favorável ao réu.

Defesas diretas ou indiretas. As diretas consistem na postulação deum julgamento de mérito a favor do réu, e as indiretas a impedir essejulgamento. Todas as defesas processuais são indiretas. As de mérito sãodiretas ou indiretas, conforme consistam em negar os fatos alegados nademanda inicial ou as consequências jurídicas pleiteadas pelo autor ouem invocar fatos novos, influentes sobre a existência ou vida do direitodeste (fatos impeditivos, modificativos ou extintivos).

Objeções ou exceções em sentido estrito. Chamam-se objeçõesos fundamentos suscetíveis de serem conhecidos pelo juiz indepen-dentemente de alegação pelo réu, como a prescrição, a decadência, aincompetência absoluta ou a carência de ação etc. São exceções em sen-tido estrito as defesas que só podem ser levadas em consideração pelojuiz quando expressamente suscitadas pelo réu, como a incompetênciarelativa e a preliminar de arbitragem (CPC, art. 337, S 5º, c/c art. 141,parte final). As exceções em sentido estrito podem ser de mérito ou denatureza processual.

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CAPÍTULO VPROCESSO

77. processo, procedimento e a relação jurídica processual- o conceito de processo e o contraditório

Processo é o método de trabalho responsável pela coordenação doexercício das atividades jurisdicionais pelo juiz, da ação pelo autor e dadefesa pelo réu. Como método de trabalho o processo compõe-se da dis-ciplina dos modos, momentos e limites do exercício desses poderes oufaculdades, devendo estar atento à garantia do contraditório e à cláusuladue process oflalV, ambas de assento constitucional.

O poder estatal exerce-se sempre mediante um procedimento prees-tabelecido, sob pena de ilegitimidade desse exerCÍcio - e o procedimentocaracteriza-se como processo quando for realizado em contraditório ecom a outorga de poderes, deveres, faculdades e ônus aos seus sujeitos,ou seja, com a presença de uma relação jurídica processual.

O procedimento resguarda a legalidade no exercício do poder. A leitraça o modelo dos atos do processo, sua sequência, seu encadeamento,disciplinando com isso o exercício do poder e oferecendo a todos agarantia de que cada procedimento a ser realizado em concreto teráconformidade com o modelo preestabelecido. Isso significa que, se, deum lado, a observância do procedimento é fator legitimante do exerCÍciodo poder, por outro, ele próprio recebe legitimidade do modo como a leio disciplina. É fundamental que o procedimento condicione ou limiteo exerCÍcio do poder segundo as garantias constitucionais e favoreça aefetiva participação dos sujeitos interessados, sabendo-se que a parti-cipação é o núcleo essencial da garantia constitucional do contraditório(supra, n. 33) e constitui postulado inafastável da democracia. O proces-so em si mesmo deve ser sempre participativo, sob pena de não ser legÍ-

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timo. É essa a razão para se concluir que processo é todo procedimentorealizado em contraditório.

A ideia de processo como procedimento em contraditório não deveno entanto provocar o total abandono da teoria que a precedeu, que cons-trói o conceito de processo com a inclusão da relação jurídica processualcomo um de seus elementos essenciais (supra, n. 4). Dizer apenas que ossujeitos precisam participar, ou ao menos ter oportunidade de fazê-lo, épermanecer no limiar do sistema processual, sem penetrar na sua dog-mática e nas técnicas de que ele se vale. A efetivação do contraditório noprocedimento dá-se pela outorga de situações jurídicas aos litigantes: si-tuaçõesjurídicas ativas, que lhes permitem atos de combate na defesa dosseus interesses (faculdades ou poderes), e situações jurídicas passivas,que lhes exigem a realização de atos ou impõem abstenções ou sujeição àeficácia de atos alheios (deveres ou ônus). O conjunto dessas situações ju-rídicas processuais ativas e passivas (poderes, faculdades, deveres, ônus,sujeição) traduz-se em um complexo e dinâmico vínculo entre os sujeitosdo processo, definido como relação jurídica processual. Vê-se, pois, quedefinir o processo mediante associação do procedimento ao contraditórioou inserir em seu conceito a relação jurídica processual são apenas doismodos diferentes de ver a mesma realidade. São perspectivas diferentesque não distorcem essa realidade nem se excluem reciprocamente, antesse complementam - uma perspectiva política representada pela exigênciado contraditório e uma perspectiva técnico-processual na qual se revelamaquelas posições jurídicas ativas e passivas.

A síntese desse conjunto de posições consiste no binômio autorida-de-sujeição, entendendo-se que a autoridade exercida pelo Estado-juizno processo mediante o exercício do poder estatal tem por contrapostonegativo a sujeição das partes a ele - conceituada esta como a impossibi-lidade de evitar os efeitos dos atos daquele que exerce a autoridade. Essacolocação constitui repúdio à velha teoria do processo como contrato,banida há muito da ciência processual.

Mutatis mutandis, essa trama de situações jurídicas e passivas en-volve também o árbitro e não somente o juiz, dado que também aqueleexerce jurisdição e, no processo, é detentor de poderes sobre as partes.

78. a relativa rigidez e indisponibilidade do processoe do procedimento

A tradição do direito brasileiro que vigorou até o Código de Pro-cesso Civil de 1973 impunha com extremo rigor a estrita legalidade

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na definição dos procedimentos, os quais não podiam ser livrementeescolhidos pelas partes nem alterados por atos de vontade destas, aindaquando de acordo.

O novo Código de Processo Civil optou pela implantação de certaspossibilidades, postas a cargo do juiz ou permitidas às partes, de alterarem casos concretos as regras procedimentais contidas na lei, segundoas conveniências do caso e delas próprias. Tal é o princípio da adapta-bilidade, alvitrado na ciência do processo há muitas décadas e que nosistema do direito positivo deste país jamais fora adotado expressamentepela lei.

Ojuiz tem, p. ex., o poder de "dilatar os prazos processuais e alterara ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidadesdo conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito"(CPC, art. 139, inc. VI). Especificamente, a lei o autoriza também a"dilatar o prazo para manifestação sobre a prova documental produzida,levando em consideração a quantidade e a complexidade da documenta-ção" (art. 437, S 2º).

As partes, quando plenamente capazes, o art. 190 do Código deProcesso Civil permite que estipulem "mudanças no procedimento paraajustá-lo às especificidades da causa" etc. (art. 190), autorizando-as tam-bém, quando de comum acordo e com a participação do juiz, a fixaremum calendário vinculativo para a prática dos atos processuais (art. 191).

Essas são aberturas muito legítimas para a busca de melhorescaminhos para alcançar decisões justas e aderentes à realidade, semprejuízo à segurança jurídica que a legalidade do procedimento se desti-na a propiciar, mas há certo ceticismo dos estudiosos em relação à amplautilização pelas partes desses mecanismos inovadores. Para tanto seriaindispensável uma improvável guinada cultural não só dos advogadosmas também dos sujeitos em litígio, que neste país não são propensos adialogar com os adversários.

Tema correlato ao da rigidez dos procedimentos e ao da possíveladaptação do procedimento às peculiaridades das situações concretas é oda viabilidade da escolha, pelo demandante, da espécie de processo querepute mais adequada à preparação da tutela jurisdicional pretendida.

Porque o uso do instrumental jurídico-processual está na estritadependência das soluções de direito material cabíveis e do processo eprocedimento adequados a produzir os resultados postulados, a lei érigorosa quanto à necessidade de escolher adequadamente a tutela a plei-

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tear - seja nos casos em que não deixa margem alguma ao demandante,seja mesmo quando lhe dá alguma. Exige também a correta escolha daespécie de processo ou de procedimento pelo qual se pleiteia a tutela.Feita uma escolha inadequada, o processo não chegará a seu fim normale tutela alguma será ministrada a quem a demandou (supra, n. 74). É oque sucede, v.g., se for pedida tutela executiva sem estar o exequentemunido de título executivo (CPC, art. 786) ou se o autor pedir tutela pelavia do processo monitório sem estar amparado em documentos idôneose suficientes (art. 700). Permite-se entretanto a escolha entre uma mo-dalidade de tutela diferenciada cabível e as chamadas vias ordináriasdispostas pelo Código de Processo Civil: ainda quando admissível omandado de segurança (infra, n. 91), ou o processo dos juizados es-peciais (infra, n. 90) ou o monitório (infra, n. 89) ou ainda a execuçãopor título extrajudicial (infra, n. 88), cabe ao demandante a opção peloprocedimento-padrão regido por aquele (infra, n. 80). Nesses casos enesses limites ele poderá, segundo seu próprio juízo de conveniência,optar pela espécie de tutela jurisdicional que preferir.

As hipóteses de tutela jurisdicional diferenciada são relacionadascom direitos aos quais o constituinte ou o legislador entendeu conve-niente oferecer uma solução mais rápida, sendo por isso que se contentamuitas vezes com uma cognição sumária, sem exigir as delongas dacognição plena. A busca da tempestividade da tutela jurisdicional, inte-grante da garantia constitucional de acesso à justiça (Const., art. 5º, inc.XXXV - supra, nn. 28 e 29), é a razão que leva a lei a instituir essesinstrumentos mais céleres e indicar as hipóteses em que cada espéciede processo é adequada. Em regra a decisão produzida nesses processosserá autêntica decisão de mérito, decidindo a causa com fundamento emuma plena convicção do juiz quanto ao direito da parte. Quando se tomairrecorrivel, seus efeitos serão em regra imunizados pela autoridade dacoisa julgada material, como os de qualquer outra decisão de méritoproferida em vias ordinárias. Não haverá decisão de mérito e a formaçãoda coisa julgada nas tutelas diferenciadas ministradas pelo processo mo-nitório não embargado (infra, n. 89) ou pela tutela antecipada concedidaem caráter antecedente que se estabilize (supra, n. 11).

Não existe, contudo, a possibilidade de o autor optar pelo proce-dimento de sua preferência quando estiver em jogo a aplicação de umprocedimento especial ou do comum. Se o autor pretende consignar umaquantia em pagamento, deve seguir o procedimento da ação de consigna-ção em pagamento (CPC, arts. 539-549), sendo-lhe vedado propor umaação de exigir contas (CPC, arts. 550-553) ou utilizar-se do procedimen-

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to comum. Ao contrário do que ocorre com as modalidades de tutelajurisdicional diferenciada, instituídas como opção em beneficio do de-mandante, a determinação do procedimento adequado constitui ditamede ordem pública do processo, cujo desatendimento vicia a propositurada demanda e impede sua apreciação. A regra é a chamada indisponibi-lidade do procedimento, que em princípio deve levar o juiz a indeferir apetição inicial se escolhido procedimento inadequado e não for possíveladaptar. É excepcional a permissão de optar pelo procedimento comumcomo requisito para a cumulação de demandas regidas por procedimen-tos diferentes (CPC, art. 327,9 2º).

O que se disse sobre o indeferimento da inicial na hipótese de es-colha do procedimento inadequado deve no entanto ser interpretado emface da atual tendência a atenuar os rigores das consequências das esco-lhas inadequadas. Só se indeferem petições iniciais e só se extinguemprocessos se não for possível adaptar e se, tendo a causa sido processadapor rito inadequado, disso tiver resultado prejuízo (a regra da instrumen-talidade dasformas - CPC, art. 277 - supra, n. 13 - infra, n. 135). Alémdisso, o autor deverá sempre ser ouvido antes da eventual extinção doprocesso por esse motivo (CPC, art. IOº).

79. diferentes tipos de processo e de procedimento

Todo sistema processual institui meios processuais adequados paradar efetiva solução às variadas crises de direito material, e essa variedadede meios processuais constitui verdadeiro espelho das diversas soluçõesditadas no direito substancial e da maior ou menor urgência para aobtenção dessas soluções. Para essa indispensável correspondência, evalendo-se da experiência multissecular do processo, o legislador estabe-lece não só uma variedade de processos mas também de procedimentos,em um quadro pragmático de busca de soluções adequadas, fiéis aodireito substancial e, na medida do possível, tempestivas.

A natureza da crise de direito material determina, em primeirolugar, o provimento jurisdicional cabível. A natureza do provimento,por sua vez, dita a do processo, falando-se então, na primeira e maisrelevante das distinções entre tipos de processo, em processo executivoem contraposição ao processo de conhecimento. A definição sobre ocabimento da tutela cognitiva ou da executiva é pautada por um cri-tério muito objetivo de natureza puramente processual, consistente naexistência ou inexistência de título executivo (CPC, art. 783). Processode conhecimento é aquele instaurado para processar e julgar pretensões

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mediante uma decisão de mérito, ou seja, pretensões à tutela cognitiva -e por isso o direito alemão refere-se a processo de conhecimento comoprocesso de sentença (Urteilverfahren). O processo de execução destina--se a veicular as pretensões à tutela executiva, consistente na oferta desatisfação prática a um direito.

O novo Código de Processo Civil, dando curso a uma herança daLei do Cumprimento de Sentença (lei n. 11.232, de 22.12.2005), quetrouxera uma radical modificação do estatuto anterior, consagra a reu-nião em um só processo de todas as atividades relacionadas com a tutelacognitiva, a provisória, a eventual liquidação de direito genérico quevenha a ser reconhecido e a satisfação do direito, ou cumprimento desentença (infra, n. 80). Esse é um processo sincrético, dividido em me-rasfases, o que significa que temos no Brasil um só processo com todasaquelas funções, em vez da distribuição destas em diversos processosinterligados mas autônomos.

O conjunto formado pela sucessão dessas fases é em si mesmo umcomplexo procedimento-padrão a ser seguido em todos os casos emrelação aos quais a lei não disponha de modo diferente. Esse procedi-mento-padrão desenvolve-se em primeiro lugar mediante as formas deum processo de conhecimento, para depois seguir as de um processode liquidação e, finalmente, as de uma execução forçada - aplica-se emtoda sua plenitude quando a fase de conhecimento se desenvolve peloprocedimento comum e também na maioria dos casos em que essa fase éregida pelas formas de um procedimento especial.

Em relação à fase cognitiva, ou de conhecimento, o Código ofereceum procedimento destinado a prevalecer como regra geral, o qual leva adenominação de procedimento comum (arts. 318 ss.). Com esse modeloconvivem alguns procedimentos especiais, como a ação de consignaçãoem pagamento (arts. 539-549), a ação de exigir contas (arts. 550-553)etc., com a finalidade de adequar às peculiaridades de certas situaçõesregidas pelo direito material o iter a ser percorrido entre a demanda ini-ciaI e a decisão que julga a causa. Cada procedimento especial aplica-seestritamente aos processos para os quais é indicado por disposições es-pecíficas contidas no Código e oprocedimento comum aplica-se sempreque não haja uma dessas disposições específicas.

Também em relação ao processo autônomo de execução, fundadoem título extrajudicial (arts. 771 ss.), existe uma variedade de procedi-mentos, cada um deles adequado à satisfação de direitos de determinadanatureza (infra, n. 88). Existe um procedimento executivo para a entregade coisa certa, um para a satisfação de obrigações de fazer ou de não

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fazer e outro para as execuções por dinheiro (ou por quantia certa).Cada um desses procedimentos executivos, ou cada uma dessas espéciesde execução, tem sua área de aplicação rigorosamente delimitada em lei,e não existe no sistema processual executivo um procedimento comum,de aplicação geral.

Ao lado do processo de conhecimento e do processo de execuçãohá também o processo monitório (CPC, arts. 700-702 - infra, n. 89), emque se cria o título executivo e se executa o direito, sem julgamento domérito (e por isso é que ele não se enquadra na categoria dos processosde conhecimento). Para postular a tutela monitória é indispensável aexibição de documento idôneo, do qual se possa razoavelmente inferir aexistência do crédito (CPC, art. 700).

Outra categoria de processo é a dos processos antecedentes, emque se pede tutela cautelar ou antecipatória (infra, n. 85). O Códigode Processo Civil dita um sistema extremamente complexo para essesprocessos, havendo inclusive a hipótese de o processo antecedente denatureza cautelar converter-se em processo de conhecimento (art. 308).Também o processo antecedente portador de uma pretensão à antecipa-ção da tutela jurisdicional é regido por um emaranhado de normas muitominuciosas e complexas, permitindo inclusive, em certas circunstâncias,que a tutela antecipada ali concedida venha a ser estabilizada (art. 304- supra, n. 11).

Há também outros processos e procedimentos de extrema relevân-cia política e muita utilidade prática disciplinados em outras leis, comoo processo dos juizados especiais cíveis, a ação civil pública, a ação po-pular, o mandado de segurança, o habeas data, o mandado de injunção,o habeas corpus, O processo para o controle abstrato da constituciona-lidade das leis, o processo arbitral etc.

Dado o objetivo desta obra de traçar somente um panorama geralsobre os institutos fundamentais do direito processual, sem descer aospormenores de um tratado ou de um curso completo sobre o processocivil, não será feita aqui a análise de todos os processos e procedimen-tos existentes em nosso ordenamento jurídico. Serão trazidas brevesconsiderações a respeito daqueles processos e procedimentos de maiorrelevância na prática forense.

80. o procedimento-padrão para a prestação da tlltelajllrisdicional

Na versão original do Código de Processo Civil de 1973, que nessepasso seguia uma longa tradição brasileira e internacional, o reconhe-

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cimento e a satisfação de um direito poderiam passar por até cincoprocessos distintos - o de conhecimento, o de liquidação, o executivo,o dos embargos à execução e o cautelar, cada um com seu modelo pro-cedimental próprio. A classificação que identificava esses diferentesprocessos aludia à natureza do provimento jurisdicional a que tende cadaum deles, com a constituição em cada um de uma nova relação jurídicaprocessual.

Por considerar que esse modelo não era hábil à adequada e tempes-tiva oferta da tutela jurisdicional, o legislador brasileiro passou a mutilá--lo. O primeiro passo veio com uma das leis da Reforma do Código deProcesso Civil (lei n. 8.952, de 13.12.94), que alterou o art. 461 paradeterminar que a efetivação da tutela referente às obrigações de fazerou de não fazer fosse realizada no próprio processo onde houvesse acondenação. Ulteriormente uma outra lei reformista (lei n. 10.444, de7.5.2002) estendeu tal disciplina às obrigações de entrega de coisa com acriação do art. 461-A, e, ao introduzir um S 7º ao art. 273, inseriu a tutelacautelar incidental no bojo do processo de conhecimento. A descons-trução final do sistema veio com a Lei do Cumprimento de Sentença(lei n. 11.232, de 22.12.2005), que introduziu no seio do processo "deconhecimento" em que se pede a condenação ao pagamento de quantiauma fase para liquidar eventuais condenações ilíquidas e outra para exe-cutar eventual condenação, além de uma impugnação que substituiu osembargos à execução antes admissíveis também na execução por títulojudicial. Ou seja: em um só processo passou-se a fazer tudo que fossenecessário ao reconhecimento, resguardo e à satisfação de um direito,não importando a natureza da tutela jurisdicional postulada.

Esse sistema foi mantido no novo Código de Processo Civil, quecontém um procedimento-padrão, de aplicabilidade geral a todas ascausas para as quais não seja determinada a aplicação de algum outro(CPC, art. 318) e que é apto a proporcionar o reconhecimento, o di-mensionamento, a preservação e a satisfação de uma pretensão. Esseprocedimento é dividido emfases, que podem comportar a divisão emsub/ases, a seguir descritas.

A primeira fase desse procedimento complexo e sincrético é afasede conhecimento, que tem por objetivo preparar e produzir julgamentosde mérito e é a que mais se presta à divisão em subfases, nas quais o le-gislador procura, na medida do possível, agrupar os atos que compõemo procedimento. Essas subfases são a postulatória, a ordinatória, a ins-trutória e a decisória.

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No sistema revogado falava-se em fase postulatória, fase ordinató-ria, fase instrutória e fase decisória, sendo essas as/ases de um processo,o processo de conhecimento. Agora, porém, que todas as atividades re-lacionadas com o conhecimento não são mais que uma das/ases daqueleprocedimento sincrético e único, é por isso que a rigor a postulação, aordenação, a instrução e a decisão não mais podem ser consideradasfases, mas meras subfases. Mesmo assim, todavia, a doutrina continua atratá-Ias como/ases, e esse senão terminológico não prejudica em nadaa boa compreensão do sistema.

A identificação e a delimitação dessas quatro subfases (postulató-ria, ordinatória, instrutória e decisória) são corriqueiramente construídassobre a estrutura do procedimento comum, mas em alguma medidaaplicam-se a muitos dos especiais - até porque vários deles se convertemao rito comum a partir de um certo momento.

81. afase postulatória

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Fase postulatória é aquela em que as partes postulam, ou seja, emque elas apresentam suas pretensões contrapostas. É nessa fase que seformulam demandas, fazem-se as citações, há a tentativa de concilia-ção e tem o réu a oportunidade para oferecer sua contestação, que é oprimeiro de seus atos de defesa a serem praticados no processo. O pri-meiro ato de todo e qualquer procedimento é sempre uma demanda - ouseja, o ato com que um sujeito apresenta sua pretensão ao Estado-juize provoca a instauração de um processo com o objetivo de obter suasatisfação (infra, n. 119). A demanda é corporificada na petição inicial,que deve preencher uma série de requisitos para que o processo possadesenvolver-se regularmente (CPC, arts. 319 e 320). Além de verificar apresença desses requisitos ao despachar a inicial, indeferindo-a e extin-guindo o processo sem o julgamento do mérito sempre que identificadaalguma irregularidade insanável ou não sanada (CPC, art. 330 - infra,n. 126), cabe ao juiz proferir julgamento liminar de improcedência dademanda nas hipóteses descritas nos incisos e no S Iº do art. 332, em queessa improcedência seja manifesta.

Admitido o processamento da petição inicial, o réu será citado paracomparecer a uma audiência de conciliação ou de mediação (CPC, art.334, caput). Também está disposto que "o conciliador ou mediador, ondehouver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de media-ção, observando o disposto neste Código, bem como as disposições dalei de organização judiciária" (art. 334, S Iº) - donde se infere que ondenão houver um conciliador ou mediador o próprio juiz conduzirá essa

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audiência. Esta só não será realizada quando a matéria em litígio nãocomportar autocomposição ou quando ambas as partes manifestaremexpressamente seu desinteresse em realizá-Ia (art. 334, S 4º). Se somenteuma delas assim se manifestar e a outra declarar que pretende realizar aaudiência ou simplesmente silenciar a respeito, a audiência será designa-da e o não comparecimento de uma ou de outra será considerado um atoatentatório à dignidade da Justiça, com imposição de multa ao ausente(art. 334, S 8º). Se a audiência for realizada e ali se obtiver a autocompo-sição das partes, esta será reduzida a termo e homologada pelo juiz (art.334, S li). Em caso contrário o prazo para a contestação correrá da datada realização da audiência de conciliação ou mediação (art. 335, inc. 1).

Diante da falta de infraestrutura do Poder Judiciário para a realiza-ção dessa audiência inicial em todos os processos que as exigiriam e dapercepção pelos juízes de que na grande maioria dos casos a realizaçãoda audiência seria infrutífera e serviria apenas para protelar o desfechodo processo, o art. 344 do novo Código de Processo Civil vem sendointerpretado pela Justiça em afronta à sua literalidade, no sentido de serfacultativa a designação da audiência. Em regra, vem sendo adotado oprocedimento que era seguido na vigência do Código de 1973, com acitação do réu para contestar.

Se as partes não transigirem ou se o caso não comportar a realizaçãodessa audiência, será aberta a oportunidade para o réu apresentar suacontestação, postulando para si a tutela jurisdicional ou opondo-se àcontinuação do processo mediante a alegação da ausência de algum dospressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito (incompetên-cia, carência de ação etc.). Ou seja: ele pode postular a improcedênciado pedido do autor e portanto a prolação de sentença reconhecendo suarazão pelo mérito; ou simplesmente postular uma tutela menos intensa,mediante a extinção do processo sem esse julgamento (infra, n. 126).Pode também deduzir demandas novas, (a) quando formula reconven-ção, pedindo para si uma outra tutela jurisdicional fora do objeto doprocesso instaurado mediante a demanda inicial (CPC, art. 343), ou(b) quando propõe demanda em face de terceiro, como ocorre na denun-ciação da lide (CPC, arts. 125-129 - infra, n. 108).

82. afase ordinatória

Fase ordinatória, também dita saneadora ou de saneamento, éaquela em que o juiz põe ordem no processo. As atividades que a ca-

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racterizam são preponderantemente inquisitivas, exercendo-as o juiz(a) de oficio, (b) com fundamento no poder estatal de que está revestidoe (c) com os objetivos de evitar defeitos no processo e dar-lhe impulsoem direção ao julgamento do mérito. Cabendo-lhe a direção do processo,é seu dever evitar que este vá avante, comece a produção dos meios deprova e chegue o momento de sentenciar sem estar em ordem ou reunircondições para tanto. Para isso deve o juiz dar efetividade ao contra-ditório, suprir ou mandar suprir omissões, corrigir ou fazer corrigireventuais falhas, organizar a prova e afinal, estando o processo em boascondições, encaminhá-lo ao julgamento do mérito. A grande diferençafuncional entre essa fase e a postulatória é que nesta preponderam osatos de parte, e na ordinatória os do juiz.

A fase ordinatória principia onde a postulatória termina, ou seja, de-pois de feitas todas as demandas e citações, tentada a conciliação e ofere-cidas oportunidades para que o demandado ou os demandados se defen-dam. As providências preliminares a serem realizadas ou determinadaspelo juiz consistem (a) em dar ao autor a oportunidade de manifestar-sesobre defesas processuais ou fatos novos eventualmente alegados peloréu (arts. 350-351), (b) em mandar que as partes especifiquem as provasque pretendam produzir (arts. 348-349) e (c) em diligenciar o suprimen-to de omissões ou a sanação de nulidades (art. 352). Depois de tomadastodas essas providências o juiz proferirá um julgamento conforme oestado do processo (arts. 354 ss.).

Esse julgamento varia segundo as circunstâncias. Conforme seja oestado do processo, depois das providências preliminares (ou se elas nãotiverem sido necessárias ou não tiverem produzido resultados úteis) ojuiz extinguirá o processo (art. 354),julgará antecipadamente o mérito,deforma integral ou parcial (arts. 355-356 - infra, n. 138) ou proferirádecisão saneando o processo (art. 357). No ato de saneamento o juizdeverá (a) "resolver as questões processuais pendentes, se houver" (art.357, inc. I), (b) "delimitar as questões de fato sobre as quais recairá aatividade probatória, especificando os meios de prova admitidos" (inc.11), (c) "definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373"(inc. IlI), (d) "delimitar as questões de direito relevantes para a decisãodo mérito" (inc. IV) e (e) "designar, se necessário, audiência de instruçãoe julgamento" (inc. V). É admitido que as partes apresentem propostaconjunta para a delimitação das questões de fato e de direito relevantesao julgamento, a ser homologada pelo juiz (art. 357, S 2º), e, quando setratar de causa de grande complexidade, o saneamento deverá ser feitoem audiência, em cooperação entre ojuiz e as partes (art. 357, S 3º).

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83. afase instrutória

Afase instrutória principia quando o processo é saneado e consistena realização de provas e oferecimento das alegações finais pelas partes.Muito embora a instrução probatória não preencha toda a fase instrutó-ria, é nela que se concentram as maiores atenções e as atividades maisintensas do juiz e dos litigantes. Quando a realização da prova começa,na realidade o procedimento probatório já estará iniciado, porque aspartes já requereram a realização dos meios de prova de seu interesse eo juiz já terá deferido ou indeferido os meios requeridos. Durante a faseinstrutória procede-se à realização da prova, ou sua produção, medianteas perícias que o juiz houver deferido, inquirição de testemunhas, depoi-mento pessoal das partes etc. Ao menos em parte a prova documental játerá sido produzida antes, seja na inicial, na contestação (arts. 320 e 434)ou em algum outro momento, quando admissível (art. 435 etc.).

84. afase decisória

Realizada a prova e apresentadas as alegações finais pelas partes,tem início afase decisória, com a prolação da sentença. Pode tambémacontecer que, por não se julgar suficientemente instruído, o juiz peçaainda alguns esclarecimentos às partes, mande intimar novas testemu-nhas ou mesmo determine a realização de segunda perícia (art. 480).Essa iniciativa leva o nome de conversão do julgamento em diligência,a significar que o juiz transforma aquele momento, que era o de julgar,em momento para realizar mais provas - ou seja, esse é na prática umretomo à fase instrutória. Com esse conteúdo, a chamada fase decisóriaé mais um momento que uma fase do procedimento. Um ponto no tempoe não uma linha.

85. lima possível fase prévia, 011 antecedente

Em alguns casos o procedimento poderá ter início com uma faseantecedente para a apreciação de um pedido de tutela de urgência (cau-telar ou antecipada), que comporta a prática dos atos necessários paraapreciar esse pedido e efetivar a tutela concedida (CPC, arts. 303-310).Finda essa fase antecedente, o procedimento prosseguirá e terá inícioa fase postulatória (CPC, arts. 303, inc. I, e 308 - supra, n. 81), a nãoser que nessa fase antecedente haja a estabilização de tutela antecipada,hipótese em que o processo será extinto (CPC, art. 304, S Iº - supra, n.11). Somente haverá uma fase para a concessão da tutela provisória se

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ela houver sido postulada em caráter antecedente. O pedido dessa tutelaem caráter incidental não dá ensejo à instauração de uma diferente faseno procedimento, mas à formação de um mero incidente no curso deste.

86. entre afase de conhecimento e a eventual fase de liquidação

O julgamento da causa e o dos recursos eventualmente interpostos(infra, nn. 142 ss.) põe fim à fase de conhecimento do processo, abrindocaminho para a fase de liquidação de sentença na hipótese de ter sidoproferida decisão que reconheça a existência de uma obrigação ilíquida,ou seja, de uma obrigação cujo valor (quantum debeatur) ainda nãoesteja determinado (CPC, arts. 491 e 509). A liquidação far-se-á peloprocedimento comum "quando houver a necessidade de alegar e provarfato novo" e por arbitramento nos demais casos (CPC, art. 509, incs.I e 11).A primeira delas levava a denominação liquidação por artigos,tradicional no direito brasileiro e desnecessariamente suprimida pelonovo Código.

87. afase de cumprimento de sentença

Finda a liquidação ou no caso de ela ser desnecessária, se nãohouver o adimplemento voluntário da obrigação reconhecida na decisãocondenatória terá início a fase de cumprimento de sentença. Trata-sede mera fase do procedimento sincrético principiado com o pedido detutela cognitiva, com exceção dos casos em que é executada sentençapenal condenatória, sentença arbitral ou sentença estrangeira homo-logada, porque nessas hipóteses, não havendo um processo no qual ocumprimento de sentença pudesse ter prosseguimento como uma fase,há necessidade de constituição de uma nova relação jurídica processual(CPC, art. 515, S lº).

O cumprimento da sentença é conceitualmente uma execução portítulojudicial e tem sempre por fundamento um título executivo consis-tente em um pronunciamento emitido em um processo jurisdicional, ouseja, um título executivo judicial (CPC, art. 515). São títulos executivosjudiciais a decisão condenatória proferida em um processo civil (ou de-cisão que reconhece o direito a uma prestação) e essas outras proferidasem outro processo (sentença penal condenatória, sentença arbitral ousentença estrangeira homologada).

O Código de Processo Civil disciplina o cumprimento de sentençamediante a imposição de regras gerais, aplicáveis a todas as modalida-

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des dessa execução por título executivo judicial (arts. 513-519), e regrasespecificas, de acordo com a natureza da obrigação a ser cumprida (arts.520-538). Essa disciplina não traz no entanto um tratamento exaustivode todo o procedimento a ser seguido até à satisfação da obrigação. Há oregramento da fase inicial do procedimento de cumprimento de sentença,aplicando-se às fases seguintes as normas pertinentes ao processo deexecução por título executivo extrajudicial (art. 513, caput - infra, n. 88).

Seja qual for a natureza da obrigação a ser satisfeita, o cumprimentode sentença só poderá ter início a pedido do exequente, sendo vedado oinício dessa fase por determinação tomada ex ojjicio pelo juiz (CPC, art.513, S Iº). O executado será intimado para cumprir a obrigação na pes-soa de seu advogado (CPC, art. 513, S 2º, inc. I), somente sendo exigidasua intimação pessoal nas hipóteses excepcionais referidas no art. 513,SS 2º, incs. lI-IV, 3º e 4º, do Código de Processo Civil.

Se o cumprimento de sentença tiver por objeto o pagamento dequantia o executado terá o prazo de quinze dias a partir de sua intimaçãopara cumprir a obrigação. Não havendo o pagamento o débito será acres-cido de multa de dez por cento do valor da obrigação e de honoráriosadvocatícios no valor de outros dez por cento (CPC, art. 523, caput e SIº). Transcorrido esse prazo começa a correr um novo prazo de quinzedias para que o executado eventualmente apresente sua defesa mediantea impugnação ao cumprimento de sentença. Nessa impugnação terá elea oportunidade de trazer argumentos para que não seja satisfeita a pre-tensão do exequente ou de questionar a regularidade da penhora ou daavaliação do bem penhorado (CPC, art. 525, S Iº). Salvo nas hipótesesdo S Iº, inc. I, e do S 12 do art. 525, é inadmissível trazer na impugnaçãoquestionamentos que foram ou poderiam ter sido apresentados na fasede conhecimento do processo, impedimento que decorre da coisa julgadae de sua eficácia preclusiva (infra, n. 140). A impugnação não impedeo prosseguimento da execução, que somente poderá ser suspensa se ojuízo estiver garantido, os fundamentos da impugnação forem relevan-tes e o prosseguimento da execução puder causar grave dano de difícilou incerta reparação ao executado (CPC, art. 525, S 6º). Se a defesa doexecutado disser respeito à "validade do cumprimento de sentença e dosatos executivos subsequentes" ela poderá ser apresentada no própriocumprimento de sentença, independentemente de impugnação (CPC, art.518). Trata-se de mecanismo que a prática judiciária consagrou com onome de exceção de pré-executividade, que, na interpretação conferidapela jurisprudência, permite o conhecimento, independentemente deimpugnação, de alegação que não demande a realização de qualqueratividade instrutória.

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Quando o cumprimento de sentença disser respeito a obrigação depagar alimentos o prazo para o executado pagar é reduzido a três dias(CPC, art. 528). Não havendo o pagamento e não sendo apresentadajustificativa capaz de demonstrar a impossibilidade absoluta de pagar(CPC, art. 528, S 2º) a decisão judicial será levada a protesto (CPC, arts.517 e 528, S 1º) e o executado poderá ser preso pelo prazo de um a trêsmeses (CPC, art. 528, SS 3º-8º). Se este for funcionário público, militar,diretor ou gerente de empresa ou mesmo empregado sujeito à legislaçãodo trabalho é possível que a execução se dê mediante o desconto da pres-tação alimentícia em folha de pagamento (CPC, art. 529).

Figurando a Fazenda Pública como executada no cumprimentode sentença, ela será intimada para, no prazo de trinta dias, apresentareventual impugnação (CPC, art. 535). Rejeitada ou não oposta a impug-nação, haverá a expedição, conforme o valor da obrigação, de precatório(CPC, art. 535, S 3º, inc. I) ou de requisição depequeno valor (CPC, art.535, S 3º, inc. lI) para que o ente executado efetue o pagamento.

No cumprimento de sentença relativo a obrigação de jazer ou denãojazer, após a iniciativa do exequente com o pedido de cumprimentoda obrigação, o juiz poderá determinar, de oficio ou por provocação daparte, uma série de medidas destinadas a induzir o obrigado a cumprirvoluntariamente a obrigação ou a produzir um resultado prático equi-valente (CPC, art. 536, caput), como "a imposição de multa, a busca eapreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e oimpedimento de atividade nociva" (art. 536, S lº).

Se o cumprimento de sentença tiver por objeto obrigação de entre-ga de coisa será expedido mandado de busca e apreensão ou de imissãona posse (CPC, art. 538), aplicando-se no mais as regras relativas aocumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer (CPC, art. 538, S3º).

88. execução por título executivo extrajudicial

Se aquele que se afirma credor estiver amparado por algum dostítulos executivos extrajudiciais arrolados no art. 784 do Código de Pro-cesso Civil ou em alguma outra lei do qual seja possível aferir a certeza,a liquidez e a exigibilidade da obrigação (art. 783), ele ficará dispensadode seguir o procedimento-padrão imposto pela lei em relação aos casosordinários (supra, nn. 80 ss.) e pode propor desde logo uma execuçãopor título executivo extrajudicial, pleiteando a imediata satisfação de suapretensão.

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Título executivo é um ato lançado em um documento escrito noqual se reconhece a existência de uma obrigação. Há os títulos executi-vos judiciais, dos quais os mais notórios e frequentes são "as decisõesproferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obriga-ção de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa" (CPC,art. 515, inc. I). Eles se qualificam como judiciais porque são produzidosemjuízo, mediante a realização de um processo. E há também os títulosexecutivos extrajudiciais, assim chamados porque não são constituídosem juízo. Em sua grande maioria esses títulos são atos da vontade dopróprio devedor mediante os quais ele reconhece uma obrigação e secompromete a satisfazê-Ia. Os de maior frequência são a nota promissó-ria, o cheque, a duplicata, o documento particular assinado pelo obrigadoe duas testemunhas, a "escritura pública ou outro documento públicoassinado pelo devedor" etc. (art. 784, incs. I-XII).

Uma obrigação é certa quando perfeitamente identificada eindividualizada em seus elementos constitutivos subjetivos e objetivos,ou seja, (a) quanto aos sujeitos ativos e passivos da relação jurídico--material, (b) quanto à natureza de seu objeto e (c) quanto à identificaçãoe individualização deste, quando for o caso.

É líquida quando se conhece a quantidade de bens devidos ao cre-dor, o que ocorre quando essa quantidade já está perfeitamente determi-nada ou quando é determinável mediante a realização de meros cálculosaritméticos (CPC, art. 786, par.).

É exigível quando não houver qualquer impedimento jurídico paraque o devedor satisfaça a pretensão do credor - ou seja, são exigíveis asobrigações já vencidas e não sujeitas a qualquer condição e não o sãoaquelas sujeitas a alguma condição ou termo.

É uma grande impropriedade atribuir ao título executivo os pre-dicados da certeza, da liquidez e da exigibilidade. Esses são atributospróprios às obrigações, não a eles.

Embora o processo executivo seja destinado a executar e portanto asatisfazer um direito do credor (não ajulgar), nem todos os atos que nelese realizam são atos de execução - havendo lugar para autênticas deci-sões a serem proferidas em diversos momentos de seu procedimento,como aquelas em que o juiz aprecia a exceção de pré-executividade (su-pra, n. 87), decide sobre o pedido de adjudicação de bens ao exequente,determina o reforço ou a redução da penhora etc.

Em simetria com os diferentes procedimentos para o cumprimentode sentença, a execução por título extrajudicial também conta com proce-dimentos específicos relativos à execução para a entrega de coisa (CPC,

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arts. 806-8 13), à execução de obrigações de fazer ou de não fazer (arts.8 14-823), à execuçãopor quantia certa (arts. 824-909), à execução contraa Fazenda Pública (art. 9 IO) e à execução de alimentos (arts. 9 I 1-913).

Em todos esses procedimentos a defesa do executado é realizadamediante a oposição dos embargos à execução, no prazo de quinzedias da juntada aos autos do documento que certifica a citação (CPC,arts. 23 I e 9 15). Com a oposição dos embargos à execução instaura-seum processo de natureza cognitiva, incidental à execução, destinado aapreciar as matérias de defesa apresentadas pelo executado. Como aexecução por título extrajudicial não está amparada em decisão judicialem que houvesse sido julgada a pretensão do exequente e imposta acondenação em execução, nesses embargos é facultado ao executadodefender-se de forma ampla, sem restrições, e podendo inclusive pôrem questão a própria existência do crédito exequendo, sobre o qual nãohá qualquer pronunciamento judicial anterior (CPC, art. 917, inc. VI).Em princípio os embargos à execução não têm efeito suspensivo, mas ojuiz poderá acrescer-lhes suspensividade em casos excepcionais, sempremediante prévia garantia da execução (CPC, art. 919). Tal como ocorreno cumprimento de sentença, na execução por título extrajudicial oexecutado também pode defender-se mediante a oposição da exceção depré-executividade (CPC, art. 803, par. - supra, n. 87).

Na execução por quantia certa, após ser citado o executado terá oprazo de três dias para pagar, sob pena de, transcorrido esse prazo, serempenhorados tantos bens quantos bastem à satisfação do crédito (CPC, art.829). Afase instrutória da execução por quantia certa é extremamentecomplexa, incluindo todos os atos necessários a captar um bem que res-ponderá pela obrigação e transformá-lo em dinheiro, porque o que deveser entregue afinal ao exequente é uma importância em dinheiro, não obem penhorado - a não ser que prefira ele próprio a satisfação mediantea adjudicação desse bem (CPC, arts. 876-878). Essas complexas ativi-dades principiam com a penhora de um bem, seguida do depósito desteem poder de alguma pessoa que por ele se responsabiliza (depositário),de sua avaliação e, ressalvada a hipótese de adjudicação ao exequente,da alienação a quem mais der (arrematante). Afase satisfativa consistena entrega do dinheiro ao exequente, por determinação do juiz (CPC,art. 905). Nessa fase poderá surgir um incidente entre credores (concur-so de preferências) quando algum deles comparecer postulando para sio dinheiro arrecadado ou parte dele (CPC, arts. 908-909). Entregue odinheiro, o juiz proferirá sentença, extinguindo o processo (CPC, arts.924, inc. 11, e 925).

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De entremeio a esse complexo conjunto de operações podem ocor-rer outros atos que tomem a execução por quantia ainda mais complexae demorada, como a impugnação ao resultado da avaliação (CPC, art.873), pedido de adjudicação do bem por terceiro (CPC, art. 876, S 5º),pedido de substituição, reforço ou redução da penhora (CPC, art. 874)etc. Tudo isso é possível, embora tome tempo e retarde a efetividade datutela executiva, justamente porque a execução por quantia caminha paraa expropriação do bem, e a experiência milenar do legislador aconselha--o a cercá-la de muitos cuidados antes de privar o executado de seudireito de propriedade. Podem também ocorrer fatos ou circunstânciasque abreviem a produção desse resultado, como a penhora do própriodinheiro devido, substituição do bem penhorado por dinheiro (CPC, art.847), adjudicação ao próprio exequente (CPC, arts. 876-878), dispensade avaliação de bens cotados em bolsa (CPC, art. 871, inc. lI), remiçãoda execução pelo executado (CPC, art. 826) etc.

Na execução para entrega de coisa, com a citação o executado échamado para, em quinze dias, entregar a coisa devida ou as coisas indi-cadas pelo exequente na inicial (CPC, art. 806). Para forçar o cumprimen-to dessa obrigação pode o juiz, logo ao despachar a inicial e determinar acitação, impor multa periódica para o caso de o executado atrasar em seucumprimento (CPC, art. 806, S lº). Sendo certa a coisa devida ou tomadatal mediante a escolha feita por quem tinha o direito de fazê-la (CPC, arts.811-813), sempre é preciso pô-la à disposição do juízo para ser emprega-da na satisfação da execução. Isso se obtém com muita facilidade quandoo próprio executado, atendendo ao chamamento inicial, cuida de fazer odepósito ou a entrega da coisa. Quando ele traz o bem a título de entrega,e não de depósito, há a satisfação do direito do credor, extinguindo-secom isso o processo executivo (CPC, art. 807). Se houver o mero depó-sito e a oposição de embargos à execução, é necessário aguardar o julga-mento destes antes de o processo ser extinto. Providências judiciais sãonecessárias para captar as coisas não apresentadas pelo executado. Nessescasos, sendo móvel a coisa ou coisas devidas proceder-se-á à sua buscae apreensão, com entrega ao exequente; sendo imóvel imitir-se-á desdelogo o exequente na sua posse definitiva (CPC, art. 806, S 2º). O objetoda obrigação de entregar coisa só se converte em dinheiro quando houversobrevindo alguma impossibilidade jurídica ou jisica suficiente paraimpedir a execução específica ou quando, diante de alguma dificuldaderazoável, assim preferir o exequente; nesses casos apura-se o valor dascoisas devidas mediante uma liquidação realizada incidentemente ao pro-cesso executivo, suspendendo-se este até que, apurado o valor, se possaprosseguir como execução por quantia certa (CPC, art. 809).

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Na execução por obrigações de jazer ou de não jazer o executadoé chamado a cumprir a obrigação, fazendo ou deixando de fazer o queestiver indicado no título executivo e o exequente houver pedido emsua demanda inicial. Ao despachar a inicial o juiz fixará o prazo para ocumprimento da obrigação, se outro não estiver determinado no títuloexecutivo, além de multa periódica para o caso de não cumprimento(CPC, arts. 814, 815 e 822). Se o executado cumprir extingue-se o pro-cesso executivo (CPC, arts. 818 e 924, inc. lI). Pode no entanto surgircontrovérsia entre as partes a respeito do cumprimento da obrigação.Por isso a lei manda que, quando o executado comunicar que cumpriu,o exequente seja chamado a manifestar-se; se ele impugnar, alegandoque nada foi cumprido ou que os atos realizados foram inadequadosou insatisfatórios, o juiz decidirá o incidente, colhendo se for o caso oselementos instrutórios necessários (CPC, art. 818). Se a impugnação forrejeitada a obrigação dar-se-á por cumprida e o processo extinguir-se-ápor sentença; se ela for acolhida o processo executivo prosseguirá, coma imposição das medidas necessárias à adequada satisfação da obriga-ção. Não cumprida a obrigação pelo executado mesmo após o eventualagravamento da multa inicialmente arbitrada, caberá ao exequente optarentre (a) a realização da obrigação por outrem, à custa do executado,quando isso for possível, e (b) sua conversão em perdas e danos (CPC,art. 816). Na disciplina dedicada especificamente à execução por obri-gações de não fazer limita-se o Código de Processo Civil a cuidar dasobrigações já consumadamente descumpridas, para mandar que a exe-cução se faça como nos casos de obrigações originariamente positivas,convertendo-se em pecúnia na hipótese de não ser possível desfazer oato (CPC, arts. 822 e 823).

A disciplina da execução por título extrajudicial contra a FazendaPública (CPC, art. 910) ou por alimentos (CPC, arts. 911-913) é muitosemelhante à do cumprimento de sentença (supra, n. 87).

O novo Código de Processo Civil dirimiu expressamente uma velhaquestão a cujo respeito a doutrina divergia e os tribunais não haviamchegado a um consenso firme. É a questão de ter ou não o credor, quan-do munido de título executivo extrajudicial, a faculdade de optar entrepropor uma demanda cognitiva, com vista a obter um título executivojudicial (sentença condenatória), e ir diretamente às vias executivas, sempassar pelo processo de conhecimento. Prevalece agora a regra de que "aexistência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optarpelo processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial"(CPC, art. 785).

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89. o processo monitório

Processo monitório é um processo destinado a oferecer a satisfaçãode direitos não amparados por título executivo sem que seja necessárioo julgamento do mérito. O título para a execução realizada no processomonitório é produzido nele próprio, bastando que o autor apresente pro-va escrita de seu direito, desprovida de eficácia de título executivo (CPC,art. 700). Convencido por essa prova da evidência do direito do autor, ojuiz expedirá de imediato o mandado de pagamento, de entrega de coisaou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer (CPC, art. 701).

Como processo diferenciado que é, e não mero procedimentoespecial (supra, n. 78), o monitório é instituído a bem da celeridade epara benefício de pessoas titulares de direitos a serem satisfeitos em viajudiciária. Por isso, a oferta dessa via diferenciada não é trazida coma marca da exclusividade, sendo permitida ao autor a escolha entre oprocesso monitório e as vias ordinárias do processo de conhecimento.

O procedimento do processo monitório brasileiro reparte-se emduas fases bem distintas e às vezes separadas por um outro processo,que é o dos embargos ao mandado monitório, onde, tal como ocorrenos embargos à execução (supra, n. 88), o demandado apresenta suadefesa (CPC, art. 702). A primeira dessas fases, dita monitória, principiacom a propositura da demanda e termina com a citação do demandado,acompanhada da intimação a pagar o dinheiro, entregar a coisa devidaou executar a obrigação de fazer ou de não fazer. A segunda é a faseexecutiva, que ocorrerá se o réu não opuser embargos, já que estes têmefeito suspensivo (CPC, art. 702, S 4'1), ou se estes terminarem com sen-tença que não os acolha; se a sentença proferida nos embargos concluirpela inexistência do direito ou falta de pressupostos para executar, a faseexecutiva sequer terá início. Os embargos não são uma fase do processomonitório, mas um processo incidente a ele, e, como se vê, inserido entreas duas fases de seu procedimento.

90. o processo dosjuizados especiais

Os juizados especiais cíveis (lei n. 9.099, de 26.9.95 - Lei dosJuizados Especiais/LJE) e os da Fazenda Pública (leis nn. 10.259, de12.7.2001, e 12.153, de 22.12.2009) foram instituídos com o objetivoexplícito de criar meios para diminuir a litigiosidade contida, concorren-do para a redução dos conflitos que não chegavam ao Poder Judiciárioem razão do valor envolvido e que por isso constituíam fatores decrescente insatisfação das pessoas. Foi intuito do legislador oferecer

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uma justiça bem mais informal, pela simplicidade dos atos do processo,eminentemente participativa, pela presença de conciliadores em diálogocom os litigantes, muito mais célere e, portanto, acessivel a um númeromaior de cidadãos.

A sumariedade da cognição, primeira responsável pela diferen-ciação de uma tutela e de um processo (supra, n. 78), no processo dosjuizados manifesta-se mediante alguma limitação no plano vertical emuita no horizontal. Por vários modos limita-se a profundidade da cog-nição nesse processo especialíssimo. A prova pericial é substituída nosjuizados cíveis pelo depoimento oral de testemunhas técnicas (LJE, art.35); nos juizados da Fazenda Pública há uma perícia a ser realizada uni-camente por técnico da confiança do juízo (lei n. 10.259, de 12.7.200 I,art. 12 - lei n. 12.153, de 22.12.2009, art. 10º). Admitem-se apenas trêstestemunhas a serem ouvidas por iniciativa de cada uma das partes,qualquer que seja o número de pontos fáticos a provar (LJE, art. 34). Noplano horizontal há limitações mais significativas, excluída a admissibi-lidade da reconvenção e de qualquer intervenção de terceiro, inclusiveassistência (LJE, art. 10º).

Mas a individualidade do processo dos juizados especiais é acimadisso determinada por suas proclamadas características de oralidade,simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, bemcomo pela busca incessante da conciliaçào ou transaçào (LJE, art. 2º).Em modelo que certamente inspirou a disciplina estabelecida no art.334 do novo Código de Processo Civil (supra, n. 81), o procedimentodos juizados inclui uma sessão de conciliação logo ao início, conduzidapor juízes ou por conciliadores (LJE, art. 22); só se passa à instrução dacausa e ao julgamento se a conciliação não produzir efeitos (art. 24). Nosjuizados da Fazenda Pública é permitida a oitiva de testemunhas peloconciliador para o melhor encaminhamento da composição amigável, emprova que não se renovará perante o juiz se ele entender desnecessária eas partes não se opuserem (lei n. 12.153, de 22.12.2009, art. 16). O pro-cedimento é superlativamente oral, desde a propositura da demanda (nãonecessariamente por escrito), a contestação em audiência e prolação ime-diata de sentença pelo juiz. Os juízes e os conciliadores são concitadosa estabelecer um intenso diálogo com as partes, seja ao lhes franquear apalavra e ouvi-Ias para melhor entender suas pretensões e defesas, sejano desenrolar das tentativas conciliatórias. A documentação das audiên-cias é simplificada, inclusive no que diz respeito aos depoimentos orais.Além disso, o processo é inteiramente gratuito em primeiro grau dejurisdição, só se exigindo preparo no momento de recorrer (LJE, arts. 54

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e 42, ~ 1º). Nos juizados CÍveisa demanda não pode ultrapassar o valorde quarenta salários-mínimos e não se exige o patrocínio de qualquer daspartes por advogado nas causas de valor até vinte salários-mínimos (LJE,art. 9º). Nos juizados da Fazenda Pública o limite é de sessenta salários--mínimos e a dispensa do advogado para o autor é geral (lei n. 10.259,de 12.7.200 I, art. 10º), o que também constitui fator de barateamentoda busca da tutela jurisdicional. Honorários da sucumbência não sãodevidos em primeira instância; em segunda, somente quando o recursoé improvido e, portanto, confirmada a sentença (LJE, art. 55). O agravode instrumento é cabível exclusivamente contra as decisões interlocu-tórias referentes a medidas urgentes (cautelares, antecipatórias) ou queindefiram o processamento do recurso interposto contra a sentença (lein.10.259,de 12.7.2001,arts.4ºe5º-lein.12.153,de22.12.2009,arts.3º e 4º); o recurso interposto contra qualquer espécie de sentença pro-ferida pelos juizados é ordinariamente desprovido de efeito suspensivo,só podendo o juiz agregar-lhe esse efeito quando a pronta execução dasentença puder trazer risco de dano irreparável (LJE, art. 43).

Todo juizado é presidido por um juiz togado e conta com qualifi-cados auxiliares parajurisdicionais da Justiça, que são os juízes leigos,árbitros e conciliadores, cujas funções a lei específica. O sistema incluitambém os colégios recursais encarregados de julgar os recursos inter-postos contra as sentenças dos juizados e compostos por três juízes toga-dos, em exercício no primeiro grau de jurisdição (LJE, art. 41, S Iº - lein. 12.153, de 22.12.2009, art. 17).

São atribuídas aos juizados especiais CÍveis as causas que se en-quadrem nos critérios dispostos nos arts. 3º e 8º da Lei dos JuizadosEspeciais. O fato de poderem ser propostas perante os juizados não sig-nifica que elas sejam excluídas da competência dos órgãos ordinários dajurisdição; cabe ao autor a/acuidade de optar entre uns e outros. Trata--se de competências eletivamente concorrentes e não de uma supostacompetência exclusiva dos juizados (supra, n. 78).

Ao dizerem que é absoluta a competência dos juizados da FazendaPública para as causas que se enquadrem nos critérios estabelecidos nosarts. 3º e 6º da lei n. 10.259, de 12 de julho de 200 I, ou nos arts. 2º e 5ºda lei n. 12.153, de 22 de dezembro de 2009, ambas as leis pretendemclaramente afirmar que essa competência é exclusiva e não eletiva, ajuízo do autor; mas essa disposição não se propaga aos juizados espe-ciais CÍveis.

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PROCESSO

91. mandado de segurança individual ou coletivo

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Entre as vias processuais alinhadas ao conceito de tutelajurisdicio-nal diferenciada ocupa lugar de muito destaque o mandado de seguran-ça, que tem status de garantia constitucional (Const., art. 5º, inc. LXIX)e está disciplinado na lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009 (Lei do Man-dado de Segurança/LMS). É cabível contra atos estatais que lesarem ouameaçarem direitos líquidos e certos não amparados por habeas corpus(Const., art. 5º, inc. LXVIII - infra, n. 173) ou habeas data (Const., art.5º, inc. LXXII; lei n. 9.507/97). O direito é liquido e certo quando a de-monstração de sua existência independa de dilações probatórias no cursodo processo (LMS, art. Iº).

Essa tutelajurisdicional diferenciada conta com uma diferenciaçãoem grau elevadíssimo, quer mediante a exclusão de certas matérias adiscutir, quer pela inadmissibilidade de qualquer prova além da docu-mentai, quer pela grande concentração do procedimento. O autor tem,por esse motivo, a faculdade de manifestar sua pretensão pelas viasordinárias ainda quando presentes os requisitos para o mandado de se-gurança (supra, n. 78).

Será negado o mandado de segurança quando faltar clareza ou pro-va conclusiva quanto aos fatos: na linguagem da lei, quando o possíveldireito do impetrante não for líquido e certo. Essa sentença não ficarácoberta pela autoridade da coisa julgada e o pedido pode ser reiteradodepois (seja mediante outra impetração, seja pelas vias ordinárias -LMS, arts. 6º, S 6º, e 19).

O mandado de segurança somente é admissível quando impetradono prazo de cento e vinte dias da data da ciência do ato a ser impugnado(LMS, art. 23). Se o prazo passar sem que o interessado haja impetradoo mandado de segurança, nem por isso se reputa extinto seu eventualdireito ao resultado desejado. O que deixa de existir é a adequaçãodessa tutela diferenciada, carecendo o impetrante de ação por falta dointeresse-adequação (supra, n. 74): o mandado de segurança deixa deser o remédio adequado para a defesa de seu possível direito, ficando--lhe à disposição as vias ordinárias oferecidas pelo direito processualcomum.

Devem figurar no pala passivo do mandado de segurança o agenteque realizou o ato impugnado pelo impetrante (autoridade coatora) ea pessoa jurídica que ele integra, à qual se acha vinculado ou da qualexerce atribuições (LMS, art. 6º, captit). No processo especialíssimo do

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mandado de segurança não podem ter lugar certas espécies de resposta,como a reconvenção e as provocações da intervenção de terceiros, sendotambém rigorosamente excluídas a prova oral e a técnica. O procedimen-to do mandado de segurança passa portanto diretamente da resposta doimpetrado e da pessoa jurídica ao parecer do Ministério Público e à sen-tença de mérito, sem saneamento, sem fase instrutória e sem audiência(LMS, art. 12). Tal resposta, à qual a Lei do Mandado de Segurançadá o nome de informações (art. 7º, inc. I), na prática é uma verdadeiracontestação, ainda que não portadora de todo o conteúdo da contestaçãoregida pelo Código de Processo Civil (art. 337).

A sentença condenatória concessiva de mandado de segurança temeficácia imediata e não é retardada pela interposição de recurso algum,apesar de estar sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (LMS, art.14, SS lº e 3º). A apelação interposta contra a sentença concessiva domandado de segurança só tem efeito suspensivo nos casos especificadosem lei (LMS, arts. 7º, S 2º, e 14, S 3º).

No mandado de segurança há isenção do impetrante e do impetradopor honorários (LMS, art. 25), mas sujeita-se aquele a todos os ônus deadiantamento de despesas. Se a decisão lhe for desfavorável responderápor elas a final, sendo condenado a recolher o que faltar. Ao impetradoraramente são impostas as custas em caso de sucumbência porque namaioria dos casos ele é um agente estatal e a Fazenda Pública é isentadessa obrigação - mas o ente (estatal ou não) a que pertence o impetradoé condenado a restituir ao impetrante o valor dos preparos feitos.

Ao longo de sua história no direito brasileiro o mandado de segu-rança foi adquirindo dimensões mais amplas que de início, quando seentendia que seria admissível somente em face de atos da AdministraçãoPública, ou seja, de atos de funcionários das pessoas jurídicas de direitopúblico. Nessa evolução passou a ser admitido também em relação àssociedades de economia mista, a diretores de estabelecimentos particu-lares de ensino e mesmo a integrantes do Poder Judiciário (mandado desegurança contra ato jurisdicional - infra, n. 172).

A Constituição Federal e a Lei do Mandado de Segurança ofere-cem também o remédio consistente no mandado de segurança coletivo(Const., art. 5º, inc. LXX - LMS, arts. 21-22), modalidade de processocoletivo (infra, n. 92) pela qual se admite a iniciativa de entidades re-presentativas de categoria em defesa dos direitos e interesses coletivos eindividuais homogêneos de seus integrantes.

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92. processo coletivo

PROCESSO 147

Ao longo da década dos anos oitenta teve início intensa movimen-tação doutrinária e legislativa infraconstitucional de apoio aos valoresdo meio ambiente, da cultura e da história, da moralidade pública, deproteção aos consumidores como grupo em que se concentram interesseshomogêneos etc. - tudo se reconduzindo ao conceito amplo de direitose interesses transindividuais e tudo se coordenando à tutela jurisdicionala ser prestada a classes, categorias ou grupos de pessoas mediante umanova modalidade de processo, o processo coletivo.

Isso se vê de modo bastante enfático na Lei da Ação Civil Pública,que é do ano de 1985, e no Código de Defesa do Consumidor, de 1990.Essa inovadora legislação instituiu as ações civis públicas, notoriamenteinspiradas nas class actions do direito norte-americano, pelas quais oMinistério Público, certas associações e mesmo algumas entidades ouórgãos públicos ou privados são legitimados a postular em juízo a tutelade classes, categorias ou grupos de pessoas.

Como referido, a área de atuação das tutelas coletivas é representadapela categoria dos direitos e interesses supraindividuais ou transindivi-duais. A definição desse âmbito de atuação projeta-se na ciência proces-sual mediante a configuração do interesse-adequação (supra, n. 74), só seadmitindo as ações civis públicas, nos termos dos art. 8 I, par., ines. I-IlI,do Código de Defesa do Consumidor, quando se tratar de direitos difusos(p. ex., propaganda enganosa dirigida a um público indeterminado), cole-tivos (p. ex., dos consumidores de determinado produto, como os anticon-cepcionais) ou individuais homogêneos (p. ex., massa de consumidoreslesados individualmente por determinado produto ou serviço).

São direitos individuais homogêneos, ou acidentalmente coletivos,aqueles que têm por titulares pessoas que poderão ser individualizadas;mas, sendo todos eles oriundos do mesmo jato e sendo significativamen-te numerosos os indivíduos lesados, o impacto de massa decorrente dalesão levou o legislador a dar-lhes trato processual coletivo. Seus pos-síveis direitos individuais recebem um tratamento processual coletivo,sem deixarem de ser individuais.

Aquele que vem ajuízo postulando uma tutela jurisdicional coletivaestará formalmente no processo na condição de autor mas nada pede parasi, senão para alguma coletividade. Pede em nome próprio mas no inte-resse alheio, sendo esses os elementos caracterizadores da legitimidadeextraordinária, ou substituição processual (CPC, art. 18 - inji-a, n. 100).

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Ao outorgar essa legitimidade ao Ministério Público, associações e certosórgãos públicos (LACP, art. 81) o legislador manifestou o entendimentode que essas entidades reúnem condições de idoneidade e habilitaçãosuficientes para funcionarem como autoras nas ações civis públicas - ouseja, que elas são dotadas de uma legitimidade adequada, ou legitimacyof representation. Como em todos os casos de substituição processual,o resultado substancial dos processos coletivos, ou seja, a tutela jurisdi-cional concedida, projetar-se-á sobre a esfera de direitos das pessoas oucoletividades substituídas no processo, e não da entidade autora.

A sentença que julga uma demanda de tutela referente a direitos einteresses difusos tem eficácia erga omnes, ou seja, impõe-se a todoscom intenso caráter de universalidade. A que decide sobre direitos einteresses coletivos impõe-se ultra partes, atingindo todos os membrosdo grupo, associação, entidade etc. a que remontarem tais direitos (v.g.,os frequentadores de um cinema no qual a sentença mandou que seinstalassem equipamentos de segurança). A sentença genérica que reco-nhece a existência de direitos individuais homogêneos favorece a todosos possíveis lesados - a quem compete comparecer depois em juízo,individualmente, com a demonstração do dano concretamente sofridoe o pedido de liquidação e execução da sentença proferida no processode conhecimento (CDC, art. 98). À falta de interessados em quantidadesignificativa, o valor da indenização reverterá a um fundo dedicado àproteção da massa de consumidores (CDC, art. 100, par.).

o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor incorre em umaimpropriedade conceitual ao afirmar que a coisa julgada será ergaomnes em caso de tutela referente a direitos ou interesses difusos; ultrapartes quando forem tratados direitos ou interesses coletivos; e tambémerga omnes na hipótese de reconhecimento de direitos individuais homo-gêneos. Na realidade, o que tem essas possíveis dimensões subjetivas é aeficácia substancial de tais sentenças, não a coisa julgada (inji-a,n. 140).

93. ação popular

Também a ação popular se enquadra na categoria dos processoscoletivos e segue princípios e regras muito semelhantes aos da ação civilpública. A Constituição Federal a inclui no rol das garantias fundamen-tais do cidadão e em nível infraconstitucional ela é disciplinada pela lein. 4.717, de 29 de junho de 1965 (Lei da Ação Popular/LAP). Qualquercidadão (LAP, art. 1º, S 3º) tem legitimidade para propô-Ia, para "anularato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado parti-

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cipe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimôniohistórico e cultural" (Const., art. 5º, inc. LXXIII).

Reputa-se cidadão para esse efeito todo brasileiro nato ou natu-ralizado que esteja em pleno gozo de seus direitos políticos, isto é, quetenha a capacidade política de eleger e de ser eleito. Na prática, cidadãoé o eleitor. Pessoas jurídicas não têm legitimidade para a ação popular,sequer os partidos políticos, como há muito declarou o Supremo Tribu-nal Federal.

o cidadão age na ação popular como substituto processual do entepúblico alegadamente lesado (infra, n. 100). É legitimado à ação popu-lar, sem ter poderes de representação para estar em juízo em nome doEstado ou da coletividade, porque o regime democrático quer a partici-pação e a fiscalização dos membros do povo em relação ao patrimônioestatal, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimôniohistórico e cultural.

Devem figurar como réus a entidade que o autor-cidadão afirmater sido lesada mais todos os agentes que hajam participado do ato e osbeneficiários deste (LAP, art. 6º). O ente citado como réu pode manter--se nessa condição e defender o ato impugnado pelo autor, mas tambémlhe é lícito optar por transferir-se ao polo ativo da relação processual,passando a ser autor, em litisconsórcio com o autor inicial (LAP, art. 6º,~ 3º). Daí por diante como autor ele será tratado pelo juiz e os efeitos dasentença de mérito o atingirão nessa qualidade, quer em caso de proce-dência ou improcedência da demanda inicial.

A sentença que aprecia o mérito da ação popular tem eficácia ergaomnes. A lei traz uma peculiaridade no regime da coisa julgada na hipó-tese de a ação popular ser julgada improcedente por ausência de provadas alegações do autor. Nessa hipótese, ao contrário do que ocorre nageneralidade dos casos, a coisa julgada não obstará à propositura denova ação popular, fundada em nova prova (LAP, art. 18).

94. processo para o controle abstratoda constitucionalidade das leis

O controle abstrato da constitucionalidade das leis é disciplinado nosarts. 102 e 103 da Constituição Federal, na lei n. 9.868, de 10 de novem-bro de 1999, que trata da ação direta de inconstitucionalidade e da açãodeclaratória de constitucionalidade, e na lei n. 9.882, de 3 de dezembro de1999, que trata da arguição de descumprimento de preceito fundamental.

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A arguição de descumprimento de preceito fimdamental é da com-petência exclusiva do Supremo Tribunal Federal e tem a finalidade de"evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato doPoder Público", ou "quando for relevante o fundamento da controvérsiaconstitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal,incluídos os anteriores à Constituição" (LAOPF, art. I º, caput e par., inc.1- infra, n. 174). A ação direta de inconstitucionalidade e a ação decla-ratória de constitucionalidade são da exclusiva competência do SupremoTribunal Federal quando estiver em jogo o confronto entre uma normajurídica e a Constituição Federal. A competência será dos tribunais dosEstados para as ações diretas que envolvam normas estaduais ou muni-cipais e as respectivas Constituições Estaduais.

As peculiaridades de todos esses processos decorrem do fato deterem por objeto a análise do direito em tese, desvinculada de um casoconcreto, bem como do escopo Ínsito a todos eles, de conferir a máximaefetividade às normas constitucionais. Essas especificidades repercutem(a) na definição dos entes legitimados à propositura da demanda (Const.,art. 103 - LADI, arts. 2º, 12-A e 13 - LAOPF, art. 2º, inc. 1), (b) na nãovinculação dos julgadores à causa de pedir apresentada pelo autor, sen-do admissível o julgamento com fundamento em norma constitucionaldiversa da invocada na inicial, (c) na impossibilidade de o autor desistirda demanda (LADI, arts. 5º, 12-0 e 16), (d) na ampla admissibilidadeda intervenção de amici curice (LADI, art. 7º, S 2º - infra, n. 112), (e) naidentidade da tutela jurisdicional prestada em caso de procedência ouimprocedência da demanda - "proclamar-se-á a constitucionalidade oua inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ounoutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis ministros, querse trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratóriade constitucionalidade" (LADI, art. 23, caput) - e (f) na eficácia ergaomnes (em face de todos) da decisão e em seu efeito vinculante emrelação ao Poder Judiciário e à Administração Pública (Const., art. 102,S 2º - LADI, art. 28, par. - LADPF, art. 10º, S 3º).

Algumas dessas especificidades foram incorporadas à técnica maisrecente dos recursos extraordinário e especial repetitivos e dos inciden-tes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivasjustamente porque nesses incidentes, apesar da origem em um processoque trata de um caso concreto, prepondera a análise do direito em abs-trato, com a prolação de decisão que também atinge a todos e tem efeitovinculante (supra, n. 20 - infra, n. 154).

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95. processo arbitral

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o chamado juízo arbitral é um processo e nesse processo estápresente o exercício da jurisdição pelos árbitros, da ação pelo autor(ou requerente) e da defesa pelo réu (requerido). Tanto quanto o pro-cesso estatal, tudo quanto no arbitral se faz visa à oferta de uma tutelajurisdicional ou, por outras palavras, de acesso àjustiça. E, por ser umprocesso e nele se exercer a jurisdição, a arbitragem está sujeita aossuperiores ditames do direito processual constitucional, sem cuja obser-vância nenhuma decisão arbitral seria legítima, nem a própria inclusãoda arbitragem entre os meios de solução de conflitos (supra, nn. 27 ss.).A Lei de Arbitragem/LA é explícita a esse propósito ao estabelecer que"serão sempre respeitados no procedimento arbitral os princípios docontraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e deseu livre convencimento" (art. 21, S 2º) - e também se impõe, emboraa lei não o diga, a garantia do devido processo legal, que constitui umpolo de convergência de todos os princípios e garantias constitucionaisdo processo e também do exercício do poder em geral (supra, n. 38).

Um dos mais importantes traços distintivos do processo e dajurisdi-ção arbitrais consiste na origem do poder decisório do árbitro, o qual nãoconstitui projeção de um imperium estatal mas simplesmente da vontadeconjunta das partes. Essa vontade deve vir expressa em uma convençãode arbitragem, caracterizada por uma cláusula inserida em contratoescrito celebrado entre as partes (cláusula compromissória) ou por umaulterior manifestação das partes, que é o compromisso arbitral celebradodepois de já eclodido o conflito (LA, art. 3º). Sem essa opção formal nãose admite a arbitragem nem se exclui ajurisdição estatal.

Optando as partes pela arbitragem, fica excluída a jurisdição dosjuízes estatais para aquele caso específico - e eventual processo que venhaa ser instaurado perante tais juízes por iniciativa de uma das partes seráextinto sem julgamento do mérito sempre que a outra parte suscite, logo aocontestar a inicial, uma preliminar de arbitragem (CPC, art. 337, inc. X).

Essa preliminar é uma exceção em sentido estrito, ou seja, umadefesa da qual o juiz estatal só pode tomar conhecimento quando for ale-gada pela parte interessada, não podendo pronunciar-se ex ojjicio a esserespeito e ocorrendo uma preclusão quando tal preliminar não for levan-tada logo naquela oportunidade (CPC, art. 337, SS 5º e 6º - supra, n. 76).

Outra característica fundamental da jurisdição arbitral consiste emsua limitação às atividades cognitivas, jamais tendo o árbitro o poder de

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realizar qualquer ato de constrição sobre pessoas ou coisas (execuçãoforçada, efetivação de medidas coercitivas etc.).

Caracteriza-se ainda o processo arbitral por um menor formalismoem relação ao estatal e pela possibilidade de definição de seu procedi-mento por ato de vontade das partes, preponderando pois o princípio daliberdade das formas sobre o da legalidade. No direito positivo atualporém essa diferença entre o processo arbitral e o estatal está em algumamedida atenuada porque o próprio processo civil comum comporta certadose de flexibilização do procedimento, especialmente à vista do quedispõe o art. 190 do Código de Processo Civil (supra, n. 78).

Manifestada a opção das partes pela arbitragem e provocada a ins-tauração desta, o árbitro ou árbitros nomeados por elas poderão aceitarou não a nomeação, e quando a aceitam estão a celebrar com elas umcontrato de arbitragem, que é a fonte do poder que virão a exercer aoinstruir a causa e proferir o seu laudo ou sentença arbitral. Essa sentençanão é sujeita a recurso algum, ressalvado o pedido de esclarecimento,que exerce a função de verdadeiros embargos de declaração (LA, art.30 - infra, n. 156). No direito brasileiro atual a sentença arbitral nãodepende de homologação pelo Poder Judiciário (LA, art. 18) - produ-zindo ela, por si própria, os mesmos efeitos de uma sentença judicial(condenação, constituição positiva ou negativa, mera declaração) evalendo como título executivo judicial para um futuro cumprimento desentença a ser realizado pelos juízos estatais (LA, art. 31 - supra, n. 87).Além disso, o Poder Judiciário não tem poder algum de fazer a censuradas sentenças arbitrais pelo mérito. A ação anulatória regida pelos arts.32 e 33 da Lei de Arbitragem limita-se a permitir o controle da regulari-dade processual dessas sentenças, não podendo o juiz estatal ir além doexame de eventuais nulidades alegadas por aquele que vem postular suadesconstituição (infra, n. 167).

96. os sujeitos do processo

Sujeitos processuais são todas as pessoas que figuram como titu-lares das situações jurídicas ativas e passivas integrantes da relaçãojurídica processual (supra, n. 77). Ser sujeito do processo é ser titulardessas faculdades, ônus, poderes, deveres, autoridade ou sujeição. Sóos sujeitos processuais, entre os quais o juiz, as partes e os auxiliaresda Justiça, são legitimados a realizar os atos do processo, ao longo doprocedimento.

Há sujeitos processuais parciais, que no processo estão em buscada satisfação de uma pretensão; e sujeitos imparciais, que são osjuízes

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ou árbitros no exercício da jurisdição, na qualidade de terceiros alheiosao conflito de interesses, bem como todos os auxiliares da Justiça, quemediante atividades complementares lhes dão o apoio indispensávelpara que a jurisdição possa ser exercida. O juiz, o autor e o réu dizem-sesujeitos principais, porque são estas últimas as pessoas envolvidas nosconflitos de interesse trazidos à Justiça e é aquele quem dirige o proces-so e decide a respeito do conflito. São sujeitos secundários o advogado,que representa as partes, e os auxiliares da Justiça, subordinados ao juiz.Também o Ministério Público considera-se parte em todos os processosem que oficia.

97. juiz e partes na relação processual

Constitui postulado clássico da teoria do processo a conformaçãotríplice da relação jurídica processual. É absolutamente excluída a pos-sibilidade de que as partes litiguem por si sós, com suas próprias forças esegundo as regras que elas próprias estabeleçam, cumpram ou deixem decumprir - e ainda sem um diretor que comande e discipline esse comba-te. Não é admissível pensar na relação jurídica processual somente entreautor e réu, sem o juiz.

Nas décadas que se seguiram à formulação da teoria do processocomo relação jurídica (segunda metade do século XIX e início do séculoXX) ocorreu aos juristas a ideia de valer-se de elementos da geometriacomo expediente didático destinado a figurar sua conformação subje-tiva. Ela foi de início descrita como uma linha reta, tendo em uma daspontas o autor e na outra o réu, sem qualquer menção ao juiz. Outros aidealizaram como um triângulo, que é uma figura fechada e composta detrês linhas e três ângulos - figurando o juiz no vértice, e nos ângulos in-feriores o autor e o réu. Outros, ainda, expressaram a relação processualmediante duas linhas retas convergindo a um ápice, ou seja, formandoum ângulo - e esse ponto de convergência seria o juiz e na extremidadeoposta de cada uma das linhas estaria um dos litigantes. A teoria linearestá definitivamente afastada, porque desconsidera a presença do juizna relação processual. A triangular tem por fundamento a existência devínculos processuais entre cada um dos litigantes e o juiz e tambémde vínculos que ligam cada um deles ao outro. A angular nega a existên-cia dessa ligação direta entre as partes e sustenta que cada uma delas estácomprometida exclusivamente perante o juiz. Prepondera na doutrinabrasileira a teoria angular, constituindo essa configuração geométricaum elemento válido para a interpretação do disposto no art. 6º do Código

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de Processo Civil, segundo o qual "todos os sujeitos do processo devemcooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão demérito justa e efetiva".

O caráter tríplice da relação jurídica processual (angular ou trian-gular) corresponde, porém, apenas à sua estrutura subjetiva mínima.Não pode existir um processo sem o juiz, sem um demandante ou semum demandado, mas no entanto pode havê-los em número superior. Sãocomuns em direito processual os casos de pluralidade de partes, que seconfiguram no litisconsórcio ativo, no passivo ou no bilateral, ou misto(mais de um sujeito no pala ativo, ou no passivo, ou em ambos), ou nasdiversas modalidades de intervenção de terceiro (assistência, denuncia-ção da lide etc. - infra, nn. 101 ss.).

98. o conceito puro de parte e o conceito puro de terceiro

Partes são os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz.São todos aqueles que, tendo proposto uma demanda em juízo, tendosido citados, sucedendo à parte primitiva ou ingressando em auxílio daparte, figuram como titulares das diversas situações jurídicas ativas oupassivas inseridas na dinâmica da relação jurídica processual (poderes,faculdades, ônus, deveres, sujeição).

Esse conceito, que define a parte exclusivamente pela óptica doprocesso, é o único capaz de explicar sistematicamente a contraposiçãoparte-terceiro, sem as distorções próprias das inconvenientes ligaçõescom fenômenos de direito substancial ou com o objeto do processo.Essa contraposição conduz a um conceito negativo de terceiros, defini-dos como aqueles que não são partes. Enquanto terceiro, a pessoa nãorealiza atos no processo e não é titular dos poderes, faculdades, ônusetc. que caracterizam a relação processual. E, porque não participam dapreparação do julgamento que virá, não é lícito estender-lhes os efeitosdiretos da sentença (CPC, art. 506).

A boa compreensão do conceito puro de parte permite tambémdistinguir com toda clareza os conceitos de parte e de parte legítima.Aquele que está instalado na relação processual como parte poderá seruma parte legítima ou ilegítima, confonne o caso (sobre a legitimidadede parte v. supra, n. 74). Inversamente, a parte legítima pode estar narelação processual ou não estar. Pensar, p. ex., em uma ação de divórciomovida por sujeito que não seja ligado à outra parte por uma relação dematrimônio. Ele será nitidamente uma parte ilegítima, mas no processoserá uma parte como qualquer outra. O juiz lhe indeferirá a petição

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inicial e ele, como parte, poderá recorrer. A ele, como parte vencida,serão impostos os encargos da sucumbência consistentes nas despesasdo processo e nos honorários do advogado da parte adversa.

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Esses conceitos puros de parte e de terceiro devem ser tomadoscomo seguros pontos de apoio ou como uma chave mestra de grandeutilidade para a solução de muitos problemas conceituais ou práticos comque a todo momento se deparam os estudiosos e os operadores do direito.

99. parte e representante

o representante não é parte. Ele não atua no processo em nomepróprio, mas em nome do representado, e portanto a parte será este e nãoaquele. Em várias situações poderá dar-se a representação de alguma daspartes no processo, seja por força da outorga de poderes de representaçãopor um sujeito a outro (procuração - CPC, art. 104), seja por força daposição e das funções exercidas por uma dada pessoa natural em umapessoa jurídica (diretores, representantes legais - CPC, art. 75, inc. VIII),seja por imposição legal (incapazes - CPC, art. 71). Os resultados doprocesso não atingirão o representante mas somente o representado -seja para beneficiá-lo com uma sentença favorável, seja para atingi-locom uma desfavorável. Quando vencido as despesas do processo e oshonorários da sucumbência incidirão sobre o representado, que é parte,e não sobre o representante, que não o é.

Se o representante agir com excesso de poderes ao propor a de-manda ou na realidade não existir representação, a causa do processodeve ser atribuída ao falso representante, que será responsabilizado pordespesas e honorários (infra, n. 139).

100. sucessão processual e substituição processual

Na sucessão processual ocorre a alteração de uma das partes de umprocesso já formado. A sucessão a título universal manifesta-se nas hi-póteses de morte da parte pessoajisica ou de fusão, cisão ou extinção depessoas jurídicas (CPC, art. 110). Já a sucessão a título particular decor-re da alienação da coisa litigiosa ou do direito litigioso (CPC, art. 109).Em todas essas situações há sempre um sujeito que se exclui da relaçãoprocessual (o sucedido) e um outro que passa a integrá-Ia (o sucessor).A partir do momento em que se dá a sucessão processual será parte noprocesso somente o sucessor, e não mais o sucedido.

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Não se confunde a sucessão com a substituição processual. Estaconsiste na legitimidade de um sujeito para agir em nome próprio masno interesse alheio (CPC, art. 18, parte final). É como o cidadão agindoem juízo mediante uma ação popular. Parte no processo será ele masos interesses que defende não são seus, senão do ente público alegada-mente prejudicado. O cidadão será um substituto processual, e esse ente,substituído (supra, n. 93). A sentença de mérito que julgar procedente aação do substituto incidirá sobre a esfera de direitos do substituído e nãodaquele. Há na doutrina a afirmação de que, diante disso, o substituído éuma parte substancial, enquanto o substituto é mera parte formal.

101. pluralidade de partes

Quando se diz que os sujeitos processuais são três, ou seja, o juiz,o autor e o réu, tem-se em vista somente a estrutura subjetiva mínima darelação jurídica processual (supra, n. 96). Tal relação poderá, porém, sersubjetivamente mais ampla, o que acontece quando mais de um sujeitofigura em seu polo ativo, no passivo ou em ambos. O conglomerado demais de um autor ou mais de um réu chama-se litisconsórcio (infra, n.102). O litisconsórcio pode ser formado logo no início do processo, coma indicação de mais de um autor ou de mais de um réu na petição inicial(litisconsórcio inicial) ou mediante o ingresso de um terceiro na pendên-cia do processo, fenômeno denominado intervenção de terceiro (litiscon-sórcio ulterior - infra, n. 103). Litisconsórcio e intervenção de terceirosão as duas categorias integrantes do conceito de pluralidade de partes.

102. litisconsórcio

Litisconsórcio é a presença de duas ou mais pessoas na posição dedemandantes ou de demandados. Os sujeitos que se agrupam em um dospolos da relação processual são, entre si, litisconsortes. Todos são partesprincipais, guardando sempre certa posição relativamente ao objeto doprocesso - seja porque propuseram uma demanda, seja porque em relaçãoa eles uma demanda foi proposta e eles vieram a ser citados ou porque ojuiz mandou citar algum deles como parte indispensável, ou ainda porqueo réu chamou ao processo algum deles (CPC, arts. 130 ss.) etc. A plurali-dade de autores qualifica-se como litisconsórcio ativo. De réus, passivo.Nos dois palas da relação processual, litisconsórcio bilateral (ou misto).

O litisconsórcio diz-se inicial (ou originário) quando formado logoao início do processo, havendo a petição inicial indicado dois ou maisautores ou dois ou mais réus; e será um litisconsórcio ulterior quando re-

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sultante do ingresso de um outro sujeito na relação processual pendente(intervenção de terceiro).

Em sentido bem amplo, é a conexidade entre as pretensões que con-duz à admissibilidade do litisconsórcio - conceituada ela como a relaçãode semelhança entre duas ou várias demandas que tenham um ou maiselementos constitutivos em comum, sem terem todos (infra, n. 121).Essa relação entre demandas, que reflete a complexidade legitimadorado próprio instituto do litisconsórcio e é seu fundamento sistemático, étomada pelo Código de Processo Civil, nos três incisos de seu art. 113,para a definição dos casos em que o litisconsórcio se admite. Essesdispositivos são bastante minuciosos ao distinguir entre comunhão emdireitos e obrigações (inc. 1), conexidade pelo objeto ou pela causa depedir (inc. lI) e afinidade de questões por um ponto comum de fato oude direito (inc. III). Como facilmente se percebe, a lei descreve nessesincisos uma escala decrescente de ligações entre as causas, caminhandoda hipótese de maior intensidade (comunhão) à de ligação mais tênue(mera afinidade). A rigor, no entanto, todas elas revelam algum grau deconexidade entre as causas.

São de diversos graus e naturezas os modos como as situaçõesjurídicas de uma pluralidade de sujeitos se entrelaçam, dando azo àadmissibilidade do litisconsórcio. Esses variáveis graus de intensidademanifestam-se na diferença de tratamentos que a lei endereça ao litiscon-sórcio, conforme o caso.

As principais classificações das espécies de litisconsórcio, que ser-vem como referência para a definição do regime a que os litisconsortesficarão sujeitos, são as que diferem o litisconsórcio facultativo do neces-sário e o comum do unitário.

Há litisconsórcio necessário quando for indispensável a presença deduas ou mais pessoas no polo ativo ou no passivo da relação processual.Isso ocorre sempre que "pela natureza da relação jurídica controvertida,a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litis-consortes" ou quando a lei impõe o litisconsórcio (CPC, art. 114). Emcontraposição, o litisconsórcio seráfacultativo quando sua formação nãoseja obrigatória e decorrer da opção do autor pela instauração do proces-so litisconsorcial em vez de propor demandas isoladas. Nos termos doque dispõe o art. 115 do Código de Processo Civil, na hipótese de o casoser julgado sem a integração de um litisconsorte necessário a sentençaserá "nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos quedeveriam ter integrado o processo" (inc. 1), e "ineficaz, nos outros casos,apenas para os que não foram citados" (inc. 11).

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No caso do inc. I do art. 115, que trata do litisconsórcio necessáriounitário, há efetivamente uma nulidade, mas não só. A nulidade se con-valida com a formação da coisa julgada (infra, nn. 135 e 140) e não sepode conceber, à luz das garantias constitucionais do contraditório e daampla defesa (Const., art. 5º, inc. LV), que a solução ditada na sentençaseja imposta a quem deveria ter sido parte no processo e sequer foi cita-do - em caso de litisconsórcio necessário unitário, não há como impor adecisão a apenas um dos litisconsortes. Além de nula, por afrontar a re-gra que impõe o litisconsórcio, essa sentença é ineficaz tanto para quemfoi quanto para quem não foi parte no processo. A ineficácia não é supe-rada pela coisa julgada e poderá, em decorrência disso, ser reconhecidaem qualquer sede, como a impugnação ao cumprimento de sentença, ademanda declaratória da ineficácia da sentença, os embargos de terceiro,a ação rescisória etc.

No caso do inc. II do art. I15, que trata do litisconsórcio necessáriocomum, em realidade a sentença será nula, por afronta à exigência dolitisconsórcio e, enquanto não sobrevier a coisa julgada, essa nulidadepoderá ser reconhecida, com a integração ao processo dos litisconsortesnecessários faltantes. Formada a coisa julgada, no entanto, a nulidade ficasuperada. Por não ser unitário o litisconsórcio, é factível que a sentençaseja eficaz apenas para quem foi parte no processo e é exatamente isso oque ocorrerá. Quem não foi parte não é atingido pela eficácia da sentençae quem foi parte deverá respeitá-la tal como se nenhum vício a inquinasse.

o litisconsórcio é comum quando o julgamento da causa puder, emtese, ser heterogêneo para os litisconsortes, sendo na prática exequÍveiseventuais julgamentos logicamente contraditórios. Se um dos autoresprova ter sofrido danos e o outro não, o reconhecimento da culpa do réuconduzirá à procedência da demanda em relação ao que provou os danossofridos e à improcedência em relação ao que não os houver provado; sea demanda for julgada improcedente em relação a todos os autores emum caso como esse, o recurso interposto exclusivamente por um delessó ao recorrente beneficiará e o outro amargará em definitivo a sentençadesfavorável (coisa julgada) etc. Haverá litisconsórcio unitário, em con-trapartida, quando todos os litisconsortes estiverem em defesa de uma sórelação jurídica incindÍvel, não sendo praticamente possível endereçar acada um deles um julgamento de mérito diferente. Não podendo cami-nhar por caminhos opostos aqueles que devem necessariamente chegara um destino comum, durante o processo os litisconsortes unitários sãotratados de modo homogêneo. Por isso, a contestação de um dos litiscon-sortes aproveita a todos os demais, ainda quando revéis (CPC, art. 345,inc. I); cada um participa da produção das provas que o outro requereu(indicando assistente técnico, redigindo quesitos, formulando perguntas

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às testemunhas); se for proferida sentença ou decisão interlocutória des-favorável, o recurso interposto por um deles aproveita a todos os demais(CPC, art. 1.005). Por outro lado, os atos realizados por um dos litiscon-sortes serão ineficazes em relação a todos quando destinados a restringirpoderes ou faculdades ou de algum outro modo puderem enfraquecera posição processual do conjunto de litisconsortes (reconhecimento dopedido, renúncia ao recurso etc.).

o litisconsórcio necessário por incindibilidade é innão gêmeo dolitisconsórcio unitário, no sentido de que ambos decorrem da impossibi-lidade de decidir sobre a situação de um dos sujeitos sem decidir tambémsobre a do outro (necessariedade) e sem que sejam homogêneas as de-cisões referentes aos dois (unitariedade). Se o Ministério Público moveuma ação de anulação de casamento em um dos casos permitidos peloCódigo Civil é indispensável que a mova a ambos os cônjuges, porque éjuridicamente impossível trazer um deles de volta ao estado de solteirodeixando o outro casado - casado com quem? Pela mesma razão, movidaessa ação a ambos é indispensável que a julgue o juiz do mesmo modopara o marido e para a mulher, porque a decisão que pusesse os dois emestados diferentes seria tão absurda quanto aquela outra. Esse exemplocorriqueiro, que chega a ser caricato, é dos que mais têm sido utilizadospela doutrina na demonstração da necessariedade-unitariedade, emborase saiba também que o litisconsórcio necessário não é invariavelmenteunitário e que o unitário pode ser também facultativo. Ordinariamenteo litisconsórcio necessário em razão da incindibilidade das situações étambém unitário (como o do exemplo acima), mas isso não acontecequando a necessariedade decorre apenas de uma disposição legal; nessasegunda hipótese tem-se o litisconsórcio necessário mas comum (nãounitário). Inversamente, o litisconsórcio unitário será em princípio tam-bém necessário, mas nem sempre: é o que ocorre, p. ex., nas causas paraas quais a lei estabelece uma legitimidade extraordinária concorrente- mais de um sujeito é autorizado a atuar em juízo, cada um deles emnome próprio mas todos no interesse de um só e mesmo terceiro. A leinão exige que atuem em conjunto, o que significa que não é necessárioo litisconsórcio entre eles: só proporão a demanda em conjunto se assimpreferirem. Mas é absolutamente único o objeto da demanda de cada umdeles, sendo um só o substituído: todos são substitutos processuais deum substituído só. Por isso, se optarem por atuar conjuntamente, esselitisconsórcio será unitário, não obstante facultativo.

103. intervenções de terceiros

Intervenção de terceiros é o ingresso de um sujeito em processopendente entre outros, como parte. Dadas a proximidade entre pessoas

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que são partes e pessoas que não o são bem como a situação de direitomaterial em discussão no processo, elas podem ficar sujeitas a algumefeito indireto sobre sua esfera de direitos. É o caso do terceiro que quei-ra evitar que o julgamento de uma causa crie um precedente desfavorá-vel no tocante a uma concreta relação jurídica sua com uma das partes,situação em que intervirá como assistente. Assim é também quando umadas partes pretende haver uma decisão que a favoreça na hipótese desair-se vencida na causa pendente: fará então a denunciação da lide ou ochamamento ao processo etc. (a extensão subjetiva dos efeitos diretos dasentença é excepcionalíssima no sistema e sua generalização chocar-se--ia frontalmente com as garantias do contraditório e do devido processolegal- supra, nn. 33 e 38 - infra, n. 140). Seja para beneficio do terceiroque intervém ou da parte que provocou a intervenção, são esses efeitosindiretos que justificam a intervenção. Adiante serão analisadas breve-mente as diferentes espécies de intervenção de terceiros.

104. intervenção litisconsorcial voluntária

Na intervenção litisconsorcial voluntária um terceiro intervém noprocesso para figurar como litisconsorte do demandante, ao apresentardemanda conexa à do autor, de mesma natureza e em face do mesmo réu.O Código de Processo Civil não consigna essa espécie de intervenção deterceiro e por isso houve e ainda há muita resistência em relação a ela,seja na doutrina ou entre os tribunais. Com o passar dos anos progrideno entanto a tendência a aceitá-la, desde que a intervenção seja realizadaantes de o juiz despachar a petição inicial, quando houver pedido detutela provisória, ou até o saneamento do processo (supra, n. 82), se nãohouver. Essa tendência de aceitação do instituto fez com que ele fosseconsagrado na Lei do Mandado de Segurança (supra, n. 91), estabele-cendo esta que "o ingresso de litisconsorte ativo não será admitido apóso despacho da petição inicial" (LMS, art. 10, S 2º).

105. intervenção do litisconsorte necessário

Em caso de litisconsórcio necessário (supra, n. 102) não imple-mentado pelo autor logo ao propor sua demanda pode ser determina-do o ingresso de um terceiro em algum dos polos da relação jurídicaprocessual. Esse ingresso pode ser voluntário, provocado pelo autorou pelo réu, ou ainda, em caso de necessariedade do litisconsórcio nopolo passivo, determinado ex oflicio pelo juiz (CPC, art. 115, par). Essahipótese é ao mesmo tempo ligada à teoria do litisconsórcio e também

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à da intervenção de terceiro. O ingresso do litisconsorte necessário narelação processual pendente entre outros é sem dúvida uma intervenção,e essa intervenção é destinada a dar efetividade às regras inerentes aolitisconsórcio necessário.

106. assistência simples ou litisconsorcial

Na assistência um terceiro com interesse jurídico na prolação desentença favorável a uma das partes ingressa voluntariamente no processocom o objetivo de auxiliá-Ia (intervenção ad coacijuvandum - CPC, art.119). A assistência tem por limites temporais o início do processo e omomento em que ele se extingue definitivamente. Enquanto não extintoa assistência será admissível quando presentes os demais requisitos, e apassagem da fase de conhecimento para a de cumprimento de sentençanão restringe nem limita sua admissibilidade. Por isso o assistente recebeo processo no estado em que se encontra (CPC, art. 119, par.), ou seja, suaintervenção não acarreta retrocessos no procedimento ou repetição de atos,devendo ser respeitadas todas as preclusões eventualmente já consumadas.

Há duas espécies de assistência, a simples e a litisconsorcial. O as-sistente é litisconsorcial, ou qualificado, "sempre que a sentença influirna relação jurídica entre ele e o adversário do assistido", devendo serconsiderado nesta hipótese que o assistente é "litisconsorte da parte prin-cipal" (CPC, art. 124). Isso significa que as possibilidades de atuaçãodesse assistente serão tantas quantas as de uma parte principal, ou seja,tantas quanto as de um litisconsorte - mas não significa, todavia, queele seja um verdadeiro litisconsorte, pois não traz ao processo demandaalguma a ser julgada nem em face dele foi proposta qualquer demandaa ser julgada na sentença de mérito (supra, n. 102). A procedência dademanda inicial não lhe atribuirá bem algum nem ele sofrerá uma conde-nação ou alteração em alguma situação jurídico-substancial da qual sejatitular. É no entanto largamente dominante na doutrina a opinião de queo assistente litisconsorcial é um verdadeiro litisconsorte. Há assistênciasimples nas demais hipóteses em que estiver presente interesse jurídicona intervenção porém não tão intenso. Conforme consta do art. 121,caput, do Código de Processo Civil, "o assistente simples atuará comoauxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-áaos mesmos ônus processuais que o assistido". O assistente litisconsor-cial tem os mesmos poderes de uma parte principal, podendo inclusivecontrariar a orientação tomada no processo pelo assistido. O assistentesimples, apesar de também ter poder de atuação, não pode contrariar oassistido (CPC, art. 122).

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Julgada a causa, o assistente, qualquer que seja a classe em que seenquadre, ficará sujeito à chamada justiça da decisão, nos termos doque dispõe o art. 123 do Código de Processo Civil. Ele estará impedido,em alguma causa futura na qual venha a figurar como parte, de repor emdiscussão o julgamento proferido naquela em que houver atuado comoassistente.

Hipótese peculiar de assistência é a prevista no art. 5º da lei n.9.469, de 10 de julho de 1997, que admite a intervenção da União Fe-deral "nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias,fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicasfederais". A peculiaridade consiste na dispensa do requisito do interessejurídico para que seja cabível a intervenção, bastando o interesse econô-mico (art. 5º, par.).

107. recurso de terceiro prejudicado

Mediante o recurso de terceiroprejudicado um sujeito até então nãofigurante na relação processual manifesta sua irresignação contra even-tual decisão que lhe haja causado algum prejuízo jurídico (CPC, art. 996)- e essa é uma modalidade de intervenção de terceiro, mediante a qual oterceiro recorrente se toma parte no processo. Exige a lei que, ao recorrer,o terceiro demonstre "a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídicasubmetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ouque possa discutir em juízo como substituto processual" (CPC, art. 996,par.), sem o quê ele não terá a indispensável legitimidade recursal.

108. denunciação da lide

A denunciação da lide é uma demanda dependente da principalproposta por autor ou réu em face de terceiro na qual se postula umdireito de regresso (CPC, art. 125). A utilização da denunciação da lideé uma faculdade do denunciante e, se não houver a denunciação, serápossível exercer o direito de regresso em demanda autônoma (CPC, art.I25, ~ Iº). Realizada a denunciação, o terceiro passará a ser réu nessademanda subsidiária e ao mesmo tempo figurará como litisconsortedo denunciante na demanda principal (CPC, arts. 127 e 128). Em tese,julgada procedente a denunciação feita pelo réu deveria ser imposta acondenação do denunciado exclusivamente em favor do denunciante.No entanto, por razões de ordem prática, impõe a lei que essa conde-nação também beneficie o autor da demanda principal, de modo a que

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o réu e o denunciado respondam solidariamente pelo cumprimento daobrigação (CPC, art. 128, par.). Dada a relação de dependência entre ademanda principal e a subsidiária, se o denunciante sagrar-se vencedorna principal o mérito da subsidiária não será apreciado, pois carecerá odenunciante de interesse em seu julgamento (CPC, art. 129, par.).

109. chamamento ao processo

No chamamento ao processo, o réu, quando trazido a este comodevedor de uma obrigação solidária, pede que outro devedor solidárioseja integrado ao polo passivo da relação processual, objetivando que acondenação também o atinja (CPC, art. 130). A utilidade do instituto épermitir ao réu originário exercer o seu direito de regresso sem a neces-sidade de propositura de uma demanda autônoma, pois "a sentença deprocedência valerá como título executivo em favor do réu que satisfizera dívida, a fim de que possa exigi-la, por inteiro, do devedor principal,ou, de cada um dos codevedores, a sua quota, na proporção que lhestocar" (CPC, art. 132).

110. sucessão do réu pela parte legítima

A sucessão do réu pela parte legítima é modalidade de intervençãode terceiro prevista no novo Código de Processo Civil que substitui aantiga nomeação à autoria. Seu art. 338 dispõe que, "alegando o réu, nacontestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízoinvocado, o juiz facultará ao autor, em quinze dias, a alteração da petiçãoinicial para substituição do réu". Caso o autor aceite a indicação da partelegítima, ele "procederá, no prazo de quinze dias, à alteração da petiçãoinicial para a substituição do réu" (art. 339, S lº) - ou poderá também,se assim preferir, "optar por alterar a petição inicial para incluir, comolitisconsorte passivo, o sujeito indicado pelo réu" (art. 339, S 2º). OCódigo nada diz sobre a possibilidade de o autor recusar a indicação doterceiro legitimado feita pelo réu ao afirmar-se uma parte ilegítima, mastal possibilidade deve ser admitida sem qualquer sombra de dúvida, dadaa ampla liberdade que todos têm de demandar quando quiserem, nãodemandar se assim preferirem ou demandar contra o sujeito que esco-lherem (supra, n. 34). Mas, seja ao aceitar ou ao recusar tal indicação, oautor deverá estar consciente do risco que corre, de ao fim o sujeito quefigurar no polo passivo da relação processual vir a ser considerado partelegítima e, então, ser ele havido por carecedor de ação - com a extinçãodo processo sem julgamento do mérito (CPC, art. 485, inc. VI).

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111. incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Uma das grandes novidades do novo Código de Processo Civil foi acriação de uma nova modalidade de intervenção de terceiros, o incidentede desconsideração da personalidade jurídica. O objetivo foi eliminara extrema insegurança que vigia no sistema anterior em decorrência dedesordenados redirecionamentos de execuções e arbitrárias extensõesda responsabilidade executiva a sujeitos diferentes do obrigado. Peloque dispõe o novo Código, extensões dessa ordem só serão admissíveisquando houver um prévio pronunciamento judicial a respeito.

O incidente poderá ser instaurado "em todas as fases do processode conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundadaem título executivo extrajudicial" (art. 134) e é dispensado quando adesconsideração da personalidade for requerida na inicial (art. 134,S 2º) - hipótese em que o pedido de desconsideração será apreciadoquando do julgamento da causa. A instauração desse incidente provocaa suspensão do processo (art. 134, S 3º), e após a citação da pessoa quepoderá vir a ser atingida pela desconsideração (art. 135) e a realizaçãode eventual instrução probatória o incidente será decidido por decisãointerlocutória (art. 136).

112. amicus cu rire

A figura do amicus curia?, que também é um terceiro interveniente,ingressou no direito positivo brasileiro através do art. 7º, S 2º, da Leida Ação Direta de Inconstitucionalidade (supra, n. 94). Pelo que ali sedispõe, tratando-se de matéria relevante o relator poderá admitir, noprocesso de ações dessa ordem, a manifestação de entidade ou órgãorepresentativo que se proponha a atuar como amicus curia? Agora veioo art. 138 do novo Código de Processo Civil autorizando de forma ge-nérica o juiz de primeiro grau ou o relator, em qualquer tribunal, a con-vocar por iniciativa própria tais entes representativos a se manifestaremno processo ou deferir eventual pedido de ingresso no feito - sempre"considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objetoda demanda ou a repercussão social da controvérsia". Claramente teveo legislador a sadia intenção de ampliar e enriquecer as discussões dascausas mediante a participação de entes especializados e representativossupostamente aptos a auxiliar os juízes na boa compreensão das questõese das pretensões sobre as quais deverá pronunciar-se.

"O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidentede resolução de demandas repetitivas" (art. 138, S 3º) e opor embargos

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de declaração contra as decisões proferidas no processo em que intervier(art. 138, 9 Iº). Não pode interpor outros tipos de recurso (art. 138, 9 Iº)e os demais aspectos de sua atuação processual serão definidos em cadacaso concreto pelo juiz da causa (art. 138,9 2º).

113. a tríplice capacidade processual- a capacidade de ser parte, a de estar em juízo e a postulatória

O tema da capacidade das partes é subdividido em três aspectosdistintos: o da capacidade de ser parte, o da capacidade de estar emjuízo e o da capacidade postulatória. Essas três capacidades constituemrequisitos sem os quais as manifestações das partes são ineficazes e,portanto, a prestação da tutela jurisdicional é inadmissível.

Têm capacidade de ser parte todos os entes que, segundo a lei, pos-sam ser titulares dos poderes, deveres, faculdades e ônus que integrama relação jurídica processual. Em regra essa capacidade seria atribuídasomente às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, ou seja, a quem tempersonalidade jurídica (CC, arts. Iº e 40 sS.). No entanto, por razões deordem prática a lei atribui capacidade de ser parte também a certos entesque não têm personalidade jurídica plena perante a ordem jurídico-subs-tancial. Diz-se nessas hipóteses que há mera personalidade processual.É o caso da massa falida (CPC, art. 75, inc. V), da herança jacente ouvacante (CPC, art. 75, inc. VI), do espólio (CPC, art. 75, inc. VII), dasociedade e da associação irregulares e de outros entes organizados sempersonalidade jurídica (CPC, art. 75, inc. IX), do condomínio (CPC, art.75, inc. V), do nascituro (CC, art. 2º), das câmaras de vereadores, sempreque atuarem na defesa de suas prerrogativas institucionais, relacionadascom o seu funcionamento, sua autonomia e independência, etc.

Não basta a capacidade de ser parte para que a parte possa atuarem juízo em defesa de seus interesses. Ela deve adicionalmente ter acapacidade de estar emjuÍzo (também denominada de capacidade pro-cessual ou legitimatio ad processum), que é a capacidade de atuaçãoprocessual por si mesma, mediante a outorga de procuração a advogadoe a prática dos atos que podem ou devem ser realizados diretamentepela parte. As pessoas físicas têm essa capacidade quando se acham nopleno exercício de seus direitos (CPC, art. 70). Não têm capacidade deestar em juízo os absolutamente incapazes e os relativamente incapa-zes. Aqueles, que são os menores com idade inferior a dezesseis anos(CC, art. 3º), serão representados pelos pais ou tutor (supra, n. 99);esses incapazes, que são os menores entre dezesseis e dezoito anos, osébrios habituais, toxicômanos, pródigos etc., serão assistidos (CC, art.

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4º - CPC, art. 71). A representação importa realização dos atos de parteexclusivamente pelo representante; a assistência consiste em realizaçãoconjunta do ato, com a coparticipação do relativamente incapaz e o ge-nitor ou curador (CC, arts. 1.747, inc. I, 1.774, 1.781 etc.).

A capacidade de estar em juízo deve ser aferida em concreto,com referência a uma causa espeCÍfica. A perda de capacidade para oexerCÍcio de direitos que não tenham relação com a causa é irrelevantepara a aferição da capacidade de estar em juízo. A título de exemplo, aincapacidade para o exerCÍcio do poder familiar, da tutela ou da curateladecorrente de condenação criminal (CP, art. 92, inc. 11)não toma o con-denado incapaz para propor em juízo demanda de cobrança fundada emcontrato de mútuo.

o último aspecto da capacidade das partes é a capacidade postula-tória. Para a prática de atos postulatórios a parte deve ser representadano processo por um advogado, sob pena de seus atos serem ineficazes(CPC, art. 103 - supra, n. 60). Não se incluem entre os atos postulatóriose são realizados pela própria parte o depoimento pessoal e outros atospersonalíssimos.

Em algumas situações excepcionais, como ocorre no sistema dosjuizados especiais, a parte pode praticar atos postulatórios diretamente,independentemente da representação por advogado (supra, n. 90).

114. faculdades das partes - faculdades puras ou não

As partes têm em prinCÍpio a liberdade de agir no processo segundosuas próprias vontades e escolhas (supra, n. 34). Essa liberdade para oexerCÍcio das faculdades processuais encontra limites quando atinge aesfera de direitos de outra pessoa, e é por isso que na vida do processoexistem normas impostas especificamente para limitar sua extensão.

Não estão sujeitas a limites as faculdades processuais puras, quesão muito poucas e revelam-se em atos de menor importância. As partestêm a faculdade de se fazerem representar por um advogado só, ou mais;podem optar por apresentar sua defesa no primeiro dia do prazo ou noúltimo etc. Fora de hipóteses como essas o exerCÍcio de uma faculdadetraz vantagens ao sujeito que a exerce, ou deveres para o Poder Judiciá-rio ou desvantagens para a parte adversa, ainda que indiretas. Quandoisso acontece a lei delimita o exerCÍcio das faculdades processuais, e deentremeio a elas existem ônus e deveres.

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I15. ônus das partes

Segundo clássica definição, ônus é um imperativo do próprio inte-resse (James Goldschmidt). Consiste no encargo de assumir determinadaconduta comissiva ou omissiva, conforme o caso, como condição paraobter certa vantagem ou para não suportar certa desvantagem. Diferente-mente do cumprimento das obrigações e dos deveres, que se realiza embeneficio de outro sujeito, o cumprimento dos ônus traz um beneficioàquele que os cumpre, sempre em seu próprio interesse. Por isso o cum-primento dos ônus não pode ser exigido por quem quer que seja e seudescumprimento não é um ilícito, porque a ninguém prejudica, senão aopróprio sujeito que não os cumpre. A parte que não cumpre o ônus de pro-var o que alegou prejudica a si própria e não ao adversário. Ninguém podeser compelido a cumprir um ônus e não há meios preordenados ao cum-primento de qualquer deles por algum terceiro, em substituição ao titular.

Diferentes dos ônus são os deveres, que se conceituam comoimperativos do interesse alheio. Não cumpri-los é prejudicar a umterceiro e não a si próprio - como a parte que, mentindo em juízo, estáa descumprir o dever de lealdade processual ou a testemunha que, nãocomparecendo para depor, descumpre o dever de comparecer. Os ônustambém não se confundem com as obrigações, que constituem situaçõesde vantagem de uma pessoa sobre outra com relação a determinado bem.O devedor que não paga descumpre uma obrigação por não dar efetivida-de à situação de vantagem sobre dada soma em dinheiro que a lei atribuíaa outro sujeito. Por isso é que, enquanto o descumprimento dos ônus éprejudicial ao próprio sujeito, o de deveres ou obrigações lesa a terceiro.

Assim conceituados, os ônus constituem a principal mola propulso-ra do processo, responsável por induzir as partes a participar ativamentesob pena de serem degradadas a situações processuais desfavoráveis.O réu que não cumpre o ônus de contestar oferece ao autor a vantagemconsistente na presunção de veracidade das alegações de fato contidas napetição inicial (CPC, art. 344). À parte que alegou determinados fatos,sendo estes negados pelo adversário, incumbe o ônus de prová-los, sobpena de serem havidos por inexistentes (CPC, art. 373), etc.

O primeiro, mais amplo e mais significativo ônus processual é o dedemandar, correspondente ao princípio da inércia dos órgãos jurisdicio-nais e sem cujo cumprimento sequer se instaura processo algum (inji-a,n. 119). Há o ônus de fundamentar as demandas, o de responder a elassob pena de revelia (projeções do ônus de afirmação), o de adiantardespesas do processo, o de provar, o de recorrer etc. etc. É tão intenso

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o ônus de participar, como imperativo do interesse de cada um a obtera tutela jurisdicional, que a própria garantia do contraditório pode serconsiderada, quando examinada assim pelo avesso, como o espelho dosônus impostos às partes no processo (supra, n. 33).

116. deveres das partes

Não são muitos os deveres impostos às partes no curso do processo- ou seja, as exigências de condutas comissivas ou omissivas de interes-se do adversário ou do próprio Estado-juiz no exercício da jurisdição. P.ex., não existe um suposto dever de contestar e a parte não tem sequero dever de comparecimento quando intimada a vir prestar depoimentopessoal (CPC, art. 385). Quase tudo são ônus, cujo descumprimentopode produzir desvantagens mas não constitui ilícito processual. O réuque não cumpre o ônus de contestar suporta o efeito da revelia (art.344). À parte que não comparece para prestar depoimento impõe-se aconsequência desfavorável consistente na (mal) chamada pena de con-fesso (arts. 139, inc. VIII, e 385, S Iº).

Os poucos deveres processuais impostos às partes são instituídospara a defesa do interesse público no correto e eficiente exercício dajurisdição. É essa a justificativa para a reação da ordem jurídica, com aimposição de diversas formas de sanção. O mais amplo e expressivo dosdeveres das partes é o de lealdade, com a expressa exigência de que aspartes devem "comportar-se de acordo com a boa-fé" (art. 5º) e a repres-são à litigância de má-fé e aos atos atentatórios à dignidade da Justiça(arts. 77, S 2º, 79-8 I e 774 - infra, n. 117). O novo Código de ProcessoCivil enuncia também e dá realce ao dever de cooperação, imposto atodos os sujeitos processuais (art. 6º).

No art. 78 do Código de Processo Civil também é imposto a todosos sujeitos processuais o dever (negativo) de não "empregar expressõesofensivas nos escritos apresentados". Há também os deveres do perito,como o de pontualidade na prestação de seus serviços (art. 157).Ao con-ciliador e ao mediador são impostos vários deveres, entre os quais o deconjidencialidade (art. 166, 9 Iº). Também está disposto que "ninguémse exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobri-mento da verdade" (art. 378).

117. O dever de lealdade

A imposição do dever de lealdade no processo constitui uma cons-tante nas legislações modernas, amplamente acolhida no novo Código de

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Processo Civil. Esse dever decorre, em primeiro lugar, de normas geraiscomo o art. 5º do Código de Processo Civil, no sentido de que "aqueleque de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acor-do com a boa-fé". Na sequência, deixando claro o padrão de conduta quese espera dos sujeitos processuais, consta do art. 6º que "todos os sujei-tos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em temporazoável, decisão de mérito justa e efetiva". O art. 7º impõe o tratamentoparitário das partes em relação aos deveres e à aplicação das sançõesprocessuais e, no art. 139, inc. 111, ao serem fixadas as diretrizes para adireção do processo pelo juiz, é estabelecido que lhe incumbe "prevenirou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir pos-tulações meramente protelatórias".

Dessas normas gerais, em especial a que impõe o dever de boa-fé,decorrem diversos deveres, alguns não previstos em lei de forma explí-cita e outros indicados em normas portadoras de regras específicas deconduta e as respectivas sanções para o caso de descumprimento. O nú-cleo central desse regramento encontra-se nos arts. 77 a 81 do CPC, quetratam dos deveres e da responsabilidade das partes por dano processual.

Em geral, o descumprimento do dever de lealdade ocorre mediantea utilização abusiva do processo ou de um instrumento processual. Oabuso do processo está estreitamente relacionado com situações jurídicasativas assumidas pelas partes no desenvolvimento da relação jurídicaprocessual (poderes e faculdades). Pode partir tanto do demandantequanto do demandado. A utilização abusiva do direito de ação pode cau-sar tantos males quanto o abuso da defesa.

O processo é uma arma poderosíssima e sua mera instauração,quando traz uma pretensão infundada, já constitui um peso a ser injus-tamente suportado pelo demandado. É no entanto mais frequente naprática que o demandado utilize abusivamente de seu direito de defesa, eisso geralmente ocorre com a utilização de expedientes empregados como objetivo de procrastinar o desfecho do processo.

Nesse contexto situam-se as condenáveis condutas do Poder Públi-co nas demandas em que figura como réu. Com o objetivo de protelarao máximo a satisfação dos direitos dos adversários, ele constantementeutiliza expedientes menos compatíveis com a ética do processo, em cer-tos casos com a defesa até ao último grau de jurisdição e insistência emteses já pacificamente rechaçadas pelos tribunais.

O dever de lealdade impõe-se também aos patronos das partes.O advogado é o representante da parte no processo e é por seu inter-

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médio que ela manifesta sua vontade, inclusive na maioria dos casosde abuso do processo. Cabe-lhe pois agir com lisura na condução doprocesso, não abusar de seus mecanismos e colaborar com as partes eo juiz para o seu rápido desfecho (CPC, art. 6º). O Código de ProcessoCivil contém inclusive todo um capítulo com a rubrica "dos deveres daspartes e de seus procuradores" (arts. 77 ss.).

Em regra, a conduta abusiva do advogado não pode ser sancionadadiretamente pelo juiz mediante medidas repressivas incidentes sobreele, cabendo ao juiz oficiar à Ordem dos Advogados do Brasil para quelá se instaure um processo disciplinar (CPC, art. 77, S 6º). No entanto,em algumas hipóteses o juiz poderá sancionar diretamente o advogado(CPC, arts. 107, S 4º, e 234).

É certo que, diante do prestígio que o sistema processual confere àgarantia do contraditório (supra, n. 33), é pouco provável e até poucosalutar impedir que a parte se comporte aguerridamente na defesa deseus interesses. Esse aspecto demanda muito cuidado na disciplina dosdeveres éticos. É necessário encontrar o equilíbrio e a proporção idealentre o direito à ampla defesa e a repressão à deslealdade, pois uma dis-ciplina muito rigorosa poderia causar embaraços à parte inocente, comrestrição de seu legítimo direito de defesa. Daí a necessidade de ponderaros valores envolvidos e encontrar uma solução conciliadora, mas semtolerar abusos que possam comprometer a efetividade, adequação etempestividade da tutelajurisdicional (supra, n. 28).

"O processo civil, com sua estrutura contraditória em que a cada umadas partes se atribui a tarefa de sustentar suas próprias razões, é essencial-mente refratário a uma rigorosa disciplina moralista do comportamentodaquelas. Se cada litigante pode contar, para vencer, apenas com a própriacapacidade de explorar os elementos e os argumentos favoráveis, não sepode pretender que forneça também os que lhe são desfavoráveis e pode-riam tàvorecer o adversário. Um dever nesse sentido não teria qualquerprobabilidade de ser observado e seu único resultado seria o de pôr emdificuldades e em situação embaraçosa a parte mais honesta" (Liebman).

118. formação, suspensão e extinção do processo

O processo se desenvolve mediante uma cadeia fechada de atos,que é o procedimento iniciado pela propositura da demanda inicial eencerrado pela prolação da sentença, que o extingue (infra, n. 130).Entre seu início e seu fim podem ocorrer fatos que lhe determinem a

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suspensão, uma parada momentânea finda a qual o processo retoma oseu transcurso. A partir de quando formado e enquanto não vier a serextinto o processo considera-se pendente, e essa pendência do processochama-se litispendência (infra, n. 121).

Formação, suspensão e extinção do processo são os acontecimen-tos magnos da vida deste, regidos por normas que definem o modo comoo processo se forma (infra, n. 119), as hipóteses em que se suspende(infra, n. 136) e as causas de sua extinção, com ou sem julgamento domérito (infra, n. 137).

119. formação do processo - a demanda

Ao levar ao Poder Judiciário uma pretensão em busca de reconhe-cimento ou satisfação o demandante dá causa à imediata formação doprocesso. O processo reputa-se formado, e portanto pendente, a partir domomento em que essa iniciativa é tomada mediante a entrega da petiçãoinicial ao Poder Judiciário, com a qual o autor ou o exequente traz a estea sua demanda - e essa demanda, como ato de pedir tutela jurisdicional,tem por conteúdo uma pretensão de quem o realiza, ou seja, uma exigên-cia de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio.

Pelo disposto no art. 312 do Código de Processo Civil, "considera--se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia,a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionadosno art. 240 depois que for validamente citado". Isso não significa queantes da citação do demandado o processo ainda não esteja formado.Ele está formado sim, e já existe, só não sendo permitido nesse períodoalcançar o demandado ou seu patrimônio mediante imposição daquelesefeitos (litispendência, litigiosidade da coisa, constituição em mora). Etanto o processo já existe, e portanto está formado, que antes mesmo dacitação será lícito ao juiz impor ao demandado alguma medida urgenteeventualmente necessária (art. 300, S 2º) - e, sem dúvida alguma, essasliminares concedidas inaudita altera parte são atos de um processo.

120. identificação da demanda - seus elementos constitutivos

Cada demanda tem sua própria individualidade, determinada peloselementos que a compõem e a distinguem das outras. Esses elementossão (a) as partes, ou seja, os sujeitos que figurarão no processo na quali-dade de autor e de réu ou de exequente e executado, (b) a causa de pedir,que a lei indica como os fatos e os fimdamentos jurídicos do pedido, e

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(c) O pedido de um pronunciamento judicial em relação a dado bem davida, mais a identificação desse bem.

A identificação de cada demanda mediante a explicitação desseselementos constitutivos é exigida ao autor ou ao exequente, que deveindicá-los na petição inicial sob pena de inépcia (CPC, art. 319, incs. II--IV), porque será de utilidade e ponto de referência para diversos efeitos,como o da determinação da competência para o processo que se inicia, oda correlação entre a sentença e a demanda, não podendo aquela decidirsem observância dos limites desta (art. 492), o da delimitação dos im-pedimentos decorrentes da litispendência ou da coisa julgada, que só seimpõem quando volta a ser proposta uma demanda rigorosamente iguala uma anterior (art. 337, SS 1º-4º), o das relações entre demandas, quepodem ser de mera semelhança, de conexidade, prejudicialidade ou atémesmo de total identidade (irifra, n. 121). O modo como cada um doselementos constitutivos da demanda deve ser exposto em sua apresenta-ção ao juiz está indicado no dispositivo que rege a petição inicial (CPC,art. 319) e ali reside, antes e acima de tudo, a própria exigência de quetoda demanda explicite partes, causa de pedir e pedido.

Embora a lei se refira à causa de pedir como "os fatos e os funda-mentos do pedido" (CPC, art. 319, inc. I1I), é mínima a relevância dosfimdamentos jurídicos como fator de identificação das demandas. Pelaperspectiva da causa de pedir, é nos fatos alegados que reside o grandepoder de identificação. É essa narrativa que vincula o juiz, não podendoele decidir com apoio em fatos não narrados - e tal é o conteúdo da teoriada substanciação, de prevalente aceitação na doutrina brasileira. Enquan-to os fundamentos jurídicos se situam no plano abstrato da ordem jurí-dica, os fatos narrados são algo de concreto que se associa às realidadesde relações jurídicas materiais entrelaçadas na vida comum das pessoas.

121. relações entre demandas-litispendência, continência e conexidade

Quando duas ou mais relações jurídicas entre si entrelaçadas setomam objeto de duas ou mais demandas judiciais surge o problemadas relações entre demandas. São figuras das relações entre demandas alitispendência, a continência, a conexidade (ou conexão de causas) e aprejudicialidade (infra, n. 122).

Dessas relações a de maior intensidade é a de litispendência. Emsi mesma a litispendência é conceituada como a mera pendência de umprocesso. É o estado de um processo vivo, ou seja, quejá existe porque

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já foi formado e ainda existe porque ainda não foi extinto. Segundoantigo e consolidado uso, porém, esse vocábulo é mais frequentementeempregado para indicar o impedimento para a realização de um processoe consecução de seus resultados em razão da pendência de um outroprocesso. E tal é a exceção de litispendência, consistente em uma defesaprocessual tipificada em lei e voltada à extinção do processo em razão deestar pendente um primeiro, pela mesma demanda - extinção que se jus-tifica na necessidade de evitar dois processos instaurados com o fim deproduzir o mesmo resultado prático e com o risco de chegarem a resul-tados opostos ou incompatíveis (CPC, arts. 337, inc. VI, e 485, inc. V).

Proibir a duplicidade de processos que visem ao mesmo resultadoprático consiste, em última análise, em afastar o risco de que no futurovenha a ser proferida uma sentença de mérito quando já houver outracoberta pela coisa julgada (inji-a, n. 140). Litispendência e coisa julgadaassociam-se assim, intimamente, como tàtores destinados a impedir aduplicação dejulgados sobre a mesma demanda ou sobre a mesma causa.

Há uma relação de continência entre duas demandas quando umadelas abrange a outra, por conter um pedido mais extenso (CPC, art. 56).Trata-se portanto de uma Iiti:,pendênciaparcial, ou seja, litispendênciana parte em que a demanda de maior extensão inclui a demanda menosampla. Na hipótese de a demanda contida ser proposta após a continenteo novo Código de Processo Civil impõe a extinção daquela sem o julga-mento do mérito do processo. Se a demanda contida houver sido propos-ta em primeiro lugar a solução será a necessária reunião das causas parajulgamento conjunto (CPC, art. 57).

Duas ou várias demandas são conexas sempre que houver entre elasum ou mais elementos constitutivos em comum, sem que todos o sejam.Na definição do art. 55 do Código de Processo Civil, há conexão quandolhes for comum o pedido ou a causa de pedir. Diante das dificuldadespráticas para a configuração da coincidência entre causas de pedir emcasos concretos, é extremamente útil a ideia de que em realidade a cone-xidade se manifesta sempre que o contexto de fatos trazidos ao juiz emuma demanda e na outra exija deste a formação de uma convicção únicaao julgar as duas - convicção única quanto aos fatos que são os mesmosmas servem de suporte a duas ou mais demandas. O que importa nosinstitutos regidos pela conexidade é a utilidade desta como critério su-ficiente para impor ou autorizar certas consequências práticas, como aprorrogação da competência (art. 54), a reunião de processos (art. 55, SIº), litisconsórcio (art. 113, inc. lI) etc. - utilidade essa que estará pre-

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sente sempre que eventuais pronunciamentos diferentes, feitos por doisou mais juízes, ou mesmo pelo mesmo juiz em processos distintos, pos-sam produzir resultados jurisdicionais discrepantes e incoerentes entresi. O S 3º do art. 55 do Código de Processo Civil consagra essa ideia aodispor que "serão reunidos para julgamento conjunto os processos quepossam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditóriascaso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles".

Essa norma encerra, no entanto, um equívoco conceitual. Não hápropriamente uma reunião de demandas apesar da inexistência de cone-xão. A existência de "risco de prolação de decisões conflitantes ou con-traditórias" caracteriza a própria conexidade, e é em razão desse vínculoque as causas devem ser reunidas para julgamento conjunto.

A afinidade de questões é referida em um único dispositivo do Có-digo de Processo Civil, onde se diz (na disciplina do litisconsórcio) que"duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto,ativa ou passivamente, quando (...) ocorrer afinidade de questões porponto comum de fato ou de direito" (art. 113, inc. III). Para que duas de-mandas sejam afins é suficiente que tenham em comum o fundamento namesma disposição de lei (ponto comum de direito) ou a alegação de umfato-base do qual hajam decorrido consequências jurídicas para mais deuma pessoa (ponto comum de fato). A afinidade tem a única relevânciade autorizar a formação do litisconsórcio facultativo - e, por ser ela umarelação entre causas mais tênue do que a conexidade, a ordem jurídicanão lhe confere o poder de determinar a prorrogação da competência ea reunião das causas propostas em separado, para julgamento conjunto.O litisconsórcio com fundamento na mera afinidade entre duas demandassó pode ser admitido quando o mesmo foro for competente para ambas.

122. prejudicialidade

A prejudicialidade consiste em um liame de dependência entreduas causas, entre duas questões ou entre dois pontos, de modo que ojulgamento da causa (ou questão, ou ponto) prejudicial influirá no teordo julgamento das demais. Por isso é que uma se chama prejudicial, eoutra, prejudicada. Uma causa, questão ou ponto é prejudicial quando,no plano lógico e no jurídico, a solução a ser dada a ela determina oulimita o modo como será julgada outra causa, questão ou ponto. Háprejudicialidade lógica entre duas causas, questões ou pontos quando acoerência exige que o pronunciamento sobre um deles seja tomado comoprecedente para o pronunciamento sobre o outro; e a prejudicialidade

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toma-se relevante para o direito quando a isso se acresce a prejudiciali-dade jurídica, representada pela igual natureza do juízo relativo a essesdois pontos, questões ou causas.

Causa, questão e ponto são três conceitos bastante manipulados notrato da prejudicialidade. Deles, o mais simples é o de ponto, conceituadocomo fundamento e caracterizado em cada um dos fundamentos da de-manda e da defesa relevantes para o julgamento. Questão é o ponto con-trovertido de fato ou de direito, ou seja, o ponto sobre o qual houver sidolançada dúvida por uma das partes. O ponto incontroverso, ou seja, o fun-damento trazido por uma das partes e não impugnado, mantém-se comoponto mesmo e não se erige em questão - com a consequência prática denão necessitar de prova (CPC, art. 334, inc. I1I). Causa é o próprio litígiotrazido ao processo por iniciativa do demandante (autor, opoente etc.)em busca de uma tutela jurisdicional. Julgar a causa é julgar a demanda.

Como exemplo emblemático de prejudicialidade jurídica temos aobrigação de prestar alimentos, que é dependente da relação de filiaçãoentre quem os postula e aquele que deverá prestá-los; consequentemen-te, sendo movidas uma ação de investigação de paternidade e uma dealimentos, aquela será prejudicial em relação a esta, a qual se consideradependente ou prejudicada - porque, obviamente, a ação de alimentos sópoderá ser julgada procedente se a investigatória também o for, sendo elafatalmente rejeitada em caso de improcedência desta. Em casos assimuma série de combinações de hipóteses é admissível, podendo-se pensarp. ex. na ação de alimentos (prejudicada) julgada improcedente apesarde ser procedente a investigatória (prejudicial) - o que sucederá se o juizreconhecer que está ausente a necessidade dos recursos financeiros queo autor veio a postular, embora filho ele seja. Podem também ser ambasacolhidas ou rejeitadas pelo mérito ou dadas por inadmissíveis. O quenão se admite, mercê da relação de prejudicialidade, é o convívio entrea improcedência da ação de investigação de paternidade (prejudicial) e aprocedência da ação de alimentos (prejudicada).

A prejudicialidade é interna quando a relação se estabelece no seiode um único processo. É externa se a questão prejudicial figurar comoobjeto de um processo autônomo e essa mesma questão surgir como fun-damento de pretensão deduzida em outro processo. A prejudicialidadeexterna constitui fator de suspensão da causa prejudicada, à espera dojulgamento da prejudicial até que, nesta, se definam os pressupostos dojulgamento daquela (CPC, art. 313, inc. V, a). Mas não se pode perderde vista que no plano processual a prejudicialidade é uma autêntica mo-dalidade de relação entre demandas, que em última análise se reporta ao

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conceito muito mais amplo de conexidade (supra, n. 121). É portantoconveniente que, sempre que preenchidos os requisitos previstos nos art.54 e 55 do Código de Processo Civil, sejam os processos reunidos parajulgamento conjunto. Somente nas hipóteses em que a reunião não forpossível é que deve ser determinada a suspensão da causa prejudicada,para aguardar o julgamento da prejudicial.

o tema da prejudicialidade não se confunde com o das prelimi-nares. Estas são questões internas a um processo cuja solução poderácondicionar a própria emissão do julgamento do mérito ou talvez excluí--lo, mas não influir em seu teor. É o caso das preliminares de carênciade ação, de coisa julgada etc., todas com o efeito de, quando acolhidas,impedir ou retardar o julgamento do mérito.

123. cumulação de demandas

Em certas situações a lei permite que o autor formule em sua peti-ção inicial um cúmulo de demandas, com dois ou vários pedidos ou cau-sas de pedir. Ocorrendo a cumulação de pedidos, o processo deverá darresposta a cada um deles (especialmente nos casos de cúmulo simples esucessivo), o que pode ocorrer no ato formal de uma única decisão ou emdecisões distintas (julgamento antecipado parcial do mérito - inji-a, n.138). A decisão que se pronuncia sobre os pedidos cumulados estrutura--se em capítulos distintos, tão distintos quanto os capítulos da demandaem julgamento (infra, n. 130).

No cúmulo simples de pedidos são apresentadas pretensões autô-nomas entre si, que bem poderiam ser deduzidas em processos distintosmas que, por opção do autor e expressa autorização legal, vêm a comporo objeto de um processo só. O art. 327 do Código de Processo Civiladmite esse cúmulo "ainda que entre eles não haja conexão" (supra, n.121), mas desde que os sujeitos sejam rigorosamente os mesmos (autore réu). A autonomia das demandas reunidas em cúmulo simples autorizao juiz a acolher todas ou alguma delas ou a rejeitar todas, sem que ojulgamento de uma seja prejudicial ao das demais. É precisamente essaautonomia entre os pedidos deduzidos em cúmulo simples que leva a leia exigir o requisito da compatibilidade entre eles (art. 327, S lº, inc. I), oque toma inadmissível cumular de forma simples o pedido de abatimen-to no preço com a resilição contratual, de extinção do contrato com o deseu cumprimento etc. Também constituem requisitos para a cumulaçãoa competência do mesmo juízo para conhecer de ambos ou de todos ospedidos cumulados (art. 327, S lº, inc. 11)e que haja um procedimentoadequado para processá-los conjuntamente (art. 327, S lº, inc. I1I) - ou

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seja, desde que por lei ambas as demandas comportem o mesmo proce-dimento (comum ou especial) ou que, sendo diferentes os procedimentoslegais para cada uma delas, o autor opte pelo comum (art. 327, S 2º).

O vínculo é mais estreito entre as demandas cumuladas, e por issosurge a necessidade de julgamentos estritamente coerentes quando entreelas houver nexo de prejudicialidade (supra, n. 122). Trata-se do clÍmu-lo sucessivo de pedidos. Um deles é sucessivo a outro quando para suaprocedência é indispensável que também esse outro seja acolhido - sen-do impossível acolher o pedido sucessivo, que é dependente, quando oprimeiro houver sido rejeitado (o dominante).

No clÍmulo alternativo de pedidos são apresentados dois ou maispedidos para que apenas um seja acolhido, ficando excluídos os demais,sendo indiferente para o autor qual dos pedidos terá sucesso (CPC, art.325 e 326, par.). Pode ele postular a rescisão do contrato por adimple-mento ou a condenação do adversário a pagar as prestações em atraso;pode pedir a declaração de nulidade do contrato ou sua anulação; podequerer a nulidade de um contrato ou de outro, porque incompatíveisentre si; etc. Como os pedidos são alternativos e não serão acolhidossimultaneamente, não há em tal hipótese a exigência de compatibilidadeentre eles (CPC, art. 327, S 3º). Acolhido um dos pedidos, a demanda éjulgada integralmente procedente, não apenas parcialmente, pois a pre-tensão manifestada pelo autor na inicial erajustamente a de acolhimentode um dos pedidos, não de todos.

A situação é distinta na hipótese de o autor apresentar um pedidoprincipal e um ou mais pedidos subsidiários, em um cúmulo alternativoeventual depedidos. Como o autor manifesta a preferência por um deles,o que é autorizado pelo art. 326, caput, do Código de Processo Civil,deve o juiz apreciar primeiramente o pedido prioritário. Se for acolhido,os demais ficarão prejudicados. Se não for, serão em seguida apreciadosna ordem definida pelo autor. Diante da preferência manifestada poreste, na hipótese de rejeição do pedido prioritário e acolhimento do sub-sidiário a demanda será julgada parcialmente procedente e o autor teráinteresse em recorrer na tentativa de que seja acolhido o pedido de suapreferência (il?ji'a, n. 145).

O demandante pode também cumular causas de pedir com o obje-tivo de ver acolhido um único pedido. É o caso do pedido de declaraçãode inexistência de dada exigência tributária em que o autor alega que otributo exigido é inconstitucional porque carece de fato gerador legíti-mo e também porque sua exigência no caso está a infringir o princípioconstitucional da anualidade; ou quando o autor pede a anulação de um

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contrato por erro e alinha fatos acontecidos separadamente, cada umdeles capaz de caracterizar esse vício do consentimento, etc. Acolhidoum dos fundamentos cumulados a demanda será julgada integralmenteprocedente, pois basta para tanto que o pedido seja integralmente acolhi-do, sem importar o fundamento que o amparou.

A cumulação de pedidos ou de causas de pedir dá origem a um cú-mulo objetivo de demandas. Há também o cúmulo subjetivo de deman-das, que ocorre quando dois ou mais sujeitos deduzem uma só demandaou na dedução de uma só demanda em face de dois ou mais sujeitos, ouainda na dedução de uma demanda por vários em face de vários. Essetema é tratado na disciplina do litisconsórcio (supra, n. 102).

124. estabilização e alteração da demanda

Superada a fase de saneamento do processo (supra, n. 82) a de-manda se estabiliza. Permanecerá imutável até ao fim do processo e asentença não poderá extrapolar seus limites (CPC, art. 329). Essa é umaconsequência da rigidez do procedimento no processo civil brasileiro(supra, n. 78), que não comporta os inevitáveis retrocessos que ocorre-riam se novos fatos, novos pedidos e novos sujeitos pudessem a qualquertempo ser inseridos no processo pendente.

Antes da citação o autor pode livremente promover as modificaçõesque pretenda introduzir quanto ao pedido, à causa de pedir e às partes doprocesso, independentemente da anuência do réu (art. 329, inc. I). Após,no período que vai da citação ao saneamento do processo, a anuência doréu é indispensável (art. 329, inc. 11).Depois do saneamento nada maisse modifica, ainda que concorde o réu.

Como regra de caráter bem amplo, o art. 493 do Código de Proces-so Civil, ao tratar dos fatos supervenientes à propositura da demanda,interfere na interpretação do veto às alterações da causa petendi contidono art. 329. Dizendo aquele que no momento de proferir a decisão juizlevará em conta fatos constitutivos, modificativos ou extintivos dodireito do autor, há quem defenda na doutrina e na jurisprudência queestariam incluídos nessa autorização os fatos supervenientes que alterema causa de pedir.

125. o mérito e a distinção entre o objeto do processoe o objeto do conhecimento dojuiz

Todo processo tem seu objeto, que é a pretensão a uma tutelajuris-dicional, formulada com a demanda que lhe dá início (supra, n. 119) e

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a cujo respeito o juiz emitirá seu provimento - pretensão de obter umacoisa ou os resultados de um fazer ou não fazer, pretensão à constitui-ção de uma situação jurídico-substancial nova, a meras declarações etc.Tal é o objeto do processo, que se coloca diante do juiz, à espera doprovimento que ele proferirá a final. É, em outras palavras, o mérito dacausa. Sobre ele o juiz se considera autorizado e obrigado a pronunciar--se e sua identificação mostra-se relevante não só para a delimitação doprovimento, como também em relação a outros institutos processuais,como a litispendência (supra, n. 12 I), a coisa julgada (infra, n. 140), aprejudicialidade (supra, n. 122), a alteração da demanda (supra, n. 124)e o cúmulo de demandas (supra, n. 123).

Para que o mérito do processo seja apreciado é necessária a con-creta presença dos pressupostos de admissibilidade do julgamento domérito (infra, n. 126), e para que o provimento final seja favorável aoautor é também indispensável que, além de estarem presentes todosesses pressupostos, a pretensão deste esteja amparada pelo direito ma-terial e por fatos e provas capazes de convencer o juiz de que o direitoestá a seu lado. Questões podem surgir no processo em qualquer dessassedes, ou seja, tanto pode ser duvidoso algum ponto relativo ao méritoquanto outro pertinente aos pressupostos de admissibilidade da própriaemissão de um provimento relativo à pretensão deduzida. Disso pode--se desde logo inferir uma realidade e uma distinção: enquanto o objetodo processo é colocado estritamente pelo pedido contido na demanda erelevância alguma tem a maneira como se comporte o demandado de-pois - ressalvado o caso excepcional da reconvenção, que expressa umaoutra pretensão e propõe-se mediante nova demanda (CPC, art. 343) -,constitui objeto do conhecimento do juiz toda a massa de questões queno processo surgirem, venham de onde vierem. O réu suscita questõesao responder, o autor na réplica ou depois, ambos a todo momento nocontraditório do processo, dúvidas são levantadas de oficio pelo juiz etc.- e de todas essas questões o juiz conhece e sobre elas se pronuncia nomomento procedimental adequado.

J26. pressupostos de admissibilidade dojulgamento do mérito

A ordem processual só outorga o efetivo direito ao julgamento demérito a quem esteja amparado pelas condições da ação (supra, n. 74) etambém seja capaz e se apresente adequadamente representado, dirija-sea juiz legitimamente investido e realize todos os atos processuais aptosa conduzir ao dever judicial de prover sobre a demanda inicial. Estamosdiante de um conceito dinâmico da ação, como um poder que só é uma

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realidade efetiva e útil quando concretamente estiverem presentes todosos chamados pressupostos de admissibilidade dojulgamento de mérito.Mesmo aquele que tenha ação só terá o efetivo poder de exigir o pro-vimento de mérito (e o juiz só terá o dever de pronunciá-lo) quando sa-tisfeitos todos esses requisitos (sobre a ação exercida e o direito à tutelajurisdicional, v. supra, n. 73).

Pelo disposto nos incisos do art. 485 do Código de Processo Civilsão causas de extinção do processo por ausência de pressupostos de ad-missibilidade do provimento de mérito as seguintes: a) a falta de interes-se de agir, (b) a ilegitimidade ad causam ativa ou passiva, (c) a inépciada petição inicial, (d) a incapacidade do autor, (e) a irregularidade de suaprocuração ao advogado, (f) a falta de personalidade judiciária do réu,(g) a desistência da ação, (h) o abandono da causa, (i) a falta de habilita-ção dos herdeiros do autor falecido, U) a perempção, (k) a litispendência,(I) a coisa julgada, (m) a convenção de arbitragem e (n) a morte da parteem caso de direitos personalíssimos.

Essa premissa sistemática legitima a exigência de uma demandaregularmente deduzida como elemento indispensável à constituiçãode um processo viável. Essa exigência, qualificada como pressupostoprocessual, inclui a própria apresentação de uma demanda e a presençade certos requisitos nela, tal como a narração de fatos que em tese sejamsuficientes para a outorga da tutela jurisdicional.

O Código de Processo Civil não é rígido ou inflexível na fixaçãodo momento em que esses pressupostos devem ser verificados pelo juiz.Ele quer que já ao despachar a petição inicial o juiz faça a verificação in-quisitiva dos pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito,competindo-lhe até indeferi-Ia se for o caso (CPC, arts. 319-321 e 80 1)-mas esse controle pode e deve ser feito também durante todo o processo,sem sujeitar-se a preclusão alguma, pois seria indesejável e contrário àlei permitir que o processo seguisse avante e atingisse seu objetivo finalsem que tais pressupostos estivessem implementados (CPC, arts. 139,inc. IX, e 485, inc. IV).

Assim como deve estar atento para não deixar ir avante um pro-cesso inviável, precisa também o juiz saber distinguir com clareza asexigências que a lei endereça às partes, para qualificá-Ias como pressu-postos de admissibilidade do julgamento do mérito ou mero ônus a cargode quem quer obter a tutela jurisdicional. Não se confundam os pressu-postos sem os quais o mérito não será julgado com os pressupostos semos quais o mérito será julgado mas o autor poderá perecer no julgamento

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de meritis. Exemplo: o recolhimento dos honorários provisórios do peri-to, por este exigidos para começar seus serviços.

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Identificada a ausência de algum desses pressupostos, deve o juizpromover o debate entre as partes a esse respeito, dando a oportunidadepara que regularizem a situação e assim possam afastar o vício antesde ser o processo extinto sem o julgamento do mérito. A lei é explícitaquanto ao contraditório nos casos em que o réu pede a extinção do pro-cesso (CPC, art. 351 e 352) e idêntica providência deve ser adotada pelojuiz quando identificar o vício ex officio, em atenção à garantia constitu-cional do contraditório (CPC, art. IOº - supra, n. 33).

Dada a oportunidade para as partes se manifestarem a respeito daquestão, se o pressuposto de admissibilidade não for satisfeito o proces-so deverá ser extinto sem o julgamento do mérito (CPC, art. 485), o quedeixará intacta a situação de direito material trazida para o processo.Como consequência de não conter juízo algum sobre a pretensão doautor, a decisão extintiva do processo sem julgamento do mérito não oimpede de voltar a juízo, mediante outra iniciativa processual, apresen-tando outra vez aquela mesma pretensão e fàzendo com isso instaurarum novo processo (CPC, art. 486). O que fica extinto é somente oprocesso, não o direito de ação, e muito menos o direito material queeventualmente o autor tivesse.

127. meios instrumentais do processo civil

A prestação efetiva e adequada da tutela jurisdicional depende dealguns elementos externos ao processo, que propiciam o conhecimentode realidades relacionadas com o conflito e a efetiva sati5fação dosdireitos que venham a ser reconhecidos. Trata-se dos meios processuaisinstrumentais, que são as/ontes de prova, com função preponderante noprocesso de conhecimento, e os bens, na execução forçada. A utilizaçãodas/ontes deprova é o meio pelo qual se reconstituem no processo as rea-lidades externas passadas e presentes que fundamentarão o julgamento dacausa pelo juiz. Os bens são objeto das constrições destinadas à produçãode resultados externos úteis às pessoas e relevantes para seu patrimônio.

128. provas (ônus, objeto, meios,/ontes e valoração)

Em uma primeira acepção, prova é um conjunto de atividadesde verificação e demonstração realizadas com o objetivo de apurara verdade quanto às questões de fato relevantes ao julgamento. Do

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conceito de prova e de sua função é fácil inferir a relevância do direi-to a ela no sistema processual, definido também como o conjunto deoportunidades oferecidas às partes pela Constituição e pela lei paraque possam demonstrar no processo a veracidade do que afirmam emrelação aos fatos relevantes para o julgamento. Esse sistema normativo,que de um lado delimita o direito à prova ao definir os seus contornos,de outro reafirma-o e municia os litigantes com o poder de exigir suaefetivação. São ilícitos os atos com que o juiz denega à parte a produ-ção de um meio de prova lícito em si mesmo, que haja sido requeridotempestivamente, que se refira a fatos possíveis, que seja adequado aprová-los - em suma, é ilegal a denegação de uma prova admissível eregularmente requerida.

Não dependem de prova as alegações feitas por uma parte e nãoimpugnadas por outra: excetuadas as ressalvas estabelecidas em lei, ofato incontroverso ou confessado deve ser aceito pelo juiz como existen-te (CPC, arts. 341,344 e 374, ines. 11-111).Também independem de pro-va os fatos de conhecimento geral, chamados notórios (art. 374, inc. I).

Uma severíssima limitação ao direito à prova, prevista em sedeconstitucional (Const., art. 5º, inc. LVI), é o veto à utilização de provasobtidas por meios ilícitos. A prova será ilícita - ou seja, antijurídica, eportanto ineficaz a demonstração feita mediante sua utilização - quandoo acesso à fonte probatória tiver sido obtido de modo ilegal (p. ex., inter-ceptações telefônicas realizadas sem autorização judicial) ou quando autilização da fonte se fizer por modos ilegais (p. ex., tortura do réu paraobter uma confissão).

O direito probatório tem por conteúdo a identificação das alegaçõespassíveis de demonstração por via da prova (objeto da prova), a distri-buição do encargo de realizá-la e as consequências da falta de provasuficiente (ônus da prova), a definição dos elementos exteriores sobreos quais a atividade probatória incidirá (jontes de prova), as atividadesprocessuais destinadas à comprovação das alegações (meios de prova) ea disciplina do valor das provas e do modo como devem ser apreciadas(valoração da prova). Entre esses temas, o que suscita mais interesse emaiores controvérsias é o do ônus da prova, que será abordado em maio-res detalhes no próximo item.

Integram o objeto da prova as alegações de fatos relevantes feitaspelas partes, e não os fatos em si mesmos. Estes não são falsos ou ver-dadeiros. Serão existentes ou inexistentes. Aquelas qualificações dizemrespeito às alegações e não a eles.

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Fontes de prova são os elementos externos ao processo, represen-tados pelas pessoas ou coisas das quais seja possível extrair a demons-tração da ocorrência ou inocorrência de algum tàto relevante ou daexistência ou inexistência de uma situação jurídica pretérita ou presente.As testemunhas são fontes ativas de prova, porque participam com atosseus (declarações de conhecimento) das atividades de busca da verdadedos fatos. As coisas são fontes passivas.

Meios de prova são as atividades realizadas no processo com o ob-jetivo de extrair das fontes de prova os informes que cada uma delas sejaapta a fornecer. As testemunhas são uma/onte de prova e o conjunto dasatividades realizadas no processo com vista à captação desses informesé um meio de prova (prova testemunhal). No processo civil brasileirosão meios de prova a documental, a testemunhal, o depoimento pessoal,a prova pericial, a inspeção judicial etc.

A valoração da prova consiste no juízo da capacidade de demons-tração dos fatos realizado pelo juiz com referência a todos os meios deprova concretamente efetivados no processo e a cada uma das fontes deprova trazidas a este. Esse juízo deve ser feito exclusivamente à luz doque consta dos autos (quod non est in actis non est in mundo), sendo ojuizrigorosamente proibido de decidir com apoio no conhecimento que even-tualmente lhe haja chegado por outro meio (é a chamada ciência pessoal).Nesses limites o juiz fonna livremente seu convencimento a respeito dosfatos e alegações fáticas contidos no processo, com o severo dever deexpor, na motivação de todas as suas decisões, as razões pelas quais hajaconcluído pela ocorrência ou não ocorrência de dado fato - e tal é a regrado livre convencimento motivado (CPC, art. 371 - supra, n. 37).

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J29. ônus da prova

Na dialética do processo civil preponderantemente dispositivo, noqual a cada uma das partes compete esgrimir com as armas que a leilegitimamente lhe oferece, cada uma delas tem interesse em que o juizreconheça a veracidade de suas alegações de fato e a mendacidade dasalegações adversárias. O interesse é a principal mola da vida e efetiva-ção dos direitos. Por isso a distribuição dos ônus probatórios é feita pelosistema processual com base no critério do interesse - e a mais ampladas regras integrantes dessa disciplina é a de que compete a cada um dossujeitos litigantes a comprovação dos fatos cujo reconhecimento possaconduzir ao julgamento favorável à sua pretensão.

O princípio do interesse é que leva a lei a outorgar ao autor o ônusda prova dos fatos constitutivos de seu direito (CPC, art. 373, inc. I),porque esses fatos são sua causa de pedir, e sem que hajam acontecidoe o juiz o reconheça seu direito será dado por inexistente e a sentença

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rejeitará sua pretensão. Também é o interesse no reconhecimento defatos capazes de impedir o surgimento do direito do autor (impeditivos),alterá-lo (modificativos) ou pôr-lhe fim (extintivos) que manda atribuirao réu o ônus de demonstrar que ocorreram (art. 373, inc. lI). É sempredo interesse de cada uma das partes a demonstração de veracidade dasalegações factuais que faz e da concreta ocorrência dos fatos que alega,porque ao fundo da disciplina legal da distribuição do ônus probatóriovige a regra segundo a qual alegação não comprovada equivale a fatoinexistente - aI/ego/ia et non probatio quasi non aI/ego/ia. Tal é aimportantíssima regra de julgamento, que, nos casos de dúvida, se fazresponsável pelos rumos a tomar no julgamento do mérito.

O Código de Processo Civil de 1973 determinava a aplicação dessasregras sobre a distribuição dos ônus probatórios de forma bastante rígida.Somente em situações específicas, como a disciplinada no art. 6º, inc.VIII, do Código de Defesa do Consumidor, se admitia a inversão do ônusda prova por ato do juiz, quando presentes os requisitos da hipossuficiên-cia do consumidor e da verossimilhança de suas alegações - o Código de1973 somente admitia essa inversão por ato consensual das partes, nãopor imposição judicial (art. 333, par.). O novo Código de Processo Civilinovou na matéria ao generalizar a possibilidade de inversão judicial doônus da prova, com a adoção do sistema da distribuição dinâmica desseônus, admissível "diante de peculiaridades da causa relacionadas à im-possibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termosdo caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário".Nessas situações "poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso,desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar àparte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído" (art.373, S Iº). As peculiaridades da causa ali referidas serão apreciadas pelojuiz em cada caso segundo sua sensibilidade às realidades do processo.Serão fatores subjetivos, como a própria hipossuficiência econômico--financeira de uma das partes, seu despreparo ou inexperiência etc., oufatores objetivos relacionados com a própria causa, dificuldades para aobtenção de certos documentos etc. Em qualquer hipótese essas alteraçõesdas regras legais sobre a distribuição do ônus da prova não podem "gerarsituação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossívelou excessivamente dificil", tanto quanto não o pode a inversão consen-sual do ônus da prova, pactuada pelas próprias partes (art. 373, S 3º).

130. atos processuais

Todo procedimento constitui uma cadeia fechada de atos, dos quaiso primeiro é a demanda de parte e o último a sentença do juiz. Nesse in-

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terregno os sujeitos processuais realizam atos processuais intermediários,cada qual condicionado pelo antecedente e preparador dos subsequentes.Os atos processuais podem ser classificados segundo quem os realiza,tendo-se pois atos (a) dojuiz, (b) dos auxiliares da Justiça, (c) das partese (d) dos advogados (sendo que os atos destes são atos de parte).

Atos processuais das partes (por si ou por advogado). Dos atos daspartes alguns são realizados pessoalmente e outros através de advogado.São realizados necessariamente pelo profissional os atos postulatórios(supra, n. 60), consistentes em demandar ou em instruir. As demandasque as partes endereçam ao juiz são de duas ordens: a) pedidos, quandose postula a própria tutela jurisdicional (demanda inicial, contestação,reconvenção, recurso etc.); b) requerimentos, destinados à obtenção dealguma medida preparatória (requerimentos relativos à prova, à intima-ção de alguma pessoa etc.). Todos os atos postulatórios são declaraçõesde vontade, e sempre terá o juiz o dever de apreciá-los, favorável oudesfavoravelmente. Os atos instrutórios das partes abrangem todas asatividades destas relativas à prova em geral bem como tudo que for ditopelo advogado com o objetivo de convencer o juiz (alegações em geral,inclusive as finais). A parte realiza também atos materiais, que não sãoexpressões de uma vontade ou pretensão mas meras condutas destinadasao cumprimento da lei ou de exigências feitas pelo juiz. Tais são a pres-tação de depoimento, a entrega de bens na execução etc.

Atos processuais dojuiz (atosjudiciai~). Os principais atos proces-suais do juiz são os provimentos judiciais ou pronunciamentos judiciais,que é como se expressa o novo Código de Processo Civil - declaraçõesde vontade do Estado-juiz, às vezes acompanhadas de alguma determi-nação no sentido de mandar realizar ou omitir uma conduta. Os provi-mentos judiciais são classificados em sentença, decisão interlocutóriae despacho de mero expediente. Além disso, o juiz realiza certos atosmateriais, que não se confundem com os provimentos, como o compare-cimento em audiência, a direção desta e até mesmo, embora isso não sejausual, a verificação pessoal do estado de pessoas ou coisas (inspeçãojudicial - CPC, arts. 481-484).

Sentença. Nos termos do art. 203, S Iº, do novo Código de ProcessoCivil, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz põe fim àfase cognitiva do processo ou extingue a execução. Essa sentença seráde mérito se estiver fundada em uma das hipóteses do art. 487. quandoentão o juiz declara quem tem razão e quem não a tem, segundo o direitomaterial e as provas dos autos; ou terminativa, quando seu fundamentofor um daqueles indicados no art. 485 do Código de Processo Civil; essa

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sentença não decide sobre o mérito, ou seja, sobre a pretensão do autor,limitando-se a declarar que, por falta de algum pressuposto, o mérito nãopode ser julgado. A sentença poderá conter um ou mais capítulos. Sãocapítulos de sentença as unidades autônomas contidas no decisório dasentença, ou seja, os diversos preceitos imperativos que com extremafrequência se veem incluídos no invólucro de uma sentença só. Muitodificilmente uma sentença contém o julgamento de uma só pretensão,ou seja, uma só decisão. Basta pensar na condenação do vencido pelocusto financeiro do processo (inji'a, n. 139), a qual se resolve em umpreceito, contido no dispositivo da sentença, que não se confunde como julgamento do próprio conflito que motivou o demandante a valer-sedos serviços do Poder Judiciário; no mesmo ato o juiz julga a causa etambém dispõe sobre o modo como se regerá a responsabilidade por essecusto, ainda quando o faça para dispensar o vencido de arcar com ele.São também corriqueiros os casos de cúmulo de pedidos (supra, n. 123),em que a parte final da sentença cinde-se em duas ou mais disposições(capítulos), cada uma distinta da outra e destinada ao julgamento de umadas pretensões cumuladas.

Decisão interlocutória. O novo Código de Processo Civil não dáuma conceituação direta das decisões interlocutórias, preferindo fazê--lo pela negativa, a saber, dizendo que "decisão interlocutória é todopronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no9 Iº" (CPC, art. 203, 9 2º). Ao falar em pronunciamento não enqua-drado nesse parágrafo está distinguindo as decisões interlocutórias dasentença, ou seja, está a afirmar que só são interlocutórias as decisõesque não põem fim à fase cognitiva do processo ou à execução. Nessalinha, ojulgamento antecipado parcial de mérito, regido pelo art. 356 doCódigo de Processo Civil (infra, n. 138), é realizado mediante decisãointerlocutória - decisão de mérito, mas interlocutória. Ao aludir à suanatureza decisória, o art. 203, 9 2º, distingue as decisões interlocutóriasdos meros despachos, que nada decidem.

Despachos. Também os despachos são conceituados pelo novoCódigo de Processo Civil por um modo indireto, ao estabelecer que"são despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados noprocesso, de ofício ou a requerimento da parte" (art. 162, 9 3º). Demaispronunciamentos são todos os provimentos do juiz não caracterizadoscomo sentença nem como decisão interlocutória. Mas essa fórmula écompletamente vazia de conteúdo e não oferece a quem a leia a noçãodo que significa despacho no contexto dos pronunciamentos judiciais.Sabe-se porém que os despachos, ou de.spachos de mero expediente, são

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pronunciamentos judiciais sem qualquer conteúdo decisório e destina-dos à boa organização do processo, com seu encaminhamento rumo aoato final que será a sentença.

A classificação tríplice dos pronunciamentos judiciais é elementode imensa valia prática na determinação do recurso admissível contraatos do juiz de primeiro grau de jurisdição. A sentença, quer de mérito outerminativa, comporta apelação (CPC, art. 1.009, caput - infra, n. 151).As decisões interlocutórias recorríveis comportam recurso de agravo deinstrumento (CPC, art. 1.015 - infra, n. 152). Os despachos, justamenteporque não têm qualquer conteúdo decisório, não comportam recursoalgum (CPC, art. 1.001).

Todos os provimentos colegiados dos tribunais chamam-se indis-tintamente acórdãos (CPC, art. 204). Os acórdãos constituem projeçãonos graus superiores da jurisdição do que são as diversas espécies dedecisões do juiz inferior (interlocutórias ou sentenças).

Atos dos auxiliares da Justiça. Os auxiliares da Justiça exercemvariadíssimas funções complementares à jurisdição, que é privativa dojuiz. Os auxiliares permanentes da Justiça, que integram o esquema fixodos órgãos judiciários (supra, n. 58), exercem atividades relacionadascom o dia a dia do processo e consistentes na guarda e conservação deautos, movimentação destes entre os diversos sujeitos processuais, do-cumentação dos atos orais e de acontecimentos ocorridos em cartório,efetivação de ordens judiciárias mediante diligências externas (citação,intimação, penhora, busca e apreensão) etc. Tais são principalmente oescrivão ou chefe de secretaria, seus auxiliares (os escreventes) e o ofi-cial de justiça, mas outros auxiliares permanentes também realizam atosrelativos à distribuição de feitos, contas, partilhas, depósito de bens etc.Os auxiliares eventuais da Justiça (supra, n. 59) realizam atos própriosde sua condição, como perícias, administração do espólio ou da massafalida (inventariante, administrador judicial) etc.

131. negócios jurídicos processuais

Dois dispositivos de expressiva relevância metodológica contidosno novo Código de Processo Civil tomaram viável no direito brasileiro arealização de negócios jurídicos processuais de forma genérica e desvin-culada de hipóteses específicas. Tais dispositivos oferecem significativasaberturas para que as partes ajustem entre si os modos como o processose realizará, afastando-se dos standards gerais e abstratos da lei e con-figurando um novo regramento concreto ditado pelas vontades conver-

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gentes de ambas. Assim é seu art. 190, portador de certas alterações tantono procedimento a ser concretamente adotado no caso "para ajustá-lo àsespecificidades da causa" quanto na concreta configuração da própriarelação processual mediante modificações "sobre os seus ônus, poderes,faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". E dispõetambém o art. 19 I do Código de Processo Civil que, "de comum acor-do, o juiz e as partes podem fixar um calendário para a prática dos atosprocessuais, quando for o caso".

Esses ajustes concertados entre os litigantes caracterizam-se comoautênticos atos de autorregulação dos próprios interesses, o que é daessência dos negócios jurídicos. Os efeitos jurídicos que produzemsão aqueles determinados pela vontade dos próprios participantes, osquais estabelecem, por decisão própria, o conteúdo substancial dessasdeclarações. As limitações a que essa liberdade das partes se sujeita e anecessária aprovação do ajuste pelo juiz (CPC, art. 190, par.) não infir-mam sua qualificação como negócios jurídicos, porque nenhum destesé totalmente livre, estando todos eles sujeitos à compatibilidade comsuperiores regras de direito, inclusive constitucional, quando for o caso.

Essas aberturas para o reconhecimento da configurabilidade denegócios jurídicos processuais segundo o vigente direito positivo brasi-leiro não chegam ao ponto de desnaturar a visão geral do processo comocategoria jurídica de direito público (supra, n. 22). As faculdades deautorregulação dos próprios interesses pelas partes são pontuais e limi-tadas e seu exercício é sempre fiscalizado pelo juiz, ao qual cabe evitarcláusulas contratuais abusivas ou em detrimento de parte que se encontre"em manifesta situação de vulnerabilidade" (CPC, art. 190, par.).

132. forma dos atos processuais (modo, lugar e tempo)e a medida da adoção do princípio da liberdadedasformas pelo Código de Processo Civil

Forma dos atos processuais é o conjunto dos aspectos externos doato. A lei impõe certas exigências de forma referentes ao modo, lugar etempo de realização de cada ato do processo, sem cujo atendimento o atopadecerá de uma desconformidade com o modelo legal e por isso poderávir a ser considerado inexistente, nulo ou ineficaz (inji-a, n. 135).

Como se dá com as declarações de vontade em geral, inclusive naseara do direito privado, os atos processuais portadores de uma decla-ração de vontade são sujeitos a certos requisitos formais intrínsecos eoutros extrínsecos. Os requisitos intrínsecos manifestam-se na correta

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escolha entre a forma escrita ou oral de que o ato se compõe ou da lín-gua pela qual a vontade se manifesta, nos elementos concretos de que secompõe internamente etc. - e tais são os requisitos de modo a que o atose submete, sobre como o ato deve ser em si mesmo, em seus elementose em sua própria configuração. Os demais requisitos são exteriores aosatos e dizem respeito às circunstâncias de lugar e de tempo nas quaiseles se realizam. Esses são requisitos extrínsecos dos atos processuais.

O Código de Processo Civil faz uma solene proclamação da liberda-de das formas dos atos processuais ao estatuir que eles não dependem deforma determinada senão quando a lei expressamente a exigir (art. 188)- mas depois impõe tantas exigências formais referentes a tantos atos doprocedimento, que fica seriamente abalado esse aparente compromissocom a liberdade das formas. Os mais importantes dos atos processuaissão severamente submetidos a exigências específicas relativas ao modocomo devem ser realizados, quando não também à sua situação no tempoe no espaço.

Nesse contexto de convívio entre exigências formais mais ou menosestritas e regras de tolerância inerentes à instrumentalidade das formas(supra, n. 13 - inji-a, n. 135), o sistema vigente no Código de ProcessoCivil pode ser considerado como um sistema de equilíbrio entre a liber-dade e a legalidade das formas.

133. prazos

Prazo é a distância temporal entre dois atos, estabelecida na lei -distância máxima na maioria dos casos, distância mínima em outros. Emface disso a imposição de prazos pela lei processual considera-se umaspecto da disciplina do processo no tempo e, portanto, um dos aspectosdas exigências formais do processo (supra, n. 132).-

Os prazos consistentes em uma distância máxima, ditos prazosmá,imos, consistem na exigência de que os atos sejam realizados até aum certo momento e depois não possam mais ser realizados eficazmente.É o caso do prazo para a contestação do réu, a qual deve ser entreguedentro de quinze dias a partir da audiência de conciliação ou de media-ção (CPC, art. 335, inc. I), sendo ineficaz a contestação entregue depoise amargando o réu a condição de revel e os males do efeito da revelia(art. 344); ou da apelação, que se não for protocolada no prazo de quinzedias não impedirá que a sentença passe em julgado. Em virtude disso,os prazos máximos são aceleratórios, isto é, visam a impulsionar oprocedimento para a frente - eles têm o efeito de limitar as esperas pelarealização dos atos processuais.

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Os chamados prazos mínimos têm a finalidade oposta. Consistemna imposição de uma espera pela realização de certo ato, como condiçãopara que possa ser realizado o ato subsequente. É o que se vê, p. ex., naexigência de comparecimento imposta pelo juiz a determinada pessoa.Esse comparecimento só será exigível a partir de quarenta e oito horasdepois da intimação dessa pessoa (art. 218, S 2º). Os prazos mínimosconsideram-se, por isso, dilatórios - ou seja, sua imposição visa a impe-dir que o processo vá avante antes de determinado momento.

São geralmente preclusivos os prazos máximos impostos às partespara a realização dos atos de seu interesse. Não cumprido o ato no tem-po preestabelecido, o fenômeno da preclusão temporal impede que elaspossam realizá-lo depois e obter os resultados desejados (infra, n. 134).Mas nem todos os prazos fixados para as partes são preclusivos. Nãoo são, em primeiro lugar, aqueles destinados ao cumprimento de umdever, ou seja, de um imperativo de conduta no interesse da Justiça ouda parte contrária (supra, n. 116). O advogado que não restituir no prazoos autos retirados de cartório continua obrigado a fazê-lo, independente-mente das sanções que pessoalmente poderá suportar como consequên-cia do retardamento (CPC, art. 234, caput e SS Iº-4º). Também não sãopreclusivos certos prazos quando do atraso não resulte retardamento namarcha do procedimento nem prejuízo ao adversário: em princípio a par-te que nos quinze dias fixados pelo art. 437 do Código de Processo Civilnão se manifestar sobre os documentos trazidos pelo adversário aindapoderá fazê-lo depois, até quando das alegações finais (art. 364) - salvoas hipóteses de uma possível má-fé (art. 436, inc. IV).

Dizem-se próprios os prazos preclusivos. Impróprios, os não pre-clusivos.

É natural que sejam impróprios os prazos fixados para o juiz por-que ele não defende interesses pessoais no processo, mas cumpre deve-res. O juiz que excede prazos sem motivo justo deve suportar sançõesadministrativas ou mesmo pecuniárias (CPC, art. 143, inc. 11),mas emrelação a ele inexiste a sanção processual das preclusões. Se ele nãoprofere o despacho dentro de cinco dias da conclusão dos autos, ou adecisão interlocutória em dez, ou a sentença em trinta dias (art. 226, incs.I-I1-I1I, e art. 366), nem por isso ficará dispensado do dever de fazê-lo.Tal é a não preclusividade dos prazos fixados para o juiz, ou seu caráterde prazos impróprios.

Na grande maioria os prazos estabelecidos pela lei processual sãoendoprocessuais, ou seja, eles são prazos internos ao processo. Referem--se a fatos componentes de um só e mesmo processo e ditam distâncias

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temporais entre atos de um só procedimento (prazo para contestar, paraarrolar testemunhas etc.). Mas há também prazos que, embora digamrespeito ao sistema processual e estejam disciplinados na lei do proces-so, fluem fora deste e às vezes até antes que algum processo se instaure.É extraprocessual o prazo de dois anos para propor a ação rescisória,contado da "última decisão proferida no processo" (CPC, art. 975 - in-fra, n. 166); esse prazo flui entre dois processos, e não no interior deum deles. Também é extraprocessual o prazo de cento e vinte dias paraimpetração de mandado de segurança (LMS, art. 23 - supra, n. 91).

Em resumo: a) os prazos consideram-se máximos quando impõema realização do ato até dado momento, não podendo ser realizado depois;b) mínimos, quando impõem uma espera; c) os prazos máximos são ace-/eratórios do processo; d) os mínimos, dilatórios; e) os prazos são pró-prios ou preclusivos quando de sua inobservância resultar uma preclusãoimposta ao sujeito que não os houver observado; f) impróprios, ou nãopreclusivos,quando a inobservância não tem esse efeito.

É tradicional no direito processual brasileiro a regra de que, "salvodisposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia docomeço e incluindo o dia do vencimento" (CPC, art. 224, caput). Dis-põe também o Código de Processo Civil que "a contagem do prazo teráinício no primeiro dia útil que seguir ao da publicação" (art. 224, S 3º).Não se computa o dÍes a quo, ou seja, o dia do início do prazo (intima-ção etc.), mas se computa aquele em que se completa o número de diasestabelecido para determinado prazo. No último momento útil desse diao prazo terminará e, consequentemente, não havendo a parte praticadoo ato sujeito ao prazo, "extingue-se o direito de praticar ou de emendaro ato processual, independentemente de declaração judicial" (art. 223).

Ao contrário do que tradicionalmente ocorria no sistema processualbrasileiro, em que os prazos eram contínuos, contando-se em dias cor-ridos, no novo Código de Processo Civil a regência da contagem dosprazos é outra, porque, como determina seu art. 219, "na contagem deprazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somenteos dias úteis". Ou seja: os dias não úteis não se computam no começo,no meio nem no fim dos prazos.

134. preclusão

Preclusão é a perda de uma faculdade processual imposta pelalei em determinados casos. Ela será uma preclusão temporal quando

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imposta como consequência do não exercício de uma faculdade, ou nãorealização do ato esperado, no prazo fixado em lei. Consumativa, quan-do decorrer do já exaurido exercício da faculdade, não sendo admitida arepetição do ato pela parte. Lógica, em razão da incompatibilidade entredeterminada tàculdade, ou seu exercício, com uma conduta já posta emprática pela parte. Mista, quando for efeito do decurso do tempo emassociação com o prosseguimento do processo sem que o ato haja sidorealizado. O instituto da preclusão temporal tem imensa relevância nosistema brasileiro de procedimento rígido, que não admite retrocessosnem tolera esperas além do tempo determinado em lei (supra, n. 78) -ao contrário do que se dá em outras ordens processuais, nas quais certosretrocessos são admitidos em alguma medida. Com isso, ela é um dosgrandes responsáveis pela aceleração processual.

Exemplos clássicos e manifestos de preclusão temporal: o réu quenão contesta no prazo fica revel, não podendo mais oferecer sua contes-tação e tendo contra si a presunção de veracidade dos fatos alegados peloautor na petição inicial (CPC, art. 344); a parte vencida que no prazonão apela não mais poderá recorrer, suportando com isso o trânsito emjulgado da sentença. Exemplo de preclusão lógica: o reconhecimentodo direito do autor subtrai ao réu a faculdade de contestar para resistir àdemanda inicial (CPC, art. 335, c/c art. 487, inc. IIl, letra a). Exemplo depreclusão consumativa: oferecido recurso contra uma decisão, não seráadmissível interpor outro contra a mesma decisão (princípio da unirre-corribilidade). Exemplo de preclusão mista: a faculdade de manifestar-sesobre os fatos novos ou documentos exibidos pelo réu em contestação(CPC, arts. 350 e 351) não se extingue pelo simples decorrer do prazomas somente se, decorrido este, um ato subsequente vier a ser realizado(saneamento do processo etc.).

O novo Código de Processo Civil procurou atenuar o caráter preclu-sivo do processo civil brasileiro ao limitar os casos de admissibilidadedo recurso de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias dosjuízes de primeiro grau de jurisdição (infra, n. 152) - porque, como é na-tural, não seria legítimo castigar com a preclusão a parte que não tivessecomo rebelar-se contra uma decisão proferida em seu desfavor. Seu art.1.009, S Iº, aliás, atua nesse sentido ao proclamar que "as questões resol-vidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportaragravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão", etc. Mas tantassão as hipóteses nas quais as interlocutórias comportam esse recurso (art.1.015, incs. I-XIII), que, ao que parece, o legislador não logrou seu intui-to anti preclusivo, deixando pois as coisas praticamente como eram antes.

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J35. defeitos dos atos processuais e a instrumentalidade das formas

Em uma ordem processual regida pela garantia do devido processolegal, em que todo processo deve ser celebrado segundo regras segurase preestabelecidas (supra, n. 38), é natural que se questione a eficáciade atos processuais destoantes dos modelos e exigências legais. Isso nãosignifica que somente os atos processuais peljeitos tenham aptidão arealizar o escopo programado, jamais a tendo nenhum dos imperfeitos -ou seja, aqueles a que faltem requisitos. O sistema processual procura sermuito racional e é extremamente flexível no trato das imperfeições dosatos processuais. Nenhum ato processual se anula quando seu escopotenha sido alcançado e sua eventual irregularidade formal não haja cau-sado prejuízo às partes ou ao correto exercício da jurisdição - princípioda instrumentalidade dasformas (supra, n. 13).

A consequência da imperfeição do ato guarda correspondência coma natureza e a gravidade do defeito e com a natureza do próprio ato. Otratamento dado aos diversos possíveis defeitos dos atos processuaisvai da pura e simples indiferença (uso de algumas poucas palavras emlíngua estrangeira na decisão judicial, em afronta ao disposto no art. 192,captlf, do Código de Processo Civil) à radical inexistência do ato jurídicoimperfeito. Éjuridicamente inexistente o ato processual quando lhe faltaalgum dos requisitos mínimos caracterizadores do tipo legal (forma, su-jeito, objeto) que ele aparenta reproduzir - ou seja, mutatis mutandis, epara usar a linguagem dos civilistas, quando ele for deficiente quanto aosessentialia negotii. Uma sentença não assinada ou proferida por não juiz éalgo que em si mesmo tem realidade material e histórica, porque, mal oubem, o ato aconteceu: alguém a escreveu e a compôs com relatório, mo-tivação e conclusão (CPC, art. 489), como se fosse uma sentença. Mas,porque o sujeito que a produziu não está investido do poder jurisdicionalou porque um escrito sem assinatura não se vincula à vontade de quempoderia produzi-lo, essa falsa sentença é, perante o direito e em face doresultado proposto, precisamente como algo que não existisse. Estamosa falar, portanto, de uma inexistência jurídica e não fática, ou histórica.

Em situação intermediária entre a indiferença e a inexistência estãoos casos em que a imperfeição conduz à nulidade do ato judicial. Hánulidades cominadas (p. ex., aquela referida no art. 280 do CPC - "ascitações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância dasprescrições legais") e há também nulidades nela cominadas, que resul-tam de uma análise do ato concretamente realizado em confronto como modelo definido em lei, para depois verificar se o eventual defeitofoi ou não capaz de inabilitá-lo a produzir o efeito desejado. O sistema

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processual também distingue as nulidades em absolutas e relativas, ende-reçando àquelas um tratamento mais severo, e a estas menos. Constituemcausas de nulidade absoluta as infrações a exigências estabelecidas como objetivo de preservar o correto funcionamento dos órgãos e serviçosjudiciários - e, por isso, estando em jogo o interesse público da Justiça, O

juiz tem o dever de fazer a verificação ex officio e em qualquer tempo ougrau de jurisdição, independentemente de provocação pela parte (CPC,art. 278, par.). É o caso da decisão proferida sem a prévia intimação doMinistério Público nos casos em que sua intervenção seja necessária(CPC, art. 279). Inversamente, por não afetarem o interesse público, asnulidades relativas somente podem ser declaradas mediante iniciativa daparte na primeira oportunidade que tenha para se manifestar no processo,sob pena de preclusão (CPC, art. 278, caput), com a demonstração doprejuízo que a nulidade lhe haja causado ou poderia lhe causar. Somentea parte inocente pode pleitear o reconhecimento da nulidade relativa,carecendo de legitimidade para pedi-la a parte que lhe haja dado causa(CPC, art. 276). Exemplificando: não pode reclamar da falta de inquiri-ção de uma testemunha a parte que haja dado causa a isso mediante indi-cação de endereço equivocado para a intimação, não sendo ela intimada.

A nulidade de um ato processual pode propagar-se a outros atos,em si mesmos sadios, mediante um processo de contaminação capazde comprometer até mesmo o procedimento inteiro, conforme o caso.O Código de Processo Civil estatui, mediante uma disposição bastanteampla, que, "anulado o ato, consideram-se de nenhum efeito todos ossubsequentes que dele dependam". No entanto, o mesmo dispositivoressalva que "a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outrasque dela sejam independentes" (art. 281). Para a correta identificaçãodos atos que ficam contaminados pela nulidade de um ato anterior, o art.282 do Código de Processo Civil dispõe que, "ao pronunciar a nulidade,o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências neces-sárias a fim de que sejam repetidos ou retificados".

A consciência de que as exigências formais do processo não passamde técnicas destinadas a impedir abusos e conferir certeza aos litigantes(due process oflaw) manda porém que elas não sejam tratadas como finsem si mesmas, senão como instrumentos a serviço de um fim. Cada atoprocessual tem um fim próprio, ou escopo específico, e todos eles emconjunto têm o escopo de produzir uma tutela jurisdicional justa, me-diante um processo seguro. O ato não será nulo só porque formalmentedefeituoso. Nulo é o ato que, cumulativamente, se afaste do figurinolegal, deixe de realizar o escopo ao qual se destina e, por esse motivo,

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cause prejuízo a uma das partes (CPC, art. 277 e 282, SS Iº e 2º). A in-validade do ato, ou seja, o seu defeito, é indispensável para que ele sejanulo, mas não é suficiente nem se confunde com sua nulidade.

Tal é a ideia da instrumentalidade das formas, presente no art. 277do Código de Processo Civil, segundo o qual, "quando a lei prescreverdeterminada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outromodo, lhe alcançar a finalidade". Na interpretação desse dispositivoentende-se que o preceito ali contido aplica-se tanto aos casos em que alei comine a sançelo de nulidade (nulidades cominadas) quanto àquelespara os quais não haja na lei cominação alguma (nulidades não comi-nadas). O novo Código não faz distinção alguma em relação a umas eoutras, como fazia o estatuto de 1973 (art. 244). Nesse contexto e comesse conteúdo, o art. 277 do Código de Processo Civil atua como umaautêntica norma de superdireito responsável pela coordenação de todo osistema de nulidades contido no Código de Processo Civil.

Toda e qualquer nulidade fica afastada, mesmo as absolutas e aindaque se trate de nulidade da sentença (falta de motivação etc.), quandoocorre o trânsito em julgado - sendo a coisajulgada uma sanatória geraldas nulidades (infra, n. 140). Alguns vícios reputados excepcionalmentegraves pela lei poderão ainda ser alegados pela via da açelo rescisória,mas, não proposta esta no biênio (CPC, art. 975) oujulgada inadmissívelou improcedente, o convalescimento é definitivo, e com isso desaparecea possibilidade de impugnar o ato, ainda que viciado de nulidade abso-luta (infra, n. 166).

136. suspensão do processo

Suspenselo é uma situação jurídico-processual provisória e tempo-rária durante a qual o processo, embora pendente, sem deixar de existir,detém seu curso e entra em vida latente. O procedimento deixa de seguiravante, e em princípio nenhum ato processual pode ser realizado duranteesse período. Estar suspenso o processo significa substancialmente queem princípio serão ineficazes os atos que nesse período eventualmentese realizem (CPC, art. 314). A suspensão processual é a consequênciade certos atos ou fatos indicados pela lei. Estar suspenso o processosignifica também que é temporariamente defesa a sua continuaçelo, nãose podendo praticar os atos que normalmente se praticariam se ele nãoestivesse suspenso - de modo que o primeiro ato que se praticaria naordem do procedimento só vai ser praticado após cessado o estado desuspensão.

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Apenas eventuais medidas urgentes necessárias em cada caso éque, por expressa disposição da própria lei, poderão ser eficazmenterealizadas (art. 314, 2ª parte) - p. ex., a produção antecipada de umaprova testemunhal estando a testemunha em perigo de vida ou em via detransferir-se definitivamente a outro país.

A disciplina da suspensão do processo está contida e pormenoriza-damente desenvolvida nos arts. 313 a 315 do Código de Processo Civil,onde reside inclusive o rol das causas gerais de suspensão, entre elas amorte de uma das partes e a necessidade de habilitar sucessores (CPC,arts. 313, inc. I, e 687 ss.), a força-maior (art. 313, inc. VI), a convençãodas partes (art. 313, inc. 11)etc., e também a relação de casos específicosde suspensão do processo de conhecimento (prejudicialidade externaetc. - art. 313, inc. V, letra a). A suspensão do processo de execução éregida no capítulo referente a esta (inexistência de bens penhoráveis,impugnação ou embargos do executado em alguns casos etc. - arts. 526,S 6º, 919, S Iº, e 921, inc. IIl).

Não se confundem com a suspensão as abomináveis meras parali-sações do processo, ficando ele inerte por omissão das partes, do juiz oudo cartório, mas não estando legalmente impedido de prosseguir. A faltade impulso pelo sujeito que tem o dever ou o ônus de fazer o procedi-mento caminhar avante acarreta indesejáveis demoras, mas o processoconsidera-se, ainda que paralisado, em vida plena e não suspenso. Assimé, p. ex., quando ojuiz despacha aguarde-se no arquivo ou quando man-da esperar pelo cumprimento de algum ato ou diligência (perícias etc.).E assim é também quando o cartório demora meses e mais meses parasimplesmente levar os autos à conclusão - o que acontece com constran-gedora frequência nos cartórios do foro central da Capital de São Paulo.Existe também o péssimo costume de mandar que o processo aguarde ojulgamento do recurso extraordinário ou especial interposto, quando a leié muito clara ao estabelecer que tais recursos não têm efeito suspensivo(CPC, art. 995 - inji-a, n. 142). Nesses casos o processo fica somenteparalisado, não suspenso.

137. extinção do processo 011 da fase cognitiva

A fase cognitiva do processo é encerrada por sentença, quer demérito ou terminativa (supra, n. 130). Nenhuma delas provoca neces-sariamente a extinção do processo em si mesmo mas somente de suafase cognitiva, como de modo expresso diz a lei (CPC, art. 203, S Iº).Ordinariamente o processo avança depois desse julgamento, ingressan-do na fase de cumprimento de sentença ao menos para a satisfação da

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condenação em custas processuais e em honorários advocatícios (nahipótese de não ter sido imposta na sentença uma condenação referenteao próprio objeto do processo). O processo somente será extinto com asentença que põe fim a essa nova fase (supra, n. 80). Nas poucas hipóte-ses em que a sentença não impõe condenação alguma, sequer pelo custodo processo, a sentença que põe fim à fase de conhecimento extinguetambém o processo.

A extinção da fase de cumprimento de sentença ou do processoautônomo de execução forçada operar-se-á sempre por força de umasentença, a qual, sem nada decidir sobre as pretensões contrapostas doslitigantes, dá por satisfeita a obrigação ou, mais amplamente, pela im-possibilidade ou desnecessidade de prosseguir na execução (CPC, arts.924, incs. I-V,e 925, c/c art. 203, S Iº).

Em realidade, classificar as sentenças que extinguem a fase cogni-tiva do processo em sentenças de mérito ou terminativas é insuficientepara a adequada identificação das espécies de sentenças existentes noordenamento jurídico brasileiro, que são quatro: a) as que, examinandoa causa, concluem pela procedência, improcedência ou procedência par-cial da demanda, sendo pois autênticas sentenças de mérito (CPC, art.487, inc. I); b) as que se pronunciam sobre aprescrição ou a decadência,que, mal ou bem, o Código quis colocar como tema de mérito (CPC,art. 487, inc. li); c) as que se limitam a homologar o reconhecimento dopedido, a transação ou a renúncia ao direito (CPC, art. 487, inc. I1I); d)as terminativas, que negam o julgamento do mérito (CPC, art. 485). Astrês primeiras hipóteses são reunidas pelo Código de Processo Civil emuma só categoria (sentenças de mérito).

Essa variedade de espécies de sentenças conduz a várias e signi-ficativas peculiaridades no trato de cada uma delas, seja no tocante aoconteúdo, ao momento em que são proferidas, ao modo de desconstituí--Ias após o trânsito em julgado etc.

138. julgamento do mérito

O julgamento do mérito ocorre ao fim da fase de conhecimento doprocesso, após as partes apresentarem os seus pleitos e o processo sersaneado e devidamente instruído (supra, n. 84). Mas se os pontos defato relacionados com o mérito estiverem maduros para o julgamentoantecipa-se este, sem o desenvolvimento de uma fase instrutória ou como seu abreviamento. Trata-se do julgamento antecipado do mérito, de

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aplicação restrita às hipóteses de desnecessidade de provas (CPC, art.355), que se configuram (a) quando incontroversos os fatos, inclusivepor efeito da revelia ou de contestação sem impugnação específica defatos (CPC, arts. 341, 344 e 374, inc. IV), (b) quando os fatos alegadosna inicial forem impertinentes ou irrelevantes, (c) quando já estiveremsuficientemente provados ou ainda (d) quando inadmissível a provapretendida.

Em uma das grandes inovações trazidas pelo novo Código de Pro-cesso Civil, seu art. 356 instituiu na ordem processual civil brasileira afigura do julgamento antecipado parcial do mérito, admissível sempreque parte do pedido ou um dos pedidos cumulados reunir condições paraesse julgamento e o outro, ou outros, não. O Código autoriza esse jul-gamento antecipado parcial quando parte do pedido ou um dos pedidosmostrar-se incontroverso (art. 356, inc. I) ou se estiver em condiçõesde imediato julgamento (art. 356, inc. 11). No tocante ao que não foidecidido prosseguirá o processo mediante a instrução probatória e tudomais quanto for necessário ao julgamento final. Esse julgamento parcial,que é um autêntico julgamento de mérito, será suscetível à autoridade dacoisa julgada material, mas o Código o trata como decisão e não comosentença, pondo-o sob o crivo do recurso de agravo de instrumento e nãoda apelação (CPC, art. 356, S 2º - infra, n. 152).

139. custo do processo

O funcionamento do processo demanda um custo, desde antes de ademanda ser proposta até a efetiva prestação da tutela jurisdicional. Essecusto pode ser encarado em um sentido estrito e em um amplo. O primei-ro deles abarca apenas os gastos que guardam relação direta e imediatacom o desenrolar do procedimento. O segundo, todo e qualquer gasto ouperda decorrentes do processo. Importa à disciplina do processo o senti-do estrito. Como não há condenação ao ressarcimento das despesas quenão sejam decorrência direta e imediata da prática de um ato processual,carece de interesse prático a análise do sentido amplo da expressão.

Incluem-se no conceito estrito de custo do processo os honoráriosdevidos pela parte vencida ao advogado da vencedora (honorários da su-cumbência) mais todas as chamadas despesas processuais representadaspelas custas, taxas judiciárias em geral, pela remuneração de peritos etc.Por todas essas verbas a parte vencida será ordinariamente condenada.Não será condenada, p. ex., por eventuais despesas do vencedor para aobtenção de documentos a serem utilizados no processo, diligências embusca de testemunhas etc.

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Em seu sentido estrito o custo do processo divide-se em duas cate-gorias, as despesas processuais e os honorários advocatícios (CPC, arts.84 e 85). São despesas processuais todos os itens do custo do processoque de algum modo e em algum momento serão devidos aos agentesestatais, nos quais se inserem as custas, os emolumentos, o custo derealização de diligências como intimações ou citações e a remuneraçãodos auxiliares eventuais da Justiça que não integrem os quadros do PoderJudiciário. Ao falar em honorários advocatícios é necessário diferenciaros honorários devidos pela parte ao seu próprio patrono por força darelação contratual com ele ajustada daqueles devidos pelo vencido aoadvogado do vencedor. Estes são denominados de honorários da su-cumbência mas na realidade responde pelos honorários do advogado doadversário aquele que houver dado causa ao processo. Ordinariamentefoi o vencido quem deu causa à necessidade deste, seja porque propôsuma demanda sem ter razão, seja porque não tinha razão e obrigou oadversário a acioná-lo em juizo - mas há casos excepcionais em que opróprio vencedor foi quem deu causa ao processo, como, p. ex., ao pro-mover uma demanda quando o outro sujeito já se manifestara disposto asatisfazer sua pretensão. São esses os honorários que integram o custo doprocesso no sentido estrito e que devem ser arbitrados pelo juiz da causasegundo os critérios dispostos no art. 85 do Código de Processo Civil.

No que se refere às despesas processuais a lei institui um sistemaque impõe o adiantamento destas em certos momentos do processo e daobrigação de pagá-las a final (CPC, art. 82). Quando o processo termina,a parte vencida - em realidade, a parte que houver dado causa ao pro-cesso - deve pagar ao Estado ou aos auxiliares algum valor ainda nãorecolhido e reembolsará o vencedor pelo que ele tiver adiantado.

Estão dispensados de adiantar as despesas os beneficiários da gra-tuidade dajustiça, quer quando comparecem na condição de demandan-tes ou de demandados. Essa dispensa, assegurada pelo art. 5º, inc. LXXI,da Constituição Federal e disciplinada nos arts. 98 a 102 do Código deProcesso Civil, visa a assegurar o ingresso na Justiça àqueles que, porrazões financeiras, de outro modo não teriam como propor demandas oudefender-se. As normas referidas também ofertam de forma ampla osmeios para o acesso à justiça mediante o exercício do direito ao proces-so (assistência judiciária) e apoio para o correto e efetivo exercício dosdireitos fora da esfera jurisdicional- orientação em contratos, providên-cias extrajudiciais etc.

Mas a assistência jurídica integral garantida no ar!. 5º, inc. LXXI,da Constituição Federal, nela compreendida a assistência judiciária,

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ainda constitui uma romântica promessa na realidade do Brasil con-temporâneo. As Defensorias Públicas são material e numericamenteinsuficientes; apenas nos centros dotados de Faculdades de Direito hávoluntários habilitados e dispostos (como é o caso dos abnegados estu-dantes do Largo de São Francisco, reunidos no Departamento Jurídicodo Centro Acadêmico XI de Agosto); o Estado pouco ou quase nadainveste em assistência judiciária; os atos dos auxiliares da Justiça estra-nhos aos quadros judiciários ainda dependem de adiantamento de remu-neração - donde se vê que ainda há muito por fazer e aquela promessaconstitucional ainda pouco passa de uma promessa.

140. eficácia da sentença e coisa julgada- a eficácia preclusiva da coisa julgada

A eficácia da sentença distingue-se da coisa julgada, que a recobree a toma imutável (a autoridade da sentença). A eficácia da sentença demérito varia conforme seja ela constitutiva, condenatória ou meramentedeclaratória (supra, n. 7). Algumas sentenças enquadram-se quase per-feitamente nessas categorias, mas em certos casos a eficácia do provi-mento judicial pode assumir grande complexidade. Há categorias de sen-tenças com eficácia bastante complexa, como as de despejo, que têm osefeitos cumulados de desconstituir a relação jurídico-material de locaçãoe condenar o locatário-réu a entregar coisa certa. Há sentenças manda-mentais, como as regidas pelo art. 497 do Código de Processo Civil, asquais se caracterizam por serem uma modalidade específica de sentençacondenatória, valendo como severos comandos a serem obedecidos sobpena de ultraje àjurisdição (CPC, art. 77, S 2º). Há ainda sentenças que,apreciando relações jurídicas das quais emergem direitos e obrigaçõesao longo do tempo (relações jurídicas continuativas), projetam ao futuroos seus efeitos, destinados que são a regular os direitos e obrigaçõesexistentes ao seu tempo e também os que se forem maturando depois.

Isso não quer dizer que a coisa julgada material, recobrindo a efi-cácia de cada uma dessas sentenças, acabe por ser diferente lá e cá, ouseja, em cada uma das espécies daquelas. Varia a eficácia da sentençaconforme o caso e conforme a causa concretamente julgada, mas nada sealtera na coisa julgada, definida como "a autoridade que toma imutávele indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso" (CPC, art.502). Esse conceito remete a uma lição lançada por Enrico Tullio Lie-bman no longínquo ano de 1935 (Efficacia ed autorità della sentenza),ao esclarecer que a coisa julgada não é um efeito ou uma eficácia dasentença, mas uma sua peculiar autoridade, consistente na imutabilidadeda eficácia da sentença.

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Essa imutabilidade é denominada coisa julgada material, em con-traposição à coisajulgada formal, que consiste no impedimento de qual-quer recurso ou expediente processual destinado a impugná-Ia, de modoque naquele processo nenhum outro julgamento se fará.

A imutabilidade decorrente da formação da coisa julgada tem porconsequência o impedimento à propositura de demanda com objetoidêntico (junção negativa da coisajulgada - CPC, arts. 337, inc. VII e S4º, e 485, inc. V) e a vinculação dos juízes de processos futuros a tomarcomo premissa a situação jurídica definida na decisão transitada em jul-gado sempre que ela figurar como questão prejudicial (jitnção positivada coisajulgada - CPC, art. 503).

A definição do alcance dessas funções da coisa julgada (positiva enegativa) remete ao tema dos limites objetivos da coisa julgada. No sis-tema do Código de Processo Civil de 1973 somente o preceito concretocontido na parte dispositiva das sentenças de mérito ficava protegidopela autoridade da coisa julgada material, não os fitndamentos em queele se apoia (CPC-73, arts. 468 e 469). Em uma das grandes inovaçõestrazidas pelo novo Código essa regra foi substancialmente alterada.Atualmente o preceito concreto contido na parte dispositiva da sentençaserá sempre, como sempre foi, alcançado pela coisa julgada (CPC, art.503, caput) - mas, adicionalmente, essa autoridade estender-se-á à ques-tão prejudicial expressamente apreciada na motivação da sentença e queseja determinante para o resultado do julgamento sempre que preenchi-dos os pressupostos previstos no S lº do art. 503. Permanecem excluídosdo alcance da coisa julgada os motivos que não se qualifiquem comoquestão prejudicial, "ainda que importantes para determinar o alcanceda parte dispositiva da sentença" (CPC, art. 504, inc. I), bem como a"verdade dos fatos" (CPC, art. 504, inc. lI).

Um relevante requisito para que a coisa julgada se estenda àsquestões prejudiciais é o exigido no art. 503, S Iº, inc. I, do Código deProcesso Civil, ao dispor que da solução da questão prejudicial deve"depender o julgamento do mérito". Esse requisito restringe a extensãoda coisa julgada às questões prejudiciais, limitando-a somente às quefigurem na motivação como premissa necessária e determinante doresultado dojulgamento. Não podem ser qualificadas como necessáriase portanto determinantes do resultado as questões decididas desfavo-ravelmente ao vencedor, pois nesse caso a decisão não interferirá naconclusão pela procedência ou improcedência da demanda.

Um exemplo facilitará a compreensão. Em demanda condenató-ria o réu contesta a validade do contrato que deu origem à prestação

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e afirma que o crédito demandado já foi pago. A demanda é julgadaimprocedente, constando da fundamentação da sentença que o negócio éválido e o reconhecimento da quitação da dívida. Foi determinante paraa rejeição dessa demanda a quitação da dívida e sequer era necessárioque o julgador enfrentasse a questão referente à validade do contrato.Não há portanto como garantir a presença de cognição compatível coma formação da coisa julgada material quanto à parte da motivação quereconheceu a validade do contrato - e essa é a razão para o art. 503, S Iº,inc. I, afastar em tal hipótese a formação da coisa julgada. Pelo aspectoprático a limitação da coisa julgada às questões decididas favoravelmen-te ao vencedor evita uma indesejável proliferação de recursos, pois a ine-xistência de coisa julgada quanto aos motivos que lhe são desfavoráveisexclui o interesse do vencedor em recorrer (inji-a, n. 145).

A coisa julgada tem também seus limites subjetivos, que coincidemcom os limites subjetivos da eficácia da sentença ou seja, dos efeitosque esta projeta sobre as esferas de direitos das pessoas. Essa é umanatural consequência de não ter a coisa julgada os seus limites próprios,determinando-se sua dimensão subjetiva segundo os limites da sentençasobre cuja eficácia incide sua autoridade. Por longa tradição todavia odireito positivo brasileiro trata diretamente dos limites subjetivos da coisajulgada, como está no art. 506 do Código de Processo Civil, segundo oqual "a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, nãoprejudicando terceiros". Entenda-se, em um primeiro momento, que asentença só pode projetar efeitos sobre as esferas de direitos de quem hajasido parte no processo em que houver sido proferida - e, em um momentoulterior, que só as partes ficam sujeitas à autoridade da coisajulgada.

A razão fundamental pela qual a eficácia da sentença e a autorida-de da coisa julgada somente podem prevalecer em relação aos sujeitosprocessuais é a garantia constitucional do contraditório. Esta ficaria ma-culada se algum sujeito, sem ter gozado das oportunidades processuaisinerentes à condição de parte, ficasse depois atingido por eventuaisefeitos desfavoráveis da sentença e impedido de repor em discussão opreceito sentencia! (supra, n. 33).

Ao dizer somente que a sentença e a coisa julgada não podemprejudicar terceiros, sem dizer que também eventuais efeitosjavoráveisnão os atingem, o art. 506 do novo Código de Processo Civil afasta-sedo que tradicionalmente se dizia no anterior, segundo o qual "a sentençafaz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nemprejudicando terceiros" (CPC-73, art. 472). Provavelmente o legisladorde 2015 teve diante de si, como modelo dessa distinção entre efeitos

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favoráveis e efeitos desfavoráveis, o regime estabelecido nos três incisosdo art. 103 do Código de Defesa do Consumidor, nos quais se disciplinaa extensão dos efeitos favoráveis a grupos ou comunidades não figu-rantes do processo coletivo. De todo modo, essas ou eventuais outrasextensões de efeitos e autoridade favoráveis não colidem com a garantiado contraditório.

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Em algumas situações muito específicas um terceiro pode ficaratingido pelos efeitos da sentença e vinculado à coisa julgada fonnadaem um processo do qual não haja participado, quer esses efeitos e essaautoridade sejam favoráveis ou desfavoráveis. É o caso do sucessor daparte e do sujeito processualmente substituído por aquele que esteveem juízo para a defesa de seu interesse (supra, n. 100). Não há aquiqualquer mitigação ou mesmo ressalva à regra da limitação subjetiva daautoridade do julgado às partes, mas mera especificação. As razões queimpedem a extensão daqueles efeitos e dessa autoridade a terceiros nãoprevalecem quanto ao sucessor e ao substituído, porque deles é o inte-resse substancial em jogo e porque, por modos que a lei reputa idôneos,seus interesses estiveram defendidos no processo - os do sucessor, porquem era titular do direito ao tempo, e os do substituído, pelo sujeito aquem o direito outorga a legitimidade ad causam.

A coisa julgada é dotada também de uma específica eficácia pre-clusiva, imposta pelo art. 508 do Código de Processo Civil e tendo porsignificado o impedimento à propositura de demandas incompatíveiscom a situação jurídica definida na sentença transitada em julgado, namedida da incompatibilidade. A eficácia preclusiva atua no sistemacomo um autêntico escudo protetivo da própria coisa julgada e reforçaa estabilidade jurídica proporcionada por essa autoridade, impedindo apropositura pelo réu de demandas que venham a contornar ou minimizarsua derrota - demandas portadoras de alegações que foram ou poderiamter sido deduzidas no processo anterior e pedido incompatível com asituação substancial imunizada pela coisa julgada.

Exemplo em que a eficácia preclusiva se manifesta é o de demandacondenatória julgada procedente, com a condenação do réu a cumprira obrigação. Haja ele alegado que já fizera o pagamento antes da sen-tença, sendo essa defesa rejeitada na sentença, ou não haja sequer feitotal alegação, em qualquer dessas hipóteses não lhe será possível proporna sequência uma outra demanda, contra o autor da primeira, pedindo adevolução do valor referente ao primeiro pagamento com fundamento naausência de causa jurídica para adimplir em duplicidade. Essa demandaé distinta daquela a que a coisa julgada se refere, diz respeito a um direi-

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to subjetivo distinto, mas, como sua procedência tolheria por completo obem da vida assegurado pela sentença transitada em julgado, a eficáciapreclusiva impede a apreciação ge seu mérito.

141. meios de impugnação das decisões judiciais

O sistema processual oferece uma série de meios para a impugnaçãodas decisões judiciais, seja para afastar a eficácia de um ato judicial vi-ciado, retificar o ato ou para conformá-lo aos requisitos da conveniênciaou da justiça. Esses meios de impugnação proporcionam a cassação doato impugnado e sua substituição por outro, com o resultado consistenteem manter o conteúdo substancial desse ato, convalidando-o, ou em im-por uma decisão diferente. Cassar O ato significa retirá-lo do mundo ju-rídico. Substituí-lo, significa pôr em seu lugar uma decisão do órgão quedecide sobre a impugnação lançada contra ele - e sempre o ato que julgaum recurso ou algum outro meio de impugnação de decisões judiciáriastem o efeito de substituí-lo ainda quando repete o mesmo decisório nelecontido (CPC, art. 1.008).

A categoria dos meios de impugnação contém em si a dos recursos,, que é menos ampla e portanto figura como uma espécie integrada naque-le gênero próximo (infra, nn. 142 ss.). Os demais meios de impugnaçãoàs decisões, que não se qualificam como recursos, são as demandas au-tônomas de impugnação às decisões judiciais (infra, nn. 165 ss.).

142. recursos - conceito, espécies e efeitos

Recurso é um ato de inconformismo mediante o qual a parte pedenova decisão diferente daquela que lhe desagrada ou prejudica. É conatu-ral ao conceito de recurso no direito brasileiro o seu cabimento no mesmoprocesso ou mesma relação processual em que houver sido proferida adecisão impugnada. Recorre-se da decisão que acolhe ou rejeita algumapretensão no curso de uma fase do processo sem lhe pôr fim (decisõesinterlocutórias), recorre-se de decisões que põem fim à fase cognitiva doprocedimento comum OLl extinguem a execução (sentenças), recorre-sede decisões tomadas pelos tribunais (acórdãos). Só não comportam re-curso os de!>pachosde mero expediente, que não contêm decisão alguma,limitando-se a dispor sobre o impulso do processo e a ordenação dos atosprocessuais; não há como pedir nova decisão em face de atos sem qual-quer conteúdo decisório (CPC, art. 1.00 I - supra, n. 130).

A interposição de um recurso instaura no processo um novo pro-cedimento, o procedimento recursal, destinado à produção de novo

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julgamento sobre a matéria impugnada. O processo não se duplica nemse cria uma nova relação processual. Novo curso se instaura, ou novacaminhada, em prolongamento à relação jurídica processual pendente,e daí falar-se em re-curso. O procedimento dos recursos compõe-se deatos ordenados segundo deteiminados critérios e em vista do objetivo decada espécie recursal, sendo que cada um dos atos sucessivamente reali-zados nesse procedimento vai produzindo seus efeitos e impulsionandoa demanda do recorrente ao julgamento pelo órgão destinatário. As es-pécies recursais admitidas no sistema do Código de Processo Civil sãoa apelação, o agravo de instrumento, os agravos internos, os embargosde declaração, o recurso ordinário, o recurso especial, o recurso extraor-dinário, o agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente dotribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso espe-cial e os embargos de divergência (art. 994, incs. I-IX).

Todo recurso produz seus efeitos desde quando é interposto e até quevenha a ser julgado. Os efeitos mais relevantes dos recursos são o devo-lutivo, o suspensivo e os de cassação e substituição da decisão recorrida.

Efeito devolutivo. Devolver significa, no glossário da técnica recur-sal, transferir: quando um recurso é interposto, o julgamento da causa oude uma demanda incidente é devolvido ao órgão superior, ou tram,feridoa ele o poder de julgar. A interposição recursal tem portanto a eficácia deincluir concretamente na competência do tribunal a causa ou o incidenteem que o recurso houver sido interposto. O tribunal reputa-se investidodo poder de decidir novamente, por força da devolução que os recursosoperam, nos limites da lei e da vontade expressa pela parte que recorre.Todo recurso é limitado por uma precisa dimensão horizontal, estabeleci-da pela matéria em relação à qual nova decisão é pedida; por uma dimen-são vertical, representada pelo conjunto de questões suscetíveis de seremapreciadas; e por uma dimensão subjetiva, representativa dos sujeitos aserem possivelmente beneficiados ou prejudicados pelo novo julgamento.

Os recursos devolvem aos tribunais somente os capítulos de sen-tença em relação aos quais o recorrente haja sido vencido. Aqueles emque foi vitorioso não podem ser examinados e muito menos reformadospelo tribunal, do qual o recorrente só pode esperar uma solução melhorque a concedida pelo juízo inferior, jamais uma pior. Um agravamentode sua situação pelo tribunal, a que se dá o nome de reformatio in pejus,é rigorosamente proibido aos tribunais.

Para delimitar o âmbito horizontal da devolução, todo recursodeve conter o pedido de nova decisão, com a impugnação da decisão

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recorrida no todo ou em parte (CPC, art. 1.002). Se o recurso for parcialsomente será devolvido à apreciação do tribunal o capítulo efetivamenteimpugnado.

Sempre que apenas parte do conteúdo decisório de uma sentençaou decisão é devolvida ao tribunal pelo recurso interposto não incidequanto à outra, ou outras, o efeito de impedir que se consume a preclu-seio. Essa eficácia reputa-se confinada ao capítulo sentencial que houverconstituído objeto da impugnação, de modo que quanto aos demaisforma-se a coisa julgada quando eles contiverem uma decisão de mérito.

No plano vertical, ou seja, no tocante às questões a serem conhe-cidas pelo tribunal, a extensão será maior ou menor conforme a espécierecursal. Dadas as precisas delimitações da admissibilidade do recursoespecial e do extraordinário, ditadas pela Constituição Federal, somentequestões de direito nacional podem ser objeto de devolução a estes (art.102, inc. III, letras a-c, e art. 105, inc. III, letras a-c) - excluindo-se apriori, portanto, qualquer apreciação de direito local, interpretação decontrato ou exame de prova (Súmulas nn. 279 e 454-STF; Súmulas nn.5 e 7-STJ). Os demais recursos permitem o mais elevado grau de devo-lução vertical, devolvendo as questões propostas pelas partes (recorrenteou recorrido), e também outras, não suscitadas, que sejam pertinentes àcausa e não hajam sido cobertas por preclusão (CPC, arts. 278, par., e485, ~ 3º).

Como decorrência da dimensão subjetiva do efeito devolutivo, emcaso de processo com litisconsortes ativos ou passivos a interposiçãode um recurso devolve ao tribunal somente a pretensão da parte querecorre e em/ace da parte em relação à qual o recurso é interposto. Esseenunciado, contido no art. 1.005 do Código de Processo Civil, constituiprojeção do chamado princípio da autonomia dos litisconsortes, que oart. I 17 proclama. Quando o litisconsórcio é unitário, porém, é impossí-vel reverter o julgamento em relação a um dos litisconsortes sem revertê--lo quanto ao outro, porque a isso se opõe a intransponível barreira daincindibilidade das situações jurídico-materiais, que é a razão de ser e ofundamento da unitariedade (supra, n. 102). Por essa razão o art. 1.005do Código de Processo Civil confere ao recurso interposto por um doslitisconsortes ligados pela unitariedade, ou em face de algum deles, oefeito de operar a devolução em relação a todos. Por força do dispostono par. do art. 1.005, idêntica disciplina se aplica à hipótese de haversolidariedade passiva e apenas um dos devedores solidários recorrer,alegando defesa que aproveite aos demais devedores.

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Efeito suspensivo. O efeito suspensivo consiste em impedir a pron-ta consumação dos efeitos de uma decisão interlocutória, sentença ouacórdão até que seja julgado o recurso interposto. Esse efeito não incidesobre a decisão judicial recorrida, como ato processual sujeito a ser cas-sado e substituído por outro, mas propriamente sobre os efeitos que sedestina a produzir. Quer se trate de sentença de mérito ou terminativa,ou mesmo de decisão interlocutória, o efeito suspensivo dos recursos sóexiste quando assim determina a lei, sendo natural a expansão de efeitosquando ela silencia (CPC, art. 995, caput). Tratando-se de decisão con-denatória, se o recurso não tiver efeito suspensivo a decisão comportaráexecução desde logo, seguindo as regras do cumprimento provisório desentença (CPC, arts. 520-522).

As decisões judiciárias têm seus efeitos obstados desde o momentoda prolação sempre que o recurso cabivel seja portador de efeito suspen-sivo: proferida a decisão interlocutória, a sentença ou o acórdão, faz-seuma prospecção sobre o recurso que em tese poderá ser validamenteinterposto, e se essa prospecção apontar a um recurso que tenha tal efi-cácia o ato judicial reputa-se desde logo impedido de produzir os efeitosprogramados. Seria um rematado contrassenso afirmar que a sentençasuscetível de recurso com efeito suspensivo produz efeitos antes dainterposição deste mas esses efeitos se estancam depois que ele vier aser interposto. Mais indesejável ainda seria adiar a efetivação do efeitosuspensivo ao momento da decisão que recebe o recurso nesse efeito: ojuiz não tem o poder de subtrair o efeito suspensivo que o recurso temsegundo a lei, e a sua decisão, nesse momento, é meramente declaratóriade uma situação anterior e, por isso, portadora de eficácia ex func.

Efeitos de cassação e substituição da decisão recorrida. É usual emdoutrina a alusão a um binômio representativo dos efeitos do julgamentodos recursos e composto pela cassação e substituição. Esses efeitos,porém, abrangem somente as hipóteses em que o recurso é conhecido,ou seja, as hipóteses em que o tribunal destinatário aprecia o seu mérito,seja para dar-lhe provimento, seja para negá-lo. Não conhecido o recurso,o ato jurídico fica intacto, sem cassação e muito menos substituição. Aoconhecer do recurso, seja para provê-lo ou para improvê-Io, o tribunalcassa a sentença ou decisão porque a retira do mundo jurídico, para quenão mais produza efeitos; e também a substitui por outra decisão, que éessa que ele próprio está a proferir (CPC, art. 1.008). Essa substituiçãodo ato inferior pelo superior se dá sempre que o mérito recursal sejajulgado, ainda quando o recurso seja improvido e, portanto, confirmadaa sentença ou decisão: a partir da publicação do acórdão este se reputa o

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ato julgador da causa ou incidente e a responsabilidade por ele é do órgãojulgador do recurso, e não do juiz a quo. Por isso, se ainda for admissívelalgum recurso subsequente ao que foi julgado ele será um recurso contrao acórdão e não contra a sentença (ou seja, contra o ato superior e nãocontra o inferior). Se nenhum recurso se interpuser o acórdão virá a serimunizado pela preclusão e eventualmente até pela coisa julgada material(se houver pronunciado sobre o meritum causce) - e não o ato decisórioinferior, já previamente retirado do mundo jurídico pelo julgamento su-perior. A extinção do processo ou da fase cognitiva será nesse caso obrado acórdão e não da sentença recorrida (art. 203, 9 Iº). Eventual açãorescisória poderá ser admitida contra aquele e não contra esta, contando--se depois da prolação do acórdão o prazo para propô-Ia, etc.

143. os pressupostos de admissibilidade dos recursose o seu mérito

Assim como a demanda inicial, também os recursos (que contêmuma demanda dirigida ao tribunal) são sujeitos a certos pressupostos ourequisitos sem os quais não poderão ser julgados pelo mérito. Mérito dorecurso é a pretensão a uma decisão favorável, em substituição a umadesfavorável, dirigida ao tribunal. O mérito recursal pode coincidir como mérito da própria causa, o que acontece quando o recurso é interpostocontra uma decisão que haja julgado este - mas pode também não coin-cidir, como se dá, p. ex., nos agravos de instrumento em que se peçanova decisão sobre alguma questão incidente e não sobre esse mérito.Os pressupostos de admissibilidade dos recursos equivalem, mutatis mu-tandis, aos que condicionam o julgamento de mérito de toda e qualquerdemanda (supra, n. 126) - e quando um deles faltar o recorrente não terádireito ao julgamento do mérito recursal, sendo o seu recurso inadmissí-vel e por isso merecedor de indeferimento pelo órgão recorrido (se for ocaso) ou de não conhecimento pelo tribunal destinatário.

São pressupostos gerais dos recursos, ou pressupostos dos recursosem geral, a legitimidade para recorrer, o interesse recursal, a adequaçãodo recurso interposto à espécie de decisão recorrida, a tempestividade,a regularidade/ormal da interposição e do processamento e o preparo.

144. legitimidade recursal

As primeiras pessoas legitimadas a recorrer são aquelas que figu-rem como partes no processo, porque é a elas que se refere a decisão

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recorrida e é principalmente a elas que poderão ser favoráveis os resul-tados do recurso que interpuserem (CPC, art. 966). Mas a lei tambémconcede legitimidade recursal, em certos casos, ao Ministério Público eao terceiro prejudicado - legitimidade essa sempre condicionada, tantoquanto a das próprias partes, à presença de um interesse mais favorávelaos direitos ou interesses de que sejam titulares (art. 966, par. - supra,n. 107).

145. interesse recursal

Sabendo-se que em direto interesse é utilidade (supra, n. 74), teminteresse em recorrer o sujeito (parte, Ministério Público, terceiro pre-judicado) ao qual o novo julgamento a ser proferido pelo tribunal possaser capaz de oferecer uma solução jurídica mais favorável que aquelada qual recorre. Faz-se uma prospecção focada no possível resultado dorecurso, e se dessa prospecção resultar a possibilidade de uma soluçãomais favorável o sujeito terá interesse em recorrer. É essa a intenção doart. 996 do Código de Processo Civil ao atribuir à parte vencida o direitode recorrer.

Falta interesse recursal, p. ex., ao réu que se saiu vencedor porqueojuiz reconheceu que sua obrigação perante o credor jamais existiu, masele apela com o pedido de reconhecimento de uma prescrição que haviaalegado. Como a solução pedida não é nada mais favorável que aquelada qual recorre, esse réu carece de interesse em relação a ela - e assim jáse pronunciou a Justiça paulista em um caso concreto.

146. adequação do recurso interposto

Cada um dos recursos incluidos na lei e por ela regidos destina--se a uma espécie de decisão a ser objeto de impugnação. Assim, (a) aapelação é admissível contra a sentença proferida em primeiro grau dejurisdição (CPC, art. 1.009), (b) o agravo de instrumento, contra certasdecisões interlocutórias desse mesmo nível (art. 1.015, incs. I-XIII), (c) orecurso extraordinário, da competência do Supremo Tribunal Federal,contra decisões tomadas por qualquer outro tribunal em única ou últimainstância envolvendo questões de direito constitucional (Const., art. 102,inc. III), (d) o recurso especial, para o qual é competente o SuperiorTribunal de Justiça, em face de decisões dos tribunais da Justiça comum(Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça) envolvendo ques-tões de direito infraconstitucional (Const., art. 105, inc. III), (e) os em-

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bargos de declaração, contra decisões de qualquer juízo ou tribunal, quesão admissíveis em caso de obscuridade, contradição ou omissão contidana decisão recorrida (CPC, art. 1.022) etc. Em princípio a interposiçãode um recurso inadequado em vez do adequado toma inadmissível orecurso interposto.

147. tempestividade

A tempestividade do recurso consiste na observância do prazoao qual cada um dos recursos é condicionado. Recurso intempestivoé recurso inadmissível e comportará rejeição pelo órgão recorrido oupelo órgão destinatário. Pelo disposto no art. 1.003, S 5º, do Código deProcesso Civil, "excetuados os embargos de declaração, o prazo para in-terpor os recursos e para responder-lhes é de quinze dias". O prazo paraopor esses embargos é de cinco dias (art. 1.023).

o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiçaadotavam uma estranhíssima orientação no sentido de que um recursointerposto antes de publicado pela imprensa o acórdão contra o qual serecorre seria intempestivo por prematuridade - ou seja, impunham aorecorrente a espera do ato de publicação como requisito para que seurecurso fosse eficaz. Esse mal foi debelado pelo art. 218, S 4º, do novoCódigo de Processo Civil, segundo o qual "será considerado tempestivoo ato praticado antes do termo inicial do prazo".

148. a regularidade formal da interposiçãoe do processamento

A regularidade formal do recurso interposto está na observânciados requisitos impostos pela lei em relação às diversas espécies re-cursais. Como regra geral, todas as peças de interposição, ou razõesrecursais, devem nomear e qualificar as partes, desenvolver uma críticaobjetiva à decisão recorrida, formular um concreto pedido de novadecisão etc. (CPC, arts. 1.0 IO, 1.0 I6 etc.). Os agravos de instrumentodeverão também ser instruídos, logo ao serem interpostos, com certaspeças reputadas indispensáveis pela lei, sob pena de indeferimento limi-nar pelo relator. Depois de interpostos, todos os recursos devem passarpor uma série maior ou menor de providências, entre as quais a de maiorsignificado é a oferta de oportunidade para que o recorrido ofereça suaresposta - porque, não tendo este a oportunidade para responder, violadaestaria a garantia constitucional do contraditório (supra, n. 33).

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A admissibilidade do recurso extraordinário e do especial é con-dicionada também ao requisito do prequestionamento, consistente naformulação de argumentos constitucionais ou infraconstitucionais, con-forme o caso, antes do julgamento pelo tribunal a quo. Omissa a partequanto a essa alegação prévia ou omisso o tribunal em apreciá-Ia, faltaao recurso extraordinário ou ao especial o indispensável requisito do pre-questionamento - a não ser que a parte, tendo suscitado aquelas questõesantes desse julgamento, venha depois a opor embargos de declaraçãocontra a omissão do tribunal (CPC, art. 1.025).

O recurso extraordinário está sujeito também, além desses requisi-tos gerais e especiais, ao da repercussão geral, incluído pela Constitui-ção Federal entre seus pressupostos de admissibilidade (art. 102, S 3º)e assim também considerado pelo Código de Processo Civil (art. 1.035- infra, n. 153).

149. preparo

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Preparo, na linguagem de direito processual, é o adiantamento dovalor de despesas processuais, exigido pela lei em certos casos. Todosos recursos são sujeitos a preparo, como pressuposto de sua admissibi-lidade, exceto os embargos de declaração (CPC, arts. 1.007 e 1.023).Com essa ressalva o Código de Processo Civil dispõe que, "no ato deinterposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pelalegislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa ede retorno, sob pena de deserção" - ou seja, sob pena de seu recurso serindeferido ou não ser conhecido. O preparo inclui, conforme as leis deorganização judiciária, as custas ou taxas judiciárias devidas ao Estado eessas despesas de porte e retorno, relativas ao transporte dos autos parao tribunal destinatário e devolução ao JUÍzo de origem - a não ser, porrazões para lá de óbvias, quando a causa se processar em autos eletrôni-cos (art. 1.007, S 3º).

150. juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos

O juízo de admissibilidade dos recursos é uma apreciação feita peloórgão prolator da decisão recorrida ou pelo tribunal destinatário quantoà observância ou inobservância dos pressupostos de admissibilidadedaqueles. Se presentes todos, o recurso vai avante e poderá receber jul-gamento pelo mérito, sendo então positivo esse juízo de admissibilidade.Se ausente algum deles, um somente que seja, o juízo de admissibilidadeserá negativo, ou seja, o recurso será indeferido pelo órgão a quo ou nãoconhecido pelo tribunal ad quem, conforme o caso.

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Por disposição contida no art. 1.0 IO, S 3º, do Código de ProcessoCivil, os autos em que houver sido interposto um recurso de apelaçãoserão remetidos ao órgão destinatário após o cumprimento das formali-dades exigidas, "independentemente de juízo de admissibilidade". Issosignifica que, rompendo com uma tradição brasileira de muitas décadas,o novo Código deixou somente aos tribunais responsáveis pela apelaçãoo juízo de admissibilidade desta (Tribunais de Justiça ou Regionais Fe-derais) - suprimido esse poder de modo absoluto aos juízos de primeirograu jurisdicional.

Uma outra disposição do novo Código suprimia o primeiro juízode admissibilidade também do recurso extraordinário e do especial,tradicionalmente realizado pelo presidente ou vice-presidente do tribunalprolator do acórdão recorrido - fazendo-o ao dispor que, após cumpri-das as formalidades perante o tribunal de origem, far-se-á a remessa aoSupremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, "inde-pendentemente de juízo de admissibilidade" (art. 1.030, par.). A essesTribunais seriam com isso remetidos os autos de todos os recursos espe-ciais ou extraordinários interpostos no país inteiro, sem qualquer triagemprévia, o que causou aos seus integrantes enorme preocupação, peloprevisível agravamento da atual situação de congestionamento que osaflige. Sobreveio porém uma nova lei federal (lei n. 13.256, de 4.2.2016)que, ao modificar a redação do art. 1.030 do Código de Processo Civil,devolve aos tribunais prolatores a competência para o primeiro juízo deadmissibilidade daqueles recursos, podendo inclusive negar-lhes segui-mento, como sempre foi CPC, (art. 1.030, inc. 1).

Nessa sistemática tradicional, que a nova lei não permitiu que fosseeliminada da ordem processual brasileira, o juízo positivo de admissibi-lidade realizado no tribunal a quo não vinculará o tribunal destinatário,onde logo de início pode o relator negar-lhe seguimento, inclusive porinadmissibilidade. E pode também eventualmente o colegiado julgador(Turma, Seção) proferir umjuízo negativo apesar de ter sido positivo odo relator. Isso significa que um recurso especial ou extraordinário sóchegará a obter julgamento pelo mérito quando houver superado vito-riosamente os três juízos de admissibilidade a que pode ser submetido,sendo todos eles no sentido positivo.

151. apelação

A apelação é o recurso cabível contra a sentença (CPC, art. 1.009).Ela se distingue de outros recursos, especialmente por ser um recurso

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pleno, capaz de devolver ao tribunal todo o objeto do processo em quefoi proferida a sentença (todos os pedidos), todas as questões suscitadasem primeira instância, ainda quando não integralmente decididas, e,ainda, toda a matéria de ordem pública pertinente, mesmo quando nãosuscitada (CPC, art. 1.013). Daí dizer-se também que ela é um "recursode livre crítica, ou de livrefil11damentação". Está sujeita, como todos osrecursos, aos pressupostos gerais de admissibilidade impostos pela leiprocessual (legitimidade, interesse, tempestividade etc.), mas somente aeles. Inexistem pressupostos recursais especiais para a admissibilidadeda apelação. Pelo disposto no art. 1.0 I2, caput, do Código de ProcessoCivil, "a apelação terá efeito suspensivo", salvo nas hipóteses relaciona-das em seu S Iº.

Apelação é admissível tanto em relação às sentenças de mérito(CPC, art. 487) quanto às terminativas, que não decidem sobre mérito(art. 485). Basta que seja uma sentença (ato com o qual o juiz põe fimà fase cognitiva do processo - art. 203, S Iº). Não comporta apelação adecisão com a qual o juiz profere um julgamento antecipado parcial domérito, pois essa decisão, mesmo sendo de mérito, é uma interlocutóriae comporta agravo de instrumento (arts. 356, S 5º, e 1.015, inc. 11- inpa,n. 152).

Conforme o caso, o objeto da apelação pode incluir também aimpugnação de certas decisões interlocutórias proferidas ao longo doprocesso. Quando se tratar de interlocutória sujeita ao recurso de agravode instrumento tem a parte contrariada o ônus de interpor esse recursono prazo legal, sob pena de preclusão - e tais são aquelas indicadas nosdoze incisos do art. 1.0 15 do Código de Processo Civil. Quanto às de-mais, não incluídas nesse numerus clausus, não ocorre tal preclusão jus-tamente porque são irrecorríveis e portanto a parte não teria como ma-nifestar irresignação. De modo expresso diz oS Iº do art. 1.009 que "asquestões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeitonão comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão".São essas as decisões que comportam impugnação mediante o recurso deapelação, juntamente com a sentença. Eventuais decisões interlocutóriasnão agraváveis proferidas ao longo do processo em desfavor da parte queveio a sair-se vitoriosa na sentença poderão ser por ela impugnadas emsuas contrarrazões de apelação (art. 1.015, S Iº, palavras finais).

A apelação é interposta perante o juízo de primeiro grau no prazode quinze dias (CPC, arts. 1.003, S Iº, e 1.0 IO, caput), devendo aquele,depois de receber a resposta do apelado, encaminhar os autos ao tribunalcompetente para julgar o recurso (Tribunal Regional Federal ou Tribunal

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de Justiça, conforme o caso). Cabe exclusivamente ao tribunal o juízosobre a admissibilidade e o mérito do recurso (CPC, art. 1.0 IO, S 3º).

152. agravo de instrumento

Agravo de instrumento é o recurso adequado contra as decisõesinterlocutórias proferidas na fase de conhecimento que versarem sobreas matérias indicadas nos incisos do art. 1.015 do Código de ProcessoCivil bem como contra as proferidas na fase de liquidação de sentençaou de cumprimento de sentença no processo autônomo de execução portítulo extrajudicial ou no inventário (CPC, art. 1.015, par.). Nas hipótesesindicadas nos incs. I-XIII do art. 1.015 do Código de Processo Civil tema parte o ônus de interpor tempestivamente esse recurso, sob pena depreclusão - o que não acontece quando se tratar de uma interlocutóriairrecorrível (art. 1.009, S Iº).

Esse recurso é interposto diretamente no tribunal competente (CPC,art. 1.016, caput), instruído com os documentos e cópias necessários àcomprovação da admissibilidade do recurso e à adequada compreensãoda controvérsia (CPC, art. 1.017). Não tem efeito suspensivo (art. 995).

153. o recurso especial e o recurso extraordinário

o recurso extraordinário e o recurso especial têm admissibilidaderestrita no sistema processual-constitucional brasileiro, sendo sujeitos aseveros pressupostos especiais de admissibilidade, aos quais os demaisrecursos não são. Ambos têm por objetivo proporcionar aos Tribunais desuperposição (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça)a apreciação de questões federais, a interpretação do direito federal e aimposição da efetividade das normas federais - tendo a Corte Suprema acompetência para o recurso extraordinário fundado em alegação de trans-gressão à Constituição Federal (Const., art. 102, inc. III) e sendo o Supe-rior Tribunal de Justiça competente para o recurso especial, que desempe-nha análoga função em relação ao direito federal infraconstitucional (art.105, inc. I1I). Ambos são admissíveis contra decisões tomadas por outrostribunais em única ou última instância - e é por isso que desses TribunaisSuperiores costuma ser dito que exercem uma instância de superposição(supra, n. 65). Nenhum deles tem efeito suspensivo (art. 995).

o juízo de constitucionalidade realizado no julgamento do recursoextraordinário é simplesmente incidental (incidenter tantum), ou seja,

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serve somente para o julgamento da causa posta perante o Supremo Tri-bunal Federal, sem eficácia erga omnes (consiste pois em um controleincidental da constitucionalidade, não abstrato - supra, n. 94).

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Ao julgar esses recursos o Supremo Tribunal Federal e o SuperiorTribunal de Justiça não se limitam à cassação da decisão recorrida, comose dá nas Cortes Supremas ou nos Tribunais Constitucionais de outrospaíses. Realizam também a sua revisão, no sentido de que aplicam aocaso concreto a interpretação jurídica dada por correta, substituindo odecisum inferior e julgando novamente a causa (CPC, art. 1.034). Sãoexcluídas da órbita do recurso extraordinário e do especial as causasenvolvendo questões de direito estadual, municipal ou do Distrito Fede-ral, bem como aquelas decididas com fundamento em fatos e provas, nainterpretação de cláusulas contratuais ou sem o enfrentamento da questãoconstitucional ou infraconstitucional que será objeto do recurso (ausênciade prequestionamento - CPC, arts. 941, S 3º, e 1.025 - supra, n. 148).

Mesmo entre as questões constitucionais federais só comportamapreciação pela via do recurso extraordinário aquelas cuja decisão, ajuízo do Supremo Tribunal Federal, seja capaz de produzir repercussãogeral (Cons!., art. 102, S 3º - CPC, art. 1.035). Esse especialíssimopressuposto de admissibilidade impõe-se exclusivamente ao recursoextraordinário, e não ao especial.

J54. o recurso especial e o recurso extraordinário repetitivose o incidente de resolução de demandas repetitivas

A técnica dos julgamentos por amostragem nos recursos extraor-dinário e especial repetitivos é admissível quando em um númerosignificativo desses recursos repetem-se as mesmas questões de direito(CPC, art. 1.036, caput). O Tribunal toma dois ou mais recursos comoparadigmas e a tese jurídica que ali vier a ser fixada repercutirá nosprocessos pendentes, para que (a) não tenham seguimento os recursosextraordinários ou especiais já interpostos contra decisão coincidentecom a orientação fixada no julgamento paradigma (CPC, art. 1.040, inc.I), (b) os acórdãos divergentes da posição assumida sejam reexaminadospela turma julgadora no tribunal de origem (CPC, art. 1.040, inc. Il) e(c) nas causas pendentes de julgamento em primeiro e segundo graus dejurisdição seja aplicada a tese fixada (CPC, art. 1.040, inc. III).

A implantação dessa técnica insere-se no contexto de um movimentovoltado a superar os inconvenientes dos microprocessos que se multipli-

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cam às dezenas, centenas ou quiçá milhares, todos portadores da mesmaquestão jurídica a ser decidida tantas vezes quantos forem esses micro-processos. Quando tantos casos tramitam isoladamente pelo Poder Judi-ciário, sua dispersão e a repetição do julgamento da mesma quccstio jurisconstituem fatores perversos de contrariedade à promessa constitucionalde tutela jurisdicional em tempo razoável (Const., art. 5º, inc. LXXVIII),além de atentarem contra o desiderato de harmonia entre julgados.

A superação desses inconvenientes mediante a prolação de decisãoque fixa uma tese abrangente e espraia efeitos além do caso concretoefetivamente julgado investe os tribunais de uma grande responsabili-dade. Uma decisão equivocada não ficará restrita à esfera de interessesdas partes do específico caso selecionado como representativo da con-trovérsia, pois todos os interessados na tese, que nem sempre terão aoportunidade de se manifestar em contraditório, serão de algum modoafetados pelo precedente que se formará. Essa inerente deficiênciade contraditório nesse tipo de procedimento é remediada por normasque (a) tomam obrigatória a intervenção do Ministério Público (CPC,art. 1.038, inc. I1I), (b) estimulam a participação no procedimento depessoas, órgãos e entidades que tenham interesse na controvérsia (CPC,art. 1.038, inc. I), (c) oferecem a possibilidade de ser realizada audiênciapública para ouvir pessoas com experiência e conhecimento na matéria aser julgada (CPC, art. 1.038, inc. 11)e (d) disciplinam a escolha do casoa ser afetado como representativo da controvérsia e a identificação daquestão repetitiva a ser apreciada (CPC, arts. 1.036, SS Iº, 4º, 5º e 6º, e1.037, incs. I e I1I).

Técnica análoga à dos recursos extraordinário e especial repetitivosé o incidente de resolução de demandas repetitivas, que desempenhafunção semelhante no âmbito dos Tribunais de Justiça e dos RegionaisFederais (CPC, arts. 976-987). Esse incidente não pode ser instauradoquando algum dos Tribunais Superiores já houver afetado recurso sobreo tema para os fins do julgamento de recursos repetitivos (CPC, art. 976,S 4º). Da decisão que julgar esse incidente cabe recurso extraordinárioou especial, conforme a natureza da questão decidida - e se o mérito dorecurso vier a ser conhecido, com a definição da questão controversapelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, adecisão proferida no incidente de resolução de demandas repetitivas teráeficácia em todo o território nacional (CPC, art. 987, S 2º).

As decisões proferidas na sistemática dos recursos extraordinárioou especial repetitivos ou em incidente de resolução de demandas re-

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petitivas são de observância obrigatória, sendo cabível a propositurade reclamação contra a decisão que as contrariar (CPC, arts. 927, inc.m, 985, S 12, e 988, inc. IV). No caso dos recursos extraordinários eespeciais repetitivos, no entanto, a reclamação somente é cabível apóso esgotamento das instâncias ordinárias (art. 988, S 52, inc. II - infra,n. 171).

J55. agravo interno

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Sempre que o relator de algum recurso ou de demanda da compe-tência originária do tribunal proferir decisão monocrática, em aplicaçãodo disposto no art. 932, incs. I1-VI, do Código de Processo Civil ou emqualquer outra hipótese, contra essa decisão caberá agravo interno, diri-gido ao colegiado competente para o julgamento do recurso ou da causa(CPC, art. 1.021).

J 56. embargos de declaração

Os embargos de declaração são dirigidos ao próprio órgão julgadorque houver proferido a decisão impugnada e cabíveis contra qualquerdecisão judicial, para "esclarecer obscuridade ou eliminar contradição"(CPC, art. 1.022, inc. I), "suprir omissão de ponto ou questão sobre aqual devia se pronunciar o juiz de oficio ou a requerimento" (CPC, art.1.022, inc. I1) ou "corrigir erro material" (CPC, art. 1.022, inc. IlI). Aoposição desses embargos interrompe o prazo para a interposição dosdemais recursos cabíveis contra a decisão embargada (CPC, art. 1.026,caput). Eles não estão sujeitos a preparo (art. 1.023).

J57. recurso ordinário

O recurso ordinário é regido por regras muitos semelhantes às daapelação (CPC, arts. 1.027, S 2º, e 1.028). É cabível nas hipóteses des-critas no art. 1.027, incs. I e I1, do Código de Processo Civil, que tratamde causas julgadas originariamente por um tribunal (competência origi-nária), entre as quais figuram com grande destaque e interesse prático asdecisões denegatórias de mandado de segurança (não as que concedema ordem - supra, n. 9 I). Esse recurso é da competência do SupremoTribunal Federal quando interposto contra acórdão de um dos TribunaisSuperiores (inclusive do STJ) e do Superior Tribunal de Justiça, quandoimpugna acórdão de algum dos tribunais de segundo grau (Tribunais deJustiça ou Regionais Federais).

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158. agravo em recurso especial e em recurso extraordinário

o recurso extraordinário e o especial devem ser interpostos perantea presidência ou a vice-presidência do tribunal onde proferido o acórdãorecorrido (CPC, art. 1.029, caput), que decidirão a respeito de sua ad-missibilidade em um primeiro juízo de admissibilidade suscetível de serrevisto pelo Tribunal competente para apreciar o mérito se o recurso foradmitido (STF ou STJ - CPC, art. 1.030 - supra, n. 150). Contra a de-cisão que não admitir um desses recursos é cabível o agravo em recursoespecial e em recurso extraordinário, a ser julgado respectivamente peloSuperior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal (CPC,art. 1.042, 9 4º).

159. embargos de divergência

Admitem-se os embargos de divergência perante o Supremo Tribu-nal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça nas hipóteses de divergên-ciajurisprudencial descritas nos incisos do art. 1.043 do Código de Pro-cesso Civil. Trata-se de recurso destinado a uniformizar a interpretaçãodo direito no seio desses Tribunais de superposição, e sua existência naordem jurídica brasileira constitui uma natural decorrência da repartiçãodos integrantes dessas Cortes em Turmas (e o STJ também em Seções),com a possibilidade de chegarem estas a interpretações destoantes dasassumidas por outros órgãos internos do mesmo Tribunal.

160. incidente de assunção de competência

o incidente de assunção de competência - que é um incidente, nãoum recurso - torna possível a remessa a um colegiado de maior enver-gadura o julgamento de recurso, de devolução oficial ou de processo decompetência originária do tribunal que tratem de "relevante questão dedireito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos pro-cessos" (CPC, art. 947, caput). Admite-se esse incidente sempre que for"conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmarasou turmas do tribunal" (CPC, art. 947, 9 4º). Uma questão é relevante,nesse contexto, quando sua solução puder transcender os interesses dossujeitos em litígio, projetando influência sobre a sociedade como umtodo ou sobre os valores inerentes à vida social, notadamente aquelesque a Constituição Federal abriga e resguarda. A ressalva de que o casoa ser submetido ao incidente não pode tratar de questão repetida em múl-

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tiplos processos serve para demarcar o espaço de sua aplicação quandoconfrontado com o incidente de resolução de demandas repetitivas oucom o procedimento para o julgamento de recursos extraordinários eespeciais repetitivos, que são os instrumentos adequados para o enfrenta-mento dessas questões (supra, n. 154). A decisão proferida no julgamen-to do incidente de assunção de competência vincula os juízes submetidosao tribunal que a proferiu e os órgãos fracionários do tribunal (CPC, arts.927, inc. 1lI, e 947, S 3º), sendo cabível a reclamação contra a decisãoque decidir sobre idêntica questão de forma distinta (CPC, art. 988, inc.IV - infra, n. 171).

161. incidente de arguição de inconstitucionalidade(reserva de Plenário)

o incidente de arguição de inconstitucionalidade deve ser instaura-do sempre que perante algum órgão fracionário de um tribunal (câmara,turma, seção) venha a ser suscitada a inconstitucionalidade de lei ou atonormativo do Poder Público. Nesse caso o relator submeterá a questãoao órgão fracionário do qual faz parte, o qual poderá rejeitar desdelogo a questão constitucional suscitada, inclusive por impertinência aorecurso ou ação originária em julgamento - ou poderá também, em umjuízo meramente delibatório, aceitar a questão e, nesse caso, remetê-laao Plenário ou Órgão Especial do tribunal - sendo deste a competênciaexclusiva para decidir sobre a questão constitucional (Const., art. 97).Decidida em abstrato essa questão, os autos retornarão à turma, câmaraou seção competente para o julgamento da causa ou recurso, a qual apli-cará ao caso concreto a conclusão definida nesse incidente e prosseguiráno julgamento do caso concreto.

Segundo está na súmula vinculante n. IOdo Supremo TribunalFederal, "viola a cláusula de reserva de Plenário a decisão de órgãofracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a in-constitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta suaincidência, no todo ou em parte".

162. a nova técnica que substitui o recurso de embargos infringentes

o novo Código de Processo Civil não incluiu os tradicionais embar-gos infringentes no rol dos recursos admissíveis no processo civil brasi-leiro, substituindo-os por uma técnica muito mais simples. Agora, sem-

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pre que haja divergência de votos entre os integrantes de uma câmara outurma no julgamento de apelações, ações rescisórias ou certos agravosde instrumento a sessão de julgamento prosseguirá para a tomada devotos de outros julgadores, em número suficiente para possivelmentereverter o julgamento (art. 942, caput e ~~ lº ss.). Tudo será muito maissimples do que era na vigência do Código de 1973, sem a necessidade delavrar e publicar acórdãos referentes ao primeiro julgamento, sem prazopara recorrer e para responder, sem tramitação dos embargos infringen-tes, sem nova inclusão em pauta.

163. devolução oficial

O art. 496 do Código de Processo Civil impõe a devolução oficial,também denominada reexame necessário ou duplo grau de jurisdiçãoobrigatório, nas causas em que o Estado ficar vencido (excepcionadasas situações previstas nos ~~ 3º e 4º). A devolução oficial tem a mesmaeficácia devolutiva da apelação. Ordenada a remessa ao tribunal, operar--se-á a devolução da causa a ele ainda quando a Administração Públicanão haja interposto o recurso de apelação. Nos casos em que se impõea devolução oficial, após proferida a sentença e escoado o prazo pararecorrer os autos devem ser remetidos ao tribunal competente (TJ ouTRF), o qual ficará automaticamente investido do poder de decidir no-vamente a causa, tanto quanto no julgamento de uma apelação interpostapelo Estado em que fossem impugnados todos os pontos da sentença quelhe são desfavoráveis.

164. suspensão da tutela provisória

A suspensão de tutela provisória pelo presidente do tribunalcompetente para o julgamento dos recursos cabíveis (lei n. 8.437, de30.6.92, art. 4º - lei n. 8.038, de 28.5.90 - LMS, art. 15) é um incidentedo processo e não um recurso ou um processo novo. Tem legitimidadepara postulá-Ia o ente público ou privado no exercício de função públicaenvolvido no processo onde a tutela provisória houver sido concedida.Esse incidente é fundado em razões de ordem pública e não nas razõespelas quais o ente legitimado resiste à pretensão que lhe foi dirigida. Nãohá, pois, coincidência entre os fundamentos do pedido de suspensão eos do agravo, apelação ou recurso especial ou extraordinário - nos quaisse debate em torno dos fatos constitutivos do direito alegado pelo autore das negativas postas pelo réu. É por isso que a presidência do tribunalnão cassa a tutela provisória impugnada. Menos que isso: limita-se a

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suspender sua eficácia, ou seja, a impor a inanidade prática da medidaenquanto assim convier e outra convicção não se formar a respeito.

165. as demandas autônomas de impugnação às decisões judiciais

Como já referido, recursos são remédios processuais destinadosà impugnação de decisões judiciais no mesmo processo em que hajamsido proferidas (supra, n. 142). Além deles e dos outros meios acimaconsiderados, o sistema oferece ainda outros remédios processuais comesse objetivo, a serem atuados mediante a instauração de um novo pro-cesso. Não são recursos nem incidentes enquadrados no procedimentoonde houver sido proferida a decisão atacada, ou seja, na própria relaçãopendente, mas verdadeiras demandas autônomas que darão origem a umnovo processo, uma nova relação processual distinta - são demandasautônomas de impugnação às decisões judiciais.

Trata-se da ação rescisória, da ação anulatória de sentença arbitral,da ação anulatória dos negócios jurídicos homologados judicialmente,da querela nul/itatis, das ações destinadas à relativização da coisa jul-gada, da reclamação, do mandado de segurança contra ato judicial, dohabeas corpus e da arguição de descumprimento de direito fundamental.

166. ação rescisória

Depois de passada em julgado a decisão de mérito e formada a coi-sa julgada material (supra, n. 140), nos casos especificados nos incisosdo art. 966 do Código de Processo Civil a correção de possíveis víciosainda pode ser provocada mediante propositura da ação rescisória, noprazo de dois anos (CPC, art. 975) - quer hajam ou não sido esgotadostodos os recursos possíveis. Esse prazo é contado "do trânsito em julga-do da última decisão proferida no processo" (art. 975). Também podeser impugnada em ação rescisória a decisão que, "embora não seja demérito", impeça a "nova propositura de demanda" ou a "admissibilidadedo recurso correspondente" (CPC, art. 966, S 2º). A propositura da açãorescisória não suspende a eficácia da decisão impugnada, salvo se forconcedida tutela provisória com esse objetivo (CPC, art. 969). Ao julgara ação rescisória, se o tribunal competente concluir pela presença dealgum dos vícios alegados pelo autor, a decisão impugnada deverá serrescindida (juízo rescindente) e, conforme o caso, no mesmo julgamentodeverá ser novamente decidida a causa onde fora proferida a decisãorescindenda (juízo rescisório - CPC, art. 974).

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o novo Código de Processo Civil instituiu nos arts. 525, SS 12a 15, e 535, SS 5º a 8º, uma inusitada disciplina para a ação rescisóriafundada em decisão do Supremo Tribunal Federal ulterior ao trânsitoem julgado, acerca da inconstitucionalidade de norma jurídica ou de suainterpretação conforme à Constituição Federal. Se a decisão do Supre-mo, proferida em sede de controle de constitucionalidade incidental ouabstrato (supra, n. 94), houver sido contrária ao que consta da decisãotransitada emjulgado será cabível a propositura de ação rescisória contraesta, contado o prazo de dois anos da data em que transitar em julgadoa decisão do Supremo. Essas normas são claramente inconstitucionais,pois, em afronta ao mínimo de segurança jurídica necessário à vida emsociedade, dão ensejo à impugnação da decisão muitos anos após o trân-sito em julgado, sem limitar o cabimento da ação rescisória à afronta avalores constitucionais de extrema relevância (infra, n. 170).

167. ação anulatória de sentença arbitral

A ação anulatória de sentença arbitral exerce mutatis mutandis amesma função que a ação rescisória exerce em relação a sentenças ouacórdãos do Poder Judiciário, com a diferença de que (a) a ação resci-sória comporta em alguma medida o reexame do mérito e a anulatórialimita-se ao controle da regularidade processual das sentenças arbitrais,não podendo o juiz estatal ir além do exame de eventuais nulidadesalegadas por aquele que vem postular sua desconstituição (LA, arts.32-33 - CPC, art. 966 - supra, nn. 40 e 95), e (b) a ação rescisória podeser proposta até dois anos depois do trânsito em julgado da sentença ouacórdão rescindendo e a anulatória em somente noventa dias (LA, art.33, S lº - CPC, art. 975).

168. ação anulatória de atos negociais llOmologadosjudicialmente

Embora o Código de Processo Civil inclua entre as decisõesportadoras de um julgamento do mérito aquelas que se limitam a ho-mologar certos atos negociais celebrados entre as partes (transação,reconhecimento do pedido, renúncia ao direito - CPC, art. 487, inc.I1I), na realidade essas são falsas decisões de mérito, porque o conteúdosubstancial que apresentam é dado pelas próprias partes, não pelo juiz(supra, n. 137). Do juiz é apenas a própria homologação, com a qualempresta ao ato das partes a autoridade do Estado e o habilita a servir detítulo para o procedimento de cumprimento de sentença (CPC, art. 515,inc. 11).Da estrutura dúplice de tais decisões decorre a importantíssima

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consequência de que o ato homologador comporta o controle pela viada ação rescisória, enquanto o ato homologado é suscetível de controlepor outras vias. Quando se trata de pôr em discussão a própria transação,o reconhecimento do pedido ou a renúncia ao direito a via adequada é,segundo o disposto no art. 966, 9 4º, do Código de Processo Civil, achamada ação anulatória, não a ação rescisória disciplinada por seu art.485. Essa ação anulatória é representada por um processo de conheci-mento da competência do juízo de primeiro grau de jurisdição, tal comose dá sempre para o pleito de anulação ou declaração de nulidade dosatos negociais em geral (CC, art. 849).

169. querela nullitatis

A querela nullitatis atua no sistema como um sucedâneo da açãorescisória, do qual normalmente se cogita quando o prazo decadencialpara a propositura desta se encontra escoado. Daí ser legítimo dizerque ela acaba se apresentando como uma verdadeira ação rescisóriaextraordinária. Há intensa controvérsia sobre as hipóteses em que aquerela nullitatis é admissível, sempre sob a justificativa de que a deci-são transitada em julgado padece de um vício insanável, não superávelsequer pela coisa julgada e pelo transcurso do prazo para a propositurade ação rescisória. A hipótese mais aceita de cabimento desse instrumen-to excepcional é a da impugnação de decisão de mérito proferida emprocesso que correu à revelia e no qual a citação do réu é inexistente ounula - situação em que, inclusive, a lei expressamente oferece a possibi-lidade de a decisão posta em execução ser questionada em impugnaçãoao cumprimento de sentença (CPC, art. 525, 9 lº, inc. 1).

170. relativização da coisa julgada

Em casos de extrema gravidade, tendo a sentença ou acórdão sido oresultado de uma/roude muito grave ou transgredido direitos ou valoresde elevado nível político, social ou humano, parte da doutrina e dajuris-prudência aceita que a autoridade da coisa julgada seja desconsiderada,com a possibilidade de propositura de uma demanda destinada a obterum resultado diferente do resultado ditado nessa sentença ou acórdão(relativização da coisa julgada). Em outras palavras: nessas hipótesesextremamente extraordinárias os tribunais preferem dar preponderânciaa esses valores consagrados na Constituição, permitindo que eles neutra-

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lizem a coisa julgada e com isso ponham em segundo plano a segurançajurídica fornecida por esta (supra, n. 140).

171. reclamação

De acordo com a Constituição Federal, mediante a reclamaçãoa parte leva ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal deJustiça a notícia da usurpação de sua competência ou desobediência ajulgado que trate de um caso concreto, a decisões proferidas em sede decontrole abstrato de constitucionalidade das leis e às sumulas vinculan-tes, cometidas por juiz ou tribunal inferior (Const., arts. 102, inc. I, letraI, e 9 2º, 103-A, S 3º, e 105, inc. I, letra j). Os regimentos internos dealguns tribunais locais também consagram esse instituto, mas o Códigode Processo Civil de 1973 não consagrava - e por isso vinha o SupremoTribunal Federal manifestando-se no sentido de q\te, além dele próprioe do Superior Tribunal de Justiça, só poderiam conhecer de tais recla-mações os tribunais dos Estados cuja Constituição as autorizasse. Taldiscussão ficou superada com o disposto no art. 988 do novo Código deProcesso Civil, que inova no sistema ao admitir a reclamação como re-médio a ser endereçado a qualquer tribunal em caso de (a) usurpação desua competência, (b) desrespeito a suas decisões tomadas em um dadocaso concreto e (c) inobservância de decisões tomadas em julgamentode casos repetitivos, em incidente de assunção de competência ou de de-cisão do Supremo Tribunal Federal à qual tenha sido reconhecida reper-cussão geral- além das hipóteses em que já da Constituição Federal vema admissibilidade das reclamações. A reclamação não é cabível após otrânsito em julgado da decisão que se pretende impugnar (CPC, art. 988,S 5º, inc. I), e tratando-se de decisão que afronta precedente proferidoem sede de recursos extraordinário ou especial repetitivos ou de decisãodo Supremo Tribunal Federal à qual tenha sido reconhecida repercussãogeral somente é cabível após esgotadas as instâncias ordinárias (art. 988,S 5º, inc. 11).Com essa conformação e essa finalidade, a reclamação, quenão é um recurso, insere-se na categoria genérica dos meios de impug-nação das decisões judiciárias.

172. mandado de segurança contra ato judicial

Como referido, o mandado de segurança é um remédio admissívelcontra atos estatais que lesarem ou ameaçarem direitos líquidos e certos(LMS, art. Iº - supra, n. 91). Por ser a decisão judicial um ato estatal(supra, n. 39), é em tese possível que contra ela seja impetrado manda-

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do de segurança. A Lei do Mandado de Segurança disciplina de formaexplícita essa hipótese, dispondo que não cabe a impetração contra "de-cisão judicial transitada em julgado" (LMS, art. 5º, inc. IlI) e "decisãojudicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo" (LMS, art. 5º, inc.II) - entendendo-se, a contrario sensu, que o legislador pretendeu deixarportas abertas ao mandado de segurança contra ato judicial sempre quenão se configure nem uma nem outra dessas hipóteses. O campo fértilpara a utilização do mandado de segurança contra ato judicial é portan-to o das decisões recorríveis em relação às quais já se hajam exauridotodas as oportunidades recursais e o das irrecorríveis em geral, como asinterlocutórias insuscetíveis de impugnação pela via do agravo de instru-mento (CPC, art. 1.0 I5 - supra, n. 152).

173. habeas corpus>

O habeas corpus é um remédio destinado a assegurar a liberdadecorporal da pessoa, ou sua liberdade de ir e vir. Em razão de sua des-tinação, é utilizado mais frequentemente no âmbito penal e é cabível"sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violênciaou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidades ou abuso depoder" (Const., art. 5º, inc. LXVIII), mas ele pode ser utilizado tambémno processo civil, nas hipóteses em que se admite a prisão civil (Const.,art. 5º, LXVII). O ato com que o juiz defere ou indefere o pedido deprisão civil é uma decisão interlocutória proferida em sede de execução,admitindo-se contra ela o recurso de agravo de instrumento (CPC, art.1.015, par.). Apesar de existir um recurso cabível contra uma decisãocomo essa, é admissível a impetração do habeas corpus com o fim deafastar a prisão civil porque, sendo ele um remédio constitucionalmenteinstituído para o resguardo de um valor de tão grande magnitude comoa liberdade corporal, não pode o sistema de direito infraconstitucionalimpedir sua apreciação pelo órgão competente. O que se compreende éque, dada a sumariedade da instrução no processo do habeas corpus, aordem só seja deferida quando estiverem presentes todos os elementosindispensáveis, sem restarem dúvidas de fato que só mediante uma ins-trução mais profunda possam ser dirimidas.

174. arguição de descumprimento de preceito fundamental

A arguição de descumprimento de preceito fundamental está pre-vista no art. 102, S Iº, da Constituição Federal e disciplinada pela lei n.

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9.882, de 3 de dezembro de 1999. Na prática, é ordinariamente utilizadacomo instrumento para o controle abstrato da constitucionalidade denormas municipais ou de normas federais e estaduais editadas antes davigência da Constituição Federal, contra as quais os demais instrumentosde controle abstrato de constitucionalidade não são cabíveis. No entanto,esse instrumento está disciplinado no art. Iº da lei referida de forma maisampla, tendo por objeto "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental,resultante de ato do Poder Público". Como toda decisão judicial é um atodo Poder Público (supra, n. 39), não se pode descartar que uma decisãojudicial ofensiva a um preceito fundamental da Constituição seja susce-tível de impugnação mediante a arguição de descumprimento de preceitofundamental, a ser proposta por um dos legitimados para a ação direta deinconstitucionalidade (lei n. 9.882, de 3.12.99, art. 2º, inc. 1-Const., art.103). Esse excepcional instrumento não é cabível "quando houver qual-quer outro meio eficaz de sanar a lesividade" (lei n. 9.882, de 3.12.99,art. 4º, S Iº), em especial quando a violação ao preceito fundamentalpuder ser sanada mediante a interposição de recurso ou a propositura dequalquer outra demanda autônoma de impugnação à decisão.

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APÊNDICEGLOSSÁRIO BÁSICO

DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Oferecemos ao leitor um apanhado de conceitos básicos de direitoprocessual civil reunidos no presente glossário e distribuídos em sinté-ticos verbetes destinados não só a uma consulta rápida como também àfixação de certas ideias indispensáveis ao profissional e ao estudioso doprocesso. Muitos desses verbetes guardam relação com a exposição so-bre cada um dos conceitos apresentados ao longo da obra. Não são maisque meras chamadas a propósito do tema a que se referem, obviamenteinsuficientes para o pleno conhecimento de cada um desses temas.

Ação. Direito de obter um provimento jurisdicional de mérito, ou poder de exi-gi-lo. Esse provimento poderá ser favorável ou desfavorável (teoria abstratada ação). Ação não se confunde com demanda e muito menos com processo.

Ação coletiva. Ação de interesse de toda uma sociedade, de uma classe, cate-goria ou mesmo um grupo de pessoas razoavelmente expressivo. Tem porlegitimado ativo o Ministério Público, certos entes estatais ou associaçõesdotadas de representatividade adequada segundo a lei. Versa sobre direitosou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos e tem por be-neficiários toda uma sociedade, uma classe ou categoria bem determinadasou mesmo um grupo de indivíduos razoavelmente expressivo. A ação civilpública é uma espécie de ação coletiva.

Ação declaratória de constitucionalidade. Ação declaratória positiva de titu-laridade do Procurador-Geral da República e demais autoridades ou entida-des indicadas na Constituição Federal, com o pedido de declaração de cons-titucionalidade de leis ou atos normativos federais ou estaduais. É um dosmeios de controle abstrato da constitucionalidade de leis ou atos normativos.

Ação direta de inconstitucionalidade. Ação de titularidade do Procurador-Ge-ral da República e demais autoridades ou entidades indicadas na ConstituiçãoFederal, com o pedido de declaração de inconstitucionalidade de leis ou atos

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normativos federais ou estaduais. É um dos meios de controle abstrato daconstitucionalidade de leis ou atos normativos e sua procedência tem o efeitoconstitutivo-negativo de excluir do ordenamento jurídico o ato impugnado.

Ação popular. Ação de um cidadão visando à anulação de atos de agentes públi-cos lesivos ao patrimônio de entes públicos ou à moralidade administrativa.Só a pessoa natural em pleno exercício de seus direitos políticos tem essalegitimidade, e jamais uma pessoa jurídica.

Ação rescisória. Remédio processual destinado a rever os resultados de deci-sões, sentenças ou acórdãos já passados em julgado. Admite-se exclusiva-mente pelos fundamentos e nas hipóteses indicados em lei (CPC, art. 966).Não constitui um recurso, mas processo autônomo. É sempre da competênciade um tribunal. Poderá, conforme o caso, conduzir somente à desconstituiçãodo julgado (juízo rescindente) ou também produzir o novo julgamento daprópria causa (juízo rescisório).

Acesso à justiça. Obtenção de resultados justos pela via do processo. Fala-setambém em acesso à ordem jurídica justa (Kazuo Watanabe). O acesso àjustiça é mais que o direito de ingresso no Poder Judiciário, com o qual não seconfunde, porque este não é mais que o direito de ser ouvido pelo Estado-juiz.

Acórdão. Decisão colegiada dos tribunais.

Actio nllllitatis insanabilis. Litígio sobre a nulidade ou, literalmente, querelade nulidade. Há intensa controvérsia na doutrina sobre as situações em queé cabível, e a hipótese mais aceita é a da impugnação de decisão de méritoproferida em processo realizado à revelia do réu, não havendo ele sido citadoou sendo nula a citação realizada.

Advogado. Profissional laureado em direito e inscrito na Ordem dos Advogadosdo Brasil. Só ele tem plena capacidade postulatória, ou seja, só o advogadoé habilitado a praticar os atos de postulação endereçados ao juiz no processo(demanda inicial, requerimentos em geral, recursos etc.). Atua no processocomo procurador da parte. A própria parte, quando também for advogadoregularmente inscrito, tem essa capacidade. Aos estagiários de direito a leitambém outorga certos poderes de atuação no processo, sendo limitados essespoderes e não dispensando a participação de um advogado.

Agravo de instrumento. Recurso admissível contra as decisões interlocutóriasde primeiro grau indicadas nos incisos do art. 1.015 do Código de ProcessoCivil. Processa-se mediante um instrumento composto de certas peças dosautos, ditas necessárias, e mais daquelas que o agravante reputar úteis.

Agravo interno. Recurso admissível contra ato do relator, nos tribunais, dirigi-do ao colegiado do qual ele faz parte.

AmiclIs clIrire. Amigo da Corte. É a pessoa natural ou jurídica admitida a parti-cipar do processo em virtude de seus notáveis conhecimentos ou na qualidade

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de legítimo representante do interesse de certas classes ou categorias, para semanifestar a respeito das questões debatidas (CPC, art. 138 -lei n. 9.868, de10.11.99, art. 7Q, S IQ). O amicus curice do direito brasileiro desvia-se do per-sonagem homônimo do direito norte-americano porque não atua na condiçãode autêntico consultor do tribunal, dotado de conhecimentos especializados,mas de auxiliar de uma das partes.

Antecipação de tutela jurisdicional. Medidajurisdicional destinada a oferecerà parte, no presente, certos efeitos que só no futuro poderia obter mediantea decisão final da causa. Tem caráter satisfativo em relação aos efeitos an-tecipados.

Apelação. Recurso admissível contra sentenças em geral, quer de mérito, querterminativas. Seu destinatário é um Tribunal de Justiça ou um Tribunal Re-gional Federal.

Arbitragem. Meio alternativo de solução de conflitos consistente no exercícioda jurisdição por cidadãos privados, sem a interferência do Estado-juiz. Ajurisdição arbitral instaura-se por ato de vontade das partes (convenção dearbitragem) e a sentença arbitral, ou laudo, tem a mesma eficácia da sentençados juízes togados. Só processos de conhecimento se realizam mediante aarbitragem, cabendo ao Poder Judiciário a prática das atividades inerentes aocumprimento da sentença proferida pelos árbitros.

Árbitro. Cidadão comum chamado pelas partes para conduzir o processo arbi-trai de conhecimento, proferindo sentença dotada da mesma eficácia que ado juiz togado.

Assistência. Intervenção de terceiro em um processo pendente entre outras par-tes com a finalidade exclusiva de auxiliar uma delas.

Assistente técnico. Profissional designado pela parte para acompanhar os exa-mes, vistorias ou avaliações realizados pelo perito, podendo divergir. Não éum auxiliar da Justiça.

Assunção de competência. Incidente recursal que promove a remessa a umcolegiado de maior envergadura do julgamento de recurso, de devoluçãooficial ou de processo de competência originária do tribunal onde se debata"relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetiçãoem múltiplos processos" (CPC, art. 947, caput). Segundo a lei, a instauraçãodesse incidente é também condicionada à concreta conveniência de promover"a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas dotribunal" (CPC, art. 947, S 4Q).

Astre;nte. Vocábulo da língua francesa empregado para designar a multa coerci-tiva. V. também Multa coercitiva.

Atentado à dignidade da Justiça. Conduta do devedor no processo ou fase deexecução (cumprimento de sentença) consistente em dificultar a atuação da

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Justiça mediante ocultação de bens, fraudar de qualquer modo a execução,resistir a esta mediante o emprego de ardis e meios artificiosos etc.

Atuação da vontade concreta da lei. Realização prática dos preceitos de direitomaterial pertinentes ao caso em julgamento. Seria esse, segundo Chiovenda,o escopo (único) do processo. V. também Instrumentalidade do processo.

Audiência. Sessão realizada ordinariamente na sede do juízo (fórum), coma participação do juiz, advogados e eventualmente partes, testemunhas ouaté mesmo peritos. Na audiência de instrução e julgamento o juiz colhe asprovas orais e pode desde logo proferir sentença. A audiência de conciliaçãoou de mediação (CPC, art. 334) destina-se a promover a autocomposição, érealizada antes de o réu apresentar sua defesa e somente pode ser dispensadase houver a concordância de todas as partes do processo. Em causas de gran-de complexidade o saneamento do processo deverá ser feito em audiênciadesignada para esse fim específico, em cooperação entre o juiz e as partes(CPC, art. 357, S 3º).

Autor. O sujeito que, ajuizando uma petição inicial, dá início ao processo. Éinadequado e deselegante dizer requerente ou suplicante.

Auxiliar da Justiça. Pessoa que colabora com os juízes, com funções variadase nunca realizando qualquer ato de exercício da jurisdição. Há os auxiliarespermanentes da Justiça, como os escrivães, diretores de secretaria, contadorjudicial, escreventes e todo o pessoal dos cartórios; os auxiliares eventuais,como os peritos, aval iadores, depositários etc.; e órgãos de encargo judicial,que são entidades de diversas ordens quando chamadas a colaborar com aJustiça (Correios, Polícia Militar, Imprensa Oficial etc.). Os funcionários doforo extrajudicial não são auxiliares da Justiça. Nos juizados especiais cíveishá os juízes leigos, que são auxiliares parajurisdicionais da Justiça.

Auxílio direto. Cooperação jurídica entre o Brasil e outros Estados soberanosa ser prestada por órgão não jurisdicional e, naturalmente, fora do âmbito doexercício da jurisdição. V. também Direito processual internacional.

Câmara. O órgão fragmentário mínimo dos Tribunais de Justiça, compostogeralmente por três ou cinco desembargadores, segundo o regimento internode cada tribunal. Tem como competência recursal principal o julgamento dosagravos e apelações interpostos contra atos de primeiro grau jurisdicional dasJustiças Estaduais.

Carência de ação. Falta do direito de ação por ausência de uma de suas con-dições (legitimidade ou interesse). A carência da ação dá causa à extinçãodo processo sem julgamento do mérito (CPC, art. 485, inc. VI). V. tambémCondições da ação.

Causa de pedir. Conjunto das alegações de fato ou de direito contidas na peti-ção inicial, como fundamento do pedido ali deduzido.

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Chamamento ao processo. Modalidade de intervenção de terceiro em que oréu, quando trazido a este como alegado devedor por uma obrigação solidá-ria, pede que outro devedor solidário seja integrado ao polo passivo da rela-ção processual, objetivando que a condenação também o atinja. V. tambémIntervenção de terceiro.

Citação. Ato pelo qual o demandado é incluído na relação processual, tornando--se parte. Ordinariamente é acompanhado de uma intimação a praticar deter-minado ato (defender-se, cumprir a obrigação etc.).

Civil lalV. O sistema processual dos países de formação romano-germânica,nos quais os julgamentos são vinculados à aplicação das leis integrantes doordenamento jurídico-substancial do país. Opõe-se, segundo a linguagemanglo-saxã, ao sistema da common lalV.

Código de Defesa do Consumidor. Diploma legal portador de normas subs-tanciais e processuais destinadas à regência das relações substanciais ouprocessuais entre consumidor e produtor de bens ou serviços (lei n. 8.078,de 11.9.90).

Código de Processo Civil. Diploma legal portador de normas para o exerCÍciodajurisdição pelo juiz, da ação pelo autor e da defesa pelo réu, mediante oprocesso, versando matéria sujeita à jurisdição civil (não penal). Aplica-sesubsidiariamente aos processos trabalhista, eleitoral e administrativo (CPC,art. 15). V. também Direito processual civil.

Códigos estaduais de Processo Civil. No regime da Constituição de 1891,tendo os Estados competência concorrente com a da União para legislar so-bre o processo, alguns deles chegaram a elaborar seus Códigos de ProcessoCivil. Os mais elogiados pela doutrina foram o da Bahia e o de São Paulo. AConstituição de 1934 restabeleceu a unidade da competência legislativa dessamatéria, sobrevindo a ela o primeiro Código de Processo Civil nacional, noano de 1939.

Cognição. Conhecimento. É a captação mental, pelo juiz ou pelo árbitro, deelementos para decidir. Consiste no exame das alegações das partes, dosfatos mediante as provas existentes nos autos, do comportamento daquelas,dos textos legais e sua interpretação, da escolha das normas adequadas paraa decisão etc. A cognição será plena ou sumária, conforme o caso. As ativi-dades processuais de busca desses conhecimentos ou de sua apresentação aojuiz chamam-se instrução.

Cognição plena. É a que consiste em uma total abertura para o conhecimentointegral de todos os elementos necessários a decidir a causa, seja pela admis-são de fundamentos processuais ou jurídico-materiais de toda ordem, sejapela exaustividade da perquirição dos fatos.

Cognição sumária. É a cognição limitada (a) no plano horizontal, quanto aosfundamentos admissíveis para a decisão (p. ex., processo monitório) e (b) no

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plano vertical, quanto à profundidade dos atos de busca da verdade dos fatos(mandado de segurança, medidas urgentes etc.). Na primeira hipótese tem--se uma cognição sumária porque incompleta; na segunda, sumária porquesupe/jicial.

Coisa julgada. Autoridade da sentença não mais sujeita a recurso algum. A coi-sa julgada material imuniza a eficácia da sentença a novos questionamentos,impedindo a realização de outro processo por uma causa igual à primeira(mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido) e impondo que odecidido na sentença seja adotado como premissa inatàstável se a existênciado direito ali reconhecido ou negado vier a ser relevante para o julgamentoa ser proferido em um outro processo. A coisa julgada formal impede sim-plesmente que no mesmo processo possa ser reposta em discussão a causa oualgum dos fundamentos da sentença. Chama-se também preclusão máxima.

COl1l11l01l law. O sistema processual da Inglaterra, dos Estados Unidos e deoutros países de colonização inglesa, centrado na influência dos precedentes.Chama-se também case law, dada a projeção do julgamento dos casos comonormas a serem seguidas em julgamentos futuros. Opõe-se, segundo a lingua-gem anglo-saxã, ao sistema da civillaw.

Competência. É a medida dajurisdição, ou a quantidade da jurisdição contiadaao exercício de cada juiz ou tribunal. Também pode ser detinida como a rela-ção de adequação legítima entre uma causa e um órgão jurisdicional.

Competência absoluta. Competência insuscetível de ser alterada ou prorroga-da. É absoluta a competência de cada uma das Justiças, a do foro da situaçãoda coisa para os litígios envolvendo direito real (CPC, art. 47) e, em geral,toda a competência por matéria ou hierarquia (art. 62).

Competência de juízo. É a competência de cada um dos juízos existentes emdeterminado foro. Só se cogita de estabelecer essa competência após estarestabelecido que esse foro é competente. V. também Juízo.

Competência de jurisdição. É a competência de cada uma das Justiças. Essaexpressão, embora consagrada, é a rigor inadequada, porque a jurisdição deum Estado soberano é uma só, não sendo verdade que cada Justiça exerçauma jurisdição.

Competência internacional. A esfera de legítima atuação dos juízes de umpaís. O juiz cível brasileiro tem competência internacional exclusiva emalguns casos (CPC, art. 23) e concorrente em outros (arts. 21 e 22). Narealidade, ter ou não ter essa competência é ter ou não ter jurisdição sobre acausa. V. também Direito processual internacional.

Competência originária. Competência dos tribunais para processar e julgarcertas causas sem a prévia passagem por juízos de primeiro grau. V. tambémCompetência recursal.

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Competência recursal. Competência dos tribunais para julgar recursos inter-postos contra decisões de um juízo ou tribunal sobre o qual desfrutem de su-perioridade na hierarquia jurisdicional. V. também Competência originária.

Competência relativa. Competência suscetível de prorrogação. V. tambémProrrogação da competência.

Competência territorial. Competência de foro. É constituída pela massa decausas que a lei atribui a cada foro. V. também Foro.

Conciliação. Acordo de vontades entre as partes com vista a eliminar um con-flito. É um meio alternativo de solução de conflitos (solução consensual). Aconciliação judicial pode ter por resultado o reconhecimento do pedido peloréu, a renlÍncia do autor ao direito antes afirmado, uma transação entre aspartes (mútuas concessões) ou mesmo uma mera suspensão do processo ousua extinção sem julgamento do mérito. A conciliação pode ser conduzidapor um conciliador ou pelo próprio juiz da causa. A conciliação difere damediação, substancialmente porque ao conciliador compete sugerir soluções,além de orientar as negociações.

Condições da ação. Requisitos indispensáveis para que o autor tenha o direitoao pronunciamento judicial postulado (favorável ou desfavorável). Sãocondições da ação o interesse de agir e a legitimidade das partes. A falta deuma de uma das condições da ação configura carência de ação. V. tambémCarência de ação.

Conexidade. Relação entre duas ou mais demandas que tenham em comumalgum de seus elementos constitutivos. A conexidade, ou conexão de causas,será, conforme o caso, objetiva (identidade das causas de pedir ou dos pe-didos) ou subjetiva (identidade dos sujeitos). Quando todos os elementos dademanda forem comuns não se terá conexidade, ou conexão de causas, masuma identidade entre elas (litispendência). V. também Litispendência.

Conselho Nacional de Justiça. Órgão integrante do Poder Judiciário mas des-tituído de poderes inerentes à jurisdição. Exerce funções de administração,organização, censura e repressão sobre juízes e tribunais.

Constituição Federal. É a carta constitutiva do Estado brasileiro, hierarqui-camente preponderante sobre todos os demais diplomas normativos dopaís (supremacia da Constituição). Contém as declarações de direitos daspessoas e certos grupos, a estruturação do próprio Estado, a separação entreos Poderes deste, os princípios regentes das atividades de todos eles etc.Institui também a tutela constitucional do processo, mediante a fixação decertos princípios fundamentais à ordem processual, como o da isonomia, odo juiz natural, o do devido processo legal, o do contraditório e ampla de-fesa etc. Também contém a oferta de específicos remédios processuais paraa defesa de direitos da pessoa, integrantes da jurisdição constitucional dasliberdades. A projeção das normas constitucionais sobre a ordem processual

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234 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

chama-se direito processual constitucional. V. também Direito processualconstitucional.

Contempt o/ COllrt.Desrespeito à Corte. V. também Atentado à dignidade daJustiça.

Contencioso administrativo. Sistema processual, inexistente no Brasil, de pro-cesso e julgamento das causas envolvendo interesses do Estado por órgãosjurisdicionais não integrantes do Poder Judiciário mas da Administração PÚ-blica. Nos países em que existe o contencioso administrativo (França, Itáliaetc.) fala-se em um dualismo jurisdicional.

Contestação. Resposta do réu à demanda inicial. Pode veicular defesas de mé-rito ou relacionadas com a ação ou o processo.

Continência. Relação entre duas ou mais causas, uma das quais, sendo maisampla, contém em si o pedido da outra.

Contradita. Recusa de uma testemunha pelo advogado de uma das partes, antesde prestar o depoimento.

Contraditório. Direito à efetiva participação no processo mediante postulações,alegações e provas destinadas a influenciar legitimamente na convicção dojuiz.

Controle abstrato da constitucionalidade (concentrado). Apreciação da cons-titucionalidade de leis ou atos normativos federais ou estaduais, em caráterabstrato (sem referência a um concreto conflito entre partes). Competênciaexclusiva do Supremo Tribunal Federal quando se alega a incompatibilidadeda norma com a Constituição Federal, e quando o confronto for com as Cons-tituições Estaduais, dos Tribunais de Justiça.

Controle incidental de constitucionalidade (difuso). Apreciação do controleda constitucionalidade de atos normativos federais ou estaduais realizada in-cidentemente a qualquer processo. A competência é sempre do juiz da causa,independentemente do grau de jurisdição. Nos tribunais esse controle é feitopelo Órgão Especial, e no Superior Tribunal de Justiça por sua Corte Especial(reserva de Plenário).

Contumácia. Inércia processual de qualquer das partes, consistente em não par-ticipar das atividades processuais. A mais grave das contumácias é a revelia.V. também Revelia.

Cumprimento de sentença. Execução por título judicial. Realiza-se como fasedo mesmo processo que principiara em uma fase de conhecimento e no qualfoi produzido o título executivo. V. também Execução.

Custos legis. Fiscal da lei. O Ministério Público oficia no processo nessa con-dição quando não atua para a proteção de qualquer das partes mas mediante

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 235

direta destinação de zelar pelo interesse público. O Código de Processo Civilrefere-se a essa figura como }iscal da ordemjurídica.

Decisão. Ato do juiz, de conteúdo decisório, relativo ao mérito da causa ou a al-guma postulação formulada pelas partes no curso do processo, ou portador deuma determinação exarada de oficio pelo juiz. Os atos do juiz sem conteúdodecisório são denominados despachos. V. também Despacho.

Decisão interlocutória. Decisão proferida no curso do procedimento, sem pôrfim ao processo ou a uma de suas fases. Há decisões interlocutórias de con-teúdo processual e também ao menos uma de mérito. V. também Julgamentoantecipado parcial do mérito.

Decisão monocrática. Decisão tomada pelo relator nos tribunais.

Decisório (decisum).A parte da sentença na qual o juiz decide a causa, procla-mando a procedência ou improcedência da demanda ou declarando que omérito não reúne condições para ser julgado.

Defensoria Pública. Órgão estatal instituído com a função de orientar e de-fender gratuitamente os necessitados perante órgãos judiciários de todos osgraus de jurisdição.

Defesa. Na técnica processual é em primeiro lugar um direito contraposto aode ação (jus exceptionis). Esse vocábulo designa também os atos realizadospelo réu em resistência à pretensão do autor. Na linguagem constitucional éo direito de ambas as partes de desenvolverem em juízo atividades de buscade reconhecimento de seu direito (Const., art. 5º, inc. LV).

Demanda. É o ato de postular algo ao Poder Judiciário, dando início ao proces-so. No processo civil vem corporificada na petição inicial. Em sentido lato,demanda é toda postulação que uma das partes dirige ao juiz (seja o autor,seja o réu).

Denunciação da lide. Demanda dependente da principal proposta por autor ouréu em face de terceiro na qual se postula um direito de regresso. V. tambémIntervenção de terceiro.

Desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity).Medida judicial consistente em confundir duas personalidades teoricamen-te distintas, como a da sociedade e a de seus sócios. Visa a neutralizar osefeitos da fraude do devedor cometida com o objetivo de frustrar a execuçãoforçada. Tem caráter excepcional no sistema dos direitos, não devendo serprodigalizada além dos casos indicados em lei e dos objetivos para os quaisfoi concebida. V. também Incidente de desconsideração da personalidadejurídica (disregard oflegal entity).

Desembargador. Juiz dos órgãos de segundo grau das diversas Justiças (JustiçaFederal, Justiças Estaduais etc.).

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236 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Despacho. Ato proferido pelo juiz no curso do procedimento sem conteúdodecisório e sem pôr fim ao processo. A lei o reputa irrecorrível.

Deveres processuais. Condutas exigidas pela lei processual, podendo serimpostas sob a cominação de sanção. Deveres são sempre imperativos dointeresse alheio. São raros os deveres processuais, como o de lealdade, o decooperação, o de comparecimento em juízo em certos casos específicos etalvez alguns outros, muito poucos.

Devido processo legal (due process of law). Conjunto de limitações impostaspelo Estado de direito às atividades dos agentes do poder, com atenção àsnormas constitucionais e infraconstitucionais. Há o substantive due processof law e o procedural due process of lmv.

Direito constitucional. Conjunto de princípios e normas contidos na Constitui-ção Federal referentes ao Estado soberano, à sua estruturação, à separaçãoentre os Poderes do Estado, aos direitos e garantias das pessoas e grupos etc.

Direito de defesa (jus exceptionis). V.Defesa.

Direito infraconstitucional. Conjunto de princípios e normas estabelecidosem patamares inferiores ao da Constituição Federal. Há o direito infracons-titucional federal, o estadual e o municipal. As próprias Constituições dosEstados integram, por esse aspecto, o direito infraconstitucional.

Direito material. Conjunto de princípios e normas responsáveis pela regênciadas relações da vida entre pessoas ou entre pessoas e bens, assim como dosatos jurídicos praticados por aquelas. Opõe-se ao direito processual, que regeos atos e as relações inerentes ao processo.

Direito processual. Conjunto de princípios e normas referentes ao exercício dajurisdição, da ação e da defesa mediante o processo. É um ramo do direitopúblico e público é o processo ainda quando tenha por objeto pretensõesfundadas no direito privado. V. também Institutos fundamentais do direitoprocessual.

Direito processual civil. Conjunto de princípios e normas referentes ao exercí-cio da jurisdição, ação e defesa em matéria não penal, não trabalhista e nãoeleitoral (conceituação por exclusão).

Direito processual constitucional. Método consistente em tratar o processosegundo os princípios, garantias e normas residentes na Constituição Fede-ral. Manifesta-se em duas vertentes: a da tutela constitucional do processoe a da jurisdição constitucional das liberdades. Não é um ramo do direitoprocessual.

Direito processual internacional. Normas estabelecidas em tratados interna-cionais e no direito interno de cada país, em parte limitativas do exercícioda jurisdição (competência internacional) e em parte destinadas a facilitar e

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 237

propiciar aformação, a execução e a circulação dos provimentos jurisdicio-nais de relevância além-fronteiras. V. também Competência internacional.

Direito romano. Fala-se em direito romano quando se estudam as origensdo processo civil moderno, para designar o sistema jurídico principiado nafundação da cidade de romana (754 a.c.) e desenvolvido em três períodos, asaber: a) o das ações da lei, (b) o do processo por fórmulas e (c) o da extraor-dinaria cognitio. Processo eminentemente privado nas duas primeiras fases,que são reunidas sob a denominação ordojudiciorum privaturum, e processojá com forte tendência à publicização, na terceira delas.

Direito subjetivo. Categoria de direito substancial consistente na expectativade obtenção ou fruição de um bem outorgada pela ordem jurídica. É, nessamedida, uma situaçeiojurídica de vantagem, sempre segundo a lei, em rela-ção a um bem. É superada a velha conceituação do direito subjetivo comofacultas agendi, considerando que nem sempre o titular do direito é autoriza-do a exercer por iniciativa própria poderes sobre o bem, sendo necessário orecurso aos órgãos da jurisdição (particularmente em matéria obrigacional).V. também Obrigação.

Direito substancial. Sinônimo de direito material.

Direitos indisponíveis. Direitos insuscetíveis de renúncia ou disposição dequalquer ordem, seja em virtude de sua própria natureza (direitos da perso-nalidade, direitos referentes ao estado da pessoas etc.), seja pela condiçãodas pessoas (incapazes em geral). Nos litígios sobre direitos indisponíveisa revelia do réu não tem o efeito de criar a presunção de veracidade dasalegações de fato contidas na petição inicial (efeito da revelia). Os direitosindisponíveis também não são aptos a constituir objeto do processo arbitral.

Diretor de secretaria. Auxiliar permanente da Justiça, exercente das funções dechefia das secretarias do juízo, da Justiça Federal. Equivale ao escrivão dasJustiças Estaduais. V. também Auxiliar da Justiça.

Distribuição dinâmica do ônus da prova. Possibilidade de o juiz distribuir oônus da prova de forma diversa da prevista em lei, em atenção às peculiari-dades da causa ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.V. também Ônus da prova.

Due process of la IV. V. Devido processo legal (due process of law).

Duplo grau de jurisdição. Princípio segundo o qual toda causa deve ter oportu-nidade de passar por juízes de ao menos dois graus de jurisdição. Esse princí-pio tem também o efeito de impedir que um tribunal julgue causas ainda nãojulgadas pelo órgão inferior. Mas há exceções.

Efeito da revelia. Presunção relativa de veracidade das alegações contidas napetição inicial imposta ao réu que, não respondendo a esta, se toma revel.

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o efeito da revelia não se confunde com a revelia, que é uma situação de fatocriada pela inércia do réu. Há situações em que a revelia não gera o efeitoda revelia.

Efeito devolutivo. A eficácia que todo recurso tem de outorgar ao tribunal acompetência para decidir a matéria que houver sido objeto de decisão noórgão inferior.

Efeito suspensivo. A eficácia que têm certos recursos de impedir a imposiçãodos efeitos da decisão recorrida.

Eficácia preclusiva da coisa julgada. Impedimento à propositura de deman-das incompatíveis com a situação jurídica definida na sentença transitadaem julgado, na medida da incompatibilidade (CPC, art. 508). Constitui umescudo à efetividade dessa autoridade, sem o qual ela não poderia cumpririntegralmente seu objetivo de oferecer segurança jurídica.

Embargos à execução. Meio de resistência do executado à execução por títuloextrajudicial. Admitem-se com fundamento em certas irregularidades daexecução e também para discutir o próprio mérito (existência, inexistência,modo de ser da obrigação exequenda). V. também Impugnação ao cumpri-mento de sentença.

Embargos de declaração. Pedido de aclaramento de uma decisão em caso deobscuridade, contradição ou omissão, bem como para a correção de erros ma-teriais, quanto a algum ponto fundamental da motivação ou do dispositivo dadecisão. Questiona-se se os embargos declaratórios são um recurso ou meropedido de correção da sentença, acórdão ou decisão interlocutória.

Embargos de divergência. Recurso admissível no Supremo Tribunal Federalou no Superior Tribunal de Justiça em caso de conflito do acórdão de uma desuas Turmas com tese sustentada por outro órgão ou pelo Plenário.

Entrância. Nível da evolução da carreira dos magistrados nas Justiças Esta-duais. Tem relevância puramente administrativa, sem hierarquia jurisdicionalentre os juízes das diversas entrâncias. Não confundir com instância. V.também Instância.

Escopos da jurisdição. As finalidades que norteiam o exercício desta. A juris-dição estatal é exercida com escopos sociais (pacificação, educação), políti-cos (participação na vida do Estado e da sociedade) ejurídicos (atuação davontade da lei). Ajurisdição dos árbitros não é movida pelo escopo jurídico.

Escrevente. Funcionário de cartório ou secretaria do juízo, subordinado ao es-crivão ou diretor de secretaria. V. também Auxiliar da Justiça.

Escrivão. Auxiliar pennanente da Justiça, exercente das funções de chefia doscartórios, das Justiças Estaduais. Equivale ao diretor de secretaria, da JustiçaFederal. V. também Auxiliar da Justiça.

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 239

Estabilização da tutela antecipada. Estabilidade conferida à tutela antecipadade urgência concedida em caráter antecedente quando o réu não impugna adecisão antecipatória e, em decorrência, o processo é extinto sem o julga-mento do mérito (CPC, art. 304). Essa estabilidade não se confunde com acoisa julgada, não impede a propositura de demanda para impugnar a decisãoantecipatória ou mesmo que a questão objeto dessa decisão seja decidida deforma distinta em outro processo. V. também Coisa julgada.

Estagiário de direito. Estudante de direito como tal inscrito na Ordem dos Ad-vogados do Brasil e vinculado a um advogado ou a um escritório de advoca-cia. Recebe procuração da parte e só é autorizado a realizar atos de menor im-portância, sempre sob a orientação de um advogado. V. também Advogado.

Exceção. Em sentido lato significa defesa e corresponde aojus exceptionis. Emsentido estrito esse vocábulo tem o significado de defesa, seja de mérito oude natureza processual, da qual o juiz só possa conhecer quando levantadapela parte. V. também Exceção em sentido estrito.

Exceção em sentido estrito. Defesa de mérito ou processual da qual o juiz sópode conhecer quando alegada pelo réu (CPC, art. 141). É um conceito opos-to ao de objeção. V. também Objeção.

Execução. Conjunto de atos mediante os quais o Estado-juiz invade o patri-mônio de um obrigado com o fim de extrair os bens necessários à satisfaçãodo titular de um direito. Será, conforme o objeto do direito exequendo, umaexecução por obrigação defazer ou não fazer, para entrega de coisa ou porquantia certa. Pode fundar-se em título extrajudicial ou em título judicial,caso em que a lei brasileira a denomina cumprimento de sentença. V.tambémCumprimento de sentença.

Extinção da ação. Locução inadequadamente empregada para designar a ex-tinção do processo.

Extinção do processo. Cessação definitiva da fluência do processo. Este se ex-tingue por sentença que põe fim à fase de conhecimento, na hipótese de nãohaver qualquer condenação passível de ser executada, ou, se houver algumacondenação, com a sentença que põe fim à fase de cumprimento de sentença.Não se extingue a ação, mas o processo.

Faculdades processuais. Condutas permitidas pelas leis do processo, em aten-ção à superior garantia constitucional da liberdade (Const., art. 5º, caput e9 Iº). São poucas e pouco significativas as faculdades puras, conceituadascomo faculdades cujo não exercício não acarreta prejuízo algum à parte (es-crever com tinta preta ou azul, interpor recurso nos primeiros dias do prazoou no fim). Faculdades de necessário exercício sob pena privar o sujeito deuma vantagem no processo ou de sujeitá-lo a uma situação desvantajosa são

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ônus. O juiz não tem faculdades no processo, somente poderes e deveres. V.também Ônus processual.

Famílias do direito. Grupos de países integrando sete sistemas processuais,segundo uma divisão proposta por René David. Embora ele não diga assim,o processo civil brasileiro filia-se intimamente ao sistema da/amília romano--germânica do direito.

Fase de conhecimento. É a primeira fase do processo civil sincrético vigente noBrasil, correspondendo ao que em todos os demais ordenamentos jurídicos deorigem romano-germânica se chama processo de conhecimento.

Fases históricas do processo civil brasileiro. Períodos delimitados, segundo adoutrina, pela vigência de alguns dos principais diplomas legislativos respon-sáveis pela regência do processo civil. Tivemos (a) a fase inicial de vigênciadas Ordenações do Reino (Filipinas), (b) a da Consolidação de Ribas, (c) ade aplicação do Regulamento n. 737 ao processo civil, (d) a dos Códigosestaduais, (e) a do Código de Processo Civil de 1939, (f) a do Código de Pro-cesso Civil de 1973 em sua formulação inicial, (g) a das Reformas impostasa este, particularmente pela Lei do Cumprimento de Sentença, e (h) a que seiniciará em 18 de março de 2016, com o início da vigência do novo Códigode Processo Civil.

Fiscal da ordem jurídica. V. Custos legis.

Fontes da prova. Elementos externos ao processo (pessoas ou coisas), de queeste se serve para a apuração dos fatos relevantes ao julgamento da causa.

Forma do ato processual. O aspecto exterior de cada ato, representado pelotrinômio modo-lugar-tempo. As/ormas opõem-se ao conteúdo do ato.

Foro. Base territorial delimitadora do exercício da jurisdição. Nas JustiçasEstaduais os foros de primeiro grau são chamados comarcas. Na Federal,subseções. Não confundir com/órum. v. também Competência territorial.

Foro extrajudicial. As repartições (cartórios) encarregadas de certas funçõesde certificação e registro de atos e negócios jurídicos, como os tabelionatos,os cartórios de registros de imóveis, de protesto, de registro de títulos e docu-mentos e de registro civil das pessoas naturais. Não são auxiliares da Justiça,mas na ordem jurídica brasileira são sujeitos a uma relação de hierarquiaperante os Tribunais de Justiça dos Estados.

Foro privilegiado. Expressão equivocada, geralmente empregada pela mídiapara designar a competência originária por prerrogativa defimção, atribuídapela Constituição aos tribunais.

Fórum. O edifício onde têm sede os juízos de primeiro grau jurisdicional. Nãoconfundir com/oro.

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 24 I

FUl1lusboni juris. Fumaça do bom direito. É a probabilidade de existência dodireito alegado pelo autor, como requisito para a concessão de medidas cau-telares ou antecipatórias de tutela. V. também Medida urgente.

Graus de jurisdição. V. Instância.

Habeas corpus. Medidajurisdicional ágil e enérgica oferecida pela ConstituiçãoFederal para a tutela relacionada com a liberdade de locomoção.

Homologação. Encampação de um ato da parte ou de auxiliar da Justiça, me-diante a qual o juiz lhe confere a eficácia de um ato judicial. Homologar éjurisdicionalizar o ato. Os atos de disposição de direitos, quando praticadosno curso do processo, só constituirão título executivo quando homologadospelo juiz. A sentença do árbitro independe de homologação.

Imparcialidade. Principio segundo o qual o juiz deve manter-se equidistante,sem propensão a favorecer qualquer das partes. Não se confunde com aneutralidade, que é a indiferença do juiz aos valores da sociedade, a seremimpostos mediante o processo e a sentença.

Impedimento do juiz. Situação em que o juiz, por estar em alguma medidaligado à causa, é proibido de atuar no processo. Deverá abster-se de fazê--lo ou poderá ser recusado pela parte mediante mera petição nos autos. Oimpedimento poderá ser reconhecido a qualquer tempo ou grau ordinário dejurisdição, servindo inclusive de fundamento para a ação rescisória (CPC, art.966, inc. 11).V. também Suspeição dojuiz.

Impugnação ao cumprimento de sentença. Meio de resistência do executadoà execução por título judicial (cumprimento de sentença). Admite-se comfundamento em certas irregularidades da execução. Não comporta discussõessobre o mérito já decidido na sentença exequenda, senão com fundamento emfatos supervenientes a esta. V. também Embargos à execução.

Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Incidente destinadoa apreciar pedido de desconsideração da personalidade jurídica e formuladono decorrer de qualquer das fases do processo. De sua realização e de suadecisão final no sentido de desconsiderar a personalidade jurídica depende aextensão da responsabilidade de um devedor ao terceiro. V. também Descon-sideração da personalidade jurídica (disregard oflegal entity).

Incidente de resolução de demandas repetitivas. Incidente suscitado nosTribunais de Justiça e nos Regionais Federais, com função semelhante à doincidente de julgamento de recursos repetitivos, que se processa no Supremo

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242 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça. V. também Recursosextraordinário e especial repetitivos.

Incidente processual. Conjunto de atos formalmente coordenados a seremrealizados no curso do processo. É um pequeno procedimento inserido nocontexto do procedimento maior. Exemplos típicos são os incidentes dedesconsideração da personalidade jurídica e de arguição de inconstituciona-lidade V. também Questão incidente.

Incidenter tantllm. Apenas incidentemente, ou em caráter incidente. Umaquestão considera-se decidida incidenter tantum quando o pronunciamentodo juiz a seu respeito está contido na motivação da sentença e não em seudecisório. Daí que, em princípio, essa decisão não fica amparada pela au-toridade da coisa julgada material (CPC, arts. 503, S \º, e 504). V. tambémPrincipaliter.

Indeferimento da petição inicial. Negativa de processamento da causa, impos-ta pelo juiz logo ao apreciar a petição inicial. Ocorre nas hipóteses indicadasno art. 330 do Código de Processo Civil.

Independência do juiz. Sua não submissão a ingerências de quem quer que sejano tocante ao processamento da causa e seu julgamento. O juiz deve ser inde-pendente em relação aos agentes dos demais Poderes do Estado, ao poderioou capacidade de perversa influência de qualquer das partes, seus advogadosou terceiros de qualquer condição (especialmente os nefandos lobistas), e atémesmo aos órgãos superiores da própria Magistratura. A Constituição Fede-ral cuida de favorecer a independência dos juízes, mediante a oferta de certasgarantias institucionais (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade devencimentos) e a imposição de alguns impedimentos (militância político--partidária, exercício do comércio etc.).

Inépcia da petição inicial. Inaptidão a provocar validamente o processamentoda causa, como consequência de certos vícios formais ou desatendimento àscondições da ação ou pressupostos processuais.

Instância. Grau jurisdicional. As instâncias superiores têm o poder de revisãodas decisões proferidas pelas inferiores, além de uma competência origináriaem certos casos. Não confundir com entrância. V. também Entrância.

Institutos fundamentais do direito processual. As categorias jurídico--processuais mais amplas desse ramo do direito, consistentes na jurisdiçãoexercida pelo juiz, na ação e defesa exercidas pelas partes e no processo, noqual todos participam exercendo os poderes e faculdades que lhes cabem.Todos os demais institutos do direito processual se acomodam nesses quatrofundamentais.

Instrumentalidade das formas. Princípio segundo o qual a irregularidade for-mal de um ato do processo só gera sua nulidade quando ele não houver atin-

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 243

gido seu escopo, ou seja, quando a irregularidade houver causado prejuízo auma das partes (CPC, art. 277).

Instrumentalidade do processo. Método consistente em ver a ordem proces-sual como um elemento destinado à realização de certos objetivos no planosocial, no político e no jurídico, renegando-se o enfoque do processo e desuas técnicas como valores a serem cultuados acima dos valores aos quais sãopreordenados. Associa-se ao método do processo de resultados.

Interesse processual. Utilidade do processo e do exercício da jurisdição. Suaaptidão a proporcionar ao demandante uma situação jurídica mais favorávelque a situação vigente. Revela-se mediante dois indicadores muito úteis, quesão a necessidade do exercício da jurisdição no caso concreto e a adequaçãoda tutela jurisdicional postulada.

Interesse público. Interesse que transcende a esfera jurídica de dois ou maissujeitos, para interessar a todo um grupo, categoria, classe ou mesmo a toda asociedade. Os interesses públicos são "permeados de um valor que transcen-de o indivíduo e envolve a sociedade inteira" (Mauro Cappelletti). V. tambémDireitos indisponíveis.

Intervenção de terceiro. Ingresso de um terceiro em processo pendente entreoutras pessoas. Pode ser voluntária, quando a iniciativa de intervir é dopróprio terceiro, ou provocada, quando a iniciativa é de uma das partes ori-ginárias.

Intimação. Ato pelo qual qualquer das partes toma conhecimento de uma deci-são do juiz e, eventualmente, é também chamada a realizar determinado ato(responder, cumprir alguma exigência etc.).

Isonomia processual. Igualdade de tratamento às partes.

Juiz federal. Magistrado de primeiro grau jurisdicional da Justiça Federal. Temcompetência para as causas indicadas no art. 109 da Constituição Federal,entre as quais as que envolvem a União Federal e suas autarquias ou empre-sas públicas.

Juiz leigo. Auxiliar parajurisdicional da Justiça, com funções de instrução eprolação de sentença nos juizados especiais cíveis. Suas sentenças dependemde homologação pelo juiz togado.

Juiz natural. Órgão jurisdicional preexistente aos fatos a serem objeto de jul-gamento e detentor de competência, segundo a Constituição e a lei, para ojulgamento referente a esses tàtos.

Juiz togado. O juiz integrante do Poder Judiciário. Literalmente, é o juiz queusa toga. Opõe-se ao árbitro, que é juiz mas não é togado porque não perten-ce ao Poder Judiciário. V. também Arbitro.

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Juizado especial cível. Órgão jurisdicional composto de juízes togados e leigos,competente para o processo e julgamento das causas cíveis de menor comple-xidade, ou pequenas causas. Atua mediante um procedimento extremamentesimplificado e menos formal que o comum, com vista à celeridade e, conse-quentemente, à tutela jurisdicional em tempo razoável.

Juizo. Órgão jurisdicional composto por um ou mais juízes e pessoal auxiliar.Os juízos de primeiro grau são monocráticos e chamados varas. Nas comar-cas maiores existem juízos dotados de competências diferentes (varas crimi-nais, varas cíveis, varas da família e sucessões, varas de execução penal etc.).

Juizo rescindente. V. Ação rescisória.

Juizo rescisório. V. Ação rescisória.

Julgamento antecipado do mérito. Julgamento do mérito que ocorre logoapós ou concomitantemente ao saneamento na hipótese de ser desnecessáriaqualquer atividade instrutória ulterior.

Julgamento antecipado parcial do mérito. Julgamento de parte do pedido oudos pedidos deduzidos na petição inicial, deixando sem julgar outros pedi-dos ou outras partes do pedido. É uma decisão interlocutória de mérito. Notocante ao que não foi decidido prosseguirá o processo mediante a instruçãoprobatória e tudo mais quanto for necessário ao julgamento final.

Julgamento conforme o estado do processo. Decisão proferida após a faseordinatória do procedimento comum, na qual o juiz saneia o processo,extingue-o sem julgamento do mérito ou julga-lhe desde logo o mérito, deforma integral ou parcial.

Julgamento por equidade. Julgamento pautado por critérios não contidos emlei alguma, que remonta ao valor do justo e à realidade humana, econômica,política, cultural, social ou familiar em que se insere o conflito. É admitidoem hipóteses muito específicas, pois a regra geral é a de que o julgamentodeve estar fundado nas normas que integram o ordenamento jurídico brasi-leiro.

Jurisdição. Uma dasfimções do Estado, consistente na oferta de tutela a um su-jeito que tenha direito ao bem pretendido. Seu escopo magno, que a caracteri-za, é a pacificação a ser promovida entre sujeitos em conflito, eliminando osconfl itos mediante justiça. A jurisdição pode também ser vista como conjuntode atividades dojuiz realizadas com aquele escopo. Mas ela não é um poder,senão uma expressão do poder estatal, que é uno e portanto não comportadivisões ou classificações. Ajurisdição é exercida não só pelos juízes estataismas também pelos árbitros.

Jurisdição comum. É o âmbito da jurisdição a ser exercida pela Justiça comum.V. também Justiça comum.

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 245

Jurisdição constitucional das liberdades. Conjunto de medidas jurisdicionaisdiferenciadas oferecido pela Constituição para a tutela relacionada com osvalores da democracia (mandado de segurança, habeas corpus, ação popular,mandado de injunção, habeas data).

Jurisdição especial. É o âmbito da jurisdição a ser exercida pelas Justiças espe-ciais. V. também Justiças especiais.

Jurisdição voluntária. Poder jurisdicional exercido com o objetivo de resguar-dar direitos ou interesses de um sujeito previamente determinado (p. ex., ointerditando no processo de interdição). Atualmente a jurisdição voluntáriavem sendo atraída ao âmbito dajurisdição, pondo-se ao lado da contenciosae afastando-se a ideia de sua natureza administrativa (administração públicade interesses privados). Exerce-se mediante atos e procedimentos semelhan-tes aos da jurisdição contenciosa.

Jurisprudência. Conjunto de decisões, condensado ou não em súmula, quedefine a orientação de um tribunal a respeito de uma determinada questãojurídica. V. também Súmula.

Justa composição da lide. Criação da norma concreta destinada à solução dedeterminado caso concreto. Seria esse, segundo Camelutti, o escopo (único)do processo. V. também Instrumentalidade do processo.

Justiça. Cada um dos organismos jurisdicionais indicados na Constituição Fe-deral, cada um deles com uma competência ali estabelecida.

Justiça comum. São Justiças comuns os organismos judiciários competentespara apreciar matérias não atribuídas às Justiças especiais. Integram a Justiçacomum a Justiça Federal e as Justiças Estaduais.

Justiça Estadual. Organismo judiciário composto dos juízos estaduais e Tri-bunais de Justiça. Cada Estado tem a sua. Todas têm competência residual,ou seja, são competentes para as causas não reservadas pela ConstituiçãoFederal para a Justiça Federal, Eleitoral, do Trabalho ou Militar. A Justiçado Distrito Federal e Territórios é também uma Justiça local, como as dosEstados, embora não seja Estadual, porque não pertence a um Estado.

Justiça Federal. Organismo judiciário composto dos juízos federais e TribunaisRegionais Federais. É uma das Justiças da União, tanto quanto a Eleitoral,a do Trabalho e a Militar, mas só ela tem a denominação de Justiça Federal.Integra a Justiça comum, não sendo pois uma Justiça especial.

Justiça local. V.Justiça Estadual.Justiças especiais. Justiças competentes para o processo e julgamento de certasmatérias indicadas na Constituição Federal (Justiça do Trabalho, JustiçaEleitoral, Justiça Militar).

Laudo arbitral. V.Sentença arbitral.

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246 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Laudo pericial. O relatório conclusivo elaborado pelo perito com relação aosexames, vistorias ou avaliações de que é encarregado. O juiz não é adstritoàs conclusões do laudo.

Lealdade processual. Comportamento ético no processo. Esse é um dever daspartes e também do próprio juiz, constituindo litigância de má-jé eventuaiscomportamentos desleais daquelas, que a lei enumera, define e sanciona.

Legalidade das formas. Princípio segundo o qual a validade dos atos doprocesso depende da observância dos requisitos formais postos pela lei. V.também Liberdade dasformas.

Legitimidade ad causam. Concreta relação entre o sujeito e a causa, de modoque o julgamento a ser proferido sobre esta seja potencialmente apto a produ-zir efeitos sobre direitos e interesses de quem pede (autor) e daquele em facedo qual é pedido (réu). Parte legítima não é o mesmo que parte no processo.

Liberdade das formas. Princípio segundo o qual ordinariamente os atos doprocesso não são sujeitos a formas predetenninadas, só o sendo nos casosespecíficos em que a lei assim dispuser. O Código de Processo Civil anunciaa adoção desse princípio (art. 188) mas na realidade os principais atos de seuprocedimento são regidos por exigências formais específicas (princípio dalegalidade dasformas).

Lide. Conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida (Camelutti).Para muitos a lide constitui o objeto do processo, ou mérito da causa.

Liquidação de sentença. Conjunto de atividades destinadas à apuração do valorde uma obrigação (qllantllm debeatllr). A liquidação será feita pelo procedi-mento comum ou por arbitramento, conforme o caso.

Litigância de má-fé. Comportamento desleal no processo, especialmente emcertas hipóteses definidas na lei. O litigante de má-fé é sancionado com umamulta e eventualmente responderá pelos danos causados com sua condutadesleal.

Litisconsórcio. Reunião de duas ou mais pessoas como autores ou como réusem um mesmo processo. Tem-se o litisconsórcio ativo ou passivo, conformeo pala da relação processual em que se insere. Havendo um litisconsorteativo e um passivo ter-se-á um litisconsórcio bilateral (ou misto, como secostuma dizer).

Litispendência. Literalmente, pendência da lide, ou do processo. A pendênciade um processo impede, por litispendência, a realização de outro processoe julgamento do mérito quando a demanda ali proposta for igual à primeira(mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido).

Livre convencimento. Princípio segundo qual o juiz tem ampla liberdade paraapreciar as provas, formando sua própria opinião para decidir sem as limi-

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 247

tações inerentes ao sistema da prova legal. Para formar esse convencimentoo juiz deve apoiar-se exclusivamente nos elementos constantes dos autos, eao sentenciar deve motivar sua sentença mediante o exame desses elementos(livre convencimento motivado).

Mandado de segurança. Medida jurisdicional ágil e enérgica oferecida pelaConstituição Federal para a tutela relacionada com direitos líquidos e certosnão protegidos pelo habeas corpus violados por agentes estatais. Admite-setambém contra atos de delegatários de funções públicas, como os diretoresde estabelecimentos particulares de ensino, em certos casos. São líquidos ecertos os direitos comprovados primafacie, sem necessidade de instrução nocurso do processo.

Mediação. Meio alternativo de solução de conflitos consistente na busca de umasolução consensual mediante a orientação de um mediador. A mediação temsido muito valorizada nos últimos tempos como meio de pôr fim a processospendentes e, mais ainda, de evitar a propositura de demandas, sempre queisso seja possível. Difere da conciliação, substancialmente porque o me-diador não sugere soluções, somente orienta as negociações, enfrentando ascausas do litígio.

Medida cautelar. Medida jurisdicional urgente destinada a assegurar a utiliza-ção, no processo, de certos meios exteriores ao processo (pessoas ou coisas).Sua eficácia limita-se ao processo, para que ele possa desenvolver-se adequa-damente e produzir seu resultado final esperado. Não tem caráter satisfativo.

Medida urgente. Provimento jurisdicional destinado a produzir em breve tem-po certos efeitos que ordinariamente só poderiam ser produzidos na sentençafinal do processo. Pode ter natureza cautelar ou antecipatória e sujeita-se aosrequisitos dojimllls boni juris e do periculum in mora. As medidas urgentessão provisórias por definição legal, podendo ser revogadas no curso do pro-cesso, e não podem criar situações irreversíveis.

Meios alternativos de solução de conflitos. Modos de buscar a pacificaçãoentre as partes diversos do recurso àjurisdição estatal. Há meios alternativosconsensuais, como a conciliação e a mediação, e um meio alternativo deheterocomposição, que é a arbitragem. Os meios alternativos de solução deconflitos só se aplicam em casos de direitos ou interesses disponíveis.

Meios de prova. Modos de extrair das fontes de prova as informações de fatorelevantes ao julgamento da causa. São meios de prova a prova testemunhal,o depoimento pessoal, a prova documental e a prova pericial. Cada uma delasse subordina às suas regras específicas para a produção da prova. A confissãonão é um meio de prova.

Mérito. Pretensão trazida pelo autor ao Poder Judiciário ou aos árbitros, repre-sentada pelo pedido contido na petição inicial.

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Ministério Público. Órgão de tutela ao interesse público. Tem legitimidade ati-va em certos casos (ação civil pública) e intervém em muitos outros quandohouver interesses de incapazes, litígios de direito de família e, de um modogeral, quando a causa versar sobre interesses públicos. Não deve ser um de-fensor do Estado como pessoa jurídica.

Ministro. Juiz do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores daUnião (STJ etc.).

Motivação. Exposição das razões de fato e de direito nas quais se funda a de-cisão de uma sentença, acórdão ou decisão interlocutória. A motivação deveater-se aos elementos constantes dos autos, não podendo o juiz decidir comfundamento em fatos dos quais tenha um conhecimento exterior (ciênciaprivada do juiz). A motivação constitui uma exigência constitucional (Const.,art. 93, inc. IV) e sua falta ou insuficiência constitui motivo de nulidade.

Multa coercitiva. Cominação pecuniária imposta pelo não cumprimento de cer-tos comandos ditados pelo juiz. As multas coercitivas podem ser periódicas esão ordinariamente fixadas por dia de descumprimento (multas diárias). Sãogeralmente agregadas a sentenças condenatórias por obrigação de fazer ounão fazer, bem como a medidas cautelares ou antecipatórias de tutela.

Multa diária. V. Multa coercitiva.

Negócio jurídico processual. Ato de autorregulação dos próprios interessescom que as partes ajustam entre si os modos como o processo e o procedi-mento se realizarão, afastando-se das regras abstratas da lei e configurandoum novo regramento concreto.

Notificação. Em processo civil inexistem notificações como atos de comunica-ção processual. No Código de Processo Civil notificação é um procedimentoespecial destinado a levar a alguém o conhecimento de algum fato ou dealguma intenção do notificante (arts. 726 ss.). Há também as notificações rea-lizadas por cartórios do foro extrajudicial (cartórios de títulos e documentos).No processo trabalhista e no arbitral chama-se notificação qualquer ato decomunicação processual, inclusive o de convocação a participar do processo,a que chamamos citação.

Nulidade. Vício do ato processual capaz de impedi-lo de produzir os efeitosdesejados. Há nulidades cominadas expressamente em lei (falta de citaçãodo réu, não intimação do Ministério Público a oficiar no processo civil) enulidades não cominadas, ou sistemáticas, que decorrem da não observânciadas formas exigidas. Essas são a grande maioria das nulidades no Códigode Processo Civil. Não se pronuncia uma nulidade sem que tenha causadoprejuízo a uma das partes, ou seja, quando, apesar da inobservância da forma,o ato houver atingido seu escopo. V. também Instrumentalidade das/ormas.

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 249

Obiter dietum. Afirmação feita de passagem pelo juiz ou tribunal, sem integraro decisório da causa. Os obter dieta são inócuos para o julgamento da causa.Não produzem efeitos na vida das partes e não obtêm a autoridade da coisajulgada.

Objeção. Defesa suscetível de ser conhecida de ofício, ou seja, mesmo semalegação pela parte. É um conceito oposto ao de exceção em sentido estrito.V. também Exceção em sentido estrito.

Objeto da prova. Conjunto dos fatos a serem provados no processo. Integra oobjeto do conhecimento do juiz, do qual fazem parte também as questões dedireito pertinentes à causa.

Objeto do conhecimento do juiz. O conjunto das questões de fato ou de direitoa serem examinadas pelo juiz ao decidir. Não se confunde com o objeto doprocesso. V. também Objeto do processo.

Objeto do processo. A pretensão deduzida no processo para ser apreciada pelojuiz e receber uma decisão. É representada pelo pedido contido na petiçãoinicial. O objeto do processo constitui o mérito deste.

Obrigação. Categoria de direito substancial, contraponto negativo do direitosubjetivo. É, nessa medida, uma situação jurídica de desvantagem em re-lação ao bem. As obrigações cumprem-se ordinariamente mediante um atodo sujeito obrigado, mas elas não se confundem com o dever de prestação.Seu objeto é o próprio bem, não uma conduta (prestação). V. também Direitosubjetivo.

Oficial de justiça. Auxiliar permanente da Justiça, com o encargo de realizarserviços externos, como penhoras e atos de comunicação processual (citaçõese intimações). V. também Auxiliar da Justiça.

Ônus da prova. Encargo de provar os fatos de seu interesse, sob pena de ofato alegado ser havido por inexistente (regra de julgamento). Incumbe aoautor, quanto aos fatos constitutivos de seu alegado direito, e ao réu, quantoaos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito. V. tambémRegra dejulgamento.

Ônus processual. Encargo de realizar determinado ato do processo, sob penade não poder obter os efeitos favoráveis pretendidos ou de suportar certosefeitos desfavoráveis não desejados. Os ônus são imperativos do própriointeresse e não do interesse alheio.

Ordem pública. O universo dos valores inalienáveis da sociedade, preservadospor normas de imperatividade absoluta, que os indivíduos não têm o poderde contrariar (normas cogentes). As normas de direito processual são emgrande parte de ordem pública, dados o caráter público do próprio processo eos escopos do exercício da jurisdição pelo Estado.

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250 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Ordenações do Reino. No início de sua vida como Estado soberano, em 1882,o Brasil acolheu por inteiro as Ordenações Filipinas, do Reino de Portugal,cujo livro III continha a disciplina do processo civil. Esse monumental corpolegislativo, que aos poucos foi sendo substituído pela legislação nacional,fora precedido pelas Ordenações Manuelinas e pelas Ordenações Afonsinas,ambas de Portugal.

Órgão a quo. Órgão judiciário prolator da decisão contra a qual se interpôs umrecurso. Diz-se também vara de origem ou tribuna! de origem.

Órgão ad quem. Tribunal ao qual é endereçado um recurso. Diz-se tambémtribuna! destinatário.

Órgão Especial. Órgão interno dos Tribunais de Justiça ou dos TribunaisRegionais Federais, composto por um número entre onze e vinte e cincodesembargadores e encarregado do exercício da jurisdição com referência acausas ou questões que ordinariamente seriam da competência do Plenário.Por disposição da Lei Orgânica da Magistratura Nacional todos os tribunaiscom mais de vinte e cinco desembargadores são obrigados a ter um ÓrgãoEspecial. As funções desse órgão são exercidas no Superior Tribunal de Jus-tiça pela Corte Especial.

Partes. Os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz, ou os sujeitos inte-ressados do processo - em oposição ao juiz, que é um sujeito desinteressado.A condição de parte adquire-se pela simples inserção em um processo, sejamediante a propositura de uma demanda inicial, pela citação, pela interven-ção etc. Essa condição não tem dependência alguma à legitimidade ad cau-sam, sendo partes aqueles que efetivamente estejam na relação processual,independentemente de sua legitimidade (conceito puro de parte). V. tambémLegitimidade ad causam.

Pericu!um in mora. Perigo da demora. É o risco de perecimento de direitos poração do efeito corrosivo do tempo-inimigo (Carnelutti). Constitui requisitopara a concessão de medidas urgentes (cautelares ou antecipatórias de tutela).V. também Medida urgente.

Perito. Auxiliar eventual da Justiça, encarregado de exames, vistorias, avalia-ções etc. É da escolha exclusiva do juiz, entre pessoas dotadas de conheci-mentos especializados.

Persuasão racional. Outra denominação do princípio do livre convencimento.

Petição inicial. Peça escrita na qual o autor formula sua pretensão a um dadopronunciamento judicial. Ela é o instrumento material dessa pretensão, oudemanda. Sua entrega ao Poder Judiciário dá início ao processo civil.

Poder Judiciário. Sistema integrado por juízes e tribunais com a função deexercer a jurisdição em todo o país. É composto pelo Supremo Tribunal

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 251

Federal, Superior Tribunal de Justiça e demais Tribunais Superiores (TSE,TST, TSM), bem como pelas diversas Justiças (Justiça Federal, Justiças dosEstados, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho e Justiça Militar). Integra--o também o Conselho Nacional de Justiça, embora destituído de funçõesjurisdicionais.

Ponto. Fundamento de uma pretensão ou de uma decisão. Quando controvertidotoma-se uma questão.

Precedente. Decisão proferida em um caso concreto cuja ratio decidendi servede parâmetro para o julgamento de outros casos. V. também Assunção decompetência, Incidente de resolução de demandas repetitivas e Recursosextraordinário e especial repetitivos.

Preclusão. Perda de um poder ou faculdade processual ocasionada pelo decursodo tempo (preclusão temporal), pela prática de um ato incompatível com oexercício desse poder ou faculdade (preclusão lógica) ou pelo seu já con-sumado exercício (preclusão consumativa). Há também, segundo parte dadoutrina, preclusões mistas.

Prejudicialidade. Relação entre duas ou mais causas, questões ou pontos,pela qual a decisão sobre uma delas deve comandar o teor da decisão daoutra. Julgada improcedente uma ação de investigação de paternidade (causaprejudicial), será necessariamente julgada improcedente também a ação dealimentos (causa prejudicada). Questão prejudicial não se confunde comquestão preliminar. V. também Preliminm:

Preliminar. Questão levantada no processo cujo acolhimento poderá influirno andamento deste ou, mesmo, conduzir à sua extinção sem julgamentodo mérito. Questão preliminar não se confunde com questão prejudicial. V.também Prejudicialidade.

Prequestionamento. Invocação de um fundamento jurídico ou legal antes dojulgamento pelo Tribunal Regional Federal ou Tribunal de Justiça. Constituirequisito de admissibilidade do recurso extraordinário ou do especial que aquestão prequestionada seja efetivamente enfrentada na decisão recorrida.Prequestionar é questionar antes da decisão tomada por esses Tribunais.

Pressupostos processuais. Requisitos para a constituição e desenvolvimentoválido e regular do processo, sem os quais é inadmissível o julgamento domérito. Distinguem-se das condições da ação por se referirem ao processo,aos seus atos e à sua regularidade, não ao direito de ação. V. também Con-dições da ação.

Prevenção. Fixação da competência de um órgão jurisdicional, com exclusão detodos os outros eventualmente também competentes, causada pelo exercícioda jurisdição em dado processo. O juiz ali prevento será competente paratodos os atos, incidentes ou fases do processo (prevenção originária), bemcomo para certos processos versando causas conexas (prevenção expansiva).

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Principaliter. Em caráter principal. Uma causa ou questão considera-se deci-dida principaliter quando a decisão a seu respeito está contida no decisóriosentencial e não na motivação. V. também Incidenter tantum.

Princípios. Os fundamentos de uma ciência, inclusive da processual. Todos osprincípios antecedem lógica e sistematicamente a essa ciência e sobre eles aciência é construída. O direito processual apoia-se em princípios ditados naConstituição Federal, integrantes da tutela constitucional do processo, bemcomo em certos princípios inerentes à teoria geral do direito.

Procedimento. Conjunto de atos realizados pelo juiz, autor e réu. Procedimentoé também o desenho sistemático dos atos a serem realizados, exígências re-lativas a cada um e ordem sequencial entre eles.

Procedimento comum. Procedimento da fase cognitiva das causas não regidaspor algum procedimento especial.

Procedimento flexível. Procedimento suscetível de alterações no curso de suarealização, autorizadas certas repetições ou retrocessos. V. também Liberdadedas/armas.

Procedimento rígido. Procedimento estruturado em fases mediante prévia de-finição da ordem de realização dos atos, sem possibilidade de repetições ouretrocessos. No processo civil brasileiro vige a rigidez procedimental.

Processo. Método de trabalho para o exercício da jurisdição, da ação e da defe-sa, informado pelo contraditório. O processo é composto pelo procedimento epela relação jurídica processual. Usa-se esse vocábulo também para designaro próprio direito processual.

Processo civil de resultados. Método consistente em tratar o processo comoum instrumento destinado a produzir resultados desejáveis. Associa-se aométodo da instrumentalidade do processo. V. também Instrumentalidade doprocesso.

Processo de conhecimento (ou fase de conhecimento). Processo ou fase des-tinado a produzir a decisão da causa. Inclui atividades de instrução, especial-mente para a produção de provas aptas a amparar essa decisão. Termina comuma sentença, na qual o juiz decide o mérito ou, conforme o caso, declara ainadmissibilidade desse julgamento.

Processo monitório. Processo em que se cria o título executivo a partir de umdocumento idôneo exibido pelo autor, do qual se possa razoavelmente inferira existência do crédito, e se executa o direito, sem julgamento do mérito.

Procurador-Geral da Justiça. Órgão máximo do Ministério Público Estadual.

Procurador-Geral da República. Órgão máximo do Ministério Público Fe-deral.

Prorrogação da competência. Alargamento da competência de um órgãojurisdicional. Por força da prorrogação uma causa que seria da competência

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 253

de dado foro passa à competência de outro. Isso acontece em virtude (a) daconexidade entre essa causa e outra da competência de outro foro, (b) daeleição de foro pactuada entre as partes ou (c) do decurso in albis do prazopara oferecer exceção de incompetência relativa.

Prova. Elemento destinado a formar a convicção do juiz com referência aosfatos relevantes para o julgamento da causa. A teoria da prova inclui os temasdo destinatário, do objeto, dasfontes, dos meios, daprodução e da avaliaçãoda prova (momentos da prova).

Questão. Ponto controvertido de fato ou de direito, ou dúvida em tomo de umfato ou de um direito. Questão não se confunde com lide. Para decidir sobreesta o juiz precisa passar pelas questões pertinentes, o que faz na motivaçãoda sentença.

Questão incidente. Ponto duvidoso de fato ou de direito (questão) a ser objetode decisão no curso do processo ou fase processual. Geralmente as questõesincidentes dizem respeito a preliminares processuais e não ao mérito da cau-sa. V. também Incidente processual.

Reclamação. Remédio a ser endereçado a um tribunal em caso de usurpaçãode sua competência, desrespeito a suas decisões tomadas em um dado casoconcreto ou inobservância de decisões tomadas em julgamento de casosrepetitivos, em incidente de assunção de competência ou de decisão doSupremo Tribunal Federal proferida em sede de controle abstrato de consti-tucionalidade das leis ou à qual tenha sido reconhecida repercussão geral. NoSupremo Tribunal Federal admite-se também a reclamação por contrariedadeàs súmulas vinculantes.

Reconvenção. Uma das espécies de resposta do réu à demanda inicial, consis-tente em deduzir um pedido novo, no qual o réu-reconvinte figura como de-mandante e o autor-reconvindo como demandado. Não é uma peça de defesa,mas de contra-ataque.

Recurso. Ato de impugnação de uma decisão desfavorável, visando à obtençãode uma decisão favorável a ser proferida pelo órgão julgador. O vocábulo re-curso é empregado também para designar cada uma das espécies de recursosexistentes na ordem processual (apelação, agravo de instrumento, recursoespecial etc.).

Recurso especial. Recurso da competência do Superior Tribunal de Justiça,versando exclusivamente matéria infraconstitucional federal. Não se admitecom fundamento nas legislações estaduais ou municipais nem para exame defato ou interpretação de cláusula contratual (Súmulas nn. 5 e 7-STJ).

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254 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Recurso extraordinário. Recurso da competência do Supremo Tribunal Fede-ral, versando exclusivamente matéria referente à Constituição Federal.

Recurso ordinário. Recurso da competência do Supremo Tribunal Federal oudo Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso, contra certas decisões dosTribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça.

Recursos extraordinário e especial repetitivos. Recursos extraordinários ouespeciais que se repetem nas mesmas questões de direito. É admissível nes-ses casos a utilização da técnica dos julgamentos por amostragem, em que otribunal toma dois ou mais recursos como paradigmas e a tese jurídica queali vier a ser fixada repercutirá nos processos pendentes em que estiver sendodiscutida questão idêntica.

Regra de julgamento. Uma regra não escrita na lei mas inerente às normassobre distribuição do ônus da prova, segundo a qual o fato não provado seconsidera inexistente (a/legare et non probare quasi no a/legare).

Regulamento n. 737. Diploma normativo editado pelo Governo Imperial noano de 1850 destinado a "determinar a ordem do juízo no processo comer-ciar'. Foi o primeiro código processual do país, mas não se aplicava às causasversando matéria de direito civil, até que em 1890 sobreveio um decretomandando estender o disposto naquele Regulamento às causas CÍveis emgeral (dec. n. 763, de 16.9.1890).

Relação jurídica processual. Conjunto de situações jurídicas ativas e passivas(poderes, faculdades, deveres, ônus) envolvendo os sujeitos do processo (juize partes). É invariavelmente uma relação de direito público ainda quando olitígio trazido ao juiz seja de direito privado.

Repercussão geral. Requisito de admissibilidade do recurso extraordinário.Consiste na potencialidade de uma decisão do Supremo Tribunal Federalrepercutir sobre direitos e interesses de um número expressivo de pessoasou grupos, ou sobre a decisão de outras causas, também numerosas e signi-ficativas.

Requerente. Vocábulo deselegante e inadequadamente empregado para signi-ficar autor.

Requerido. Vocábulo deselegante e inadequadamente empregado para signifi-car réu.

Resposta do réu. Reação do réu à demanda do autor, consistente na contesta-ção - na qual se concentram todas as defesas que o réu tiver - e também nareconvenção.

Réu. O sujeito em face do qual a demanda é proposta e que se toma parte noprocesso a partir de quando recebe a citação. É inadequado e deselegantedizer requerido ou suplicado.

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 255

Revelia. Situação do réu que não oferece resposta à demanda inicial. A revelianão se confunde com o efeito da revelia.

Sentença (na execução). Ato com o qual o juiz põe fim à fase de cumprimentode sentença ou ao processo autônomo de execução por titulo extrajudicial.Nesses casos não se fala em sentença de mérito nem em sentença terminativa,porque na execução inexiste sentença de mérito.

Sentença (na fase de conhecimento). Ato com o qual o jui2: põe fim à fase cog-nitiva do processo, seja mediante o julgamento do mérito, seja declarando ainadmissibilidade desse julgamento. Sentença de mérito na primeira hipótese,e terminativa na segunda.

Sentença arbitral. Sentença proferida pelo árbitro, ou árbitros, no processoarbitral. Independe de homologação pelo juiz togado e tem a mesma eficáciada sentença judicial. Também é chamada de laudo, ou laudo arbitral.

Substituição processual. Legitimidade de um sujeito para atuar no processo emnome próprio no interesse alheio.

Sucessão processual. Alteração de uma das partes de um processo já formado.Pode ser universal, na hipótese de morte da parte pessoajisica ou de fusão,cisão ou extinção de pessoas jurídicas, ou a título particular, se houver aalienação da coisa litigiosa ou do direito litigioso.

Súmula. Enunciado da jurisprudência dominante de um tribunal, particularmen-te do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Emboranem todas as súmulas sejam vinculantes, todas elas são tomadas pela leicomo critérios de julgamento, suficientes p. ex. para autorizar o relator adecidir conforme elas, sem remessa do recurso ao órgão colegiado (Câmaras,Turmas). V. também Súmula vinculante. -

Súmula vinculante. Súmula à qual a Constituição atribui o poder de vincularjulgamentos futuros por qualquer juiz ou tribunal, além de se impor tambémaos agentes dos demais Poderes do Estado. Só o Supremo Tribunal Federal éautorizado a emitir súmulas vinculantes. V. também Súmula.

Superior Tribunal de Justiça. Órgão máximo de controle da uniformidade eefetividade do ordenamento jurídico infraconstitucional federal. Tem compe-tência originária em certos casos e para o recurso especial contra acórdãosdos tribunais da Justiça comum (Tribunais de Justiça e Tribunais RegionaisFederais).

Suplicado. Vocábulo deselegante e inadequadamente empregado para significarréu.

Suplicante. Vocábulo deselegante e inadequadamente empregado para signifi-car autor.

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256 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Supremacia da Constituição. Superioridade hierárquica da Constituição Fede-ral sobre todos os demais diplomas legislativos do país (hierarquia das leis).Todos os instrumentos de controle da constitucionalidade de leis e atos nor-mativos têm a finalidade de preservar a supremacia da Constituição Federal.

Supremo Tribunal Federal. Órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro.É considerado o guarda da Constituição (guardian o/the Constitution). Temcompetência originária em certos casos, competência recursal em outros(recurso extraordinário, recurso ordinário etc.) e para o controle abstrato daconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais ou estaduais medianteas ações declaratórias de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, alémdos demais casos indicados no art. 102 da Constituição Federal.

Suspeição do juiz. Situação em que o juiz, por estar em alguma medida ligadoa uma das partes ou ao seu procurador, não deve atuar no processo. Poderáabster-se de fazê-lo ou ser recusado pela parte. Não se abstendo nem sendo re-cusado, ojuiz permanece na causa e sua suspeição não mais poderá ser alegada(preclusão). Uma suspeição não alegada oportunamente não constituirá motivode nulidade do processo ou da sentença. V. também Impedimento dojuiz.

Suspensão do processo. Parada temporária do curso do processo, sendo inefi-cazes os atos processuais realizados durante o período de suspensão (CPC,art. 314).

Teoria abstrata da ação. Teoria da ação como direito à decisão de mérito,ainda que desfavorável. Em seu extremo chegou essa teoria a sustentar que aconcreta existência do direito de ação não se subordina ao preenchimento derequisito algum (condições da ação). Menos radical, a teoria abstrata de Lie-bman exige a presença dessas condições. É a que vige no sistema do Códigode Processo Civil brasileiro.

Teoria concreta da ação. Teoria da ação como direito a uma decisão favorá-vel. Superou a teoria imanentista, que apresentava a ação como o própriodireito subjetivo material em atitude de reação contra sua violação. Foi seuexpoente máximo o fundador da Escola Italiana do processo civil, GiuseppeChiovenda. No Brasil sustentou-a Celso Agrícola Barbi. Foi superada pelateoria abstrata da ação.

Teoria imanentista da ação. É a teoria, vinda das origens romanas, que consi-derava a ação como o próprio direito subjetivo material em atitude de reaçãocontra sua violação. Foi superada pelas teorias da ação como direito concretoe depois como direito abstrato de agir, pelas quais a ação tem vida própria edistinta do direito subjetivo material.

Teoria geral do processo. Condensação metodológica dos princípios, normase conceitos relacionados com os diversos ramos do direito processual. Nãopretende constituir uma unificação desses diversos ramos.

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GLOSSÁRIO BÁSICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL 257

Terceiros. Os sujeitos estranhos à relação processual, nela não havendo sidointegrados pela propositura da demanda, pela citação, pela intervenção etc.Terceiro é a não-parte (conceito puro de terceiro). Sua legitimidade para serparte em dado processo não faz com que se considere parte enquanto umdesses fatos não ocorrer.

Título executivo. Ato do juiz ou de um particular dotado da eficácia de au-torizar a realização da execução forçada. Há títulos executivos judiciais eextrajudiciais.

Trânsito em julgado. Obtenção da autoridade da coisa julgada. Uma decisãotransita (ou passa) em julgado no momento em que não comporta mais re-curso algum.

Tribunais de superposição. São o Superior Tribunal de Justiça, que se sobre-põe a todos os tribunais da Justiça comum, com poder de revisão de seusjulgados, e o Supremo Tribunal Federal, superposto a todos os tribunais dopaís, inclusive ao Superior Tribunal de Justiça.

Tribunais Superiores. A Constituição Federal designa assim os órgãos superio-res das diversas Justiças da União (STJ, TSE, TST, STM), entre eles se nãoincluindo o Supremo Tribunal Federal. Mas na linguagem comum é usualenglobar este na locução Tribunais Superiores.

Tribunal de Justiça. Órgão de segundo grau das Justiças Estaduais. Tem com-petência para apreciar recursos interpostos contra atos do juiz de primeirograu (apelação e agravo) e para certos recursos subsequentes, bem comoalgumas competências originárias determinadas na Constituição ou nas leisestaduais.

Tribunal Regional Federal. Órgão de segundo grau da Justiça Federal. Cadauma das Regiões em que é dividido o território nacional dispõe de um Tribu-nal Regional Federal, competente para recursos contra atos de juízes federaisde primeiro grau (apelação e agravo), para certos recursos subsequentes etambém para algumas causas de sua competência originária, indicados naConstituição ou na lei.

Turma. Órgão fragmentário do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tri-bunal de Justiça, composto por cinco ministros. São também os órgãos frag-mentários mínimos dos Tribunais Regionais Federais, igualmente compostosde cinco julgadores.

Tutela condenatória. Modalidade de tutela jurisdicional que responde à deman-da por uma prestação e visa a debelar uma crise de adimplemento.

Tutela constitucional do processo. Conjunto de princípios e garantias constitu-cionais inerentes ao processo. Integra o direito processual constitucional. V.também Direito processual constitucional.

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258 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Tutela constitutiva. Modalidade de tutela jurisdicional que visa a criar, recons-tituir, modificar ou extinguir uma situação jurídica.

Tutela da evidência. Denominação equívoca que abrange diferentes situaçõesem que a tutela pode ser antecipada, todas com o ponto em comum consis-tente na existência de uma forte probabilidade de existência do direito e nadesnecessidade de uma situação de perigo a debelar.

Tutela declaratória. Modalidade de tutela jurisdicional destinada a eliminarcrises de certeza mediante uma decisão limitada à afirmação da existência,inexistência ou modo de ser de uma situação jurídica.

Tutela jurisdicional. Concreta oferta de uma situação na vida mais favorávelque a anterior, trazida ao processo para julgamento. A tutela jurisdicional nãoé oferecida necessariamente ao autor, mas àquele que tiver razão (autor ouréu, conforme ocaso).

Tutela jurisdicional diferenciada. Tutela prestada por processos diferenciadosem atenção a situações e direitos específicos, aos quais o constituinte ou olegislador entendeu conveniente oferecer uma solução mais rápida, sendo porisso que se contenta com uma cognição sumária, sem exigir uma cogniçãoplena.

Tutela mandamental. Espécie de tutela condenatória que incorpora uma ordemdo órgão jurisdicional para que o demandado faça ou deixe de fazer algo. V.também Tutela condenatória.

Tutela provisória. Gênero que abarca a tutela cautelar e a tutela antecipada,fundada na urgência ou na evidência. Essas tutelas levam o nome de pro-visórias justamente porque não são predestinadas a se perpetuar no mundojurídico.

Uhi societas ihijus. Onde há uma sociedade há o direito. Não há um conglome-rado de pessoas, por mais elementar ou reduzido que seja, no qual inexistamnormas a serem observadas.

Unidade da jurisdição. Sistema processual vigente nos países, como o Brasil,em que a jurisdição estatal é exercida exclusivamente por juízes integrantesdo Poder Judiciário. Opõe-se ao sistema dualístico dos povos que adotam ocontencioso administrativo. No Brasil o único dualismo jurisdicional existen-te é entre ajurisdição do Estado-juiz e a dos árbitros. V. também Contenciosoadministrativo.

Valoração da prova. Apreciação do valor probatório de cada elemento deconvicção constante dos autos. Não se confunde com o exame da prova,que consiste na própria busca das informações contidas em cada um desseselementos.

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ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO'

Abuso do processo: 117Ação: 25,28- conceito: 73- direito de ação: 73- evolução história da teoria daação: 73

- teoria abstrata: 73- teoria concreta: 73

Ação anulatória de atos negociaishomologados judicialmente: 168

Ação anulatória de sentença arbitral:167

Ação civil pública: 92Ação declaratória de constitucionali-dade: 94

Ação direta de inconstitucionalidade:94

Ação popular: 93Ação rescisória: 166Adequação da tutela jurisdicional: 28Advogado: 60Afinidade de questões: 121Agravo de instrumento: 134, 152Agravo em recurso especial e emrecurso extraordinário: 158

Agravo interno: 155Amicus curia!: 112Apelação: 150, 151Aplicação imediata da lei processual: 24Arbitragem: 14,95Arguição de descumprimento de pre-ceito fundamental: 94, 174

Assistência: 106Assistência judiciária: 62, 139Ato atentatório à dignidade da justiça:117

• Os números referem-se aos itens.

Atos processuais (do juiz, das partes edos auxiliares da Justiça): 130

Audiência de conciliação ou de me-diação: 81

Auxiliares da Justiça: 57- chefe de secretaria: 58- conciliador: 59- de encargo judicial: 59- distribuidor: 58- escrivão: 58- eventuais: 59- mediador: 59- oficial de justiça: 58- órgãos extravagantes: 59- perito: 59- permanentes: 58

Auxilio direito: 47

Calendário processual: 78, 131Capacidade de estar em juízo: 113Capacidade de ser parte: 113Capacidade postulatória: 60, 113Capacidade processual: 113Capítulos de sentença: 130, 142Carência de ação: 74Carta arbitral: 40Carta precatória: 46Carta rogatória: 47Causa: 122Causa de pedir: 120Chamamento ao processo: 109Coisa julgada: 8, 11,37,92,93,135,140

Comarca: 65Competência- absoluta: 71

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260 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

- conceito: 63- critérios determinativos: 64- de foro: 68- de jurisdição: 67- espécies: 63- foros concorrentes: 69- foros subsidiários: 70- internacional do juiz brasileiro: 48- modificações: 71- originária dos TribunaisSuperiores: 66

- perpetuação: 72- prevenção: 72- prorrogação: 71- recursal dos TribunaisSuperiores: 66

- relativa: 71- territorial: 68

Conciliação: 14Condições da ação: 74- interesse de agir: 74- legitimidade ad causam: 74- possibilidade jurídica do pedido:

74- teoria da asserção: 75

Conexão: 102, 121Contestação: 81Continência: 121Controle abstrato da constitucionali-dade: 20, 94

Convenção de arbitragem: 40Conversão do julgamento em diligên-cia: 84

Cooperação jurisdicional internacio-nal: 47

Crises do direito material (de certeza,de adimplemento e das situaçõesjurídicas): 7

Cumprimento de sentença: 87, 137Custo do processo: 139

Decisão interlocutória: 130Decisões irrecorríveis: 36Defeitos dos atos processuais: 135Defensoria Pública: 62Defesa: 25, 76Definitividade da decisão judicial: 8Demanda: 119- alteração: 124

- cumulação: 123- estabilização: 124- identificação: 120- relações entre demandas: 121

Demandas autônomas de impugnaçãoàs decisões judiciais: 165

Denunciação da lide: 108Despacho de mero expediente: 130Despesas processuais: 139Dever de lealdade: Ii 7Deveres das partes: 115, 116Devolução oficial: 163Diálogo do juiz com as partes: 33Dimensão da lei processual no espa-ço:23

Dimensão da lei processual no tempo:24

Direção do processo: 33Direito de demandar: 73Direito material: IDireito processual: IDireito processual civil: 3Direito processual civil comparado:17

Direito processual civil internacional:47

Direito processual constitucional: 18,27

Direito processual material: IDireitos difusos, coletivos e indivi-duais homogêneos: 92

Distribuição dinâmica do ônus daprova: 129

Duplo grau de jurisdição obrigatório:163

Efeitos da sentença: 140Efetividade do processo: 13, 28Eficácia da sentença: 140Eficácia preclusiva da coisa julgada: 140Embargos à execução: 88Embargos ao mandado monitório: 89Embargos de declaração: 156Embargos de divergência: 159Embargos infringentes: 162Escopos do processo: 5Estabilização da tutela antecipada: 11Exceção: 76Exceção de pré-executividade: 87

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ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO 261

Execução por título executivo extraju-dicial: 88

Extinção do processo: 137

Faculdades das partes: 114Fases metodológicas da ciência pro-

cessual civil: 4Fontes de prova: 128Fontes do direito processual civil: 19Forma dos atos processuais: 132Formação do processo: 119Foro: 65Fórum: 65Função negativa da coisa julgada: 140Função positiva da coisa julgada: 140

Gratuidade da justiça: 139

Habeas corpus: 173História da doutrina do processo civil

brasileiro: 16História das fontes do processo civil

brasileiro: 15Honorários advocatícios: 139

Impugnação ao cumprimento de sen-tença: 87

Impulso oficial: 33Incidente de arguição de inconstitu-

cionalidade: 161Incidente de assunção de competên-

cia: 20, 160Incidente de desconsideração da per-

sonalidade jurídica: IIIIncidente de resolução de demandas

repetitivas: 20, 154Inexistência do ato processual: 135Institutos fundamentais do direito

processual: 2, 25Instrumentalidade das formas: 13,34,

78,132,135Instrumentalidade do processo: 5Intervenção de terceiros: 103Intervenção do litisconsorte necessá-

rio: 105Intervenção litisconsorcial voluntária:

104Inversão do ônus da prova: 129Irretroatividade da jurisprudência: 21

Irretroatividade da lei processual: 24Isolamento dos atos processuais: 24

Juiz- deveres: 55- funções: 55- impedimento: 56- poderes: 55- posição institucional: 54- posição na relação processual: 97- responsabilidade: 55- suspeição: 56

Juizados especiais: 90Juízo: 65Julgamento antecipado do mérito: 138Julgamento antecipado parcial do

mérito: 138Julgamento conforme o estado do

processo: 82Julgamento do mérito: 138Julgamento liminar de improcedência:

81Julgamento por amostragem: 154Jurisdição: 25, 26, 39

- arbitral: 40- comum: 43- contenciosa: 42- de direito: 44- de equidade: 44- especial: 43- estatal: 39,40- inevitabilidade: 39- inferior: 45- limites internacionais: 46- limites internos: 46- substitutividade: 39- superior: 45- voluntária: 42

Jurisprudência como fonte do direito:20

Liberdade das formas: 132Limites objetivos da coisa julgada: 140Limites subjetivos da coisa julgada: 140Litigância de má-fé: 117Litisconsórcio: 102, 142Litispendência: 121Livre convencimento motivado do

juiz: 37

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262 TEORIA GERAL DO NOVO PROCESSO CIVIL

Mandado de segurança contra atojudicial: 172

Mandado de segurança individual oucoletivo: 91

Mediação: 14Meios alternativos de solução deconflitos: 14, 18

Meios de impugnação das decisõesjudiciais: 141

Meios de prova: 128Meios instrumentais do processo civil:127

Mérito: 125Ministério Público: 61Modelo processual civil brasileiro: 18

Negócio juridico processual: 78, 131Nomeação à autoria: 1 10Normas processuais civis cogentes edispositivas: 22

Nulidade do ato processual: 37, 135

Objeção: 76Objeto da ciência processual: 25Objeto da prova: 128Objeto do conhecimento do juiz: 125Objeto do processo: 76, 125Ônus da prova: 128, 129Ônus das partes: 76, 115Organização judiciária: 49- estabilidade dos juízes: 52- estrutura judiciária brasileira: 53- garantias institucionais do PoderJudiciário: 51

- impedimentos dos juízes: 52- irredutibilidade de vencimentosdos juízes: 52

- órgãos integrantes do PoderJudiciário: 50

- tutela constitucional da organiza-ção judiciária: 49

- vitaliciedade dos juízes: 52

Parte: 97,98Pedido: 120Petiçã~i~i!1J: ~ IPlural~~ ~ lFrS: 101Poderes instrutórios do juiz: 33

Ponto: 122Prazos: 133Preclusão: 134, 142Prejudicialidade: 121, 122Pressupostos de admissibilidade dojulgamento do mérito: 126

Princípios do processo civil: 27 ss.- acesso à justiça: 27- colisão entre princípios: 27- contraditório: 33, 35, 60, 77, 115,

126,140- devido processo legal: 38- dispositivo: 33- duplo grau de jurisdição: 36- igualdade: 32- imparcialidade do juiz: 30- impessoalidade do juiz: 30- inafastabilidade do controle juris-dicional: 28

- juiz natural: 31- liberdade das partes: 34- motivação das decisões: 36, 37- publicidade dos atos processuais:35

- regra da proporcionalidade: 27- tempestividade da tutela jurisdi-cional: 9, 28, 29

Privilégios processuais dos entesestatais: 32

Procedimento: 77- adaptabilidade: 78- comum: 78- diferentes tipos: 79- especial: 78- fases: 80- indisponibilidade: 78- rigidez: 78

Procedimento-padrão para a prestaçãoda tutela jurisdicional: 18,78,80- fase antecedente para a aprecia-ção de pedido de tutela de urgên-cia: 85

- fase de cumprimento de sentença:87

- tàse de liquidação: 86- fase de saneamento: 82- fase decisória: 84- fase instrutória: 83- fase ordinatória: 82

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ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO 263

fase postulatória: 8 IProcesso: I, 25, 77 ss.Processo civil de resultados: 5Processo coletivo: 92Processo monitório: 89Processo sincrético: 18Pronunciamentos judiciais: 130Prova ilícita: 128

Querela nullitatis: 169Questão: 122Questão prejudicial: 121, 122Questão preliminar: 76, 122

Reclamação: 20, 154, 171Reconvenção: 8 IRecurso de terceiro prejudicado: 107Recurso especial: 142, 148, 150, 153Recurso especial repetitivo: 20, 154Recurso extraordinário: 142, 148,

150,153Recurso extraordinário repetitivo: 20,

154Recurso ordinário: 157Recursos

- adequação: 146- conceito: 142- efeitos: 36, 142- espécies: 142- interesse: 145- juizo de admissibilidade: 150- juizo de mérito: 150- legitimidade: 144- mérito: 143- preparo: 149- pressupostos de admissibilidade:

143- regularidade formal da interposi-

ção e do processamento: 148- tempestividade: 147

Reexame necessário: 163Regra da eventualidade: 76Relação jurídica processual: 4, 77Relativização da coisa julgada: 170Representante: 99Reserva de plenário: 161

Sanção processual: 117Saneamento do processo: 33Seção judiciária: 65Segredo de justiça: 35Sentença: 130, 137Subseção judiciária: 65Substituição processual: 92, 93, 100Sucessão do réu pela parte legítima: I 10Sucessão processual: 100Sujeitos do processo: 96Súmula vinculante: 20Supressão de grau jurisdicional: 36Suspensão da tutela provisória: 164Suspensão do processo: 136

Teoria da substanciação: 120Teoria geral do processo: 2Teoria geral do processo civil: 3Terceiro: 98Territorialidade da investidura do

juiz: 46Territorialidade das normas proces-

suais: 23Titulo executivo: 87, 88Tutela constitucional do processo: 27Tutela jurisdicional: 6, 8

- antecipada: 9, 10- cautelar: 9, 10- coletiva: 18- condenatória: 7- constitutiva: 7- da evidência: 9, 12- de urgência: 9, 10,27- declaratória: 7- diferenciada: 78- executiva: 7- mandamental: 7- provisória antecedente: 10- provisória incidental: 10- provisória: 9

Unidade da jurisdição estatal: 18Universalização da tutela jurisdicio-

nal: 28

Valoração da prova: 128

* * *

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GRÁFICA PAYMTel. [11 J 4392-3344

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TEORIA CERALDO NOVOPROCESSO CIVILCândido Rangel DinamarcoBruno Vasconcelos Carrilho Lopes

Este livro é o resultado de uma parceria entre um dos mais antigose idosos processualistas em atividade no país e um jovem integrantede uma geração bem posterior. Ao contrário de constituir uma barrei-ra à harmonia e ao entendimento, essa distância entre as gerações foipara nós um estímulo à prática das virtudes da compreensão, da hu-mildade e da disposição a dialogar - e essa foi a tríplice argamassa deuma edificação que, antes de agradar ou não agradar ao público leitor,representou para nós uma experiência extremamente gratificante emanifestação da unidade das linhas gerais de pensamento geradas ecultivadas em nossa Escola Processual de São Paulo (...).

Como uma teoria geral que é, esta obra limita-se ao exame daslinhas mestras do sistema do processo civil contido no novo Códigode Processo Civil brasileiro, sem descer a especificações próprias a umcompêndio ou tratado. Nossa linha estrutural caminhou sobre a baserepresentada pelos institutos fundamentais do direito processual, quesão a jurisdição, a ação, a defesa e o processo - com a convicção deque todas as normas, todos os conceitos e todos os princípios nortea-dores dessa ciência estão contidos nesses quatro institutos de grandemagnitude e sempre se integram na área representada por um deles.Essaé a linha central ou ametodologia estrutural de nossa obra.

ISB~ 85-392-0359-6

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