Teoria dos Idolos Francis Bacon - Folha de São Paulo

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    BACON E OS DOLOS

    Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 1978

    Quatro so as espcies de dolos que bloqueiam a inteligncia humana. Para melhorentendimento, designei-os com certos nomes: os da primeira espcie so dolos da tribo; dasegunda espcie, os dolos da caverna; da terceira espcie, os dolos do foro; da quarta, osdolos do teatro.A formao de noes e princpios por meio da verdadeira induo , sem dvida, o remdio

    adequado para afastar e destruir os dolos. , porm, de grande utilidade explicar em queconsistem os dolos. Pois a teoria dos dolos guarda, com respeito interpretao danatureza, a mesma relao que a teoria dos elenco sofsticos com a dialtica corrente.Os dolos da tribo se plantam na ndole da prpria natureza humana na mesma tribo ouespcie humana. Porque sem razo que se afirma que o sentimento humano a medidadas coisas. Muito ao contrrio: todas as percepes, tanto dos sentidos como da inteligncia,guardam mais analogia com o homem do que com o universo. O entendimento humano uma espcie de espelho que no reflete de igual maneira os raios das coisas. Sua natureza oconfunde com as coisas, e deste modo as deforma e corrompe.Os dolos da caverna so os dolos prprios do homem considerado como indivduo, porquecada homem traz consigo, alm dos erros que afetam a natureza humana em geral, umacaverna ou gruta particular, que desvia ou adultera a luz da natureza: tanto pela ndole

    prpria e singular de cada um, como por sua educao e convvio com os outros, tanto pelaleitura dos livros e a autoridade das pessoas com que cada um trata e a que admira, como,enfim, pela diferena das impresses, que podem verificar-se num esprito preocupado eressentido, ou num esprito sereno e tranquilo. De modo que, manifestamente, o espritohumano, tal como se acha constitudo em cada homem, uma coisa varivel, profundamentealterada e, at certo ponto, aleatria. Por isso, bem disse Herclito que os homens buscam acincia no pequeno mundo, e no no grande, o universal.H tambm dolos procedentes, em certo modo, da reunio e aliana recproca dos indivduospertencentes espcie humana, aos quais chamaria dolos do foro, porque derivam docomrcio e da associao humana. Os homens, com efeito, se associam por meio dalinguagem, mas as palavras se empregam com o sentido que tm na boca do povo. Porconseguinte, o emprego indevido e inadequado das palavras estabelece estranhas

    dificuldades ao estabelecimento humano. Nem as definies nem as explicaes com que oshomens doutos costumam proteger-se e defender-se em alguns assuntos conseguem, dequalquer forma, restituir a coisa sua verdadeira situao. Pois as palavras pressionam, semdvida, o entendimento, e perturbam tudo, arrastando os homens a inumerveiscontrovrsias e comentrios sem sentido.Existem, finalmente, dolos que se insinuam no nimo dos homens atravs dos dogmas dossistemas filosficos e, inclusive, dos piores mtodos da demonstrao. o que chamam dedolos do teatro. Pois, quantas forem as filosofias inventadas e admitidas, tantas sero, emnosso entender, as fbulas criadas e representadas, que reproduzem a figurao de mundosfictcios e teatrais.No falamos apenas da filosofia atual ou das filosofias e seitas antigas. H sempre margempara imaginar e construir muitas outras semelhantes; as causas de erros at diversos entre si

    so quase as mesmas. Tambm no nos referimos somente filosofia em geral, mas tambma muitos princpios e axiomas das cincias, que acabaram se tornando vigentes graas tradio, credulidade e irreflexo. Todavia, com relao a cada uma dessas espcies dedolos, falaremos com mais detalhes e clareza, para alertar o entendimento humano.Os dolos do foro so os mais perigosos. Insinuam-se no entendimento atravs da linguagem.

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    Os homens, com efeito, crem que sua razo governa as palavras. Mas acontece tambm queas palavras projetam sua fora sobre o entendimento, o que converte a filosofia e as cinciasnuma coisa sofstica e intil. As palavras, quase sempre revestidas do sentido que lhes d opovo, recortam as coisas pelas linhas de percepo mais acessveis inteligncia vulgar. Poisbem: quando uma inteligncia dotada de maior perspiccia, ou uma observao maisdiligente quer transformar essas linhas para que coincidam melhor com a natureza dascoisas, as palavras o impedem. Ai est exatamente a raiz das grandes e solenes disputas doshomens doutos, que degeneram em discusses sobre o sentido das palavras. Seria, assim,

    mais pudente comear seguindo o uso e a prudncia dos matemticos, colocando as coisas emordem, por meio de uma definio.

    Francis Bacon (1561-1626) considerado o pai da filosofia moderna, embora esta, naverdade, s se tenha realmente incorporado em sua plenitude a partir de Descartes. MasBacon significa, na histria do pensamento, a culminao da Renascena, entendendo-se poresse admirvel perodo a poca germinal etitubeante que se estende entre a ltima fase da escolstica medieval e o racionalismo dosculo XVII, entre Ockan e o pensamento cartesiano. Educado no Trinity College, deCambridge, ali se iniciou seu antiaristotelismo e o plano de sua reforma filosfica. Foimembro do Parlamento e lorde chanceler da Inglaterra, tendo o ttulo de baro de Verulam.Cado em desgraa poltica, foi acusado de corrupo, destitudo e afastado da poltica at suamorte. O texto que publicamos extrado de sua obra mais importante, o "Novum Organum".

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