Teoria geral da infracção ou do facto punível

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Teoria geral da infracção ou do facto punível TEORIA GERAL DA INFRACÇÃO ou TEORIA GERAL DO FACTO PUNÍVEL Introdução Comecemos por perguntar: “Para que serve a teoria geral do crime?” A teoria geral do crime serve para determinar as circunstâncias em que pode ser punível o facto. Assim, se pretendermos saber se alguém é responsável juridico- penalmente devemos fazer uma COMPARAÇÃO entre: - O facto que esse alguém praticou - E uma hipótese legal contida numa norma incriminadora Vejamos um exemplo concreto: António disparou contra Brito matando-o. Pergunta-se: António é responsável, juridico-penalmente? Para responder devemos seguir como metodologia: FAZER UMA COMPARAÇÃO PROGRESSIVA ENTRE AQUELA SITUAÇÃO DE FACTO E A HIPÓTESE LEGAL CONTIDA NO ART. 131 DO C. PENAL. (“Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”). (Esta comparação progressiva é aquilo a que ENGISH chamava ESPIRAL HERMENÊUTICA). Através de um raciocínio de analogia e de abstracção aproximamos o facto concreto, daquela situação ideal prevista pela norma. Neste raciocínio socorremo-nos da Teoria Geral da infracção. Esta teoria propõe a análise do crime em várias valorações. No entanto o crime é um único facto, incindível, isto é, o acto pelo qual António praticou um homicídio contra Bento não pode ser dividido, em várias partes.

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Teoria geral da infracção ou do facto punível

TEORIA GERAL DA INFRACÇÃO ou TEORIA GERAL DO FACTO PUNÍVEL

Introdução

Comecemos por perguntar: “Para que serve a teoria geral do crime?”

A teoria geral do crime serve para determinar as circunstâncias em que pode ser punível o facto.

Assim, se pretendermos saber se alguém é responsável juridico-penalmente devemos fazer uma COMPARAÇÃO entre:

- O facto que esse alguém praticou- E uma hipótese legal contida numa norma incriminadora

Vejamos um exemplo concreto: António disparou contra Brito matando-o.Pergunta-se: António é responsável, juridico-penalmente?

Para responder devemos seguir como metodologia:

FAZER UMA COMPARAÇÃO PROGRESSIVA ENTRE AQUELA SITUAÇÃO DE FACTO E A HIPÓTESE LEGAL CONTIDA NO ART. 131 DO C. PENAL. (“Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”).

(Esta comparação progressiva é aquilo a que ENGISH chamava ESPIRAL HERMENÊUTICA).

Através de um raciocínio de analogia e de abstracção aproximamos o facto concreto, daquela situação ideal prevista pela norma.Neste raciocínio socorremo-nos da Teoria Geral da infracção.

Esta teoria propõe a análise do crime em várias valorações. No entanto o crime é um único facto, incindível, isto é, o acto pelo qual António praticou um homicídio contra Bento não pode ser dividido, em várias partes.

Apesar desta unidade, que não podemos perder de vista, A TEORIA GERAL DA INFRACÇÃO PROPÕES UMA ANÁLISE DESSE FACTO PARA ELE SER APRECIADO À LUZ DE VÁRIAS VALORAÇÕES.

Por isso a teoria geral da infracção propõe-nos que, DE FORMA CONSECUTIVA, averiguemos se o facto praticado por António é:

UM FACTO VOLUNTÁRIOIsto é, dominado ou dominável pela vontadeUM FACTO TÍPICOIsto é, um facto subsumível a uma norma incriminadora

UM FACTO ILÍCITO

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Isto é, um facto que é contra a ordem jurídica na sua totalidade

UM FACTO CULPOSO

UM FACTO PUNÍVEL

Podemos pois dar como definição de crime:

CRIME É UM FACTO TÍPICO, ILÍCITO, CULPOSO E PUNÍVEL.

Mas devemos ter bem claros os limites da teoria geral da infracção: serve-nos para proceder a tarefas de subsunção, à aproximação gradual entre o facto concreto e uma hipótese legal.

Porém estamos perante uma teoria com grande nível de abstracção, pelo que nem sempre contempla as particularidades, que muitas vezes estão presentes em várias normas incriminadoras, em particular as constantes da PARTE GERAL do Código Penal.

Exemplos:– O art. 14º CP distingue 3 tipos de dolo: directo, necessário e eventual (parte geral)Mas o art. 144º CP acrescenta outro tipo: o dolo de perigo (parte especial)

- O art. 15º CP distingue entre negligencia consciente e inconsciente (parte geral)            Mas o art. 351º CP acrescenta outro conceito: a negligência grosseira (parte especial)

- Os art. 26º e 27º CP falam em comparticipação a vários níveis: autoria, instigação e cumplicidade

Mas os art. 140º e 141º afastam aquelas regras quando está em causa o crime de aborto e no tocante à mulher grávida. De facto, desde que a mulher grávida dê o seu consentimento é considerada como autora e punida como tal.

A DEFINIÇÃO QUADRIPARTIDA DE CRIME (Evolução da definição)

É relativamente recente a definição de crime como facto típico, ilícito, culposo e punível. Foi sendo elaborada, desde há um século, pelos contributos de vários autores alemães.

Vejamos algumas etapas desta elaboração:

·         No Direito Comum apenas se distinguia a imputação objectiva da imputação subjectiva;·         Na primeira metade do Sec. XIX, STÜBEL, começou por distinguir entre ilicitude e culpabilidade;

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·         LUDEN, depois, distinguiu a acção da ilicitude e da culpa. No entanto persistia uma grande confusão entre os conceitos de ilicitude e de culpa, na medida em que eram subordinados à categoria mais geral da imputação (baseada na teoria da imputação de Puffendorf)

·         VON LISZT e BELING aproveitaram para o Direito Penal a teorização de Jhering (1867), sobre a ilicitude objectiva, no domínio do direito civil. (Após ter concluído que aí existem casos de responsabilidade sem culpa. BELING, por exemplo, apresenta a ilicitude como separada do direito penal, pois, para ele, as normas incriminadoras não são normas de ilicitude, isto porque não impõem um dever ilícito, como matar outrem, apenas pressupõem).

MERKEL contribui para o conceito de culpa (que define como determinação da vontade contrária ao dever), distinguindo o dolo e a negligência, como modalidades de culpa;

BERNER contribui para o conceito de acção, afirmando que a ilicitude e a culpa nada mais são que predicados da acção.

A TIPICIDADE, definida como conjunto de elementos, que permitem identificar qual o crime que está em causa, foi o último conceito a ser esclarecido.

BELING, no início do Sec. XX, é quem define o crime, como uma acção típica, ilícita e culposa, submetida a uma norma actual. No entanto atribui a cada uma daquelas quatro categorias um uso diferente do que hoje lhe é atribuído (pelo menos maioritariamente).

É com BELING e V. LISZT que surge a chamada TEORIA CLÁSSICA DO CRIME.

A esta sucedem-se a TEORIA NEO-CLÁSSICA E TEORIA FINALISTA DO CRIME

TEORIA CLÁSSICA DO CRIME

Esta teoria assenta no conceito de acção:

A acção era entendida de modo exclusivamente naturalista, isto é, como movimento corpóreo causador de uma modificação, no mundo exterior (influência do POSITIVISMO CIENTIFICO).

Distinguia entre: Tipicidade·         Elementos objectivos do crime:

 Ilicitude·         Elementos subjectivos do crime:                     

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Culpa (conceito psicológico de culpa)

TIPICIDADE: Era encarada como uma mera descrição externa da acção, excluída qualquer valoração.

Assim, por exemplo, tanto haveria homicídio, matando em legítima defesa, ou em agressão; em condições normais ou na guerra.

ILICITUDE: Seria a valoração jurídica da acção, isto é, a valoração derivada da própria norma.

CULPA: Continha todos os elementos espirituais e psíquicos, desenvolvidos no interior do agente. Daí que:

·         A imputabilidade àseria pressuposta de culpa·         O dolo e a negligência àseriam formas de culpa·         O estado de necessidade àseria causa de exclusão da culpa·         A consciência da ilicitude àseria um elemento da culpa

Esta escola pretendeu propor um método único, igualmente, válido para todas as ciências, da natureza e do espírito. Trata-se de um método descritivo, nos aspectos objectivos, tipicidade e ilicitude, e subjectivos, culpa.

Esta visão do crime era também concordante com a ideia de Estado de Direito de então. Daí que propuseram o maior objectivismo e formalismo possíveis, na definição dos pressupostos da pena, para garantir o máximo de segurança aos seus destinatários, e propusessem um sistema sancionatório orientado para a eficácia, de prevenção essência, no caso de V. Liszt.

A escola clássica não tem hoje seguidores.Foi superada pela escola Neo-Clássica, que representa uma reforma, não uma ruptura, da Escola Clássica.

TEORIA NEO-CLÁSSICA DO CRIME

Em oposição à perspectiva monista da escola anterior, esta pretendeu construir uma TEORIA TELEOLÓGICA DO CRIME, isto é, construir um conceito de crime, que partisse dos fins do direito penal.

Filosoficamente influenciada pelo Neokantismo, através de Stammler, Rickert, Lask, considerou essencial distinguir dois métodos:

·         O método das ciências da natureza·         O método das ciências do espírito, baseado em valores e ideias, único que poderia servir de base a uma teoria do crime

Quanto ao conceito da ACÇÃO

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·         Substituiriam o conceito de acção pelo de comportamento (voluntário)            Alguns chegaram ao ponto de prescindir do conceito acção, na análise do crime, começando pela tipicidade.

·       Chegaram a esta conclusão formulando duas críticas ao conceito de acção naturalístico da Escola Clássica, mostrando, em particular, a sua insuficiência, para explicar dois tipos de crimes:

- Os crimes de omissão (pois parece que na omissão não existe qualquer movimento corpóreo)Esta insuficiência foi claramente reconhecida por V. Liszt, mas Beling tentou dar uma curiosa explicação: na omissão haveria uma retenção dos nervos motores, isto é, a omissão ainda poderia ser subsumida ao conceito tácito de acção.

- Os crimes de expressão (como a injúria e a difamação)

Aqui os partidários da nova escola tentaram pôr a ridículo o conceito naturalístico da acção, dizendo que as coisas passar-se-iam assim: o agente agita as cordas vocais e provoca um efeito, uma agitação, na membrana do tímpano da vítima.

Quanto à TIPICIDADE

A escola neo-clássica criticou a escola anterior, no puro descritivismo fáctico, mostrando que aí existiam também dois tipos de elementos (no Tipo):

·               Elementos normativos, isto é, que pressupõem uma certa valoração social, para serem inteligíveis. Exemplificando com o art. 132 CP, fala-se aí em avidez e motivo torpe ou fútil, o que são simples descrições fácticas.

·               Elementos subjectivos, dando como exemplo a necessidade de haver intenção de apropriação para que se preencha o tipo de crime de furto. Assim no caso do aluno que levanta um livro da biblioteca e se esquece de o devolver, não há crime de furto, pois não há intenção de apropriação.

Daqui conclui a escola Neo-Clássica: é falsa a dicotomia radical estabelecida pela escola clássica, que agrupa todos os elementos objectivos, na tipicidade e na ilicitude e todos os elementos subjectivos na culpa.

Quanto à ILICITUDE

É definida como danosidade social (conceito material de ilicitude)           

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Esta definição acarreta dois tipos de consequências extremamente importantes:

·         Permite graduar a ilicitude

·         Permite identificar as causas de exclusão da ilicitude ou construir dogmaticamente as causas de justificação supra legais.

Ao admitir a graduação da ilicitude devemos ter em conta que, juridicamente, um acto ou é licito ou é ilícito, isto em absoluto, pois não há meio-termo. Mas os actos ilícitos não têm todos a mesma gravidade, isto é, devemos reconhecer que há graus de ilicitude.

Vejamos um exemplo: matar uma pessoa que consente no homicídio, não é tão grave, como matar uma pessoa em circunstâncias diferentes. No art. 134º CP prevê-se uma pena de prisão até 3 anos, substancialmente inferior à que é prevista no art. 131º CP, para o homicídio simples, isto é, 8 a 16 anos. Poderá aqui dizer-se que a pena é inferior à culpa do agente. No entanto, aqui não está apenas em causa a culpa, mas a gravidade do facto. Isto porque, em geral, o consentimento do ofendido é uma causa de exclusão da ilicitude, embora também possa ser uma causa de exclusão da tipicidade. Simplesmente o consentimento não releva face a bens jurídicos indisponíveis, como é a vida humana.

Em conclusão: embora o consentimento da vítima no seu próprio homicídio não torne o homicídio lícito, torna-o, porém, como facto ilícito, menos grave.

O conceito material de ilicitude permite também identificar as causas de exclusão da ilicitude ou construir dogmaticamente as causas de justificação supra legais. No Código Penal de 1886 não havia uma norma que previsse o direito de necessidade, previsto no art. 34º CP, em vigor. Tal situação era prevista no código Civil, como causa de exclusão da ilicitude e tal era também considerado válido para o código penal. O mesmo pode dizer-se em relação à acção directa, apenas prevista no código civil. Aliás nota-se que o art. 31º, n.º 2 CP se conclui que o elenco de causas de justificação aí previstas é meramente exemplificativo.

Mas esta remissão para o código civil levantava um problema: é que aí não se previa que em estado de necessidade se lesassem bens jurídicos pessoais, mas apenas bens jurídicos patrimoniais. Então a doutrina, inspirada na dogmática alemã, falava em estado de necessidade supra legal: excluía a ilicitude do facto, embora tal não estivesse previsto na lei. Pois, de acordo com o conceito material de ilicitude, não há ilicitude, quer onde não há lesão de interesses, quer onde os interesses lesados são substancialmente menores, que os salvaguardados

Quanto à CULPA

A escola Neoclássica através de FRANK, propôs um conceito normativo de culpa, substituindo o conceito psicológico de culpa da escola clássica.

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A FRANK, juiz do Supremo Tribunal Alemão, se atribuem várias fórmulas chamadas “ FÓRMULA POSITIVA” e “ FÓRMULA HIPOTÉTICA”, que visavam ajudar a distinguir situações de dolo eventual e negligência consciência.

Para o conceito normativo de culpa, esta era definida externamente, através da ideia de censurabilidade.

Embora hoje tenha poucos seguidores, a escola Neoclássica teve uma influência decisiva no pensamento jurídico-penal português, em que devemos destacar os Prof. Cavaleiro Ferreira e Prof. Eduardo Correia.

Entre nós, esta teoria só foi superada pelo pensamento do Prof. Figueiredo Dias.

ESCOLA FINALISTA

Foi Welzel, em particular, que, a partir dos anos 30, do Sec. XX, elaborou o conceito de acção final, tomando como base uma perspectiva ontológica, em oposição ao conceito logicista e abstracto das escolas anteriores.Para Welzel só a acção humana representa um curso causal evidente, isto é, o homem é o único ser capaz de antecipar, mentalmente, fins, de escolher os meios de acção necessários para os atingir. Ora, diz Welzel, o legislador deve ter em conta esta natureza da acção humana, pelo que só pode proibir ou impor acções finais, de que o homem é capaz.

Este autor identificou a finalidade como DOLO e integrou-o no tipo de ilícito, sendo pois separado da culpa. O dolo, tal como a negligência, constitui o elemento subjectivo do TIPO. Isto, em todos os crimes, não só em alguns.

Implicações desta construção:

·         A consciência da ilicitude é vista com um problema de culpa, nada tendo a ver com o dolo·         Devemos distinguir duas modalidades de erro:o   Erro sobre o tipoo   Erro sobre a proibição

Ao nível do erro, um dos aspectos mais controversos da Teoria da Acção Final foi o tratamento dado ao erro, sobre os chamados pressupostos de facto, de causas de justificação. Este ocorre quando, por exemplo, alguém pensa que está a ser vítima de uma agressão e por isso, e só por isso, agride o agressor, que até nem ia praticar qualquer agressão.

Quanto a casos destes, art. 16º CP, o Código Penal exclui o dolo, em particular o n.º  2: “O preceituado no número anterior abrange o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente”.

Esta solução, segundo Welzel, não é de admitir, porque o erro sobre elementos de facto, sobre pressupostos de facto de causas de justificação

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é um erro que não tem nada a ver com o tipo ou o erro sobre o tipo. Assim segundo Welzel, o agente devia ser punido pelo crime doloso, excepto se a sua culpa fosse excluída, por o erro ser inevitável.

É também importante a consequência desta teoria ao nível da comparticipação criminosa. Esta só é possível, no facto doloso, dada a inclusão do dolo no tipo: uma pessoa só pode ser cúmplice se o autor do crime actua com dolo. Se não actuar com dolo, o tipo não está preenchido e o cúmplice não pode ser punível, se o autor, com o seu comportamento, não conhece o tipo.Vejamos agora, com mais pormenor, estas consequências da Teoria da Acção Final.

Quanto aos vários tipos de erro

ERRO SOBRE O ELEMENTO ESSENCIAL DA FACTUALIDADE TIPICA

Suponhamos que um caçador dispara na direcção de uma árvore, atrás ou junto do qual supõe que se esconde um animal. Mas, em vez disso, esconde-se aí uma pessoa que é morta, com o tiro do caçador.

            Neste exemplo, há um erro sobre um elemento essencial da factualidade típica do crime de homicídio: deve haver uma pessoa viva. Ora este erro implicaria a inexistência de dolo. Não pode dizer-se que o caçador actuou com dolo em relação ao homicídio, da pessoa que ele ignorava estar atrás da árvore.

            Ora, até Welzel, este erro era tratado em sede de culpa. Mas, a partir de então, este erro passou a ter como efeito a exclusão do dolo, entendido como elemento subjectivo do tipo.

ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO DE CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO

            Suponhamos que alguém está erroneamente convencido de que vai ser agredido, por outra pessoa, não tendo outro meio de se defender dessa agressão putativa, que não passe por matar o presumido agressor.            Nesta situação, quem comete o crime, está em erro sobre um pressuposto de facto de uma causa de exclusão de ilicitude, que é a legitima defesa.            Mas, de acordo com o pensamento finalista, este erro não exclui o dolo. De facto, pode sempre afirmar-se que o agente quis matar uma certa pessoa, embora estivesse convencido que o estava fazendo, em legítima defesa.            Por isso, para este tipo de erro, Welzel propunha um tratamento diferente: este erro apenas teria efeitos ao nível da culpa. Assim, segundo ele, devíamos distinguir duas situações:

·         Se o erro fosse inevitável, excluiria a culpa

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·         Se o erro fosse evitável não excluiria a culpa e o agente seria punido pelo crime doloso de homicídio, embora a pena pudesse ser atenuada

Ao contrário, tratando-se de erro sobre um elemento essencial da factualidade típica, segundo Welzel, o agente não poderia ser punido pelo crime doloso, quer o erro fosse evitável ou não. Se o erro, para além de excluir o dolo, fosse evitável, o agente nem sequer, por crime negligente seria punível. Se o erro fosse evitável, o agente não seria punido pelo crime doloso de homicídio, mas poderia ser punido, por crime de homicídio negligente.

Esta teoria de Welzel, sobre o erro, conhecido por TEORIA RIGOROSA DA CULPA, foi pretexto para alguns dos mais fortes ataques dirigidos à Teoria da Acção Final.Foquemos duas dessas críticas:

Critica da Teoria dos Elementos Negativos do tipo

Para os defensores desta teoria, as causas de exclusão da ilicitude constituem elementos negativos do tipo, isto é, se alguém cometer um homicídio é necessário que pratique um acto subsumível no art. 131º CP, mas que, negativamente, não esteja ao abrigo duma causa de exclusão da ilicitude, sendo elementos positivos do tipo, os contidos na própria descrição da norma. Para esta teoria terá o mesmo efeito, tanto o erro sobre os pressupostos de facto, de uma causa de exclusão de ilicitude, como o erro sobre os elementos essenciais da factualidade típica, pois aquele é também um erro sobre a factualidade típica, embora sobre os seus elementos negativos.

Critica da Teoria da Culpa Moderada (Stratenwerth)

Embora aceitando que o erro sobre um pressuposto de facto, de uma causa de exclusão da ilicitude não exclua o dolo, tal erro, numa perspectiva de justiça material, reclama o mesmo tratamento que o erro sobre os elementos essenciais sobre a factualidade típica – devendo também aí excluir-se o dolo. Assim deveria aplicar-se o mesmo regime à acção daquele que dispara contra a árvore, convencido de que está lá um animal e a acção de quem dispara, contra um ser humano, convencido de que está a defender-se.

Resposta de Welzel – uma coisa é matar uma mosca, outra é matar um ser humano, mesmo em legítima defesa.

Mas foi o pensamento contrário a Welzel, que se impôs, assim como também o regime previsto no nosso Código Penal. Resulta do art. 16º ns 1, 2 e 3 CP, que as soluções defendidas por Welzel, não mereceram consagração legislativa, entre nós.

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No entanto esta critica a Welzel não deve considerar-se decisiva quanto à teoria da acção final. De facto, é perfeitamente possível defender a chamada Teoria da Culpa Moderada, como o faz o finalista Stratenwerth, com base nos argumentos de analogia já referidos, embora reconheça que o dolo não é excluída, havendo, contudo, razões de justiça, que reclamam a aplicação analógica do regime previsto para o erro sobre elementos essenciais da factualidade típica.

Ao nível da inserção sistemática do dolo, o finalismo trouxe uma importante novidade: generalizou a conclusão da escola neoclássica, sobre a existência no tipo de elementos objectivos e subjectivos, uma vez que para a escola neoclássica, apenas alguns tipos de crimes comportavam elementos subjectivos.

Quanto ao nível da participação criminosa

Também a este nível, a teoria da acção final teve importantes consequências.

Coloquemos o problema: em direito penal só se pode ser participante, se houver, pelo menos tipicidade, isto é, para ser cúmplice, dum crime, é pelo menos indispensável, que o autor tenha praticado um facto típico. Para ser cúmplice é necessário sê-lo, na prática de um facto típico.

Ora, até Welzel, a cumplicidade, a comparticipação não eram articuladas dogmaticamente, com a questão do dolo. Portanto, o tipo era visto, numa perspectiva meramente objectiva, isto é, para haver cumplicidade bastava que o tipo estivesse objectivamente preenchido.

Que modificação introduziu o finalismo, nesta maneira de ver?Passando a ter uma concepção do tipo que engloba elementos subjectivos, em regra, o dolo e a negligencia, passou a fazer-se depender o preenchimento do tipo da existência do dolo. Daí que, em termos de comparticipação criminosa, se passa a exigir a existência de dolo, por parte do autor do crime. Não há comparticipação, sem dolo – é esta a contribuição do finalismo, neste domínio.

CRITICAS AO FINALISMO

1ª CRITICA – O finalismo, ao caracterizar a acção ontologicamente, através da finalidade entendida como dolo, não pode explicar a substância dos crimes omissivos e dos crimes negligentes.

Vejamos se é assim.Welzel não se ocupou, com muito pormenor, da dogmática dos crimes omissos. Foi outro autor finalista, KARL KAUFFMAN, quem o fez.

No crime omissivo, o problema está em saber se existe uma acção final que lhe sirva de substrato.

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Kauffman, ao fazer a dogmática do crime omissivo, pretendeu que, nos estudos do crime omissivo tenhamos que fazer a inversão de todas as regras que aplicamos ao crime por acção.

Exemplifiquemos: No crime de homicídio, que é um crime de resultado, porque só se consuma com a morte de alguém, temos que averiguar a existência de um certo nexo causal entre o comportamento do agente e esse evento.

No art. 131º CP está escrito: “Aquele que matar outra pessoa será punido com uma pena de 8 a 16 anos”.Nesta previsão, em rigor, não está contido nenhum resultado em sentido causal. Porquê?

Porque, na acção de matar, tal como é descrita, no art. 131º CP, a morte não surge, como resultado, em termos causais, mas sim, como resultado, em termos de implicação lógica, porque é intrínseca e caracterizadora da própria acção de matar.

Mas aquilo que fazemos, em Direito Penal é separar espácio-temporalmente a acção do evento, que marca a consumação do crime. Basta que deixemos de falar da acção de matar e passemos a falar na acção de disparar uma arma. Então, já faz sentido perguntar se a morte da vítima é, em termos causais, o resultado ou consequência do comportamento do agente.Ora, nos crimes de resultados activos, crimes materiais, para averiguarmos se há tipicidade dum comportamento, temos, antes de tudo, de saber se existe uma acção e o evento descrito no tipo de crime, ligados por um nexo de causalidade.

- António dispara contra Bento. Este morre. Pretendemos saber: Pode António ser responsabilizado pelo homicídio?

Em 1 lugar, deveremos saber, objectivamente, se a morte de Bento está conexionada com o comportamento de António.Em 2 lugar procederemos à imputação subjectiva, averiguando se há dolo – mas isso não interessa por agora.

Quanto à imputação objectiva, isto é, na averiguação da existência desse nexo de causalidade, existem várias teorias:

·         Teoria da Conditio Sine Qua Non ou equivalência de condições·         Teoria da Causalidade Adequada ou da Adequação·         Teoria do Risco ou moderna Teoria da Imputação Objectiva

Todas estas teorias pretendem responder, de modos diversos, à questão de saber se o evento foi resultado, em termos causais, da acção do agente.

A Teoria da Conditio Sine Qua Non é uma aplicação da Teoria da Causalidade utilizada em Ciências Naturais. Ela propõe a utilização da

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seguinte fórmula para saber se um evento foi provocado por um certo comportamento: devemos mentalmente idealizar a supressão do comportamento e, em seguida, questionarmo-nos sobre a subsistência do evento. Exemplificando: António dispara contra Bento. Este morre. Para sabermos se .Bento morreu por causa do comportamento de António, a Teoria da Conditio Sine Qua Non propõe: considerando, por abstracção, que António nada fez, Bento teria morrido nas condições em que morreu? Se concluirmos que Bento não teria morrido naquelas condições, então é porque há uma relação causal entre o comportamento de António e o evento morte de Bento.

Devemos desde já concluir que esta fórmula da Conditio Sine Qua Non, do ponto de vista da causalidade, não esclarece nada. Trata-se de uma fórmula meramente disciplinadora do nosso pensamento, que apenas nos esclarece sobre a existência de relações causais que, de ante mão, sabemos já existirem. No exemplo dado, só podemos dizer que o comportamento de António foi causa da morte de Bento porque, de ante mão, sabemos que a arma mata. Se não soubermos que a arma mata, não poderemos responder à pergunta que é feita pela fórmula.

Mas interessa esta referência à fórmula, porque Kauffman, precisamente no limite da causalidade, logo à partida, pretendeu que tinha de se proceder a uma inversão dos métodos utilizados no crime de acção. Vejamos isto com outro exemplo:

António tem o dever de salvar Bento que se está a afogar. Não faz nada e Bento morre. Portanto, o homicídio é cometido por omissão.

Perguntemos: - Há semelhança com o que se passa no crime por acção?               - Podemos falar numa relação de causalidade entre a omissão de António e a morte de Bento?

Kauffman responde negativamente, justificando tal resposta, através da fórmula da “conditio sine qua non”, embora a resposta da grande parte dos filósofos seja afirmativa.

Apliquemos, então, a fórmula ao exemplo dado:

Intelectualmente vamos inventar um facto que não existiu, isto é, a acção salvadora de António, perguntando: se António se tivesse lançado à água, Bento era salvo? Se a resposta for afirmativa, então diremos que o crime omisso se consumou.

Mas quando fazemos este raciocínio, não estamos a averiguar da existência de um nexo de causalidade, entre uma acção, que não existiu, e o resultado. Segundo Kauffman, não existe verdadeiramente uma relação causal, entre uma omissão e um evento.Porém, Kauffman, devia levar a sua conclusão às últimas consequências, isto é, concluir que, na omissão, também não existe finalidade em sentido

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próprio, pois onde não há causalidade, também não se pode falar em finalidade propriamente dita.

Desta conclusão retirou, Kauffman, uma outra:

- Nos crimes omissivos, rigorosamente, não são dolosos ou negligentes, mas sim conscientes ou inconscientes. Terminologicamente fez corresponder os crimes omissivos conscientes aos crimes activos dolosos e os crimes omissivos inconscientes aos crimes activos negligentes.

Ora esta construção dogmática de Kauffman é, de modo algum, aceitável.

Antes de avançarmos, vejamos, qual o regime que o art. 10º CP consagra para os casos de omissão. Deste art. podemos retirar 3 conclusões:

·         O art. 10º CP não toma partido nesta matéria doutrinária

·         Nos crimes que comportam um resultado, equipara genericamente a acção à omissão, isto é, quando esta for adequada a evitar um certo resultado típico.·         Nos crimes que não comportem um resultado, crimes de mera actividade, o art. 10º CP não equipara a omissão à acção.

Mas atenção: Esta equiparação não é absoluta, mas mitigada:

- Se existe essa equiparação nos casos em que o agente que omite, tinha o dever de agir, por lei, mas por um motivo qualquer, não o fez. Ex. No caso do banhista, o salva-vidas tem o dever de agir. Mas se um veraneante qualquer, sem qualquer relação com o banhista, não tem o dever de agir, razão por que não comete o crime de omissão.

- A equiparação é mitigada, porque a punição da omissão pode ser menor. Nos termos do art. 10º/3 CP, o juiz pode aplicar ao agente da omissão uma atenuação especial.

Razão deste regime: O legislador supôs que a omissão, tendencialmente, revela menos energia criminosa, que a acção. Aliás, com base no critério da energia, Engish procurou distinguir a acção da omissão: na acção há dispêndio de energia, numa direcção final, e na omissão não existe.

Mas, independentemente da construção, a teoria da acção final não pode ser posta em causa, por alegadamente não explicar a realidade da omissão. Isto, porque Welzel, quando fala na natureza ontológica da acção diz: “ O legislador só pode comandar ou proibir acções finais. Os comandos de acções finais correspondem, afinal, a incriminações de omissões e as proibições de acções finais, a incriminações de acções”.

Daqui devemos concluir que estamos perante um problema de técnica legislativa, mas o que está sempre em causa são, sem dúvida, acções

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finais. No caso dos crimes, por acção – acções que o agente comete e pelas quais é punível –, no caso dos crimes por omissão – acções finais, que o agente não comete, mas devia ter cometido.

2ª CRÍTICA – A Teoria da Acção Final não explica o substrato do crime negligente

Tal como nos crimes dolosos, também nos crimes negligentes, devemos distinguir:·         CRIMES ACTIVOS

·         CRIMES OMISSIVOS

A esta critica sempre se procurou responder, sendo ainda assim, basicamente, que hoje responde Stratenwerth, através de uma ideia de causalidade potencial:

- Embora uma acção negligente não seja uma acção final, porém não é certo que o finalismo identifique com dolo, no entanto o fundamento da punição de um crime negligente consiste em o agente ter praticado uma certa acção final e não a acção final que o ordenamento jurídico lhe imponha.

Vejamos um exemplo:

Admitamos que um condutor, em excesso de velocidade, mata negligentemente, um peão. Não se pode dizer que o homicídio do peão foi um comportamento final, isto é, uma acção final, dolosa. Mas a verdade é que esse comportamento é punível nos termos do art. 137º CP.

Punível porquê?

Na perspectiva do finalismo, o agente que conduz em excesso de velocidade, pratica uma acção final, isto é, conduz em certas condições. A punição resulta da desconformidade da acção final, praticada com aquela que dele era de esperar e lhe era imposta pelo ordenamento jurídico, isto é, conduzir cuidadosamente.

SITUAÇÃO ACTUAL

Hoje a teoria da acção final não é maioritária, nem entre a doutrina alemã, nem entre a portuguesa.

Apesar disso a Teoria da acção final deixou um contributo insuperável: uma certa arrumação sistemática das matérias do âmbito da teoria do crime.

TEORIA DO ILÍCITO PESSOAL

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Esta teoria é maioritária, quase unânime na doutrina alemã.Esta teoria defende que o tipo de ilícito integra sistematicamente elementos subjectivos. Assim, o dolo e a negligência integram-se no tipo de ilícito e não apenas ao nível da culpa. No entanto esta teoria não aceita o pressuposto da teoria acção final.

Stratenwerth é finalista, portanto minoritário.

Klaus Roxin – defende a teoria do ilícito pessoal, sem partir da teoria da acção final, bem como Jescheck e Wessels. Este autor, no seu livro, “Problemas fundamentais do Direito Penal, tem um art. “contribuição para a crítica da teoria da acção final”, onde começa logo por acusar a caracterização ontológica da acção, feita por Welzel.

Ele começa por parodiar a teoria da acção final, nos mesmos termos em que tinha sido criticada a teoria clássica, ao explicar os crimes de expressão, como injúria e a difamação, isto é, o agente vibrava as cordas vocais provocando um certo movimento, na membrana do tímpano da vitima, dizendo: “o que é que muda se dissermos que o agente sobre determina as cordas vocais, para atingir a membrana do tímpano? Nada.”

Portanto para K. Roxin, a teoria da acção final nada de novo acrescentaria nesta matéria, na medida em que certo sentido, foi construída, sobre a teoria da causalidade.

Mas esta crítica de Roxin parece injusta, na medida que não é necessário que Welzel fale em determinação das cordas vocais e sim do conhecimento que temos sobre as leis causais para podermos ofender outras pessoas, isto, partindo da natureza ontológica da acção: sabendo que essas pessoas têm ouvidos, podemos aproveitar-nos disso, para atingir certo fim.

Portanto, a crítica de Roxin, não poria em causa a caracterização da acção final.

Em conclusão: A maioria da doutrina alemã defende uma teoria do ilícito pessoal. Embora não defendam a teoria da acção final, aproveitam a arrumação sistemática trazida pelo finalismo.

Em Portugal: O finalismo nunca foi dominante. Os professores Cavaleiro de Ferreira e Eduardo Correia foram influenciados pelo pensamento neoclássico. O Prof. Cavaleiro de Ferreira é defensor de uma teoria da ilicitude objectiva, isto é, o dolo e a negligência integram-se na culpa e, mesmo, ao nível das causas de exclusão da ilicitude recusa a existência de elementos subjectivos.

VEJAMOS UM POUCO MELHOR A SITUAÇÃO DA DOUTRINA EM PORTUGAL, EM PARTICULAR, QUANTO AO PROBLEMA DOS ELEMENTOS SUBJECTIVOS DAS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO OU EXCLUSÃO DA ILICITUDE.

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Quais são os elementos subjectivos?

É amplamente dominante que as causas da exclusão da ilicitude integram elementos subjectivos.

No Código Penal, esta tese transparece claramente no art. 38, n.º 4, a propósito do consentimento do ofendido: “ Se o consentimento não é conhecido do agente, este é punível com a pena aplicável à tentativa”.

Vejamos com um exemplo:                        António dá uma bofetada a Bento. O consentimento de Bento, atendendo ao disposto nos art. 38 e o art. 149 CP, é relevante e a ilicitude da ofensa praticada por António seria excluída.

Mas continuando com o mesmo exemplo, admitamos que António é surdo e não sabe que Bento consentia na ofensa. Então, de acordo, com o art. 38, n.º  4 CP, António seria punida por tentativa, não havendo, pois, justificação.Porém, neste caso, se seguirmos o entendimento do Prof. Cavaleiro de Ferreira, isto é, de que as causas de justificação ou de exclusão da ilicitude não integram elementos subjectivos, então o facto de António desconhecer o consentimento de Bento não é relevante, pelo que o seu acto será sempre justificado.

A razão de ser da punição da tentativa, neste caso e de acordo, com o art. 38, n.º  4 CP, é porque se considera que, tal como na tentativa, em geral, o comportamento de António apresenta, no conteúdo da ilicitude, desvalor da acção, mas não desvalor do resultado.

Ora esta previsão, do Código Penal, a propósito do consentimento do ofendido, vale para a generalidade das causas de justificação. Assim, por exemplo, sem “animus defendendi”, não há legítima defesa. Por exemplo, não há legítima defesa se o agente ignora que vai ser agredido por alguém e, entretanto, agride ele próprio esse, alguém.Portanto, todas as causas de justificação incluem elementos subjectivos. Mas estes variam, na sua extensão (Prof. Figueiredo Dias)

·               Há causas de justificação que apresentam, como elemento subjectivo, apenas um elemento intelectual. É o caso do consentimento, em que basta o conhecimento deste.

·               Há outras causas de justificação, que apresentam como elemento subjectivo, não só um elemento intelectual, mas também um elemento volitivo. É o caso da legítima defesa, em que, além de o agente saber que vai ser agredido, é também necessário que tenha a intenção de repelir essa agressão.

Daqui que, e concluindo, seja estranho que o Prof. Cavaleiro de Ferreira defenda numa teoria da ilicitude objectiva. Para ele a ilicitude não inclui

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elementos subjectivos, quer porque o dolo e a negligência são, para ele, elementos da culpa, quer porque também as causas de justificação ou exclusão da ilicitude, não incluem elementos subjectivos.

O Prof. EDUARDO CORREIA é também um objectivista, mas mais moderado. De facto, embora inclua o dolo e a negligência na culpa, contudo admite, excepcionalmente, que a ilicitude comporta elementos subjectivos, à maneira dos neoclássicos, como acontece em relação ao crime de furto, em que a intenção de apropriação é elemento do tipo do ilícito.Mas não admite que, em sede penal, o dolo e a negligência sejam elementos subjectivos do tipo, reservando-lhes um papel apenas na culpabilidade.Já em sede de causas de justificação ou exclusão da ilicitude, admite a existência de elementos subjectivos.Portanto, o Prof. Eduardo Correia propõe uma dupla inclusão do dolo e da negligência, no tipo de ilícito e na culpabilidade.

O Prof. FIGUEIREDO DIAS é que fez, entre nós, a ultrapassagem do pensamento neoclássico. É um adepto da teoria do ilícito pessoal, mas não é um finalista, na medida em que não aceita os pressupostos do finalismo, sobre a natureza ontológica da acção.Ele inclui, sistematicamente, o dolo e a negligência, no tipo de ilícito e aceita também a existência de elementos subjectivos, nas causas de justificação da ilicitude.

São defensores da Teoria da Acção Final, civilistas como o Prof. Oliveira Ascensão, na sua tese de mestrado “Nexo e Causalidade da Acção Final, e o Prof. Menezes Cordeiro. Inclui-se também, aqui, o Dr. Rui Pereira e dá duas razões fundamentais para a sua opção:

·         Considera que as criticas movidas, ao finalismo, são, genericamente, improcedentes.·         Pensa que a teoria do ilícito pessoal é, em certo sentido, oportunista, na medida em que, ao mesmo tempo que prescinde da base ontológica, que o finalismo pretendeu atribuir à acção humana, acaba por servir-se da herança sistemática, do finalismo, sem substituir os seus pressupostos, de que prescinde.

A teoria do ilícito pessoal tem prevalecido, no ensino da Faculdade de Direito de Lisboa, desde 1985, através do ensino dos Drs. Sousa Brito, Fernanda Palma e Teresa Beleza.

SERÁ QUE O FINALISMO ESVAZIA A CATEGORIA DA CULPABILIDADE?

Esta parece ser uma crítica que pode ser feita ao finalismo. Vejamos até que ponto é procedente.

Ao abordar a Teoria Clássica do Crime, vimos que ela defende uma concepção psicológica da culpa. Esta englobaria todos os processos

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mentais e psicológicos do agente, isto é, todos os elementos subjectivos de crime.Por sua vez, a Escola Neoclássica superou esta maneira de ver, através de uma concepção normativa da culpa. Mas esta perspectiva é passível da seguinte crítica: ela define a culpa, anteriormente, como censurabilidade. Ora, em certo sentido, ao dizer que a culpa é censurabilidade, nada nos diz intrinsecamente, sobre o que ela seja. Apenas nos diz, de uma perspectiva externa, que há culpa, quando alguém, ou certo acto é censurável.

O finalismo continuou a perfilhar uma concepção normativa de culpa.Ora, ao deslocar o dolo e a negligência, para a ilicitude, o que é que fica como conteúdo da categoria “culpa”.            - Por um lado, o problema da imputabilidade            - Por outro lado, o problema do erro, sobre a ilicitude. Mas esta 2ª questão já é típica dos defensores da teoria do ilícito pessoal, que não são finalistas. Para eles o erro sobre a ilicitude é tratado na base da desculpabilidade. Portanto, estes autores defendem uma dupla inserção do dolo e da negligência: no tipo de ilícito e na culpabilidade.

Ilustremos esta concepção:

- Para um adepto da teoria do ilícito pessoal, a negligencia é elemento subjectivo do tipo. A distinção entre negligência consciente e inconsciente, aflorada no art. 15º CP, é uma distinção que se faz ao nível do tipo.

Mas nada impede que a negligencia seja também vista ao nível da culpa, em particular para saber qual é a medida de punição do agente.

Assim, por exemplo, o art. 137º, n.º  2 CP, faz alusão à negligência grosseira, o que não é compreensível à luz da inclusão da negligência no tipo.Esta distinção só faz sentido, se considerarmos que, ao nível da culpabilidade, pode haver mais ou menos negligência, passe-se a expressão, isto é, se considerar que existe uma intensidade da negligência, que pode ser maior ou menor, ao nível da culpabilidade e determinar aí, uma variação na punibilidade do agente.

E tudo isto foi dito, a título de exemplo, para negligência, vale, “mutatis mutandis”, para o dolo.

IMPUTAÇÃO OBJECTIVA

Colocação do problema: A causalidade e a imputação objectiva

É vulgar falar-se em “causalidade” e a “imputação objectiva” como expressões sinónimas em Direito Penal.

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No entanto elas não são exactamente a mesma coisa e a tendência da doutrina mais recente vai no sentido da sua distinção. Assim:

·         Causalidade – é o estabelecimento ou possibilidade de estabelecimento de nexos causais, entre fenómenos

·         Imputação objectiva – é a possibilidade de atribuir, objectivamente, certo evento a alguém. Exemplo: atribuir objectivamente a morte de alguém ao autor do homicídio.

Mas além de se tratar de conceitos distintos, a distinção é também importante, porque, em Direito Penal, o problema da imputação objectiva não se esgota no estabelecimento de relações causais entre fenómenos.

Podemos ilustrar esta afirmação com alguns exemplos:

·         Nos crimes de omissão impura, não há possibilidade de estabelecer, em sentido rigoroso, uma relação de causalidade, entre o evento típico e a omissão.     Aqui, o Dr. Rui Pereira concorda com Kauffman, segundo o qual não existe      causalidade na omissão. Mas há outras opiniões.

Apesar disso, é evidente que há aqui um problema de imputação objectiva. Isto é,       é necessário saber quais são os requisitos, para que se possa dizer que alguém praticou uma omissão, contendo um crime, por exemplo, de homicídio, nos termos do art. 131 CP.É necessário que se diga em que casos é que lhe pode ser atribuída, objectivamente, a morte de alguém, embora essa morte não haja sido causalmente provocada pelo seu comportamento. Quando muito, nestes casos, há apenas causalidade potencial: se o agente tivesse actuado, em vez de omitir um comportamento, porventura teria evitado a morte da vítima.

·         Nos crimes por acção dirigidos a evitar uma acção salvadora

Suponhamos que alguém impede um salva-vidas de ir salvar um náufrago, que se está a afogar. Neste caso existe um crime de homicídio, por acção. Embora, aí, não tenhamos dificuldade em reconhecer que a morte da vítima é atribuível ao comportamento daquele que impediu a acção do salva-vidas, no entanto não podemos dizer que o comportamento do agente esteja causalmente conexionado, com a morte da vítima. Também, aqui, não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre o comportamento do agente e a morte da vítima. Quando muito, também, aqui, se poderá falar em causalidade potencial: se o agente nada tivesse feito, a acção   salvadora teria sido empreendida e a vítima não teria morrido.

·         Nas condições objectivas da punibilidade encontramos um 3 grupo de casos, que ilustram a distinção entre causalidade e imputação objectiva.

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No art. 151 CP prevê-se o crime de participação, em rixa. A punição do participante      na rixa, depende de, como resultado da rixa, alguém sofrer uma ofensa corporal     grave ou morrer.No entanto, também aqui, não há qualquer exigência causal, em relação à acção típica: não se exige que a ofensa grave ou morte sejam consequência da acção do participante, na rixa.

Em conclusãoHá casos em que se pode dizer que há imputação objectiva, sem haver, em sentido próprio, relações causais.

Mas a afirmação contrária, também é verdadeira:Pode haver relações causais que não são suficientes para fundamentar a imputação objectiva do crime.

Exemplo: o agente dá um tiro à vítima. Esta é socorrida, mas morre no hospital, em resultado da negligência do médico.Aqui, podemos falar de um crime homicídio doloso tentadoOra, de acordo com um visão que fizesse depender a imputação objectiva, apenas da verificação de uma relação causal, neste caso seria possível imputar objectivamente a morte da vítima ao agente do crime, pois se ele não tivesse disparado a pistola, a vitima não teria morrido.

Estamos, aqui, perante um caso de interrupção do nexo causal.

Mas não é suficiente reconhecer que, em Direito Penal, o problema da imputação objectiva é distinto do problema da causalidade.É necessário, também, afirmar, na opinião do Dr. Rui Pereira, que a causalidade tem de ser a base de qualquer teoria da imputação objectiva,A causalidade é um factor de que se deve partir sempre, em qualquer tarefa de imputação objectiva, em direito penal, embora com “cautelas”, como veremos a seguir.

Sobre a imputação objectiva, há várias teorias, mas desenvolveremos, aqui, as que são mais citadas:

·         Teoria da “conditio sine qua non” ou da equivalência das condições

·         Teoria da causalidade adequada ou da adequação

·         Teoria da relevância

·         Teoria do risco ou a moderna imputação objectivaVeremos, em seguida, cada uma delas em separado.

TEORIA DA “CONDITIO SINE QUA NON” OU DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES

Diz-nos que é a causa de um fenómeno, todo aquele outro fenómeno, sem cuja existência, ele também não teria existido, sendo o primeiro, consequência do segundo.

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Chama-se também teoria da equivalência das condições, porque postula que todas as condições de um fenómeno se equivalem, isto é, basta que seja retirada uma e só uma delas, para que o fenómeno deixe de se produzir.

Exemplo: se alguém cair num buraco, podemos afirmar que tal aconteceu, por            vários motivos: ou porque obras, ou porque o buraco foi aberto, por qualquer             pessoa, ou porque o buraco não foi fechado, como era devido, etc. Ora, de acordo com esta teoria da equivalência das condições, quer significar-se que retirado que fosse um desses motivos, o fenómeno não se produziria, por exemplo, se o buraco tivesse sido fechado, a pessoa não cairia nele.

A teoria da “conditio sine qua non” foi importada das ciências naturais.

Para averiguar se existe uma relação causal, entre fenómenos, ela recorre a um juízo hipotético, que propõe a eliminação mental de um fenómeno, para se questionar se, após essa eliminação mental, o fenómeno subsistiria.

Exemplo: no homicídio, para perguntarmos se B morreu, em consequência do tiro dado por A, deveremos, mentalmente, abstrair-nos do tiro e questionar-nos, se sem           o tiro, B teria morrido de qualquer maneira.

Críticas à teoria da “conditio sine qua non”·         Ela propõe um número infinito de causas para cada fenómeno     Exemplo: no caso do tiro dado por A a B e morrendo B, de acordo com os pressupostos desta teoria, também é possível considerar, como condição da morte de B, o facto de os pais de A o terem concebido. Se A não tivesse sido concebido, nunca poderia ter dado o tiro em B. Logo a concepção de A é também a condição da morte de B.

·         Ela permite, pretensamente, a responsabilização objectiva, em direito penal, designadamente, no caso dos crimes agravados, pelo resultado.

Exemplo: uma pessoa dá um muro na outra. Em consequência, esta cai e morre,        devido a traumatismo craniano.

Exemplo: alguém provoca um arranhão, num hemofílico, e este morre em consequência da hemorragia.

Ora, de acordo com esta teoria, não será difícil proceder à imputação objectiva,           nestes casos: se não tivesse sido dado o murro, se não fosse feito o arranhão, a     vítima não morreria.

Portanto, daí resultaria que o agente seria punido, por um crime de homicídio, consequência que seria particularmente grave, na medida em

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que levaria ao reconhecimento da existência de responsabilidade objectiva em direito penal, a qual é afastada, como vimos, pelo principio da culpa.

No entanto, esta consequência perigosa da teoria “conditio sine qua non” está completamente afastada pelo nosso direito penal positivo, à semelhança do que acontece, no direito alemão.De facto, o art. 18 CP exige a existência de um nexo subjectivo, entre o agente e o resultado mais grave, nos exemplos dados, a morte da vítima. Diz o art. 18 CP:“Quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente, pelo menos a título de negligência”.

·         Ela nega a imputação subjectiva em situações de causalidade hipotética ou de causalidade cumulativa

Exemplo: A dispara contra B e este morre em consequência do tiro. Mas vem a           saber-se que B morreria de igual maneira, em resultado de um envenenamento            praticado por C, se não fosse o tiro de A.

Neste caso, de acordo com o juízo que a teoria da “conditio sine qua non” propõe para resolver o problema, concluiríamos que não é possível imputar, objectivamente, a morte de B ao comportamento de A, porque uma vez retirado mentalmente o comportamento de A, B morreria na mesma, em virtude do envenenamento, por C, que actuaria aqui, como causa hipotética.Exemplo: a propósito de autorias cumulativas: o caso do homicídio de Júlio César, referido por Jescheck, assassinado com 23 punhaladas. De acordo com esta teoria, nenhuma punhalada seria a causa da morte de César, pois retirada mentalmente, cada uma delas, a morte ocorreria sempre.

Ora, tanto no 1, como no 2 exemplo, estas situações são notoriamente indesejáveis e insatisfatórias.

Em conclusão:

A teoria da “conditio sine qua non” é criticada:·         Por ser demasiado ampla·         Por não distinguir, de entre as várias condições do fenómeno criminal, aquelas que são possíveis de relevar juridico-penalmente·         Porque, em certas situações, é excessivamente restrita.

TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA OU DA ADEQUAÇÃOConvém notar, desde já, que esta teoria não pretende ser uma rejeição da teoria anterior, mas sim constituir um aperfeiçoamento dessa mesma teoria.

Assim, para esta teoria, o conceito de causa é idêntico àquele que é defendido, pela teoria da “conditio sine qua non”.

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O aperfeiçoamento que a teoria da causalidade adequada pretendeu introduzir, consiste em afirmar que nem todas as causas, concebidas à maneira da teoria da “conditio sine qua non” são relevantes para efeitos de imputação objectiva: só a acção adequada, isto é, apropriada, seria causa relevante para efeitos de direito penal.

Quando é que uma causa é adequada?

Para responder à pergunta, esta teoria fornece-nos uma fórmula, a que chama juízo de prognose póstuma:

·         Juízo de prognose, na medida em que se trata de um juízo de previsão

·         Póstuma, porque essa previsão é feita “a posteriori”, isto é, depois do crime se consumar

     Exemplo: utilizando esta fórmula, o que um juiz deve fazer, para saber se é possível imputar um evento típico, ao facto do agente é.·         Perguntar se era possível, ao agente a produção do evento típico·         Para saber se tal era possível, no lugar do agente deve colocar-se um “homem médio”,

Assim, o agente dispara contra a vítima e esta morre. Deverá o juiz perguntar:

·         O tiro foi a causa da morte, nos termos da teoria “conditio sine qua non”?

·         Era previsível, a um homem médio, colocado no lugar do agente, que em virtude do tiro a vitima morresse? Isto, nos termos da teoria da adequação

Neste caso, a solução não oferece particulares dificuldades. Mas estas surgem, quando o agente do crime é um conhecedor de certa matéria, em profundidade.

Exemplo: um médico, profundo conhecedor de venenos, sabe que o produto X, ministrado na quantidade Y, pode causar a morte do doente.Ora, de acordo com a teoria da adequação, aparentemente, não seria possível imputar objectivamente ao médico, o evento morte, pois não é previsível ao homem médio, colocado no lugar do médico, a produção do resultado típico.

Portanto, esta teoria dever ser corrigida, de forma a atribuir ao homem médio, idealmente colocado, no lugar do agente, os conhecimentos concretos e as capacidades deste. Daí que a pergunta a fazer será: era previsível a um homem médio, colocado no lugar do agente e munido dos particulares conhecimentos deste, que a sua acção iria provocar a morte da vítima?

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É evidente que a resposta será afirmativa. É de notar que a teoria da adequação foi lançada, no Sec. XVII, por um médico, Von Linz.

TEORIA DA RELEVÂNCIATrata-se, também, de outra tentativa de correcção da teoria da “conditio sine qua non”.Defenderam-na, entre outros, Metzger e Carnelutti.

Também, esta teoria aceita o conceito de causa, defendido pela teoria da “conditio sine qua non”. Mas entende, que nem toda a causa cientificamente configurável é relevante juridico-penalmente.

Distingue-se, porém, da teoria da adequação:

Enquanto a teoria da adequação utiliza um método casuístico, de correcção da teoria anterior, a teoria da relevância faz uma correcção, em abstracto, a propósito de cada tipo de crime.

O que esta teoria propõe, para sabermos se um comportamento é causa da morte da vítima é:

·         Considera à partida o conceito de causa, tal como é entendido, pela teoria da “conditio sine qua non”

·         Em seguida restringe-o, através da análise do tipo de homicídio, concluindo pelos comportamentos, que à luz desse tipo, podem ser considerados causa da morte da vítima.

Os resultados deste método de correcção são bastante idênticos aos da teoria da adequação, só que não encara a comissão do crime, em concreto e sim em abstracto. Assim, diríamos que a concepção do homicida, pelos pais nunca pode ser uma causa relevante, da morte da vítima.

TEORIA DO RISCO ou MODERNA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJECTIVA

Dá-nos uma ideia completa da teoria, o art. de Klaus Roxin: “Reflexões sobre a problemática da imputação, em direito penal”, inserto no volume “Problemas fundamentais de direito penal”.

De acordo com esta teoria, deve distinguir-se a causalidade da imputação objectiva.Em resumo, esta teoria diz-nos:

·         O resultado pode ser imputado a alguém, quando ele CRIA, AUMENTA, OU NÃO DIMINUI O RISCO PROÍBIDO que se concretiza, no resultado obtido.

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Basicamente, a teoria do risco pretendeu dar resposta satisfatória a várias questões, que se levantam, no domínio da imputação objectiva. Abordemos, essas questões, uma por uma:

·         A 1ª questão prende-se com os chamados casos de DIMINUIÇÃO DO RISCO     Exemplo: A dispara sobre B, pretendendo atingi-lo na cabeça e matá-lo. Mas C está próximo de B e dá-lhe um empurrão, em resultado, do qual, B cai e sofre uma ofensa corporal.Ora esta ofensa corporal, provocada por B a C, significou uma diminuição do risco para o bem jurídico que é tutelado, quer pela norma que prevê o crime de ofensas corporais, quer pela norma que prevê o crime de homicídio.

Perante este caso a teoria da “conditio sine qua non” não dá uma reposta adequada, pois seria perfeitamente possível imputar a ofensa corporal ao comportamento de C, pois se não tivesse havido o empurrão, não teriam sido provocadas ofensas corporais a B.

Igualmente, a teoria da adequação não permite dar uma resposta satisfatória, pois, de acordo com o juízo de prognose póstuma, também seria possível imputar a C as ofensas corporais, provocadas a B.

Ora, tais resultados, diz a teoria do risco, não são satisfatórios. Por isso, e porque o comportamento de C não criou ou aumentou o risco, mas diminui esse risco, não haverá lugar a imputação objectiva das ofensas feitas por C a B.

A teoria do risco pretende resolver de modo satisfatório, os chamados cursos causais hipotéticos.Chama-se curso causal hipotético àquele curso que não se materializa, mas que, noutras condições ou circunstâncias, se teria materializado.

Exemplo: A e B administraram, cada um por si, um veneno a C. este acaba por morrer, por haver ingerido o veneno ministrado por A.Mas, ainda que C não tivesse ingerido o veneno ministrado por A, aquele acabaria por morrer, por via do veneno ministrado por B.Ora, esta administração do veneno, por B, no caso descrito é a causa hipotética, da morte de C, porque na verdade o seu veneno não chegou a provocar a morte de C. Mas tê-la-ia provocado se a morte deste não se desse antes, provocada por outra causa, isto é, o veneno de A.

Ora, nestas situações, a crítica de que é passível a teoria da “conditio sine qua non”, é a de que, aparentemente, recusa a relação causal, entre o comportamento de A e a morte de C. E isto, porque, de acordo com a fórmula da “conditio”, abstraindo o comportamento de A, ainda assim C teria morrido. Logo, não parece haver, nestes casos e de acordo com a teoria da “conditio sine qua non, lugar à conexão causal, entre a morte de C e o comportamento de A.

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Igualmente, a teoria da adequação parece não trazer nada de novo à resolução destes casos. Limita-se a restringir o âmbito da anterior.

De acordo com a teoria do risco não teremos qualquer dúvida em afirmar que o comportamento de A criou um risco proibido, para um bem jurídico tutelado, pela norma que prevê o homicídio, art. 131 CP.

A teoria do risco pretende, também, solucionar aqueles casos em que o risco não é proibido.

Exemplo: o sobrinho compra um bilhete de avião de Lisboa para Londres e oferece-o ao tio, na esperança de que o avião tinha um acidente em Londres, Heathrow, porque considerar esse aeroporto particularmente perigoso, e morra, podendo, assim, herdar a fortuna do tio. Supondo que o desejo deste sobrinho se concretiza e o avião tem mesmo um acidente e o tio morre, será que o sobrinho cometeu o crime de homicídio?

Também aqui a teoria da “conditio sine qua non” parece ser insuficiente. Se o sobrinho não tivesse comprado o bilhete de avião e não o tivesse oferecido ao tio, este não teria morrido em consequência do desastre aéreo.

Igualmente, não é claro que a teoria da adequação resolva o problema. De facto, dado o elevado número de acidentes, que se tem verificado, no aeroporto de Heathrow, podemos supor que era previsível, para um homem médio, colocado no lugar do sobrinho, que em resultado da viagem, de avião o tio podia ter um acidente e morrer.

Ao contrário, a teoria do risco recusa aqui a imputação objectiva, na base de que se trata de um risco de que se fala e que esse risco seja proibido. Ora, aqui, o risco traduzido pela perigosidade de tráfego aéreo, não é, nesse sentido, proibido. Por isso, em todos os casos, não há lugar à imputação objectiva, porque estamos em fase de riscos não proibidos.

A teoria do risco pretende dar resposta àqueles casos, em que o resultado cai fora do âmbito de protecção da norma.

Exemplo: suponhamos que o agente do crime dispara um tiro contra a vítima e          esta cai no chão a esvair-se em sangue, mas enquanto está ainda viva é atingida       por um raio e morre.

Nestes casos, também, não há lugar à imputação objectiva da morte da vítima ao comportamento do agente, porque a morte da vítima foi produzida, por um raio, embora ela morresse de qualquer maneira, em resultado do disparo. No entanto, a morte deu-se por causa do raio e este não cai dentro do âmbito da morte que prevê o homicídio, no Código Penal.

Exemplo: a vítima morre devido a um erro médico, depois de ter sido atingida, por um tiro e conduzida ao hospital e ali morre por erro médico.

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Também, aqui, não há lugar à imputação objectiva da morte ao agente, porque este resultado cai fora do âmbito de protecção da norma, pois esta não se destina a proteger crimes de homicídio, nestas circunstâncias: no caso do médico, poderá haver um crime de omissão ou negligente, enquanto da parte de quem disparou, o tiro, haverá um homicídio tentado.

No domínio dos crimes negligentes, a teoria do risco dá também uma resposta que parece adequada, no caso do comportamento lícito alternativo: trata-se de casos, em que se o agente tivesse actuado, sem negligência, mesmo assim, o resultado típico ter-se-ia produzido.

Exemplo: suponhamos que, numa ultrapassagem, o camionista não aguarda a devida distancia, em relação a um ciclista e este cai e morre, em resultado do atropelamento.

Aqui há que saber se o comportamento lícito alternativo, isto é, o automobilista guardar a distância devida, teria ou não evitado a morte do ciclista. Caso a morte do ciclista não fosse evitada, então haveria lugar à imputação da morte do ciclista ao comportamento do camionista.

Nos casos de constituição anormal da vítima a teoria do risco não recusa a possibilidade de imputação.

Exemplo: é o caso do hemofílico, que sofre um arranhão e, em consequência disso, dá-se uma hemorragia que não é debelada e a vítima morre.

Vejamos a reacção ou solução que cada uma das teorias dá a este caso:

·         A teoria da “conditio sine qua non” diz-nos, claramente, que o resultado deve ser imputado ao comportamento do agente que fez o arranhão

·         A teoria da causalidade adequada diz-nos que, em princípio, não há lugar à ligação causal do resultado, com o comportamento do agente. Com efeito, pode dizer-se que o agente não previa ou era imprevisível, para o agente, que em resultado do arranhão, a vítima morresse ou, melhor, o homem médio colocado no lugar do agente, não podia prever que provocando um arranhão, este produzisse a morte da vítima.

Ora, este resultado trazido pela teoria da adequação peca por excesso. Mas esta conclusão absurda seria evitada através do factor correctivo da prognose póstuma, não através do recurso ao homem médio ou dotado de capacidades médias, mas sim pelo recurso a um homem médio munido dos particulares conhecimentos do agente. Seria, pois isto, que na perspectiva da teoria da causalidade adequada salvaria tal resultado absurdo.

·         A teoria risco considera que aqui há lugar à imputação objectiva, isto é, à atribuição ao comportamento do agente da morte do hemofílico. Neste caso a correcção será feita, não já em sede de imputação objectiva,

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mas em sede de imputação subjectiva, no caso de o agente ignorar as particulares qualidades da vítima. Portanto, neste caso em que o agente ignorava as particulares qualidades da vítima, há lugar à imputação objectiva, mas não há lugar à imputação subjectiva, pois nos termos do art. 16, n.º  1 CP exclui-se que o agente tenha agido com dolo.

·         Quanto aos crimes agravados pelo resultado, a teoria do risco afirma que deve ser estabelecido um segundo Nexo de Causalidade, entre o resultado menos grave e o resultado mais grave, quando o perigo específico que o crime base apresenta, concretizar-se no resultado mais grave.

Exemplo: o agente dá uma bofetada à vítima e esta morre.     Aqui, para haver lugar à imputação objectiva, segundo a teoria do risco, é necessário estabelecer uma dupla relação causal:

·                Entre o comportamento do agente, no resultado menos grave – a ofensa corporal, provocada pela bofetada

·               Entre o resultado mais grave – a morte, devendo pois haver uma relação de causalidade entre a ofensa corporal e a morte da vítima.

Ora, segundo a teoria do risco não pode ser, neste caso, estabelecido o segundo nexo de causalidade, para imputar a morte da vítima ao agente, porque o perigo que é representado, pela bofetada, não é passível de concretização, na morte da vítima, embora ocasionalmente se tenha concretizado dessa maneira.

CONCLUSÕES SOBRE A IMPUTAÇÃO OBJECTIVA

1º  Devemos distinguir os problemas da causalidade e da imputação objectiva.Mas, na imputação objectiva devemos tomar sempre como ponto de partida uma ideia restrita de causalidade. Tal, significa averiguar a existência de um nexo causal que deverá ser efectivo, nos casos dos crimes, por acção e que nos crimes omissivos só será potencial, atendendo à inversão necessária do juízo de causalidade, que então deve ter lugar. Devemos, no entanto, ressalvar os crimes omissivos impróprios, como já foi dito.

2º  Este ponto de partida para a imputação objectiva é a própria teoria da “conditio sine qua non”Mas a fórmula proposta por esta teoria deve ser corrigida. Como efectuar esta correcção, em particular, no sentido de restringir a grande amplitude das conclusões a que a teoria nos levaria?Em primeiro lugar, através do recurso à ideia de conhecimento das leis da natureza, isto é, há uma relação de causa efeito quando, de acordo com os conhecimentos que temos do processo causal, podemos dizer que um evento foi provocado, por um certo fenómeno.

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Esta primeira correcção é particularmente válida, para os casos de causalidade hipotética e de que já atrás demos um exemplo: A dispara contra B e mata-o. Mas se B não tivesse morrido em consequência do tiro, morreria devido ao facto de o avião que ia apanhar, logo a seguir ter explodido.

Em segundo lugar, também a teoria do risco constitui um factor correctivo da teoria da “conditio sine qua non”.

Há quem conteste que a teoria da “conditio sine qua non” possa ser tomada como ponto de partida, da imputação objectiva. Mas parece que essas críticas não têm toda a razão.Esta ideia não é mesmo prejudicada pelo facto de reconhecermos que são formuladas críticas pertinentes à teoria da “conditio sine qua non”.Vejamos, pois, as principais dessas críticas, para podermos alicerçar a nossa conclusão:

·         Quanto à crítica da excessiva amplitude da teoria, deve notar-se que essa amplitude é mitigada, numa 2ª fase de duas maneiras

- Ou recorrendo à teoria do risco- Ou recorrendo à imputação subjectiva, isto é, averiguando se o agente actuou, com dolo ou negligencia

·         Quanto à crítica que diz que aquela teoria não pode averiguar a efectiva existência de relações causais entre fenómenos, devemos notar o seguinte: quando a teoria é utilizada pelos juristas, a sua utilidade não é programática e sim disciplinadora do nosso pensamento, isto é, nós não usamos esta teoria para saber se um certo comportamento vai produzir, no futuro, certa consequência, mas utilizamo-la, “a posteriori”, para saber se existe alguma relação causal, entre fenómenos.É claro que, mesmo assim, esta teoria tem limitações. Tal é o caso de utilização de uma substância medicinal, por mulheres grávidas, “o contesgan”, que, aparentemente, causa mal formações nos fetos. Neste caso só poderíamos utilizar, com utilidade a fórmula desta teoria, depois de sabermos, em termos científicos, que essa substância produzia efectivamente essa malformação.     Mas apesar destas limitações, não devemos concluir que a fórmula é inútil, dado o seu carácter disciplinador do nosso pensamento, na associação entre os fenómenos, para efeitos de imputação, em direito penal.

·         Quanto à crítica que afirma que esta teoria está ultrapassada, no próprio domínio das ciências naturais, de onde foi importada, também não parece procedente.   De facto, a fórmula foi introduzida, em direito penal, por influência do positivismo, em particular de D. Hume e Mill. Reinava, então, nas ciências naturais a convicção de que os fenómenos apareciam associados, de acordo com relações determinísticas. Ora esta concepção foi ultrapassada pela física quântica que, ao nível da microfísica defende que não podem

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ser estabelecidas relações determinísticas, de causalidade, entre os fenómenos, mas apenas relações de probabilidade.

Desta evolução não parece que resulte qualquer crítica à utilização da teoria da “conditio sine qua non”, em direito penal. E por duas razões:

·         Aqui não nos ocupamos, propriamente, com microrganismos

·         A fórmula não é utilizada em direito penal, para saber o que vai acontecer no futuro, mas para compreendermos o que aconteceu, no passado. Dando um exemplo: não interessa que a física nos diga que a maça se se desprender da árvore, cai inevitavelmente no chão. Interessa-nos saber depois de a maça ter caído, se tal aconteceu por ela se ter desprendido da árvore.

Portanto o ponto de partida para a imputação objectiva é a teoria da “conditio sine qua non”. O nosso primeiro instrumento prático é a fórmula que essa teoria propõe. Em seguida devemos usar a teoria do risco, como critério correctivo dos resultados a que conduz aquela teoria.

Devemos comparar os resultados a que chegaremos em matéria de imputação objectiva, através da teoria do risco, com os resultados a que nos conduziria a teoria da causalidade adequada. Quando os resultados obtidos, através da teoria do risco, forem mais amplos que os obtidos, através da teoria da adequação, esta deverão prevalecer sobre aquela.

Vejamos porquê!

O código penal não toma, expressamente, partido, nem deve tomar, em relação a qualquer destas duas teorias. Apesar disso, é notório, que em vários preceitos do código penal, se recorre à ideia de adequação.Tal, o caso do art. 22, n.º  2, als b) e c) CP, em que se dá a definição de actos executivos, recorrendo às ideias de: idoneidade, experiência comum e circunstâncias imprevisíveis. Ora, esta terminologia é facilmente conciliável, com a ideia de adequação.O mesmo se passa, com o art. 10, n.º  1 CP, onde se usa mesmo a palavra “adequada”, em relação a acções e omissões. Portanto, aqui passa um pouco para a letra da lei, uma certa opção do legislador, em matéria de imputação.

Esta influência da teoria da adequação, na redacção de certas normas do código penal leva-me a sustentar que a teoria da adequação deve desempenhar, entre nós, uma função restritiva, no domínio da responsabilização do agente. Esta conclusão baseia-se no princípio da legalidade.

·         Teorias dominantes:

- Na Alemanha é a teoria da “conditio sine qua non”, em que os possíveis resultados desastrosos são anulados pela imputação subjectiva

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- Em Portugal é a teoria da causalidade adequada, defendida por todos os autores do Direito Civil e no Direito Penal, pelos professores Cavaleiro de Ferreira e Eduardo Correia. O Prof. Figueiredo Dias introduziu a Teoria do risco.

A TIPICIDADE SUBJECTIVA

No Código Penal há uma exigência genérica de comissão dolosa do facto típico e que consta do art. 13:

“Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”.

Isto significa que os factos previstos na parte especial do código penal só são puníveis a título de dolo, ou a não ser que exista uma disposição expressa que preveja o crime na sua forma negligente (ex. o caso do homicídio previsto no art. 137; já o furto só é punível a título de dolo, art. 203, pois não há qualquer disposição expressa que puna o furto a título de negligência).

A tentativa de crime só é punível quando dolosa. É o que resulta do art. 22, n.º  1 CP:“Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.

Ora, decidir cometer um crime significa resolver cometer um crime, isto é, deve haver decisão ou resolução criminosa, para haver tentativa de crime.Há até alguma doutrina portuguesa que tende a ser mais restrita a propósito da tentativa. Por ex. o Dr. Faria e Costa, penalista da escola de Coimbra, defendeu recentemente, que a tentativa nem sequer é cometível com dolo eventual. Porém não concordo com tal opinião.

Ao nível da comparticipação criminosa também se exige doloO art. 26 diz que só há instigação dolosa. O instigador é quem determina outrem à prática de um crime. Mas o instigador só pode ser punível se actuar com dolo. Diz a parte final, do aludido artigo “…e ainda, quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto…”Igualmente, só há cumplicidade dolosa  (art. 27, n.º  1 CP). Por ex. o farmacêutico que fornece um veneno a A, para este matar B, por envenenamento, só será cúmplice no homicídio, se actuar dolosamente, mas já não se actuar negligentemente.

Em conclusão – Para haver imputação subjectiva, para ser preenchido o tipo subjectivo, deve haver da parte do agente DOLO ou NEGLIGENCIA.

Por enquanto estamos a estudar o crime doloso, por acção, pelo que só ao dolo nos referiremos.Vejamos ainda o caso particular dos crimes agravados pelo resultado.

Em relação a estes crimes, o problema que se coloca é se, nos termos do art. 18 CP, pode haver ou não, dolo em relação ao resultado mais grave.

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Diz o art. 18 do CP: “Quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente, pelo menos a título de negligência”.

Ora este artigo utiliza a expressão “pelo menos”, que é relativamente obscura e dá a entender que é possível haver dolo, em relação ao resultado mais grave.

Retomemos o exemplo já dado atrás: A praticou uma ofensa corporal sobre B. B cai e sofre um traumatismo craniano e morre.Neste caso, se houver dolo de homicídio, isto é, se A tiver agredido B, para o matar, então A não será punível por uma ofensa corporal, agravada pelo resultado, nos termos do art. 145 CP, mas sim por um crime de homicídio doloso, nos termos do art. 131 CP.

Cabe, pois, perguntar: que sentido tem afinal a expressão “pelo menos”, contida no art. 18? Porque é que o Legislador exige “pelo menos” negligência, em vez de exigir simplesmente negligência?

O Dr. Sousa e Brito, no seu ensino oral, deu a seguinte explicação: é exigida, pelo menos, a negligência simples, mas o crime agravado, pelo resultado, pode também ser cometido a título de negligência grave ou grosseira.

O Dr. Rui Pereira não concorda com esta explicação, porque a expressão negligência, sem qualquer outro adjectivo, abarca, inquestionavelmente, todas as formas de negligência. Portanto, tanto a negligencia consciente, como a inconsciente ou, de acordo com outro critério de classificação, a negligencia simples ou grave.Ele dá a seguinte explicação para a introdução da expressão “pelo menos”, pelo Legislador, no art. 18: em certos casos, o resultado mais grave, de que depende a acusação, não está previsto, em si mesmo, como crime autónomo.

O crime de sequestro – art. 158 CPO crime de rapto – art. 160 CP

Em ambos os casos se prevê uma agravação pelo resultado, quando a vitima se suicida. Ora, para haver agravação, pelo resultado, é necessário, nos termos do art. 18, que haja pelo menos negligência do agente, em relação ao suicídio da vítima. Portanto, nestes casos, continuam aplicáveis os art. 158 e 160 Porquê?

Porque o suicídio da vítima, não é um homicídio, na medida em que o resultado mais grave, o suicídio, não é previsto no código penal, como um crime autónomo. Portanto, mesmo que o agente tenha cometido um rapto ou um sequestro, actuando com dolo, em relação ao suicídio da vítima, ele não poderia ser punido, por homicídio, porque não o cometeu. Mas será punido pelo crime agravado pelo resultado.

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EM CONCLUSÃO – A expressão “pelo menos” do art. 18, tem um certo espaço de aplicação, nos casos em que o resultado mais grave não está previsto, em si, como crime autónomo. Fora desses casos, se o agente actuar com dolo, não há lugar à agravação do resultado.

O DOLO

No nosso código penal não existe nenhuma definição genérica de dolo. Mas há um preceito, o art. 14, que fala de formas ou modalidades de dolo: o dolo directo, necessário, eventual, respectivamente, n.º  1, 2 e 3.

A figura do dolo teve a sua origem no Direito Romano. Aí previa-se uma responsabilização pela provocação de resultados, que o antepassado da moderna figura do dolo que, em certo sentido, está na base do principio da culpa.O Direito Germânico, embora esteja, na base histórica de uma dogmática, hoje bastante rica, tinha uma tendência bastante, mais objectivista.

DefiniçãoÉ o conhecimento e vontade de realização do facto típico.

Elementos do doloO dolo contém dois elementos:

Elemento intelectual, isto é, o conhecimento da realização do facto típicoElemento volitivo, isto é, a vontade de realização do facto típico

Mas há autores, como o Prof. Figueiredo Dias, que incluem no dolo um elemento emocional, isto é, a atitude do agente em relação à norma jurídica violada. O Dr. Rui Pereira rejeita esta perspectiva na medida em que nos levaria a incluir, no dolo, a consciência da ilicitude. Tal não é, porém, o entendimento dominante.Vejamos cada um daqueles elementos de per si:

Elemento intelectual do doloNão há qualquer norma no código penal, que nos diga, directamente, que o dolo é o conhecimento da realização do facto típico, no seu elemento intelectual. Mas há preceitos, que nos dizem isso pela negativa: aqueles que contêm o regime do erro, em particular, o art. 16, n.º  1 CP.

O erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibições, cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável, para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo”.

Deste preceito podemos concluir que não há dolo, quando não houver conhecimento dos elementos da factualidade típica. Dito, de forma positiva: o dolo é, no plano intelectual, o conhecimento de todos os elementos da factualidade típica.

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Se houver erro, o dolo é excluído. Então, nos termos do n.º  3, do art. 16, o agente poderá ser punível, a título de negligência.

Recordemos um exemplo já dado:

O caçador que dispara contra uma árvore, pensando que ao pé está um animal, não comete em circunstancia alguma, um crime de homicídio doloso, por lá estar, ao contrário, uma pessoa que é atingida e morre.

Aqui, o caçador está em erro, no sentido do art. 16, n.º  1, não importando se esse erro é desculpável ou indesculpável. Não há dolo porque falta o elemento intelectual, não podendo ser punido nos termos do art. 131 CP.

Se o caçador actuou negligentemente, isto é, se podia ter evitado a morte da vitima, vendo melhor quem estava junto da árvore, então será punível apenas por homicídio negligente, por conjugação dos art. 16, n.º  3 e o art. 137 CP.

No art. 16, n.º  1 CP prevê-se ainda outro tipo de erro, isto é, um erro que já não respeita às circunstâncias da factualidade típica ou aos elementos da factualidade típica. Trata-se de um erro sobre a ilicitude e que também exclui o dolo: é o erro sobre proibições, cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável, para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto.Ora estando aqui previsto este tipo de erro, tal dará razão ao Prof. Figueiredo Dias, quanto à existência de um elemento emocional no dolo?

O que está aqui em causa, não é esta questão. De facto o regime para os dois tipos de erro não é o mesmo:

O erro de desconhecimento dos elementos essenciais da factualidade típica exclui sempre doloO erro sobre as proibições, apenas exclui o dolo em alguns casos, isto é, apenas exclui o dolo, o erro sobre algumas proibições.

Quais são essas proibições?

São aquelas que têm um carácter axiologicamente neutral, isto é, aquelas proibições cujo conhecimento é razoavelmente indispensável para o agente tomar consciência da ilicitude do facto.Ex. – o agente dispara um tiro contra a vítima, para a matar, mas ignora que, em Portugal, por absurdo que seja, o homicídio é um crime.

A falta desse conhecimento de modo algum exclui que o agente seja punível, por um crime de homicídio doloso, nos termos do art. 131 CP. Isto porque a proibição do homicídio não é neutral no plano dos valores, não é axiologicamente indiferente proibir ou permitir o crime de homicídio. Mesmo sem saber que o crime de homicídio é proibido, o agente pode chegar à consciência da ilicitude, sem o conhecimento da proibição, por causa da carga ética, que a proibição do homicídio supõe.

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Ao contrário, do exemplo anterior, suponhamos agora, por razoes que não interessa aqui considerar, eu é proibido ter, em casa, dinheiro em moeda estrangeira. Ora esta proibição, ao menos na aparência é axiologicamente neutral: é impossível ao agente, se não souber de tal proibição, chegar a essa conclusão, no plano ético, por causa das suas valorações morais.

Portanto, as situações de falta de consciência da ilicitude a que se refere o art. 16, n.º  1, não abarcam todos os casos regulamentados no art. 17 CP. Este art. 17, sem qualquer exclusão de dolo, é que prevê a falta de consciência da ilicitude, nos casos em que não estão em causa, proibições axiologicamente neutras.

Elemento volitivo do dolo

Consiste na resolução de executar a acção típica, pelo agente.Deve distinguir-se de:

·         Mera ilusão

·         Mero desejo             de executar a acção típica·         Mera esperança

Em nenhum destes casos há a base da vontade, exigida pelo dolo.

Também, não constituem dolo, no rigoroso pressuposto do art. 14, duas outras figuras distintas:

O dolo antecedente – trata-se de situações em que, havendo dolo, este não se concretizou na acção levada a cabo, pelo agente.

Exemplo.: um marido planeia matar a mulher, simulando um acidente de caça. Porém, à margem dos seus planos e durante a caçada, dá um tiro e mata mesmo a mulher.

Aqui o crime, que o marido praticou, apesar da intenção prévia, no dolo antecedente, é um crime de homicídio negligente: de facto ele não dispara a arma para matar a mulher; disparou-a descuidadamente. Será, pois, punível nos termos do art. 137 CP.

O dolo consequente – é a situação inversa da anterior:

- o marido, na caça, dispara inadvertidamente a arma contra a mulher e depois decide aproveitar a situação, não promovendo o seu auxilio e deixando-a esvair-se em sangue.

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Aqui não podemos dizer que haja um crime doloso de homicídio, por acção. Não é a intenção posterior do agente, que caracteriza o crime de homicídio negligente que ele já praticou.Quando disparou a arma pratica, negligentemente, um crime. O que, porventura, poderemos dizer é que ele pratica um crime doloso de homicídio, mas por omissão, nos termos do art. 10 e 131, conjugados.

Em conclusão: o dolo antecedente e o dolo consequente não são dolo para efeitos de aplicação das normas da parte especial do código penal, em que se prevêem crimes dolosos.

RELAÇÃO ENTRE O ELEMENTO INTELECTUAL DO DOLO E OS ELEMENTOS ESSENCIAIS DA FACTUALIDADE TIPICA

Que tipo de elementos são estes?

·               Certos elementos do mundo exterior, que são incluídos na factualidade típica.

Exemplos:

- a pessoa, objecto dos crimes de homicídio: O dolo deve incidir sobre tal pessoa.

- a coisa móvel e alheia, objectos do crime de furto, art. 203 CP- um animal, que pode ser objecto de um crime de dano. Nestes crimes o dolo tem que abarcar a lesão do bem jurídico.

- nos crimes de perigo concreto tem de haver conhecimento e vontade, dolo, de criação de um perigo, para o bem jurídico. É nesta base que na parte especial do CP se estabelece a distinção entre dolo de dano e dolo de perigo.

·               Certos elementos de carácter normativoTrata-se de elementos que não são imediatamente apreensíveis, através da observação do agente, isto é, não são meras descrições factuais.

Exemplos:

- O conceito de documento, tal como vem referido no art. 256 CP, crime de falsificação de documentos. A referência a documentação supõe uma valoração que é de carácter jurídico: em princípio só um jurista, e nem todos, sabe dizer exactamente o que é um documento.

Ora esta realidade é difícil de conciliar com a afirmação de que o dolo deve abarcar ou incidir sobre todos os elementos do tipo. A questão deve ser equacionada, da seguinte forma:

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·               É absurdo pretender que o agente do crime tenha um conhecimento absoluto e autentico dos elementos normativos do tipo.

Basta, pois, que o agente, através da sua valoração paralela – como leigo que é em questões jurídicas – tenha um conhecimento aproximado daqueles elementos normativos.

Voltando ao exemplo dado acima: se só um jurista sabe, por definição exacta, o que é um documento, mas também os leigos através de uma valoração paralela têm uma ideia do que é um documento, então essa ideia basta para a afirmação do dolo, nesses casos quanto aos elementos normativos do dolo.

MODALIDADES DO DOLO

O legislador representa noções legais das várias modalidades de dolo (Art. 14 CP)

       Dolo Directo (n.º  1)               

DOLO                        Dolo Necessário (n.º  2)   

                        Dolo Eventual (n.º  3)

Para haver lugar à imputação de qualquer facto, previsto como crime na parte especial do código penal, a título doloso, é necessário que o dolo, que for identificado, seja reconhecível à luz de um dos números do art. 14. Trata-se de uma exigência do princípio da legalidade. Tal não significa, porém, que todos os crimes previstos na parte especial do código penal sejam cometíveis, através de todas modalidades de dolo, compreendidas no art. 14.

Em certos artigos exige-se que haja uma certa intenção do agente. Podemos identificar tal exigência, como sendo de dolo directo.

Ex. art. 146 – Envenenamento, enquanto crime contra a integridade física

Este artigo exige que o agente actue com intenção de prejudicar a integridade, a saúde da vítima. Ora esta intenção não equivale a todas modalidades de dolo previstas, no art. 14 CP, mas só é compatível com a definição de dolo directo, do art. 14, n.º  1 CP.

Portanto, EM REGRA, para haver dolo, basta que ele se verifique em alguma das modalidades previstas no art. 14 CP.

DOLO DIRECTO OU INTENÇÃO

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Art. 14, n.º  1 Age com dolo, quem representando um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção de o realizar.

IMPORTANTE: É através do elemento volitivo que se define esta modalidade de dolo: para haver dolo directo, não é necessário que o agente preveja, com certo grau, a possibilidade da realização do facto típico; basta que o queira, isto é, que tenha a intenção de o realizar mesmo.

Ex. O agente decide matar a vítima através de um tiro disparado a grande distancia, sabendo que é provável que não lhe acerte (só há 10% de probabilidade de lhe acertar). Ainda assim o agente actua com dolo directo

DOLO NECESSÁRIO

Art. 14, n.º  2 – Age ainda com dolo, quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime, como consequência necessária da sua conduta.

O elemento intelectual é que é decisivo para a sua caracterização. Do art. 14, n.º  2 não se conclui que a previsão do agente seja correcta: o que é indispensável é que a realização do facto seja inevitável, na sua cabeça, de acordo com a sua representação. De outro modo a figura do dolo necessário não seria compatível, com a figura da tentativa.Portanto, nesta situação, o elemento volitivo é como que subentendido pelo legislador, atendendo ao grau de previsão, que o agente faz da realização de um facto típico.

Ex. Se o agente dispara um tiro contra a cabeça da vítima, sabendo que a vai matar, não é necessário averiguar, autonomamente, se existe elemento volitivo do dolo. É impossível que não exista, porque o agente prevê a realização do facto típico, precisamente, como consequência indispensável da sua conduta.

DOLO EVENTUAL

Art. 14, n.º  3 – Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime, for representada como consequência possível da conduta, há dolo, se o agente actuar, conformando-se com aquela realização.

Trata-se da modalidade de dolo mais problemática e com maior alcance prático: por um lado é problemática, na medida em que é definida, paredes-meias, com a negligência consciente a que se refere o art. 15, por outro lado, as consequências práticas derivam do facto de se tratar de uma modalidade de dolo.

No código penal, a definição de dolo eventual e de negligência consciente formam aquilo que o Dr. Rui Pereira chama um “puzzle perfeito”: encaixam de tal modo, uma na outra, que é inconcebível um título de

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imputação subjectiva intermédio entre ambos – trata-se de conceitos dicotómicos, isto é, quando existe um, não existe o outro.

Diz o art. 15 a) CP – Age com negligencia quem, por não proceder com cuidado a que, segundo as circunstancias, está obrigado e de que é capaz:

a)Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas actuar sem se conformar, com essa realização.

O elemento intelectual do dolo eventual e o da negligência consciente é comum: a representação da realização do facto típico, como consequência possível, do comportamento do agente.

O elemento volitivo varia:

·               No dolo eventual, o agente prevê a realização do facto típico, como possível e conforma-se com essa realização.

·               Na negligência consciente, o agente prevê a realização do facto típico, ou se conforma com ela, ou não se conforma.

Portanto, não é possível qualquer figura intermédia: se o agente prevê, como possível, a realização do facto típico, ou se conforma com ela ou não se conforma.

Na definição do art. 14, n.º  3, de dolo eventual, o legislador parece ter recorrido aos dois elementos que integram o dolo: o intelectual e o volitivo (já identificámos cada um deles ao distinguir o dolo eventual de negligencia consciente.

Há uma larga controvérsia doutrinária, sobre a explicação da distinção entre dolo eventual e a negligência consciente. O facto de o legislador, aparentemente, ter previsto os dois elementos do dolo, na definição de dolo eventual, não significa que tenha tomado posição nessa controvérsia.

São essas teorias que iremos tratar a seguir e que são basicamente quatro:

Teorias intelectuais ou da probabilidade – possibilidade

Pretendem levar a cabo a distinção à custa do elemento intelectual do dolo.Propõem que tal distinção se faça de acordo com o grau de probabilidade ou possibilidade, com que o agente prevê a realização do facto típico.

Assim, se o agente prevê a realização de um facto típico, como consequência possível, do seu comportamento, haverá dolo eventual; se o agente apenas prevê a realização do facto típico, como consequência possível, do seu comportamento, então haverá negligência consciente.

Podemos formular duas críticas a esta teoria:

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A primeira crítica refere-se a uma construção que não parece conveniente dogmaticamente. É por duas razões:

Não é só o elemento intelectual que caracteriza a atitude do agente, em situação de dolo eventual. O grau de probabilidade ou possibilidade não é facilmente mensurável, nem fácil é estabelecer fronteiras

A referência pura e simples ao grau de probabilidade ou possibilidade não documenta, por inerência, ao contrário do que sucede, com o dolo necessário, nenhuma atitude de vontade do agente

A segunda critica é que esta teoria parece incompatível, com o disposto, no art. 14 e 15 CP, pois aí alude-se a um elemento intelectual comum aos dois conceitos, isto é, a previsão da realização do facto típico, como consequência possível.

Teorias da vontade ou volitivas

Pretendem distinguir o dolo eventual e a negligência consciente, à custa do elemento volitivo do dolo.

Assim, haverá dolo eventual, quando o agente aprovar a realização do facto típico ou aceitar a realização do facto típico, como consequência possível da realização do seu comportamento.

Caso contrário haverá negligência consciente.

Tratam-se de teorias que, na definição de dolo eventual, são mais exigentes que a fórmula contida no art. 14, n.º  3: este basta-se com uma conformação do agente, o que é algo menos, que a aprovação ou aceitação da realização do facto típico. Deve pois criticar-se o carácter restritivo destas teorias.

Teorias da atitude ou emocionais

Uma destas teorias foi defendida por Karl Engish e, em parte, pelo Prof. Figueiredo Dias, no âmbito das actas da Comissão Revisora do Código Penal. Pretendem caracterizar o dolo eventual, através da atitude do agente, em relação à violação da norma.

Assim, haverá dolo eventual, quando o agente tenha uma atitude de indiferença preante a violação da norma jurídica.

Haverá negligência consciente, quando não houver tal indiferença.

CRÍTICA

Trata-se de teorias que não conseguem apreender a essência do dolo eventual, devido à inclusão de um elemento emocional do dolo.

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Ora, a indiferença tanto pode levar o agente a actuar, com dolo eventual, como o pode levar a praticar o facto típico. Mas o dolo eventual não é isso, não é a indiferença – é uma consequência dessa atitude de indiferença.

FÓRMULAS DE FRANK

Já falámos de Frank, a propósito da teoria psicológica da culpa e da teoria normativa da culpa. Era um magistrado do STJ alemão, que resolveu criar critérios práticos, para se proceder à distinção entre dolo eventual e negligência consciente. A esses critérios dá-se o nome de “Fórmulas de Frank”

São duas, essas fórmulas:Fórmula hipotéticaFórmula positiva

A fórmula hipotética de Frank

Deve ficcionar-se que o agente prevê, como certa a realização do facto típico. Em seguida deve questionar-se, tendo-o representado, se o agente actuaria ainda assim.

- Se a resposta for afirmativa, o agente terá actuado com dolo eventual;

- Se a resposta for negativa, então o agente terá actuado apenas com negligência consciente.

Ex. (Mendigos russos) Diversas pessoas estropiavam, para fins de mendicidade, crianças, cortando-lhes os membros para que comovessem a opinião pública e obtivessem esmolas. Algumas dessas crianças (5% a 10%) morriam em consequência das ofensas sofridas.Pergunta-se: os agentes que estropiavam as crianças, actuavam com dolo de homicídio? A tratar-se de dolo de homicídio, ele teria de ser dolo eventual; a não se tratar haveria negligencia consciente.

Partamos, então, do exemplo dado para a aplicar a fórmula hipotética de Frank:- Se quem procedeu às mutilações das crianças tivesse previsto que, em razão delas, as crianças morriam, teria levado a cabo tais mutilações ou não?

Ora, esta questão encerra uma ficção. É óbvio que quem procedeu à mutilação das crianças, não previu como certa a sua morte. Se a tivesse previsto não as teria mutilado, pois assim as crianças não poderiam servir os fins de mendicidade, para que eram utilizadas.Portanto, a resposta à pergunta é negativa. Assim, a fórmula hipotética de Frank recusaria que aqui houvesse dolo.

Ex. (menina da barraca de tiro ou Guilherme Tell) Uma pessoa aposta com outra, que acertará com um tiro ou uma seta, numa maçã colocada em cima da cabeça desta última.

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Apliquemos ao caso a fórmula hipotética de Frank:-Se o agente tivesse previsto que ia acertar com o tiro ou seta na cabeça da vitima, como consequência certa da sua conduta, mesmo assim, teria actuado? Novamente a resposta é negativa.

CRÍTICAS À FÓRMULA HIPOTÉTICA DE FRANK

Por um lado, os resultados do recurso à fórmula são extremamente descritivosPor outro lado, não pretendem identificar a existência de dolo na medida em que se socorrem de uma ficção. De facto, o dolo não é aquilo que poderia ter acontecido, é aquilo que aconteceu, de facto, enquanto processo intelectual e volitivo do agente.Portanto, não há qualquer legitimidade em fazer uma afirmação de existência de dolo, através dos resultados a que chegarmos, utilizando uma ficção e uma presunção de comportamento do agente, tendo por base essa ficção. Melhor, numa situação destas, o agente não previu nunca como certa a realização do facto típico. Logo não é legitimo partir dessa previsão, para nos interrogarmos, sobre se existiu ou não dolo eventual.

Frank foi sensível a estas críticas. Daí que tenha proposto uma nova fórmula, a fórmula positiva.

A fórmula positiva de Frank

Se o agente ao actuar, previu como possível a realização de um facto típico e pensou: aconteça o que acontecer, eu actuo, então se actuar fá-lo-á com dolo eventual.

Trata-se de uma fórmula mais aceitável, que a anterior, perfeitamente compatível, como critério de distinção, adoptado pelo legislador, no art. 14, n.º  3.

E qual é esse critério adoptado pelo legislador?É aquilo a que normalmente se chama o critério da conformação. Embora não se trate de um critério de vontade, do tipo da 2ª teoria apresentada, no entanto ele obriga, seguramente, a identificar um elemento de vontade, no dolo eventual.

Esta norma do n.º  3, do art. 14 teve origem no ante projecto do Prof. Eduardo Correia. Porém a fórmula original, por ele proposta, era mais ampla que a actual e, além disso, era uma fórmula negativa, o que sugeria uma inadmissível inversão do ónus da prova. Tal era a definição proposta pelo Prof. Eduardo Correia: “actua com dolo eventual, quem não confiar, que o resultado típico não se produza.

Este critério do legislador exige, como vimos, a identificação, no dolo eventual, de 2 elementos: o intelectual e o volitivo.

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DOLO DE DANO E DOLO DE PERIGO

Trata-se de uma distinção resultante da distinção, que já fizemos, entre crimes de dano e crimes de perigo concreto.

Introduzamos a questão, repetindo algo que já foi dito e partindo da ideia de que o dolo abarca todos os elementos essências da factualidade típica:

O dolo, nos crimes de resultado abarca o próprio resultado, isto é, para o agente ter actuado, com dolo é necessário que também tenha querido o resultado, ex. a morte da vitima.

Nos crimes de dano, o resultado é, como já vimos,  a efectiva lesão de um bem jurídico, daí que para actuar, com dolo, é necessário que o agente tenha conhecido e querido a efectiva lesão do bem jurídico

Nos crimes de perigo concreto, o resultado é a colocação em perigo do bem jurídico protegido, que é destacado espácio-temporalmente da acção.

As referencias do código penal, ao dolo de perigo e ao dolo de dano

Na parte geral do código penal não existe qualquer definição ou mesmo referencia a um e a outro.

Na parte especial existe uma referência ao dolo de perigo, no art. 138 “ quem colocar em perigo a vida de outra pessoa…”.

Mais conclusivo é a existência de uma grande quantidade de incriminações de perigo concreto, na parte especial do código penal, crimes esses, que o resultado é a criação de um perigo concreto, para um determinado bem jurídico.

Cabe a pergunta: como entender o dolo no âmbito dessas incriminações, que são dolosas, por força da regra geral de exigência de dolo, constante do art. 13?

Poderíamos dar a seguinte resposta, algo simplista:

O dolo pode ser, nos termos do art. 14, directo, necessário ou eventual e pode referir-se ao perigo, nos crimes de perigo concreto, ou ao dano, nos crimes de dano.

Mas esta resposta não é satisfatória, além de simplista, precisamente, por causa do conceito perigo.

Ora, já dissemos atrás, que o perigo implica, necessariamente, a possibilidade ou probabilidade de dano. Por isso, o dolo de perigo, nos crimes de perigo concreto, implica uma certa relação psíquica necessária

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do agente, com o dano. Isto, porque o perigo é a possibilidade ou probabilidade de dano.Ora, é desta relação que resulta a dificuldade da distinção entre dolo de perigo e dolo de dano.

Necessidade de distinção

Colocada a questão desta forma, poderá o dolo de perigo coincidir, ao menos parcialmente, com o dolo de dano?

Exemplificando: aquele que actua dolosamente, no sentido do art 138, ao colocar em perigo a vitima que expõe, actua também, com dolo de dano ou com dolo de homicídio?

A resposta a esta pergunta é negativa por duas razões:

Devido à natureza dos crimes de perigo concretoDevido ao sistema de agravação pelo resultado previsto, no Código PenalExemplifiquemos melhor cada uma destas razões.

O dolo de perigo não coincide com o dolo de dano, devido à natureza dos crimes de perigo concreto.

Quem expõe ou abandona a vítima, dolosamente, por força do art. 13, é punível, nos termos do art. 138, com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Quem expõe ou abandona a vítima, com dolo de homicídio, isto é, para a matar, dve ser punido, se a morte não se der, por tentativa de homicídio, nos termos do art. 131, salvaguardando-se a hipótese da qualificação nos termos do art. 132. Tal significa que a tentativa, neste caso, é punível de forma muito grave: 10 anos e 4 meses, no máximo, por conjugação dos art. 131 e o 73 CP.

Ora, neste segundo caso, não faria qualquer sentido aplicar o art. 138, mas o art. 131, pois não há qualquer fundamento, racional, que explique, numa situação destas, o privilegiamento da situação do agente.

Ao contrário, crimes de perigo concreto são criados pelo legislador penal, para antecipar a tutela jurídico-penal de certos bens jurídicos fundamentais. Prever a efectiva lesão desses bens é uma forma de os defender. Tal previsão é particularmente importante, dada a complexidade da vida moderna, em certos crimes, designadamente tráfico de armas, estupefacientes, etc., que constituem colocações em perigo particularmente nocivas.

Daí, que não seja um meio de punição do crime, previsto no art. 138, em relação à tentativa de homicídio em geral, que possa explicar que, nesse preceito se preveja, n.º  2, até uma tentativa de homicídio privilegiada, menos punida que a tentativa de homicídio, em geral. Tal seria contraditório, com a natureza do art. 138, enquanto incriminatório de perigo concreto.

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O dolo de perigo e o dolo de dano não coincidem devido ao sistema de agravações pelo resultado.

Trata-se de um argumento que também podemos ir buscar ao art. 138 e ainda aos art. 144 e 145.

Se o dolo de perigo implicasse, também, a existência de dolo de dano, não fazia qualquer sentido, num crime como o previsto no art. 138, agravar a responsabilidade criminal do agente, quando, nos termos do n.º  2, a morte se desse e lhe fosse imputável a nível de negligencia.

Só tem sentido falar de negligência do agente, no caso referido, e em agravação pelo resultado, se ele, evidentemente, não actuou com dolo em relação a essa morte.

Portanto, este sistema de agravação, pelo resultado, prova que o dolo de perigo é incompatível com o dolo de dano. Aquele tem que ser necessariamente diferente deste.

Mas, se é algo diferente, tem que coincidir, pelo menos parcialmente, com a negligência consciente de dano.

O dolo de perigo e a negligencia consciente de dano

Dissemos que deve haver, ao menos parcialmente, uma coincidência entre ambos. Porquê?

Se o perigo é a probabilidade ou possibilidade de produção de um dano, então o dolo de perigo implica a existência de certo nexo psíquico, entre o agente e o próprio dano, isto é, a probabilidade ou possibilidade de um dano, que é o perigo

Já concluímos que não é possível uma atitude, figura, intermédia, entre dolo eventual e negligência consciente. Então, se o dolo de perigo há-se implicar uma certa atitude, em relação ao dano, concebido como possível ou provável, o agente terá de actuar, ou com dolo de dano ou com negligência consciente de dano; com dolo de dano não pode actuar, porque a existência de dolo de dano é incompatível, com a existência de um perigo, como já vimos.

Logo, por exclusão de partes, o dolo de perigo há-de coincidir com uma certa área da negligência consciente de dano ou com toda a negligência consciente de dano.

Integração do dolo de perigo nas figuras de dolo previstas no art. 14

Já dissemos que o art. 14, visto à luz do princípio da legalidade, exige que, a propósito de cada norma incriminadora prevista na parte especial do CP ., se verifique dolo num dos três sentidos previstos no art. 14.

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Assim, o dolo de perigo só será dolo, se for reconhecível à luz do art. 14. Analisemos então a questão por este prisma.

O dolo de perigo não parece conciliável com a figura do dolo directo.

A ser de outra forma, para haver dolo directo de perigo, que é logicamente concebível, teria de haver, também, dolo de dano, ao menos, dolo eventual de dano.

Ex. Foi sequestrado há pouco tempo, por exemplo, o Primeiro-ministro, de um país europeu. Suponhamos que os sequestradores pretendem obter um resgate e entendem que a única forma de o obter é criar um perigo para a vida do 1 ministro. Tal perigo consiste em torturá-lo, de forma a criar a possibilidade de ele morrer, filmarem a cena e enviarem-na aos familiares.

Numa situação deste tipo poderíamos dizer que há dolo directo de perigo, mas não dolo directo de dano. De facto, os sequestradores não tinham a intenção de produzir a morte do sequestrado, isto é, apenas queriam produzir o perigo para a vida, que é instrumental do resgate.

Mas, nesta situação, os raptores estariam já actuar com dolo eventual de dano, porque quem quer, no sentido de dolo directo, criar a possibilidade de a vítima morrer, também prevê a possibilidade de a vitima morrer e conforma-se com ela, no sentido de dolo eventual de dano.

Portanto, embora seja logicamente concebível como dolo directo de perigo, este implicaria, de certeza, um dolo eventual de dano. Ora já concluímos atrás que devemos, em absoluto distinguir o dolo de perigo, do dolo de dano.

O dolo eventual de perigo nem sequer é concebível logicamente.

Com efeito, um dolo eventual de perigo, implicaria uma possibilidade de possibilidade, o que, em termos lógicos, é uma possibilidade “tout court”.

Aplicando isto ao dolo de perigo e ao crime de perigo concreto diríamos que o agente teria de prever, como possível, a possibilidade de produção de um dano que é já o próprio perigo. Ora, prever uma possibilidade como punível é já uma possibilidade. Daí que, nos planos lógico e linguístico, não faz sentido falar em dolo eventual de perigo.

O dolo de perigo só pode ser um dolo necessárioPartamos de um exemplo e analisemos as várias atitudes do agente, em relação à possibilidade, da morte.            - Um automobilista está a conduzir em excesso de velocidade, tem pressa de chegar a casa e o piso está molhado

O automobilista do exemplo dado tem a seguinte atitude:

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“Eu posso matar alguém, mas como tenho pressa de chegar a casa, continuo a conduzir deste modo.”

Esta atitude documenta a existência de dolo eventual de dano. Basta utilizar a fórmula do art. 14, n.º  3 ou a fórmula positiva de Frank, para chegar a tal conclusão. Ele conforma-se com a possibilidade de matar alguém.

Coloquemos agora o automobilista a pensar“ Eu posso matar alguém, mas como sou um condutor hábil consigo evitar essa morte se me aparecer um peão em frente ao automóvel”

Aqui estamos perante uma situação de negligência consciente: ele não se conformou com a possibilidade de realização do facto típico.

Atitude intermédia do automobilista

O automobilista prevê que pode matar alguém. Diz para os seus botões, que, ainda por cima, o piso está molhado e, aquela hora, podem passar pessoas pela estrada. Mas a este raciocínio não se segue qualquer decisão intelectual dessa possibilidade que ele representou.

Aqui, continua a haver negligência consciente: ele previu a possibilidade de realização do facto típico.

Mas trata-se de uma espécie muito peculiar de negligência consciente, porque não se lhe seguiu, qualquer atitude de auto-acalmamento.

Ora, é esta área de negligência consciente, precisamente, que coincide com o dolo necessário de perigo, globalmente, com dolo de perigo já que não se limita a ser uma modalidade de dolo necessário.

Porquê dolo necessário?

- Porque o automobilista reviu como consequência necessária da sua conduta, a realização do facto típico (a criação da possibilidade de matar alguém).

O automobilista prevê a possibilidade de matar alguém, como consequência necessária da sua forma de conduzir e não desaloja esta previsão da sua consciência através de auto-acalmamento, mas, por outro lado, também não afirma um dolo eventual de dano.

Base da distinção entre dolo de perigo e dolo de dano.

O dolo de perigo implica a existência de negligência consciente de dano

Sendo assim, e em termos processuais, em incriminações de perigo concreto a que estejam associadas agravações pelo resultado, está dispensada a autónoma averiguação da negligencia, em relação ao dano.Exemplifiquemos com o art. 138

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1.       Este artigo prevê um crime de perigo concreto que consiste em colocar em perigo a vitima, através de exposição ou abandono.

2.      Para se cometer este crime de perigo concreto é necessário actuar com perigo, no sentido já dado anteriormente.

3.      Este dolo de perigo implica, por definição, a existência de negligência consciente de dano, em relação à morte do exposto ou abandonado.

4.      No n.º  2 do art. 138, prevê-se a agravação pelo resultado, no caso de se seguir a morte da vítima.

5.      Nos termos do art. 18, para funcionar a agravação, pelo resultado, é necessário haver negligência em relação a esse resultado, aqui morte do exposto.

6.      Ora, sempre que se exija negligência simples, basta que apuremos a existência de dolo de perigo, para sabermos que existe também negligência consciente de dano.

7.      Portanto, em conclusão, em termos de agravação, pelo resultado, não temos que fazer qualquer averiguação autónoma, para provar a existência da negligência de dano, em relação ao resultado que se produz.

Esta conclusão só deve ser restringida naqueles casos em que a agravação, pelo resultado, não depende da negligência simples, mas da negligência grosseira.

Em regra, nos termos do art. 18, para haver agravação, pelo resultado é necessário que haja, pelo menos, negligencia. Que negligencia? A negligência simples, sem dúvida,

Mas, por vezes, há normas da Parte Especial, que prevêem a agravação, pelo resultado, que contém uma exigência específica, da negligência mais grave – a negligência grosseira.

Ora, nestes casos, a verificação da existência do dolo de perigo não satisfaz, já a necessidade de averiguar, se houver negligência grosseira. Voltemos ao exercício do art. 138, onde se diz:            “Se do crime resultar a morte, que poderia ser prevista, pelo agente, como consequência necessária da sua conduta, a prisão será de 2 a 8 anos.”Tenho observado, particularmente, em provas orais, que este art. 2, do art. 138 é como que dos mais assombrosos equívocos. Nada, contrariamente ao que uma leitura apressada possa sugerir, não se trata de dolo necessário, em relação ao homicídio. De facto, não faria qualquer sentido punir o homicídio, censurado, com dolo necessário, com pena de prisão, de 2 a 8 anos.

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E não se exige dolo necessário, em relação ao homicídio, porquê? Porque não se exige que o agente tenha previsto a morte da vítima, como consequência necessária. O que se exige é que ele pudesse ter previsto a morte da vítima, como consequência necessária da sua conduta: trata-se de uma previsibilidade e não de uma previsão efectiva.

Esta previsibilidade não é exigida em toda a negligência: para haver negligencia não é necessário que seja previsível, o evento típico, como consequência necessária da conduta; basta que seja previsível o evento típico, como consequência possível da conduta.

Em conclusão: no n.º  2, do art. 138, o grau de negligência que se exige não é o da negligência simples, mas duma negligência qualificada e a que o legislador, em certos passos do CP, ex. Art. 137, n.º  2, chama grave ou grosseira. A característica desta negligência é ser facilmente previsível ao agente do crime, na realização do facto típico – trata-se de um grau de negligência, superior ao da negligência simples.

Portanto, no caso do art. 138, n.º  2, para além de devermos apurar se o agente actuou, com dolo de perigo, devemos também apurar que houve negligência grosseira – isto para podermos aplicar a agravação, pelo resultado.

CRIMES NEGLIGENTES

O crime de negligência como tipo especial de acção punível.Daqui conclui-se que o crime negligente não representa apenas uma certa forma ou grau de culpabilidade.

No estudo até aqui feito da teoria geral da infracção utilizamos como modelo o crime doloso por acção. Face a este, o crime negligente apresenta especificidades (tal como os crimes omissos).

A negligência distingue-se do dolo a dois níveis:

§  Ao nível da ilicitude ou tipo de ilícito: a negligência traduz-se na não efectivação de um comportamento objectivamente devido ou na violação de um dever objectivo de cuidado§  Ao nível da culpabilidade ou tipo de culpa a negligência traduz-se na não prestação de um comportamento que, pessoalmente, era exigível ao agente, isto é, a violação de dever subjectivo de cuidado.

ELEMENTOS DO TIPO NO CRIME NEGLIGENTE

Tipo de ilícito:São três os elementos de ilícito nos crimes negligentes:Previsibilidade do perigoViolação de um dever objectivo, de cuidadoProdução de um resultado típico

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A previsibilidade do perigoJá abordamos esta questão quando atrás falámos na distinção entre negligência consciente e inconsciente.

Em ambas as modalidades se verifica este elemento, mas há uma distinção:Na negligência consciente: deve haver uma efectiva previsão do tipo de crime e a não conformação do agente em relação à sua realização.

Na negligência inconsciente: apenas se exige a possibilidade de prever, isto é, a previsibilidade do tipo de crime

A violação de um dever objectivo, de cuidadoTrata-se de um dever objectivo, mas não de natureza abstracta. Ele deve ser particularizado (pelo que não é igual para todos) com base em elementos concretos: o estado do agente, a sua profissão, a sua experiência, etc.

Há autores que consideram não fazer sentido falar em dever objectivo de cuidado pois tal pode levar a obrigar o agente, concretamente considerado, além daquilo que ele e capaz.

Mas contra esta concepção podemos objectar:   - Que o dever objectivo de cuidado pode ser individualizado, como vimos na concepção já defendida;      - Que a ser de outra forma iríamos subjectivar, de forma inadmissível, o crime negligente fazendo-o depender das concretas possibilidade do agente, levando-o a negar a existência objectiva de crimes negligentes.

Produção de um resultado típico

É evidente que só faz sentido falar em crimes negligentes de resultado, quanto aos crimes negligentes materiais.

Ex: o homicídio negligente (art. 137 CP)

Conteúdo da ilicitude nos crimes negligentes

Tal como os crimes dolosos, a ilicitude do crime negligente também se analisa em:

      -desvalor da acção        Este traduz-se na violação do dever objectivo de cuidado.

     -desvalor do resultado

Traduz-se na e produção de um resultado A este nível (tal como nos crimes dolosos) há que exigir:

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 - Um nexo causal entre a acção do agente e o resultado do crime;

- Um nexo de tipo normativo entre a própria violação do dever de cuidado e o resultado típicoDaqui conclui-se que não existe o desvalor do resultado se, quando não tivesse sido violado o dever de cuidado, o resultado típico não fosse evitado (comportamentos lícitos alternativos).

TIPO DE CULPA

O elemento que integra o tipo de culpa é:

A violação de um dever subjectivo, de cuidado

Aqui trata-se de saber se era exigível ao agente do crime que adoptasse o comportamento que evitaria a produção do resultado típico.

Toma-se aqui em conta a censurabilidade da atitude do agente, da sua atitude interna.

Posição do C P quanto ao dever de cuidado       Embora o C P não faça uma distinção expressa entre dever objectivo e dever subjectivo de cuidado, ela aparece indicado no art. 15. Aqui distingue:       - “O cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado…” – dever objectivo de cuidado;

- “O cuidado… de que é capaz” – dever subjectivo de cuidado

CLASSES DE NEGLIGÊNCIA

No C P distinguem-se 2 modalidades de negligência:

     - Consciente (art. 15, a))

     - Inconsciente (art.  15, b))

E dois graus de negligência:

     - Simples

     - Grosseira

Negligência consciente Art. 15, n.º a: representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização”

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Já atrás falamos bastante sobre a negligência consciente, para a distinguir do dolo eventual. Dissemos, particularmente que entre as duas figuras não há atitude intermédia possível: ou há numa outra.

Negligência inconscienteArt. 15, b): “não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto”

Aqui o agente não chega a prever a possibilidade de realização do facto, mas poderia tê-la previsto. Não se exige previsão mas mera previsibilidade.Há autores que consideram que a negligência inconsciente não tem dignidade penal, havendo por exemplo, quem defenda que a sua posição é contrária ao princípio da culpa. Dizem, com efeito, que não existe um nexo específico, efectivo entre o agente e o facto, sendo o legislador penal a fraccionar tal nexo, por razões de politica criminal.

Em relação a estes dois tipos de negligência, a consciente e a inconsciente não há diversos graus de culpa, mas sim diversos tipos de ilícito.

Negligência grosseira ou grave e negligência simplesÉ aquela em que é suposto haver um elevado grau de previsibilidade da realização do evento típico.Trata-se ainda de negligência pois apenas se exige previsibilidade e não previsão efectiva pois esta já caracteriza o dolo.

Contrapondo a este podemos construir o de negligência simples em que não se exige uma previsibilidade normal da realização do facto típico

Estas noções não são directamente apontadas pelo legislador, mas apenas pressupostos em alguns preceitos da parte especial do CP, e a que se diversos graus de culpa.

Vejamos alguns desses art.s para melhor compreender estas classes de negligência.

   Art. 137: homicídio por negligência

  1. Quem, por negligência, causar a morte de outrem será punido com prisão até 2 anos”       2. Quando se tratar de negligência grosseira poderá a pena elevar-se até 3 anos de prisão”.

Ora este artigo no n.º 2 fala em “negligência grosseira” e no n.º 1 podemos considerar que se trata de negligência simples. Mas as respectivas noções, são pressupostos, teremos então de recorrer a outros preceitos pois a sua diferença é importante na medida em que da existência de uma outra depende o grau de punição do agente do crime

 Art. 138: exposição ou abandono

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     N.º 2 “ se do crime resultar a morte, que poderia ser prevista pelo agente consequência necessária da conduta, a prisão será de 2 a 8 anos”

 N.º 4 (2ª parte) “se, porém, resultar a morte, que poderia ser prevista como consequência necessária da conduta, a pena será a de prisão até 4 anos”

Em ambos os casos estamos perante crimes agravados pelo resultado. Já dissemos atrás que estes crimes comportam um duplo nexo de causalidade:

- O nexo de causalidade entre o crime menos grave e o seu próprio resultado (aqui, o nexo de causalidade entre o comportamento de expor ou abandonar e apropria criação de um perigo para a vida)

 - O nexo de causalidade entre o resultado menos grave (criação de um perigo para a vida) e o resultado mais grave (aqui a morte).

Também já sabemos que os crimes agravados pelo resultado, quanto ao tipo subjectivo consistem numa combinação típica de dolo e negligência:

 - Exige-se que o crime menos grave seja doloso, nos termos gerais do art. 13;

- Em relação ao resultado mais grave, exige-se “pelo menos” negligência nos termos do art. 18

Ora quanto ao art. 138 n.º 2 e 4:      - Se ai nada fosse dito, exigir-se-ia (nos termos do art. 18) a simples negligência em relação à morte da vítima;

- Mas aí exige-se algo mais: que a morte pudesse ser prevista pelo agente como consequência necessária da sua conduta.

Ora a linguagem utilizada pode prestar-se a confusão e levar-nos a considerar que o preceito exige o dolo necessário dada a semelhança com as palavras da parte final do art. 14 n.º 2, mas não, e devemos afastar que se trate de dolo necessário por razões, sobretudo:

- Era incompreensível que no art. 138, n.º 2 se previsse um crime de homicídio doloso com um tão grande privilegiamento da responsabilidade criminal do agente (2 a 8 anos de prisão);

A letra do preceito fala em “que poderia ser prevista”. Portanto o preceito fala de previsibilidade e esta é característica da negligência. Para haver dolo necessário seria indispensável que a morte tivesse sido prevista pelo agente, isto é, que houvesse uma previsão efectiva.

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Mas aqui não se exige uma simples previsibilidade (já vimos que a negligencia se basta com a previsibilidade de uma possibilidade). Exige-se a previsibilidade como consequência necessária, isto é, uma negligência especial que comporta um grande grau de previsibilidade do evento típico.

Em conclusão:  Nos termos do art. 138, n.º 2 e 4, não basta uma negligência simples (art. 15), para haver agravação pelo resultado. Para tal exige-se uma negligência qualificada, isto é, uma negligência grosseira ou grave.E se o agente (nos casos dos art.s  138, n.º 2 e 4 e 139, n.º 5) cometer o crime base com dolo e actuar apenas com negligência simples em relação ao crime mais grave?

- Então não há lugar à agravação pelo resultado.É assim porque a agravação, naqueles casos, exige a negligência grosseira.   - Mas o agente será punido por concurso de crimesNo caso do art. 141, será punido por um aborto doloso e por um crime de homicídio negligente. Na medida da pena deve, porém, estabelecer-se como limite máximo o da própria agravação pelo resultado, pois de outra forma estaria a ser violado o principio da culpa pois o agente seria mais gravemente punível se actuasse com negligencia simples do que se tivesse actuado com negligencia grosseira ou grave.

Art.  141 (aborto)Já atrás falamos deste artigo. Dissemos então os crimes agravados, pelo resultado exigem a consumação do crime base.Mas esta regra geral deve ser aferida caso a caso.De facto no art. 141 basta que haja a tentativa do crime base para funcionar a agravação pelo resultado (basta aqui estabelecer um nexo causal entre os meios empregados no aborto, ainda que este se não consume, e a morte ou ofensa grave no doente.Também no art. 139, n.º 5 se diz: “… poderia ter previsto como consequência necessária da sua conduta…”

Pelas razões já expostas quanto ao art. 138 n.º 2 e 4, estamos também aqui perante negligência grosseira ou grave. Novamente aqui o legislador exige um elevado grau de previsibilidade

Art. 231 n.º  3 (receptação) “Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legitima providência, adquirir ou receber, a qualquer titulo, coisa que, pela sua qualidade ou condição de quem lhe oferece ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que ela provem de actividade criminosa, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 50 dias”

Estamos perante um tipo de crime negligente: não se exige que saiba que a coisa tem providência criminosa: basta que possa saber.

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Mas aqui o legislador não se basta com negligência simples, antes exige negligência grosseira, como é documentado pela expressão: “…faz razoavelmente suspeitar…”

Neste caso a distinção entre negligência simples e grosseira é essencial pois o agente só é punível, em absoluto, se tiver actuado com negligência grosseira (se tiver actuado com negligencia simples não será punido por receptação nos termos do art. 231 n.º 3)

CRIMES QUE NÃO COMPORTAM O TIPO NEGLIGENTE

O crime negligente não admite tentativa Trata-se de uma conclusão que resulta do art. 22 n.º 1 e que já fundamentamos ao estudar a tentativa. Dissemos então que o dolo é o elemento subjectivo d tipo da tentativa pois, de acordo com o art. 22 n.º 1, para haver tentativa é indispensável a decisão ou resolução criminosa, o que é incompatível com a negligencia.

Não há participação negligente Trata-se de uma conclusão também já analisada. Quer da parte do art. 27 n.º 1, quer da parte final do art. 26, se conclui que só são admitidos a instigação e cumplicidade dolosas.

Não há co-autoria negligenteEsta é a opinião do Dr. Rui Pereira, também já exposta. O art. 26 apresenta a seguinte dicotomia: ou a necessidade de um acordo expresso entre os co-autores de um crime ou de uma acção concertada. Em qualquer dos casos se exige o dolo,

CRIMES AGRAVADOS PELO RESULTADO

SITUAÇÕES DE ASSOCIAÇÃO DO DOLO E DA NEGLIGENCIA

Apenas haverá a acrescentar ao que então foi dito:    - O art. 146, n.º 2 pode não ser um exemplo categórico para demonstrar que o art. 16 tem algum sentido quando utiliza a expressão “ pelo menos”.O Dr. Rui Pereira pensa que nenhuma das alternativas então apresentadas é isenta de criticas. Continua no entanto a considerar a 3ª alternativa como a mais correcta. Considera que há uma consumpção impura, isto é, a própria ofensa grave é consumida no tipo de crime previsto no art. 146 n.º 2. Assim, mesmo quem cometesse o crime de envenenamento doloso para provocar ofensa grave, seria punível com um crime agravado pelo resultado nos termos do art. 146 n.º 2.

Levantará pois menos problemas o recurso aos art.s 158, n.º 4 e 160, n.º 3

CRIMES OMISSIVOS

Acção e omissão: base e critérios de distinção

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Normas proibitivas e preceptivas

As normas da parte especial do Código Penal podem ser:

Normas proibitivas – são aquelas que explicita ou implicitamente contenham uma proibição. Ex. Art. 131. São deste tipo a generalidade das normas.

Normas perceptivas – são aquelas impõem, comandam um certo comportamento positivo. Ex. art. 200:N.º 1 “ quem, em certo caso de grau necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade publica ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, saúde, integridade física ou liberdade de outrem, deixar de lhe prestar auxilio que se revele necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o seu socorro, será punido com prisão ate 1 ano e multa ate 120 dias”

Ora é desta distinção entre normas proibitivas e normas perceptivas que está na base da distinção entre acção e omissão.Critérios de distinção entre acção e omissãoO problema não se coloca nos casos em que tal distinção é nítida.Ex. O agente está a praticar uma acção quando dá um tiro ma cabeça da vitima (homicídio por acção)

Mas o agente pratica uma omissão se não socorre a vitima que se está a afogar, não evitando o seu afogamento.

Há porem casos em que tal distinção não e nítida Já atrás foram referidos estes casos quer a propósito da negligência quer do comportamento lícito alternativo.Vejamo-los de novo para saber se estamos perante acções ou omissões. Trata-se de casos fronteira, difíceis, e para cuja resolução e necessário encontrar um critério relativamente seguro para distinguir acção e omissão.

Tais casos são: - O caso do farmacêutico que fornece um medicamento sem receita medica - O caso da novocaína (cirurgião que em vez de novocaína, para anestesiar o doente, lhe ministra cocaína- O caso dos pelos de cabra- O caso do ciclista já citado anteriormente- O caso do médico que não promove o internamento do doente com cancro

Critério da causalidadeDe acordo com este critério: - A acção e a “causação” do resultado mediante um fazer positivo, objectivamente típico

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(N. B. – devemos ter em conta que a distinção entre acção e omissão é prévia à afirmação da existência de dolo ou negligencia do agente do crime, isto é, é prévia à determinação dos elementos do tipo subjectivo)

Embora partindo da base comum já enunciada, desenvolvem-no de forma e com ideias diferentes. Salientemos os mais importantes, a título de exemplo.

- Engish

Diz que “há acção sempre que haja dispêndio de energia”

- Schmidhaueser

Considera que, para averiguar se há acção ou omissão, deve mentalmente suprimir-se a possibilidade de acção e perguntar se, ainda assim, subsiste um crime omissivo.

Trata-se, pois, de ficcionar que o agente poderia não ter feito nada, e se então ainda subsistiria um crime omissivo.

Exemplifiquemos com os casos referidos atrás:

- Caso do farmacêutico: Se supusermos que ele estava impossibilitado de actuar, ele cometeu o crime já que deu o medicamento utilizado no crime  - Caso da novocaínaSe supusermos que o cirurgião estará impossibilitado de actuar, então também aqui ele cometeu um crime pois anestesiou o doente com uma substância errada.

- Caso dos pelos de cabra:Se supusermos que o comerciante estaria impossibilitado de actuar, então cometeu um crime pois pôs, em circulação os casacos de pelos de cabra, não desinfectados.

- Caso do ciclista:Estando o ciclista impossibilitado de actuar, ele cometeu um crime por não ter ultrapassado guardando a devida distância.- Caso do médico:Só aqui é que existe verdadeiramente uma omissão, de acordo com a fórmula de Schmidhaueser, pois se ele estivesse impossibilitado de actuar não teria cometido qualquer crime comissivo por não ter determinado o internamento do doente.

- StratenwerthDiz que há acção quando existe um aumento do perigo, e que há omissão quando existe uma não diminuição do perigo.

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Ora quer a ideia de Engish, quer a utilização pratica da fórmula de Schmidhaueser são úteis. Mas Roxin chama também a atenção para casos de omissão por acção.   - Klaus Roxin(desenvolve as suas ideias no artigo “ do limite entre comissão e omissão” in “ problemas fundamentais do direito penal ”, pag. 169 – 175)Neste artigo  Roxin fala em 3 grupos de casos em que há omissão por acção, por “fazer”, isto é, situações que, juridico-penalmente, devem ser classificadas como omissivas, mas em que a omissão o agente se traduz num comportamento activo.

- Casos de interrupção de um processo salvador

Ex: A, bordo de um barco, tem o dever de salvar B, que se está a afogar.Então A lança uma corda para salvar B mas depois arrepende-se e retira-a.

Ora, retirar a corda é um comportamento activo, e no entanto, jurídico – penalmente, há aqui uma omissão: um homicídio por omissão.

- Casos de colocação em estado de incapacidade de empreender a acção salvadoraEx: o agente embriaga-se de tal forma que esse estado o impossibilita de empreender a acção salvadora.

Publicada por TITO COLAÇO em 18:12