Teoria Geral Do Servico Social Unid I

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Teoria Geral do Serviço Social

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Teoria Geral do Serviço Social

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Professora conteudista: Viviane Junta

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SumárioTeoria Geral do Serviço SocialUnidade I

1 QUESTÃO SOCIAL ................................................................................................................................................12 O SERVIÇO SOCIAL NA DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO: CONFIGURAÇÕES HISTÓRICAS ....63 CONCEITO DE TRABALHO E O TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA .................................. 164 TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL ................................................................................................................... 215 MERCADO DE TRABALHO: TRANSFORMAÇÕES CONJUNTURAIS E A INSERÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL ............................................................................................................................................ 29

Unidade II

6 SERVIÇO SOCIAL E INSTRUMENTOS LEGAIS ......................................................................................... 357 AS COMPETÊNCIAS DO ASSISTENTE SOCIAL E SUAS INSERÇÕES EM ESPAÇOS SOCIOINSTITUCIONAIS ...................................................................................................................................... 41

7.1 Trabalho profissional: dilemas para reflexão ............................................................................. 50

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1 QUESTÃO SOCIAL

As diretrizes gerais para o curso de serviço social, preconizadas pela ABEPSS1, determinam que “o serviço social se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução da vida social como uma profissão interventiva no âmbito da questão social expressa pelas contradições do capitalismo monopolista”(ABESS/CEDEPSS, 1997, p. 60 apud Netto, 2004, p. 41).

É imprescindível, portanto, o aprofundamento no conceito de questão social para a compreensão do trabalho do assistente social.

Netto (2004) afirma que diversas são as compreensões acerca da questão social, não sendo consensual o entendimento sobre o conceito, o que demarca a necessidade de aprofundamento e precisão nessa definição.

O autor retoma a história da expressão, datando o início de sua utilização, há cerca de 170 anos, por diversos sujeitos do cenário político.

A utilização do termo surge com as novas características da pobreza e das desigualdades sociais, que, com a industrialização na Europa, assumiram uma agudização até então desconhecida. É certo que faz parte da história da humanidade as iniquidades sociais, bem como as disparidades entre as classes, mas a massificação e uma nova dinâmica deram um novo caráter à pobreza no século XVIII (Netto, 2004, p. 42).

1Associação Brasileira de Pesquisa e Ensino em serviço social, anteriormente denominada como Associação Brasileira de Escolas de lserviço social.

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Essa pobreza caracterizava-se pela proporcionalidade na relação: aumento da capacidade de produzir riqueza e aumento de excluídos do acesso aos bens e serviços produzidos. Assim, na medida em que o desenvolvimento das tecnologias e das forças produtivas garantia a capacidade de aumento da produção da riqueza, crescia também, e contraditoriamente, a população extremamente pauperizada. Se, anteriormente, a população experimentava a pobreza por uma escassez em certa medida geral, que se determinava fortemente pelo nível de capacidades das forças sociais e produtivas da sociedade, o “pauperismo”, a agudização e generalização da pobreza, trazia como dinâmica nova o alto desenvolvimento das forças produtivas que poderiam reduzir ou acabar com a pobreza (idem, p. 43).

A referência a esse pauperismo como questão social tem significados políticos. Faz alusão a não aceitação da classe pauperizada, que por diversos meios confrontou a ordem burguesa então colocada. Não cabia, assim, a simples referência a tal contexto como pauperismo, passando-se então à designação de questão social (idem, 2004).

A história da utilização do termo demonstra que, se antes a questão social era utilizada por diversos sujeitos na esfera política, ela passa então a ser caracterizada a partir da segunda metade do século XIX no âmbito do vocabulário mais conservador (ibidem).

A consolidação da burguesia resulta na naturalização da questão social no universo do pensamento conservador e confessional; sua essência histórica é abandonada na medida em que a manutenção da burguesia passa necessariamente pela manutenção da questão social; passa-se então a uma compreensão da questão social como processo naturalizado e numa perspectiva moralizante, que demanda reformas morais atinentes ao homem e à sociedade. (ibidem).

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Demarca-se, portanto, uma compreensão liberal da questão social que individualiza as desigualdades, remete ao sujeito singular a responsabilidade sobre suas condições, retirando do âmbito da história coletiva as determinantes das condições sociais, econômicas, culturais, políticas de uma classe. Possibilita, portanto, o entendimento de que o enfrentamento às desigualdades deve acontecer no âmbito da iniciativa individual e solidária, e não enquanto política de Estado, reconhecedora de direitos. Por fim, esta perspectiva elimina a compreensão da questão social enquanto questão própria das relações capitalistas de produção.

Por outro lado, um olhar marxista sobre a questão social traz a seguinte definição:

O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social” – diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da “questão social”; esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do capital tornado potência social dominante. A “questão social” é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime a primeira conservando-se o segundo (Netto, 2004, p. 45).

Tem-se, então, o entendimento de que a exploração de certa classe social por outra é o motor da questão social. A relação de exploração e de escassez de bens e serviços da classe expropriada é produzida na sociedade burguesa pela propriedade privada do excedente socialmente produzido e pelas decisões acerca de sua destinação (idem, 2004).

Mudanças radicais, no sentido de atingir as raízes do problema, não são possíveis dentro do sistema capitalista.

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O desenvolvimento do capitalismo no pós-Segunda Guerra Mundial, bem como o Welfare State europeu deram espaço para o entendimento de que a questão social chegara a seu “fim”. Desse modo, quando cessou o movimento de expansão do capitalismo e as políticas neoliberais se estabeleceram, deu-se início à ideia de uma “nova questão social” (ibidem).

Netto (2004) afirma a inexistência de uma “nova questão social”, mas destaca a existência de mediações diversas. Indica que há uma “lei geral” de acumulação do capitalismo, mas que a análise da realidade deve contemplar as particularidades histórico-culturais e nacionais.

Iamamoto (2002) sintetiza essa “lei geral” e algumas mediações:

A questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada dos (sic) da própria atividade humana – o trabalho -, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. [...] A questão social expressa, portanto, desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização (Iamamoto, 2002, p. 20-21).

A observação das mediações que condicionam a questão social deve compor a postura, o olhar que empregamos para sua análise. Caso essas mediações não sejam apreendidas, incorre-se o risco de detalhar-se uma perspectiva a-histórica, que não compreende as transformações históricas e as mediações

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relativas à questão social, não remete à concreticidade da questão, impossibilitando assim a apreensão da realidade, pois se apresenta descolada desta, remetendo-se ao âmbito das análises exclusivamente teóricas.

Uma perspectiva a-histórica possivelmente faria referência ao “núcleo duro” do que constitui a questão social, o qual, a contradição capital/trabalho, determinante da apropriação pelo proprietário do valor do trabalho produzido pelo trabalhador, resulta em acúmulo para alguns e miséria para outros. Entretanto, não compreenderia as mediações que possibilitam entender como a questão social se expressa no contexto atual, tanto global como particular.

Atualmente, a questão social apresenta-se caracterizada pela criminalização da pobreza e focalização das políticas de enfrentamento às desigualdades; seu enfrentamento tem-se dado nas ações de repressão/focalização. A pobreza é apreendida como caso de polícia, se estabelecendo uma compreensão da classe trabalhadora como classe perigosa e não mais laboriosa. O Estado não apresenta uma sistemática política de enfrentamento das condições de pobreza da classe trabalhadora, sua resposta se dá por meio de políticas focalizadas ou do aparato coercitivo do Estado (Iamamoto, 2002). Programas como as diversas “Bolsas”, provenientes desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, devem ser objetos de uma perspectiva crítica e atenta por se movimentarem no espaço das políticas focalizadas.

São mediações da questão social no contexto atual: o capital financeiro especulativo, desfocado do âmbito da real produção; a flexibilização do trabalho, caracterizada por novas relações de gestão, diminuição dos postos de trabalho, terceirização, transformações no mundo e na demanda de trabalho, devido aos avanços tecnológicos; políticas de caráter neoliberal, entre outras (Iamamoto, 2002).

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Essas mediações podem ser sintetizadas como: as transformações do mundo do trabalho, e a “perda dos padrões de proteção social dos trabalhadores e dos setores mais vulnerabilizados” (Yasbek, 2004, p. 33).

É essencial não confundir ou mesmo igualar conceitos como pobreza, desigualdade social, exclusão social, problemas sociais à questão social. Estes primeiros seriam expressões da questão social. Podemos, por exemplo, pensar na desigualdade social, que faz referência à situação hierárquica que se estabelece entre diferentes classes sociais; já a questão social remete ao processo determinador dessa desigualdade.

O cotidiano de vulnerabilidades atendido pelo assistente social torna necessária a compreensão da questão social, já que essas vulnerabilidades são expressões da questão social. É devido ao próprio advento e ao processo histórico da questão social que surge o serviço social, que recursivamente toma a questão social como objeto de sua ação.

2 O SERVIÇO SOCIAL NA DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO: CONFIGURAÇÕES HISTÓRICAS2

As profundas transformações engendradas pelo capitalismo, mais especificamente da primeira metade do século XIX, estabelecem-se como um marco, uma ruptura nos modos de vida, no contexto social. Esta história teve início com o fim do feudalismo, mas é a Revolução Industrial que apresenta os determinantes essenciais para o impacto do capitalismo na história. De acordo com Martinelli (2007, p. 54), “o capitalismo gera o mundo da cisão, da ruptura, da exploração da maioria pela minoria, o mundo em que a luta de classes se transforma na luta pela vida, na luta pela superação da sociedade burguesa”.

A barbárie imposta pelo capitalismo provocou a reação dos trabalhadores, que se colocavam contra o domínio do capital e das máquinas. Essa revolta se inicia juntamente com o processo

2Este item foi elaborado tendo por base a obra Serviço social: identidade e alienação, de Maria Lúcia Martinelli.

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de acumulação primitiva, caracterizada pela ruptura entre o camponês e a terra, e pela criação de uma mão de obra livre.

A expansão do mercado exigia um grande contingente de mão de obra, de trabalhadores livres. Para tanto, era necessário revogar a legislação da época, que previa punições severas aos trabalhadores que a transgredissem. Essa legislação data dos séculos XV e XVI e determinava, de modo geral, a subordinação do servo ao senhor feudal, não podendo aquele circular livremente (Martinelli, 2007).

Desse modo, a classe burguesa passa a encampar a luta pela liberdade de trabalho, de comércio e mesmo religiosa da classe trabalhadora, colocando essa como a luta pela liberdade de todos. Observa-se, entretanto, que esta não passa de uma estratégia mercantilista, já que o crescimento do capital dependida de uma grande quantidade de mão de obra, inclusive de reserva. A bandeira de liberdade para todos escondia a profunda desigualdade social, dissimulando ainda “sua real intenção de promover a livre circulação do trabalhador, metamorfoseando-o em mercadoria” (Martinelli, 2007, p. 56).

Por interesse da burguesia, no início do século XIX, o Estado baixou o custo de gêneros alimentícios e outros que faziam parte da subsistência dos trabalhadores no sentido de baratear os salários, significando, por fim, uma redução de custos para a classe burguesa, bem como a garantia da existência do exército de reserva (Martinelli, 2007).

É importante observar nesse contexto o caráter contraditório das relações e “conquistas”. A liberdade que se apresenta como grande avanço para classe trabalhadora, e em grande medida o é, caracteriza-se também por ser uma liberdade retórica, na medida em que o trabalhador depende das condições do mercado para sobreviver, depende de outrem para garantir sua sobrevivência, não possuindo autonomamente as condições necessárias para tanto.

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É relevante perceber como o processo de ruptura deste trabalhador com a terra o privou do acesso às condições mínimas de sobrevivência. Verifica-se que a burguesia promoveu esta “conquista” transmutando-a em conquista do trabalhador, demarcando um processo ideológico3 que incessantemente percorre nossa realidade.

No século XVI, promulgou-se a Lei dos Pobres, que permaneceu ativa por muitos séculos. Ela determinava o confinamento em Casas de Correção dos que recebiam assistência do Estado. As Casas de Correção abrigavam homens e mulheres que recusavam alguma proposta de trabalho, seja ela qual fosse. Nas Casas de Correção, eles eram obrigados a realizar todo tipo de trabalho, sendo destituídos de sua cidadania econômica, e ficavam à disposição do Estado. A pobreza era aqui compreendida como um problema de ordem moral, de caráter. Ao trabalhador cabia sua inserção no mercado de trabalho ou a perda de sua cidadania econômica, o que o tornava coisa pública (Martinelli, 2007).

As lutas dos proletários se intensificavam, mas enfrentavam também grandes derrotas e barreiras, como o Estatuto dos Trabalhadores, de 1349, que não permitia reivindicações quanto ao salário e à organização do processo de trabalho. Os movimentos operários reclamavam a diminuição da jornada de trabalho, a regulamentação do trabalho, o atendimento às suas necessidades. Na França, em 1848, regulamentou-se a jornada de 12 horas. Em 1850, determinou-se na Inglaterra a jornada de 10 horas e a jornada do trabalho infantil, e, em 1870, a luta dos trabalhadores fez com que o Estado assumisse a educação básica (ibidem).

A expansão do capitalismo marcava o crescimento e aprofundamento dos problemas sociais, os centros urbanos apresentavam de maneira marcante um quadro de pobreza (ibidem).

3Processos ideológicos são caracterizados pela ocultação, pelo obscurecimento, de determinada realidade. Apresenta-se certo fato de uma maneira que não é possível facilmente verificar o que realmente o move, o que o define.

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Esse contexto representava problemas para a autopreservação do capitalismo; era necessário ocultar a exploração, a dominação, a generalização da miséria, promovidas por ele, para que este sistema se estabelecesse (ibidem).

Era crucial para o capitalismo manter sempre escondida, ou no mínimo dissimulada, essa massacrante realidade por ele produzida, evitando que suas próprias condições e antagonismos constituíssem fatores propulsivos da organização do proletariado e da estruturação de sua consciência de classe. De acordo com a moral burguesa, era preciso, ao contrário, generalizar a imagem do capitalismo como um regime irreversível, como uma ordem social justa e adequada, enfim, como um ponto terminal da história da humanidade. Manter intocada a sociedade burguesa e a ordem social por ela produzida era um verdadeiro imperativo para a burguesia. Para tanto, tornava-se indispensável recorrer a estratégias mais eficazes de controle social, capazes de conter o vigor das manifestações operárias e a acelerada disseminação da pobreza e do conjunto de problemas a ela associados (Martinelli, 2007, p. 61).

Observando as relações que historicamente compuseram o cenário da exploração e da produção das coisas, o escravo e o senhor, o plebeu e o nobre, o vassalo e o suserano, conclui-se que as práticas de assistência, que ratificavam a exploração, são condição de continuidade da servilidade (Martinelli, 2007).

Ainda, o processo de alheamento da realidade, a ruptura que se realiza entre esta e o homem, próprio da sociedade onde há a propriedade privada e/ou a alta divisão do trabalho, não permite a compreensão de que as construções sociais são

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realizadas pelo homem, de que a realidade é fruto da ação humana.

No seio da burguesia, a alienação consiste na ocultação do fato de que os processos por ela engendrados são prenhes de dominação, exploração, transgressões de direitos sociais. Para esta classe, representa um olhar de naturalização sobre a realidade, o alheamento dos processos históricos, o que justificaria a existência da pobreza e o constante avanço do capital.

Para a classe trabalhadora, o processo de alienação consiste numa relação objetiva/subjetiva. Trata-se da sua ruptura com as condições que lhe permitem a sobrevivência. Nesse sentido, configura-se mesmo como usurpação do seu acesso à terra, às tecnologias e aos instrumentos, e, fundamentalmente, ao fruto do seu trabalho. A própria vida do trabalhador já não o pertence, este não possui autonomia sobre ela, o seu tempo também pertence a outrem. Este processo, mediatizado por outros, provoca igualmente o processo de estranhamento do trabalhador diante a realidade, uma não compreensão de sua essencialidade histórica.

Separar o trabalhador dos meios de produção, levá-lo à alienação de sua própria força de trabalho, exercer um rigoroso controle sobre seus movimentos, seja no interior da fábrica, seja no contexto social mais amplo, eram, entre outros, os mecanismos usuais dos quais a burguesia se valia para consolidar o seu poder de classe e fortalecer a malha alienante que envolvia a sociedade por ela engendrada (Martinelli, 2007, p. 62).

Era interessante, portanto, a racionalização da assistência enquanto ferramenta auxiliar no processo de consolidação do capitalismo. Para tanto, a burguesia se aproximou da filantropia, mais especificamente da Escola Filantrópica, que possuía

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fundamentação idealizada. Ela colocava como norte de sua ação uma sociedade em que todos eram burgueses, mas não apreendia as contradições da realidade concreta, desse modo, não objetivava nenhuma alteração substancial na ordem social4 (Martinelli, 2007). A burguesia associou-se ao Estado e à Igreja para constituir a racionalização da assistência.

Na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, os “reformistas sociais”, grupos formados por pessoas da alta burguesia ligados à Igreja e com apoio das autoridades locais, se propunham a reformar a assistência inglesa. Os burgueses apoiavam essa iniciativa, compreendendo que ela poderia amenizar as ameaças à ordem burguesa diante da expansão da pobreza e a insatisfação da classe trabalhadora (ibidem).

As práticas filantrópicas eram marcadas pelos interesses da burguesia e se engendravam de acordo com as necessidades próprias da classe burguesa. O discurso de igualdade e harmonia entre as classes, de real interesse da burguesia pelas condições da classe trabalhadora, buscava a “sujeição do trabalhador às exigências da sociedade burguesa constituída (...), [a] desmobilização de suas reivindicações coletivas” (Martinelli, 2007, p. 65).

As décadas de 1850 e 1860 foram marcadas pela retração da economia capitalista, pela intensificação da pobreza, do desemprego, da fome e, ainda, pela retomada do poder sindical, por um novo avanço do movimento dos trabalhadores. Diante de tal contexto:

Burguesia, Igreja e Estado uniram-se em um compacto e reacionário bloco político, tentando coibir as manifestações dos trabalhadores eurocidentais, impedir suas práticas de classe e abafar sua expressão política e social. Na Inglaterra, o resultado material e concreto dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade em Londres,

4Os teóricos da época, em especial Adam Smith e Ricardo, distinguiam duas escolas teóricas de enfrentamento à questão social, a Escola Humanitária e a Escola Filantrópica. A Escola Humanitária compreendia o lado ruim dos modos de produção e recomendava uma amenização das relações de exploração, a Escola Filantrópica pautava o já colocado.

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em 1869, congregando os reformistas sociais que passavam agora a assumir formalmente, diante da sociedade burguesa constituída, a responsabilidade pela racionalização e pela normatização da prática da assistência. Surgiam, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais como agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a denominação de “Serviço social”, acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços (Martinelli, 2007, p. 66, grifos do autor).

O serviço social surge como profissão no seio da sociedade capitalista enquanto mecanismo de controle social e traz em seu bojo os elementos da “alienação, contradição, antagonismo”, próprios do contexto em que se desenvolveu. O serviço social estabeleceu uma identidade com o capitalismo industrial, já que nele se gestou. Procurou, então, se afirmar “como uma prática humanitária, sancionada pelo Estado e protegida pela Igreja, como uma mistificada ilusão de servir” (Martinelli, 2007, p. 66).

Dentre as outras ilusões criadas pelo capitalismo, o serviço social surge como mais uma ilusão que objetivava obscurecer as relações, as leis e os processos deste sistema de produção. Tem sua identidade atribuída pela repressão e pelo controle, mas cultuada como instrumento que servia à classe trabalhadora; a ilusão de servir era também a ilusão da classe trabalhadora de ser servida (Martinelli, 2007).

É importante ter bastante claro o processo de fetichização e alienação que perpassam as contradições que engendram a história. O surgimento da assistência pública, as relações de opressão, de acumulação, de desigualdade sofrem o obscurecimento proveniente dos diferentes interesses em jogo, da complexidade que as relações assumem, de suas próprias contradições. Assim, os sujeitos que compõem

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este cenário nem sempre têm clareza dos objetivos, das finalidades, dos resultados das práticas às quais se propõem.

A inserção do serviço social, em especial no capitalismo maduro, caracteriza certo papel para este no contexto da produção; papel que não se refere apenas à dimensão ideológica, mas também às possibilidades de produção e reprodução da classe trabalhadora. Os benefícios e serviços oferecidos à classe trabalhadora contribuem para sua subsistência. O assistente social faz parte, portanto, de um processo de trabalho criador de valor, pertencente ao processo de criação da mais-valia5.

O assistente social se insere no mercado como profissional que vende sua força de trabalho, portanto, trabalhador essencialmente assalariado. A condição de assalariamento faz com que o assistente social “precise” se articular a outras forças produtivas sob o domínio de certa classe. Esta se constitui em umas das principais determinantes da inserção do assistente social na divisão do trabalho, visto que as relações se desenvolvem a partir da posição que se ocupa no processo de produção (Guerra, 2007).6

O serviço social, portanto, surge dentro de uma racionalidade burguesa, quando o Estado assume a responsabilidade de dar respostas à questão social. Apresenta, desse modo, a função de integrar a classe trabalhadora à ordem vigente. Nesta lógica, a eficácia do serviço social é medida a partir das mudanças realizadas na vida de seus usuários e de sua capacidade de integrá-los à lógica do capital (Guerra, 2005).

(...) Há que se refletir sobre a contradição que a própria razão de ser do Serviço social porta, qual

5A mais-valia diz respeito ao processo essencial de exploração do trabalhador; neste, o trabalhador produz por meio de sua força de trabalho determinado valor, mas apenas uma parte é repassada a ele. Por exemplo, em dez dias, o trabalhador produz o valor suficiente para pagar seu salário, o restante dos dias em que trabalha por força do contrato estabelecido com o empregador irá produzir valor a ser apropriado pelo patrão. A compreensão da mais-valia demonstrou cientificamente o processo de exploração do trabalho.

6Este tema é aprofundado na Unidade II desta apostila.

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seja, o processo de interesses e demandas das classes sociais que se antagonizam no processo produtivo capitalista. Aqui, a contradição se localiza no fato de que o Serviço social, embora se constituindo em estratégia de enfrentamento do Estado no tratamento das questões sociais e instrumento de contenção das mobilizações populares dos segmentos explorados, tem sua gênese vinculada à produção desse mesmo segmento populacional. A mesma lei geral que produz a acumulação capitalista, para o que, necessariamente, tem que produzir e manter uma classe da qual possa extrair um excedente econômico, cria os mecanismos de manutenção material e ideológica dessa classe, dentre eles o serviço social (Guerra, 2007, p. 153).

Iamamoto (2004), demarcando o trabalho do assistente social como uma “especialização do trabalho coletivo”, analisa sua função no “processo de reprodução das relações sociais”, entendida como a reprodução material da vida, mas também como reprodução da consciência social, ou seja, reprodução das maneiras como se apreende as condições materiais da vida, o que cria e recria as relações de classe, suas correlações de poder e hegemonia.

A compreensão essencial que se deve ter é do caráter contraditório da profissão, que se insere na divisão social do trabalho a partir da existência da demanda por reproduzir as desigualdades sociais, as explorações entre as classes, mas que, historicamente, construiu um projeto ético-político que propõe o rompimento dessas relações. É essencial destacar que o caráter contraditório da profissão é o próprio caráter contraditório da realidade, o que indica que os serviços sociais possibilitam também certa ampliação de acessos e qualidade de vida, e se pautam no âmbito do direito da classe trabalhadora. A contraditoriedade da realidade possibilita caminhos para a busca de ampliação dos direitos, da participação política e das transformações sociais.

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• Há diversas compreensões sobre o conceito de questão social, o que exige precisão e uma definição.

• O conceito data do século XIX e faz referência à nova dinâmica da pobreza, então em constituição.

• Essa nova dinâmica compõe-se do crescimento das possibilidades de superação da pobreza, advindas do aumento da capacidade de produção da riqueza e dos contraditórios aumento e generalização da miséria.

• O que se apresenta no cerne dessa nova dinâmica é a contradição capital/trabalho.

• A compreensão da questão social deve ser historicizada.

• A perspectiva histórica faz referência à apreensão das diferentes mediações que compõe a questão social e ao seu contexto concreto e singular.

• A questão social está na essência do surgimento do serviço social.

• A questão social e suas expressões são o objeto do trabalho do assistente social.

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• O século XIX apresenta um marco na história: o capitalismo transforma profundamente o contexto social. A Revolução Industrial caracteriza este marco.

• A exploração de classes configura um contexto de barbárie.

• Trabalhadores se revoltam diante essa realidade.

• Caracterizam esse contexto: a ruptura da relação trabalhador/campo e a constituição da mão de obra “livre”.

• Lutas burguesas se apresentam como lutas pelo bem comum, disfarçando o caráter de lutas pelos seus interesses.

• As conquistas advindas desses processos são contraditórias e significam, em alguma medida, avanços para a classe trabalhadora.

• São elementos essenciais desse contexto: aumento da miséria; luta dos trabalhadores por dignidade; luta da burguesia pela consolidação do capitalismo.

• Apresenta-se como instrumento de consolidação do capitalismo: a fetichismo e a alienação.

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• A assistência pública se apresenta como mais um instrumento de controle social, uma mediação que atenua a desigualdade social.

• O serviço social surge nesse contexto como instrumento de controle social, cultuado pela a ilusão de servir o trabalhador.

• O serviço social se insere na divisão social do trabalho também como instrumento de produção e reprodução do valor na medida em que contribui para a sobrevivência do trabalhador.

• O serviço social possui um caráter contraditório, que possibilita uma atuação pautada na superação das desigualdades e explorações.

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3 CONCEITO DE TRABALHO E O TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA

O trabalho é aqui entendido como a ação pela qual o homem intervém na natureza, na realidade, em busca de sua sobrevivência, sendo a atividade diferencial do ser humano em relação aos outros animais. O homem é o único animal que produz sua vida, sua sobrevivência, especialmente nos níveis de complexidade hoje alcançados. Diante de um contexto natural adverso, o ser humano criou uma alta capacidade de intervenção na natureza, modificando-a e modificando a si próprio, e a sua realidade.1

O trabalho é a “fonte originária, primária, de realização do ser social, protoforma da atividade humana, fundamento ontológico básico da omnilateralidade humana” (Antunes, 2003, p. 167). Ao nos referirmos genericamente ao trabalho não estamos nos referindo ao trabalho na sociedade capitalista, baseado na exploração, alienação, assalariamento, trabalho que existe devido à necessidade de produção de valores de troca e não de uso2. A compreensão do que é o trabalho não deve se limitar ao trabalho assalariado, característico da sociedade do capital, como se esta fosse a única forma de trabalho possível (Antunes, 2003).

A capacidade teleológica do ser humano, isto é, a capacidade de prever, de planejar os objetivos de sua ação, caracteriza a sua ação. Tornou possível, por exemplo, desde o desenvolvimento das técnicas simples de criação de ferramentas até a nanotecnologia.

A capacidade humana de prever o trabalho em suas fases e de constituir um objetivo torna o homem um ser social, o emancipando do universo puramente biológico; extrapola o âmbito das respostas às necessidades naturais; permite ao homem criar uma autonomia sobre sua atividade, além de se reconhecer.

1O conceito aqui definido tem por referência o pensamento marxista.2Valor de troca se refere ao valor que determinado produto

tem em relação a outro, valor este definido pela quantidade de trabalho empreendido naquele, e pelo o que socialmente se convencionou; o valor de uso é imediato, alude à utilidade de determinado produto.

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A intervenção na natureza por meio do trabalho não modificou somente o universo material do homem. Essas mudanças na relação com a natureza possibilitaram, por exemplo, que o homem abandonasse sua condição de nômade, fixando-se, o que provocou mudanças nas relações sociais, culturais etc.

Tem-se, portanto, o trabalho como elemento central da vida humana, porque é intrínseco à sua sobrevivência, elemento determinante das transformações da sociedade. Toda a história humana se fez no processo de relação do homem com a natureza por meio do trabalho: o homem em sociedade construiu a “natureza” humana, sua cultura, seus modos de viver, de se relacionar, o que compreende, entre outras, as dimensões políticas, sociais, culturais, da sociedade.

É essencial entender a diferencia existente entre o trabalho genérico, atividade central da vida humana, e o trabalho assalariado, específico do modo de produção capitalista.

Antunes (2003), baseado em Mészáros, debate a submissão do trabalho ao capital na ordem hoje estabelecida. Submissão que se constituiu historicamente por meio de determinada divisão social, que não se apresenta como ontologicamente imutável.

Delimita ainda características próprias do trabalho enquanto atividade preservadora da vida individual e societária, autorreprodutora e produtora da vida. Estas características se referem à compreensão do homem como ser natural, que realiza suas necessidades por meio de sua relação com a natureza, e à constituição própria do ser humano, que não possibilita uma relação com a natureza sem mediações.

O trabalho, portanto, em seu sentido ontológico, possuiria algumas funções de mediações, caracterizadas como primárias

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(Antunes, 2003). Estas funções de mediação primária ou de primeira ordem seriam:

1. a necessária e mais ou menos espontânea regulação da atividade biológica reprodutiva em conjugação com os recursos existentes;

2. a regulação do processo de trabalho, pelo qual o necessário intercâmbio comunitário com a natureza possa produzir os bens requeridos, os instrumentos de trabalho, os empreendimentos produtivos e o conhecimento para a satisfação das necessidades humanas;

3. o estabelecimento de um sistema de trocas compatível com as necessidades requeridas, historicamente mutáveis e visando otimizar os recursos naturais e produtivos existentes;

4. a organização, coordenação e controle da multiplicidade de atividades, materiais e culturais, visando o atendimento de um sistema de reprodução social cada vez mais complexo;

5. a alocação racional dos recursos materiais e humanos disponíveis, lutando contra as formas de escassez, por meio da utilização econômica (no sentido de economizar) viável dos meios de produção, em sintonia com os níveis de produtividade e os limites socioeconômicos existentes;

6. a constituição e organização de regulamentos societais designados para a totalidade dos seres sociais, em conjunção com as demais determinações e funções de mediação primárias (Antunes, 2003, p. 20).

Essas mediações não exigem relações de hierarquia ou subordinação, como as mediações de segunda ordem, determinadas pelo capital (Antunes, 2003).

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O autor delimita algumas “regras gerais” que balizariam o desenvolvimento do trabalho genérico, da atividade humana de produzir e reproduzir a vida, o que não necessitaria de uma ordem em que houvesse exploração, conforme explicitado acima. Essas regras se refeririam a algumas demarcações, como as regulações no âmbito da reprodução humana, tendo por parâmetro os recursos existentes; e às disposições sobre o intercâmbio do trabalho comunitário com a natureza, no qual fosse possível suprir as necessidades.

As mediações da relação homem/natureza, advindas do capitalismo, são específicas de determinado período histórico, configurando uma estrutura societal na qual todas as relações, das familiares às de produção, estão subordinadas à expansão do capital (Antunes, 2003).

Nessa estrutura, as mediações são outras:

1. a separação e alienação entre o trabalhador e os meios de produção;

2. a imposição dessas condições objetivadas e alienadas sobre os trabalhadores, como um poder separado que exerce o mando sobre eles;

3. a personificação do capital como um valor egoísta – com sua subjetividade e pseudopersonalidade usurpadas – voltada para o atendimento dos imperativos expansionistas do capital;

4. a equivalente à personificação do trabalho, isto é, a personificação dos operários como trabalho, destinado a estabelecer uma relação de dependência com o capital historicamente dominante: essa personificação reduz a identidade do sujeito desse trabalho a suas funções produtivas fragmentárias (Antunes, 2003, p. 21-22).

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Essas mediações subsumem as primeiras, alterando-as segundo a lógica do lucro, nesta “as funções produtivas e de controle do processo de trabalho social são radicalmente separadas entre aqueles que produzem e aqueles que controlam” (Antunes, 2003, p. 22).

Já não se tratam de regras que genericamente abordam a produção e reprodução da vida, mas de regras que determinam a exploração da classe trabalhadora, a apropriação de sua força de trabalho e do produto deste trabalho, a alienação do trabalhador em relação à sua força de trabalho e ao produto desta, ou seja, a não propriedade de grande parte da sociedade sobre sua própria vida, os meios de produzi-la e reproduzi-la.

Essas diferenciações entre o trabalho como atividade humana genérica, e suas especificações no contexto capitalista são importantes para delimitar a compreensão do conceito de trabalho e férteis para as delimitações sobre o serviço social enquanto trabalho inserido em processos de trabalho.

Antunes (1995) retoma Marx para distinguir trabalho abstrato de trabalho concreto. O trabalho abstrato refere-se à produção de valores de troca, trabalho este que envolve atividades fisiológicas do ser humano, mas que se dá a partir do valor socialmente determinado. Trabalho concreto também envolve as atividades físicas ou intelectuais do homem, mas é o que produz valor de uso, é o trabalho útil e concreto.

Essas definições são importantes em um contexto onde alguns proclamam o fim do trabalho. O trabalho concreto, compreendido como atividade humana essencial, nunca deixará de ser parte constante da vida humana. O trabalho definido com abstrato, por ser característico de uma sociedade que tem por racionalidade a produção de mercadoria, de valor, pode ser superado em uma sociedade de trabalhadores associados, onde a racionalidade seria a satisfação das necessidades humanas.

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Mesmo se considerarmos somente o trabalho abstrato, é imprescindível termos o entendimento de que a sociedade capitalista baseia-se na exploração do trabalho, na apropriação do valor criado pelo trabalho do outro, no caso, a classe proprietária apropriando-se do valor produzido pelo trabalhador. Ainda que hoje vivamos um contexto de descarte de um enorme potencial de trabalho vivo, compreende-se que o trabalho abstrato é o elemento estruturante da sociedade de classes, o que demonstra a irrealidade de se proclamar o fim do trabalho.

4 TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL3

Iamamoto (2005) defende a necessidade de compreender-se a prática profissional do assistente social como trabalho, o que não implica somente uma nova maneira de abordar a questão, um novo vocabulário. A autora relata que na década de 1980, ao se abordar a prática do profissional, fazia-se referência às atividades do assistente social e a elementos constituintes dessa prática como elementos exteriores a ela, tais como a dinâmica institucional, os recursos da instituição etc.

A compreensão da prática profissional enquanto trabalho dá-se a partir do entendimento da centralidade do trabalho na vida humana, conforme especificado no item acima, tanto como trabalho concreto quanto como trabalho abstrato, no contexto atual.

Diante de certo descrédito em relação ao universo do trabalho, descréditoinclusive teórico, surgem questionamentos sobre cultivar este elemento como central no debate da prática profissional. Não devemos desconsiderar as alterações constantes no universo do trabalho: a diminuição do trabalho industrial e agrícola em contexto de financeirização do capital; a saturação do mercado de serviços; o aumento da população economicamente ativa, com a integração de mulheres, jovens e, inclusive, crianças no mercado; a fragilização das relações de trabalho, com perdas dos direitos, vínculos e mobilizações (Iamamoto, 2005).

3Este item foi elaborado tendo por base a obra O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional, de Marilda Vilella Iamamoto.

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A evolução da ciência e da tecnologia possibilitaram o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social, desempenhando papel importante na constituição da “inutilidade” de grande parte da força de trabalho social, tornando-a simples excedente no mercado (Iamamoto, 2005).

Entretanto, a maior parte da população ainda depende do trabalho, sendo este a condição de realização de sua vida. Essa maioria possui somente sua força de trabalho como propriedade; e não possuindo outros meios para produzir valor, depende dos meios e condições de trabalho e de sua inserção no mercado para transformar sua potência de trabalho em trabalho real (Iamamoto, 2005).

Essa classe vive o seguinte dilema: ser uma classe de trabalhadores livres, dependente do seu trabalho, mas que não encontra meios para realizá-lo. Depara-se contemporaneamente com essas condições, mas vive um contexto que não possibilita sua efetivação. Observa-se que a liberdade desse trabalhador é ilusória, pois ele é dependente do mercado, ficando à mercê de suas condições.

O importante a se destacar aqui é que a grande maioria da população é dependente de sua força de trabalho, ainda que não a utilize na troca por condições de vida.

O assistente social faz parte do contingente populacional que depende da relação de compra e venda de força de trabalho para realizar sua potência de trabalho, se caracterizando, portanto, como trabalhador assalariado. Dentro dessa compreensão é que se verifica a validade de tratarmos do trabalho do assistente social e sua inserção nos processos de trabalho, e não somente da prática do profissional. A prática está inserida no trabalho, e abordá-la de maneira isolada traz o entendimento de que o profissional possui autonomia suficiente “para acioná-la e direcioná-la conforme suas próprias e exclusivas exigências, o que se choca com a condição de assalariamento” (Iamamoto, 2005, p. 97).

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O profissional, ao vender sua força de trabalho, fica à disposição da entidade empregadora durante sua jornada de trabalho. Isso significa estar sob a imposição do determinado pelo empregador, dos objetivos, atividades, políticas etc. A atividade criadora do assistente social fica a ele subordinada, sendo neste espaço que se dá a possibilidade de autonomia do assistente social (Iamamoto, 2005).

A especialização do trabalho do assistente social o vincula à atuação junto aos indivíduos sociais, ocorrendo predominantemente no campo político-ideológico, sendo o profissional, historicamente, chamado a exercer funções de controle social. Entretanto, seu campo de atuação é permeado por tensões e conflitos de interesses e classes, característicos da própria organização capitalista, o que lhe dá a possibilidade de pautar sua ação no bojo de interesses distintos da classe dominante, tendo uma prática para a cidadania e a conquista de direitos sociais.

Abordar a atuação do assistente social inserida em processos de trabalho traz importantes questionamentos, conforme afirma Iamamoto (2005). Esses questionamentos fazem referência à matéria-prima do trabalho, aos instrumentos do trabalho que possibilitam a ação do sujeito, e ao produto deste trabalho. Desse modo, surgem os seguintes questionamentos: “Qual é o objeto de trabalho do serviço social? Como repensar as questões dos meios de trabalho do assistente social? Como pensar a própria atividade e/ou o trabalho do sujeito? E qual é o produto do trabalho do assistente social?” (Iamamoto, 2005, p. 62).

A questão social, compreendida como a contradição capital/trabalho, como a apropriação privada do trabalho produzido coletivamente, determinadora da desigualdade social e da pobreza, constitui-se como objeto do profissional de serviço social.

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Essa compreensão faz do entendimento da realidade social condição para o trabalho do assistente social e não algo acessório à sua ação (Iamamoto, 2005).

Dar conta das particularidades das múltiplas expressões da questão social na história da sociedade brasileira é explicar os processos sociais que a produzem e reproduzem e como são experimentadas pelos sujeitos sociais que as vivenciam em suas relações quotidianas. É nesse campo que se dá o trabalho do Assistente Social, devendo apreender como a questão social em múltiplas expressões é experienciada pelos sujeitos em suas vidas quotidianas (Iamamoto, 2005, p. 62).

A delimitação desse objeto revoluciona a prática profissional. É essencial compreender a diferencia entre uma prática que enfoca as atividades cotidianas a ser desenvolvidas pelo assistente social e uma que enfoca o entendimento da realidade particular vivida, buscando compreender as expressões singulares da questão social na sua demanda de trabalho e desenvolvendo suas ações a partir dessa compreensão. A primeira pauta-se em um burocratismo que não conhece seu fim; e a segunda, em ações que atendam criticamente a demanda de trabalho, objetivando o desenvolvimento da autonomia e da democracia, alinhadas, obviamente, com o projeto profissional da categoria.

Os meios de trabalho do assistente social não devem ser compreendidos como meras ferramentas de trabalho, seus instrumentais, visitas, relatórios, questionários etc. Um dos principais meios do trabalho profissional é o conhecimento adquirido, sua fundamentação teórico-metodológica que possibilita da apreensão da realidade (Iamamoto, 2005). Conclui-se que se o objeto do serviço social é a questão social, um dos principais meios de trabalho é o referencial teórico do profissional, que dá as condições para a intervenção neste objeto, meio que permite a abordagem do objeto profissional. Assim, os

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“conhecimentos e habilidades adquiridos pelo assistente social ao longo do seu processo formativo são parte do acervo de seus meios de trabalho” (Iamamoto, 2005, p. 63).

O profissional de serviço social, apesar de ter sua profissão regulamentada como profissão liberal, não possui independência nas suas condições de trabalho. O assistente social possui certa autonomia em relação ao trabalho que realiza, mas, em essência, tem sua inserção no mercado historicamente marcada pelo assalariamento. Não se apresenta como os profissionais do direito ou da odontologia, por exemplo, que desenvolvem suas atividades de maneira independente.

O assistente social não vende seu serviço, mas sua força de trabalho (Iamamoto, 2005).

As condições de trabalho do serviço social estão relacionadas a uma instituição, seja ela uma empresa, ONG, organização governamental ou outras. Os programas, projetos, serviços, benefícios a ser desenvolvidos pelo profissional demandam recursos materiais, financeiros, humanos etc., o que envolve uma estrutura organizacional. Verifica-se, deste modo, que a instituição não é mera condicionante do trabalho do assistente social, pois se trata do elemento que organiza o trabalho do serviço social (Iamamoto, 2005).

Portanto, a força de trabalho do assistente social somente se realiza quando é adquirida. É na relação de compra e venda que se efetiva o trabalho do assistente social, caracterizando este profissional como essencialmente assalariado.

O assalariamento intrínseco do profissional caracteriza de maneira específica o serviço social, bem como as demais profissões assalariadas. Determina um vínculo que configura sua prática, justificando, assim, as preocupações sobre as competências e os objetivos profissionais, tais como a confusão entre objetivos institucionais e profissionais. Deve-se observar a relação de

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poder estabelecida nesse âmbito; quais são as possibilidades de autonomia do profissional enquanto trabalhador que necessita da venda de sua força de trabalho para sobreviver?

A compreensão de suas competências deve estar articulada a habilidades de intervenção estratégica que possibilite a consecução de seu trabalho referenciado no projeto ético-político profissional, mesmo que os objetivos institucionais não estejam alinhados a este. Não se desconsidera aqui a complexidade de tal tarefa, mas esta não pode simplesmente ser relegada da possibilidade de caracterizar o trabalho profissional como elemento conservador da realidade.

O trabalho é um conjunto de acumulações históricas, teóricas, técnicas, de valores, constituído pelos sujeitos sociais.

Ao se pensar no trabalho e no produto do trabalho do assistente social, é importante retomar que a necessidade social do serviço social em um contexto capitalista se dá na medida em que os serviços sociais dão condições para a reprodução da força trabalhadora, visto que estes serviços dão maiores condições materiais e sociais de sobrevivência a essa classe, responsável pela criação de valores (Iamamoto, 2005). A classe trabalhadora tem sua força de trabalho e o produto desse trabalho apropriados pela classe proprietária, configurando-se a mais-valia; apenas parte do valor produzido é repassado à classe trabalhadora, o restante torna-se valor da classe proprietária.

Dessa maneira, o serviço social se apresenta enquanto serviço que contribui no processo de produção do valor e da mais-valia.

Guerra (2007) afirma que o próprio trabalho do assistente social é um trabalho produtivo. O assistente social vende sua força de trabalho a organizações sociais públicas ou privadas, dependente que é da relação de compra e venda de sua força de trabalho. Esse trabalhador torna-se parte do investimento

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do capital na produção de valor, o trabalho do assistente social se transforma em mercadoria via prestação de serviço, e neste processo torna-se parte do trabalho coletivo que cria valor.

Cabe retomar que o assistente social tem importante papel também na esfera da ideologia, compõe a gama de profissionais que atua no processo de produção de consensos, visto a impossibilidade de uma sociedade baseada somente em processos coercitivos; é garantidor de uma hegemonia social (Iamamoto, 2005). A produção de consensos não se refere somente à esfera da integração à lógica vigente, pode, numa perspectiva crítica, ser propulsora de questionamentos e proposições mais justas e democráticas.

Então, o Serviço Social é um trabalho especializado, expresso sob a forma de serviços, que tem produtos: interfere na reprodução material da força de trabalho e no processo de reprodução sociopolítica ou ídeo-política dos indivíduos sociais. O assistente social é, neste sentido, um intelectual que contribui, junto com inúmeros outros protagonistas, na criação de consensos na sociedade (Iamamoto, 2005, p. 69).

O trabalho profissional do assistente social tem função profícua no âmbito do desenvolvimento capitalista, e, caso esta premissa não fosse verdadeira, este possivelmente não existiria na divisão social do trabalho nesta sociedade. Essa compreensão não estagna a prática profissional, ao se considerar a aliança com um projeto societário igualitário, ao contrário, deve possibilitar subsídios teórico-políticos para consubstanciar a prática profissional. Salienta-se aqui a dinâmica contraditória da realidade social e as diferentes correlações de forças, a qual possibilita caminhos para colocar em pauta o projeto ético-político do serviço social nas contradições da sociedade capitalista.

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Na maior parte dos casos, a relação entre o capital e a força de trabalho do assistente social é mediada pelo Estado. Esta mediação “fetichiza” a representação da inserção do assistente social na divisão social do trabalho, apresentando-a como demanda do Estado e não do capital. Nesse sentido, há uma dificuldade na sua compreensão enquanto classe trabalhadora e sua inserção direta no confronto capital-trabalho (Guerra, 2007).

Iamamoto (2005) considera por outro ângulo a atuação do profissional em processos de trabalho públicos ou privados, vislumbra aqui o diferencial dos serviços prestados. Para a autora, a atuação de um profissional em uma empresa difere largamente de sua inserção na esfera estatal. Na esfera privada, há produção de valor e mais-valia, o que não ocorre no âmbito das políticas públicas, por mais que estas possam também contribuir para a reprodução da classe trabalhadora. Para a análise e fundamentação de sua prática, o profissional precisa, portanto, compreender os processos de trabalho dos quais participa.

A universalidade no acesso nos programas e projetos sociais abertos a todos os cidadãos só é possível no âmbito do Estado. Este, ainda que seja um Estado de classe, dispõe de uma dimensão pública que expressa a luta pelos interesses da coletividade. Projetos levados a efeito por organizações privadas apresentam uma característica básica que os diferencia: não se movem pelo interesse público e sim pelo interesse privado de certos grupos e segmentos sociais, reforçando a seletividade no atendimento, segundo critérios estabelecidos pelos mantenedores e não fruto de uma negociação coletiva. A decisão quanto ao acesso ou não aos serviços, ao passar da esfera pública para a esfera privada, deixa de ser um direito resguardado por lei e passível de ser defendido na justiça. Portanto, ainda que o trabalho concreto do assistente social

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seja idêntico – no seu conteúdo útil e formas de processamento, o sentido e resultados sociais desses trabalhos são inteiramente distintos, visto que presididos por lógicas diferentes: a do direito privado e do direito público, alterando-se, pois, o significado social do trabalho técnico-profissional e o seu nível de abrangência (Iamamoto, 2002, p. 35).

Têm-se, desse modo, elementos para a reflexão da defesa do Estado enquanto instituição, que tem por dever a garantia de políticas públicas de atendimento à população, além de mais subsídios que fomentem o debate sobre o caráter contraditório do trabalho do assistente social e a busca por ações profissionais que indiquem a consecução do projeto ético-político.

5 MERCADO DE TRABALHO: TRANSFORMAÇÕES CONJUNTURAIS E A INSERÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL

As mudanças nos padrões de produção no pós-guerra, marcada pela organização taylorista/fordista e grande expansão do mercado produtivo e de consumo, bem como a política keneysiana de incentivo à economia e às políticas públicas que buscavam garantir condições para que a classe trabalhadora consumisse, resultaram na expansão do mercado de trabalho e na profissionalização do serviço social (Iamamoto, 2005).

A posterior desregularização do mercado, as novas formas de produção, globalizadas e flexíveis, trouxeram novos contornos ao mercado de trabalho, atingindo também o assistente social. Além da flexibilização nos tipos de contratos, dos direitos trabalhistas etc., há exigência de um profissional polivalente, que por uma mesma remuneração acaba exercendo mais de uma função, diferente de suas atribuições específicas (Iamamoto, 2005).

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O profissional de serviço social depara-se, portanto, com alterações em suas relações de trabalho, sua inserção e permanência no mercado, e nos recursos disponibilizados para sua atuação, já que esse contexto impacta sobre o mercado, sobre as relações assalariadas, instituições públicas e privadas (Iamamoto, 2002). Depara-se ainda com o agravamento da questão social, em que se apresentam novas ou transmutadas demandas.

Nas empresas, é possível observar o crescimento do trabalho do serviço social na área de recursos humanos, gerência de pessoas etc. No âmbito das novas formas de produção, não cabe somente o controle mecânico do trabalhador, mas também que este incorpore os objetivos da empresa, “vista a camisa”; demandando ações que “apelem” a esse controle espiritual sob o argumento da qualidade, sendo, por vezes, destinado ao serviço social este papel. Sob esta argumentação do trabalhador ser um “colaborador” da empresa, convivem a desregulação dos contratos de trabalho, a diminuição do número de empregos etc. (Iamamoto, 2005).

Diante da retração do desenvolvimento capitalista pós-guerra, no movimento de recessão, apresenta-se um Estado enxuto como solução – as políticas neoliberais –, mas cabe perguntar: “Enxugamento do Estado para quem?” (Iamamoto, 2005, p. 34). Trata-se de uma reação ao keynesianismo, à regulação do mercado pelo Estado a favor do livre comércio. Trata-se de criar condições para o desenvolvimento da economia sem balancear os aspectos sociais, o que acabou gerando o crescimento da desigualdade e do desemprego.

A política de apoio à economia envolvendo socorros a bancos, por exemplo, retira os subsídios das políticas sociais, removendo do âmbito do Estado a grande responsabilidade pelos direitos sociais. As políticas se tornam fragmentárias, residuais, focalizadas.

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As políticas sociais em um Estado burguês, e dependente como o nosso, se caracterizam pela fragmentação, focalização, pelo assistencialismo, pela autonomização, pelo formalismo, sem apresentar conteúdo político-econômico substancial, não pretendendo romper com a lógica da desigualdade. O serviço social se insere a partir da mediação de instituições públicas ou privadas, sendo condicionado pelo tratamento desse Estado burguês à questão social.

O serviço social tem nas políticas sociais a base de sustentação da sua profissionalidade, já que a intervenção do Estado nas questões sociais institui um espaço sócio-ocupacional na divisão social e técnica do trabalho, bem como um mercado de trabalho para o assistente social (Netto, 1992 apud Guerra, 2005, p. 06).

A categoria profissional tem pautado respostas progressistas a esta retração do Estado. O projeto hegemônico defendido no âmbito da profissão, fruto obviamente de tensionamentos e disputas, indica uma perspectiva universalista e democrática (Iamamoto, 2002).

Aposta no avanço da democracia, fundado nos princípios da participação e do controle popular, da universalização dos direitos, garantindo a gratuidade no acesso aos serviços, a integralidade das ações voltadas à defesa da cidadania de todos na perspectiva da equidade (Iamamoto, 2002, p. 29).

Esse projeto defende a primazia do Estado na consecução de políticas sociais, garantindo-se apenas por meio deste a possibilidade de universalização dessas políticas. Pauta ainda a participação democrática e alteração na gestão da coisa pública, garantindo espaços representativos e participativos.

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A retirada de parte do investimento do Estado no atendimento às demandas sociais resulta em alterações significativas no mercado de trabalho do assistente social, já que este é seu maior empregador. Provoca ainda uma refilantropização social. Trata-se de uma incorporação dessa demanda por empresas, que enfatizam a qualidade dos serviços, mas o realizam a partir de seus critérios e opções, negando o caráter universalista preconizado na Constituição de 1988, e que deve ser garantido pelo Estado (Iamamoto, 2005).

Além das empresas que pautam ações sob o escopo da responsabilidade social, temos também a inserção do trabalhador nas instituições do terceiro setor. Estas se apresentam constituídas não pelo Estado (primeiro setor) nem pelo empresariado (segundo setor). “É considerado como não governamental, não lucrativo e voltado ao desenvolvimento social, daria origem a uma ‘esfera pública não estatal’, constituída por ‘organizações da sociedade civil de interesse público’” (Iamamoto, 2002, p. 34).

As organizações do terceiro setor devem ser objetos de um olhar atento, visto que sob esta égide estão inclusas diversas entidades civis sob diversos registros jurídicos e referentes a vários espectros políticos.

Iamamoto (2005) explica que as alterações no mercado, nas relações de trabalho e nas exigências ao profissional de serviço social devem ser observadas com qualificação e competência crítica, para que não se percam espaços de trabalho e se possa ainda vislumbrar alternativas de trabalho. O profissional que considerar certas mudanças desprofissionalização ou desvio de funções incorre nestes riscos.

É certo, porém, que se trata de reforçar o espírito inventivo e crítico, no sentido de não enveredar-se por áreas que não são de competências do serviço social.

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Buscou-se aqui determinar que as transformações decorrentes principalmente dos processos de mudança econômica e no universo da política estatal transformaram o contexto de inserção do assistente social. Verificaram-se mudanças no setor privado, nas políticas públicas e no terceiro setor.

Estes três setores interagem e, recursivamente, determinam mudanças no atendimento às vulnerabilidades. Nessa conjuntura, apresentam-se mudanças para o profissional de serviço social, compreendidas de maneira geral em retrocessos no âmbito dos direitos sociais e nas contradições entre um projeto ético-político progressista e um ambiente de trabalho de caráter profundamente liberal.

Síntese da Unidade II

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Trabalho:

• atividade central do homem;

• o que possibilita a sobrevivência humana;

• realiza-se por mediações (conhecimento, técnicas, relações sociais etc.);

• constituição do homem o diferencia dos outros animais (capacidade de prever, construir objetivos e processos – teleologia);

• modifica a natureza, homem transforma a realidade e a si próprio.

Trabalho na sociedade capitalista:

• o trabalho é explorado;

• divisão da sociedade em classes: proprietárias e não proprietárias;

• apropriação da força de trabalho e do produto deste por outrem;

• os trabalhadores não possuem os meios para garantir a produção e reprodução de suas vidas;

• o trabalho tem por fim o desenvolvimento do capital e não as necessidades humanas;

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Serviço social:

• entendido como trabalho e não somente prática;

• trabalho assalariado;

• definição do objeto, dos meios e produtos do trabalho do serviço social;

• objeto: questão social e as expressões vivenciadas no cotidiano dos usuários;

• meios: conhecimentos e habilidades adquiridos pelo profissional;

• produto: serviços sociais que contribuem para o processo de produção e reprodução dos trabalhadores e, consequentemente, de valor e mais-valia;

• papel no âmbito da ideologia: produção de consensos;

• papel no âmbito da produção: produção de valor, mais-valia;

• contexto histórico caracterizado pelas contradições permite colocar em pauta o projeto ético-político da categoria, redefinindo seu papel na divisão social do trabalho.

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al • Mudanças econômicas: capitalismo financeiro; reorganização do trabalho.

• Mudanças políticas: ideal neoliberal; apoio às políticas econômicas em detrimento das garantias sociais.

• Contexto de alto desemprego; fragilização dos vínculos trabalhistas; perda de direitos sociais; retrocessos nas políticas sociais.

• Políticas sociais: focalistas, fragmentárias, residuais, não apresentam uma política substancial de enfrentamento das expressões da questão social.

• O Estado, o setor privado e o terceiro setor apresentam modificação no trato das vulnerabilidades.

• Esses representam invariavelmente o contexto de inserção do profissional. Cabe, portanto, o desafio de pautar o projeto ético-político num contexto marcadamente neoliberal.