Teorias Da Educação

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BASES TEÓRICAS DA EDUCAÇÃO 1 Adriana J. F. Chaves 2 Unesp – Universidade Estadual Paulista Resumo Ao se tratar das bases teóricas da educação busca-se explicar são os aspectos filosóficos e científicos da educação como prática social que atua na configuração da existência humana individual e social e que busca realizar nos homens as características de humanização. Os grandes filósofos da educação dizem que o homem somente se humaniza pela educação. A proposta deste texto é trazer a discussão pedagógica que possibilite aos professores compreenderem os elementos primeiros de uma reflexão sobre a educação, isto é: porque se educa (valores)? O que é a educação (especificidades)? Relações da educação (interfaces); Para quem se educa (teorias e tendências)? Estas são as primeiras reflexões, porque não é possível adentrar na complexidade da epistemologia e metodologia educacionais sem percorrer esta primeira parte do caminho: valores, especificidades, interfaces, teorias e tendências da educação. Introdução O campo da educação é vasto: ocorre em todos os lugares – na família, no trabalho, na rua, na fábrica, nos meios de comunicação, na política, etc. Mas é preciso distinguir diferentes manifestações e modalidades de práticas educativas, tais como a educação informal, não- formal e formal. A educação informal é a que se desenvolve por meio das relações entre os indivíduos e grupos na sociedade (ambiente social, ecológico, físico, cultural, etc) e é marcada por pouca intencionalidade, estruturação e institucionalização. A educação não-formal e educação formal compreendem instâncias de educação escolares ou não, onde há objetivos explícitos de formação e uma ação intencional, estruturada e deliberada (LIBÂNEO, 1993). Exemplo: educação formal – escolas, os sistemas de ensino, as modalidades de educação, etc; educação não-formal – igreja, clubes, etc. 1 Neste texto não se fará a análise de todos os elementos que constituem as bases teóricas, apenas aspectos gerais citados. 2 Professora aposentada da UNESP. Docente voluntária dos Departamentos de Psicologia e Educação. UNESP, campus de Bauru. Doutora em Filosofia da Educação pela PUC – São Paulo. E-mail: [email protected].

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BASES TEÓRICAS DA EDUCAÇÃO1

Adriana J. F. Chaves2

Unesp – Universidade Estadual Paulista

Resumo

Ao se tratar das bases teóricas da educação busca-se explicar são os aspectos filosóficos

e científicos da educação como prática social que atua na configuração da existência humana

individual e social e que busca realizar nos homens as características de humanização. Os

grandes filósofos da educação dizem que o homem somente se humaniza pela educação. A

proposta deste texto é trazer a discussão pedagógica que possibilite aos professores

compreenderem os elementos primeiros de uma reflexão sobre a educação, isto é: porque se

educa (valores)? O que é a educação (especificidades)? Relações da educação (interfaces);

Para quem se educa (teorias e tendências)? Estas são as primeiras reflexões, porque não é

possível adentrar na complexidade da epistemologia e metodologia educacionais sem

percorrer esta primeira parte do caminho: valores, especificidades, interfaces, teorias e

tendências da educação.

Introdução

O campo da educação é vasto: ocorre em todos os lugares – na família, no trabalho, na

rua, na fábrica, nos meios de comunicação, na política, etc. Mas é preciso distinguir diferentes

manifestações e modalidades de práticas educativas, tais como a educação informal, não-

formal e formal.

A educação informal é a que se desenvolve por meio das relações entre os indivíduos e

grupos na sociedade (ambiente social, ecológico, físico, cultural, etc) e é marcada por pouca

intencionalidade, estruturação e institucionalização.

A educação não-formal e educação formal compreendem instâncias de educação

escolares ou não, onde há objetivos explícitos de formação e uma ação intencional,

estruturada e deliberada (LIBÂNEO, 1993). Exemplo: educação formal – escolas, os sistemas

de ensino, as modalidades de educação, etc; educação não-formal – igreja, clubes, etc. 1 Neste texto não se fará a análise de todos os elementos que constituem as bases teóricas, apenas aspectos gerais citados. 2 Professora aposentada da UNESP. Docente voluntária dos Departamentos de Psicologia e Educação. UNESP, campus de Bauru. Doutora em Filosofia da Educação pela PUC – São Paulo. E-mail: [email protected].

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Para avançar na compreensão do fenômeno educação, é preciso penetrar no seu

conceito, na sua prática, investigar os fatores que contribuem para a construção do seu

arcabouço teórico e científico.

1 Valores da educação

A questão dos valores é uma das questões mais complexas da Filosofia, mas é ao mesmo

tempo, uma questão trivial, pois a experiência da valoração está presente a todo o momento na

experiência do cotidiano humano.

É a partir do conhecimento da realidade humana que se pode entender o problema dos

valores, parte da Filosofia denominada Axiologia, ou “teoria dos valores” (ABBAGNANO,

1982, p. 96). Não é possível refletir sobre a educação sem tratar dos valores e sem realçar o

papel do educador. Educar é “humanizar o homem”. É evidente que o educador deve ser um

profundo conhecedor do homem e, por conseqüência, dos valores que fundamentam a

personalidade humanizada.

Esta reflexão remete a algumas ponderações: a primeira é que os valores só têm

significado se a referência for o homem. Esta afirmação leva a outra, mais complexa: o que é

o homem?

A referência da valoração é o homem, porque só o homem pode ser educado. Observe-

se, por exemplo, um determinado homem:

• apresenta-se com um corpo, existindo num meio, que se define pelas coordenadas de espaço

e tempo;

• este meio determina e condiciona o homem todas suas manifestações;

• verifica-se daí o caráter de dependência do homem em relação à natureza (tudo o que existe

e que não depende do homem, por exemplo: espaço físico, clima, vegetação, fauna, solo, etc)

e em relação à cultura (tudo que é resultado da práxis e da experiência humanas; tudo que é

imposto ao homem, exemplo: língua, época histórica, família, costumes, crenças, sociedades,

instituições, economia, governo, etc).

Como se vê, o homem ao nascer é um ser situado. A “situação”, a condição humana é

limite e ao mesmo tempo possibilidade da existência humana. A vida humana só se sustenta e

se desenvolve a partir de um contexto determinado. É por isso que o homem é levado a

valorizar os elementos do meio-ambiente que o cerca: água, terra, fauna, flora (domínio da

natureza) e instituições, ciências, técnicas, sociedade (domínio da cultura) e a valorizar a si

próprio (domínio do psiquismo). O homem valoriza tudo que o cerca, isto é, não é indiferente

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às coisas que são necessárias para sua sobrevivência. Não ser indiferente a um objeto é

valorizar tal objeto.

Valor, portanto, é uma relação de não indiferença, entre o homem e os elementos com

que se defronta, durante sua existência. A situação do homem, durante as várias

circunstâncias de sua vida, abre um campo imenso de valores:

• Valores prático-utilitários: nascem das necessidades básicas que devem ser satisfeitas e esse

fato leva o homem a valorizá- las;

• Valor liberdade: o homem é condicionado, mas não é passivo, reage, aceita, rejeita, muda,

transforma, revoluciona, intervém na “situação”. A cultura, como já foi visto, é a ação do

homem modificando o que recebeu dos antepassados; a ciência e a tecnologia são ações do

homem intervindo na natureza, na sociedade. O homem é então capaz de superar os

condicionamentos, a situação, as circunstâncias, as determinações que a natureza e a

sociedade impõem. Superar, mudar, romper, não aceitar, rejeitar é ser livre. A liberdade

humana é sempre situada, porque é pessoal e intransferível, impõe-se aos outros a partir do

respeito à outra pessoa (que também é livre), que como eu, é um sujeito capaz de tomar

posições, avaliar, fazer opções e neste sentido é sempre sujeito e não objeto. Sob este aspecto,

SAVIANI (1980, p. 41) analisa:

O caráter pessoal e intransferível da liberdade, não significa, entretanto, que não seja possível à relação horizontal de homem a homem; ao contrário. O fato de reconhecer o valor do outro, a sua liberdade, indica que o homem é capaz de transcender a sua situação e as opções pessoais para se colocar no ponto de vista do outro, para agir em comum com ele, para ver as coisas objetivamente.

Ver “objetivamente” significa aceitar a verdade. Aqui se abre um amplo campo para os

valores, pois a verdade transcende a subjetividade humana e torna-se fonte de comunicação e

entendimento entre os homens. Assim, as relações verticais de dominação que o homem tem

para com as coisas, podem tornar-se relações horizontais de amizade e colaboração. Percebe-

se neste momento que somente os valores prático-utilitários não satisfazem o homem – ele

precisa de outro campo de valoração e de valores: os estéticos, éticos, afetivos, emocionais,

espirituais, transcendentais.

• Valor verdade: é o valor que permite ao homem ver as coisas com objetividade, isto é,

definir a verdade das coisas. A verdade transcende às pessoas, tornando-se, como já foi

explicado acima, fonte de conhecimento e entendimento entre os homens. A verdade é a

essência e não a aparência das coisas, portanto, é um valor científico, mas também é um valor

ético e moral.

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• Valor solidariedade: colaboração do homem atuando favoravelmente sobre a situação dos

outros homens.

• Valor comunicação: compreende a subjetividade humana na busca de sintonizar com os

outros, não só pela linguagem, mas através dos códigos e instrumentos de comunicação.

• Valores estéticos: apreciação das coisas e das pessoas pelo que elas são em si mesmas, sem

outro objetivo senão o relacionamento humano, a admiração, a beleza, o amor, etc.

Foi dito no início desse texto que não é possível falar em educação, sem referir-se a

valoração e valores, porque do ponto de vista da educação, educar o homem significa

humanizá- lo, isto é, tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua

situação para intervir nela, transformando-a no sentido de ampliação da liberdade,

comunicação e colaboração entre os homens. Isto quer dizer, em outras palavras, promover o

homem. Esta é uma tarefa que deve ser realizada e que permite perceber a função da

valoração e dos valores na vida humana. A este respeito, SAVIANI (1980, p. 41) traz a

seguinte reflexão:

Os valores indicam as expectativas, as aspirações que caracterizam o homem em seu esforço de transcender a si mesmo e à sua situação histórica; como tal, marcam aquilo que deve ser em contraposição àquilo que é. A valoração é o próprio esforço do homem em transformar o que é, naquilo que deve ser.

Assim, o trabalho da Educação, os objetivos do processo educativo são estabelecer os

valores que dão significado às aspirações, desejos, esperanças e vontade de progredir do

homem, porque os valores colocam a pessoa face aos objetivos da educação. Mediante os

valores, a pessoa:

• estabelece as prioridades das ações que deverão ser implementadas para mudar as situações

concretas de sua existência;

• estabelece a hierarquia dos valores: o que é mais importante para sua existência nesta ou

naquela situação: que valores seriam definidos em primeiro lugar – os econômicos, utilitários

ou os intelectuais (verdade, liberdade, comunicação, solidariedade)?

• define os objetivos da educação analisando o que ainda não foi alcançado, mas deve ser

alcançado (metas), a partir das prioridades dos valores.

Assim, se a educação visa à humanização e à promoção humanas, são as necessidades

humanas que vão determinar os objetivos da educação e os objetivos se fundamentam nos

valores. Do ponto de vista da educação, a relação “objetivos-valores” é definida por Saviani

(1980, p. 43) e aplicada aos valores da educação do homem brasileiro: educação para a

subsistência, educação para a libertação, educação para a comunicação e educação para a

transformação.

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2 Especificidade da educação3

A educação é um fenômeno próprio dos seres humanos. Só o homem pode ser educado.

Portanto, para compreender a natureza da educação é preciso compreender a natureza

humana. Ao contrário dos outros animais que se adaptam à realidade e garantem naturalmente

a própria existência, o homem precisa construir continuamente a sua própria existência. Para

realizar esse intento, o homem não se adapta à natureza como os outros animais, mas busca

adaptar a natureza a si, transformando-a. Esse processo humano de adaptar a natureza à sua

natureza humana chama-se trabalho. Portanto, o que diferencia o homem dos outros animais é

o trabalho.

O trabalho surge no momento em que o homem, olhando a natureza, antecipa

mentalmente (planeja) as mudanças (ações) que a natureza precisa sofrer para se adaptar às

necessidades humanas. Por isso o trabalho é uma ação intencional; o homem o realiza com

finalidades adequadas ao tipo de mudança que quer realizar na natureza. A vida humana

necessita extrair da natureza de forma ativa e intencional, os meios para a sobrevivência. Ao

fazer isso, o homem humaniza o mundo e este ato de humanizar a realidade chama-se cultura.

Portanto, a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos. É um fenômeno

cultural e é ao mesmo tempo exigência para o processo de trabalho, como é ela própria, um

processo de trabalho. Assim, o processo de trabalho (processo de produção da existência

humana) é em primeiro lugar, a garantia da subsistência material do homem que, em

proporções cada vez maiores e complexas, responde pela produção dos bens materiais e pode-

se denominar de trabalho material; para produzir materialmente, o homem pensa, planeja, isto

é, antecipa em idéias os objetivos das ações, as configurações dos objetos, as representações

do conhecimento e das propriedades do mundo real (ciência), de valorização (ética) e de

símbolos , formas, cor, sons, etc (arte). Este tipo de produção: idéias, conceitos, valores,

símbolos, hábitos, atitudes, habilidades, etc, pode ser denominada trabalho não-material e é a

produção do saber, seja sobre a natureza, sociedade, cultura, seja sobre o próprio homem

(ciências humanas).

A educação se situa na categoria de trabalho não-material e nesta categoria é preciso

distinguir duas modalidades de atividades:

3 Extraído de Saviani, 2005, p. 11-22. Grifos meus.

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a) Atividades (práticas) em que o produto se separa do produtor. Exemplo: um livro, um

objeto artístico, etc. Há, pois, um espaço de tempo entre a produção e o consumo do objeto,

estabelecendo autonomia entre o produto e o ato de produzir.

b) Atividades em que o produto não se separa do ato de produção; não ocorre intervalo entre o

ato de produção do objeto e o consumo do mesmo: ambos ocorrem simultaneamente, se

imbricam de tal forma que se torna impossível separá- los.

A educação se situa nesta segunda modalidade do trabalho não-material. Pode-se dizer

que a especificidade da educação se esclarece a partir daí, por exemplo: a educação não se

reduz ao ensino, mas o ensino é educação. A aula, por exemplo, supõe concomitantemente a

presença do professor e do aluno; o ato de dar aula (produção) é inseparável de seu consumo

pelo aluno. Portanto, o ensino é um trabalho não-material pertencente, como já vimos, ao

mundo das idéias, dos conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades, etc. Estes

elementos constituem o objeto das ciências humanas ou ciências do espírito em oposição às

ciências da natureza. Assim, na perspectiva da Pedagogia (ciência da educação) estes

elementos são necessários à educação do homem, tendo em vista constituir nele uma segunda

natureza, porque o que não é garantido pela natureza física tem que ser produzido

historicamente pelos homens. Portanto, a natureza humana não é dada ao homem, mas é por

ele produzida sobre a base bio-psíquico-social, por isso, conseqüentemente, o trabalho

educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a

humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.

Assim, o objeto da educação refere-se, de um lado, à identificação dos elementos

culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que possam

se tornar humanos, e de outro lado, a busca e a descoberta dos modos mais adequados para

atingir esse objetivo.

O primeiro aspecto do objeto da educação (identificação dos elementos culturais que

precisam ser assimilados), refere-se aos conteúdos do trabalho pedagógico: neles, é preciso

distinguir o que é essencial e acessório, o principal e o secundário, o fundamental e o

acidental...

Cabe, aqui, a reflexão sobre conteúdo clássico, que não se confunde com o tradicional e

também não se opõe, necessariamente, ao moderno e muito menos ao atual.

O clássico é universal, porque se firmou como fundamental, como essencial em todas as

épocas. É a base e a essência do saber historicamente acumulado por todas as gerações e é

essencial ser assimilado em todos os tempos.

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Quanto ao segundo aspecto do objeto da educação - descoberta das formas adequadas

de desenvolvimento do trabalho pedagógico, trata-se da organização dos meios (conteúdos,

espaços, tempo e procedimentos), mediante os quais progressivamente cada indivíduo

singular realiza na forma de segunda natureza, a humanidade produzida historicamente. A

institucionalização desses dois aspectos da educação se dá pela escola, que se apresenta

historicamente numa situação privilegiada, a partir da qual podemos detectar a dimensão

pedagógica no interior da prática social de qualquer sociedade.

O aparecimento da escola deriva dos processos educativos mais gerais e naturais e vai

se transformando lentamente ao longo da história humana, até se tornar à forma dominante de

educação sistemática. Isto ocorreu na etapa histórica em que as relações sociais prevaleceram

sobre as relações naturais e estabeleceu-se a primazia da cultura (mundo produzido pelo

homem) sobre o mundo primitivo de primazia da natureza. As conseqüências dessa passagem

natureza-cultura apresenta-se historicamente sobre vários aspectos:

a) O saber metódico, sistemático, científico, elaborado passa a predominar sobre o saber

espontâneo, natural e assistemático.

b) Surge a escola para responder, determinar a especificidade da prática educativa e do saber

científico.

c) O surgimento e o desenvolvimento do capitalismo, cujas contradições vão precipitando de

forma cada vez mais intensa a necessidade da escola. O saber escolar torna-se cada vez mais

necessário para a superação das contradições da nova sociedade capitalista.

d) A escola torna-se uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber

sistematizado produzido historicamente pela humanidade.

e) O saber sistematizado não é qualquer tipo de saber: é o saber elaborado, não espontâneo

nem fragmentado; é a cultura erudita e não a popular (senso comum).

É por isso que a escola está ligada inseparavelmente à questão da ciência. A ciência é o

saber metódico sistemático. Aqui é bom voltar um pouco às origens do pensamento grego

(clássico): os gregos usavam três palavras para se referirem ao conhecimento:

• Doxa: significa opinião, senso comum, conhecimento espontâneo, ligado à experiência

cotidiana, misto de verdade e de erro.

• Sofia: significa sabedoria fundada na experiência da vida (filosofia).

• Episteme: significa ciência, conhecimento metódico, sistemático.

A escola existe para propiciar a aquisição de instrumentos que possibilitem o acesso às

bases naturais, sociais e humanas do saber: daí, a razão da escola se organizar em função da

transmissão, reprodução e elaboração do conhecimento, do ensino e da aprendizagem.

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A sistematização do saber escolar é o currículo e o conteúdo do saber escolar é a

cultura, transmitida ou produzida pela escola, que é uma cultura erudita, letrada.

Para a maioria dos estudiosos das funções sociais da escola, ela deve ter por objetivos

ensinar a aprender:

• Ler e escrever.

• Linguagem dos números: as matemáticas.

• Linguagem da natureza: ciências físicas, químicas e biológicas.

• Linguagem da sociedade: ciências humanas e sociais.

Os grandes atores da escola: professor-aluno são responsáveis, o professor pela ação

docente, que é a arte de ensinar, isto é, transformar o conhecimento humano em saber escolar

e o aluno, por sua vez, representa a geração receptora da cultura que passada de geração em

geração dá perenidade à função social da escola. O conhecimento humano (cultura) se

desdobra em três grandes vertentes: a arte, a ciência, a tecnologia, sendo que esta última é o

domínio dos saberes práticos que nascem da práxis humana. Mediante essas três vertentes do

conhecimento, o homem apreende o mundo expressando de várias maneiras as visões

decorrentes desta apreensão, pelos diferentes tipos de saber (de conhecimento):

• conhecimento sensível, intuitivo, afetivo;

• conhecimento intelectual, lógico, racional;

• conhecimento artístico, estético;

• conhecimento axiológico, ético, moral;

• conhecimento teórico, prático, tecnológico, técnico;

• conhecimento metafísico, religioso, teológico.

Estes vários tipos do conhecimento humano podem ser compreendidos em duas grandes

vertentes: o conhecimento científico e o conhecimento filosófico.

Do ponto de vista da educação em geral, esses saberes não interessam por si mesmos ao

homem; interessam somente enquanto elementos que os indivíduos da espécie humana

necessitam assimilar para se tornarem humanos, já se teve oportunidade de dizer no início

dessa reflexão que o homem não se faz humano naturalmente: ele não nasce sabendo ser

humano, isto é, sabendo sentir, pensar, agir, avaliar. Para se tornar humano o homem precisa

aprender, ser educado, humanizar-se e é este o grande objetivo da educação.

Concluindo, pode-se dizer que o saber que interessa diretamente à educação é aquele

que emerge do resultado do processo da aprendizagem, como resultado do trabalho educativo.

Como trabalho não-material, a educação tem que tomar como matéria prima de sua atividade

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(prática pedagógica), o saber objetivo produzido historicamente pela humanidade, porque na

origem do homem, o desenvolvimento do processo educativo sempre coincidiu com o próprio

ato de viver, que foi se diferenciando historicamente até tomar a forma institucionalizada

daquilo que hoje se chama escola.

3 Interfaces da ciência da educação

A ciência da educação é a Pedagogia. A educação, portanto é o objeto de estudo da

Pedagogia. “A Pedagogia é o campo do conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da

educação” (LIBÂNEO, 1993, p. 1)

A educação é uma prática social que se dirige à vida humana em sua totalidade. Neste

sentido todas as ciências e disciplinas ligadas diretamente ao homem, relacionam-se com a

Pedagogia e entre estas existem algumas que estabelecem com a Pedagogia maiores relações

do que outras.

Durante muito tempo discutiu-se a respeito de quais ciências são as mais importantes

para a educação. Alguns estudiosos, como Herbart, diziam ser a Psicologia e a Ética; Natorp,

a Filosofia; Weber pensava na Estética; Bergman indicava a Biologia. Essa discussão hoje é

desnecessária, porque primeiro é preciso considerar que realidade educativa se estuda, para a

partir daí buscar o auxílio dessas ciências.

As constituições físicas, psíquicas e sociais do homem fornecem a chave para definir

quais ciências auxiliarão a Pedagogia.

Neste sentido aparecem em primeiro lugar as Ciências Biológicas: Biologia, Fisiologia,

Medicina, Higiene, etc: a área das Ciências da Saúde. Em segundo lugar as Ciências

Humanas: Psicologia, Antropologia, Psiquiatria, etc; A Filosofia aparece no campo das

Ciências Humanas, como disciplina fundamental, porque não se educa o homem sem uma

Filosofia da Educação; as disciplinas sociais: Sociologia, História, Geografia, Economia,

Direito, etc, são básicas e estabelecem estreitas relações com a Pedagogia. Todas essas

ciências se relacionam intimamente com a Pedagogia, sendo algumas delas fundamentais:

Filosofia, Psicologia, Sociologia e Biologia. Portanto, a Pedagogia não é a única área

científica que tem a educação, o homem como objeto de estudo. Pelas suas interfaces, a

Psicologia, a Sociologia, a Lingüística, a Economia e outras ciências se ocupam dos

problemas da educação.

O fato de a educação ser analisada sob vários enfoques tem levado alguns teóricos a

postularem a existência das Ciências da Educação, que substituiriam a Pedagogia (LIBÂNEO,

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1993). No entanto, cada uma das ciências que fazem interface com a Pedagogia estudam o

fenômeno educativo sob a perspectiva de seus próprios conceitos e métodos de investigação e

a Pedagogia estuda tal fenômeno em sua especificidade e globalidade. Portanto, é um campo

de estudo com identidade própria: genericamente, esse campo é a própria ação educativa onde

quer que ela se dê. Especificamente, seu campo compreende os elementos da ação educativa e

sua contextualização, tais como: o aluno, enquanto sujeito do processo de socialização e

aprendizagem; os agentes de formação (professor e a escola); as situações concretas em que

se dão os processos educativos (ensino); o saber escolar como objeto de transmissão-

assimilação; o contexto institucional da escola e da sala de aula. Resumindo: o real objeto de

estudo da Pedagogia se configura na relação entre os elementos da prática educativa: o sujeito

que se educa (genericamente, o homem, especificamente o aluno); o educador

(genericamente), o professor (especificamente); o saber (currículo) e o contexto onde ocorre o

saber.

Como se pode observar, nenhuma das demais ciências tratam especialmente dessas

especificidades. Quando psicólogos, sociólogos, economistas, etc, investigam ou atuam no

campo educacional, o fazem a partir dos conceitos e métodos de suas respectivas ciências e os

resultados obtidos são produções dos campos específicos de suas ciências, tais estudos

favorecem a Pedagogia (Educação), mas somente à Pedagogia compete integrar os enfoques

parciais dessas diversas ciências, em função de uma aproximação global e intencionalmente

dirigida aos problemas educativos. Isto não quer dizer que a Pedagogia seja hierarquicamente

superior as demais ciências.

É preciso acentuar ainda que a educação é um fenômeno plurifacetado, há muitas

práticas educativas, em muitos lugares, sob várias modalidades. É comum se ouvir dizer:

pedagogia familiar, sindical, dos meios de comunicação, popular, etc. Isto porque a prática

educativa é um fato da vida social, inerente ao conjunto dos processos sociais. Não é possível

falar de sociedade sem prática educativa.

4 Tendências e teorias da educação

Após a análise de diversos aspectos do estudo da educação: valores, especificidades e

interfaces da ciência da Educação, apresentam-se as grandes linhas ou concepções

fundamentais que orientam a prática educativa, na perspectiva da Filosofia da Educação (não

há prática educativa sem uma Filosofia de Educação).

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Em primeiro lugar, para compor o quadro sistemático das várias concepções de

Filosofia de Educação é preciso conceituar o que se entende por Filosofia da Educação. Esta

conceituação apresenta-se, num primeiro sentido, muito complexa, visto que por detrás das

expressões “Filosofia” e “Educação”, surgem inúmeras interpretações, conforme o sentido

que várias correntes de pensamento dão a esses termos. SAVIANI (1980, p. 26-30), fazendo

esta análise, refere-se a dois sentidos que a expressão “Filosofia da Educação” pode ter: o

primeiro, Filosofia da Educação como processo e o segundo, a Filosofia da Educação como

produto.

Como processo, a Filosofia de Educação é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto

sobre os problemas que a realidade educacional apresenta. Como produto, a Filosofia da

Educação aproxima-se mais do conceito de “ideologia”, conceituada como “orientação

ampla” de uma visão social de mundo articulada com interesses de determinados grupos

sociais, classes, sociedades, etc; tal visão busca imprimir determinado rumo ao processo

educativo. Os dois sentidos estão intimamente relacionados e não podem ser pensados

isoladamente: por exemplo, se a Educação for pública, oferecida pelo Estado, traz o caráter

liberal ou autoritário ou democrático, visão do grupo que governa o Estado; se a Educação for

particular, privada, traz em si as características e orientações ideológicas do grupo que a

patrocina.

Como processo, a Filosofia da Educação terá por função acompanhar reflexiva e

criticamente a atividade educacional de modo a explicitar os seus fundamentos, esclarecer a

tarefa e a contribuição das diversas disciplinas pedagógicas e avaliar o significado das

soluções escolhidas de forma radical, rigorosa e de conjunto. Como produto (ideologia),

embora parcial, fragmentária e superável, a Filosofia da Educação se apresenta como

concepções as mais variadas, buscando imprimir uma direção ao processo educativo, dentro

do movimento histórico de um Estado, instituição ou organização em geral.

A partir deste segundo sentido pode-se afirmar que existem várias e diferentes

concepções de Filosofia da Educação. Para efeito deste estudo, baseando-se em Saviani

(1980, p. 15-29), a classificação segue o critério histórico e a identificação segue os critérios

estabelecidos pela maioria dos filósofos da Educação: análise dos princípios filosóficos que

orientam a concepção; as teorias de Educação que embasam tal concepção; a prática

pedagógica (métodos de ensino e teorias da aprendizagem); e as conseqüências para o sujeito

da educação e para a sociedade. As quatro concepções principais, historicamente reconhecidas

pelos estudiosos da Filosofia da Educação são indicadas a seguir e detalhadas no Apêndice:

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Humanista Tradicional; Humanista Moderna; Concepção Analítica (concepções não críticas);

e Concepção Dialética (denominada crítica).

Referências

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LIBÂNEO, J. C. O ato pedagógico em questão: o que é preciso saber. Inter-Ação, n. 17, p.

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SAVIANI, D. Escola e democracia. 33. ed. Campinas: Autores Associados, 2001.

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APÊNDICE

CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS NÃO CRÍTICAS

1 Concepção “humanista” tradicional

Filosofia da Educação

1 A educação é sempre determinada por um sistema filosófico geral.

2 Visão de Homem: é essencialista: isto é, o Homem tem uma essênc ia imutável; a Educação

deve moldar o Homem à sua essência humana.

3 Valores: eternos e perenes.

4 As mudanças que ocorrem durante a vida humana e na sociedade, são acidentais; nada

acontece se não for por vontade de uma força superior.

Esta visão tem duas vertentes:

a) Religiosa: tem suas raízes na Igreja da I.M. nas correntes; tomismo: Santo Tomás

d’Aquino, neo-tomismo: J. Maritain, domina até hoje no Ocidente, principalmente nos

Colégios Católicos.

b) Leiga: a visão de homem é centrada na “idéia de natureza humana”. Foi elaborada no

século das Luzes (Séc. XVIII) por pensadores modernos (produto da ascensão e consolidação

da Burguesia: nascimento do capitalismo e surgimento dos Estados modernos).

5 Inspirou a construção dos sistemas públicos de ensino: laico, obrigatório e gratuito,

principalmente na França e Inglaterra. Ex.: Intelectualismo de Herbart, orientou as escolas

leigas confessionais, e ainda existem nas redes oficiais de ensino desde meados do Séc. XIX e

tem vestígios profundos até hoje.

6 Primazia do adulto em detrimento à criança.

7 No ensino: importante é o professor.

8 Teoria educacional apriorística, metafísica, idealista- impermeável às inovações.

9 Prioriza: conteúdos, inteligência, valores morais, disciplina, modelos educacionais,

formação do caráter.

10 Sistemas filosóficos que sustentam esta concepção, idealismo, racionalismo, positivismo.

Teoria da Educação

1 Relação Educação-Sociedade: A sociedade será melhor se os indivíduos forem educados. É

possível a harmonia e a interação social à medida que os homens superarem os conflitos;

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2 Os problemas da marginalidade (exclusão social) violência, pobreza são distorções

acidentais.

3 A Educação tem um papel salvador; instrumento das correções e distorções sociais.

4 A Educação é autônoma em relação à sociedade.

5 A Escola: grande instrumento para redimir os homens, depois da Religião e da Igreja.

6 Papel da Escola: difundir a instrução, transmitir conhecimento acumulado pela humanidade

e sistematizado logicamente pela Ciência.

7 Escola é uma agênc ia centrada no professor, o qual transmite através de uma gradação

lógica (currículo) o acervo cultural da Humanidade aos alunos; a estes, cabe assimilar os

conhecimentos.

8 O papel social da Escola: tirar o aluno (homem) da ignorância da miséria moral, da opressão

e convertê-lo em trabalhador (classes populares) proprietário e patrão (burguesia e ou classe

dominante).

9 Professor: transmissor do conhecimento, segundo a gradação lógica do currículo.

10 Aluno: receptor, assimilador dos conhecimentos transmitidos pelo professor. Estão

organizados em classes, sob disciplina rígida em função da recepção do Conteúdo.

11 Ensino: aula expositiva: exposição, exercícios, aplicação, avaliação (prova).

12 Método: lógico formal ou experimental.

13 Estratégias metodológicas: baseadas na ação do professor.

Prática Pedagógica

1 Centrada no professor.

2 Prática de Ensino:

• Teoria separada da prática (primeiro a teoria, depois a aplicação (prática)).

• Passos da Prática de Ensino:

1º passo: ponto de partida: preparação da aula pelo professor; exposição aos alunos.

2º passo: Exposição dos conhecimentos (o ponto).

3º passo: Assimilação pelo aluno dos conhecimentos transmitidos pelo professor, associando-

os aos conhecimentos anteriores.

4º passo: Generalização do conhecimento: relação com conhecimentos já adquiridos.

5º passo: Aplicação do conhecimento: experimentação, treino, exercício, experiência.

6º passo: Avaliação: retorno do conhecimento para o professor que atribui um valor à

assimilação do aluno.

3 O aluno não participa do processo de ensino.

4 A aprendizagem é individual.

15

5 A construção, elaboração e transmissão do conhecimento é do domínio do professor.

6 A disciplina é rígida e necessária.

7 Não há relações inter-pessoais professor-aluno.

Conseqüências pedagógicas

1 Não é possível compreender o processo educativo sem compreender as condições das

estruturas sociais que o produz.

2 É preciso fazer crítica do que existe, articular novas alternativas, sem desprezar os

elementos válidos de uma concepção de Educação, buscando compreendê-la para poder

superá- la.

3 É preciso a crítica para poder pela análise da concepção “humanista” tradicional, desnudar o

trabalho pedagógico da ideologia e perceber o amálgama do ecletismo e sincretismo

pedagógicos, bem como do senso comum que se infiltra nas relações sociais culturais quando

se refere à Educação.

4 As práticas docentes no mundo ocidental contemporâneo ainda não superaram a visão

tradicional de homem e de mundo: embora não seja uma visão hegemônica, alimenta uma

prática: imitativa, reiterativa, bancária (como dizia Paulo Freire), burocrática, etc. Na sua

versão leiga, inspira-se no liberalismo burguês do século XVIII, época em que a burguesia

revê sua visão de mundo frente à monarquia e o feudalismo e cria o capitalismo.

A nova ordem pensada pela burguesia exigia educação e escola diferentes daquela proposta

pela vertente religiosa; esta sobrevive até nossos dias e é alimentada e mantida pela visão das

Igrejas e escolas confessionais. No Brasil-Colônia teve sua expressão máxima no ensino

jesuítico. A vertente leiga teve sua expressão máxima na Colônia, no ensino implantado por

Pombal.

Avaliação crítica

Esta concepção, tanto na versão leiga, quanto na religiosa, orienta:

1 uma visão liberal de Educação (capitalista);

2 produz um ideal abstrato de humanidade, de sociedade, de cultura, de educação,

desvinculado da realidade concreta, e neste sentido se ajusta aos interesses da classe

dominante de uma sociedade;

3 funda-se no moralismo, liberalismo, intelectualismo e sob o disfarce de respeito à liberdade

individual, neutralidade, “não interferência” e aprimoramento cultural sustentam uma

concepção de mundo conservadora que corresponde aos interesses das elites (classe

dominante).

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É preciso destacar, no entanto, que a concepção humanista tradicional, seja na vertente leiga,

seja na religiosa, não tem todos os vícios e/ou todas as virtudes. Tem aspectos positivos - que

é preciso compreendê- los para incluirmos quando do processo de superação e aspectos

negativos - que exigem crítica radical e superação.

2 Concepção “humanista” moderna

Filosofia da Educação

1 Abrange várias correntes de pensamento: Pragmatismo; Vitalismo; Historicismo;

Existencialismo; Fenomenologia.

2 Visão de homem centrada na existência, na vida, na atividade.

3 A existência não é mera atualização das potencialidades contidas a priori e definitivamente

na essência: ao contrário, a existência precede à essência.

4 A natureza humana é mutável, determinada pela existência.

5 Na visão moderna de Filosofia de Educação, o homem nasce completo, mas inacabado, é a

educação que o prepara para a vida, e vida é atividade, Por isso é a criança e não o adulto o

centro da Educação e por isso a Educação tem dois sentidos: primeiro (mais amplo) processo

continuado, com esquemas pré-definidos, seguindo ordem lógica, considerando que a

Educação segue o ritmo vital, variado, determinado pelas diferenças individuais; há idas e

vindas: é o predomínio do psicológico sobre o lógico (infância, adolescência, juventude,

maturidade, velhice...). O segundo sentido é mais restrito e se reduz à existência...há

momentos passageiros, instantâneos, fugazes e gratuitos na vida que devem ser aproveitados.

Acontecem independentes dos indivíduos. Tudo o que se pode fazer é esperar acontecer...

Teoria da Educação

1 Educação e sociedade: a educação historicamente sempre foi um campo de luta em busca da

hegemonia das classes sociais.

2 A escola era de domínio da Igreja e da nobreza na Idade Média e no Feudalismo.

3 A revolução burguesa nos meios de produção (capitalismo) no meio cultural (iluminismo)

fez a educação bandeira da burguesia nos séculos XVIII e XIX.

4 O movimento de reforma chamou-se “Escolanovismo”: crítica à Escola Tradicional;

implantar, mediante pequenas experiências, a bio-psicolização da sociedade, família e escola;

respeito às diferenças individuais; inclusão dos excepcionais. As pessoas são diferentes e

únicas.

5 Há diferenças nas formas de conhecimento: graus de inteligência.

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A educação se torna fator de equalização e é um instrumento das distorções da sociedade.

A escola tem função de ajustar e adaptar o indivíduo à sociedade, ensinando-o a aceitar as

diferenças físicas, biológicas, sociais, de ter e de poder; a educação sai do eixo intelecto-

lógico para o eixo sentimento:

• do lógico para o psicológico;

• dos conteúdos cognitivos para os processos de ensino: aprender a aprender. O professor não

é mais o que ensina, mais o que aprende junto com os alunos;

• não precisa do esforço, mas do interesse, não precisa de disciplina, mas de espontaneidade,

não precisa de direção, mas de auto-gestão; não precisa de quantidade, mas de qualidade. É

uma Pedagogia Experimental, baseada no improviso.

A expansão do Escolanovismo foi acompanhada da decadência do ensino público.

Prática Pedagógica

Ensino:

1º Passo: o ponto de partida é o interesse e a atividade do aluno;

2º Passo: problema como obstáculo que precisa ser removido pelo aluno;

3º Passo: coleta de dados sobre problema levantado e identificado;

4. º Passo: escolha das hipóteses definidas para a explicação dos problemas;

5º Passo: experimentação: conhecimento conseguido pelo interesse do aluno e comprovado

pelo professor e aluno.

Estratégias: pesquisa, dinâmica de grupo, laboratório, experimentação.

Professor: facilitador, acompanha o processo de aprender do aluno.

Aprendizagem individual ou coletiva.

Conteúdo : ocasional, depende do interesse do aluno.

Avaliação: pelo produto da experimentação.

Conseqüências pedagógicas

• É preciso compreender as razões históricas dos ataques da Escola Nova à Escola

Tradicional: a mudança da pedagogia antes igualitária e depois diferenciada; ênfase na

qualidade de ensino e depois do refluxo político quando ela se estendeu para toda a sociedade;

a Escola Nova aprimorou a escola das elites e forçou a baixa qualidade do ensino público,

dedicado às classes populares.

• A Escola Nova se expandiu por toda a Europa: Inglaterra, França, Itália, Suíça, Alemanha

nos séculos XIX e XX. Seus grandes representantes incluem: Claparéde, Piaget e Decroly, na

Europa; nos Estados Unidos e Canadá, Dewey e Kilpatrick. No Brasil Lourenço Filho, Anísio

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Teixeira, Fernando de Azevedo. No Brasil ela representou um grande entusiasmo pela

Educação de 1930 a 1960.

Avaliação crítica

1 Escola Nova foi um movimento educacional, responsável por um grande entusiasmo pela

Educação, de 1930 a 1960.

2 Pensava-se mudar a sociedade pela Educação.

3 São válidas as suas críticas à Escola Tradicional:

• ao intelectualismo;

• percepção da mediação da ciência;

• a necessidade da pesquisa científica;

• novas estratégias de ensino.

4 A Escola Nova surgiu como um mecanismo de reposição da hegemonia burguesa:

secundariza os conteúdos, desvaloriza o professor. Coloca a criança e não o adulto no centro

da ação pedagógica. Organiza uma escola popular que não ensina

3 Concepção analítica

Filosofia da Educação

1 Não pressupõe explicitamente uma visão de homem, de sociedade e nem um “sistema

filosófico geral”.

2 A tarefa da Filosofia da Educação é a análise lógica da linguagem educacional.

3 A linguagem educacional: é comum; não é científica, é sujeita a uma série de equívocos, por

isso é preciso submetê- la à análise lógica; é o contexto lingüístico que define o significativo

da palavra, não o contexto histórico nem o sócio-econômico-político.

4 Base de todo sistema neoliberal.

Teoria da Educação

Princípios:

1 Neutralidade científica inspirada na racionalidade, eficiência e produtividade: a pedagogia

das competências.

2 A racionalidade das fábricas passou para as escolas.

3 Pedagogia Tecnicista:

• planejar a Educação;

• dotá-la de racionalidade;

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• minimizar as interferências subjetivas que ponham em risco a eficiência;

• mecanizar os objetivos, a aprendizagem, os procedimentos pedagógicos.

• dar enfoque: sistêmico, micro-ensino, tele-ensino, instrução programada, máquinas de

ensinar;

• parcelamento do trabalho pedagógico;

• especialização de funções;

• introdução no ensino da figura do técnico;

• ensino planejado: plano de ensino, técnicas, testes;

• organização racional dos meios;

• aluno e professor em posição secundária, executores dos planos de ensino;

• coordenação e controle a cargo dos especialistas que corrigem deficiências do professor e

do aluno no processo ensino-aprendizagem

A educação é um sub-sistema dentro da sociedade capitalista: por isso seu bom

funcionamento é essencial para o equilíbrio do sistema.

Prática pedagógica

1 Não há método de prática de ensino específico.

2 Volta-se ao ensino tradicional ou ao escolanovista, no entanto exige-se objetividade,

racionalidade, neutralidade, produtividade, eficiência, resultados, impessoalidade.

3 Burocracia: práticas reiterativas-planos, medidas, controles.

4 Professor compromissado com a organização e não com o aluno.

5 Aluno comprometido com o produto final e não com a aprendizagem, atitudes, formação de

caráter.

Conseqüências pedagógicas

1 Tal concepção expressa o desencanto da burguesia com a sociedade de classes após a 2ª

Guerra Mundial.

2 Abandona o pólo trabalho e valoriza o pólo capital a ponto de colocar a máquina como

modelo do homem.

3 Usa a ciência e a tecnologia como armas.

4 É um movimento aparentemente autônomo, gerado nos gabinetes oficiais com marcas de

neutralidade e cientificidade.

5 Não traz prática pedagógica específica, mas no Brasil foi o que sustentou a Pedagogia da

Ditadura de 1964 a 1984 e foi responsável pelas leis de reforma do ensino de 1º e 2º graus, de

1971, e do ensino universitário, de 1968.

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Avaliação crítica

1 A maior vulnerabilidade desta concepção é a forma de ver a realidade social e humana.

• A realidade é atomizada;

• não tem unidade;

• só o saber científico é válido, os demais são negados ou desvalorizados.

2 Das Ciências Humanas a mais aceita pelos analistas é a Psicologia, na sua vertente

behaviorista.

3 É preciso organizar a escola de fora para dentro, porque os educadores são confusos devido

a Filosofia e não dominam a Ciência.

4 Não existe Ciência da Educação.

CONCEPÇÃO FILOSÓFICA CRÍTICA

Concepção dialética (histórico-crítica)

Filosofia da Educação

1 A concepção dialética da educação baseia-se no conceito de homem-concreto, isto é,

homem como “síntese de múltiplas determinações”, homem como conjunto das relações

sociais.

2 A tarefa da Filosofia é explicitar os problemas e valores da educação.

3 Os problemas educacionais só podem ser entendidos dentro do contexto histórico onde são

inseridos.

4 Como a concepção humanista moderna, admite que a realidade é dinâmica e não admite

nenhum princípio metafísico que governa o homem. O mundo, o homem, a natureza e a

sociedade seguem leis objetivas e podem e devem ser conhecidas e dominadas pelo homem,

pelo trabalho. Não nega a essência, nem a natureza, mas defende um dinamismo recíproco

entre ambas, no qual o todo com as partes que o constituem formam uma totalidade, que ao

mesmo tempo se contrapõe às partes entre si e as une num movimento aparentemente caótico

(síncrese) na busca da aná lise e da síntese. Assim, por exemplo, determinada sociedade,

mercê de suas próprias contradições, engendra sua própria negação evoluindo no sentido de

uma nova sociedade.

5 A educação, neste contexto, terá de se colocar a serviço da nova sociedade, que nasce no

seio da velha sociedade, até então dominante.

21

Teoria da Educação

1 Sabe-se que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos. Assim, a compreensão

da natureza da educação passa pela compreensão da natureza humana. Ora, o que diferencia

os homens dos animais é a Educação e o trabalho: o homem produz intencionalmente a sua

própria subsistência, e ao fazer isso transforma a natureza, faz cultura (educação) e educa-se.

2 A educação é uma exigência para o processo de trabalho.

3 A educação forma no homem uma segunda natureza; portanto, o que não é garantido pela

natureza tem de ser produzido historicamente pelos homens. Pode-se dizer que a natureza

humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre a base da natureza bio-física-

psíquica. Conseqüentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e

intencionalmente em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida historicamente e

coletivamente pelo conjunto dos homens; assim, o objeto da educação diz respeito, de um

lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da

espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitante, à

descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo.

4 A escola existe para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao

saber elaborado (ciência) bem como o acesso aos rudimentos do saber escolar. A escola é

organizada em sistema de ensino, currículo, disciplinas, programas, avaliação, diplomas, para

garantir a todos os direito à cidadania culta.

Prática Pedagógica

O método proposto para a prática pedagógica mantém:

• a vinculação contínua entre educação e sociedade;

• professor e aluno são considerados agentes sociais;

• passos do processo educativo (ou processo de ensino-aprendizagem):

1º Passo: o ponto de partida é a prática social (comum ao professor e ao aluno). Professor e

aluno se posicionam diferentemente enquanto agentes sociais diferenciados. Do ponto de vista

pedagógico há diferença entre professor e aluno: níveis diferentes de compreensão de

conhecimento e de experiência da prática social: o professor tem compreensão sintética, o

aluno tem compreensão sincrética.

2º Passo: problematização (problemas apresentados pela prática social): que conhecimentos

são necessários dominar da prática social? Que tipo de médico, professor, físico, químico a

sociedade precisa?

3º Passo: instrumentalização. Refere-se à apropriação dos instrumentos teóricos e práticos

necessários ao equacionamento dos problemas apontados pela prática social do professor e do

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aluno. Como tais instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente, a

apropriação pelo aluno depende de sua transmissão direta ou indireta pelo professor. O modo

da transmissão depende do professor, conforme os meios de que dispõe.

4º Passo: catarse (expressão gramsciana). Adquiridos os instrumentos básicos, chega o

momento da expressão elaborada da nova forma de conhecimento adquirido sobre a prática

social. O pensamento do aluno elabora uma forma superior do conhecimento: incorporação de

novos conhecimentos e superação dos velhos ou superação da ignorância. Mudança de

atitudes e incorporação de comportamentos superadores.

5º Passo: o ponto de chegada é a nova prática social qualitativamente superio r ao ponto de

partida. O aluno se eleva ao nível do professor com uma visão sintética da realidade. A

catarse é o momento culminante da aprendizagem, pois acontece pela mediação da análise

levada a término pela ação do professor, fazendo o aluno passar da síncrese (visão caótica)

para a síntese (visão de domínio do conhecimento).

Conseqüências pedagógicas

A pedagogia histórico-crítica é uma pedagogia revolucionária, porque:

1 centra-se na igualdade essencial dos homens;

2 articula-se com as forças emergentes da sociedade, convertendo os serviços da educação em

instrumentos de uma sociedade igualitária;

3 não secundariza os conhecimentos científicos, culturais e artísticos, mas busca difundi- los

ao maior número de pessoas;

4 não nega a essência e a exis tência, mas vê a relação histórica e contraditória entre ambas,

buscando a síntese da realidade humana e social;

5 é uma pedagogia crítica e radical e sabe-se condicionada - que a educação não é o

determinante das transformações sociais, mas se relaciona dialeticamente na sociedade;

6 situa-se para além da pedagogia da essência e da pedagogia da existência: supera-as

incorporando suas críticas recíprocas, numa proposta radicalmente nova; sua radicalidade

consiste na superação da crença seja da autonomia, seja da dependência da educação, face às

condições sociais vigentes;

7 “não se pode instituir uma boa escola numa sociedade má”, isto é, numa sociedade que gera

o processo de alienação e desumanização.

Avaliação crítica

1 Esta concepção caracteriza-se por uma visão centrada na igualdade essencial entre os

homens; igualdade real, não formal.

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2 Estabelece a primazia dos conteúdos sob os métodos, pois é o saber ensinado que

caracteriza a especificidade da escola.

3 Possibilita o encontro do professor e do aluno com o saber historicamente produzido pela

humanidade, superando a visão eclética e/ou sincrética dos conteúdos difusos das ideologias

dominantes, provocando rupturas e estabelecendo continuidades:

• rupturas - das ilusões idealistas, moralistas, religiosas – fruto da consciência da classe

(Gramsci chama “inventário cultural”);

• continuidade - análise do existente;

• unidade entre teoria e prática.

4 Pressupõe reavaliação crítica, contínua, buscando nas produções culturais aquilo que indica

o movimento transformador, tudo o que é bem universal, arte, pintura, música, poesia,

literatura, etc. precisa ser conservado, porque é patrimônio de toda a sociedade e não só da

classe dominante.