TEORIAS E LIMNOLOGIA FLUVIAL
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Disciplina Limnologia - UFERSAGustavo Henrique G. Silva
1. O QUE É LIMNOLOGIA?
A partir do ano de 1922, quando se realizou o primeiro Congresso Internacional de
Limnologia, decidiu-se definir a Limnologia, como o estudo ecológico de todas as massas
d'água continentais, independente de suas origens, dimensões e concentrações salinas. Desta
forma, além de lagos, inúmeros outros corpos d'água passaram a fazer parte do objeto de
estudo desta ciência, como por exemplo: lagunas, açudes, lagoas, represas, rios, riachos, áreas
alagadas, águas subterrâneas, ambientes aquáticos temporários, nascentes e fitotelmos (águas
acumuladas nas bainhas de plantas, como, por exemplo, nas Bromeliáceas). Os estuários
(região de entrada dos rios no mar) também passaram a ser objetos de estudo tanto dos
limnólogos quanto dos oceanógrafos. Vale ressaltar, que apesar de atualmente a Limnologia
possuir seu próprio corpo teórico, sendo uma ciência basicamente ecológica, a mesma é
resultante também da integração de várias outras ciências, tais como a Botânica, a Zoologia, a
Química, a Física, a Geologia, Matemática e a Meteorologia (ESTEVES, 1998).
Apesar da Limnologia englobar o estudo de diversos tipos de ambientes aquáticos,
iremos neste curso abordar com maior ênfase os estudos realizados em lagos, planícies de
inundação (wetlands), represas e especialmente os aspectos bióticos e abióticos relacionados
aos ambientes lóticos (rios e riachos).
2. QUAIS AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE OS ECOSSISTEMAS LÊNTICOS (LAGOS), LÓTICOS (RIOS E RIACHOS) E HÍBRIDOS (REPRESAS)
As principais diferenças entre os ecossistemas lóticos e os lênticos são que em rios e
riachos a corrente tende a ser um fator limitante e de controle muito mais importante do que
em lagos. Outro aspecto diz respeito as trocas entre terra e água, que são mais intensas nos
ambientes lóticos, e que acabam por gerar um ecossistema muito mais aberto com
comunidades de metabolismo heterotrófico, especialmente em riachos de reduzida ordem.
Além disso, as estratificações térmica e química são extremamente raras em ecossistemas
lóticos (exceto em rios lentos de grande ordem), sendo que a tensão de oxigênio é mais alta e
mais uniforme em rios. É importante ressaltar que todas estas diferenças vão proporcionar
características específicas e diferenciadas na dinâmica e na estrutura das comunidades que
estão adaptadas a estes ecossistemas. Os reservatórios, por sua vez, podem ser considerados
ecossistemas híbridos rios/lagos. Esta peculiaridade se deve as características típicas que
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estes ambientes possuem, ou sejam, intensa influência externa; morfologia e hidrologia
distintas de lagos e rios; e fontes externas e internas de matéria orgânica (Kimel et al., 1990).
2.1. Ambientes Lênticos (Lagos)
Os lagos podem ser considerados como corpos de água doce ou salina, continental ou
costeiro, total ou parcialmente circundados pelo sistema terrestre com origens e tempo de vida
variáveis. Do ponto de visto geológico, eles são, com poucas exceções, relativamente jovens,
de pouca duração, visto que apresentam caráter acumulativo (sistemas mais ou menos
fechados). Para facilitar os estudos em ambientes lênticos, os mesmos podem ser
compartimentalizados em quatro regiões distintas (figura 1). São elas:
a) Região Litorânea - Compreende ao compartimento do lago que está em contato direto com
o ecossistema terrestre adjacente, sendo desta forma influenciado diretamente por ele. Esta
região possui todos os níveis tróficos de um ecossistema, ou seja, produtores primários
(especialmente macrófitas aquáticas), consumidores e decompositores, sendo considerada
como um compartimento autônomo dentro do ecossistema aquático. Vale ressaltar que em
muitos ambientes lênticos a região litorânea é pouco desenvolvida ou mesmo ausente
(lagos de origem vulcânica e represas).
b) Região Limnética ou Pelágica - Ao contrário da região litorânea, a região limnética é
observada em quase todos os ecossistemas aquáticos, sendo que suas principais
comunidades são o plâncton (bactérias, fitoplâncton e zooplâncton) e o néston (peixes).
c) Região Profunda - É uma região caracterizada pela ausência de organismos
fotoautotróficos, em decorrência da não penetração de luz e por ser uma região
dependente da produção de matéria orgânica das regiões litorânea e limnética. A sua
comunidade bentônica é formada principalmente por invertebrados aquáticos (oligoquetas,
crustáceos, moluscos e larvas de insetos).
d) Região de Interface Água-Ar - Esta região é habitada por duas comunidades: a do nêuston
(organismos microscópios como bactérias, fungos e algas) e a do Plêuston (macrófitas
aquáticas e animais, tais como o aguapé, alface d'água e vários pequenos animais como as
larvas de Culex - Diptera - que permanecem penduradas verticalmente da película
superficial, perfurando-a e obtendo ar atmosférico para a sua respiração). A existência
destas comunidades se deve a tensão superficial da água.
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Figura 1. Principais compartimentos do ambiente lacustre e suas comunidades
A classificação dos lagos pode ser feita através de sua gênese, do seu nível trófico
(oligotrófico, mesotrófico e eutrófico) e do número e tipo de circulação. A seguir serão
listados os principais tipos de lagos existentes no mundo.
2.1.2. Classificação dos Lagos Quanto a Sua Gênese
1. Lagos formados por movimentos diferenciais da crosta terrestre
1.1. Movimentos Eprirogenéticos - Formados em decorrência dos movimentos de elevação e
abaixamento da crosta terrestre. Ex.: lagos Vitória e Kioga na África.
1.2. Falhas Tectônicas - Formados em decorrência de movimentos tectônicos que causam a
descontinuidade da crosta terrestre. Esses lagos se originaram especialmente no Terciário
(12 milhões de anos), sendo considerados os lagos mais antigos na Terra. (Ex.: lagos
Baical (Rússia); Tanganica (África); Badajós (Amazônia).
2. Lagos de origem vulcânica (figura 2)
2.1. Lagos de Cratera - Formados no cone de vulcões extintos (pequena extensão, profundos,
forma circular). Ex.: Pequenos lagos na região de Poços de Caldas (extintos).
2.2. Lagos tipo "Maar" - Surgem de explosões gasosas subterrâneas e do afundamento da
superfície da região atingida (não há derramamento de lava).
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2.3. Lagos de Caldeiras - Formados quando a erupção vulcânica é muito forte, acarretando a
destruição do cone central do vulcão e sobrando apenas uma depressão central chamada
caldeira. Ex.: lagos Crater (EUA); Bolsena (Itália) e Toyako (Japão).
2.4. Lagos de Barragem Vulcânica - Formados quando vales preexistentes são bloqueados
pela lava solidificada. Ex.: lagos Kivu e Bunyoni (África Central).
3. Lagos glaciares - A maioria desses lagos surgiram há aproximadamente 10.500 anos e
são encontrados em regiões de alta latitude, especialmente em regiões temperadas. A
maioria dos lagos europeus possuem esta origem.
3.1. Lagos em Terreno de Sedimentação Glacial - Formados pelas irregularidades em terrenos
formados por morainas (sedimento transportado por geleiras, normalmente blocos de
argila) que originaram lagos chamados de "lagos de caldeirão". Estes lagos podem se
originar de duas maneiras: a) depressões em locais de antigas geleiras continentais, e que
foram preenchidas por água (figuras 3 e 4); b) blocos de gelo que desprenderam de
geleiras e foram transportados de forma a servirem de ponto de apoio para o acúmulo de
morainas que, em muitos casos, o aterraram. Com este enterramento total, os blocos de
gelo ficaram protegidos da insolação, o que fez com que levassem centenas de séculos
para descongelarem. Ao se descongelarem, formaram bacias circulares e relativamente
profundas (figura 5).
4. Lagos formados pela dissolução de rochas ou erosão - Formados pelo acúmulo de água
em depressões formadas em decorrência da solubilização de rochas calcária, de cloreto de
sódio (sal-gema) ou de sulfato de cálcio (gipsita) pela chuva e/ou água subterrânea.
5. Lagos formados pela atividade de castores - Vários pequenos lagos são formados desta
forma no Canadá, EUA e Europa, sendo que o represamento de pequenos cursos d'água
por esses roedores é feito com pedaços de árvores, barro, etc.
6. Lagos formados pelo impacto de meteoritos - São bastante raros. Exemplos.: laguna
Negra (Argentina) e lago Chubb (Canadá).
7. Lagos formados pela atividade de rios:
7.1. Lagos de Barragem - Ocorrem quando o rio principal transporta grande quantidade de
sedimentos que são depositados ao longo do seu leito. Esta deposição gera uma elevação
do nível do seu leito, ocasionando o represamento de seus afluentes, que são
transformados em lagos. Estes afluentes são geralmente pobres em sedimentos, o que faz
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que não acompanhem a elevação do rio principal (figura 6). Ex.: médio rio Doce e lagos
de terra firme da Amazônia.
7.2. Lagos de Ferradura ou de Meandros - Geralmente os rios maduros que percorrem
planícies e que já atingiram o seu nível de base (ponto limite abaixo do qual a erosão das
águas correntes não pode trabalhar), apresentam um curso sinuoso, sendo que esta
sinuosidades são chamadas de meandros. Em geral encontra-se uma grande quantidade
de lagos ao longo de rios meândricos, sendo estes formados pelo isolamento de meandros
de erosão e sedimentação das margens (figuras 7 e 8). São os lagos mais freqüentes em
território brasileiro.
7.3. Lagos de Inundação - Também chamados de baías no Pantanal e de lagos de várzea na
Amazônia. Na maioria das vezes surgem de depressões no terreno que são alcançadas
periodicamente pelas inundações, sendo que no período de seca ficam isolados dos
ambientes lóticos (figura 9)
8. Lagos de barragem eólica - Formados pela deposição de sedimento, especialmente areia,
em algum trecho do rio, pelo vento (figura 10).
9. Lagoas costeiras:
9.1. Lagoas Formadas pelo Fechamento da Desembocadura de Rios por Sedimentos
Marinhos. Originam-se da deposição de sedimento marinho na desembocadura de
pequenos rios ou por isolamento de estuários de vários pequenos rios (figura 11).
Exemplos: lagoa Mundaú (AL), Manguaba (AL), Carapebus (RJ).
9.2. Lagoas Formadas pelo Fechamento da Desembocadura de Rios por Recifes de Corais.
Exemplo: lagoa do Rodeio (AL).
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Fig. 2. Lagos Vulcânicos Figs. 3 e 4. Lagos de sedimentação glacial
Fig. 5. Lagos de sedimentação glacial Fig. 6. Lagos de Barragem Fig. 7. Lagos de Ferradura
Fig. 8. Lagos Ferradura (formação)
Fig. 10. Lagos de Barragem Eólica
Canal doRio
TerrenosRecentes
TerrenosRecentes
SedimentosTerciário
SedimentosTerciário
Mata do dique marginalMata do dique marginal
Máximo de vasante
Máximo de enchente
LagoLago
Fig. 9. Lagos de Inundação
Fig. 11. Lagoas Costeiras
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2.1.3. Classificação dos Lagos Quanto ao Número e Tipo de Circulação
1. Lagos Holomíticos - Lagos onde a circulação atinge toda a coluna d'água. São eles:
1.1. Dimíticos - Lagos com duas circulações por ano (outono e primavera). Ocorrem
principalmente em países de clima temperado.
1.2. Monomíticos - Lagos com uma circulação por ano. Podem ser quentes e frios
a) Monomíticos quentes: circulação somente no inverno. A temperatura na superfície nunca é
inferior a 4oC. Exemplo: lago Titicaca (Andes) e lago Dom Helvécio (MG) (figura 12).
b) Monomíticos frios: circulação somente no verão. A temperatura da superfície nunca
ultrapassa a 4oC e estão localizados em regiões subpolares e em altas montanhas de
regiões temperadas.
1.3. Oligomíticos - Lagos com poucas circulações durante o ano. São lagos profundos,
localizados nos trópicos úmidos, onde ocorre pequena variação sazonal de temperatura,
sendo que durante a noite pode ocorrer queda da temperatura da água, porém sem
provocar uma quebra da estratificação da coluna d'água. Entretanto, quando ocorre um
período prolongado com baixas temperaturas atmosféricas, pode ocorrer um
resfriamento da camada superficial da coluna d'água, passando esta a ter uma
temperatura igual às mais profundas e consequentemente provocando uma circulação
total. Durante o período de estratificação estes lagos possuem hipolímnio anóxico (lago
Edward e lago Tanganica - África.
1.4. Polimíticos - Geralmente são lagos rasos e com grande extensão, onde ocorrem
circulações freqüentes (diárias). Isto ocorre devido ao resfriamento da camada
superficial da coluna d'água durante a noite e à pouca profundidade, que facilita a
homotermia. Exemplo: a maioria dos lagos amazônicos.
2. Lagos Meromíticos - Lagos onde a circulação não alcança toda a coluna d'água. São dois
os principais tipos de meromixia:
2.1. Meromixia geomorfológica - Ocorre em lagos profundos e protegidos do vento. O calor
da camada superior não é transportado para as camadas mais profundas. Uma camada
quente circulando sobre uma camada fria. Exemplos lagos Klopeiner e Würther
(Áustria).
2.2. Meroximia química - Lagos onde a camada profunda é mais densa do que a superior,
devido à maior concentração de sais dissolvidos. Exemplos: mar Negro e vários lagos
costeiros, principalmente na África do Sul..
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Figura 12. Padrão de estratificação térmica em lago tropical (lago D. Helvécio).
2.2. Ecossistemas Híbridos (Represas)
A zona de influência fluvial do reservatório assemelha-se a ambientes lóticos, sendo
que as sua principais características são: bacia estreita e em forma de canal; altos valores de
turbidez e zona eufótica com espessura menor que a zona de mistura; velocidade e renovação
de água relativamente elevadas; concentrações de nutrientes mais elevadas; alta taxa de
sedimentação; input alóctone de matéria orgânica proveniente da bacia de drenagem e status
trófico de natureza eutrófica. A zona intermediária ou de transição apresenta bacia mais larga
e profunda; velocidade e renovação de água mais baixas; menores valores de turbidez e,
conseqüentemente, uma ampliação da zona eufótica; produção de matéria orgânica autóctone;
sedimentação de material em menor proporção; status trófico de natureza mesotrófica. Já a
zona lacustre (próxima a barragem) é mais ampla, profunda e tem uma bacia que se
assemelha a um ambiente lótico, onde a velocidade e a renovação da água são muito baixas; a
turbidez é reduzida, sendo que a camada eufótica pode ter uma extensão que ultrapassa a zona
de mistura; os teores de nutrientes são muito baixos, sendo que estes, especialmente
nitrogênio e fósforo, são muitas vezes fatores limitantes para a produção de matéria orgânica
(figura 13). Desta forma, a zona lacustre é muitas vezes identificada como um compartimento
oligotrófico (Tundisi, 1985; Henry, 1999).
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Apesar do reconhecimento destas três zonas em represas como a de Jurumirim por
Henry et al. (1995), nem sempre estes ecossistemas híbridos apresentam-se
compartimentalizados. Esta compartimentalização geralmente é encontrada em reservatórios
com tempo de residência relativamente elevado. Geralmente os reservatórios que se seguem
após a represa de cabeceira (represas em "cascata" em um determinado rio) não apresentam
de forma bem definida a clássica divisão em compartimentos (zonas de características fluvial,
de transição e lacustre), provavelmente em função do tempo de residência ser mais baixo em
relação à represa de cabeceira e em parte pela elevada retenção de sedimentos e nutrientes no
primeiro ambiente da seqüência em "cascata". Entretanto, de acordo com Henry (1999) esta
hipótese ainda necessita ser testada em represas brasileiras, principalmente porque os
reservatórios a jusante da represa de cabeceira podem receber cargas de sedimentos alóctones
de tributários que desembocam nos ambientes a jusante do primeiro reservatório de
acumulação de água.
Figura 13. Zonas longitudinais de um reservatório
2.3. Ecossistema Lóticos (Rios e Riachos)
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Águas correntes são definidas do ponto de vista hidrológico como uma "calha", na
qual é transportada a descarga da água superficial (sistemas abertos). A sua classificação é
muito mais complexa do que a classificação de lagos, porque a sua gênese não é um processo
tão significativo. Os ambientes lóticos transportam substâncias cinética e as levam em geral
ao mar. Além do transporte permanente de substâncias em solução, existe também o
deslocamento de material insolúvel, de montante a jusante, especialmente sob a forma de
erosão, e no curso inferior sobretudo sob a forma de sedimentação.
O grande pesquisador alemão Harold Sioli publicou em 1950 o histórico trabalho
sobre os diferentes tipos de águas da região amazônica, identificando a estreita relação entre a
química e a biologia das águas amazônicas com a geologia e a mineralogia da região. Os três
grupos de rios identificados por SIOLI (1950) foram:
1. Rios de Água Brancas (Barrentas) - rios que drenam regiões geológicas recentes como os
Andes e podem fornecer grande quantidade de material através de processos erosivos (ex.:
Solimões, Madeira e Branco)
2. Rios de Águas Claras - rios que têm suas origens em regiões geologicamente antigas (ex.:
Tapajós, Xingu e na bacia do rio Itanhaém o rio Mambu em seu alto curso, onde percorre
terrenos pré-cambrianos).
3. Rios de Águas Negras - rios que originam-se em regiões planas, antigas e com solos
arenosos e vegetação do tipo campina. A cor negra que caracteriza as águas se deve à
ocorrência de um processo de decomposição incompleto que dá origem a substâncias
húmicas (ex.: Negro e Caruru na Amazônia e rios Preto e Aguapeú na bacia do rio
Itanhaém).
2.3.1. Teorias em Limnologia Fluvial
De acordo com PETTS (2000) os rios podem ser considerados sistemas abertos com
estrutura tridimensional (longitudinal, lateral e vertical), caracterizados pelos processos
hidrológicos e geomorfológicos altamente dinâmicos, frente as mudanças climáticas e
temporais.
Além das três dimensões mencionadas, deve-se acrescentar a este conjunto as
dimensões temporal e conceitual. A dimensão temporal é de grande importância, visto que a
morfologia do canal e as comunidades aquáticas podem alterar-se naturalmente ao longo do
tempo e também em decorrência de mudanças abruptas de origem antrópica (ex.:
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represamento e lançamento de efluentes urbanos). Já a dimensão conceitual diz respeito a
questões filosóficas, políticas e práticas, levando questões a respeito de como avaliar, o que
conservar e quais as prioridades que devem ser enfocadas na conservação (BENASSI, 2002;
HENRY-SILVA & CAMARGO, 2000).
Os estudos em ecossistemas lóticos têm como objetivos entender os processos que
regem o movimento e as transformações de energia e materiais dentro dos diferentes sistemas.
As teorias ecológicas visam construir uma estrutura sintética para descrever o ambiente lótico
da nascente à foz, além de ajustar as variações entre áreas com diferentes características. No
entanto, retratar a realidade de um rio é difícil, talvez uma generalização dessas teorias seja
uma desvantagem quando aplicada a situações específicas. Apesar disso, as teorias ecológicas
devem ser consideradas porque são conceitos estruturais úteis para descrever ecologicamente
como funcionam as variáveis ao longo do ecossistema lótico (ALLAN, 1995).
Desta forma, alguns pesquisadores tentam entender os ecossistemas lóticos de maneira
mais preditiva do que simplesmente descritiva. Estes pesquisadores formularam teorias de
caráter holístico com o intuito de explicar a organização espacial e o funcionamento dos rios.
As principais teorias ecológicas referentes a dinâmica de ambientes lóticos foram formuladas
a partir da década de 80, sendo que as principais são:
1. Teoria do Contínuo Fluvial - River Continuum Concept (VANNOTE et al., 1980);
2. Teoria da Descontinuidade Serial - Serial Discontinuity Concept (WARD &
STANFORD, 1983);
3. Teoria dos Pulso de Inundação - Floodpulse Concept (JUNK et al, 1989);
4. Teoria das Quatro Dimensões em Ecossistemas Lóticos - Four-Dimensional Concept
(WARD, 1989);
5. Teoria do Domínio de Processos - Process Domain Concept (MONTGOMERY, 1999).
6. Teoria da Imparidade com o Descontínuo Fluvial - Uniqueness within the River
Discontinum (POOLE, 2002).
Estas teorias estão muitas vezes inter-relacionadas com características
complementares, não sendo portanto necessariamente excludentes. No entanto, a teoria do
Continuo Fluvial (ou Rio Contínuo) pode ser considerada como pioneira no que diz respeito
ao entendimento dos ecossistemas lóticos, sendo que posteriormente outras hipóteses sobre o
funcionamento dos rios vieram modificá-la ou mesmo somar-se a ela, tais como a teoria do
espiralamento de nutrientes, do domínio de processos e da descontinuidade serial.
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Cabe ressaltar, que cada uma dessas teorias podem ser aceitas ou refutadas,
dependendo é óbvio do ambiente a ser estudado. É importante que o pesquisador tenha um
adequado conhecimento de sua área de estudo e de suas características peculiares, antes de
saírem por aí dizendo que a teoria do contínuo fluvial é a oitava maravilha do mundo ou que o
pulso de inundação pode explicar toda dinâmica e funcionamento de um determinado
ecossistema. Tenham sempre em mente que as teorias ecológicas servem para direcionar o
modo de observar o ecossistema lótico e sua bacia hidrográfica.
Alguns cientistas, com pouca maturidade ou com pouca capacidade de distinção,
tentam muitas vezes adequar, ou té mesmo "violentar", os dados coletados à determinada
teoria ecológica. Posso afirmar com certa convicção que esta é uma prática equivocada e que
normalmente leva a interpretações errôneas e que não condizem com a realidade. É fato que
as teorias propostas acima servem para nortear o desenvolvimento do trabalho e para a
implantação do delineamento amostral, no entanto o pesquisador deve ter a mente aberta aos
fatos novos que pode encontrar em seus projetos de pesquisas.
Também é importante enfatizar a importância de não se desesperar caso a sua hipótese
não seja confirmada pelos resultados obtidos. O avanço da ciência também ocorre quando as
hipóteses pré estabelecidas são refutadas, cabe ao pesquisador saber distinguir até que ponto
houve alguma falha em seu trabalho (erros no delineamento amostral, falhas nas coletas ou
nas análises de laboratório, análises estatística inadequadas, etc.). Caso, de fato, estes
problemas não sejam detectados cabe ao pesquisador ter maturidade e confiança para propor
alternativas aos conhecimentos pré-existentes.
A seguir explanarei sobre algumas da características destas teorias relacionadas aos
ambientes lóticos, especialmente no que se refere a Teoria do Contínuo Fluvial (maior
importância para a dimensão longitudinal dos rios) e do Pulso de Inundação (maior
importância para a dimensão lateral dos rios). No entanto, para um maior aprofundamento é
imprescindível a leitura na íntegra dos artigos científicos mencionados. Atualmente existem
diversos trabalhos que visam testar estas teorias ou conceitos, e que estão sendo publicados
em vários periódicos nacionais e internacionais.
2.3.1.1. C O N T Í N U O F L U V I A L
O conceito do Contínuo Fluvial considera o rio como um sistema que possui um
gradiente contínuo de condições ambientais. De acordo com esta teoria, os sistemas lóticos,
particularmente os riachos de regiões temperadas, possuem um gradiente de variáveis
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ecológicas da nascente a foz, sendo que ao longo do rio ocorrem mudanças na largura, no
volume de água, na profundidade, na temperatura, na quantidade e no tipo de material
suspenso transportado.
Desta forma, o rio é dividido em três regiões geomorfológicas distintas (tamanho dos
sistemas lóticos): cabeceira; médio curso e baixo curso.
Cabeceira (rios de ordens 1 a 3): Nas cabeceiras, existe uma elevada dependência das
contribuições terrestres de material orgânico (biomassa vegetal, por exemplo) com pouca ou
nenhuma produção fotossintética, onde a razão produção/respiração (P/R < 1), ou seja, maior
respiração do que produção primária.
Médio Curso (ordens 4 a 6). Neste trecho do rio existe uma menor dependência da
contribuição direta dos ecossistemas terrestres. Em contrapartida, existe uma maior produção
primária por algas e macrófitas aquática vasculares, além do material orgânico oriundo das
correntes à montante, sendo produção maior que a respiração (P/R > 1)
Baixo Curso (ordens > que 6, grandes rios e estuários): Tendem a ser turvos, com
grande carga de sedimentos oriundos de todos os processos de montante e, apesar de
possuírem comunidades desenvolvidas de plâncton, a respiração excede a produção, com
razão P/R<1.
A seguir segue a tradução de um fragmento do artigo original de Vannote e seus
colaboradores.
Baseando-se no tamanho do riacho, nós propomos algumas característica das
comunidades lóticas que podem ser agrupadas em cabeceira (ordem 1-3), médio curso (4-6)
foz ou grandes rios (>6) (Fig. 13). Muitas cabeceiras de rios são fortemente influenciadas pela
vegetação ripária, que reduz a produção primária (autóctones) devido ao sombreamento e que
contribui com grandes somas de detritos alóctones. Como o tamanho do riacho aumentando
ocorre a redução da importância das entradas de matéria orgânica terrestre, coincidindo com
aumento significativo da produção primária autóctone e o transporte de matéria orgânica rio a
baixo. Esta transição da cabeceira (dependente das entradas terrestres) para o médio curso do
riacho (dependente da produção fitoplanctônica ou de planta vasculares enraizadas) é melhor
entendida comparando as mudanças nas taxas de produção primária bruta
(Produção/Respiração). A zona na qual um riacho substitui a heterotrofia pela autotrofia é
dependente primariamente do grau de sombreamento (Minshall, 1978). Em florestas decíduas
e em algumas florestas de coníferas, a transição provavelmente ocorre na 3a ordem (figura
14). Em altas latitudes, elevadas altitudes e em regiões xéricas onde a vegetação ripária é
restrita, a transição para autotrofia pode ocorrer na 1a ordem. Rios muitos encaixados, mesmo
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com vegetação ripária esparsa, podem apresentar heterotróficos devido ao sombreamento
proporcionado pelas escarpas do desfiladeiro. Grandes rios recebem quantidades de finas
partículas de matéria orgânica dos processos que ocorreram rio acima. (folhas mortas e
madeira em decomposição). O efeito da vegetação ripária é insignificante, mas a produção
muitas vezes pode ser limitada pela profundidade e pela turbidez que geralmente são
elevadas. Tais sistemas com esta atenuação de luz podem ser caracterizados por P/R <1, ou
seja, respiração maior que a produção primária. Riachos de pequena ordem podem desaguar
em rios intermediários ou mesmo em grandes rios (ex.: rio de 3 ª ordem desaguando em um rio
de 6ª ordem (figura 14), ocasionando efeitos localizados, variando a magnitude destes efeitos
em função do volume e da natureza das entradas (inputs).
As adaptações do comportamento morfológicos dos invertebrados aquáticos refletem
as modificações dos tipos e da localização das fontes alimentares, associados ao tamanho do
rio (figura 1). A dominância relativa (como biomassa) da maioria dos grupos funcionais -
fragmentadores (shredders); filtradores (collectors); pastadores (scrapers ou grazers);
predadores (predators) são apresentados na figura 14.
Fragmentadores: Utilizam a Matéria Orgânica Particulada Grosseira (MOPG > 1mm),
tais como folhas em decomposição, apresentando uma grande dependência da biomassa de
microorganismos associados.
Filtradores: Filtram as partículas finas e ultra finas de matéria orgânica (Matéria
Orgânica Particulada Fina - MOPF de 50um - 1mm e Matéria Orgânica Particulada Ultra
Fina- MOPU de 0,5 - 50 um). Assim como os fragmentadores os filtradores dependem da
biomassa de microorganismos associados a matéria orgânica particulada (principalmente
sobre a superfície) e dos produtos dos produtos metabólicos dos microorganismos para sua
nutrição.
Pastadores: São adaptados primeiramente a se alimentarem de algas na superfície. O
motivo da dominância dos pastadores se deve a mudança na produção primária, sendo
maximizada no médio curso dos rios com uma relação P/R > 1.
Os fragmentadores e os filtradores são hipoteticamente os grupos dominantes nas
cabeceiras dos rios, refletindo a importância da zona ripária para a formação das frações da
matéria orgânica. Com o aumento do tamanho e também da ordem dos riachos e a
conseqüente diminuição geral do tamanho das partículas detritais, em decorrência dos
processos ocorridos a montante, os filtradores começam a aumentar em importância e a
dominar a assembléia de macroinvertebrados em grandes rios (figura 14). A composição dos
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invertebrados predadores altera-se pouco em relação a dominância nos riachos de diferentes
ordens, ou seja, não é influenciada pelo aumento dos riachos no sentido cabeceira - foz.
As populações de peixes (figura 14) se alteram, no sentido que em regiões de água fria
existe uma baixa diversidade, enquanto que em regiões de água mais quente esta diversidade
tende a aumentar. A maioria da espécies de peixes que habitam as cabeceiras dos riachos são
insetívoras. Já espécies piscívoras e também insetívoras são características no médio curso e
em grandes rios (região de foz), sendo que algumas espécies planctívoras podem ser
encontradas em decorrência da natureza semi-lêntica de trechos destes ambientes lóticos.
Vale ressaltar, que apesar da teoria do contínuo fluvial ter tido, e ainda tem, grande
impacto na limnologia fluvial, a mesma foi desenvolvida para ecossistemas de rios naturais. É
importante lembrar, que ambientes lóticos com interferências antrópicas podem desviar do
modelo geral, no que se refere a autotrofia e heterotrofia do sistema, pois dependendo do
volume e da natureza dos tributários que deságuam na corrente principal, os efeitos podem ser
localizados e com magnitudes variáveis. Além desta limitação, a teoria se ajusta melhor em
rios de pequena grandeza de regiões temperadas e também não considera a dimensão lateral
(pulso de inundação) como fator determinante na distribuição e abundância das espécies. Para
finalizar, a teoria também não considera as interações entre o canal dos rios e seus aqüiferos.
Na bacia hidrográfica do rio Itanhaém existem rios com diferentes características
físicas e químicas (rios de águas claras, pretas e brancas), especialmente em decorrência de
percorrerem terrenos de origens geológicas e geomorfológicas distintas, que podem
comprometer a adequação da teoria do contínuo fluvial no entendimento do funcionamento
dos ambientes aquáticos desta região. Ademais, próximo a área do estuário o rio Itanhaém
recebe tributários com grande quantidade de matéria orgânica, nutrientes e material
particulado oriundos de atividades antropogênicas, tais como lançamento de esgoto
doméstico, esgoto industrial, águas pluviais entre outros.
15
Disciplina Limnologia - UFERSAGustavo Henrique G. Silva
Figura 14. Relação entre o tamanho do riacho e as progressivas mudanças nos atributos funcionais e estruturais das comunidades lóticas.
2.3.1.2. D O M Í N I O D E P R O C E S S O S
A Teoria do Domínio de Processos é uma alternativa a teoria do contínuo fluvial por
considerar a influência dos processos geomorfológicos na variabilidade espacial e temporal
que ocorre nos ecossistemas aquáticos. A combinação de clima, de geologia e de topografia
determinam a formação dos sistemas, influenciando os processos que venham a ocorrer,
sendo que as características dos habitats podem ser mais similares dentro de uma mesma
unidade litotrófica e diferente em uma mesma bacia hidrográfica que contenha duas unidades
litotróficas distintas. CAMARGO et al. (1996), analisando a influência da fisiografia e da
atividade humana nas características limnológicas de sistemas lóticos do litoral sul de São
Paulo, constataram que as características limnológicas dos rios estudados são determinadas
pelos aspectos fisiográficos (altitude, geologia e vegetação). No entanto, o principal fator que
determina as características da água dos rios é o lançamento de efluentes orgânicos,
provenientes de atividades humanas.
16
1
2
3
4
5
6
789
101112
Tamanho Relativo do Canal
MOPG
MOPF
MOUF
P/R < 1
P/R < 1
Tam
anho
do
Rio
(Ord
em)
P/R < 1
FitoFitoZooZoo
MOPG
Tributário
P/R > 1
Truta
Perca
Bagre do Canal
Perifíton
FragmentadoresPastadores
PredadoresFiltradores
Filtradores
Pastadores
Fragmentadores
Predadores
Filtradores
Predadores
Disciplina Limnologia - UFERSAGustavo Henrique G. Silva
2.3.1.3. D E S C O N T I N U I D A D E S E R I A L
A teoria da Descontinuidade Serial assume as suposições do conceito do contínuo
fluvial, ou seja, define a bacia hidrográfica como livre de poluição e outros distúrbios, exceto
REPRESAMENTO, e que define os trechos remanescentes do rio com não sofrendo
distúrbios durante a construção de um reservatório. Esta teoria postula que o represamento
rompe o gradiente do rio em relação às condições ambientais, produzindo mudanças
longitudinais. Desta forma, represamentos de ambientes lóticos provocam mudanças tanto à
montante, quanto à jusante, nos processos bióticos e abióticos, sendo que a direção e extensão
do deslocamento dependem da variável de interesse em relação à posição do represamento ao
longo do Contínuo Fluvial. Posteriormente o conceito teve ampliada a sua abrangência por
WARD & STANFORD (1995), ao considerarem as interações entre o rio e a sua planície de
inundação.
2.3.1.4. Q U A T R O D I M E N S Õ E S EM A M B I E N T E S L Ó T I C O S
De acordo com WARD (1989), os ecossistemas lóticos são tetradimensionais,
possuindo as dimensões longitudinais, laterais e verticais que se modificam ao longo do
tempo (quarta dimensão) (figura 15). O conceito de quatro dimensões acaba por englobar as
teorias do contínuo fluvial (longitudinal) e do pulso de inundação (lateral)
Dimensão Longitudinal - Corresponde as interações que ocorrem no sistema lótico no
sentido cabeceira-foz. Dimensão Lateral - Corresponde as interações entre o canal do sistema
lótico e a sua planície de inundação e vegetação ripária. Dimensão Vertical - Corresponde as
interações entre o canal do sistema lótico e aqüifero subterrâneo (lençol freático). O lençol
freático funciona como um reservatório de água para os rios, sendo que o tipo de interação
entre o rio e as água subterrâneas depende de um conjunto de condições geológicas e
geomorfológicas que influenciará no grau de exportação ou importação de água do rio para o
lençol freático. É importante frisar que os rios possuem uma região abaixo da interface água-
sedimento denominada zona hiporrêica, que abriga uma fauna heterotrófica caracterizada
especialmente por invertebrados. Dimensão Temporal - A escala de tempo é importante para
se entender a estrutura e a dinâmica das comunidades e também para compreender os
impactos de possíveis distúrbios. A hipótese do distúrbio intermediário proposta por Connell
em 1978 sugere que a diversidade de espécies aumenta quando ocorrem distúrbios ambientais
moderados (ausência de exclusão competitiva). Em baixas taxas de distúrbios, a s espécies
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Disciplina Limnologia - UFERSAGustavo Henrique G. Silva
mais competitivas (mais adaptadas) tendem a monopolizar o habitat, enquanto que sob altas
taxas de distúrbios, poucas espécies conseguem sobreviver.
2.3.1.5. P U L S O D E I N U N D A Ç Ã O
Segundo os autores o pulso de inundação se constitui na principal força responsável
pela existência, produtividade e interações da maior parte da biota em sistemas lóticos de
planícies de inundação. Um conjunto de características geomorfológicas e hidrológicas da
bacia hidrográfica produz os pulsos de inundação. Pulsos curtos e geralmente não previsíveis
ocorrem em riachos de pequena ordem ou em sistemas altamente modificados por atividades
antrópicas. Devido aos pulsos em riachos de baixa ordem serem breves e não previsíveis, os
organismos apresentam adaptações que permitem aproveitar esta transição entre o ambiente
aquático e terrestre. Por outro lado, um pulso previsível e de longa duração gera nos
organismos adaptações e estratégias para usar de maneira mais eficiente os atributos desta
zona de transição aquática/terrestre.
As trocas laterais entre a planície de inundação e o canal do rio, e a ciclagem de
nutrientes com a planície de inundação têm um maior impacto direto sobre a biota do que o
espiralamento de nutrientes, sendo que o principal efeito do pulso de inundação sobre os
organismos é hidrológico. Em um sistema lótico com planície de inundação em climas
temperados, subtropicais ou tropicais a maior parte da produtividade da biota advém
diretamente ou indiretamente das trocas laterais com a planície de inundação e não do
transporte rio abaixo de matéria orgânica proveniente das partes mais altas da bacia.
18
Disciplina Limnologia - UFERSAGustavo Henrique G. Silva
a) Adaptações da biota às flutuações do nível de água (JUNK, 1980)
A mudança periódica entre a fase terrestre e a fase aquática é o fator mais importante
para a biota das áreas sujeitas a inundação. Vários organismos são adaptados de diversas
formas para a vida em ambas as fases. Geralmente, uma dessas fases é desfavorável ou até
catastrófica para esses organismos. Por isso, eles têm que recuperar, durante a fase favorável,
as perdas que as populações sofreram durante a fase desfavorável, além é claro de garantir a
sobrevivência de uma parte da população durante a próxima fase desfavorável.
b) Macrófitas de áreas alagadas na Amazônia (várzea)
No período de enchente, uma área crescente está a disposição das macrófitas
aquáticas. No entanto, partículas inorgânicas em suspensão e material húmico colorido em
solução, criam condições de luz desfavoráveis e a zona eufótica (porção superior iluminada da
massa de água, com luz suficiente para promover a fotossíntese pelas plantas aquáticas)
normalmente abrange menos de 4 m. De uma forma geral, não existem plantas submersas
enraizadas no fundo dos lagos, em decorrência da subida da água que gera uma piora nas
condições de luz nas áreas que poderiam ser colonizadas. Em conseqüência disto, o modo de
vida flutuante (ex.: Pistia stratiotes, Eichhornia crassipes, Ceratopteris pteridoides,
Limnobium stoloniferum, Neptunia oleracea, azolla sp e Salvinia molesta) é uma adaptação
muito comum às oscilações do nível de água. As plantas enraizadas nos sedimentos crescem
rapidamente para garantir a presença de suas folhas na superfície (Victoria amazonica) ou
acima dela (Oryza perennis).
Todas as espécies de macrófitas aquáticas apresentam um rápido crescimento e alta
taxa de reprodução. A reprodução vegetativa garante a colonização rápida das crescentes
áreas que estão à disposição das plantas, por causa da subida da água. Este desenvolvimento é
interrompido quando a água baixa, diminuindo as área aquáticas e provocando a mortalidade
de até 90% da vegetação aquática. As plantas sobrevivem à época seca em forma de sementes
ou esporos e/ou pelo desenvolvimento de formas de crescimento terrestre.
As áreas que secam são colonizadas rapidamente por vegetação terrestre, ou de forma
mais correta, por plantas que tem a sua época de crescimento na fase terrestre. Estas plantas
desenvolvem-se através de sementes (ex.: Cyperus sp, Eleusine indica, Paspalum sp) ou de
partes vegetais capazes de sobreviverem à época de inundação (Paspalum fasciculatum). P.
fasciculatum perde as folhas sob a água, mas a maior parte dos caules sobrevive à inundação e
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começa a brotar logo depois de sair da água. De extrema importância para o êxito de colonizar
permanentemente estas áreas, é a capacidade das plantas de terminar o ciclo de reprodução
durante a época seca, a produção de um número suficiente de sementes e a sobrevivência
delas e/ou de partes vegetais durante a cheia. A dispersão das sementes é importante para
possibilitar a colonização de áreas recém-formadas pelo rio. Ela depende do transporte pela
água, vento e animais.
As mesmas estratégias são observadas em muitas árvores e arbustos que formam as
matas inundáveis de várzea. As espécies que colonizam as áreas mais baixas como Salix
humboldtiana, Eugenia inundata e Symmeria paniculata, necessitam de um período de 4 a 5
meses por ano de seca para uma colonização eficaz, podendo também resistir a uma
inundação permanente de 2 a 3 anos sem maiores perdas. A maioria das espécies perde as
suas folhas durante a inundação, porém algumas delas mantêm-nas também sob a água. Estas
folhas parecem funcionar normalmente na próxima época seca até que sejam substituídas por
folhas novas. Vale ressaltar, que o período de produção de sementes coincide com a enchente,
sendo a água essencial para a distribuição das sementes, sendo que a distribuição de sementes
por peixes (ictiocoria) é muito comum nas várzeas do Amazonas, demonstrando a interrelação
íntima entre organismos aquáticos e terrestres.
c) A fauna da Várzea
A mudança entre a fase aquática e a fase terrestre afeta a fauna da mesma forma que
afeta os vegetais. Muitos animais desenvolveram adaptações para evitar as condições
desfavoráveis por meio de migrações laterais (horizontais) e verticais. As flutuações do nível
de água têm conseqüências catastróficas para animais com mobilidade limitada, sendo que as
populações são reduzidas periodicamente ao mínimo. Estes animais apresentam ciclo de vida
curtos e altas taxas de reprodução, podendo ser incluídos na categoria dos r-estrategistas,
especializados em colonizarem ambientes recém desenvolvidos, por meio de taxas de
reprodução extremamente altas e ciclos de vida curtos. Por outro lado, existem animais que
desenvolvem estágios de latência para poderem sobreviver durante os períodos desfavoráveis.
d) Adaptações da fauna ao período de seca
Várias espécies de peixes, o peixe boi, as tartarugas e algumas espécies de camarões,
migram dentro do rio durante o nível baixo, para evitar a seca. Esta migração têm como
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Disciplina Limnologia - UFERSAGustavo Henrique G. Silva
conseqüência uma mudança drástica dos seus biótopos e da oferta de alimentos. A maioria
dos gimnotídeos (tuviras), por exemplo, vivem durante a maior parte do ano protegidos entre
árvores e arbustos submersos e no meio da vegetação aquática. Já durante o período de água
baixa estas áreas, em sua maioria, são secas, forçando estes peixes a saírem para áreas abertas,
onde não há proteção. Desta forma, estes são mais predados. Enquanto uma oferta grande de
itens alimentares está à disposição dos predadores, a oferta para espécies herbívoras é
reduzida drasticamente, porque as macrófitas aquáticas e a floresta inundável estão secas.
Durante esta época estas espécies têm que viver principalmente da gordura estocada durante a
época cheia.
Além das migrações laterais, também existem as migrações verticais para evitar a
seca, porém, naturalmente, em escala muito menor. As larvas do efemeróptero Asthenopus
curtus, que brocam a madeira submersa, têm que sair dos seus túneis e migrar até onde se
encontra o nível da água.
As migrações de desova das espécies de peixes estão relacionadas também às
inundações. Durante a subida da água, estas espécies (Colossoma macropomum, Curimata
sp., Prochilodus sp., etc.). migram dos lagos para os rios para desovar. Os ovos são, desta
forma, transportados pela correnteza para dentro das áreas recém-inundadas, onde a água
oferece condições adequadas de oxigenação e bastante alimento e proteção para os alevinos.
Vale ressaltar, que a movimentação de ovos e alevinos rio abaixo é compensada durante a
cheia por grandes migrações rio acima por indivíduos de espécies que procuram melhores
lugares para alimentarem-se.
e) Adaptações da fauna ao período de enchente
Com o decorrer da enchente, os organismos aquáticos encontram condições cada vez
mais favoráveis, enquanto a situação para os organismos terrestres piora. Como já
demonstrado para os animais aquáticos, entre os organismos terrestres também ocorrem
migrações laterais e verticais para evitar a inundação. Indivíduos de estafilinídeo (Lathrobium
sp) acompanham as flutuações do nível de água próximos a margem por algumas centenas de
metros. Os colêmbolos são capazes de acompanhar a mudança da margem somente em
pequena escala de 5 m. Muitos invertebrados possuem migrações verticais entre o solo e a
copa das árvores da floresta inundável. Os opilionídeos por exemplo, apresentam uma
fototaxia negativa durante a seca e uma fototaxia positiva durante a cheia, facilitando-lhes a
procura da copa das árvores.
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Estágios de latência também são comuns como para a barata Epilampra irmieri vários
colêmbolos. Entretanto, um grande número de animais é inundado durante cada enchente,
servindo como fonte de alimento para predadores aquáticos (peixes, por exemplo), mostrando
a inter-relação intensa entre os habitats terrestres e aquáticos.
Figura 15. Movimentação da água em uma planície de inundação da Amazônia Central
(pulso de inundação).
2.3.1.6. I M P A R I D A D E C O M O D E S C O N T Í N U O F L U V I A L
22
H2S
12
3
5
LEGENDA
1 - Fitoplâncton
2 - Plantas Terrestres Anuais
3 - Gramíneas Perenes
4 - Floresta de Várzea
5 - Macrófitas Emersas
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Disciplina Limnologia - UFERSAGustavo Henrique G. Silva
A teoria da Imparidade com o Descontínuo Fluvial assume que os rios são sistemas
ímpares, isto e, únicos em estrutura e função na escala de bacia hidrográfica. Uma bacia é
formada por manchas que são características de cada segmento (como vegetação, sedimentos,
fluxo, solo, etc.), e a dinâmica dessas manchas ao longo do sistema é que caracteriza o rio.
Além das barragens e de outros empreendimentos, o papel dos tributários é considerado como
grande fator de interferência no gradiente longitudinal do rio. Assim sendo, cada bacia possui
seu próprio mosaico de manchas denominados de meta-estrutura, e um rio nunca seria um
contínuo, pois as manchas se comportam de modo bastante desigual no contexto (BARBOSA
& SPÍNDOLA, 2003).
3. A COMUNIDADE DE MACRÓFITAS AQUÁTICAS
As macrófitas aquáticas são vegetais que durante sua evolução retornaram do
ambiente terrestre para o aquático. Em conseqüência, apresentam ainda várias características
de vegetais terrestres, tais como a presença de cutículas e de estomatos não funcionais na
maioria das espécies (Esteves, 1998).
Estes vegetais constituem-se em uma das principais comunidades em ecossistemas
límnicos por contribuírem para a diversidade biológica e por apresentarem elevada biomassa e
alta produtividade. Trabalhos desenvolvidos em ambientes aquáticos constataram a
importância desses vegetais, como substrato para o bacterioplâncton; na ciclagem de
nutrientes e minerais, funcionando como bombeadores de nutrientes do sedimento para a
coluna d'água; no desenvolvimento de ambientes diversificados para organismos
zooplanctônicos; no fornecimento de matéria orgânica para os sedimentos; e como abrigo
para desova e desenvolvimento de diversos invertebrados.
Além disso, as macrófitas são importantes produtoras de nitrogênio assimilável e
participam da cadeia alimentar de muitas espécies de animais aquáticos e terrestres. As
macrófitas também modificam as características físicas e químicas da água dos locais em que
se desenvolvem, contribuindo para a maior heterogeneidade do ecossistema aquático. Esta
maior heterogeneidade propicia um maior número de habitats, contribuindo, desta forma, para
o aumento da biodiversidade.
A produtividade destes vegetais está relacionada a vários fatores, sendo que os
principais são: a espécie e o tipo ecológico, a competição intra e interespescífica e as
características abióticas do ambiente, como, temperatura, radiação, transparência da água,
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Disciplina Limnologia - UFERSAGustavo Henrique G. Silva
variação do nível de água, velocidade de corrente, tipo de substrato e concentrações de
nutrientes (Camargo, Henry-Silva & Pezzato, 2002). Em regiões temperadas a variação
sazonal de biomassa desses vegetais está relacionada principalmente à variação de luz e
temperatura. Nos trópicos o desenvolvimento pode ser praticamente constante, com o
nascimento, crescimento e morte de indivíduos em um processo contínuo durante o ano.
Os Tipos Ecológicos das Macrófitas Aquáticas
Tipos ecológicos das macófitas aquáticas. Adaptado de Pott & Pott (2000)
1. Macrófita Aquática Anfíbia2. Macrófita Aquática Emersa ou Emergente3. Macrófita Aquática com Folhas Flutuantes4. Macrófita Aquática Flutuante5. Macrófita Aquática Submersa Enraizada6. Macrófita Aquática Submersa Livre7. Macrófita Aquática Epífita4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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