Teorias e Modelos de Politicas Publicas - Redes - Ok

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Civitas Porto Alegre v. 5 n. 1 jan.-jun. 2005 p. 59-68 Perspectivas contemporâneas para a constituição de redes de políticas públicas Hermílio Santos* O estudo de políticas públicas se dedica em geral a analisar os seus con- teúdos, seus impactos ou ainda o processo de sua formulação e implementa- ção. O presente artigo irá se deter a este último aspecto. O tema proposto aqui será abordado em três momentos distintos. Em um primeiro momento dis- cute-se a capacidade do Estado brasileiro cumprir, com eficiência, o papel de formulador e implementador dessas políticas. Em seguida será realizado um esforço tentativo de apontar uma possível alternativa para o processo de for- mulação de políticas públicas fundado na complexa interação de atores esta- tais e não-estatais através da constituição de redes de políticas públicas. Por último, serão analisados brevemente um exemplo que demonstra a incapaci- dade de otimizar os recursos públicos e privados na implementação de políti- cas públicas e um outro que demonstra precisamente a potencialidade para a constituição do que se convencionou chamar de “redes de políticas públicas”. * Doutor em Ciência Política pela Freie Universität Berlin. Professor do Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da PUCRS. [email protected].

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  • Civitas Porto Alegre v. 5 n. 1 jan.-jun. 2005 p. 59-68

    Perspectivas contemporneas para a constituio de redes

    de polticas pblicas

    Hermlio Santos*

    O estudo de polticas pblicas se dedica em geral a analisar os seus con-tedos, seus impactos ou ainda o processo de sua formulao e implementa-o. O presente artigo ir se deter a este ltimo aspecto. O tema proposto aqui ser abordado em trs momentos distintos. Em um primeiro momento dis-cute-se a capacidade do Estado brasileiro cumprir, com eficincia, o papel de formulador e implementador dessas polticas. Em seguida ser realizado um esforo tentativo de apontar uma possvel alternativa para o processo de for-mulao de polticas pblicas fundado na complexa interao de atores esta-tais e no-estatais atravs da constituio de redes de polticas pblicas. Por ltimo, sero analisados brevemente um exemplo que demonstra a incapaci-dade de otimizar os recursos pblicos e privados na implementao de polti-cas pblicas e um outro que demonstra precisamente a potencialidade para a constituio do que se convencionou chamar de redes de polticas pblicas.

    * Doutor em Cincia Poltica pela Freie Universitt Berlin. Professor do Programa de Ps-

    Graduao em Cincias Sociais da PUCRS. [email protected].

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    I

    No incio da dcada de 1990 prosperou uma avaliao de que a causa do que se convencionou chamar crise do Estado brasileiro residiria na sua incapacidade de processar as demandas excessivas, em dar conta da agenda sobrecarregada, em responder s presses excessivas, alm de diversos outros fatores provocados pela ampliao da participao poltica. Isto estaria pro-vocando profundas incertezas no processo de governabilidade. Essas leituras da crise do Estado orientam-se pelas reflexes realizadas por Samuel Hun-tington. Segundo Huntington, as condies timas para a governabilidade estariam garantidas caso se d um equilbrio entre as demandas lanadas ao Estado e sua capacidade de administr-las e atend-las (Huntington, 1975).

    Diferente deste diagnstico, Eli Diniz (1998) afirma que o estrangula-mento do Estado situar-se-ia, sobretudo, no mbito da execuo das polti-cas, da capacidade de fazer cumprir as decises tomadas e de assegurar a continuidade dos programas governamentais (Diniz, 1998, p. 31). Analisan-do os governos aps o processo de redemocratizao, a autora identifica um aumento do poder desptico, atravs da concentrao do poder decisrio na cpula tecno-burocrtica, ao mesmo tempo em que ocorreria um debilitamen-to do poder infra-estrutural, atravs de uma forte crise fiscal, de uma crise de autoridade como resultado dos fracassos dos diversos planos de estabilizao econmica e a eroso da capacidade do Estado de realizar suas funes bsi-cas, como por exemplo, a garantia da ordem e da segurana.

    Quanto produo de polticas pblicas, observa-se no perodo ps-autoritrio uma proliferao de decises sem qualquer consulta ou transpa-rncia, por um pequeno crculo que se localiza em instncias enclausuradas na alta burocracia governamental (Diniz, 1998, p. 34), o que fica bastante evidente no apenas na persistncia, mas tambm na expanso do uso de medidas provisrias. Embora no seja difcil concordar que o Brasil pode ser considerado um pas com democracia consolidada quanto aos chamados requisitos liberais clssicos: liberdade de organizao, expresso e participa-o eleitoral, entre outros, trata-se de um regime deficitrio, ainda segundo Diniz, quanto eficcia dos mecanismos de cobrana e de prestao de contas, inexistindo praticamente os instrumentos garantidores da responsabi-lizao pblica dos governantes diante da sociedade e de outras instncias do poder (Diniz, 1998, p. 38), ou seja, aquilo denominado de dficit de accoun-

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    tability. Nos anos mais recentes, a entrada em vigor de algumas leis, notada-mente da lei de responsabilidade fiscal tm contribudo para minimizar este dficit. Entretanto, o conceito de accountability vai alm dos avanos repre-sentados pela limitao dos gastos pblicos e da prestao das contas. Este envolveria ainda, entre outras coisas, atuar no sentido de gerar as condies para que aqueles que so afetados por programas ou polticas especficos sejam envolvidos de alguma maneira.

    A partir disso, Diniz sugere que as categorias de governabilidade en-tendida como as condies sistmicas sob as quais se d o exerccio do poder, como a forma de governo, a relao entre os poderes e o sistema partidrio e governana entendida como a capacidade de ao estatal na formulao e implementao de polticas pblicas estejam interligadas como forma de superao da crise do Estado brasileiro.

    Como podemos conceber maneiras de formular e implementar polticas pblicas em que estejam combinadas a capacidade de governabilidade com uma boa governana? A seguir tentarei oferecer alternativas satisfatrias para esta questo.

    II

    Nesta seo proponho discutir como o Estado, em algumas democracias, tem procurado articular os interesses existentes na sociedade de uma tal ma-neira a garantir uma maior eficincia das polticas formuladas, sem, no entan-to, fazer do Estado prisioneiro de interesses economicamente robustos. Trata-se, ento, de problematizar a maneira como o Estado se articula com atores no-estatais a fim de otimizar parte de suas funes.

    A questo relevante que deve ser coloca a esta altura saber de que ma-neira atores no-estatais podem contribuir para o processo de polticas pbli-cas. A presena de grupos de interesse, por exemplo, comumente percebida somente quando tentam sabotar medidas deliberadas. em parte por esta razo que esses grupos gozam em geral de m reputao entre segmentos sociais e administradores pblicos. Entretanto, preciso que fique claro que entre os atores no-estatais devem ser includos no apenas os grupos de interesse.

    Estudos recentes apontam para a tendncia de se estudar todo o processo de formulao de polticas pblicas. A principal preocupao est na tentativa

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    de oferecer uma viso geral da participao dos diferentes atores ou da inves-tigao das relaes entre eles. Essa linha de pesquisa tem se tornado mais freqente desde meados da dcada de 1980 e caracterizada pela anlise das redes de polticas (policy networks).

    Por rede de polticas pblicas entende-se a caracterizao geral do pro-cesso de formulao de polticas na qual membros de uma ou mais comuni-dades de polticas estabelecem uma relao de interdependncia. Alguns autores, como Marin e Mayntz (1991) chamam a ateno para o fato de que redes de polticas pblicas no podem ser definidas unicamente atravs de sua interao interorganizacional, mas tambm pela sua funo, a saber, a formulao e implementao de medidas. Onde identificada a presena de redes atravs da observao de atores que participam das negociaes e consultas antes que as decises sejam tomadas , estas se concentram em temas setoriais ou especficos (como por exemplo no apoio ao desenvolvi-mento de novas tecnologias, no caso de poltica industrial).

    Esta concepo do processo de formulao de polticas pblicas tem co-mo pano de fundo uma compreenso da sociedade em que diferentes atores interagem de uma maneira relativamente descentralizada. Isso significa que polticas pblicas so o resultado de uma complexa interao entre agncias estatais e organizaes no-estatais. Rejeita-se com isso a abordagem que parte do Estado como o nico ator relevante neste processo. A iniciativa para que um tema seja objeto de poltica pblica pode ser tomada no apenas pelo Estado, mas tambm por agentes no-estatais. Aqui se estabelece uma distin-o marcante entre a formulao de polticas atravs de rede de polticas pblicas, de um lado, e atravs de dirigismo estatal, por outro lado. A formu-lao via rede no se baseia em comando e ordem, mas em negociao e intercmbio. Este intercmbio no significa, porm, que todos os atores se beneficiem igualmente da relao da decorrente.

    Ao contrrio do que possa parecer, o Estado envolvido no processo de polticas pblicas atravs de rede no um Estado prisioneiro e fragilizado em sua ao. Trata-se de um Estado que perdeu suas pretenses de dirigismo, mas que no abdicou de seu papel de formulador e implementador de polti-cas. Entretanto, este papel tradicional passa a ser combinado com uma nova maneira de processar as demandas, a saber, quando atores no-estatais pas-sam a estar includos ex ante na identificao de problemas e na proposio

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    de solues, inclusive com alguns desses atores assumindo parcela da respon-sabilidade em sua implementao.1

    No Brasil, ainda so escassas as anlises do processo de constituio de redes de polticas pblicas. Diferentemente da grande maioria da literatura que trata da temtica que concentra a anlise por um lado na capacidade do Estado de se articular com outros atores e, por outro lado, na incapacidade do Estado de prover todos os recursos necessrios formulao e implementa-o de polticas pblicas , no Brasil, no se poderia analisar esta realidade desconsiderando o desenvolvimento recente das organizaes da sociedade civil.

    Na definio de sociedade civil, formulada por Jean Cohen e Andrew Arato (1992), os movimentos sociais so entendidos como parte constitutiva da sociedade civil. Para esses autores, sociedade civil uma esfera de intera-o social entre economia e estado, e composta, sobretudo, pela esfera nti-ma (famlia, por exemplo), a esfera das associaes (especialmente associa-es voluntrias), os movimentos sociais e formas de comunicao pblica. Mais que constituindo a sociedade civil, os movimentos sociais so, para Cohen e Arato, o elemento dinmico nos processos que devem realizar as potencialidades positivas das sociedades civis modernas. O que haveria de novo e positivo nos movimentos sociais no apenas o abandono de ideais revolucionrios em favor de reformas radicais, mas que a luta por essas re-formas no estariam direcionadas nica e principalmente ao Estado. Isso quer significar que a prpria sociedade, e de maneira mais restrita os prprios movimentos sociais, seriam o alvo e a esfera capaz de processar essas refor-mas. Aqui no significa que o Estado tenha se tornado irrelevante, mas to somente que o Estado passa a compartilhar sua importncia com atores so-ciais situados na comunidade societria, tal como denominado na anlise de Talcott Parsons. No Brasil, estaramos nos afastando de maneira consistente daquela realidade em que o Estado cria, organiza e regula as sociedades, enfim, o Estado deixa de ser o centro da sociedade. Portanto, na constante tenso existente entre os diferentes subsistemas sociais (ou esferas), a comu-nidade societria vem se consolidando nas ltimas dcadas. Esta situao

    1 Para uma anlise de redes de polticas pblicas neopluralistas e neocorporatistas, ver Santos

    (2002).

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    contribui sobremaneira para criar um novo cenrio no processo de formula-o e implementao de polticas pblicas.

    Como na concepo desenvolvida por Cohen e Arato, Jeffrey Alexander tambm apresenta explicitamente a noo dos movimentos sociais como traduo da sociedade civil. Segundo Alexander, o desenvolvimento dos movimentos sociais como fenmenos relevantes s se tornou possvel aps o surgimento de uma sociedade civil independente. O vnculo dos movimentos sociais com a tentativa de ampliao da cidadania se deve em oposio aos grupos de interesse, por exemplo ao fato de pretenso de universalidade em sua atuao. Isso seria alcanado quando os movimentos sociais logram voca-lizar problemas que so transferidos de uma especificidade particular para o conjunto da sociedade civil. precisamente esse deslocamento, ou seja, a constituio de uma agenda mais ampla, que concede legitimidade aos mo-vimentos sociais.

    Situando-se entre o estado e o mercado, os movimentos sociais e as de-mais instituies da comunidade societria cumpririam um papel de fazer com que as polticas pblicas implementadas passassem a adotar uma pers-pectiva menos centrada no Estado.

    De acordo com Avritzer (1994), o surgimento da sociedade civil no Bra-sil associa-se a trs fenmenos fundamentais: a) ao surgimento de atores sociais modernos e democrticos; b) retomada da idia, realizada por esses autores, de constituio de um espao intermedirio entre estado e sociedade e c) constituio de estruturas legais apropriadas para a institucionalizao das reivindicaes da sociedade civil.

    Os dois primeiros fenmenos esto vinculados ao surgimento de novos atores sociais, decorrncia do rpido processo de modernizao por que pas-sou a sociedade brasileira durante o regime militar. Nesse processo verifica-se no apenas um crescimento quantitativo de novos atores, mas tambm que esses novos atores constituram-se social, cultural e politicamente de maneira diferenciada, na medida em que a urbanizao crescente provocou a introdu-o de novos hbitos. Ao lado da constituio de um associativismo civil urbano, outros dois movimentos exerceram um papel fundamental nesse processo, trata-se do novo sindicalismo e do associativismo profissional de classe mdia.

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    Mas de que maneira esses movimentos sociais contribuem para o proces-so de polticas pblicas? A capacidade de revitalizao e ampliao da parti-cipao da sociedade civil nesse processo no se encerra com a constituio de movimentos sociais autnomos, carecendo ao mesmo tempo de canais institucionais para se expressarem. Concretamente, isso se daria com a possi-bilidade de apresentao de projetos de lei ou de polticas pblicas por inicia-tiva das prprias instituies.

    Portanto, diferentemente das abordagens correntes sobre as redes de pol-ticas pblicas, que focam a anlise na capacidade ou mesmo na incapacidade do Estado em dar conta sozinho da formulao e da implementao das pol-ticas, preciso que ampliemos a configurao da anlise a fim de incluir tambm a capacidade dos atores no-estatais em contribuir nesse processo. No se trata de estabelecer condies normativas para a cooperao de atores diversos na execuo de atividades pblicas, mas to somente alargar o esco-po analtico para dar conta de uma realidade que, em alguns contextos, vai se tornando mais complexa. A maior complexidade aqui se refere ao fato de responsabilidades no ciclo de polticas pblicas estarem sendo, em muitos casos, compartilhada entre atores pblicos, privados e da sociedade civil. Nesse caso, se por um lado a execuo das polticas tem a capacidade de, potencialmente, ganhar em eficincia, por outro lado, tem o efeito de introdu-zir novos elementos a desafiar a legitimao democrtica da autoridade p-blica.

    III

    Nesta seo menciono dois exemplos de contextos de formulao e im-plementao de polticas pblicas que sero avaliadas a partir da anlise te-rica da seo anterior. Em primeiro lugar, gostaria de mencionar um exemplo recente de implementao de poltica setorial sem a constituio de uma rede. Em segundo lugar, menciono um programa que se coloca a perspectiva de constituio de uma rede para sua implementao.

    Tanto na Alemanha, quanto no Reino Unido, a implementao de polti-cas industriais tem se verificado como bastante propcia constituio de redes de polticas pblicas. No o caso do que encontramos pelo menos at recentemente, por exemplo, em Nova Serrana, Minas Gerais. A cidade de Nova Serrana, com 30.000 habitantes, est localizada a 133 km de Belo Hori-zonte. At o incio da dcada de 1950 o desenvolvimento se deu de maneira

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    lenta, at que se iniciou a atividade de fabricao de calados. A partir da dcada de 1980 este setor experimentou um rpido crescimento, baseado, sobretudo na falsificao de marcas conhecidas. Esse crescimento acelerado provocou ao mesmo tempo um aumento populacional desordenado, provo-cando problemas para o meio ambiente, para a oferta de moradia, oferta de vagas em escolas, lazer, servios de sade e saneamento.

    Ao final da dcada de 1980, havia na cidade cerca de 350 empresas fa-bricantes de calados, com a grande maioria delas apresentando baixa produ-tividade e sistema de gesto, comercializao e tecnologias rudimentares. Os calados produzidos eram de baixa qualidade, a fora de trabalho era mal remunerada e com alto nvel de trabalho infantil. Desde que o mercado brasi-leiro de calados foi aberto competio internacional, o setor passou a se esforar para melhorar os ndices de qualidade e produtividade. No final da dcada de 1990, Nova Serrana era o terceiro plo produtor de calados do Brasil.

    O maior problema identificado para o desenvolvimento futuro do setor foi justamente a baixa capacidade tcnica da fora de trabalho, tanto no cho de fbrica quanto do setor administrativo e comercial. Tanto a Prefeitura quanto o Sindicato dos Fabricantes de Calados possuam diagnstico seme-lhante sobre a situao. Contudo, as iniciativas do poder pblico local e da entidade representativa dos fabricantes foram pontuais e, ainda mais grave, completamente desarticuladas uma da outra. O xito desse tipo de poltica depende em grande medida do envolvimento daqueles setores atingidos pelas polticas. Assim, no caso de Nova Serrana, para superar os principais garga-los do setor caladista exigia-se algumas medidas que passavam necessaria-mente pela ao conjunta e sistemtica dos atores relevantes, entre eles a Prefeitura, o Sindicato dos Fabricantes, o Sindicato dos Trabalhadores, assim como as instituies educacionais locais e federal (CEFET Centro Federal de Educao Tcnica). Somente em anos mais recentes passou a ser constru-da uma tal alternativa, aps a desobstruo do cenrio poltico.

    Por outro lado, outras experincias demonstram que a possibilidade de constituio de redes de polticas pblicas est sendo explorada de maneira satisfatria. Dentre os programas executados atualmente pela Secretaria Esta-dual da Sade do Rio Grande do Sul, o mais importante deles tem como objeto a reduo da mortalidade infantil. Denominado Primeira Infncia

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    Melhor (institudo pela Portaria 15/2003, da Secretaria de Estado da Sade, de 7 de abril de 2003), o Programa coloca em prtica medidas de ateno integral s crianas de 0 a 6 anos de idade residentes nas zonas rurais e urba-nas em situao de risco social. nessa fase da vida, segundo o Programa, que vo se formar as bases essenciais do desenvolvimento fsico, psicolgico e da personalidade da criana. O programa Primeira Infncia Melhor inspi-ra-se em experincia semelhante existente em Cuba, onde o foco da ateno promover o papel da famlia como protagonista na ateno a suas crianas. A execuo do programa conta com o envolvimento de outras secretarias de Estado, porm no est cargo exclusivamente dos rgos governamentais, uma vez que desde o incio j previa a participao permanente de associa-es comunitrias. Na primeira fase do programa, os responsveis pelo pro-grama buscaram parcerias com entidades da sociedade civil, alm da consti-tuio do Comit Estadual para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infncia (institudo pelo Decreto N. 42.199 de 07 de abril de 2003). Fazem parte desse comit, alm de representantes de secretarias de Estado, entidades representativas do setor produtivo, dos municpios, de moradores de bairro, ONGs, a CNBB, dentre outras entidades. Na segunda fase constituram-se Equipes Tcnicas Municipais com carter interinstitucional e intersetorial, alm da constituio do Comit Municipal da Primeira Infncia dentre outras iniciativas.

    Esta breve referncia ao Programa Primeira Infncia Melhor relevante aqui para tornar explcito que os novos papis tanto do Estado quanto da sociedade tm sido assimilados pelos gestores pblicos no Brasil. Isso permi-te afirmar que o contexto poltico e social atual no Brasil, e especialmente no Rio Grande do Sul, tem apresentado as condies propcias para a constitui-o de redes de polticas pblicas, no apenas pela incapacidade do governo de assumir sozinho as responsabilidades nesse empreendimento, como tam-bm pela maturidade institucional das organizaes da sociedade civil ga-cha, alm da capacidade seja tcnica, seja em capilaridade social dessas instituies em contribuir satisfatoriamente para se alcanar metas no esta-tais, mas compartilhadas pelos mais diversos setores da sociedade.

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