Terapia cognitivo-comportamental das depressões

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    T E R A P I A C O G N I T I V O - C O M P O R T A M E N T A L

    i D A S D E P R E S S E SRicardo Wain

    Giovanni Kuckartz Pergh

    Neri Maurcio Piccokrt

    -

    U m dos problemas sociais que mais afligem a populao mundial , sem sombra de dvida, a depressoliversas as pesquisas que demonstram o enorme sofrimento que os indivduos vitimados por essa psicopatologirtam e que impem a seus familiares. Alm disso, comprovado o significativo prejuzo causado sociedadel um todo, em virtude da disfuncionalidade parcial e/ou at mesmo total acarretada pela depresso .

    A depresso constitui-se nu m importante campo de investigao,tanto em nvel de estudos psicopatolgicospsicoterapias como em nvel social. Essa ocorrncia devida ao fato de a depresso atingir grande percenta-

    da populao , causando inutilidade temporria ou permanente nessas pessoas.A importncia do estudo da depresso, seja de sua etiologia, seja dos tratamentos mais eficazes para sua

    1 0 ,decorre de ser a perturbao psiquitricamais frequentemente encontrada e tambm aquela que, por vezes,ta o terapeuta com situaes dramticas(riscos de suicdio, por exemplo) (Gouveia, 1990).Alm disso, um outro dado alarmante refere-se ao fato de o aparecimento da depresso comeara deixar

    ser exclusividade de populaes mais idosas e, principalmente, de mulheres para aparecer, com grande incidn-3 J populaojovem e, no sexo masculino (Coryell et al., 1995), constituindo, assim, parcial ou total incapacidade

    ^abalho para a populao na faixa mais produtiva.

    As TCCs, em especial a terapia cognitiva da depresso de Beck (Beck et al . 1981/1979), constituiram-se, desdei gimento at os dias atuais, na abordagem teraputica de excelnciapara o tratamento dos transtornos depressivos,

    -xisagrao se deu na medida em que o formato dessa psicoterapia era breve (ou, pelo menos, de tempo limitado),do, de fcil homogeneizaode treinamento para outros psicoterapeutas e focado em processamentos de infor-

    conscientes do paciente, trazendo, com isso, esbatimento rpido da sintomatologia, alm de uma maior autonomia^ente pelo fato deste aprender a lidar com suas cogniesdisfuncionais (carter psicopedag gico).Anteriormente

    los prioritriospara tratamento dessa classe nosogrfica consistiam ou no modelo comportamental ou no modeltico, que se mostravam pouco eficazes ou muito estendidos na reduo da sintomatologia.O grande sucesso das TCCs no tratamento das depresses consiste em atacar as crenas e as regras

    ionais por meio das quais todos os dados ambientais e mnemn icosdo paciente s o processados, gerando oserros de pensamento e comportamentos/emoes disfuncionais. Os propsitos finais fundamentais da

    consistem em aumentar o nvel de automonitoramento do paciente sobre seus pensamentos, fazendo com queentifique suas crenas , cheque o quanto acredita nelas e aprenda a testar sua veracidade e/ou validade a partir

    rcedimentos de reso luo de problemas mais racionais. Com isso, acredita-se que o paciente obtenha umaurao cognitiva e adquira as tecnologias necessrias para tomar-se seu prprio terapeuta, tanto duranteao t rmino do tratamento, buscando, com isso, preveno de futuras recadas. Vale salientar que o desperta

    eresse da comunidade cientfica para a TCC se deu prioritariamente para a depresso; porm ,seus promisso-dtados estimularam a irradiao dessa abordagem para diversas outras psicopatologias, fazendo dela onto de escolha para uma ampla gama de transtornos mentais.

    usos

    D I A G N S T I C O

    A q u e s t o do d i a g n s t i c o e da c o n c e i t u a l i z a o sempre se mostrou controversa, causando, pordesencontros na terminologia cient f ica . Na atualidade, o problema ainda bastante presente, embo-

    itas tentativas venham sendo feitas para remediar essa lacuna da homogeneidade de d iagns t ico da s s o .

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    As dificuldades diagnosticas ficam evidentes pela quantidade de trabalhos cientficos em que os objethesto relacionados quase exclusivamente com mincias diagnosticas, como, por exemplo, a verificao das difeas entre as subdiv ises dos estados depressivos (Haslam & Beck, 1994; Pepper et al., 1995), o estudosintomatologias comportamentais depressivas caractersticas (Krishnan et al., 1995) ou mesmo a validaomodelos diagnsticos (Petronis & Kennedy, 1995).

    No presente captulo ser utilizado, como critrio classificatriodas depresses,o critrio utilizado no DFV-TR, ou seja. o da abordagem sindrmica quantitativa, que empregada com a finalidade de melhorar a confiabiliddo diagnstico,possibilitando uma linguagem quase universal entre os profissionais de sade mental.

    Quando falamos em dep resso , estamos nos referindo, mais especificamente, class if icao de cpresso maior. Essa class if icao provm do Manual de Diagns t ico e Esta t s t ico de Transtornos Ment(quarta ed io - texto revisado) - D S M - I V- T R . Acredita-se ser importante essa de l imi tao , pois a depso, ou melhor, a sintomatologia depressiva pode ser encontrada agregada a diversos outros quadros psicoto lg icos , sem, no entanto, ser o foco central do dis trb io . Segundo o D S M - I V- T R , para o d iagns t icotranstorno depressivo maior, necessr ia a presena de pelo menos um ep isd io de dep resso maior, qudefinido pelos seguintes cr i t r ios :

    A . Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante um perodo de 2 semanarepresentam uma alterao a partir do funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas humor deprimido ou (2) perda do interesse ou prazer.

    Nota: No incluir sintomas que se devam nitidamente devidos a uma condio mdicageral ou a alucies ou delrios incongruentes com o humor.

    (1 ) humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (porsente-se triste ou vazio) ou observao feita por outros (por ex., chora muito);

    Nota: Em crianas e adolescentes, pode ser humor irritvel.(2 ) interesse ou prazer acentuadamente diminudos por todas ou quase todas as atividades na maior p

    do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observao feita por outros);(3 ) perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (por ex., mais de 5% do peso corporal er

    ms) ou diminuio ou aumento do apetite quase todos os dias;Nota: Em crianas, considerar falha em apresentar os ganhos de peso esperados.(4) insnia ou hipersonia quase todos os dias;(5) agitao ou retardo psicomotor quase todos os dias (observveis por outros, no meramente sensa

    subjetivas de inquietao ou de estar mais lento);(6 ) fadiga ou perda de energia quase todos os dias;(7 ) sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), quase todo

    dias (no meramente auto-recr iminaoou culpa por estar doente);(8 ) capacidade diminuda de pensar ou concentrar-se, ou indeciso, quase todos os dias (por relato sub

    t ivo ou observao feita por outros);

    (9 ) pensamentos de morte recorrentes (no apenas medo de morrer), ideao suicida recorrente semplano especfico, tentativa de suicdio ou plano especfico para cometer suicdio;

    B . Os sintomas no satisfazem os critrios para um episdio misto (p. 319).C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuzo no funcionamento social

    ocupacional ou em outras reas importantes da vida do indivduo.D. Os sintomas no se devem aos efeitos fisiolgicos diretos de uma substncia (por ex., droga de ab

    ou medicamento) ou de uma condio mdicageral (por ex., hipotiroidismo).E. Os sintomas no so melhor explicados por luto, ou seja, aps a perda de um ente querido, os sinto

    persistem por mais de 2 meses ou so caracterizados por acentuado prejuzo funcional, preocupamrbida com desvalia, ideao suicida, sintomas psicticos ou retardo psicomotor.

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    dizer que, quanto maior for o nmero de episdios depressivos no passado, maior a probabilidade de que venham a ocorrer no futuro (veja Figura 1). As implicaes paia o planejamento da psicoterapia so bvias :fpacientes com depresses de carter crnico sero necessrias intervenesde maior durao e um acompamento a longo prazo mais sistemtico. Nos casos em que os episdios depressivos so circunscritos, intervende curta durao usualmente so suficientes e as preocupaes com acompanhamentos de longo prazo so mres. A deteco e o tratamento do primeiro episdio de depresso maior s o de fundamental importncia ,poisadequada intervenoaos primeiros sinais melhora o curso dessa psicopatologia, que tende a ser recorrente (PiccolWainer, Benvegn e Juruena, 2000).

    Episdios depressivos anteriores

    Figura 1: Probabilidade de recorrncia de episdio depressivo maior, e m funo do nmero de episdios anteri

    U m outro aspecto que deve ser considerado ao se estabelecer o prognst ico de um quadro depresenvolve caractersticas da rede de apoio social. Na realidade, mais importante que a rede de apoio a percepque o paciente tem a seu respeito. perfeitamente possvel que o terapeuta avalie o entorno social de algum procura atendimento como sendo favorvel e essa pessoa no veja a situao da mesma maneira. De mrelevncia, portanto, no a rede em si, e sim a satisfao do paciente com re lao a ela. Assim, um descontemento com o suporte social est associado a uma menor probabilidade de obtenode melhoria do quadro depres(Ezquiagua et al. 1999). Por outro lado, uma histria de estabilidade nas amizades durante a adolescncia, como no funcionamento familiar so indicativos de bom prognst ico (Riise e Lund, 2001).

    O ambiente no qual o paciente est inserido pode exercer influncias sobre o quadro depressivo de divemaneiras. Entre essas inmeras influncias,os estressores psicossociais tm um importante papel, principalmente no qrefere cronicidade da psicopatologia. Doenas na famlia, problemas financeiros, dificuldades de moradia so algexemplos desse tipo de estressores, os quais devem ser devidamente investigados, uma vez que mostram-se como fcontribuintes no prolongamento de episdiosdepressivos (Riso, Miyatake e Thase, 2002). Alm disso, a interveno psicotemuitas vezes, vai incidir,direta ou indiretamente, sobre esses aspectos, facilitando, assim, a remisso do quadro.

    A depresso maior frequentemente acompanhada por outros transtornos de eixo I - principalmente trtornos de ansiedade e abuso de substncias. Esses elevados ndices de comorbidade, entretanto, no so por acConforme veremos mais adiante, existe uma srie de processamentos cognitivos que esto subjacentes a divepsicopatologias, ou seja, diferentes sintomas s o provocados por mecanismos psicolgicosbastante semelhantes.casos em que h outros transtornos psiquitricos presentes, estes possivelmente iro necessitar de consideradecorrer do trabalho psicoterpico, proporcionando, assim, uma ampla abordagem das dificuldades do paciente.

    U m fator usualmente associado a uma refratariedade quanto ao tratamento da depresso diz respeit

    caractersticas de personalidade - mais especificamente, aos transtornos de personalidade. Os dados da literat

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    I H S . .. experincia clnicados autores, tm apontado que os casos de depresso, quando associados a trans-K K de personalidade, so de tratamento mais difcil e prolongado.

    Nos casos em que h comorbidade co m transtornos de personalidade, frequentemente exigido do terapeuta^^oecimento de um amplo arsenal de estratgias psicoteraputicas,bem como uma elevada flexibilidade clnica

    ..-ao. Tais habilidades funcionam como auxlio para lidar com a refratariedade intrnseca a esses-. A tolerncia frustrao igualmente importante, na medida em que a melhora, em muitos casos,

    Mfia .

    No estudo da personalidade (e de seus transtornos), uma das caractersticasque vm sendo extensamenteBisadas o neuroticismo. Sendo definido como uma "instabilidade emocional, vulnerabilidade ao estresse er a s o ansiedade" (Riso, Miyatake, Thase, 2002:105), o neuroticismo, quando presente em quadros depressivos,

    ta uma forte relao com resultados de tratamento pouco satisfatrios.Diversos estudos tm assinalado o sexo feminino como um fator de risco para a depresso, embora exis-

    Jas quanto fidedignidade desses dados, na medida em que as mulheres apresentam, em funo deeiocuturais, uma maior tendncia a procurar auxlio e a externar os sintomas experienciados, quando

    idas aos homens (Mller-Leimkuhler,2002). Outro aspecto que tende a mascarar as estatsticas o fato de~-o em homens frequentemente vir associada a quadros de dependncia qumica/a lcool ismo,levando a um

    >_c o principal de um transtorno aditivo, e no de um transtorno afetivo.J se sabe que a depresso est frequentemente associada a outros transtornos, entre os quais destacam

    os J> ansiedade e os aditivos. Os altos ndices de comorbidade com essas psicopatologias especficas no so^^fab: eles refletem estruturas e processamentos cognitivos semelhantes.

    A percepo de ausncia de controle sobre as situaes gera ansiedade. Na tentativa de reduo dessa|teec^de. o paciente tenta gerar ou trabalhar com estratgias de enfrentamento para diminuir o grau de desconfor- p o r ela. Entretanto, se no conseguir diminuir o nvel de ansiedade a partir de suas tentativas, h umal f e c ' c : a de inventar crenas acerca de sua baixa capacidade para lidar com problemas novos, gerando uma baixa-mm.-- ma. Pode-se ver. assim, o espectro entre ansiedade e depresso. Por um lado. o paciente se acha incapaz

    m situaes difceis, e isso gera ansiedade. Por outro, a exposio sistemtica a situaes "sem controle"mt-. - r.a posio de desespero/desamparo bastante caracterstica dos quadros depressivos (Seligman. 1996),

    Outra classe de transtornos frequentemente encontrada em comorbidade com quadros de depresso refe- c . mportamentos adimos. Nesses casos, as substncias psicoativas so consumidas com o intuito de lunci-mus . paliativos para o elevado sofrimento que experienciam. Um aspecto que muitas vezes entra cm jogop c : -.entes que fazem uso de lcool ou de outras drogas para aliviar sua aflio um repertrio muito restrito de( K V. , as de enfrentamento. Assim, diante de situaes de dificuldade, tais pacientes fazem uso de regras dern rn c - desadaptativo, que versam fundamentalmente sobre a necessidade de consumo de substncias para o amoras . dos sintomas, uma vez que respostas mais eietivas de enfrentamento so bastante limitadas. Essa carn-

    H c n termos de estratgias de enfrentamento adaptativas, associada a regras que incluem o uso de drogas paraame : ..co do sofrimento, representa um fator de vulnerabilidade para a perpetuao do transtorno depressivo e o

    volvimento de uma dependncia qumica .

    I O D E L O S C O G N I T I V O - C O M P O R T A M E N T A I S

    Sendo que a depresso foi um dos primeiros distrbios psicolgicosa ter grande repercusso na vinculaoK i terapia cognitiva, diversos foram os modelos psicopatolgicosdesenvolvidos para explicar e predizer o moduswundi desse transtorno. Existem conceitualizaes teorticasbastante distintas sobre a gnese e o desenvolvi-Hso das depresses dentro do cognitivismo, algumas priorizando a arquitetura cognitiva, outras,C os processos deciamento da informao, outras, os impactos ambientais sobre a cognies e outras, com nfase em um grande

    . ognitivo, como a habilidade de resoluo de problemas. Sem dvida, os modelos mais utilizados na prticaB dmicos so os modelos enquadrados dentro das teorias de estruturas mentais, em que se pode elencar a teoria

    sana com uma das mais significativas. Outras teorias explicativas do patolgico,como a teoria dos estilos explicativosL _ Seligman e Teasdeale, 1975), a teorias de redes (p. ex., Bower, 1981) ou, ainda, a teoria dos modelos mentais

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    (Johnson-Laird, 1993) so teorizaesextremamente criativas e interessantes. Entretanto, ainda apresentam l i r r 'aplicabilidade. Neste captulo, enfatizaremos dois modelos que pressupem estruturas mentais: o modelo de(Beck et al. 1981/1979) e o Modelo PsicopatolgicoOrientado s Estruturas do conhecimento.

    M O D E L O D E B E C K

    Vrios estudos reforam a eficcia de analisar-se a depresso e as demais psicopatologias dentabordagem cognitiva. Tanto o que a utilizao de tcnicas psicoterpicasque possuem em seu arcabouabordagem obtm excelentes resultados pr t icos . Resultados em nvel de aval iao das terapias cognit: .tratamento da depresso mostraram ser esta equivalente ou superior ao tratamento com medicao antidepre-e superior ou equivalente terapia comportamental (Williams, Scott e Beck, 1992/1993).

    Falar do conceito de dep resso sob a abordagem da psicopatologia cognitiva nos remete autorrumente a dois conceitos fundamentais e que constituem a base do entendimento desse d i s t r b i ocognitivistas. So eles: o esquema disfuncional e a " t r ade cognitiva"' da dep resso . T ais conceitosrespeito es t ru tu rao cognitiva que afetam sobremaneira a personalidade do ind iv duo e, consequenteseus comportamentos.

    Os esquemas so vistos pela Psicologia Cognitiva e pela TCCs como as estruturas cognitivas que ons.

    zam a experincia e o comportamento e que tm as "crenas" e as "regras" que representam os conteVesquemas e, por conseguinte, determinam o contedo do pensamento (Beck e Freeman, 1993/1990).

    A "trade cognitiva" da depresso ,por sua vez, consiste de trs padres cognitivos principais, que indmo paciente a encarar a si mesmo, seu futuro e suas exper incias de uma forma idiossincraticamente negaiCompe-se de:

    a) tendncia a subestimar ou a criticar a si mesmo pelas dificuldades;b) tendncia a interpretar suas experincias correntes de forma negativa; ec) viso negativista do futuro (Beck et al., 1981/1979).Apesar de existirem diversas teorias que trabalham sob o prisma de uma estrutura cognitiva espec

    abordaremos, neste captulo, unicamente a teoria que fala dos esquemas mentais, por ser o constructo maislhado com

    relaos teorias da

    depresso .Esquemas (schemata no ingls britnicoe schema no inglsamericano) s o definidos como "padrescognkirelativamente estveis que formam a base paia a regularidade nas interpretaes de um conjunto particular dc es" (Beck apud Champion s Power, 1995). O pressuposto bsico dessa teoria que os esquemas funcionam cemodelos referenciais internos que, ao serem ativados, escrutinam, codificam, categorizam e avaliam os estima

    Assim, todas as informaes, sejam elas provenientes do meio externo (p. ex., discusses, desempenho noou interno (p. ex., sensaes corporais, sentimentos) so processadas de acordo com essas estruturas.

    Segundo esse modelo, os esquemas funcionam como uma espcie de matriz, a qual reveste as expericotidianas de sentido. Todos possuem um conjunto idiossincrtico dessas estruturas, e este conjunto que,gerenciar os processos que ocorrem entre a entrada de informaes advindas do ambiente e os comportameaiemoes e reaes fisiolgicas,faz com que cada pessoa seja nica, diferente das demais. As interpretar

    fazemos sobre o ambiente, portanto, no se referem a componentes preexistentes na realidade, uma vez qs o fruto de cognies singularmente construdas. Isso explica, por exemplo, como uma mesma situaopodeinterpretada de maneiras to singulares por diferentes indivduos.

    Suponha que o chefe de um determinado setor de uma empresa diga aos seus func ion r io s : "Tvocs e s to muito p r e g u i o s o s . Se no produzirem mais, c a b e a s vo rolar!". Diante disso, o funcio*"*J o o pensa: "Esses meus colegas so uns incompetentes mesmo. Se dependesse de mim, nossa p r o d u teria dobrado". Ao mesmo tempo, A n d r tem ideias bastante distintas: "O chefe es t se referindo a iEu estou afundando a empresa e prejudicando os outros". Nessa s i tuao , se r que realmente existed i fe rena abissal no desempenho dos dois func ion r io s? Pode at ser que sim. Essa, entretanto, ajunta h i p t e s e . Uma outra alternativa poss ve l a de que, frente a ve rba l izao do chefe, diferentesrenciais pessoais foram utilizados para in te rp re t - la , gerando diferentes respostas. E justamente j

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    ponto - as in te rpre taes que so feitas sobre os eventos - que incide grande parte do trabalho dasapia cognit iva para a d e p re s s o .

    Os esquemas, por serem os formadores da identidade das pessoas, no so desadaptativos a priori. Todos:> ssuem um conjunto de cognies que so utilizadas para atribuir significado s experincias, atribuioessa quejrce ser perfeitamente adequada. Entretanto, algum nvel de distoro dos dados objetivos sempre estar presente

    j ida em que a prpria noo de realidade uma construo, determinada pelos processamentos cognitivosacentes interpretao dos dados objetivos. O que est relacionado s psicopatologias, portanto, no so os

    escjemas em si , mas sim o fato de serem rgidos, inflexveise hipervalentes. A diferena entre sade e doena nopce ser compreendida em termos qualitativos, mas sim em termos quantitativos, ou seja, todos distorcem a realida- e : a questo o quanto fazem isso (Fennell, 1989/1997).

    Quando desadaptativos, os esquemas so responsveispor uma excessiva tendenciosidade no processamentotormacional. Cada psicopatologia est associada com distores especficasque so realizadas em relao aomt\o ambiente e ao futuro - os trs componentes da trade cognitiva. No caso da dep resso , as tendenciosidadescridas pelos esquemas aparecem sob a forma de uma propenso a interpretar a si mesmo, ao mundo e ao futur

    aneira demasiadamente negativa, constituindo a trade cognitiva da depresso .

    A c o n s t r u o da realidade com base em referenciais p r p r i o s um processo extremamente particula-a-ido e que c o m e a muito precocemente, quase logo a p s o nascimento. A partir das in te raes cotidianas da

    :a com o ambiente, vo sendo insidiosamente edificadas estruturas cognitivas que i r o ditar a maneireer -.o os dados da realidade sero compreendidos. Esse incio extremamente pr imi t ivo dos esquemas torna-ospr "..ndamente familiares, fazendo com que sejam vistos pelo sujeito como verdades absolutas e inquestionveisfceck et al. 1981/1979).

    Para uma compreenso adequada de um quadro de depresso, necessrio sempre ter em mente que hIfe: um passado que tende a facilitar a perpetuao dos esquemas disfuncionais e, em consequncia disso, dos H k i t s comportamentais. Tais referenciais passados so utilizados pelo paciente para fundamentar suas ideias

    da imutabilidade de sua decadente condio atual, gerando uma srie de crculos viciosos. Talvez o maisnrortante desses crculos refira-se a uma no-emisso de respostas de enfrentamento, a qual s vem a corroborar

    nies disfuncionais. Nesse sentido, conforme veremos na sesso sobre o tratamento, a terapia cognitivavisar, entre outras coisas, um ganho comportamental concreto, na medida em que, havendo tal modificao,

    pcuios viciosos comeam a ser quebrados.

    Outro aspecto importante da teoria cognitiva, , portanto, no ver o sujeito como desejoso de sua condio, s como prisioneiro da forma como suas cognies se estruturam. N o uma questo de querer ou no, mas sim

    iseguir processar a informao de modos distintos.Em termos de uma interveno teraputica,entretanto, a viso deve ser diametralmente oposta. Os esque-

    B > maladaptativos s o compreendidos como estruturas que foram aprendidas, podendo, portanto, ser desaprendidas L melhor dizendo, reaprendidas de maneira mais adaptativa.

    A t o presente momento, discorremos, fundamentalmente, sobre as estruturas cognitivas denominadasouemas, as quais contm as crenas e que esto profundamente arraigadas na estrutura psicolgica do sujeito, r o o . portanto, difceis de acessar conscientemente. Tais estruturas, por sua vez, funcionam como pano de fundoT B T i um nvel mais superficial de cognies - os pensamentos automticos - , mais facilmente acessveis medianteir i toramento.

    Os pensamentos automticos (PA's) so comuns a todos ns; eles so intrnsecos ao fluxo normal denento, pois, a toda hora, estamos interpretando de alguma forma os eventos vivenciados. Como fazem parte

    _m padro repetitivo de raciocnio, os PA's so extremamente habituais. Embora passem a todo instante pela>ia cabea , normalmente no so percebidos conscientemente, justamente em funo de nos serem altamente

    iiares. E esse nvel de cognio que faz a mediao entre uma determinada situao vivida e as reaes dela

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    N o exemplo anterior, os dois funcionrios tiveram reaes distintas diante da mesma situao. Joo, pensado "Esses meus colegas so uns incompetentes mesmo", sentiu raiva de seus companheiros, e sua posterior foi de represlia daqueles que julgava desprovidos de habilidades para trabalhar no setor. Andrcontrrio, sentiu-se culpado, pois seu pensamento "Eu estou afundando a empresa e prejudicando os outros" as responsabilidades pela baixa produo a ele prprio, e no equipe como um todo. Como consequncia

    cabisbaixo, sem conseguir olhar os colegas nos olhos.Como pode ser percebido nesse exemplo, um mesmo evento, ao ser interpretado de maneiras dife

    deu origem a respostas bastante diferenciadas. O que esteve em jogo, portanto, no foi a situao em si , mas pensamentos que fizeram a mediao entre o que foi objetivamente experienciado e as reaes advindas diatai situao.Tendo em vista que esses pensamentos esto intimamente relacionados com os estados de humconstituem-se num importante foco de atuao para terapia cognitiva.

    Os pensamentos automticos , assim como os esquemas, no ocorrem apenas nos quadros depressipsicopatolgicos; eles so constituintes da cognio humana. O que acontece, no caso da depresso , quede pensamentos automticos determinado por um sistema de crenas j estruturado de maneira desadaptornando aquele nvel mais superficial de cognies tambmdisfuncional. Temos, ento , pensamentos autonegativamente carregados, os quais interpretam sistematicamente os dados objetivos de maneira pessimista.

    acaba havendo, portanto, uma srie de erros de pensamento, que acabam por distorcer a realidade segunvis depressivo. A Figura 2 representa esquematicamente tais distores.

    Processamento informal(erros de pensamento)

    neutro

    Figura 2. Representao esquemticadas distores da realidade realizada por pacientes depressivo

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    l C C O L O T C sNITIVA DAS DEPRESSES 69

    o , por tea atitude

    ndr, pelo" atribuicia, ficou

    ferentes.

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    mor, eles

    ivos ou

    e o fluxoaptativa.

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    . O quendo um

    nportante ressaltar que, ao afirmarmos que os pensamentos automticos (e. por conseguinte, os esque-mtimamente relacionados com os estados de humor, no estamos falando em uma relao causal,

    modelo cognitivo, o pensamento disfuncional no causa a depresso;ele apenas um constituinte dela.apontado anteriormente ao comentarmos acerca dos aspectos etiolgicos, a depresso tem sua origem a

    complexa interao entre uma ampla gama de fatores, entre os quais esto os cognitivos. EmboraciLsem dep ress o,o fato de realizarem a mediao entre os dados objetivos do ambiente e as respostas

    associado ao fato de serem passveis de monitoramento e alterao, atribui-lhes papel centrai eme interveno teraputica.h J inmica da estruturao cognitiva em pacientes com depresso foi exposta da seguinte maneira:

    - infantis precoces atuando na edificao de esquemas disfuncionais, os quais, por sua vez, funcio-o pano de fundo para os pensamentos au tomt icos , que acabam sendo negativamente carregados.

    te. seria razovel supor que, para haver modificao dos pensamentos au tomt icos , preciso quemudanas nas suposies subjacentes, na medida em que o colorido daquele nvel mais superficial de determinado por essas estruturas mais arraigadas. Essa lgica, entretanto, no vlida em termos

    . Conforme veremos mais adiante, na sesso destinada ao tratamento, a interveno psicoterpica

    ncialmente sobre os pensamentos au tomt icos disfuncionais, para posteriormente serem trabalhados osis precocemente estabelecidos.

    M O D E L O P S I C O P A T O L G 1 C O O R I E N T A D O S E S T R U T U R A S D O

    B N H E C I M E N T O

    A partir da explicitao de todos os axiomas advindos de sua pesquisa de mestrado e da investigao doarte sobre as caractersticasde funcionamento de pacientes com depresso maior, Wainer (1997) reali-

    pa . * . -iriio de um modelo da depresso em adultos, buscando a.s bases do entendimento da dinmica psquica- enquadra-se cada axioma. Essas bases referem-se fundamentalmente aos nveis de estrutura do conhe-

    JBfe__ que guiam os processamentos mentais. Esse modelo, chamado Modelo Psicopatolgico Orientado s

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    70 R I C A R D O W A I N E R / G I O VA N N IK U C K A R T Z P E R G H E R / N E R IM A U R C I O P I C C C

    PROCESSOS DE CONTROLE

    i

    O R I G E M r Ei

    CAUSA

    i

    PROCESSO

    I

    ]-[ ESULTADOL O G I C

    D I N M H

    ExperinciasIniciais

    Estruturas deConhecimento

    Explicativo(Declarativo)

    > ProcessosCognitivos

    (ConhecimentoProcedural)

    > Comporta-mento

    D I N A M I OPSQUICA

    *ExperinciasInfantis

    * EstressoresPsicossociais

    Dficits no nvelda

    Metacogn io

    *Baixo Auto-conceito

    *Baixa Auto-estima

    *Esquema

    Cognitivo

    Aegativo

    T r a d eCognitiva da

    D e p r e s s o

    * Represen taesDistorcidas

    T

    *Dficits naHabilidade deResoluo deProblemas

    *Estreitamento

    Perceptivo por

    Ateno a Detalhe::

    *Diminuida

    ImaginaoCriadora

    *Dficits eTendenciosidade

    da Memr ia

    > *Lentificao

    *Baixa

    Produtividade

    ^Tristeza

    * Anedonia

    * ProblemasAlimentares

    * DistrbiosdoSono

    * Agressividade

    t

    D I N A M ID E P R I

    Fi g u ra 3: Esquematizao do Modelo Psicopatolgico Orientado s Estruturas do Conhecimento.

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    A C O G N I T I V A D A S D E P R E S S E S 71

    O presente modelo apresentado demonstra o paralelismo entre os trs nveis dinmicosde entendimento doamento da cognio humana. Num nvel mais geral, temos a dinmica lgica,expressando as relaes entres da estrutura proposta. Por exemplo, demonstra as re laes entre "causa" e "processo", explicitando

    i "causa" influencia o "processo" e vice-versa. Num outro nvel, tm-se as estruturas e os processos relaci-ao conhecimento humano, responsveispela gnese e pelo desenvolvimento do psiquismo humano.

    Num nvel bastante especfico, temos como toda essa estrutura do conhecimento apresenta-se na dinmicaiva. Assim, para melhor expl icao ,pode-se entender o baixo auto-conceito, o esquema cognitivo negativo

    representaes mentais do depressivo como oriundos das estruturas do conhecimento explicativo (declarati-que a "causa" dos processos cognitivos, que, por sua vez, gerenciam o comportamento.

    O modelo proposto caracterizado por um conjunto de processos sequenciais com in terdependncias. nos quais se centra a ateno nos processos que os indivduos utilizam para representar, armazenar e

    informaes que, finalmente, sero acessadas na resposta comportamental.As relaes propostas no presente modelo, principalmente aquelas relacionadas entre as estruturas do

    iento explicativo com os processos cognitivos advindos do conhecimento procedural, no aparecem dire-na literatura psicopatolgica,principalmente pela dificuldade metodolgica de operacionalizao das rela-

    desses dois tipos de conhecimento, constructos da aprendizagem sob a tica cognitivista.A anlise da esquematizao representativa do modelo proposto, apresentado no fluxograma da Figura 3,

    que todo comportamento depressivo eliciado por est mulos internos e/ou externos e resultante deeiamentos feitos pelos processos cognitivos superiores. Esses processos, por sua vez, esto condicionados

    . nhecimentos bsicos do sujeito a respeito de si mesmo e do ambiente (conhecimento explicativo), a partir dosformula as produes (estrutura de conhecimento procedural). Tais conhecimentos explicativos s o oriundos

    -epresentaesmentais que o sujeito constri a partir de seu contato com o meio ambiente e pelas elaboraess no processo de armazenagem de conhecimentos na memr ia de longa durao . Quando se fala nessas

    ntaes est se referindo tanto ao ambiente no sentido fsico quanto no psicossocial.Apesar de os processos cognitivos serem, em grande parte, constitudos pelo processo de compilao do

    mento explicativo em conhecimentos procedurais, estes lt imos tamb mpodem afetar o primeiro, na medi-em que, fundamentalmente, interferem no processo de percepo/representao do sujeito. Portanto, h uma

    -relao nos dois sentidos em re lao causa-processo (advindo da dinmica lgica do modelo).

    Outro item constitutivo do modelo psicopatolgico orientado s estruturas do conhecimento de grandecia a metacognio ,ou os processos de controle, como foram denominados respectivamente na dinmi-

    uica e na dinmica lgicado modelo. A metacognio responsvel pelo gerenciamento de todo conhecido indivduo exigido pelas demandas das tarefas cognitivas que o sujeito empreende. Apesar de ser umae um tanto autnoma no modelo, ela sofre uma nica influncia dos demais conhecimentos - quanto maior adade de informaes (no caso da depresso, informaes irrelevantes ou psicopatolgicas) na memria deurao, menor a utilizao da metacognio e, consequentemente, menor o controle sobre o empreendimen-

    r . . i t i vo levado a cabo.

    Embora se saiba que h eventos que originam os conhecimentos disfuncionais que acabam por constituir

    quadro psicopatolgico,nos estudos de psicopatologia cognitiva e at mesmo nos estudos de psicoterapia cogniti vo-rtamental, tais origens no so o foco dos estudos. Isso por acreditar-se e ter-se comprovaes c l n icasdaa de que, se atingida a causa ou somente os processos, j obtm-se alteraescomportamentais oriundas de

    sformaes cognitivas internas. Desse modo, a expl icao da dinmica depressiva no se centrou no tpicoem. mas nos demais tpicos do modelo.

    O comportamento depressivo observvel, constitudopor todos os sintomas j amplamente descritos pelafia psiquitrica clssica, resultante do modo como o indivduo com depresso maior forma e transforma as

    - representaes mentais - unidade bsica na qual todos os conhecimentos se estruturam.Nos depressivos, observam-se representaes proposicionais (do conhecimento explicativo) acerca de si

    mos e do mundo que so caracterizadas pela menos valia e pela desesperana .A encontram-se o baixo auto-ceito e a baixa auto-estima, bem como o esquema cognitivo disfuncional e sua trade cognitiva.

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    terapia fundamental, pois a partir dele que seroestabelecidos os parmetrospara o desenvolvimento dotrabalho vindouro, A psicoeducaodas sessesiniciais pode ser dividida em duas grandes reasinterdependentes:uma relativa psicopatologia e outra relativa terapia em si (e a seus princpios).A separaoentre a psicoeducaiquanto psicopatologia e quanto terapia em si foi realizada apenas com fins didticos,uma vez que suainterdependnciafaz com que ambas sejam trabalhadas conjuntamente.

    No concernente psicoeducaoquanto psicopatologia, o paciente precisa receber informaessobreo(s) transtomo(s) diagnosticado(s), tanto com relaoao seu curso quanto ao seu funcionamento. recomendai Ique seja feito um "gancho", relacionando o desenvolvimento dos sintomas com a histriade vida do paciente.Fazendo tal relao, ficafacilitada a compreensoda doenae de seu significado diante de sua histria,proporeionando uma maior clareza a respeito do que h pela frente para ser enfrentado. preciso que fique claro para opaciente que, da mesma forma que seus sintomas foram construdos,eles podem ser reconstrudos,e isso que Iterapia vai visar. As informaessobre o curso do transtorno, conforme veremos mais adiante, ao examinarmos assessesfinais, um importante componente para o trabalho de preveno recada.

    O segundo componente psicoeducacional, que diz respeito terapia cognitiva propriamente dita, visa famhliarizar o paciente quanto aos seus princpios.A compreensodo paciente nesse sentido fundamental, pois um noentendimento dificultao bom andamento do processo teraputico,j que acaba evidenciando-se uma incompatibilidade em termos dos pressupostos de paciente e terapeuta. Numa dilignciaem equipe, como a que ocorre naterapia cognitiva, deve haver um bom entrosamento e comunicaoentre seus membros, e isso s possnquando ambos compartilham formas semelhantes de pensar e de trabalhar.

    Alm disso, tendo em vista que a terapia cognitiva possui um eminente carterracional, esta -poderser adequadamente posta em prt icapelo paciente se ele tiver se apropriado de uma base que asustente. A partir do entendimento dos princpiosda terapia cognitiva, o paciente ter subsdiosque irofavorecer sua compreensoacerca do modo como constrisua realidade, facilitando a percepodos errosde interpretaoque comumente comete.

    Aqui ,novamente, o gancho com a histriade vida do paciente fundamental. Explanaesapenas em n stericopodem dificultar a compreenso,especialmente para aqueles pacientes que apresentam dficitsem termos

    de abstrao. Noobstante, quando os princpiosda terapia cognitiva so colocados em relaoa eventos concretos, o paciente tem dados mais palpveis,que o auxiliam a perceber as conexesentre pensamentos, emo . .comportamentos.

    Sem tal percepodo paciente, todo o trabalho futuro tende ser prejudicado. Dessa forma, o clnicopr:estar bastante atento e averiguar se o paciente realmente sente-se familiarizado com os princpiosda terapiacognitiva. Em muitos casos, especialmente naqueles em que o paciente possui caractersticasdependentes pronua-ciadas, h uma simples concordnciacom o terapeuta (possivelmente em funode um temor rejeio),mesmoque o paciente no tenha conseguido compreender absolutamente nada.

    bastante conhecido o carterfundamentalmente pragmticoda terapia cognitiva, qual seja, de uma buscaem que o processo teraputicopromova benefciosconcretos para a vida do paciente. Para que possam haverganhos palpveis, imprescindvelque se estabeleammetas igualmente concretas. Se a dupla teraputicanosabe o que estbuscando, ficaextremamente difcilchegar a algum lugar, pois os caminhos tornam-se e emaranhados quando os objetivos so traadosde forma nebulosa. A busca do alcance das metas tambm ficaintrincadaquando essas so traadasunilateralmente. Diante desse quadro, o terapeuta tem uma tarefa que exige per c i restabelecer, com seu paciente, metas para o tratamento, as quais no podem ser demasiado simples (o que nasignificaria um ganho relevante em relaoao status quo), tampouco excessivamente complexas (o que posmente resultaria num no alcance, gerando frustraoe favorecendo as cogniesnegativas).

    N o so raros os casos em que o paciente pensa em metas inespecficas(p. ex., "ser feliz")ou eaobjetivos muito altos (p. ex., comprar um carro e um apartamento novos, obter uma promoona empresa e nreconhecido por esse trabalho). Da mesma forma, o terapeuta pode ter expectativas muito diferenciadas em relao s de seu paciente (tanto para mais quanto para menos), podendo gerar incompatibilidade entre as partes.Nesse >entido, colaboraoe comunicaoefetivas so indispensveis,pois proporcionam satisfaoe empenha

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    - - - - - COGNITIVA DAS DEPRESSES

    srrbos os membros da equipe na busca dos objetivos traados. O que nunca pode ser esquecido, entretanto, metas devem ser estabelecidas em termos concretos, pois, caso contrrio, no podero ser atingidas.

    No intuito de maximizar os ganhos cotidianos por parte do paciente, uma estratgia amplamente utilizada erminao de tarefas de casa. A fim de que uma mudana comportamental efetiva ocorra, preciso que oscpios da terapia cognitiva sejam colocados em prtica no dia-a-dia. Para tanto, terapeuta e paciente discutem

    ritamente aes para serem praticadas no intervalo entre as sesses, aes essa que devem representarsenos passos na direo das metas definidas. As tarefas de casa, portanto, so consideradas como um aspectoEseco do processo teraputico (Garland e Scott, 2002).

    Na escolha da ao especfica que o paciente dever realizar, uma regra bsica a ser considerada a dea tarefa deve estar em ntima relao com os assuntos abordados durante a sesso teraputica. Quando tals o acontece, cria-se um senso de que a terapia est realmente objetivando mudanas concretas na vida do

    e. Uma dissociao entre os tpicos da sesso e as tarefas faz com que essa ltima perca o sentido, poisor no cumprir seu objetivo: praticar no cotidiano os princpiosda terapia cognitiva, reduzindo gradativamenteicia entre o estado atual e os objetivos estabelecidos.

    Havendo sucesso na concluso das tarefas, outras, novas e mais complexas, devem ser determinadas es em prtica. Caso tal sucesso no ocorra, a dupla teraputica discute e identifica os empeci lhos/obstcu-

    c .ando a realizao das prximas tarefas. U m resultado fora do esperado no significa que a tarefa de casalo intil. Qualquer problema que tenha sido identificado fornece dados para que os ajustes sejam feitos,

    i com que, num futuro prximo, haja uma bem-sucedida realizao da tarefa. A Tabela 1 apresenta resumias os objetivos gerais das entrevistas iniciais.

    Tabela 1: Objetivos gerais da s entrevistas iniciais.

    Realizao de diagnstico aterico;

    Coleta de dados da histria relevantes para a problemtica atual;

    Levantamento de expectativas com relao terapia;

    Familiarizao do paciente quanto aos princpios da terapia cognitiva;Definio de metas para o tratamento;

    Incio do trabalho rumo ao esbatimento de sintomas.

    Considere o caso de Vanessa 1, uma professora de Ensino Fundamental de 30 anos que procura atendimentoMerpico porestar com dificuldades em seu trabalho e em seu casamento. Tem frequentemente se sentido desmotivadarrnistrar suas aulas, pois acredita que essa atividade passou a no ter mais sentido. Na ocasio em que buscou o /

    nto. no estava conseguindo lidar adequadamente com seus alunos. O mnimo sinal de baguna j era suficientes que se sentisse extremamente irritada. Nesses momentos, gritava com eles, o que a fazia com que se sentisse

    - depois. Quando se sentia cassim, pensava que tinha sido injusta com os alunos, pois. se eles estavam conversan-t porque sua aula era um fracasso, de modo que a responsvelpor toda a situao era ela mesma. Acreditava, ainda,eus "acessos" poderiam ser extremamente prejudiciais aos alunos o longo prazo, o que a levou a pensai - seriamentesirgar a profisso. Somando a isso, haviam as relaes conflituosas com outras professoras da escola, as quais a

    ite definia como "insuportavelmente chatas e arriadas".

    Vanessa tambm relatou queixas concernentes a sua relao com o marido, "muito parada e desestimulante"De acordo com as suas colocaes ,ele nunca a convidava para fazer nada, e isso estava deixando-a entediada,relaes sexuais ficavam cada vez mais raras e desprazerosas, e a paciente reclamava muito que o marido s:va naquilo e no compreendia seus problemas. Ela estava cada vez mais convicta de que o marido no

    a mais dela e temia muito a separao, pois, apesar de tudo, ainda o amava.

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    Na avaliao inicial,verificou-se que duas grandes esferas da vida da paciente (profissional e conestavam se mostrando mais problemticas . A paciente, entretanto, no se dava conta disso. Na poca embuscou o atendimento, afirmava: "Nada est bom, minha vida uma grande porcaria" [sic]. A simples identifidas esferas problemticas ,portanto, j representou um importante passo no processo teraputico, na medidaque fez com que metas pudessem ser pensadas com maior especificidade. Observe, na transcrio de frag

    de dilogos, como o terapeuta inicia o trabalho de estabelecimento conjunto de metas:

    Terapeuta: Vanessa, at agora ns vimos que duas esferas da sua vida parecem estar incomodanmais. Voc comentou primeiro algumas coisas relacionadas a sua profisso e parece que existem problemas imtantes na escola onde voc leciona, como a dificuldade de lidar com os alunos e os conflitos com determincolegas. Tambm vimos que sua relao com seu marido tem esfriado bastante nos lt imos tempos. Existemcoisas que a esto incomodando atualmente?

    Paciente: N o , eu acho que o problema maior est por a mesmo.T : E dentro dessas duas reas que ns falamos at agora? O que voc gostaria que fosse iereoK

    cada uma delas?P: Tudo. Tudo tinha de ser diferente. As coisas tm de ficar melhor. No estou mais aguentando do

    que esto.T : O que concretamente deveria ser diferente em cada uma dessas reas para que elas ficassem

    Esse breve trecho ilustra, entre outras coisas, como o terapeuta fez um resumo acerca das dificuldatkpaciente, retomando problemas objetivos apontados por ela. Esse tipo de resumo fundamental, uma vez que compartilhamento dos principais aspectos abordados at ento, fortalecendo o senso de um trabalho conjunto.

    Conforme abordado anteriormente, as metas devem ser delineadas em termos especficos e ating: .Para tanto, preciso que ambos tenham clareza acerca dos problemas concretos a serem trabalhados. Nessesentido, o terapeuta tem o papel de auxiliar os pacientes a serem especficos quanto aos problemas a sereaienfrentados, pois ind iv duos depressivos apresentam uma tendncia a enxergar suas dificuldades de maneiri

    supergeneralizada, o que funciona como um empecilho para o estabelecimento de metas concretas. Assim, umpaciente com depresso geralmente ser vago ao falar sobre o que lhe incomoda, cabendo ao clnico focalizar otrabalho teraputico em busca de objetivos concretos.

    A forma como o terapeuta questionou a respeito do que a paciente gostaria que fosse diferente em cadaum a das esferas apontadas foi benfico em dois aspectos: em primeiro lugar, estimulou Vanessa a ser mais precisaquanto s m u d a n a s desejadas, facilitando o futuro estabelecimento de metas; em segundo, a partir de talquestionamento, ele pde compreender melhor a perspectiva da paciente, o que lhe forneceu dados fundamentaispara a conceitualizao do caso.

    A seguir, apresentada a cont inuao do di logo:P: Eu queria que o meu marido me convidasse mais para fazer as coisas, que ele no ficasse s pensando

    no trabalho dele. Eu queria tambm que ele conversasse mais comigo, que me ajudasse e me apoiasse quando eu

    tivesse necessidade. Se ele fizesse isso, eu teria mais certeza de que ainda gosta de mim.T: Ento voc fica aborrecida por pensar que seu marido no faz as coisas de que gostaria?P: Claro, ele sabe que eu preciso da ajuda dele, mas parece que est me ignorando cada vez mais.T: Isso quer dizer qu e quando as pessoas no fazem o que voc gostaria que fizessem sinal de que eias

    no gostam de voc?P: N o , no isso. que o meu marido sabe que como eu estou me sentindo e t ambm sabe o quanto

    re^isf dej& QBSS3& b.QtaT: Que evidncias voctem que comprovam que o seu marido sabe de tudo isso?

    Percebe-se que o terapeuta procura acompanhar a linha de raciocnio de Vanessa, sem, entretanto, concor

    dar com o fato de que seu marido que no a compreende. Ele t ambm no tenta convenc- la de que est

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    T: Como ficou seu humor depois disso?P: Eu melhorei um pouco. Entendi o quanto ele estava sobrecarregado e percebi que era muito complica

    para ele mesmo sair pra jantar.T: O que ns podemos concluir a partir dessa situao?

    Na sequncia da conversao, paciente e terapeuta analisaram conjuntamente as evidncias de que sutentavam os pensamentos ocorridos na ocasio do convite para o jantar. Com essa anlise, verificou-se que haviuma srie de fatores que dificultavam a sada do marido para jantar, fatores esses que escapavam ao seu controlO terapeuta tambm ajudou a paciente a perceber a melhora que seu humor sofreu a partir de um exame maaprofundado das circunstncias em questo. Vanessa, com o treino continuado na anlise desse tipo de situaepassou a compreender melhor o trabalho dentro da abordagem cognitiva, verificando, na prtica, que a realidaera determinada pelas interpretaes que fazia a seu respeito.

    Ao final de trs sesses a paciente j estava devidamente familiarizada com o modelo que iria nortear trabalho futuro. O terapeuta, ao explicar os fundamentos da terapia cognitiva, mostrando relaes diretas cosi tuaes concretas da paciente e mantendo uma postura coerente com tais princpios, forneceu as bases qofereceriam sustentao na busca dos objetivos t raados. O assinalamento de potenciais mudanas na vida Vanessa possibilitou o reestabelecimento da esperana, fundamental para seu engajamento no tratamento.

    S E S S E SI N T E R M E D I R I A SA diviso entre sesses iniciais, interme diriase finais utilizada apenas para fins didticos, uma vez q

    processo da terapia cognitiva melhor representado por um continuum. Em linhas gerais, nas sesses intermedrias (em que concentrada a maior parte do processo) os sintomas mais importantes e invalidantes j foraesbatidos e o paciente j est devidamente familiarizado com o modelo cognitivo.

    N o caso de Vanessa, uma de suas maiores preocupaes estavam relacionadas s suas convices de qo marido no a amava mais. Com os experimentos delineados pela dupla teraputica, ela se deu conta de que usrie de seus pensamentos ligados a questes de desprezo no tinham suporte emprico algum. Alm disso, pequ

    nos sinais de uma postura mais ativa da paciente j foram suficientes para que houvesse uma melhoria na qualidada relao com o marido. Conforme bastante comum acontecer, os ganhos obtidos em uma esfera da vida paciente exerceram efeitos benficos em outros aspectos. Assim, a desmotivao para dar aulas relatada pepaciente, embora ainda estivesse presente, no era to acentuada como antes. A esperana de mudana instaurva-se com cada vez mais veemncia, oferecendo as bases para a busca dos objetivos propostos.

    N o tratamento da depresso, as trs principais estratgias teraputicasutilizadas so resoluo de problmas, reestruturao cognitiva e automonitoramento. Dentro de cada uma destas estratgias mais amplas, uma s rde tcnicas podem ser utilizadas. A escolha das tcnicas especficasa serem implementadas deve sempre levar econta as particularidades do caso em questo. A opo por uma ou outra tcnica (e o momento de seu usnecessita ter estreita relao com a conceitualizao realizada pelo terapeuta. Caso a implementao das abordgens seja feita de maneira aleatria (isto , sem considerar-se o porqu de tal abordagem), a possibilidac.insucesso aumenta.

    R E S O L U OD E P R O B L E M A SAs estratgiasde resoluo de problemas esto diretamente relacionadas com a busca de ganhos concre

    tos na vida do paciente. Tendo em vista o carter essencialmente pragmtico da terapia cognitiva, tais estratgnso amplamente utilizadas no decorrer de praticamente todo o processo psicoterpico.

    A o se trabalhar com estratgias de resoluo de problemas, cinco componentes so fundamentais:orientao para o problema, (2) definio e formulao do problema, (3) gerao de alternativas, (4) tomada

    deciso e (5) implementao e verificao da soluo (Nezu e Nezu, 1993). Cada um desses componentes tesuas caractersticas particulares, as quais no so foco do presente captulo (veja Hawton e K i r k , 1997/19S9Nezu e Nezu. 1996. para uma discusso do tema em maiores detalhes).

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    Alguns aspectos comuns subjacentes a esses componentes, contudo, merecem nossa ateno. Em primei-. todo o processo de definio do problema, busca e implementao de solues deve ser discutido da forma

    especfica e concreta possvel. Problemas que no so claros no podem ser resolvidos e solues demasiadoe genricas dificilmente so implementadas. Assim, se a resoluo de uma dificuldade traada como

    lo s os aspectos envolvidos no processo de alcance desse objetivo necessitam ser claramente delineados.Quando a dupla teraputica lana-sena resoluo de problemas, isso deve ser feito em profundidade, ou

    toda a ateno necessita estar voltada e concentrada no problema especfico. Se houver um desvio no decor-do processo, as estratgias de resoluo de problemas podem cair em descrdito, inviabilizando seu sucesso. A

    pane dos pacientes deprimidos tem dificuldades em engajar-se na busca de soluo para um determinadotendendo a colocar em pauta uma srie de outras questes irrelevantes para o trabalho sobre a dificulda-

    est sendo abordada no momento. Nesse sentido, cabe ao terapeuta focalizar o esforo da dupla, impedinda 1 0 central da discusso se perca.

    O terapeuta deve igualmente estimular o paciente para que tenha uma postura ativa durante todas asuma vez que se objetiva faze-l ser capaz de solucionar os problemas com os quais se deparar no futuro

    eficincia e autonomia.

    No caso de Vanessa, aps a melhora parcial concernente ao relacionamento com o marido, obtida no incio:rr_amento, a dupla avaliou como necessrio que se abordassem questes relativas ao seu trabalho. O que maisx-comodava na escola era o nmero excessivo de atividades que precisava dar conta. Com uma anlise mais

    "dada do assunto, evidenciou-se que a paciente, por diversas vezes, ficava sobrecarregada por ajudar na

    dos trabalhos realizados pelos alunos de outras professoras. Elas vinham pedir sua ajuda em funo deatrasadas com suas obrigaes e a paciente concordava, mesmo sem ter tempo sobrando, tampouco

    ntos de amizade para com as outras professoras. O problema, portanto, no era exatamente o excesso de

    . mas o quanto estava sobrecarregada com tarefas de outros.

    A transio da definio do problema "estar sobrecarregada de trabalho" para "dificuldade em negar-se ao trabalho das outras" mostrou-se como um processo laborioso, uma vez que a paciente insistia em culpabilizar

    gas por ench-la de trabalho, sem reconhecer seu papel nisso. Ficou notrio, ento,que a definio de suascom as outras professoras como conflituosas ( I a sesso) era assim apenas aos seus olhos, pois Vanessa

    esboava quaisquer sinais de descontentamento com a realizao de atividades que no eram obrigaes suas.uma vez, foram detectadas estratgias inadequadas de enfrentamento e a dupla teraputica procurou manei-

    mudar esse estilo:

    Terapeuta: Atualmente voc est fazendo algum tipo de atividade que a princpio no uma atribuio

    Paciente: Atualmente no, mas eu acho que, nessa poca de provas em que ns estamos agora, vai acabaro para mim.T : Como assim, "sobrar para mim"?P: Sabe como ... elas ficam apertadas e da pedem que eu ajude na correo dos materiais.T : Ser que aceitar fazer a correo a nica sada?P: Eu no vejo outra afinal de contas elas no sabem fazer outra coisa; a no ser me sobrecarregar de

    o.T : Vamos pensar juntos. O que voc poderia fazer para evitar esses trabalhos extras?P: Eu pensei em contratar um matador de aluguel para dar um "jeitinho" na situao (risos).T : E, essa seria uma so luo definitiva para o problema (risos). Mas que outras coisas poderiam ser

    las?P: Eu acho que podeiia dizer simplesmente que j tenho trabalho demais e no vou poder ajudar dessa vez.

    Na continuidade do di logo, foi avaliado que o melhor a ser feito no caso de alguma professora solicitar

    para correes extras seria a paciente explicar que j est sobrecarregada e que no poder ajudar dessaii combinado que tal estratgia seria colocada em prtica se surgisse alguma situao em que uma colega dapedisse "uma moz inha" .

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    Por vezes, mesmo que uma determinada estratgia de solucionar um problema tenha sido avaliada como amais adequada, podem haver cognies disfuncionais que dificultam ou impedem sua implementao. Em taissituaes, uma anlise de tais cognies fundamental, uma vez que elas acabam funcionando como grandesempecilhos para a obteno dos ganhos visados. No caso de Vanessa, a combinao inicial no foicumprida, e elaaceitou trabalho extra. As cognies subjacentes ao descumprimento so discutidas a seguir.

    R E E S T R U T U R A OC O G N I T I V ADe acordo com o modelo cognitivo da depresso, existem algumas estruturas cognitivas (esquemas) pro

    fundamente enraizadas que funcionam como uma espcie de filtro, determinando a forma como o indivduo interpreta a realidade. Essas estruturas podem permanecer inativas por longos perodos, que o que acontece quandoos pacientes encontram-se em remisso da sintomatologia depressiva. O fato de permanecerem inativas, contudo,no significa que elas deixaram de existir. Elas podem voltar atividade a qualquer momento, havendo ou nodesencadeantes situacionais observveis.Os esquemas desadaptativos representam, assim, fatores de vulnerabilidadede recorrncia depresso.

    Logo no incio da terapia cognitiva, h a tendncia de esbatimento dos sintomas mais proeminentes, gerando uma sensao de conforto que os pacientes no estavam acostumados a sentir. Muitos que apresentam e mmelhora inicial tm uma tendncia a abandonar o tratamento por j considerarem-se curados. Em tais situaes,eimportante que o terapeuta, a partir do compartilhamento de sua conceitualizaodo caso, mostre a necessidade um trabalho sobre estruturas mais enraizadas, uma vez que as chances de recorrncia de episdios depressivo saaumentadas se tais crenas no forem abordadas.

    A reestruturao cognitiva inicia pela deteco e testagem de pensamentos automticos, pelo fato deconstiturem o nvel mais superficial de cognies, sendo, portanto, mais facilmente acessveis . Aqui,novai;uma ampla gama de tcnicas pode ser utilizada, dependendo do caso e do problema especfico. Uma das formas'mais usuais de avaliao de pensamentos automticos envolve a realizao de experimentos que faam referncaja aspectos da vida do paciente tidos como significativos na manuteno do estado depressivo. O paciente instia^ido a colocar-se no lugar de um cientista interessado em investigar suas prprias cog nies.Pondo em prtica as

    experimentos comportamentais delineados conjuntamente, o paciente dever ser criterioso na busca pelos pensamentos e das imagens que lhe vm cabea nas situaes com as quais se depara. Ele tambm dever ser rigorosa]no registro de tais pensamentos, para que esses possam ser devidamente discutidos posteriormente (veja maiorcajespecificaes na sesso sobre automonitorarnento).

    Retornando ao caso de Vanessa, vimos que ela no foi bem-sucedida em sua primeira tentativa de negar-se a assumir o trabalho de suas outras colegas. Essa tentativa, contudo, foi vlida na medida em que diverspensamentos automticos puderam ser identificados. Analisando-se tais pensamentos, verificou-se que a granasmaioria estava ligada a questes de abandono, de temor rejeio. Vanessa mostrava-se muito preocupada compossibilidade de ser rechaada por suas colegas caso no ela no ajudasse. Nas discusses acerca de tais pensa-raeutos, a paciente foi percebendo o quanto eles interferiam em seu comportamento, bem como o quanto eraai

    irracionais. Havendo tal percepo , ela passou a mostrar-se de forma cada vez mais assertiva, evitando ficar

    sobrecarregada de trabalho.

    Quando o paciente estiver bem treinado na detecoe na avaliao dos nveis mais superficiais de co; esperado que os sintomas depressivos protuberantes j estejam praticamente ausentes. Nesse momento, a dupHteraputica pode engajar-se mais profundamente no trabalho sobre as estruturas mais enraizadas que funcionaro!como pano de fundo para os pensamentos automticos disfuncionais. Tais estruturas, por estarem mais dificilmeaalacessveis, podem ser inferidas a partir de uma srie de indcios, tais como os padres de distores cognin'detectadas por meio do registro dos pensamentos automticos, dados da histria de vida do paciente, etc.particular relevncia para o acesso s crenas centrais a tcnica da flecha descendente. Nessa tcnica, o tera"seleciona um pensamento automtico, considera-o verdadeiro e questiona o paciente a respeito do sentidoatribui a essa determinada cognio. O exemplo a seguir ilustra como o terapeuta buscou compreender os molpelos quais Vanessa tinha tanta dificuldade em dar limites s solicitaes excessivas das colegas:

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    Terapeuta: Vanessa, nessa situao em que sua colega veio lhe pedir ajuda com a correo dos trabalhos,vnsou "se eu no ajudar, ela vai ficar chateada comigo e vai falar para todas as outras que no sou uma boa

    esa*". A partir da, voc concordou em pegar o trabalho extra. Foi isso mesmo?Paciente: Foi.T : Vamos partir do pressuposto de que esse pensamento seja verdadeiro. O que ele significa para voc?

    P: Que as minhas colegas vo passar a me ver como uma pessoa que incapaz de ajudar as outras.T : E se isso fosse verdade, significaria o que para voc?P: Que quando for a minha vez de precisar de ajuda, eu vou ficar na mo.

    T: Se for assim, qual o significado para voc?P: Que eu no sei se estou fazendo as coisas certas sem confirmar com elas antes.

    A partir da u t i l i zao da t cn ica da flecha descendente, c o m e o u a ficar claro que Vanessa aceita-o trabalho das colegas por estar constantemente solicitando sua a p r o v a o para as coisas que fazia,

    tivesse tal a p r o v a o , a paciente sentia-se demasiada insegurae no conseguia colocar em pr t ica asque havia planejado. Assim, acreditava que s i r ia continuar obtendo a p r o v a o das outras professo-

    se fizesse parte do trabalho delas. Passou a ficar evidente t a m b m que Vanessa via a si mesma comoe incompetente, o que justificava seu p a d r o de comportamento fundamentalmente passivo e suas

    ntes expectativas com re lao ao comportamento dos outros - sem perceber o quanto ela era capazprovocar as m u d a n a s desejadas.

    A flecha descendente, alm de facilitar a identificao de nveis mais profundos da cognio , fez com que"o paciente tome conscincia de sua linha de raciocnio, favorecendo a deteco de distorescognitivas.O terapeuta no deve tentar convencer os pacientes de que possuem esta ou aquela crena , tampouco

    persuadi-los de que tais crenas nucleares so irracionais e, portanto, devem ser deixadas de lado. Elevisar, pelo contrrio, acessar esses nveis mais profundos da cognio juntamente com o paciente, buscandorigem e o papel que exercem atualmente. Nessa fase do tratamento, esperada muita resistncia mudana ,

    esquemas possuem uma histria que os edificou de forma tal que sua modificao uma tarefa bastante

    - e os pacientes precisam saber disso. Nesse sentido, o terapeuta deve ser, de certa forma, insistente com osobre os esquemas mais arraigados, pois eles mostrar-se-o mais refratrios s suas intervenes.

    Para evitar o confronto direto com as crenas do paciente, o que possivelmente no levaria a mudanauma das tcnicas que tm se mostrado mais eficaz a do questionamento socrtico. Nessa tcnica, o

    ta questiona continuamente, no intuito de fazer com que o paciente perceba o seu prprio ponto de vista,como suas implicaes. As vantagens e desvantagens de sua manuteno e as possibilidades de mudanas

    s o discutidas por meio do questionamento.A o colocar em prtica essa tcnica, o terapeuta necessita ter cuidado para evitar o uso de perguntas que

    muito abertas ou demasiado fechadas. Se os questionamentos mostrarem-se muito amplos e inespecficos,oo ter certeza acerca do que exatamente est sendo perguntado. Caso as perguntas sejam fechadas, as

    a - do paciente ficaro muito restritas, limitando o avano produtivo do di logo.Os questionamentos, portanIrvem ser cuidadosamente formulados, de modo que o paciente tenha abertura para responder sem que o

    do tema em questo seja perdido, possibilitando que um determinado tema seja trabalhado em profundidade.Com o uso continuado do questionamento socrtico, o paciente vai aprendendo a coloc-lo em prtica. No momento em que esse automatismo ocorre, ele mesmo passa a gerenciar uma espcie de dilogo

    . procurando vises alternativas para o enfrentamento das situaes com as quais se depara. Quando o2 0 interno colocado em prtica no dia-a-dia, crenas disfuncionais so sistematicamente detectadas e ques-

    . fazendo com que sejam reestruturadas de maneira mais adaptativa.

    No caso de Vanessa, algumas estruturas cognitivas profundamente enraizadas foram identificadas como- eis pelas problemticas que enfrentava nas duas grandes esferas de sua vida: o casamento e o trabalho,a teraputica concluiu que o seu padro de comportamento fundamentalmente passivo (com as conseqiien-

    ees quando o que os outros faziam no correspondia s suas expectativas) era sustentado por uma viso

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    que tinha de si mesma como incompetente, ao passo que os outros eram vistos como cuidadores e protetores.disso, suas constantes tentativas de evitar quaisquer tipos de desentendimentos estava relacionada com um pdo temor em ser abandonada.

    A partir da i d e n t i f i c a o dessas estruturas, o trabalho t e r a p u t i c o esteve voltado para 5

    questionamento e modif icao . Terapeuta e paciente buscaram compreender, baseados na histria de vidaVanessa, a forma como tais crenas foram edificadas. O uso do questionamento socrtico e de tcn:dramat izao permi t iu que a paciente reestruturasse suas crenas de maneira mais racional e adaptEsse processo, contudo, ocorreu de forma lenta. Mesmo diante de ev idnc ias que iam de encontro s supses de Vanessa, ela era capaz de encontrar contra-argumentos que sustentassem suas crenas disfuncional

    A U T O M O N I T O R A M E N T O

    Para que o paciente possa obter ganhos concretos, preciso que coloque em prtica os princpios