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    ARTIGO

    * Ps-graduanda da Escola Pau l is ta deMedicina Unifesp.

    * * Profes s or -ad jun to d a D i sc i pl i na d e

    Neurologia da Escola Paulista de Medicina Unifesp.

    RESUMOAcompanhando desde os primrdios da tera-putica da doena de Alzheimer, este artigorevisa o desenvolvimento das drogas que,baseado na hiptese colinrgica, foram inicial-mente utilizadas e at hoje constituem a nicaclasse de medicamentos com efeitos benficosna cognio. A tacrina, a primeira drogaaprovada pelo FDA, devido aos seus intensosefeitos colaterais, foi seguida de uma segundagerao de inibidores da acetilcolinesterase, osquais vm sendo usados com xito em vriospases.

    UNITERMOS

    Doena de Alzheimer, terapia colinrgica,

    demncia.

    MIN ETT, T.S .C. & BERTOLU CCI, P.H.F. Terapia Colinrgica na Doena de Alzheimer Rev. Neurocincias 8(1): 11-14, 2000

    Terapia Colinrgica na Doena deAlzheimerThas Soares Cianciarullo Minett*

    Paulo Henrique Ferreira Bertolucci**

    INTRODUO

    As duas ltimas dcadas foram muito promissoras no desenvolvimentodo tratamento da doena de Alzheimer (DA). O presente estudo tem comoobjetivo revisar as drogas colinrgicas, pois so as nicas com eficciacomprovada nessa enfermidade. Algumas delas foram usadas no passado,outras esto disponveis atualmente e outras em processo de desenvolvimentopara um futuro breve.

    Embora, no nosso meio, existam apenas duas drogas disponveis atacrina e a rivastigmina futuramente outros inibidores da acetilcolinesterase(AChE) entraro no nosso mercado.

    Como a DA a causa mais comum de demncia e, alm disso, a incidncia

    e prevalncia vm demonstrando um crescimento de ordem mundial, apreocupao com esse tipo de medicao torna-se cada vez mais presente.Dados estatsticos mostram que a prevalncia de 1% aos 65 anos, tornando-se mais comum aos 85 anos e atingindo at 35%, enquanto a incidnciacresce de 0,6% aos 65 anos e at 14 vezes (8,4%) aos 85 anos1,2.

    HIPTESE COLINRGICA

    A deficincia de ACh produzida na DA pela atrofia do nucleus basalisde Meynert, o qual a fonte produtora da enzima colina acetiltransferase

    (CAT). Essa enzima transportada para estruturas-alvo no sistema nervosocentral (SNC): formao hipocampal, crtex cerebral e amgdala, dentreoutros. Nessas regies, ela catalisa a reao de sntese da ACh a partir dacolina e da acetilcoenzima A. Depois de formada, a ACh liberada na fendasinptica, onde poder ser acoplada a dois tipos de receptores muscarnicoe nicotnico. A ACh restante degradada pela enzima acetilcolinesterase(AChE) na fenda sinptica em colina e acetato, que so as bases de suaformao.

    Na DA, existe uma atrofia no nucleus basalis, resultando na diminuioda sntese da CAT e, conseqentemente, da ACh. Por esse motivo, a estratgiaadotada no desenvolvimento das drogas antidemncia a de aprimorar a

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    funo colinrgica. Nveis sinpticos de ACh podemser aumentados inibindo a AChE, usando precursoresde ACh, aumentando a liberao de ACh ou estimulandoos receptores ps-sinpticos. O bloqueio farmacolgicodesses receptores altera a evocao e o aprendizado emjovens e idosos normais sob o aspecto cognitivo3. Existe

    uma correlao entre a gravidade da DA e o declnio daCAT4.

    ESTR ATGIAS CO MPENSAT RIAS

    Precursores d a ACh

    O uso de precursores pr-sinpticos da ACh, como alecitina5, a colina6 e a acetil-L-carnitina7, foi tentado semxito, pois existe uma baixa penetrao no sistema

    nervoso central atravs da barreira hematoenceflica,curta durao e pouca aplicabilidade teraputica.

    Agentes que aum enta m a l i bera o de ACh

    Ainda para a regio pr-sinptica, foram tentados o usode agentes que aumentem a liberao de ACh, como alinopiridina8, a 4-aminopiridina e a besiperidina9, os quaistambm mostraram resultados teraputicos insatisfatrios.

    Agonis ta s muscar nicos

    Foram identificados cinco tipos de receptoresmuscarnicos, dentre os quais o M1, que se encontra namembrana ps-sinptica e est preservado na DA, e oM2 pr-sinptico, reduzindo a liberao da ACh na fendae reduzido na DA. Algumas drogas M1 agonistasespecficas esto sendo testadas, como a xanomelina ea milamelina10.

    Agonis ta s nico t nicos

    Existe uma reduo significativa do nmero dereceptores nicotnicos na DA. Estudos com modelosanimais sugerem que agonistas nicotnicos exeram umefeito benfico no aprendizado e na memria11. Almdisso, h evidncias de que alguns anticolinestersicospossam ativar os receptores nicotnicos12.

    Ant ico l inestersicos

    Os anticolinestersicos so os agentes mais promis-sores desenvolvidos at hoje. a nica classe teraputica

    de drogas que mostrou melhora nos sintomas cognitivosna DA. Atuam na fenda sinptica, inibindo a enzimaacetilcolinesterase.

    AGENTES ANTICOLINESTERSICOS

    Fisostigmina

    A fisostigmina foi o primeiro inibidor da AChEutilizado na DA. Porm, seu emprego foi limitado pelameia-vida curta, de aproximadamente 30 minutos13,necessitando de administraes freqentes, e pela altaincidncia de efeitos colinrgicos colaterais (nusea,vmito, clica abdominal, suor e fasciculaes).

    Um novo tipo de fisostigmina com posologia de duasdoses dirias foi recentemente desenvolvido, mas a

    incidncia de efeitos colaterais ainda continua alta, emtorno de 40%14.

    Tacrina

    A tacrina um inibidor reversvel da AChE. Foi aprimeira droga aprovada para o uso em DA, pelo FDA,em 1993. O estudo que levou aprovao da tacrinacomparava o grupo placebo com o grupo tratado pordoses mximas de 160 mg/dia durante 30 semanas.Melhora de 4 pontos no ADAS-Cog ocorreu em 40%do grupo tratado e em 25% do grupo placebo15. Apesarde ter meia-vida mais longa que a fisostigmina, a tacrinaainda requer quatro doses dirias. Alm disso, os efeitosgastrointestinais tambm esto presentes. O efeitocolateral mais grave o aumento das enzimas hepticas(40% dos pacientes tratados), tendo a necessidade demonitorizao laboratorial freqente. Requer titulaode dose em 4 passos para atingir a dose de 40 mg, quatrovezes por dia. O uso da droga deve ser interrompido seocorrer aumento de enzimas hepticas em torno de cincovezes o valor normal.

    Outra indicao potencial da tacrina para o

    tratamento de distrbios do comportamento. Foiverificado, com estudo aberto16, que a droga tem efeitosbenficos no tratamento de apatia, desinibio,ansiedade, alucinaes e comportamento motoraberrante. Ainda no existe estudo duplo-cego para essaindicao.

    Donepezil

    O donepezil tambm um inibidor reversvel. Foi asegunda droga da classe aprovada pelo FDA, em 1996.

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    Vrios estudos provaram sua eficcia teraputica17,18.Apresenta algumas vantagens em relao tacrina. Suameia-vida longa, de aproximadamente 70 horas, permitedose nica diria. No hepatotxica, sendo desnecessriaa monitorizao laboratorial. Alimentao e horrio deadministrao no interferem na absoro da droga. Osefeitos adversos gastrointestinais foram similares aoplacebo, em torno de 5%. Para minimizar esses efeitos, adose inicial de tratamento de 5 mg/d, devendo seraumentada para 10 mg/d aps quatro semanas.

    R ivas t igmina

    A rivastigmina difere das duas drogas anteriores porser um inibidor pseudo-irreversvel; desse modo, adissociao enzimtica existe, porm mais lenta. Estdisponvel em mais de 50 pases e dever ser aprovada

    pelo FDA este ano. A eficcia muito semelhante dodonepezil e da tacrina. Os efeitos colaterais, assim comoos benefcios cognitivos, so dose-dependentes.Pacientes recebendo doses maiores (6-12 mg/d) obtmmais benefcios do que os que recebem doses menores(1-4 mg/d). Os efeitos gastrointestinais esto presentesem 20% ou mais dos pacientes, porm no hepato-txica. A posologia de duas doses dirias, que deveroser tituladas lentamente, iniciando-se com 3 mg/d eaumentando 3 mg a cada duas semanas at atingir 12mg/d. Produz efeitos superiores ao placebo nasatividades funcionais medidas pela Escala de Deterio-

    rao Progressiva19.

    Metrifonato

    O metrifonato uma pr-droga que se torna uminibidor irreversvel quando convertida em forma ativa.Dois grandes estudos comprovaram sua eficcia20,21.Alm disso, descrito que o metrifonato apresenta efeitobenfico no comportamento e nas atividades de vidadiria22 . Apresenta melhor tolerabilidade gastro-intestinal que a rivastigmina, chegando a ser comparvelao donepezil. Os efeitos hepatotxicos no estopresentes. Efeitos colaterais reversveis de fraquezamuscular proximal j foram descritos. A posologia dedose nica diria. Tambm necessita de titulao dedose, porm a dose mxima calculada segundo o pesocorporal.

    Ep igas t igmina e ga la nta mina

    A epigastigmina e a galantamina representam outrasclasses de anticolinestersicos ainda em um estgio de

    desenvolvimento mais primitivo. Pacientes recebendoepigastigmina 45 mg/d por 25 semanas obtiverammelhores resultados no ADAS-Cog que aqueles queestavam usando placebo23.

    A galantamina parece ter duas aes farmacolgicas,atuando como inibidor da AChE e como agonistanicotnico12.

    As duas medicaes possuem os mesmos efeitosadversos, principalmente de nusea e vmito.

    CONCLUSES

    Apesar de estarmos presenciando esse grandedesenvolvimento teraputico, a maioria dos estudosapresentados est restrita a um perodo de, no mximo,seis meses. Conseqentemente, os efeitos dessas drogas

    a longo prazo no foram determinados; alm disso, aindaestamos limitados ao tratamento sintomtico da DA,muito aqum do ideal, sendo desejvel poder intervirno prprio processo degenerativo, impedindo adeflagrao da cascata de fatos que levam morteneuronal.

    SUMMARY

    Cholinergic Therapy for Alzheimer DiseaseThis article accompanies the early treatment of Alzheimers disease,reviewing the development of the drugs (based on the cholinergic hypothesis)which were used then, and which even today form the only group of drugsenhancing cognitive improvement. Tacrine, which was the first drug approvedby the FDA, was followed by a second generation of acetylcholinesteraseinhibitors because of its significant side-effects. It is now being usedsuccessfully internationally.

    KEYWORDS

    Alzheimer disease, cholinergic therapy, dementia.

    Refernc ias

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    Endereo para correspondncia:Paulo Henrique Ferreira BertolucciEscola Paulista de Medicina Disciplina de Neurologia UnifespRua Botucatu, 740 Vila ClementinoCEP 04023-900 So Paulo, SPE-mail: [email protected]

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