TERAPIA GÊNICA HUMANA: uma análise crítica sob a ótica do ...siaibib01.univali.br/pdf/Francine...
Transcript of TERAPIA GÊNICA HUMANA: uma análise crítica sob a ótica do ...siaibib01.univali.br/pdf/Francine...
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE SÃO JOSÉ
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
SETOR DE MONOGRAFIA
TERAPIA GÊNICA HUMANA: uma análise crítica sob a ótica do direito e da bioética
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí.
ACADÊMICA FRANCINE REITZ
São José, junho de 2005.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE SÃO JOSÉ
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
SETOR DE MONOGRAFIA
TERAPIA GÊNICA HUMANA: uma análise crítica sob a ótica do direito e da bioética
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí, sob a orientação da professora MSc. Simone Born de Oliveira.
ACADÊMICA FRANCINE REITZ
São José, junho de 2005.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE SÃO JOSÉ
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
SETOR DE MONOGRAFIA
TERAPIA GÊNICA HUMANA: uma análise crítica sob a ótica do direito e da bioética
FRANCINE REITZ
A presente Monografia foi aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, 14 de junho de 2005
Banca Examinadora:
____________________________________________
MSc. Simone Born de Oliveira – Orientadora
____________________________________________
Membro
____________________________________________
Membro
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Sebastião Enir Reitz e Sueli Dilma da Silva Reitz, com
quem aprendi que é preciso ter sonhos, acreditar neles e ter coragem
suficiente para realiza-los.
AGRADEÇIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por iluminar-me nos momentos difíceis; Aos meus pais,
por todo amor e carinho, e pelo esforço para que este momento estivesse acontecendo; Aos
meus irmãos, Darlan e Cleberson, por toda paciência e amizade demonstrada; A todos os
meus familiares, pelo estímulo e motivação; A todos os meus amigos, pela ajuda dispensada,
e por compreenderem minha ausência durante todo o período de elaboração desta
monografia; Aos meus amigos de trabalho, pelo auxílio e compreensão; A todos os
professores que contribuíram para o meu enriquecimento cultural ao longo desses cinco anos
de graduação, em especial, à minha orientadora Simone Born de Oliveira, pela dedicação,
amizade, e por compartilhar parte de sua sabedoria, deixando uma contribuição importante e
positiva nesta fase de minha vida acadêmica.
“O destino não está mais nas estrelas,
mas sim em nossos genes”
(James Watson)
SUMÁRIO
RESUMO
RESUMEM
INTRODUÇÃO ____________________________________________________________9
1 A VIDA HUMANA E A BIOÉTICA ________________________________________11
1.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E SUA
FINALIDADE_____________________________________________________________11
1.2 A VIDA CONSTITUCIONALMENTE TUTELADA ___________________________14
1.3 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE HUMANA _________________15
1.4 A AUTONOMIA, A BENEFICÊNCIA E A JUSTIÇA COMO PRINCÍPIOS DA
TRINDADE BIOÉTICA _____________________________________________________18
2 MANIPULAÇÃO GENÉTICA ____________________________________________22
2.1 NOÇÕES GERAIS ______________________________________________________22
2.2 BREVE HISTÓRICO E NOÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO
BIOTECNOLÓGICO ______________________________________________________24
2.3 PROJETO GENOMA HUMANO __________________________________________29
2.4 SITUAÇÃO DA LEGISLAÇÃO NACIONAL ________________________________32
3 OS EFEITOS DA TERAPIA GÊNICA ______________________________________36
3.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE TERAPIA GÊNICA ______________________________36
3.2 EFEITOS POSITIVOS CONHECIDOS _____________________________________42
3.3 EFEITOS NEGATIVOS PREVISÍVEIS _____________________________________43
3.4 O DIREITO COMO LIMITADOR DOS EFEITOS PERVERSOS _________________48
CONCLUSÃO ____________________________________________________________51
REFERÊNCIAS __________________________________________________________53
ANEXOS ________________________________________________________________56
RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar o avanço da ciência, advindo da manipulação do código
genético humano e da possibilidade de exclusão de genes defeituosos, para verificar se esta é
ou não sempre positiva, verificando se a regulamentação existente respeita a moral, a ética e
principalmente se garante dignidade humana. Para tanto parte-se da hipótese que dita haver
tanto aspectos positivos quanto negativos, relativos à terapia gênica sobre humanos. É
possível constatar que, por ser este um tema ainda recente, a legislação existente ainda é
insuficiente e ou vaga, não impondo limites suficientes e ou bem definidos, restando estes
apenas aos parâmetros pessoais dos cientistas no agir, e em decorrência desta falta é possível
extrapolá-los, ferindo a ética e a moral vigentes em sociedade, podendo inclusive vir a causar
danos aos seres humanos.
RESUMEM
El presiente trabajo objetiva analizar el avance de la ciencia, advindo de la manipulación del
código genético humano y de la posibilidad de exclusión de genes defectuosos, para verificar
si esta es o no siempre positiva, verificando si la reglamentación existe respecta la moral, la
ética y principalmente si garantiza la dignidad humana. Por tanto se parte de la hipótisis que
dicta haber tanto aspectos positivos como negativos, relativos a la terapia génica sobre
humanos. Es posible constatar que, por ser este un tema todavia reciente, la legislación
existente aún es insuficiente y/o vaga, no imponiendo límites suficientes y/o bien definidos,
restrinjiendo la actuación en virtud de los parámetros personales de los científicos y en
consecuencia de la falta es posible extrapolarlos, hiriendo la ética y la moral vigentes en la
sociedad, pudiendo incluso causar daños a los seres humanos.
INTRODUÇÃO
Esta monografia é desenvolvida a partir de ampla pesquisa bibliográfica a fim de
demonstrar os possíveis benefícios e ou malefícios decorrentes da terapia gênica humana, a
qual tem como objetivo curar ou prevenir doenças através da transmissão do material genético
para as células do paciente, excluindo, modificando ou substituindo os genes considerados
defeituosos por outros genes normais. Demonstra ainda que há também a chamada engenharia
genética de melhoria, que consiste no simples aperfeiçoamento de algumas características
como a estatura, cor dos olhos, etc., e utiliza-se das mesmas formas de manipulação da terapia
gênica.
Este tema é escolhido por perceber-se que esta terapia é assunto recente em
sociedade e que vem se expandindo de forma muito rápida, sendo imprescindível a análise em
relação às suas possíveis conseqüências, bem como em relação à legislação pertinente, a qual
não tem evoluído na mesma proporção, e, desta forma, podendo este desenvolvimento
científico vir a ferir os princípios constitucionais como o direito à vida e a dignidade humana,
inclusive ainda vir contra os princípios éticos estabelecidos pela sociedade.
O presente estudo tem como objetivo verificar se existem aspectos positivos e
negativos na exclusão de genes que podem acarretar doenças, bem como analisar os
princípios constitucionais individuais referentes à pessoa humana, o desenvolvimento da
manipulação genética, e ainda o de demonstrar a relação da bioética com o direito na defesa
do ser humano.
No desenvolvimento da investigação adota-se o método dedutivo, com a pesquisa
através de documentação indireta, sendo que a pesquisa documental utiliza-se da Constituição
da República Federativa do Brasil e da legislação ordinária, bem como a pesquisa
bibliográfica se dá através da análise da doutrina pertinente.
A exposição dos conhecimentos angariados com a referida pesquisa se dá em três
capítulos, sendo o primeiro destinado ao estudo da vida humana e da bioética, onde são
tratados os princípios constitucionais e suas finalidades, entre os quais encontram-se o estudo
da vida constitucionalmente tutelada e o princípio da dignidade humana, trazendo ao final
deste os princípios da trindade bioética.
O segundo capítulo além de trazer noções sobre manipulação genética, busca
focalizar os aspectos históricos desta e ressaltar o desenvolvimento biotecnológico. Faz-se
também, algumas colocações sobre o Projeta Genoma Humano, o qual surge com o objetivo
de mapear e seqüênciar os genes contidos nos seres humanos, com a pretensão de identificar
os genes causadores de anomalias; finalizando com a análise acerca da situação da legislação
nacional.
No terceiro e último capítulo, por sua vez, focaliza-se o estudo sobre os efeitos da
terapia gênica, trazendo uma noção geral desta, na qual é apresentada uma análise sobre o
exame genético pré-natal, informando, posteriormente, sobre os efeitos positivos conhecidos e
os efeitos negativos previsíveis desta terapia, e traz ainda a análise do direito como possível
limitador dos efeitos perversos.
As assertivas, quando possível, far-se-ão acompanhar de citações bibliográficas, de
modo a possibilitar melhor compreensão e demonstrar embasamento teórico-doutrinário sobre
o exposto e, concomitantemente, emitir posição quanto ao enunciado.
1. A VIDA HUMANA E A BIOÉTICA
Com a evolução da ciência já é possível decodificar o código genético dos seres
humanos, onde hoje é permitido excluir ou modificar os genes “defeituosos”, buscando
perfeição.
O estudo da Bioética visa o bem-estar dos seres humanos, refletindo sobre as
pesquisas realizadas, se estas as favorecem ou não, quais suas conseqüências, e se as
pesquisas ainda não testadas podem trazer algum risco ou algum mal à saúde dos seres vivos
em geral.
Para a análise da relação entre a vida humana e a bioética se faz necessário o estudo
de alguns princípios constitucionais, bem como dos princípios bioéticos, conforme se passa a
fazer.
1.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E SUA FINALIDADE
Princípio, como o próprio nome diz, é o início, o começo.
É uma idéia principal de onde designam as demais normas, guiados por um
pensamento chave, por uma idéia mestra1.
Paulo Bonavides citando Luís-Diez Picazo, conceitua princípio da seguinte forma:
[...] deriva da linguagem da geometria, ‘onde designa as verdades primeiras’. Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso são ‘princípios’, ou seja, ‘porque estão ao princípio’, sendo ‘as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geométrico’2.
De acordo com os ensinamentos de Ruy Samuel Espíndola, os princípios servem
para ajudar a identificar os tipos de normas jurídicas a serem aplicadas, auxiliam na 1 Cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 47. 2 PICAZO, Luís-Diez. Los Princípios generales del derecho em el pensamiento de F. de Castro. In Anuário de derecho civil, t. XXXVI, fasc. 3º, out/dez. 1983, p. 1.267-1.268. Apud: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 255 - 256.
elaboração de conceitos e instituem os fundamentos teóricos, as proposições jurídicas livres
de uma ordem determinada, concernente ao direito, ou normas legais vigentes3.
Portanto, princípios são normas que ao serem estabelecidas, em conformidade com
as possibilidades reais e jurídicas, pode-se por em prática, da melhor forma possível obtendo-
se bons resultados4.
Através dos princípios é possível identificar a formação de um país, quais são seus
principais valores éticos e sociais, como é a sua organização política, econômica, e ideológica,
vez que refletem em toda a sua estruturação5.
Em suma, os princípios além de refletirem a estrutura de uma sociedade, servem para
interpretar da melhor maneira o ordenamento jurídico, as normas constitucionais, já que leva
em conta os valores essenciais estabelecidos por cada sociedade.
Sua principal função é a de auxiliar a interpretar e aplicar o direito, e, funcionam
também como fundamento deste6.
Para Paulo Bonavides, os princípios além de fundamentar as outras normas, possuem
outras duas funções essenciais, quais sejam, a interpretativa e a integrativa7.
José de Albuquerque Rocha conceitua a função fundamentadora da seguinte forma:
[...] Os princípios, até por definição, constituem a raiz de onde deriva a validez intrínseca do conteúdo das normas jurídicas. Quando o legislador se apresenta a normatizar a realidade social, o faz, sempre, consciente ou inconscientemente, a partir de algum princípio. Portanto, os princípios são as idéias básicas que servem de fundamento ao direito positivo. Daí a importância de seu conhecimento para a interpretação do direito e elemento integrador das lacunas legais, como veremos a seguir8.
3 Cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel.Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 49. 4 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed.Coimbra (PT): Almedina, p. 1215. 5 Cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel.Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 75-76. 6 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1128. 7 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 274. 8 ROCHA. José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 5. ed, São Paulo: Malheiros, 2001. p. 48.
Já a função interpretativa consiste em orientar as soluções jurídicas através da interpretação
aplicada ao caso concreto, e a função integrativa é aquela que nos casos de lacuna da lei
integra o direito, suprindo tais lacunas9.
Os princípios constitucionais são valores já fundamentados pela Constituição da
República Federativa do Brasil, servindo como base e sustentação para critérios de
interpretação, alastrando estes por todo o mundo jurídico10.
Conforme análise, os princípios são “coisas primeiras”, estão antes, servem como
base a uma teoria, como fundamento desta, orientam as normas e podem, até mesmo, serem
usados de forma subsidiária, quando as leis forem omissas, já que todo o ordenamento
jurídico têm seu fundamento com base nestes.
Cabe ressaltar também que existem diferenças entre regras e princípios.
Paulo Bonavides coloca que para Robert Alexy, os princípios e as regras são normas
que compõe-se de fundamentos de espécies diferentes, e dentre as formas de averiguação de
suas diferenças11, a principal é a generalidade, vez que os princípios possuem elevado grau de
generalidade, e as regras não12.
Ruy Samuel Espíndola esclarece que Dworkin instituiu ainda mais dois métodos de
diferenciação de normas e princípios, sendo a primeira a do “tudo ou nada”, onde ou as
regras são integralmente empregadas, ou não são validas, e no que se refere aos princípios,
estes não definem condições para sua execução, não se dá de forma automática quando
surgem situações cabíveis para a sua aplicação, mas indicam um fundamento que estimulam
os intérpretes em um determinado sentido, e o segundo método é o do “peso ou importância”,
por exemplo, quando há colisão entre princípios um deve prevalecer sobre o outro, um é
considerado mais importante que outro, o que não quer dizer que o princípio o qual se
renunciou deve ser considerado nulo, e sim que eles possuem pesos diferentes em relação ao
caso concreto, fato que não ocorre com as regras, vez que estas não possuem tamanha
proporção, se elas entrarem em conflito, uma delas será considerada nula, não havendo
9 Cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel.Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 68. 10 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 154. 11 José Joaquim Gomes Canotilho, em Direito Constitucional, coloca que dentre os critérios para distinguir regras e princípios tem-se: 1) – quanto ao grau de abstração, 2) – grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto, 3) – caráter de fundamentabilidade no sistema de fontes de direito, 4) – proximidade da idéia de direito, 5) – natureza normogenética. 12 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional., p. 277.
possibilidades de uma ser considerada mais importante que a outra, e sim que uma é valida e a
outra não13.
Temos que o Estado Brasileiro, em sua constituição, enumera alguns princípios como
sendo essenciais, entre os quais o direito a vida, cujo qual é indisponível e inviolável,
conforme é verificado a seguir.
1.2 A VIDA CONSTITUCIONALMENTE TUTELADA
A vida é o principal princípio descrito na Constituição do Estado Brasileiro, é o bem
mais precioso da pessoa humana, e portanto tem sido objeto de proteção estatal, sem ela não
há razão que justifique a existência dos direitos humanos.
Para que os demais direitos possam existir e serem exercidos, é necessário haver
respeito a vida, vez que esta é a base para os demais direitos humanos, sendo sua proteção
jurídica de suma importância14.
A Constituição da República Federativa do Brasil, dispõe no caput do art.5º:que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros [...] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (grifo nosso) 15.
Conforme consta, a vida é um bem inviolável, é de interesse social a sua preservação,
não sendo permitido dispor dela, e isso independe da vontade de quem a possua, vez que sua
garantia é plena16.
O Estado e a sociedade preservam o direito à vida digna da pessoa natural, com
liberdade própria, ajustada à de todos os demais; com segurança, tanto no sentido de ser livre
de perigos, quanto no de provida de certeza de exercício da cidadania, dentro da lei; com
13 Cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 65-66. 14 Cf. GOMES, Celeste Leite dos Santos Pereira; SORDI, Sandra. Aspectos atuais do projeto genoma humano. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. Revista dos Tribunais, 2001. p.178. 15 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05.10.1988. 35. ed. atual. Até a Emenda Constitucional n.45/2004. São Paulo: Saraiva, 2005. Doravante será referida somente por CRFB. 16 Cf. CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 54.
propriedade de bens de aquisição legítima cujo destino satisfaça o aproveitamento individual,
sem prejuízo das funções sociais que a Constituição lhe destina17.
O direito à vida é intrínseco ao ser humano desde seu nascimento, e é reconhecido
pelo Estado, e não apenas concedido por este18.
Para que o ser humano possa desfrutar e administrar a seu favor tudo o que existe na
natureza, ele possui sabedoria, racionalidade e dignidade, sendo a vida um bem indivisível.
Em razão disto não se pode, mesmo que com nobre intenção, “manipular”, “destruir” ou
“negar” a vida humana, independente do estágio em que se encontre, pois, quase sempre, os
fins, mesmo que bons, não justificam o uso de maus meios19.
O direito à vida deve ser analisado sempre de forma ampla, nunca limitada, onde
apenas é verificado de forma biológica, vida ou morte. Deve-se levar em consideração o
direito próprio de estar vivo, bem como o direito coletivo de ter vida digna quanto ao modo de
sobrevivência20.
Como visto, a vida deve estar sempre atrelada com a dignidade humana, e para tanto
segue uma breve análise acera deste princípio constitucional.
1.3 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE HUMANA
A dignidade humana está prevista na CRFB, em seu artigo 1º, inciso III, como um
dos fundamentos do Estado, qual seja:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
[...]
III- a dignidade da pessoa humana.
17 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro, p. 57. 18 Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Direito constitucional comparadoe a inviolabilidade da vida humana. In: BRANDÃO, Dernival da Silva et al. A Vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 133. 19 Cf. ALVES, João Evangelista dos Santos. Direitos humanos, sexualidade e integridade na transmisão da vida. In: BRANDÃO, Dernival da Silva et al. A Vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica. p. 192-193. 20 Cf. FABRIZ, Daury César. Bioética e diretrizes fundamentais: a bioconstituição como paradigma do biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 269.
Como conceito de dignidade humana, traz Ingo Wolfgang Sarlet, e aqui cabe referir:
[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para a vida saudável, além de propiciar ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos21.
Destaca-se que foi através do Cristianismo, com o advento da filosofia patrística22,
que surgiu o conceito de pessoa como ser de direitos subjetivos e fundamentais, o qual detêm
valores, e possui dignidade23.
Para o filósofo Immanuel Kant a libertação do homem está na moralidade, e a
dignidade fundamenta-se no fato de a pessoa ser moral, sendo ela um fim em si mesmo, não
podendo ser considerado como mecanismo pra realização de alguma coisa, razão pelo qual é
pessoa e possui dignidade24.
Fernando Ferreira dos Santos coloca que a dignidade é um princípio absoluto, porém
cabe salientar que para Alexy não existem princípios absolutos, o que significa que se houver
conflito entre princípios, este tem prioridade aos demais, e ainda, afirma que o valor coletivo
não pode nunca ferir o da pessoa. Tem-se ainda que a declaração de que o valor das pessoas
não são iguais trouxe como resultado a afirmação dos direitos de cada homem, sendo a
dignidade o principal direito fundamental25.
Entretanto, o Estado, tem o dever de proporcionar meios para que as pessoas tornem-
se dignas e possam assim viver.
Para Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, a dignidade humana se declara na aptidão
de obter a verdade enquanto tal, de aprender e querer o bem em si e admirar e compor o
“belo”. A autora afirma ainda que o homem possui tal dignidade por ser livre, já que pra ela a 21 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60. 22 filosofia cristã formulada pelos padres da Igreja nos primeiros cinco séculos de nossa era, buscando combater a descrença e o paganismo por meio de uma apologética da nova religião, calcando-se freq. em argumentos e conceitos procedentes da filosofia grega. 23 Cf. SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: uma análise do inciso III, do art. 1º, da constituição federal de 1988. São Paulo: Celso Bastos: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 19. 24 Cf. SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: uma análise do inciso III, do art. 1º, da constituição federal de 1988, p. 23. 25 Cf. SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: uma análise do inciso III, do art. 1º, da constituição federal de 1988. p. 93-97.
dignidade está na liberdade de poder traçar seu caminho, está em suas escolhas, onde ninguém
está desprovido de dignidade, vez que a vida humana é superior a qualquer outra substancia
ou objeto que pode ser observado26.
Santo Tomás de Aquino, referido pela autora supracitada, dispõe que a dignidade é o
mais alto grau da bondade, é sinônimo de majestade, de esplendor, é o maior valor intrínseco
que a pessoa exibe com alarde. É aquela superioridade que permite ao ser humano declarar-se
como autônomo, que sustenta-se em si mesmo27.
O princípio da dignidade é garantido pelo Estado e pertence a todos de forma
igualitária, independente de raça, sexo, religião, posição social, etc., pelo simples fato de
pertencer ao gênero humano28.
Simone Born de Oliveira coloca que, para a garantia da natureza humana é
imprescindível o reconhecimento da dignidade, pois viver sem esta é o mesmo que ser, aos
poucos, privado da vida29.
A dignidade manifesta-se como conseqüência de toda a estrutura ética da sociedade.
Revela-se como meio demarcador, que distingue-se dos demais princípios e direitos tidos
como superiores. Compõe-se de um valor espiritual e moral que fazem parte da pessoa
humana, que se declara na autodeterminação consciente e responsável da própria vida,
requerendo sempre, o respeito30.
Além dos princípios constitucionais citados, cabe neste momento observar também
os princípios da bioética, que serão basilares no desenvolvimento dessa pesquisa monográfica.
26 Cf. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 310 –312. 27 Cf. AQUINO, Santos Tomás. Apud:Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 310-312 28 Cf. HONNEFELDER, Ludger. Genética humana e dignidade do homem. In: BONI, L. A.; JACOB, G.; SALZANO, F. (Org.). Ética e genética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. p. 93-94. 29 Cf. OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioéica ao direito: manipulação genética e dignidade humana. Curitiba:Juruá, 2003. p. 58 30 Cf. FABRIZ, Daury César. Bioética e diretrizes fundamentais: a bioconstituição como paradigma do biodireito, p. 275-278.
1.4 A AUTONOMIA, A BENEFICÊNCIA E A JUSTIÇA COMO PRINCÍPIOS DA
TRINDADE BIOÉTICA
A ciência tem como fundamento a busca da verdade, e para que sua função seja
desempenhada de forma correta, que não venha ferir os princípios sociais, é necessário
estabelecer algumas “qualidades morais”. Dia nte disto, destaca-se, principalmente frente aos
avanços científicos, três dos princípios da bioética, quais sejam:
Respeito pela autonomia dos sujeitos envolvidos em pesquisas, beneficência como meta de todo o projeto científico e não-maleficencia como critério que permita distinguir uma pesquisa teratológica31 de uma pesquisa humanista, que tem como fim último uma melhor qualidade de vida e o princípio da justiça32. (grifo nosso)
Estes princípios, autonomia, justiça e beneficência, ora denominados como trindade
bioética, surgem com o intuito de evitar possíveis discriminações, bem como para impor
respeito em relação aos pacientes.33
Como conceito de princípio da autonomia tem-se que:
O princípio de autonomia se refere ao respeito devido aos direitos fundamentais do homem, inclusive o da autodeterminação. Esse princípio se inspira na máxima “não façam aos outros aquilo que não queres que te façam” e está, portanto, na base de uma moralidade inspirada no respeito mútuo34.
Seu surgimento foi através da exigência dos pacientes de quererem participar de
forma ativa nos diagnósticos médicos, não queriam mais ser entregues nas mãos destes como
crianças que não sabem identificar o que é melhor, porém, isto não significa descarregar a
responsabilidade médica sobre o enfermo, mas sim respeitar sua opinião no sentido de querer
ou não determinado tratamento, tendo sua manifestação no consentimento informado35.
31 Teratológica é o estudo das monstruosidades. 32 Cf. SOARES, André Marcelo M.; PIÑEIRO, Walter Esteves.Bioética e biodireito: uma introdução. São Paulo: Loyola, 2002. p.39. 33 Cf. SOARES, André Marcelo M.; PIÑEIRO, Walter Esteves.Bioética e biodireito: uma introdução, p. 31. 34 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: I- fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996. p. 167. 35 Cf. JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 41-43.
Daury César Fabriz conceitua o princípio da autonomia como sendo o respeito às
pessoas e suas vontades, costumes e convicções, onde todos devem ser responsáveis por suas
escolhas” 36.
Tal princípio está relacionado com a liberdade do paciente, sendo que desde que não
confronte com a autonomia ou que não coloque em risco a vida de outrem, suas decisões
devem ser priorizadas. André Marcelo M. Soares afirma ainda que o fundamento do princípio
da autonomia, assim como o da beneficência, é a razão37.
Em conformidade com o entendimento antes exposto, Geilza Fátima Cavalcanti
Diniz assevera que o respeito a pessoa deve ser interpretado concomitantemente com a
aptidão desta de participar das pesquisas médicas38.
Portanto pode-se observar que a autonomia é baseada na “razão” e no respeito às
vontades e crenças dos seres humanos.
O segundo princípio destacado é o da beneficência, sendo que alguns autores39
denominam também como “princípio da não -maleficência”.
Para este princípio o médico deve sempre analisar cada caso, respeitando o princípio
da autonomia do paciente, verificando se o procedimento acarreta em risco ou beneficio,
procurando satisfazer às necessidades de cada pessoa40.
Tem-se ainda que a beneficência não preocupa-se apenas em não causar danos que
podem ser evitados e sim ampliar os benefícios ao máximo, diminuindo, com isso, os
possíveis riscos ao paciente41.
Sua função, portanto, está em proporcionar melhor qualidade de vida, promover o
bem em relação ao sujeito ou a sociedade, e acima de tudo, manter o sigilo médico42.
36 Cf. FABRIZ, Daury César. Bioética e diretrizes fundamentais: a bioconstituição como paradigma do biodireito, p. 109. 37 Cf. SOARES, André Marcelo M.; PIÑEIRO, Walter Esteves. Bioética e biodireito: uma introdução. p. 32 - 34. 38 Cf. DINIZ, Geilza Fátima Cavalcanti. Clonagem reprodutiva de seres humanos: análise e perspectivas jurídico-filosóficas à luz dos direitos humanos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2004. p. 65. 39 FABRIZ, Daury César, p. 107; SOARES, André Marcelo M. e PIÑEIRO, Walter Esteves, p. 32 e 91; SGRECCIA, Elio, p. 166. 40 Cf. SOARES, André Marcelo M.; PIÑEIRO, Walter Esteves. Bioética e biodireito: uma introdução. p. 90. 41 Cf. DINIZ Geilza Fátima Cavalcanti. Clonagem reprodutiva de seres humanos: análise e perspectivas jurídico-filosóficas à luz dos direitos humanos fundamentais, p. 65. 42 Cf. FABRIZ, Daury César. Bioética e diretrizes fundamentais: a bioconstituição como paradigma do biodireito, p. 107.
É através desse princípio que procura-se equilibrar os aspectos negativos e positivos,
sendo composta de dois subprincípios, ponderar os danos e promover benefícios, sendo sua
aplicação uma obrigação médica quando o paciente correr risco de sofrer algum dano, ou
quando o dano for para o próprio profissional, ou ainda quando o benefício interposto para
alguém acarretar em malefício para outrem43.
Para os que classificam o princípio da não-maleficência, o médico não pode expor
seu paciente a qualquer tipo de risco, e se este não puder ser evitado, ele tem o dever de
escolher o procedimento que ocasione menor sofrimento ao paciente44.
Porém, devem ser analisadas algumas condições, tais como, se a ação é moralmente
boa, se o fim é honesto, o resultado ruim não pode ser instrumento para alcançar o bom, e
devem ser proporcionais entre si45.
A ciência deve estar interligada com o princípio da justiça, em cujo qual se deve
levar em conta não só as “as conseqüências sociais”, mas também no que e para o que as
descobertas de novas tecnologias serão utilizadas e com qual objetivo, se para beneficio ou
para uso indevido, uma vez que a ciência deve preocupar-se com o destino empregado suas
criações e descobertas46.
O princípio de justiça se refere à obrigação de igualdade de tratamento e, em relação ao Estado, de justa distribuição das verbas para a saúde, para a pesquisa etc. Isto, se não quer dizer, certamente, tratar de todos do mesmo modo, pois são diferentes as situações clinicas e sociais, deveria comportar, todavia, a adesão a alguns dados objetivos, como por exemplo, o valor da vida e o respeito a uma proporcionalidade das intervenções47.
Para este princípio deve haver isonomia em relação aos direitos, sendo estes
garantidos a todos indistintivamente, principalmente em relação ao direito de autonomia do
paciente48.
O Estado tem o dever de garantir condições para que este princípio seja respeitado,
assegurando que não haverá discriminação quanto ao atendimento principalmente das pessoas
com classe social mais baixa, já que apregoa a igualdade e o respeito49.
43 Cf. JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios, p. 47-48. 44 Cf. SOARES, André Marcelo M.; PIÑEIRO, Walter Esteves. Bioética e biodireito: uma introdução, p. 91. 45 Cf. JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios, p. 51-52. 46 Cf. SOARES, André Marcelo M.; PIÑEIRO, Walter Esteves. Bioética e biodireito: uma introdução, p. 39-40. 47 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 167. 48 Cf. SOARES, André Marcelo M.; PIÑEIRO, Walter Esteves. Bioética e biodireito: uma introdução, p. 32.
Ainda tem-se que os benefícios referentes ao exercício da medicina devem ser
igualitários, principalmente na disposição dos riscos e benefícios50.
Analisando um caso concreto, estes princípios podem ser insuficientes para dirimir
possíveis conflitos, fazendo-se necessário uma conversa aberta com a população, bem como
com juristas ou estudiosos do direito para que se possa diferenciar a “autonomia”, o direito e a
individualidade do paciente51.
Conclui-se, desta forma, que todos esses princípios visam proteger o ser humano,
garantindo-lhes o direito à vida, bem como o respeito, a justiça e a dignidade, sendo que cada
um não deve ser analisado isoladamente e sim como um todo, vez que eles estão diretamente
ligados entre si, e sua análise individual pode levar a equívocos podendo causar contradições
entre si.
49 Cf. JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios, p. 56. 50 Cf. DINIZ, Geilza Fátima Cavalcanti. Clonagem reprodutiva de seres humanos: análise e perspectivas jurídico-filosóficas à luz dos direitos humanos fundamentais, p. 65. 51 SOARES, André Marcelo M.; PIÑEIRO, Walter Esteves. Bioética e biodireito: uma introdução, p. 33.
2. MANIPULAÇÃO GENÉTICA
2.1 NOÇÕES GERAIS
A expansão da ciência no sentido de identificar, de dominar o genoma humano, bem
como as interações existentes entre os genes, conduz a uma possibilidade de manipular o
DNA52, de intervir no âmago da vida53.
A expressão “manipulação genética” para o autor Elio Sgreccia, é relativamente
abrangente, vez que denota simplesmente em transformar com as mãos a herança genética54.
Já para Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, a manipulação genética está
decomposta em três sentidos, quais sejam: 1º- sentido próprio, que é a concepção de novos
genótipos por meio de um conjunto de técnicas de transferência de um específico segmento de
DNA que contenha uma particular informação genética; 2º - sentido impróprio, compreende
também a manipulação de gametas e embriões, que podem não estarem diretamente
direcionados à modificação do patrimônio genético, como por exemplo a inseminação
artificial, onde existe apenas uma manipulação germinal e obstétrica, e 3º - sentido refere-se à
manipulação genética propriamente dita, ou até mesmo à engenharia genética, onde
compreende a análise, o exame dos genes nas consultas pré-implantatórias, pré e pós-natal55.
Stela Marcos de Almeida Neves, citada por Geilza Fátima Cavalcanti Diniz
conceitua patrimônio genético da seguinte forma:
[...] universo de componentes físicos, psíquicos e culturais que começam no antepassado remoto, permanecem constantes embora com naturais mutações ao longo das gerações, e que, em conjugação com fatores ambientais e num permanente
52 DNA é o ácido desoxirribonucléico, existe ainda o RNA que é ácido ribonucléico, que são os reservatórios moleculares da informação genética de cada indivíduo, tendo a capacidade de transmiti-las à sua descendência. 53 Cf. SIQUEIRA, José Eduardo; DINIZ, Nilza. Ética e responsabilidade. In: GARRAFA, Volnei; PESSINI, Leo (org.). Bioética: poder e injustiça. São Paulo:Loyola, 2002. p. 226. 54 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 213. 55 Cf. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998. p. 160-161.
processo de interação, passam a constituir a nossa identidade e que, por isso, temos de guardar e defender e depois transmitir56.
Para Geilza Fátima Cavalcanti Diniz o patrimônio genético contém ainda fatores
endógenos (que se forma no interior do organismo) e exógenos (que cresce exteriormente)
que resultam da combinação da herança genética de cada pessoa com as circunstâncias
externas que as cercam57.
Ante o exposto, a manipulação genética consiste na modificação das informações
referentes às características dos seres vivos em geral, alterando assim as diversas formas de
vida. Porém, cabe ressaltar que no que diz respeito a bioética, cabe à biossegurança fiscalizar
e ponderar os riscos e benefícios referentes à manipulação genética, o que é objeto de análise
posterior58.
A terapia gênica, entretanto, deriva da manipulação genética e apresenta-se como
promessa terapêutica, principalmente atinente às doenças que são repassadas de geração a
geração, as chamadas doenças hereditárias, como o câncer e até mesmo a AIDS (Síndrome da
imuno deficiência adquirida). Esta forma de manipulação traz expectativas de uma vida que
se apresente com excelente qualidade, muito embora existam inúmeras objeções de cunho
ético, sendo de extrema importância que os cientistas mantenham-se atentos a elas59.
Ressalte-se que é dada ênfase ao estudo da terapia gênica mais adiante, sendo
necessário, primeiramente, a análise de um breve histórico da manipulação genética bem
como do seu desenvolvimento biotecnológico, a fim de introduzir a temática de forma lógica.
56 BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves. Direito ao patrimônio genético. Coimbra (PT):Almedina, 1998. p. 17. Apud: DINIZ, Geilza Fátima Cavalcanti. Clonagem reprodutiva de seres humanos: análise e perspectivas jurídico-filosóficas à luz dos direitos humanos fundamentais, p.57. 57 Cf. DINIZ, Geilza Fátima Cavalcanti. Clonagem reprodutiva de seres humanos: análise e perspectivas jurídico-filosóficas à luz dos direitos humanos fundamentais, p.57. 58 Cf. ODA, Leila Macedo, et. al. Genoma humano e ética: patenteamento e licenciamento do genoma humano e perspectivas para a elaboração de um código de ética em manipulações genéticas. Revista Parcerias Estratégicas - Ética das manipulações genéticas: proposta para um código de conduta. Brasília: CGEE, n. 16, p. 195, outubro. 2002. 59 Cf. SIQUEIRA, José Eduardo; DINIZ, Nilza. Ética e responsabilidade. In: GARRAFA, Volnei; PESSINI, Leo (org.). Bioética: poder e injustiça. São Paulo:Loyola, 2002. p. 226-227.
2.2 BREVE HISTÓRICO E NOÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO
BIOTECNOLÓGICO
A genética passa a existir a partir do ano de 1865, quando Gregor Mendel desvenda
as “leis” que as norteiam, criando a lei de segregação 60 através da análise do cruzamento de
ervilhas de diferentes tamanhos, e elaborou a lei da independência por meio do cruzamento de
plantas que se discerniam por outras características, as quais são independentes entre si,e
recombinam-se de acordo com todas as possibilidades61.
W. Flamming publicou em 1882 sua descoberta, na qual utilizando uma substância
colorante, a “cromatina” redescobriu os cromossomos, verificou também que estes estão nas
células de diversas espécies em numero determinado, ligados aos pares, e que nas células
germinais ou gametas esse patrimônio cromossômico era de 50% para cada célula62.
E. van Bender, seguiu com as experiências investigando as moscas das frutas, a
Drosophila, confirmando que esta possui 8 cromossomos, e que em suas células sexuais esse
patrimônio era a metade de cada um dos gametas63.
Em 1902 o citólogo64 americano W. S. Sutton revelou que em cada segmento do
cromossomo de um novo organismo, um descende do pai, através do espermatozóide, e o
outro da mãe, por intermédio do ovócito (que é um gameta feminino). Posteriormente Thomas
Hunt Morgan verificou que os genes65 nos cromossomos estão situados no núcleo da célula,
onde suas partículas, que são da mesma dimensão de uma molécula de proteína, estão
organizadas, e formam o patrimônio hereditário do indivíduo. Tais genes tem aptidão para se
reproduzirem, recombinando-se das mais variadas maneiras, conservando sua individualidade
e independência em relação aos outros genes66.
60 as características herdadas ao invés de se misturarem, mantém-se separadas, sendo caracterizados como características dominantes e recessivas, onde as dominantes é que evidenciam o aspecto dos descendentes e as recessivas só caracterizam a aparência se os fatores em um par forem recessivos. 61 Cf.OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética: o sétimo dia da criação. 5.ed. São Paulo: Moderna, 1995. p.38. 62 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 98. 63 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 98. 64 Especialista em citologia, que é o ramo da biologia voltado para o estudo da morfologia, do desenvolvimento e das funções das células e dos componentes celulares. 65 Unidade física e funcional da hereditariedade, representada por um segmento de DNA que codifica uma proteína funcional ou molécula de RNA. 66 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 98.
J. Muller, no ano de 1927 notou que, obtinham-se mutações ao bombardear com
raios X os gametas de animais e de plantas, as quais, dependendo dos elementos envolvidos
na mutação, podem ser gênicas, cromossômicas e genômicas67.
Neste momento já é possível estabelecer que a evolução pode dar-se através de
geração espontânea, ou através da evolução das formas e das espécies de vida68.
T. Avery, em 1944, descobriu que as moléculas de DNA são bases azotadas de
adenina, guanina, citosina e timina, e polímeros formados por resíduos de ácido fosfórico, por
um açúcar (desoxirribose)69.
As bases Adenina Guanina Citosina e Tinina são o alfabeto genético, e é a seqüência
dessas letras, e não a forma da molécula, que importa na determinação de nossa herança
genética: no final o que contava era a figura contida nesse jogo de armar70.
Em 1944 o americano Oswalde Avery e seu colegas Colin MacLeod e Maclyn
McCarty mostraram que a mensagem da herança era transportada por ácidos nucléicos e não
por proteína71.
Linus Pauling, em meados dos anos 50, definiu a formação das moléculas de DNA
como dupla hélice, sendo que em 1953 Francis Harry Crick e James Dewey Watson
aperfeiçoaram estes estudos afirmando que o DNA carrega as informações dentro das espirais
de uma hélice dupla72.
Posteriormente verificou-se que o ácido ribonucléico (RNA) diferencia-se do DNA
por sua composição química; seu objetivo é ativar o mecanismo de transmissão genética e sua
estrutura parece de um único filamento73.
Severo Ochoa, em 1955 condensou o RNA in vitro, e no ano seguinte Arthur
Krouberg obteve in vitro o DNA74.
Entre os anos de 1956 à 1965 houve a descoberta dos cromossomos humanos como
estruturas essenciais que contêm o material genético75. 67 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 98. 68 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 98. 69 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 99. 70 Cf. Wilkie, Tom. Projeto goma humano: um conhecimento perigoso. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 42. 71 Cf. Wilkie, Tom. Projeto goma humano: um conhecimento perigoso. p. 41. 72 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 99. 73 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.99. 74 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 99.
Nos anos 60 com as contribuições de M. W Nuremberg e de J. N. Matthei foram
determinados vários tipos de RNA : RNA robossomica (rRNA), RNA mensageiro (mRNA),
RNA solúvel ou de transferência (iRNA), e se esclareceu melhor a seqüência DNA – RNA –
proteínas (transcrição + tradução)76.
Em 1965 Hotchin estabeleceu o termo engenharia genética. Nesta época ocorreu a
primeira cell-fusion77, que é a associação das células humanas e murídeas78 com a passagem
dos genes para os cromossomos humanos79.
O médico Christian Barnard realiza na África do Sul, no ano de 1967 o primeiro
transplante de coração entre humanos, sendo que no ano seguinte é realizado no Brasil, pelo
professor Euryclides Zerbini, tendo o paciente sobrevivido 27 dias80.
Mais adiante, entre os anos de 1968-1969 descobriu-se o diagnóstico pré-natal, sendo
que as técnicas de cultura das células feitas suspensas no líquido amniótico para o estudo dos
cromossomos, e para as pesquisas bioquímicas relativas ao estudo das doenças metabólicas
aperfeiçoadas posteriormente 81.
No ano de 1969 foi revelada a endonuclease de restrição, uma enzima formada por
várias seqüências específicas de base fazem o papel de “bisturi” na divisão do DNA em
pontos previamente estabelecidos. A partir desta época, com o isolamento e a identificação de
aproximadamente 400 enzimas de restrição, torna-se possível observar uma vasta variedade
de seqüências82.
A síntese do primeiro gene artificial foi divulgado em 1970, e em 1971 Paul Berg
criou o DNA-recombinante83, dando origem a engenharia genética84.
Os mais renomados especialistas mundiais sobre manipulação genética in vitro
reuniram-se, em fevereiro de 1975, onde expuseram pela primeira vez, uma fragmentação dos 75 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 219-220. 76 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.99. 77 fusão celular. 78 grande fam. de roedores, com mais de 1.000 spp., encontradas em quase todo o mundo, que inclui os ratos, hamsters e lemingues. 79 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 220. 80 Cf. OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania, 2.ed., São Paulo: Moderna, 1997. p. 13. 81 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 259-260. 82 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 220. 83uma parte do DNA pode ser associada a uma bactéria que faz o papel de vetor e essa pode ser transferida e combinada com o patrimônio genético de uma célula hóspede com a possibilidade de recombinar-se e de se multiplicar numa nova estrutura genética 84Cf. OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania, p. 25.
riscos da manipulação genética, indicaram quais as experiências que deveriam ser coibidas,
apontando a importância de medidas de precaução e de regulamentação. Esta reunião ficou
conhecida como Conferência de Asilomar85.
No ano de 1976 foi publicado o Relatório de Willians no Reino Unido, que
prognostica a autodisciplina dos pesquisadores através de um “código de comportamento” 86.
Em 25 de julho 1978 nasce, na Inglaterra, Louise Toy Brown, a primeira criança
concebida in vitro87.
É na Áustria, em 1980, que foi fundado o primeiro banco de embriões congelados88.
Os primeiros ratinhos concebidos através da clonagem89 deram-se no ano de 198190.
Tem-se agora um conhecimento melhor sobre os mecanismos que produzem as
imunoglobinas e as estruturas dos cromossomos X e Y, e dentre as aplicações tecnológicas e
industriais para a criação de moléculas tem-se: a insulina humana, o interferon, a
somatostatina, a somatotropina, as vacinas antigripais, anti-hepáticas A e B e várias outras. É
possível também determinar os genes patogênicos em seres humanos através de sondas de
DNA ou estudo do polimorfismo dimensional91.
Em 1986 o primeiro seqüenciador automático de genes é posto à venda pela empresa
americana Perkin Elmer, sendo que dois anos após o governo americano publica o documento
Mapeando Nossos Genes, dando origem ao que é denominado Big Science, estabelecendo
linhas gerais do Projeto Genoma Humano92.
E ainda em 1986 pesquisadores americanos, Tony Mônaco, do Hospital para
Crianças de Boston, e Louis Kunkel, de Harvard, identificam defeito genético subjacente
(responsável) a um tipo de distrofia muscular, doença debilitadora dos músculos, que afeta
quase que exclusivamente os meninos (12 e 35-36). Em 1989 uma equipe de biólogos
85 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 215-216. 86 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p. 216. 87 Cf. KOLATA, Gina. Clone: os caminhos para dolly e as implicações éticas, espirituais e científicas. Trad. Ronaldo Sérgio de Biasi Rio de Janeiro: Campus, 1998. p. 11. 88 Cf. OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania, p. 35. 89 Entende-se por clonagem uma “cópia fiel” de descendentes de um único organismo , sendo portanto, todos geneticamente idênticos 90 Cf. KOLATA, Gina. Clone: os caminhos para dolly e as implicações éticas, espirituais e científicas. Trad. Ronaldo Sérgio de Biasi, p. 131. 91 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.222. 92 Cf. NERO, Patrícia Aurélia Del. Bioinformática e o projeto genoma humano: os novos desafios para o direito. In: ROVER, Aires José (Org.). Direito e informática. São Paulo: Manole, 2004, p.100.
americanos e canadenses anunciam ter descoberto a localização do gene que, quando
defeituoso, da origem a fibrose cística93.
Nos Estados Unidos, no ano de 1990, Kenneth W. Culver realiza um transplante de
genes em uma menina de 4 anos, com o objetivo de corrigir um defeito no sistema
imunológico94.
Em 1990 dá-se origem ao Projeto Genoma Humano95.
Nasce na Escócia, a ovelha Dolly, primeiro mamífero adulto clonado com êxito, em
05 de julho de 1996,96.
Em setembro de 1991 uma menina de 4 anos tornou-se a primeira paciente a sofrer
um transplante de gene bem-sucedido no tratamento de uma doença genética fatal97.
Craig Wenter cria em maio de 1998, uma empresa privada, com o objetivo de
mapear e seqüenciar os genes humanos, a Celera Genomics98.
O dia 26 de junho de 2000 foi decisivo para o Projeto Genoma Humano, pois foi
quando o presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e o primeiro ministro britânico Tony
Blair noticiaram o primeiro esboço do genoma humano99, isto é, a finalização do mapeamento
do genoma humano, que consiste na ordenação dos fragmentos de DNA de forma a
corresponderem às suas respectivas posições nos cromossomos100.
93 Cf. Wilkie, Tom. Projeto goma humano: um conhecimento perigoso. p. 12. 94 Cf. OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania, p. 14. 95 Cf. OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania, p. 26. 96 Cf. KOLATA, Gina. Clone: os caminhos para dolly e as implicações éticas, espirituais e científicas. Trad. Ronaldo Sérgio de Biasi p. 01. 97 Cf. Wilkie, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 13. 98 Cf. NERO, Patrícia Aurélia Del. Bioinformática e o projeto genoma humano: os novos desafios para o direito. In: ROVER, Aires José (Org.). Direito e informática, p.100. 99 Cf. NERO, Patrícia Aurélia Del. Bioinformática e o projeto genoma humano: os novos desafios para o direito. In: ROVER, Aires José (Org.). Direito e informática. São Paulo: Manole, 2004, p.100 100 Cf. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais, p. 216.
2.3 PROJETO GENOMA HUMANO
O Projeto Genoma surgiu com o objetivo de mapear e seqüenciar os três bilhões de
genes contidos no DNA101 humano, tais como a altura, a cor da pele, dos olhos, etc, vez que é
no DNA que estão escritas as “letras químicas do texto genético”, que é composto por mais de
3 bilhões de letras, sendo que, uma única “letra” escrita de forma errada pode ocasionar
doença. O Projeto pretende desta forma, descobrir quais são os genes que causam
enfermidades ou anomalias102.
Entende-se por mapeamento genético a verificação do exato local onde o gene se
encontra, e o seqüenciamento é a disposição em que os pares e bases nitrogenadas estão
agrupados103.
O Projeto genoma Humano é considerado como um dos mais promissores já
realizados, vez que fornece um entendimento, antes mesmo de seu término, acerca das
doenças existentes, bem como das suas possíveis formas de tratamento104.
Hoje os geneticistas podem, através das informações genéticas, ir direto ao gene
“defeituoso” intervindo tão somente na área afetada. A partir daí os cientistas percebem que
podem ir além, analisando não só os genes envolvidos em doenças, mas todos os genes
humanos105.
A primeira iniciativa para este Projeto foi do Departamento Americano de Energia
(DOE), em 1983, o qual é responsável pela direção e controle da militarização da ciência nos
Estados Unidos, que considera muito estratégico campo da engenharia genética, cujo objetivo
inicial era de analisar os efeitos das radiações sobre os genes humanos106.
O Departamento Americano – DOE, cria neste mesmo ano na Califírnia, Banco
Gênico107, e em 1985 o projeto Biblioteca Nacional de Genes108.
101 é uma síntese das informações genéticas herdadas. 102 Cf. Wilkie, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 11-12. 103 Cf.OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética: o sétimo dia da criação, p.53. 104 Cf. Wilkie, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 11. 105 Cf. Wilkie, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 35. 106 Cf. OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioéica ao direito: manipulação genética e dignidade humana, p. 80-81. 107 Banco de dados de DNA, com informação genética parcial ou total de uma espécie, também chamados bibliotecas gênicas. 108 Cf.OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética: o sétimo dia da criação, p.59.
Foi no ano de 1984 que Robert Sinsheimer sugere a criação de um Instituto para o
seqüenciamento do genoma humano na Universidade da Califórnia em Santa Cruz, tendo
promovido no ano seguinte uma reunião para alguns dos mais renomados cientistas dos
Estados Unidos da América, para a análise de como pode ser alcançado tal objetivo. Esse
projeto não se realizou, mas a idéia do mapeamento dos genes humanos começa a ganhar
força109.
Renato Dulbeco, em 1985, defende o seqüenciamento do genoma humano em um
discurso realizado na cidade de Nova York, chamando a atenção de James Watson110.
Com tantas propostas, Charles DeLisi, em 1986, admite que o Projeto Genoma
Humano é excepcional e o indica ao Departamento de Energia, que deve assumir um papel
mais importante na abordagem da genética, anunciando aos laboratórios governamentais que
irá patrocinar o mapeamento e seqüenciamento do genoma humano111.
Porém muitos cientistas hesitaram em participar do projeto devido ao custo que
acarretaria e também pela ligação militar do Departamento Americano, ocasião em que
procuraram apoio dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH)112.
James Watson, portanto, se dá conta que este projeto deve ser orientado por
cientistas, e não pode ficar nas mãos do Departamento de Energia, uma organização
burocrática, e sim dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health – NIH), e
dois anos mais tarde foi nomeado diretor responsável pela pesquisa deste projeto, agora sob o
comando dos NIH’s e não mais do Departamento de Energia 113.
Com o intuito de amenizar as “disputas” existentes entre os países, já que muitos
demonstraram interesse em participar do Projeto, e pelo fato de este não poder ficar nas mãos
de apenas um país, os Estados Unidos propuseram um acordo com alguns países, originando,
em 1988, a HUGO – Organização do Genoma Humano114.
109 Cf. Wilkie, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 91-92. 110 Cf. Wilkie, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 93. 111 Cf. OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética: o sétimo dia da criação, p.59 112 Cf. JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios, p. 228-229. 113 Cf. Wilkie, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 97-99 114 Cf. OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética: o sétimo dia da criação, p.60.
O Projeto, nos dia de hoje, é custeado por um grupo de sete paises mais ricos do
mundo, quais sejam: Estados Unidos da América, Alemanha, Japão, Grã-Bretanha, Itália,
França, e Canadá, porém, todos sob o comando dos Estados Unidos115.
Porém, o Projeto Genoma Humano americano é o mais bem custeado, sendo que o
programa Britânico está em segundo lugar. Os britânicos, por terem seus recursos moderados,
chegaram a conclusão de que não valeria a pena disputar com os Estados Unidos,
concentrando-se tão somente na análise do DNA ativo, que é transformado em proteína, o
chamado DNA complementar; mas eles tem ainda um outro objetivo, qual seja, o de
seqüenciar o genoma mais simples de forma completa, para que os demais seqüenciamentos
sejam baseados através deste116.
Mas, foi no ano de 1990 que oficialmente o Projeto Genoma Humano avançou, sem
a participação dos países pobres que foram excluídos de qualquer forma de conhecimento a
respeito deste projeto, e, imaginando que isto poderia acontecer, os cientistas da América
Latina fundaram o Plagh – Programa Latino-americano do Genoma Humano, o qual possui o
objetivo de incentivar as pesquisas, bem como de compartilhar informações. Integram o Plagh
a maioria das empresas genéticas da América Latina117.
Os principais países que iniciaram e integram os programas de estudo sobre o
genoma humano são a Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coréia, Dinamarca,
Estados Unidos, França, Holanda, Israel, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Suécia e
União Européia.118.
O projeto Genoma, conforme coloca Renato Dubecco, foi divido em duas etapas,
onde na primeira coube apenas entender em que consiste o genoma, como ele se desenvolve a
ainda quais são os genes que contém. A partir daí é possível o diagnostico dos “defeitos”
genéticos e a descoberta de ações terapêuticas. No segundo momento pretende observar as
variações gênicas de cada ser, com inclinação no sentido de determinar quais genes são
responsáveis pelas características individuais, tais como a estatura, tipo de pele, as possíveis
doenças, a inteligência, o comportamento social, etc119.
115 Cf. OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética: o sétimo dia da criação, p.60. 116 Cf. WILKIE, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 104-106. 117 Cf. JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios, p. 229-230. 118 Cf. CABELLO, Giselda MK, O genoma humano. Disponível em: <http:// www.ghente.org/ciencia/genoma/>. Acesso em: 28 abril 2005. 119 Cf. DULBECCO, Renato. Os Genes e o nosso futuro:o desafio do projeto genoma. Trad. Marlena Maria Lichaa. São Paulo: Best Seller, 1997. p. 93-94.
Tem –se que é nos computadores de Baltimore que estão localizados os arquivos
internacionais de dados sobre o genoma, sendo denominados de “Pacote de Wisconsin”. Após
a Guerra do Golfo em 1991, o Departamento do Comércio dos Estados Unidos, com receio de
que os programas pudessem ser utilizados em algum projeto de guerra, ordena a proibição do
acesso a esses programas por não-americanos, e somente após algum tempo os NIH
conseguem suspender tal embargo. Ainda neste mesmo ano é divulgado que os NIH estarão
tentando patentear as descobertas sobre o seqüenciamento do DNA. Houve muitas
controvérsias a respeito das patentes, sendo que Watson coloca-se contrário a essa idéia. Para
ele isso vai contra o progresso científico, pois os cientistas ao invés de divulgarem suas
experiências vão escondê-las até obter a patente de tal descoberta, prejudicando assim o
projeto, pois cada país teria que sozinho descobrir o seqüenciamento do genoma e torcer para
que outro país ainda não o tenha feito e patenteado, e, se as descobertas forem compartilhadas
e não escondidas, o conhecimento do genoma humano vai se dar de forma mais rápida,
beneficiando, desta forma, a todos120.
Watson pede seu desligamento do Centro Nacional de Pesquisa do Genoma Humano
em 1992, e mais tarde Francis Collins assume como diretor interno121.
Em 26/06/200 é divulgada a conclusão do mapeamento do genoma humano, a
posição dos cromossomos, relacionados com a distribuição dos fragmentos de DNA. Calcula-
se que vai ser necessários aproximadamente 5 anos para identificar todos os genes e mais de
um século para conhecer as funções destes122.
2.4 A SITUAÇÃO DA LEGISLAÇÃO NACIONAL.
Com o enorme avanço da tecnologia é imprescindível a imposição de algumas
regras, vez que sem elas não há ordem, não há forma de impor limites, e a legislação vem em
busca desses ideais, estabelecendo alguns critérios que devem ser acatados para haver o
desenvolvimento de alguns projetos.
120 Cf. WILKIE, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p.110-111. 121 Cf. WILKIE, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 112. 122 Cf. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais, p. 216.
A primeira Lei a ser analisada, que a é base de todo o nosso sistema, é a Constituição
Federal. Não nos é permitido infringir tal regulamento, e a criação de novas leis devem tê-la
como parâmetro, sob pena de serem consideradas inconstitucionais.
Conforme já analisado no capítulo anterior, a Lei Maior institui como direitos
fundamentais o da vida, a dignidade, a privacidade, a igualdade, e a segurança. Coloca
também que o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica será
incentivados e promovida pelo Estado, e ainda que a atividade intelectual, artística e científica
é livre, independente de censura ou licença.
Entretanto, na falta de normas que regulem a manipulação genética, os pesquisadores
utilizam como fonte alternativa os códigos de deontologia profissional, os regulamentos de
determinadas associações, regras de conduta de instituições particulares e orientações dos
comitês de bioética. Ressalta-se porém que estas regras são impróprias, pois são privadas de
jurisdicidade123.
Temos no Brasil a Resolução 196 de 10/10/1996, do Conselho Nacional de Saúde,
que tem por finalidade regular as pesquisas realizadas com seres humanos, a qual é baseada
nos principais documentos internacionais, conforme verifica-se em seu preâmbulo:
A presente Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos: o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a Declaração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU,1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991). Cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da Legislação brasileira correlata: Código de Direitos do Consumidor, Código Civil e Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90 (dispõe sobre as condições de atenção à saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes), Lei 8.142, de 28/12/90 (participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde), Decreto 99.438, de 07/08/90 (organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde), Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta por estrangeiros de dados e materiais científicos no Brasil), Lei 8.489, de 18/11/92, e Decreto 879, de 22/07/93 (dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com fins humanitários e científicos), Lei 8.501, de 30/11/92 (utilização de cadáver), Lei 8.974, de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados), Lei 9.279, de 14/05/96 (regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial), e outras124.
123 Cf. LEITE, Rita de Cássia Curvo. Os direitos da personalidade. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 160-161. 124 BRASIL. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996. Conselho Nacional de Saúde. Disponível em <http://conselho.saude.gov.br/docs/Resolucoes/Reso196.doc> Acesso em 23 abril de 2005.
Essa Resolução define alguns termos como: pesquisa envolvendo seres humanos,
risco da pesquisa, sujeito, consentimento, ressarcimento, dentre outros. Ela tem como base os
quatro referenciais da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça. Discorre
também sobre o protocolo de pesquisa, o Comitê de Ética em Pesquisa, onde todos os estudos
e experimentos envolvendo seres humanos devem ser submetido a apreciação deste, sobre a
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, onde em meio a suas atribuições tem-se a
aprovação e acompanhamento de protocolos de pesquisas em áreas temáticas como a genética
humana, reprodução humana, fármacos, medicamentos, projetos que envolvam aspectos de
biossegurança, etc., e funcionam também como instância final de recursos. Esta Resolução
visa assegurar direitos e deveres relacionados aos sujeitos de pesquisa, aos Estado e a
comunidade científica.
Temos ainda em vigência no Brasil a Lei 6.638/79 que estabelece critérios para
prática didático-científica da vissecção de animais, dentre outras precauções, o Decreto que
regula a coleta, por estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil, a Lei 8.501/92
regula as formas para a utilização de cadáveres não reclamados, não mencionando referencias
a respeito sa utilização de partes de cadáveres submetidos à necropsia; a Lei 9.434/97 que
disciplina a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e
tratamento, emendada pela Lei 10.211/2001.
A mais recente Lei de Biossegurança, nº 11.105 promulgada em 24 de março de
2005, que revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, a Medida Provisória no 2.191-9, de
23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de
dezembro de 2003.
Em seu artigo 1º estabelece:
[...] normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados --OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente125.
125 BRASIL. Lei de Biossegurança nº11.105, de 24 de março de 2005. Presidência de República. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm >. Acesso em: 23 abril de 2005.
Esta lei é uma verdadeira colcha de retalhos, pois trata ao mesmo tempo sobre
transgenicos e uso de embriões humanos com célula-tronco. Ela proíbe, dentre outros, a
engenharia genética em organismo vivo, em célula germinal humana, zigoto, e embrião
humano, e a clonagem, entretanto, permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de
células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro
e não utilizados no respectivo procedimento, observando algumas condições como o
consentimento dos genitores. Esta Lei regula o Conselho Nacional de Biossegurança, a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, indicando sua composição, os órgãos e
entidades de registro de fiscalização, e dentre as disposições finais e transitórias autoriza o
plantio de grãos de soja geneticamente modificados, reservados pelos produtores rurais para
uso próprio na safra de 2004-2005, sendo porém vedado a comercialização da produção como
semente.
Conforme se verifica ela traz assuntos bem diferentes que vão desde os embriões
humanos com células-tronco até os transgênicos, o que força concluir que o interesse pela
pesquisa com células-tronco em determinado momento passa a ser considerado vital para o
estado brasileiro e seu desenvolvimento científico, e caso não fosse tal tema trazido junto a
este tipo de norma (biossegurança), talvez nunca se conseguisse aprovar pesquisas com estas,
haja vista as reações contrárias das várias denominações religiosas que contra isso se
manifestam até hoje.
Essas normas, entretanto, não são ainda suficientes o bastante para regular as
pesquisas envolvendo os seres humanos, os limites ainda são muito pequenos em genética,
ficando esta apenas ao crivo pessoal dos princípios éticos e morais dos próprios
pesquisadores.
3. OS EFEITOS DA TERAPIA GÊNICA
3.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE TERAPIA GÊNICA
A terapia gênica humana tem o propósito de curar ou prevenir doença, transferindo o
material genético para as células do paciente, como forma de tratamento de doença126.
Maria Celeste Cordeiro Leite Santos coloca que três fatores contribuíram para os
avanços da engenharia genética, quais sejam, a criação de métodos para fragmentar o DNA
em lugares específicos; o desenvolvimento de meios simples para o agrupamento de
moléculas de DNA, e a invenção de técnicas para inserção do DNA em organismos
anteriormente imunes e resistentes127.
Há também a chamada “engenharia genética de melhoria” na qual transferem -se os
genes128 para as células de seres saudáveis com o único objetivo de aperfeiçoar algumas
características, tais como a estatura, cor dos olhos, memória, etc., e não como forma de
prevenir doenças, sendo que esta utiliza-se das mesmas técnicas da terapia gênica129.
Portanto, tem-se que a terapia gênica traduz-se na exclusão, modificação ou
substituição dos genes considerados defeituosos por outros funcionais. Ressalta-se, porém que
esta técnica ainda encontra-se em fase de estudos, mas é considerada de forma mais válida do
que a manipulação genética pois visa a cura de enfermidades, e não simplesmente uma
melhoria genética no sentido de “perfeição” humana 130.
A modificação genética em forma de terapia consiste em corrigir os genes
deficientes, para que estes cumpram suas funções normais, sendo que a substituição está na
troca de um gene anômalo por outro considerado normal, e a inserção genética, como o
126 Cf. NYS, Herman. Terapia gênica humana. In: CASABONA, Carlos. Biotecnologia, direito e bioética: perspectivas em direito comparado. Belo Horizonte: Del Rey e PUC Minas, 2002. p. 66 127 Cf. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico legais,p. 161-162. 128 Segmento ou unidade funcional do DNA que transmite a herança. Transferir um gene é transferir um pedaço de DNA. 129 Cf. NYS, Herman. Terapia gênica humana. In: CASABONA, Carlos. Biotecnologia, direito e bioética: perspectivas em direito comparado, p. 66 130 Cf. GOMES, Celeste Leite dos Santos Pereira; SORDI, Sandra. Aspectos atuais do genoma humano. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 174.
próprio nome diz, é a introdução de um gene com o objetivo de este complementar as funções
do gene anômalo original; entretanto, o gene “defeituoso” permanece em seu lugar junto com
as células131.
Pode-se dizer, entretanto, que a terapia gênica tem finalidades diagnósticas,
terapêuticas, produtivas, alterativas e experimentais. Como finalidades diagnósticas tem-se o
pré-natal, que será tratado no tópico seguinte, que tem a finalidade de comprovação de
enfermidades de origem genética, a confirmação de paternidade, no âmbito cível, e no âmbito
penal tem-se a identificação de réus em certos delitos132, e ainda, na área da medicina do
trabalho poder-se-á realizar testes de aptidão para determinado local de trabalho. As
finalidades terapêuticas estão relacionadas com o paciente em questão, mas sem presciência
de favorecer alguém em detrimento de outro. A finalidade produtiva já é praticada na área
farmacológica, na elaboração de hormônio através da insulina humana, o interferon, as
vacinas, dentre outros, e novos estudos estão em desenvolvimento. Já a finalidade alterativa
refere-se a possibilidade de seleção e não de modificação terapêutica, no que tange aos seres
humanos, animais e vegetais, para a criação de espécies modificadas. Essa forma de alteração
seria um aperfeiçoamento da espécie133.
A terapia gênica pode ainda ser aplicada sob três formas: a) nas células somáticas,
onde apenas o genoma do indivíduo é modificado, as células vão apenas exercer a função para
qual foram destinadas, não repassando esta modificação para suas futuras gerações; b) nas
células germinativas humanas, as quais modificarão também sua progênie, sendo
imprevisíveis os resultados; c) no embrião134.
A terapia gênica em células somáticas visa a restituição da normalidade em relação
apenas às células anormais do indivíduo, enquanto que a terapia gênica germinal modifica
além da células do paciente, a de toda a sua prole, podendo ser realizada em gametas ou
embrião precoce135.
131 Cf. NYS, Herman. Terapia gênica humana. In: CASABONA, Carlos. Biotecnologia, direito e bioética: perspectivas em direito comparado, p. 66 132 O autor Elio Sgreccia coloca que as técnicas evoluíram de tal modo que mesmo com pequenas amostras de material de DNA, como sangue, cabelo, esperma, podem fornecer com exatidão a informação individual, servindo para a resolução de muitos casos judiciais, porém esse tipo de exame deve ser analisado por pessoal perito, com equipamentos validos e lícitos, exigindo extremo cuidado para que pessoas inocentes não possam ser incriminadas. 133 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.225-227. 134 Cf. GOMES, Celeste Leite dos Santos Pereira; SORDI, Sandra. Aspectos atuais do genoma humano. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 174-175. 135 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.247.
Através da terapia gênica, os médicos pretendem reparar principalmente os genes
que obstam a adaptação do indivíduo à sociedade, os genes que aniquilam as funções físicas e
cerebrais indispensável a tal adaptação, sendo esta uma das formas de combater tais genes,
que conforme já fora explanado, é uma técnica que insere nas células do organismo o gene
normal análogo ao gene danificado, sendo esta tecnologia utilizada também no combate ao
câncer. Cabe destacar que a utilização dessa técnica em seres humanos ainda é recente, e
grande parte dos conhecimentos adquiridos é procedente de experiências com animais ou
cultura de células in vitro136.
O êxito referente aos avanços científicos estimula, além dos pesquisadores, as
indústrias no intuito de aprimorar o conhecimento acerca das terapias gênicas no sentido de
combater as várias doenças hereditárias conhecidas, vez que as que se tem maior
conhecimento são a fibrose cística, distúrbios do sistema imunológico, distrofia muscular, as
alterações que provocam o aumento de colesterol no sangue, a hemofilia, a fenilcetonúria,
alguns defeitos relacionados à produção da uréia e a mucopolissacaridose137.
Elio Sgreccia expõe com precisão as formas de tecnologias possíveis para a
engenharia genética, explicando seu objetivo, e cabe neste momento fazer tal citação de forma
direta para que não se perca tal precisão conceitual, apesar de sua extensão:
- Identificação dos genes patogênicos, em particular o conhecimento da doença, antes mesmo que ela se manifeste, com a possibilidade teórica de poder prevenir seu desenvolvimento e/ou transmissão à descendência.
- Produção de moléculas úteis ao homem, tornando possível sua disponibilidade em larga escala (insulina, gonadotrofina crônica humana, hormônios do crescimento, vacinas etc.)
- Produção de vegetais e de animais, com características particulares obtidas pela inserção de determinados genes nas células somáticas ou germinais ou nas ovocélulas fertilizadas. Foram assim projetados planos experimentais de aperfeiçoamento dos animais de criação (produção de mais leite, de carne de melhor qualidade etc.) ou de algumas plantas (adaptabilidade a terrenos pouco férteis etc.).
- Mapeamento. Pretende localizar nos cromossomos os genes cujos produtos ou efeitos já são conhecidos. As estratégias usadas vão desde a hibridação celular até o uso de “sondas” específicas capazes de revelar a posição de fragmentos de DNA correspondentes a um determinado gene.
- Isolamento. Pôde-se atingir esse objetivo por meio da utilização de uma série de “bisturis” biológicos, as assim chamadas enzimas de restrição, capazes de “cortar” em pontos bem determinados a cadeia do DNA, isolando os genes compreendidos na seqüência de base entre os dois cortes.
- Clonagem. Trata-se de uma espécie de multiplicação biológica de cada um dos genes para se poder ter à disposição uma grande quantidade a ser analisada ou utilizada para fins diversos. A clonagem é possível por meio da “inserção” do gene
136 Cf. DULBECCO, Renato. Os Genes e o nosso futuro:o desafio do projeto genoma, p. 187. 137 Cf. DULBECCO, Renato. Os Genes e o nosso futuro:o desafio do projeto genoma, p. 188.
conhecido no patrimônio genético dos assim chamados vetores (plasmídeos, bacteriófagos, vírus) mediante a técnica do DNA recombinante. Quando os vetores se multiplicam, multiplicam-se também os genes inseridos no seu genoma.
- Seqüenciamento. Serve para estabelescer a estrutura molecular dos genes, definindo exatamente a sucessão ordenada das bases de que eles se compõem, havendo assim a possibilidade de compreender melhor os mecanismos de sua atividade e desuas alterações.
- Transferência. É o objetivo mais interessante, que pretende estudar o comportamento dos genes quando inseridos em células e tecidos diferentes daqueles em que normalmente agem.
Algumas conquistas que se seguiram à consecução dos objetivos acima expostos:
- Conhecimento da própria estrutura e da natureza dos genes: conhecer sua localização nos cromossomos, as proteínas codificadas e as doenças determinadas foi uma grande vitória, cheia de implicações no campo da biologia e da medicina.
- De alguns anos pra cá, a introdução do método denominado Polymerase Chain Reaction (PCR) acelerou ainda mais a consecução dos objetivos supracitados138.
Para ser dado início a terapia gênica, primeiramente deve-se conhecer o gene que
apresenta anomalia e expô-la a clonagem. Logo após é identificada a célula que apresenta
atividade normal, sendo essa identificação de extrema importância já que o gene só pode ser
inserido em apenas uma célula acessível. Há várias formas de aplicação da terapia gênica,
sendo necessário a análise de cada caso concreto, e das células a serem modificadas com a
introdução do gene, como por exemplo, é possível a utilização desta terapia em casos como os
da hemofilia, em que há falta do fator de coagulação, onde é inserido o gene em qualquer
célula que tenha capacidade de fabricar o produto e leva-lo a corrente sanguínea. Para tanto, o
gene modificado deve ser o que fabrica uma substancia contida no sangue cuja função é
essencial139.
È importante também o estudo de exames pré-natal, que é analisado em seqüência,
pois através deste pode-se realizar terapias na fase “zigoto 140”, ou até mesmo antes da
fecundação.
3.1.1 Pré-natal
138 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.222-223. 139 Cf. DULBECCO, Renato. Os Genes e o nosso futuro:o desafio do projeto genoma, p. 188-189. 140 célula resultante da união do gameta masculino ao feminino, em estágio anterior ao da divisão celular.
Pré-natal é o exame realizado durante o período de gravidez, para que se possa
verificar possíveis doenças do feto, bem como se este ou a mãe correm algum risco durante o
período de gestação ou no momento do parto.
Apesar de a terapia gênica ser realizada, nos dias de hoje, com crianças e adultos, se
pudéssemos garantir com segurança os bons resultados acerca dessas terapias, poder-se-ia
realizar a terapia in vitro, se as malformações forem identificadas ainda quando zigotos.Daí
surge a importância do exame genético pré-natal141.
Este exame genético é efetuado na fase de desenvolvimento fetal para que se possa
verificar se o feto possui ou não alguma anormalidade cromossômica, alguma malformação
ou imperfeição que possa exercer alguma influência em sua vida futura142.
Entretanto, há certa probabilidade de perigos acerca dessa terapia pré-natal, pois
quando o zigoto está acessível in vitro, corre-se o risco que, após o diagnóstico pré-
implantatório, a introdução de células somáticas transformem-se em células germinativas,
alterando os gnes de seus descendentes. Diante desta possível situação, verifica-se ser mais
sensato alterar ao invés de transferir zigotos que apresentam anomalias143.
Para a realização do diagnóstico pré-natal, utiliza-se de algumas técnicas, tais como:
a) ecografia – sendo que esta forma de diagnóstico identifica apenas as anomalias somáticas
estruturais externas, que podem ser resolvidas através de cirurgias intra-uterinas ou até mesmo
terapias após o nascimento, mas não revela as irregularidades genéticas ou cromossômicas;
b) a fetoscopia – traduz-se pela inserção do fetoscópio no interior do útero, com o objetivo de
analisar a formação somática, complementando os resultados da ecografia, para que se possa
retirar o sangue do feto através da punção num vaso da placa corial ou do cordão umbilical,
ou retirar tecidos do feto para a realização de exames de doenças genéticas. É realizada entre a
18ª e a 20ª semana, e pode ser utilizada ainda para a terapia intra-uterina. Entretanto surgem
alguns riscos como a interrupção de gravidez, partos prematuros, e ainda isoimunização da
mãe Rh negativa;
c) a placentocentese – é uma forma de retirar o sangue fetal da placa corial, por meio de
punção da placenta, para exames genéticos. Esta técnica não está sendo utilizada por seu alto
141 Cf. NYS, Herman. Terapia gênica humana. In: CASABONA, Carlos. Biotecnologia, direito e bioética: perspectivas em direito comparado, p. 69. 142 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.256. 143 Cf. NYS, Herman. Terapia gênica humana. In: CASABONA, Carlos. Biotecnologia, direito e bioética: perspectivas em direito comparado, p. 69.
risco de interrupção de gravidez, vez que tem que ser repetida diversas vezes pois geralmente
o sangue do feto vem contaminado com a da mãe, podendo ser substituídos pela fetoscopia;
d) A retirada das vilosidades corais (CVS) – com reforço da fetoscopia e da ecografia extrai
tecidos do feto, com o objetivo de antecipar os exames genéticos, sendo realizado no período
que compreende a 8ª e a 11ª semana e, algumas vezes até mesmo na 6ª semana. O risco de
aborto no emprego desta técnica é mais alto do que as demais;
e) a Amniocentese – é o método por meio do qual retira-se de 15 a 20 ml de liquido amniótico
das células fetais de clivagem, sendo realizada entre a 15ª e a 18ª semana após a última
menstruação, por intermédio da punção e da ultra-sonografia. Em um segundo momento é
realizado um estudo citogenético das células do feto que encontram-se no liquido amniótico,
as quais passam por uma centrifugação, para sua separação, e um tratamento de cultura para
poder reconhecer seus cromossomos, demonstrando as anomalias ali existentes. Para que o
defeito não seja procurado na forma dos cromossomos, substitui-se ou completa-se este
estudo com pesquisas bioquímico-genética, método imprescindível para detectar anomalias
no sistema nerveso central, ou erros congênitos do metabolismo;
f) Cordocentese – é a punção ecoguiada pelo cordão umbilical, preferivelmente em nível de
veia. Esta punção deve ser realizada em torno da 18ª semana de gestação. Através desse
exame é possível ter um bom diagnóstico no sentido de verificar e proporcionar bem-estar ao
feto, e se necessário, indicar meio para realização de terapias intravasculares neste. As
indicações são a isoimunização Rh; a infecção por cytomegalovírus, patologias
hemocagulatórias; atraso no crescimento intra-uterino; as malformações144.
Este método de diagnóstico precoce pode ser benéfico para os pais no sentido de
prepara-los e informá-los quanto aos riscos de anomalias que podem ocorrer nas futuras
reproduções, entretanto, não pode-se permitir que a partir desse exame ocorram a prática de
“aborto seletivo 145”, vez que torna -se possível saber das eventuais doenças genéticas146.
As investigações referentes às intervenções em fetos e animais ainda são muito
escassas, devido aos seus perigos magnos, e devido a falta de aconselhamento pós-natal.
Muitas das imperfeições só podem ser tratadas pela terapia gênica somática, porém algumas
144 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.262-266. 145 Aborto seletivo é a expulsão provocada do feto em nome de suas limitações físicas e mentais, ou quando houver mal-formação do feto. 146 Cf. VERRESCHI, Ieda Therezinha do Nascimento. As síndromes: matar ou curar?. In: BRANDÃO, Dernival da Silva et al. A Vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica. p. 120.
enfermidades podem ser reparadas ainda na época de desenvolvimento do feto, antes que
tornem-se imutáveis.Sabe-se também que a inserção genética em muitos tecidos são mais bem
aceitos na fase de desenvolvimento do feto do que depois do seu nascimento147.
Esta forma de diagnóstico extemporâneo comporta muitos problemas de cunho ético,
podendo levar uma pessoa a cometer a interrupção da gestação, no caso seletivo, após receber
um infeliz diagnóstico, por exemplo de possíveis doenças ou mal formações genéticas a qual
ainda não tem cura. Este fato ocorre com tamanha freqüência que nos leva a acreditar que o
aborto é quase uma conseqüência sua148.
Muitas pessoas acreditam que este exame genético deve ser rejeitado, pois é de certa
forma inútil, abrindo as portas para o aborto, uma vez que, após a afirmação de determinada
enfermidade que não possui cura, a ciência não oferece muitas possibilidades, ou aceita-se o
nascituro com suas anomalias genéticas ou recorre-se a interrupção da gestação149.
3.2 EFEITOS POSITIVOS CONHECIDOS
Se passa por uma época de relevante valor histórico, com o advento da manipulação
genética, onde fala-se até mesmo que o homem tornou-se capaz de “criar” de modificar o
código genético humano em laboratório, onde as transformações biológicas acontecem não
mais devido às intervenções da natureza, mas por meio dos cientistas, que em posse do
seqüenciamento genético podem direcionar tal evolução no sentido que bem entender. Elio
Sgreccia compara a engenharia genética com o potencial atômico, no sentido de que, da
mesma forma que a energia atômica pode ser utilizada de modo positivo, a terapia gênica
pode ser empregada para fins curativos, ou pode ser aplicada de forma manipuladora,
negativa, ficando ao alvedrio de quem o fizer150.
A desmistificação do seqüenciamento genético, conforme analisado, está sendo
possível através do projeto Genoma Humano, o qual traz como benefícios a possibilidade de
147 Cf. NYS, Herman. Terapia gênica humana. In: CASABONA, Carlos. Biotecnologia, direito e bioética: perspectivas em direito comparado, p. 69-70. 148 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.268. 149 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.256. 150 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.214-215.
verificar quais são os genes que acarretam as denominadas doenças hereditárias,
possibilitando a alteração de tal gene, o reconhecimento, a partir do DNA, acerca da
paternidade, a verificação de possíveis propensões a certas doenças em ambientes de trabalho,
por exemplo os que utilizam substâncias químicas, e ainda pode ser empregado para o uso
criminológico, auxiliando na elucidação de alguns crimes; porém, esses benefícios podem
acarretar em discriminação, tema de análise posterior151.
A partir do momento em que se observar a revelação total do código genético, mais
fácil vai ser curar algumas enfermidades vez que novas terapias devem ser desenvolvidas,
bem como novos remédios, e as formas de prevenção restarão mais evidentes152.
Em alguns centros universitários já é realizado o aconselhamento genético, que
consiste em orientar casais heterozigotos que tem a intenção de ter filhos. Por heterozigotos
compreende-se quando uma pessoa possui um gene normal e outro com anomalia, o que não
significa que esta pessoa esteja acometida por alguma enfermidade; mas, se ela tiver um filho
com outra pessoa heterozigótica, esse filho tem uma possibilidade de adquirir o gene
defeituoso da mãe e o outro do pai, sendo que, neste caso, o filho terá uma enfermidade que
será denominada como doença recessiva. O aconselhamento genético, portanto, tem o intuito
de demonstrar ao casal as possibilidades de gerar filhos saudáveis ou não, para que estes
tenham a oportunidade de escolher e programar sua prole. Porém, cabe destacar que ainda
existem mais dúvidas do que certezas no que se refere ao mapa genético do ser humano153.
3.3 EFEITOS NEGATIVOS PREVISÍVEIS
Apesar do pontos positivos apresentados, encontra-se alguns problemas de ordem
ética e moral, os quais passam a ser analisados, tais como a seletividade humana decorrente da
problemática dos exames genéticos pré-natal, o preconceito, a discriminação pelas empresas
seguradoras e pelos empregadores, o uso diverso das terapias e a falta de legislação para
coibi-los.
151 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.243-244. 152 Cf. DIEDRICH, Gislayne Fátima. Genoma humano: direito internacional e legislação brasileira. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 216-217. 153 SIQUEIRA, José Eduardo de. Ética e tecnociência: uma abordagem segundo o princípio da responsabilidade de Hans Jonas. Londrina: UEL, 1998. p.78.
A seletividade humana, a partir dos exames genéticos pré-natal, tornam-se mais
evidentes, vez que através deste é possível verificar certas anomalias no feto, ou saber sobre
as possíveis doenças genéticas, das quais muitas não tem cura, como já mencionado no tópico
anterior, não deixando muitas alternativas, ou se aceita o feto com a enfermidade detectada,
ou interrompe-se a gravidez154.
A partir desta seletividade surge o preconceito, onde muitos serão considerados
como imperfeitos, fato que já ocorre com os portadores de algum tipo de anomalia genética,
podendo ser sujeitados a uma subclasse, com base em dados genéticos, provocando, na
sociedade, uma divisão entre o mundo dos geneticamente normais e dos que possuem genes
com algum defeito, originando maior exclusão social, cabendo aos “imperfeitos” apenas os
subcargos com subsalários, não oferecendo a estes outra opção de vida, ferindo desta forma o
direito a dignidade e igualdade humana155.
Outro problema originário dos diagnósticos genéticos pré-natal é referente ao risco
que as pessoas que se submeterem a este exame podem correr, como por exemplo a
construção de bancos de dados, os quais devem garantir sigilo para evitar que pessoas
particulares, ou principalmente empresas de seguro tenham acesso a tais dados, evitando uma
possível discriminação, sendo acessíveis apenas para finalidades científicas ou para uso da
justiça156.
A problemática frente às companhias seguradoras também merece destaque. Sabe-se
que estas empresas tem em seu escopo a intenção de assumir riscos, por exemplo, elas
identificam seus clientes através de uma “tabela de riscos”, valorando suas apólices com base
nestas. Uma pessoa com idade superior a 60 anos terá o valor de sua apólice mais alto do que
uma de 20, pois o que se espera é que a primeira vai viver menos do que a outra, portanto
contribuira menos. Porém essa é apenas uma estimativa, vez que algumas pessoas tem vida
mais longa do que outras, sendo improvável uma determinação prévia, cabendo, portanto, a
seguradora assumir tal risco. Entretanto, com os exames genéticos, pode-se detectar os genes
que acarretam doenças que levam a uma vida mais curta, alterando, dessa forma, toda essa
sistemática. A partir do momento em que as especificidades de cada indivíduo forem
reveladas, e as seguradoras tiverem acesso a esta, elas poderão estabelecer o valor da apólice
154 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.268. 155 Cf. OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioéica ao direito: manipulação genética e dignidade humana, p. 120-121. 156 Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica, p.245.
com base em tal exame, e, ao invés de assumir riscos, estarão excluindo-os, pois terão
informações bastante claras acerca das predisposições a doenças de seus clientes.
Suponhamos porém, que o cliente da seguradora se recuse a realizar tal exame, a empresa
poderá interpretar que essa pessoa está acometida por algum mal, podendo negar tal seguro,
ou oferecer uma apólice mais cara157.
Quanto ao aspecto profissional tem-se algumas problemáticas, tais como, o
indivíduo, ao tomar conhecimento do resultado de seu exame genético, tendo sido constatada
alguma anomalia desta ordem, pode preocupar-se com algumas questões que hoje começam a
surgir e causar dúvidas, como por exemplo, a possibilidade de os empregadores terem acesso
a esses resultados, e diante disso, tornar-se mais difícil a conquista de algum emprego. O
acesso aos resultados dos exames genéticos por parte dos empregadores pode ser aceitável
somente se o trabalho em questão expuser o trabalhador a determinados riscos, como a
exposição a substancias tóxicas que pode causar dano ao organismo. Porém, para obter um
emprego, o candidato que recebe o diagnóstico infausto158 pode omiti-lo do empregador,
expondo-se ao perigo, com o objetivo de, posteriormente, receber alguma indenização por ter
adquirido determinada doença em relação ao trabalho.
A questão que se coloca é se pode o empregador, precavendo-se de tais situações,
exigir um exame genético de seus funcionários, sendo esta uma situação difícil de ser
resolvida, pois ao tornar obrigatório tal exame, se fere os princípios constitucionais tutelados
pelo Estado, como por exemplo a invasão de privacidade. Por outro lado, se o exame
realizado for somente referente às substâncias utilizadas por uma determinada empresa, e que
o resultado fosse ruim, as demais empresas, conhecedoras de tal diagnóstico, mesmo sem
utilizar tais produtos nocivos à saúde do trabalhador ora em questão, podem, até mesmo por
“preconceito” ou “medo”, recusar tal candidato 159.
Conforme se pôde analisar, muitas são as questões que podem ser levantadas, sendo
muitos os problemas relacionados a essa evolução genética. Tom Wilkie, querendo
demonstrar a falta de preparo dos seres humanos, frente a esses novos avanços tecnológicos,
cita um exemplo do hormônio do crescimento, o qual é objeto de elaboração para suprir uma
deficiência chamado “nanismo”, mas que possui seu uso direcionado de forma diversa, onde
157 Cf. DULBECCO, Renato. Os Genes e o nosso futuro:o desafio do projeto genoma, p. 208-209. 158 marcado pela desventura, pela infelicidade; infeliz, desditoso, desgraçado, agourento, azarento. 159 Cf. DULBECCO, Renato. Os Genes e o nosso futuro:o desafio do projeto genoma, p. 206-207.
pessoas com estatura pouco abaixo da média utilizam tal hormônio, com o simples objetivo
estético, e não como forma de suprir uma deficiência160.
Faz alusão também a uma proteína humana, desenvolvida por engenharia genética, a
eritropoietina, com o objetivo de tratar anemias crônicas, pois estimula a medula óssea a
produzir glóbulos vermelhos, e que é comercializada de forma irregular, onde atletas de
esportes que exigem resistência estão utilizando pois crêem que ela pode melhorar seu
desempenho físico, já que a droga aumenta o número de glóbulos vermelhos, elevando a
capacidade de transporte de oxigênio até o sangue, porém, o aumento de glóbulos vermelhos
desnecessários pode levar a formulação de coágulos, exercendo uma pressão sobre o sistema
cardiovascular, onde o efeito permanece por muito mais tempo do que o almejado pelos
atletas, vez que os glóbulos vermelhos sobrevivem por até 120 dias, sendo que estes atletas
correm um sério risco de vida, mas, eles não se preocupam muito com estes riscos, até porque
essa droga é impossível de ser detectada pois trata-se de proteína humana. Com estes
exemplos o autor nos chama a atenção, alertando sobre as conseqüências do descobrimento
total dos genes humanos, vez que já demonstra que as descobertas são utilizadas não só para o
fim com que foram projetadas161.
Com as possibilidades da manipulação através da terapia gênica, muitas pessoas
acreditam que estar-se-á a brincar de Deus162.
Porém, biólogos presumem que daqui a pouco tempo deve ser possível comprar
embriões congelados, com a promessa de este não possuir anomalias, bem como que suas
características como cor dos olhos, pele, cabelo, sejam previamente informadas e escolhidas,
e implanta-las no útero da mulher que o desejar. Está-se, portanto, diante de uma nova
tecnologia que pode induzir a muitos “úteros de aluguel”, ou pode ter o crescimento de fetos
até seu completo desenvolvimento fora do útero, com todas as suas características já pré-
determinadas, e ter então os chamados “homens superiores” 163.
Entretanto, outra dificuldade se impõe.
Toma-se como exemplo o caso da menina Jaycee, que recentemente fez assunto das
revistas de todo o mundo. O casal Buzzanca, com a intenção de ter um filho, “contrata” uma
160 Cf. WILKIE, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 156-161. 161 Cf. WILKIE, Tom. Projeto genoma humano: um conhecimento perigoso. p. 156-161. 162 Cf. OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioéica ao direito: manipulação genética e dignidade humana, p. 97. 163 SIQUEIRA, José Eduardo de. Ética e tecnociência: uma abordagem segundo o princípio da responsabilidade de Hans Jonas, 67.
barriga de aluguel. Porém, esse filho é fruto de uma inseminação artificial, onde os óvulos e
espermatozóides são obtidos por doadores anônimos. Um mês antes do nascimento da criança
o casal se separou, ocasião em que o Sr. Buzzanca alega nunca quere ter filho dessa maneira,
eximindo-se de qualquer responsabilidade paterna. O caso chega ao Tribunal de Justiça da
Califórnia, onde o Juiz declara Jaycee como “órfã de ninguém”, pois a menina não tem
vínculo genético com o casal Buzzanca, nem mesmo com a pessoa que a carregou em seu
útero e, os pais biológicos são desconhecidos. A menina é “filha do tubo de ensaio”. Resta
claro que a legislação não acompanha os avanços tecnológicos, criando situações catastróficas
como esta164.
Hans Jonas, citado por José Eduardo Siqueira, coloca que:
[...]o que estiver feito estará feito. Não se pode recolher pessoas nem desmontar populações. Com efeito, o que se há de fazer com os inevitáveis desastres das intervenções genéticas, com os fracassos, as aberrações, as monstruosidades? A menos que se introduza o termo desperdício na equação humana165.
Não é difícil prever que em pouco tempo os genes responsáveis pela inteligência vão
ser desmistificados, sendo possível sua identificação através da análise de DNA acerca de seu
potencial genético. A preocupação referente a essa descoberta está em como essa informação
pode ser utilizada, se a partir de testes genéticos pode-se selecionar alunos em relação às
escolas, universidades, ou candidatos para emprego. É possível verificar a importância da
prudência dos cientistas frente a tantas descobertas, pois elas podem ser irreversíveis, vez que
o que está em jogo é a natureza e imagem do homem166.
A descoberta total do genoma humano nos permite saber as características exatas do
indivíduo, suas tendências a doenças, capacidade intelectual, dentre outras, mas, a partir desse
conhecimento pode haver uma “segregação com base científica” dando início a uma busca
incessante de novos “produtos” 167.
José Eduardo Siqueira coloca que muitos cientistas, apesar de usarem técnicas
diferentes, pensam da mesma forma que Hitler:
164 SIQUEIRA, José Eduardo de. Ética e tecnociência: uma abordagem segundo o princípio da responsabilidade de Hans Jonas, 67-68. 165 JONAS, Técnica, medicina y ética, 1996. Apud SIQUEIRA, José Eduardo de. Ética e tecnociência: uma abordagem segundo o princípio da responsabilidade de Hans Jonas, p. 74. 166 SIQUEIRA, José Eduardo de. Ética e tecnociência: uma abordagem segundo o princípio da responsabilidade de Hans Jonas, 74. 167 Cf. DIEDRICH, Gislayne Fátima. Genoma humano: direito internacional e legislação brasileira. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 217.
Todo cruzamento de dois seres de valor desigual dá como produto um meio-termo entre os valores dos pais (...) Tal ajuntamento está em contradição com a vontade da natureza, que tende a elevar o nível dos seres. Este objetivo não pode ser atingido pela união de indivíduos de valores diferentes, mas só pela vitória completa e definitiva dos que representam o mais alto valor168.
A reprodução seletiva tem em seu escopo o melhoramento da raça humana. Diante
disto tem-se que não mais vai ser realidade os encontros casuais e laços afetivos entre os
parceiros, e sim estes vão dar lugar a uma “procriação” planejada, com base nos mapas
genéticos de cada um169.
A análise dos efeitos positivos e dos possíveis efeitos negativos acerca da terapia
gênica demonstra a falta de preparo da humanidade em relação a esses avanços científicos,
bem como demonstra a precariedade de legislação para coibir as conseqüências negativas,
ficando a critério dos cientistas tomar decisões com base apenas em seus conceitos éticos e
moral.
3.4 O DIREITO COMO LIMITADOR DOS EFEITOS PERVERSOS
Apesar de termos em nosso ordenamento jurídico a resolução 196/1996, e a lei de
biossegurança nº 10.211/2001, estas ainda não se apresentam como suficientes e, demonstram
ainda imprecisões de algumas ordens, não delimitando as atuações dos cientistas referentes a
manipulação genética
Diante dos avanços científicos, imperioso se faz à necessidade de invocar regras para
garantir segurança e legalidades às práticas científicas, vez que as normas que se apresentam
são insuficientes, onde a falta de limites torna tudo possível, pois da mesma forma que não há
crime sem lei anterior que o defina, também o que não está disposto como proibido, permitido
é.
Diante da falta de uma legislação específica, tem-se recorrido a regulamentações
alternativas, tais como o código de deontologia profissional, regulamentos impostos por
determinadas associações, regras determinadas por instituições particulares e orientações de
168 HITLER, A. Mein kampf [minha luta]. São Paulo: Moraes, 1983. Apud. SIQUEIRA, José Eduardo de. Ética e tecnociência: uma abordagem segundo o princípio da responsabilidade de Hans Jonas, 75. 169 SIQUEIRA, José Eduardo de. Ética e tecnociência: uma abordagem segundo o princípio da responsabilidade de Hans Jonas, 76.
comitês de ética; porém o que se observa é que essas formas de “suprir lacunas da lei” não
possuem a validade que se espera, sendo destituídas de qualquer cogência, e seu campo de
ação fica restrito apenas ao órgão emissor, não constituindo um dever legal, onde uma
infração cometida ocasionará apenas sanções de ordens disciplinares, pois não emanam do
poder legislativo170.
O Direito, através de leis, deve coibir o desenvolvimento da ciência no momento em
que esta torna-se excessiva e inaceitável perante a sociedade. O homem, ao viver sem a
imposição de limites, pode cometer abusos, sendo que estes devem ter uma posição firme e
objetiva, evitando que as novas tecnologias sejam praticadas sem controle, com total
liberdade, pois se forem exercidas livremente, corre-se o risco de praticar atos antijurídicos e
antiéticos. Deve-se portanto pleitear por uma legislação maleável, mas ao mesmo tempo
limitadora, determinada com base no respeito e nos valores impostos pela sociedade171.
É importante que o controle seja determinado já na fase inicial do processo
científico, para proteger os indivíduos dos possíveis excessos e abusos, porém verifica-se que
não só as pesquisas devem ser regulamentadas, mas também o uso das informações para o
qual se destinam172.
A evolução científica diz respeito à vida humana, razão pelo qual sua proteção deve
ser dada com extrema importância, sendo exigido dos cientistas compromisso e
responsabilidade, a partir de uma legislação que emana direitos e deveres173.
Porém, não basta apenas invocar leis, estas devem ser universais, pois de nada
adianta uma regulamentação em apenas um Estado, como por exemplo no caso da clonagem,
onde os cientistas poderão ser proibidos de realizá-la no país, mas tendo sua realização
permitida por outro, situação em que perde-se o controle acerca da existência ou não de
clones174.
É possível, entretanto, com o avanço das pesquisas genéticas, ressaltar sobre a
importância de regulamentar até mesmo situações ainda não previstas, com o intuito de
170 Cf. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 104-116. 171 Cf. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 104-116. 172 Cf. SIMON, Jürgen. Experimentação clínica. In: CASABONA, Carlos. Biotecnologia, direito e bioética: perspectivas em direito comparado, p. 148-149. 173 Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito, a ciência e as leis bioéticas. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 104-116. 174 Cf. DINIZ, Geilza Fátima Cavalcanti. Clonagem reprodutiva de seres humanos: análise e perspectivas jurídico-filosóficas à luz dos direitos humanos fundamentais, p. 147-148.
proteger o ser humano, vez que parece ser cada vez maior a chance dos riscos virem a ocorrer
e se tornarem realidade em se tratando de manipulação genética, causando conseqüentemente
danos ao ser humano e ou à humanidade, caso isso venha a se confirmar175.
175 Cf. OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioéica ao direito: manipulação genética e dignidade humana, p. 65-66.
CONCLUSÃO
Procurou-se nesta monografia jurídica verificar os efeitos da terapia gênica, se
positivos ou negativos, e para tal foram analisados os princípios constitucionais pertinentes,
bem como os princípios da trindade bioética.
Foi possível constatar que com o advento do Projeto Genoma Humano, passa a ser
possível identificar os genes causadores de anomalias, surgindo então a terapia gênica
humana, a qual objetiva, através da manipulação genética, a prevenção ou cura de
enfermidades diversas.
Entretanto, ficou patente que a legislação existente acerca desta matéria ainda é
escassa, sendo que as mais importantes normas, no sistema jurídico nacional, são a Resolução
Nº 196, de 10/10/1996 e a Lei de Biossegurança, Lei nº 11.105, de 14/03/2005; porém, estas
não coíbem a livre atuação dos cientistas, os quais podem atuar como desejarem, usando a
manipulação genética de forma diversa dos objetivos inicialmente traçados para a terapia
gênica, procurando obter uma “perfeição humana”, se assim o desejarem, através da
manipulação genética de melhoria, sendo os únicos freios limitadores os seus próprios
princípios éticos e morais
Foi possível verificar que, em decorrência desta falta de coercitividade legislativa,
alguns problemas éticos transparecem vir a ser inevitáveis, não podendo, desta forma,
garantir-se o devido cumprimento dos princípios constitucionais basilares.
Dentre os possíveis problemas verificados, coube salientar a possível e provável
discriminação genética, com a seletividade humana passando a ser realidade.
Com o custo elevado da utilização de tais avanços em genética, estas ainda não são e
ou serão acessíveis a todos os cidadãos, somente os de classes mais privilegiadas
financeiramente poderão deles dispor.
E assim, somente estes poderão ter acesso a tais “benefícios”, onde poderão optar por
ter um filho que possui apenas genes selecionados, que não virão a causar doenças, que terão
o índice de inteligência desejado, a altura considerada ideal, dentre outras pseudo-qualidades,
e a partir disso, os de classe menos abastadas financeiramente serão discriminados, desde as
relações de emprego até outras mais, eis que considerados inferiores por serem portadores de
genes defeituosos, gerando a exclusão social.
As empresas seguradoras poderão exigir de seus “segurados” exames genéticos, a
fim de conhecer suas possíveis futuras enfermidades, e a partir daí estabelecer os valores a
serem pagos, gerando injustiça, principalmente por saber-se que este tipo de empresa trabalha
com um elemento chamado ‘risco’, e que não podem e ou devem excluí -los, repassando os
possíveis gastos aos seus “clientes”, causando uma discriminação em relação aos que tendem
a possuir doenças.
Muitas questões podem ser abordadas referentes à problemática da terapia gênica
humana, porém, resta claro que se houverem leis mais rígidas, que venham a inibir o uso
arbitrário destas terapias, talvez assim restem assegurados o direito à dignidade humana, ao
respeito, à igualdade, coibindo destarte também discriminações de quaisquer ordens.
Também resta claro que o desenvolvimento biotecnológico não pode ou deve ser
paralizado.
Muitas doenças que hoje acometem o ser humano ainda encontram-se sem
terapêuticas ideais que busquem ou levem à cura, produzindo sofrimento e óbito muitas vezes.
Os efeitos positivos deste desenvolvimento genético também podem ser previstos,
com o prolongamento da vida humana por meio da minimização das doenças ou, do
tratamento destas com terapêuticas adequadas.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia dos princípios constitucionais: o princípio da
dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 342p.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
859p.
BONI, L. A.de; JACOB, G.; G.; SALZANO, F. (Orgs.). Ética e genética. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1998. 229p.
BRANDÃO, Dernival da Silva et al. A Vida dos direitos humanos: bioética médica e
jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. 499p.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05.10.1988. 35.
ed. atual. Até a Emenda Constitucional n.45/2004. São Paulo: Saraiva, 2005.
BRASIL. Lei de Biossegurança nº11.105, de 24 de março de 2005. Presidência de
República. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2005/Lei/L11105.htm >. Acesso em: 23 abril de 2005.
BRASIL. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996. Conselho Nacional de Saúde.
Disponível em <http://conselho.saude.gov.br/docs/Resolucoes/Reso196.doc> Acesso em 23 abril de
2005.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4.
ed.Coimbra (PT): Almedina, [s/d].
CASABONA, Carlos. Biotecnologia, direito e bioética: perspectivas em direito
comparado.Belo Horizonte: Del Rey; PUC Minas, 2002. 296p.
CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
CRETELLA Jr., José. Elementos de direito constitucional. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. 284p.
DINIZ, Geilza Fátima Cavalcanti. Clonagem reprodutiva de seres humanos: análise e
perspectivas jurídico-filosóficas à luz dos direitos humanos fundamentais. Curitiba: Juruá,
2004. 192p.
DULBECCO, Renato. Os Genes e o nosso futuro:o desafio do projeto genoma.Trad.
Marlena Maria Lichaa. São Paulo: Best Seller, 1997. 240p.
ENGELHARDT JR., H. Tristram. Fundamentos da Bioética. Trad. José A. Ceschin. São
Paulo: Loyola, 1998. 520p.
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para
uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999. 274p.
FABRIZ, Daury César. Bioética e diretrizes fundamentais: a bioconstituição como
paradigma do biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. 398p.
GAMA, Ricardo Rodrigues. Elementos de direito constitucional. [s/l]: De Direito, 1996.
GARRAFA, Volnei; PESSINI, Léo (Orgs.). Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Loyola,
2002. 528p.
JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos, 1999.
322p.
KOLATA, Gina. Clone: os caminhos para dolly e as implicações éticas, espirituais e
científicas. Trad. Ronaldo Sérgio de Biasi. Rio de Janeiro: Campus, 1998. 262p.
ODA, Leila Macedo, et. al. Genoma humano e ética: patenteamento e licenciamento do
genoma humano e perspectivas para a elaboração de um código de ética em manipulações
genéticas. Revista Parcerias Estratégicas - Ética das manipulações genéticas: proposta
para um código de conduta. Brasília: CGEE, n. 16, p. 195, outubro. 2002.
OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania, 2.ed. São Paulo: Moderna, 1997. 145p.
______. Engenharia genética: o sétimo dia da criação. 5.ed. São Paulo: Moderna, 1995.
136p.
OLIVEIRA, Simone Born de. Da Bioéica ao direito: manipulação genética e dignidade
humana. Curitiba: Juruá, 2003. 216p.
ROVER, Aires José (Org.). Direito e informática. São Paulo: Manole, 2004.
ROCHA. José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
2001. 310p.
SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito e direito ao próprio corpo: doações de órgãos,
incluindo o estudo da lei nº 9.434/97, com as alterações introduzidas pela lei nº 10.211/01. 2.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.154p.
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana: uma análise do inciso III, do art. 1º, da constituição federal de 1988. São Paulo:
Celso Bastos, IBDC, 1999. 220p.
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos
desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 374p.
______. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais. São Paulo:
Ícone, 1998.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
SIQUEIRA, José Eduardo de. Ética e tecnociência: uma abordagem segundo o princípio da
responsabilidade de Hans Jonas. Londrina: UEL, 1998. 120p.
SOARES, André Marcelo M.; PIÑEIRO, Walter Esteves. Bioética e biodireito: uma
introdução. São Paulo: Loyola, 2002. 132p.
SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: I- fundamentos e ética biomédica. Trad. Orlando
Soares Moreira. São Paulo: Loyola, 1996. 670p.
WILKIE, Tom. Projeto goma humano: um conhecimento perigoso. Trad. Maria Luiza X. de
A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. 675p.
ANEXOS
ANEXO 1 – Resolução 196, de 10 de outubro de 1996.
ANEXO 2 – Lei de Biossegurança nº 11.105 de 24 de março de 2005.