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RECURSO ESPECIAL N. 312.661-SP (2001/0033637-0)

Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Recorrente: Jacqueline Franca

Advogado: Irapuan Mendes de Morais e outro

Recorrido: Roberto Spadari

Advogado: José Ulisses Peruch e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Direito Processual Civil. Embargos de terceiro.

Negativa de prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência.

Violação de enunciado de súmula. Impossibilidade. Art. 515 do CPC.

Apelação. Matéria impugnada. Efeito devolutivo amplo. Fraude à

execução. Súmula n. 375-STJ. Má-fé dos adquirentes reconhecida

pelas instâncias ordinárias. Fundamento inatacado. Súmula n. 283-

STF.

1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o

Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando

a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à

hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.

2. Esta Corte Superior fi rmou entendimento no sentido de que

incabível a análise de recurso especial, por quaisquer das alíneas do

permissivo constitucional, que tenha por fundamento violação de

enunciado ou súmula.

3. O art. 515, caput e § 1º, do Código de Processo Civil autoriza

o Tribunal a apreciar amplamente a matéria impugnada nas razões

de apelação, bem como todas as questões suscitadas e discutidas no

processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

4. A teor da Súmula n. 375-STJ, o reconhecimento da fraude

à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da

prova de má-fé do terceiro adquirente, esta última soberanamente

reconhecida pelas instâncias ordinárias.

5. Restando inatacados os fundamentos esposados no acórdão

recorrido quanto à má-fé dos adquirentes, é de se aplicar, por analogia,

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o óbice da Súmula n. 283-STF, a inviabilizar o conhecimento do

recurso especial.

6. O registro da penhora, não obstante ser do conhecimento da

embargante, conforme afi rmou nos autos, faz publicidade erga omnes

da constrição, de modo que, a partir dele, são inefi cazes, perante

a execução, todas as posteriores alienações do imóvel, inclusive as

sucessivas. Precedentes.

7. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy

Andrighi, Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator

DJe 26.10.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial

interposto por Jacqueline França, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas

a e c, da Constituição Federal contra acórdão proferido pelo Primeiro Tribunal

de Alçada Civil do Estado de São Paulo.

Noticiam os autos que a ora recorrente opôs embargos de terceiro tendo

em vista a penhora levada a efeito nos autos de execução movida por Roberto

Spadari, ora recorrido, contra Carlos Eitutis e Roseli Zenaro Eitutis.

Segundo narra a embargante na inicial,

Em julho de 1995, Carlos Wanderlei Borges França e sua mulher, pais da embargante, pretendendo adquirir o imóvel objeto da penhora de fl s. 45 dos Autos da Execução n. 96/93, fez as pesquisas de praxe para verifi car se contra o titular de domínio, então vendedor, havia alguma medida judicial que pudesse

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comprometer a negociação. Também procurou saber se contra o mesmo imóvel incidia algum gravame judicial ou extra-judicial que pudesse colocar em risco o negócio.

Nada havendo que pudesse colocar em risco a aquisição a ser efetuada pelos pais da embargante, os mesmos, compromissaram a aquisição do referido imóvel, através de pagamentos parcelados, como se verifi ca dos anexos documentos, por preço considerado e de acordo com os valores então praticados no mercado. Assim, em cumprimento desse compromisso, em 28 de dezembro de 1995, o executado consumou a venda do bem objeto da penhora para Carlos Wanderlei.

Em 21 de junho de 1996, Carlos Wanderlei veio a vender referida propriedade para Isaias Girelli e sua mulher.

Tendo em vista o ato de apreensão de fl s. 45, Isaias Girelli entendeu ter sido ludibriado em sua boa-fé e veio a novamente alienar dito imóvel à pessoa da ora embargante.

Por sua vez, o exequente Roberto Spadari, requereu a penhora desse bem, conforme auto de fl s. 45, requerendo, também, fosse declarada a fi gura processual da fraude de execução, declarando, também, a inefi cácia das alienações havidas pelos executados, atingindo, por conseguinte, o título de Isaias Girelli e, por fi m, o título da ora embargante.

Pelo despacho de fls. 120, V. Exa. afastou manifestação de Isaias Girelli e reconheceu a prática de Fraude de Execução na alienação havida para Carlos Wanderlei, determinando o cancelamento dos registros imobiliários (fl s. 02-03).

Aduziu a embargante que é parte legítima para defender a posse que

ostenta em decorrência da qualidade de titular do direito de propriedade que lhe

confere seu título aquisitivo.

Sustentou que não há falar em fraude à execução, porquanto o primeiro

compromisso de compra e venda, entabulado entre Carlos Eitutis e sua esposa e

Carlos Wanderlei Borges França e cônjuge, deu-se em 28.12.1995, data anterior

à propositura da ação executiva.

Argumentou, ainda, que a falta de registro do referido compromisso

não impede a defesa da posse por meio de embargos de terceiro, invocando o

disposto na Súmula n. 84-STJ.

Requereu, por fi m, a procedência dos embargos com o levantamento da

penhora.

Em contestação, o recorrido refutou as alegações deduzidas na inicial,

considerando caracterizada a fi gura da simulação, estampada “na própria folha

de matrícula onde o pai da Embargante para esconder a falcatrua, passa o imóvel

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a uma outra pessoa e esta à Embargante” (fl . 38). Segundo argumenta, “não fosse

a simulação, o pai da Embargante teria passado diretamente para o nome da

mesma, sem envolver o nome dele e de mais um, como ocorreu” (fl . 38). Atribui

à embargante a fi gura de “laranja” a intermediar negócio viciado pela simulação.

Tem por evidenciada também a fraude à execução, sob os seguintes

argumentos:

O executado alienou o bem teoricamente em 29.01.1996, todavia a ação de execução foi proposta em 19.01.1996, assim os protestos levados a efeito já tinham ocorrido antes desta data.

A dívida já existia muito antes, terminado em 24.08.1995 em um termo de confi ssão irretratável e irrevogável para o exequente.

Os protestos dos títulos já tinham acontecido em 23.11.1995, como é verifi cado nos Autos n. 3.144/95, em trâmite perante o 6º Ofício local (fl . 38).

O juízo de primeiro grau julgou improcedentes os embargos de terceiro

(fl s. 51-52).

Inconformada, a autora da demanda manejou recurso de apelação (fl s. 58-

67).

A Sexta Câmara de Férias do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado

de São Paulo, por unanimidade de votos dos seus integrantes, negou provimento

ao recurso, em aresto assim ementado:

Embargos de terceiro. Fraude executória reconhecida nos autos da execução, atingindo, por decisão intercorrente ali proferida, as alienações posteriores. Matéria reagitada nos embargos pela última adquirente. Possibilidade de sua apreciação. Fraude realmente confi gurada. Rejeição dos embargos decretada em primeiro grau. Recurso improvido (fl . 107).

Os primeiros embargos de declaração opostos foram acolhidos

parcialmente apenas para correção de erro material (fl s. 119-121).

Novos embargos declaratórios opostos foram rejeitados (fl s. 132-134).

Nas razões recursais, alega a recorrente, além de dissídio jurisprudencial

com a Súmula n. 84-STJ, violação dos seguintes dispositivos com as respectivas

teses: (a) art. 515 do Código de Processo Civil - ao argumento de que era

defeso ao Tribunal de origem a apreciação do mérito dos embargos de terceiro

se o magistrado de primeiro grau considerou preclusa a matéria por já ter sido

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apreciada em decisão anterior; (b) art. 458, inciso II, do Código de Processo

Civil - sustentando que o acórdão recorrido padece de vício de nulidade por

defi ciência de fundamentação; (c) art. 535, incisos I e II, do Código de Processo

Civil - porque teria havido negativa de prestação jurisdicional no julgamento

dos embargos declaratórios; (d) art. 593, inciso II, do Código de Processo

Civil - tendo em vista que ausentes os requisitos caracterizadores da fraude

à execução, especialmente pelo fato de a execução ter sido proposta em data

posterior à alienação do bem penhorado e (e) art. 1.046 do Código de Processo

Civil - sob a alegação de que forçoso o acolhimento dos embargos de terceiro.

Decorrido sem manifestação o prazo para as contrarrazões (fl . 151), e

admitido o recurso na origem (fl s. 153-155), subiram os autos a esta colenda

Corte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Preenchidos os

pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do especial.

De início, inviável o acolhimento da pretensão recursal no tocante ao art.

535, incisos I e II, do Código de Processo Civil.

O Tribunal de origem motivou adequadamente sua decisão, solucionando

a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese. Não

há falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional apenas pelo fato de o

acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte. Sobre

o tema, o seguinte precedente:

Civil e Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Embargos de declaração. Negativa de prestação jurisdicional (...).

1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos de declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao art. 535 do CPC (...).

(AgRg no Ag n. 1.160.319-MG, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 26.04.2011, DJe 06.05.2011).

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Pelas mesmas razões, não é o caso de ausência de fundamentação a ensejar

a nulidade do julgado por contrariedade ao art. 458, inciso II, do CPC, mas, sim,

motivação contrária aos interesses da recorrente.

Quanto ao tema, há muito se encontra pacifi cada a jurisprudência desta

Corte no sentido de que, “se os fundamentos do acórdão não se mostram

sufi cientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não

existam. Não pode confundir ausência de motivação com fundamentação

contrária aos interesses da parte” (AgRg no Ag n. 56.745-SP, Rel. Ministro

Cesar Asfor Rocha, Primeira Turma, julgado em 16.11.1994, DJ 12.12.1994 p.

34.335).

No que respeita à Súmula n. 84-STJ, esta Corte Superior firmou

entendimento no sentido de que incabível a análise de recurso especial, por

quaisquer das alíneas do permissivo constitucional, que tenha por fundamento

violação de enunciado ou súmula de Tribunal Superior. Nesse sentido:

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Seguro. Invalidez permanente. Exame de violação à enunciado de súmula. Impossibilidade. (...).

I - Refoge à competência do Superior Tribunal de Justiça apreciar alegada violação de enunciado de Súmula em sede de Recurso Especial, uma vez que o mesmo não se insere no conceito de lei federal, previsto no artigo 105, II, a, da Constituição Federal.

(...)

Agravo Regimental improvido.

(AgRg no Ag n. 1.320.143-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 28.09.2010, DJe 21.10.2010).

Agravo regimental no agravo de instrumento. Divergência jurisprudencial. Não demonstração. Enunciado n. 13 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Dissídio com súmula. Impossibilidade. Relação processual não formalizada. Enunciado n. 240-STJ. Inaplicabilidade.

(...)

2. O dissídio jurisprudencial com súmula não autoriza a interposição do recurso especial fundado na letra c do permissivo constitucional.

(...)

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag n. 1.135.323-SP, Rel. Min. Raul Araújo Filho, Quarta Turma, julgado em 08.06.2010, DJe 18.06.2010).

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Também não prospera a alegada violação do art. 515 do Código de

Processo Civil.

Referido dispositivo, em seu caput e § 1º, permite ao Tribunal a análise

ampla da matéria impugnada nas razões de apelação, bem como de todas as

questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha

julgado por inteiro.

No caso dos autos, a sentença de primeiro grau, ainda que, em um primeiro

momento, tenha mencionado a impossibilidade de reexame dos pressupostos

para a confi guração da fraude à execução, fazendo referência à preclusão, teceu

considerações acerca da inefi cácia das alienações, julgando improcedentes os

embargos de terceiro (fl s. 52-54).

Ademais, o acórdão recorrido decidiu a demanda com base nos fatos

narrados nas razões de apelação interposta por terceiro adquirente do imóvel,

apresentando solução compatível com o princípio do tantum devolutum quantum

appellatum.

Nesse contexto, não está a merecer nenhuma censura o acórdão recorrido,

que, provocado pelas razões de apelação, apreciou o mérito da demanda como

consequência natural do efeito devolutivo do recurso.

Quanto ao mais, cinge-se a irresignação recursal, tão somente, ao

argumento de que não há falar em fraude à execução pelo fato de a demanda

ter sido proposta em data posterior à alienação do bem constrito pela penhora.

Aludida orientação, a propósito, não discrepa da jurisprudência fi rmada

nesta Corte Superior de Justiça, conforme se verifi ca no seguinte precedente:

Locação. Agravo regimental no recurso especial. Embargos de terceiro. Alienação do bem imóvel pelo devedor no curso da execução. Ausência do registro da penhora. Não elidida a presunção de boa-fé do terceiro adquirente. Fraude à execução não caracterizada. Súmula n. 375-STJ. Agravo regimental desprovido.

1. A orientação pacífica deste Tribunal é de que, em relação a terceiros, é necessário o registro da penhora para a comprovação do consilium fraudis, não bastando, para tanto, a constatação de que o negócio de compra e venda tenha sido realizado após a citação do executado (REsp n. 417.075-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 09.02.2009).

2. A matéria está sumulada nos termos do Enunciado n. 375 do STJ, segundo o qual o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

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3. Se a embargada/exequente, por quase 10 anos, quedou-se inerte sem providenciar a averbação da penhora na matrícula do imóvel é de se afastar a presunção relativa da ocorrência de fraude à execução, competindo ao credor o ônus da prova da alegada má-fé em relação ao terceiro/adquirente. Precedentes: REsp n. 1.143.015-MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 30.08.2010; AgRg no Ag n. 922.898-RS, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 25.08.2010; AgRg no REsp n. 801.488-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 18.12.2009; e AgRg no REsp n. 1.177.830-MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 22.04.2010.

4. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 963.297-RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 05.10.2010, DJe 03.11.2010 - grifou-se).

Processual Civil e Civil. Agravo nos embargos de declaração no recurso especial. Embargos de terceiro. Ausência do registro da penhora. Fraude à execução. Não confi guração. Súmula n. 375-STJ.

- Segundo o entendimento pacifi cado pelo STJ por meio da Súmula n. 375, “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

- Agravo nos embargos de declaração no recurso especial não provido (AgRg nos EDcl no REsp n. 1.190.782-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18.08.2011, DJe 25.08.2011 - grifou-se).

Com efeito, a Súmula n. 375-STJ, consolidou o entendimento no sentido

de que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do

bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (grifou-se).

A questão, portanto, merece ser analisada sob um dos dois enfoques, já que

alternativos.

De início, a primeira parte do enunciado torna-se irrelevante para a solução

deste litígio, pois a primeira venda do bem se deu antes da penhora, e não após.

Com isso, para a caracterização da fraude à execução, resta ser reconhecida a

má-fé dos adquirentes.

É, em essência, o que se extrai dos seguintes arestos:

Fraude de execução. Precedentes da Corte.

1. Como já assentou precedente de que Relator o Ministro Eduardo Ribeiro a “fraude à execução pressupõe uma de duas situações: a alienação de imóvel na pendência de uma demanda, circunstância que só se caracteriza com a citação válida ou após o registro da penhora; e caso não se demonstre a má-fé do adquirente” (REsp n. 235.639-RS, DJ de 08.03.2000).

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2. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 625.235-RN, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 21.09.2004, DJ 25.10.2004, p. 344 - grifou-se).

Processual Civil. Execução. Embargos de terceiro. Fraude à execução. Confi guração. Exigência de prévia inscrição da penhora. Acórdão Estadual. Má aplicação do art. 600, I, do Código de Ritos.

I. Inexistindo prévio registro da penhora, não se caracteriza a fraude à execução se inidentifi cado conluio com o adquirente.

II. Recurso especial conhecido em parte e provido (REsp n. 626.067-RS, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Rel. p/ acórdão Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 02.12.2004, DJ 13.06.2005, p. 312 - grifou-se).

Processo Civil. Recurso especial. Deficiência na fundamentação. Acórdão recorrido que se afina à jurisprudência do STJ. Súmula n. 83-STJ. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Inexistência. Fraude à execução. S. n. 375-STJ. Boa-fé do adquirente demonstrada com a apresentação de certidões de distribuição obtidas no domicílio da alienante e no local do imóvel.

- É inadmissível o recurso especial defi cientemente fundamentado. Súmula n. 284-STF.

- Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se fi rmou no mesmo sentido da decisão recorrida. Súmula n. 83-STJ.

- Não há ofensa ao art. 535 do CPC se o acórdão recorrido examinou, motivadamente, todas as questões pertinentes.

- O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Súmula n. 375-STJ.

- Sem o registro da penhora, o reconhecimento de fraude à execução depende de prova do conhecimento, por parte do adquirente do imóvel, de ação pendente contra o devedor capaz de reduzi-lo à insolvência. Precedentes desta Corte.

(...)

- Recurso Especial improvido (REsp n. 1.015.459-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.05.2009, DJe 29.05.2009 – grifou-se).

Processual Civil. Execução. Ônus hipotecário. Pedido de preferência. Penhora não registrada. Alegação de fraude à execução. Inexistência de inscrição da penhora. Boa-fé presumida do credor hipotecário. Violação dos arts. 167, 169 e 240 da Lei n. 6.015/1973 e 711 do CPC. Hipótese anterior à Lei n. 8.953/1994. Súmula n. 375-STJ.

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1. A Lei dos Registros Públicos, em seus arts. 167, 169 e 240, determina que seja feito o registro (atualmente, averbação) da penhora de imóvel no registro público competente, para que ela tenha efi cácia erga omnes.

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífi ca no sentido de que, mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei n. 8.953/1994, ante a ausência do registro da penhora, a decretação da fraude à execução depende da prova de má-fé do terceiro, na hipótese, do credor hipotecário. Tema que foi consolidado com a edição da Súmula n. 375-STJ.

3. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 316.242-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10.08.2010, DJe 26.10.2010 - grifou-se).

No caso, as instâncias ordinárias efetivamente concluíram pela existência

de má-fé por parte dos adquirentes, conforme se colhe da decisão proferida nos

autos do processo de execução que reconheceu a fraude à execução, mantida

integralmente tanto pela sentença quanto pelo acórdão proferido em sede de

embargos de terceiros, e não impugnada, ressalta-se, pela ora recorrente:

Na declaração de fraude à Execução é desnecessária a verifi cação do Consiliun Fraudis, que é presumido (RT 624/116). Não obstante é clara a má-fé dos executados que já tinham vários títulos protestados à época anterior a lavração da escritura. O mesmo se diga do adquirente que teria dispensado expressamente a apresentação de certidões sobre os vendedores, acrescendo-se por fim o preço declarado.

Conforme se verifica nos autos nenhum outro bem do patrimônio dos devedores sobrou para garantir a dívida, caracterizando-se então a hipótese do inciso II do art. 593 do CPC (fl s. 15-16 – grifou-se).

De fato, tomando por base o comportamento do homem médio, zeloso

e diligente no trato dos seus negócios, bem como a praxe na celebração de

contratos de venda e compra de imóveis, é de se esperar que o adquirente efetue,

no mínimo, pesquisa nos distribuidores das comarcas de localização do bem e de

residência do alienante, e não dispensando expressamente as certidões sobre os

vendedores e o bem como ocorreu na hipótese.

Como se não bastasse, o Tribunal local, além de ratifi car a sentença, aditou

tal conclusão, conforme se extrai da seguinte passagem:

Ora, está mais do que evidenciada a fraude executória, reconhecida na execução e reafi rmada na r. sentença (...) Por certo que a inefi cácia decorrente daquela fraude executória afeta as alienações posteriores, sendo de se ressalvar que a embargante,

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fi lha de Carlos Vanderlei Borges França – exatamente o primeiro comprador do imóvel penhorado – não poderia, de forma alguma, alegar desconhecimento daquele fato, pelo que sequer pode invocar aquisição de boa-fé (...) (fl . 110 - grifou-se).

Verifi ca-se, portanto, que mesmo não tendo havido a prévia penhora,

as instâncias ordinárias, soberanas na análise fática da causa, reconheceram a

ausência de boa fé dos adquirentes, situação sufi ciente para a fraude à execução,

tornando inefi caz os negócios jurídicos realizados.

Não se há esquecer, ainda, que tal fundamento, sufi ciente por si para

manter a conclusão do acórdão recorrido, não restou impugnado nas razões

do apelo nobre, motivo pelo qual a pretensão recursal encontra-se também

inviabilizada pela aplicação, por analogia, da Súmula n. 283 da Súmula do

Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, calha o seguinte precedente:

Direito Civil. Processual Civil. Recurso especial. Locação. Cerceamento de defesa. Não-ocorrência. Matéria fática. Exame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ. Litigância de ma-fé. Fundamento inatacado no acórdão recorrido. Súmula n. 283-STF. Fiança. Exoneração. Não-ocorrência. Precedente do STJ. Dissídio jurisprudencial. Inexistência. Súmula n. 83-STJ. Recurso especial conhecido e improvido.

(...)

3. No que tange à suposta litigância de má-fé da recorrida, verifica-se que os recorrentes não infirmaram os fundamentos esposados no acórdão recorrido, segundo os quais tal tema estaria precluso, porquanto somente argüido no recurso de apelação. Súmula n. 283-STF.

(...)

7. Recurso especial conhecido e improvido (REsp n. 908.374-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 11.12.2008, DJe 02.02.2009 - grifou-se).

De qualquer modo, não caberia, pela via recursal eleita, a reapreciação da

existência ou não de má fé por parte dos adquirentes, por exigir revolvimento

probatório, o que, nos termos do Enunciado n. 7 da Súmula do Superior

Tribunal de Justiça, é vedado a esta Corte.

A propósito:

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Embargos de declaração. Omissão. Não ocorrência. Fraude à execução. Aquisição de imóvel. Má-fé do adquirente.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

334

Comprovação. Ausência. Súmulas n. 7 e n. 375-STJ. Registro da penhora. Inexistência. Recurso não provido.

1. Tendo o acórdão recorrido analisado todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia não se confi gura violação ao art. 535 do CPC.

2. “O reconhecimento de fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou de prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula n. 375-STJ).

3. Concluir-se, na hipótese dos autos, pela existência de má-fé da parte agravada importa, necessariamente, no reexame de fatos e provas soberanamente delineados pelas instâncias ordinárias. Incidência da Súmula n. 7-STJ.

4. A inexistência, ademais, do prévio registro da penhora ao tempo da escrituração do imóvel afasta a pretensão reformatória.

5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Ag n. 1.163.297-RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 04.08.2011, DJe 15.08.2011 - grifou-se).

Processo Civil. Alienação de bem arrestado. Ciência do comprador. Inefi cácia do negócio em relação ao exeqüente. Embargos de terceiro. Manutenção de posse. Descabimento. Questão de prova. Súmula n. 7-STJ.

I - A alienação de um bem penhorado ou sujeito a outro tipo de constrição judicial, por si só, não constitui fraude à execução prevista no artigo 593, II, do Código de Processo Civil, mas “é inefi caz em relação ao exeqüente porque decorre da circunstância de o bem estar submetido ao poder jurisdicional do Estado, através de ato público formal e solene”.

II - Afi rmado pelo acórdão recorrido que, na data da celebração da compra e venda, tinha o embargante conhecimento da constrição judicial pendente sobre a aeronave, é de ser indeferido o pedido de manutenção de posse, questão cuja revisão encontra óbice no Enunciado n. 7 da Súmula desta Corte.

Recurso especial não conhecido (REsp n. 690.005-MG, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 27.09.2005, DJ 17.10.2005, p. 293 - grifou-se).

Direito Processual Civil. Execução de alimentos. Fraude de execução. Requisitos. Citação válida do devedor. Prova da Insolvência. Ciência dos adquirentes a respeito da ação em curso. Embargos de declaração. Reexame de provas vedado.

(...)

- Para caracterização da fraude de execução prevista no art. 593, inc. II, do CPC, ressalvadas as hipóteses de constrição legal, necessária a demonstração de dois requisitos: (i) que ao tempo da alienação/oneração esteja em curso uma ação, com citação válida; (ii) que a alienação/oneração no curso da demanda seja capaz de reduzir o devedor à insolvência. Precedentes.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 335

- Dessa forma, se o Tribunal de origem entende que os requisitos da fraude de execução estão presentes, a modificação do julgado esbarra na proibição de se analisar fatos e provas em sede de recurso especial.

Recurso especial não conhecido (REsp n. 862.123-AL, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07.05.2007, DJ 04.06.2007, p. 351 - grifou-se).

Agravo regimental no recurso especial. Processo Civil. Fraude à execução. Compra e venda de imóvel penhorado. Ausência de registro da penhora. Não confi guração de ma-fé. Súmula n. 7.

(...)

2. “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula n. 375-STJ).

3. Em nenhum momento do acórdão recorrido, afi rmou o Tribunal Estadual ter sido comprovada a má-fé do recorrente, em que pese ter insinuado a ocorrência de desídia. Sendo assim, não é possível nesta via especial afi rmar estar nos autos comprovada a má-fé do embargante, por incidência do óbice da Súmula n. 7-STJ.

(...)

5. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 907.559-RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23.08.2011, DJe 31.08.2011).

Por fi m, ainda que tais óbices pudessem ser afastados, o que não é o caso,

registra-se que, quando da realização da compra e venda do imóvel pela ora

recorrente, esta já possuía ciência inequívoca do registro da penhora, conforme

mesmo afi rma (fl . 60), o que, por consequência, já invalida o negócio jurídico

realizado.

Com efeito, o registro faz publicidade erga omnes da constrição judicial e a

partir dele são inefi cazes, perante a execução, todas as alienações posteriores do

imóvel.

A propósito, os seguintes julgados que bem elucidam a questão:

Processual Civil. Violação do art. 535 do CPC. Inocorrência. Embargos de terceiro. Alienação do bem pelo devedor no curso da execução. Ausência do registro da penhora. Presunção de boa-fé do terceiro adquirente.

1. Afasta-se violação do art. 535 do CPC, quando a instância de origem analisa adequada e sufi cientemente a controvérsia objeto do recurso especial.

2. Em se tratando de bem imóvel, é lícito que se presuma a boa-fé do terceiro que o adquire, se nenhuma constrição judicial estiver anotado no registro

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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imobiliário, presunção que se estende aos posteriores adquirentes, se houver alienações sucessivas.

3. O registro faz publicidade erga omnes da constrição judicial e a partir dele é que serão inefi cazes perante a execução todas as alienações posteriores do imóvel.

4. Recurso especial não provido (REsp n. 1.143.015-MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.08.2010, DJe 30.08.2010 - grifou-se).

Civil. Recurso especial. Art. 105, inciso III, da CF. Embargos de terceiro. Adquirente de boa-fé. Ausência de registro da penhora. Prévio conhecimento do embargante acerca do gravame não comprovado.

1. À luz da sedimentada jurisprudência desta Corte Superior, nos termos do art. 659, § 4º do CPC, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 8.953/1994 é exigível a averbação da penhora no cartório de registro imobiliário para que passe a ter efeito erga omnes e, nessa circunstância, torne-se efi caz para impedir a venda a terceiros em fraude à execução.

2. Inexistindo registro da penhora sobre bem alienado a terceiro, incumbe ao exeqüente e embargado fazer a prova de que o terceiro tinha conhecimento da ação ou da constrição judicial, agindo, assim, de má-fé (Precedentes: REsp n. 742.097-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 28.04.2008; REsp n. 493.914-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 05.05.2008; e AgRg no REsp n. 1.046.004-MT, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 23.06.2008; REsp n. 494.545-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki).

3. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 753.384-DF, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ-AP), Quarta Turma, julgado em 1º.06.2010, DJe 07.10.2010 - grifou-se).

Processo Civil. Alienação de bem penhorado. CPC, art. 659, § 4º, com a redação da Lei n. 8.953/1994. Efeitos do registro da penhora.

1. Sem o registro da penhora não se podia, mesmo antes da vigência da Lei n. 8.953/1994, afi rmar, desde logo, a má-fé do adquirente do imóvel penhorado. Com o advento do § 4º do art. 659 do CPC (redação dada pela Lei n. 8.953/1994), nada de substancial se operou a respeito.

2. Convém evitar a confusão entre (a) a fraude à execução prevista no inciso II do art. 593, cuja confi guração supõe litispendência e insolvência, e (b) a alienação de bem penhorado (ou arrestado, ou seqüestrado), que é ineficaz perante a execução independentemente de ser o devedor insolvente ou não. Realmente, se o bem onerado ou alienado tiver sido objeto de anterior constrição judicial, a inefi cácia perante a execução se confi gurará, não propriamente por ser fraude à execução (CPC, art. 593, II), mas por representar atentado à função jurisdicional.

3. Em qualquer caso, impõe-se resguardar a situação do adquirente de boa-fé. Para tanto, é importante considerar que a penhora, o seqüestro e o arresto são

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 337

medidas que importam, em regra, a retirada do bem da posse de seu proprietário. Assim, é lícito que se presuma, em se tratando de bem móvel, a boa-fé do terceiro que o adquire de quem detenha a posse, sinal evidente da ausência de constrição judicial. A mesma presunção milita em favor de quem adquire bem imóvel, de proprietário solvente, se nenhum ônus ou constrição judicial estiver anotado no registro imobiliário, presunção que, com maior razão, se estende aos posteriores adquirentes, se houver alienações sucessivas. É presunção juris tantum, cabendo ao credor o ônus de desfazê-la. O registro, porém, faz publicidade erga omnes da constrição judicial, de modo que, a partir dele, serão inefi cazes, perante a execução, todas as posteriores onerações ou alienações do imóvel, inclusive as sucessivas.

4. Recurso especial desprovido (REsp n. 494.545-RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 14.09.2004, DJ 27.09.2004, p. 214 - grifou-se).

Em vista de todo o exposto, nego provimento ao recurso.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 737.000-MG (2005/0049017-5)

Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Recorrente: Ângela de Lima e outro

Advogados: Flávio Couto Bernardes

Flávio de Mendonça Campos e outro

Luiz Guilherme de Melo Borges

Recorrido: Marcelo da Silva Cataldo e outro

Advogado: Belmar Azze Ramos - defensor público

Interessado: Savoi Sena Arquitetura e Construções Ltda. e outro

EMENTA

Recurso especial. Ação de resolução de contrato de promessa

de compra e venda de imóvel proposta contra a construtora e seus

sócios. Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 28, caput e §

5º, do CDC. Prejuízo a consumidores. Inatividade da empresa por má

administração.

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1. Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel movida contra a construtora e seus sócios.

2. Reconhecimento pelas instâncias ordinárias de que, em detrimento das consumidoras demandantes, houve inatividade da pessoa jurídica, decorrente da má administração, circunstância apta, de

per si, a ensejar a desconsideração, com fundamento no art. 28, caput, do CDC.

3. No contexto das relações de consumo, em atenção ao art. 28, § 5º, do CDC, os credores não negociais da pessoa jurídica podem ter acesso ao patrimônio dos sócios, mediante a aplicação da disregard

doctrine, bastando a caracterização da difi culdade de reparação dos prejuízos sofridos em face da insolvência da sociedade empresária.

4. Precedente específi co desta Corte acerca do tema (REsp n. 279.273-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ acórdão Min. Nancy

Andrighi, Terceira Turma, DJ de 29.03.2004).

5. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar -lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 1º de setembro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator

DJe 12.09.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Versam os autos acerca de ação

ordinária de resolução de contrato de promessa de compra e venda proposta por

Ângela de Lima e outra em face de Savoi Sena Arquitetura e Construções Ltda.

e seus sócios, Marcelo da Silva Cataldo e outros.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 339

A pretensão deduzida nos autos diz respeito à pretensão de resolução de

contrato de promessa de compra e venda de imóvel fi rmado entre as partes,

bem como de restituição do sinal e das parcelas pagas, diante da paralisação e

abandono das obras por parte da construtora.

Requereram as autoras, ainda, a desconsideração da personalidade jurídica

da empresa ré, a fi m de alcançar o patrimônio dos seus sócios.

Em primeiro grau de jurisdição, foi determinada a desconsideração da

personalidade jurídica, com base no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor,

“não só em decorrência da aparente inatividade da ré, como também da má

administração promovida pelos sócios, facilmente comprovada pela paralisação

das obras do citado edifício” (fl s. 145). Ao fi nal, os pedidos foram julgados

procedentes.

O extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais deu provimento

à apelação interposta por três dos sócios (Marcelo da Silva Cataldo, Geraldo

Gabriel de Paiva e Roberto Rodrigues Maia), reconhecendo a impossibilidade de

desconsideração da personalidade jurídica e, conseqüentemente, a ilegitimidade

dos apelantes para fi gurarem como réus na demanda. Eis a ementa do julgado:

Ação de rescisão de contrato. Desconsideração da personalidade jurídica. Ausência de provas.

- Só se verifi ca a responsabilidade pessoal dos sócios por dívida da sociedade, se se provar, em processo regular, com ampla possibilidade de defesa, o excesso de poderes ou infração da lei.

- Os bens dos sócios somente respondem pela condenação, se comprovado que os mesmos, na qualidade de sócios-gerentes, praticaram atos com excesso de poderes ou infração da lei, provocando prejuízos a terceiros (fl s. 105).

O aresto desafi ou dois embargos de declaração, ambos desacolhidos.

As autoras interpuseram, então, recurso especial, com base no art. 105, III, a, da Constituição Federal.

Nas razões do especial, alegaram as recorrentes violação ao art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que (a) houve prejuízo a consumidores, o que, por si só, autoriza o disregard, de acordo com a teoria menor da desconsideração; bem como (b) a má administração da sociedade decorre de fatos incontroversos e reconhecidos pela Corte de origem, quais sejam: “paralisação da obra, paralisação da própria empresa, dissolução irregular de seu estabelecimento, sem que fossem deixados bens sufi cientes para satisfação

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

340

dos credores, e fuga de três de seus quatro sócios da praça onde a empresa atuava” (fl s. 156). Aduziram, ainda, ofensa ao art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ao argumento de que “deveria o TAMG, no limite, caso entendesse realmente insufi ciente a prova produzida, aplicar o art. 6º, VIII, do CPC, de molde a permitir a inversão do ônus” (fl s. 158).

Houve oferecimento de contra-razões.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes Colegas, a irresignação recursal das autoras merece acolhida.

Cinge-se a controvérsia, neste momento processual, à verificação da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré, a fi m de alcançar o patrimônio de seus sócios, ora recorridos.

No Direito brasileiro, disputam o regulamento legislativo dessa matéria, em se tratando de relações contratuais de direito privado, os enunciados normativos do art. 50 do Código Civil e do art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, verbis:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de fi nalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Acerca da conciliabilidade e do âmbito de incidência dos mencionados

dispositivos legais, esta Terceira Turma, em emblemático precedente, envolvendo

a explosão de shopping center na Cidade de Osasco-SP, com voto vencedor da

eminente Ministra Nancy Andrighi, teve a oportunidade de decidir:

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 341

Responsabilidade civil e Direito do Consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º.

- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum.

- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações.

Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de fi nalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de fi nalidade ou de confusão patrimonial.

- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identifi car conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

- Recursos especiais não conhecidos.

(REsp n. 279.273-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 29.03.2004).

Em comentário a este julgado, observa André Luiz Santa Cruz Ramos

(Direito Empresarial Esquematizado, São Paulo: Método, 2010, p. 353-354):

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

342

Nesse acórdão, o STJ entendeu: (i) que a regra geral sobre a disregard doctrine no Brasil é o art. 50 do Código Civil; e (ii) que para a aplicação da teoria da desconsideração é preciso, “para além da prova da insolvência”, a demonstração do desvio de fi nalidade (que a relatora associa à concepção subjetivista) ou da confusão patrimonial (que a relatora associa à concepção objetivista). (...)

A análise do acórdão também deixa claro que o STJ entendeu que, no direito do consumidor e no direito ambiental, aplica-se a disregard doctrine quando há o mero prejuízo do credor (por haver regras legais específi cas nesse sentido) (...).

Por fi m, registre-se que o acórdão faz uso das expressões teoria maior e teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, que foram lançadas por Fábio Ulhoa Coelho, mas que hoje não são usadas nem mesmo por ele nas últimas edições de sua obra. A expressão teoria maior é usada para identifi car a regra legal geral que admite a desconsideração quando há abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de fi nalidade ou pela confusão patrimonial (art. 50 do Código Civil).

Por outro lado, a expressão teoria menor é usada para identifi car as regras legais específi cas que admitem a desconsideração quando há o mero prejuízo do credor, ou seja, a simples insolvência da pessoa jurídica (art. 28, § 5º, do CDC, e art. 4º da Lei n. 9.605/1998).

Destarte, resta claro que, no contexto de uma relação de consumo, em

atenção ao art. 28, § 5º, do CDC, os credores não negociais da pessoa jurídica

podem ter acesso ao patrimônio dos sócios, por meio da disregard doctrine, a

partir da caracterização da confi guração de prejuízo de difícil e incerta reparação

em decorrência da insolvência da sociedade.

Na espécie, é nítida a difi culdade na reparação do prejuízo experimentado

pelas autoras, ora recorrentes, consubstanciado, nos termos da sentença prolatada

em primeiro grau de jurisdição, na circunstância de que, “conquanto tenha sido

estipulado no contrato a data de 28.02.1999 para a entrega da construção do

prédio e respectivas unidades imobiliárias, livre e desembaraçada de quaisquer

ônus e gravames, os réus não cumpriram o avençado, eis que a obra permanece

completamente paralisada, a despeito das autoras terem quitado o valor inicial

do contrato e mais 30 (trinta) parcelas, de um total de 36 (trinta e seis)” (fl s.

144).

Possível, pois, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré,

com fundamento no art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor.

Ainda que assim não fosse, a desconsideração, in casu, poderia ser

determinada com base no caput do dispositivo legal em apreço.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 343

Com efeito, nos termos do segundo acórdão integrativo proferido pela

Corte de origem, “existe, nos autos, vistoria comprovando que a construção

do imóvel adquirido pelas recorrentes foi indevidamente paralisada, desde

praticamente o seu início (f. 134) e, também, fortes indícios de que a sociedade

vendedora do bem se dissolveu de forma irregular, não se tendo, inclusive,

localizado todos os seus sócios, tornando-se necessário que a maioria destes

fosse representada, nestes autos, por curador especial” (fl s. 140-141).

Destarte, resta claro que, em detrimento dos consumidores, houve

inatividade da pessoa jurídica decorrente, quando menos, de má administração,

circunstância apta, de per si, a ensejar a aplicação da disregard doctrine.

Correto, pois, o magistrado sentenciante ao determinar a desconsideração

da personalidade jurídica da empresa ré.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, restabelecendo

os comandos da sentença prolatada em primeira instância, inclusive quanto aos ônus

sucumbenciais.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 935.003-BA (2006/0267942-5)

Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Recorrente: Apotex do Brasil Ltda.

Advogados: Flávio Luiz Yarshell e outro(s)

Carlos Roberto Fornes Mateucci e outro(s)

Maise Gerbasi Morelli

Paulo Roberto Murray

José Luiz Cabello Campos e outro(s)

Recorrido: DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos

Ltda. e outros

Advogado: Arnaldo Rocha Mundim Júnior

Interessado: Alberto Murray Neto

Advogado: Carlos Roberto Fornes Mateucci e outro(s)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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EMENTA

Recurso especial. Direito Processual Civil. Ação de indenização.

Negativa de prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência.

Prequestionamento. Ausência. Súmula n. 211-STJ. Retifi cação de

voto. Possibilidade, até a proclamação do resultado fi nal do julgamento.

Agravo retido. Matéria preliminar ao julgamento da apelação. Cláusula

compromissória e laudo arbitral. Reexame de cláusulas contratuais e

de provas. Inviabilidade. Súmulas n. 5 e n. 7-STJ. Precedentes do

Superior Tribunal de Justiça e doutrina.

1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o

Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando

a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à

hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.

2. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no

recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração,

impede o conhecimento do recurso especial (Súmula n. 211 do STJ).

3. Nos órgãos colegiados dos Tribunais, enquanto não encerrado

o julgamento - pela proclamação do resultado fi nal, após a coleta de

todos os votos - qualquer dos seus membros pode retifi car o voto

anteriormente proferido, inclusive quanto a questões preliminares já

apreciadas.

4. O agravo retido, apesar de constituir recurso distinto da

apelação, com objeto e fundamento próprios, possui sua apreciação

condicionada, não só à reiteração expressa nas razões ou na resposta

da apelação, mas também à própria admissibilidade do recurso de

apelação. Constitui, portanto, matéria preliminar ao julgamento da

apelação.

5. As conclusões da Corte de origem acerca da inaplicabilidade da

cláusula compromissária ao caso dos autos, bem como da ausência de

identidade entre a causa de pedir e pedido desta ação de indenização

e o confl ito que gerou a instalação do juízo arbitral, decorreram

inquestionavelmente do exame das cláusulas insertas no acordo de

quotistas e da análise do conjunto probatório dos autos. A revisão

desse entendimento é procedimento inadmissível no âmbito do

recurso especial, nos termos das Súmulas n. 5 e n. 7-STJ.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 345

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não

provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Terceira Turma, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e

nesta parte negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)

Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Sidnei Beneti e

Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator

DJe 28.10.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial

interposto por Apotex do Brasil Ltda., com fundamento no art. 105, inciso III,

alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de

Justiça do Estado da Bahia.

Noticiam os autos que, em fevereiro de 1999, foi celebrado “contrato de

compra de cotas” entre DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos

Ltda., R. B. Faria Laboratórios Ltda., Carlos de Souza Andrade, Geraldo Souza

Andrade, José do Patrocínio de Andrade Filho e Elmeco Prod. Med. Ltda., como

vendedores, e a recorrente, na condição de compradora, visando a transferência

de 51% (cinquenta e um por cento) das cotas emitidas e em circulação do capital

da sociedade Ibfarma Indústria de Biotecnologia Farmacêutica Ltda. (fl s. 172-198,

vol. 1).

Na mesma ocasião, foi celebrado “acordo de cotistas” entre as mesmas

partes (fl s. 685-695, vol. 4).

Em 1º.03.1999, a Ibfarma Indústria de Biotecnologia Farmacêutica Ltda.,

por meio da celebração de “protocolo de intenções”, promoveu associação com

a ora recorrente buscando o “desenvolvimento de indústria para fabricação de

produtos farmacêuticos no Estado da Bahia” (fl s. 76-80, vol. 1).

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346

Na data de 14.12.2000, foi instituída arbitragem, a pedido da Apotex, tendo

sido proferido, em 15.01.2002, laudo do Tribunal Arbitral (fl s. 2.349-2.384, vol. 12).

Já em 12.02.2001, DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos

Ltda., R. B. Faria Laboratórios Ltda., Carlos de Souza Andrade, Geraldo Souza

Andrade e José do Patrocínio de Andrade Filho - sócios integrantes da Ibfarma -

ajuizaram ação de indenização contra a ora recorrente, Alberto Murray Neto e o

Banco do Nordeste do Brasil S.A., objetivando condenação dos réus pelos prejuízos

que teriam experimentado em virtude da gestão que inquinaram de “temerária e

fraudulenta” a cargo da Apotex (fl s. 36-46, vol. 1).

Referida ação deu origem física aos presentes autos.

Contestada a demanda, sobreveio decisão interlocutória rejeitando as

preliminares arguidas (fl s. 2.248-2.250, vol. 12), o que ensejou a interposição

de agravos retidos pela Apotex e por Alberto Murray Neto (fl s. 2.304-2.310 e fl s.

2.340-2.348, vol. 12).

O juízo de primeiro grau, na sentença, afastou as preliminares e julgou

procedente o pedido (fl s. 2.408-2.418, vol. 13).

Inconformados, apelaram o Banco do Nordeste do Brasil S.A. (fl s. 2.424-

2.434, vol. 13), a Apotex do Brasil Ltda. (fl s. 2.437-2.453, vol. 13) e Alberto

Murray Neto (fl s. 2.460-2.486, vol. 13).

Incluído o processo em pauta, na sessão do dia 30.09.2003, foi proferido

voto pela Relatora “acolhendo a preliminar de carência de ação e extinguindo o

processo sem julgamento do mérito em relação à apelação de Apotex do Brasil

Ltda., e o voto da revisora apreciando em blocos os agravos retidos da Apotex

do Brasil Ltda. e Alberto Murray Neto, acolhendo ambos e extinguindo o

processo sem julgamento do mérito (...), pediu vista o Des. José Milton Mendes

de Sena” (fl . 2.553, vol. 13).

Prosseguindo o julgamento, na sessão do dia 04.11.2003, assim fi cou

registrado na respectiva certidão: “Acolheu-se por unanimidade o agravo retido

em relação à Apotex, extinguindo-se o processo sem conhecimento de mérito,

rejeitando-se por maioria o agravo retido de Antônio Murray, em seguida

suspendeu-se o julgamento do processo para designação de um Relator, para o

julgamento do mérito” (fl . 2.553, verso - vol. 13).

Na sessão do dia 28.09.2004, foi o processo retirado de pauta para conferir

oportunidade às partes de manifestação acerca de documentos juntados aos

autos (fl s. 2.620, 2.717-2.718, vol. 14).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 347

Designado novo relator, em virtude da aposentadoria da relatora originária,

foi o feito mais uma vez submetido a julgamento, em 16.08.2005, tendo sido

consignado o seguinte resultado parcial:

Avaliando a questão do reexame do agravo retido, admitiu por maioria rever o resultado, para rejeitar o agravo retido da Apotex do Brasil, reconhecida a sua legitimidade ao processo. Rejeitadas as preliminares de cerceamento de defesa e nulidade de sentença, por unanimidade, transferindo para o mérito o julgamento da terceira preliminar de falta de responsabilidade de Alberto Murray Neto, no mérito, o relator negou-se provimento aos recursos de Alberto Murray Neto, Apotex do Brasil e do BNB - Banco do Nordeste do Brasil S.A. - Após o voto da revisora dando provimento aos recursos de: Alberto Murray Neto e do Banco do Nordeste do Brasil S.A., negando provimento ao recurso da Apotex do Brasil. O relator, reconsiderando seu voto aderiu a manifestação da revisora, para dar provimento aos recursos de Alberto Murray Neto e do Banco do Nordeste do Brasil S.A., mantendo a decisão que negou-se provimento ao recurso da Apotex do Brasil, após o que pediu vista dos autos o Des. Eduardo Jorge - 3º julgador (fl . 2.840, verso, vol. 15).

Levado novamente em pauta, na sessão do dia 06.09.2005, foi concluído o

julgamento do processo e lavrado o acórdão, nos seguintes termos:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 17.291-5/2003, de Salvador-BA, fi gurando como partes apelantes Banco do Nordeste do Brasil S/A, Apotex do Brasil Ltda. e Alberto Murray Neto, e apelados DPM - Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos Ltda., R. B. Faria Laboratórios Ltda., Carlos de Souza Andrade, Geraldo Souza Andrade e José Patrocínio Andrade Filho.

Acordam os Desembargadores componentes da Turma Julgadora da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, por maioria, vencido o Des. Eduardo Jorge Mendes de Magalhães, a colher novos votos e negar provimento ao agravo retido da Apotex do Brasil Ltda., reconhecida a sua legitimidade no processo. E por unanimidade: rejeitadas as preliminares de cerceamento de defesa e nulidade da sentença; transferido para o mérito o julgamento da 3º preliminar de falta de responsabilidade de Alberto Murray Neto.

No mérito, deu-se provimento aos recursos de Alberto Murray Neto e do Banco do Nordeste do Brasil S/A, à unanimidade, invertendo-se o ônus da sucumbência no particular; e negou-se provimento ao recurso da Apotex do Brasil Ltda., à unanimidade, com a fi xação de uma indenização por danos morais em valor equivalente a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos, atualizável, a partir desta data, segundo às variações do INPC (fl . 2.846, vol. 15).

O arestou fi cou assim ementado:

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348

Processo Civil. Apelação cível. Má administração de sociedade. Dívida contraída. Danos sofridos. Responsabilidade confi gurada. Indenização. Sentença procedente. 1. Caracterizada a direção temerária de empresa pelo controlador, e desta conduta acarretando danos para os sócios minoritários, age com acerto a sentença que condena o gestor ao pagamento de indenização. 2. O mandatário, por não agir em nome próprio, mas segundo as diretrizes e interesses do mandante, não responde pessoalmente pelos atos praticados. 3. Não há ilicitude, em princípio, no ato de demandar em juízo contra aquele que figura contra avalista de título de crédito. 4. Procedente o pedido de indenização por danos morais, deve seu valor ser fi xado segundo o prudente arbítrio do julgador, não se concebendo seja esta parcela indenizatória quantifi cada em sede de liquidação de sentença (fl . 2.845, vol. 15).

Os embargos de declaração opostos por Alberto Murray Neto (fls.

2.865-2.867, vol. 15) e pelo Banco do Nordeste do Brasil S.A. (fl s. 2.878-2.879,

vol. 15) foram acolhidos para “fi xar em valor equivalente a 50 (cinquenta)

salários mínimos os honorários de sucumbência devidos pela parte autora,

solidariamente, a cada um dos referidos Embargantes” (fl . 2.891, vol. 15).

Já os embargos de declaração opostos pela Apotex do Brasil Ltda. (fl s. 2.870-

2.876, vol. 15) e pela DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos

Ltda. (fl s. 2.881-2.888, vol. 15) foram rejeitados.

Eis a ementa do acórdão:

Processual Civil. Embargos de declaração em apelação cível. Honorários de sucumbência. Parâmetros. Art. 20, § 4º, CPC. Inexistência de pontos contraditórios ou omissos no acórdão embargado. Pretensão de devolução de matéria. Impossibilidade. 1. Se a hipótese não contempla condenação, devem os honorários de sucumbência ser fi xados segundo a apreciação eqüitativa do julgador, como dispõe o art. 20, § 4º, do CPC. 2. A estreita via dos embargos de declaração não autoriza a devolução de matéria já decidida (fl . 2.890, vol. 15).

Opostos novos embargos de declaração pelo Banco do Nordeste do Brasil

S.A. (fl s. 2.900-2.902, vol. 15), foram rejeitados (fl s. 2.904-2.907, vol. 15).

Nas razões do especial (fl s. 2.924-2950, vol. 15), alega a ora recorrente

violação dos seguintes dispositivos com as respectivas teses: (i) artigos 267,

incisos V e VII, do Código de Processo Civil e 31 da Lei n. 9.307/1996 -

porque teria o Tribunal de origem desconsiderado a cláusula arbitral que regia o

confl ito entre as partes, bem como o processo resolvido pelo Tribunal Arbitral;

(ii) artigos 46 e 47 do Código de Processo Civil - ao argumento de que não há

litisconsórcio necessário entre a recorrente e o Banco do Nordeste do Brasil;

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 349

(iii) artigos 463, 523, 556 e 557 do Código de Processo Civil - entendendo

não ser possível a renovação do julgamento do agravo retido, cujo resultado

já havia sido publicado; (iv) artigos 496, incisos I e II, 522 e 523 do Código

de Processo Civil - sustentando que o julgamento do agravo retido não se

confunde com o julgamento da apelação; (v) artigo 462 do Código de Processo

Civil - defendendo a ausência de questões novas aptas a interferir no julgamento

realizado ou modifi car os votos já proferidos no agravo retido; (vi) artigo 330 do

Código de Processo Civil - suscitando cerceamento do seu direito de defesa

ao ser impedido de produzir provas, em especial, com relação à: “(1) ciência

e anuência dos Recorridos quanto a todos os atos praticados; (2) inexistência

de atos de má-gestão ou ilícitos; (3) inexistência de prejuízos” (fl . 2.931, vol.

15) e (vii) artigos 458, inciso II, e 535, inciso II, do Código de Processo Civil

- por negativa de prestação jurisdicional ao deixar o Tribunal de origem de se

manifestar em sede de embargos declaratórios acerca de contradição apontada

no julgado recorrido.

Com as contrarrazões (fl s. 3.079-3.092, vol. 16) e não admitido o recurso

na origem (fls. 3.113-3.120, vol. 16), foi provido o recurso de agravo de

instrumento para melhor exame do recurso especial em decisão da lavra do

Ministro Ari Pargendler (fl . 3.147, vol. 16).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Não merecem

acolhida as pretensões da recorrente.

Da alegada negativa de prestação jurisdicional

De início, inviável o acolhimento da pretensão recursal no tocante ao art.

535, inciso II, do Código de Processo Civil.

Segundo a recorrente, o Tribunal de origem teria partido da “premissa

(equivocada) de que o processo arbitral tinha causa de pedir diferente do

processo judicial” (fl . 2.947, vol. 15).

Logo, não poderia, no seu entendimento “ter adotado como razão de

decidir as conclusões do laudo arbitral” (fl . 2.948, vol. 16).

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350

Sob sua ótica, referida contradição enseja ausência de fundamentos e

deveria ter sido sanada em sede de embargos declaratórios.

O que se verifi ca dos autos, entretanto, é que o Tribunal de origem motivou

adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do

direito que entendeu cabível à hipótese.

Não há falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional apenas pelo

fato de o acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da

parte. Sobre o tema, o seguinte precedente:

Civil e Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Embargos de declaração. Negativa de prestação jurisdicional. (...)

1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos de declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao art. 535 do CPC (...).

(AgRg no Ag n. 1.160.319-MG, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 26.04.2011, DJe 06.05.2011).

Pelas mesmas razões, não é o caso de ausência de fundamentação a ensejar

a nulidade do julgado por contrariedade ao art. 458, inciso II, do CPC, mas, sim,

motivação contrária aos interesses da recorrente.

Quanto ao tema, há muito se encontra pacifi cada a jurisprudência desta

Corte no sentido de que, “se os fundamentos do acórdão não se mostram

sufi cientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não

existam. Não pode confundir ausência de motivação com fundamentação

contrária aos interesses da parte” (AgRg no Ag n. 56.745-SP, Rel. Ministro

Cesar Asfor Rocha, Primeira Turma, julgado em 16.11.1994, DJ 12.12.1994 p.

34.335).

Da ausência de prequestionamento

No tocante ao conteúdo normativo do art. 330 do Código de Processo

Civil, não foi objeto de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo

implícito, apesar de opostos embargos de declaração.

Com efeito, o Tribunal de origem, em sede de embargos declaratórios,

instado a se manifestar acerca da nulidade do processo em função do julgamento

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 351

antecipado da lide, anotou tratar-se a irresignação de “autêntica inovação, uma

vez que não foi suscitado na apelação qualquer cerceamento ao princípio da

ampla defesa, do qual é corolário o direito à produção de provas” (fl . 2.896, vol.

15).

Por esse motivo, ausente o prequestionamento, incide o disposto na Súmula

n. 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito

da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.

Do apontado vício no julgamento

Nas razões do especial, a recorrente defende a tese de que o julgamento

do agravo retido não se confunde com o da apelação, de modo que impossível a

renovação do julgamento do agravo retido, cujo resultado já havia sido anunciado

publicamente.

A teor do art. 556 do Código de Processo Civil, “Proferidos os votos, o

presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o

acórdão o relator, ou, se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor”.

Este Superior Tribunal, interpretando referido dispositivo, firmou

orientação no sentido de que, nos órgãos colegiados dos Tribunais, o julgamento

se encerra com a proclamação do resultado fi nal, após a coleta de todos os votos.

Enquanto não encerrado o julgamento, qualquer dos seus membros,

inclusive o relator, pode retifi car o voto anteriormente proferido.

Nesse sentido:

Processual Civil. Recurso especial. Retificação do voto após proclamado o resultado do julgamento. Impossibilidade.

1. O Superior Tribunal de Justiça fi rmou sua jurisprudência no sentido de que, nos órgãos colegiados dos Tribunais, o julgamento se encerra com a proclamação do resultado fi nal, após a coleta de todos os votos. Enquanto tal não ocorrer, pode qualquer dos seus membros, inclusive o relator, retificar o voto anteriormente proferido. Nesse sentido são os seguintes precedentes: HC n. 22.214-SP, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 25.11.2002, p. 250; REsp n. 351.881-PB, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ 07.06.2004, p. 216; REsp n. 258.649-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 13.09.2004, p. 173; HC n. 64.835-RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 13.08.2007, p. 393; REsp n. 1.080.189-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 20.10.2008; AgRg no REsp n. 704.775-SC, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 29.03.2010.

2. Recurso especial provido.

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352

(REsp n. 1.086.842-PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14.12.2010, DJe 10.02.2011).

Agravo regimental no Resp. Processual Civil. Execução provisória de título executivo judicial constituído em ação rescisória. Liquidação por arbitramento processada no Tribunal de Justiça. Quantum debeatur. Critério utilizado na perícia. Voto divergente. Embargos infringentes conhecidos e providos. Impossibilidade de modifi cação do julgamento após proclamação do resultado. Ofensa aos artigos 463 e 556 do CPC confi gurada. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

1. Acolhidos os embargos infringentes, por meio dos quais o Tribunal resolveu apreciar a “impugnação”, determinando que fosse feita nova perícia por entender que o laudo pericial, que serviu de base para os cálculos de liquidação, não se ateve ao decidido no acórdão da ação rescisória, não poderia o Tribunal recorrido, após a proclamação daquele julgamento, proceder à sua modifi cação, sob pena de ofensa aos artigos 463 e 556 do CPC.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 704.775-SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 04.03.2010, DJe 29.03.2010).

Administrativo. Processo Civil. Ação indenizatória contra a Fazenda Pública. Prazo quinquenal. Retificação de voto pelo relator. Possibilidade, até a proclamação do resultado do julgamento.

1. Nos órgãos colegiados dos Tribunais, o julgamento se encerra com a proclamação do resultado fi nal, após a coleta de todos os votos.

Enquanto tal não ocorrer, pode qualquer dos seus membros, inclusive o relator, retifi car o voto anteriormente proferido.

(...)

3. Recurso especial desprovido.

(REsp n. 258.649-PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 17.08.2004, DJ 13.09.2004, p. 173).

A doutrina corrobora tal posicionamento ensinando que, enquanto não

concluído o julgamento, qualquer magistrado integrante do órgão colegiado

poderá modificar o seu voto, inclusive quanto a questões preliminares já

apreciadas.

A propósito, NERY e NERY, em seus comentários:

Qualquer juiz do órgão colegiado poderá alterar o seu voto, enquanto não terminado o julgamento. Isto pode ocorrer inclusive quanto à matéria preliminar, se for de ordem pública. Isto porque a questão de ordem pública não está

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sujeita à preclusão do CPC 471, de sorte que, a qualquer tempo, enquanto não terminado o julgamento, o juiz pode voltar atrás e mudar o seu voto quanto à preliminar de ordem pública ou quanto ao próprio mérito do recurso ou ação originária. A mudança de voto pode ser feita até o momento imediatamente anterior à proclamação do resultado. Anunciado o resultado, tem-se por terminado o julgamento e não poderá mais haver alteração de voto (Código de Processo Civil comentado, 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 1.008).

Conclui-se, portando, que até a proclamação do resultado da votação de

todas as questões suscitadas nos recursos submetidos ao colegiado é viável a

retifi cação dos votos sem nenhuma afronta aos dispositivos apontados como

malferidos.

Daí porque não há falar em proclamação de resultado parcial do julgamento

coletivo aperfeiçoando-se este, tão somente, com a proclamação do resultado

fi nal acerca de todas as questões debatidas: preliminares e de mérito.

Sobre o ponto, oportuna a anotação de Humberto Th eodoro Júnior:

Há dois atos de publicação no julgamento colegiado de Tribunal: o primeiro se dá quando se completa a votação e o presidente proclama, na sessão de julgamento, o resultado a que a Turma julgadora chegou (isto é, a conclusão do “acórdão”); nesse momento se tem por cumprida e acabada a prestação jurisdicional a cargo do Tribunal, motivo pelo qual não mais poderão os juízes alterar seus votos. O segundo ato de publicação se dá depois que o relator redige o texto do acórdão já proclamado na sessão pública de julgamento, e consiste na divulgação das respectivas conclusões pela imprensa ofi cial (art. 564). (...) (Código de Processo Civil anotado. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 647).

No caso dos autos, houve renovação do julgamento do agravo retido, após

sucessivas suspensões do julgamento - primeiro em razão de pedido de vista,

depois em virtude da aposentadoria da relatora originária e, por último, para

conferir às partes oportunidade de manifestação acerca de documentos juntados

aos autos -, ocasião em que foram colhidos novos votos e alterado o resultado do

julgamento do agravo retido.

Somente na sessão seguinte foi efetivamente concluído o julgamento

de todas as questões e proclamado o resultado fi nal do acórdão, conferindo

publicidade ao julgamento colegiado.

O fato de tratar-se, no caso concreto, de matéria arguida em sede de

agravo retido não apresenta nenhuma particularidade apta a afastar o referido

entendimento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

354

É que o agravo retido, apesar de constituir recurso distinto da apelação,

com objeto e fundamento próprios, possui, a teor do art. 523, § 1º, do Código

de Processo Civil, sua apreciação condicionada não só à reiteração expressa nas

razões ou na resposta da apelação, mas também à própria admissibilidade do

recurso de apelação.

Nesse rumo:

Recurso especial. Negativa de prestação jurisdicional. Matéria suscitada em momento inoportuno. Inexistência. Embargos de declaração intempestivos. Impugnação via agravo retido. Apelação extemporânea. Recursos não conhecidos. Tempestividade dos aclaratórios. Matéria preclusa. Recurso improvido.

(...)

2. Agravo retido. Ausência de autonomia recursal. Apreciação pela Corte originária. Condição: conhecimento da apelação. Relação de dependência do agravo retido para com o apelo.

3. Apelação intempestiva não conhecida pelo Tribunal de origem.

Consequência: não conhecimento da matéria deduzida no agravo retido - extemporaneidade dos aclaratórios.

4. Intempestividade dos embargos de declaração. Impugnação por meio de agravo retido. A simples interposição do agravo retido não tem o condão de tornar os embargos de declaração tempestivos, porquanto não há no ordenamento jurídico regra que confi ra tal efeito ao agravo apresentado na modalidade retida.

5. Agravo retido. Interrupção de prazo. Inocorrência. Somente os aclaratórios interpostos tempestivamente possuem a aptidão de interromper o prazo recursal. In casu, os motivos que conduziram a extemporaneidade dos embargos de declaração não foram apreciados pelo Tribunal a quo.

6. Recurso improvido.

(REsp n. 709.426-BA, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 07.10.2010, DJe 20.10.2010).

A respeito, a doutrina de José Carlos Barbosa Moreira:

(...) o agravo retido, já se registrou, não está sujeito a deserção. Se, todavia, deserta fi car a apelação, e por isso não subir ao Tribunal, é claro que tampouco subirá o agravo. O mesmo se dirá de qualquer outra hipótese em que a apelação tenha barrada a sua marcha no juízo a quo. Por outro lado, mesmo que a apelação suba, o agravo retido não será apreciado se daquela não puder conhecer o órgão ad quem: nesse caso, com efeito, a sentença haverá transitado em julgado no momento em que ocorreu a causa de inadmissibilidade (...), e nenhum sentido teria reexaminar a solução de questão incidente. Signifi ca isso que, embora o

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 355

agravo deva em princípio ser julgado antes da apelação (“preliminarmente”, reza o texto), dele não se ocupará o Tribunal sem antes certifi car-se de que a apelação é admissível (Comentário ao Código de Processo Civil. v. 5. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 504-505).

Nessa linha, os ensinamentos de Pontes de Miranda, com as atualizações

de Sérgio Bermudes:

Se não houver apelação, o agravo retido não subsiste, mas ele se julga antes dela, de sorte que primeiro se decide o agravo e depois a apelação. Pode, entretanto, ocorrer a necessidade de se verifi car se, efetivamente, se interpôs apelação válida ou eficaz, como não acontecerá na hipótese de inexistência dela (v.g., juntou-se aos autos, por equívoco, a apelação interposta de outra sentença), da sua intempestividade, ou de desistência. Se houve fato ou ato processual suscetível de apagar a apelação, ou se apelação não se interpôs, incumbe a verifi cação dessas circunstâncias, antes do julgamento do agravo, cujo conhecimento pressupõe a apelação (Comentários ao Código de Processo Civil. t. 7. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 244).

O agravo retido constitui, portanto, matéria preliminar ao julgamento

da apelação, de modo que se encontra intimamente vinculado ao seu

julgamento (nesse sentido, cite-se ainda: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso

Sistematizado de Direito Processual Civil. v. 5. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,

p. 175; FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Comentários ao Código de

Processo Civil. v. 7. São Paulo: RT, 2001, p. 215, e MARQUES, José Frederico.

Instituições de Direito Processual Civil. v. 4. Campinas: Millennium, 1999, p.

198).

Nesse contexto, nada impedia mesmo os julgadores integrantes da Segunda

Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia de, apresentado

novamente o processo, após a suspensão da sessão, renovar o julgamento do

agravo retido e rejeitá-lo.

Da cláusula compromissória e do laudo arbitral

Segundo a recorrente, teriam as instâncias ordinárias desconsiderado a

cláusula arbitral que regia o confl ito entre as partes, bem como o laudo arbitral,

que, se respeitados, ensejariam a extinção do processo sem resolução do mérito,

a teor do que dispõe o art. 267, incisos V e VII, do Código de Processo Civil.

A seu ver, “a cláusula VIII (Item n. 8.10) do contrato de transferência de

cotas societárias e a cláusula X (Item n. 10.2) do contrato de cotistas determinam

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que os confl itos entre as litigantes devem ser resolvidos mediante arbitragem

perante a Câmara de Comércio Brasil/Canadá” (fl . 2.932, vol. 15).

Também argumenta que foi reproduzida perante o Poder Judiciário

“rigorosamente a mesma demanda” (fl . 2.934, vol. 15) resolvida pelo Tribunal

Arbitral.

É certo que após o advento da Lei n. 9.307/1996 - Lei de

Arbitragem, a eleição da convenção de arbitragem, seja na modalidade de

cláusula compromissória seja na de compromisso arbitral, passou a afastar,

obrigatoriamente, a solução judicial do confl ito.

Daí porque o art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil passou a

prever a extinção do processo sem resolução de mérito diante da existência de

convenção de arbitragem.

Nesse sentido, a lição de Carlos Alberto Carmona:

Até o advento da Lei n. 9.307/1996, somente o compromisso arbitral teria o condão de instituir o juízo arbitral. Exceção feita às hipóteses tratadas na Convenção de Genebra, a cláusula compromissória, sempre tida entre nós como mero pacto de contrahendo, não servia para afastar a competência do juiz togado, e muito menos tinha o condão de instituir o juízo arbitral: quando muito, serviria para obrigar a parte renitente a celebrar compromisso arbitral, daí seu inafastável caráter de pré-contrato, que para muitos não gerava efeito algum.

A nova lei põe fi m a este estado de coisas, tratando num mesmo capítulo - e sob a mesma rubrica - tanto a cláusula como o compromisso. A mudança não é apenas formal, como se percebe, pois doravante tanto a cláusula como o compromisso são aptos a afastar a jurisdição estatal e a instituir a arbitragem, sendo de insistir que não há mais obrigatoriedade de fi rmarem os litigantes um compromisso arbitral; (...) (Arbitragem e Processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 87).

Esta Corte já teve a oportunidade de se manifestar nesse sentido:

Processual Civil. Recurso especial. Cláusula arbitral. Lei de Arbitragem. Aplicação imediata. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Contrato internacional. Protocolo de Genebra de 1923.

- Com a alteração do art. 267, VII, do CPC pela Lei de Arbitragem, a pactuação tanto do compromisso como da cláusula arbitral passou a ser considerada hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito.

- Impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito se, quando invocada a existência de cláusula arbitral, já vigorava a Lei de Arbitragem, ainda

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 357

que o contrato tenha sido celebrado em data anterior à sua vigência, pois, as normas processuais têm aplicação imediata.

- Pelo Protocolo de Genebra de 1923, subscrito pelo Brasil, a eleição de compromisso ou cláusula arbitral imprime às partes contratantes a obrigação de submeter eventuais confl itos à arbitragem, fi cando afastada a solução judicial.

- Nos contratos internacionais, devem prevalecer os princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específi ca de cada país, o que justifi ca a análise da cláusula arbitral sob a ótica do Protocolo de Genebra de 1923. Precedentes.

Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.

(REsp n. 712.566-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18.08.2005, DJ 05.09.2005, p. 407).

Processual Civil. Arbitragem. Obrigatoriedade da solução do litígio pela via arbitral, quando existente cláusula previamente ajustada entre as partes neste sentido. Inteligência dos arts. 1º, 3º e 7º da Lei n. 9.307/1996. Precedentes. Provimento neste ponto. Alegada ofensa ao art. 535 do CPC. Não ocorrência. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp n. 791.260-RS, Rel. Ministro Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ-BA), Terceira Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 1º.07.2010).

Ocorre que, no caso dos autos, o Tribunal de origem, à luz da prova

dos autos e dos termos das cláusulas contratuais, concluiu que (i) a cláusula

compromissória firmada entre as partes não afastou a solução judicial do

confl ito nos moldes como colocado na presente ação e (ii) não há identidade

entre a causa de pedir e o pedido da presente ação de indenização e a matéria

submetida ao juízo arbitral.

É o que se extrai da leitura do voto condutor do acórdão, merecendo

destaque os seguintes trechos:

Melhor analisando o feito, entendo que o agravo retido interposto pela apelante Apotex não merece provimento, com o que revejo posição já externada anteriormente. E assim o faço por estar absolutamente convencido de que a cláusula compromissária fi rmada entre os Apelados e a apelante Apotex não afasta do Poder Judiciário a apreciação do confl ito colocado nesta ação.

Isso porque enquanto a cláusula compromissária reservou para o juízo arbitral a competência para conhecer e julgar confl itos decorrentes de obrigações contratuais ajustadas no contrato de quotistas, a causa de pedir dos ora Apelados gira em

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torno de potencial violação, por parte dos Apelantes, à lei e ao contrato social, o que redundaria na prática de ato ilícito ensejador de responsabilidade civil, cuja procedência, aliás, foi reconhecida pelo juízo a quo.

Não bastasse a ausência de identidade entre a causa de pedir e pedido desta demanda e do conflito que resultou na instalação do juízo arbitral, é forçoso reconhecer, como muito bem observou o Prof. Humberto Theodoro Júnior em seu parecer, que “pelo menos em um ponto pode se dizer que existe litisconsórcio necessário unitário que estaria a impedir que a sentença arbitral produzisse efeitos válidos: quanto à responsabilidade contratual dos sócios administradores antigos ou novos em face do fi nanciamento celebrado com o Banco do Nordeste. De fato, se o que se pretendeu declarar na sentença arbitral foi a titularidade passiva de uma relação obrigacional que tem por credor a instituição fi nanceira que sequer foi intimada a aceitar o compromisso arbitral, não se pode recusar a existência de um litisconsórcio necessário-unitário desrespeitado e capaz de retirar toda a validade da sentença (fl . 2.849, vol. 15) (grifo nosso).

Nesse contexto, o que se vê é que as conclusões da Corte de origem

acerca da inaplicabilidade da cláusula compromissária ao caso dos autos, bem

como da ausência de identidade entre a causa de pedir e pedido desta ação de

indenização e o confl ito que gerou a instalação do juízo arbitral, decorreram

inquestionavelmente do exame das cláusulas insertas no acordo de quotistas e

da análise do conjunto probatório dos autos.

A revisão desse entendimento é procedimento inadmissível no âmbito do

recurso especial, nos termos das Súmulas n. 5 e n. 7-STJ.

Ante todo o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nessa parte,

nego-lhe provimento.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Srs. Ministros, cumprimentando

os eminentes Advogados pelas sustentações orais, já havia tido conhecimento

prévio do voto do eminente Relator. Acuso o recebimento dos memoriais, mas

a decisão aqui apresentada pelo Sr. Ministro Relator é consentânea com o meu

entendimento.

Conheço em parte do recurso especial, mas nego-lhe provimento.

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 359

RECURSO ESPECIAL N. 1.106.625-PR (2008/0259499-7)

Relator: Ministro Sidnei Beneti

Recorrente: Mauricio Urbanetz

Advogado: Suzana Valenza Manocchio e outro(s)

Recorrido: Nelson Leandro de Souza

Advogado: Fernanda Fortunato Mafra e outro(s)

EMENTA

Direito Civil. Teoria dos atos jurídicos. Invalidades. Título

executivo extrajudicial. Notas promissórias. Agiotagem. Princípio da

conservação dos atos e dos negócios jurídicos redução dos juros aos

parâmetros legais com conservação do negócio jurídico.

1. - A ordem jurídica é harmônica com os interesses

individuais e do desenvolvimento econômico-social. Ela não fulmina

completamente os atos que lhe são desconformes em qualquer

extensão. A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo

princípio da conservação dos seus efeitos, estabelece que até mesmo

as normas cogentes destinam-se a ordenar e coordenar a prática dos

atos necessários ao convívio social, respeitados os negócios jurídicos

realizados. Deve-se preferir a interpretação que evita a anulação

completa do ato praticado, optando-se pela sua redução e recondução

aos parâmetros da legalidade.

2. - O Código Civil vigente não apenas traz uma série de regras

legais inspiradas no princípio da conservação dos atos jurídicos, como

ainda estabelece, cláusula geral celebrando essa mesma orientação

(artigo 184) que, por sinal, já existia desde o Código anterior (artigo

153).

3. - No contrato particular de mútuo feneratício, constatada,

embora a prática de usura, de rigor apenas a redução dos juros

estipulados em excesso, conservando-e contudo, parcialmente

o negócio jurídico (artigos 591, do CC/2002 e 11 do Decreto n.

22.626/1933).

4. - Recurso Especial improvido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a)

Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino,

Ricardo Villas Bôas Cueva e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro

Relator. Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento).

Ministro Sidnei Beneti, Relator

DJe 09.09.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1. - Mauricio Urbanetz interpõe recurso

especial com fundamento nas alíneas a e c do inciso III do artigo 105 da

Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná, Relator o Desembargador Hélio Henrique Lopes Fernandes

Lima, cuja ementa ora se transcreve (fl s. 117-118):

Apelação cível. Embargos à execução. Título executivo extrajudicial. Notas promissórias. Sentença “extra petita”. Inocorrência. Agiotagem. Decretação de nulidade da execução. Desnecessidade. Redução. Valor da execução. Sucumbência recíproca. Inocorrência. Pedido sucessivo. Recurso parcialmente provido.

1 - O Juízo monocrático não deixou de apreciar todas as questões levantadas, bem como não decidiu além do pedido, não ultrapassando os limites da ação.

2 - O reconhecimento da prática da agiotagem, por si só, não implica na nulidade das notas promissórias objeto da execução, haja vista a possibilidade de anulação da cobrança de juros usurários com a redução da execução a medida legal.

3 - O valor de R$ 1.808,00 (um mil, oitocentos e oito reais) não representa o valor do primeiro empréstimo realizado, eis que resulta do valor principal acrescido dos juros remuneratórios. Assim, merece reforma a r. sentença, a fi m de que sejam considerados os valores originalmente contratados.

4 - Não há que se falar em sucumbência recíproca quando, havendo pedido sucessivo, um deles é deferido na íntegra.

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 361

2. - O Recorrente alega que as três notas promissórias que instruem a

execução contra ele intentada pelo Recorrido são nulas, porque contêm a juros

superiores àqueles legalmente permitidos em verdadeira caracterização de

agiotagem.

3. - Segundo sustenta, o Tribunal de origem, ao deixar de anular os títulos

em questão e autorizar o prosseguimento da execução pelo valor real da dívida,

com exclusão dos juros abusivos, teria violado os artigos 1º do Decreto n.

22.626/1933, que tratam de limitação de juros remuneratórios, o artigo 145, II,

do Código Civil de 1916, aplicável a espécie, que afi rma ser nulo o ato jurídico

quando ilícito for o seu objeto e o artigo 11 do referido Decreto n. 22.626/1933,

nos termos do qual deve ser considerado nulo de pleno direito o contrato

celebrado com infração das disposições contidas naquela norma.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 4. - Mauricio Urbanetz opôs

embargos à execução proposta Nelson Leandro de Souza, alegando, basicamente,

que as notas promissórias indicadas como títulos executivos seriam nulas. Isso

porque espelhavam um mútuo celebrado entre particulares no qual estipulados

juros ilegais, caracterizadores de agiotagem. Nesses embargos requereu (fl s. 13):

b) o reconhecimento da nulidade das notas promissórias emitidas pelo Embargante e o acolhimento destes embargos para o fi m de ser julgada extinta a execução promovida com base nelas.

c) quanto menos, pede, sucessivamente, o acolhimento destes embargos para o fi m de ser reconhecida a nulidade das promissórias e reduzida a dívida nelas estampadas para o valor originariamente emprestado, delas excluíndo-se os juros cobrados pelo Embargado.

5. - A sentença julgou procedente em parte os embargos, para, sem anular

as promissórias, determinar o prosseguimento da execução, mediante recálculo

da obrigação, com exclusão dos juros abusivos (fl s. 66-68).

6. - O Tribunal de origem deu parcial provimento à apelação do embargante,

apenas para esclarecer que, como havia sido acolhido o pedido sucessivo por ele

formulado, os ônus de sucumbência deveriam correr inteiramente por conta do

exequente embargado. Quanto ao mais, manteve a sentença.

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7. - Em sede de recurso especial procura, como relatado, ver reconhecida

a nulidade do negócio jurídico fi rmado com a consequente anulação das notas

promissórias.

8. - A Lei da Usura (Decreto n. 22.626/1933) em seu artigo 1º, proíbe

expressamente a estipulação de juros superiores ao dobro da taxa legal. Ao

tempo do Código Civil de 1916, essa taxa legal era aquela prevista no artigo

1.062 daquele diploma, de 0,5% ao mês. Conclui-se, assim, que eram tidos por

usurários e, portanto, contrários à lei, os juros estipulados acima a 1% ao mês

(12% ao ano).

9. - As instâncias de origem, reconhecendo a verossimilhança das alegações

apresentadas pelo embargante, concluíram de forma defi nitiva pela existência

dessa ilegalidade.

10. - Nos termos do artigo 145, II, do Código Civil de 1916 e do artigo

166, II, do Código vigente, é nulo o ato jurídico (lato sensu) quando ilícito for o

seu objeto.

11. - Não se discute, nesta sede, questões de ordem processual, como a

possibilidade de prosseguimento do processo de execução com base em títulos

que tenham sido parcialmente desconstituídos judicialmente.

Importa saber, nesta oportunidade, se a invalidação do ato jurídico que

tenha um objeto ilícito é medida que se impõem de forma total e inafastável ou

se, tal como decidiu o Tribunal de origem, é possível, de alguma forma, salvá-lo.

12. - De início é preciso ter presente que a ordem jurídica não é inimiga

dos interesses individuais e do desenvolvimento econômico-social. Ela não

fulmina completamente os atos que lhe são desconformes em qualquer extensão.

A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo princípio da

conservação dos negócios jurídicos, determina que mesmo as regras cogentes

existem apenas ordenar e coordenar a prática dos atos necessários ao convívio

social. Por isso o ordenamento somente sanciona quando e na medida em que os

valores ou interesses impregnados na norma o exijam.

Não se pode esquecer que contrato é apenas a veste jurídica de uma

operação econômica, pelo que sobreleva o interesse da própria coletividade

na manutenção dos efeitos dos negócios jurídicos realizados com vistas à

estabilidade social e segurança jurídica. Sempre que possível, portanto, deve-se

evitar a anulação completa do ato praticado, reduzindo-o ou reconduzindo-o

aos parâmetros da legalidade.

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13. - O Código Civil, por exemplo, está impregnado de dispositivos que celebram o princípio da conservação dos atos jurídicos. Muito além de um punhado esparso e assistemático de regras inspiradas em uma mesma orientação, a preocupação com a manutenção dos atos jurídicos aproveitáveis foi encarecida pelo legislador de forma expressa e genérica ao dispor, no capítulo V do Código, intitulado “Da Invalidade do Negócio Jurídico” que “Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável” (artigo 184).

Essa orientação já existia, por sinal, desde o Código Civil anterior, que, em seu artigo 153, dispunha: “A nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável”.

14. - No caso dos autos, a petição dos embargos à execução narra que o recorrente tomou o empréstimo em questão para atender necessidade premente da empresa de engenharia e consultoria de que é sócio.

Nessa situação lembra-se logo do artigo 157 do Código, que estabelece como hipótese de anulabilidade do negócio jurídico a fi gura da lesão, assim compreendida como a assunção de obrigação manifestamente desproporcional em razão de necessidade premente ou de inexperiência.

O parágrafo 2º desse mesmo dispositivo, nitidamente inspirado no princípio da conservação dos atos jurídicos, preceitua que “Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento sufi ciente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.

15. - Dentre as inúmeras hipóteses concretizadoras desse princípio, merece destaque especial o instituto conhecido como “conversão substancial do negócio jurídico” previsto nos artigos 169 e 170 do Código:

Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fi m a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.

16. - Na hipótese em testilha não há elementos para afi rmar com segurança que os juros estipulados no contrato podem ser reduzidos aos patamares legais com base no instituto da conversão, sobretudo porque não se tem como apurar se o mutuante teria celebrado o negócio nesses termos.

17. - Também não é possível afi rmar que o negócio deve ser preservado com base no § 2º, do artigo 157, porque não se tem notícia de que o mutuante tenha

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concordado com a redução do proveito. Muito pelo contrário, na impugnação

aos embargos, ele pleiteou pela improcedência total dos pedidos ali formulados.

18. - Com efeito, mesmo em relação à regra do artigo 184, não se tem uma

subsunção perfeita, do fato à norma, porque não é possível afi rmar que o mútuo

em questão teria uma parte válida e outra inválida. O valor dos juros, com

efeito, é da essência da espécie contratual destacada, é elemento estruturante do

contrato e não pode ser cindido em partes.

ZENO VELOSO, a respeito do tema, ensina que a redução do negócio

jurídico às sua parte válida não pode ocorrer quando sobressair um aspecto

unitário do ato. Isto é, quando patente que as partes somente o teriam ajustado

se fosse válido em seu conjunto, consequentemente não admitindo seu

fracionamento. Nessas hipóteses prevalecerá o reconhecimento da nulidade

de todo o negócio (VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico. Belo

Horizonte: Del Rey, 2002. p. 95). Na mesma linha, MARCOS BERNARDES

DE MELLO entende que mesmo que a separação do negócio em partes seja

possível objetivamente, a fi nalidade do negócio não pode ser desfi gurada pela

redução, entendendo que, nesse caso, a invalidade total será a regra (MELLO,

Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. São Paulo: Saraiva,

2000. p. 64).

19. - Em todo caso, sem dúvida mesmo quando afastada a aplicação desses

dispositivos, ainda restaria regra do artigo 591, que, de forma expressa, autoriza

a redução dos juros pactuados em excesso (por particulares), independentemente

do que teriam as partes convencionado se soubesses da ilegalidade que inquinava

o contrato. Confi ra-se:

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fi ns econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406 (...).

20. - Nem se diga que o artigo 591 do Código Civil de 2002 seja inaplicável

ao caso presente, porque celebrado o do negócio jurídico à época da vigência do

Código anterior. O comando legal em questão é apenas a explicitação de um

princípio jurídico que já existia, como visto, desde o Codex passado (artigos 148

e 153, por exemplo).

Não por outro motivo se admite, por exemplo, desde há muito, a revisão

dos contratos de mútuo bancário para redução de encargos abusivos, como juros

de mora superiores à taxa legal, correção monetária por índice não autorizado,

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cumulação de comissão de permanência com correção monetária etc. Nesses

casos sempre se admitiu a declaração de nulidade parcial do contrato, com

manutenção das partes válidas e na proporção em que eram válidas.

21. - E, para aplacar qualquer dúvida, quanto à possibilidade de redução dos

juros aos patamares legais, cumpre conferir o que dispõe o artigo 11 do Decreto

n. 22.626/1933, curiosamente apontado violado pelo próprio recorrente.

Art. 11. O contrato celebrado com infração desta lei é nulo de pleno direito, fi cando assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a mais.

Ora, se ao devedor é assegurada a repetição do que houver pago a mais é

porque o que foi corretamente, dentro do que autorizado pela norma, não deve

ser repetido. E se não deve ser repetido é porque deve ser mantido.

Se a lei tivesse imposto a anulação de todo o negócio jurídico ela teria

dito que a infração aos seus termos implicaria a resolução do contrato, com

restituição das partes ao estado anterior. Não foi isso, porém, o que o legislador

disse. Lê-se na norma, repita-se, que será repetido, isto é, devolvido, apenas o

que foi pago a maior.

22. - Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.

RECURSO ESPECIAL N. 1.110.506-DF (2008/0274511-0)

Relator: Ministro Sidnei Beneti

Recorrente: Evandro Diniz Cotta e outros

Advogado: José Carlos de Almeida e outro(s)

Recorrido: Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do

Brasil Previ

Advogado: Carolina Carvalhais Vieira de Melo e outro(s)

EMENTA

Direito Civil. Previdência privada. Reserva de poupança.

Execução. Atualização da dívida.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

366

1. - Os índices previstos para juros e correção monetária pelo

estatuto da empresa de previdência privada só podem incidir durante

o período da contratualidade. Isso precisamente porque o contrato

já previa que, até o desligamento do plano, as contribuições pessoais

vertidas pelos associados deveriam ser reajustadas por esses índices.

2. - Após o término do contrato, não podem ser aplicados os

índices estipulados pelas partes com exclusividade para o período de

vigência do contrato. Depois do desligamento dos associados, devem

ser aplicados, a depender da situação, quando tão-somente, os juros de

mora no índice legal e a correção monetária ofi cial.

3. - Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a)

Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino,

Ricardo Villas Bôas Cueva e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro

Relator. Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento).

Ministro Sidnei Beneti, Relator

DJe 09.09.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1. - Evandro Diniz Cotta e outros interpõem

recurso especial com fundamento na alínea c do inciso III do artigo 105 da

Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Distrito Federal e Territórios, Relatora a Desembargadora Nídia Correa Lima,

cuja ementa ora se transcreve (fl s. 784):

Direito Civil e Processual Civil. Embargos à execução. Plano de previdência privada. Previ – Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil. Preliminares de intempestividade e de deserção afastadas. Pagamento de correção monetária sobre as contribuições pessoais com base no IPC. Juros e

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 367

correção monetária contratuais. Limite. Data do desligamento. Sucumbência mínima. Art. 21, parágrafo único, do CPC.

1. Não há necessidade de renovação do pedido de gratuidade de justiça em sede de apelação, tampouco de recolhimento do preparo, porquanto nos termos do art. 9º da Lei n. 1.060/1950, o benefício concedido compreende todos os atos do processo até decisão fi nal do litígio e abrange todas as instâncias.

2. O pagamento dos juros remuneratórios e da correção monetária está previsto no contrato devendo incidir sobre as contribuições pessoais vertidas que não foram pagas por ocasião do resgate. Entretanto, tais encargos contratuais deverão incidir sobre o capital das contribuições pessoais vertidas tão somente até a data de desligamento do empregado do quadro social da empresa empregadora.

3. Verifi cado que a parte embargada decaiu de parte mínima da pretensão executória, deve a parte embargante arcar com a integralidade do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, conforme dispõe o art. 21, parágrafo único, da Lei Processual Civil.

4. Preliminares rejeitadas. Recursos de apelação e recurso adesivo conhecidos e não providos.

2. - Os embargos de declaração opostos (fl s. 796-798) foram rejeitados (fl s.

801-807).

3. - Os recorrentes alegam, em síntese, que os juros remuneratórios

previstos no Estatuto da empresa recorrida devem incidir sobre as diferenças

das contribuições previdenciárias não apenas até a data do desligamento do

empregado do quadro da Previ, mas até o efetivo pagamento das diferenças

apontadas. Nesse sentido aponta dissídio jurisprudencial, colacionando

precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Ressalta que a orientação preconizada no acórdão paradigma visa a

assegurar a incidência de juros e correção também no espaço de tempo que

vai do desligamento do plano até a citação. Esse posicionamento seria mais

isonômico, tendo em vista que os sócios remanescentes, que não se desligaram

do plano, continuam recendo os juros contratuais.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 4. - A situação fática dos autos é

bem delineada na seguinte passagem da sentença (fl s. 704-705):

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368

Trata-se de Embargos à execução opostos por Previ - Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil em face do alegado excesso de execução promovida por Evandro Diniz Cotta e outros.

A questão controversa reside apenas nos índices de correção e juros aplicados pelos exequentes, que no entender da executada, causaram o excesso na execução. Foi determinado que se aplicassem na correção monetária do saldo devedor da contribuição pessoal vertida pelos embargado, por ocasião de seus desligamentos do plano de previdência privada administrado pela embargante, os expurgos infl acionários relativos aos meses de junho de 1987, janeiro de 1989, março de 1990, abril de 1990, maio de 1990, fevereiro de 1991 e março de 1991.

Não há controvérsia em relação aos índices a serem aplicados na correção da dívida reconhecida, discordando as partes em relação à metodologia a ser empregada na elaboração dos cálculos e encargos acessórios a serem considerados.

5. - Na sentença propugnou-se pela seguinte solução (fl s. 705):

Devem ser considerados os juros remuneratórios, segundo a regulamentação contratual e juros moratórios previstos desde o inadimplemento de cada uma das prestações, até o efetivo pagamento, com a correção monetária do valor apurado, a partir da aplicação do INPC.

No que concerne à aplicação de juros moratórios e correção monetária, a regulamentação advém de normas de ordem pública. Já em relação aos juros remuneratórios, os mesmos são os especifi cados no contrato, e são previstos desde a admissão do réu, como segurado até o seu efetivo desligamento do plano, devendo recompensar o capital aplicado, nos termos do contrato.

6. - O Tribunal de origem, negou provimento à apelação, reiterando que

(fl s. 790):

No mérito, afi rmaram os embargados que a inclusão dos juros e da correção monetária previstos nos estatutos após o saque parcial ocorrido, até a data em que foram efetivamente pagas as cotas retidas indevidamente, não podem ser considerados excesso de execução.

Quanto à irresignação dos apelantes, importante ressaltar que assim como ocorre com a aplicação da correção monetária, o Estatuto da Previ também prevê o pagamento de juros contratuais, a teor do disposto no art. 9º, alínea a.

Pois bem, considerando que o pagamento dos juros remuneratórios está previsto no contrato, para o caso de desligamento, impõe-se reconhecer que sua incidência também é devida com relação à diferença dos valores da correção monetária sobre as contribuições pessoais vertidas que não foram pagas por ocasião do resgate. Entretanto, mencionados juros e correção monetária

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 369

contratuais deverão incidir sobre o capital das contribuições pessoais vertidas tão somente até a data de desligamento do empregado do quadro social da Previ, sob pena de confi gurar bis in idem, razão pela qual a exclusão dos valores calculados em período posterior é medida que se impõe.

7. - O acórdão paradigma trazido no recurso especial, de sua parte, assinala

que (fl s. 815):

No tocante ao recurso dos autores, que diz respeito ao período de incidência dos juros remuneratórios de 6%, é de se salientar que os mesmos são previstos no estatuto da ré, em seu artigo 9º e, ao contrário do que fi cou estipulado na sentença, deve ser calculado até o efetivo pagamento das diferenças apontadas.

8. - Como se vê, a controvérsia posta no presente recurso especial está em

saber se as diferenças devidas em razão da restituição a menor das contribuições

de previdência privada podem ser reajustadas com os juros remuneratórios

contratualmente estabelecidos, mesmo após o desligamento do sócio até a data

do efetivo pagamento, ou se, ao contrário, tais juros somente poderiam incidir

durante o período de vigência do contrato.

9. - No caso dos autos, a Previ foi condenada a pagar aos recorrentes

valor correspondente à diferença de correção monetária incidente sobre as

contribuições pessoais por eles vertidas ao plano de previdência privada. Sucede

que o próprio plano de previdência, tendo em conta a sua fi nalidade precípua,

já previa, em seu estatuto, a incidência de juros e correão monetária sobre os

valores ordinariamente depositados pelos associados.

10. - Dessa forma é que, na fase de execução, foi considerado, pela

contadoria judicial, segundo se infere da sentença, que, sobre a diferença devida

em cada mês (expurgos infl acionários relativos aos meses de junho de 1987,

janeiro de 1989, março de 1990, abril de 1990, maio de 1990, fevereiro de

1991 e março de 1991) deveriam incidir os índices de atualização previstos no

estatuto da empresa, até o desligamento dos associados recorrentes.

11. - Os recorrentes pleiteiam que esses índices devem ser aplicados,

também após o encerramento do contrato. O Tribunal de origem disse que isso

não poderia acontecer por dois motivos: a) porque as estipulações do contrato

só podem ter validade para o período da sua vigência, e b) porque haveria bis in

indem.

12. - É de se reconhecer, não merece reparos o posicionamento do

acórdão recorrido. De fato, só faz sentido a aplicação dos índices previstos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

370

para juros e correção monetária pelo estatuto da empresa durante o período da

contratualidade. Isso precisamente porque durante esse período o contrato já

tinha por fi nalidade o incremento monetário das contribuições pessoais vertidas

pelos associados.

Após o término do contrato, não podem, naturalmente, ser aplicados os

índices previstos pelo contrato com exclusividade para o período de sua vigência.

Depois do desligamento dos associados, devem ser aplicados, a depender da

situação, quando muito, os juros de mora no índice legal e a correção monetária

ofi cial.

13. - Perceba-se que o Tribunal de origem, quando se referiu a um possível

bis in idem que deveria ser evitado, deixou transparecer, que (pelo menos após a

citação na ação de cobrança do valor pago a menor), já deveriam correr os juros

de mora e a correção monetária nos índices previstos por lei. Segundo se pode

inferir, era justamente a incidência em duplicidade dessa atualização (uma vez

pelos índices do contrato e outra pelos índices legais) que se pretendeu evitar.

14. - Destaque-se que o dissídio jurisprudencial em que assentado o

recurso especial não permite discutir o termo inicial da incidência dos juros e da

correção monetária. Não se pode examinar, assim, se a atualização dos valores

devidos deve se iniciar logo após o desligamento dos associados ou se isso deve

acontecer apenas a partir da citação no processo de conhecimento.

15. - Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.

RECURSO ESPECIAL N. 1.129.344-SP (2009/0142123-6) (f)

Relator: Ministro Massami Uyeda

Recorrente: Manufatura de Brinquedos Estrela S/A

Advogado: Arnoldo Wald e outro(s)

Recorrido: Mattel INC e outro

Advogados: Patricia Guimarães Hernandez

Luiz Fernando Henry Sant’anna

Advogada: Maria Helena Ortiz Bragaglia e outro(s)

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 371

EMENTA

Recurso especial. Estrela X Mattel. Parceria para comercialização de brinquedos no Brasil. Ação de indenização por danos morais e materiais. Suposta prática de concorrência desleal e responsabilidade pré-contratual. Negativa de prestação jurisdicional. Não-ocorrência. Alegação genérica de omissão no julgado. Incidência do Enunciado n. 284-STF. Análise de matéria constitucional pelo STJ. Impossibilidade. Revelia. Julgamento antecipado da lide. Pleito de produção de provas. Não-atendimento. Cerceamento de defesa. Ocorrência. Recurso especial provido.

I - Todas as questões suscitadas pela recorrente Estrela foram solucionadas à luz da fundamentação que pareceu adequada;

II - A alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional atrai a incidência do disposto na Súmula n. 284-STF;

III - Este Egrégio Superior Tribunal de Justiça não se presta à análise de matéria constitucional;

IV - Ocorre cerceamento de defesa quando, ocorrida a revelia da ré e indeferido o pedido de produção de provas formulado pela autora, o Juiz julga antecipadamente a lide e conclui que a autora não comprovou os fatos constitutivos de seu direito;

V - Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 18 de agosto de 2011 (data do julgamento).

Ministro Massami Uyeda, Relator

DJe 22.09.2011

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

372

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Os elementos dos autos dão conta de

que Manufatura de Brinquedos Estrela S.A. ajuizou ação pelo rito ordinário

em face de Mattel INC. e outro, objetivando em síntese, a condenação das rés

ao pagamento de indenização solidária por perdas e danos morais, materiais

e lucros cessantes, em razão de suposta prática de concorrência desleal, bem

como responsabilidade pré-contratual derivada do fi m da parceria empresarial

travada pelas partes ao longo de vários anos para a produção e comercialização

de brinquedos no Brasil.

A revelia dos recorridos Mattel e outro foi decretada pelo acórdão de fl s.

605-609, em sede de agravo de instrumento julgado pelo egrégio Tribunal de

Justiça de São Paulo.

Após a instrução processual, o r. Juízo de Direito da 17ª Vara Cível da

Comarca da Capital do Estado de São Paulo julgou improcedente a demanda

(fl s. 8.010-8.017, volume n. 41).

Interposto recurso de apelação pela Estrela (fl s. 8.019-8.049), e apresentadas

contra-razões pela Mattel e outro (fl s. 8.058-8.076), o egrégio Tribunal de Justiça

do Estado de São Paulo negou provimento ao apelo, conforme assim ementado:

Contrato. Validade. Obrigações assumidas livremente pelas partes. Ausência de coação ou má-fé. Aliciamento não comprovado. Concorrência desleal não configurada. Autora que não logrou demonstrar os fatos alegados. Recurso improvido (fl . 8.126).

Opostos embargos de declaração pela Estrela (fl s. 8.152-8.160), foram eles

desacolhidos (fl s. 8.164-8.170).

No presente recurso especial, interposto pela Estrela, com fundamento no

art. 105, inciso III, alíneas a e c, em que alega negativa de vigência dos arts. 165,

319, 320, 332, 334, 348, 435, 452, inciso I, 458, 471, 473 e 535, inciso II, do

Código de Processo Civil; 159 e 160 do Código Civil de 1916; 20, 21 e 29 da

Lei n. 8.884/1994, busca a recorrente a reforma do r. decisum, sustentando, em

síntese (fl s. 8.174-8.215):

(i) Preliminarmente, negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista a

existência de omissões no acórdão recorrido relativamente aos arts. 165, 319,

320, 332, 334, 348, 435, 452, 458, 471 e 473 do Código de Processo Civil, 159 e

160 do Código Civil, 20, incisos I, II, III e IV, 21, incisos V, VI, IX, XIII, XIV,

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 373

XVIII, XX, XXII e XXIII, e 29 da Lei n. 8.884/1994, e 5º, incisos LIV e LV, 93, inciso IX, e 173, § 4º, da Constituição Federal de 1988, bem como defi ciência na fundamentação do julgado, que não teria apreciado “um dos principais fundamentos jurídicos do pedido da Estrela: a incidência da Lei de Defesa da Concorrência (n. 8.884/1994)”;

(ii) Ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que a recorrente teria insistido na realização da audiência de instrução e julgamento, bem como na oitiva das testemunhas e da perita judicial, postulações não atendidas pelo r. Juízo de Direito a quo, alegando a recorrente, ainda, que, “não é possível afastar a produção de provas requeridas pela parte e, ao mesmo tempo, rejeitar sua pretensão por ausência de comprovação”;

(iii) Ofensa à coisa julgada, tendo em vista que a realização de audiência de instrução e julgamento já havia sido determinada em despacho saneador transitado em julgado, não podendo o r. Juízo de Direito a quo decidir novamente questões já decididas e atingidas pela preclusão. Assevera, assim, que, saneado o processo, deferindo-se as provas a serem produzidas, não poderia o Magistrado ter antecipado o julgamento da lide, mas sim deveria ter designado audiência de instrução e julgamento;

(iv) Desconsideração dos efeitos da revelia, porquanto as recorridas teriam apresentado contestação intempestiva, sendo que deveria o acórdão ter reputado como verdadeiros os fatos alegados pela recorrente (confi ssão fi cta da recorrida);

(v) Por fim, caso superadas as questões preliminares, requer o reconhecimento do direito à indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes, por força da alegada responsabilidade pré-contratual das recorridas, que teriam praticado atos ilícitos e de infração à legislação de defesa da concorrência.

As recorridas Mattel e outro apresentaram contra-razões ao recurso especial, alegando, preliminarmente, ausência de prequestionamento, incidência do Enunciado n. 7 da Súmula-STJ e não-comprovação do dissídio jurisprudencial. No mérito, requereu a manutenção das conclusões do acórdão recorrido (fl s. 8.345-8.361, Volume n. 43).

A Presidência da Seção de Direito Privado do e. Tribunal de Justiça de São Paulo negou seguimento ao recurso especial (fl s. 8.363-8.365), decisum objeto de agravo de instrumento interposto perante o STJ, ao qual foi dado provimento,

tendo sido determinada, por esta Relatoria, a subida do recurso especial (fl . 8.457).

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

374

VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Inicialmente, anota-se inexistir

ofensa ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, porquanto,

relativamente aos arts. 165, 319, 320, 332, 334, 348, 435, 452, 458, 471 e 473

do Código de Processo Civil, 159 e 160 do Código Civil, 20, incisos I, II, III e

IV, 21, incisos V, VI, IX, XIII, XIV, XVIII, XX, XXII e XXIII, e 29 da Lei n.

8.884/1994, há alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional, sem a

indicação específi ca da pretensa omissão, contradição ou obscuridade do aresto

recorrido, caracteriza defi ciência de fundamentação do recurso especial a atrair a

incidência do disposto na Súmula n. 284-STF.

Já em relação à pretensa omissão do julgado em relação aos arts. 20, incisos

I, II, III e IV, 21, incisos V, VI, IX, XIII, XIV, XVIII, XX, XXII e XXIII, e 29

da Lei n. 8.884/1994, veja-se que todas as questões suscitadas pela recorrente

Estrela foram solucionadas à luz da fundamentação que pareceu adequada ao

caso concreto, conforme se extrai do seguinte excerto do acórdão de embargos

de declaração, in verbis:

Relativamente ao mérito, isto é, dizer que não tratou o acórdão da concorrência desleal, isso não é verdade. Foi observado que não se trata de concorrência desleal, mesmo porque o ardil invocado como ocorrente não restou reconhecido. Tratar-se-ia de embuste maquinado durante trinta anos. E a concorrência teria havido por ato da própria autora, que afastou seu produto por entender mais vantajosa comerciar aquele obtido por concessão de uso da requerida.

De qualquer sorte, se isso satisfaz a embargante, fi ca esclarecido que não houve, no entender da Turma julgadora, concorrência desleal (fl . 8.170).

É entendimento assente que o órgão judicial, para expressar sua convicção,

não precisa mencionar todos os argumentos levantados pelas partes, mas, tão-

somente, explicitar os motivos que entendeu serem sufi cientes à composição do

litígio, sendo esta a hipótese dos autos.

Bem de ver, outrossim, no tocante à alegação de omissão do acórdão

quanto aos arts. 5º, incisos LIV e LV, 93, inciso IX, e 173, § 4º, da Constituição

Federal de 1988, que este Egrégio Superior Tribunal de Justiça não se presta à

análise de matéria constitucional, cabendo-lhe, somente, a infraconstitucional,

já que o art. 105, inciso III, da Constituição Federal prevê o cabimento do

especial apenas quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou

negar-lhes vigência (ut, entre outros, REsp n. 72.995-RJ, relator Ministro Aldir

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 375

Passarinho Júnior, DJ de 14.06.2004; n. 416.340-SP, relator Ministro Fernando

Gonçalves, DJ de 22.03.2004 e n. 439.697-ES, relator Ministro Cesar Asfor

Rocha, DJ de 30.06.2003).

Superada a preliminar de negativa de prestação jurisdicional, passa-se

à análise da tese suscitada pela autora/recorrente Estrela de que teria havido

cerceamento de defesa ante o julgamento antecipado da lide sem que fosse

oportunizada a produção de prova requerida pela autora/recorrente e sem que se

considerassem os efeitos da revelia dos recorridos.

Nesse ponto, o inconformismo recursal merece prosperar.

Com efeito.

In casu, veja-se que a recorrente Estrela (autora), formulou pedido de

intimação do perito para esclarecimentos acerca do laudo por ele apresentado

(o que foi indeferido pelo r. Juízo de Direito a quo), tendo peticionado nos

autos manifestando sua pretensão de julgamento antecipado da lide, com o

reconhecimento integral da procedência do pedido em razão da ocorrência da

revelia dos recorridos Mattel e outro (rés). Alternativamente, caso não houvesse

o julgamento antecipado da lide, a recorrente Estrela requereu a designação de

audiência de instrução e julgamento, onde seriam produzidas provas periciais

e testemunhais, para comprovar os fatos constitutivos de seu direito (fl . 7.968,

Volume n. 41).

Registre-se, por oportuno, que tal pedido formulado pela Estrela, ao

contrário do entendimento das instâncias ordinárias, não pretendeu vincular o

r. Juízo de Direito a quo para que julgasse a causa em favor da recorrente, mas

apenas objetivou a análise do pedido alternativo de dilação probatória, caso o

pedido principal - qual seja, a procedência integral do pedido da recorrente

em face do reconhecimento da revelia da recorrida e da veracidade dos fatos

alegados na inicial -, não fosse acatado para fi ns de julgamento antecipado da

lide.

Contudo, apesar do pedido alternativo formulado pela recorrente Estrela,

o r. Juízo de Direito a quo julgou a lide antecipadamente, no sentido de sua

improcedência, sem considerar como verdadeiros os fatos alegados pela

recorrente Estrela e sem possibilitar a esta a produção de provas necessárias à

comprovação do direito por ela postulado.

Nesse ponto, é importante consignar que a ocorrência da revelia não

tem necessariamente como consectário lógico o julgamento no sentido da

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376

procedência do pedido - haja vista a relatividade da presunção de veracidade

dos fatos alegados. Por esse motivo, caso não reconheça a veracidade dos fatos

alegados na inicial, deve o julgador, com vistas à formação de sua convicção

e para que sejam observados os princípios do contraditório, da ampla defesa

e do devido processo legal, possibilitar à parte autora a produção das provas

constitutivas do seu direito, o que, na espécie, não ocorreu.

Ademais, a relação jurídica havida pelas partes envolve constituição de

sociedade de fato, cuja comprovação, em princípio, depende da produção de

prova testemunhal, que foi previamente requerida pela autora/recorrente Estrela

à fl . 7.968, Volume n. 41.

É certo, ainda, que a jurisprudência desta Corte Superior firmou o

entendimento de que não é admissível antecipar o julgamento da lide,

indeferindo a produção de prova necessária ao deslinde da controvérsia, para,

posteriormente, desprover a pretensão com fundamento na ausência daquela

prova cuja produção não foi permitida, porquanto tal conduta implica infração

aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo

legal (ut REsp n. 436.027-MG, relator Ministro Honildo Amaral de Mello

Castro, DJ de 30.09.2010).

Assim sendo, dá-se provimento ao recurso especial, para reconhecer a

ocorrência de cerceamento de defesa e decretar a nulidade da sentença e dos

atos decisórios subsequentes, determinando-se o retorno dos autos à origem

para que seja possibilitada a produção das provas requeridas pela recorrente

Estrela, prejudicada a análise das demais questões.

É o voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Presidente, pedi vista dos

autos para o seu melhor exame.

A Manufatura de Brinquedos Estrela S/A ajuizou ação ordinária em face

da Mattel INC. – que lhe licenciara, por longos anos, com exclusividade, a

fabricação e a comercialização de seus produtos no Brasil – e da Mattel Comercial

de Brinquedos Ltda. – que passou a desenvolver as atividades antes licenciadas.

Postulou, na sua petição inicial, o pagamento de lucros cessantes e de

indenização por danos materiais e morais, por terem as rés, antes, durante e

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 377

após o término das relações comerciais, praticado atos que se enquadrariam no

conceito de concorrência desleal.

Em que pese a revelia das rés, o Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo, confi rmando a sentença do juízo de primeiro grau, julgou improcedentes

os pedidos.

No seu recurso especial, afi rmou a Estrella S/A, preliminarmente, a não-

eliminação, pelo Tribunal de origem, das omissões indicadas em embargos de

declaração; a ocorrência de cerceamento de defesa e de violação à coisa julgada;

a ausência de fundamentação no acórdão recorrido; e a desconsideração dos

efeitos da revelia.

No mérito, sustentou a procedência dos pedidos veiculados na petição

inicial.

O eminente Ministro Massami Uyeda, relator do recurso, após afi rmar não

haver o Tribunal de origem se omitido a respeito de questões relevantes para o

julgamento da causa, reconheceu a ocorrência do cerceamento de defesa, nos

seguintes termos:

Ocorre cerceamento de defesa quando, ocorrida a revelia da ré e indeferido o pedido de produção de provas formulado pela autora, o Juiz julga antecipadamente a lide e conclui que a autora não comprovou os fatos constitutivos do direito.

Inicio apreciando a alegação de cerceamento de defesa, cuja prática, se

confi rmada, precederia a suposta não-eliminação, pelo Tribunal de origem, das

omissões indicadas em embargos de declaração.

Enquanto que a Estrella S/A afi rma ter o juízo de primeiro grau indeferido

o seu pedido de produção de provas, promovido o julgamento antecipado da

lide, mas lhe atribuído o ônus da não-comprovação dos fatos constitutivos do

direito, as sociedades integrantes do Grupo Mattel sustentam exatamente o

oposto, que a própria autora teria postulado o julgamento antecipado.

Esta disparidade refl ete o pedido formulado pela autora na fl . 7.968 dos

autos:

Por todo o exposto e considerando-se os efeitos da revelia, requer o julgamento do processo no estado em que se encontra, com o reconhecimento integral da procedência do pedido. Caso assim não entenda V. Exa, que então se digne designar data para a realização da audiência de instrução e julgamento,

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se reservando a autora no direito de arrolar oportunamente as testemunhas e eventualmente solicitar o comparecimento da Sra. Perita para prestar os esclarecimentos necessários (grifo da autora).

Nada obstante, para o reconhecimento do cerceamento de defesa afi rmado

pela autora, importa – especialmente diante da revelia das rés – menos a atuação

das partes e mais a do magistrado, a quem compete a direção do processo (art.

125 do CPC).

Neste aspecto, dispõe o art. 330 do CPC, in verbis:

Art. 330. O jui z conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:

I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;

II - quando ocorrer a revelia (art. 319).

Ao comentar o inciso II deste dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa

Maria de Andrade Nery (Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 11ª Ed., rev., ampl. e atual. até 17.02.2010. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010, p. 626) relembram a impropriedade da utilização

do vocábulo “revelia”, quando o correto seria a menção a “efeitos da revelia”.

De fato, o julgamento antecipado da lide, com base no inciso II do art. 330

do CPC, exige, além da perda do prazo para contestar, a decretação dos efeitos

da revelia, reputando o magistrado, nos termos do art. 319 do CPC, “verdadeiros

os fatos afi rmados pelo autor”.

No caso dos autos, no entanto, o juízo de primeiro grau, mesmo não

considerando provados, ou “verdadeiros”, os fatos constitutivos do direito da

autora, julgou antecipadamente a lide.

Com isto, ao ratifi car os fundamentos e o comportamento do juízo de

primeiro grau, que procedeu como se houvesse decretado a ocorrência dos

efeitos da revelia, abreviando a fase de dilação probatória, contrariou o Tribunal

de origem o disposto no art. 330, II, do CPC, cerceando o direito da autora

produzir provas.

Ressalto a relevância da prova testemunhal para o presente caso, em que

submetida ao Poder Judiciário a apreciação de controvérsia singular, com causa

de pedir complexa, composta por diversos fatos, como o repentino abandono

de projetos pela parte ré, a inesperada não renovação de licenças ou o abusivo

aliciamento de funcionários da autora.

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 379

A bem da verdade, ainda que se pudesse considerar contraditório o pedido

formulado pela parte autora na fl . 7.968 dos autos, a prudência recomendava a

designação de audiência de instrução, resguardando o válido desenvolvimento

do processo.

Assim sendo, acompanho o eminente Relator, dando provimento ao

recurso especial para decretar a nulidade da sentença e dos atos decisórios

subsequentes, determinando o retorno dos autos à origem para que seja

assegurada a possibilidade de produção das provas requeridas pela recorrente.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.152.541-RS (2009/0157076-0)

Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Recorrente: Maria Cecília de Castro Baraldo

Advogado: Sérgio Moacir de Oliveira Cruz e outro(s)

Recorrido: Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre

Advogado: Cristina Garrafi el de Carvalho Woltmann e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Responsabilidade civil. Dano moral. Inscrição indevida em cadastro restritivo de crédito. Quantum indenizatório. Divergência jurisprudencial. Critérios de arbitramento equitativo pelo juiz. Método bifásico. Valorização do interesse jurídico lesado e das circunstâncias do caso.

1. Discussão restrita à quantifi cação da indenização por dano moral sofrido pelo devedor por ausência de notifi cação prévia antes de sua inclusão em cadastro restritivo de crédito (SPC).

2. Indenização arbitrada pelo Tribunal de origem em R$ 300,00 (trezentos reais).

3. Dissídio jurisprudencial caracterizado com os precedentes das duas Turmas integrantes da Segunda Secção do STJ.

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4. Elevação do valor da indenização por dano moral na linha dos precedentes desta Corte, considerando as duas etapas que devem ser percorridas para esse arbitramento.

5. Na primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes.

6. Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para fi xação defi nitiva do valor da indenização, atendendo a determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz.

7. Aplicação analógica do enunciado normativo do parágrafo único do art. 953 do CC/2002.

8. Arbitramento do valor defi nitivo da indenização, no caso concreto, no montante aproximado de vinte salários mínimos no dia da sessão de julgamento, com atualização monetária a partir dessa data (Súmula n. 362-STJ).

9. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.

10. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 13 de setembro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator

DJe 21.09.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Versam os autos acerca de

ação ordinária de cancelamento cumulada com indenização por danos morais

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 381

movida por Maria Cecília de Castro Baraldo em desfavor da Câmara de Dirigentes

Lojistas de Porto Alegre - CDL, em razão de ter seu nome cadastrado no banco de

dados da demandada, sem que houvesse prévia comunicação.

Na primeira instância, a ação foi julgada extinta por ausência de

legitimidade passiva da ré.

Irresignada, a ora recorrente manejou recurso de apelação, tendo o

eminente Relator, Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, em decisão

monocrática dado provimento ao reclamo, nos seguintes termos:

Apelação cível. Inscrição em órgão de proteção ao crédito. Danos morais e pedido de cancelamento de registro. Legitimação passiva. Prescrição trienal. Notifi cação prévia. Endereço distinto. Ônus da prova. Prejuízo in re ipsa. Exclusão do apontamento.

1. É a CDL de Porto Alegre parte legítima para responder pelos registros efetuados por outros integrantes do sistema, à medida que disponibiliza a consulta e divulgação do mesmo.

2. Não encontra-se prescrita a pretensão de reparação civil por ato ilícito, uma vez que do elemento probatório encontrado nos autos presume-se que o demandante apenas tomou conhecimento das inclusões desabonatórias em 22.11.2007, vindo a ajuizar a demanda já em 27.11.2007.

3. Quando o endereço para onde remetido o aviso de cadastramento restritivo diverge daquele informado pelo autor na inicial, é ônus da demandada comprovar que o local foi o fornecido pelo credor associado, configurando hipótese de excludente de culpa de terceiro. Prova não realizada nos autos, gerando o dever de indenizar. Dano moral in re ipsa.

4. A falta de notifi cação prévia autoriza igualmente o cancelamento do aponte negativo.

Rejeitada a preliminar e provida a apelação em decisão monocrática (e-STJ fl . 131).

A parte autora, inconformada com o valor fi xado a título de indenização

por danos morais, interpôs agravo interno perante o Órgão Colegiado, que

restou desprovido pela Nona Câmara Cível do Tribunal de Origem.

Daí adveio o presente recurso especial, com fundamento na alínea c do

permissivo constitucional, em que a ora recorrente sustenta que o montante

indenizatório foi fi xado em valor irrisório, aduzindo divergência jurisprudencial

quanto ao ponto. Colaciona julgados em defesa de sua tese.

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Requer, dessa forma, o provimento do recurso especial, a fi m de elevar o

quantum fi xado a título de indenização por danos morais.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Preliminarmente,

deve-se ressaltar a comprovação e caracterização do dissídio jurisprudencial,

nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC c.c. o art. 255 do RISTJ, em

face da notória discrepância entre o valor arbitrado a título de danos morais

em razão da inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito pelo acórdão

recorrido e os precedentes desta Corte, o que justifi ca a excepcional intervenção

do STJ para o controle do montante da indenização.

A questão relativa à reparação dos danos extrapatrimoniais, especialmente

a quantifi cação da indenização correspondente, constitui um dos problemas

mais delicados da prática forense na atualidade, em face da difi culdade de

fi xação de critérios objetivos para o seu arbitramento.

Em sede doutrinária, tive oportunidade de analisar essa questão,

tentando estabelecer um critério razoavelmente objetivo para essa operação de

arbitramento judicial da indenização por dano moral (Princípio da Reparação

Integral – Indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 275-313).

Tomo a liberdade de expor os fundamentos desse critério bifásico em que se

procura compatibilizar o interesse jurídico lesado com as circunstâncias do caso.

I – Tarifamento legal

Um critério para a quantifi cação da indenização por dano extrapatrimonial

seria o tarifamento legal, consistindo na previsão pelo legislador do montante da

indenização correspondente a determinados eventos danosos.

A experiência brasileira, porém, de tarifamento legal da indenização por

dano moral não se mostrou satisfatória.

O próprio CC/1916 continha dois casos de tarifamento legal em seus

artigos 1.547 (injúria e calúnia) e 1.550 (ofensa à liberdade pessoal), estatuindo,

que, quando não fosse possível comprovar prejuízo material, a fixação de

indenização deveria corresponder ao “dobro da multa no grau máximo da pena

criminal respectiva”.

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 383

Esta Corte, em função do valor absurdo alcançado, fi rmou entendimento,

com fundamento nos postulados normativos da proporcionalidade

e da razoabilidade, no sentido da inaplicabilidade desse tarifamento legal

indenizatório, inclusive porque a remessa feita pelo legislador do CC/1916 à

legislação penal era anterior ao próprio Código Penal de 1940, mais ainda em

relação à reforma penal de 1984.

A recomendação passou a ser no sentido de que os juízes deveriam proceder

ao arbitramento eqüitativo da indenização, que foi também a orientação seguida

pelo legislador do CC de 2002 ao estabelecer a redação do enunciado normativo

do parágrafo único do art. 953:

Parágrafo único - Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.

Outra hipótese muito importante de tarifamento legal indenizatório

encontrada no Direito Brasileiro era a prevista pela Lei de Imprensa (Lei n.

5.250/1967), que, em seus artigos 49 e segs., regulava a responsabilidade civil

daquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de

informação, com dolo ou culpa, causar danos materiais e morais. Em relação

aos danos materiais, estabelecia, em seu art. 54, que a indenização tem por

fi nalidade restituir o prejudicado ao estado anterior ao ato ilícito, acolhendo,

assim, expressamente o princípio da reparação integral.

Porém, em relação aos danos morais, estabelecia, no art. 51, um limite

indenizatório, que, para o jornalista profi ssional, variava entre dois e vinte salários

mínimos, conforme a gravidade do ato ilícito praticado. Em relação à empresa

jornalística, o valor da indenização, conforme indicado pelo art. 52, poderia ser

elevado em até dez vezes o montante indicado na regra anterior. Com isso, o

valor máximo da indenização por danos morais por ilícitos civis tipifi cados na

Lei de Imprensa poderia alcançar duzentos (200) salários mínimos.

Passou a ser discutida, a partir da vigência da CF/1988, a compatibilidade

desse tarifamento legal indenizatório da Lei de Imprensa com o novo sistema

constitucional, que, entre os direitos e garantias individuais, em seu art. 5º,

logo após regular o princípio da livre manifestação do pensamento, assegurou

“o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano

material, moral ou à imagem” (inciso V), bem como estabeleceu que “são

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

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384

assegurado direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação” (inciso X).

A jurisprudência do STJ, após longo debate, com fundamento no disposto

nessas normas do art. 5º, incisos V e X, da CF/1988, fi rmou o seu entendimento

no sentido de que foram derrogadas todas as restrições à plena indenizabilidade

dos danos morais ocasionados por atos ilícitos praticados por meio da imprensa,

deixando de aplicar tanto as hipóteses de tarifamento legal indenizatório

previstas nos artigos 49 a 52, como também o prazo decadencial de três meses

estatuído pelo art. 56 da Lei da n. 5.250/1967. Consolidada essa orientação,

houve a edição da Súmula n. 281 em que fica expressa essa posição firme

do STJ no sentido de que “a indenização por dano moral não está sujeita à

tarifação prevista pela Lei de Imprensa”. Com isso, com fulcro nas normas

constitucionais, a jurisprudência culminou por consagrar a determinação da

reparação integral dos danos materiais e morais causados por meio da imprensa.

Nessas hipóteses de tarifamento legal, seja as previstas pelo CC/1916, seja

as da Lei de Imprensa, que eram as mais expressivas de nosso ordenamento

jurídico para a indenização por dano moral, houve a sua completa rejeição pela

jurisprudência do STJ, com fundamento no postulado da razoabilidade.

II – Arbitramento equitativo pelo juiz

O melhor critério para quantificação da indenização por prejuízos

extrapatrimoniais em geral, no atual estágio do Direito Brasileiro, é por

arbitramento pelo juiz, de forma eqüitativa, com fundamento no postulado da

razoabilidade.

Na reparação dos danos extrapatrimoniais, conforme lição de Fernando

Noronha, segue-se o “princípio da satisfação compensatória”, pois “o

quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a

um preço”, mas “será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para

o sofrimento infl igido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou integridade

física” (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003,

p. 569).

Diante da impossibilidade de uma indenização pecuniária que compense

integralmente a ofensa ao bem ou interesse jurídico lesado, a solução

é uma reparação com natureza satisfatória, que não guardará uma relação

de equivalência precisa com o prejuízo extrapatrimonial, mas que deverá ser

pautada pela eqüidade.

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 385

Na Itália, Valentina di Gregório, a partir da norma do art. 1.226 do Código

Civil italiano, ressalta a presença da eqüidade integrativa, pois a norma confere

poderes ao juiz para proceder eqüitativamente à liquidação do dano (lucros

cessantes, danos futuros – art. 2.056), inclusive dos danos morais, nos seguintes

termos:

Art. 1.226 (Valutazione equitativa del danno): “Se il danno non può essere provato nel suo preciso ammontare, è liquidato dal giudice com valutazione equitativa (art. 2.056).

Refere Valentina di Gregório que a Corte de Cassação italiana deixa

claro que não se trata de decidir por eqüidade, conforme autorizado pelo art.

114 do CPC italiano para alguns casos, mas de liquidação eqüitativa do dano,

considerando os seus aspectos objetivos, a sua gravidade, o prejudicado, a

condição econômica dos envolvidos, deixando claro que, embora a avaliação seja

subjetiva, deve ser pautada por critérios objetivos (GREGORIO, Valentina di.

La valutazione eqüitativa del danno. Padova: Cedam, 1999, p. 04).

Em Portugal, Almeida Costa chama também a atenção para aspecto

semelhante, afi rmando, com fundamento no art. 496, n. 03, do CC português,

que a indenização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser pautada

segundo critérios de eqüidade, atendendo-se “não só a extensão e a gravidade

dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação econômica deste

e do lesado, assim como todas as outras circunstâncias que contribuam para

uma solução eqüitativa”. Ressalva apenas que esse critério não se confunde

com a atenuação da responsabilidade prevista no art. 494 do CC português

(correspondente ao parágrafo único do art. 944 do CC/2002), pois esta norma

pode ser utilizada apenas nos casos de mera culpa, enquanto o art. 496, n. 03,

mostra-se aplicável mesmo que o agente tenha procedido com dolo (COSTA,

Mário Júlio Almeida. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 2004, 554).

No Brasil, embora não se tenha norma geral para o arbitramento da

indenização por dano extrapatrimonial semelhante ao art. 496, n. 03, do CC

português, tem-se a regra específi ca do art. 953, parágrafo único, do CC/2002,

já referida, que, no caso de ofensas contra a honra, não sendo possível provar

prejuízo material, confere poderes ao juiz para “fi xar, eqüitativamente, o valor da

indenização na conformidade das circunstâncias do caso”.

Na falta de norma expressa, essa regra pode ser estendida, por analogia, às

demais hipóteses de prejuízos sem conteúdo econômico (LICC, art. 4º).

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Menezes Direito e Cavalieri Filho, a partir desse preceito legal,

manifestam sua concordância com a orientação traçada pelo Min. Ruy Rosado

de que “a eqüidade é o parâmetro que o novo Código Civil, no seu artigo 953,

forneceu ao juiz para a fi xação dessa indenização” (DIREITO, Carlos Alberto

Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da

responsabilidade civil, das preferência e privilégios creditórios. Rio de Janeiro:

Forense, 2004. v. 13, p. 348).

Esse arbitramento eqüitativo será pautado pelo postulado da razoabilidade,

transformando o juiz em um montante econômico a agressão a um bem

jurídico sem essa natureza. O próprio julgador da demanda indenizatória, na

mesma sentença em que aprecia a ocorrência do ato ilícito, deve proceder ao

arbitramento da indenização. A difi culdade ensejada pelo art. 946 do CC/2002,

quando estabelece que, se a obrigação for indeterminada e não houver disposição

legal ou contratual para fi xação da indenização, esta deverá ser fi xada na forma

prevista pela lei processual, ou seja, por liquidação de sentença por artigos e por

arbitramento (arts. 603 a 611 do CPC), supera-se com a aplicação analógica do

art. 953, parágrafo único, do CC/2002, que estabelece o arbitramento eqüitativo

da indenização para uma hipótese de dano extrapatrimonial.

Com isso, segue-se a tradição consolidada, em nosso sistema jurídico,

de arbitrar, desde logo, na mesma decisão que julga procedente a demanda

principal (sentença ou acórdão), a indenização por dano moral, evitando-se que

o juiz, no futuro, tenha de repetir desnecessariamente a análise da prova, além

de permitir que o Tribunal, ao analisar eventual recurso, aprecie, desde logo, o

montante indenizatório arbitrado.

A autorização legal para o arbitramento eqüitativo não representa a

outorga pelo legislador ao juiz de um poder arbitrário, pois a indenização, além

de ser fi xada com razoabilidade, deve ser devidamente fundamentada com a

indicação dos critérios utilizados.

A doutrina e a jurisprudência têm encontrado difi culdades para estabelecer

quais são esses critérios razoavelmente objetivos a serem utilizados pelo juiz

nessa operação de arbitramento da indenização por dano extrapatrimonial.

Tentando-se proceder a uma sistematização dos critérios mais utilizados

pela jurisprudência para o arbitramento da indenização por prejuízos

extrapatrimoniais, destacam-se, atualmente, as circunstâncias do evento danoso

e o interesse jurídico lesado, que serão analisados a seguir.

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III - Valorização das circunstâncias do evento danoso (elementos

objetivos e subjetivos de concreção)

O arbitramento equitativo da indenização constitui uma operação de “concreção individualizadora” na expressão de Karl Engisch, recomendando que todas as circunstâncias especiais do caso sejam consideradas para a fi xação das suas conseqüências jurídicas (ENGISCH, Karl. La idea de concrecion en el derecho

y en la ciência jurídica atuales. Tradução de Juan José Gil Cremades. Pamplona: Ediciones Universidade de Navarra, 1968, p. 389).

No arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais, as principais circunstâncias valoradas pelas decisões judiciais, nessa operação de concreção individualizadora, têm sido a gravidade do fato em si, a intensidade do sofrimento da vítima, a culpabilidade do agente responsável, a eventual culpa concorrente da vítima, a condição econômica, social e política das partes envolvidas.

No IX Encontro dos Tribunais de Alçada, realizado em 1997, foi aprovada proposição no sentido de que, no arbitramento da indenização por dano moral, “o juiz (...) deverá levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quantum, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado”.

Maria Celina Bodin de Moraes catalagou como “aceites os seguintes dados para a avaliação do dano moral”: o grau de culpa e a intensidade do dolo (grau de culpa); a situação econômica do ofensor; a natureza a gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano); as condições pessoais da vítima (posição social, política, econômica); a intensidade do seu sofrimento (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 29).

Assim, as principais circunstâncias a serem consideradas como elementos objetivos e subjetivos de concreção são:

a) a gravidade do fato em si e suas conseqüências para a vítima (dimensão do dano);

b) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do agente);

c) a eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente da vítima);

d) a condição econômica do ofensor;

e) as condições pessoais da vítima (posição política, social e econômica).

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No exame da gravidade do fato em si (dimensão do dano) e de suas conseqüências para o ofendido (intensidade do sofrimento). O juiz deve avaliar a maior ou menor gravidade do fato em si e a intensidade do sofrimento padecido pela vítima em decorrência do evento danoso.

Na análise da intensidade do dolo ou do grau de culpa, estampa-se a função punitiva da indenização do dano moral, pois a situação passa a ser analisada na perspectiva do ofensor, valorando-se o elemento subjetivo que norteou sua conduta para elevação (dolo intenso) ou atenuação (culpa leve) do seu valor, evidenciando-se claramente a sua natureza penal, em face da maior ou menor reprovação de sua conduta ilícita.

Na situação econômica do ofensor, manifestam-se as funções preventiva e punitiva da indenização por dano moral, pois, ao mesmo tempo em que se busca desestimular o autor do dano para a prática de novos fatos semelhantes, pune-se o responsável com maior ou menor rigor, conforme sua condição fi nanceira. Assim, se o agente ofensor é uma grande empresa que pratica reiteradamente o mesmo tipo de evento danoso, eleva-se o valor da indenização para que sejam tomadas providências no sentido de evitar a reiteração do fato. Em sentido oposto, se o ofensor é uma pequena empresa, a indenização deve ser reduzida para evitar a sua quebra.

As condições pessoais da vítima constituem também circunstâncias relevantes, podendo o juiz valorar a sua posição social, política e econômica.

A valoração da situação econômica do ofendido constitui matéria controvertida, pois parte da doutrina e da jurisprudência entende que se deve evitar que uma indenização elevada conduza a um enriquecimento injustifi cado, aparecendo como um prêmio ao ofendido.

O juiz, ao valorar a posição social e política do ofendido, deve ter a mesma cautela para que não ocorra também uma discriminação, em função das condições pessoais da vítima, ensejando que pessoas atingidas pelo mesmo evento danoso recebam indenizações díspares por esse fundamento.

Na culpa concorrente da vítima, tem-se a incidência do art. 945 do CC/2002, reduzindo-se o montante da indenização na medida em que a própria vítima colaborou para a ocorrência ou agravamento dos prejuízos extrapatrimoniais por ela sofridos.

No caso de dano decorrente do “abalo de crédito”, discute-se a possibilidade da redução da indenização, em face da culpa concorrente do devedor. Yussef Cahali, entende que “se o autor da ação de indenização também concorreu

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culposamente pra o evento danoso, por sua habitual impontualidade, pela parcial emenda da mora que deu causa ao protesto e omissão, no acompanhamento do caso, na comunicação com o credor e no cumprimento das regras contratuais, tais circunstâncias são aptas a criar algum embaraço na ação do credor, autorizando o reconhecimento da culpa concorrente, reduzindo à metade à indenização devida” (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 389-390).

Afinal, acrescenta Cláudio Luiz Bueno Godoy (in Código Civil Comentado, Manole, 5ª ed., Coordenador Ministro CEZAR PELUSO), “não seria leal imaginar que alguém que houvesse agido com culpa, malgrado não exclusiva, para a eclosaão do evento, pudesse se ver ressarcido integralmente, sem nenhuma redução, em nome de uma responsabilidade objetiva da outra parte. Na justa observação de João Calvão da Silva (Responsabilidade civil do produtor. Coimbra, Almedina, 1999, p. 733-4), admitir que alguém pudesse reclamar indenização cabal, integral, mesmo havendo contribuído para o evento lesivo, seria um verdadeiro venire contra factum proprium que, na sua função de limitação de direitos, a boa-fé objetiva repudia”.

Na jurisprudência do STJ, em julgados das duas Turmas integrantes da Seção de Direito Privado, tem sido reconhecida a possibilidade de redução da indenização na hipótese de culpa concorrente do devedor, conforme se depreende dos seguintes julgados:

a) STJ, 4ª T., Ag n. 1.172.750-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 06.09.2010.

b) STJ, 4ª T., REsp n. 632.704-RO, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Dj. 1º.02.2006.

c) STJ, 3ª T., REsp n. 712.591-RS, rel.: Min. Nancy Andrighi, j. 16.11.2006, Dje 04.12.2006.

Mostra-se correta essa orientação, pois, devendo o juiz proceder a um arbitramento equitativo da indenização, não pode deixar também de valorar essa circunstância relevante, que é a concorrência de culpa do devedor negativado.

Essas circunstâncias judiciais, que constituem importantes instrumentos para auxiliar o juiz na fundamentação da indenização por dano extrapatrimonial, apresentam um problema de ordem prática, que difi culta a sua utilização.

Ocorre que, na responsabilidade civil, diferentemente do Direito Penal, não existem parâmetros mínimos e máximos para balizar a quantifi cação da indenização.

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Desse modo, embora as circunstâncias judiciais moduladoras sejam

importantes elementos de concreção na operação judicial de quantifi cação

da indenização por danos, deve-se tentar estabelecer uma base de cálculo

razoavelmente objetiva para o seu arbitramento.

No futuro, na hipótese de adoção de um tarifamento legislativo, poder-se-

iam estabelecer parâmetros mínimos e máximos bem distanciados, à semelhança

das penas mínima e máxima previstas no Direito Penal, para as indenizações

relativas aos fatos mais comuns.

Mesmo essa solução não se mostra alinhada com um dos consectários

lógicos do princípio da reparação integral, que é a avaliação concreta dos

prejuízos indenizáveis.

De todo modo, no momento atual do Direito Brasileiro, mostra-se

impensável um tarifamento ou tabelamento da indenização para os prejuízos

extrapatrimoniais, pois a consagração da sua reparabilidade é muito recente,

havendo necessidade de maior amadurecimento dos critérios de quantifi cação

pela comunidade jurídica.

Deve-se ter o cuidado, inclusive, com o tarifamento judicial, que começa

silenciosamente a ocorrer, embora não admitido expressamente por nenhum

julgado, na fi xação das indenizações por danos extrapatrimoniais de acordo

com precedentes jurisprudenciais, considerando apenas o bem jurídico atingido,

conforme será analisado a seguir.

IV – Interesse jurídico lesado

A valorização do bem ou interesse jurídico lesado pelo evento danoso (vida,

integridade física, liberdade, honra) constitui um critério bastante utilizado na

prática judicial, consistindo em fi xar as indenizações por danos extrapatrimoniais

em conformidade com os precedentes que apreciaram casos semelhantes.

Na doutrina, esse critério foi sugerido por Judith Martins-Costa, ao

observar que o arbítrio do juiz na avaliação do dano deve ser realizado com

observância ao “comando da cláusula geral do art. 944, regra central em tema de

indenização” (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil:

do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 5, t.1-2, p.

351). A autora remete para a análise por ela desenvolvida acerca das funções e

modos de operação das cláusulas gerais em sua obra A boa-fé no direito privado

(São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 330).

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Salienta que os operadores do direito devem compreender a função das

cláusulas gerais de molde a operá-las no sentido de viabilizar a ressistematização

das decisões, que atomizadas e díspares em seus fundamentos, “provocam

quebras no sistema e objetiva injustiça, ao tratar desigualmente casos similares”.

Sugere que o ideal seria o estabelecimento de “grupos de casos típicos”,

“conforme o interesse extrapatrimonial concretamente lesado e consoante a

identidade ou a similitude da ratio decidendi, em torno destes construindo a

jurisprudência certos tópicos ou parâmetros que possam atuar, pela pesquisa do

precedente, como amarras à excessiva fl utuação do entendimento jurisprudencial”.

Ressalva que esses “tópicos reparatórios” dos danos extrapatrimoniais devem ser

fl exíveis de modo a permitir a incorporação de novas hipóteses e evitar a pontual

intervenção do legislador.

Esse critério, bastante utilizado na prática judicial brasileira, embora sem

ser expressamente reconhecido pelos juízes e Tribunais, valoriza o bem ou

interesse jurídico lesado (vida, integridade física, liberdade, honra) para fi xar

as indenizações por danos morais em conformidade com os precedentes que

apreciaram casos semelhantes.

A vantagem desse método é a preservação da igualdade e da coerência

nos julgamentos pelo juiz ou Tribunal. Assegura igualdade, porque casos

semelhantes recebem decisões similares, e coerência, pois as decisões variam na

medida em que os casos se diferenciam.

Outra vantagem desse critério é permitir a valorização do interesse jurídico

lesado (v.g. direito de personalidade atacado), ensejando que a reparação do

dano extrapatrimonial guarde uma razoável relação de conformidade com o

bem jurídico efetivamente ofendido.

Esse método apresenta alguns problemas de ordem prática, sendo

o primeiro deles o fato de ser utilizado individualmente por cada unidade

jurisdicional (juiz, Câmara ou Turma julgadora), havendo pouca permeabilidade

para as soluções adotadas pelo conjunto da jurisprudência.

Outro problema reside no risco de sua utilização com excessiva rigidez,

conduzindo a um indesejado tarifamento judicial das indenizações por prejuízos

extrapatrimoniais, ensejando um engessamento da atividade jurisdicional e

transformando o seu arbitramento em uma simples operação de subsunção, e

não mais de concreção.

O tarifamento judicial, tanto quanto o legal, não se mostra compatível

com o princípio da reparação integral que tem, como uma de suas funções

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fundamentais, a exigência de avaliação concreta da indenização, inclusive

por prejuízos extrapatrimoniais. Na França, a jurisprudência da Corte de

Cassação entende sistematicamente que a avaliação dos danos é questão de

fato, prestigiando o poder soberano dos juízes na sua apreciação e criticando as

tentativas de tarifamento de indenizações (VINEY, Geneviève; MARKESINIS,

Basil. La Reparation du dommage corporel: Essai de comparaison des droits

anglais e français. Paris: Economica, 1985, p. 48). No Brasil, a jurisprudência do

STJ tem respeitado as indenizações por danos extrapatrimoniais arbitradas pelas

instâncias ordinárias desde que atendam a um parâmetro razoável, não podendo

ser excessivamente elevadas ou ínfi mas, consoante será analisado em seguida.

Em suma, a valorização do bem ou interesse jurídico lesado é um critério

importante, mas deve-se ter o cuidado para que não conduza a um engessamento

excessivo das indenizações por prejuízos extrapatrimoniais, caracterizando um

indesejado tarifamento judicial com rigidez semelhante ao tarifamento legal.

VI – Método bifásico para o arbitramento equitativo da indenização

O método mais adequado para um arbitramento razoável da indenização

por dano extrapatrimonial resulta da reunião dos dois últimos critérios analisados

(valorização sucessiva tanto das circunstâncias como do interesse jurídico lesado).

Na primeira fase, arbitra-se o valor básico ou inicial da indenização,

considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes

jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma

exigência da justiça comutativa que é uma razoável igualdade de tratamento

para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas

desigualmente na medida em que se diferenciam.

Na segunda fase, procede-se à fi xação defi nitiva da indenização, ajustando-

se o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias.

Partindo-se, assim, da indenização básica, eleva-se ou reduz-se esse valor

de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si,

culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica

das partes) até se alcançar o montante defi nitivo. Procede-se, assim, a um

arbitramento efetivamente eqüitativo, que respeita as peculiaridades do caso.

Chega-se, com isso, a um ponto de equilíbrio em que as vantagens dos

dois critérios estarão presentes. De um lado, será alcançada uma razoável

correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado,

enquanto, de outro lado, obter-se-á um montante que corresponda

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às peculiaridades do caso com um arbitramento equitativo e a devida

fundamentação pela decisão judicial.

O STJ, em acórdão da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, fez utilização

desse método bifásico para quantifi cação da indenização por danos morais

decorrentes do abalo de crédito, cuja ementa foi a seguinte:

Consumidor. Recurso especial. Cheque furtado. Devolução por motivo de conta encerrada. Falta de conferência da autenticidade da assinatura. Protesto indevido. Inscrição no cadastro de inadimplentes. Dano moral. Confi guração. Culpa concorrente.

- A falta de diligência da instituição fi nanceira em conferir a autenticidade da assinatura do emitente do título, mesmo quando já encerrada a conta e ainda que o banco não tenha recebido aviso de furto do cheque, enseja a responsabilidade de indenizar os danos morais decorrentes do protesto indevido e da inscrição do consumidor nos cadastros de inadimplentes. Precedentes.

- Consideradas as peculiaridades do processo, caracteriza-se hipótese de culpa concorrente quando a conduta da vítima contribui para a ocorrência do ilícito, devendo, por certo, a indenização atender ao critério da proporcionalidade.

Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido.

(REsp n. 712.591-RS, Dje 04.12.2006, Rela. Min. Nancy Andrighi).

No caso apreciado nesse precedente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande

do Sul concluíra ser hipótese de culpa exclusiva da autora e, em razão disso,

não reconheceu a ocorrência de ato ilícito ensejador do dano moral. A ministra

relatora, após admitir a responsabilidade concorrente do banco pelo evento

danoso, e analisar o valor fi xado por danos morais para hipóteses semelhantes

neste Tribunal - que variam entre 10 mil a 14 mil reais, - fazendo referência a

dois precedentes, passou a analisar as peculiaridades do caso, arbitrando, então, a

indenização 4.000 reais a título de danos morais.

Esse método bifásico é o que melhor atende às exigências de um

arbitramento eqüitativo da indenização por danos extrapatrimoniais.

VII – Jurisprudência do STJ nos casos de dano moral por inclusão

irregular em cadastro restritivo de crédito

Na análise de acórdãos desta Corte relativos aos diversos julgamentos

realizados ao longo dos últimos anos, em que houve a apreciação da indenização

por prejuízos extrapatrimoniais decorrentes de fatos semelhantes (inscrição

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irregular em cadastros de restrição de crédito, devolução indevida de cheques,

protesto indevido, etc.) fi ca clara a existência de divergência entre as Turmas

julgadoras do STJ acerca do que se pode considerar como um valor razoável

para essas indenizações.

Os valores das indenizações têm sofrido signifi cativas variações, tendo

sido mantida, por exemplo, uma indenização por danos morais no valor

correspondente a trezentos salários mínimos (STJ, 3ª T., REsp n. 650.793-

PE, rel.: Min. Nancy Andrighi, Dj. 04.10.2004). Nesse caso, foi mantida a

condenação estabelecida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco no valor

correspondente a trezentos salários mínimos - R$ 140.000,00 considerando

diversos aspectos fáticos relacionados ao evento danoso, tal como os efeitos

decorrentes do abalo de crédito da recorrida.

Também já houve o arbitramento de indenizações na faixa de quinhentos

reais (STJ, 4ª T., REsp n. 540.944-RS, rel.: Min. Jorge Scartezzini, j. 17.08.2004).

O recurso especial foi parcialmente provido, sendo fi xada a indenização em

apenas quinhentos reais, em face da postura costumeira do devedor em desonrar

seus compromissos gerando incertezas no meio comercial.

Esses valores, entretanto, situados em posições extremas, apresentam

peculiaridades próprias, não podendo ser considerados como aquilo que o STJ

entende por razoável para indenização de prejuízos extrapatrimoniais derivados

da restrição indevida de crédito, inclusive por versarem, em regra, acerca de

casos excepcionais em que o arbitramento eqüitativo justifi cava a fi xação da

indenização em montante diferenciado.

Normalmente, o arbitramento da indenização feito por esta Corte é bem

mais comedido pautado pela razoabilidade.

Pode-se tentar identifi car a noção de razoabilidade desenvolvida pelos

integrantes desta Corte na média dos julgamentos atinentes à inclusão indevida

de nome em rol de maus pagadores.

Os julgados que, na sua maior parte, oscilam na faixa entre 20 e 50 salários

mínimos, podem ser divididos em dois grandes grupos: recursos providos e

recursos desprovidos.

Nos recursos especiais desprovidos, chama a atenção o grande número de

casos em que a indenização foi mantida em valor correspondente a 20 salários

mínimos.

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Os recursos especiais providos, para alteração do montante da indenização

por dano extrapatrimonial, são aqueles que permitem observar, com maior

precisão, o valor que o STJ entende como razoável para essa parcela indenizatória.

Atualmente os parâmetros têm-se revelado os mesmos, como adiante

evidencio, iniciando com julgados da Terceira Turma e, após, exemplifi cando

com decisões da Colenda Quarta Turma desta Corte, ambas integrantes da

Seção de Direito Privado do STJ (Segunda Seção):

1) Embargos de declaração. Caráter infringente. Recebimento como agravo regimental. Fungibilidade recursal. Possibilidade. Responsabilidade civil. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Quantum indenizatório. Redução. Necessidade. Agravo improvido.

(AgRg no Ag n. 1.083.670-PE, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 12.05.2009, DJe 27.05.2009).

Excerto:

Na espécie, a existência do dano encontra-se demonstrada; todavia, constata-se que o montante indenizatório fixado no importe de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), em razão da inscrição indevida do nome do ora agravado em órgãos de serviço de proteção ao crédito, destoa do valor que tem sido mantido por esta Corte em situações análogas. Confi ram-se: REsp n. 680.207-PA, Relator Juiz Federal Convocado Carlos Fernando Mathias, DJ de 03.11.2008; REsp n. 912.756-RN, Relator Ministro Sidnei Beneti, DJ 09.04.2008; e REsp n. 856.755-SP, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ 09.10.2006.

Desse modo, tendo em vista as peculiaridades do caso, bem como os padrões adotados por esta col. Turma na fi xação do quantum indenizatório a título de danos morais em casos análogos, impõe-se a redução do valor indenizatório para R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

2) Civil. Inclusão indevida em cadastro de inadimplentes. Reincidência da negativação. Indenização. Dano moral. Revisão pelo STJ. Possibilidade, nas hipóteses em que o valor for fi xado em patamar irrisório ou exorbitante.

- o valor da indenização por danos morais pode ser revisto na via especial nas hipóteses em que contrariar a lei ou o senso médio de justiça, mostrando-se irrisório ou exorbitante.

- o STJ tem se pautado pela fi xação de valores que se mostrem adequados à composição do dano moral, mas sem implicar no enriquecimento sem causa da parte.

- tendo em vista os precedentes desta Corte e a peculiaridade da espécie, mantem-se a indenização fi xada em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

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Recurso especial da autora não conhecido.

Recurso especial do banco réu conhecido e parcialmente provido.

(REsp n. 872.181-TO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20.03.2007 , Dje 18.06.2007).

Excerto:

A circunstância foi salientada pela autora ainda na fase de instrução, reiterada tanto na apelação quanto no recurso especial, jamais tendo sido contestada pelo banco e, ao que parece, não foi levada em consideração pelas instâncias ordinárias.

Portanto, a despeito do exagero em que incorreu o Tribunal a quo ao manter a indenização em 200 (duzentos) salários mínimos, entendo que a condenação a ser imposta à instituição fi nanceira de refl etir o fato dela ter reincidido no ato danoso.

Não se trata, repita-se, de uma tendência à criação de uma jurisprudência tendente à tarifação da compensação por dano moral; mas tendo em vista os julgados supra transcritos e a peculiaridade da espécie, fixo a indenização em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

3) Ação de indenização. Danos materiais e morais. Inscrição indevida nos serviços de proteção ao crédito. Danos materiais não comprovados. Afastamento. Danos morais. Valor exagerado. Redução do quantum indenizatório de R$ 50.000,00 para R$ 10.000,00 para cada autor.

1. - Para deferimento dos danos materiais pleiteados, necessária sua comprovação pelos Autores (CPC, art. 333, I).

2. - As circunstâncias da lide não apresentam nenhum motivo que justifi que a fi xação do quantum indenizatório em patamar especialmente elevado, devendo, portanto, ser reduzido para R$ 10.000,00, a cada um dos autores, se adequar aos valores aceitos e praticados pela jurisprudência desta Corte.

3. - A orientação das Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal, nos casos de indenização por danos morais, é no sentido de que a correção monetária deve incidir a partir do momento em que fi xado um valor defi nitivo para a condenação.

Recurso Especial parcialmente provido.

(REsp n. 1.094.444-PI, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 24.04.2010, Dje 21.05.2010).

4) Agravo regimental no agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Protesto indevido. Quantum indenizatório. Redução pelo STJ. Possibilidade. Valor exorbitante.

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1. Excepcionalmente, pela via do recurso especial, o STJ pode modifi car o quantum da indenização por danos morais, quando fixado o valor de forma abusiva ou irrisória. Precedentes.

2. Na espécie, o valor arbitrado pelas instâncias ordinárias, em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), mostra-se elevado, considerando os padrões adotados por esta Corte em casos semelhantes, devendo ser reduzido para R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag n. 1.321.630-BA, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 15.02.2011, Dje 22.02.2011).

5) Agravo regimental em agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Indenização por danos morais. Inscrição em cadastro de inadimplentes indevida. Valor indenizatório majorado de acordo com a jurisprudência desta Corte. Recurso manifestamente infundado.

1. Esta Corte, em casos de inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito, tem fi xado a indenização por danos morais em valor equivalente a até cinqüenta salários mínimos. Precedentes.

2. Agravo Regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa.

(AgRg no Ag n. 1.383.254-SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 07.04.2011, Dje 12.04.2011).

Excerto:

No presente caso, a quantia fi xada pelo Tribunal de origem, qual seja, R$ 5.000,00 (cinco mil reais), mostrava-se demasiadamente irrisória, ensejando a revisão em sede de recurso especial, para adequação aos parâmetro estabelecidos por esta Corte, que em casos de inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito, tem fi xado a indenização por danos morais em valor equivalente a até cinqüenta salários mínimos.

Por tanto, a decisão agravada que conheceu do agravo de instrumento, para dar provimento ao especial interposto por Eron Everaldo Maia, a fi m de majorar o quantum indenizatório para o importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), merece ser prestigiada, vez que alinha-se à pacífi ca jurisprudencia deste Superior Tribunal.

6) Agravo regimental em recurso especial. Indenização por danos morais. Ausência de prévia notifi cação. Descumprimento de ordem judicial. Alegação de inscrição extraída de cartório de protesto de títulos. Falta de prequestionamento. Quantum indenizatório reduzido para R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) pela decisão agravada. Razoabilidade. Agravo regimental desprovido.

1. A assertiva de que as inscrições indevidas foram extraídas de dados constantes de Cartório de Protesto de Títulos, o que dispensaria a prévia

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notificação, não foi apreciada pelo Tribunal a quo, tampouco foram opostos embargos declaratórios para sanar eventual omissão. Dessa forma, tal matéria não merece ser conhecida por esta Corte, ante a ausência do indispensável prequestionamento. Aplica-se, por analogia, o óbice das Súmulas n. 282 e n. 356 do STF.

2. A decisão agravada, ao reduzir a verba indenizatória de R$ 40.000,00 para R$ 25.000,00 pela ausência de prévia notificação e pelo descumprimento de ordem judicial, adequou a quantia fi xada pela Corte de origem aos patamares estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça e às peculiaridades da espécie, não merecendo acolhida a pretensão da ora agravante de que seja reduzido ainda mais o quantum indenizatório, razão por que o referido decisum deve ser mantido por seus próprios fundamentos.

3. A incidência de correção monetária e de juros moratórios, meros consectários legais da condenação, normalmente não tem o condão de tornar exacerbado a importância arbitrada pela reparação moral.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 1.136.802-PI, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 16.02.2011, DJe 24.02.2011);

7) Civil e Processual Civil. Agravo regimental. Indenização. Dano moral. Inscrição indevida. Redução do valor fi xado com base na tradição jurisprudencial do STJ. Desprovimento.

(AgRg no Ag n. 1.211.327-RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, julgado em 02.03.2010 Dje 15.03.2010).

Excerto:

Em que pese a relevância do ato lesivo e o prejuízo causado, o Tribunal local não registrou maiores conseqüências além dos inconvenientes da retirada do montante (dano material ressarcido pelas instâncias de origem) e a inscrição indevida do nome do autor em cadastros de inadimplência.

Ante o exposto, conforme o art. 544, § 3º, do CPC, conheço do agravo de instrumento e dou parcial provimento ao recurso especial, para reduzir o quantum indenizatório por danos morais para R$ 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos reais), atualizado a partir da presente data.

Depreende-se desse leque de decisões de integrantes da Segunda Seção

do STJ que esta Corte tem-se utilizado do princípio da razoabilidade para

tentar alcançar um arbitramento eqüitativo das indenizações por danos

extrapatrimoniais derivados da inscrição indevida em cadastro de restrição ao

crédito.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 399

De acordo com esses precedentes, pode-se estimar que um montante indenizatório razoável para o STJ situa-se na faixa entre 20 e 50 salários mínimos.

Saliente-se, mais uma vez que, embora seja importante que se tenha um montante referencial em torno de trinta a quarenta salários mínimos para a indenização dos prejuízos extrapatrimoniais ligados ao abalo provado pela restrição indevida do crédito, isso não deve representar um tarifamento judicial rígido, pois entraria em rota de colisão com o próprio princípio da reparação integral.

Cada caso apresenta particularidades próprias e variáveis importantes como a gravidade do fato em si, a culpabilidade do autor do dano, o número de autores, a situação sócio-econômica do responsável, que são elementos de concreção que devem ser sopesados no momento do arbitramento eqüitativo da indenização pelo juiz.

VII – Caso concreto

Passo, assim, ao arbitramento equitativo da indenização, atendendo as circunstâncias do caso.

Na primeira fase, o valor básico ou inicial da indenização, considerando o interesse jurídico lesado (abalo de crédito), em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos), acima aludidos, deve ser fi xado em montante equivalente a 30 salários mínimos na data de hoje, que é a média do arbitramento feito pelas duas Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte.

Na segunda fase, para a fi xação defi nitiva da indenização, ajustando-se às circunstâncias particulares do caso, deve-se considerar, em primeiro lugar, a gravidade do fato em si, que, na hipótese em tela, tratando-se de dano moral de pequeno monta revela-se de pequena proporção. A responsabilidade do

agente, reconhecida pelo acórdão recorrido, é a normal para o evento danoso, tendo sido reconhecida a inefi cácia da tentativa de notifi cação prévia. Deve-se reconhecer a culpa concorrente da vítima, pois a existência da dívida inadimplida é incontroversa, tendo sido reconhecida pelo acórdão recorrido e, em nenhum momento, foi negada pela autora da ação. Finalmente, não há elementos acerca da condição econômica da parte autora da ação.

Assim, torno defi nitiva a indenização no montante equivalente a vinte

salários mínimos, o que corresponde, na data de hoje, a R$ 10.900,00 (dez mil e

novecentos reais).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

400

Esse valor será acrescido de correção monetária pelo IPC desde a data da

presente sessão de julgamento (Súmula n. 362-STJ).

Os juros legais moratórios e os honorários advocatícios seguirão o defi nido

no acórdão recorrido, pois esses tópicos não foram objeto do recurso especial.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.161.411-RJ (2009/0197795-3)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Banco Dibens S/A

Advogados: Roberto Benjó e outro(s)

Fábio Lima Quintas

Henrique Leite Cavalcanti

Fábio de Sousa Coutinho

Ricardo Luiz Blundi Sturzenegger

Gustavo César de Souza Mourão

Luiz Carlos Sturzenegger

Luciano Correa Gomes

Th iago Luiz Blundi Sturzenegger

Luís Carlos Cazetta

Advogados: Livia Borges Ferro Fortes Alvarenga

Gustavo Baratella de Toledo

Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

EMENTA

Processual Civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ministério

Público do Estado do Rio de Janeiro. Fundamentação. Ausente.

Deficiente. Súmula n. 284-STF. Reexame de fatos e provas.

Inadmissibilidade. Interpretação de cláusulas contratuais. Vedação.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 401

Tarifa de emissão de boleto bancário. Abusividade. Devolução do

indébito em dobro. Demonstração de má-fé. Prequestionamento.

Ausência. Súmula n. 282-STF

1. A ausência de fundamentação ou a sua defi ciência implica o

não conhecimento do recurso quanto ao tema.

2. É vedado em recurso especial o reexame de fatos e provas e a

interpretação de cláusulas contratuais.

3. Não é razoável que o consumidor seja obrigado a arcar com

os custos de serviço contratado entre o recorrente e outra instituição

bancária, sem que tenha qualquer participação nessa relação e sem que

tenha se responsabilizado pela remuneração de serviço.

4. O serviço prestado por meio do oferecimento de boleto bancário

ao mutuário já é remunerado por meio da “tarifa interbancária”, razão

pela qual a cobrança de tarifa, ainda que sob outra rubrica, mas que

objetive remunerar o mesmo serviço, importa em enriquecimento

sem causa e vantagem exagerada das instituições financeiras em

detrimento dos consumidores.

5. A cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento de

uma conta ou serviço mediante boleto bancário signifi ca cobrar para

emitir recibo de quitação, o que é dever do credor que por ela não pode

nada solicitar (art. 319 do CC/2002).

6. O entendimento dominante no STJ é no sentido de admitir

a repetição do indébito na forma simples, e não em dobro, salvo

provada má-fé. Contudo, a ausência de decisão acerca dos argumentos

invocados pelo recorrente em suas razões recursais (ausência de má-

fé) impede o conhecimento do recurso especial.

7. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte não

provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-

vista do Sr. Ministro Villas Bôas Cueva, acompanhando o voto da Sra. Ministra

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402

Relatora, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte,

negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e

Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 1º de setembro de 2011 (data do julgamento).

Ministra Nancy Andrighi, Relatora

DJe 10.10.2011

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto

por Banco Diebens S/A. com fundamento na alínea a do permissivo constitucional,

contra acórdão proferido pelo TJ-RJ.

Ação (e-STJ fls. 03-29): civil pública com pedido de antecipação de

tutela, proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em desfavor

do recorrente objetivando tutelar os interesses difusos e coletivos de todos

os consumidores sujeitos à cláusula contratual que estabeleceu a cobrança de

emissão de boleto (Tarifa de Emissão de Boleto) ou qualquer outro custo para a

cobrança de seus respectivos produtos ou serviços, inclusive taxas de cobranças

bancárias.

Alega que o banco réu, que se dedica a operações de fi nanciamento ao

consumidor por meio de contratos de empréstimo, teria contratado serviços

de cobrança bancária com outra instituição fi nanceira (Unibanco), buscando

facilitar o processo de cobrança e recebimento pela prestação de seus serviços.

Ocorre que o banco réu, como alega o órgão ministerial, tem repassado

indevidamente aos consumidores, usuários dos seus serviços, os custos da

obrigação que contraíra com o Unibanco. Sustenta o Ministério Público que

essa cláusula é abusiva, porquanto acarreta o enriquecimento sem causa da

instituição fi nanceira ré e implica ofensa ao equilíbrio dos direitos e obrigações

contraídos pelas partes.

Busca, por fi m, a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano

material, repetindo o indébito em valor igual ao dobro do que pagou em excesso,

além de compensação pelos eventuais danos morais causados aos consumidores

decorrentes da prática tida como abusiva.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 403

Sentença (e-STJ fl s. 371-376): sobreveio sentença que julgou parcialmente

procedente o pedido inicial para “declarar a abusividade da prática adotada pelo

banco réu relativa a cobrança de emissão de boleto ou qualquer outro custo

destinado a cobrança de seus respectivos produtos ou serviços, inclusive taxas de

cobrança bancária” e, em consequência, condenou o réu a restituir o indébito de

forma simples.

Acórdão (e-STJ fls. 533-547): ambas as partes, inconformadas,

interpuseram recurso de apelação (pelo Banco Dibens S/A às fl s. 390-414 e pelo

Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro às fl s. 461-489). O TJ-RJ, após não

conhecer, por unanimidade, do recurso interposto pelo Ministério Público e por

maioria, não conhecer da apelação do réu, na parte em que pedia a limitação

territorial (vencido, nesta parte, o relator), deu parcial provimento ao recurso

interposto pela parte autora, por maioria, para determinar a devolução em dobro

do indébito, vencido o relator. Ficou vencido o relator, ainda, na parte em que

dava provimento ao recurso da parte autora, para fi xação de multa diária. O

acórdão fi cou assim ementado:

Apelação civel. Ação civil pública. Direito do Consumidor. Alegação de abusividade da cobrança de tarifa por emissão de boleto bancário. Preliminar de ilegitimidade do Ministério Público bem como alegação de cerceamento de defesa em vista do indeferimento de provas requeridas pela parte ré já rejeitadas em recurso de agravo de instrumento. Violação dos princípios da transparência da boa-fé objetiva e da vulnerabilidade. Onerosidade excessiva caracterizada. Repetição do indébito em dobro, por maioria. Dano moral não caracterizado.

Legitimidade do Ministério Público para promover ação coletiva em defesa dos interesses ou direitos individuais homogêneos. A prova se destina ao convencimento do juiz, a quem incumbe verifi car a necessidade e a utilidade da produção daquelas requeridas pelas partes. A aplicação do princípio do livre convencimento autoriza que o magistrado indefi ra a produção de provas que entender impertinentes ou inúteis ao deslinde da controvérsia. Matéria relativa à ilegitimidade do Ministério Público, bem como ao cerceamento de defesa já analisada em sede recursal, quando do julgamento de recurso de agravo de instrumento interposto pela parte ré-apelante. Normas insertas no Código de Defesa do Consumidor, que são de ordem pública e interesse social, sobrepondo-se as normas regulamentares editadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil. É abusivo o atuar da instituição fi nanceira que procede a cobrança de tarifa por emissão de boleto bancário, repassando ao consumidor custo que deveria ser suportado pela própria instituição que presta o serviço. Se para a emissão de boleto bancário existe um custo, este deve ser suportado

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pela instituição bancária, caracterizando onerosidade excessiva o repassar de tal custo ao consumidor, na medida em que a instituição fi nanceira já é remunerada pelos serviços que presta aos seus clientes. A ausência de informação adequada e sufi ciente retrata violação do princípio da transparência, insculpido no Código de Defesa do Consumidor. Princípios da boa-fé objetiva e da vulnerabilidade que também restaram violados. Os contratantes devem manter tanto na fase pré-contratual, quanto nas fases da contratação e da execução do contrato comportamento que é exigível ao homem médio, comportamento ético, probo, reto, sob pena de nulidade. O contrato de adesão, como é o caso dos autos, não permite a possibilidade de discussão das cláusulas ou regras insertas no mesmo. Ademais, a ausência de redação da cláusula com o destaque que é exigido pela lei consumerista, somente vem a ratifi car que a parte ré, quando da contratação adesiva, não observou o princípio da transparência. Uma vez caracterizada a abusividade da cobrança, ausente qualquer engano justifi cável, incide a norma constante do artigo 42, parágrafo único, do CDC, autorizando a repetição do indébito em dobro, conforme decisão por maioria. O dano moral não comporta caracterização em sede de ação coletiva, na medida em que se constitui em direito personalíssimo, portanto, individual de cada um dos consumidores, não podendo ser aferido de forma global para todos. Entendeu a maioria por não conhecer o recurso da parte ré na parte em que postula a limitação territorial da decisão, na medida em que a matéria não foi enfrentada pela sentença recorrida. Neste ponto, este relator fi cou vencido na medida em que reconhecia a abrangência nacional dos efeitos da coisa julgada, nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Desprovimento do recurso do primeiro recurso (réu), por maioria e provimento parcial do segundo recurso (autor), por maioria com relação a determinação de devolução em dobro da repetição de indébito e, por maioria, para determinar que não há fi xação de multa diária.

Embargos de declaração (e-STJ fls. 551-561): interposto pelo banco

recorrente, foi rejeitado às fl s. 569-571 (e-STJ):

Embargos de declaração. Acórdão proferido em apelação civel. Ação civil pública. Cobrança de boleto bancário. Omissão, obscuridade e contradição inexistentes. Não caracteriza obscuridade o não conhecimento do recurso em determinada parte da matéria objeto das razões recursais, considerando não ter sido a mesma decidida pelo juízo de primeiro grau. Também não se evidencia obscuro acórdão que rejeita preliminares que já haviam sido rejeitadas em recurso anterior de agravo de instrumento. A declaração de voto vencido acostada aos autos prejudica alegada omissão a respeito de sua ausência. Não há que se falar em omissão em razão de não manifestação respeito da manutenção ou não do efeito suspensivo anteriormente concedido ao recurso de apelação. Matéria que deve ser suscitada pela via própria e, perante o juízo competente. Recurso conhecido e desprovido.

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 405

Embargos infringentes (e-STJ 574-584): interposto pelo banco

recorrente, foi desprovido pelo Tribunal de origem, nos termos do acórdão assim

ementado:

Embargos infringentes. Delimitação. CPC, art. 530. Ação civil pública. Direito do Consumidor. Cobrança de “tarifa de emissão de boleto” considerada indevida. Trânsito em julgado da decisão, neste ponto. Devolução da quantia. Aplicabilidade da dobra prevista no § único do art. 42 do CDC. Não confi guração do “engano justifi cável”. Desprovimento do recurso.

Nos exatos termos do art. 530 do CPC, os embargos infringentes só são admissíveis quando tratarem de parcela da sentença reformada por decisão não unânime. Se a divergência dos doutos desembargadores que julgaram a apelação era quanto ao conhecimento ou não de parte do recurso, sendo minoritário o posicionamento pela sua admissibilidade, não se trata de divergência passível de superação pela via dos embargos infringentes.

Considerada indevida a cobrança de determinada quantia desembolsada pelo consumidor, sua devolução só não se dará em dobro caso comprovada a hipótese de “engano justifi cável”, como consta do art. 42, § único, do CDC, in fi ne.

Para conceituação do que seria o “engano justifi cável”, vale a analogia ao art. 138 do Código Civil, que ao tratar da anulabilidade do negócio jurídico, toma por condição que as declarações de vontade tenham emanado de “erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal”.

Não pode ser considerado engano justifi cável (assim entendido como erro que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal) a transferência, ao consumidor, de gastos cujo ônus deveriam recair sobre o fornecedor, a teor da regra geral inserta no art. 325 do Código Civil, uma vez que a emissão de boletos para pagamento de tarifas bancárias pode-se equiparar ao “fato do credor” de que trata o referido dispositivo da lei civil.

A inexistência de expressa proibição, por parte do Conselho Monetário Nacional, quanto à cobrança de “tarifa de emissão de boleto”, não equivale à sua autorização, até porque o não é exaustivo o rol do art. 1º da Resolução Bacen n. 2.303/96, que trata dos serviços bancários cuja cobrança ao consumidor é vedada.

Desprovimento do recurso.

Recurso especial (e-STJ fl s. 625-649): interposto com base na alínea a do

permissivo constitucional, aponta ofensa aos seguintes dispositivos de lei, todos

do diploma consumerista:

(i) art. 46, haja vista a recorrente entregar aos consumidores, no ato da

celebração, o respectivo contrato, dando a esses a oportunidade de conhecimento

prévio acerca do conteúdo do instrumento contratual. Se, contudo, o consumidor

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

406

“opta por não ler os termos do contrato, apenas a ele se pode imputar as consequências dessa escolha” (e-STJ fl . 636);

(ii) art. 54, § 3º e § 4º, porquanto as disposições contratuais, em especial no que diz respeito à tarifa de emissão de boleto bancário, são claras e de fácil compreensão;

(iii) art. 52, V, eis que nos contratos utilizados pela recorrente são inseridos todos os dados relativos às operações por ele contratadas;

(iv) art. 47, na medida em que esse dispositivo de lei somente encontra aplicação nas hipóteses em que determinada cláusula contratual der margem a mais de uma interpretação, que não é o caso dos autos, no qual o órgão ministerial busca a nulidade de cláusula;

(v) art. 51, IV, porquanto a cláusula em análise não coloca o consumidor em desvantagem exagerada, não podendo ser considerada abusiva. Argumenta que a tarifa discutida integra o preço fi nal dos produtos, razão pela qual não se pode falar que sua cobrança seja ilegal. Sustenta que o pagamento por meio de boleto, comparativamente com os pagamentos por débito em conta, envolve mais risco de inadimplência. Aduz que existem custos para emissão, remessa e processamento do boleto e que ao consumidor assiste a faculdade de escolher com que fornecedor e qual tipo de produto quer contratar. Alega, por fi m, que se a conduta da ré fosse mesmo abusiva, a procura pelos seus serviços não teria crescido exponencialmente nos últimos anos;

(vi) art. 42 do CDC, haja vista que o STJ fi rmou o entendimento de que a devolução em dobro está condicionada à verifi cação de má-fé, o que não ocorreu na hipótese em apreço, razão pela qual a restituição deve se dar na forma simples.

Recurso extraordinário: interposto às fls. 701-724 (e-STJ), não foi admitido (e-STJ fl s. 756-761).

Prévio juízo de admissibilidade (e-STJ fl s. 756-761): após a apresentação das contrarrazões (e-STJ fl s. 731-741), o recurso especial não foi admitido na origem (fl s. 437-439). Dei, no entanto, provimento ao agravo de instrumento para melhor análise da questão, e determinei a subida dos autos ao STJ (e-STJ fl . 808).

Parecer Ministério Público Federal (e-STJ fls. 783-791): a i. Subprocuradora-Geral da República Dra. Maria Caetana Cintra Santos opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 407

VOTO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a controvérsia a determinar se a cobrança da chamada Tarifa de Emissão de Boleto deve ser considerada prática abusiva ou encontra-se em consonância com a Lei Consumerista.

I – Da ofensa ao art. 46 do CDC. Fundamentação defi ciente (Súmula n.

284-STF)

Embora o recurso especial mencione a possível negativa de vigência ao art. 46 do CDC, o banco recorrente não demonstrou de forma clara, precisa e objetiva, como seria de rigor, em que consistiria a alegada afronta a tal dispositivo, limitando-se a sustentar a ocorrência de equívoco cometido pelo acórdão recorrido na aplicação do mencionado preceito de lei à hipótese em apreço, considerando que “os contratos praticados pelo Recorrente são sempre entregues ao consumidor no ato da sua celebração” (e-STJ fl . 636).

A impressão que toma o leitor das razões do recurso especial é que o recorrente não está dialogando com os fundamentos do acórdão recorrido. Isso porque a aplicação do art. 46 do CDC à espécie não se deu em razão de não se ter oportunizado ao consumidor tomar conhecimento prévio do instrumento contratual – o que confi gura a primeira das hipóteses de incidência dos efeitos do art. 46 –, mas sim em decorrência da difícil compreensão do contrato.

Deve-se concluir, nesse ponto, que o recurso especial encontra-se defi cientemente fundamentado, razão pela qual seu conhecimento encontra óbice na Súmula n. 284-STF.

II – Da violação dos arts. 47, 52, V, e 54, § 3º e § 4º, do CDC. Necessidade

de revolvimento do conjunto fático-probatório e interpretação de cláusulas

contratuais (Súmulas n. 5 e n. 7, ambas do STJ)

A instituição fi nanceira recorrente alega que o acórdão recorrido teria violado os arts. 52, V, e 54, § 3º e § 4º, do CDC, porquanto as disposições contratuais, especialmente a referente à tarifa discutida, são legíveis e de fácil compreensão. Sustenta ainda que os consumidores são informados adequadamente acerca da “soma total a pagar, com e sem fi nanciamento”, tal como exige o art. 52, V, do CDC. Alega que, tratando-se “de cláusula clara, que

estabelece a cobrança de tarifa pelo fornecimento de boleto bancário”, não há

que se falar em aplicação do art. 47 do CDC à espécie.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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O TJ-RJ, por sua vez, soberano na apreciação fática, concluiu que (i) “não

há redação clara e com caracteres ostensivos e legíveis, bem como as cláusulas

não se encontram redigidas com destaque que é necessário” (e-STJ fl . 541) e (ii)

que há “ausência de informação adequada a respeito da soma total a pagar, com

e sem fi nanciamento” (e-STJ fl . 542).

Assim, a única forma de viabilizar o conhecimento do presente recurso

seria alterar o decidido no acórdão impugnado, o que exigiria o reexame de fatos

e provas e a interpretação de cláusulas contratuais, situação vedada em recurso

especial pelas Súmulas n. 5 e n. 7, ambas do STJ.

III – Da abusividade da cobrança de Tarifa de Emissão de Boleto Bancário

(Violação dos arts. 47 e 51, IV, do CDC)

O recorrente alega que a cobrança de tarifa de emissão de boleto bancário,

além de não ter proibição legal, não pode ser caracterizada como prática

abusiva, pois, integrando o preço fi nal dos produtos, visa tão somente cobrir

os custos dos serviços prestados, especialmente com a contratação de outra

instituição bancária, in casu, o Unibanco, que fi ca responsável pela emissão,

remessa e processamento dos boletos e pelo recebimento dos pagamentos e

redirecionamento desses ao recorrente, que não possui rede bancária. Sustenta

que essa tarifa também objetiva compensar o risco de inadimplência inerente

a essa modalidade de pagamento, que é maior se comparado aos pagamentos

efetuados por desconto automático de conta corrente.

Aduz que impossibilitar ao recorrente a cobrança dessa tarifa importa em

interferência na sua esfera privada, “impedindo-o de cobrar preço justo pelos

serviços prestados a sua clientela” (e-STJ fl . 642), a quem, além do mais, assiste

à faculdade de escolher com qual fornecedor e qual produto quer contratar. Por

fi m, sustenta que, se fosse mesmo essa cobrança abusiva, a procura pelos seus

serviços não teria crescido tanto nos últimos anos.

O TJ-RJ, por sua vez, ao apreciar a controvérsia em apreço, concluiu que “a

cobrança perpetrada pela ré em face de seus clientes (consumidores) se encontra

eivada de abusividade, na medida em que repassa seus próprios custos aos

consumidores para os quais presta serviço” (e-STJ fl . 538), razão pela qual viola

os princípios da transparência, da boa-fé e da vulnerabilidade do consumidor.

É verdade que, em regra, os serviços prestados pelas entidades bancárias

são onerosos, sendo geralmente facultados a essas instituições estipularem

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 409

a cobrança de taxas e tarifas bancárias de seus clientes, dentro dos limites

estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, conforme preceitua o art. 4º,

IX, da Lei n. 4.595/1964.

Nesse sentido, dentro da sistemática de regulamentação do Conselho

Monetário Nacional, além da vedação expressa de cobrança por serviços tidos

como “essenciais” previstos no art. 2º da Resolução n. 3.518/2007, como o

fornecimento de cartão com função débito e a realização de até quatro saques

por mês, a mesma resolução, regulamentada por meio da Circular n. 3.371/2007,

institui a categoria dos serviços “prioritários”, que são passíveis de cobrança,

de modo que a cobrança de qualquer outra tarifa que não os previamente

discriminados depende de prévia e expressa autorização do Banco Central.

Em se tratando de Tarifa para Emissão de Boleto Bancário, cuja possibilidade

de cobrança é o cerne da controvérsia posta nos autos, o Banco Central, atento

à crescente prática operada pelas instituições bancárias e buscando inibi-la,

alterou, por meio da Resolução n. 3.693/2009, a redação do art. 1º da Resolução

n. 3.518/2007, que passou a prever expressamente a proibição da cobrança da

tarifa para ressarcimento “de despesas de emissão de boletos de cobrança, carnês

e assemelhados”.

Convém ressaltar, ademais, que a entidade representativa dos bancos

(Febraban), muito antes da entrada em vigor da Resolução n. 3.518/2007, houve

por bem recomendar em Carta-Circular (Comunicado FB-049/2002 disponível

no sítio http://www.febraban.org.br/Arquivo/Servicos/Dicasclientes/dicas2.asp

na rede mundial de computadores) não só a suspensão da cobrança da tarifa em

questão, mas a própria eliminação dessa tarifa das tabelas de preços de serviços

afi xados nas suas agências e postos de serviços, justifi cando sua decisão na

existência de tarifa interbancária “justamente para ressarcir os custos dos bancos

recebedores nesta prestação de serviços”.

Não obstante isso, ou seja, abstraindo-se a lógica regulamentar e analisando

a questão sob a ótica do direito do consumidor, não há, por diversos fundamentos,

como se prestigiar a prática adotada pela instituição bancária recorrente.

Em primeiro lugar, saliento que mencionado encargo tem como suporte de

incidência o simples fato de ter sido celebrado contrato de fi nanciamento entre

o banco e seus clientes e, como sustenta o recorrente, destina-se a reembolsar as

despesas feitas por ele com emissão, envio e processamento de boletos bancários,

ou, como na hipótese dos autos, com os custos de contratar outra instituição

fi nanceira para que com tais providências se ocupe.

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A tarifa bancária em comento é, portanto, uma consequência da prestação

de um serviço oneroso por parte da instituição bancária contratada – no

caso o Unibanco – em benefício do próprio recorrente. Não se destina, assim,

evidentemente, a remunerar um serviço prestado ao cliente, ou, em outras

palavras, a concretização de efetiva prestação de serviço aos consumidores (art.

3º, § 2º, do CDC), única hipótese em que poderia ser admitida sua cobrança.

Dessa forma, não é razoável que o consumidor seja obrigado a arcar com os

custos de serviço contratado entre o recorrente e outra instituição bancária, sem

que tenha qualquer participação nessa relação e sem que tenha se responsabilizado

pela remuneração de serviço que não contratou. Falta, portanto, causa à tarifa

bancária por pagamentos efetuados mediante boletos, pois ela diz respeito apenas

a despesas feitas pelo banco fi nanciador para facilitar o desempenho de sua

atividade profi ssional, não podendo ser suportada pelo consumidor.

Não bastasse isso, não há se olvidar da regra contida no art. 51, IV, do

CDC – dispositivo legal tido como violado –, que dispõe que são nulas de pleno

direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços

que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o

consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou

a equidade”.

Outro relevante fundamento decorre do fato de que sobre todo o boleto

bancário liquidado por meio do “sistema de liquidação interbancário nacional”

ocorre a incidência da chamada “tarifa interbancária”, consoante informações

divulgadas pelo Bacen na rede mundial de computadores (http://www.bcb.

gov.br/htms/spb/Diagnostico%20do%20Sistema%20de%20Pagamentos%20

de%20Varejo%20no%20Brasil.pdf ). Isso signifi ca que o serviço prestado por

meio do oferecimento de boleto bancário ao mutuário já é remunerado por

meio da tarifa interbancária, razão pela qual a cobrança de tarifa, ainda que sob

outra rubrica, mas que objetive remunerar o mesmo serviço – acobertando as

despesas de inerentes à operação de outorga de fi nanciamento –, caracteriza-

se como indevida e abusiva “dupla tarifação”, que importa em enriquecimento

sem causa e vantagem exagerada das instituições fi nanceiras em detrimento dos

consumidores. Outro não foi entendimento adotado por esta Corte por ocasião

do julgamento do REsp n. 794.752-MA, de relatoria do e. Min. Luis Felipe

Salomão (4ª Turma, DJe de 12.04.2010).

Ainda que no mais das vezes tal tarifa seja de pequeno valor mensal, o

certo é que não deixam de representar um encargo a mais sobre os ombros do

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consumidor, elevando sem justa causa o preço fi nal do produto ou serviço por

ele adquirido. E quanto menores os valores dos empréstimos, se pagos de forma

parcelada, com a emissão de tantos boletos quantas forem as prestações, no fi nal,

mais próximo será o valor despendido com o pagamento de tarifa de emissões

de boleto do montante a ser pago pelo mutuário ao banco.

Quanto mais não fosse, perfeitamente aplicável à hipótese o disposto

no art. 39, do CDC, que caracteriza como prática abusiva “condicionar o

fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou

serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”.

Por derradeiro e não menos importante, há de se consignar que a cobrança

de tarifa pelo pagamento de uma conta ou serviço mediante boleto bancário

signifi ca cobrar para emitir recibo de quitação, o que é dever do credor que por

ela não pode nada solicitar, além de aceitar que o direito à quitação pode ser

condicionado ao pagamento de quantia em dinheiro. Isso porque o devedor

tem, conforme dispõe o art. 319 do CC/2002 (art. 939 do CC/1916), “direito

a quitação regular”, podendo “reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada”.

Dessarte, considerando-se que a expedição de boleto de pagamento é

ônus da instituição fi nanceira, não se podendo o seu custo ser transferido ao

fi nanciado, e que assim o fazendo, acarretará “dupla tarifação” e, por consequência,

enriquecimento sem causa do banco, conclui-se que a cláusula que estabelece a

cobrança de tarifas de emissão de boleto bancário, incidente na outorga do

fi nanciamento, é nula de pleno direito, por se confi gurar obrigação iníqua e

abusiva na medida em que coloca o consumidor em desvantagem exagerada,

proclamando, ainda, fl agrante ofensa à boa-fé e à equidade contratual, conforme

o disposto no art. 51, IV, do CDC.

A respeito do tema, houve manifestação desta Corte, por ocasião da

apreciação do REsp n. 794.752-MA, de relatoria do e. Min. Luis Felipe Salomão

(4ª Turma, DJe de 12.04.2010), nos seguintes termos:

Civil e Processual Civil. Ação civil pública. Ministério Público do Estado do Maranhão. Legitimidade. Ilegalidade da cobrança de tarifa sob emissão de boleto bancário.

1. O Tribunal a quo manifestou-se acerca de todas as questões relevantes para a solução da controvérsia, tal como lhe fora posta e submetida. Não cabe alegação de violação do artigo 535 do CPC, quando a Corte de origem aprecia a questão de maneira fundamentada, apenas não adotando a tese da recorrente. Precedentes.

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2. A falta de prequestionamento em relação aos arts. 4°, 9°, 10 e 11, da Lei n. 4.595/1964, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula n. 211-STJ.

3. Portarias, circulares e resoluções não se encontram inseridas no conceito de lei federal para o efeito de interposição deste apelo nobre. Precedentes.

4. Não se verifi ca a alegada vulneração dos artigos 458 do Código de Processo Civil, porquanto a Corte local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas.

5. A presente ação civil pública foi proposta com base nos “interesses individuais homogêneos” do consumidores/usuários do serviço bancário, tutelados pela Lei n. 8.078, em seu art. 81, parágrafo único, inciso III, ou seja, aqueles entendidos como decorrentes de origem comum, consoante demonstrado pelo Tribunal de origem, motivo pelo qual não há falar em falta de legitimação do Ministério Público para propor a ação.

6. A relação jurídica existente entre o contratante/usuário de serviços bancários e a instituição fi nanceira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme decidiu a Suprema Corte na ADI n. 2.591. Precedentes.

7. Sendo os serviços prestados pelo Banco remunerados pela tarifa interbancária, conforme referido pelo Tribunal de origem, a cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento mediante boleto/fi cha de compensação constitui enriquecimento sem causa por parte das instituições fi nanceira, pois há “dupla remuneração” pelo mesmo serviço, importando em vantagem exagerada dos Bancos em detrimento dos consumidores, razão pela qual abusiva a cobrança da tarifa, nos termos do art. 39, V, do CDC c.c. art. 51, § 1°, I e III, do CDC.

8. O pedido de indenização pelos valores pagos em razão da cobrança de emissão de boleto bancário, seja de forma simples, seja em dobro, não é cabível, tendo em vista que a presente ação civil pública busca a proteção dos interesses individuais homogêneos de caráter indivisível.

9. A multa cominatória, em caso de descumprimento da obrigação de não fazer, deverá ser destinada ao Fundo indicado pelo Ministério Público, nos termos do art. 13 da Lei n. 7.347/1985, uma vez que não é possível determinar a quantidade de consumidores lesados pela cobrança indevida da tarifa sob a emissão de boleto bancário.

10. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos.

IV – Da repetição do indébito em dobro (Ofensa ao art. 42 CDC)

Por fi m, caracterizada de modo inequívoco a abusividade na cobrança

da tarifa para emissão de boleto bancário e, com isso, a obrigação do banco

recorrente de restituir os valores indevidamente recebidos, há de se determinar

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se a devolução se dará de forma simples, como pretende o recorrente, ou dupla,

como determinado pelo Tribunal de origem.

Nesse ponto, alega a instituição bancária recorrente que esta Corte tem

entendimento consolidado no sentido de que a devolução em dobro está

condicionada à verifi cação de má-fé, razão pela qual requer a restituição na

forma simples, haja vista que nos autos a má-fé não restou comprovada.

O acórdão recorrido, por sua vez, para justifi car a negativa ao indébito

em dobro, entendeu por afastar a ocorrência de engano justificável, sob o

fundamento de que “não se pode considerar engano injustifi cável a atitude

do credor que visando maior ganho onere o consumidor com uma despesa

desnecessária, pois a regra geral do mercado é que as tarifas, que já possibilitam

aos bancos um ganho sufi ciente para pagar sua folha de pagamento como

noticiou em passado próximo a imprensa, são debitados na conta corrente”

(e-STJ fl . 621).

Com efeito, “o entendimento dominante neste STJ é no sentido de admitir

a repetição do indébito na forma simples, e não em dobro, salvo provada má-fé”

(AgRg no Ag n. 570.214-MG, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 28.04.2004).

Nesse sentido, vejam-se ainda os seguintes precedentes: REsp n. 453.782-RS,

4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 24.02.2003 e REsp n.

647.838-RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Norinha, DJ de 06.06.2005.

Contudo, na hipótese dos autos, o acórdão recorrido não decidiu acerca

dos argumentos invocados pelo recorrente em seu recurso especial quanto ao art.

42 do CDC (ausência de má-fé), o que inviabiliza o seu julgamento, atraindo, à

espécie, a aplicação da Súmula n. 282-STF.

Forte nessas razões, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte,

nego-lhe provimento.

É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Senhor Presidente, como

relatado, trata-se de recurso especial interposto por Dibens Leasing S.A. contra

acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em ação civil

pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, manteve

a sentença de procedência do pedido para declarar a abusividade da prática

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adotada pelo banco réu relativa a cobrança de emissão de boleto e, em consequência,

condenou o réu a restituição do indébito de forma composta (art. 42, parágrafo

único, do CDC).

Em seu apelo excepcional, informa o recorrente que:

(...)

A cobrança da referida tarifa é resultado dos custos relacionados com a emissão, impressão e envio do boleto ao cliente, custos esses que não seriam incorridos na hipótese, por exemplo, de pagamento por meio de débito em conta corrente.

Diga-se, ainda, que o Banco Dibens S/A não possui rede bancária, o que signifi ca que, para emitir os referidos boleto, é necessário contratar uma instituição fi nanceira, que não apenas providenciará a emissão dos documentos, mas receberá os pagamentos e os redicionará ao recorrente. No caso, a instituição contratada é o Unibanco - União de Bancos Brasileiros S/A, que, a despeito de pertencer ao mesmo grupo econômico do recorrente, não pode prestar quaisquer serviços sem a devida remuneração.

Nessa perspectiva, a esse ponto é fundamental para a compreensão da controvérsia, verifica-se que a Tarifa de Emissão de Boleto Bancário integra a remuneração cobrada pelas empresas fi nanceiras (e, em especial, pelo Recorrente) para a concessão de seus empréstimos e, como tal, é parte integrante da estratégia mercadológica de cada empresa. Em outras palavras, a tarifa para emissão de boleto bancário integra o “preço” dos empréstimos e fi nanciamento.

Com efeito, a remuneração dos empréstimos concedidos pelas instituições fi nanceiras não se dá apenas pelos juros, mas pela combinação de juros com tarifas (...) (fl . 62 - grifou-se).

Alega violação dos artigos 46, 47, 52, inciso V, 51, inciso IV, e 54, parágrafos 3º e 4º, do CDC, sustentando as seguintes teses: a tarifa refl ete um custo incorrido pelo banco e um serviço efetivamente prestado ao cliente; não existe norma legal que vede a cobrança da tarifa, e o consumidor tem ciência de que a cobrança será realizada em caso de opção pela emissão de boleto bancário.

Inconforma-se, ainda, quanto à condenação à repetição dobrada a que se refere o parágrafo único do artigo 42 do CDC, aduzindo que a cobrança, amparada em normatização regulamentar do Conselho Monetário Central, confi gura “engano justifi cável” a amparar a devolução de forma simples.

Em memorial, o recorrente reafi rma a legalidade da cobrança da tarifa, estabelecendo uma cronologia da normatização no âmbito do CMN, entre 25.07.1996 e 26.03.2009, bem como a impossibilidade de repetição de forma

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dobrada, à míngua de existência de má-fé na cobrança, haja vista a existência de regulação específi ca.

Na sessão do dia 02 de agosto de 2011, após o voto da eminente Ministra Nancy Andrighi, que conheceu parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negou provimento, no que foi acompanhada pelos Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino, pedi vista para melhor compreensão da controvérsia.

Peço vênia à ilustre relatora para tecer algumas considerações.

De início, não obstante as informações e os esclarecimentos trazidos no memorial em favor do recorrente, mormente quanto à normatização regulamentar do CMN e do Banco Central e a sua relação com as regras de proteção ao consumidor, ressalta-se que o especial é um recurso de fundamentação vinculada, no qual o efeito translativo se opera, tão-somente, nos termos do que foi impugnado.

Assim, passo à análise da pretensão recursal, nos limites em que posta.

O egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 2.591, em 07.06.2006, que confi rmou a constitucionalidade do artigo 3°, parágrafo 2°, da Lei n. 8.078/1990 em relação aos “serviços de natureza bancária”, pôs fi m à controvérsia a respeito da relação jurídica entre o contratante/usuário de serviços bancários e a instituição fi nanceira, fi rme no entendimento de que a matéria deve ser disciplinada e interpretada de acordo com o Código de Defesa do Consumidor.

É o que se extrai de parte do elucidativo voto do eminente Ministro Carlos Velloso, que ora se transcreve:

(...)

Tal como entende o eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, no parecer que ofereceu, “pela Lei n. 8.078 não se criam atribuições peculiares ao mercado e às instituições fi nanceiras; as normas ali insculpidas não dizem respeito, absolutamente, à regulação do Sistema Financeiro, mas à proteção e defesa do consumidor, pressuposto de observância obrigatória por todos os operadores do mercado de consumo - até mesmo pelas instituições fi nanceiras”.

(...)

Não há, pois, invasão de competência alguma; mostra-se perfeitamente possível a coexistência entre a lei complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional e o Código a que devam sujeitar-se as instituições bancárias, fi nanceiras, de crédito e de seguros, como todos os demais fornecedores, em suas relações com os consumidores.

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De mais a mais, inúmeros outros diplomas legais, de índole ordinária, acabam por criar, de alguma forma “atribuições” para as instituições financeiras: a legislação do imposto sobre a renda, a legislação previdenciária, a trabalhista, a societária. Logo, não seria sequer sensato que os integrantes do Sistema Financeiro Nacional, pelo só fato de terem suas atividades reguladas por lei complementar e fi scalizada por um banco central, postulassem eximir-se do dever de obediência às demais leis do País.

(...)

De outro lado, a existência de um Código de Defesa do Consumidor, com incidência nas relações entre instituições fi nanceiras e consumidores, não subtrai ao Banco Central o ônus de disciplinar a prestação de serviços bancários a clientes e ao público em geral, como previsto na legislação pertinente.

(...)

É que o Código do Consumidor não interfere com a estrutura institucional do Sistema Financeiro Nacional. Esta, sim, será regulada por lei complementar - CF, art. 192 (...) Da mesma forma (...) também não se pode afi rmar que os direitos dos consumidores de produtos financeiros e serviços bancários estariam inscritos no citado art. 192 e incisos da Constituição Federal.

(...)

Esse é, exatamente, o ponto: os direitos dos consumidores de produtos fi nanceiros e serviços bancários, bem como os meios para seu reconhecimento, não são disciplinados, nem poderiam ser, na lei que hoje regula o Sistema Financeiro Nacional porque semelhante encargo compete, de modo inequívoco, ao Código de Defesa do Consumidor (...).

Nem mesmo a decantada relação estreita das instituições financeiras com a política monetária adotada no País, vale salientar - idêntica, de resto, à vinculação experimentada por quem quer que explore atividade econômica - constitui fundamento bastante para desobrigá-las da submissão às regras do mercado de consumo.

(...) (grifou-se).

Tal entendimento restou cristalizado nesta Corte Superior, nos termos da

Súmula n. 297: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições

fi nanceiras”.

Posto isso, quanto à tarifa em questão, não se desconhece que se constitui

em exigência não deferida ou legalizada expressamente em nenhum ato ou

texto normativo, da mesma forma que não existe previsão legal para sua

inexigibilidade.

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Com efeito, embora a taxa de emissão de boleto de cobrança não estivesse

vedada desde a Resolução n. 2.303/1996 - até à Resolução n. 3.693/2009, como

afi rma o recorrente -, não é crível a premissa de que as instituições bancárias

podem arbitrar e repassar ao consumidor qualquer ônus, pois, como dito, as

atividades de natureza bancária são regidas pelo CDC, e, portanto, devem

respeitar um mínimo de razoabilidade na relação contratual.

O consumidor não pode ser impelido a arcar com o gasto de serviço

contratado entre instituições bancárias, sem que tenha possibilidade de excluir

sua participação nessa relação. Se o serviço é prestado através de contrato

realizado entre a instituição bancária e um fornecedor (Unibanco), não tem o

consumidor qualquer participação no negócio.

Assim, deve ser aplicado o entendimento de que somente pode ser exigido

do consumidor o pagamento do débito contraído ou do serviço contratado e,

no caso de atraso do pagamento, os juros de mora e demais encargos legais, mas

nunca as “hidden taxes” (taxas ocultas).

Outra não é a letra do artigo 325 do Código Civil:

Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação; se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida.

Ressalta-se, ainda, por pertinente, que a Resolução CMN n. 3.518, de

26.07.2007, determinava:

Art. 1º A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições fi nanceiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deve estar prevista no contrato fi rmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.

Parágrafo único. Para efeito desta resolução:

(...)

III - não se caracteriza como tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes de prestação de serviços por terceiros, podendo seu valor ser cobrado desde que devidamente explicitado no contrato de operação de crédito ou de arrendamento mercantil.

(...).

Não bastasse, a própria Febraban, da qual o recorrente é associado, já havia

enviado o Comunicado FB n. 049/2002 aos bancos, nos seguintes termos:

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Face a continuidade de inúmeras ocorrências e reclamações - ao Banco Central, Procons e à Federação - a respeito da cobrança de tarifa aos clientes ou usuários que apresentem para pagamento bloquetos de outros bancos relativos a títulos em cobrança, conhecida como “tarifa do sacado”, a Diretoria Executiva, reunida em 20.03.2002, e o Conselho Diretor, nesta data, decidiram recomendar aos bancos que reforcem sua orientação no sentido de:

1.1. suspender a cobrança desse serviço;

1.2. eliminar essa tarifa das tabelas de preços de serviços afi xadas nas suas agências e postos de serviços.

2. Tal recomendação - já constante da Circular FB-058/2000, de 25.05.2000, que reiterava o contido nas Circulares FB-168/99, FB-385/97 e Carta-Circular BAG-70.318, de 22.05.1997 - tem por base o fato de:

2.1. já existir Tarifa Interbancária, criada - por protocolo assinado em 27.06.1995, pela Febraban, Asbace, Abbi, Abbc e o Banco do Brasil, como Executante do Serviço de Compensação - justamente para ressarcir os custos dos bancos recebedores nesta prestação de serviços;

(...).

Portanto, os serviços prestados pelo banco já eram remunerados através

da “tarifa interbancária”, confi gurando a cobrança de tarifa dos consumidores

pelo pagamento mediante boleto/fi cha de compensação em enriquecimento

sem causa por parte da instituição financeira, pois estava havendo “dupla

remuneração” pelo mesmo serviço, importando, em consequência, vantagem

exagerada a favor dos bancos em detrimento dos consumidores.

Ao que se tem, portanto, cabe ao consumidor apenas o pagamento

da prestação que assumiu junto ao seu credor, não sendo razoável que seja

responsabilizado pela remuneração de serviço com o qual não se obrigou, mas

lhe é imposto como condição para quitar a fatura recebida, seja em relação a

terceiro, seja do próprio banco.

De fato, importando a referida prática em vantagem exagerada em prejuízo

dos consumidores, é de se ter como abusiva a cobrança da tarifa pela emissão do

boleto bancário (art. 51, IV, do CDC).

A bem ilustrar esta tese, o seguinte precedente da eg. Quarta Turma:

Civil e Processual Civil. Ação civil pública. Ministério Público do Estado do Maranhão. Legitimidade. Ilegalidade da cobrança de tarifa sob emissão de boleto bancário.

(...)

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6. A relação jurídica existente entre o contratante/usuário de serviços bancários e a instituição fi nanceira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme decidiu a Suprema Corte na ADI n. 2.591. Precedentes.

7. Sendo os serviços prestados pelo Banco remunerados pela tarifa interbancária, conforme referido pelo Tribunal de origem, a cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento mediante boleto/fi cha de compensação constitui enriquecimento sem causa por parte das instituições fi nanceira, pois há “dupla remuneração” pelo mesmo serviço, importando em vantagem exagerada dos Bancos em detrimento dos consumidores, razão pela qual abusiva a cobrança da tarifa, nos termos do art. 39, V, do CDC c.c. art. 51, § 1°, I e III, do CDC.

(...)

10. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos (REsp n. 794.752-MA, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16.03.2010, DJe 12.04.2010, RSTJ vol. 218, p. 408 - grifou-se).

No tocante à apontada violação do art. 42 do Código de Defesa do

Consumidor, a insurgência recursal cinge-se ao argumento de que, para a

condenação à devolução do indébito em dobro, indispensável a verifi cação da

má-fé do credor.

Verifi ca-se que, contudo, a matéria versada não foi objeto de debate pelas

instâncias ordinárias sob o enfoque pretendido pelo recorrente, sequer de modo

implícito, e não foram opostos embargos de declaração com a fi nalidade de

sanar omissão porventura existente. Por esse motivo, ausente o requisito do

prequestionamento, incide o disposto na Súmula n. 282 do STF: “É inadmissível

o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão

federal suscitada”.

De qualquer sorte, registre-se que a jurisprudência desta Corte tem

evoluído no sentido de considerar devida a repetição em dobro do indébito tanto

nas hipóteses de má-fé quanto nos casos de culpa (imprudência, negligência e

imperícia).

Nesse sentido:

Processual Civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Ofensa ao art. 535 do CPC não confi gurada. Omissão. Inexistência. Serviço de telefonia. Cobrança indevida. Devolução em dobro. Art. 42, parágrafo único, do CDC. Engano justifi cável. Não-confi guração. Juros de mora. Obrigação ilíquida. Dies a quo. Citação válida. Correção monetária. Termo inicial. Pagamento indevido.

1. (...)

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2. Em memoriais, a agravante insiste na tese de que a incidência do art. 42, parágrafo único, do CDC depende da confi guração da má-fé do fornecedor.

3. O STJ fi rmou a orientação de que tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição do fornecedor do produto na restituição em dobro.

4. Descaracterizado o erro justificável, devem ser restituídos em dobro os valores pagos indevidamente.

5. (...)

6. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no Ag n. 1.344.906-MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17.02.2011, DJe 15.03.2011).

Recurso especial. Processual Civil. Administrativo. Tarifa de água e esgoto. Cobrança indevida. Culpa da concessionária. Restituição em dobro.

(...)

4. Interpretando o disposto no art. 42, parágrafo único, do CDC, as Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte de Justiça fi rmaram orientação no sentido de que “o engano, na cobrança indevida, só é justifi cável quando não decorrer de dolo (má-fé) ou culpa na conduta do fornecedor do serviço” (REsp n. 1.079.064-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 20.04.2009). Ademais, “basta a culpa para a incidência de referido dispositivo, que só é afastado mediante a ocorrência de engano justifi cável por parte do fornecedor” (REsp n. 1.085.947-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 12.11.2008). Destarte, o engano somente é considerado justifi cável quando não decorrer de dolo ou culpa.

5. Na hipótese dos autos, a Corte de origem concluiu que estava caracterizada a culpa da concessionária na cobrança indevida da tarifa de água e esgoto, não sendo, portanto, razoável falar em engano justifi cável.

6. A apreciação dos critérios necessários à descaracterização do dolo, da culpa ou da má-fé da concessionária, conforme previsto no art. 42, parágrafo único, do CDC, enseja indispensável análise das circunstâncias fático-probatórias constantes dos autos, cujo reexame é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 7-STJ.

7. Recurso especial desprovido.

(REsp n. 1.115.741-RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 03.11.2009, DJe 24.11.2009).

Nesse contexto, irrepreensível o Tribunal de origem, que concluiu pela

condenação à repetição em dobro, amparado na ausência de engano justifi cável

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 421

do fornecedor, sob o fundamento de que “não se pode considerar como engano

justifi cável uma atitude que deve ser considerada abusiva e ilícita, realizada de

forma consciente” (e-STJ fl . 622).

Ante o exposto, acompanho a eminente Ministra Relatora, negando

provimento ao recurso especial.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Presidente): Srs. Ministros, eu havia

recebido o voto disponibilizado pela eminente Relatora, e prestei muita

atenção na sustentação do eminente Advogado. Eu estava até imaginando essa

questão da colidência das normas do Código de Defesa do Consumidor com as

instruções normativas do Conselho Monetário Nacional, mas Sua Excelência,

a Sra. Ministra Relatora, eliminou qualquer dúvida ao longo do seu bem

elaborado voto quando disse que, na verdade, houve uma resolução posterior,

do próprio Conselho Monetário Nacional, que acabou, vamos dizer, pondo por

terra essa afi rmação, e uma recomendação da própria Febraban no sentido de

não se admitir essa prática.

De maneira que acompanho integralmente o voto de Sua Excelência, no

sentido de conhecer parcialmente do recurso especial, e, nessa parte, negar-lhe

provimento, cumprimentando o Advogado pela sustentação.

RECURSO ESPECIAL N. 1.259.020-SP (2010/0134557-7)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Securinvest Holdings S/A

Advogados: Sergio Ronaldo Sahione Fadel e outro(s)

Antônio Augusto Gonçalves Tavares e outro(s)

Marcelo Fadel e outro(s)

Recorrido: Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda. - massa falida

Advogados: Afonso Henrique Alves Braga - síndico

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

422

Rodrigo Kaysserlian

Antônio Rulli Neto e outro(s)

Angelino Ruiz

Rodrigo Campos

EMENTA

Processo Civil. Falência. Extensão de efeitos. Sociedades

coligadas. Possibilidade. Ação autônoma. Desnecessidade. Decisão

“inaudita altera parte”. Viabilidade. Recurso improvido.

1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em

torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios

formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio

de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder

Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios

efi cazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando

os envolvidos.

2. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de

sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verifi cando

claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para

desvio patrimonial. Não há nulidade no exercício diferido do direito

de defesa nessas hipóteses.

3. A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser

feita independentemente da instauração de processo autônomo. A

verifi cação da existência de coligação entre sociedades pode ser feita

com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva infl uência

de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de

se constatar a existência de participação no capital social.

4. Na hipótese de fraude para desvio de patrimônio de sociedade

falida, em prejuízo da massa de credores, perpetrada mediante a

utilização de complexas formas societárias, é possível utilizar a técnica

da desconsideração da personalidade jurídica com nova roupagem, de

modo a atingir o patrimônio de todos os envolvidos.

5. Recurso especial não provido.

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 423

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao

recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs.

Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo

Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr. Marcelo Fadel,

pela parte recorrente: Securinvest Holdings S/A. Dr. Rodrigo Kaysserlian, pela

parte recorrida: Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda.

Brasília (DF), 09 de agosto de 2011 (data do julgamento).

Ministra Nancy Andrighi, Relatora

DJe 28.10.2011

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Trata-se de recuro especial interposto

por Securinvest Holdings S/A, para impugnação de acórdão exarado pelo TJ-SP

no julgamento de agravo de instrumento.

Ação: de falência da sociedade Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda.

Em 20 de julho de 2007, o síndico requereu a extensão dos efeitos da

falência da sociedade Petroforte a uma série de empresas, discriminadas no

requerimento apresentado (fl s. 74 a 115, e-STJ), a saber: River South S.A.,

Vultee Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros, Securinvest

Holdings S.A., Turvo Participações S.A., Agroindustrial Espírito Santo do

Turvo Ltda., Kiaparack Participações e Serviços Ltda., MT&T Prestação

de Serviços em Envasamento Ltda., All Sugar International Inc (off -shore),

Red Cloud Ltda. (off -shore), Blue Snow Holdings Inc (off -shore) e Real Sugar

Corporation (off -shore), além de uma série de pessoas naturais, a saber: Carlos

Masetti Junior, Carlos Masetti Neto, Ida Tufano, Francisco Bosque Neto,

Watson Gonçalves, Fernando Masetti, Wellengton Carlos de Campos, Myriam

Nívea de Andrade Ortolan e Maria Isabel Quintino Nicotero Pestana.

O motivo seria o de que todas elas teriam participado de diversas operações

realizadas com o intuito de desviar bens da massa falida. Especifi camente com

relação à recorrente Securinvest, o síndico argumenta que ela teria ativamente

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424

participado, juntamente com as sociedades Rural Leasing Arrendamento

Mercantil e Sobar S/A Álcool e Derivados, de operações societárias destinadas

a desviar entre outros bens, uma valiosa usina de açúcar e álcool, em 22 de

agosto de 2000.

Decisão: deferiu o pedido de extensão dos efeitos da quebra (fl s. 116 a

117, e-STJ).

Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela

Securinvest, nos termos da seguinte ementa (fl s. 297 a 305, e-STJ):

Falência. Petroforte. Extensão dos efeitos de sua quebra à agravante nos autos da falência. Admissibilidade. Possibilidade de defesa por meio de recurso. Nulidade inexistente. Recurso desprovido.

Falência. Petroforte. Extensão dos efeitos de sua quebra à agravante. Cabimento. Desvio de fi nalidade social e abuso de personalidade jurídica da sociedade. Transferências sucessivas de bens para mantê-los fora do alcance da justiça. Recurso desprovido.

Embargos de declaração: interpostos (fl s. 307 a 316), foram rejeitados (fl s.

318 a 320, e-STJ).

Recurso especial: interposto com fundamento nas alíneas a e c do

permissivo constitucional (fl s. 357 a 426, e-STJ). Alega-se violação dos arts.

165, 213, 458 e 535 do CPC, além dos arts. 82 da Lei n. 11.101/2005, 6º, 11, 12,

52 e 53 do DL n. 7.661/1945 e 50 do CC/2002.

Recurso extraordinário: interposto (fl s. 322 a 342, e-STJ).

Admissibilidade: o TJ-SP negou seguimento ao recurso especial, por

decisão do i. Des. Presidente da Seção de Direito Privado, Luiz Antônio

Rodrigues da Silva, motivando a interposição do Ag n. 1.335.918-SP, por mim

convertido em recurso especial para imediato julgamento.

Medida cautelar: ajuizada objetivando a concessão de efeito suspensivo

ao recurso especial, distribuída à minha relatoria sob o número MC n. 15.526-

SP. A medida liminar foi inicialmente deferida, pelo colegiado, nos termos da

seguinte ementa:

Processo Civil. Medida cautelar visando a obter antecipação de tutela em recurso especial ainda não sujeito a exame de admissibilidade. Direito Civil e Comercial. Extensão de falência a sociedade que supostamente integraria o grupo econômico da falida. Incerteza acerca da existência de liame societário

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 425

entre a empresa falida, e a empresa a quem a falência se estendeu. Deferimento da liminar, “ad cautelam”, determinando-se o esclarecimento, pela requerente, de sua cadeia societária, com a reapreciação da matéria em 15 dias.

- Ao permitir a extensão da falência mediante procedimento incidental, o STJ teve em mira as hipóteses em que há vínculo societário. Sem ele, não há como atingir, mediante a desconsideração, o patrimônio de terceiro alheio ao grupo econômico.

- A dúvida quanto ao grupo econômico a que pertence a requerente recomenda que, inicialmente, o seu direito seja acautelado. Contudo, esta medida não pode se estender indefi nidamente. A indefi nição que paira, sobre o tema, deve ser esclarecida.

- É necessário que a requerente não se limite a dizer quem não participa de seu capital social. Para eliminar os impasses quanto à questão, deve indicar quem dele efetivamente participa.

Medida liminar deferida provisoriamente, concedendo-se a requerente o prazo de 15 dias para esclarecer a cadeia societária que integra, com o retorno dos autos à conclusão para ratifi cação ou revogação da liminar concedida.

Essa medida liminar, concedida em caráter temporário, foi posteriormente

ratifi cada por mim nos autos da medida cautelar.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a lide a estabelecer

se é possível estender os efeitos da falência de uma empresa a outra, por decisão

incidentalmente proferida, sem a oitiva da interessada, na hipótese em que

não há vínculo societário direto entre as empresas, mas em que há suspeita de

realização de operações societárias para desvio de patrimônio da falida nos anos

anteriores à quebra, inclusive com a constituição de sociedades empresárias

conjuntas para esse fi m.

I – Histórico da alegada fraude

Para compreensão da lide, é necessário descrever, antes de mais nada,

no que consistem as fraudes que a massa falida alega terem sido cometidas,

justifi cando a desconsideração da personalidade jurídica e extensão dos efeitos

da falência a uma série de empresas e pessoas físicas.

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Segundo afi rma o síndico, uma série de operações societárias foi montada

para desvio de bens da massa falida, notadamente os bens da sociedade Sobar

S/A – Álcool e Derivados, do grupo Petroforte. A fraude consistiria na seguinte

operação, utilizando-se as palavras do acórdão recorrido:

Os autos indicam que entre a Rural Leasing e a Sobar foi celebrado contrato de arrendamento mercantil, na modalidade “lease back”. Para instrumentalização do negócio, a Sobar transmitiu à Rural Leasing a propriedade do imóvel (por escritura aparentemente não registrada no Registro de Imóveis competente) e dos equipamentos nele instalados. Alegadamente inadimplido o contrato, a arrendadora ajuizou ação de rescisão, obtendo posteriormente sua reintegração na posse dos bens arrendados.

Entrementes, a Rural Leasing cedeu seus direitos creditórios, oriundos do mesmo contrato de arrendamento mercantil, à ora agravante, “Securinvest Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros”, que por seu turno integralizou, com os bens objeto do leasing (e não com os direitos creditórios de que era cessionária), ações destinadas ao aumento do capital social de “Turvo Participações S.A.”, que posteriormente os arrendou a “Agroindustrial Espírito Santo do Turvo”.

Consta ainda a existência de um “contrato particular de compra e venda de universalidade de bens” pelo qual a “Turvo Participações S.A. alienou os mesmos bens a “Kiaparack Participações e Serviços Ltda.”, que por seu turno os teria arrendado (novamente...) a “Agroindustrial Espírito Santo do Turvo”.

A mesma operação é descrita com mais detalhes pela recorrente, no agravo

de instrumento que deu origem a este recurso especial (fl s. 46 a 65). A descrição

da recorrente, contudo, objetiva naturalmente fazer crer ao julgador que todo o

processo foi revestido de legalidade:

Não é demais relembrar que em 22 de agosto de 2000, a sociedade Rural Leasing realizou com Sobar S.A. – Álcool e Derivados uma operação de crédito revestida de toda legalidade, no caso um lease back. Por força da referida operação, a Rural Leasing adquiriu da Sobar o terreno, as construções nele erguidas e todas as máquinas e equipamentos empregados na atividade industrial. Ato contínuo os arrendou através de contrato de arrendamento mercantil. Tudo dentro da mais rigorosa legalidade, repita-se. Comprove-se pelos documentos que estão nos autos que por força da operação a Rural leasing efetivamente entregou à vendedora a importância de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais), no caso o preço do negócio.

De seu lado, a arrendatária se obrigou a pagar à arrendante 42 (quarenta e duas) parcelas mensais, iguais e consecutivas, no valor de R$ 328.907,32, pelo

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 427

arrendamento e R$ 187.320,79, pela antecipação do valor residual garantido. Em razão do inadimplemento parcial as partes celebraram instrumento de aditamento e re-ratifi cação do contrato de arrendamento mercantil ajustando que a dívida seria agora resgatada em 37 parcelas mensais e sucessivas de R$ 655.823,05, a partir de 22 de outubro de 2001. Diante do novo inadimplemento a Rural Leasing promoveu em face da Sobar a competente ação de rescisão contratual (2ª vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo – doc. Junto).

Uma vez cumprida a reintegração na posse dos bens objeto do arrendamento as partes em 07 de junho de 2002, celebraram novo acordo eis que não era interesse da Rural Leasing ter a posse dos bens. Pelos termos do acordo, seriam pagos R$ 24.135.318,80 em 82 (oitenta e duas) parcelas mensais e consecutivas sendo a primeira em 25 de junho de 2002. Diante do reiterado descumprimento dos ajustes, a arrendante se reintegrou na posse do imóvel em 04 de abril de 2003, tudo conforme objeto do acordo. Foi quando a Agravante adquiriru os direitos junto à Rural Leasing que não tinha interesse ou em seu objeto a administração do acerca de bens.

Esse foi o procedimento mediante o qual a Securinvest adquiriu os bens

pertencentes à Sobar, do grupo Petroforte.

Para o síndico, a operação empreendida se enquadrava em um contexto

rotineiro, escancarando um método seguidamente adotado pelo Grupo

Petroforte e pelo Grupo Rural para fraudar credores das empresas em situação

pré-falimentar. Com efeito, na petição que deu origem a todo este incidente, o

síndico pondera que:

As operações são sempre as mesmas: as empresas e os sócios do Grupo Econômico da Petroforte contraem dívidas – geralmente com o Rural Leasing ou com o Banco Rural – como não são pagas, são movidas ações judiciais que nem sequer chegam à segunda instância. Daí se obtém uma sentença judicial, ora condenatória, ora homologatória de acordo entre as partes e, como consequência, os bens dados em garantia são transmitidos aos “credores” – empresas do Grupo Rural. Ato contínuo, aparece a Securinvest que subroga-se na dívida e os bens são rapidamente repassados a terceiros ou outras empresas dos mesmos Grupos Econômicos.

Ainda segundo o síndico, no caso específico da Sobar, para além da

reintegração judicial dos bens controvertidos, a operação de desvio teria

sido complementada da seguinte forma: os antigos proprietários da Sobar

constituíram uma sociedade chamada River South S.A. Essa empresa associou-

se à Securinvest para a constituição de uma terceira sociedade, chamada Turvo

Participações Ltda. A Securinvest teria utilizado o patrimônio que recebeu da

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Sobar para integralizar suas quotas na Turvo Participações, na qual detinha 51%

do capital social. Os outros 49% seriam da River South, integrante do Grupo

Petroforte. Posteriormente, a Turvo Participações alienou os bens que lhe foram

transferidos a uma outra sociedade, denominada Kiaparak Participações e Serviços

Ltda., também supostamente do Grupo Rural e os bens teriam, então, sido

arrendados a uma nova sociedade, Agroindustrial Espírito Santo do Turvo Ltda.,

sociedade empresária cujos sócios são duas off -shores sediadas nas Ilhas Virgens

Britânicas: All Sugar International e Real Sugar Corporation, ambas, segundo o

Síndico, do Grupo Rural.

Ou seja: uma cadeia de operações societárias teria sido preparada, segundo

o síndico, de modo a tentar criar uma veste de legalidade para a transferência

dos bens. Durante a criação dessa cadeia, empresas do Grupo Rural teriam se

associado com a Securinvest, criando, entre eles, signifi cativo vínculo societário.

Além disso, haveria, sempre segundo o síndico, grande intercâmbio entre

os grupos econômicos Rural e Petroforte. Afi rma-se que “nos autos da ação

falimentar da Petroforte existem diversos documentos que comprovam a

interferência direta na administração das empresas relacionadas no parágrafo

anterior [do grupo Petroforte por pessoas que são funcionários do Grupo

Rural”. Toda a operação teria sido escancarada em uma ação declaratória de

nulidade de ato jurídico proposta pela River South em face de Vultee, Securinvest

e Carlos Masetti, na qual farta documentação acerca de tudo teria sido juntada.

Também se afi rma, por fi m, que a própria Securinvest, cujos sócios são duas

empresas sediadas em paraíso fi scal, seria, mediatamente, integrante do Grupo

Rural.

É dentro desse panorama que o presente recurso deverá ser julgado.

II – Negativa de prestação jurisdicional. Violação dos arts. 165, 458 e

535 do CPC

Os embargos de declaração constituem instrumento processual de emprego

excepcional, visando ao aprimoramento dos julgados que encerrem obscuridade,

contradição ou omissão. O acórdão recorrido se manifestou sobre todos os

pontos suscitados nas apelações, inclusive os vários temas enumerados nas

razões recursais e reputados de omissos ou contraditórios, alcançando solução

tida como a mais justa e apropriada para a hipótese vertente.

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 429

A prestação jurisdicional dada, portanto, corresponde àquela efetivamente

objetivada pelas partes, sem omissão a ser sanada, tampouco contradição a ser

aclarada. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos

termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante

dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência,

aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.

Por outro lado, já é pacífico o entendimento no STJ, e também nos

demais Tribunais Superiores, de que os embargos declaratórios, mesmo quando

manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a

decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua

interposição (AgRg no Ag n. 680.045-MG, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer,

DJ de 03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp n. 647.747-RS, 4ª Turma, Rel.

Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS n. 11.038-DF, 1ª

Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007).

Constata-se, em verdade, a irresignação da recorrente e a tentativa de

emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra

viável no contexto do art. 535 do CPC.

III – Mérito do recurso

III. a) Art. 82 da Lei n. 11.101/2005. Inaplicabilidade

Adentrando ao mérito da impugnação, é importante frisar, desde já, que

a falência da Petroforte foi decretada quando vigente o DL n. 7.661/1945, de

modo que qualquer alegação de ofensa aos dispositivos da Lei n. 11.101/2005

não poderá ser conhecida nesta sede por força do disposto no art. 192 da referida

Lei, salvo hipóteses excepcionais, em que não há, na lei antiga, norma para uma

situação concreta específi ca (REsp n. 1.172.387-RS, de minha relatoria, DJe

24.03.2011; AgRG no REsp n. 1.089.092-SP, Rel Min. Massami Uyeda, DJe

de 29.04.2009, entre outros).

Na hipótese dos autos, o art. 82 da Lei n. 11.101/2005 tem correspondência

no art. 6º do DL n. 7.661/1945, de modo que sua violação não poderá ser

apreciada nesta sede.

II. b) A quebra sem prévia citação. Violação dos arts. 213 do CPC, 11 e

12 do DL n. 7.661/1945

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

430

O tema de mérito deste recurso se resume à possibilidade de extensão da

falência da Petroforte à Securinvest, sem sua prévia intimação ou oitiva desta

empresa. Com efeito, no processo que originou este recurso o pedido do síndico

de extensão da quebra foi autuado em expediente avulso e deferido, pelo juízo,

em primeiro grau, sem a participação da recorrente, destinatária dos efeitos da

decisão. O exercício do contraditório foi, com isso, diferido, possibilitando-se a

defesa da recorrente apenas por meio de recurso.

A análise da regularidade desse procedimento não pode, naturalmente,

desprender-se das peculiaridades da espécie. Com efeito, não é mais possível,

no processo civil moderno, tomar a apreciação de uma causa baseando-se

exclusivamente nas regras processuais sem se considerar, em cada hipótese, as

suas especifi cidades e, muitas vezes, a evidência com que se descortina o direito

material por detrás do processo. Hoje está muito claro, tanto na doutrina como

na jurisprudência, que as regras processuais devem estar a serviço do direito

material, nunca o contrário.

Na hipótese dos autos, de fato não há notícia de que o juízo de primeiro

grau tenha promovido a citação ou a notificação da recorrente antes da

decretação da extensão de sua quebra. Contudo, é fato também que os efeitos

dessa extensão não se produziram de imediato, tampouco se verifi caram antes que

tivesse, a parte, oportunidade para se defender.

De fato, não obstante o pedido de efeito suspensivo formulado no agravo

de instrumento que deu origem a este recurso tenha sido indeferido, tão logo

julgado o mérito desse agravo a requerente propôs, perante o STJ, a MC n.

15.526-SP solicitando a suspensão dos efeitos da decisão. Seu pedido foi

liminarmente deferido independentemente de interposição do recurso especial,

por acórdão exarado por esta 3ª Turma.

Os efeitos de referido acórdão foram posteriormente estendidos por esta

Relatora até o julgamento fi nal do recurso especial, de modo que o exercício

do direito de defesa da agravante foi possível sem qualquer prejuízo para

suas atividades. A suspensão dos efeitos do acórdão, inclusive, gerou diversos

transtornos e incidentes no curso deste processo, do que são exemplos um pedido

de instauração de incidente sigiloso, formulado pelo síndico, para apuração,

no exterior, sem o conhecimento da recorrente, da composição de sua cadeia

societária; e a propositura de reclamação, pela recorrente, alegando desrespeito à

decisão do STJ que suspendera a extensão dos efeitos da falência. Enfi m, o que

se pode notar, a partir da liminar deferida, foi o elevado grau de litigiosidade

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RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 431

existente entre as partes, por um lado, e a ausência de resultado útil no que diz

respeito à demonstração, pela recorrente, de que não colaborou ativamente para

o desvio de patrimônio das empresas do grupo Petroforte.

A condução do processo, portanto, deu-se de modo a garantir o pleno

exercício, pela recorrente, de seu direito de defesa, não havendo que se falar em

violação dos arts. 213 do CPC e 11 e 12 do DL n. 7.661/1945.

III. c) A desconsideração de personalidade jurídica e suposta ausência

de grupo econômico. Alegação de violação dos arts. 50 do CC/2002 e 6º do

DL n. 7.661/1945;

Para além da falta de prévia citação, ou da necessidade de formação de

processo autônomo, a recorrente também impugna o acórdão recorrido sob o

fundamento de que não estaria autorizada, na espécie, a extensão do decreto

de falência porquanto: (i) esse procedimento somente seria autorizado na

hipótese em que estivesse caracterizada a existência de grupo econômico; (ii) a

desconsideração da personalidade jurídica seria instituto inaplicável, porquanto,

removido o suposto véu da sociedade Petroforte, não se descortinaria, por detrás

dela, como sócios, as empresas do grupo Securinvest. A violação, aqui, estaria

circunscrita à norma do art. 6º do DL n. 7.661/1945.

As duas alegações podem ser apreciadas em conjunto.

É importante frisar que a jurisprudência desta Corte tem se posicionado

no sentido de dispensar a propositura de ação autônoma para que se defi ra

a extensão dos efeitos da falência de uma sociedade a empresas coligadas,

consoante se vê nos seguintes precedentes: REsp n. 1.034.536-MG, Rel. Min.

Fernando Gonçalves, DJe de 16.02.2009; REsp n. 228.357-SP, Rel. Min. Castro

Filho, DJ de 19.12.2003; entre outros. Assim, em princípio, caracterizada a

coligação de empresas, a exigência de processo autônomo não se justifi caria.

A caracterização de coligação de empresas, por sua vez, é, antes de mais

nada, uma questão fática. Portanto, o que tiver decidido o Tribunal a esse

respeito não pode ser revisto nesta sede por força do óbice da Súmula n. 7-STJ.

De todo modo, trata-se de um conceito societário. A coligação se

caracteriza, essencialmente, na influência que uma sociedade pode ter nas

decisões de políticas fi nanceiras ou operacionais da outra, sem controlá-la.

Antigamente, a Lei das S/A dispunha, em seu art. 243, § 1º, acerca de um

montante fi xo para que fosse automaticamente caracterizada coligação entre

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empresas. Dizia que “são coligadas as sociedades quando um participa, com 10%

(dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la”. Esse percentual,

contudo, era fi xado para estabelecer, consoante a disposição contida no caput

desse artigo, a obrigatoriedade de menção dos investimentos nessa sociedade no

relatório anual da administração. Na prática, contudo, independentemente de

um percentual fi xo, o conceito de coligação está muito mais ligado a atitudes

efetivas que caracterizem a infl uência de uma sociedade sobre a outra. Há

coligação, por exemplo, sempre que se verifi ca o exercício de infl uência por força

de uma relação contratual ou legal, e em muitas situações até mesmo o controle

societário é passível de ser exercitado sem que o controlador detenha a maioria

do capital social. Basta pensar, nesse sentido, na hipótese de uma empresa com

signifi cativa emissão de ações preferenciais sem direito a voto.

De todo modo, hoje a Lei das S/A modifi cou o critério anterior, justamente

adaptando-se ao que, na realidade, já era perfeitamente passível de ocorrer. Com

a modifi cação empreendida pela Lei n. 11.941/2009, o art. 243, § 1º, da Lei das

S/A passou a simplesmente prever que “são coligadas as sociedades nas quais a

investidora tenha infl uência signifi cativa”. Essa infl uência, segundo o § 5º desse

artigo, incluído pela mesma Lei n. 11.941/2009 em consonância com a redação

anteriormente dada pela MP n. 449/2008, é presumida “quando a investidora

for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem

controlá-la”.

Referidas disposições legais sequer foram cogitadas no recurso especial,

deixando ao ar as alegações da recorrente de violação de seu direito. De todo

modo, a cadeia societária descrita neste processo, não só em relação ao complexo

agroindustrial Sobar, mas em relação a diversos outros bens, demonstra a

existência de um modus operandi que evidencia a infl uência de um grupo de

sociedades (Grupo Securinvest, seja ele ou não integrante do mais amplo Grupo

Rural), sobre o outro (Petroforte).

Isso é especialmente signifi cativo quando nos debruçamos sobre a operação

societária aqui descrita, consistente em arrendamento de bens, posterior

inadimplemento da arrendante, retomada judicial da garantia, constituição de

empresas para a administração desses bens e seu posterior redirecionamento a

sucessivas sociedades que, na forma, são aparentemente independentes, mas cujo

capital social é, na maioria das vezes, detido por sociedades off shore cuja efetiva

propriedade não é dado aos credores da massa falida conhecer. É signifi cativo

notar inclusive que a infl uência de um grupo sobre outro se manifesta até

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mesmo na constituição de uma sociedade (Turvo Participações Ltda.) cujo capital

era dividido entre o Grupo Securinvest e o Grupo Petroforte, para quem os bens

aqui discutidos foram inicialmente transferidos antes de serem repassados a

terceiros supostamente independentes.

É possível coibir esse modo de atuação mediante o emprego da técnica da

desconsideração da personalidade jurídica, ainda que, para isso, seja necessário

dar-lhe nova roupagem. Para as modernas lesões, promovidas com base em

novos instrumentos societários, são necessárias soluções também modernas e

inovadoras. A desconsideração da personalidade jurídica é técnica desenvolvida

pela doutrina diante de uma demanda social, nascida da praxis, e justamente

com base nisso foi acolhida pela jurisprudência e pela legislação nacional.

Como sói ocorrer nas situações em que a jurisprudência vem dar resposta a um

anseio social, encontrando novos mecanismos para a atuação do direito, referida

técnica tem de se encontrar em constante evolução para acompanhar todas as

mutações do tecido social e coibir, de maneira efi caz, todas as novas formas de

fraude mediante abuso da personalidade jurídica.

Inexiste, portanto, violação, nem do art. 50 do CC/2002, nem do art. 6º do

DL n. 7.661/1945.

III. d) A motivação do decreto de extensão da quebra e a ação revocatória.

Violação dos arts. 52 e 53 do DL n. 7.661/1945

Por fi m, a recorrente alega que foram violados os arts. 52 e 53 do DL n. 7.661/1945, porquanto o TJ-SP, ao corroborar a decisão que lhe estendeu a quebra da Petroforte, teria se valido de motivos que somente autorizariam a propositura de ação revocatória. Para ela, em primeiro lugar, “a recorrente não poderia ter-se benefi ciado de qualquer bem ou direito envolvido no processo de falência da Petroforte”, porque “jamais celebrou negócio jurídico com qualquer pessoa envolvida no processo falencial”. Além disso, “ainda que tivesse havido essa transferência pretensamente fraudulenta, o fato não ensejaria a extensão da falência, mas sim a ação revocatória conforme prescrição dos artigos 52 ou 53 da Lei de Quebras”.

Há, aqui, duas questões independentes. A primeira delas, consubstanciada na suposta inexistência de negócios jurídicos com a falida, não pode naturalmente ser revista nesta sede por força do óbice dos Enunciados n. 5 e n. 7 da Súmula de Jurisprudência do STJ. A segunda, consubstanciada na suposta necessidade de discussão da matéria via ação revocatória, converge para o que já foi ponderado

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acima: a jurisprudência do STJ tem considerado possível, sem ação autônoma, estender os efeitos do decreto de falências a sociedades coligadas ao falido.

Não há, portanto, sob qualquer uma das óticas apontadas, violação a ser corrigida nesta sede.

IV – Divergência jurisprudencial

O recurso, por fi m, quanto à divergência, pauta-se pela alegada necessidade de processo autônomo para implementar a extensão dos efeitos da falência, como único instrumento passível de garantir o pleno exercício, pela recorrente, de seu direito de defesa. Essa questão já foi apreciada acima, quando da análise do recurso pela alínea a do permissivo constitucional. Assim, torna-se desnecessário tecer maiores considerações sobre a matéria porquanto, ainda que conhecido o recurso quanto à divergência, o seu resultado naturalmente convergirá para o que já se decidiu quando da análise da violação a dispositivos de lei federal.

Forte nessas razões, conheço do recurso especial, mas lhe nego provimento.

VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Presidente): Srs. Ministros, eu havia recebido o voto antecipado de Sua Excelência, já havia tido a oportunidade de fazer uma análise, e compareceram em audiência o síndico e o Advogado que atua, que também referendaram alegações em memorial. Também recebi memorial da outra parte e aqui tive a oportunidade de ouvir as excelentes sustentações orais dos causídicos, e a bem colocada manifestação do Sr. Subprocurador-Geral da República.

Essa questão pode ter parecido, a alguns, uma questão muito simples; simples, mas consubstanciada, segundo se sustentou da tribuna, em quinhentos volumes, envolvendo operações complexas, que redundaram em conclusões que desaguaram no reconhecimento de manobras fraudulentas.

Estou, aqui, já manifestando o meu voto, porque aqui se contempla uma nova faceta da teoria do disregard, sofi sticada é verdade, com a participação de off shores, no sentido de dar-se uma aparência de legalidade, de normalidade à intenção deliberada em fraudar credores.

Na verdade, Sua Excelência, a Sra. Ministra Relatora, em percuciente voto, como é do seu feitio, fez uma análise bem detida deste processo, não só deste, mas dos processos que estão correlatos - na pauta temos mais dois ou três

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casos, que versam sob hipótese um pouco diversa. Mas, aqui, como ressaltado na doutrina, a caracterização da desconsideração assume multifacetária [...]. Não há um padrão, na verdade, essas tantas multifacetárias manifestações do

disregard são derivadas de situações ora simples, ora complexas.

Se olharmos a história da criação desse instituto, que vem do Direito Norte-Americano do século XIX, ali, para poder caracterizar, vamos dizer, o

disregard, era uma manobra simplória, mas a evolução da interpretação dos institutos chegou à necessidade de coibir essas manobras que, na verdade, acobertam intenções manifestamente [...] e prejudiciais aos credores.

E, aqui, estamos vendo, em época de tecnologia, de transferência de valores, de dados, em tempo real, a caracterização da constituição de empresas aparentemente autônomas, mas que, na raiz, no fundo, acabam tendo a participação das mesmas pessoas físicas que estão se alterando, no sentido de dizer que não têm essa participação, que são meras operações normais.

Então, é uma grande oportunidade de analisarmos este caso, será até mesmo um paradigma, um leading case, porque é muito complexo, mas mostra o mecanismo em que se engendram essas operações.

O véu com que se pretendia dar a aparência de legalidade para não caracterizar-se a desconsideração foi afastada, e o cerne dessa teoria do disregard é exatamente afastar o véu de uma aparente normalidade.

Não se pode “tomar a nuvem com Juno”. É essa, mais ou menos, a tradução em termos de Direito Comercial, da própria ética, da própria moral, em que essas considerações redundaram na criação desse instituto que, aqui no Brasil, foi aperfeiçoado, pela primeira vez, pela doutrina de Requião, nos idos de 1970.

Então, mais ou menos aqui a Sra. Ministra Nancy Andrighi atualiza, com a sua experiência de Ministra, de Magistrada, com essa disposição em enfrentar casos complicados, que demandaram, certamente, precioso tempo no Gabinete e na residência de Sua Excelência. Quero cumprimentá-la, dizendo que a extensão dos efeitos da falência se impõe e, nesse sentido, também acompanho integralmente o voto brilhante de Sua Excelência.

Conheço do recurso especial, mas nego-lhe provimento.

ADITAMENTO AO VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Presidente): Srs. Ministros, aproveito

a oportunidade para complementar o meu voto oral porque, aqui, poder-se-

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ia pensar que a concessão de uma liminar, em medida cautelar incidental ao

recurso especial, como até mesmo foi aventado, poderia ser uma antecipação de

um provimento. Na verdade, longe disso.

Esta Turma, como também é do feitio do Tribunal, da Corte, ao conceder

essas liminares em matéria de incidente em recurso especial, com o nome

de cautelar, na verdade visa prestigiar os ornamentes constitucionais do

contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal.

Então, isso não signifi ca dizer que quando alguém, um Ministro ou uma

Ministra, concede uma liminar, em caráter excepcionalíssimo, isso seja uma

proclamação de vitória. E a Sra. Ministra Nancy Andrighi também deixou isso

bem claro.

RECURSO ORDINÁRIO N. 89-BA (2009/0076537-0) (f)

Relator: Ministro Massami Uyeda

Recorrente: Raimundo Nonato de Souza

Advogado: João Floquet Azevedo e outro(s)

Recorrido: Fundo das Nações Unidas para a Infância Unicef

EMENTA

Recurso ordinário. Ação de indenização por danos materiais e

morais decorrentes de acidente do trabalho proposta pelo trabalhador

em face de organismo internacional (Unicef ). Discussão acerca da

instauração da jurisdição brasileira. Objeto recursal prejudicado.

Reconhecimento da incompetência da Justiça Comum. Emenda

Constitucional n. 45/2004. Litígio oriundo da relação de trabalho

e presença de organismo internacional. Inexistência de sentença de

mérito. Competência da Justiça do Trabalho. Recurso prejudicado e

declaração, de ofício, da incompetência da Justiça Comum.

I - De acordo com o Princípio da “perpetuatio jurisdicione”,

expressamente adotado pela Lei Adjetiva Civil, em seu artigo 87, a

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competência é defi nida no momento da propositura da ação, sendo

irrelevantes as alterações do estado de fato ou de direito ocorridas

posteriormente, “salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou

alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”;

II - Quando da proposição da presente ação, em junho de 2002,

as ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho não

possuíam tratamento especializado pelo Constituinte, incidindo, por

conseguinte, no âmbito da competência residual da Justiça Comum,

entendimento que restou, inclusive, cristalizado no Enunciado n. 366

da Súmula do Superior Tribunal de Justiça;

III - Em razão da edição da Emenda Constitucional n. 45,

publicada no Diário Ofi cial da União, em 31.12.2004, a competência

que, até então, era da Justiça Comum (no caso dos autos, Federal,

ante a presença de organismo internacional), passou a ser da Justiça

Especializada do Trabalho. Operou-se, na verdade, mudança legislativa

que excepciona o princípio da “perpetuatio jurisdicione”, pois, em

virtude da supracitada alteração legislativa, redefi niu-se, na hipótese

dos autos, a competência em razão da matéria;

IV - In casu, nos termos relatados, a ação indenizatória pelos

danos físicos e morais decorrentes de acidente de trabalho até o

presente momento não teve seu mérito decidido, na medida em que

o r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da Seção Judiciária

da Bahia-BA, então competente, extinguiu o processo sem julgamento

de mérito, o que, de acordo com a atual orientação jurisprudencial

desta Corte e do Pretório Excelso, autoriza o deslocamento dos autos

à Justiça do Trabalho, competente para conhecer da lide posta (ut

Súmula Vinculante n. 22 do STF);

V - Defi nido que as ações de indenização por danos morais

e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho propostas por

empregado contra empregador são oriundas da relação de trabalho

e, por isso, são da competência da Justiça especializada laboral, a

presença, num dos pólos da ação, de um organismo internacional (ente

de direito público externo), de acordo com o inciso I do artigo 114 da

Constituição Federal, com redação conferida também pela supracitada

Emenda Constitucional n. 45/2004, robustece a compreensão de

competir à Justiça do Trabalho o conhecimento do presente litígio;

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VI - Ante a especialidade do litígio, proveniente da relação

de trabalho, não se pode negar a prevalência do inciso I do artigo

114 sobre o inciso II do artigo 109, ambos da Constituição Federal,

notadamente porque a competência da Justiça Comum é residual

em relação à competência das Justiças Especializadas, igualmente

defi nidas na Constituição Federal;

VII - Ante o reconhecimento da incompetência absoluta da

Justiça Comum, tem-se por prejudicado o conhecimento do presente

recurso ordinário. Assim, declara-se, de ofício, a incompetência absoluta

da Justiça Comum para conhecer do presente feito, anulando-se os

atos decisórios até então prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios,

determinando a remessa dos autos a Justiça Trabalhista local.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,

na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, a Turma, por

unanimidade, declarar de ofício a incompetência absoluta da Justiça Comum

para conhecer do presente feito, anular os atos decisórios até então prolatados,

mantidos, todavia, os instrutórios e determinar a remessa dos autos à Justiça

Trabalhista local, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os

Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas

Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justifi cadamente, a Sra.

Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento).

Ministro Massami Uyeda, Relator

DJe 26.08.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Cuida-se de recurso ordinário interposto

por Raimundo Nonato de Souza em face da sentença prolatada pelo r. Juízo de

Direito da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, que julgou extinto o

processo, sem julgamento de mérito.

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Os elementos dos autos dão conta de que, em junho de 2002, Raimundo

Nonato de Souza promoveu, perante o r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível

da Comarca de Salvador-BA, ação indenizatória pelos danos físicos e morais

suportados em decorrência de acidente de trabalho em face do Unicef - Fundo

das Nações Unidas para a Infância (fl s. 02-06).

Em sua exordial, Raimundo Nonato de Souza aduziu, em suma, que

foi empregado do organismo internacional demandado, entre o período de

16.10.1992 a 30.03.1993, como motorista. Anota que, no dia 04.12.1992,

no exercício de seu ofício e da função que lhe fora determinada, ao conduzir

veículo de propriedade da Unicef, ante as más condições da pista e do tempo,

veio a sofrer um acidente automobilístico. Em razão de tal evento, requereu a

condenação da Unicef ao pagamento dos danos suportados à saúde (no importe

de R$ 800.000,00 [oitocentos mil reais]), os lucros cessantes (no valor de R$

108.000,00 [cento e oito mil reais]), a indenização trabalhista por despedida

sem justa causa (na quantia de R$ 5.926,00 [cinco mil, novecentos e vinte e

seis reais]), a lesão indireta, causada aos seus familiares (mensurada em R$

100.000,00 [cem mil reais]), os valores despendidos com exames e remédios

(consistentes em R$ 21.600,00 [vinte e um mil e seiscentos reais]), além de uma

pensão, na quantia de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), considerada a

expectativa de vida (fl s. 02-06).

Citado, o Unicef, em “Nota Verbal” dirigida ao Ministério das Relações

Exteriores, por meio de ofício, assentou, no que importa à controvérsia, que

“o Fundo das Nações Unidas para a Infância goza dos privilégios e imunidade

em processos judiciais no país, como órgão regido pela legislação das Nações

Unidas” (fl . 80).

O r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de Salvador-BA, a

despeito de reconhecer, expressamente, que a Jurisdição Brasileira não alberga

o presente litígio, na parte dispositiva da sentença, reconheceu, tão-somente, a

incompetência do Juízo, determinando, após o transcurso do prazo recursal, a

remessa dos autos ao Ministério das Relações Exteriores, conforme dá conta o

seguinte excerto:

Com efeito, o art. II, Seção 2º, da mencionada Convenção, a qual o Brasil se comprometeu a respeitar e cumprir ao promulgá-la, reza que a Organização das Nações Unidas, da qual é a Unicef um órgão, gozará, dentre outros privilégios, de imunidade de jurisdição, salvo se dela houver renunciado. No presente caso não houve nenhuma manifestação de renúncia a tal privilégio, ao contrário, [...]. Daí, pode-se afi rmar, com segurança, não ter aplicação no caso concreto os

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dispositivos estatuídos nos incisos II e III, do artigo 109, da CF - 1988 que disciplina a competência da Justiça Federal Brasileira para os litígios envolvendo organismos internacionais, e por identidade de razão, nenhum outro, uma vez que o art. VIII, Seção 30, da retrocitada Convenção fi xa a competência da Corte Internacional de Justiça para dirimir todas e quaisquer divergências dela decorrentes ou para aplicar os seus postulados. Dessa forma, manifesta a incompetência da Justiça Brasileira para processar e julgar o presente litígio uma vez que a Unicef a ela não se encontra submetida por força das imunidades e privilégios de que goza.

Pelas razões expostas, declaro a incompetência absoluta deste Juízo para processar e julgar a presente ação, tempo em que ordeno a remessa dos autos para o Ministério das Relações Exteriores para as medidas que entender cabíveis, após decorrido o prazo (fl . 129).

O Ministério das Relações Exteriores restituiu os autos ao Juízo de origem,

esclarecendo, por meio de ofício, à fl . 132, a impropriedade de tal remessa,

deixando assente que: “a atribuição legal do Ministério das Relações Exteriores

consiste apenas em servir de elemento de ligação entre o Poder Judiciário

Brasileiro e as Missões Diplomáticas e Repartições Consulares Estrangeiras

acreditadas no Brasil, não se responsabilizando, portanto, em dar ‘motu proprio’

seguimento processual ou manter, em seus arquivos, documentos originais

relativos a ações judiais” (fl . 132).

Ato contínuo, o r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de

Salvador-BA, sob o argumento de que, tendo o Ministério das Relações

Exteriores asseverado a impossibilidade de enviar os presentes autos à Corte

Internacional de Justiça, entendeu que a decisão que declarou a incompetência

absoluta do Juízo restara prejudicada, ocasião em que reconheceu a competência

da Justiça Federal. É o que se denota da transcrição do decisum:

Tendo em vista o ofício de fl s. 132-133, enviado pelo Ministério das Relações Exteriores, o qual asseverou a impossibilidade do envio destes autos para a Corte Internacional de Justiça, ofício este que foi em resposta à decisão de fl s. 128-129 que declarou a incompetência absoluta desta Juízo, [...] tenho que tal decisão restou prejudicada. Assim, como a presente lide envolve, de um lado, pessoa física residente e domiciliada no Brasil e de outro, Organismo Internacional - Unicef, e considerando qua a Constituição Federal de 1988, em seu art. 109, II, prevê expressamente que a competência para processar e julgar este tipo de ação é da Justiça Federal. [...]. Desta forma, considerando a incompetência absoluta deste Juízo para processar e julgar esta demanda, ordeno a remessa destes autos para a Justiça Federal, seção Bahia, para ser redistribuído para uma de suas Varas, transcorrido o prazo para interposição de recurso (fl . 141).

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Distribuído o processo ao r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da

Seção Judiciária da Bahia-BA, este extinguiu o processo sem julgamento de

mérito, “por ausência de um dos pressupostos de existência do processo, haja

vista a imunidade da jurisdição brasileira em confronto com o ‘status’ jurídico do

réu Unicef - Fundo das Nações Unidas para Infância, órgão vinculado à ONU,

e submetido à legislação que lhe é própria, nos termos do art. 11 do Decreto-

Lei n. 4.657, de 04.09.1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), art. II, Seções

2 e 3 do Decreto n. 27.784, de 16.02.1950 (Convenção sobre Privilégios e

Imunidades das Nações Unidas), art. VII do Decreto n. 62.125, de 16.01.1968

(Acordo Intenacional entre o Unicef (Fisi) e o Governo Brasileiro) e art. 267,

inciso IV, e § 3º (fl s. 152-157).

Dessa sentença, Raimundo Nonato de Souza interpôs, perante o Tribunal

Regional Federal da Primeira Região, recurso de apelação (fl s. 159-166). O

ilustre Desembargador Relator, com lastro no artigo 105, inciso II, alínea c,

da Constituição Federal, entendeu que a competência para processar e julgar

recurso interposto contra sentença ou decisão em causas em que fi gura como

parte organismo internacional é do Superior Tribunal de Justiça, em sede de

recurso ordinário. Por tal razão, o ilustre desembargador Relator declinou da

competência recursal para esta augusta Corte (fl . 192).

Em seu recurso ordinário, Raimundo Nonato de Souza sustenta, em

suma, que a imunidade de jurisdição de Estados Estrangeiros, assim como

dos organismos internacionais, não é absoluta, mas sim relativa, sendo o

Poder Judiciário Brasileiro, portanto, competente para julgar o presente litígio,

que versa sobre atos de gestão praticados pelo organismo internacional, ora

demandado (fl s. 159-166).

O Ministério Público Federal ofertou parecer no sentido de conferir

provimento ao recurso (fl s. 195-198).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): A celeuma instaurada no

presente recurso ordinário cinge-se em saber se a ação indenizatória pelos

danos físicos e morais, decorrentes de acidente de trabalho, promovida pelo ora

recorrente, Raimundo Nonato de Souza, em face do Unicef - Fundo das Nações

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Unidas para a Infância, organismo internacional, é ou não albergada pela Jurisdição Brasileira.

Tal pronunciamento, entretanto, conforme se demonstrará, deve fi car à cargo da Justiça Especializada Laboral.

Na verdade, é de se reconhecer, de ofício, a própria incompetência da Justiça Comum para conhecer do presente feito, anulando-se os atos decisórios até então prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios.

Com efeito.

De acordo com o princípio da “perpetuatio jurisdicione”, expressamente adotado pela Lei Adjetiva Civil, em seu artigo 87, a competência é defi nida no momento da propositura da ação, sendo irrelevantes as alterações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, “salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”.

Na espécie, nos termos relatados, subjaz ao presente recurso ordinário, ação indenizatória pelos danos físicos e morais, decorrentes de acidente de trabalho, promovida, em junho de 2002, pelo ora recorrente, Raimundo Nonato de Souza, em face do Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância, organismo internacional.

Dos elementos da ação sub judice, para efeito de defi nição da competência, merecem especial destaque, a causa de pedir, no caso, a alegada ocorrência de danos decorrentes de acidente do trabalho, e a presença, num dos pólos da ação, de um organismo internacional.

Quando da proposição da presente ação, em junho de 2002, as ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho não possuíam tratamento especializado pelo Constituinte, incidindo, por conseguinte, no âmbito da competência residual da Justiça Comum. Aliás, o entendimento consistente no reconhecimento da competência da Justiça Comum para dirimir a ação de indenização pelos danos materiais e morais em razão de acidente de trabalho restou, inclusive, cristalizado no Enunciado n. 366 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

De acordo com o ordenamento jurídico vigente à época do ajuizamento da ação, verifi ca-se que a presente ação encontrava-se no âmbito de competência da Justiça Comum, restando defi nir, se da Justiça Comum Estadual, ou se da Justiça Comum Federal. Na espécie, em atenção à presença de um organismo internacional num dos pólos da ação, de acordo com o artigo 109, inciso II, da Constituição Federal, a competência para conhecer da presente ação seria

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

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da Justiça Comum Federal. Por oportuno, transcreve-se o referido preceito

constitucional:

Art. 109. Aos Juízes Federais compete processar e julgar:

[...]

II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;

Na hipótese dos autos, nos termos relatados, constata-se que a demanda

fora, inicialmente, promovida incorretamente perante a Justiça Comum Estadual.

É certo, também, que o r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de

Salvador-BA, a despeito de não ter observado a melhor técnica (especialmente

ao enviar os autos ao Ministério das Relações Exteriores), declinou de sua

competência à Justiça Federal, o que, de acordo com o ordenamento jurídico

então vigente, estaria correto.

Em janeiro de 2003, o r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da Seção

Judiciária da Bahia-BA, por sua vez, extinguiu o processo sem julgamento de mérito,

por entender que o Unicef, na qualidade de organismo internacional, goza de

imunidade absoluta no território nacional, razão pela qual a Jurisdição Brasileira,

in casu, não se encontraria instaurada (fl s. 152-157). Somente em 2009, em sede

recursal, o ilustre Relator Desembargador declinou da competência do Tribunal

Regional Federal para esta Corte (fl . 192).

Entretanto, nesse interregno, em razão da edição da Emenda

Constitucional n. 45, publicada no Diário Ofi cial da União em 31.12.2004, a

competência que, até então, era da Justiça Comum (no caso, Federal), passou

a ser da Justiça Especializada do Trabalho. Operou-se, na verdade, mudança

legislativa que excepciona o princípio da “perpetuatio jurisdicione”, pois, em

virtude da supracitada alteração legislativa, redefi niu-se, na hipótese dos autos, a

competência em razão da matéria.

De acordo com a Emenda Constitucional n. 45/2004, o artigo 114 da

Constituição Federal, que disciplina a competência da Justiça do Trabalho,

passou a ter a seguinte redação, no que importa à controvérsia:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

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[...]

VI - As ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

Assim, diante dessa nova Ordem Constitucional, a então jurisprudência

que reconhecia a competência da Justiça Comum (Enunciado n. 366 da Súmula

do Superior Tribunal de Justiça) restou superada, inclusive, pelo Supremo

Tribunal Federal, que, por ocasião do julgamento do Confl ito de Competência

n. 7.545-SC, Relator Ministro Eros Grau, DJe., reconheceu competir à Justiça

do Trabalho o julgamento de ação de indenização pelos danos provenientes

de acidente do trabalho, ainda que promovida pelos parentes do trabalhador-

falecido.

O marco temporal da competência da Justiça Trabalhista, na matéria em

apreço, é, portanto, o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004. Ressalte-

se que, como política judiciária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal defi niu

que as ações que tramitam perante a Justiça Comum dos Estados, com sentença

de mérito anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004,

devem lá permanecer até o trânsito em julgado e correspondente execução. Em

relação às ações cujo mérito ainda não foi apreciado, devem ser remetidas à

Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com o aproveitamento dos

atos praticados.

Por oportuno, transcreve-se a ementa do julgado da Corte Excelso que bem

explicita as demandas que, em virtude da edição da Emenda Constitucional n.

45/2004, devem ser deslocadas à Justiça do Trabalho:

Constitucional. Competência judicante em razão da matéria. Ação de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, proposta pelo empregado em face de seu (ex-) empregador. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Magna Carta. Redação anterior e posterior à Emenda Constitucional n. 45/2004. Evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Processos em curso na Justiça Comum dos Estados. Imperativo de política judiciária.

1. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-) empregador, eram da competência da Justiça Comum dos Estados-Membros.

2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114,

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já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, infl uenciada pela jurisprudência que se fi rmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores.

3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária - haja vista o signifi cativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa –, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça Trabalhista é o advento da EC n. 45/2004. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço.

4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça Comum Estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça Comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC n. 45/2004, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça Comum Estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação.

5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto.

6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito n. 687, Sessão Plenária de 25.08.1999, ocasião em que foi cancelada a Súmula n. 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete.

7. Confl ito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho (CC n. 7.204-MG, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 09.12.2005).

Entendimento, aliás, que, em 11.12.2009, restou cristalizado na Súmula

Vinculante n. 22, in verbis: “A Justiça do Trabalho é competente para processar

e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes

de acidente do trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive

aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando

da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004”.

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In casu, nos termos relatados, a ação indenizatória pelos danos físicos e

morais decorrentes de acidente de trabalho até o presente momento não teve

seu mérito decidido, na medida em que o r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça

Federal da Seção Judiciária da Bahia-BA, então competente, extinguiu o processo

sem julgamento de mérito, o que, de acordo com a orientação jurisprudencial desta

Corte e do Pretório Excelso, autoriza o deslocamento dos autos à Justiça do

Trabalho, competente para conhecer da lide posta.

Ademais, definido que as ações de indenização por danos morais e

patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho propostas por empregado

contra empregador são oriundas da relação de trabalho e, por isso, são da

competência da Justiça especializada laboral, a presença, num dos pólos da ação,

de um organismo internacional (ente de direito público externo), de acordo com

o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, com redação conferida também

pela supracitada Emenda Constitucional n. 45/2004, robustece a compreensão

de competir à Justiça do Trabalho o conhecimento do presente litígio. Por

oportuno, transcreve-se o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Aliás, ante a especialidade do litígio, proveniente da relação de trabalho,

não se pode negar a prevalência do inciso I do artigo 114 sobre o inciso II do

artigo 109, ambos da Constituição Federal, notadamente porque a competência

da Justiça Comum (Federal) é residual em relação à competência das Justiças

Especializadas, igualmente defi nidas na Constituição Federal.

Ante o reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Comum,

tem-se por prejudicado o conhecimento do presente recurso ordinário.

Assim, declara-se, de ofício, a incompetência absoluta da Justiça Comum

para conhecer do presente feito, anulando-se os atos decisórios até então

prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios, determinando-se a remessa dos

autos a Justiça Trabalhista local.

É o voto.