Terezinha

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Dona Terezinha, a prova de que foi Deus quem quis assim Quem já viu um anjo de perto levante a mão. Quem não viu e quiser ver é só dar uma passadinha no Centro de Convivência Suely Therezinha de Freitas, que fica na Jerônimo de Camargo, quase em frente ao Fórum. Lá no Centro tem um anjo e esse anjo se chama Terezinha Pires de Morais Freitas. O próprio Centro é obra desse anjo.

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Dona Terezinha

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Deus quem que foi

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Quem já viu um anjo de perto levante a mão. Quem não viu e quiser ver é só dar uma passadinha no Centro de Convivência Suely Therezinha de

Freitas, que fi ca na Jerônimo de Camargo, quase em frente ao Fórum. Aquele Fórum que está desativado e nem Deus sabe quando volta...

Lá no Centro tem um anjo e esse anjo se chama Terezinha Pires de Morais Freitas. O próprio Cen-tro já é obra desse anjo. Conhecido como um ponto de apoio para necessitados e abandonados que vi-vem perambulando pelas ruas da cidade, é um or-gulho meio escondido de Atibaia. Escondido sim, pois nem todos gostam de anjos que trabalham pe-los necessitados como faz Dona Terezinha. Só os de boa vontade e muita fé se unem à ela para man-ter a obra viva.

A história desse centro que atende 40, 50, 60, até 100 pessoas oferecendo todos os dias um pouco de conforto e uma bela refeição começou há muitos e muitos anos, quase um século. Foi assim: existia um barracão mal acabado no bairro da Ponte, perto de uma rotatória. Era lá que nos antigamentes ban-deireiros ou boiadeiros que vinham tocando suas boiadas passavam e se arranchavam. Bem perto dali existiam umas casinhas muito antigas. Tinha até a venda do seo Valentim Sischelli, parente do pesso-al da Casa Rosa. Poucos se lembram, pois faz muito tempo. E esse tempo levou os boiadeiros e o lugar começou a receber pessoas enjeitadas portadores da peste, de lepra. Todo mundo olhava aquela gente com muito medo do contágio. De “pegar a doença”,

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como se dizia.Nesses tempos Dona Terezinha tinha 7 anos de

idade. E sua família foi morar numa daquelas casi-nhas próximas do lugar. “Eu ficava olhando e tinha muita pena dos doentes. Eles não conseguiam nem tirar água do poço para beber. Aquelas mãozinhas deformadas, sem dedos, ou com dedos tortos, comi-dos pela doença. Não tinham forças. Eu ia lá e tirava água do poço pra elas.”

Terezinha aproveitava que pai e minha mãe saíam para trabalhar. Fechava os irmãos pequenos em casa e ia pro barracão. “Coitadinhos, não conseguiam nem jogar o balde no poço. As pessoas passavam e jogavam moedas para eles. Ajudavam, mas ficavam de longe, com medo. A doença era horrível. Algumas pessoas levavam comida, pão, mortadela. Eu ficava com eles, ajudava a fazer sanduiche, e até comia com os morféticos e lazarentos como eram chamados.” Alguém contou pro pai e pra mãe de Dona Terezi-nha que ela estava fazendo essas “artes”. O pai bri-gou, exigiu que ela nunca mais fosse lá. Mas, quando ele saia com a mãe para trabalhar ela voltava. “Pai e mãe tinham medo que eu ficasse doente. Bobagem. Criança não tem medo de nada.”

O tempo correu e um dia Dona Terezinha teve uma filha. Que se chamou Suely Terezinha de Frei-tas. Que estudou medicina. Que se formou. Que fez residência médica e se especializou em hanseníase, aquela doença que os mais humildes chamavam de morféticos ou de lepra. Com certeza Suely carrega-va no peito a fibra da mãe. São fugazes os caminhos das nossas histórias.

Dona Terezinha é parente dos Pires, dos Freitas dos Camargos, “somos todos uma família só”, como diz, “nossa família está aqui desde a chegada de João

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Ramalho”, brinca. Da casinha lá de perto do barra-cão dos doentes de lepra a família de Dona Terezi-nha foi para a casa da Rua Adolfo André onde mora até hoje. “A rua tinha seis casas. A única com água encanada era a minha. Água que vinha de um chafa-riz lá da Avenida São João. Minha casa tinha energia elétrica, mas as outras, na maioria, eram iluminadas com lamparina de querosene.”

Estudou num grupo escolar que ficava onde hoje está a escola José Alvim. “Era o grupo velho. Atrás dele tinha o cemitério antigo. Mudaram o cemité-rio e fizeram o grupo novo.” Grupo novo sim, afinal Dona Terezinha tem 90 anos e vai fazer 91 em ou-tubro. Os amigos morreram quase todos. Muitos parentes dela foram políticos. Isso para não falar que ela também era aparentada dos Alvim. “Eu era criança e o Major Alvim prometia me dar dinheiro para comprar bala se eu fosse buscar cigarros pra ele. A mulher do major, Dona Cidinha, era parente da minha avó.”

Era a filha mais velha da família de cinco irmãos. “A primeira sempre apanha mais, né? Fui trabalhar como doméstica. Depois fui pajem. Também fui co-zinheira, trabalhei na fábrica têxtil, me casei aos dezenove anos com Jorge de Freitas, que era meu primo. Doze anos depois fiquei viúva. Meus irmãos morreram todos. Ficamos eu, minha mãe e minha filha de dois anos, junto com uma irmã paralítica que também morreu cedo. Minha mãe tomava con-ta da minha filha enquanto eu ia trabalhar.”

Durante trinta e tantos anos Dona Terezinha tra-balhou no SESI. “Ganhei medalhas de prata e de ouro pelo meu desempenho.” Alguém roubou a medalha de ouro. “Que quem levou seja feliz. Fui tocando a vida. Minha mãe morreu depois de ter me ajudado

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muito.” Suely, a filha, cursou Medicina na USF, em Bragança e foi fazer residência em Campinas. Du-rante cinco anos trabalhou na Delegacia Regional de Saúde. “Um dia minha filha falou: “Mãe, estudei para cuidar de doentes e não para ficar assinando papéis.” Ela era dermatologista e queria cuidar de hansenianos. Voltamos para cá, pois Atibaia tinha muitos hansenianos.” O leitor lembra do barracão de leprosos?

Suely, a filha, trabalhou 22 anos no posto de saúde tratando só de pessoas com lepra. Gente da cidade, de Perdões, Piracaia, e até de Minas. “Todos vinham se tratar com ela. Até hoje tem gente que procura pela Doutora Suely. Um dia Deus levou minha filha. Jovem ainda. Sentiu uma dor violenta, foi atendida e não suportou. Voltei a ficar sozinha. Deus quis as-sim...”

Suely deixou um bom seguro de vida para a mãe. Aposentada, Dona Terezinha vê seu salário defi-nhando, “a aposentadoria no Brasil é muito sem vergonha. A cada ano a gente recebe cada vez me-nos... Hoje ganho a metade do que ganhava.” Dona Terezinha deu casas para duas crianças que ela e a filha tinham adotado. Um dia viu uma campanha na televisão que dizia: “Dê uma casa para uma família pobre....” Falou com o então pároco da cidade, pa-dre Luiz Eugênio Beti, e ele sugeriu: “Ao invés de dar uma casa para uma família, compre um terreno e construa um salão para oferecer ajuda e comida para mais pessoas...” E assim fez. Padre Eugênio foi embora e ela trocou o terreno por outro, justamente aquele onde está o Centro de Convivência que leva o nome de sua filha. “Reformamos tudo, inclusive a igrejinha que existia por lá. Construímos um salão, tudo o que eu ganho empato ali. Ali a gente dá comi-

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da, dá roupa, Tem lugar para pessoas mais humildes, para esse pessoal que vive nas ruas poder tomar ba-nho, agora temos até um barbeiro. Quando alguém precisa de médico vamos atrás, precisa de um remé-dio a gente vai atrás.”

Tem dias que o Centro de Convivência Doutora Sueli Terezinha de Freitas atende 50, 60, 70 pessoas. “Eles vêm, comem e vão embora. Temos várias pes-soas ajudando. Cada dia da semana tem uma equipe que vai lá e atende quem mais necessita. Temos uma diretoria, tem um conselho, tudo voluntário. Quem faz comida, quem serve, quem lava, quem cuida, tudo voluntário.” Oficialmente Dona Terezinha diz que vai lá três dias por semana; mentira deslavada, ela vai lá toda hora. Um monte de pessoas ajuda, um monte de pessoas trabalha. Às vezes sobra comida, às vezes falta. Arroz, feijão, salada, carne e sobreme-sa. Todos os dias. Aos sábados e domingos têm feiras da pechincha. Às vezes o local é “emprestado” para alguma entidade, como nas festas de São Gonçalo. Isso rende algum dinheirinho para comprar feijão.

“Quem dá tudo é Deus, ele é Quem paga. Ele e esse povo maravilhoso de Atibaia.” Dona Terezinha ado-ra tudo isso. Ela é o anjo que se falou no começo des-ta história. E você, quer ajudar? Pode ir lá no Cen-tro. Leve roupa usada (nesse frio...), mantimentos. Ou deixe lá na Igreja Matriz.

Se você se considera filho de Deus lembre que é seu Pai quem está ajudando o anjo Dona Terezinha. É bom ajudar para não levar um bom puxãozinho de orelhas... ■