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TERMO DE OCORRÊNCIA PROCESSO: TCM nº 30.811/10 (anexo o de nº TCM nº 14.327/10) ORIGEM: 1ª Inspetoria Regional desta Corte de Contas ASSUNTO: Gastos irregulares com juros e multas por atraso no cumprimento de obrigações EXERCÍCIO: 2009 DENUNCIADO: Prefeito João Henrique de Barradas Carneiro, do município do SALVADOR RELATOR: Conselheiro José Alfredo Rocha Dias RELATÓRIO / VOTO Refere-se o Termo de Ocorrência sob escrutínio a pagamentos efetivados pela Comuna de Salvador, “a título de juros e multas por recolhimento em atraso do INSS dos prestadores de serviço ” (grifamos), no elevado montante de R$737.197,47 (setecentos e trinta e sete mil, cento e noventa e sete reais e quarenta e sete centavos), nos meses de fevereiro a dezembro/2009. Às fls. 02 a 07 são especificados os órgãos correspondentes. A vestibular menciona eventual ocorrência de agressão a disposições legais, especificamente aos arts. 168 e 168-A do CPP e Decreto-Lei nº 2.848/1940, colacionando - fls. 012 a 169 - relações de processos de pagamento, nas quais estão contidos os atinentes ao fulcro da delação. Os autos foram sorteados ao eminente Conselheiro Paulo Maracajá, estando registrado às fls 173 que a então Sub Procuradora Geral da Comuna de Salvador, Dra. Angélica Maria Santos Guimarães, dele tomou conhecimento para efeito de providenciar a apresentação de defesa, atendendo-se, destarte, ao disposto no inciso LV do artigo 5º da Lei Maior. Mediante expediente subscrito pela Sra. Luciana Souza de Jesus Teixeira, Controladora Geral do Município, houve encaminhamento de tempestiva defesa, firmada pelo Denunciado, o Prefeito à época, Sr. João Henrique de Barradas Carneiro – fls. 180 a 188 – processo TCM nº 14.327/10 – devidamente anexado. Em breve resumo, a contestação, que não está acompanhada de documentação probatória das alegações produzidas, argui que: inexistiria responsabilização penal, cível ou administrativa do Denunciado pelo indicado delito de apropriação indébita previdenciária, consoante entende, a partir de digressões que produz acerca de interpretação em matéria criminal, no sentido de que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”; haveria jurisprudência do STJ e do STF indicando que a ausência de recolhimento do INSS pelo Município, por si, não implicaria na legitimação do Prefeito como agente do crime de apropriação indébita previdenciária; “o simples recolhimento da contribuição previdenciária com atraso por falta de recursos não configura infração administrativa ou criminal, principalmente porque, como é público e notório, amplamente divulgado pela imprensa, as receitas dos Municípios, principalmente

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TERMO DE OCORRÊNCIAPROCESSO: TCM nº 30.811/10 (anexo o de nº TCM nº 14.327/10)ORIGEM: 1ª Inspetoria Regional desta Corte de Contas

ASSUNTO: Gastos irregulares com juros e multas por atraso no cumprimento de obrigações

EXERCÍCIO: 2009DENUNCIADO: Prefeito João Henrique de Barradas Carneiro, do município do SALVADORRELATOR: Conselheiro José Alfredo Rocha Dias

RELATÓRIO / VOTO

Refere-se o Termo de Ocorrência sob escrutínio a pagamentos efetivados pela Comuna de Salvador, “a título de juros e multas por recolhimento em atraso do INSS dos prestadores de serviço” (grifamos), no elevado montante de R$737.197,47 (setecentos e trinta e sete mil, cento e noventa e sete reais e quarenta e sete centavos), nos meses de fevereiro a dezembro/2009. Às fls. 02 a 07 são especificados os órgãos correspondentes. A vestibular menciona eventual ocorrência de agressão a disposições legais, especificamente aos arts. 168 e 168-A do CPP e Decreto-Lei nº 2.848/1940, colacionando - fls. 012 a 169 - relações de processos de pagamento, nas quais estão contidos os atinentes ao fulcro da delação.

Os autos foram sorteados ao eminente Conselheiro Paulo Maracajá, estando registrado às fls 173 que a então Sub Procuradora Geral da Comuna de Salvador, Dra. Angélica Maria Santos Guimarães, dele tomou conhecimento para efeito de providenciar a apresentação de defesa, atendendo-se, destarte, ao disposto no inciso LV do artigo 5º da Lei Maior.

Mediante expediente subscrito pela Sra. Luciana Souza de Jesus Teixeira, Controladora Geral do Município, houve encaminhamento de tempestiva defesa, firmada pelo Denunciado, o Prefeito à época, Sr. João Henrique de Barradas Carneiro – fls. 180 a 188 – processo TCM nº 14.327/10 – devidamente anexado.

Em breve resumo, a contestação, que não está acompanhada de documentação probatória das alegações produzidas, argui que:

– inexistiria responsabilização penal, cível ou administrativa do Denunciado pelo indicado delito de apropriação indébita previdenciária, consoante entende, a partir de digressões que produz acerca de interpretação em matéria criminal, no sentido de que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”;

– haveria jurisprudência do STJ e do STF indicando que a ausência de recolhimento do INSS pelo Município, por si, não implicaria na legitimação do Prefeito como agente do crime de apropriação indébita previdenciária;

– “o simples recolhimento da contribuição previdenciária com atraso por falta de recursos não configura infração administrativa ou criminal, principalmente porque, como é público e notório, amplamente divulgado pela imprensa, as receitas dos Municípios, principalmente

nas grandes capitais, não é suficiente sequer para executar as obras e serviços essenciais para conservação e manutenção da cidade” .

Em decorrência da posse do eminente Conselheiro Paulo Maracajá na Presidência desta Corte, foram os autos objeto de novo sorteio, na forma regimental, cabendo ao subscritor deste a nobre incumbência de relatar o feito.

Estando o processo regularmente instruído, determinou-se a sua apreciação pela douta Assessoria Jurídica deste Tribunal, que colacionou o bem lançado parecer TOC 2027/11, no sentido do conhecimento e procedência da irregularidade apontada na vestibular, ora inteiramente acolhido, inclusive como lastro do voto deste Relator. Em face da excelente análise nele contida e de seu conteúdo preciso, abaixo são transcritos os seus principais trechos, verbis:

“ É entendimento assentado no âmbito desta Corte que o pagamento, pelo Município, de encargos (multas e juros) resultantes de injustificada mora da Administração Municipal no pagamento de INSS dos prestadores de serviços configura hipótese de dano aos cofres municipais, cabendo, em consequência, a responsabilização do agente público que deu causa ao atraso no adimplemento da obrigação, na medida em que reste comprovado que a mora não adveio de circunstância alheia à vontade do agente, mas de injustificada omissão, no tempestivo cumprimento da obrigação perante a seguridade social. (grifos do Relator)

Noutras palavras, não comprovada a ausência de culpa ou dolo do agente público responsável pela mora no pagamento, sobre ele recairá a obrigação de RESTITUIR ao erário municipal o montante equivalente aos encargos financeiros decorrentes do atraso.

A responsabilidade da Administração por danos causados pelos seus agentes Á COISA PÚBLICA ou A TERCEIROS tem matriz constitucional, respectivamente, no art. 37, §§ 4º e 6º da Carta Magna.

O § 4º do art. 37 prevê expressamente a possibilidade de RESSARCIMENTO AO ERÁRIO nos casos de improbidade administrativa, além de outras sanções, na forma prevista em lei, notadamente a Lei nº 8.429/92.

O § 6º do mesmo cânone consagra o postulado de que a responsabilidade da Administração por danos causados A TERCEIROS é objetiva, enquanto a responsabilidade dos seus agentes é subjetiva, eis que depende da configuração do elemento subjetivo culpa ou dolo.

No âmbito da legislação desta Corte de Contas, a obrigação de RESSARCIR o DANO PROVOCADO AO ERÁRIO decorre do disposto no art. 6º, II da Lei Complementar nº 006/91, combinado com o art. 76, III, “c” do mesmo diploma, que dispõe, respectivamente:

Art. 6º – A jurisdição do Tribunal de Contas dos Municípios abrange;“II – aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte DANO AO ERÁRIO MUNICIPAL;” (destaque nosso)“Art. 7 – Nos casos de ilegalidade da despesa, irregularidade de contas ou descumprimento de suas decisões, o Tribunal de Contas dos Municípios poderá, ainda, adotar as providências abaixo relacionadas, na conformidade do caso:

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III – determinar:c) O RESSARCIMENTO IMEDIATO do patrimônio público municipal, corrigido monetariamente e acrescido dos juros de lei;” (destaque ausente do original).

Além do ressarcimento, o dano ao erário pode ensejar a imposição de MULTA, nos termos no art. 71, III da Lei Complementar nº 006/91, aos agentes públicos responsáveis por “ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou não razoável do qual resulte INJUSTIFICADO DANO AO ERÁRIO:” (nosso grifo).

A aplicação de MULTA, em hipótese de dano ao erário, também se acha prevista no dantes mencionado art. 76, III, cuja alínea “d” prevê 'A APLICAÇÃO DE MULTAS PROPORCIONAIS AO VULTO DO DANO CAUSADO AO ERÁRIO MUNICIPAL.”, “Nos casos de ilegalidade da despesa, irregularidade de contas ou descumprimento de suas decisões (...)”.

Percebe-se, portanto, que no sistema normativo deste Tribunal, a provocação de DANO AO ERÁRIO pode motivar a imposição de RESSARCIMENTO do valor correspondente ao prejuízo causado, como também pode resultar na cominação de MULTA.

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO MATO GROSSO, em precedente análogo ao caso em apreço, apreciado em sede de consulta formulada por Consórcio Intermunicipal de Saúde, processo nº 154008/2006, relatado pelo Conselheiro Ary Leite de Campos, cujo voto conduziu ao Acórdão nº 558/2007, através do qual foi pacificado naquela Corte o seguinte entendimento:

A contribuição patronal é uma despesa do ente público empregador e deve ser empenhada de acordo com a respectiva competência. O pagamento deve ser efetuado através de recolhimento ao INSS. O ADMINISTRADOR PÚBLICO DEVE TOMAR AS PROVIDÊNCIAS PARA MANTER UM CONTROLE INTERNO EFICIENTE QUE CONTROLE PRAZOS NO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. REGRA GERAL É QUE JUROS E MULTAS NÃO DEVEM SER ARCADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Se ficar evidenciada situação, em que de acordo com a legislação previdenciária, configure em atraso no cumprimento de obrigações previdenciárias, sujeitos a incidência de juros e multas, então, estes deverão ser empenhados e pagos através de recolhimentos ao INSS. AO MESMO TEMPO DEVERÃO SER TOMADAS AS PROVIDÊNCIAS PARA APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE PARA QUE A DESPESA SEJA RESSARCIDA POR QUEM DEU CAUSA AO ATRASO. CASO O GESTOR SE OMITA DE APURAR A RESPONSABILIDADE, DEVERÁ O MESMO, COM RECURSOS PRÓPRIOS, RESSARCIR A DESPESA EFETUADA COM JUROS E MULTAS POR ATRASO.” (destaque ausente do original).

Aquela mesma Corte de Contas, nos autos do processo nº 18.0009/2008, relatado pelo Cons. Valter Albano da Silva, também acerca de consulta apresentada por Câmara Municipal daquele Estado tratando sobre atraso no recolhimento do INSS, assim decidiu nos termos da Resolução de consulta nº 56/2008:

“O pagamento de juros ou encargos por atraso no parcelamento, deverá ser classificado na categoria econômica “despesas correntes”, PORÉM O ÔNUS DOS ENCARGOS DECORRENTES DO ATRASO DE

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RECOLHIMENTO SERÃO DE RESPONSABILIDADE DO GESTOR QUE DEU CAUSA, quando o parcelamento corresponder a contribuições previdenciárias posteriores a 1º/1/2005. (destaque nosso)

Ainda naquele precedente, consigna o Conselheiro Relator, em seu voto:

“(...) se os encargos forem relativos a gestões anteriores, os respectivos gestores deverão ser acionados, administrativa e/ou judicialmente, a fim de RESSARCIREM os cofres públicos.”.

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA, em processo de Tomada de Contas Especial, de nº 02/04991242, instaurado em face do Município de Celso Ramos, tendo por Relator o Cons. Moacir Bertoli, fundamentado na jurisprudência firmada naquela Corte, no sentido de que despesas com encargos (multas/juros) provenientes de atraso no pagamento do INSS devem redundar na responsabilização do Ordenador Primário, excetuando-se apenas os casos em que reste comprovada insuficiência de recursos na data do vencimento dos compromissos, decidiu, através do Acórdão nº 0717/04, condenar o Prefeito Municipal ao pagamento da quantia de R$590,00, referente a despesas com encargos por atraso no pagamento do INSS, por constituírem despesas estranhas à competência municipal e desprovidas de caráter público, eis que não abrangidas no conceito de “gasto próprio” disposto nos artigos 4ºc/c o 12,§ 1º da Lei nº 4.320/64.

A Decisão foi objeto de recurso de reconsideração interposto pelo interessado, cujo provimento foi negado pelo Tribunal, através do Acórdão nº 0209/09, cujo respectivo Voto faz remissão a excerto extraído de pronunciamento exarado nos autos do REC nº 03/04592811, no qual se assinalou:

“Desta feita, poderão ser imputados como débito ao gestor público SOMENTE OS JUROS E MULTAS que, por ventura, lhes forem aplicados quando da realização do parcelamento ou no atraso de pagamento, por configurarem despesas impróprias (destaque nosso)

Ainda a Corte de Contas Catarinense, no processo nº 02/03501551, relativo a Tomada de Contas Especial instaurada em face da Prefeitura de Meleiro, relatado pelo Auditor Gerson dos Santos Sicca, decidiu julgar irregulares as contas da Gestão do Prefeito Edgar Schneider, além de lhe imputar débito, nos termos adiante reproduzidos da respectiva decisão, o Acórdão n. 1765/08:

6.1. JULGAR IRREGULARES, COM IMPUTAÇÃO DE DÉBITO, (…) E CONDENAR OS RESPONSÁVEIS A SEGUIR DISCRIMINADOS AO PAGAMENTO DE DÉBITOS DE SUA RESPONSABILIDADE, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar, perante este Tribunal, O RECOLHIMENTO DO VALOR DO DÉBITO AOS COFRES DO MUNICÍPIO, ATUALIZADO MONETARIAMENTE E ACRESCIDO DOS JUROS LEGAIS (…) calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito (…).

6.1.2. De responsabilidade do Sr. EDGAR SCHNEIDER, ex-Prefeito Municipal de Meleiro, CPF nº 029.201.079-68 m as seguintes quantias:

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6.1.2.1. R$25.483,76 (VINTE E CINCO MIL QUATROCENTOS E OITENTA E TRÊS REAIS E SETENTA E SEIS CENTAVOS) REFERENTE A DESPESAS COM PAGAMENTO DE JUROS DECORRENTES DE ATRASO NO REPASSE DE VALORES AO FUNDO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA E PREVIDÊNCIA, em descumprimento ao previsto no art. 4º e no § 1º do art. 12 da Lei (federal) n. 4.320/64 (item III-B.1.1 do Relatório DMU)

Por seu turno, a SECRETARIA DA FAZENDA, também do Estado de Santa Catarina, através da Gerência Financeira do Tesouro Estadual, expediu a Orientação Técnica GEFTE/DTE nº 001/2010, na qual pontua:

“É importante esclarecer, entretanto, que a presente orientação técnica tem por objetivo apenas as situações em que o servidor que deu causa aos acréscimos legais pelo atraso no recolhimento do INSS assuma, de imediato, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos financeiros.

Nas hipóteses em que os encargos financeiros sejam pagos com recursos públicos há que ser providenciada a abertura de processo administrativo para apuração de responsabilidades.”

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, no processo nº 005432-02.00/08-5, relativo à Prestação de Contas do exercício de 2008 do Município de Maximiliano de Almeida, assim assinalou em voto proferido pelo relator, o Cons. Substituto Cesar Santolim:

Quanto ao subitem 3.4.2 (despesas com multas e juros pelo atraso no pagamento do INSS, PASEP e boletos bancários, em que não foram observados os prazos para pagamento das obrigações previdenciárias, com o consequente ônus aos cofres municipais pela incidência de juros e multas decorrentes do pagamento em atraso), considera-se que o aporte comprova a insuficiência dos controles que devem ser exercidos pelos setores financeiros da auditada, comprometendo a gestão do Administrador, SEM PREJUÍZO DA IMPOSIÇÃO DE MULTA.” (grifo nosso).”

…..............................................................................

Continua, adiante, o competente parecerista:

“No nosso sentir, as considerações produzidas pela defesa acerca de institutos de direito penal não tem o condão de elidir a responsabilidade do gestor face ao dano provocado ao erário, e a sua necessária responsabilização administrativa perante esta Corte de Contas, eis que uma possível responsabilização na esfera penal por prática de delito de apropriação indébita previdenciária não é controvérsia a ser discutida no âmbito desta Corte, porquanto a competência deste Colegiado diante dos CRIMES que detecta se restringe à formulação de representação ao Ministério Público competente, nos termos do art. 1º, XIX da Lei Complementar nº 006/91, cabendo ao Parquet a promoção das apurações cabíveis, inclusive na esfera civil (ato de improbidade) , e a provocação do Poder Judiciário, acaso comprovado o cometimento do delito. (grifos deste Relator)

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Assim, é certo que a responsabilidade civil, administrativa e penal são independentes entre si, de sorte que a apuração das consequências de ordem criminal da conduta do agente público não afasta a censura e apenação da mesma conduta na esfera civil e na administrativa...

…....................................................................................

Razão também não assiste à alegação da defesa, no sentido de que “para haver a imposição de multa pelos Tribunais de Contas é necessária a existência de má-fé ou dolo do gestor”. O dantes citado art. 37, § 6º da Lei Maior ao dispor que o Poder Público responderá “pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de DOLO OU CULPA,” (destaque nosso), o que torna clara que a intenção do texto constitucional foi a de garantir a responsabilização civil do agente público por danos causados a terceiros, levando em conta o elemento subjetivo da conduta, o que significa dizer que o AGENTE responderá seja por ter agido com dolo, seja por ter agido com culpa.

Na mesma esteira, a Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre os atos de improbidade administrativa e respectivas sanções, também expressamente levou em conta o elemento subjetivo da conduta como fato ensejador da responsabilização do agente, v.g. Do art. 5º, in verbis:

“Art. 5º – Ocorrendo LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO por AÇÃO OU OMISSÃO, DOLOSA OU CULPOSA, DO AGENTE OU DE TERCEIRO, DAR-SE-Á O INTEGRAL RESSARCIMENTO DO DANO.”. (nosso destaque)

Prescreve, ainda, o art. 10, caput, do mesmo diploma:

Art. 10 – Constitui ato de improbidade administrativa que causa LESÃO AO ERÁRIO QUALQUER AÇÃO OU OMISSÃO, DOLOSA OU CULPOSA, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:” (nosso destaque)

Tampouco o argumento de inexistência de recursos suficientes na Administração em questão se mostra apto a desconstituir a irregularidade ora em apreço, uma vez que a defesa não produziu qualquer prova documental que corrobore o argumento de que houve insuficiência de recursos para acudir àquelas obrigações. (grifos do Relator)

De mais a mais, nos parece que ainda que restasse comprovada nos autos que a mora nos pagamentos se deu por insuficiência de recursos, ainda assim a circunstância estaria a denotar deficiência no controle interno da Administração, já que ante à possibilidade de escassez de recursos, caberia à Administração engendrar medidas administrativas no sentido de evitar a mora no adimplemento de obrigações previdenciárias, e, consequentemente, a incidência de multas e juros, até porque por se tratar de obrigação de cunho previdenciário, absolutamente PREVISÍVEL se revela a sua exigibilidade, o que justifica o tratamento mais rigoroso atribuído pela legislação à espécie, prevendo, inclusive, a sujeição do responsável a consequências inclusive de ordem penal, obviamente, no foro competente”.

Nestes termos, manifestamo-nos pela sua procedência”.

Deve o Relator aditar ao quanto até aqui posto que esta Corte de Contas, desde o primeiro ano da Gestão do Prefeito João Henrique de Barradas Carneiro, em 2005, tem

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acompanhado a evolução das receitas, despesas e dívidas da Comuna de Salvador, sempre alertando o Gestor quanto ao crescimento desta última, até que, sem que tenha havido atendimento às ressalvas e advertências, se viu obrigada a rejeitar as contas dos exercícios de 2009, 2010 e 2011. Exemplificando: - o Parecer Prévio atinente ao exercício de 2007, explicitou, verbis: “- no Balanço Patrimonial do exercício em exame, encontram-se escrituradas diversas contas no Ativo/Passivo Compensado que somam R$313.758.022,74. Deste montante, a conta “Outros Controles”, que representa ‘Juros Cont. 04001050/01 – INSS’ e ‘Precatórios’, participa com o volume de R$277.947.356,08. Questionada sobre a origem e a composição da referida conta, a administração informa que se trata de um fato que afetará o patrimônio da Prefeitura Municipal do Salvador futuramente.” Adiante, no resumo das irregularidades, destaca o referido Parecer, litteris: “atraso no pagamento de contas de consumo dos credores Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia, Telemar Norte Leste S/A, INSS, Correios, Telebahia Celular S/A – Vivo e Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A, resultando na incidência de R$1.022.696,87 referente a dispêndios com multas e juros bancários”; - o atinente ao exercício de 2006 pontua, na parte relativa a irregularidades: “g) atraso no pagamento de contas de consumo das empresas Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia, Telemar Norte Leste S/A, INSS, Telebahia Celular S/A – Vivo, TNL PCS S/A e Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A, resultando na incidência de multas e juros bancários, pelo que se determina à CCE a apuração da irregularidade, lavrando, se necessário, o competente termo de ocorrência”. Adiante, no item específico, explicita: “No Balanço Patrimonial do exercício em exame, encontram-se escrituradas diversas contas no Ativo/Passivo Compensado que somam R$300.279.315,04. Deste montante, a conta “Juros Cont. 04001050/01 INSS” participa com o volume de R$123.343.511,89. Questionado sobre a origem da conta anterior, a administração informa que trata-se de um fato que afetará o Tesouro ao final da execução do Contrato INSS n.º 04001050/01. Salienta-se à gestão municipal que os juros de dívidas já constituídos à data do encerramento do exercício e que serão pagos no prazo superior a doze meses deverão constar no Balanço Patrimonial no grupo do Passivo Permanente, preservando a transparência e fidelidade da posição patrimonial da entidade.” e, assim, sucessivamente.

O Parecer Prévio concernente ao exercício correspondente ao presente Termo de Ocorrência – 2009 – explicita, claramente, entre as causas que conduziram a sua conclusão no sentido da rejeição, litteris: “ Verificação de elevado dispêndio com o pagamento de multas e juros, decorrentes da quitação em atraso de obrigações, a revelar reincidência segundo Pareceres Prévios nºs 832/08 e 856/07 – fls. 252. Os atinentes aos dois exercícios subsequentes – 2010 e 2011 – mencionam a mesma ocorrência, de maneira reincidente, como motivadoras, entre outras, da rejeição das respectivas contas. Desta sorte, tudo visto, detidamente analisado e relatado, considerando-se:

a) que cuida o presente processo de Termo de Ocorrência lavrado em face da realização, pela Prefeitura Municipal do Salvador, em 2009, na gestão do Prefeito João Henrique de Barradas Carneiro, de pagamento de juros e multas por atraso no cumprimento de obrigações referentes ao INSS;

b) que houve respeito aos direitos consagrados no inciso LV do art. 5º da Carta Federal, sem que a defesa apresentada tenha colacionado provas das alegações nela contidas,

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muito menos que providências de planejamento e controle teriam sido adotadas para evitar a sangria, ano a ano, do erário municipal em face de tais gastos;

c) que esta Corte de Contas, desde o primeiro ano da gestão do Prefeito citado – 2005 – até as ultimas contas apreciadas – 2011 – destacou a ausência de providências objetivando o cumprimento de obrigações pela Comuna, inclusive as relativas ao INSS, na data dos respectivos vencimentos;

d) que o Parecer Prévio nº 943/10, emitido acerca das contas do exercício a que se reportam os presentes autos – 2009 – apontou como uma das causas de sua rejeição e aplicação de pena pecuniária, o atraso no pagamento de obrigações relativas ao INSS, que totalizaram R$1.316.874,12 (um milhão, trezentos e dezesseis mil, oitocentos e setenta e quatro reais e doze centavos), razão impeditiva da incidência de novas cominações, evitando-se o bis in idem;

e) que, entretanto, resta caracterizado o descumprimento de reiteradas decisões desta Corte de Contas, condição mencionada no artigo 76 da Lei Complementar Estadual nº 006/91;

f) o contido no parecer jurídico TOC nº 2027/11 – fls. 204 a 213 – e tudo o mais que dos autos consta.

Votamos, com lastro nos artigos 1º, inciso XX e 76, caput, inciso I, alínea “d” da Lei Complementar Estadual nº 006/91, pelo conhecimento e procedência da irregularidade apontada no Termo de Ocorrência autuado sob TCM nº 30.811/10 para, em decorrência, adotar as seguintes providências:

1) Determinar que a SGE providencie a anexação aos autos dos Pareceres Prévios emitidos acerca das contas de 2006, 2007, 2010 e 2011 da Prefeitura Municipal do Salvador;2) Determinar a remessa, em seguida, de cópia autenticada destes autos ao Ministério da Previdência Social, com vistas do Departamento de Acompanhamento respectivo, em face do atraso no cumprimento de obrigações relativas ao INSS pela Prefeitura Municipal do Salvador, incluídas as dos prestadores de serviços de suas descentralizadas, bem assim ao Ministério Público Federal, para as providências que entendam pertinentes;3) Determinar a formulação de representação ao douto Ministério Público Estadual, em face da reiterada desídia revelada na gestão do Sr. João Henrique de Barradas Carneiro na Prefeitura Municipal do Salvador, entre 2005 e 2012, acarretando o desembolso de vultosas quantias a título de juros, multas e correções, em face da inexistência de planejamento e controle das receitas e despesas da Comuna.

SALA DAS SESSÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA, em 20 de agosto de 2013.

Conselheiro José Alfredo Rocha Dias - Relator

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