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Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017
Influência dos Quatro Elementos da Natureza na Gastronomia:
Terra, Ar, Água, Fogo
Influence of the Four Elements of Nature in Gastronomy: Soil, Air, Water, Fire
Camila Moura Linhares1
Frederico Divino Dias2
Resumo: Terra, ar, fogo e água possuem influência direta no processo histórico de transformação da alimentação.Objetivou-se por meio de pesquisa bibliográfica comprovar a possibilidade de combinar estes elementos em diversas preparações. Ainda, saber utilizar o melhor de cada um deles para criar preparos que valorizem o sabor, aroma, cor e textura dos alimentos, de forma que o alimentado possa vivenciar experiências sensoriais importantes e até mesmo surpreendentes.
Palavras-chave: Ar. Terra. Fogo. Água. Alimento. Gastronomia.
Abstract: Soil, air, fire and water have a direct influence on the historical process of food transformation. The objective of this research was to verify the possibility of combining these elements into several preparations. Also, know how to use the best of each of them to create preparations that value the flavor, aroma, color and texture of foods, so that the fed experiences important and even surprising sensory experiences.
Key words: Air. Soil. Fire. Water. Food. Gastronomy.
1 Aluna do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia. Endereço eletrônico:
[email protected] 2Gastrólogo, Mestre em Educação e Desenvolvimento Local, Professor do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia da Faculdade Promove. Endereço eletrônico: [email protected]
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Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017
1 INTRODUÇÃO
A alimentação é uma necessidade básica, um direito humano e, simultaneamente,
uma atividade cultural, permeada por crenças, tabus, distinções e cerimônias.
Comer não representa apenas o fato de incorporar elementos nutritivos importantes
para o nosso organismo, é antes de tudo um ato social e, como toda relação que se
dá entre pessoas, traz convívio, diferenças e expressa o mundo da necessidade, da
liberdade ou da dominação. Os padrões alimentares de um grupo sustentam a
identidade coletiva, posição na hierarquia, na organização social, mas, também,
determinados alimentos são centrais para a identidade individual (PEDRAZA, 2004).
Os valores de base do sistema alimentar não se definem em termos de
‘naturalidade’, mas como resultado e representação de processos culturais que
preveem a domesticação, a transformação, a reinterpretação da natureza.
(MONTANARI, 2009).
O conjunto de elementos naturais: terra, ar, fogo e água, possui influência direta no
processo histórico de transformação da alimentação. A começar pelo fogo, segundo
Pollan (2013) indiferente da temperatura, o fogo exerce transformações substanciais
nos alimentos alterando textura, aparência, sabor e composição do alimento.
A água permite o transporte e a reação de substancias nos alimentos e quando
acompanhada de outros temperos auxilia na absorção de sabores. Com o devido
tempo e a quantidade apropriada de calor, quebra as fibras mais resistentes tanto de
vegetais quanto de animais, transformando-os em comida. Se tiver ainda mais
tempo, ela transformará o alimento numa pasta saborosa e, no final, num líquido
gostoso e nutritivo: uma fase dispersa de sua identidade contínua. Mas aquilo que a
água desintegra ela também reagrupa de outras formas (POLLAN, 2013).
Por meio de um trabalho mutuo, ar e líquidos influenciam na elaboração alguns
alimentos que sofrem alteração em suas características como consistência, sabor e
apresentação (HAUMONT, 2016).
Na terra, por meio de sua fermentação os alimentos são semeados, cultivados,
colhidos e posteriormente devolvidos por apodrecimento, adubo ou escória,
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evidenciando assim, um ciclo que se inicia e finda nela. Os humanos logo
perceberam que fermentar diversos alimentos servia para muito mais do que apenas
prolongar sua validade, por mais importante que isso fosse. Fermentar os sumos
das frutas não apenas esterilizava a bebida, mas também a transformava num
poderoso entorpecente. Muitos alimentos se tornam bem mais nutritivos após a
fermentação. Em alguns casos, o processo cria nutrientes inteiramente novos
(POLLAN, 2013).
A elaboração de um prato requer habilidade, técnica, estudo, coesão, e bom
desenvolvimento. Objetiva-se com esta pesquisa levantar informações e
conhecimentos que auxilie o profissional de gastronomia sobre como utilizar e
aplicar cada um dos elementos da natureza (fogo, água, ar e terra) desde a criação
à finalização de um prato de forma a torna-lo de qualidade, bonito e saboroso.
Busca-se também entender a influência destes elementos sensorialmente ao
saborear um prato e a participação destes na construção do sabor, aroma, textura e
paladar.
Este estudo se justifica por proporcionar o entendimento da influência destes
elementos na gastronomia, configurando-se de grande relevância, pois amplia a
possibilidade de desenvolvimento de pratos que proporcionem ao sujeito mais que
uma alimentação para subsistência, mas também experiências sensoriais diversas e
prazerosas. Este artigo também é uma contribuição para a literatura gastronômica,
pois auxilia no entendimentoda utilização dos quatro elementos para melhorias de
processos de cocção, extração de sabores bem como leva ao entendimento da
evolução histórica das transformações humanas influenciadas por suas alquimias
durante a preparação de alimentos.
Diante dos fatores supra apresentados deseja-se, com este trabalho de pesquisa,
responder a seguinte questão: É possível desenvolver umaúnica preparação
culinária que envolva de forma complementar os quatro elementos da natureza?
2 REFERENCIAL TEÓRICO
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Pedraza (2004) afirma que os alimentos representam a ligação mais primitiva entre
natureza e cultura, fazendo parte da raiz que liga um povo, uma comunidade ou um
grupo à sua terra e à ‘alma’ de sua história.
Em complemento Montanari (2008) reflete que o ato de se alimentar é mais que
apenas um processo mecânico, é cultura em todo o seu percurso até a boca do
homem:quando produzida, pois não se come apenas o que encontramos na
natureza; quando preparada, já queeste processo criativo implica uma
transformaçãodos produtos-base da alimentação, mediante técnicaselaboradas que
expressam as práticas da cozinha; equando consumida, uma vez que há a seleção
do quecomer, mesmo podendo comer de tudo, com basenos mais variados critérios
(econômicos, religiosos,nutricionais, dentre outros).
Destes preceitos vêm a importância de se entender a influência histórica e científica
dos quatro elementos na produção dos alimentos.
2.1 A água e os alimentos
A água é um dos componentes mais importantes nos alimentos. É o veículo para as
reações químicas, bioquímicas e sua presença é essencial para desenvolvimento de
microrganismos. A preservação de um alimento, sua consistência, aspecto e cor na
maioria das vezes depende da quantidade de água presente (ARAÚJOet al.,2014).
A título de exemplo, os vegetais, frutas, carnes, leites e ovos tem um conteúdo
variável de água entre 70% a 90%. Porém, mesmo com a ciência de que os
alimentos contêm água em abundância é difícil saber como ela está distribuída e o
mesmo acontece com suas propriedades. A disponibilidade de água no alimento
está diretamente ligada às transformações que ele pode sofrer bem como sua
deterioração. A maioria dos métodos de preservação e conservação de alimentos se
baseia ou na remoção das moléculas de água (secagem e desidratação) na redução
da mobilidade das moléculas de água (congelamento) ou na adição de solutos,
como o sal e açúcar. No processamento e preparação de alimentos a água
desempenha importantes funções. Ela atua ora como solvente, ora como
dispersante, como hidratante ou como veículo de transferência de calor (ARAÚJOet
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al.,2014).
Neste contexto, Araújo et al. (2014, p. 108-110) explica as transformações dos
alimentos pela relação a alguns métodos de cocção e água:
a) Ensopados: torna os alimentos, especialmente aqueles que não podem ser
consumidos in natura, em melhor digeríveis, apurando, também
características organolépticas (sabor, aroma e cor), desenvolvendo a
consistência desejada;
b) Cozimento ao vapor: processo mais lento, que conserva melhor os
nutrientes, mantém as características organolépticas;
c) Uso do forno micro-ondas: a vibração das moléculas de água no interior dos
alimentos faz com que ele aqueça muito mais rápido que em um forno
convencional;
d) Assados: a elevada temperatura do ambiente faz com que os alimentos
percam muita água por evaporação. É recomendado cobrir o alimento com
papel alumínio dois terços do período de cozimento ou regá-lo com molhos
para que eles não fiquem secos;
e) Grelhados: a perda de umidade proveniente da evaporação das moléculas
de água promove a contração de tecidos, mudando o tamanho das porções.
A diminuição de água dará lugar ao surgimento de cor, textura e crocância
aos alimentos;
f) Frituras ou salteados: a formação de crosta dificulta a saída de vapor. Desta
forma a pressão interna cozinha o alimento com maior rapidez.
Coletti (2016) relaciona ainda um método de cocção muito utilizado nos dias atuais,
a cocção pelo uso do micro-ondas. O processo de aquecimento dos alimentos
submetidos ao micro-ondas está relacionado à água que está contida nestes
alimentos. “A radiação do forno micro-ondas se dá por meio de radiação de ondas
que agitam as moléculas e as partículas de água presentes no alimento, gerando um
aquecimento de dentro para fora do alimento” (COLETTI, 2016, p. 48).
2.2 O fogo e os alimentos
“Gerador de calor e de luz, o fogo - associado à magia, a sobrenatural, e a ideia de
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vida e purificação – foi, provavelmente, uma das primeiras divindades” (FRANCO,
2010, p. 16). Segundo o mesmo autor a cocção dos alimentos auxiliariam na
mastigação e após as invenções de utensílios de pedra e de barro diferentes
processos de cozimento puderam ser criados.
Os métodos utilizados para cocção de alimentos se diferenciam pelosmeios de
transmissão de calor. Os meios comumente utilizados para o cozimento dos
alimentos são: água, corpos gordurosos, ar seco e úmido (ARAÚJO et. al., 2007).
Voltando ainda ao assunto histórico em relação ao fogo, Coletti (2016) relata que o
resultado interação entre calor e alimento, pós descoberta do fogo, diferenciou o ser
humano de outros animais. O calor transformou a textura dos alimentos, tornando-os
mais tenros ao consumo, exigindo menor esforço da musculatura facial e do sistema
digestivo. A energia que sobrava ao homem serviu para o desenvolvimento de
outras partes do corpo como o cérebro.
O principal benefício da descoberta do fogo foi a alteração no sabor do alimento,
fator fundamental no desenvolvimento do paladar bem como para diferenciação dos
futuros conceitos de alimentação. Além dissopossibilitou a diferenciação do ato de
se alimentar por necessidade fisiológica e do ato de se alimentar por prazer
(BRILLAT-SAVARIN, 2012 apudCOLETTI, 2016).
Pollan (2013) complementa:
Em termos químicos, o fogo tornará complexo o que antes era simples. A exposição de proteínas, açúcares e gorduras existentes na carne à fumaça e ao fogo cria em torno de três mil ou quatro mil novos compostos químicos, moléculas complexas e muitas vezes aromáticas forjadas a partir da simples formação de blocos de açúcar e aminoácidos. ‘E esses são apenas os compostos para os quais temos nomes; existem provavelmente centenas de outros que não identificamos’, explicou. Nesse aspecto, cozinhar, embora seja um processo que começa desintegrando coisas, é o oposto da entropia, pois constrói novas estruturas moleculares mais complexas a partir de formas mais simples (POLLAN, 2013, p. 78).
Com o passar do tempo surgem as geladeiras, congeladores, fornos micro-ondas,
fornos elétricos, máquinas de vácuo, entre outros. Há uma adaptabilidade da
interação com alimento frente às novas possibilidades tecnológicas, transformando o
conceito de se alimentar. Também são criados maquinários mais modernos, como
por exemplocomo o cook-chill, forno combinado, sous vide, além de novas técnicas
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que se preocupam com a qualidade do alimento preparado em série. Dessa forma é
possível dividir em duas partes a evolução do homem por meio dos métodos de
cocção: a primeira, na qual o alimento parece ser parte de transformações no
indivíduo e nas formas de organização social. Já a segunda parte contando com
uma estrutura social consolidada, que ocorre principalmente no período pós-guerra,
na qual é desenvolvida a relação entre tecnologia e alimentos, por meio da criação
de novos equipamentos e métodos de cocção(COLETTI, 2016).
Em relação às experiências sensoriais, a temperatura dos alimentos é importante na
aceitação de um prato, pois possibilita a melhor liberação de moléculas aromáticas.
A temperatura em excesso pode também causar modificações indesejáveis, pois
eliminam o aroma dos alimentos e degradam o sabor em moléculas amargas ao
paladar. Em contrapartida os alimentos servidos em baixas temperaturas reduzem a
irrigação sanguínea lingual, diminuindo também a percepção do gosto (MINAMI,
2006).
2.3 A terra e os alimentos
“Quem tempera o alimento é a terra onde ele cresce” (LEME, 2016, p. 68). A terra é
o principal meio de cultivo dos vegetais utilizados na alimentação. É da terra que o
vegetal absorve todos os nutrientes necessários, adquirindo sabor, cor e textura. E é
para a terra que o alimento que já passou do ponto volta para se transformar em
nutrientes e alimentar o crescimento de um novo vegetal (LEME, 2016).
Franco (2010) explica que o homem renunciou seu papel de caçador ao iniciar o
cultivo da terra há cerca de dez mil anos atrás. Surgiu assim a agricultura, quando o
homem deixou de consumir parte dos grãos e colhidos e os enterrou para gerar
novos frutos. Para as primeiras civilizações o cultivo da terra, bem como a fabricação
dos utensílios de cerâmica e de fornos possibilitou o estabelecimento de habitação
fixa. O início das civilizações está diretamente relacionado à procura de alimentos,
rituais e costumes de seu cultivo e preparação.
Os nutrientes e minerais presentes no solo influenciam diretamente a cor dos
alimentos ali produzidos. Sensorialmente, a cor dos alimentos está ligada à
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formação do paladar. Cores vibrantes como vermelho, laranja e amarelo aguçam o
paladar, já cores frias como azul, verde, marrom e preto são menos estimulantes
(MINAMI, 2006).
2.4 O ar e os alimentos
A incorporação do ar na cozinha, entra através da panificação, cozinha molecular e
confeitaria. Na fermentação ele é incorporado através do gás carbônico. Nos óleos e
gorduras faz com que melhore o volume.(Pollan,2013)
De acordo com a história, a fermentação surgiu acidentalmente, quando um pedaço
de massa contendo farinha e água foi deixada a céu aberto e as bactérias presentes
no ambiente se instalaram dando início a fermentação alcóolica, que depois de
alguns dias se tornou ácida e deu volume a massa (CANELLA-RAWLS apud
GUIMARÃES et al., 2014).
A incorporação de ar à massa se desenvolve durante o amassamento das
propriedades do glúten resultando numa massa visco elástica tridimensional que
segura o dióxido de carbono (CO2) durante a fermentação e ocasiona a expansão da
massa (GUIMARÃES et al., 2014).
O ar está ainda relacionado à disseminação do aroma dos alimentos e à percepção
do sabor. Estas atividades sensoriais fazem parte de um processo que começa com
a interação dos componentes do alimento com os receptores olfativos e gustativos,
localizados na cavidade nasal e na boca, respectivamente (MINAMI, 2006).
2.4.1 O ar naGastronomia Molecular
Segundo Gil (2010) o termo gastronomia molecular foi originalmente proposto por
cientistas para salientar a importância da compreensão dos processos moleculares e
físico-químicos que ocorrem durante a criação de comida na cozinha. Sendo um
ramo da ciência que estuda as transformações físico-químicas de materiais
comestíveis que se dão durante o processo de preparação e os fenômenos
associados ao seu consumo, a abordagem científica pode ser utilizada para otimizar
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ingredientes ou processos de preparação de comidas já existentes ou, ainda, para
preparar comidas inovadoras.
As principais premissas da gastronomia molecular são extraídas de Koppmann
(2015):
a) Todos os produtos têm o mesmo valor gastronômico, independentemente de
seu preço;
b) Ainda que se modifiquem as características dos produtos (temperatura,
textura, forma etc.), o objetivo é preservar seu sabor original;
c) Aproveitar ao máximo as técnicas conhecidas;
d) A informação proporcionada por um prato se desfruta através dos sentidos
(não apenas o paladar), e igualmente da reflexão;
e) Cria-se em equipe (profissionais da física, química,biologia, e outras);
f) Desaparecem as barreiras entre doce e salgado;
g) O menu-degustação está ainda em alta;
h) O conhecimento e/ou a colaboração com experts de diferentes campos é
primordial para o bom andamento na criação.
3 METODOLOGIA
O presente artigo apresenta um trabalho de pesquisa qualitativa, por meio de
revisão de literatura, com vistas a analisar a influência dos quatro elementos da
natureza na gastronomia. Trata-se de uma investigação científica de natureza
exploratória, pois serão levantados na literatura alguns dos principais textos sobre o
referido assunto, além de configurar-se como um estudo descritivo, pois os
resultados encontrados por meio da pesquisa serão apresentados no decorrer do
trabalho objetivando alcançar a proposta inicial.
A abordagem utilizada será a dedutiva, pois parte da análise do todo (os quatro
elementos da natureza) e os afunila ao contexto gastronômico. O procedimento
utilizado para esta dedução terá seu aporte na pesquisa bibliográfica.
Para tanto serão utilizados livros, artigos e publicações acadêmicas nacionais e
internacionais tanto impressas quanto eletrônicas, estas retiradas de bases de
dados como o Google Acadêmico, Scielo e Microsoft Academic. Dar-se-ão
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preferência a textos recentes, porém como o tema engloba fenômenos naturais
presentes anteriormente a existência humana no planeta algumas fontes mais
antigas serão consideradas dada a sua relevância para a compreensão histórica do
tema.
Os resultados desta pesquisa envolverão a apresentação de quatro preparos
gastronômicos e suas formas de execução serão discutidas e amparadas pela
literatura pesquisada. A escolha dos preparos teve como pressuposto a utilização
conjunta dos quatro elementos da natureza. Ao final será apresentado um quadro
síntese com as principais informações extraídas das literaturas pesquisadas sobre
estes quatro elementos e sua participação no processo de criação dos alimentos.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ar, terra, fogo e água. Quatro elementos fundamentais à manutenção da vida na
Terra e grandes agentes modificadores do universo alimentar. Na maioria das vezes
estes elementos agem em conjunto, desde a transformação da semente em um
vegetal, por meio da interação água-solo-ar, até a cocção de um alimento por meio
do fogo. Os elementos atuam diretamente na formação e apuração das
características sensoriais dos alimentos. (Pollan, 2013)
Pollan(2013) defende a importância da interação entre estes quatro elementos na
forma como ele é produzido, demonstrando que a natureza é o ente mais poderoso
para a produção de alimentos. Além disso ele corrobora com a constatação de que a
descoberta do fogo auxiliou o processo digestivo do homem por meio da maciez dos
alimentos pós processo de cocção, salvando-lhe energia para desenvolvimento do
cérebro. O autor conclui que cozinha, na verdade, nos torna seres humanos.
Pollan (2013) defende também que entender os efeitos dos quatro elementos torna-
se de grande relevância. Entender ainda, que há a possibilidade de atuação destes
quatro elementos de forma a proporcionar a atenuação das características
organolépticas dos alimentos tem seu valor.
Diante de todo o estudo apresentado neste artigo até então o que se propõe a seguir
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é contribuir com exemplos de preparação, onde se resultou na elaboração de um
prato, os quais estes quatro elementos trabalham de forma conjunta resultando em
alimentos saborosos e nutritivos. Os preparos estão apresentados em fichas
técnicas inseridas no Anexo A, e o resultado (Prato) final a seguir.
4.1 Fogo: Barriga de porco assada
Este primeiro preparo envolve tanto elementos de origem natural quanto vegetal,
advindas do cultivo da terra como o alecrim, a pimenta do reino e o alho. O método
de cocção utilizado é assar em forno inicialmente, seguido por imersão em óleo para
que a pele do porco possa pururucar (ilustrado na Figura 1).
Figura 1 –Barriga de porco à pururuca. Fonte: <https://sandrurs.wordpress.com/2013/04/05/panceta-ou-torresmo-a-pururuca/>. Acesso em:
22 jun. 2017.
Minami (2016) explica que a cocção dos alimentos tem como objetivo eliminar micro-
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organismos nocivos à saúde, manter ou realçar o sabor nutritivo do alimento,
melhorar a textura, a aparência, o sabor e o aroma do alimento. A etapa de assar a
barriga de porco por um período longo e ao fogo baixo realçará o sabor do porco e
amaciará a carne. Após a fritura a textura e o sabor será modificado, já que a
experiência sensorial de crocância cause agradável sensação ao paladar. A
crocância se dará durante o processo de fritura, onde o ar incorporará os vazios
deixados pela eliminação da água devida a alta temperatura do óleo.
4.2 Água:Mousseline de batata baroa
A batata baroa, um alimento cultivado diretamente submerso no solo, adquire deste
contato seu formato, carga nutritiva, aroma e sabor. São reações químicas e físicas
próprias dos alimentos, aspectos do ritual que envolve sua produção e consumo no
interior do solo (MINAMI, 2006; LEME, 2016).
Este segundo preparo é iniciado pela cocção da batata submersa em água.Segundo
Araújo et al. (2014)a água auxiliará na transformação da textura do alimento,
tornando-o mais macio. Em alguns casos a junção da água e do calor do fogo
resultará em transformações físico-químicas alterando também a cor e o
sabor.Pollan(2013) complementa que aplicar calor para eles faz com que a água
deixe os tecidos das plantas e quebra as moléculas de carboidratos nos açúcares
que aprofundam os sabores, enquanto o meio líquido permite a troca de moléculas e
sabores.
Com a batata amaciada pela cocção será mais fácil amassá-la e juntá-la aos demais
ingredientes, levando-os ao fogo novamente de forma que haja a fusão dos sabores
da manteiga, do creme de leite, do sal e da pimenta. Desta forma a
mousselineestará pronta para ser servida (Figura. 2). Nunes (2015) explica que há
uma sutil diferença entre amousseline e um purê de batatas e esta diferença está
diretamente relacionada à incorporação de ar, conferindo-lhe a textura de mousse,
ou seja, é leve e areada.
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Figura 2 –Mousseline de batata baroa. Fonte: <http://www.montaencanta.com.br/acompanhamentos/mousseline-de-mandioquinha/>. Acesso
em: 22 jun. 2017.
4.3 Ar: Espuma de laranja
A lecitina de soja é muito utilizada pela sua propriedade emulsificante. Gil (2010)
explica que as espumas são dispersões de gás em soluções ou em sólidos. As
espumas culinárias podem ser obtidas por ação mecânica, como é o caso da
preparação de claras em castelo, por adição de lecitina de soja ou por injeção de um
gás sob pressão. Esses processos são muito utilizados na gastronomia molecular,
sendo a lecitina o ingrediente mais utilizado para incorporação de ar em alimentos
líquidos como no caso deste preparo, o suco de laranja.
Gil (2010) sugere ainda que as espumas devem ser consumidas logo a seguir à sua
preparação para que o efeito pretendido possa surpreender. A experiência sensorial
proporcionada pelo saboreio de uma espuma faz com que o sabor do alimento seja
sentido de forma suave a agradável ao paladar, até mesmo o sabor cítrico, como no
caso da laranja. A Figura 3 ilustra este preparo e sugere uma forma de
apresentação.
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Figura 3 –Espuma de laranja. Fonte: <https://www.flickr.com/photos/sifu_renka/6900670157>. Acesso em: 22 jun. 2017.
4.4 Terra: Picles de beterraba
Assim como a batata, a beterraba também advém do cultivo da terra. Sua coloração,
sabor e aroma também são resultados dos processos físico-químicos que
estaleguminosa faz ao absorver os nutrientes da terra e a água(LEME, 2016). Este
último preparo compreende o processo de feitura deconserva tendo a beterraba
como ingrediente principal.
Segundo Teixeira (2014)o picles é um tipo de conserva de sabor picante, podendo
ser servido no início das refeições, como aperitivo e como componente de saladas.
É preparado com hortaliças inteiras, ou cortadas em pedaços, acondicionadas em
vidros e recobertas por uma calda ácida preparada com substâncias avinagradas,
sal e açúcar, além de condimentos diversos.
No caso deste preparo optou-se por submergir as fatias de beterraba vinho tinto, que
combina em coloração com a beterraba e contribuirá para acentuar o sabor da
beterraba, fazendo também com que os demais temperos, sal, pimenta do reino,
louro e alecrim, liberem seus sabores no caldo e penetrem na beterraba, ilustrado
pela Figura 4.
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Figura 4 –Picles de beterraba. Fonte: <https://br.pinterest.com/explore/beterraba-em-conserva/>. Acesso em: 22 jun. 2017.
Importante mencionar, mesmo que rapidamente, o processo de transformação
durante a fabricação de um vinho, onde o principal mecanismo é a fermentação das
uvas (RIZZON; MANFROI, 2006). Esse processo fora citado anteriormente neste
artigo por GUIMARÃES et al. (2014) e Pollan (2013) ao explicar sobre a fermentação
alcoólica de pães, utilizando o ar como um dos principais mecanismos.
Os quatro preparos supra apresentados contribuíram para o entendimento da
importância e da atuação dos quatro elementos da natureza na preparação de
diversos alimentos. A título de sintetizar as principais informações obtidas em todo o
desenrolar teórico apresentado neste artigo, o Quadro 1 abaixo apresenta as
principais características dos quatro elementos em relação aos alimentos:
Quadro 1 – Interação entre os quatro elementos e a influência nas transformações dos
alimentos
Elementos Influências e características
Físico-químicas Sensoriais
Água
Compõe de 70 a 90% dos alimentos, veículo para reações químicas, quebra
molecular, maciez, aquecimento, desenvolvimento de micro-organismos.
Atenuação de sabores.
Fogo Aquecimento, transformações químicas,
ponto para servir.
Alteração de sabor, textura e aroma. A temperatura influencia
na percepção de sabor.
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Terra Meio de desenvolvimento de vegetais,
fornecendo nutrientes. Auxilia na formação de cor, sabor e textura dos alimentos in natura.
Ar Fermentação de alimentos, aeração. Disseminação do aroma e textura
gustativa dos alimentos, sobretudo os mais aerados.
Fonte: Compilado deAraújoet al. (2014);Franco (2010);Coletti(2016);Pollan (2013), Minami (2006);Leme (2016);Guimarães et al.(2014) e Gil (2010).
5 CONCLUSÃO
A gastronomia objetiva proporcionar prazer, relacionando a qualidade do alimento
preparado a sensações diversas que o alimentante pode experimentar ao ingerir os
alimentos.
Neste contexto a abordagem sobre a influência dos quatro elementos na formação e
transformação dos alimentos foi importante por evidenciar a importância destes
alimentos não somente à formação físico-química, mas também por demonstrar a
importância de saber utilizá-los a favor de melhorar as características de uma
preparação gastronômica.
A preocupação com a melhoria da qualidade dos alimentos e dos diversos preparos
tem crescido nos últimos anos, por isso o estudo da influência dos quatro elementos
contribui para que os envolvidos no processo de cozinhar possam executar suas
receitas valorizando o alimento, fazendo combinações de sabores, potencializando a
aceitação do prato, enfatizando principalmente as cores, aroma, textura e
temperatura.
O objetivo geral deste trabalho foi alcançado uma vez que se concluiu que é
possível combinar os quatro elementos na preparação de um prato. Ainda, saber
utilizar o melhor de cada um destes alimentos proporcionará a criação de preparos
que valorizem o sabor, aroma, cor e textura dos alimentos, de forma que o
alimentado vivencie experiências sensoriais importantes e até mesmo
surpreendentes.
Entende-se ainda que é de extrema importância que outros estudos venham ao
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encontro do que foi apresentado aqui para que novas contribuições técnicas e
científicas venham ratificar e popularizar a riqueza das preparações desenvolvidas
nas cozinhas pelo mundo.
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APÊNDICE A - FICHAS TÉCNICAS
NOME DA RECEITA: Barriga de Porco Assada
CATEGORIA: Prato Principal
Ingredientes:
Qtde Un. Especificações
1 unid Barriga de porco limpa
30 ml Cachaça
q.s Sal
q.s Pimenta do reino moída
q.s Alecrim
10 g Alho
Modo de Preparo:
Tempere a barriga de porco com a cachaça, alho, sal, pimenta e alecrim.
Coloque em uma assadeira com papel alumínio em cima, asse por 3h a 130º C.
Corte a barriga e frite em óleo por imersão até pururucar.
NOME DA RECEITA: Mousseline de batata baroa
CATEGORIA: Mousseline
Ingredientes:
Qtde Un. Especificações
2 kg Batata Baroa
1 l Creme de leite fresco
60 g Manteiga
q.s Pimenta do reino branca
q.s Sal
Modo de Preparo:
Cozinhe a batata baroa até que fique macia, escorra a água. Com ela ainda
quente bata no liquidificador com creme de leite aos poucos até obter uma
consistência de mousseline. Coloque em uma panela, acerte o sal e pimenta,
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coloque a manteiga e misture.
NOME DA RECEITA: Espuma de laranja
CATEGORIA: Molecular
Ingredientes:
Qtde Un. Especificações
50 ml Suco concentrado de laranja
250 ml Água
10 g Lecitina de soja
Modo de Preparo:
Misturar todos os ingredientes em um bowl.
Com um mixer, misture até obter uma espuma. Reserve.
NOME DA RECEITA: Picles de beterraba
CATEGORIA: Finalização
Ingredientes:
Qtde. Un. Especificações
200 g Beterraba
80 ml Vinho Tinto
q.s Sal
q.s Pimenta do reino
q.s Folhas de louro
q.s Alecrim
Modo de Preparo:
Fatie a beterraba em lâminas bem finas. Com o auxílio de um aro corte em rodelas pequenas.
Em uma panela coloque o vinho sal, a pimenta do reino inteira, as folhas de louro, alecrim. Deixei ferver, depois que esfriar entre com a beterraba e deixe descansando dentro do liquido até a hora de usar.
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