Terra Livre 41
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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 41 JANEIRO DE 2012
2012: ano internacional da energia sustentável para todos
Alguns passos para a abolição da tauromaquia em portugal?
Combate à tauromaquia nos açores
Lagoa (eutrofizada) das Furnas, Agosto de 2011
2
Considerando que mais de 1,4 milhões de
pessoas em todo o mundo possuem
condições de vida infra-humanas por não
terem acesso à electricidade, a ONU
proclamou 2012 como Ano Internacional da
Energia Sustentável para Todos.
A iniciativa referida insere-se noutra mais
ampla “Energia Sustentável para Todos”
que pretende até 2030 atingir os seguintes
objectivos:
– Assegurar que todos tenham acesso a
serviços modernos de energia;
– Reduzir em 40% a intensidade energética
global;
– Aumentar em 30% o uso de energias
renováveis em todo o mundo.
Por cá e um pouco por todo o mundo, a
hipocrisia vai ditar as suas ordens, isto é
vão-se promover mil e umas comemorações
e acções simbólicas quando no essencial
tudo vai continuar na mesma: tudo se fará
para aumentar os lucros das empresas,
estejam elas nas mãos do capitalismo de
estado ou privado.
Alguns sinais de que não há razões para
termos esperança, se não formos capazes de
mudar os autores das políticas energéticas
são já visíveis e ocorreram este ano:
No continente português, a venda de parte
da EDP a uma empresa do estado chinês
responsável pela construção de uma
barragem causadora de sérios problemas
ambientais e sociais, de que destacamos o
facto da mesma ter desalojado um milhão
de cidadãos, a maioria dos quais não
recebeu uma indemnização justa nem teve
direito a realojamento.
Nos Açores, é de realçar a não existência de
qualquer política energética, que aposte na
redução dos consumos sem perda da
qualidade de vida e que fomente a
autoprodução e a eficiência energética.
Para além do navegar à vista e de erros que
terão sido cometidos em alguns projectos,
como o geotérmico na Terceira, etc., a
insistência na construção de uma
incineradora, para produção desnecessária
de electricidade, associada a uma hídrica
reversível nas Furnas, é um erro tremendo
que, para além de ser um desbaratamento de
dinheiros públicos, porá em causa a
qualidade ambiental e a saúde dos cidadãos.
J. Soares
2012: ano internacional da energia sustentável para todos
3
A proibição de espectáculos com touros não
é objectivo de citadinos como apregoam
alguns defensores e promotores de touradas,
nos Açores, nem é nova moda que começou
com os modernos movimentos animalistas.
No que diz respeito à Península Ibérica, as
touradas que terão sido “resquício dos
circos romanos, possivelmente conservadas
pelos visigodos, foram proscritas durante a
dominação árabe” tendo regressado após a
expulsão destes.
Mais tarde, por serem considerados
espectáculos alheios à caridade cristã, o
papa Pio V emitiu, em 1de Novembro de
1567, uma bula, onde condenava todos os
espectáculos em que eram corridos touros
ou outros animais nos reinos cristãos, que
não foi acatada, quer em Espanha quer em
Portugal. Com efeito, apesar da grande
religiosidade dos espanhóis, não só os
leigos mas o próprio clero não respeitou a
bula e em Portugal, o próprio Rei D.
Sebastião fez orelhas de marcador, tendo
mesmo, em Junho de 1575, entrado “no
combate aos touros”.
Oito anos depois, por pressões do rei Filipe
II, a 25 de Agosto de 1575, Gregório XIII
anulou a pena de excomunhão criada pela
bula de Pio V.
Já no século XVII o Padre Manuel
Bernardes (1644-1710) defendia o fim das
touradas, afirmando, a propósito daquelas,
que ”quem gosta, ou de assistir, ou de se
expor a tal perigo, não lhe falta muito para
bárbaro, ou para ímpio”.
Em Portugal foram várias as tentativas de
restringir ou proibir as touradas. Assim, em
19 de Setembro de 1836, sendo ministro do
reino Passos Manuel, foram proibidas, por
decreto, em todo o reino, as corridas de
touros. Esta proibição viria a ser levantada,
menos de um ano depois, através de uma
Carta de Lei, de 30 de Junho de 1837.
Em 1854, o sacerdote José Jacinto Tavares
apresentou ao parlamento um projecto de
lei para acabar com as touradas, mas o
mesmo não chegou a ser discutido.
Quinze anos depois, a 9 de Julho de 1869,
cerca de 20 deputados, através de Alves
Mateus, fizeram outra tentativa, mas, tal
como a anterior, o seu projecto voltou a não
ser discutido.
Alguns passos para a abolição da tauromaquia em Portugal
4
No ano seguinte, a 9 de Maio de 1870,
cinco deputados reformulam o projecto
apresentado por Alves Mateus mas também
não foram bem sucedidos.
Seis anos decorridos, a 3 de Junho de 1876,
a Sociedade Protectora dos Animais
apresentou a D. Luís um requerimento a
solicitar a abolição das touradas o qual não
foi deferido.
Em 1911, Pedro Boto Machado apresentou
à Constituinte um projecto de lei para
acabar com as touradas, que não teve
sucesso. Pedro de Merelim, em 1986,
afirma que aquele político republicano
parafraseando o espanhol José Selgas dizia:
“ … No touro há força e instinto; no
toureiro acaso haverá valor e habilidade; no
público não haverá mais do que ferocidade.
Não há na natureza um monstro que se
pareça com esse que se forma nas bancadas
de uma praça de touros”.
Intimamente ligados ao Reino, não se
conhecem, por agora, quaisquer tentativas
para a abolição da tauromaquia que tenham
partido dos Açores. Contudo, ao longo dos
tempos foram tomadas algumas medidas no
sentido de a restringir.
Assim, “as Constituições do Bispado de
Angra de 1558 proibiam aos clérigos tomar
parte em touradas e que elas se realizassem
nos adros das igrejas”.
Foram algumas as vozes que se
manifestaram contra a barbaridade das
touradas, inclusive as de corda, e muitas
mais se levantaram contra o prejuízo que
aquelas traziam à economia da ilha
Terceira.
Assim, em 1916, por apenas um período de
dois meses devido à pressão exercida, as
touradas à corda estiveram proibidas, por
decisão do governador militar dos Açores,
general António Augusto de Oliveira
Guimarães.
Em 1924, a União escrevia: “ Se fizermos
um exame rigoroso ao número de touradas
que se realizam durante o ano e as
juntarmos às festas de outra natureza,
chegamos à conclusão segura e exacta que
na ilha Terceira se trabalha seis meses,
sendo os outros seis para divertir”. Para
salvar a economia, o governador civil,
substituto em exercício, do distrito de
Angra do Heroísmo, emitiu um alvará, a 8
de Agosto, a restringir o número de
touradas à corda que também não vingou.
T.B
5
Neste texto tenta-se fazer uma primeira
reflexão, necessariamente incompleta por
escassez de tempo, acerca da oposição às
touradas nos Açores, desde o início do
século XX até Maio de 2009.
Na luta contra a tauromaquia, nos Açores,
podemos distinguir, até Maio de 2009, duas
fases: a do combate individual, a da
oposição à “espanholização” das touradas.
A Primeira Fase
A primeira fase (1901- Abril de 1989) é a
fase da oposição às touradas por parte de
algumas personalidades açorianas, que se
distinguiram no campo da ciência, da
cultura e da literatura e da vida política,
algumas delas a residir fora dos Açores.
Nesta fase distinguiram-se, entre outras
pessoas, Alice Moderno (1867-1946) que
para além da sua actividade de jornalista,
escritora, agricultora e comerciante, foi uma
mulher que pugnou pelos seus ideais
republicanos e feministas, sendo uma
defensora da natureza e amiga dos animais.
Alice Moderno foi uma das fundadoras da
Sociedade Micaelense Protectora dos
Animais e não foi indiferente às touradas.
Com efeito, o jornal que dirigiu A Folha
(1902-1917) deu guarida a diversos textos
contra as touradas, a maioria dos quais da
autoria do zoófilo Luís Leitão.
Foi convidada e assistiu contrariada a uma
tourada, na ilha Terceira, e não ousou
comunicar aos seus amigos, considerando-
os “semi-espanhóis no capítulo de los
toros”, o que pensava pois, escreveu ela,
“não compreenderiam decerto a minha
excessiva sentimentalidade”.
Na sua carta XIX, referindo-se à tourada a
que assistiu escreveu o seguinte:
“É ele [cavalo], não tenho pejo de o
confessar, que absorve toda a minha
simpatia e para o qual voam os meus
melhores desejos. Pobre animal, ser
incompleto, irmão nosso inferior, serviu o
homem com toda a sua dedicação e com
toda a sua lealdade, consumindo em seu
proveito todas as suas forças e toda a sua
inteligência! (…) Agora, porém, no fim da
vida, é posto à margem e alugado a preço
ínfimo, para ir servir de alvo às pontas de
uma fera, da qual nem pode fugir, visto que
tem os olhos vendados!”
“E esta fera [touro], pobre animal, também,
foi arrancada ao sossego do seu pasto, para
ir servir de divertimento a uma multidão
ociosa e cruel, em cujo número me incluo!
(…) Entrará assim em várias toiradas, em
que será barbaramente farpeada até que,
enfurecida, ensanguentada, ludibriada,
injuriada, procurará vingar-se,
arremessando-se sobre o adversário que a
desafia e fere. Depois de reconhecida como
matreira, tornada velhaca pelo convívio do
homem, será mutilada”.
Combate à tauromaquia nos Açores
6
Alfredo da Silva Sampaio (1872 - 1918),
que foi um médico açoriano que se
notabilizou como naturalista, como
fundador do primeiro posto de observação
meteorológica na ilha Terceira e autor de
uma vasta obra sobre a história, a geografia
e a história natural da Terceira, insurgiu-se
contra o barbarismo das touradas à corda
que na sua altura eram muito mais
violentas/desumanas do que são hoje.
Embora longa a citação, retirada do seu
livro “Memória da Ilha Terceira”, publicada
em 1904, vale a pena a leitura do seu texto
sobre as touradas à corda:
“Uma corrida de touros à corda constitui,
desde muito tempo, o principal divertimento
do povo terceirense. Por ela abandonam os
trabalhadores os campos, as oficinas, etc.,
deixando de ganhar o seu salário, para se
transportarem a algumas léguas de distância,
a verem um toiro, que, na maior das vezes,
nada tem de bravo, e que percorre, amarrado
por uma longa corda, algumas centenas de
metros de uma estrada.
São geralmente em dias de trabalho que têm
lugar estas corridas, e no dia seguinte ao de
uma festa do Espírito Santo ou de outra
qualquer festa religiosa. Ou são os impérios
que promovem este divertimento público, ou
qualquer influente político que, querendo ser
grato aos seus amigos, promove e concorre
com a maior parte das despesas.
…
Se é agradável e pitoresco a aglomeração de
povo armado de compridos e grossos
varapaus ferrados (muitas vezes mais
perigosos que o touro), e os balcões e janelas
das casas repletas de raparigas com
vestuários de variegadas cores, ao mesmo
tempo é bárbaro ver a corrida de um pobre
animal, geralmente malezzo, ser espicaçado
por milhares de paus, que lhe produzem
largos ferimentos, chegando algumas vezes a
esvaírem-lhes os olhos.
…
Findo o espectáculo, que é anunciado por
muitos foguetes, recolhe o povo satisfeito a
suas casas, sem se lembrar do salário que
perdeu, e que pode facilmente adquirir ali a
causa da sua morte.”
O libertário terceirense Adriano Botelho
(1892-1983) manifestou, num texto
intitulado “Contra os espectáculos imorais”,
publicado, em 1925, no suplemento literário
ilustrado do jornal A Batalha, uma opinião
muito semelhante à de Alice Moderno,
como se pode concluir através da leitura do
seguinte extracto:
“…fazem-se por outro lado, reclames
entusiastas de espectáculos, como as
touradas de praça onde por simples prazer se
martirizam animais e onde os jorros de
sangue quente, os urros de raiva e dor e os
estertores da agonia só podem servir para
perverter cada vez mais aqueles que se
deleitam com o aparato dessa luta bruta e
violenta, sem qualquer razão que a
justifique”.
Companheiro de Adriano Botelho no
movimento anarquista português, o cientista
terceirense Aurélio Quintanilha (1892-
1987) que, entre outras funções, foi
professor da Universidade de Coimbra, foi
7
também um opositor às touradas tendo, a
meados do século passado, afirmado o
seguinte: "Como homem e como professor
não posso deixar de lhes enviar a minha
mais completa e entusiástica adesão ao
protesto levantado pela Sociedade
Protectora dos Animais contra um
espectáculo indigno do nosso tempo, da
nossa mentalidade, da nossa civilização".
A Segunda Fase
A segunda fase (Maio 1989- Maio de 2009)
é balizada pela oposição à introdução de
touros de morte nos Açores e o chumbo, a
14 de Maio de 2009, pela Assembleia
Legislativa Regional dos Açores de um
Projecto de Lei destinado a introduzir a
sorte de varas.
Na sequência da notícia da apresentação por
Adolfo Lima, Secretário Regional da
Agricultura e Pescas para análise, em
Plenário do Governo Regional dos Açores,
suportado pelo PSD, de uma proposta que
havia sido elaborada pelo Dr. Álvaro
Monjardino, através da qual se pretendia
que nos Açores fosse introduzida as
touradas com touros de morte, os Amigos
da Terra/Açores (Amigos dos Açores)
organizaram uma campanha internacional
que culminou com a apresentação de uma
petição ao Parlamento Europeu.
A intenção não avançou, tendo na altura o
presidente do Governo Regional dos
Açores, Dr. Mota Amaral, comunicado ao
Director do Eurogroup for Animal Welfare
que a legislação não avançaria devido às
"reacções negativas da opinião pública".
A 21 de Outubro de 1995, na ilha Terceira,
realizou-se numa quinta particular uma
tourada à espanhola, onde foram toureados
e mortos dois touros. Na ocasião, tal acto a
que assistiu o atrás mencionado membro do
governo foi contestado por várias pessoas
singulares e colectivas, como os Amigos
dos Açores, algumas sociedades protectoras
de animais e pelo partido os Verdes, na
Assembleia da República.
Em resposta, a um ofício dos Amigos dos
Açores, aquela associação recebeu da
Presidência do Governo Regional dos
Açores um ofício que dava conta que o
Presidente do Governo Regional dos
Açores, Dr. Mota Amaral, tinha dado a
devida atenção ao “protesto manifestado,
informando que se tratou de um espectáculo
realizado numa propriedade particular e que
este tipo de touradas estão proibidas nos
Açores” e acrescentava que “O Governo
Regional por princípio e tendo sempre,
também, em conta o impacto negativo na
opinião pública açoriana de semelhante
acto, envidará todos os seus esforços para
que tal não se venha a repetir na Região
Autónoma dos Açores”.
A 18 de Outubro de 2002, o parlamento
aprovou a introdução da sorte de varas, com
26 votos a favor, 13 contra e 4 abstenções.
Este diploma veio a ser “chumbado” pelo
8
Ministro da República, Sampaio da Nóvoa,
já que não se revestia de interesse
específico regional.
A contestação a esta nova tentativa de
introdução da sorte de varas, como primeiro
passo, para a introdução de touros de morte,
partiu novamente dos Amigos dos Açores e,
desta vez, e contou também com a
participação da Associação dos Amigos dos
Animais da Ilha Terceira, que elaborou uma
petição que recolheu duas mil assinaturas e
que foi entregue ao Ministro da República.
A tentativa mais recente da introdução da
sorte de varas, nos Açores, terminou, a 14
de Maio de 2009, com o chumbo pela
Assembleia Legislativa Regional de uma
proposta naquele sentido. Na votação, 28
deputados votaram contra e 26 a favor,
registando-se duas abstenções e a ausência
de um deputado do Partido Socialista que
fora um dos seus proponentes.
A campanha contra esta última tentativa da
introdução da sorte de varas partiu do
Blogue Terra Livre/CAES - Colectivo
Açoriano de Ecologia Social e contou com
a participação da Associação de Amigos
dos Animais da Ilha Terceira, que
manifestou a sua discordância, dos Amigos
dos Açores - Associação Ecológica, que
para além da sua tomada de posição na
comunicação social, enviou uma carta à
Unesco, do CADEP, de Santa Maria, cujo
coordenador escreveu vários textos para a
comunicação social e outros dirigidos aos
deputados, para além do contacto pessoal
com alguns deles.
Para além das associações referidas,
tomaram posição pública a Azórica, através
de um texto assinado pelo seu presidente, e
a Sociedade Micaelense Protectora dos
Animais, que já não tinha qualquer
actividade há alguns anos e que nunca mais
deu razão de si depois, também emitiu um
comunicado onde apelava aos deputados
regionais para não aprovarem “os
espectáculos que têm como pano de fundo
os maus-tratos e o sofrimento dos animais”.
Foi no decurso da campanha, que vimos
referindo, que surgiu o colectivo virtual
“Açores Melhores sem Maus Tratos aos
Animais” cujo principal é a Protecção dos
Animais nos Açores, mas que é solidário
com todas as lutas que tenham o mesmo
fim em qualquer parte do Planeta.
Teófilo Soares de Braga