Terra Livre 57
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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 57 MAIO DE 2013
Trabalhar menos, viver melhor
A luta contra a tauromaquia é de esquerda?
O automóvel de esquerda
LIBERDADE NÃO RIMA COM TOURADA
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 2
John Keynes, em 1930, previa que no
início do século XXI a semana de
trabalho estaria reduzida a 15 horas.
Dizia ele que não precisaríamos de
jornadas de trabalho muito longas para
ganharmos o suficiente para a satisfação
das necessidades materiais.
Se é verdade que a previsão de Keynes
não se cumpriu, também não deixa de
ser verdade que as políticas que têm
sido seguidas têm prometido o paraíso
para todos, mas na realidade para a
maioria da população tem oferecido o
contrário.
Se até há alguns anos acenava-se com a
cenoura de mais trabalho para mais
consumo, muitas vezes acima das
possibilidades de cada um e para além
dos recursos naturais disponíveis, hoje
não há qualquer pejo em propor mais
trabalho (mais horas diárias e maior
idade de aposentação) e menor
remuneração.
Contra estas soluções “milagrosas” que
pressupõem um retrocesso no que diz
respeito a direitos sociais conquistados
pelas classes trabalhadoras ao longo de
muitos anos de sacrifício, a organização
NEF (The New Economics Foudation),
um laboratório de ideias que trabalha
em prol de uma economia que tem em
conta as pessoas e o planeta, defende
uma semana de trabalho de 21 horas.
Segundo a organização, uma semana de
trabalho mais curta proporcionaria as
bases para uma vida melhor, por duas
razões:
- A redistribuição do trabalho
remunerado levaria a uma sociedade
mais igualitária;
- Se gastarmos menos horas de
trabalho remunerado para manter os
errados hábitos de consumo atuais,
poderíamos aproveitar este tempo para
fazer coisas que valorizamos mas que
nunca temos disponibilidade, como
estar mais tempo com os filhos,
TRABALHAR MENOS, VIVER MELHOR
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 3
familiares e amigos, fazer voluntariado,
etc.
Os ecologistas, não cooptados pelos
valores do capitalismo puro e duro ou
do capitalismo versão verde ou
sustentável, desde sempre tiveram uma
posição muito crítica relativamente ao
trabalho que era considerado por Paul
Lafargue, em 1883, uma “estranha
loucura de que estão possuídas as
classes operárias das nações onde reina
a civilização capitalista”.
Alguns deles, com os quais estou de
acordo, manifestaram a sua
incompreensão pelo facto do progresso
tecnológico ter contribuído apenas para
o aumento da produção e não ter levado
ao aligeiramento do trabalho humano.
Para tentar inverter a situação, algumas
personalidades e grupos ecologistas
apresentaram propostas que importa
serem do conhecimento público. Assim,
em 1974, René Dumond, engenheiro
agrónomo francês, no seu Manifesto
Eleitoral apresentado aquando da sua
candidatura às eleições presidenciais
intitulado “Para uma outra civilização”,
defendeu, entre outras medidas, a
“reconversão de toda a produção
industrial no sentido de artigos mais
duradouros, mais úteis e menos
poluidores” e “medidas sociais, tais
como a redução dos horários e as
cadências de trabalho”.
A prestigiada rede internacional
“Amigos da Terra”, num seu programa
de 1976, também apresentou um
conjunto de medidas que a serem
levadas à prática levariam à redução do
trabalho necessário. Assim, e de
imediato a proposta era a de que a
semana de trabalho fosse reduzida para
30 horas.
Segundo aquela organização o que se
pretendia era, por um lado diminuir a
parte do trabalho que tinha como único
objetivo proporcionar um salário e, por
outro lado “desenvolver a do trabalho
“livre” (que estimula a criatividade e o
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 4
interesse do trabalhador, ou que ele
próprio está em condições de controlar
o resultado”.
Será realizável a redução do horário
para as 21 horas semanais?
A NEF acha que sim, porque as 21
horas não estão longe do tempo médio
que as pessoas em idade de trabalhar
dedicam ao trabalho remunerado. Com
efeito, a título de exemplo, em Espanha,
em 2011, considerando todas as pessoas
com idades entre os 15 e os 64 anos, a
média de horas de trabalho semanal
remunerado era de 18,94.
Já sei que me vão dizer que estas
propostas não passam de fantasias de
quem não tem os pés bem assentes na
terra e que são irrealizáveis. Como
muito bem escreveu o ex- presidente da
Assembleia da República Henrique de
Barros, no prefácio ao livro Utopia ou
Morte, de René Dumont, “ as loucas
fantasias de hoje…serão as sensatas
realidades de amanhã”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2759, 27 de
Março de 2013, p.16)
Comentário
Eu estou de acordo com esse objectivo
de reduzir o tempo de trabalho
assalariado que se traduza em
convenções colectivas. Mas deve-se
precaver que outros aspectos críticos da
relação laboral sejam assegurados,
nomeadamente a não possibilidade de
um despedimento «automático» (o
despedimento seria uma cessação de
contrato, negociada com os
trabalhadores ou seus representantes
legalmente mandatados). Note-se que
este despedimento automático foi
instituído através dos contratos a prazo,
os quais com sucessivas renovações são
o meio cómodo do patronato (incluindo
o patrão-Estado) despedir o trabalhador,
porque simplesmente deixa caducar o
contrato a prazo, não o renovando, sem
que daí tenha de pagar qualquer
indemnização.
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 5
Numa perspectiva de longo prazo, acho
que se deve lutar pela abolição do
salariato, ou seja, a organização do
trabalho em que a decisão de tudo, a
começar pela paga e o horário até à
maneira concreta como as tarefas devem
ser executadas, está em mãos alheias
aos trabalhadores. Apenas uma
sociedade onde o meio mais vulgar de
organização social do trabalho sejam
coops auto-geridas pode satisfazer uma
organização do trabalho mais justa.
Há quem advogue a redução do tempo
de trabalho pelo lado patronal, pessoas
defensoras do capitalismo mais
desenfreado. Isto explica-se com o
objectivo de tal redução desarticular as
relações de assalariados entre
eles, proporcionar um aumento
do trabalho ao domicílio, a sub-
contratação, a precariedade em suma,
apresentando isso com o agradável,
progressista e ecológico «embrulho» de
«redução do tempo de trabalho»,
quando apenas é uma
resregulamentação selvagem, uma
precarização extrema, etc. Por isso,
importa não tomarmos os nossos
desejos pela realidade.
Uma redução do tempo de trabalho
será consequência lógica e pacífica de
uma tomada dos instrumentos de
produção pelos produtores, sendo que
- hoje em dia- o principal (porque
mais valioso) «instrumento» é já a
inteligência. Do ponto de vista dos
novos «operários», os que se situam no
campo do conhecimento, estes irão cada
vez mais ditar as suas condições às
entidades que os empregam. Aqui, a
palavra-chave será controlo: controlo do
processo de trabalho pelo trabalhador, o
que implica, mas não se esgota, a
propriedade dos meios de produção.
M. Batista
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 6
De vez em quando o líder da Tertúlia
Tauromáquica Terceirense lembra-se de
argumentar que as movimentações, que
existem nos Açores contra a absurda
prática de torturar animais para
divertimento de humanos que foram ao
longo de séculos insensibilizados pelos
seus progenitores e que hoje são
viciados, são obra de um partido
político de esquerda ou de extrema-
esquerda.
Se quiséssemos responder de forma
leviana, diríamos que, como eles são da
extrema-direita, colocam todos os
opositores no extremo oposto. Mas, a
resposta é mais complicada, pois
bastava ver a nível nacional em que
municípios há mais apoios à tourada,
em que município há a tortura levada ao
extremo (Barrancos), para se chegar à
conclusão de que há adeptos da tortura
de todas, ou quase todas, as cores
políticas e partidárias. Com efeito,
sempre que se trata da defesa de
negócios sujos, de cargos políticos ou
posições partidárias há candidatos de
várias cores.
Na barricada do combate à tauromaquia
nos Açores, ao contrário do que
queriam os dirigentes da Tertúlia
Terceirense ou da sua mentora espiritual
Prótoiro, estão pessoas de todos os
quadrantes partidários ou ideológicos
como eles poderão comprovar,
consultando as diversas páginas
existentes na internet, nomeadamente
no facebook. Com efeito, se eles
estivessem interessados na verdade não
teriam qualquer dificuldade já que estão
a seguir algumas páginas com os perfis
falsos que criaram.
A título de exemplo, trabalho num
serviço público onde conheço várias
pessoas e as suas preferências
partidárias ou opões ideológicas e o que
constato é que dos militantes partidários
que conheço, um é do CDS/PP e é
aficionado e justifica pelo facto de ser
A LUTA CONTRA A TAUROMAQUIA É UMA BATALHA DA ESQUERDA?
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 7
duma terra de aficionados, quatro
militam no PSD e os quatro são contra
as touradas, mas não se manifestam
publicamente e apenas um, uma vez
subscreveu um abaixo-assinado. Em
relação às outras pessoas com quem
mais convivo, a maioria é
ideologicamente de direita, que votaram
pelo menos uma vez no CDS/PP e na
sua maioria subscrevem abaixo-
assinados e enviam correios eletrónicos
a protestar contra a realização de
espetáculos tauromáquicos e contra o
uso de dinheiros públicos para financiar
a tauromaquia.
No meu local de trabalho não conheço
militantes do PS, do PCP ou do Bloco
de Esquerda. As pessoas próximas ou
simpatizantes do PS não se manifestam
em relação à tauromaquia mas são
contra o uso de dinheiros públicos para
o seu financiamento.
Outra questão curiosa que merece ser
divulgada é que no meu local de
trabalho existem pessoas,
ideologicamente de direita, com
familiares na ilha Terceira e que quando
lá se deslocam por vezes assistem a
touradas à corda, mas que acham que as
mesmas não fazem sentido e que são
absolutamente contra todo o apoio
direto ou indireto à tauromaquia.
Por último, numa questão os adeptos da
tortura animal são capazes de terem
razão: as pessoas que mais dão a cara,
talvez por nada terem a perder, são as
posicionadas à esquerda do espetro
político. Mas isto não é novidade
nenhuma, bastava lerem o sociólogo
Manuel Villaverde Cabral para
perceberem que o exercício ativo da
cidadania está historicamente associado
à orientação ideológica à esquerda.
Assim, alguma árvore que os adeptos da
tortura de touros vêm nem chega a
esconder a floresta que eles não querem
ver.
O combate à tauromaquia que está
inserido na luta pelos direitos dos
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 8
animais, não é de esquerda nem de
direita, é um desígnio de todos os
humanos dignos desta designação.
José Ormonde
(extraído do facebook)
Comentário 1
ILITERACIA
Perturba-me imenso a iliteracia política,
nomeadamente quando esta serve para
justificar o que, por si só, não tem
justificação possível.
Ultimamente, e para quem estiver mais
atento, percebe que parece ter havido
alguma…digamos evolução no discurso
do líder da indústria tauromáquica da
Terceira (sim, da Terceira porque os
Açores não têm grande expressão
“tortu”taurina. Existem pessoas
aficionadas dispersas pelas restante
ilhas), aliás parece haver uma minuta,
um texto modelo que é adaptado
mediante as localidades.
No entanto, poderíamos pensar que o
líder na indústria tauromáquica da
Terceira, com esse discurso, apela a um
preconceito político.
Questões ficam no ar…apela ou é
mesmo preconceito face às pessoas de
esquerda? Como denomina, ele, as
pessoas de direita que se manifestam
contra a indústria tauromáquica?
Humberto Martins
Terceira
Comentário 2
VERGONHA
Estou de acordo com o texto e tenho um
conhecido que é militante do PSD que
já me disse que mesmo se gostasse de
touradas teria vergonha de o dizer, pois
nos dias de hoje não se pode entender a
tortura de animais para divertimento.
Acrescento que este meu amigo nunca
se manifesta publicamente sobre o
assunto, tal como sobre muitos outros.
J.S.
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 9
O Automóvel De Esquerda
«O futuro é o automóvel eléctrico!»
Ninguém quer é prescindir da
mobilidade. Como conciliar a
autonomia da mobilidade, a sua
acessibilidade, o seu conforto e que,
simultaneamente, possa ser
«ecologicamente sustentável»? É uma
questão técnica, é tudo. Metem-se os
engenheiros à volta de uma mesa e
exigimos que encontrem a solução. Não
podemos, segundo os defensores do
«capitalismo sustentável» é sair das
energias fósseis sem uma planificação,
desta vez, ecologista. Felizmente
existem técnicos de esquerda para nos
salvar dos técnicos de direita. Porém,
sair da civilização do automóvel é que
não pode ser para amanhã. Os técnicos
de esquerda tentam fazer-nos crer que
se tornaram ecológicos e vá de nos
impingirem mais uma mercadoria: o
automóvel eléctrico, o qual,
obviamente, requer mais produção
eléctrica, é isso que escondem e não
discutem, mais barragens e centrais
nucleares.
Gastão Lis
Fonte:
http://www.jornalcritico.info/category/c
ronicas/a-cabeca-do-avesso/
PROPAGANDA
Abaixo publico excerto de texto publicado no
Correio dos Açores de 29 de Junho de 2011
POSTO PARA ABASTECER
CARROS ELÉCTRICOS
A empresa 'A. C. Cymbron Lda' é pioneira
na criação de um posto de abastecimento
de carros eléctricos numa das suas
estações de serviço que fornece
produtos GALP nas Laranjeiras, em
Ponta Delgada. 'A. C. Cymbron Lda'
inaugura primeiro posto de
abastecimento de carros eléctricos
Carros eléctricos "potenciam consumo
de energias renováveis e retém
rendimento nos Açores"
Chegou a existir? Se sim para que serve?
O AUTOMÓVEL DE ESQUERDA
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 10
Vista geral do público aguardando início de uma
tourada em Moçambique em Setembro de 1937,
realizada no âmbito do programa da exposição
agrícola.
Nos últimos anos “Liberdade” e
“touradas” têm andado juntas na boca
dos responsáveis pela industria
tauromáquica.
Mas “Liberdade” e “touradas” são duas
palavras que não combinam. Desde logo
pelo óbvio: porque a liberdade é negada
ao principal interveniente na tourada, o
touro, muitas horas antes de se dar
início ao espetáculo. Em algumas praças
de touros as barreiras que cercam a
arena foram até aumentadas para
garantir a “liberdade” de cravar afiadas
farpas num animal encurralado ao qual
não é dada possibilidade de fuga de um
destino que é certo: a morte.
Este aspecto fundamental não foi
ignorado pelos nossos decisores
políticos que se viram “obrigados” a
criar exceções na legislação para
permitir que nos nossos tempos,
milhares de animais possam ser
agredidos em público nas tradicionais
touradas. Desde esse momento que a
tourada se viu confinada a um canto
escuro à margem da evolução da nossa
sociedade.
Touro ferido na arena do Campo Pequeno em
Lisboa.
Do ponto de vista político basta recuar
39 anos para perceber que a
“Liberdade” nunca rimou com
“tourada”. O fim da ditadura em
Portugal fez ruir a conservadora
industria tauromáquica que precisou de
alguns anos para se restabelecer e
encontrar espaço na democracia
portuguesa. Com a revolução de 1974, a
tauromaquia passou mais uma vez do
estado de graça para uma situação onde
tudo lhe era desfavorável, apesar de se
manter no povo das regiões do Ribatejo
e Alentejo a atração pelos touros. A
tauromaquia, nos primeiros momentos
após o 25 de abril, surgiu associada à
“reação”, e o argumento da tradição não
serviu para justificar a continuação do
negócio de exploração de um espetáculo
conotado com a fidalguia, o absolutismo
LBERDADE NÃO RIMA COM TOURADA
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 11
monárquico e a ditadura fascista do
Estado Novo.
“(…) depois do tal dia em que
tantas garrafas de espumoso viram
saltar a rolha, neste bem
aventurado país toda a gente se
pôs a armar em progressista,
ninguém se confessa das direitas,
a custo aparece um ou outro a
proclamar-se do centro, a admitir
que tem um primo forcado, ou um
bisavô que foi marialva
latifundiário.”
“Touros e reacção: Crónicas taurinas da
temporada de 1974″. Lisboa: D. L.
Petrony, 1975
Estas palavras foram publicadas logo
em 1975 no livro “Touros e Reacção –
crónicas taurinas da temporada de
1974”, e demonstram o clima de
pressão que era exercido sobre os mais
notáveis e influentes aficionados das
touradas no activo em Portugal.
A tourada deixou de ter na sociedade
portuguesa a visibilidade que conseguiu
alcançar durante a ditadura do Estado
Novo. Alguns toureiros viram-se
obrigados a procurar fama nas arenas
espanholas e mexicanas, os empresários
tauromáquicos deitaram contas à vida,
assim como os criadores de touros que
com a redução do numero de corridas
apostaram na exportação dos touros
para outras paragens. As estatísticas da
época indicam que o número de touros
de lide exportados quase duplicou em
1974, devido à falta de mercado em
Portugal.
Touros de lide exportados em Portugal
(Sindicato Nacional dos Toureiros Portugueses,
1975)
Os grandes latifundiários do Ribatejo e
Alentejo, onde se localizavam as
grandes herdades de criação de touros e
cavalos, viram-se igualmente
ameaçados pelos camponeses
revoltados com a sua situação
miserável, mas também com a ocupação
de propriedades, através da Lei da
Reforma Agrária. A este propósito é
sugestiva a intervenção do deputados
Casimiro dos Santos (PS) na
Assembleia Constituinte, em fevereiro
de 1976, reagindo às preocupações
demonstradas por alguns partidos de
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 12
direita, pelas ocupações consideradas
ilegais e ilegítimas de propriedades
agrícolas. “(…) Como não podia deixar
de ser, a acompanhar o PPD e o CDS
aparece também o PPM, com os seus
condes, duques, toureiros e ‘ganaderos’,
saudosos das grandes coutadas e das
touradas à antiga portuguesa”.
Logo nos primórdios da Revolução as
elites do negócio tauromáquico
apareciam “encostadas” aos partidos
mais à direita, conservadores e
monárquicos. A associação da
tauromaquia à “reação” ganhou forma
logo após a Revolução. Em 26 de
setembro de 1974 uma tourada no
Campo Pequeno a favor da Liga dos
Combatentes, transformou-se num
comício de preparação para a
manifestação da chamada “maioria
silenciosa” de apoio a António de
Spínola, ficando a tourada celebrizada
como uma tentativa de “contra-
revolução” e de repúdio ao programa do
Movimento das Forças Armadas. “Viva
Spínola”, “Viva o Ultramar”, “Viva a
GNR” e “Abaixo o MFA” foram
algumas palavras de ordem gritadas nos
altifalantes da praça de touros do
Campo Pequeno. O próprio toureiro
José João Zoio exibiu-se na arena com
um dos célebres cartazes verdes da
“reação” espalhados pelo país
convocando os espetadores para a
manifestação da “maioria silenciosa”.
Dentro da praça de touros, a corrida foi
várias vezes interrompida por
manifestações de apoio a Spínola
enquanto cá fora, à porta da praça de
touros, se gritava “abaixo a reação” e “o
fascismo não passará”.
O país vivia um período bastante
inquieto de transição para a liberdade,
com toda a agitação política, a
descolonização, eleições, etc…. Os
defensores da festa brava tiveram que se
organizar e reagir rapidamente à ameaça
evidente que o período político
representava. O Sindicato Nacional dos
Toureiros Portugueses decidiu criar uma
“Secção de Controle e Defesa do Toiro
e do Cavalo” através da qual faz
publicar a “Síntese do valor Económico
e Social da Raça Bovina Brava” onde
procurou demonstrar, em 1975, a
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 13
importância do negócio tauromáquico,
não só ao nível económico mas também
turístico e de solidariedade pela fonte de
receita que representava para
instituições como asilos e hospitais.
“Cuidamos que na pressa justificada de
se recuperar tempos e valores perdidos,
de se acudir a tudo e a todos, a
potencialidade económica que
acabamos de denunciar, não fique sem a
atenção prioritária que se terá de
conceder a quanto, esta Revolução,
possa constituir factor importante ou
vital de recuperação”. O Sindicato dos
Toureiros, neste autêntico manifesto de
propaganda tauromáquica, tentou
recuperar a ideia, defendida pelo Estado
Novo, que as touradas deviam constituir
um cartaz turístico por ser um
espetáculo diferente de todos os outros
“Sem que queiramos ser apaixonados,
pensamos que na confeção da nossa
‘ementa’, a corrida de toiros é,
indiscutivelmente, um prato forte; forte
e caro, que o estrangeiro paga sem
discutir”. Apesar das contrariedades na
agitada temporada de 1974,
continuaram a realizar-se corridas de
touros no Campo Pequeno e em
Cascais, além de outras localidades do
Ribatejo e Alentejo como, Coruche,
Vila Viçosa, Barrancos e Moura mas
sem que alguma vez o espetáculo se
tenha tornado um cartaz turístico forte
do nosso país.
Outro momento histórico da nossa
nação, a implantação da República em
1910, foi igualmente nefasto para o
negócio das touradas. A tourada, não se
livrou da sua forte conotação com a
fidalguia monárquica, associada a um
Portugal atrasado, conservador e
retrógrado, pelo que os toureiros da
nobreza se afastaram das lides nas
arenas. Muitas das novas praças
construídas, ficaram ao abandono ou
desapareceram.
Muitas praças de toiros do país
caíram em ruínas, outras foram
demolidas e só, durante o governo
do Presidente do Conselho, Dr.
António de Oliveira Salazar, se
reconstruíram algumas dessas
Praças, entre as quais a de
Santarém – a maior de Portugal –
graças à iniciativa do ex-Ministro
Dr. Rafael Duque, e a de Cascais
que hoje constitui um magnífico
elemento de motivação turística
da Costa do Sol”
Barreto, Mascarenhas. “Corrida: Breve
história da tauromaquia em Portugal”.
Lisboa: Ag. Port. Revistas, 1970.
Invocar a Liberdade para procurar
legitimar as touradas é negar a história e
a natural evolução para uma sociedade
mais justa, consciente e tolerante.
Combinar Liberdade com violência,
sangue, sofrimento e morte é por isso
depreciar um valor que para nós
portugueses tem tanto significado e que
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 14
associamos a fraternidade, amizade,
tolerância e paz. Incutir nas gerações
mais jovens que o valor da liberdade
pode justificar a prática de atos de
crueldade com os animais é insensato e
contrário aos princípios de respeito e
compaixão pelos animais que a nossa
sociedade procura estabelecer junto das
crianças.
Liberdade nunca rimou com touradas.
Bibliografia:
Solilóquio, pseud. “Touros e reacção:
Crónicas taurinas da temporada de 1974″.
Lisboa : Depos. Livr. Petrony, 1975.
Sindicato Nacional dos Toureiros
Portugueses. “Síntese do valor
económico e social da raça bovina
brava”. Lisboa : Sind. Nac. dos Toureiros
Portugueses, [D.L. 1975].
Diário da Assembleia Constituinte nº
112. Sessão nº111 de 11 de Fevereiro de
1976.
“Morte ao fascismo o povo vencerá”.
Diário de Lisboa (27 de Setembro de
1974).
Barreto, Mascarenhas. “Corrida: Breve
história da tauromaquia em Portugal”.
Lisboa: Ag. Port. Revistas, 1970.
Almeida, Jaime Duarte de. “História
da Tauromaquia”. Lisboa: Artis,
1951.
Machado, Fernão Boto. “Abolição das
touradas: projecto de Lei”. Lisboa: Typ.
Bayard, 1911.
Fonte: Basta
http://www.basta.pt/
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 15
No século XX, sobretudo a partir da
Segunda Guerra Mundial, assistiu-se ao
desenvolvimento acelerado das ciências,
entre as quais a Física, que alcançou
uma maturidade que a maioria das
restantes ainda não atingiu. Tal não foi
obra do acaso. “A Física é, na realidade,
a ciência que relações mais intimas tem
com a tecnologia e, por isso, aquela que
mais diretamente serve o sistema
produtivo”.
A civilização industrial encara a ciência
de duas formas distintas: na primeira, a
ciência “seria necessária para
desenvolver a produção e ativar os
sectores de ponta da economia”,
contribuindo para a expansão
económica da sociedade; na segunda, a
ciência seria necessária para
desenvolver as forças produtivas,
dominar a natureza e pôr esta ao serviço
do homem, e ao colocar o
desenvolvimento tecnológico
dependente exclusivamente da obsessão
do crescimento ilimitado e do incentivo
do lucro está-nos a levar à beira da
destruição.
A Física não escapa ao que nos vimos
referindo, servindo até para manter
esquemas de dominação imperialistas
na maioria dos casos. Na verdade, a
maioria dos cientistas põem os seus
conhecimentos ao serviço de políticas
armamentistas dos mais variados países
e tem sido com os mesmos fins que têm
prosseguido as investigações no
domínio da física nuclear,
nomeadamente no da energia nuclear
em que a sua utilização para fins
pacíficos não deixa de ser um
subproduto da sua utilização para fins
militares.
A ciência, os conhecimentos científicos
e a tecnologia postas ao serviço da
industrialização selvagem não têm
MEMÓRIA: FÍSICA E DEFESA DO AMBIENTE
Terra Livre nº 57 ◊ Maio de 2013 Página 16
contribuído para o surgimento da
sociedade da harmonia, da abundância e
do bem-estar, mas bem pelo contrário o
modelo de crescimento exponencialista
adotado cada vez menos serve o homem
e cada vez mais degrada o meio
ambiente, e elimina as condições
mínimas necessárias para a existência
ou a sobrevivência da própria espécie
humana sobre a Terra.
Dado que o progresso ilimitado que nos
é proposto pela civilização industrial
nem sempre teve em conta o
conhecimento das leis da Natureza, é
urgente que a ciência e a tecnologia se
libertem da servidão ao
“economicismo” e passem a prestar
atenção à necessidade de manter o
equilíbrio entre as sociedades humanas
e o meio ambiente, entendendo por este
o seu todo- natural, social, político,
económico, tecnológico, ecológico,
histórico, cultural, estético, etc..
Os cientistas, em particular os físicos
deveriam desempenhar um papel
importante na criação de uma sociedade
onde, tal como nos diz o professor
universitário Maurice Bazin, “a ciência
deveria ser feita para o povo, quer dizer,
servir o bem-estar de todos” e os físicos
não deveriam sentir-se ameaçados por
esta ideia, mas pelo contrário aceitar
este desafio de responder às
necessidades de todos os seres
humanos”.
Em suma, a ciência, particularmente a
Física, e a tecnologia deveriam apontar
“o caminho da não-violência, ao invés
da violência, da cooperação harmoniosa
com a natureza; de soluções silenciosas,
que gastem pouca energia, limpas e
económicas, ao invés de soluções
barulhentas, brutais, sujas e que levam
ao desperdício e ao alto consumo de
energia” (F. Schumacher)
(Publicado no jornal “Directo”, em 12
de Janeiro de 1983)