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Amazônia... Terra Livre

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Amazônia...

Terra Livre

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Associação dos Geógrafos Brasileiros

Diretoria Executiva NacionalGestão 2004/2006 - “Diálogo, Respeito, Ação”

PresidenteJorge Luís Borges Ferreira (AGB - Rio de Janeiro/RJ)

Vice PresidenteMarísia Margarida Santiago Buitoni (AGB - São Paulo/SP)

Primeira SecretáriaRenata de Souza Cometti (AGB - Vitória/ES)

Segundo SecretárioIgor Jardim de Oliveira Pereira (AGB - Niterói/RJ)

Primeiro Tesoureiro Alexandre Bergamin Vieira (AGB - Presidente Prudente/SP)

Segundo TesoureiroAlex Marciel da Silva (AGB - Uberlândia/MG)

Coordenadora de PublicaçõesMaria Geralda de Almeida (AGB - Goiânia/GO)

Auxiliar da coordenadora de publicações Renata Medeiros de Araújo Rodrigues (AGB - São Paulo/SP)

Representação junto ao Sistema CONFEA/CREATITULAR: José Eleno da Silva (AGB - Recife/PE)

SUPLENTE: Rodrigo Martins dos Santos (AGB - São Paulo/SP)

Representação junto ao Conselho das CidadesJan Bitoun (AGB - Recife/PE)

Mestre de Edição do Sítio da AGBHindenburgo Francisco Pires (AGB - Rio de Janeiro/RJ)

Correio eletrônico: [email protected] Internet: http://www.cibergeo.org/agbnacional

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ISSN 0102-8030

Terra Livre

Publicação semestralda Associação dos Geógrafos Brasileiros

ANO 22 – Vol. 1NÚMERO 26

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 1-246 Jan-Jun/2006

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TERRA LIVRE

Conselho Editorial

ColaboradoresAlexandra Maria de Oliveira - UFG

João B. de Deus - UFGManoel Calaça - UFG

Editor responsável e editoração: Maria Geralda de AlmeidaCo-editores: João Alves de Castro / Tadeu Alencar Arrais

Estagiários: Alexsander Batista e Silva / Luiza Helena Barreira MachadoRevisor de espanhol: Yilmer Rosales Davila

Revisor de inglês: Jörn SeemannArte da capa: André Barcellos Carlos Souza

Tiragem: 1.000 exemplares

Impressão: Gráfica e Editora Vieira

Endereço para Correspondência:Associação dos Geógrafos Brasileiros (DEN)

Av. Prof. Lineu Prestes, 332 – Edifício Geografia e História – Cidade Universitária CEP: 05508-900 – São Paulo / SP – Brasil – Tel. (0xx11) 3091-3758

ou Caixa Postal 64.525 – 05402-970 - São Paulo / SPe-mail: [email protected]

Solicita-se permuta / Se solicita intercambio / We ask for exchange

Ficha Cátalográfica

Terra Livre, ano 1. n. 1, São Paulo, 1986.São Paulo, 1986 - v. ilst. Histórico

1986 - ano 1, v. 11987 - n. 21988 - n. 3, n. 4, n. 51989 - n. 61990 - n. 7 10. Geografia - Periódicos 10. AGB. Diretoria Nacional

1991 - n. 8, n. 91992 - N. 10Revista Indexada em Geodadosww.geodados.uem.brISSN 0102-8030

1992/93 - 11/12 (editada em 1996)1994/95/96 - interrompida1997 - n. 131998 - interrompida1999 - n. 142000 - n. 152001 - n. 16, n. 172002 - Ano 18, v. 1, n. 18; v. 2, n. 192003 - Ano 19, v. 1, n. 20; v. 2, n. 212004 - Ano 20, v. 1, n. 22; v. 2, n. 232005 - Ano 21, v. 1, n. 242005 - Ano 21, v. 2, n. 252006 - Ano 22, v. 1, n. 26

CDU - 91(05)

- Bernardo Mançano Fernandes - UNESP- Daniel Hiernaux-Nicolas - Universidad Autónoma

Metropolitana (México)- Dirce Maria Suertegaray - UFRS- Eliseu Savério Sposito - UNESP- Heinz Dieter Heidemann - USP - Jacquelyn Chase - California State University, Chico (EUA)- José Borzacchiello da Silva - UFC- Lana de Souza Cavalcanti - UFG- Maria Augusta Mundim Vargas - UFS

- Maria Geralda de Almeida - UFG- Michel Chossudovsky - University of Ottawa (Canadá)- Paul Claval - Université de Paris, Sorbonne (França)- Rita de Cássia Ariza da Cruz - USP- Roberto Lobato Corrêa - UFRJ Roberto Rosa - UFU- Rogério Haesbaert - UFF- Saint-Clair Cordeiro da Trindade Jr. - UFPA- Selma Simões de Castro - UFG- Silvio Simione da Silva - UFAC- Sônia Regina Romancini - UFMT

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Sumário

Editorial ...........................................................................................................................9

Artigos

– A Amazônia e a nova geografia da produção da sojaAriovaldo Umbelino de Oliveira ............................................................................ 13-43

– Camponeses da floresta: apontamentos para a compreensão da diferenciação dos trabalhadores seringueiros do campesinato acreanoSilvio Simione da Silva ......................................................................................... 45-61

– R-existências, territorialidades e identidades na AmazôniaValter do Carmo Cruz .......................................................................................... 63-89

– A geograficidade dos comandantes de embarcação no AmazonasAmélia Regina Batista Nogueira .......................................................................... 91-108

– Estratégias e medidas de proteção contra desastres naturais na zona costeira da região amazônica, BrasilClaudio SzlafszteinHorst SterrRubén Lara ...................................................................................................... 109-125

– Unidades de Conservação, a importância dos parques e o papel da AmazôniaAgostinho Carneiro CamposSelma Simões de Castro ..................................................................................... 127-141

– O ensino de geografia e a construção de representações sociais sobre a AmazôniaGenylton Odilon Rêgo da RochaIzabel Cristina Raiol Amoras ............................................................................. 143-164

– Entre a valorização da diversidade humana e a negação da historicidade sócio-espacial: o que pode o ecoturismo na amazônia?Maria Augusta Freitas CostaWillame de Oliveira RibeiroMaria Goretti da Costa Tavares ......................................................................... 165-175

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– Grandes projetos, urbanização do território e metropolização na AmazôniaSaint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior ........................................................... 177-194

– Estratégias de desenvolvimento regional para a Amazônia pós-1950: lições do passado, possibilidades do futuroLilian Simone Amorim BritoLéa Maria Gomes da Costa ............................................................................... 195-205

Resenha

– La fabrication du Brasil: une grande puissance en devenir José Borzacchiello da Silva ................................................................................. 209-210

Depoimento

– Os setenta anos da AGB – 1934-2004Marcos Alegre ................................................................................................... 213-221

Normas

Normas para publicação ....................................................................................... 225-232

Compêndio dos números anteriores ..................................................................... 233-246

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Editorial / Foreword .........................................................................................................9

Artículos / Articles

– The new geography of soybean production and the Amazônia– La Amazônia y la nueva geografía de la produción de la soja

Ariovaldo Umbelino de Oliveira ............................................................................ 13-43

– Peasants of the forest: points to the comprehention of the diferentiation of the rubbertapper workers and the formation of the acrean pesantry

– Campesinos de la selva: reflexiones para comprender la diferenciación de los trabajadores del látex y de la formación del campesinado acreanoSilvio Simione da Silva ......................................................................................... 45-61

– R-existences, territorialities and identities in Amazonia– R-existences, territorialites et identites l’Amazonie

Valter do Carmo Cruz .......................................................................................... 63-89

– The geographicity of boats commanders in the Amazon – La geograficidad de los comandantes de embarcaciones en Amazonas

Amélia Regina Batista Nogueira .......................................................................... 91-108

– Protection strategies and measures against natural disasters in the coastal zone of the amazonian area, Brazil

– Estratégias y medidas de protección contra desastres naturales en la zona costera de la región amazónica, BrasilClaudio SzlafszteinHorst SterrRubén Lara ...................................................................................................... 109-125

– Conservational units, the importance of the parks and the role of the Amazonian forest

– Unités de conservation, l’importance des parcs et le rôle de l’AmazonieAgostinho Carneiro CamposSelma Simões de Castro ..................................................................................... 127-141

Sumario / Summary

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– The education of geography and the construction of social representations on the Amazonia

– La enseñanza de la geografía y la construcción de representaciones sociales sobre la AmazoníaGenylton Odilon Rêgo da RochaIzabel Cristina Raiol Amoras ............................................................................. 143-164

– Between human diversity’s valorization and the socio-spatial historicity denial: what does ecotourism can in Amazônia?

– Entre el valorization de la diversidad humana y la negación de la pareja - la historicidad de espacio: ¿qué enlata en el amazonian ecoturismo?Maria Augusta Freitas CostaWillame de Oliveira RibeiroMaria Goretti da Costa Tavares ......................................................................... 165-175

– Large projects, territory urbanization and metropolisation in the Amazon – Grandes proyectos, urbanización del territorio y metropolización en la Amazónia

Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior ........................................................... 177-194

– Strategies of regional development for amazônia pos-1950: lessons of the past, possibilities of the future

– Estrategias del desarrollo regional para el amazônia pós-1950: lições del pasado, posibilidades del futuroLilian Simone Amorim BritoLéa Maria Gomes da Costa ............................................................................... 195-205

Reseña / Review

– La fabrication du Brasil: une grande puissance en devenir– The manufacture of Brazil: a great future possibility

José Borzacchiello da Silva ................................................................................. 209-210

Declaración / Declaration

– Los setenta años de la AGB– The seventy years of the AGB

Marcos Alegre ................................................................................................... 213-221

Normas / Submission

Normas para publicación / Submission guidelines ................................................ 225-232

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Editorial

A gestão “Diálogo, Respeito e Ação”, do biênio 2004/2006, procurou dar continui-dade ao empenho da gestão anterior, assegurando a publicação da Terra Livre, publicação considerada, historicamente, como um dos mais sérios veículos de divulgação de idéias da comunidade acadêmica geográfica.

Visando aprimorar a qualidade da revista algumas mudanças foram introduzidas nesta gestão. O Conselho Editorial, renovado, teve a colaboração de conselheiros estrangeiros como Paul Claval (Université de Paris-Sorbone), Jacquelyn Chase (California State University), Michel Chossudovsky (Université d’Ottawa, do Canadá) e Daniel Hiernaux-Nicolàs (Uni-versidad Autonoma Metropolitana da Ciudad de Mexico). A indicação dos demais membros do Conselho Editorial procurou contemplar tanto a representatividade regional quanto as diferentes áreas do conhecimento geográfico. Outra mudança que ocorreu foi a adequação dos artigos ao solicitado pela Scielo e a inclusão das “normas para publicación” e “submission guideliness” para facilitar a orientação para os leitores estrangeiros. Além disso, foi alterado o projeto gráfico da capa e a diagramação do miolo, o que tornou a revista mais atrativa.

Nestes dois anos foram publicados quatro números. O número de artigos enviados para apreciação foi significativamente superior àqueles publicados, o que prova a confiança da comunidade acadêmica nacional e internacional em nossa publicação. Os intercâmbios também foram ampliados e atualmente a Terra Livre está presente nas bibliotecas de mais de 249 instituições, dentre as quais 157 são estrangeiras. Nas prateleiras dessas instituições encontramos o número 23, “Temperos da Geografia”, o número 24, “As Escalas da Lógica Territorial” e o número 25, “Geografia em Movimento”. Com o número 26, “Amazônia...”, procuramos, ao mesmo tempo, homenagear o Encontro Nacional de Geógrafos, realizado no Acre e discutir o processo de sua produção. As reticências apontam para um futuro que depende, como podemos constatar nos artigos, da ação política dos atores sociais que vivem, produzem e atuam no território amazônico. Produzir um território é, também, produzir idéias sobre esse território. Esse principío norteou a Terra Livre nas mais de duas décadas de sua exitência.

No encerramento dos trabalhos desse Conselho Editorial, resta agradecer à comuni-dade acadêmica geográfica pela confiança em nossa equipe, formada, ainda, pelos estagiários e também geógrafos Alexsander Batista e Silva e Luiza Helena Barreira Machado. À UFG e à Direção do IESA, representada pelo professor Manoel Calaça, agradecemos pelo apoio logístico. Afirmamos, do mesmo modo, o importante papel do CNPq no financiamento da Terra Livre e os esforços da Direção Nacional da AGB no sentido de viabilizar nossa publi-cação. Também desejamos boa sorte à nova Direção Nacional da AGB e à próxima Equipe Editorial da Terra Livre.

Enfim, entre erros e acertos, encerramos nossa jornada. O mais importante de tudo é que aprendemos muito. Que terminamos essa jornada de modo diferente de como começa-

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mos. Faço das palavras de Guimarães Rosa as nossas palavras: “O Senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, de montão...”.

Julho de 2006Maria Geralda de Almeida e Equipe

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A r t i g o s

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Resumo: A expansão do cultivo da soja no Brasil em direção à Amazônia tem gerado discussões e polêmicas quer entre os pesquisadores, quer entre os militantes de ONGs e quer entre os políticos. Muitas vezes este debate vem desprovido de uma compreensão profunda e consistente do significado da expansão da produção de soja no Brasil e no cone sul da América. O comportamento do mercado mundial é fundamental para que se compreenda, simultaneamente, o crescimento das demandas internas e externas desta commodity em um mercado mundializado. A sua análise demonstra que há um crescimento maior das exportações de soja do Brasil em relação ao crescimento do consumo no mercado interno. Este processo está relacionado à relativa estagnação da produção norte-americana e o crescimento do consumo pela China e pela União Européia. Outro ponto importante estudado é a construção de uma nova geografia da soja no território brasileiro. A expansão da soja em direção ao ecossistema do cerrado na região Centro Oeste e Nordeste do país, gerou uma nova logística de transportes e a implantação de unidades de empresas multinacionais de comercialização e industrialização de grãos, que alterou profundamente o desenho geográfico da agricultura brasileira. Novas rotas, novas estratégias de transportes compõe a infra-estrutura que articula sistemas modais articulados de hidrovias, ferrovias, rodovias e portos. Aborda-se também, a relação entre a expansão da soja e sua presença no ecossistema da floresta equatorial na Amazônia Legal. O crescimento do desmatamento no estado de Mato Grosso nesta última década está direta ou indiretamente relacionado com esta expansão, embora, esteja relacionado principalmente, à expansão da pecuária e à grilagem das terras públicas na fronteira amazônica.Palavras-chave: Amazônia; Soja; Desmatamento; Agronegócio; Logística; Crise agrícola.

Abstract: The expansion of the soybean culture, in Brazil, into direction to the Amazon has generated quarrels and controversies between the researchers, it wants it enters the militant ones of ONGs and it wants between the politicians. Many times this debate comes unproved of a deep and consistent understanding of the meaning of the expansion of the production of soybean in Brazil and in the South Cone of America. The behavior of the world-wide market is basic so that if it understands, simultaneously, the growth of the internal and external demands of this commodity in a worldly market. Its analysis demonstrates that it has a bigger growth of the exportations of soybean of Brazil in relation to the growth of the consumption in the domestic market. This process is related to the relative stagnation of the North American production and the growth of the consumption for China and the European Union. Another important studied point the construction of a new geography of the soybean in the Brazilian territory. The expansion of the soybean in direction to the ecosystem of the open pasture in the region Center West and Northeast of the country, generated new logistic of transports and an implantation of units of multinationals companies of commercialization and industrialization of grains, that the geographic drawing of Brazilian agriculture modified deeply. New routes, new strategies of transports compose the infrastructure that articulates a modal systems of waterway, railroads, highways and ports. It is also approached; the relation enters the expansion of the soybean and its presence in the ecosystem of the equatorial forest in the Legal Amazon. The growth of the deforestation in the state of Mato Grosso in this last decade is direct or indirectly related with this expansion; even so, it is related mainly, to the expansion of the cattle one and the illegal occupancy of landed property of public lands in the border of Amazonian forest.Keywords: Amazônia; Soybean; Deforestation; Agribusiness; Logistic; Agricultural crisis.

A Amazônia e a nova geografia da produção da soja

The new geography of soybean production and the Amazônia

La Amazônia y la nueva geografía de la produción de la soja

Ariovaldo Umbelino de Oliveira*

Departamento de Geografia, FFLCH - USPAv. Prof. Lineu Prestes, 338 - Butantã

Caixa Postal 2530 - CEP: 05.508-900 - São [email protected]

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 13-43 Jan-Jun/2006

* Professor Titular do Departamento de Geografia - FFLCH-USP.

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OLIVEIRA , A. U. A amazônia e a nova geografia da produção da soja

Introdução

O século XX terminou, sobretudo, sob o signo da mundialização do capital e sob o fim do socialismo nos países do leste europeu. Os países do terceiro mundo com dívidas externas elevadas submeteram-se de forma pacífica às políticas neoliberais impostas pelo FMI - Fundo Monetário Internacional. O Brasil assistiu assim, no início da década de 90 dois planos de controle financeiro e inflacionário, primeiro o Plano Collor e o confisco temporário do dinheiro depositado nos bancos. Em 1992, o país assistiu a Eco-92 e a pressão política sobre seu governo em decorrência do crescimento do desmatamento da Amazônia. Em se-guida, com a queda de Collor de Mello e sua substituição pelo seu vice Itamar Franco, veio o plano real e a ascensão de Fernando Henrique Cardoso e o reinado absoluto das políticas neoliberais. A conseqüência direta da expansão das culturas de exportação, particularmente da soja, levaram os movimentos sociais a exercerem o sagrado direito da pressão social pela Reforma Agrária.

O monocultivo de exportação até então tratado como agribusiness, ganhou sua expres-são na língua portuguesa: agronegócio. Como sempre insistiu Carlos Walter Porto Gonçalves, tratava-se de substituir e diferenciar a agri-cultura do agro-negócio. Ou por outras palavras, tratava-se de distinguir entre a atividade econômica milenar de produção dos alimentos necessários e fundamentais à existência da humanidade, e, a atividade econômica da produ-ção de commodities (mercadorias) para o mercado mundial. Definia-se assim, na prática da produção econômica, uma distinção importante entre a agricultura tipicamente capitalista e a agricultura camponesa. Esta distinção abriu caminho para que vários intelectuais do estudo do mundo agrário voltassem suas produções acadêmicas para forjarem um novo conceito de agricultura de pequeno porte voltada, parcial ou totalmente, para o mercado mundial, ou mesmo, apenas para o nacional.

Nasceu assim, a concepção neoliberal desta agricultura de pequeno porte, a agricultu-ra familiar. O neoliberalismo invadia desta forma o mundo da intelectualidade, e como se não bastasse esta invasão, invadiu também o mundo dos movimentos sindicais e sociais do Brasil. Julgaram os neoliberais do estudo agrário que era preciso tentar sepultar a concep-ção da agricultura camponesa e com ela os próprios camponeses. Afinal, era preciso no plano teórico e político afastar de vez o velho fantasma da questão camponesa que já assustava os latifundiários brasileiros da UDR - União Democrática Ruralista, e agora assustava também lideranças sindicais e de partidos políticos progressistas ou mesmo de esquerda.

Como o Brasil tinha ingressado no neoliberalismo, julgavam que o país não podia conviver com a presença de movimentos sociais que, em luta por direitos (reforma agrária, educação, saúde, cultura, etc.) enfim, lutassem também, para conquistar a sonhada cidadania e a utopia socialista. Afinal, para os neoliberais, o socialismo estava morto, tinha acabado. Mas, a rebeldia camponesa presente nos movimentos sociais em luta, deu o tom da luta política principalmente, na segunda metade da década de 90. Por isso, o governo FHC que se rendera ao avanço das lutas sociais no primeiro mandato, tratou de implementar políticas repressivas no segundo mandato, como tentativa de frear o avanço dos novos personagens da cena política brasileira e latino-americana, como escreveu um dia o genial Eder Sader.

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No contraponto da repressão aos movimentos sociais, o governo FHC via seu principal braço ideológico representado pela mídia, tratou de construir um novo ideário baseado em mitos para a compreensão da agricultura, ou seja, a lógica do chamado moderno agronegó-cio. Para isso, aproveitou-se da crescente participação da produção para o mercado mundial da soja brasileira, para fomentar também, no mundo acadêmico a “decretação” do fim da reforma agrária como alternativa de política econômica para o país. E, em meio à eterna oposição entre o bem e o mal das elites brasileiras, trataram, a mídia e uma parte dos inte-lectuais, a emDEUSarem o agronegócio e colocarem sob o signo do DIABO as lideranças dos movimentos sociais e sua luta sangrenta pela reforma agrária.

Dessa forma, a produção de soja tornou-se a vedete da mídia. Sua expansão para a região Centro-Oeste passou a ser interpretada como sinônimo de reprodução em plena virada do Século XXI, de um novo Middle West norte-americano em território brasileiro. Mas, o tiro novamente saiu pela culatra. O Middle West mato-grossense prosperou enquanto duas crises haviam se abatido sobre a agricultura da soja norte-americana. A pressão para a expansão da produção da soja no Mato Grosso colocou novamente, sob mira dos movimentos ecologistas nacionais e internacionais, o crescimento do desmatamento da Amazônia. A soja tornava-se assim, a nova vilã do desmatamento.

Este artigo pretende continuar contribuindo para a discussão sobre o significado da expansão da soja sobre a floresta amazônica, seu estágio e seus cenários futuros. Mas esta discussão não se completa se as questões relativas à grilagem das terras públicas e devolutas não estivessem também na ordem do dia. Por isso, a questão da expansão da soja está rela-cionada ao movimento dos grileiros de terra sobre a Amazônia.

As políticas territoriais do governo FHC na Amazônia: a infra-estrutura para viabilizar a exportação da soja

O governo Fernando Henrique Cardoso elaborou dois programas de governo, o “Brasil em Ação” para o primeiro mandato e o “Avança Brasil” para o segundo, visando a montar uma nova estratégia geopolítica de alteração da infra-estrutura de transportes na região amazônica. Em outras palavras, sabia-se no seio das políticas neoliberais, que a Ama-zônia jogaria papel fundamental nas políticas de exploração econômica e de circulação de mercadorias na América do Sul.

No primeiro mandato de FHC, o Programa “Brasil em Ação” teve como previsão a implantação de duas hidrovias na região amazônica: a hidrovia do rio Madeira no trecho entre Porto Velho e Manaus e a hidrovia dos rios Tocantins e Araguaia. Teve também, como meta a recuperação das rodovias BR-l63 nos trechos Cuiabá e Terra Nova e Santarém e Rurópolis; BR-364 entre Cuiabá e Acre; BR-174 Manaus e a fronteira com a Venezuela e dois trechos rodoviários ligando Marabá à Belém-Brasília e Imperatriz á malha rodoviária do estado do Maranhão, visando o objetivo da melhoria da malha rodoviária voltada para o escoamento da soja para o exterior. Fazia também, parte do plano, a construção do gasoduto Urucu a Manaus e o projeto Urucu a Porto Velho.

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No segundo mandato, o governo FHC implantou o Programa “Avança Brasil”, e continuou reforçando os objetivos traçados no Programa “Brasil em Ação”, ou seja, a con-tinuidade da melhoria da infra-estrutura viária para o escoamento da produção de grãos do cerrado mato-grossense, pela bacia do rio Amazonas (Mapa 1).

Mapa 1: Programa Avança Brasil Transportes.

A - rodovia Cuiabá-Santarém e hidrovia Tapajós-Teles Pires; B - rodovia e hidrovia Porto Velho-Manaus; C - rodovia Transa-mazônica; D - rodovia Belém-Brasília; E - hidrovia Araguaia-Tocantins e rodovia BR-158; F - rodovia Cuiabá-Porto Velho.

Fonte: Jan Maarten Dros (2004).

Entre os projetos para a rede de transportes na Amazônia, continuou a ação na dire-ção das hidrovias do rio Madeira e dos rios Araguaia e Tocantins. A primeira, na realidade já existia e apenas foi melhorada no que se refere à introdução de um sistema de dragagem e balizamento para viabilizar o tráfego de chatas para o transporte de grãos. A segunda co-meçou pelos estudos de impactos ambientais e conheceu um forte movimento contrário à sua implantação. O resultado foi à interrupção do processo de aprovação em decorrência de inúmeras ações do Ministério Público acatando estudos realizados por diferentes setores contrários à hidrovia. Um terceiro projeto de hidrovia somou-se aos dois anteriores, a hidrovia Teles Pires e Tapajós, que não saiu do papel. O gasoduto Urucu a Manaus foi iniciado no trecho até Coari, em uma extensão de 280 quilômetros. Estava prevista a sua implantação até Manaus em uma extensão de 420 quilômetros, além, da implantação de outro ligando Urucu a Porto Velho cujo objetivo é a geração de energia a partir das termoelétricas para abastecer Rondônia e Acre (ainda não realizados).

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Estes projetos transformariam completamente a infra-estrutura de transportes da região alterando a logística e consequentemente os custos de transportes. Dessa forma, a principal região produtora de soja deixaria de ser aquela com os mais altos custos de transportes.

A implantação da ferrovia Ferronorte nos estados do Mato Grosso do Sul e de Mato Grosso teve também o mesmo objetivo, a redução dos custos de transportes para as exportações do Centro-Oeste, aliás, a construção da ponte rodo-ferroviária sobre o rio Paraná construída durante o governo FHC, já teve a finalidade de viabilizar a própria Ferronorte.

Este conjunto de obras voltadas para a infra-estrutura de transportes fez com que toda a logística de escoamento da produção passasse por profundas alterações. No governo Lula, pouco mudou nas propostas governamentais para a região, pois continuou o apoio ostensivo ao agronegócio.

Mapa 2: Principais rotas rodoviárias utilizadas no escoamento das safras.

Fonte: Ministério dos Transportes.

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O projeto da hidrovia do rio Araguaia ficou paralisado, embora as barragens do rio Tocantins estejam sendo construídas, o que viabilizará a navegação naquele rio. O projeto das hidrovias Tele Pires-Tapajós e Paraguai-Paraná mesmo não sendo iniciados, foi mantido pelo governo Lula no portfólio do Plano Pluri-Anual 2004/2011. A única novidade trazida pelo governo Lula foi à possibilidade da pavimentação da BR-163 Cuiabá-Santarém, no trecho paraense por um consórcio privado das multinacionais de grãos, que também, em decorrência da profunda crise que a produção de soja esta atravessando nas safras 2004/5 e 2005/6, caiu no esquecimento.

Este conjunto de obras de infra-estrutura concluídas ou nem iniciadas, gerou uma movimentação nos investimentos das multinacionais, buscando localizações privilegiadas redesenhando o sistema de circulação das commodities para exportação. Uma nova logís-tica de transportes está sendo implantada e envolve de forma associada ou não grupos multinacionais e nacionais. Vários corredores de transportes foram sendo viabilizados (Mapa 2):

1. Grande e tradicional corredor formado pela rodovia BR-163 e suas conexões para os portos de Paranaguá e Santos, operado por praticamente todas as multinacionais.

2. Corredor rodoviário (BR-163 e 364) e ferroviário formado pelas ferrovias Ferronorte e sua articulação com a Ferroban no estado de São Paulo (ambas pertencentes à Brasil Ferrovias). A Ferronorte possui um terminal graneleiro no município de Alto Taquari no sudeste do estado de Mato Grosso. Este corredor é também operado por todas as empresas articuladas ou não.

3. Corredor formado sistema multimodal rodoviário, hidrovias dos rios Paranaíba, Paraná e Tietê, e ferroviário (Ferroban). Este corredor tem em São Simão no estado de Goiás um terminal graneleiro operado pela empresa exportadora Caramuru e outro em Anhembi no estado de São Paulo.

4. Corredor rodo-ferroviário (E.F. Carajás) que escoa a produção do Sudeste do estado do Pará e, sobretudo do sul do Maranhão, através do porto de Itaqui neste mesmo estado, utilizado pelas multinacionais Bunge, Cargill e ADM.

5. Corredor rodoviário para escoar a produção do leste do Pará (Paragominas) pelo porto de Belém, operado pela Bunge.

6. Corredor rodoviário (BR-174) ligando Roraima a Manaus e Itacoatiara, operado neste início de 2006 pelo grupo Amaggi.

7. Corredor rodoviário (BR-364) e hidroviário (rio Madeira e Amazonas) com dois terminais graneleiros em Porto Velho (um do grupo Amaggi e outro da Cargill). O grupo Amaggi tem outro terminal graneleiro em Itacoatiara no estado do Amazonas onde faz o transbordo para navios mercantes, sendo que a multinacional Cargill tem seu terminal próprio no porto de Santarém no estado do Pará (Fotos 1, 2 e 3).

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Foto 1: Terminal PortoVelho-RO.Estocagem: 45.000 tonsCarregamento: 750 tons/hora.Fonte: www.amaggi.com.br.

Foto 2: Complexo Industriale Portuário - Itacoatiara-AM.Estocagem: 45.000 tonsCarregamento: 750 tons/hora.Fonte: www.amaggi.com.br.

Foto 3: Terminal graneleiro da Cargill no porto de Santarém-PA.Fonte: www.greenpeace.org.br.

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Ainda dentro da questão sobre a logística do transporte de grãos para exportação, cabe destacar um conjunto de investimentos que as multinacionais e os grupos nacionais fizeram na expectativa de que projetos existentes se tornassem realidade. São exemplos destas perspectivas, as instalações da Bunge em Santana do Araguaia no sul do Pará, e em Nova Xavantina, Canarana, Querência do Norte, Bom Jesus do Araguaia, Porto Alegre do Norte e São Félix do Araguaia no leste de Mato Grosso na região do rio Araguaia. Outro exemplo está na aquisição por parte do grupo Amaggi de uma área no distrito de Miritituba nas margens do rio Tapajós em frente à cidade de Itaituba no Pará, visando à instalação de um terminal graneleiro para escoamento da produção pela Cuiabá-Santa-rém, quando a mesma fosse asfaltada. Comenta-se também, que os comboios graneleiros poderiam dirigir-se para o porto de Santana no Amapá onde também seria construído outro terminal graneleiro.

Estes conjuntos de alternativas logísticas estão servindo também, de instrumentos que ativam os mercados especuladores de terras nas diferentes regiões da Amazônia, e constituem em indicadores utilizados por diferentes atores para defender ou denunciar o avanço da cul-tura da soja na região e com ela a retomada do desmatamento. É evidente que o crescimento do desmatamento tem a ver também com a expansão da soja, porém atribuir a ela o fator principal parece não totalmente correto.

Esta é a tese central deste texto, procurar entender a dinâmica que o mercado mundial de soja vive neste início de século e suas possibilidades de expansão sobre áreas da floresta amazônica. Parto da compreensão central que a lógica que gera o desmatamento está arti-culado pelo tripé grileiros de terras pública e/ou devolutas, madeireiros e pecuaristas. Estes sim, em minha concepção, são os atores principais e histórico responsáveis pelo crescimento do desmatamento na Amazônia. Mas, este assunto será objeto de análise em um outro texto, pois a idéia central deste com já foi frisado, é discutir as possibilidades da expansão da soja em áreas da floresta Amazônica.

O Brasil e o mercado mundial da soja

O mercado mundial de grãos é composto, principalmente, por três principais com-modities agrícolas: trigo, milho e arroz. São os alimentos básicos da maioria da humanidade. Juntas, somaram em 2005 a produção de um bilhão e 953 milhões 491 mil toneladas de alimentos. A soja, por sua vez, representou um total de apenas 213 milhões e 335 mil tonela-das produzida no mundo todo. Isto quer dizer, que os três principais alimentos para a maior parte da humanidade são o arroz, o milho e o trigo. A evolução da produção mundial destes alimentos tem uma tendência geral crescente. Na safra de 2005, o milho ocupou o primeiro lugar em volume da produção, mais de 708 milhões de toneladas, o trigo o segundo lugar com mais de 626 milhões de toneladas, o arroz o terceiro lugar com mais de 618 milhões de toneladas, a soja ficou em quarto lugar e o algodão ocupou o quinto com pouco mais de 67 milhões de toneladas (Gráfico 1).

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Gráfico 1: Mundo - Principais produtos agrícolas (em toneladas).

* Previsão.Fonte: FAO/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

Dessa forma, a produção mundial de soja em 2005, representou apenas 30% da produção do milho, 34% do arroz e 34% do trigo, ou seja, representou apenas 10,9% da produção mundial do milho, trigo e arroz juntos. Isto quer dizer também, que a soja parti-cipa com apenas 9,5% da produção mundial destas cinco principais commodities que é de 2 bilhões e 234 milhões e 161 mil toneladas, contra 31,7% do milho, 28% do trigo, 27,7% do arroz e 3% do algodão.

Entretanto, quando se analisa a participação dos diferentes produtos na pauta das exportações mundiais da produção agrícola, verifica-se uma mudança na participação relativa dos mesmos. Assim, do total das exportações mundiais de produtos de origem agrícola que no ano de 2004, somou 604 bilhões 329 milhões e 383 mil dólares, os produtos agrupados no complexo soja (soja em grão, farelo e óleo) alcançou a cifra de 15 bilhões 575 milhões e 72 mil dólares, ou seja, apenas 2,6% deste total.

Isto que dizer que à frente das exportações do complexo soja que ocupa o 8º lugar no comércio mundial, estão os produtos presentes no Gráfico 2. Como se pode verificar, em 1º lugar está o complexo leite com U$39.248.448.000 (6,5% do total); em 2º lugar o complexo tabaco U$23.860.823.000 (3,9%); em 3º lugar as frutas U$26.980.475.000 (4,5%); em 4º lugar a carne suína U$22.174.238.000 (3,7%); em 5º lugar o vinho U$19.758.708.000 (3,3%); em 6º lugar o trigo U$19.285.389.000 (3,2%); em 7º lugar a carne bovina U$18.579.972.000 (3,1%).

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Gráfico 2: Exportações mundiais dos principais produtos de origem agrícola (em milhões U$).

Fonte: FAO/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

Depois da soja vêm os seguintes produtos em sua respectiva ordem: mi-lho U$11.775.519.000 (1,9%); açúcar U$11.322.536.000 (1,8%); óleo de pal-ma U$10.489.116.000 (1,7%); algodão em fibras U$9.673.173.000 (1,6%) café U$9.116.701.000 (1,5%); arroz U$8.932.826.000 (1,4%); carne de frango U$8.546.917.000 (1,3%); couros U$7.912.493.000 (1,2%); complexo cacau U$4.176.301.000 (0,7%); e os demais produtos somados U$336.921.676.000 (58,7%).

A análise da evolução das exportações mundiais de produtos de origem agrícola mostra que o complexo soja segue praticamente o mesmo ritmo de crescimento dos principais pro-dutos à sua frente. Em 1980 o complexo soja respondia por 3,0% das exportações mundiais. Em 1990 passou para 1,8%, no ano 2000 chegou a 2,2% e em 2004 representou 2,6% do total. Isto que dizer que embora o complexo soja já tenha tido participação superior em 1980, desde 1990 seus índices são crescente. Entre 1980 e 2004 apresentou também um crescimento total de 119%, ficando atrás do complexo leite que cresceu 204%, do complexo tabaco com 197%, das frutas com 239%, da carne suína com 268%, do vinho com 344%. Mas, ficou à frente do trigo com 15%, da carne bovina com 113%, do arroz com 78%, do açúcar que diminuiu 23% e do milho que também caiu 2%. Isto quer dizer que comparati-vamente aos três principais produtos alimentares – milho, trigo e arroz – o crescimento do complexo soja foi significativo.

A evolução da produção de soja no Gráfico 3 apresenta uma tendência crescente nos últimos seis anos, após um período de certa estabilidade apresentada nos anos de 1998, 1999 e 2000. Dessa forma, alterou-se o comportamento tendencial do mercado internacional do período 1973 a 2000, marcado por intervalos de crescimento com estabilidade ou mesmo queda. Tomando-se por base o ano 2000, a soja apresentou um crescimento em relação a 2005

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de 52 milhões de toneladas. Há ainda a possibilidade pela previsão de 2006 (221 milhões de toneladas) de se chegar a mais de 60 milhões de toneladas, seu crescimento em relação a 2000, o que representará também, crescimento de 37% no período, ou, taxa de crescimento anual acima de 6%. Portanto, o cenário internacional mostra um mercado da soja em franca expansão. Ao contrário está acontecendo com o comportamento da produção mundial de ar-roz, milho e trigo que conheceram neste período a realidade declinante de suas produções.

Gráfico 3: Produção mundial de soja (em mil toneladas).

* Previsão.Fonte: FAO/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

Dessa forma, os cenários futuros relativos ao mercado mundial da soja, indicam as previsões, continuará em expansão. Esta possibilidade pode ser observada nos dados do Gráfico 4, onde está representado o balanço relativo à oferta e demanda da soja desde a safra de 1964/1965 até as previsões para a safra 2005/2006. As curvas de consumo e produção caminham em paralelo, apesar de algumas oscilações pontuais, como aquela da quebra da safra norte-americana de 2003/2004. Desde a década de 90, igual comportamento tem as curvas relativas ao comércio mundial expressos nos dados sobre importações e exportações. Entretanto, há um dado que está se alterando, a relação entre os estoques passados e futuros. Isto quer dizer que as quatro maiores multinacionais do mercado de grãos começaram a ampliar seus estoques que certamente, atuarão como indutores de pressão baixista sobre os preços mundiais desta commodity, em um cenário futuro de expansão do mercado.

Outro ponto que precisa ser esclarecido sobre o mercado mundial da soja, é a evolução da produção deste grão nos principais países produtores. O Gráfico 5 procura revelar este comportamento.

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Gráfico 4: Soja - Oferta e demanda mundial.

* Previsão.Fonte: USDA/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/ABRA/IÁNDE.

Gráfico 5: Soja - Principais produtores mundiais.

* Previsão.Fonte: FAO/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/ABRA/IÁNDE.

Os USA continuam constituindo-se em maior produtor mundial, pois é responsável por mais de 37% da mesma. Em segundo e terceiro lugar estão Brasil e Argentina, com 25%

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e 18% da produção mundial. Estes dois países da América do Sul somados já são responsáveis por mais de 43% da produção mundial da soja. Se somar-se a eles a produção do Paraguai e da Bolívia ver-se-á que atualmente mais de 46% da produção mundial de soja vem do cone sul da América. Estes dados mostram porque a Bolsa de Chicago já introduziu em seus pregões cotações especiais para a soja sul americana.

Cabe ressaltar também, o fato de que Brasil e Argentina apresentam ritmos de crescimento superiores à expansão da produção norte-americana e muito mais alto ainda que a produção da China ou mesmo da Índia. Para se ter uma idéia melhor deste ritmo acelerado de crescimento da produção de soja no Brasil e na Argentina, pode-se tomar o percentual de participação destes países no crescimento da produção mundial nos últimos dez anos. De 1996 a 2005 a produção mundial cresceu 83 milhões de toneladas. A participação dos principais produtores neste crescimento foi a seguinte: USA 24,3% (20,2 milhões de toneladas), Brasil 34% (28,3 milhões de toneladas), Argentina 31,9% (26,5 milhões de toneladas). Fica, pois, evidente que a disputa mundial pelo mercado de soja será travada entre os Estados Unidos e os países da América do Sul, particularmente, Brasil e Argentina, vindo em seguida, Paraguai e Bolívia.

Assim, neste cenário de crescimento mais acelerado da produção de soja no cone sul da América torna-se importante destacar a situação da produtividade por unidade de área desta leguminosa nos diferentes países produtores. O Gráfico 6 contém a situação nas três últimas safras 2003/2004, 2004/2005 e 2005/2006. Embora as mais elevadas taxas sejam dos Estados Unidos, cabe destacar que Brasil, Argentina e Canadá têm na última safra pratica-mente a mesma produtividade por hectare, ou seja, USA 2,87 toneladas/hectare, Brasil 2,72 toneladas/hectare, Argentina 2,66 toneladas/hectare e o Canadá 2,70 toneladas/hectare.

Gráfico 6: Soja - Produtividade (tonelada/hectare).

Fonte: FAO. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

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Como a produtividade se equipara entre os países que disputam a maior fatia do mercado mundial da soja, o resultado desta disputa vai depender das possibilidades de expansão da área cultivada, preços mundiais, custos gerais e particularmente despesas com o transporte.

O mercado mundial de soja tem crescido nos últimos anos, apesar do episódio da gripe aviária provocado pela infecção das aves pelo vírus da influenza. Na safra 2000/2001 a demanda mundial foi de 53,1 milhões de toneladas, e passou para 62,9 milhões de toneladas na safra de 2002/2003. Já a safra de 2004/2005 conheceu um crescimento para 64,8 milhões de toneladas, e a previsão para a safra 2005/2006 é de 67,7 milhões de toneladas.

Os principais países importadores de soja na safra 2004/2005 foram pela ordem res-pectivamente: a China 39,81% (25,8 milhões de toneladas); União Européia 24,38% (15,8 milhões de toneladas); Japão 6,63% (4,3 milhões de toneladas); México 5,40% (3,5 milhões de toneladas); Taiwan 3,48% (2,2 milhões de toneladas); Tailândia 2,34% (1,5 milhão de toneladas); Indonésia 1,81% (1,2 milhão de toneladas); Coréia do Sul 1,91% (1,2 milhão de toneladas); Iran com 1,51% (976 mil toneladas) e a Turquia 1,47% (950 mil toneladas). Os demais países ficaram com 11,26%, ou seja, um total de 7,3 milhões de toneladas. As-sim, os países do Extremo Oriente liderados pela China compram no mercado mundial um total de 36,3 milhões de toneladas de soja o que equivaleu a 55,99% do total. Os países da Europa e do Oriente Médio compraram por sua vez, 17,7 milhões de toneladas, ou 27,35% do total (Gráfico 7).

Gráfico 7: DEMANDA MUNDIAL DE SOJA (em mil toneladas).

* Previsão.Fonte: USDA/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

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As previsões para a safra 2005/2006 indicam que a China vai continuar amplian-do suas compras no mercado mundial devendo importar 27,5 milhões de toneladas que somado aos demais países do Extremo Oriente atingirá a cifra de 38,5 milhões de toneladas. A Europa em decorrência da gripe aviária praticamente não ampliará suas importações de soja. Como se vê enquanto que a maioria dos países compradores no mercado mundial de soja apresenta consumo estabilizado, a China vem se constituindo no grande mercado comprador em franco crescimento, pois adquiriu no mercado mun-dial na safra 2000/2001 um total de 13,2 milhões de toneladas e em 2004/2005 passou para 25,8 milhões de toneladas, com a previsão de chegar à safra 2005/2006, na casa dos 27,5 milhões de toneladas.

Este quadro mundial da demanda por soja, mostra que o mercado comprador está a oeste e a leste da América do Norte, o que significa dizer que a uma distância média dos Estados Unidos de 6 a 7 mil Km em relação a Rotterdam na Europa e 10 a 12 mil Km em relação à China. Muito diferente da situação brasileira ou Argentina. No caso brasileiro, os portos de Santos ou de Paranaguá estão a mais de 10 mil Km de Rotterdam na Europa e a mais de 25 mil km da China. Estas são as distâncias aproximadas sem se considerar a parte do transporte terrestre que coloca o estado do Mato Grosso, principal produtor brasileiro de soja a uma distância média de entre 1,5 e 2 mil Km. Foi investindo na redução destes custos que as empresas Amaggi e Cargill passaram a utilizar a hidrovia Madeira e Amazo-nas. É nesta redução dos custos de transportes que apostava o consórcio das empresas de exportações de soja que pretendia assumir a pavimentação da BR-163 Cuiabá a Santarém. Esta alternativa reduziria significativamente a distância terrestre, hidroviária e marítima para o mercado mundial. A parte terrestre seria reduzida em cerca de um mil Km e a parte por água outros de 2 a 3 mil Km.

São estas premissas básicas que fazem aqueles que apostam no aumento do desmata-mento acreditar que a expansão do mercado mundial, irremediavelmente colocará a Amazônia no mapa da produção mundial de soja.

Outra variável importante na análise do mercado mundial de soja depois de veri-ficado que a produtividade entre os principais produtores encontra-se nos mesmos pata-mares e que o mercado mundial está em expansão, sobretudo pelas demandas da China, é a evolução da área cultivada. Sobretudo porque, os Estados Unidos maior produtor mundial, conhece uma disputa acirrada entre a soja e os dois outros importantes grãos: trigo e milho. Dessa forma, quando analisada a disputa entre os três grãos presente no Gráfico 8 nota-se um quadro de estabilidade nas últimas safras entre a área ocupada pela soja e pelo milho.

Apenas a área ocupada pelo trigo tem caído desde a safra de 1998. É óbvio que os agricultores norte-americanos fazem a análise comparativa entre produzir milho ou soja, e, tudo indica que sua opção continuará sendo favorável ao milho. É por isso que, compa-rativamente, a produção de soja é muito menor que a produção de milho e trigo. Aliás, as produções destes dois cereais têm se mantido estável nos Estados Unidos.

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Gráfico 8: USA - Soja, milho, trigo e área cultivada (em mil hectares).

Fonte: USDA/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

No plano mundial a relação oferta demanda de milho tem ficado praticamente está-vel, pois os volumes exportados desde a safra 1999/2000 oscilam entre 75 e 78 milhões de toneladas. Isto quer dizer que, o aumento do consumo que cresceu neste mesmo período de 599 para 684 milhões de toneladas, foi praticamente coberto pelo aumento da produção nos próprios países consumidores. O exemplo dos Estados Unidos, maior produtor e maior consumidor mundial, apresentado no Gráfico 8 é significativo. A situação do Brasil, no que se refere a oferta e demanda de milho, não é diferente da situação mundial, o país nunca foi um importante país exportador de milho, embora na safra 2000/2001 e 2003/2004 tenha colocado no mercado mundial cerca de 5 milhões de toneladas. Porém, na previsão para a safra 2005/2006 as exportações de milho do país não deverão atingir um milhão de toneladas, o que sinaliza na direção do comportamento mundial do mercado de milho, pois a produção nacional é praticamente toda consumida no mercado interno. Certamente a fragilidade do Brasil na disputa do mercado mundial de milho deriva dos baixos índices de produtividade que esta lavoura alcança no país, pois ela está em torno de 3 toneladas por hectare frente a produtividade dos Estados Unidos que está em torno de 9 a 10 toneladas por hectare; Argentina entre 6 e 7 toneladas por hectare; e a própria China que tem alcançado produtividade média de 5 toneladas por hectare.

Sem embargo, a questão mais significativa para compreensão da expansão mundial da produção da soja, passa a ser então, as possibilidades de expansão da área cultivada desta leguminosa. É neste cenário mundial que se inscreve o crescimento da área cultivada nos países do cone sul da América, a saber, Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia (Gráfico 9). É, pois, neste cenário que deve ser analisada a possibilidade futura de expansão da cultura da soja sobre as terras da floresta Amazônica.

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Gráfico 9: Soja - Evolução da área cultivada (em mil hectares).

Fonte: USDA/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

É neste quadro mundial que Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia e agora também o Uruguai têm aumentado de forma expressiva sua participação nas exportações mundiais de soja. Entre a safra 2000/2001 e a previsão de safra 2005/2006 o Brasil ficou com 67,4% do crescimento das exportações mundiais, ou seja, aumentou sua fatia o mercado mundial em pouco mais de 9,5 milhões de toneladas. A Argentina ficou com 16,1% do aumento expor-tando quase 2,3 milhões de toneladas a mais. O Paraguai colocou no mercado mundial 0,5 milhões de toneladas que representou um crescimento de 3,5%. O Uruguai que ingressou de forma crescente nas exportações de soja neste começo de década, ficou com 2,9% do crescimento, ou pouco mais de 0,4 milhões de toneladas.

Este quadro revela que estes países do cone sul da América ficaram com praticamente 90% do crescimento das exportações mundiais neste período tomado como exemplo, e os Estados Unidos por sua vez, embora continue sendo o primeiro produtor mundial, participou com apenas 4,6% do crescimento, ampliando suas exportações em apenas 0,6 milhões de toneladas. Esta primeira década do Século XXI está sendo marcada de forma significativa pelo crescente domínio dos países do sul da América na expansão das exportações mundiais da soja. Jan Maarten Dros AIDEnvironment contratado pela ONG WWF preparou um estudo em junho de 2004 entitulado “Administrando os avanços da soja: Dois cenários de expansão do cultivo de soja na América do Sul” que está disponível em sua página na Internet (www.wwf.org). Neste estudo aponta também que será na América do Sul, a região de expansão da produção mundial da soja. Projetou três cenários, um para 2008, outro para 2013 e o último para 2020, onde deixou claro pelas projeções feitas a redução dos Estados Unidos neste mercado, e ressaltou o papel do Brasil e da Argentina em franco crescimento. Já analisei

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os equívocos deste trabalho no livro “Amazônia Revelada” publicado pelo CNPQ em 2005, nas páginas 158 a 162 e que está disponível na Internet1.

A situação atual da expansão da soja na Amazônia

A análise sobre o processo de expansão da cultura da soja sobre as áreas da floresta amazônica, a meu juízo, deve ser feita tomando-se alguns pontos como princípios. Em pri-meiro lugar é preciso discernir qual a área a ser tomada como referência, pois, dependendo da opção, um conjunto de problemas pode causar viés no resultado da interpretação. Por exemplo, se tomada a grande região Norte do IBGE, a presença do estado de Tocantins, enviesa a análise, pois, a soja neste estado está cultivada em área do ecossistema do Cerrado. Se também, por exemplo, for tomada a Amazônia Legal, igualmente o viés vem do fato que a soja no Maranhão e no Tocantins está exclusivamente na área do Cerrado; e, no Mato Grosso está majoritariamente também no Cerrado, mas já exerce pressão sobre as áreas da floresta.

Há um estudo interessante sobre o avanço da soja na Amazônia “Desmatamento na Amazônia: indo além da ‘emergência crônica’”, produzido pelos pesquisadores Ane Alencar, Daniel Nepstad, David McGrath, Paulo Moutinho, Pablo Pacheco, Maria Del Carmen Diaz e Britaldo Soares, publicado em 2004, pelo IPAM - Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Ele também indica a relação entre a pecuária e desmatamento:

“A expansão da soja deverá continuar gerando, indiretamente, novos desmatamentos, pois, além da área de cerrado, que há muito tem ocupado, passa agora a utilizar áreas de pastagem que também estão em expansão. Atualmente, 33% da soja produzida no Estado são provenientes de municípios cujo ecossistema principal é representado pelas florestas de transição. Com capital disponível e infra-estrutura regional adequada, a expansão da soja em áreas de floresta pode ser muito rápida no norte do Mato Grosso nos próximos anos.” (ALENCAR et alli, 2004, p. 38-40)

Esta importante assertiva do estudo de Alencar et alli do IPAM, é também corroborada pelo estudo do ISA - Instituto Sócioambiental sobre a expansão da soja nas áreas de floresta amazônica no entorno do Parque Nacional do Xingu. Este estudo discute a questão relativa ao argumento utilizado pelas multinacionais da soja de que a expansão da leguminosa se faz em áreas de pastagens degradadas.

“No entanto, não existem dados que mostrem efetivamente qual a parcela da expansão da soja que ocupa antigos pastos e que porcentagem resulta em abertura de novas áreas de floresta e cerrado (...) Os desmatamentos continuam ao longo do entorno a leste e sul do PIX e, atualmente, a produção também está se expandindo a oeste do PIX, em municípios que originalmente viviam da exploração madeireira como: Sinop, Vera, Cláudia, Marcelândia e Nova Ubiratã. Em Gaúcha do Norte, ao sul do PIX, a

1 Para fazer download: 1. entre no www.google.com.br; 2. digite: index of/publ_livres/livros inteiros; 3. clique em: estou com sorte (vai direto para o endereço do passo 2) e 4. clique no diretório Amazônia Revelada.pdf.

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expedição flagrou atividades de desmatamento em fazendas próximas ao rio Culuene (Gaúcha do Norte) e áreas recém-derrubadas em Querência, ao que tudo indica, para iniciar a cultura da soja.” (ISA, 2003, www.isa.org.br)

Assim, é preciso adotar uma posição de cautela na análise da expansão da soja e o caminho indicado é que ela seja feita nos estados onde a pressão sobre a floresta já está ocor-rendo. Antes, porém é necessário deixar registrado o quadro geral da soja no Brasil como um todo, para o balizamento da análise. Os gráficos 10 e 11 mostram os dados relativos à expansão da soja no Brasil, e, revelam que foi a partir de 1998/1999, que a área cultivada e produção passaram a aumentar constantemente. Porém, foi nas safras de 2001, 2002, 2003 e 2004 que este crescimento disparou, quer no que se refere à área cultivada, quer quanto ao volume da produção. A área cultivada, por exemplo, que conheceu forte crescimento até a safra 2004/2005, tem uma previsão para 2005/6 de redução em decorrência da crise que afeta o setor. Já o comportamento da produção apresentou no mesmo período, queda decorrente da produtividade perdida com a seca no Sul e o excesso de chuvas no Centro-Norte do país.

Gráfico 10: Brasil - Soja e área cultivada (mil hectares).

* Previsão.Fonte: CONAB/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

Esta expansão da área cultivada e do volume da produção de soja no território brasi-leiro começou a partir da região Sul do país, por isso, a posição de destaque desta região no conjunto da produção e sua hegemonia até o final da década de 90. Nesta primeira década do século XXI, a expansão da área cultivada de soja está sendo feita, sobretudo, no ecossis-tema do cerrado, tornando a região Centro-Oeste a principal produtora nacional. Entre a safra 1990/1 e 2004/5, a área plantada com soja mais do que dobrou, passando de pouco

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menos de 10 milhões de hectares para mais de 20 milhões, representando um terço da área ocupada pelas lavouras no Brasil. Esta leguminosa também se expandiu nas regiões Sudeste e Nordeste, onde é cultivada no oeste da Bahia e sul do Maranhão e Piauí também no Cerrado. A região Norte é aquela que apresentou a menor participação na extensão da área cultivada com soja, embora, tenha apresentados resultados positivos em decorrência, sobretudo, do plantio no cerrado do estado do Tocantins.

Gráfico 11: Brasil - Soja e volume da produção (em mil toneladas).

* Previsão.Fonte: CONAB/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

Mesmo assim, a soja chegou definitivamente à região amazônica. É evidente que esta presença precisa ser analisada de forma detalhada, para se evitar interpretações que não cor-respondam efetivamente à realidade dos fatos. É fato notório que a soja após ocupar parte expressiva das terras da região Sul, encontrou no Cerrado dos chapadões centrais do país, sua mais forte expansão. Isto ocorreu em função do programa PRODECER - Programa de Desenvolvimento do Cerrado, firmado pelo então General Geisel, na década de 70. O Mapa 3 apresenta a situação desta expansão no ano de 2004, onde deve ser destacada a presença dos principais municípios produtores exatamente na porção limite entre o ecossistema do Cerrado e aquele da Floresta Equatorial da Amazônia, particularmente no Mato Grosso.

Esta presença da soja na Amazônia alcançou na safra 2000/2001 a cifra dos 25,7 mil hectares plantados, sendo que nas safras anteriores tinha alcançado 14,1 mil hectares em 1999/2000, 10,3 mil hectares em 1998/1999 e de 7,3 mil hectares em 1997/1998. Portanto, embora a área total seja reduzida face às dimensões que esta lavoura tem no Brasil (23 milhões de hectares cultivados), o ritmo caracterizado pelo dobro da área plantada a cada ano, ini-ciado em 1997, foi alterado no período mais próximo. Dessa forma, na safra de 2001/2002

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o total da área cultivada chegou a 36,1 mil hectares, em 2002/2003 a 61,6 mil hectares, em 2003/2004 a 100,4 mil hectares e em 2004/2005 a 166,2 mil hectares.

Mapa 3: Brasil - Produção de soja, 2004.

Realizado com Philcarto - http://perso.club-internet.fr/philgeo.Fonte: IBGE. Org.: OLIVEIRA, A. U.; FARIA, C. S.; MIRANDA, R. S.

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A previsão da safra 2005/2006 indica que o ritmo de crescimento deve diminuir, pois está sendo previsto o cultivo de 198,1 mil hectares de soja na Amazônia (Gráfico 12).

Gráfico 12: Amazônia - Soja e área cultivada (mil hectares).

* Previsão.Fonte: CONAB/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

Quando se toma os dados referentes aos estados da Amazônia Legal, verifica-se que este ritmo de crescimento do cultivo da soja, é muito diferenciado. Os dados de Mato Grosso e Tocantins apresentam previsão de redução da área cultivada com soja para a safra 2005/2006, após crescimento vertiginoso entre 2000 e 2004, quando Mato Grosso dobrou a área plantada (passou de 3,1 milhões de hectares para 5,8 milhões) e o Tocantins quintuplicou passando de 66 mil hectares para 309,5 mil. O estado do Maranhão ao contrário, ainda tem previsão de crescimento na safra 2005/2006, após quase dobrar o plantio no período (passou de 210 mil hectares para 382,5 mil).

Portanto, o quadro de crise que se iniciou no final de 2004, atingiu em 2006 seu ponto alto, pois os produtores de soja, particularmente do estado de Mato Grosso passaram a realizar manifestações com bloqueios de rodovias e agências do Banco do Brasil.

Entretanto, quando se toma os demais estados da Amazônia Legal verifica-se que ao lado do estado do Maranhão, continua crescendo a área cultivada com soja nos estados de Rondônia e do Pará. Rondônia triplicou sua área plantada (passando de 25 mil hectares para 87,2 mil) e o Pará saiu de 700 hectares para 79,7 mil. Enquanto isso, o estado do Amazonas plantou apenas 2,8 mil hectares e Roraima 20 mil na safra 2005/2006.

Este quadro de crescimento na previsão de safra para 2005/2006, nos estado da Amazônia, de certo modo constitui-se em exceção na crise que o setor sojeiro passa nesta safra (Gráfico 13). Aliás, os principais estados produtores de soja, depois de um período de crescimento da área cultivada, têm, na nesta última safra, a tendência de redução do cultivo.

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Apenas os estados do Piauí, Maranhão, Rondônia e Pará devem continuar acusando cresci-mento na área cultivada com soja em suas jurisdições.

Gráfico 13: Estados da Amazônia Legal (exceto Mato Grosso) - Soja e área cultivada (mil hectares).

* Previsão.Fonte: CONAB/MAPA. Org.: OLIVEIRA, A.U./USP/IÁNDE.

A última safra em que há dados divulgados por municípios pelo IBGE, foi a de 2004. Neste ano, os estados de Roraima, Amazonas, Rondônia, Pará, e Mato Grosso tinham área plantada com soja nos seguintes municípios:

a) Roraima: Alto Alegre, Boa Vista, Bonfim e Cantá no centro do estado;b) Amazonas: Iranduba e Itacoatiara próximo a Manaus; e, Humaitá na porção sul

próximo a Porto Velho-RO;c) Rondônia: Alta Floresta D’Oeste; Chupinguaia, Cabixi, Cerejeiras, Colorado do

Oeste, Pimenteiras do Oeste, Corumbiara e Vilhena no leste do estado, derivada da extensão do cultivo no estado de Mato Grosso no Cerrado da chapada dos Pareci.

d) Pará: Alenquer, Belterra, Curuá, Monte Alegre, Porto Moz e Santarém no baixo Amazonas; Novo Progresso, Trairão, Uruará e Altamira no sudoeste; Tracuateua e Capitão Poço no nordeste; Dom Eliseu, Ulianópolis e Paragominas no leste; Marabá, Redenção, Conceição, Floresta e Santana do Araguaia no sudeste paraense.

e) Mato Grosso 01: Juína e Brasnorte no noroeste; Alta Floresta, Carlinda, Paranaíta, Colíder, Guarantã do Norte, Matupá, Nova Canaã do Norte, Nova Guarita, Novo Mundo, Peixoto Azevedo, Terra Nova do Norte, Nova Maringá, Porto dos Gaúchos,

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São José do Rio Claro, Tabaporã, Cláudia, Feliz Natal, Itaúba, Marcelândia, Santa Carmem, União do Sul, Vera, União do Sul, Nova Ubiratã, Tapurah, Nova Mutm, Paranatinga, Gaúcha do Norte e Sinop no nortão mato-grossense na área de Floresta.

f ) Mato Grosso 02: Vila Rica, Porto Alegre do Norte, Canabrava do Norte, Santa Cruz do Xingu, São José do Xingu, Serra Nova Dourada, Alto Boa Vista, Luciára, São Félix do Araguaia, Bom Jesus do Araguaia, Ribeirão Cascalheira e Querência no nordeste matogrossense; Conquista D’Oeste, Nova Lacerda, Pontes e Lacerda, Vila Bela da Santíssima Trindade, Glória, Lambari, e Mirassol DOeste, Salto do Céu, São José dos Quatro Marcos, Curvelândia e Cáceres no sudoeste do estado na área de Floresta.

g) Mato Grosso 03: Sorisso, Lucas do Rio Verde, Santa Rita do Trivelato, Nova Brasilândia, Planalto da Serra, Nobres, Diamantino, Campo Novo do Parecis, Sapezal, Campos de Julio e Comodoro no centro-oeste matogrossense; Barra do Bugres, Porto Estrela, Tangará da Serra, Alto Paraguai, Arenápolis, Nortelândia, Nova Marilândia, Santo Afonso, Jangada, Rosário Oeste, Chapada dos Guimarães, Santo Antonio do Leverger e Poconé no centro-sul do estado em área de Cerrado.

h) Mato Grosso 04: Água Boa, Araguaiana, Campinápolis, Cocalinho, Canarana, General Carneiro, Nova Nazaré, Nova Xavantina, Novo São Joaquim, santo Antonio do Leste, Ponte Branca, Ribeirãozinho, Torixoréu e Barra do Garças no leste do estado; Campo Verde, Pimavera do Leste, Guiratinga, Poxoréo, Tesouro, Dom Aquino, Jaciara, Juscimeira, Pedra Preta, Alto Araguaia, Alto Taquari, Alto Garças e Rondonópolis no sudeste mato-grossense em área de Cerrado.

Se observado o discurso hegemônico dos executivos das empresas multinacionais ou não, a expansão da soja estaria se fazendo nas áreas de pastagens degradadas da área de floresta. Entretanto, já é significativo o percentual de crescimento da área plantada na região do ecossistema da floresta amazônica, que representou 41,5% do total do estado no período entre 2000 e 2004. Inclusive, a pressão maior se faz no eixo norte da BR-163, onde o nortão mato-grossense – região de Sinop – foi responsável por 33,6% deste crescimento da soja em área de floresta; a região nordeste mato-grossense – São Félix do Araguaia – participou com 4,6% da expansão; a região noroeste – Juína - com 2,8% e a região sudoeste – Cáceres - com 0,5%.

Mas, é inegável que o maior ritmo de crescimento (58,5%) se fez nas áreas de domínio do Cerrado, como pode ser visto também na Tabela 1. Este crescimento se deu particular-mente na região do centro-oeste mato-grossense – eixo Sorriso, Campo Novo dos Pareci e Sapezal - que ficou com 31,2% do crescimento no período, ou seja, a metade. Depois vieram as regiões do sudeste – Rondonópolis - com 14,5%; a região leste – Barra do Garças – com 9,8%; e a região centro-sul – Cuiabá – com 3,0%.

Seria importante ainda analisar a representatividade nacional deste impacto de expansão da soja sobre as áreas de floresta da Amazônia Legal. Este crescimento no período entre 2000

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e 2004, em termos totais, foi de 1 milhão e 97 mil hectares, ou seja, 13,88% do total do crescimento do país. É óbvio que uma parte deste crescimento se deu em áreas de Cerrado encravadas no interior da floresta. Este fato aconteceu no sul de Rondônia, em Roraima e no baixo Amazonas paraense, região de Santarém. Entretanto, é também inegável que a pressão sobre as áreas de floresta se fez e continuará se fazendo.

De qualquer forma, é no Mato Grosso que está ocorrendo a maior pressão sobre a floresta, pois é lá que está atualmente, o centro nervoso da produção de soja nacional. Os dados da Tabela 2 são claros, pois indicam que 12,47% do crescimento, ou aproximadamente 985 mil hectares se deu em Mato Grosso, ficando o Pará, Amazonas e Rondônia com 1,4% ou, cerca de 110 mil hectares.

Tabela 1: Mato Grosso – Expansão da área cultivada com soja, 2000-2004.

Áreas 2000 2004 Diferença 2000 e 2004

EstadoÁrea plantada

(ha)Área plantada

(ha)Área plantada

(ha)Área plantada

(%)

MATO GROSSO TOTAL 2.906.648 5 279 928 2.373.280 100,0%FLORESTA em MATO GROSSO 502.755 1 488 640 985.885 41,5%

Noroeste Mato-grossense 52.660 118 136 65.476 2,8%Norte Mato-grossense 434.294 1 231 363 797.069 33,6%Nordeste Mato-grossense 14.988 127 320 112.332 4,6%Sudoeste Mato-grossense 813 11 821 11.008 0,5%

CERRADO em MATO GROSSO 2.403.893 3 791 288 1.387.395 58,5%Centro-Oeste Mato-grossense 1.339.550 2.079.504 739.954 31,2%Centro-Sul Mato-grossense 55.589 126 745 71.156 3,0%Leste Mato-grossense 241.958 473 467 231.509 9,8%Sudeste Mato-grossense 766.796 1.111.572 344.776 14,5%

Fonte: IBGE. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

Para se ter também uma visão sobre o significado desta pressão exercida pela expansão do monocultivo da soja sobre as terras dos municípios com maiores indicadores de cresci-mento, deve-se salientar que no Mato Grosso elas já estão chegando a índices insuportáveis. É esta situação em Lucas do Rio Verde, Nova Mutum e Campo Novo dos Pareci onde o monocultivo da soja já domina respectivamente 59,1%, 53,9% e 50,4%, da área destes municípios. Logo a seguir vêm os municípios de Sorriso e Sapezal onde a monocultura já superou 47,2% e 42,1% da área total. Em seguida, vêm Diamantino e Campos de Julio com domínio da soja acima de 37,5% e 30,6% da área total destes municípios.

Este crescimento da área cultivada com soja, obviamente, tem a ver com a elevação dos índices de desmatamento no estado de Mato Grosso neste início de Século XXI. Não se pode ignorar que o crescimento do desmatamento neste estado foi expressivo neste período estudado da expansão da soja. A área desmatada no estado de Mato Grosso foi a seguinte: 2000/2001 – 780 mil hectares; 2001/2002 – 817 mil hectares; 2002/2003 – 1 milhão e 45 mil hectares; 2003/2004 – 1 milhão e 258 mil hectares e 2004/2005 – 609 mil hectares. Ou seja, mais de 4,5 milhões de hectares de floresta foram derru-bados no estado.

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Tabela 2: Amazônia legal – Expansão da área cultivada com soja, 2000-2004.

Áreas 2000 2004 Diferença 2000 e 2004

EstadoÁrea plantada

(ha)Área plantada

(ha)Área plantada

(ha)

Área plantada (%) em relação ao

total do Brasil

Área plantada (%) em relação a total da Floresta

Amazônica

Brasil total 13.693.677 21.601.340 7.907.663 100,00% –Floresta Amazônica 517.840 1.615.521 1.097.681 13,88% 100,0%Mato Grosso 502.755 1 488 640 985.885 12,47% 89,8%Pará 2.225 35 219 32.994 0,42% 3,0%Rondônia 11.800 56 443 44.643 0,56% 4,1%Amazonas 1.060 35 219 34.159 0,43% 3,1%

Fonte: IBGE. Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/IÁNDE.

É também possível que o aumento de 985 mil hectares na área de cultivo da soja tenha a ver com uma parte deste desmatamento, mas, jamais poderia ser evocado como único fator causador do mesmo. Há indícios fortes de que a soja está exercendo também a influência direta sobre o desmatamento em Mato Grosso, pois, entre os municípios com maior incremento do desmatamento estão, no período de 2003, 2004 e 2005, municípios que tiveram incrementos significativos da área expandida de soja tais como, por exemplo, respectivamente:

- Tapurah; 51 mil hectares em 2003, 54 mil hectares em 2004, 18 mil hectares em 2005, somando um total 123 mil hectares;

- Querência: 41 mil hectares em 2003, 41 mil hectares em 2004, 23 mil hectares em 2005, somando um total 105 mil hectares;

- Nova Maringá: 23 mil hectares em 2003, 44 mil hectares em 2004, 30 mil hectares em 2005, somando um total 97 mil hectares;

- Brasnorte: 45 mil hectares em 2003, 33 mil hectares em 2004, 13 mil hectares em 2005, somando um total 91 mil hectares;

- Nova Ubiratã: 38 mil hectares em 2004, 33 mil hectares em 2005, somando um total 72 mil hectares;

- Gaúcha do Norte: 24 mil hectares em 2004, 10 mil hectares em 2005, somando um total 34 mil hectares; e

- Feliz Natal: 18 mil hectares em 2004, 24 mil hectares em 2005, somando um total 32 mil hectares.

Sem embargo, certamente, deve ser significativa a área desmatada para plantio da soja no Mato Grosso, mas, tudo indica que a pressão principal pelo desmatamento vem da expansão da pecuária e da grilagem de terras, além é evidente, da pressão indireta exercida pela soja, no que se refere à substituição da pastagem em um município com a migração da pecuária para a área de floresta. Mas esta relação entre a expansão as soja e o crescimento do desmatamento será objeto de outro trabalho.

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Considerações finais

Em termos finais restaria ainda discutir neste texto, dois aspectos fundamentais: a presença das empresas de comercialização multinacionais ou nacionais na Amazônia Legal e a crise por que passa a produção de soja no Brasil na safra 2005/2006 e suas perspectivas futuras. Em primeiro lugar, cabe colocar que as empresas multinacionais estão distribuídas estrategicamente na região. E também, cabe deixar claramente colocado que são elas na atualidade as indutoras fundamentais da expansão da soja nas áreas onde atuam.

O Mapa 4 referente à localização de unidades de comercialização das empresas expor-tadoras no ano de 2005, indica que em Rondônia a Cargill e a Amaggi dominam o mercado produtor, uma vez que utilizam da hidrovia do Madeira para escoamento da produção como já indicado neste texto. A pequena produção do Amazonas e de Roraima está sob controle do grupo Amaggi, em decorrência da unidade industrial e portuária que opera em Itacoatiara-AM. O estado do Pará, por sua vez tem na Cargill a empresa indutora da expansão da soja no sudoeste paraense e no baixo Amazonas em função de seu terminal portuário em Santarém. A produção do leste e sudeste paraenses está sob controle da Bunge que possui unidades em Paragominas e Santana do Araguaia. A Cargil, a ADM em Balsas, e a Bunge em Tasso Fragoso, São Domingos do Azeitão, Samambaia, Riachão, Porto Nacional, São Luis e também, Balsas disputam o controle da produção de soja no sul do Maranhão. A produção do Estado do Tocantins está sob influência da Bunge, que tem unidades em Pedro Afonso, Guarai, Porto Nacional, Gurupi e Campos Lindos, onde há também uma unidade da Cargill.

Mapa 4: Amazônia - Soja e multinacionais, 2005.

Fonte: MDIC e IBGE. org.: OLIVEIRA, A. U.; FARIA, C. S.; BIANCHETTI, F. S.

O estado de Mato Grosso por ser o maior produtor nacional é disputado por todos os grupos multinacionais. O grupo Amaggi tem unidades em Rondonópolis, Itiquira, Cuiabá,

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OLIVEIRA , A. U. A amazônia e a nova geografia da produção da soja

Campo Novo dos Pareci, Brasnorte, Campos de Julio e Sapezal. A Cargill tem unidades em Alto Araguaia, Rondonópolis, Campos de Júlio e Sapezal. A Coinbra do grupo Louis Deyfuss, tem unidade em Alto Araguaia. A ADM tem suas unidades exportadoras em Rondonópolis, Itiquira, Primavera do Leste, Campo Verde, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Tapurah, Sorriso e Sinop. A Bunge estava presente exportando em 31 municípios: Alto Taquari, Rondonópolis, São Félix do Araguaia, Porto Alegre do Norte, Bom Jesus do Araguaia, Querência, Canarana, Nova Xavantina, Paranatinga, Primavera do Leste, Campo Verde, Cuiabá, Diamantino, São José do Rio Claro, Santa Rita do Trivelato, Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Cláudia, Santa Carmem, Feliz Natal, Tapurah, Ipiranga do Norte, Itanhangá, Tabaporã, Tangará da Serra, Campo Novo dos Parecis, Brasnorte, Campos de Julio e Sapezal.

Estas bases logísticas associadas aos sistemas dos corredores de transportes já tratados neste texto, compõem a estrutura a partir da qual é feita toda lógica da expansão da cultura da soja na Amazônia Legal. Deve ser ressaltado também o fato de que não foi abordada neste trabalho a rede de comercialização de grupos nacionais, sobretudo, aqueles que atuam no mercado interno muitas vezes como intermediários de grupos multinacionais. O mercado interno de consumo da soja é significativo, pois absorveu em 2005, pouco mais de 31 mi-lhões de toneladas, mais do que a metade (57%) do volume da produção nacional somada os estoques existentes da safra anterior (54 milhões de toneladas), ficando as exportações com 40%, ou seja, 21,9 milhões de toneladas. O restante em relação ao total compõe o estoque final do ano (1,5 milhão de toneladas).

Porém, quando se analisa as tendências da oferta e demanda de soja no Brasil, verifi-ca-se aliada as questões já tratadas relativas ao mercado mundial, que o consumo de soja no mercado interno tem apresentado certa estabilidade nos quatro últimos anos (2003, 2004, 2005 e 2006). Diferente do comportamento das exportações que tem conhecido crescimen-tos crescentes, conforme pode ser observado no Gráfico 14. Trata-se, pois, da possibilidade crescente do mercado internacional passar a comandar a expansão da produção da soja no Brasil.

Finalmente, cabe destacar a questão da crise que a produção de soja vem apresentando nas duas últimas safras (2004/2005 e 2005/2006) e as perspectivas para a safra 2006/2007. Como escrevi em 2004, no livro “Amazônia Revelada” (Torres, M. (org), 2005) a bonança de 2004 acabou, pois se tratava de uma elevação episódica dos preços no mercado mundial da soja, decorrente da queda dos preços na Bolsa de Chicago. Esta queda foi originada pela recuperação da safra norte-americana de 2004/5, depois de duas quebras de safra seguidas.

O ano de 2004 neste sentido é histórico para o mercado mundial da leguminosa, pois, em março e abril, a soja alcançou as mais altas cotações de sua história quando ultrapassou US$ 16 à saca, e, ao mesmo tempo em outubro, novembro e dezembro, do mesmo ano, conheceu uma queda expressiva que fez o preço recuar a patamares muito baixos em torno de US$10. De lá para cá, a propaganda midiática e os mitos do agronegócio da soja voltaram a aparecer, pois agora, os capitalistas da agricultura moderna terão que mostrar suas competências, pois, não dizem que no Brasil não há subsídios na agricultura, e que eles são competitivos em nível mundial? Na realidade o que se está assistindo é exatamente o contrário.

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Gráfico 14: Brasil - Soja e demanda.

Fonte: Conab (www.conab.gov.br). Org.: OLIVEIRA, A. U./USP/ABRA/IÁNDE.

O cenário do que denominam crise veio se desenhando desde a safra 2004/2005 e explodiu na safra 2005/2006. Entretanto, é preciso sinalizar que estudo realizado em 2001, por pesquisadores da Embrapa (Castro, A. M. G. et alli “Competitividade da cadeia produtiva da soja na Amazônia Legal”, Ministério da Integração Nacional – SUDAM – OEA, Belém, 2001) já indicava problemas de competitividade para a soja produzida em Mato Grosso face o mercado mundial. Entre eles estava a questão dos custos de transportes, e sua relação comparativa entre o escoamento via Paranaguá (rodovia) ou Santos (rodovia, ferrovia e/ou rodovia/hidrovia/ferrovia) e aquele feito via Itacoatiara no rio Amazonas (rodovia e hidrovia rio Madeira). A diferença apontada pelos autores entre as duas opções indicava para aquela de Itacoatiara a vantagem comparativa de US$15,5 a tonelada (Paranaguá = US$73,00 / Itacoatiara = US$57,50).

Outro estudo que também mostrava os problemas de competitividade internacional da soja produzida em Mato Grosso, foi elaborado em junho de 2004 por Carlos Eduardo Cruz Tavares, pesquisador da CONAB (“Fatores críticos à competitividade da soja no Paraná e no Mato Grosso”, www.conab.gov.br). Neste trabalho a avaliação feita pelo autor já indicava que mesmo com uma produtividade média superior obtida na produção de soja no Mato Grosso, em relação à produção do Paraná, Argentina e Estados Unidos, os custos de trans-portes poderiam inviabilizar esta produção voltada para o mercado mundial. A diferença variou no estudo realizado em 21% a mais para o Paraná, 16% a mais para Córdoba, e 22% para Illinois nos Estado Unidos, mostrando a reduzida margem de rentabilidade da lavoura no Mato Grosso.

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Por sua vez, a Tabela 3 indica onde está situado um dos gargalos para que a produção de soja de Mato Grosso possa competir mundialmente: os custos de transportes. As despesas com o frete até os portos de Paranaguá, ou mesmo de Santos, chegaram a US$47 dólares no estudo de Tavares, contra US$17 no Paraná, US$13,4 na Argentina e US$26 nos estado Unidos.

Assim, mesmo a produção de soja em Illinois nos EUA apresentando um custo de produção US$29,5 mais alto que Mato Grosso, consegue uma rentabilidade superior a Sor-riso-MT de US$88,8 à tonelada, em decorrência do frete e prêmio mais baixo.

Tabela 3: Comparativo da sustentabilidade das cadeias em US$/ton (US$=R$3).

EUA (Illinois) Mato Grosso (Sorriso) Paraná (C. Mourão) Argentina (Pampa)Custo de produção 203.5 174.0 145.0 158.8 Frete ao porto 26,00 47.0 17.0 13.4 Despesas porto 3.0 5.3 5.3 3.0 Transporte marítimo 21.4 23.4 23.4 25.4 Prêmio (13.0) 80.0 80.0 58.0 Custo Total 240.9 329.7 270.7 258.6

Fonte: Conab, Sagpya e Marship Agencies. TAVARES, C.E.C. “Fatores críticos à competitividade da soja no Paraná e no Mato Grosso”, www.conab.gov.br.

Este estudo já sinalizava, portanto, em junho de 2004, que a tão decantada competi-tividade da soja em Mato Grosso dependia de um lado, das crises da soja norte-americana, como indicou um membro da Aprosoja ao Diário de Cuiabá de 24/04/2006: “Ele acredita que só há um jeito dos preços se recuperarem para o produtor brasileiro: “O dólar sofrer uma valorização e ocorrer um desastre climático no início do plantio da safra norte-americana”, que começa dentro de 40 dias. Para o desespero dos produtores mato-grossenses, o último relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA/EUA) sinaliza um aumento de 6% na área plantada para a safra 06/07.” (“Moratória branca à soja mato-grossense” www.aprosoja.com.br).

Tudo indica que pelas palavras deste dirigente da Aprosoja, o quadro de bonança vivido nas safras de 2003 e 2004 derivou da desgraça da quebra de safra norte-americana. Mas, é também certo que a acumulação de capital na cultura da soja mato-grossense deriva exatamente da outra componente revelada na entrevista: a desvalorização cambial. A expansão da soja no Estado de Mato Grosso dobrou sua área plantada após a desvalorização cambial do real no final de 1998 e início de 1999. Passando de 2 milhões e 548 mil hectares na safra 1998/1999 para 2 milhões e 800 mil hectares na safra 1999/2000; e chegando a 6,1 milhões de hectares na safra 2004/2005 e com previsão de redução da mesma para 5,89 milhões de hectares na safra 2005/2006. Com a expansão da área plantada neste período, o volume de produção ofertado no mercado pelo estado de Mato Grosso passou de 7 milhões de toneladas em 1998/1999, para 17,7 milhões de toneladas na safra 2004/2005 e tem também, a previsão de redução para a safra de 2005/2006 quando pode produzir 15,8 milhões toneladas.

Dessa forma, aquilo que podia parecer, a primeira vista estranho, a acumulação de capital derivar de um quadro de crise cambial, é pura verdade no caso brasileiro. Portanto, a

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riqueza dos produtores de soja de Mato Grosso neste período, derivou do quadro econômico de desvalorização do R$. É por isso que nas manifestações dos sojeiros, a posição contra a valorização do câmbio está no primeiro lugar, entre os itens da pauta de reivindicações. Suas riquezas nascem da crise gerada pela inflação e as conseqüentes desvalorizações da moeda nacional. Desgraça para os trabalhadores em geral, alegria para os “novos ricos” da agricul-tura do país.

E qual tem sido a posição do governo Lula, agora no caso da crise? Cedeu aos capitalistas do agronegócio e criou mecanismos de transferência de re-

cursos do fundo público para as contas dos capitalistas modernos da agricultura brasileira, continuando a viabilizar com recurso público a insustentável cultura soja de Mato Grosso para o mercado mundial. As duas reportagens publicadas a seguir, são exemplos objetivos do subsidio governamental aos “novos ricos” da moderna agricultura:

“As medidas, negociadas por 40 dias pelo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, custarão R$ 1,28 bilhão ao Tesouro em 2006. Vale lembrar que os cofres públicos já carregam um custo anual de R$ 2,8 bilhões das sucessivas renegociações das dívidas rurais feitas entre 1995 e 2001, quando foram rolados cerca de R$ 12,4 bilhões.”

“A pesquisa inédita, realizada pela Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura (AGE), aponta que, entre 2000 e 2005, o Tesouro Nacional gastou R$ 9,1 bilhões com o financiamento de débitos agrícolas prorrogados a partir de 1995. A maior parte dessas despesas está atrelada à dívida mobiliária, a emissão e a venda de títulos pelo governo no mercado, dos programas de repactuação das dívidas. Nesse item, o governo bancou R$ 8,772 bilhões entre 2002 e 2005. Apenas no ano passado foram R$ 1,78 bilhão.”

(Neste outono do quarto ano do governo Lula, quando seu apoio ao agronegócio está se revelando por inteiro, ante a não reforma agrária de seu governo)

Recebido para publicação em junho de 2006Aprovado para publicação em junho de 2006

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Camponeses da floresta: apontamentos para a compreensão da diferenciação dos trabalhadores

seringueiros e da formação do campesinato acreano*

Peasants of the forest: points to the comprehention of the diferentiation of the rubbertapper workers and the

formation of the acrean pesantry

Campesinos de la selva: reflexiones para comprender la diferenciación de los trabajadores del látex y de la formación del campesinado acreano

Silvio Simione da SilvaDoutor em Geografia pela FCT/UNESP

Prof. Adjunto do Departamento de Geografia da UFACRua Venezuela, 207 - Bairro da Cadeia Velha

CEP: 69.900-280 - Rio Branco - [email protected]

Resumo: Este artigo é um pequeno ensaio sobre a questão camponesa na Amazônia-acreana. Apresentamos alguns apontamentos para a compreensão espaço/temporal formação do campesinato local a partir do seringueiro, migrante nordestino recrutado para a extração do látex, na floresta desde os finais do século XIX. Nisto, apontamos para compreensão do sentido deste campesinato com suas raízes nordestinas, mas que aqui, perante a rudeza de uma formação espacial e socioambiental na floresta amazônica, apresentando se com certas especificidades.Palavras-chave: Campesinato; Amazônia; Floresta; Trabalho; Espaço/tempo.

Resumen: Este artículo es un pequeño ensayo sobre la temática campesina en la amazonia-acreana, en el cual presentamos algunas reflexiones para comprender, espacial y temporalmente, la formación del campesinado local a partir del seringueiro, emigrante de la región nordeste de Brasil, reclutado para la extracción del látex en la selva, desde finales del siglo XIX. En nuestro análisis, destacamos para la comprensión del sentido de ese campesinado con raíces del nordeste que, frente a la rudeza de una formación espacial y socio-ambiental en la selva amazónica, desarrolla ciertas especificidades.Palabras-clave: Campesinado; Amazonia; Selva; Formación socioespacial; Trabajo; Espacio/tiempo.

Abstract: this article is a short essay about peasant question in the acrean amazon. We present some points to the comprehention space/temporal formation of the local campestral from the rubbertapper northeastern migrant selected to de latex extraction in the forest since the end of nineteenth century. In this, we point to the comprehention of the meaning of this campestral with it’s northeastern of roots, but here, in front of a rudeness of a socio-ambiental and spacial formation in the amazon forest presenting itself with certain specifities. Keywords: Peasantry; Amazon; Forest; Socio-spacial formation; Work; Space/time.

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 45-61 Jan-Jun/2006

* Trabalho apresentado como atividade avaliativa do II Seminário de Doutorado do Curso de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP, cujo a temática foi: “Natureza e cultura – as duas faces da moeda” pela Profa. Dra. Bernadete Castro Oliveira do DEPLAN/IGCE/UNESP – Rio Claro, no II Semestre de 2001.

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Nós somos camponeses, que nascemos e crescemos na Floresta Amazônica, descendentes de nordestinos, tangidos pela seca. Nossos pais chegaram naquela região ainda crianças e foram trabalhar na exploração da borracha, na fabricação de borracha ou na quebra de castanha.

(BARROS1, 1990, p. 24)

Propósitos deste tópico

Neste trabalho buscamos fazer alguns apontamentos para uma compreensão como e quando numa escala espaço/temporal, o seringueiro da Amazônia-acreana, migrante nordes-tino recrutado para a extração do látex, irrompendo das estruturas do trabalho compulsório dos seringais inicia e conquista maior autonomia e lança as bases para a recriação de um campesinato na região. Nisto, apontamos para compreender o sentido deste campesinato amazônico-acreano, em suas raízes na rigorosa sociedade sertaneja campesina do Nordeste, mas que aqui se reproduz frente à rudeza de uma formação espacial e sócio-ambiental na floresta amazônica. Homens marginalizados e explorados nos sertões secos do Nordeste, que são submetidos semi-escravizados nos rincões úmidos da Floresta Amazônica, mas que traz consigo em sua essência a condição de trabalhador autônomo e familiar, e de sua lógica de reprodução que contraria à lógica impostas pelo capital que o submete no seringal.

Do sertão à floresta: a mobilidade social no início da exploração da borracha

Especificidade camponesa do trabalhador migrante nordestino

A idéia de um campesinato amazônico-acreano não deve ser visto como algo recen-te no âmbito da ocupação desta área territorial do Brasil. Entendemos esta diferenciação na classe de trabalhadores que migraram para esta parte sul-ocidental da Amazônia para a extração do látex (ocupando terras em que eram habitadas por indígenas2), começou a ocorrer no período das lutas pelo domínio do território acreano frente à Bolívia e Peru e paulatinamente vai se consolidando a partir de 1903, quer seja pelo reconhecimento da licença de ocupação de colonos, quer seja nos períodos de crises da produção da borracha que atinge a região após 1912 e, no contexto da miséria e abandono gerado, não caberia alternativa ao seringueiro que não migrou para fora do seringal, senão plantar para garantir a subsistência mínima.

Todavia, discutir o princípio do campesinato entre a população seringueira, parece-nos ser necessário também entender que o tempo de um campesinato amazônico-acreano retrocede ao próprio período de sua introdução no sistema produtivo das empresas extrativas

1 Raimundo Barros é seringueiro acreano, primo de Chico Mendes, sindicalista de Xapuri. Atualmente é sindicalista e militante fundador do PT no referido município.

2 Vale ressaltar que os indígenas foram expulsos, massacrados e semi-exterminados no conjunto do avanço da frente pioneira extrativista da borracha, nas últimas décadas do século XIX, por seringueiros sob o comando dos capitalistas, nas pessoas dos seringalistas financiados pelas casas aviadoras de Belém e Manaus.

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naturais que se materializaram nas propriedades latifundiárias dos seringais. Nisto a atenção deve ser dada para a questão que este sujeito social que era retirado do Nordeste Brasileiro e deslocado para estes confins da Amazônia a produzir riqueza para outrem – a borracha natural, já se constituí em grupos sociais de sertanejos, camponeses nordestinos, que ao serem reintroduzidos como mão-de-obra para a extrativismo perde sua condição de trabalhador autônomo, sua força-de-trabalho familiar livre, seu domínio sobre o meio de produção e, enfim, as forças capitalistas os recriam aqui, em condição de “trabalho compulsório”, preso ao seringal por dívidas. Partindo destes pressupostos já se torna possível começarmos a ter um perfil destes grupos camponeses e sua diferenciação no contexto da formação social econômica e territorial acreana.

Assim, ao formar a base fundiária para a produção da borracha no domínio da proprie-dade da terra, juridicamente se pode falar apenas nos grandes latifúndios, nas como unidades capitalistas voltados para o extrativismo vegetal, especialmente da borracha. Unidade familiar germinava-se na colocação, sendo, porém muito longe de ter um trabalhador autônomo e até mesmo familiar, pois a mão-de-obra do seringal era predominantemente masculina.

O processo migratório do Nordeste envolveu dois tipos sociais bem distintos. Por um lado, uma minoria de pessoas com algumas posses, ou bem relacionadas que obtinham finan-ciamentos do capital aviador de Belém e Manaus para comandar o processo de exploração da borracha e, por outro houve uma grande maioria de mão-de-obra braçal que deslocado do Nordeste para a Amazônia-acreana destinar-se-ia quase exclusivamente ao trabalho de extração do látex3.

Tentando agora entender um pouco do perfil deste trabalhador, Abguar Bastos (In: COSTA, 1940, p. 9-10) faz nos uma excelente caracterização,

O cearense e o Acre eram dois destinos ainda sem comunicação com a vida: o primeiro a procura duma terra que o recebesse, o segundo a procura de um povo que o tomasse. Ambos pareciam providencialmente, preparados para encontrar-se um dia. Ambos indesejáveis, soturnos, ásperos, trágicos. Ambos espancando das costas um deserto agressivo. Um carregado de filhos. Outro carregado de rios.

Nota-se aí aspecto do sertanejo nordestino, sua busca pela terra para trabalhar, sua situação de incomodo social (indesejável) e da mobilidade constante com sua numerosa família (que na hora da migração quase sempre não pode trazer inicialmente). Mas uma característica notável é que estes homens eram, sobretudo um esperançoso, e apesar de tudo esperava de uma nova vida na Amazônia. Para este migrante, a Amazônia era terra de novas possibilidades, como a de superar a vida miserável do sertão castigado muito mais pelo poder do latifúndio nordestino na força dos coronéis de que pela seca4 e, obter fartura e até riqueza.

3 Samuel Benchimol (1977, p. 177), colocava que no contexto da produção no seringal, “seringa e roça, portanto, não rimam bem. O roçado só existe quando a seringa falece. Na época de crise até que se vive bem nos seringais. Pelo menos o homem toma interesse para a plantação e volta suas vistas a terra”.

4 A respeito disto é recomendável a leitura do excelente trabalho do Sr. Mário Diogo de Melo “Do Sertão cearense às barrancas do Acre” (1994), que relata a trajetória de João Gabriel, seu avô, um camponês do sertão do Ceará, homem simples, trabalhador, pobre, discriminado que prensado pelo poder do latifúndio nordestino que na década de 70 do século XIX, saiu em busca de novas oportunidades da vida e chegou a Amazônia e tornou-se um seringalista bem sucedido.

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Isto, pois, em suas vidas miseráveis, no Brasil, estes homens deslocando para cortar seringa se colocavam nas últimas escalas sociais superando apenas os indígenas. Esses mi-grantes, “pertencia às castas infelizes do camponês e do trabalhador rural. É verdade que sobrevivia, mas como cacto no areal. Sobrevivia como fenômeno humano” (BASTOS, In: COSTA, 1940, p. 10).

Ademais, cabe ressaltar que um relato histórico que enumera bem esta característica campesina dos primeiros migrantes nordestinos para o Acre é o trabalho do Dr. Jersey Pacheco Nunes (1996) “Memórias de um seringueiro”, em que de forma brilhante o autor relata a história real de um grupo de camponeses nordestinos que habitavam o Arraial de Canudos, lutando na resistência até destruição. Em face de violência impetrada pelo poder público da época na destruição do arraial, estes fogem e acabam por ingressarem nas correntes migratórias para o Acre nos últimos anos da década de 90 do século XIX.

Com isto podemos ter um breve perfil do homem trabalhador que fora deslocando para a Amazônia-acreana. Eram em sua maioria camponeses nordestinos que viviam no limite da exploração. Estes grupos sociais de trabalhadores estavam fundamentalmente formados por “excluídos” da estrutura agrária nordestina, que frente ao serviço de agenciamento de mão-de-obra desenvolvido pela empresa extrativista e pelo capital mercantil industrial financiador, eram recrutados para serem reinserido no processo produtivo na Amazônia, onde havia vastos campos de trabalho combinado a escassez de força-de-trabalho. É claro que não faltava propaganda enganosa que prometia além do trabalho, a riqueza fácil e acessível a todos.

Chegamos então a primeira afirmativa que queríamos pontuar: tratou-se de uma migração de força-de-trabalho camponesa, recrutadas em praticas de peonagem que, na Amazônia produtora do látex, não foram recriados como tal inicialmente, mas sim como “trabalhadores compulsórios5”, verdadeiros “escravos por dívidas6”. Mas aí reside a base para a formação e recriação camponesa posterior.

Do “trabalho compulsório” ao princípio da recriação de um campesinato

Partindo então destas averiguações, podemos admitir que os trabalhadores nordestinos trazidos para o Acre foram submetidos a um sistema de trabalho em que recriava formas semi-escravas num processo de reprodução capitalista na Amazônia. Aí a tradição campo-nesa do migrante, sua autonomia, sua prática em cultivo, sua economia de subsistência e até sua tradição familiar foi suprimida, ao torná-lo seringueiro, um trabalhador exclusivo da extração da borracha para o seringalista, nos período de grande aceitação deste produto no mercado.

5 O termo “trabalho compulsório”, ao qual concordamos foi designado por Silva (1982) no sentido de trabalho em que os seringueiros eram homens compelidos a produzir em excesso, sob relações de trabalho coercitivas e de constante endividamento.

6 O termo “escravos por dividas”, que entendemos ter um caráter complementar e explicativo ao de “trabalho compulsório”, conforme Martins (1997, p. 85) define-se como o“trabalho sob coação, ou seja, são formas coercitivas extremadas de exploração do trabalhador produzidas em momentos de circunstâncias particulares da reprodução do capital”.

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O caráter deste sistema de trabalho e a forma contraditória em que se colocavam es-tes dois sujeitos sociais no contexto produtivo do sistema de aviamento7, foi ressaltado por Abguar Bastos (In: COSTA, 1940, p. 13), nos seguintes termos:

Entre o proprietário da ‘margem’ e o homem [...] do ‘centro’, a diferença era esta: um suava em meditação, o outro em sangue. Um devia dinheiro, o outro a vida. Um caia e levantava, o outro caia e rastejava. Um podia ter dinheiro, outro devia ter obrigações. Um sofria reclamando e exigindo, o outro sofria agradecendo e humilhando-se”.

Entende-se aí como homem da margem o seringalista e homem do centro o seringueiro. O termo margem e centro fazem referência a localização com relação ao rio, principal via de entrada e saída na região. Nisto mostra-se que o processo de endividamento também ocorria noutras escalas além do seringal, porém o seringueiro era o elo mais explorado da corrente produtiva, e quem realmente, produzia riqueza, mas que não ficava com nada, ou melhor, somente com as dívidas. Contudo no sistema produtivo, o seringueiro mesmo sendo o elo mais suscetível a exploração, era também o elemento mais ligado a terra - a floresta, de que se torna rapidamente um pleno conhecedor.

É neste caráter do sistema produtivo em que se reprime qualquer possibilidade destes trabalhadores de se ocuparem em atividades de cultivos que, esses sujeitos sociais mantém sua relação com a terra e conservam seus valores sertanejos no contexto da floresta. Acredi-tamos que isto se comprova no processo, pois em meio a população seringueira a condição sócio-cultural e econômica camponesa pré-existia ao contexto produtivo do seringal. Temos, então nos momentos de crises da produção extrativista da borracha, um afrouxamento destas relações e a possibilidade de emergir a autonomia do trabalhador seringueiro e da recuperação de suas tradições camponesas.

As marcas da agricultura

Durante os conflitos contra a Bolívia, como efeitos do recrutamento de trabalhado-res para a batalha, foi dado o direito a muitos seringueiros de romper com o centro. Para estes indivíduos, esta liberação parcial poderia significar que após a guerra fosse possível um rompimento com as fortes amarras que os prendiam cruelmente ao sistema produtivo do seringal. Isto fora aceito como uma resposta afirmativa a integrar a batalha, na defesa de seu território e na expectativa de conquista da liberdade que ainda não tinham.

Segundo Abguar Bastos (In: COSTAS, 1940) no âmbito da luta frente ao problema econômico do seringal, o êxodo do centro para a margem tornou-se cada vez mais numeroso. Com isto em meio ao ambiente de guerra, criava-se a necessidade de acomodar famílias e seringueiros em áreas mais próximas aos rios e vilarejos e isto gradativamente foi se tornando

7 Esse sistema funcionava como uma rede articulada de fornecimento que ia desde o seringueiro até o capital financiador, que conforme Silva (1982, p. 24), consistia em “relações de produção que articulavam o seringueiro, seringalista, aviador e o exportador como agentes participantes de um processo que funcionava sob a dominação imediata visível do capital mercantil (...), e o grande capital industrial das potências que fazia funcionar a empresa do seringal nativo, isto porque as casas exportadoras estavam diretamente ligadas ao capital monopolista internacional e era este que em última instância detinha controle do sistema de aviamento”.

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pressões sobre as lideranças revolucionárias. Diante do problema criado e da necessidade por alimentos para parte da população, passou-se a isentar do serviço nas forças revolucionárias, todo o seringueiro que quisesse dedicar-se a lavoura. Esta era a oportunidade que muitos seringueiros aguardavam. Todavia, esta medida tomada pelo comando da revolução tinha um sentido extremamente estratégico, pois viria afastar a possibilidade de terem que lutar também contra a fome em plena batalha.

Já no contexto da luta, havia um significado maior para seus agentes:

Para Plácido de Castro, a agricultura do milho e do feijão era uma forma de guerra contra a fome, para o cearense plantador isto era uma forma de guerra contra o regime florestal. De uma maneira que duas mobilizações específicas se delimitavam na hora da luta armada: a da frente contra o estrangeiro e a da retaguarda contra os ‘centros. (BASTOS In: COSTA, 1940, p. 42)

No contexto da reconstrução de seu imaginário social, o roçado que se plantou tinha uma significância fundamental: “com o roçado era possível a barraca. Com a barraca a mu-lher e os parentes. Com a mulher os filhos. Com a família a aplicação das leis teológicas que forravam a moral dos seus costumes” (BASTOS In: COSTA, 1940, p. 43). Com a terra na “margem” tinha-se o rompimento com o “centro”.

Num relatório da época elaborado por Plácido de Castro (líder de “Revolução Acrea-na”), este apontava que após a Guerra, o cultivo da terra passou a ser uma realidade praticada por grupos que se deslocaram para as margens dos rios tendo por base o trabalho familiar (BASTOS In: COSTA, 1940).

O significado disto foi o surgimento de uma incipiente agricultura de subsistência já nos primeiros anos do século XX. Com isto podemos falar do início de uma diferenciação entre os trabalhadores com o surgimento de uma pequena classe de trabalhadores mais autô-nomos que não viviam mais exclusivamente de atividades extrativistas, mas trabalham com a agricultura de subsistência e complementam sempre que possível com a coleta da seringa da castanha, com a caça etc.

Do ponto de vista político de uma ocupação efetiva, esta recolocação desse pequeno grupo tem um significado proeminente para a formação econômica e territorial do Acre, pois “com o roçado ensaiava-se a pequena propriedade. O homem da seringa ressurgia to-dos os anos no homem da lavoura. Mas o essencial é que, resolvido a plantar, estava, para o nordestino, resolvido à permanência” (BASTOS In: COSTA, 1940, p. 44). Este princípio da agricultura seria depois confirmado com a criação das primeiras colônias agrícolas no município de Rio Branco:

Quadro 1: Primeiras colônias agrícolas implantadas no município de Rio Branco.

Nome População assentada Ano de implantaçãoColônia Gabino Besouro 160 1908Colônia Deoclesiano de Sousa 85 1912Colônia Cunha Vasconcelos 33 1913Total 278

Fonte: Guerra, (1955, p. 123).

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Com isto pretendemos mostrar o princípio de formação de um campesinato em que resgatava o trabalho familiar agrícola, mas que, entretanto, não significou grande ex-pressividade enquanto força social, até a integração do Acre no contexto da frente pioneira agropecuária já nos anos de 1970. Com isto, não se pode negar que nas décadas de 1920 e 1940, por exemplo, foram implantadas várias colônias agrícolas em todos os municípios do então Território Federal. Para a análise aqui isto nos basta, queremos apenas apontar para esta diferenciação de um tipo camponês que aí começou a ser recriado, ganha corpo nas décadas seguintes, mas somente após 1960, tem uma representação maior, como foram denominados de “colonheiros”, diferenciando do típico trabalhador seringueiro. Este sujeito social, entretanto, foge ao objetivo deste trabalho em que estamos tentando apenas entender a diferenciação social ocorrida entre os grupos seringueiros, na sua constituição e recriação como um tipo social camponês que se reproduz na floresta.

O seringueiro: quando as amarras se afrouxaram

Com o término da guerra, para a maioria dos seringueiros não terminou o sistema de endividamento que vivia nos seringais, o trabalho compulsório volta a reinar, e muitos homens tiveram que retornar aos seus postos no centro. Nos seringais, quase tudo voltava a ser como era antes, seringueiro sem autonomia, preso ao patrão por dívidas.

Por volta de 1912, a borracha nacional começava a sentir fortemente o peso da pro-dução concorrencial da produção asiática, plantada com sementes contrabandeada do Brasil pelos ingleses em suas colônias no sudeste da Ásia. A crise abate sobre a economia amazônica, muitos seringais são abandonados, outros são arrendados e grande parte dos seringalistas se retraem para proteger suas economias da miséria que ameaça a região. A migração, sobretudo de seringalistas e seus auxiliares mais próximos para as principais cidades regionais é bastante intensa; isto também ocorre entre a população seringueira, porém em menor quantidade, pois poucos tinham condições para fazer viagem de tão grande distância. Entre a população seringueira houve intensa mobilidade, em especial, para os arredores das cidades territoriais ou saindo do centro para colocações mais próximas aos rios. De qualquer forma, com estes movimentos ficou evidente com o acentuado decréscimo da população ocorrido em vinte anos, tal que em 1920 o Território Federal do Acre tinham uma população de 92.379 habitantes e em 1940 esta população cairia para a casa dos 79.768 habitantes (SILVA, 1999).

Para nós este período é muito importante. É neste período de crise e de grande extensão de miséria sobre a região, quase com a falência dos seringais, que a mão-de-obra seringueira é liberada parcialmente das relações que as prendiam severamente aos seringais. Assim, para se ver livre da obrigação de aviar seus trabalhadores, os seringalistas e arrendatários, concedem aos seringueiros que plante suas subsistências e complemente sua economia com atividades extrativistas que, contudo não havia encerrado (diminuiu o mercado, porém não se esgotou). É também neste período que a figura dos marreteiros, comerciantes que com seus regatões percorriam os rios negociando com a população, começam a ganhar maior relevância, e contribui ainda mais para quebrar o sistema de exploração que havia nos seringais, sem negar que estes comerciantes também exploravam os seringueiros.

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No âmbito geral dos processos que envolviam os grupos sociais de seringueiros, pode-mos dizer, seguramente que é neste período que ocorre grande diferenciação social interna. Estes trabalhadores, gradativamente, sem deixar as atividades extrativas e a vida na floresta, vão ganhando autonomia para produzir. É aí que podemos dizer, então, que seus legados de camponeses sertanejos, serão recriados nos hábitos de cultivos agrícolas, nos tratos a terra, nos mutirões (adjuntos), nos tipos alimentares, nos ritmos de seus cantos e músicas, na fé católica, na hospitalidade do seringueiro, na composição familiar, e até no nome dados aos lugares que relembra o Nordeste. Por isto entendemos que é neste momento de crise que os seringueiros firmam-se nos seringais e são recriados e se recriam como camponeses no interior da floresta, tendo sua base produtiva tanto socioeconômica como sócio-cultural a colocação – sua posse de terra, meio de produção primordial e, o extrativismo da borracha e da cas-tanha (no vale do Purus) como atividades de subsistência, complementadas com pequenos roçados de lavouras. No arcabouço geral das relações que aí se travavam, tem-se a formação de um modo de vida específico de povos da floresta que se reproduz por valores herdados do longínquo Nordeste e que também absorve outro provindo dos habitantes nativos da região. A terra, ou melhor, a floresta mais que um valor de capital tinha um valor de ser seu lócus de vida social, profissional e cultural: era da floresta que ele retirava seus produtos, sua alimentação, seu trabalho, seu remédio, mas também suas crenças, seus medos, suas fantasias e o sentido para um convívio humano/natural que em seus conflitos se complementavam – nisto reside à identidade deste camponês.

À guisa das primeiras conclusões

Diante do exposto, podemos dizer que aí já se desenhava a possível demarcação da recriação de um campesinato acreano que se tipifica em dois grupos: um bem menor que procurou colocar nas áreas de mais fácil acessibilidade, estruturando se predominantemente com o trabalho familiar em atividades agrícolas de subsistência (às vezes complementados por atividades extrativas natural), que se iniciam ainda durante Revolução Acreana e ganha maior expressividade nas décadas seguintes com a implantação de colônias agrícolas pelo poder público do território – os “colonheiros” (regionalmente, ainda designa aquele trabalhador que vive em colônias e pratica, em especial a agricultura de subsistência). Tem uma situação jurídica ligada a terra, reconhecida, pois já por volta de 1940, obtiveram documentos da terra, que podem ser as “licenças de ocupação” ou até mesmas escrituras públicas.

O outro grupo bem mais numeroso que apontamos são os seringueiros que perma-neceram nos seringais mesmo após as crises econômicas que assolaram a região. Estes não abandonaram a extração do látex e da castanha (no vale do Purus), todavia iniciam também pequenos cultivos voltados para sua auto-subsistência e do seringal. Partes destas pequenas produções agrícolas e todas as produções extrativas seriam negociadas aos arrendatários dos seringais ou com os marreteiros. Sua situação jurídica na terra não é reconhecida, mesmo naqueles seringais que ficaram abandonados, mas firmam-se como posseiros. Enquanto posseiros, são agentes bastantes diferentes desta categoria de trabalhadores que povoaram

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o interior do Brasil, não são produtos de uma frente de expansão como ocorre nas áreas limítrofes da Amazônia com o Nordeste, mas são resquícios de um processo de relações recriadas pela frente pioneira extrativista do século XIX, que os puseram na Amazônia sob um regime produção e de trabalho de intensa exploração. Somente com a derrocada deste sistema produtivo com a perda de mercado da borracha, que para não arcar com as despesas dos seringais, os agentes da frente pioneira se retraem, buscam proteger suas economias e possibilitam que estes trabalhadores se reproduzem com autonomia. Aí ocorre então a recriação do campesinato na floresta no âmbito de uma produção agroextrativista, ainda submetida a severas condições de vida no seringal e no isolamento da mata.

A condição camponesa do seringueiro: o homem, o tempo e o espaço no processo de formação socioeconômico acreano

O campesinato como uma categoria social de trabalhador que perpassou a todos os modos de produção social, político e econômica, tem mostrado a resistência de um grupo social se rege por uma lógica própria, mas possui uma dinâmica sofisticada que o capacita tanto se recriar como ser recriado em diversas circunstâncias, diversas dimensões espaço/temporal. Estas características somente podem ser apreendida na visão de suas contradições em que a aparente fragilidade que o torna suscetível à espoliação, pode ser revertida em processos que o reconduza ao retorno a terra ainda que distante de seu torrão natal, seja através de políticas de colonização e assentamentos, seja através da divisão e recolocação de parte das famílias, seja por organização camponesa de luta pela terra ou para permanecer nela; aí sempre reencontram com sua condição sócio-cultural de autonomia, trabalho fa-miliar e relação direta com a terra, no contexto produtivo que se reproduzem. Entendemos que processos semelhantes a estes têm sido constantes na vida dos camponeses seringueiros que aqui estamos tratando.

O campesinato para nós deve ser entendido como uma formação social de trabalha-dores agrários que dispondo do trabalho familiar e simples equipamentos produz, sobretudo para o auto-sustento de sua família (SHANIN, 1983). Isto significa como explica Shanin (1983, p. 276),

Uma definição deste tipo implica por um lado uma relação específica com a terra e por outro a exploração familiar campesina e a comunidade rural como unidade básica de interação social, assim como sua estrutura ocupacional própria, umas influências particulares do passado históricos e umas pautas específicas de desenvolvimento. Tais características nos conduzem assim mesmo a algumas das peculiaridades de sua posição na sociedade e da tipicidade de suas formas de ação política. (tradução livre do espanhol)

Partindo desta visão conceitual e defrontando-a com a análise histórica que fizemos até aqui, podemos então caracterizar a condição camponesa do seringueiro. Condição esta que como já demonstramos provém de sua origem sertaneja nordestina, recriada noutro contexto

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socioespacial na Amazônia, a partir do final do século XIX, perdurando ao longo de várias décadas do século XX. Da crise política com a Bolívia teve-se a diversificação do trabalhador seringueiro que permaneceu em trabalhos compulsórios nos seringais e o surgimento de um incipiente campesinato de agricultores e criadores nas áreas mais próximas aos vilarejos volta-das para a subsistência e a produção de pequenos excedentes para o iniciante mercado local. O acesso a terra a estes últimos, garantia certos privilégios por ter maior poder de decisão sobre seu meio de produção essencial: as colônias que moravam, seus poucos equipamentos e sua produção, garantiam uma certa autonomia não se subordinando diretamente ao patrão como acontecia com o seringueiro no seringal.

Embora como já mostramos no período de 1920 a 1940 tenha ocorrido uma perda considerável de população, podemos seguramente dizer que a população rural que permaneceu no campo majoritariamente continuou a dedicar-se a atividade ligada ao extrativismo. O início da crise foi por volta de 1912 tendo seus momentos mais críticos na década seguinte, entretanto superado o impacto da crise na economia local, aqueles grupos que não migraram tiveram que buscar alternativa de sobrevivência; e, assim ao longo de alguns anos chegou-se a uma certa estabilidade no plano socioeconômico agrá-rio na região. Esta possível estabilidade seria quebrada por volta de 1939 a 1945, quando por ocasião da segunda Guerra Mundial os seringais são reativados e muitos migrantes, “soldados da borracha” foram trazidos para o Acre; após o final da Guerra, cessa este fluxo, mas grande parte destes migrantes ficam na região indo dedicar a trabalhos nos seringais e nas colônias agrícolas. Após 1945 e até o início da década de 1950, houve um pequeno fluxo de migrantes que vieram do Nordeste para a região com a família. Em tudo isto o que vimos foi ampliação dos grupos de trabalhadores familiares em atividades voltadas para a subsistência. A auto-subsitência destes grupos nem sempre significou grande fartura, mas significava a condição de produzir para si próprio ainda que fosse vivendo no limite da sobrevivência.

Os seringueiros, enquanto um tipo social camponês, trouxe traços específicos que delimita em parte sua condição como sujeito sócio-cultural no contexto e grau de envolvi-mento mais amplo com a sociedade humana que espacialmente o integra. Sua relação direta é com a terra, mas não como propriedade jurídica, é um posseiro que foi rompendo com as fortes amarras que o prendeu no sistema produtivo dos seringais e, por longo tempo, seu domínio direto sobre sua colocação não foi questionado. Na construção de seu imaginário social, sua dependência da floresta lhe tornou relativo à questão da propriedade da terra, já que o domínio sobre ela historicamente não era uma condição posta em dúvida por outrem no contexto da vigência da produção frente extrativista8 nos seringais, isto é, até início da década de 1970.

Nisto entendemos então que o tempo e o espaço destes camponeses se regulava por uma lógica diferente do vigente em outras tipificações camponesas mais arraigada a terra com seu domínio total, como o caso de grupos de pequenos agricultores. A terra vale enquanto sitio florestal e isto se expressa por uma valoração sentimental e moral que não podem ser

8 É bom relembrarmos que conforme explica Shanin (1983), não se necessita obrigatoriamente da existência da propriedade da terra para se estabelecer de fato a existência de um campesinato, mas sim do domínio da terra (terra de trabalho) pelo camponês, mesmo que como posseiro.

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expressas em preços fixados em valor moeda. Entendemos que aí reside um aspecto da con-tradição entre o significado do espaço da floresta para o seringueiro que se caracteriza por um sentido econômico moral como parte de sua vida, num construto de relações de conflitos e acertos com a floresta, do significado para o seringalista que, por exemplo, se expressa em valor monetário9. Este contexto de significações é que dá a base para a formação do serin-gueiro/posseiro acreano o que por sua vez terá grande importância nas lutas de resistências destes camponeses quando esta sua condição existencial passa a ser questionada e usurpada no conjunto das transformações que começam a correr no espaço agrário acreano a partir da década de 1970. São nestas significações que reside à força da resistência à sua expropriação e a destruição da floresta, as ações dos empates e até a conquista das reservas extrativistas após muitas lutas nas décadas de 1980-1990.

Nesta conjuntura ganha significância a explicação que o sindicalista Sr. Otávio Nogueira que nos expressou em uma entrevista no ano de 1998, em que recordando os momentos de opressão dos fazendeiros para que saíssem da terra que haviam comprado, ele contra-argumentava que não podia sair da terra, sabia que não tinha documento escrito, mas o documento maior de sua posse era sua própria família que ali residia por várias décadas e seus filhos que ali haviam nascidos.

O tempo do seringueiro variava em sua dimensão cronológica e de localização social no âmbito do desenvolvimento do seringal. Parece-nos que aqui temos que distinguir a partir de sua condição em trabalhos compulsórios e sua gradativa liberação nos momentos de crise do seringal, para caracterizarmos melhor seu tempo de trabalho.

Para o seringueiro sob o “trabalho compulsório” seu tempo de trabalho estava regu-lado pela super-exploração que o submetia no processo produtivo do seringal. Sua atividade de trabalho normalmente iniciava-se de madrugada com a saída para as estradas de seringa, sendo que no decorrer de todas as etapas de corte, colhimento e de tratamento do látex, suas atividades poderiam se prolongar até às primeiras horas da noite. O endividamento também impunha ritmos para a produção, isto significava que em caso de grande pressão por parte do patrão, o seringueiro se via obrigado a aumentar o horário de trabalho. Aqui o tempo é dinheiro, ainda seja, tempo de trabalho semi-escravo.

Para os seringueiros/posseiros a partir de sua firmação como camponeses, o tempo de trabalho está muito mais relacionado à garantia de sua subsistência do que propriamen-te às necessidades econômicas do patrão. O grau de auto-exploração depende do nível de necessidade que este camponês ao ser recriado, necessita para o seu mínimo de bem estar. Isto, todavia, varia sazonalmente no ano de trabalho em que nos período de estiagem predo-mina intensamente as atividades extrativas da borracha e trabalhos em roçados; no período chuvoso o extrativismo da castanha e o plantio de roçados10. Há uma divisão do trabalho

9 Quero ressaltar que estas reflexões sobre uma economia moral, o tempo e o trabalho social do seringueiro, tem nos parecido mais claro após leituras de Thompson (1990, 1998), que nos dois trabalho que aqui referimos traça uma importante análise desta característica entre os trabalhadores ingleses do século XIX. Contudo, não queremos subscrever este trabalho como uma construção “thompsiana”.

10 Conforme Guerra (1955, p. 153), “a produção diária [...], é geralmente maior quando a planta é cortada de madrugada. A melhor época da coleta da coleta do látex é durante o estio, porém a fase de melhor produção seria durante o inverno. No período das chuvas – dezembro a março – o caboclo não extrai o látex e nas zonas próximas de castanhais eles se dirigem para a coleta de castanha”.

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em que, geralmente o chefe da família ou o filho mais velho se encarrega das atividades ex-trativas e os filhos mais novos, as filhas, a esposa se encarregam das atividades nos roçados. Mais recentemente, uma prática comum tem sido a de trabalhar com meeiros; neste caso o meeiro assume totalmente as atividades extrativistas e a família que o recebe, assume seu sustento; ao final da produção divide-se tudo (produtos extrativos) em partes iguais (Centro de Desenvolvimento....., 1979).

A característica do trabalho familiar entre os seringueiros nos anos que antecederam a década de 1950, deve ser entendida dentro da limitação para a constituição de uma família nos padrões convencionais de nossa sociedade. Os fluxos migratórios tiveram inicialmente um caráter predominante masculino, pois o que se buscava era mão-de-obra e muita produção. O elemento feminino era raro e as poucas famílias que havia, estava na sede dos barracões, eram os trabalhadores da burocracia do seringal como guarda livro, comboieiros etc., ou ficava nas cidades e vilarejos. Por isto os camponeses serin-gueiros, às vezes, iniciava-se em sua colocação um trabalho sozinho até que aparecesse a companheira11. A família sucede sua condição de trabalhador, porém a condição moral para constituí-la antecede a própria mobilidade para a região. Aí o grau de vizinhança, geralmente torna-se elemento fundamental, quando um homem solteiro se avizinha de uma família constituída (especialmente quando tinha filhas) para conseguir uma esposa. No âmbito geral, ao formar a família e plantar a lavoura tem-se a condição fundamental para a sedentarização do homem amazônico-acreano, do qual o posseiro seringueiro é sua mais pura expressão.

Signos da vida na floresta

Parece-nos que a grande diversificação na vida dos grupos sociais de seringueiro refere-se às mudanças da condição de trabalhador escravo por dívida para a de camponês, que redefine gradativamente seu papel social numa sociedade que territorialmente também redefine seu espaço. O seringueiro define seu tempo de trabalho, no seringal, na expressão do volume de sua produção que entregava ao seu aviador (seringalista ou marreteiro) com quem estava sempre em dívida. Sua produção era medida (pesada) anualmente (janeiro a janeiro), porém, o não cumprimento ou o “corpo mole” para com o serviço os colocava no caminho dos jagunços (os cabras). Com o aumento de sua autonomia, estes seringueiros não se livram destas situações por total, mas paulatimaente assumem maiores responsabilidades pela própria quantidade e pela qualidade do que produz. Neste contexto, ao ter mais controle sobre suas áreas e os meios de produção o seringueiro, teve ampliado o controle sobre seu

11 Arthur Cezar Ferreira Reis (1953, p. 123), explica que “a presença da mulher nos seringais [...], passou a constituir mais uma página do sistema. Os seringueiros, no seu infortúnio, encomendavam aos ‘patrões’ e estes a ‘casas aviadoras’, mulheres como encomendavam gêneros alimentícios, utensílios, roupas etc. Verdadeiras mercadorias entravam nas contas, escrituradas pelos guarda-livros como qualquer outro objeto de uso diário [...]. Essas partidas de mulheres não eram, contudo, abundantes. E só chegava na base das posses dos seringueiros. Com a modificação geral das condições existenciais nos seringais, a presença da mulher passou a ser menos escassa. Os que possuíam famílias no Nordeste, à medida que os seringais perdiam o sentido de aventura [...], aos poucos foram mandando buscá-las. Suas filhas foram casando. E a base moral da sociedade dos seringais começou a dignificar-se, elevando-se e melhor estruturando-se”.

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próprio tempo de trabalho12, o tempo do seringueiro é o tempo necessário para a garantia de sua sobrevivência, e isto para o seringueiro não era só o trabalho, mas também para a caça, para o lazer (jogos e festas), para o “dia-santo” etc.

Como temos visto, um signo importante que temos que considerar é sua relação com a terra. Para isto é bom fazermos uma distinção entre o sentido da terra/propriedade e a terra/trabalho no contexto do espaço agrário do seringal.

A propriedade da terra do ponto de vista jurídico13, era algo que não se cogitava para o seringueiro migrante nordestino, pois vinha trazido por um patrão que na viagem já os prendiam por fortes laços de dívidas, o que era suficiente para fazê-lo um servidor obediente. Vejamos o caso de João Gabriel (MELO, 1994), este “desbravador”, comandando um grupo de seringueiro avançou sobre terras indígenas, na região da atual cidade de Boca do Acre, no sul do Amazonas, colocou-as sob sua propriedade e nela seus seringueiros, e aí produziram muita borracha. A propriedade neste sentido, reconhecida pelo seringalista é encarada como terra de lucro (HEBETTE & MOREIRA, 1997), o espaço do seringueiro era espaço do trabalho, da produção.

Os seringueiros ao alcançar maior poder de autonomia, ampliam suas perspectivas de domínio sobre a terra firmando sua condição de posseiro na colocação como produtor familiar. A terra como propriedade, na sua compreensão e firmação de seus valores de tra-balhador familiar autônomo, pouco lhe preocupava, pois com a semi-falência dos seringais, por muitas décadas, isto não fora questionados. Estas condições ampliavam sua relação como a terra, porém esta seria vista como seu espaço de vida familiar e comunitário ou ainda enquanto base física em que assentavam suas colocações – agora como suas unidades produtivas. Assim, para estes trabalhadores, qualquer menção valorativa (não estamos refe-rindo a preço) estava ligada a sua capacidade produtiva, quantidade de estradas de seringa, localização no centro ou na margem (grau de acessibilidade), a diversidade vegetal como, por exemplo, a castanha, o caucho, a copaíba, o açaí, a pupunha, madeiras de lei etc. Aí se nota o sentido da terra/trabalho, que referimos como o espaço que o seringueiro guardou ao longo de anos, reproduzindo-se por muitas gerações numa economia de subsistência, com pouco excedente, isolados nos confins da floresta. Neste contexto espacial, ainda que sob o sistema de monopólio do patrão sobre vida do seringueiro nas colocações, esse sentido da terra per-mitiu o desenvolvimento de uma sociabilidade com as famílias próximas (que em distâncias expressas em horas podiam chegar até a cinco horas14 de uma colocação para outra), dado

12 Conforme Oliveira (1982), dá-se para compreender que os seringueiros recuperando sua liberdade e tendo maior poder de decisão com a firmação das posses e da autonomia nas colocações, começou a ter acesso a outros meio de produção e mais que isto, conquistou na prática a liberdade de movimento e de agir conforme seus vínculos históricos com a terra, o que por um certo tempo havia sido negado. Nisto ele construiu um novo sentido para seu tempo e seu espaço como trabalhador na floresta.

13 O Brasil ao incorporar o Acre ao seu território estendeu sua legislação fundiária (Lei de Terras) também sobre o território dos recém-criados departamentos. O Decreto nº 10.105, de 1913 que regulamentava as terras da União declarava que as terras do Acre só poderiam ser adquiridas por compra conforme as especificações a seguir relacionadas: eram consideradas terras devolutas as que não se encontravam sob domínio particular, em uso público e as que não estavam compreendidas em concessões ou posses capazes de revalidações ou legalizações; reconhecia como legítimos os títulos expedidos pelos governos do Amazonas, da Bolívia e do Estado Independente do Acre, antes da fundação dos departamentos; estes títulos deveriam ser revalidados junto ao Ministério da Agricultura do Brasil que então expediria títulos de acordo com o novo modelo; seriam reconhecida áreas excedentes às devidamente revalidadas desde que posses mansas e pacíficas em exploração e com moradia habitual do posseiro ou seu sucessor (BARROS, 1981).

14 No “passo” (passadas) de um seringueiro uma hora de caminhada corresponderia no mínimo a seis quilômetros.

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SILVA, S. S. Camponeses da floresta: apontamentos para a compreensão da diferenciação dos trabalhadores...

que no isolamento do centro qualquer situação às vezes era mais perto procurar o vizinho de que ir para a margem. Portanto, nessas relações estão também alguns pontos chaves para a apreensão da autonomia e da formação da identidade coletiva destes sujeitos sociais, que dotado de tais identidades tem condições de se organizarem e politicamente fazer frente às forças poderosas que buscaram expropriá-los, sobretudo, nas décadas de 1970 e 1980.

Neste contexto geral, é preciso re-significar dois elementos que compõem este imagi-nário social do seringueiro no seu envolvimento com a terra: a floresta e o rio.

A floresta está na essência da vida destes camponeses. Suas vidas foram reconstruídas ao longo de gerações de convívio que se complementavam no sentido de uma relação socie-dade e natureza na qual o grau de modificação da floresta era mínimo e o homem aprendeu usufruir dela sem ter que modificá-la profundamente. Aí se construiu uma identidade de homem da floresta da qual se deriva toda a luta em defesa desta, enquanto seu espaço de vida, espaço de produção e trabalho e de sociabilidade.

Então, podemos apreender o sentido da floresta para o seringueiro e sua concepção de mundo, como nos dois depoimentos a seguir:

O seringueiro, sindicalista e militante do PT de Xapuri, Raimundo Barros (1990, p. 23) fez esta reflexão:

A luta dos seringueiros é para poder permanecer na floresta. Para isso estamos dispostos a dar nossa vida. A Floresta Amazônica é nossa segunda mãe. Dela tiramos a nossa sobrevivência e também a sobrevivência de parte do Brasil e do mundo. Para nós, uma das coisas mais bonitas é quando acordamos de madrugada, nas noites de lua, deitados nas redes armadas nas salas de nossas casas, que são cobertas de palha, e a gente ouve o canto da coruja e o piado dos macacos que estão na floresta perto de nossa casa. Uma das maiores belezas é também os banhos que nós e nossos filhos tomamos nos rios da floresta. E como é gostosa a carne da caça preparada com leite das castanhas” (sic).

Chico Mendes (1990, p. 17-18), o mais notório líder seringueiro, em 1988 alguns meses antes de ser assassinado, expressou o sentido da floresta e o sentido político de suas lutas, na conquista das reservas extrativista não apenas como um instrumento de preservar a floresta, mas de garantir o modo de vida e as condições existenciais para os seringueiros também no futuro:

Nós, os seringueiros, não queremos transformar a Amazônia num santuário, o que nós não queremos é a Amazônia devastada. E aí se pergunta: qual é a proposta que vocês tem? E nós começamos a discutir além da questão da luta contra o desmatamento, nós começamos a apresentar a proposta alternativa para a conservação da Amazônia. Estas propostas se baseiam hoje na criação das reservas extrativistas. Os seringueiros não interessam e nem querem o título de propriedade, nós não queremos título nenhum e nem ser donos da terra, o que queremos é que a terra seja de domínio da União e de usufruto para os seringueiros, e dos habitantes da floresta. Nós apresentamos uma alternativa econômica viável quando colocamos a questão de se priorizar os vários produtos extrativistas que existem na Amazônia e que hoje estão ameaçados e nunca levados a sério pela política do governo brasileiro” (sic).

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Os rios tiveram tão grande importância na constituição socioespacial da região que, como vimos eram as vias de comunicação e circulação de pessoas e mercadorias por longas décadas. O espaço dos seringais esteve marcado pela concepção da localização no centro ou na margem, tendo o rio como referência. Colocar-se na margem do rio significava estar em contado com o mundo local e fora do isolamento do centro da floresta. No espaço produzido, pode-se ver que todas as cidades e vilarejos que se originaram no período inicial da ocupação da região se deram sob o leito maior dos rios e riachos.

O seringueiro no domínio da floresta estabeleceu relações de usufruto das vantagens do rio e do espaço ribeirinho. O domínio sobre as águas permitiu-lhes ter caminhos que encurtavam as distâncias no seu mundo florestal; o rio forneceu alimentos; os barrancos dos rios tornaram se solos férteis propícios a uma pequena agricultura temporária que não necessitava de desmatamento; o rio deu seu nome com o endereço, ou seja, fulano mora no Iaco, sicrano mora no Jurupari etc.

Além disto, rios e florestas povoam o imaginário social de seus habitantes na formação mítica das explicações de um mundo que o seringueiro tenta entender nas suas lendas, his-tórias e crendices: todos os rios têm um poço da cobra grande; os botos encantados; o poço que suga as pessoas para o fundo; na floresta o caboclo velho não morre, vira mapinguari; o “caboquinho” da mata, ou ainda como o “pé redondo” que percorria as trilhas e varadouros no Seringal Sacado no município de Brasiléia etc.. Enfim tudo isto constitui um universo que ainda deve ser mais conhecido, sobretudo, no significado destas lendas crendices na formação de espaço do seringueiro na floresta, o que, entretanto foge ao que aqui estamos analisando.

Pontos para concluir

Tratar de um campesinato na floresta que se formou na região amazônica-acreana pa-rece-nos ser peça fundamental para compreender a realidade atual destes dos diversos tipos de trabalhadores do campo que povoam o agrário desta parte do Brasil. Neste sentido a posição do seringueiro sempre nos “intrigou”, por vê-lo em suas dificuldades socioeconômicas e na persistência em suas lutas que vão além da simples reivindicação pela terra, o que os diferem dos colonos que busca a propriedade da terra que trabalham. Neste sentido, vemos ambos camponeses, porém bastante diversos.

Este campesinato é produto de vários processos de diversificação social de grupos camponeses desde que foram trazidos do Nordeste para a região amazônica e, submetidos à recriação de trabalhos “escravos por dívidas” nos seringais (não como a recriação de um modo de produção ultrapassado, mas como um artifício que demonstra a reprodução ampliada e contraditória do capital), até gradativa conquista de autonomia e caracterização como um camponês da floresta como tentamos entendê-lo. O seringueiro é feito “escravo por dívida”, e à medida que passa a representar “peso” para o sistema produtivo, gradativamente vai sendo liberado do “trabalho compulsório” e recriado com maior autonomia – aí esta o princípio da formação deste campesinato na floresta. A liberdade e autonomia não são, todavia dada ao bel prazer aos seringueiros, mas são conquistas que justifica o amadurecimento social e

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SILVA, S. S. Camponeses da floresta: apontamentos para a compreensão da diferenciação dos trabalhadores...

político de grupos de trabalhadores que se diversificam ao longo do processo de formação econômica e territorial do Acre e, hoje se apresentam com proposta efetivas.

O seringueiro enquanto um camponês da floresta tem que ser visto não apenas como um trabalhador autônomo que se relaciona com a terra enquanto meio de produção essencial que é. Deve ser visto numa relação de significação das florestas, dos rios, dos pássaros, das caças, dos peixes e de todo os valores sociais e culturais dos que se expressa na sua territorialidade campo-nesa corporificados na colocação. Suas lutas pelas reservas extrativistas, por exemplo, são lutas pela garantia de continuar a viver como seringueiro, ou melhor, como homem da floresta.

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Recebido para publicação em março de 2006Aprovado para publicação em maio de 2006

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R-existências, territorialidades e identidades na Amazônia

R-existences, territorialites et identites l’amazonie

R-existences, territorialities and identities in Amazonia

Valter do Carmo Cruz Mestre em Geografia pela

Universidade Federal Fluminense - UFF Rua Arídio Martins, 50, bloco 6 apartamento 902

Bairro de Fátima - Cidade de Niterói - RJCEP: 24070-110

[email protected]

Resumo: O modelo que orientou o processo de ocupação e apropriação da Amazônia nas últimas décadas esteve pautado na crença na modernização como a única força capaz de “desenvolver” a região, não importando o seu custo social, cultural e político. Esse projeto concebia as populações historicamente territorializadas na região e seus modos de vida como “tradicionais” e como obstáculos ao “desenvolvimento”. Essa ideologia pautada numa espécie de “fundamentalismo do progresso” justificou um conjunto de práticas e representações marcadas pela violência e pelo colonialismo que serviam e ainda servem para justificar a subalternização dessas populações. Em meio a esse processo, emergem no final dos anos 80 diversos movimentos sociais que lutam pela afirmação dos direitos dessas populações. Essas lutas estão ancoradas na afirmação das territorialidades e identidades territoriais como elemento de r-existência a esse projeto modernização autoritário e excludente. Tais lutas apontam para uma politização e valorização da própria cultura e de modos de vida “tradicionais” na constituição de novos sujeitos políticos.Palavras-chave: Identidades; Territorialidades; Lutas sociais; R-existências; Populações tradicionais; Amazônia.

Résumé: Le modèle qui a orienté le processus d’occupation et d’appropriation de l’Amazonie au cours des dernières décennies fut fondé sur la croyance dans la modernisation comme la seule force capable de « développer » la région en dépit de son coût social, culturel et politique. Ce projet considérait les populations historiquement enracinées dans la région et leurs façons de vivre comme « traditionnelles » et par conséquent comme des obstacles au « développement ». Cette idéologie fondée sur une sorte de « fondamentalisme du progrès » a justifié un ensemble de pratiques et de représentations marquées par la violence et par le colonialisme qui servaient et servent encore pour justifier la subordination de ces populations. Au cours de ce processus émerge à la fin des années 1980 plusieurs mouvements sociaux qui se battent pour l’affirmation des droits de ces populations. Ces luttes sont ancrées dans l’affirmation des territorialités et des identités territoriales en tant qu’éléments de résistence à ce projet autoritaire d’exclusion. De telles luttes mettent en lumière la politisation et la valorisation d’une culture particulière et de façons de vivre « traditionnelles » dans la constitution de nouveaux sujets politiques.Mots-clé: Identités; Territorialités; Luttes sociaux; Résistence; Populations traditionnelles; Amazonie.

Abstract: The pattern that has oriented the process of occupation of Amazonia in the last decades has been regulated in the creeds of modernisation as the only force capable «to develop» the region regardless its social, cultural and political cost. That project has comprised the population historically located in the region and its ways of living as «traditional» and as obstacles to the «development». This ideology regulated in a kind of «fundamentalism of progress» has justified a set of practices and representations marked by violence and colonialism which served and still serve to explain the subordination of those populations. Amidst this process some social movements that struggle for fulfilling the rights of the populations come up in the end of the 80s. Those struggles are based upon the affirmation of the territorialities and territorial identities as an element of r-existence to this modernisation, authoritarian and excluding project. Such struggles point out to the politicisation and valuation of the culture itself and “traditional” ways of life constituting new political subjects.Keywords: Identities; Territorialities; Social struggles; R-existence; Traditional populations; Amazonia.

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 63-89 Jan-Jun/2006

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CRUZ, V. C. R-existências, territorialidades e identidades na Amazônia

As pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a dife-rença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza.

Boaventura de Sousa Santos

Introdução

Nas últimas décadas, a Amazônia vem passando por um profundo processo de reestruturação sócio-espacial e reordenamento histórico-cultural. Esse processo, que vem ocorrendo especialmente a partir da década de 60 é resultante da tentativa de “integração” e incorporação da região na divisão territorial do trabalho em escala nacional e internacional. Nesse período a região torna-se um espaço estratégico para o projeto de nação que o Estado brasileiro autoritário projetava para o país naquele momento histórico.

Para a realização de tal projeto a prioridade era “modernizar” a Amazônia. Para tanto, busca-se uma modernização do território por meio de “uma tecnologia espacial” que lhe impõe uma malha de controle técnico e político, uma “malha programada”, constituída pelo conjunto de programas e planos governamentais que colocaram a Amazônia na condição de uma fronteira de recursos naturais a ser violentamente incorporada pelo grande capital (BECKER, 1996).

Assim, o modelo que orientou esse processo de ocupação da Amazônia foi a chamada economia de fronteira, pautada na idéia de progresso e de desenvolvimento como crescimento econômico e prosperidade infinita com base na exploração de recursos naturais, também eles percebidos como infinitos, como nos coloca Becker (1996). Além disso, a premissa organiza-dora desse modelo de ocupação e apropriação era a crença no papel da modernização como a única força capaz de destruir as superstições e relações arcaicas, não importando o seu custo social, cultural e político. A industrialização e a urbanização eram vistas como inevitáveis e, necessariamente, progressivos caminhos em direção à modernização (ESCOBAR, 1998).

Junto com o projeto de modernização implantado na Amazônia chegou a cosmovisão da modernidade pautada em um conjunto de “magmas de significação” que criaram um imaginário em que se atribui a priori uma positividade ao novo, ao moderno e uma negati-vidade ao velho, ao passado, ao tradicional. Essa perspectiva de compreensão da história e da realidade está pautada numa ideologia do progresso e numa espécie de “fundamentalismo do novo”1, presentes num conjunto de práticas e representações marcadas pela violência e pelo colonialismo que serviam e ainda servem para justificar a subalternização das populações que historicamente viveram na região (índios, ribeirinhos, pequenos agricultores, seringueiros, varzeiros, castanheiros, populações quilombolas, mulheres quebradeiras de coco etc.). Essas populações passam a ser classificadas como tendo modos de vida “tradicionais”, por estarem pautadas em outras temporalidades históricas e configuradas em outras formas de territoria-lidades e ainda por terem modos de vida estruturados a partir de racionalidades econômicas e ambientais com saberes e fazeres diferenciados da racionalidade capitalista.

1 Gonçalves (2005) usa essa expressão para chamar a atenção para a obsessão do imaginário da modernidade pelo novo, pela velocidade, pela mudança, pelo progresso, criando uma justificativa ideológica para todas as formas de violência cometidas em nome do desenvolvimento e da modernização.

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O projeto de modernização conservadora materializado nos planos e planejamentos do Estado autoritário e na implantação de “grandes projetos” a partir da década de 60 via tais populações e seus modos de vida “tradicionais” como obstáculos ao “desenvolvimento”, pois nessa visão se assinala um único futuro possível para todas as culturas e todos os povos (a modernização ocidental capitalista e a sociedade de consumo urbano-industrial). Nessa perspectiva, aqueles que não conseguirem incorporar-se a esta marcha inexorável da história estão destinados a desaparecer. As outras formas de ser, as outras formas de organização da sociedade, as outras formas de conhecimento são transformadas não só em diferentes, mas em carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais, pré-modernas e, como afirma Lander (2005), são situadas, num momento anterior do desenvolvimento histórico da humanidade, o que, no imaginário do progresso, enfatiza sua inferioridade.

Essa história de violência e subalternização que a modernidade/colonial trouxe para a Amazônia pelo avanço da fronteira demográfica e econômica passa a ser questionada a partir do final dos anos 80 pelo crescimento e fortalecimento da organização da sociedade civil, em especial, pela atuação dos movimentos sociais que através inúmeras lutas buscam a afirmação das territorialidades e das identidades das populações “tradicionais”. Esses movimentos criam inúmeras redes e alianças com a cooperação internacional via principalmente das ONGs. Isso se dá em várias escalas, do local ao global, redefinindo as formas de luta e de resistência dos sujeitos subalternizados na região.

A partir de então começa a se esboçar uma nova geo-grafia2 na Amazônia que aponta para um processo de emergência de diversos movimentos sociais que lutam pela afirmação das territorialidades e identidades territoriais como elemento de r-existência das populações “tradicionais”; trata-se de movimentos sociais de r-existência, pois que, segundo Gonçalves (2001), não só lutam para resistir contra os que exploram, dominam e estigmatizam essas populações, mas também por uma determinada forma de existência, um determinado modo de vida e de produção, por diferenciados modos de sentir, agir e pensar.

Assim, esses movimentos apontam para o caráter emancipatório das lutas pautadas numa politização da própria cultura e de modos de vida “tradicionais”, numa politização dos “costumes em comum” produzindo uma espécie de “consciência costumeira”3 que vem re-significando a construção das identidades dessas populações que, ancoradas nas diferentes formas de territorialidade, se afirmam num processo que, ao mesmo tempo, as direciona para o passado, buscando nas tradições e na memória sua força, e aponta para o futuro, sinalizando para projetos alternativos de produção e organização comunitária, bem como de afirmação e participação política.

2 Gonçalves (2004) propõe pensar a Geografia não como substantivo, mas como verbo ato/ação de marcar a terra. E desse modo que podemos falar de nova geo-grafia, em que os diferentes movimentos sociais re-significam o espaço e, assim, com novos signos grafam a terra, geografam, reinventando a sociedade.

3 Expressão usada por Thompsom (1998) para se referir a emergência de uma consciência política e de uma cultura plebéia rebelde que buscava nos costumes e na tradição a legitimidade das suas lutas para afirmação de determinadas formas de direitos consuetudinários e da economia moral em oposição a economia capitalista e do direito liberal. Os camponeses resistem, em nome do costume, às racionalizações econômicas e inovações (como o cercamento de terras comuns, a disciplina no trabalho e os mercados ‘livres’ não regulados de grãos) que governantes, comerciantes ou patrões buscavam impor. Trata-se de atribuir um conteúdo emancipatório para as culturas tradicionais normalmente vistas como sinônimas de conservadorismo.

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Nesse contexto, vem ocorrendo à constituição de novos sujeitos políticos e a emer-gência de “novas” identidades territoriais construídas pelas populações “tradicionais” nas lutas sociais pela a afirmação material e simbólica dos seus modos de vida. Essas populações mobilizam estrategicamente e perfomaticamente novos discursos identitários na busca pelo reconhecimento de sua cultura, memória, e territorialidade que historicamente foram marginalizadas, suprimidas, silenciadas e invisibilizadas e que agora começam tornar visível o que era invisível, em voz e o que foi silenciado, em presenças as ausências e, desse modo, iluminam a r-existência e o protagonismo dessas populações na construção da história e da geografia da região.

Para discutirmos tais questões organizamos o presente texto em três partes: na primeira faremos um des-locamento dos olhares hegemônicos sobre a identidade das populações “tra-dicionais” apontando para uma perspectiva de um olhar que afirma a diferença subalternizada a partir dos movimentos sociais, através dos antagonismos e das diversas lutas travadas na região. Na segunda parte realizaremos uma discussão teórica sobre o conceito de identidade e identidade territorial para podermos compreender melhor a emergência das identidades territoriais construídas nas e pelas lutas sociais na Amazônia, discussão que será tratada na terceira parte e, por último, buscaremos tecer algumas considerações finais.

Des-locando olhares para se pensar as identidades na Amazônia

Historicamente se sedimentou no imaginário social um conjunto de representações, imagens e ideologias sobre a Amazônia e, em particular, sobre as populações que tradicional-mente se territorializaram na região. Essas representações alicerçaram diferentes “modos de ver” a identidade das “populações tradicionais”. Esses diferentes “olhares” vão de um extremo ao outro, da construção do estereótipo que conduz a um processo de estigmatização cultural – ou mesmo à invisibilidade de tais populações – à idealização romântica e idílica do chamado “caboclo amazônida”. Desse modo, podemos enumerar, pelo menos hegemonicamente, três “modos de ver” a identidade das populações presentes nesse conjunto de representações: um “olhar naturalista”, um “olhar romântico tradicionalista”, e um “olhar moderno/colonial”. Em contraponto a essas formas hegemônicas percebemos a emergência de uma outra forma de olhar a identidade das populações “tradicionais” a partir das próprias populações através dos movimentos sociais como elemento de r-existência nas lutas sociais.

O olhar naturalista: a invisibilidade

As populações rurais e ribeirinhas ou “caboclas” da Amazônia e suas identidades foram historicamente ignoradas e invisibilizadas por um olhar naturalista e naturalizante que sempre viu a região somente como natureza, logo sua diversidade é vista apenas como biodiversidade, sendo conhecida e reconhecida unicamente como um conjunto de ecossistemas e como fonte de recursos naturais. Essa, sem dúvida é a representação mais comum sobre o espaço amazônico que

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se personifica através de idéias e expressões sobre a região, como: “espaço vazio”, “vazio demográ-fico”, “terras sem homens” entre outras. Essas construções ideológicas reforçam historicamente a não-existência política e discursiva dessas populações. Das drogas do sertão à biodiversidade, da colonização à globalização, a Amazônia é vista apenas como natureza (recurso).

Essa visão naturalista desconsidera os processos históricos e as identidades culturais que conformaram a territorialização dos diferentes grupos na sua sociodiversidade e, desse modo, negligencia a diversidade territorial na sua dimensão humana e histórica, produzindo a não-existência e a invisibilidade das populações ditas “tradicionais”. Esse olhar produz a supressão, o silenciamento dessas populações e, desse modo, produz uma geografia das ausências e uma história de silêncios. Esse “modo de ver” sempre esteve presente na história da região, seja nos relatos dos antigos viajantes, seja na mídia atual ou ainda nos planos e planejamentos do Estado, na ação do grande capital ou ainda na produção científica sobre a região. Esses dispositivos discursivos do poder-saber sempre deram uma extrema “significância à natureza e uma in-significância ao homem” (DUTRA, 2003).

Olhar romântico / tradicionalista: a idealização idílica

Um outro modo de “olhar” a identidade das populações “tradicionais” é aquele que está atento para a rica diversidade cultural dessas populações, embora a cultura e a diferença sejam tratadas como uma particularidade, como algo que se isolou, como algo autônomo do movimento da história e da dinâmica socioespacial e cultural da região. Essa visão romântica e idealizadora compreende a identidade de tais populações como aquilo que é o “autêntico”, o “original”, o “verdadeiro” a “tradição”, “o exótico”. Essa idealização vê o “caboclo” como o “bom selvagem” que ainda não cometeu “o pecado original da modernidade” – é como se a cultura e a história pudessem ser congeladas e não houvesse interações multidimensionais e multiescalares entre as culturas, os sujeitos e os lugares. As diferenças e as identidades são vistas como algo “natural”, como “essências” a-históricas, e não como fenômenos históricos e socialmente produzidos.. Trata-se de olhar a diferença pela diferença

Esta perspectiva consagra uma visão antropológica ingênua e relativista que ignora que as identidades e as diferenças são construídas historicamente sempre de maneira relacional (HALL, 2004) e contrastiva (OLIVEIRA, 1976) dentro dos contextos históricos e geográficos marcados por lutas de poder, conflitos e contradições, e que não raramente as diferenças e identidades são demarcadas não só por formas de marcações e classificações simbólicas, mas também por profundas desigualdades e exclusão social (WOODWARD, 2004).

Olhar moderno/colonialista: o estereótipo

Ainda temos um terceiro modo de “olhar” a identidade das populações “tradicionais” da Amazônia, que é aquele pautado no estereótipo do “caboclo”. Essa visão talvez seja a mais forte e arraigada no imaginário social e está assentada num conjunto de representações

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CRUZ, V. C. R-existências, territorialidades e identidades na Amazônia

marcadas por preconceitos e estigmas sociais e culturais que justificam uma visão moderna /colonial e racista dessas populações.

Essa perspectiva de “ver” as populações “tradicionais” está pautada numa monocultura do tempo linear (SOUZA SANTOS, 2004) que compreende a história como tendo direção e sentido únicos. Nela o tempo é pensado somente numa perspectiva diacrônica, na qual a história é compreendida a partir de estágios e etapas sucessivas (da tradição à modernidade). Essa maneira de pensar o tempo tem como referência um imaginário e uma ideologia do progresso que se expressa pelas idéias de desenvolvimento, crescimento, modernização e globalização entre outras, e que compõe a cosmovisão da modernidade ocidental.

Segundo Massey (2004), todas essas categorias compartilham de uma imaginação ge-ográfica que re-arranja as diferenças espaciais em termos de seqüência temporal, suprimindo desse modo a espacialidade e a possibilidade da multiplicidade e da diferença. “A implicação disso é que lugares não são genuinamente diferentes; na realidade, eles estão simplesmente à frente ou atrás numa mesma história: suas “diferenças” consistem apenas no lugar que eles ocupam na fila da história” (p. 15).

Isso significa que os lugares e as populações são tratados como se estivessem numa fila histórica que vai do estágio dos mais “selvagens” até os mais “civilizados”, dos mais “atrasados” aos mais “avançados”, dos mais “subdesenvolvidos” aos mais “desenvolvidos”. Nessa forma de conceber e classificar as experiências sociais e os lugares e, conseqüentemente, as identidades, as populações denominadas “tradicionais” são classificadas como “atrasadas” e “improdutivas” em detrimento dos tempos e espaços que são “modernos”, “avançados” e “produtivos”.

Assim, essa visão colonialista caracteriza as expressões culturais de tais populações como “tradicionais” ou “não-modernas”, como estando em processo de transição em direção à mo-dernidade, e lhes nega toda possibilidade de lógicas culturais ou de cosmovisões próprias. Ao colocá-las como expressão do passado, nega-se sua contemporaneidade (LANDER, 2005).

Esse processo de negação da contemporaneidade é expresso na forma da “invenção da residualização” (SOUSA SANTOS, 2004) das chamadas populações “tradicionais”: estas populações e seus modos de vida, suas temporalidades, suas racionalidades econômicas são vistos como o resíduo, o anacrônico, um desvio da racionalidade capitalista e do modo de vida moderno urbano-industrial. Esta visão se personifica nas idéias de que essas populações representam o primitivo, o tradicional, o pré-moderno, o simples, o obsoleto, o subdesenvolvido. Isso fica bem claro através da atribuição às populações “tradicionais” do estereótipo do “ca-boclo”, indivíduo “ignorante”, “atrasado”, “lento”, “indolente” e “improdutivo”.

Olhar da subalternidade: da “vítima” ao protagonista

No final dos anos 1980 opera-se um des-locamento das formas hegemônicas de “ver” a identidade das populações “tradicionais” por meio dos movimentos sociais em luta contra as diferentes formas de subalternização material e simbólica, contra preconceitos e estigmas e pela afirmação de suas identidades a partir dos seus próprios modos de vida. As populações “tradicionais” se organizam, ganhando visibilidade e protagonismo, se consti-

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tuindo e afirmando como sujeitos políticos na luta pelo exercício ou mesmo pela invenção de direitos a partir de suas territorialidades e identidades territoriais. Essas lutas são lutas por redistribuição e por maior igualdade de acesso aos recursos materiais (lutas por “territórios da igualdade”), bem como pelo reconhecimento da legitimidade de diferenças e identidades culturais expressas nos diferentes modos de produzir e nos diferentes modos de viver e de existir de tais populações (lutas por “territórios da diferença”)

Essas identidades emergentes na Amazônia, construídas pelos diferentes movimen-tos sociais (índios, ribeirinhos, pequenos agricultores, seringueiros, varzeiros, castanheiros, populações quilombolas, mulheres quebradeiras de coco etc.), estão orientadas no sentido da superação de velhas identidades coletivas ligadas a um discurso moderno/colonial que se fundamentava na invisibilização, na romantização e, em especial, na estigmatização e no estereótipo do “caboclo” para (des)qualificar as populações como “atrasadas” “ignorantes” “indolentes” “improdutivas”, considerando tais populações como um obstáculo a um projeto moderno urbano- industrial para Amazônia

É na luta e r-existência contra o projeto autoritário de uma “modernização conserva-dora” que esses movimentos vêm ganhando densidade, expressão, legitimidade e identidade. Na busca pela afirmação dos direitos à sua territorialidade, com seu modo de vida próprio, essas populações iniciaram um processo de questionamento das representações, discursos e ideologias hegemônicas sobre as “populações tradicionais” que historicamente vivem na região. Esses movimentos sociais buscam redefinir e re-significar todo um conjunto de prá-ticas discursivas e representações, buscando construir novos “magmas de significação” que valorize suas próprias experiências culturais e seus diferentes modos de vida na construção de suas identidades.

É a partir dessa última perspectiva (da subalternidade) que iremos analisar as identida-des territoriais na Amazônia, mas antes queremos aprofundar algumas questões de natureza teórica e metodologia sobre o conceito de identidade e, em especial, da chamada identidade territorial. Eis o que faremos a partir de agora.

Itinerários teóricos para se pensar o conceito de identidade

A discussão sobre a temática da identidade é muito complexa, já que este conceito é portador de uma grande ambigüidade teórica e política, levando autores como Hall (2004), inspirado pela perspectiva desconstrutivista de Derrida, a afirmar que só é possível trabalhá-lo sob “rasura”, pois, apesar de sua imprecisão e precariedade explicativa o conceito de identidade possui algo de “irredutível”, em outras palavras, significa que apesar de suas limitações, não é possível substituí-lo, pois a identidade é um desses conceitos que operam no intervalo da inversão e da emergência: uma idéia que não pode ser pensada de forma antiga, mas sem a qual certas questões-chaves não podem nem sequer serem pensadas. Diante da vasta literatura existente sobre o tema optamos por fazer uma síntese de alguns pressupostos teóricos que entendermos serem fundamentais na compreensão do fenômeno identitário e, em especial, para pensarmos a questão das identidades territoriais na Amazônia.

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• A identidade é uma construção Histórica

O nosso ponto de partida é o de que a identidade é sempre uma construção histórica dos significados sociais e culturais que norteiam o processo de distinção e identificação de um indivíduo ou de um grupo. “Um processo de construção de significados com base em um atributo cultural ou, ainda, um conjunto de atributos culturais inter-relacionados o(s) qual (ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significação” (CASTELLS, 1993, p. 22).

A partir desse ponto de partida queremos distanciar nossa visão de toda forma de “substancialismo” e “essencialismo”, pois concordamos com Hall (2004) quando afirma que a identidade é, e sempre está em processo, ou seja, sempre está em construção. Neste sentido a identidade é dinâmica, múltipla, aberta e contingente. Essas características nos remetem a algo em curso, em movimento, sempre se realizando. Neste sentido, para Hall (2004), a identidade não se restringe à questão: “quem nós somos”, mas também “quem nós podemos nos tornar”; desse modo, a construção da identidade tem a ver com “raízes” (ser), mas também com “rotas” e “rumos” (torna-se, vir a ser).

Assim, o conceito de identidade não se confunde com as idéias de originalidade, tra-dição ou de autenticidade, pois os processos de identificação e os vínculos de pertencimento se constituem tanto pelas tradições (“raízes”, heranças, passado, memórias etc.) como pelas traduções (estratégias para o futuro, “rotas”, “rumos” projetos etc.). As identidades nunca são, portanto, completamente determinadas, unificadas, fixadas, elas são “multiplamente constru-ídas ao longo dos discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historizacão radical, estando constantemente em processo de transformação e mudança” (HALL, 2004, p. 8).

• A identidade é relacional e contrastiva

Precisamos compreender que a identidade não é uma “coisa em si” ou “um estado ou significado fixo”, mas uma relação, uma “posição relacional”, uma “posição-de-sujeito” construída de forma relacional (HALL, 2003) e contrastiva (OLIVEIRA, 1976), visto que os processos de identificação e, conseqüentemente, as identidades são sempre construídos na e pela diferença e não fora dela (HALL, 2004) e nenhuma identidade é auto-suficiente, auto-referenciada em sua positividade, tendo seu significado definido no jogo da différance Ou, como nos lembra Hall (2003), cada identidade é radicalmente insuficiente em relação a seus “outros”. Isso implica no reconhecimento radicalmente perturbador de que é apenas por meio da relação com o outro, da relação com aquilo que não é, precisamente com aquilo que falta, com aquilo que tem sido chamado de seu exterior constitutivo (HALL, 2004, p. 110), que a identidade ganha sentido e eficácia.

Portanto não é possível estudar a identidade de qualquer grupo social apenas com base na sua cultura, ou no seu modo de vida, nas suas representações de forma introvertida e auto-referenciada, pois as identidades e os sentimentos de pertencimento são construídos de maneira relacional e contrastiva e muitas vezes conflitiva entre uma auto-identidade (auto-atribuição, auto-reconhecimento) e uma hetero-identidade (atribuição e reconhecimento

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pelo “outro”). São nessas teias complexas de valorações e significados de reconhecimento e alteridade que se estabelece o diálogo e o conflito entre os grupos, forjando as identidades.

• A identidade é material e simbólica

Um outro cuidado teórico e metodológico importante sobre a questão da identidade é a superação de posições dualistas como: material/simbólico, objetivo/subjetivo. A identi-dade é construída subjetivamente, baseada nas representações, nos discursos, nos sistemas de classificações simbólicas, embora não seja algo puramente subjetivo e não se restrinja à “textualidade” e ao “simbólico”. Ela não é uma construção puramente imaginária que despreza a realidade material e objetiva das experiências e das práticas sociais como muitos afirmam, e nem tampouco é algo materialmente dado, objetivo, uma essência imutável, fixa e definitiva. Segundo Cuche (1999) se a identidade é uma construção social e não um dado, se ela é do âmbito da representação, isto não significa que ela seja uma ilusão que dependeria da subje-tividade dos agentes sociais. “A construção das identidades se faz no interior dos contextos sociais que determinam a posição dos agentes e por isso mesmo orientam suas representações e suas escolhas” (CUCHE, 1999, p. 82).

Portanto, na construção da identidade não é possível pensar de forma dissociada sua natureza simbólica e subjetiva (representações) e seus referentes mais “objetivos” e “materiais” (a experiência social em sua materialidade) Desse modo, não cabe posições deterministas e excludentes que privilegiem a priori o material ou simbólico/textual, pois “se há sempre ‘algo mais’ além da cultura, algo que não é bem captado pelo textual/discursivo, há também algo mais além do assim chamado material, algo que sempre é cultural e textual” (ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2003, p. 21). Essa tensão e primazia não podem ser resolvidas no campo da teoria, só é provisoriamente solucionada na prática concreta.

• A identidade é estratégica e posicional

A luta pela afirmação da identidade enquanto forma de reconhecimento social da diferença significa lutar para manter visível a especificidade do grupo, ou melhor, dizendo, aquela que o grupo toma para si, para marcar projetos e interesses distintos, e “isso significa que sua definição – discursiva e lingüística – está sujeita a vetores de força, a relações de poder” (SILVA, 2004, p. 80). O que aponta pra uma relação entre o “cultural” e o “polí-tico”, estando essas duas dimensões imbricadas num laço constitutivo na construção das identidades.

Esse laço constitutivo significa que a cultura entendida com concepção de mundo, como um conjunto de significados que integram práticas sociais, não pode ser entendida adequadamente sem as considerações das relações de poder embutidas nessas práticas. Por outro lado, a compreensão das configurações dessas relações de poder não é possível sem o reconhecimento do seu caráter “cultural” ativo, na medida em que expressam, produzem e comunicam significados. (ÁLVARES; DAGNINO e ESCOBAR, 2000, p. 17)

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Assim, todos os sistemas simbólicos de classificação que organizam e dão sentido e significado à marcação das diferenças culturais e das desigualdades sociais na construção das identidades são impregnadas de poder (WOODWARD, 2004) As identidades “emergem no interior do jogo de modalidades específicas de poder, e são assim mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica, naturalmente constituída” (HALL, 2004, p. 109). É, pois, por essa íntima relação com o poder que a identidade não pode ser considerada de maneira essencialista, mas estratégica e posicional (HALL, 2004).

Devido a seu caráter estratégico, as identidades estão sujeitas à manipulação dos indi-víduos ou grupos sociais; elas não existem em si mesmas, independentemente das estratégias de afirmação dos atores sociais. Elas são ao mesmo tempo produtos e produtoras das lutas sociais e políticas. “Elas não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas não con-vivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas” (SILVA, 2004, p. 1).

Na disputa pela identidade está envolvida uma disputa por outros recursos simbólicos e materiais da sociedade. A afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo dos diferentes grupos sociais assimetricamente situados, de garantir o acesso privilegiado aos bens sociais. A identidade e a diferença estão em estreita conexão com as relações de poder. O poder de definir a identidade e marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes. (SILVA, 2004, p. 81) (Grifo nosso)

A eficácia das estratégias identitárias e o seu poder de legitimação irão depender da situação de cada grupo no jogo do poder. Irá depender do capital econômico, do político e, em especial, do simbólico (BOURDIEU, 2003) que cada grupo possui na estrutura assimétrica da sociedade. É pela “autoridade legitima” do poder simbólico, “esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (p. 8), é pela força do discurso perfor-mático, no poder quase mágico das palavras, num jogo de corte e recorte, colagem e repetição de enunciados, imagens e símbolos, que a identidade produz o consenso, a ação e a mobilização.

• A identidade pode ser: hegemônica ou subalterna

A construção das identidades pode servir tanto para a manutenção e legitimação das relações de poder hegemônicas da sociedade, quanto para subvertê-las. Desse modo, o mesmo processo que serve à reprodução do poder hegemônico, logo das identidades hegemônicas, pode ser interrompido e reorientado no sentido de produzir novas identidades. Pois, como afirma (SILVA, 2004), inspirado em Judith Buttler

A mesma repetibilidade que garante a eficácia dos atos performativos que reforçam as identidades existentes pode significar a possibilidade de interrupção das identidades hegemônicas. A repetibilidade pode ser interrompida. A repetição pode ser questionada

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e contestada. È nessa interrupção que residem às possibilidades de instauração de identidades que não representam simplesmente a reprodução das relações de poder existentes. (SILVA, 2004, p. 95)

Assim, podemos perceber que para além das identidades hegemônicas existem outras subalternizadas, de sujeitos subalternizados no jogo do poder, mas que podem contestar a hegemonia, pois como nos fala Hall (2004), toda identidade tem à sua “margem” um excesso, algo a mais. Silva (2004) afirma que a identidade hegemônica é permanentemente assom-brada pelo seu “outro”. Nestes termos, “toda identidade tem necessidade daquilo que lhe “falta” – mesmo que esse outro que lhe falta seja um outro silenciado inarticulado.” (HALL, 2004, p. 11). Como as identidades não são nunca completamente unificadas, estáveis, fixas, o mesmo “discurso performático” que repetidamente tende a fixar e a estabilizar uma iden-tidade, silenciando outras, pode também subvertê-la e desestabilizá-la, ou seja, o que esta na “margem” pode se tornar o “centro”.

Deste modo, no jogo de poder pela hegemonia na sociedade os diferentes atores sociais de acordo com a “posição” que ocupam no espaço social (muitas vezes também geográfico) e, ainda, pelo acúmulo de ”capitais” que possuem e a intenção em “investir” nos seus projetos políticos, podem afirmar diferentes identidades em cada momento histórico. Castells (1996, p. 24), fazendo uma espécie de mapeamento das “posições“ e dos projetos dos diferentes atores propõe três tipos de identidades: identidade legitimadora, identidade de resistência e identidade de projeto.

a) A Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais.

b) Identidade de resistência: criada por atores que se encontram em posições e condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica de dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos.

c) Identidade de projeto: Quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, buscam a transformação de toda a estrutura social.

Assim, podemos verificar que conforme a “posição” do ator social a construção das identidades assume uma configuração específica tanto no sentido da reprodução de uma ordem hegemônica quanto no de contestação desta ordem, afirmando a diferença subal-ternizada e questionando as identidades “normalizadas” e institucionalizadas ou, de forma mais ampla, a própria sociedade como instituição. Contudo, é importante percebermos com clareza que cada “posição” é sempre construída de forma relacional em cada contexto de poder específico, e que qualquer “posição” não é estática, mas dinâmica, o que possibilita a uma identidade subalternizada ou de resistência tornar-se hegemônica e institucionalizada, do mesmo modo que o que é o hegemônico em um determinado contexto histórico pode tornar-se não-hegemônico em outro.

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Identidade territorial: uma perspectiva geográfica de pensar a questão das identidades

Adotamos a proposição de Haesbaert (1999) de que determinadas identidades são construídas a partir da relação concreta/simbólica e material/imaginária dos grupos sociais com o território. Estas seriam identidades territoriais por serem construídas pelo processo de territorializacão, aqui entendido como “as relações de domínio e apropriação do espaço, ou seja, nossas mediações espaciais do poder, poder em sentido amplo, que se estende do mais concreto ao mais simbólico” (HAESBAERT, 2004, p. 339).

Assim, parte-se do princípio de que o território como mediação espacial das relações do poder em suas múltiplas escalas e dimensões se define por um jogo ambivalente e contra-ditório entre desigualdades sociais e diferenças culturais, se realizando de maneira concreta e simbólica, sendo, ao mesmo tempo, vivido, concebido e representado de maneira funcional e/ou expressiva pelos indivíduos ou grupos. Neste sentido, baseado na distinção de Lefebvre entre domínio e apropriação do espaço, Haesbaert define:

O território envolve sempre, ao mesmo tempo [...], uma dimensão simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico do espaço onde vivem (podendo ser, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: apropriação e ordenamento do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos. (2002, p. 120-21) (...) Assim, associar o controle físico ou a dominação “objetiva” do espaço a uma apropriação simbólica, mais subjetiva, implica em discutir o território enquanto espaço simultaneamente dominado e apropriado, ou seja, sobre o qual se constrói não apenas um controle físico, mas também laços de identidade social. (HAESBAERT, 2001, p. 121)

Dessa forma, cada território se constrói por uma combinação e imbricação única de múltiplas relações de poder, do mais material e funcional, ligado a interesses econômicos e políticos, ao poder mais simbólico e expressivo, ligado às relações de ordem mais estritamente cultural. Portanto, “o território, enquanto relação de dominação e apropriação sociedade-espaço, desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais “concreta” e “funcional” à apropriação mais subjetiva e/ou cultural - simbólica.” (HA-ESBAERT 2004, p. 95).

Afirmando esse duplo aspecto do território, como “domínio” e “função” e, ao mesmo tempo, como “apropriação” “significação/valor” Bonnemaison e Cambrezy (1996) declaram que para além da “função” que assume, o território é primeiramente um “valor”. Segundo os autores “essa relação se expressa por uma marcação mais ou menos intensa do espaço, ele transcende a única “posse” materiais de uma porção da superfície terrestre. O poder do laço territorial revela que o espaço é investido de valores não somente materiais, mas também éticos, espirituais, simbólicos e afetivos” (BONNEMAISON; CAMBREZY, 1996, p. 10).

O território enquanto processo se realiza por um sistema de classificação que é ao mesmo tempo funcional e simbólico, incluindo e excluindo por suas fronteiras, (re)forçando as des-igualdades sociais (diferenças de grau) e as diferenças culturais (diferença de natureza)

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entre indivíduos ou grupos. Assim, o processo de territorialização, seja pela funcionalização (domínio) ou pela simbolização (apropriação), ou pela combinação simultânea desses dois movimentos constrói diferenças e identidades. Pois, como afirma Silva:

A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e excluir. A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. Afirmar a identidade significademarcar fronteira, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora. (SILVA, 2004, p. 82)

Nesta perspectiva, “toda relação de poder espacialmente mediada é também produ-tora de identidade, pois controla, distingue, separa e, ao separar, de alguma forma nomeia e classifica os indivíduos e os grupos. (HAESBAERT, 2004, p. 89). Contudo, se podemos afirmar que em toda territorialização como sistema de classificação funcional-estratégico e/ou simbólico-expressivo se constroem identidades, não se pode dizer o contrário, pois nem toda identidade é territorial, nem toda identidade se territorializa, ou seja, constrói territórios, pois todas estão “localizadas” no espaço e no tempo, mas somente algumas têm como seu referencial principal, sua “matéria prima”, o território como definido por Haesbaert:

Toda identidade territorial é uma identidade social definida fundamentalmente através do território, ou seja, dentro de uma relação de apropriação que se dá tanto no campo das idéias quanto no da realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim parte fundamental dos processos de identificação social [...] trata-se de uma identidade em que um dos aspectos fundamentais para sua estruturação está na alusão ou referência a um território, tanto no sentido simbólico quanto concreto. Assim a identidade social é também uma identidade territorial quando o referente simbólico central da construção dessa identidade parte ou perpassa o território. (HAESBAERT, 1999, p. 172-178) (Grifo do autor)

No nosso entendimento, a construção de uma identidade territorial pressupõe dois elementos fundamentais:

a) O espaço de referência identitária4

É o referente espacial no sentido concreto e simbólico onde se ancora a construção de uma determinada identidade social e cultural. Refere-se ao recorte espaço-temporal (os meios e os ritmos) onde se realiza a experiência social e cultural, é nele que são forjadas as práticas materiais (formas uso, organização e produção do espaço) e as representações espaciais (formas de significação, simbolização, imaginação e conceituação do espaço) que constroem o sentimento e o significado de pertencimento dos grupos ou indivíduos em relação a um território.

4 Espaço de referencia identitária é uma expressão cunhada por Poche (1983) para o estudo da região numa perspectiva culturalista.

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b) A consciência socioespacial de pertencimento:

É o sentido de pertença, os laços de solidariedade e de unidade que constituem os nossos sentimentos de pertencimento e de reconhecimento como indivíduos ou grupo em relação a uma comunidade, a um lugar, a um território. Não é algo natural ou essencial, é uma construção histórica, relacional/contrastiva e estratégica /posicional. No que diz respeito à consciência de pertencimento a um lugar, a um território, essa é construída a partir das práticas e das representações espaciais que envolvem ao mesmo tempo o domínio funcional-estratégico sobre um determinado espaço (finalidades) e a apropriação simbólico/expressiva do espaço (afinidades/afetividades). O domínio do espaço, nos termos de Lefevbre (1986), está ligado às representações do espaço (espaço concebido), e a apropriação está mais ligada às práticas espaciais e aos espaços de representação (dimensão de um espaço percebido e vivido).

Isso implica em dizer que também as identidades territoriais podem ser construídas de formas diferentes, umas mais ligadas ao domínio estratégico-funcional do espaço pelo poder econômico e político, sendo construídas com base num espaço concebido, e outras mais ligadas a uma apropriação simbólica-expressiva, tendo mais como referencial a subje-tividade e a experiência do espaço vivido. Mas isso não significa criar uma dicotomia, pois, como nos lembra Lefebvre (1983), não há quebras ou rupturas entre domínio (concebido) e apropriação (vivido), mas sim uma relação dialética.

Neste sentido, cabe metodologicamente verificar em cada processo de construção identitária a contradição entre o domínio das estratégias-funcionais (concebido) e a apro-priação simbólico-expressiva do espaço (vivido). Nessa tensão existem pólos predominantes e hegemônicos e outros subalternizados em forma de resíduos e resistências. Assim, ora se impõe o domínio e o espaço concebido, ora a apropriação e o espaço vivido na construção das identidades. Partindo dessas possíveis configurações identitárias podemos ter dois “tipos ideais” de configurações das identidades territoriais que só é possível separar analiticamente, considerando que empiricamente estão imbricadas numa espécie de continuum que vai da identidade que se ancora exclusivamente no “vivido” até aquela que se pauta exclusivamente no “concebido”.

Para aprofundarmos essa caracterização das configurações das identidades territoriais num diálogo com a proposta de Henry Lefebvre (1986) sobre a concepção da produção social do espaço, propomos pensar:

a) Identidades construídas predominantemente pautadas no espaço concebido (re-presentações do espaço):

São identidades pautadas no domínio lógico-racional e estratégico-funcional do espaço (Espaço com valor de troca: mercadoria – propriedade). Essas identidades são construídas a partir do espaço concebido ou das representações do espaço que, segundo (LEFEBVRE, 1986), estão ligadas às relações de produção da “ordem” que impõem os conhecimentos, os signos, os códigos espaciais como um produto do saber, um misto de ideologias e conhecimentos Neste sentido, tais identidades são construídas deslocadas das experiências do espaço vivido

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cotidianamente e têm sua “matéria prima”, sua “base” no conjunto de representações do es-paço (concebido) dos planos, teorias, imagens, discursos e ideologias dos atores hegemônicos como o Estado, o grande capital, os cientistas, os burocratas, os políticos, a mídia etc.

b) Identidades construídas predominantemente pautadas no espaço vivido (espaços de representação):

São identidades pautadas na apropriação simbólico-expressiva do espaço, nos “resíduos irredutíveis” ao domínio lógico-racional e estratégico-funcional do espaço: o uso, o vivido, o afetivo, o sonho, o imaginário, o corpo, a festa, o prazer etc. Essa apropriação está mais assentada no valor de uso – uso concreto do tempo, do espaço, do corpo – que da concretude, e abriga as dimensões da existência e os sentidos da vida (SEABRA, 1996).

São identidades construídas a partir dos espaços de representação que, segundo Lefebvre (1986), são espaços que se caracterizam pelos simbolismos complexos, ligados ao subterrâneo, ao labirinto, à clandestinidade da vida social, ao imaginário. São identidades construídas a partir do espaço dos “habitantes”, dos “usuários”, o espaço vivido que contém uma forte dimensão afetiva, contém os lugares da paixão e da ação; trata-se de um espaço essencial-mente qualitativo, relacional e diferencial (LEFEBVRE, 1986). Portanto, são identidades construídas arraigadas na experiência imediata do espaço vivido, na densidade e espessura de um cotidiano compartilhado localmente em sua multiplicidade de usos do espaço e do tempo. Estão ligadas à produção e comunhão dos saberes, dos costumes em comum, da memória e do imaginário coletivo.

Assim, para compreendermos a identidade das populações “tradicionais” na Amazônia precisamos conhecer as suas experiências culturais, seus modos de vida, suas territorialidades, seus saberes e fazeres vividos cotidianamente (o “espaço vivido” nos termos de LEFEBVRE). Mas, para além da dimensão do “vivido” precisamos levar em conta um conjunto de re-presentações e ideologias presentes nas imagens, discursos, planos e teorias sedimentados historicamente pela mídia, pela visão da classe política, pelas diferentes frações do capital nacional e internacional e pelos planejamentos do Estado e ainda nas pesquisas acadêmicas que muitas vezes estão pautadas nas “representações do espaço” ou no “espaço concebido” (LEFEBVRE, 1986). É a partir dessa relação dialética entre “o espaço vivido” e o “espaço concebido” que se constroem a consciência socioespacial de pertencimento e as identidades territoriais

R-existência, territorialidades e lutas sociais na construção das identidades na Amazônia

A partir do final dos anos 80 emerge na Amazônia um conjunto de movimentos sociais canalizando e materializando as forças políticas das chamadas “populações tradicionais” que no processo de r-existência aos processos de exploração econômica, dominação política e estigmatização cultural começam a se organizar e lutar, constituindo-se, como novos pro-tagonistas que ganham visibilidade a partir dos inúmeros antagonismos sociais e lutas por seus direitos sociais e culturais.

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Esses novos movimentos sociais, conforme Almeida (2005) vem se consolidando fora dos marcos tradicionais do controle clientelístico e da política que tinha sua personificação nos sindicatos de trabalhadores(as) rurais. O autor aponta o ano de 1989 como um marco, um ponto crítico e de precipitação de inúmeros “encontros” e iniciativas que deram origem a diversas formas de movimentos socais e associações que lutam por interesses das populações “tradicionais”.

No momento atual esse processo de emergência de novos sujeitos políticos vem as-sumindo novas configurações e ganhando densidade e conteúdo histórico pela afirmação de múltiplas formas de associação que ultrapassam “o sentido estreito de uma organização sindical, incorporando fatores étnicos e critérios ecológicos, de gênero e de autodefinição coletiva” (ALMEIDA, 2004, p. 163). Esses novo-velhos sujeitos protagonistas apontam para uma existência coletiva objetivada numa diversidade de movimentos organizados com suas respectivas redes sociais, redesenhando a sociedade civil da Amazônia e impondo seu reconhecimento aos centros de poder.

Prosseguindo suas considerações, o referido autor destaca como materialização desse processo as associações voluntárias e entidades da sociedade civil que estão se tornando força social, tais como: União das Nações Indígenas – UNI Coordenação Indígena da Amazônia Brasileira – Coiab e toda a rede de entidades indígenas vinculadas, que alcança cerca de 60, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco-Babaçu – MIQCB, o Conselho Na-cional dos Seringueiros, o Movimento Nacional dos Pescadores – Monape, o Movimento dos Atingidos de Barragens – MAB, a Associação Nacional das Comunidades Remanescentes de Quilombo e a rede de entidades a ela vinculada no Maranhão – a Associação das Comunidades Negras Quilombolas do Maranhão – Aconeruq e no Pará – a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná – ARQMO, a Associação dos Ribeirinhos da Amazônia entre outras.

Essas novas formas de organização política implicam em novas táticas e estratégias levando a uma ampliação das pautas reivindicatórias na luta por direitos que vão dos direitos socais básicos como saúde, educação, terra, crédito, bem como pelo reconhecimento de direitos culturais, como o direito as formas diferenciais de apropriação e uso da terra e dos recursos naturais, formas diferentes de cultos e valorização e reconhecimento dos conhe-cimentos acumulados por tais populações etc. Segundo Almeida (2004) a ampliação das pautas de demandas tem sido acompanhadas da multiplicação de instâncias de interlocução dos movimentos sociais com os aparatos político-administrativos, sobretudo com os responsáveis pelas políticas agrárias e ambientais.

Esse conjunto de movimentos sociais se articula coletivamente naquilo que Almeida (1994) denominou de “unidades de mobilização”, um conjunto de movimentos diferentes e locais que estrategicamente se reúnem para pressionar o Estado na busca soluções para suas demandas, além disso, essas “unidades de mobilizações” se articulam em redes em várias escalas transcendendo a escala local e até a nacional, logram generalizar o localismo das suas reivindicações através de parcerias e alianças a nível internacional criando novas formas de mediação e interlocução e com essas práticas alteram padrões tradicionais de relação política com os centros de poder e com as instâncias de legitimação, inaugurando novas formas de lutas políticas e resistência.

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Essa nova estratégia discursiva e identitária dos movimentos sociais na Amazônia, ao designar os sujeitos da ação, não aparece atrelada à conotação política que, conforme Almeida (2004), em décadas passadas estava associada principalmente ao termo camponês. No mo-mento histórico atual esses atores políticos apresentam-se através de múltiplas denominações e apontam para a construção de novas e múltiplas identidades. Essa multiplicidade de iden-tidades cinde, portanto, com o monopólio político do significado das expressões camponês e trabalhador rural, que até então eram usadas com prevalência por partidos políticos, pelo movimento sindical centralizado na Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura) e pelas entidades confessionais (CPT, CIMI, ACR) (ALMEIDA, 2004).

Para Gonçalves (2001) esse novo contexto aponta para a construção de “novas” iden-tidades coletivas surgidos de velhas condições sociais e étnicas, como é o caso das populações indígenas e negras, ou remetendo-se a uma determinada relação com a natureza (seringueiro, castanheiro, pescador, mulher quebradeira de coco) ou, ainda expressando condição deriva-da da própria ação dos chamados “grande projetos” implantados na região, como estradas hidrelétricas, projetos de mineração, entre outros. (“atingidos”, ”assentado”, “deslocado”). Trata-se de um processo de re-significação político e cultural que esses grupos sociais vem fazendo da sua experiência cultural e da sua forma de organização política.

Dentro dessas novas estratégias discursivas e das novas táticas de práticas políticas os “velhos” agentes vem se constituindo em “novos” sujeitos políticos ou novas posições-de-sujeito (HALL, 2004) este processo se dá pela politização daqueles termos e denominações de uso local. Trata-se da ”politização das realidades localizadas, isto é, os agentes sociais se erigem em sujeitos da ação ao adotar como designação coletiva as denominações pelas quais se autodefinem e são representados na vida cotidiana” (ALMEIDA, 2004, p. 166).

Essas novas afirmações identitárias não significam uma destituição do atributo político das categorias de mobilização como camponês e trabalhador rural. Contudo para Alfredo Wagner Almeida é a emergências das “novas” denominações que designam os movimentos e que espelham um conjunto de práticas organizativas que traduzem transformações políticas mais profundas na capacidade de mobilização desses grupos, em face do poder do Estado e em defesa de seus territórios.

Em virtude disso, pode-se dizer que, mais do que estratégia de discurso, ocorre o advento de categorias que se afirmam por meio da existência coletiva, politizando não apenas as nomeações da vida cotidiana, mas também as práticas rotineiras de uso da terra. A complexidade de elementos identitários, próprios de autodeterminação afirmativas de culturas e símbolos, que fazem da etnia um tipo organizacional, ou traduzida para o campo das relações políticas, verificando-se uma ruptura profunda com a atitude colonialista e homogeneizante, que historicamente apagou diferenças étnicas e a diversidade cultural, diluindo-as em classificações que enfatizavam a subordinação dos “nativos”, “selvagens” e ágrafos ao conhecimento erudito do colonizador. (ALMEIDA, 2004, p. 167)

Assim na busca pela afirmação dos direitos à sua territorialidade, com seu modo de vida próprio negados pela “modernização” essas populações iniciaram um processo de questiona-mento dos discursos e representações hegemônicas sobre as suas identidades (representações

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pautadas no espaço concebido que é um misto de conhecimento e ideologias) representações homogêneas e abstratas materializadas no conjunto de planos, projetos, estatísticas e teorias usadas pelo Estado e pelo grande capital que ignoram o “espaço vivido” e a dimensão coti-diana do modo de vida de tais populações com seus múltiplos ritmos, diferentes formas de sociabilidade, saberes e fazeres.

O questionamento das práticas discursivas e representações do espaço “espaço conce-bido” é feito pela politização do “espaço vivido” da dimensão cotidiana dos diferentes modos de vida e territorialidades. Assim esses movimentos sociais buscam redefinir e re-significar suas identidades buscando construir um novo “magna de significações” que valorizem a própria experiência cultural dessas populações apontando para uma nova “política cultural” aqui entendida:

(...) como processo posto em ação quando conjuntos de atores sociais moldados por e encarnando diferentes significados e práticas culturais entram em conflitos uns com outros. Essa definição supõe que significados e práticas – em particular aqueles teorizados como marginais, oposicionais, minoritários, residuais e emergentes, alternativos, dissidentes e assim por diante, todos concebidos em relação a uma determinada ordem cultural dominante – podem ser fonte de processos que devem ser aceitos como políticos. (ÁLVARES, DAGNINO e ESCOBAR, 2000, p. 24-5)

Trata-se de um processo onde há um entrelaçamento entre a cultura e a político de maneira co-constitutiva na construção identitária. A cultura é política porque os significados são constituídos dos processos que implícita ou explicitamente, buscam redefinir o poder social. “Isto é, quando apresentam concepções alternativas de mulher, natureza, raça economia, demo-cracia ou cidadania, que desestabilizam os significados culturais dominantes, os movimentos põe em ação uma política cultural” (ÁLVARES; DAGNINO e ESCOBAR, 2000, p. 25).

Falamos de formações de política cultural nesse sentido: elas são resultadas de articulações discursivas que se originam em práticas culturais existentes – nunca puras, sempre híbridas, mas apesar disso, mostrando contrastes significativos em relação ás culturas dominantes – e no contexto de determinadas condições históricas (ÁLVARES; DAGNINO e ESCOBAR, 2000, p. 25)

Essas novas “políticas culturais” ou a politização da cultura pelos movimentos sociais ligados as populações ”tradicionais” apontam conforme Almeida (2004), para o advento, nesta última década e meia, de categorias que se afirmam por meio de uma existência coletiva, politizando nomeações da vida cotidiana, tais como seringueiros, quebradeiras de coco-ba-baçu, ribeirinhos, castanheiros, pescadores, extratores de arumã e quilombolas, entre outros, trouxe a complexidade de elementos identitários para a realidade da Amazônia.

As políticas culturais dos movimentos tentam amiúde desafiar ou desestabilizar as culturas políticas dominantes. Na medida em que os objetivos dos movimentos sociais contemporâneos às vezes vão para além de ganhos materiais e institucionais percebidos; na medida em que esses movimentos sociais afetam as fronteiras da representação política e cultural, bem como a prática social, pondo em questão até o que pode ou

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não pode ser considerado político; finalmente, na medida em que as políticas dos movimentos sociais realizam contestações culturais ou pressupõe diferenças culturais – então devemos aceitar que o que está em questão para os movimentos sociais, de um modo profundo, é uma transformação da cultura política dominante na qual se move e se constitui como atores sociais com pretensões políticas. (ÁLVARES; DAGNINO e ESCOBAR, 2000, p. 170)

Esses movimentos sociais tendem a questionar as identidades legitimadoras (CAS-TELLS, 1996) deslocando e fraturando os discursos identitários que historicamente produ-ziram a invisibilidade, a romantização e a estigmatização dessas populações, reorientando as práticas políticas e discursivas a partir de identidades de resistência que em muitos casos como dos seringueiros, das mulheres quebradeira de coco de babaçu se esboçam como identidades de projeto, pois, apontam para um conjunto de práticas e valores que reforçam e inauguram modos alternativos de produzir, de se relacionar com a natureza, enfim,diferentes modos de existir.

Trata-se da constituição de novos atores no espaço público e na política, atores pro-tagonistas afirmando suas identidades, pois como nos fala Touraine (1994) o “ator não é aquele que age em conformidade com o lugar que ocupa na organização social, mas aquele que modifica o meio ambiente material e, sobretudo social no qual está colocado, modifi-cando a divisão do trabalho, as formas de decisão, as relações de dominação ou as orientações culturais” (p. 220-221). Neste mesmo sentido, Gonçalves (2004) destaca que o movimento (social) é, rigorosamente, mudança de lugar (social) sempre indicando que aqueles que se movimentam estão recusando o lugar que lhes estava reservado numa determinada ordem de significações Nesta perspectiva um movimento social é:

Um esforço de um ator coletivo para se apossar dos valores, das orientações culturais de uma sociedade, opondo-se à ação de um adversário ao qual está ligado por relações de poder (...) Um movimento social é ao mesmo tempo um conflito social e um projeto cultural (...) ele visa sempre a realização de valores culturais, ao mesmo tempo que a vitória sobre um adversário social. (TOURAINE, 1994, p. 253)

O movimento social como “projeto cultural” é portador de uma nova ordem em potencial não sendo destituído de sentido, busca novos valores, novos “magmas de signifi-cação” (GONÇALVES, 2004). Os movimentos sociais na Amazônia parecem apontar para direção de outros movimentos socais que hoje nas suas lutas apontam para a construção de “políticas culturais”

Esses movimentos sociais, emergentes hoje na Amazônia forjados pelos mais diversos antagonismos têm como referencial e diferencial o fato de serem movimentos pautados em lutas não só contra a desigualdade, pela redistribuição de recursos materiais como, por exemplo, a terra, crédito, estradas etc., mas também são lutas simbólicas por um “novos magmas de significação” que permitam o reconhecimento das diferenças culturais, dos diferentes modos de vidas que expressam em suas diferentes territorialidades. Desse modo, a constituição desses novos sujeitos se dá nas e pelas lutas de afirmação de suas identidades culturais e políticas pautadas na territorialidade, logo, são lutas pela afirmação de suas identidades territoriais.

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Almeida, (2004) afirma que o sentido coletivo das autodefinições emergentes na Amazônia impôs uma noção de identidade à qual correspondem territorialidades específicas.

São os seringueiros que estão construindo o território em que a ação em defesa dos seringais se realiza. São os atingidos por barragens e os ribeirinhos que estão defendendo a preservação dos rios, igarapés e lagos. E assim sucessivamente: os castanheiros defendendo os castanhais, as quebradeiras, os babaçuais, os pescadores, os mananciais e os cursos d’água piscosos, as cooperativas, seus métodos de processamento da matéria-prima coletada. De igual modo, os pajés, curandeiros e benzedores acham-se mobilizados na defesa das ervas medicinais e dos saberes que as transformam. (ALMEIDA, 2004, p. 48-9)

Assim, podemos verificar que na luta contra os processos de modernização e expansão da fronteira econômica e das frentes de expansão demográfica sobre o territórios tradicional-mente ocupados pelos povos “tradicionais” é que os movimentos sociais afirmam a identidade e territorialidade dessas populações, ou seja, as novas reivindicações territoriais dos povos indígenas, dos quilombolas e outras comunidades negras rurais, e das diversas populações extrativistas, representam uma resposta às novas fronteiras em expansão, respostas que vão muito além de uma mera reação mecânica para incluir um conjunto de fatores próprios da nossa época (LITLLE, 2002).

Diante da pressão dos violentos processos desterritorializadores frutos do avanço das Frentes de expansão na Amazônia, os povos tradicionais se sentiram obrigados a elaborar novas estratégias territoriais para defender suas áreas. Isto, por sua vez, deu lugar à atual onda de (re)territorializações (LITTLE, 2002; ALMEIDA, 2005).

O alvo central dessa onda consiste em forçar o Estado brasileiro a admitir a existência de distintas formas de expressão territorial – incluindo distintos regimes de propriedade – dentro do marco legal único do Estado, atendendo às necessidades desses grupos. As novas condutas territoriais por parte dos povos tradicionais criaram um espaço político próprio, na qual a luta por novas categorias territoriais virou um dos campos privilegiados de disputa. (LITTLE 2002, p. 13)

Assim, trata-se de lutas pelo direito à territorialidade que é fundamental na reprodução dos modos de vida tradicionais, pois o território é, para essas populações ao mesmo tempo: a) os meios de subsistência; b) os meios de trabalho e produção; c) os meios de produzir os aspectos materiais das relações sociais, aquelas que compõem a estrutura social 5.Assim o território se constitui como “abrigo” e como “recurso” abrigo físico, fonte de recursos materiais ou meio de produção e ao mesmo elemento fundamental de identificação ou simbolização de grupos através de referentes espaciais6.

Little (2002) afirma que territórios dos povos tradicionais se fundamentam em décadas, em alguns casos, séculos de ocupação efetiva. A longa duração dessas ocupações (domínio estratégico-funcional e apropriação simbólico-expressiva) fornece um peso histórico às suas reivindicações territoriais e afirmações identitárias.

5 Ver Diegues (1996) o papel do território na construção dos modos de vida “tradicionais”.6 Ver uma proposta de sistematização feita Haesbaert (2005) sobre “fins” ou objetivos do processo territorializaçao.

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A expressão dessas territorialidades, então, não reside na figura de leis ou títulos, mas se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e consistência temporal ao território. (LITTLE, 1994)

O referido autor destaca três elementos que marcam a razão histórica e que subs-tancializa a territorialidade das populações tradicionais a) regime de propriedade comum, b) sentido de pertencimento a um lugar específico c) profundidade histórica da ocupação guardada na memória coletiva. É por essa importância que a territorialidade é uma dimensão fundamental da afirmação dos direitos coletivos das “populações tradicionais” na Amazônia, pois é nela que reside à garantia do reconhecimento de uma identidade coletiva e a defesa da integridade dos diferentes modos de vida, modos de vida associados matrizes de racionalidades pautas nas diferentes formas uso-significado do espaço e da natureza.

É na luta pelo reconhecimento da territorialidade das populações “tradicionais” que vem se (con)formando as identidades coletivas na Amazônia, identidades essas associadas a estas diferentes formas de luta, são o resultado emergente das próprias lutas, mesmo quando assentam em condições ou em coletivos que pré-existem a elas. Elas podem assentar, seja em comunidades locais, baseadas em relações face a face, seja em comunidades imaginadas (Sousa Santos, 2003). Assim, o conflito se constitui, como um momento privilegiado dessa conformação de identidades, de configuração de “comunidades de destino” (GONÇALVES, 2004).

É quando cada um começa a perceber que o seu destino individual está num outro com/contra o qual tem que se ligar/se contrapor. (...) Podemos, pois, afirmar que são nas circunstâncias dos encontros/das relações/das lutas que se desenham concretamente essas diferenças e que toda classe se constitui, se classifica, se diferencia, constrói um Nós em relação a um Eles. (GONÇALVES, 2004)

Assim, a identidade dos movimentos sociais na Amazônia vem se constituindo a partir da construção de uma consciência socioespacial de pertencimento pautados em uma politização da territorialidade e do “espaço vivido”, do modo de vida cotidiana e na luta contra o projeto de “modernização autoritária“ trata-se de transformar“comunidades de vida” em “comunidades de destino” para usar a expressão de Bauman (2005). Esse processo é explicitado por Martin quando afirma que:

A função do discurso identitário é de orientar estas escolhas, de tornar normal, lógico, necessário, inevitável, o sentimento de pertencer, com uma forte intensidade, a um grupo. Ele se dirige à emotividade, se esforça por impressionar, por emocionar, a fim de que este sentimento de pertencimento impulsione, caso a situação o exija, a agir: impelido pelo sentimento de pertencimento, torna insuportável a recusa de defesa. A fim de criar as condições desta adesão, o discurso identitário tem por tarefa definir o grupo, fazer passar do estado latente àquele de ’comunidade’ em que os membros são persuadidos a ter interesses comuns, a ter alguma coisa a defender juntos. (MARTIN apud CLAVAL, 1999, p. 23)

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Essa politização do “vivido” é colocada para o plano do “concebido” e do “represen-tado” ocorrendo uma passagem de “comunidades de vida” para “comunidades de destino” uma metamorfose da identidade que deixa de ser vivida como “necessidade” de forma latente para ser vivida e representada de forma manifesta e performática como “projeto”, isso é muito bem demonstrado por Gonçalves (1999, p. 70) no que se refere à constituição da identidade dos movimentos dos seringueiros.

Claro que os seringueiros existiam naquele lugar/naquele momento, tanto no sentido geográfico como social. No entanto, sabemos, a existência de uma determinada condição socio-geográfica seringueira, ou outra qualquer, não implica necessariamente que venha a se constituir numa identidade político-cultural assumida pelos próprios protagonistas como tal (...) Deste modo, emerge um movimento dos seringueiros que emana da compreensão interessada do que é comum, o que implica uma comunidade territorial que vá além do espaço vivido, pressupondo-o; que vá além do lugar/dos lugares, contendo-os. É isso que diz a expressão união, tão invocada na conformação de identidades coletivas: o que se une é o igual e esse igual se constitui na percepção interessada do que é igual e do que é diferente.

Assim, podemos verificar que construção de uma identidade coletiva é possível não só devido às condições sociais de vida semelhantes, mas, também, por serem percebidas como interessantes e, por isso, é uma construção e não uma inevitabilidade histórica ou natural. Como a identidade é estratégica e posicional na afirmação de identidades coletivas “há uma luta intensa por afirmar os “modos de percepção legítima” (BOURDIEU), da (di)visão social, da (di)visão do espaço, da (di)visão do tempo, da (di)visão da natureza” (GONÇALVES, 1999, p. 70).

Portanto longe de uma perspectiva essencialista e substancialista que concebe a iden-tidade como uma “coisa” natural, podemos verificar que trata-se de uma construção exposta ao movimento da história e ao jogo de relações de poder onde a política e subjetividade estão imbricadas bem como as práticas matérias e representações discursivas se entrelaçam na afirmação das novas posição-de-sujeito que implicam na construção de identidades alterna-tivas que deslocam e fraturam as identidades hegemônicas. As identidades construídas pelos movimentos sociais são forjadas na e pela luta para a afirmação da diferença subalternizada e como r-existência a formas dominantes de poder econômico, político e cultural instalados historicamente na Amazônia.

Mas sabemos que o processo de construção das identidades é marcado por ambiva-lências e ambigüidades e que muitas vezes se apresentam de maneira contraditória tendo ao mesmo tempo perspectivas progressistas e conservadoras, além disso não há dicotomias e dualismos radicais entre os discursos dos dominantes e dos dominados mas diálogos, tensões, conflitos e retroalimentações, contudo é inegável que esses novos movimentos sociais hoje na Amazônia sinalizam importantes horizontes de emancipação social para as populações “tradicionais”.

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Considerações Finais

Para concluirmos nossas reflexões queremos retomar alguns elementos que entende-mos serem imprescindíveis para a compreensão da emergência das identidades territoriais das populações “tradicionais”, hoje, na Amazônia.

a) A identidade não é uma essência, nem é naturalmente construída, ela é, sim, uma construção histórica e social. A identidade é relacional e contrastiva e seu significado social e cultural é determinado na e pela diferença. As identidades são construídas tanto pelas di-ferenças culturais e por sistemas simbólicos de classificação (diferença de natureza) quanto pela desigualdade e exclusão social (diferenças de grau), ou melhor, pelos dois processos con-comitantemente. Neste sentido, as identidades territoriais das populações “tradicionais” na Amazônia são historicamente construídas a partir da imbricação dos processos de produção das desigualdades sociais e exclusão social, bem como da marcação das diferenças culturais, sendo que o significado de cada identidade só pode ser compreendido num contexto rela-cional específico.

b) As construções das identidades são estratégicas e posicionais, pois estão estreita-mente ligadas às relações de poder. O jogo de poder para a definição de uma determinada identidade está em conexão com as modalidades mais amplas do exercício do poder na sociedade, e isso implica em compreender as identidades como produtos e produtoras das lutas e conflitos sociais, políticos e culturais. Desse modo, as identidades territoriais das po-pulações “tradicionais” na Amazônia são produtos e produtoras das relações de poder e são construídas e instituídas na e pelas lutas e conflitos dos diferentes sujeitos pela sua afirmação material (luta por redistribuição de bens materiais) e simbólica (luta por reconhecimento das diferenças culturais).

c) A construção das identidades e seu poder de eficácia e performance vão depender da posição de cada sujeito na estrutura assimétrica de poder da sociedade (econômico, político e simbólico). As identidades podem tanto legitimar e reproduzir as relações de poder e as instituições hegemônicas da sociedade quanto podem contestá-las e propor novos projetos alternativos. Assim, determinadas identidades territoriais na Amazônia reproduzem e legiti-mam a ordem hegemônica do poder econômico, político e simbólico estabelecido e outras, como as identidades das populações “tradicionais”, r-existem a tal hegemonia, afirmando a diferença subalternizada e apresentando-se como “identidade de projeto”, apontando para alternativas de sociedade a partir de diferentes modos de produzir e de modos de vida, como é o caso dos movimentos dos seringueiros e das mulheres quebradeiras de coco de babaçu.

d) Todo processo de territorialização funciona como sistema de classificação funcional e simbólico, o que implica na definição de fronteiras e na construção de identidades. Contudo, se em todo processo de territorialização se produz identidades, nem toda identidade é uma identidade territorial. Isso significa que nem todas as identidades construídas na Amazônia são territoriais, mas que nas construção das diversas territorialidades das populações “tradi-cionais” se produzem identidades territoriais.

e) As identidades territoriais são construídas a partir do jogo das múltiplas escalas de pertencimento. A consciência socioespacial de pertencimento depende da experiência espaço-

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CRUZ, V. C. R-existências, territorialidades e identidades na Amazônia

temporal (espaço de referência identitária) e do contexto específico nos quais as identidades são construídas. Na Amazônia, as identidades são construídas a partir da multiplicidade de temporalidades históricas desiguais e diferentes que se (des)encontram na contemporanei-dade. Portanto, as identidades são resultantes do conflito entre as diferenças do significado social e cultural da experiência espaço-temporal expressa nos diferentes “modos de viver” dos diferentes sujeitos sociais.

f ) As identidades territoriais mobilizadas pelos movimentos sociais das chamadas populações “tradicionais” na suas lutas sociais na Amazônia são construídas a partir de um duplo movimento: primeiramente estão pautadas numa politização da cultura ou de “po-lítica cultural”, dando visibilidade e significância às territorialidades e aos modos de vida “tradicionais” com suas histórias, memórias e saberes de longa duração (raízes) sedimentada num conjunto de práticas e de representações que têm densidade e espessura no cotidiano de um espaço vivido. Em um segundo e simultâneo movimento, tais identidades se voltam não para o passado (tradição), mas para o futuro, para rotas, rumos e projetos pautados em estratégias políticas e organizacionais articulados em escalas mais amplas e ligados a outras formas de saber (saber científico) e ao conjunto de discursos, ideologias e representações pautadas num espaço concebido.

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Recebido para publicação em março de 2006Aprovado para publicação em maio de 2006

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A geograficidade dos comandantes de embarcação no amazonas

La geograficidad de los comandantes de embarcaciones en el amazonas

The geographicity of boats commanders in the amazon

Amélia Regina Batista NogueiraUniversidade Federal do AmazonasRua Amazonas, 488, apto. 304-B

Bairro Nossa Senhora das Graças - Manaus - [email protected]

Resumo: Ao longo dos anos a Geografia tem buscado pensar os lugares partindo, sobretudo de uma visão positivista ou marxista, aqui nossa intenção é demonstrar, tomando como referencial os pressupostos da fenomenologia o lugar a partir da experiência de quem o vivencia, perceber a geograficidade que existe na inter-relação homem e mundo. Nosso lugar de referencia é o Amazonas, especificamente o Careiro da Várzea, município que fica aproximadamente a vinte e cinco quilômetros de Manaus e os sujeitos que aqui falaram dele,foram os comandantes de embarcações que navegam pelos grandes rios que banham este estado cotidianamente. O Careiro da Várzea (AM) foi descrito e compreendido a partir da experienciação que cada um desses sujeitos tem e tiveram com ele, seus relatos apontam uma geograficidade existente entre estes e as pequenas comunidades que habitam os vários paranás e furos que fazem parte desta importante rede hidrográfica brasileira.Palavras-chave: Geograficidade; Lugar vivido; Amazônia.

Resumen: A lo largo de los años la Geografía ha buscado pensar sobre los lugares partiendo sobretodo de una visión positivista o marxista, aquí nuestra intención es demostrar, tomando como referencia los presupuestos de la fenomenología, el lugar a partir de la experiencia de quien lo vivencia, percibir la geograficidad que hay entre la interrelación hombre y mundo. Nuestro lugar de referencia es el Amazonas, específicamente Careiro da Várzea, municipio que queda aproximadamente a veinticinco kilómetros de Manaus. Los sujetos que aquí hablaron de él, fueron los comandantes de embarcaciones que navegan por los grandes ríos que bañan este estado cotidianamente. Careiro da Várzea (Estado del Amazonas) fue descrito y comprendido a partir de la experiencia que estos sujetos tienen y tuvieron con este municipio. Sus relatos señalan una geograficidad existente entre éstos y las pequeñas comunidades que habitan los varios afluentes caudalosos y calmos riachos entre arboledas que hacen parte de esta importante red hidrográfica brasileña.Palabras-clave: Geograficidad; Lugar vivido; Amazonía.

Abstract: Throughout the years Geography has sought to think places specially starting from a positivist and Marxist vision, here, our intention is to demonstrate, using as reference the presupposed of the phenomenology the place staring from the experience of who live it, to realize the geographicity that exits between men and earth. Our place of reference is Amazon, specifically “Careiro da Várzea”, district which is located at twenty five kilometers from Manaus and the subjects that talked about it, the boats’ commanders who sail the great rivers which daily bathes this state. The “Careiro da Várzea” (AM) was described and understood starting from the experience that each one of these subjects has and had with it, their accounts point a geographicity existent among them and the small communities that live at the various “paranás” and “furos” that constitute this important Brazilian hydrographic basin.Keywords: Geographicity; Lived place; Amazon.

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 91-108 Jan-Jun/2006

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NOGUEIRA, A. R. B. A geograficidade dos comandantes de embarcação no Amazonas

“A sabedoria que é adquirida durante o curso.da vida, é o resultado da ternura da mente com o coração”.

(COWAN, James. O sonho do cartógrafo, p. 87)

As preocupações com os conhecimentos dos lugares ficaram registradas a partir das descrições e representações feitas pelos primeiros habitantes da Terra. Verificamos o fato ao nos deparar com as descobertas de desenhos e pinturas traçados em pedras, em casca de árvores, no chão, em peles de animais onde eram registrados os lugares e os modos de vida dos grupos que habitavam o mundo primitivo.

Descrições e representações como vimos, foram inicialmente registradas por homens comuns, que não tinham como objetivo a sistematização e veracidade daquele conhecimento. Eram colocadas ali, como eles estavam percebendo e concebendo o mundo em que viviam. Só muito tempo depois, com as “grandes navegações” e com a intensificação do comércio pelo “mundo” é que se sentiu a necessidade de representar os mais diversos lugares da forma mais exata e precisa possível. Importante seria que fosse registrado tudo que encontravam ao longo das viagens.

O século XVI foi o período das “grandes descobertas”. Cada ano, muitos lugares e homens passavam ao domínio dos diversos impérios europeus (Portugal, Espanha, Inglaterra). Aumentava a necessidade de localizar precisamente onde estavam situadas as terras “conquis-tadas”. Em meio a esta ansiedade, os cartógrafos e matemáticos ganham expressão entre os intelectuais das cortes. Os mapas eram fundamentais para a consolidação dos impérios, que discutiam através deles suas formas de ocupação e domínio.

Neste período, as informações levantadas sobre os lugares eram descritas a partir dos relatos dos povos dominados; relatos que consistiam na principal fonte para a elaboração das novas cartas. Muitas das cartas oficiais foram elaboradas apenas com as descrições dos lugares. Alguns viajantes que por aqui passaram admiravam-se em seus relatos com a preci-são das informações fornecidas pelos primeiros habitantes do Brasil. Cortesão (1947) cita os seguintes relatos:

“os aborígenes do Brasil, ainda em fins do século passado, eram capazes de traçar cartas de rios com seus afluentes, cachoeiras e povoados.Largamente o mostram Von Den Steinem, que orientou a segunda das suas expedições às nascentes do Xingu por uma dessas cartas, não só os índios dessa região desenhavam estes mapas espontaneamente na areia, mas quando solicitados pelo explorador alemão, refaziam o mesmo ou mais minucioso traçado com um lápis no papel.

Um século antes, Alexandre Rodrigues Ferreira, a quem se chamou o “Humboldt brasileiro”, fez a mesma repetida experiência com os índios dos rios Negro e Branco, dos quais obteve, no dizer do grande naturalista, alguns bons traçados de rios e notáveis ensinamentos.

Por essa mesma época e nos mapas dos primeiros demarcadores das fronteiras do Brasil, se encontram com freqüência traçados de rios feitos exclusiva e declaradamente por informações indígenas.” (CORTESÃO, 1947)

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Livre

A localização é dada a partir da inter-relação do homem com as coisas e lugares. A posição exata não tem significado se o lugar não for reconhecido como parte da vida das pessoas ou dos grupos ao qual pertencem. A representação dos lugares significa a representação da história de cada sociedade com o lugar de vida. Por isto, todas as informações passadas pelos diversos povos que eram “conquistados”, foram valorizadas e reconhecidas como a verdade sobre os lugares, passando a fazer parte do conteúdo dos mapas elaborados pelos seus “conquistadores”.

Esses homens não tinham a preocupação geométrica exata quando traçavam os mapas. As representações eram frutos da sua vivência, de uma relação existencial com eles. O que descreviam era, na realidade, a relação de vida que eles mantinham com as montanhas, com os rios, com a floresta, com o deserto, com as planícies, com os outros homens e animais.

Podemos dizer que as primeiras representações foram elaboradas a partir dos Mapas Mentais construídos pelos antigos habitantes dos diversos lugares da Terra. Ao serem siste-matizados, os lugares transformavam-se em pequenos pontos no meio das quadrículas dos papéis, calculados rigorosamente para que indicassem precisamente onde ficavam as “novas descobertas” e os “novos domínios”. As descrições do que continham nos lugares passavam a ser muitas vezes sigilosas e do interesse dos “conquistadores e desbravadores”.

Entre a vasta bibliografia que nos mostra a importância das representações cartográficas neste período da história, nos chamou atenção pela polêmica discussão nele contida o diário de um frei/cartógrafo do século XVI, que foi traduzido e comentado por James Cowan (1999) com o título, bem apropriado, de “O Sonho do Cartógrafo: meditações de Fra Mauro na corte de Veneza do Século XVI”.

Fra Mauro foi um desses cartógrafos do século XVI que elaboravam seus mapas a partir das informações trazidas pelos viajantes e mercadores, sobre os lugares desconhecidos por onde andavam. A princípio, sua preocupação era como a de todos de sua época, de localizar exatamente onde ficavam os lugares descobertos. Sua intenção, entretanto mudou totalmente quando passou a perceber que o que mais impressionava os viajantes e merca-dores não eram as riquezas que encontravam, mas a forma de vida de cada cultura por eles conhecida. Fra Mauro chega a se angustiar com sua forma limitada e geometrizada de ver o mundo. Nas suas reflexões questiona a arrogância da Igreja em achar que sua verdade era única e absoluta, pois em meio às narrações e comentários desses navegantes havia relatos de que outras manifestações religiosas falavam da verdade de forma diferente do cristianismo da época. Fra Mauro, então, inverte sua visão de mundo e passa a ter como idéia fixa construir um mapa onde estas formas de vida fossem registradas. É quando põe de lado a obsessão pela precisão matemática e procura representar as formas de vida de cada povo que veio a ser conhecido. Faz das narrativas dos viajantes e mercadores sua única fonte de informação, pois, Fra Mauro sofria por não poder, ele mesmo, viajar e ver com seus olhos aquilo que ele iria representar, já que vivia num mosteiro em San Michele di Murao (Itália). Reconheceu então que os viajantes e mercadores

“eram observadores perspicazes do mundo imaginário”. Minha tarefa, dizia ele, “era mapear as viagens desses homens que vagavam pelos caminhos desconhecidos da Terra... Abandonei a matemática e a física para estudar o mundo que eles tinham encontrado”. (COWAN, 1999, p. 25)

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NOGUEIRA, A. R. B. A geograficidade dos comandantes de embarcação no Amazonas

Fra Mauro gravou lendas em seu mapa na esperança que aqueles que o lessem, pudes-sem ficar mais bem informados e compreendessem cada lugar respeitando as suas diversas formas de vida. Chegou à conclusão de que quanto mais tentasse traduzir as palavras daqueles informantes mais acreditava que nem ele nem os viajantes tinham “hegemonia sobre a verdade” (COWAN, 1999, p. 56). Atraiu não só viajantes ansiosos para registrar suas informações, mas cartógrafos, que queriam descrever a Terra não só do ponto de vista da riqueza e da dominação, como do ponto de vista da história e da cultura humana. Chegou a dizer estar convencido de que seu mapa era apenas mais uma versão da realidade:

“Não somos as únicas fontes de saber. Nossa percepção pode ser posta à prova quando apreciamos um boto brincando para merecer nossos aplausos, uma vez que é seu desempenho que determina o nível de alegria que podemos sentir... Meu espírito está inquieto porque estou sempre procurando por alguma coisa que desafia a lógica”. (COWAN, 1999, p. 36-37)

O diário de Fra Mauro nos envolveu não só pelos belos relatos dos viajantes e mer-cadores, como, principalmente, pelos questionamentos que ele, já no século XVI, fez sobre as cartas matematicamente produzidas. Um homem acostumado a traçar essas cartas se angustiou com a “pobreza” de informações que elas passavam a conter. Fra Mauro chegou a abandonar essa forma de representação para elaborar, tendo consciência das falhas, um mapa do mundo onde cada lugar deixaria de ser um ponto para ser representado por algo que melhor sistematizasse o que era aquele lugar e como viviam seus habitantes.

Sem as pretensões de Fra Mauro, nos vemos hoje vivendo o mesmo dilema: repre-sentar os lugares de forma que essas reproduções traduzam um pouco o que é cada lugar. Fra Mauro traçou os “Mapas Mentais” que os viajantes construíam em suas mentes sobre os diversos lugares encontrados. Esses “Mapas Mentais” continham informações traduzidas a partir da percepção dos viajantes, por isto, reconhecia Fra Mauro, que apesar de conter uma verdade do lugar, esta verdade, era a visão de quem vivia fora dele. O que provavelmente influenciava na informação.

As informações que estarão neste texto foram interpretadas levando em conta os relatos e as representações dos homens que vivem no lugar. Todos os comandantes que se envolve-ram nesta na pesquisa que deu origem a este texto, são moradores de um pequeno lugar do Amazonas, o Careiro da Várzea (Município do Amazonas), e nele habitam. Representaram, portanto seu lugar de existência. Seu mundo vivido.

Sobre a “geograficidade” dos comandantes de embarcações no Amazonas

Fazendo minhas as angústias de Fra Mauro, trouxe para sustentar nossos debates as análises feitas por Merleau-Ponty (1997), que alguns séculos depois se encontrou, como muitos outros contemporâneos seus, em meio às mesmas dúvidas de Fra Mauro a respeito da ciência e das experiências vividas. Assim como eles, ao iniciarmos este trabalho, pergun-távamo-nos: de onde parte a ciência? Como se deve olhar para o “objeto” pesquisado? Como devemos nos posicionar diante dele?

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Com tais questões, buscamos respostas em algumas proposições levantadas por Merleau-Ponty (1997). Ele nos leva a pensar na ciência como um conhecimento construído a partir das percepções vividas pelos sujeitos comuns e até pelo próprio cientista ou filósofo. Observamos ao longo de nossas leituras que Merleau-Ponty (1997) sustenta como proposição que

“todo universo da ciência é construído sobre o mundo vivido. Se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual é a expressão segunda.” (MERLEAU-PONTY, 1997, p. 3)

Foi a partir dessa argumentação que procuramos buscar com os comandantes das embarcações no Amazonas as respostas para uma série de dúvidas a respeito dos referenciais e do conhecimento espacial deles. Queríamos entender sua “geograficidade”. Compreender como conseguem navegar sem utilizar uma carta, uma bússola ou qualquer outro objeto de orientação técnica? Como conseguem fazer isto, sem se perderem ou saírem das rotas por eles navegadas?

Como hipótese, seguimos acreditando que os comandantes possuem conhecimento preciso das rotas e se localizam e se orientam a partir da experiência adquirida no espaço de circulação vivido diariamente por eles. Este saber é organizado mentalmente por eles, tomando forma de Mapas Mentais, perfeitas representações de toda a região percorrida.

A experiência tratada aqui será a que é adquirida pelos homens ao longo de sua existên-cia. Aquela que se constrói no envolvimento com o mundo. Como afirmou Merleau-Ponty (1997), a experiência foi vista por nós como o conhecimento que “antecipa a Filosofia”. Diz ele, “a filosofia nada mais é que uma experiência elucidada” (MERLEAU-PONTY, p. 99).

A experiência é o resultado da comunicação do homem com o mundo, onde homem-mundo constroem-se mutuamente. “Ser experiência é comunicar interiormente com o mundo, com o corpo e com os outros, ser com eles em lugar de estar ao lado deles” (MERLEAU-PONTY, p. 145).

Os comandantes, enquanto habitantes do Careiro da Várzea, demonstram uma inti-midade com seu mundo de vida, o rio, tornando desnecessária a utilização de instrumentos técnicos de orientação. Quando precisam mudar de rota, ao serem fretados por comerciantes, empresas de pesca etc., procuram consultar um prático1.

Embora saibam da existência de instrumentos técnicos que dariam a direção precisa dos percursos, não confiam neles, preferem lidar com quem é do rio. Sabem que este percebe as mudanças que o rio sofre a cada movimento das águas (Enchente-Vazante). Os práticos possuem informações que são atualizadas a cada vez que novas paisagens surgem. Localizam facilmente uma nova ilha que se forma na dinâmica de subida e descida do rio. Sabem localizar os barrancos que são encobertos pelas águas nas cheias e constituem obstáculos perigosos, assim como os bancos de areia que se formam no meio dos grandes rios. Os comandantes sabem que estas informações não são encontradas nos mapas oficiais, pois elas se renovam na

1 Prático é a denominação utilizada para identificar os homens dos lugares que navegam na companhia dos comandantes quando estes não conhecem bem as novas rotas. Nos lugares onde os comandantes já conhecem, eles fazem o papel de prático para os que chegam.

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NOGUEIRA, A. R. B. A geograficidade dos comandantes de embarcação no Amazonas

dinamicidade da natureza amazônica e só quem a experiencia cotidianamente a apreende e a enfrenta com a naturalidade de quem conhece. Os comandantes e os práticos valorizam o conhecimento um do outro, compreendem que cada coisa que um deles sabe é importante para enfrentar o dia a dia das “estradas aquáticas” por eles percorridas.

Os instrumentos técnicos possuem dados geométricos, os homens dos lugares têm uma relação de existência, uma relação afetiva, de medo, de amor, de desamor enfim, uma relação de vida. Merleau-Ponty (1997) indica a importância da valorização da experiência de quem vive o lugar, percebe-se que cada ser tem uma relação íntima com seu lugar.

“Sei onde está meu cachimbo, por um saber absoluto, e através disso, sei onde está minha mão e onde está meu corpo, assim como o primitivo está a cada instante imediatamente orientado, sem precisar recordar e somar as distâncias percorridas e os ângulos de deslocamento desde o ponto de partida.” (MERLEAU-PONTY, p. 146)

Este saber que se dá através da experiência com o lugar é a que os comandantes trazem e que foi construída a partir de suas histórias com ele. Histórias que se reconstroem a cada movimento do rio, pois, como eles salientam suas referências não podem ser fixas, pois neste movimento de subida e descida dos rios, ilhas, árvores e casas aparecem e desaparecem. Pessoas saem e voltam povoando e repovoando as várzeas por onde eles navegam. É dessa experiência que iremos aqui discorrer. Não da experiência enquanto processo de experimentação, mas enquanto conhecimento que é construído na relação intersubjetiva entre homens e lugares. O conhecimento que é experienciado, vivido.

No intuito de demonstrar nossa hipótese, nos envolvemos com os moradores do Careiro da Várzea, espalhados pelos vários paranás que compõem a rede hidrográfica do Careiro, para que através de suas histórias e conhecimento pudéssemos falar melhor desse lugar. Em seguida procuramos os comandantes para que demonstrasse no papel o desenho que organizam mentalmente da região que por eles é habitada e por onde eles navegam. Lembramos, mais uma vez, que a experiência de vida desses comandantes foi considerada por nós como fonte primeira de toda nossa busca. Estamos certas de que eles, por fazerem desta atividade sua fonte de existência, podem traçar, relatar e demonstrar uma outra forma de perceber, representar e apreender o mundo. Acreditamos também que “cada um dos ob-jetos do mundo é tudo aquilo que os outros vêem dele” (MERLEAU-PONTY, p. 105). Não só o que nós pensamos ser, mas o que os outros também percebem. O mundo, o lugar para o geógrafo, apresenta-se a cada um sob uma perspectiva, e cada uma dessas deve ser considerada na construção do conhecimento geográfico.

Os comandantes, após vários contatos nossos, compreenderam que o conhecimento deles era importante e que poderiam contribuir para a elaboração de um saber que fosse utilizado por outros que vivem além de sua comunidade. Isto se deu depois de termos, ao longo das conversas, demonstrado como seria importante registrar o que eles sabiam sobre a região para escolares, pesquisadores e professores.

Descemos e subimos o rio várias vezes, percorrendo, a cada dia, uma linha diferente. Vale lembrar que cada linha implica em um outro barco, cujo comandante não é o mesmo. Vivemos alguns dias com a rotina de quem navega no Amazonas, sobretudo no trecho Ma-

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naus – Careiro da Várzea. Participávamos com eles das conversas com os passageiros, com os moradores, ribeirinhos que vivem às margens do rio Solimões-Amazonas. Em cada ponto de parada, ouvíamos relatos sobre a vida no Careiro da Várzea. Fizemos nossos os vizinhos e parentes desses homens, que com seu trabalho levam um pedaço da história das pessoas e dos lugares por onde navegam.

A referência espacial inicial desses comandantes é a Escadaria dos Remédios, que é o porto de saída de Manaus. Este porto é o lugar de saída comum a todos os comandantes que foram envolvidos neste trabalho. O porto de chegada de cada um dos comandantes se diferencia, pois embora todos eles aportem no município do Careiro da Várzea, o último ponto de parada dessas pequenas embarcações está ligada ao lugar de moradia de cada um de seus comandantes. O porto final é sempre um banheiro2 mais próximo à casa do comandante, ou mesmo na frente da comunidade onde ele vive. As pessoas e mercadorias que eles levam e trazem vão ficando ao longo do caminho percorrido.

Em todos os instantes de seus relatos estava claro o conhecimento desses homens a respeito do lugar por eles navegados. Ao falar de cada paraná por onde passávamos, de cada ponto de parada – que é sempre a casa de um dos passageiros – os comandantes se mostravam familiarizados com todos do lugar e com o lugar.

Percebemos que os moradores, antes de serem passageiros da embarcação, eram ami-gos, compadres e parceiros de viagem. Os comandantes têm sua história de vida conhecida por todos os que viajam em seu barco, como conhecem as histórias de cada família que usa seus serviços.

A percepção de mundo, de lugar, se dá a partir do que eles experienciam. A descrição que eles fazem de seus percursos contém sua própria história. Os lagos, paranás, igarapés, são lembrados muitas vezes a partir de histórias vividas por eles. Lugares onde moram ou mora-ram, onde mora algum parente, lago onde pescam, praias onde passam suas horas de folga, sede das festas, igreja onde rezam, sede do município, escola dos filhos, enfim, cada percurso feito é escolhido não só a partir do fluxo de bagulhos3 e pessoas, mas porque já são lugares por eles conhecidos desde a infância. Vale ressaltar que muitos desses comandantes herdaram a linha de seus pais, avós ou tios. Eles aprenderam a levar o barco, ainda pequenos. Com idade em que as crianças se impressionam facilmente, absorveram informações sobre navegação e experienciaram o rio, os igarapés, os paranás, remando com sua canoa ou levando o barco.

Tuan (1984) fala em um de seus textos dos navegantes do mar em culturas onde a navegação é bem desenvolvida. Ele, como nós em relação aos comandantes dos rios, também percebeu este nível de aprendizagem nos navegantes do mar.

Percebemos, a partir daí, que todos os conhecimentos que os comandantes têm de orientação e localização foi adquirido ao longo da vida, o que reforça a proposição levantada por Merleau-Ponty de que o mundo é aquilo que vivo. Para nós ficou cada vez mais claro que o que queríamos saber se daria a partir de nossa inserção no mundo vivido por esses comandantes.2 BANHEIRO são as pequenas coberturas flutuantes de madeira, construído para ser utilizado pela comunidade local para

lavagem de roupa, banhos diários e para atracar os barcos, transformando-se em pequenos portos. Quando não ficam em frente da casa do comandante está em frente da comunidade onde este mora.

3 Expressão utilizada pelos comandantes para indicar as mercadorias e encomendas levadas nos barcos.

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Foi em meio a todo este movimento que os comandantes nos demonstraram o que é viver no Careiro da Várzea, informações que serão por nós utilizadas para argumentarmos que a linguagem técnico-científica parte do conhecimento percebido e vivido por todo homem que habita o lugar.

Careiro da Várzea: que lugar é este?

Começar a descrever qualquer lugar é tarefa árdua e nos enche de dúvidas, pois se não quisermos apenas pontuá-lo no mapa, precisamos ter cuidado para que nossas impressões não se sobreponham ao que este lugar realmente é. A descrição que faremos traz o cuidado em não cometer muitos equívocos.

Começaremos respondendo a perguntas feitas por alunos e amigos da academia, além de pessoas mais distantes desse ambiente que se impressionam ao ver na carta que organiza-mos a quantidade de água representada e a maioria de terra submersa: Só tem água? Como vivem as pessoas neste lugar? Mora gente aí?

Este município conforme indica seu atual nome, Careiro da Várzea, foi sendo cons-truído ao longo de um trecho de várzea do rio Solimões-Amazonas4. A denominação foi adquirida, segundo informação de antigos moradores, por ter tido há muito tempo um comércio que pertencia a Francisco Coco, morador daqui da Várzea, e que por vender tudo muito caro, a população estava sempre reclamando que “aqui é careiro”. Daí o nome. Há notícias, porém, que desde 1774 a região já era conhecida, chamada pelos seus primitivos habitantes de Uaquiri (STERNBERG, 1998).

O Careiro da Várzea tem sua sede de município a uma distância de Manaus, partindo do porto principal, e dependendo da potência do motor do barco, aproximadamente de uma hora. O que significa em termos de circulação pelo rio Amazonas ter percorrido uma distância cerca de 20 Km “rio abaixo”. Além do município de Manaus, que está ao Norte do Careiro da Várzea, este se limita ainda ao Sul com os municípios do Manaquiri e Autazes ao Leste com Itacoatiara, a Oeste com o Careiro e Iranduba5.

Ao falarmos de distância nos reportaremos sempre à questão tempo percorrido, pois ao perguntarmos aos comandantes das embarcações, ou a qualquer outro morador do interior do Amazonas a respeito da distância de um lugar a outro, ao longo do rio, dificilmente a resposta será em quilômetros. Segundo o comandante do Barco Maria de Nazaré, “é difícil calcular, nós não vamos em linha reta, tem dias que paramos muito, aí demora mais, outros dias

4 A área de várzea ocupada por este município fica entre 10 a 25 quilômetros e apresenta duas unidades geomorfológicas distintas: 1. planície de bancos e meandros atuais – corresponde a faixa de sedimentos arenosas que o rio deposita através de migração lateral, ao sul e ao norte do canal durante a fase atual. Ocorrem tanto no rio principal (Solimões-Amazonas) como nos inúmeros braços (paranás), que se formam ao longo do seu curso. Os bancos podem ter mais de 10 Km de comprimento e largura que varriam entre 100 e 200 metros; 2. Depósito de inundação, áreas planas e homogêneas, com lagos e tamanhos diversos e canais irregulares muito pequenos, freqüentemente colmatados. Sua origem estás ligada aos processos de colmatação que ocorrem durante as enchentes, com predomínio de sedimentação fina em ambiente tranqüilos, fora da influência direta de canal (HIRIONDO, 1982, p. 329, citado por Masulo, p. 7-8).

5 O Careiro da Várzea está precisamente localizado na latitude Sul 3º e 12’ e longitude 50º e 46’ a Oeste de Greenwich e numa altitude de 30 metros acima no nível do Mar.

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quando não tem muita gente ou bagulho, chegamos mais cedo” ou como acrescenta do motor “Comandante Braga”:

“Quando o rio está muito cheio, usamos como atalho os furos que aparecem, os paranás que enchem mais, aí chegamos mais cedo... nesta época (cheia) não tem muita gente viajando nem muito bagulho pra levar. Veja, aqui no Paraná do Cambixe, quando tá na cheia, que ele começa a dar passagem, se a gente for sem parar nele, da boca (entrada pelo rio principal) até lá embaixo, (o percurso que está sendo comentado é de descida do rio rumo à foz) até a outra saída tem mais ou menos 22 quilômetros, direto sem parar, levo mais ou menos uma hora e meia. Mas assim, parando, pegando coisas e pessoas, tendo que descarregar, carregar, receber os recados, uma parada pra conversas, saber as notícias, vai mais de três horas. Não adianta eu te falar quilômetros e nem a hora exata que vamos voltar”.

Quando o comandante fala que o Paraná do Cambixe “começa a dar passagem”, está querendo dizer que o paraná encheu e já pode entrar barco. Na vazante, este paraná seca, ficando apenas o canal, impossibilitando a entrada de barcos e canoas. Vale ressaltar que tam-bém Sternberg (1998), com base em medições cartográficas, chegou, como o comandante, à conclusão de que o Paraná do Cambixe tem cerca de mais ou menos 23 quilômetros.

Na relação intersubjetiva entre natureza do lugar (Careiro da Várzea), e o comandante com seu barco, o espaço geométrico perde o valor, é ignorado ou nem é levado em conta. A relação de vida, afetiva, solidária desses homens é que dá a dinâmica para o lugar, fazendo com que cada um seja único, seja diferente. Como nos demonstrou Dardel (1990) “o espaço geográfico é único. Ele tem nome próprio. O espaço geométrico é homogêneo” (DARDEL 1990, p. 2), faz com que todos os lugares pareçam iguais. O que percebemos, e que pretendemos aqui descrever, é que mesmo em um “pequeno lugar” como o Careiro da Várzea, encontramos diferentes formas de relação entre os homens de cada lugar e assim lugares diferentes.

Merleau-Ponty (1997) já nos chamava atenção para esta forma de encarar a questão da distância. Argumentava que “além da distância física, geométrica, que existe entre mim e todas as coisas, uma distância vivida me liga às coisas que contam e existem para mim, e as liga entre si” (MERLEAU- PONTY, p. 3). A esse respeito Dardel (1990) reforçou que

“a distância geográfica não provém de uma medida objetiva com ajuda de unidades de comprimento previamente deduzidas. Ao contrário, a preocupação de medir exatamente resulta dessa preocupação primordial do homem de colocar ao seu alcance as coisas que o cercam... A distância é experimentada, antes, não como quantidade, mas como qualidade expressa pelos termos perto ou longe... A distância real, a única que é geograficamente válida, depende, portanto, dos obstáculos a superar, do grau de naturalidade com o qual o homem pode colocar o lugar a seu alcance... Ao mesmo tempo em que procura tornar as coisas próximas, o homem necessita se dirigir, por sua vez, para se reconhecer no mundo circundante, para aí se encontrar e para manter reta sua caminhada e para abreviar as distâncias”. (DARDEL 1990, p. 13-14)

O Careiro da Várzea, no período das cheias tem cerca de 80% de sua área inundada, pois o município está todo distribuído às margens dos rios Solimões-Amazonas, localizando-

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se logo abaixo da confluência dos dois mais destacados representantes da rede hidrográfica do Estado, o Rio Negro, rio de águas pretas, e o Rio Solimões, rio de águas claras, barrentas, logo abaixo do encontro das águas, como se refere à população manauara, ou após o “rebojo”6 como indicam os comandantes e as populações ribeirinhas. Apesar de toda a convivência dessas pessoas com estes rios, há ainda em relação a eles certo receio do que pode existir por entre suas águas. O rio ainda é um mistério. Pudemos perceber isto sempre que algum morador do Careiro tentava nos falar sobre eles. Um dos comandantes, ao longo da viagem nos descreveu:

“o Solimões é um rio agitado, de muita correnteza, a correnteza aqui é mais forte que o Rio Negro. O Solimões parece ser calmo... mas não é, a correnteza dele tem muita força. No rio Negro é menos, tem menos rebojo no rio negro... o Solimões tem mais... Embaixo desse rio (Solimões) tem muito bicho que a gente não conhece. Os pescadores falam da “cobra grande”. A grossura dela é a de um tambor. Eu ainda não vi, só vi a jibóia, uma enorme, a surucucu também já vi, das grandes... Mas pelo tamanho desse rio... a “cobra grande” deve existir... O rio Solimões é mais farto que o Rio Negro, mas também tem mais praga, tem muita carapanã”. (Comandante do barco Renascer)

O Careiro da Várzea é banhado pelos rios de águas brancas, o rio Solimões-Amazonas, rios que são reconhecidamente os mais piscosos, informam-nos também a população local e constatam as pesquisas de engenheiros e biólogos. A alta produtividade da fauna aquática dos rios Solimões-Amazonas vem sendo aproveitada desde o século XVIII, fazendo com que a região do Careiro entrasse logo para a Geografia econômica colonial, pois os lusos buscaram nas águas brancas do Solimões alimentos para as povoações do Rio Negro, princi-palmente para o abastecimento da antiga capital do Amazonas, Barcelos, localizada há dois dias do Careiro e a 350 quilômetros de distância no Médio Rio Negro. A região do Careiro da Várzea foi indicada, por esta razão, como centro de pesca real. O atual “Lago dos Reis ou Lago Grande” como é conhecido este lago pelos comandantes e moradores, foi, de fato, um Pesqueiro Real do século XVIII. Atualmente o rio Solimões ainda é responsável pelo abastecimento da população local, assim como também da de Manaus.

Além de inúmeros lagos a região possui várias ilhas que se alongam no sentido da corrente dos rios Solimões-Amazonas dividindo-os, segundo Sternberg, (1998) “o grande rio em dois, três ou mais canais”. Observou Sternberg (1998) que o “alteamento das bordas dá as ilhas perfil característico, qual o de um prato, em cujo centro se acomodam lagos mais ou menos rasos, de perímetro rendilhado, que se retraem na vazante e se dilatam com a ascensão das águas” (STERNBERG, 1998, p. 47). O Careiro da Várzea abriga em seus 2.642 Km quadrados a maior ilha da região, a Ilha do Careiro, que tem uma extensão de 738 Km quadrados, sen-do habitada por boa parte da população careirense. A ilha é intermitentemente inundada, possuindo por trás de suas margens sessenta e dois lagos, todos piscosos.

6 Rebojo é, segundo os comandantes, um redemoinho causado pela força d’água. Onde tem rebojo, dizem eles, “é muito profundo e muito perigoso, se o barco é pequeno pode alagar”. Segundo Raymundo Moraes, estudioso da Amazônia e também comandante de embarcação, o rebojo é uma espécie de funil d’água que a corrente abre sobre cabeços de pedra, troncos de árvores fincados no alvéo, ou nos encontros de caudaes na confluência dos rios. In: O meu dicionário de cousas da Amazônia. 2º V.1931. Rio de Janeiro. Br. Alba. Officinas Graphicas.

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Essas grandes ilhas dão origem aos paranás7 e nas cheias são recortadas por vários “furos”8 que as atravessam. Os comandantes e moradores locais nos descreveram como pa-ranás os canais que são formados entre duas ilhas, localizadas no rio principal ou entre uma ilha e o continente, segundo um dos comandantes, “tu vem no rio principal (no nosso caso Solimões-Amazonas) vai descendo, aí tu vê duas ilhas no meio do rio, como a Ilha do Careiro e a da Terra Nova, quando tu passa entre as duas tá passando no Paraná” (Botinho, ajudante do comandante do Novo Nazaré). Ao verificarmos essas definições em bibliografias rigorosamente elaboradas, pudemos constatar que as informações fornecidas pelos comandantes, em nada se diferenciam daquelas, a não ser na linguagem, que obviamente é mais simples.

Os “furos”, segundo narraram os comandantes: “são canais de rio menores, só aparecem na cheia, atravessam as ilhas, entram nos continentes, ligam um paraná a outro, mesmo”. Assim nos alertou um comandante, “quando a cheia é muito grande os furo fica tão largo que parece paraná. Pra quem não é daqui, confunde...a gente já sabe onde vai surgir um furo na cheia” (Comandante do Barco Maria de Nazaré).

Nas margens dos paranás, se concentra a maior parte dos habitantes do município. Segundo o último censo do IBGE, a população do município é de 17.000 pessoas, sendo que apenas 700 vivem na sede do município, as outras estão organizadas em várias comunidades às margens dos rios Solimões-Amazonas e paranás.

As atividades econômicas dos moradores do Careiro da Várzea são: a pesca, a agri-cultura e a criação de animais de pequeno porte que se misturam em alguns paranás com a criação de gado leiteiro. A variedade dessas atividades está diretamente relacionada com as condições naturais deste lugar, tais como a subida e descida dos níveis da água, do intenso processo de erosão fluvial e deposição de sedimentos. Segundo Cruz (1999), na várzea do Careiro a dinâmica da natureza faz com que

“os ribeirinhos façam uso da terra, da água, e da floresta, por meio da prática agrícola, da criação de pequenos e grandes animais, da pesca, do extrativismo, da coleta, dentre outros, possibilitando tanto suprir as necessidades básicas fundamentais, como manter certa flexibilidades nas suas relações com o mercado”. (CRUZ, 1999, p. 124)

Na várzea do Careiro o elemento natural que mais interfere no modo de vida das pessoas é sem dúvida a água, o rio. Como nos chamou atenção Sternberg (1999),

“a proposição que sustentamos é a de que a água constitui o elemento da paisagem, através do qual mais agudamente se sentem as vinculações do homem com o meio... no Careiro e em regiões semelhantes, o significado da água para a comunidade toma maior relevo e assume aspectos muito especiais”. (STERNBERG, 1998, p. 56)

7 Paraná – Do tupi “semelhante ao mar”. Na Amazônia significa “braço de rio” caudaloso separado deste por uma ilha.(BUARQUE, Aurélio,) Em outra definição, braço de rio com saída pela montante e pelo jusante no mesmo rio, constituído em geral por uma ilha encostada a uma das margens continentais da bacia. Também há paranás rasgados entre ilhas. Quando de menores proporções, é chamado Paraná-mirim. In: Moraes, Raimundo, O meu dicionário de cousas da Amazônia. V. 2, Rio de Janeiro, Alba-Officinas Graphicas, 1930.

8 Furo – braço de rio que liga dois caudais, as vezes um lago a outro lago; muitas vezes um furo a outro furo, ou um afluente, pelo montante da foz, ao curso em que deságua. Labirinto de canaes verdejantes de floresta nas margens, que se comunicam, se ramificam, se anastomosam, se cruzam, se repartem numa orgia de ramos e galhos fluviais. Certos furos no Amazonas imprimem a ilusão, principalmente nas cheias, de que alguns afluentes têm duas, três, quatro e cinco bocas, daí os erros de muitos especialistas que afirmam ter este ou aquele rio muitos desaguadouros. MORAES, Raymundo, v. 1, 1931.

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É perceptível a riqueza natural dessas águas que alimentam diariamente, centenas de pessoas e enriquecem anualmente e naturalmente os solos de toda a região. A respeito deste fenômeno, Meggers (1997) demonstrou, em análise feita desses solos, que “um hectare de várzea recebe anualmente cerca de nove toneladas de depósito contendo ampla quantidade de nitrato de sódio, carbonato de cálcio, sulfato de magnésio, superfosfato, clorato de potássio e outros nutrientes importantes” (MEGGERS, 1997 p. 127).

A cada vez que as águas chegam, trazem com elas um adubo natural que fertiliza as várzeas, transformando-as em região extremamente produtiva ou ainda deixando sedimentos acumulados que formam ilhas que na maioria das vezes, tempos depois, são aproveitadas para o cultivo. Apesar desta paisagem ser predominante no Careiro da Várzea, há lugares que estão sempre submersos, onde as águas tranqüilas que são importantes para o plantio de juta e malva, não transportam em quantidade suficiente os sedimentos ricos em matéria orgânica, durante as enchentes anuais.

A variação sazonal do nível das águas aguça a percepção humana que, atenta para as mudanças de paisagens, a cada ano se prepara para a chegada das cheias, convivendo com ela, precavendo-se de seus riscos e aproveitando-se de seus benefícios. A subida das águas significa, muitas vezes, “tristeza”, pois é comum a queda de barrancos, ocasionada pela erosão fluvial conhecida como fenômeno das terras caídas. Quando isto ocorre o rio leva terra, casas, pastos, plantações, histórias, lembranças.

Em um dos relatos, um morador nos descreveu: “Eu tinha mais terra que isto, o rio arrancou, a minha primeira casa foi junto... levou tudo”.

Percebemos que existem lugares onde a perda das propriedades foi total, o que também foi observado por Cruz (1999) que verificou que “é comum encontrar moradores com escritura do terreno na mão, mas sem nenhuma terra, a qual foi perdida pela força da água” (CRUZ, 1999, p. 125). Porém o que conforta os habitantes é que assim como se perde terra, se ganha também, pois muitas ilhas, onde hoje vivem algumas comunidades, foram surgindo a partir da deposição de sedimentos trazidos pelas águas.

Perdem-se terras em alguns lugares e se ganha em outros, colocou-nos um morador. Aprende-se com a natureza a criar alternativas para com ela conviver. Assim, ao longo dos paranás no Careiro da Várzea, os moradores substituíram suas casas perdidas pelas águas por casas flutuantes, construídas sobre bóias (troncos de madeiras) e jangadas amarradas à beira dos rios, moradias que enfrentam essa “imposição” da natureza.

Nessa época do ano, quando o rio está cheio, planta-se pouco, o gado está magro, as pessoas circulam menos, pois estão envolvidas com a construção de novos assoalhos9, procuran-do alimento para os gados que são colocados nas marombas10 ou são transferidos para a terra firme, sendo levados muitas vezes para pastos de compadres ou dos próprios criadores. Hoje esta técnica de construção de marombas vem desaparecendo. Além disso tudo, os habitantes se ocupam ainda com a construção de jiraus11 onde cultivam suas pequenas hortas. Garan-

9 ASSOALHO, é o piso da casa, que a medida que as águas ameaçam entrar nela e cobri-lo, os ribeirinhos constroem sobre este um outro mais alto, transferindo suas “coisas” mais pra cima, ficando assim um piso sobre o outro.

10 MAROMBA, construção de madeira coberta de palha feita no quintal das casa para abrigar o gado na época da cheia. Esta foi a saída encontrada pelos ribeirinhos que criam um número pequeno de cabeças de gado. Pois os que possuem um número maior normalmente possuem terras em terra firme e na cheia transportam esse gado em barcos para lá.

11 JIRAUS canteiros de madeira construído na época das cheias para o cultivo de diversas culturas agrícolas: coentro, cebolinha, chicória etc. (CRUZ, p. 105).

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tem além da alimentação da família, uma pequena sobra para a comercialização. A atividade de busca de alimento para o gado é sempre fora do terreno dos criadores e na maioria dos casos exige viagens longas. Os moradores partem para este trabalho por volta das quatro e cinco horas da manhã, e voltam as oito e até às dez horas, quando alimentam o gado. Cruz acrescentou em suas análises que as famílias que não dispõem de membros suficientes para este serviço, contratam capineiros para a execução da tarefa. Os capineiros geralmente são vizinhos que não possuem criação ou que têm poucas cabeças de gado. Em suas pequenas canoas, tanto a remo ou em barco que levam o reboque, trazem a forragem, as canaranas (espécie de capim aquático) para o alimento do rebanho. Atividade diária quando os rios atingem sua cota máxima. Para os comandantes é época de apenas garantir o “dinheiro do óleo”, “a linha tem que ser mantida”.

Essa convivência com as águas dos rios Solimões-Amazonas, percebendo e procuran-do compreender sua dinâmica, levou os moradores do Careiro a desenvolverem técnicas de trabalho que os beneficiassem, sem mexer com o movimento natural do regime dos rios, facilitando, sobretudo, o seu trabalho na lavoura. Foi assim que além dessas técnicas que já descrevemos - construção de marombas, jiraus, casas flutuantes - os ribeirinhos, obser-vando o processo de deposição e formação de novas terras, desenvolveram uma forma de deposição para tornar as áreas de chavascais (áreas mais baixas, permanentemente alagadas) mais secas. As áreas normalmente se localizam nos fundos dos terrenos. O objetivo é tornar os chavascais propícios para o cultivo da lavoura ou pastos e até mesmo para a construção de novas casas. Tal técnica constitui-se em aberturas de “vales” (rompimento de dique) ou “brechas” ou ainda de “valas”, como é dito pelos moradores. As valas direcionam as águas para as áreas baixas, acelerando o processo natural de deposição de sedimentos, criando novas áreas, aumentando suas propriedades, criando nova paisagem. Ao receber este “aterro” constantemente, “os chavascais tendem a secar, ocasionando o seu desaparecimento e o aparecimento de novas formações vegetais, evoluindo para a formação vegetal de topografia mais elevada” (CRUZ, 1999, p. 121-122). Mais tarde é aproveitada pelos moradores locais. Stenrberg (1998) denominou essas “valas” de “brechas de extravasão” que dariam origem a verdadeiras áreas de campo. A idéia consiste em “guiar” as águas ricas em sedimentos para as áreas mais molhadas, transformando-as em terras aproveitáveis. (STENRBERG, 1998, p. 98).

É interessante observar que a interferência dos homens na natureza, embora acelere a dinâmica de deposição de sedimentos feita pelos rios, não “atropela” o tempo natural de transformação desta paisagem, que mesmo sendo produzida pelo trabalho humano é resul-tado de diversas cheias e fica ainda dependente da quantidade de material que vem a cada ano pelas águas. Isto não incomoda os habitantes, que vão “tocando a vida”, sabendo que, o seu trabalho, aos poucos vai aparecer.

A paisagem acima descrita é a que se impõe quando a várzea do Careiro está coberta pelas águas. Quando as águas baixam, ao circularmos pelo Careiro, parece aos nossos olhos de visitantes que um outro lugar se mostra. É momento de alegria ver o que as águas trou-xeram, fazer um “reconhecimento” do lugar, limpar o quintal, tirar as pontes improvisadas construídas para facilitar a chegada até a casa, à escola. É momento da volta do gado, “das

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crias”, de descer a horta, das festas, de tomar banho na beira. É tempo de “peixe bom”, que enche os lagos e que aos poucos vai reaparecendo. É tempo de pescar, plantar e colher, de abastecer a cidade. De extrair madeira para levantar o que a “água derrubou” ou levou (casa, galinheiro, chiqueiro). Quando o rio desce, aos poucos se esquece o “estrago”, não se olha para trás, as histórias do que aconteceu naquela cheia servem para que eles se preparem melhor para a próxima ou, se tranqüilizem, pois, segundo perceberam alguns moradores, “ano de grande cheia é aviso de que a próxima vai ser menor, ano de cheia pequena pode se preparar que uma grande vem depois”, esses são relatos de alguns comandantes, pescadores e agricultores ribeirinhos que nos foram dados ao longo de nossas viagens rio abaixo. Verificando essas informações com a Capitania dos Portos de Manaus detectamos a veracidade do que foi dito adquirida através de uma apurada observação feita pelos moradores daqui.

Nesse momento toda a família se envolve com os trabalhos. Cada um tem uma tarefa além de saírem juntos para o roçado e muitas vezes organizam mutirões juntando várias famílias para limpar e plantar a roça dos vizinhos. Os trabalhos de Stenberg (1950-1998), Cruz (1998) e Fraxe (2000) nos dão uma boa descrição. Demonstrando que a forma de organização produtiva dos ribeirinhos é comparada à da maioria dos camponeses espalhados pelos vários campos brasileiros com a diferença de que além dos ribeirinhos trabalharem a terra, trabalha também a água e a floresta.

Quanto à atividade de pesca, percebemos que, na vazante, os pescadores passam mais tempo nos lagos. Ao voltarem negociam com os comandantes dos barcos de linha: a compra de gelo, isopor, transporte do peixe e até a responsabilidade de venda desse peixe fica a cargo do compadre do motor (barco). O Careiro da Várzea, quando as águas baixam, exige dos seus habitantes um tratamento diferente daqueles dados nas cheias. Seus habitantes, percebendo o fato, buscam novas formas de se inter-relacionarem com os novos ambientes. Por fim, “as paisagens” do Careiro

“são, com efeito, uma configuração nova, resultante do entrelaçamento de elementos de ordem cultural com o arcabouço físico-geográfico original. Cada combinação leva marca da concepção das tradições, dos conhecimentos, de que é portadora a comunidade humana que nela atua”. (STERNBERG, 1998, p. 125)

Mais uma vez é necessário destacar os comandantes e seus “barcos de linhas”. Eles também ribeirinhos, habitantes do Careiro, que além de exercerem as atividades de pesca, criação ou agricultura são os responsáveis pelo transporte e abastecimento do lugar. São eles que trazem de Manaus as diversas mercadorias para os pequenos comerciantes. Dividem seu tempo de pescador, criador ou agricultor com a de fazer circular estes produtos. Os co-mandantes das embarcações são os responsáveis, como já colocamos acima, pela venda dos peixes dos pescadores, que muitas vezes, por estarem envolvidos com a plantação e colheita de alguns produtos, não podem ir até o mercado municipal de Manaus, negociar a venda (a maior quantidade de peixe sai do Paraná do Curari, Paraná da Terra Nova, Costa do Marimba, Lago dos Reis). Desta forma o que vemos é que os comandantes participam ativamente das atividades da pesca. Além de pescarem, eles ajudam os seus compadres pescadores a trans-portarem para seu barco as caixas de isopor “abarrotadas” de peixes, caixas que são levadas

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para a “beira do mercado”12 e ali mesmo, dentro do barco que as transportou, aguardam os feirantes do mercado municipal e das feiras dos bairros de Manaus para negociar a venda. Com exceção das sextas – feiras, todo trabalho é feito na madrugada, pois os comandantes das linhas do Careiro da Várzea partem de suas casas, quando o sol ainda não se levantou.

Além desses produtos e independente das linhas, todos os barcos levam frutas, verduras, folhas de plantas “medicinais”. Levam passageiros, vizinhos seus que vão à cidade consultar médico, comércio, visitas. Levam dinheiro, remédio, roupas, as cartas, as lembranças e o abraço dos que ficaram.

Os comandantes responsáveis por estas linhas, que circulam em toda a área do Careiro, nada se parecem com os proprietários das embarcações de grande porte e que navegam longas distâncias. Eles são comandantes de pequenas embarcações (em média de 18 a 20 metros, com motor que variam de 60 a 320 Hp), conhecidos como os barcos de linha, motores ou recreios. Como observou Nogueira (1999), este “segmento de pequena distância nunca so-freu nenhuma regulamentação do poder público no que concerne à concessão de linha, tarifas, ou mesmo à construção de um porto público para embarque, desembarque” (NOGUEIRA 1999, p. 111). Daí esses comandantes, como vimos, elegerem como seus pequenos portos os banheiros em frente às suas casas como ponto final de suas linhas. Esta prática cria ne-cessidades de linhas que se estendam para além de suas casas ou que fiquem antes, deixando para outros comandantes esta responsabilidade.

Os comandantes das linhas de pequenas distâncias surgiram, como bem destacou Nogueira (1999) e como pude observar, “da necessidade de locomoção dos habitantes dos lagos, paranás e igarapés e de sua pequena produção agrícola, extrativa ou de pesca” (NOGUEIRA, 1999, p. 109). O valor que esses comandantes cobram pelo transporte é relativamente baixo (cerca de cinco reais). O valor se refere apenas ao cobrado do passageiro. A mercadoria (os “bagulhos”) fica isenta de cobrança. Percebemos que não existe ainda nessa relação a idéia de enriquecimento com esta atividade, não se vê aí uma relação capitalista de venda e compra dos serviços desses comandantes. Eles querem receber o suficiente para repor o desgaste do barco, além de ficarem com uma pequena “sobra” para complementar a renda da família. A idéia de não enriquecimento fica demonstrada na convivência entre os comandantes, não há entre eles grandes concorrências. Quando um dos barcos vai para “carreira”13, ou melhor, para a manutenção, o comandante freta outro, normalmente os chamados barcos de “recreio”, que funcionam principalmente nos finais de semana para viagens de passeio, e dividem com o proprietário desta embarcação, o que “der” entre eles.

A preocupação é não deixar a linha descoberta, porque todos os dias, mesmo sendo pouco, sempre têm passageiros ou “bagulho” a ser transportado. Diariamente é preciso levar a pequena produção do Careiro para Manaus e trazer de lá outras mercadorias, (bolacha, biscoitos, refrigerantes, caixa de óleo, farinha, feijão, arroz, brinquedos, material para a escola etc.) que são solicitadas pelos donos dos comércios flutuantes, assim como daqueles que se

12 A “beira do mercado” para os habitantes de Manaus e dos municípios próximos a ela, no caso dos daqui do Careiro da Várzea, refere-se ao porto situado em frente ao Mercado Municipal de Manaus, que tem sua localização nas margens do Rio Negro. Ou na “beira do rio”.

13 CARREIRA, rampa de madeira ou de alvenaria, onde se constroem ou montam navios ou embarcações miúdas, ou para onde se içam pequenos navios ou embarcações miúdas pra reparos, limpeza de casco etc. (Aurélio Buarque de Holanda).

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encontram às margens do Rio Solimões-Amazonas e que abastecem os habitantes dos paranás, lagos e até da própria vila, a sede do município.

Enfim, percebemos é que o compromisso dos comandantes é, sobretudo com os vizinhos, seu compadre. “Não se pode deixar o pessoal na mão”, disse um comandante que estava com seu barco para “carreira” para algumas arrumações. Esses homens, sendo também habitantes do Careiro, vivem os “problemas” de seus compadres. Experienciam a mesma dinâmica do modo de vida da Várzea do Careiro. Este saber foi que nos deu suporte para descrever o Careiro da Várzea e representá-lo, pois além das informações descritas sobre este lugar, os comandantes as representaram. Os comandantes falaram de suas linhas não apenas do ponto de vista de sua distância e delimitação, mas do que tem nela, de seus passageiros como seus compadres; nos lagos, como lugar de trabalho, de alimento, de mistério e de perigo; nos paranás, como lugar de circulação, lugar mais tranqüilo para a navegação; nos furos, seus atalhos, que os facilitam na chegada quando os rios estão cheios. Aflorou-se em seus relatos a “geograficidade” estabelecida entre eles e o lugar de sua existência.

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Recebido para publicação em abril de 2006Aprovado para publicação em junho de 2006

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Estratégias e medidas de proteção contra desastres naturais na zona

costeira da região Amazônica, Brasil

Estratégias y medidas de protección contra desastres naturales en la zona

costera de la región Amazónica, Brasil

Protection strategies and measures against natural disasters in the coastal zone of the Amazonian

area, Brazil

Claudio SzlafszteinCentro de Geociências, Universidade Federal do Pará,

Campus Universitário do Guamá, 66075-110,Belém-PA, Brasil

[email protected]

Horst SterrInstitute of Geography, University Kiel,

Ludewig-Meyn-Straße 14, 24098Kiel, Alemanha

Rubén LaraZentrum für Marine Tropenökologie,

University Bremen, Fahrenheitstr. 6, 28359Bremen, Alemanha

Resumo: Estudos realizados na zona costeira do Estado do Pará, região amazônica do Brasil, têm registrado nos últimos 25 anos, numerosas evidencias dos impactos dos processos naturais de erosão e inundação. Na área de estudo, em conseqüência foram implantadas diversas estratégias e medidas de adaptação, principalmente obras de proteção. O objetivo deste trabalho é analisar o grado de sucesso deste tipo de medida, considerando sua possível utilização dentro do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro. Para isto é apresentado um inventario de 46 tipos diferentes de obras de proteção rígidas existentes na região, se estima seus custos e se descreve seu estado de conservação. Conclui-se, entre outras coisas que a erosão e inundação continuam impactando negativamente devido à inadequada planificação das estruturas, a falta de conhecimentos sobre as peculiaridades da região, os limitados recursos financeiros públicos e privados, assim como a pobre manutenção das obras. Considerando o reduzido sucesso deste tipo de obras, se discute seu uso futuro e a possibilidade de implementação de respostas adaptativas alternativas como o retrocesso e a acomodação da população.

Resumen: Estudios realizados en la zona costera del estado de Pará, región amazónica del Brasil, se han registrado en los últimos 25 años numerosas evidencias de los impactos de los procesos naturales de erosión e inundación. En consecuencia en el área de estudio, fueron implantadas diversas estrategias y medidas de adaptación, principalmente obras de protección. El objetivo de este trabajo es analizar el grado de éxito de este tipo de medida, considerando su posible uso dentro del plano estadual de manejo costero. Para esto es presentado un inventario de 46 tipos diferentes de obras de protección rígidas existentes en la región, se estima sus costos y se describe su estado de conservación. Se concluye, entre otras cosas que la erosión e inundaciones continúan impactando negativamente debido a la inadecuada planificación de las estructuras, la falta de conocimientos sobre las peculiaridades de la región, los limitados recursos financieros públicos y privados, así como la pobre manutención de las obras. Considerando el reducido éxito de este tipo de obras, se discute su uso futuro y la posibilidad de implementación de respuestas adaptativas alternativas como el retroceso y la acomodación de la población.

Abstract: Studies carried out in the coastal zone of the State of Pará (Brazil) have recorded, in the last 25 years, extensive evidence of the impact of natural flooding and erosion. Diverse strategies and measures for adaptation, mainly “protection” works, have been implemented. In this work an inventory of 46 protection engineering works existing in the study area is presented, describing the type, physical characteristics, origin of the monetary funding and current state. Erosion and floods continue to have negative impact due to inadequate planning of the structures, often constructed without sufficient scientific background information and limited public and private monetary funds. Insufficient structural maintenance is also an important issue. Despite the reduced success of these protection works, the reasons to assume their future use in the region and other alternatives of adaptation still incipiently implemented is discussed.Keywords: Gerenciamento costeiro; Ameaças naturais; Adaptação; Medidas de proteção; Região amazônica.

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 109-125 Jan-Jun/2006

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SZLAFSZTEIN, C.; STERR, H.; LARA, R. Estratégias e medidas de proteção contra desastres naturais na zona costeira...

Introdução

A adaptação, no contexto de gerenciamento de zonas costeiras, é definida como um tipo de resposta humana diante da ação dos processos costeiros e marinhos. Esta resposta tem o propósito de diminuir as conseqüências negativas ou ampliar os benefícios da ação destes processos (HANDMER et al., 1999), incluindo um amplo conjunto de políticas, estratégias, medidas e ajustes de comportamento (voluntários ou não), implementados por parte da população e instituições (LEARLY, 1999).

Este conjunto de respostas é habitualmente estabelecido num contexto de incertezas (ADGER e VINCENT, 2005), produto do insuficiente conhecimento das condições locais e regionais, particularmente relacionadas com os processos costeiros e marinhos e os estilos de vida da região (BURTON, 1996). Não obstante este problema, é da natureza humana adaptar-se e em conseqüência, já existem muitas políticas e praticas neste sentido. A sele-ção das respostas adaptativas depende de fatores (i) naturais (ex. Morfologia e ecologia da zona costeira), (ii) sociais (ex. Nível de educação e de informação), (iii) econômicos (ex. infra-estrutura, riqueza), e (iv) políticos (ex. acesso aos recursos, capacidade institucional) (CHARLIER e DE MEYER, 1997). Esta escolha também depende da avaliação “custo-beneficio”, e das experiências da adoção de respostas em circunstâncias similares (BOYLES Jr., 1993).

Considerando a classificação de medidas de adaptação diante a ocorrência de peri-gos naturais do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC, 1990), identifica-se e agrupa-se, na costa amazônica do Brasil, um conjunto de estratégias e medidas implementadas para responder aos processos de erosão e inundação costeira. Num extremo, descrevem-se as estratégias de “retrocesso” – autônomo ou planejado - das populações e infra-estruturas. Por outro lado, as medidas de “proteção” total ou parcial das propriedades, terras e infra-estruturas existentes na zona costeira. Entre os dois ex-tremos, existem as estratégias e medidas denominadas de “acomodação”, como mudanças na legislação de uso do solo e dos códigos de edificação, aprimoramento dos sistemas de resgate emergencial e de seguros, etc. Muitas destas medidas de resposta (retrocesso, acomodação e proteção) são ser adotadas simultaneamente ou progressivamente, no en-tanto, na zona costeira amazônica do Brasil, a “proteção” é a estratégia/medida empregada mais importante.

Neste sentido, o presente trabalho descreve e avalia as estratégias e medidas de adap-tação que “protegem” a costa diante a ação dos processos naturais de erosão e inundação, atualmente utilizadas na zona costeira amazônica, em particular no Estado do Pará. Para isto, os principais questionamentos são: (i) Que tipo de estratégia e medida de proteção tem sido adotada pelas populações locais e autoridades para enfrentar as ameaças naturais na zona costeira? (ii) Considerando os objetivos iniciais destas estratégias e medidas - cessação ou diminuição dos impactos dos processos de erosão e inundação costeira - quais têm sido o grau e motivo do sucesso ou fracasso destas? Os resultados de esta investigação poderão prover aos tomadores de decisão de subsídios para o Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro (Lei Estadual 5.887/95), em elaboração.

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A área de Estudo

A zona costeira amazônica do Brasil inclui os Estados de Amapá e Pará. No Pará, os 82.596 km2 (6,5% do total do Estado) têm sido divididos pelo Plano Nacional de Gerencia-mento Costeiro (MMA, 1999) em 3 setores: (i) Atlântico ou NE (ii) Continental-Estuarino, e (iii) Insular-Estuarino (Figura 1). A área de estudo deste trabalho, o setor “Atlântico ou NE”, é integrado por 22 municípios espalhados em 16.215 km2 – 19,5% de toda a zona costeira do Estado do Pará.

Geologicamente, a região é conformada por sedimentos do Cenozóico tardio, que definem 3 unidades litoestratigráficas: (i) Formação Pirabas (Oligoceno tardio – Mioceno inferior), Formação Barreiras (Mioceno inferior a médio), e os sedimentos Pós-Barreiras (Ros-seti, 2001). Geomorfologicamente, a área de estudo é definida como uma costa estuarina de caráter irregular, que penetra cerca de 50 km dentro do continente e apresenta estuários com uma largura máxima próxima aos 20 km. Esta costa estuarina é caracterizada por uma extensa área de sedimentos lamosos cobertos por manguezais, depositados na frente do ele-vado território continental do Terciário (SZLAFSZTEIN et al., 1999).

O clima da região é descrito como tropical, cálido e úmido (temperatura media anual de 26.1ºC), com um período seco (menor volume de chuvas) ocorrendo entre os meses de Junho e Novembro. A precipitação media anual registrada é maior a 2.100 mm (MARTO-RANO et al., 1993). As marés, principal elemento hidrodinamico da região, são de natureza semidiurna. Com uma amplitude máxima de 5,5 m, na localidade de Salinopolis, considera-se a região como regime de macro-mare (DHN, 1994).

No entanto esta área é caracterizada por um desenvolvimento industrial mínimo e uma moderada utilização para fins agrícolas e pecuários, a mesma apresenta os maiores índices de desenvolvimento socioeconômico da zona costeira amazônica, depois da Região Metropolitana de Belém. Pesquisas socioeconômicas apresentam que uma grande proporção da população obtém seus recursos do ecossistema de manguezais (captura de caranguejos e pesca) e do turismo. Como uma forma de incentivo à política de desenvolvimento da região costeira e procurando facilitar o acesso aos seus recursos por parte à população, o governo tem construído estradas que conectam os territórios interiores e as praias (SZLAFSZTEIN, 2003).

Os impactos dos desastres naturais na zona costeira amazônica.

Os portos e pequenas vilas costeiras foram, por longo tempo, estabelecidos em locais protegidos e/ou estuários, abrigados da intensa dinâmica costeira. Mas o crescimento popu-lacional, as mudanças de hábitos e costumes, e a crescente desconsideração dos processos e forcas atuantes na zona costeira, permitiram a construção de infra-estrutura e o estabeleci-mento da população muito perto da linha de costa e dos problemas derivados desta atitude. As casas e construções precárias dos antigos pescadores, facilmente adaptáveis aos eventos perigosos, transformaram-se em melhores casas e infra-estrutura (estradas, espigões, serviços

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elétricos, etc.) próxima das linhas de costa marinha e estuarinas. Principalmente, o desejo por uma vista sem obstáculos do mar e um acesso conveniente à praia tem motivado este tipo de construção, reduzindo simultaneamente, a percepção das ameaças naturais.

Figura 1: (A) Mapa da costa amazonica do Brasil mostrando a localização da area de estudo, (B) O “Setor Atlantico ou NE”, definido pelo Plano Nacional de Grenciamento Costeiro do Brasil.

Na zona costeira amazônica podem ser descritas numerosas evidencias de sistemas afetados por ameaças naturais (erosão e inundações), com perdas de terras, alteração de características ecológicas e danificação severa de propriedades e infra-estruturas.

Numerosas praias do Município de Bragança são afetadas por processos erosivos. Na Vila dos Pescadores, eventos sucessivos de erosão têm permitido registrar somente nos últimos 5 anos, o retrocesso de aproximadamente 500 m da linha de costa e o conseqüente impacto no estilo de vida dos habitantes locais (SOUZA FILHO, 2001). ALVES (2001) tem des-crito problemas similares no setor NW da praia de Ajuruteua (50 m de retrocesso num ano de observações), resultado da localização da área estudada próxima das margens do canal de maré, o ângulo de incidência das ondas, e as enormes magnitudes das marés (de 4 a 6,5 m). Na região das praias do Farol e Buçucanga, a erosão da linha de costa tem induzido o desenvolvimento de falésias de praia (10 m de altura máxima), esculpidas nas dunas costeiras longitudinais (KRAUSE, 2002).

No Município de Marapanim, SILVA (1995) e SANTOS (1996) têm estimado uma taxa de erosão de 15 m/ano na região de Marudá e um retrocesso de 200 m nas falésias da ilha de Algodoal. Na praia de Crispim, um evento extremo de tempestade (22 de fevereiro de 2001) impactou fortemente a população local, suas residências e atividades econômicas,

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motivando a homologação, por parte do Estado do Pará, de um Decreto de Situação de Emergência no Município – 4524/01 (IOEPA, 2005).

Em particular, numerosos autores (FRANZINELLI, 1982; MENDES, 1998) têm intensamente descrito evidencias da ação dos processos erosivos em diferentes setores do Município de Salinópolis como as praias de Atalaia e Maçarico. MUEHE e NEVES (1995) indicam a estas regiões, principal centro de turismo e ferias da costa amazônica do Brasil, como as de maior susceptibilidade socioeconômica diante do potencial aumento do nível do mar.

Assentamentos humanos em áreas susceptíveis a perigos naturais também podem ser encontrados em diversos setores dos municípios de São João de Pirabas, Vigia, e Maracanã (SZLAFSZTEIN, 2003).

Não existem ate o presente momento, estudos que permitam determinar os impactos econômicos diretos (custo dos danos e atividades de recuperação) nem indiretos (saúde, economia, etc.) dos desastres naturais na zona costeira amazônica. No entanto, isto não é um obstáculo para reconhecer a esta problemática como um dos pontos mais importantes na discusao dos planos de gerenciamento costeiro da região Amazônica.

Esses impactos diferem consideravelmente no espaço e no tempo. Espacialmente, não somente devem ser consideradas a magnitude e a freqüência dos fenômenos naturais, e as características naturais da zona costeira (geologia, geomorfologia, cobertura vegetal), se não também a vulnerabilidade1 das populações e infra-estruturas existentes. Por outro lado, a comunidade cientifica acredita na possibilidade de um incremento no numero de desastres naturais no futuro, considerando as próprias mudanças dos fenômenos naturais (conseqüência dos câmbios climáticos e o aumento do nível do mar) e os efeitos do desenvolvimento não planejado (STERR, 2000).

Metodologia

A análise da temática referente às estratégias e medidas de adaptação diante as ameaças naturais na zona costeira Amazônica do Brasil envolve as seguintes etapas: (i) A elaboração de um detalhado inventario, (ii) Uma descrição das suas características, e (iii) uma avaliação do sucesso ou fracasso na sua implementação. Esta informação é extraída de diversas fontes de referencias bibliográficas, dados estatísticos originados nos múltiplos níveis de governo, e informações coletados em trabalhos de campo e entrevistas com relevantes expertos, au-toridades e população local.

Adaptando metodologias já empregadas em outros trabalhos em zonas costeiras do Brasil (ESTEVES et al., 1999), foram visitadas áreas urbanas de diferentes localidades costei-ras da area de estudo (aproximadamente 60). As estruturas de proteção foram identificadas, documentadas fotograficamente e classificadas considerando diversos parâmetros (ex. tipo e morfologia da zona costeira protegida, origem dos recursos financeiros, infra-estrutura e pro-priedades existentes, tipo de obra de proteção e material utilizado, estado de conservação).

1 As condições, determinadas por fatores e processos físicos, sociais, econômicos e ambientais, que aumentam a susceptibilidade de uma comunidade ao impacto de uma ou varias ameaças (UN/ISDR, 2005).

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Resultados e discussão

Inventario das estruturas de proteção

Repetidos eventos de tormenta têm produzido danos e perdas, parciais e totais, de casas, terras, e estradas próximas à linha de costa, estimulando aos residentes e autoridades a procurar cuidadosamente médios que possam responder aos impactos das forcas do mar. Estas obras para proteger a linha de costa são agrupadas em 2 categorias gerais: (i) Não estruturais ou de estabilização flexível, e (ii) Estruturais ou de estabilização rígida. A continuação descre-ve-se brevemente as características das principais medidas (CLARK, 1995; MARCOMINI e LOPEZ, 1993; MURCK et al., 1996):

a) Obras não estruturais ou de estabilização flexível: refere-se ao processo de “alimentação de praias”, que consiste na deposição de areia, dragada na área de offshore, em praias afetadas pela erosão. Amplamente utilizada, esta medida prove uma extensa zona de amortecimento que remove o perigo imediato às estruturas localizadas muito perto da linha de costa. No entanto, no momento de sua implementação deve ser considerados seu alto custo econômico, sua pequena durabilidade temporal, e os grandes distúrbios nos ecossistemas costeiros.

b) Obras estruturais ou de estabilização rígida: refere-se aos métodos que procuram deter o retrocesso da linha de costa e proteger as propriedades e infra-estruturas existentes. Existem dois tipos principais: (i) Estruturas paralelas à linha de costa, que interrompem a forca das ondas (ex. muros de proteção e revestimentos rochosos) e (ii) Estruturas perpendiculares à linha de costa, que interrompem o fluxo da areia ao longo da costa (ex. espigões).

- Muros de Proteção: Construídos com madeira, aço, rocha ou concreto, eles são geralmente utilizados para atenuar a energia das ondas, assim como para fixar e colocar uma “armadura” à linha de costa. Os muros têm 3 formas básicas: (1) Vertical – pobre resistência ao ataque das ondas, considerado muito instável; (2) Côncavo – utilizado quando as ondas apresentam grande energia, e (3) Inclinado – dissipam a energia e facilitam o acesso à praia, mas podem ser facilmente superadas pela ação das ondas. Apesar das intenções originais, a grande maioria destas estruturas pode realmente acelerar a perda de areias de praia, moldando uma área mais íngreme e estreita ate a destruição final.

- Revestimentos Rochosos: consiste em fragmentos de rochas e/ou concreto engrenados conforme o contorno da linha de costa, que permitem que uma grande proporção da forca das águas seja absorvida nos espaços existentes entre os fragmentosde. Relativamente de baixo custo econômicos, causam menos danos que outras medidas estruturais.

- Espigões: estruturas semipermeáveis ou impermeáveis fabricados em rocha, madeira, ou aço, que bloqueiam o fluxo de areia paralelo à linha de costa, capturando e retendo os sedimentos na praia. Apesar de que são utilizados para reconstruir

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áreas de praia erodidas, eles podem capturar sedimentos num lado das estruturas e intensificar a erosão noutro.

Em particular, a tabela 1 apresenta 34 diferentes exemplos de obras estruturais ou de proteção rígida utilizadas em todos os diversos ambientes costeiros da região amazônica (estuarino, fluvial e marino). Não obstante podem ser encontradas áreas protegidas natu-ralmente por rochas lateriticas da Formação Barreiras (ex. Salinas, Atalaia no Município de Salinopolis), na maioria dos casos a linha de costa precisa da proteção de estruturas cons-truídas com financiamento público e/ou privado. Os recursos públicos são utilizados prin-cipalmente nas regiões estuarinas e têm como objeto proteger as infra-estruturas existentes (estradas, portos, postes de energia, etc.). Os outros recursos são exclusivamente aplicados na proteção de residências e terras privadas. Entre todas as estruturas descritas, os “muros de proteção” são os mais comumente utilizados, principalmente no caso de financiamento público2. Estes muros protegem freqüentemente toda a falésia ou simplesmente a base da mesma. São construídos em varias disposições (vertical e inclinados), utilizando frequente-mente de contrafortes3. Os materiais empregados nas obras públicas são principalmente o concreto (armado ou de pedra e argamassa) e sacos de cimento endurecido. As estruturas construídas com recursos privados utilizam, junto com os mencionados, uma grande varie-dade de materiais que incluem, entre outras coisas, madeiras e fragmentos rochosos locais. A seleção dos materiais utilizados, nas estruturas privadas, depende da disponibilidade em áreas próximas, do valor da propriedade a ser protegida, e das condições econômicas do proprietário.

O custo econômico da construção de medidas de proteção na zona costeira Amazônica

A decisão de proteger a zona costeira traz benefícios, mas também é um custoso investimento de dinheiro para a os governos, a região e as comunidades locais. Como descrito, em muitas das localidades costeiras da área de estudo, uma grande proporção das infra-estruturas públicas e propriedades já estão intensamente expostas à forca das águas, e em conseqüência, as perdas econômicas diretas e indiretas são relativamente altas. Neste sentido, os governos (federal, estadual e municipal) e os proprietários são forcados a consu-mir recursos (muitas vezes escassos) na proteção dos elementos danificados, assim como na manutenção e reconstrução das obras de proteção existentes. Em caso de recursos públicos, isto implica a distribuição das responsabilidades, incluso entre a população que mora muito distante da zona costeira.

2 Somente na localidade Praia do Atalaia (município de Salinopolis) tem sido registrada a existência de outro tipo de estruturas financiadas com recursos públicos, como espigões construídos com sacos de cimento endurecidos e revestimentos com fragmentos de rocha não locais (quartziticas), fixadas com uma grade de ferro retangular (figura 2 – 7, 8, 9).

3 Qualquer estrutura utilizada como reforço para o suporte de pressões.

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Figura 2: Exemplos dos numerosos e diversos tipos diferentes de medidas de estabilização rígida na costa do Estado do Pará (os números das fotografias correspondem com a tabela 1).

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A maioria dos municípios do País e particularmente da região estudada tem escassos recursos para serem investidos em obras devido a que uma grande proporção do orçamento destina-se principalmente para o pagamento dos funcionários e dos gastos nas áreas de saú-de e educação. Em toda a zona costeira do NE do Estado do Pará, no período 1995-2005 (TCM-PA, 2005), somente o Município de Bragança tem investido recursos próprios, junto com a União para a construção de obras de engenharia de proteção da linha de costa. Em conseqüência, existe uma alta dependência dos recursos provenientes das esferas estadual e, principalmente, federal para a proteção da infra-estrutura pública.

A análise dos dados orçamentários do Brasil e do Estado do Pará, entre os anos 1996 e 2001 (ALEPA, 2005; Brasil, 2005), mostram que foram destinados aproximadamente US$ 5.000.0004 para a construção de 46 obras para combater a erosão fluvial e costeira no Estado, representando um valor de quase US$ 108.500 para cada uma delas. Cabe destacar-se que não existe disponibilidade de informações precisas (oficiais ou não) ao respeito do custo de construção de um metro linear de obra de proteção no Pará, sendo estimado neste trabalho um valor aproximado a US$ 1.1555.

Por outro lado, em muitas localidades da zona costeira, ricos proprietários de residên-cias próximas das praias são obrigados a cobrir todos os custos necessários para a proteção das mesmas. As despesas com a construção das obras não são fornecidas pelos proprietários, mas dependem do valor das propriedades a serem protegidas, as que alcançam valores muito altos num contexto regional.

Os problemas identificados nas obras de estabilização rígida

Em algumas regiões onde obras de “proteção” têm sido descritas, os impactos dos processos de erosão e inundação costeira têm diminuído (ex. municípios de Maracanã e Colares). No entanto, na maioria das areas estudadas, as medidas e estratégias são parcial ou totalmente ineficientes. Isto é claramente evidenciado quando podem ser encontradas:

a. Numerosas obras de proteção de mesmo tipo: Sem considerar a falta de efetividade das obras realizadas para conter a ação retrocedente das falésias, alguns anos depois uma estrutura similar ou minimamente modificada é construída com os mesmos objetivos. Destaca-se a cidade de Boa Vista (Município de Quatipurú), onde os restos de um muro vertical de fragmentos de rocha e argamassa com 10 anos de antiguidade, testemunham passivamente a construção, em 2001, de outro muro vertical de concreto a somente 7 m de distancia do anterior (Figura 3(1)).

b. Numerosas obras de proteção de diverso tipo: A proteção das propriedades privadas próximas à linha de costa é constituída por uma serie de numerosos e diversos tipos de obras construídas no mesmo local em épocas diferentes, evidenciando o pouco sucesso da sua implementação. Exemplos desta situação são comuns na praia do Atalaia (Município de Salinópolis), onde antigas estruturas de madeira e

4 Considerando a variabilidade da relação das moedas Dólar (US$) – e Real (R$), foram estimadas as seguintes cotações: 1 US$ = 1.2 R$ (1994-1998), e 1 US$ = 2.5 R$ (1999-2005).

5 Valor confirmado posteriormente com as empresas que desenvolvem trabalhos deste tipo na região.

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fragmentos rochosos (fora de uso) foram construídas na frente dos restos de um muro de proteção de concreto (fragmentos rochosos e argamassa) e um novo e ainda funcional muro de concreto reforçado (Figura 3(2)).

c. Obras de proteção isoladas: Estruturas parcial ou totalmente isoladas das feições naturais, propriedades e infra-estrutura que deveriam ser preservados por elas. Na localidade de Salinas (município de Salinopolis) um muro de proteção (concreto de fragmentos rochosos e argamassa) foi construído, no inicio da década de 1990, com objetivo de proteger um hotel e uma praça localizados perto de uma falésia, que vem sofrendo processos erosivos nos últimos 100 anos. Superada a resistência destas estruturas de proteção e diante a intensificação da ameaça natural, anos depois, novas obras foram construídas para defender agora também o muro construído. Na frente deste, fora erguida uma seqüência de espigões de 15 metros de cumprimento, utilizando sacos de cimento endurecidos, perpendicular à linha de costa, e distanciados aproximadamente 25 metros. Entre os espigões, foi construído um revestimento de seixos angulosos contidos numa rede metálica. Cabe destacar-se que tão importante esforço, desafortunadamente, não tem tido o sucesso previsto. A energia das ondas expulsou a grande maioria dos fragmentos rochosos, sendo que muitos dos mesmos (principalmente os seixos) têm servido como instrumentos de abrasão e maior erosão do muro de proteção e das falésias. Estes processos, ainda em desenvolvimento, têm isolado, em conseqüência, parte das estruturas, as que atualmente não apresentam nenhuma função (Figura 3(3)).

d. Obras de proteção para limitadas áreas: Este tipo de obra de engenharia é comumente construído nas partes centrais das localidades costeiras, onde são localizados os mais importantes prédios e valorizadas propriedades. Em conseqüência, parte da energia é refletida pela obra de proteção e desviada para regiões adjacentes, não protegidas, permitindo o inicio ou intensificação dos processos erosivos nas mesmas. Desta forma, as obras de proteção simplesmente transferem o problema para outra área, incrementando a vulnerabilidade das populações pobres que moram nas periferias não protegidas. A Figura 3(4) mostra o caso da cidade de Maracanã (município de Maracanã).

e. Obra não proporcional à magnitude dos eventos: Em função de problemas nas fases de projeto (carência de informações) e construção das obras (ex. falta de recursos), muitas das estruturas não são dimensionadas de acordo à magnitude das ameaças naturais (ex. o muro de proteção construído no porto de Salinas, no município de Salinopolis, frequentemente superado pelas marés).

Discussão

Numerosas pequenas localidades ainda continuam desprotegidas diante as ameaças naturais. No entanto, as principais áreas urbanas dos municípios pertencentes à zona costeira têm a aparência de estar protegidos de diversas formas contra as ameaças naturais. Neste

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sentido, os diversos muros de contenção são as mais freqüentes estruturas construídas pela população local e os governos com vistas a proteger suas propriedades, terras e infra-estru-turas da força das águas.

Figura 3: Exemplos apresentando o reduzido sucesso das estruturas de estabilização rígida na zona costeira do Estado do Pará. (1) Numerosas obras de proteção de mesmo tipo, (2) Numerosas obras de proteção de diverso tipo, (3) Obras de proteção isoladas, e (4) Obras de proteção para limitadas áreas.

Contudo, só um limitado sucesso foi obtido. Os impactos dos processos de erosão e inundação costeira estão iniciando em alguns setores, assim como continuando e intensi-ficando em outros. Claramente, as ameaças naturais permanecem não somente destruindo propriedades e infra-estrutura, se não também as próprias obras de proteção.

Numerosos motivos podem explicar a falta de efetividade ou de sucesso das obras de proteção da zona costeira na região Amazônica do Brasil, entre elas:

a. Carência de uma visão e ação integrada: Sem uma compreensão global/regional dos processos naturais e de seus impactos, a grande maioria das obras de proteção é projetada numa forma isolada, seguindo uma atitude definida por GORNITZ et al. (2002) como “cada homem por se mesmo”. Isto implica que cada município ou proprietário da zona costeira tenta proteger-se utilizando as estruturas que considera apropriada, sem tomar em consideração os efeitos por esta provocada sobre o ambiente e seus vizinhos.

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b. Deficiente planejamento e construção das obras: a maioria das estruturas financiadas com recursos privados é levada a cabo sem aconselhamentos técnicos apropriados. O projeto e construção das obras públicas com recursos do Estado são responsabilidades da Secretaria de Transportes do Estado (SETRANS). No entanto, estas são as menos freqüentes. Comumente, recursos federais (via ementa parlamentar) são destinados diretamente aos municípios, os que carecem de recursos técnicos e humanos qualificados para a realização do projeto e a construção das obras. O município em conseqüência delega a responsabilidade a empresas privadas, as que recebem um inadequado ou nenhuma inspeção ou controle governamental.

c. Insuficiência de dados e informações: Em função da extensão da zona costeira e os problemas de acesso a numerosas regiões da mesma, assim como das insuficientes políticas públicas destinadas ao mapeamento e sistematização de dados, existe uma carência de informações detalhadas ou atualizadas sobre os parâmetros naturais na zona costeira amazônica. Freqüentemente, os engenheiros fazem um grande esforço para obter estes dados nos breves períodos que precedem à construção da obra, não considerando ou ignorando a variabilidade e mudanças presentes nos processos costeiros e climáticos.

d. Falta de manutenção das obras: Apropriados e freqüentes procedimentos de manutenção e correção de defeitos nas obras não são realizados, permitindo o inicio de processos de deterioro parcial e total das mesmas. Entre os motivos sinalados pelas autoridades destacam-se a carência de recursos para estes fins nos projetos das obras, assim como a necessidade de alocar os escassos recursos orçamentários para outras numerosas prioridades.

e. Ausência de poder de decisão local: Os programas nacional e estadual de gerenciamento da zona costeira (Lei Federal nº 7661/89 e Lei Estadual nº 5.887/95) delegam a maioria das ações e responsabilidades aos governos locais. No entanto, os municípios pouco podem fazer considerando o elevado custo das obras em proporção aos orçamentos municipais (Tabela 2). Neste sentido, os municípios encontram-se em total dependência das políticas e dos recursos do Estado e da União. Isto significa, freqüentemente, na falta de controle das decisões referentes às apropriadas medidas de resposta requerida, e na maior consideração às particularidades políticas que aos riscos locais.

Tabela 2: Custo da construção das estruturas de estabilização rígida no ano 2001 e sua proporção nos orçamentos municipais.

Localidade Valor (US$)Orçamento Municipal

(US$)Proporção do orçamento

Municipal (%)

Curuçá 110,000 1,978,723 5,56Santarém Novo 128,480 1,168,172 11Magalhães Barata 110,000 385,855 28,5Marapanim 40,000 3,060,000 1,3Quatipurú 20,000 1,147,040 1,75Maracanã 80,000 2,475,341 3.23

Fonte: TCM, 2005.

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Mas os recursos investidos em propriedades e infra-estrutura são muito grandes, num contexto regional, e em conseqüência existem ainda desesperadas tentativas para consumir enormes somas de recursos públicos e privados num esforço de estabilizar as áreas costeiras sob ameaça com uma ocupação consolidada. Neste sentido, deve considerar-se também a expectativa de crescimento dos impactos negativos da ação destas forcas naturais e dos valores investidos em conter estes processos considerando a tendência global de mudanças climáticas e aumento do nível do mar.

O insucesso parcial ou total das obras de engenharia na proteção da linha de costa na região amazônica não deverá impedir, uma vez aprimorados métodos e conhecimentos, sua inclusão no conjunto de estratégias e medidas a serem adotadas no futuro plano de geren-ciamento costeiro do Estado do Pará devido a que:

a) Existem numerosos núcleos urbanos sem possibilidade alguma de relocalização, mesmo na evidencia de um risco iminente6;

b) Os elevados valors investidos em propriedades privados nas proximidades da linha de costa pressionam aos governos para estabelecer políticas de desenvolvimento regional, principalmente na área turística, que não consideram a presencia das ameaças e riscos costeiros (PARATUR, 2001);

c) As obras de engenharia são vistas, freqüentemente, como a melhor forma de responder ao problema de terras ou propriedades em risco, considerando a alta visibilidade das mesmas e/ou o desconhecimento de outras possíveis medidas. Desafortunadamente, isto cria comumente uma falsa sensação de seguridade;

d) Estas obras de proteção podem ser construídas rapidamente, principalmente dentro de um período de mandato político (4 anos);

e) O fato de negar aos proprietários o direito a se proteger pode ser considerado, por alguns, como inconstitucional, e finalmente.

f ) Os políticos e administradores podem fazer uso das obras como forma de propaganda diante de seus eleitores, construindo uma obra concreta (visível), e que tem permitido, entre outras coisas, o ingresso de importantes recursos financeiros e o aumento das oportunidades de trabalho em áreas não muito desenvolvidas.

Com base no anteriormente exposto e analisado, é importante iniciar rapidamente a implementação do Plano de Gerenciamento Costeiro do Estado do Pará7, integrando como uma de suas maiores prioridades a temática das causas, impactos e medidas de resposta diante dos desastres naturais.

Também, é essencial a melhora no projeto e construção das obras de engenharia para não repetir os mesmos erros do presente. Por um lado, o estabelecimento de programas de pesquisa cientifica e técnica relacionado como os sistemas naturais (ex. clima – variabilidade e mudanças, comportamento de fluxos fluviais e oceânicos, etc.) devem ser encorajados e suas 6 A constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1991) permite o estabelecimento de procedimentos de

expropriação em caso de um iminente perigo para a população (art. 5°-XXV) com vistas a garantir os direitos de seguridade social da mesma. (art. 6).

7 Estabelecido em 1995, somente tem desenvolvido precariamente algumas etapas e atividades iniciais.

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conclusões e resultados, efetivamente utilizados na implementação de medidas de resposta adaptativas. Por outro lado, é preciso uma mais efetiva presencia do Estado (Secretaria do Transporte – SETRANS/PA) nas etapas de desenho do projeto, da construção e da inspeção da obra, independentemente da origem dos recursos. Um ponto importante a ser considerado, considerando a extensão territorial e a dificuldade de acesso a muitas das áreas, relaciona-se com a possibilidade de uma transferência gradual de conhecimentos, responsabilidades e recursos orçamentários de parte dos governos Federal e Estadual às secretarias de Obras Publicas dos Municípios.

Existem incentivos para examinar a possibilidade de utilização de estratégias e medidas de adaptação alternativas. O custo total para a proteção de toda a linha de costa do NE do Estado do Pará (aproximadamente 2.400 km) é estimado em quase US$ 2.8 bilhões, muito alem da realidade de qualquer município ou estado da Região Amazônica, assim como a existência de numerosas áreas minimamente desenvolvidas e habitadas.

Em muitos casos, o emprego de medidas não estruturais ou de estabilização flexível, pode ser uma excelente alternativa, mas de alto custo. Em conseqüência, acredita-se que processos graduais e planejados de retrocesso ou políticas de acomodação possam ser alternativas mais benéficas para a região amazônica.

AgradecimentosEste estudo é resultado da cooperação cientifica e tecnologica entre o Centro de

Ecologia Marinha Tropical – ZMT (Bremen, Alemanha) e a Universidade Federal do Pará (Belém, Brasil), financiado pelo Ministério da Educação, Ciência, Pesquisa e Tecnologia de Alemanha (BMBF) e o Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia (CNPq). Projetos MADAM – Mangrove Dynamics and Management e Instituto do Milênio – Núcleo de Estudo Costeiro.

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Recebido para publicação em março de 2006Aprovado para publicação em maio de 2006

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Unidades de conservação, a importância dos parques e o

papel da Amazônia*

Unités de conservation, l’importance des parcs et le rôle

de l’amazonie

Conservational units, the importance of the parks and the

role of the Amazonian forest

Agostinho Carneiro CamposInstituto do Trópico Subúmido da

Universidade Católica de GoiásRua J-80 Qd. 155ª Lt. 18 Setor JaóGoiânia - GO – CEP: 74.674-420

[email protected]

Selma Simões de CastroInstituto de Estudos Sócio-Ambientais da

Universidade Federal de GoiásCampus Samambaia - Caixa Postal: 131

CEP: 74.001-970 - Goiânia - [email protected]

Resumo: Este artigo apresenta um breve histórico sobre o surgimento das Unidades de Conservação (UCs) no mundo e no Brasil, destacando algumas que se tornaram referência e enfatizando a importância histórica dos Parques como a principal categoria de proteção integral da natureza e também conceito de referência até o presente. Discute-se aspectos da legislação ambiental no Brasil até a recente criação do SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Caracteriza-se a situação da Amazônia destacando-se sua importância.Palavras-chave: Unidades de conservação; Legislação ambiental brasileira; Parques; Categorias de proteção integral e de uso sustentável.

Résumé: Cet article n’est qu’un bref historique comment ont surgi les Unités de Conservation (UCs) dans le monde et au Brésil, surtout celles dont le rôle concerne la protection intégrale de la nature au moment present. On y discute aussi des aspects de la législation sur le milieu naturel au Brésil, y compris la création du Sistème National d’Unités de Conservation - SNUC. Finalement, il met em évidence l’Amazonie et son importance dans lê contexte mondial.Mots-clés: Unités de Conservation; Législation bresiliènne sur l’envioronnement; Catégories de Protéction intégrale; Pacs; Utilisation rationnelle de la nature.

Abstract: This article presents a briefing about Conservational Units (CUs) in the world history in order to understand the importance of the Park concept and its instruments to regulation and integral protection of the nature in present.Environmental Brazilian and including the NSCU – National System of Conservation Units. Ara done the amazonian situation is present to piomate its importance.Keywords: Conservational units; Brazilian environmental laws; Park; The integral protection and the sustainable utilization categories.

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 127-141 Jan-Jun/2006

* Parte da dissertação de mestrado em Geografia do primeiro autor defendida no Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da Universidade Federal de Goiás.

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CAMPOS, A. C.; CASTRO, S. S. Unidades de conservação, a importância dos parques e o papel da Amazônia

Introdução

A delimitação de áreas com vistas à preservação de atributos naturais evoluiu ao longo da História, as primeiras iniciativas são datadas da Idade Média, as quais estavam associadas a espaços de reprodução de mitos, memórias de ocorrências históricas ou tabus, éditos reais, à proteção de fontes de água, caça, plantas medicinais e outros recursos. O acesso e uso dessas áreas especiais eram controlados por normas legais e outros instrumentos de controle social (MILLER, 1997).

A preservação dessas áreas relacionava-se com os interesses da realeza e da aristocracia rural, portanto, seu objetivo não era voltado à atividade sócio-econômica, nem havia qual-quer sentido social mais abrangente em sua criação. O que se se pleiteava era a manutenção dos recursos faunísticos e florísticos e de seus respectivos habitats para garantir o exercício da caça ou de uso imediato ou futuro, sobretudo para o lazer e deleite dessas classes sociais (QUINTÃO, 1983).

No século XIX consagrou-se a nomenclatura de parques para essas áreas. A criação do primeiro Parque Nacional no mundo, o Yellowstone, se deu nos E.U.A, em 1872, cujo objetivo foi a preservação de atributos cênicos, a significação histórica e científica, o lazer e benefícios às gerações futuras (MAGNANINI, 1970).

O Parque de Yellowstone estabeleceu sabiamente, desde logo, as diretrizes para a criação de futuros Parques Nacionais, onde a ciência, a estética e a recreação pudessem se harmonizar com a preservação do patrimônio natural, em caráter definitivo. Seria ele, talvez, o melhor símbolo do primeiro esforço para implementar primeiramente o manejo de UCs. Ressalte-se ainda que, desde então, se reconhece que um Parque Nacional deve possuir um caráter excepcional (paisagens, geologia, flora, fauna, águas etc) que represente valores científicos e associadamente de recreação, significativos. Tal foi o principio que alimentou o conceito que se passou a atribuir a um parque nacional (QUINTÃO, 1983).

Neste contexto, tais áreas naturais protegidas e legalmente institucionalizadas, passaram a servir inicialmente como laboratórios de campo para fins científicos, onde pesquisas sobre a fauna e flora podiam ser realizadas em longo prazo, em condições ambientais inalteradas, sendo a presença humana permitida em situações muito particulares e restritas.

No séc. XX, assiste-se à ampliação de UCs similares que foram sendo criadas em ritmo notável, em vários países, bem como de tipos, devido à diversificação dos objetivos e aumentos da complexidade de usos possíveis, principalmente das relações com seus entorno e de gestão das mesmas. Tornou-se imprescindível, portanto, estabelecer conceitos e diretri-zes mais gerais em nível mundial, com desdobramentos em nível nacional, que resultaram em várias categorias de UCs, em que pese a manutenção do seu objetivo geral, voltado à preservação da biodiversidade florística e faunística e dos bancos genéticos (BRITO, 2000). Esse processo deu-se, principalmente, após a Conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) realizada em Estocolmo (1972), portanto, é muito recente, não tendo completado sequer meio século de existência.

No Brasil, em particular, os princípios da proteção à natureza começaram a partir de 1876, quando o engenheiro como André Rebouças que propôs a criação dos Parques Na-

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cionais da Ilha do Bananal, no rio Araguaia, e do Saltos de Sete Quedas, no rio Paraná. No entanto, o primeiro Parque Nacional Brasileiro, o de Itatiaia, só foi criado em 1937, no Rio de Janeiro, em 1939, o de Iguaçu, no Paraná (BRITO e CÂMARA, 1999).

Convém lembrar, ainda, que a denominação das primeiras UCs, criadas a partir de 1937 (Parque Nacional do Itatiaia) também foi parque nacional bem como as seguintes, ou seja, década de 1960 em diante quando se deu impulso notável ao processo de sua criação até meados da década de 1970. Mas sua criação não seguiu critérios técnicos e científicos atualizados para a época e muitos menos baseadas na idéia de um sistema integrado, pen-samento este mais recente, pois que as áreas foram sendo estabelecidas muito mais por suas belezas cênicas que deveriam ser preservadas.

Além da denominação adotada ser parque nacional no Brasil, os primeiros tiveram conceito vinculado a monumentos públicos naturais, segundo a constituição de 1937, e visavam resguardar porções do território nacional que tivessem valor científico e estético (BRITO, 2000).

Tais enfoques foram, ao longo do tempo, passando por algumas alterações, à medida que foram sendo estabelecidos novos objetivos e necessidades para a conservação e preservação dos recursos naturais (ALVES, 2003), bem como a sociedade foi tomando consciência de seu valor e das vantagens decorrentes da não remoção de vários de seus recursos. Assim, no final da década de 1970, a criação de UCs no Brasil passou a seguir também critérios técnico-científicos, buscando salvaguardar porções significativas de ecossistemas naturais (GUAPYASSÚ, 2000).

Na região Amazônica a criação de UCs de Proteção Integral ocorreu com maior fre-quência na década de 1980, tendo as categorias Estações Ecológicas (9) e Parques Nacionais (6) maior representatividade. Enquanto, que as UCs de Uso Sustentável na década de 1990, tendo a categoria FLONA (15) e Resex sua maior representantes.

Quanto à legislação ambiental brasileira, desde seu início caracteriza-se por adotar modelo baseado em doutrinas intervencionistas e pela categoria parque nacional como área de acesso restrito, portanto, do que se diria hoje de preservação integral, inclusive até bem recentemente.

Para entender o estágio atual das UCs brasileiras e situar a região amazônica, será apresentada uma descrição geral sobre a evolução histórica desse surgimento, enfatizando conceitos, procedimentos e normas legais adotados para sua criação, uso e manutenção.

Aspectos evolutivos da legislação ambiental no Brasil relacionada às UCs

Diversos encontros foram realizados em escala mundial e continental, dentre eles destacando-se: a Convenção para Preservação da Fauna e Flora em Estado Natural (Londres, 1933); a Convenção Pan-americana de Proteção da Natureza e Preservação da Vida Selvagem do Hemisfério Oeste (Washington, 1940); o Congresso organizado pelo governo Francês e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em 1948, quando foi fundada na Suíça a União Internacional para a Proteção da Natureza (UIPN), que a partir de 1956 passa a se chamar União Internacional para a Conservação da

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Natureza (UICN), englobando agências governamentais e não-governamentais, que passou a coordenar e iniciar trabalhos de cooperação internacional no campo da conservação da natureza; a Conferência da ONU em Estocolmo, 1972; as Assembléias Anuais da UICN, realizadas a partir de 1960 e os I, II, III e IV Congressos Internacionais de Parques Nacionais, respectivamente nos EUA (SEATLE, 1962 e YELLOWSTONE, 1972), Indonésia (BALI, 1982) e Venezuela (Caracas, 1992). E mais recentemente as denominadas Ecos (Rio 92 e Rio +10 em Joanesburgo, na África, em 2002).

A realização desses encontros resultou na ampliação e sistematização das discussões e também em várias mudanças conceituais, que proporcionaram o surgimento de novas categorias de UCs como as Reservas Naturais, Monumentos Naturais, Reservas Silvestres, Reservas da Biosfera, etc. e legislação correspondente. Com o desenvolvimento científico e cultural entre as décadas de 1930 e 1960, a antiga base conceitual centrada na categoria de Parque e Florestas Nacionais vê-se agregada de uma nova perspectiva para a criação de UCs, fundamentada no uso racional e o manejo controlado de espécies. Trata-se, assim, de uma segunda grande mudança, entendida aqui como de paradigma, considerando-se que a primeira estaria relacionada à criação de parques nacionais com o intuito de proteção integral e esta admite vários manejos desde que sustentáveis. A Tabela 1 apresenta as principais leis ambientais federais de interesse das UCs.

Tabela 1: Conjunto de leis federais brasileiras visando sobre as unidades de conservação no século XX.

Lei Federal Dispõe sobre Ano

4.421 a criação do Serviço Florestal Brasileiro que deveria trabalhar na criação de Parques Nacionais e concluindo os estudos preliminares para sua organização em 1925. 1921

23.793 instituivo primeiro Código Florestal Brasileiro que conceituava e estabelece áreas protegidas como Parques Nacionais, Florestas Protetoras e Nacionais. 1934

4.771institui o Código Floresta prevendo a criação de Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, adota o termo reservas Biológicas e Florestas Nacionais e introduz pela primeira vez essas categorias como também estaduais e municipais.

1965

5.197a proteção à fauna prevendo a criação de Reservas Biologicas - REBIO- nacinais, estaduais e municipais com base em critérios científicos. No mesmo ano são criados as Florestas Nacionais - FLONAs, as àreas de Preservação Permanente - APP - e as Reservas Legais - RL.

1967

6.513 a criação de Áreas Especiais e de locais de interesse turístico. 1977

6.902 a criação de duas novas categorias de manejo,as Estações Ecológicas - EE - e Áreas de Proteção Ambiental - APA. 1981

6.938

a Política Nacional de Meio Ambiente, seus fins e mecanismo de formulação e aplicação prevendo a criação de espaços territoriais esepecialmente protegidos pelos poderes públicos, federal, estadual e municipal, tais como: Áreas de Proteção Ambiental, de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas, além de transformação de determinadas áreas em Reservas ou Estações Ecológicas.

1981

89.336 a criação das Áreas de Relevante Interesse Ecológico-ARIE e a Reserva Ecológica - RESEC. 19847.804 institui as Reservas Extrativistas - RESEX 19891.922 o reconhecimento das Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPN. 1996

9.985 institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC - estabelecendo critérios e normas para a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação - UCs. 2000

Fonte: IBAMA (2003), adaptado por Campos, 2006.

Há que se ressaltar que nesse processo apesar de em 1921 ter sido criado no Brasil o Serviço Florestal com a incumbência de trabalhar para a criação de Parques Nacionais, foi

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somente em 1934, que foi aprovado o primeiro Código Florestal, sob o Decreto Federal 23.793, que proporcionou vários benefícios quanto à proteção dos recursos florestais, embora várias críticas tivessem sido feitas quanto ao seu cumprimento, devido à falta de clareza e variada interpretação de alguns de seus artigos, o que dificultou sua efetiva implementação. Desde então persistem conflitos conceituais e de atribuições de responsabilidades, embora decrescentes nas últimas duas décadas..

Na Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Naturais dos Países da América, realizada em 1940 em Washington, da qual o Brasil participou, propôs-se que a proteção e conservação dos recursos naturais fossem mantidas sob superintendência oficial. Porém, somente em 1948 é que o Congresso Nacional Brasileiro aprovou as disposições dessa Convenção e, mesmo assim, continuou de maneira assustadora a devastação dos recursos naturais no Brasil, dada a sua extensão territorial e reconhecida aptidão para a atividade agropecuária.

Diante da desatualização, da ineficiência e da oposição ao primeiro Código Florestal de 1934 e após as discussões ocorridas no Congresso Internacional sobre UC, embora não com essa denominação, em 1942 e mais tarde em 1962, o Poder Executivo Brasileiro, se-guindo as tendências mundiais, aprovou, mas somente em 1965, o Novo Código Florestal (Lei Florestal nº 4.77l e a Lei nº 5.197/67, de Proteção à Fauna), em vigor até o presente, que com nova redação apoiada em bases modernas (conceitos e critérios básicos), define que o Poder Público criará Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, cujos objetivos voltam-se à preservação e a conservação dos recursos naturais (OLIVEIRA, 2002). É nessa fase que logo a seguir é criado o IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) vinculado ao Ministério da Agricultura (MA), em 1967.

Oliveira (2002) relata bem as circunstâncias histórico-evolutivas em que foram intro-duzidas essas novas bases conceituais para os parques nacionais, bem como o que se seguiu quando lembra que:

“Novas questões relativas aos conceitos de parques nacionais foram tratadas na Décima Assembléia Geral da UICN, realizada em 1969, na Índia, sendo que a Segunda Conferência Mundial sobre Parques Nacionais, realizada em 1972 em Yellowstone, Estados Unidas, teve como enfoque a necessidade de ampliação do número de áreas naturais e florestais tropicais. O Terceiro Congresso Mundial de Parques, realizado em 1982 em Bali, Indonésia, enfatizou que as áreas naturais protegidas representam uma contribuição indispensável à conservação dos elementos vivos e ao desenvolvimento; já o Quarto Congresso Mundial de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, realizado em 1992 em Caracas, Venezuela, mostrou que, embora o número de áreas protegidas no mundo esteja crescendo, a maioria ainda necessita ser devidamente implantada e mantida.” (p. 227)

Coube ao IBDF, a administração das UCs em todo o território nacional, através de mecanismos de desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a conservação da natureza. Contraditoriamente, no entanto, o próprio Ministério do Meio Ambiente moti-vava a intensificação da ocupação dos territórios por meio de programas como Polocentro1

1 POLOCENTRO: Programa para o Desenvolvimento do Cerrado. Foi criado em 1975, dados os resultados desalentadores das políticas de abertura e ocupação da Amazônia e o desejo de se dar densidade econômica às extensas áreas do Brasil Central (WWF/PRO-CER, 1995, p. 20).

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e Prodecer2 I e II, que atingiram mais especificamente as áreas ocupadas pelo Cerrado na região Centro-Oeste do país, sem a devida orientação técnica voltada à preservação e con-servação ambiental, como vários autores discutem, a exemplo de GOMES e TEIXEIRA NETO (1998).

Até então os critérios para a criação das UCs fundamentavam-se essencialmente em belezas cênicas, fenômenos geológicos notáveis, riqueza de fauna ou mesmo por oportunismo político, e havia a falta de critérios científicos para a seleção de áreas, o que não desmerece os conservacionistas da época, já que muitas delas ainda são importantes para garantir a representatividade de diversos ecossistemas (GUAPYASSÚ, 2000).

A partir da década de 1970, quando no Brasil se institucionalizam mais efetivamente as práticas voltadas à preservação e conservação da natureza, potencializadas pelos movimentos ambientalistas internacionais e alguns nacionais, é que se começa a perceber e incorporar a idéia cientificamente desenvolvida de que os seres humanos são vulneráveis e que são parte das comunidades vivas, dependentes da sobrevivência dos ecossistemas e da saúde do meio ambiente como um todo (FERREIRA, 1997).

Assim, nessa mesma década de 1970, na esteira da Primeira Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano (Organização das Nações Unidas, em Estocolmo, 1972), em 1973, através do Decreto Federal n. 73.030, cria-se no Brasil o primeiro órgão federal de ação ambiental pro-gressista e moderno, a SEMA - Secretaria Especial do Meio Ambiente (Ministério do Interior) que proporcionou a criação de inúmeras UCs, mais precisamente parques nacionais, reservas biológicas, estações ecológicas, e realizam-se estudos para a formulação integrada de uma política ambiental de alcance nacional. Portanto, a implantação e administração das UCs, que até então eram realizadas pelo IBDF passam também a ser de competência da SEMA.

O governo rediscute, atualiza, elabora e publica o Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil, em 1979 (versão I) e 1982 (versão II), definindo os objetivos nacionais para duas grandes categorias, as UCs de Proteção Integral e as de Uso Sustentável, no qual se estabelece que cabe ao Governo Federal, aos estados e municípios orientar, coordenar e executar as medidas necessárias à utilização racional, à proteção e conservação dos recursos naturais renováveis e ao desenvolvimento florestal do País. A partir de então, essas duas grandes categorias UCs, passa a representar, na verdade, a incorporação de valor econômico, o que tenta aplicar os conflitos crescentes em relação a áreas intocáveis.

Porém, entende-se que, a partir da existência concomitante da SEMA e IBDF, passaram a vigorar legalmente dois sistemas distintos e paralelos de gestão de áreas naturais protegidas, sem qualquer articulação entre si (NOGUEIRA NETO, 1992). Em decorrência disto, em 1979, o referido Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil, versões I e II, revi-sadas e atualizadas pelo Projeto de Lei nº 2.892/92 e logo depois pela Lei nº 6.902/81 é que se define mais claramente essas duas novas tipologias de UCs com perfil próprio (PÁDUA, 1997). Em seguida, é sancionada a Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Subseqüentemente,

2 PRODECER: Programa Cooperativo Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado. Promoveu assentamento dos agricultores experientes do sudeste e sul do país na região do Cerrado. Para tanto, o Programa é financiado com empréstimos da agência japonesa de Cooperação e Desenvolvimento Internacional (JICA), com contrapartida do Governo Brasileiro (WWF/PRO-CER, 1995, p. 21).

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cria-se o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), como o objetivo de propor diretrizes de políticas ambientais e normas compatíveis com a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico (BRITO e CÂMARA, 1999). Muda assim e de novo o paradigma.

Deve-se destacar, entretanto, que o novo conceito, de desenvolvimento sustentável, ganhou maior expressão e força institucional no Brasil somente a partir de 1988, devido à publicação do Relatório elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, das Nações Unidas, conhecido no Brasil como Nosso Futuro Comum (BRANDTLAND, 1987) sobre o estado ambiental da Terra, o qual pode ser definido como indutor de um processo de mudança comportamental com relação à racionalização da ex-ploração dos recursos naturais e à mudança institucional acerca de interfaces entre produção e conservação ecológica (BRITO e CÂMARA, 1999).

Neste período, o país, ao ter promulgada sua nova Constituição Federal (1988), pri-vilegiou um capítulo (VI, Art. 225) para o setor ambiental e determinou as competências concorrentes entre União, Estados e Municípios (Art. 23, 24, 30), resolvendo as pendências conflitantes anteriores. Assim, em 1989, o IBDF e a SEMA foram extintos e através da Lei nº 7.735/89 foi criado o IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, como autarquia federal, que incorporou funções, empregos e as ati-vidades até então eram desenvolvidas pela SEMA e IBDF, com a finalidade de executar a política nacional de preservação, conservação e uso sustentável, bem como a fiscalização das UCs (BRITO e CÂMARA, 1999).

Por contribuir, de forma inovadora, com o debate conceitual e temático sobre a gestão ambiental no país, dotando-o de modernos instrumentos administrativos, capacitando re-cursos humanos e, sobretudo, convergindo para a estratégia de descentralização de serviços e recursos para a proteção da natureza, como determinado pela Constituição Federal de 1988, estabeleceu-se claramente que as competências deveriam, doravante, se desenvolver em três níveis: federal, estadual e municipal.

Neste contexto, iniciou-se a retomada do controle e a conservação dos ecossistemas do país e promoveu-se a recuperação, o reaparelhamento e a proteção das diversas categorias de UCs localizadas em vários estados. Esta iniciativa implicou uma diversidade de efeitos de cunhos sócio-econômico e ambiental, na medida em que recolocou à disposição do uso social, da indústria, do turismo ecológico e dos centros de pesquisa científica, um patrimônio paisagístico de raro valor. Mas esse processo não parou nessa fase.

A partir dos anos 90, intensificou-se ainda mais a criação de UCs. Paralelamente, o Ministério Público, já bem estruturado, passou a posicionar-se de forma mais ativa e a pro-mover ações que coibiam comportamentos predatórios, incluindo o estímulo a novas formas de manejo dos recursos naturais. Todavia, mesmo assim, o Estado continuava a formular e implementar políticas antagônicas, pois que ditava tanto normas e regras de proteção ambiental quanto contraditoriamente estabelecia leis de incentivos fiscais e creditícios e de criação de reservas legais no interior das propriedades (rurais), que acabavam por contribuir para acelerar os processos de exploração florestal e de devastação dos recursos naturais. Esse foi o caso da Mata Atlântica no passado e tem sido a história recente da Floresta Amazônica

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e do próprio Cerrado, sendo que este inclusive não foi contemplado na Constituição Federal de 1988, como o foram esses dois anteriores, o que seria de interesse inequívoco do estado de Goiás, já que majoritariamente era coberto por fitofisionomias desse bioma.

Após essa fase, assistiu-se a inúmeros eventos como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) onde se firmou compromisso com a elaboração das Agendas 21 locais e regionais voltadas à Conservação da Biodiversidade e dos recursos naturais; e em 1993 (Lei nº 8.746), foi criado o Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal (MMA), responsável pela construção das Agendas 21, institucionais e comunitárias. Por fim, foi promulgada a Lei 9.985/00, que criou o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), que se instituiu uma política mais organi-zada de âmbito nacional onde se estabelece critérios e normas para a criação, implementação e gestão das UCs, sistematizando as variadas nomenclaturas e categorias de manejo anterior, relativas à proteção da natureza (SNUC, 2000). É com o SNUC que oficialmente se adota a nomenclatura de UC, Unidade de Conservação, e se consolida definitiva e claramente as duas grandes categorias, nele previstas as de Uso Sustentável e de Proteção Integral. É nessa fase também que se concretiza o conceito de conservação retomando um antigo paradigma contemplado até no título de UC, mas que surgira entre as décadas de 1930 e 1960 em relação ao manejo dos solos, portanto levou um tempo razoável para sua incorporação; por outro lado, passou a ser progressivamente confundida com o conceito de sustentabilidade.

Portanto, entende-se que o SNUC contempla o conjunto organizado de áreas na-turais protegidas no Brasil, as UCs federais, estaduais e municipais que, planejadas, mane-jadas e gerenciadas como um todo, deveriam permitir viabilizar os objetivos nacionais de conservação. No que se refere aos Parques Nacionais, de acordo com SNUC (Cap. III, Art. 11), destinam-se exclusivamente à preservação integral, pesquisa, educação e interpretação ambiental, recreação e turismo ecológico. São áreas de domínio público, sendo a visitação e a pesquisa condicionadas à prévia autorização do Órgão administrador. Ainda segundo o SNUC, quando criados pelo Estado ou Município, serão denominados respectivamente de Parque Estadual e Parque Natural Municipal (IBAMA, 1997).

Mas, não cabe apenas ao SNUC a consecução dos objetivos nacionais de conservação da natureza, pois ele está inserido num sistema maior, o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, através do qual deve ser aplicada e respeitada a legislação conservacionista, na busca de cumprir a Política Nacional do Meio Ambiente. Mesmo assim, o atual Sistema de Unidades de Conservação no Brasil foi uma grande conquista, embora ainda apresente um alicerce frágil para suportar as pressões sobre a nossa biodiversidade, pois que as UCs estão em geral mal manejadas, carecem de pessoal e não raro, não cumprem os objetivos para as quais foram estabelecidas, além do fato de que a fiscalização é insuficiente ainda ou passível de conflitos que se perdem nos largos caminhos jurídicos.

Parece, assim, que a mudança de paradigma incorporada pela legislação federal não o foi ainda pela sociedade brasileira como um todo, o que revela a distância entre os desígnios da lei e as práticas econômicas e sociais.

Atualmente e em síntese, as UCs brasileiras estão divididas em duas categorias como exposto: 1) as de Proteção Integral (SNUC, Cap. III, Art. 7º §1º e Art. 8º), cujo objetivo

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básico é a preservação da natureza, tal como os Parques Nacionais, como relatado, pois admite apenas uso indireto dos recursos, com algumas exceções previstas na Lei. Compreendem os Parques Nacionais (PARNA); Estação Ecológica (E.E); Monumento Natural (M.N); Reserva Biológica (REBIO); Reserva Ecológica (RESEC) e Refúgio de Vida Silvestre (REF.V.S); 2) E o de Uso Sustentável (SNUC, Cap. III, Art. 7º §2º e Art. 14), cujo objetivo é o de promover e assegurar o uso sustentável dos seus recursos naturais. Compreendem a Área de Proteção Ambiental (APA); Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE); Florestas Nacionais (FLONA); Reservas Extrativistas (RESEX) e de Fauna; de Desenvolvimento Sustentável e a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Ressalte-se que nessas categorias há terras de domínio público e as que exigem desapropriações, enquanto outras são instituídas em domínio privado e não exigem desapropriações de terras (SNUC, 2000). Convém destacar que os Parques Nacionais são UC de Proteção Integral, logo de total preservação de suas características naturais originais.

A criação das UCs na Amazônia

A história de criação de UCs na Amazônia inicia-se nos anos de 1961, mas diferen-temente do país, com a criação da FLONA Caxiuanã, de 200.000 ha, no Pará. Embora a categoria floresta nacional tenha sido incluída no Código Florestal de 1965, o mesmo não ocorreu com as reservas florestais, as quais, ao longo dos anos, foram sendo transformadas em objeto de programas governamentais de assentamento e reservas indígenas e em parques nacionais (RYLANDS e BRANDON, 2005).

Na década de 1970, iniciava-se primeiro Plano de Integração Nacional (PIN) voltado ao desenvolvimento de infra-estrutura para a Amazônia, situado ao longo das principais rodovias, principalmente, na Transamazônica. Entretanto, no Polígono de Altamira, com 6.400.000 ha, parte da área (1.258.000 ha) foi transformada no Parque Nacional da Amazônia em 1974, intensificando a criação de UCs na região, e posteriormente, reduzida a 947.117,00 ha em 1985, em cerca de 25% da área original devido à construção da Transamazônica. Este fato foi uma alerta à vulnerabilidade da Floresta Amazônica e um incentivo à análise biogeográfica e fitogeográfica destinada às áreas prioritárias para a conservação da Amazônia (WETTERBERG et al., 1976).

Em 1976, Wetterberg e outros pesquisadores realizaram análise em áreas prioritárias para a Amazônia baseado em regiões fitogeográficas, como indicador de biodiversidade, que recomendou-se para região Amazônica a criação de 35.200.000 ha de UCs de Proteção Integral e mais 71.500.000 ha de Uso Sustentável (CARVALHO, 1984), provinda de áreas que não tiveram outra utilização identificada, contrapondo claramente a moderna ciência da conser-vação (PRESSEY, 1994). Esse estudo deu início às tentativas brasileiras de criar um sistema gerenciador aos parques, algo que, entretanto, apareceria somente 20 anos mais tarde.

Como resultado desse estudo, foram criados os seguintes Parques Nacionais. Parque Nacional do Pico da Neblina (Acre, 1979); de Pacáas Novos (Rondônia, 1979); do Jaú (Amazonas, 1980); da Serra do Divisor (Acre, 1989); do Monte Roraima (Roraima, 1989) e

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também as Reservas Biológicas do Rio Trombetas (Pará, 1979); do Jarú (Rondônia, 1979); do Lago Piratuba (Amapá, 1980) e a do Guaporé (Rondônia, 1982). Enquanto que as Estações Ecológicas teve seu início na década de 1980 e foram estabelecidas em terras públicas, cujo objetivo foi de representar os ecossistemas brasileiros.

Em 1988 com a Nova Constituição Federal inicia-se a reformulação do sistema de unidades de conservação e o crescente papel dos estados a partir do final da década de 1980. A nova proposta é a conectividade entre as UCs a serem criadas, com as existentes.

Os dados relativos à Amazônia, ora apresentados, são apenas uma primeira aproxi-mação e devem ser vistos com bastante cautela, pois a situação fundiária de muitas unidades não está definida, existem ainda hectares de parques nacionais sem registro no Serviço de Patrimônio da União, além dos problemas de outros conflitos relatados. Outro fato é que a área medida costuma ser menor que a área declarada oficialmente ou vice- versa, o que pode estar relacionado com os instrumentos de medição ou de registro.

Tabela 2: Unidades de conservação federal no Brasil por região - 2004.

Região Área / ha Proteção integral Uso sustentável

Quant. Área / ha%

Reg.%

PaísQuant. Área / ha

%Reg.

%País

Norte 386.963.790,00 35 20.100.726,00 5,19 2,35 61 23.717.736,00 6,13 2,78Nordeste 156.117.780,00 28 1.965.375,00 1,26 0,23 29 3.920.059,19 2,51 0,46Sudeste 92.728.620,00 26 848.804,00 0,92 0,10 29 1.276.833,00 1,38 0,15Sul 57.721.400,00 15 639.133,00 1,11 0,07 19 1.792.127,00 3,10 0,21C. Oeste 161.207.720,00 10 739.730,00 0,46 0,09 9 1.179.497,00 0,73 0,13Total 854.739.310,00 114 24.293.768,00 8,93 2,84 147 31.886.252,19 13,85 3,73

Fonte: IBAMA, 2004. Adaptado por Campos, 2006.* Brasil: 854.739.310,00 ha.** Região Amazônica: 386.963.790,00 ha.

A Tabela 2 acima apresenta, de maneira resumida, as UCs federais existentes por região do Brasil e a Tabela 3 as da região Amazônica por categorias e tipo, para subsidiar a análise da situação da Amazônia no contexto do país.

Tabela 3: UCs federais na região amazônica por tipo - 2004.

Proteção Integral Uso Sustentável

Tipo Quant. Área / ha% nopaís

% nareg.

Tipo Quant. Área / ha% nopaís

% nareg.

PARNA 14 14.044.546,00 1,64 3,63 APA 1 23.383,00 0,00 0,01REBIO 7 2.982.668,00 0,35 0,77 ARIE 3 18.795,00 0,00 0,00RESEC 3 127 0,00 0,00 RESEX 21 5.249.443,28 0,61 1,36E.E 11 3.073.277,00 0,36 0,79 FLONA 36 18.426.113,00 2,16 4,76REF. V. S 0 0,00 0,00 0,00 TOTAL 35 20.100.618,00 2,35 5,19 61 23.717.734,28 2,77 6,13

Fonte: IBAMA, 2004. Adaptado por: Campos, 2006.* Brasil: 854.739.310,00 ha.** Região Amazônica: 386.963.790,00 ha.

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Livre

Os dados da Tabela 2 mostram que no Brasil há uma tendência recente e maior para a criação de UCs Federais de Uso Sustentável (3,73%) do que para Proteção Integral (2,84%), o mesmo ocorrendo nas regiões. Ainda nessa tabela, a região Amazônica apresenta um total 35 UCs Federais de Proteção Integral (2,35%). Na tabela 3 pode-se constatar que das 35 UCs, 14 estão representadas pela categoria Parque e respondem por 3,63% da região, enquanto que as de Uso sustentável totalizam 61 e respondem por 2,78 %, tendo a categoria FLONA com maior representatividade (4,76%) da região, o que permite considerar que esta última categoria é também mais números na Amazônia.

É interessante observar que pouco mais que 11% da área Amazônica está contida em UCs, ou seja, está acima do preconizado, entretanto a legislação ambiental tem ser garantia de fiscalização pois que em geral esta exige 80% de reserva legal nas unidades.

Todavia, numa análise comparativa das regiões brasileiras (Tabela 2), percebe-se que a região amazônica fica em 1º lugar em quantidade de UCs Federais de Proteção Integral e de Uso Sustentável. Portanto, percebe-se que pode haver regiões com maior número de UCs, mas com áreas preservadas ou conservadas menores em termos de extensão somada e vice-versa. Deve-se chamar a atenção para o fato de que a região Amazônica com 35 UCs responde sozinha por mais de 80% da área protegida integralmente e por mais de 50% da área de uso sustentável, no país, fato esse que se relaciona indiscutivelmente à Floresta Amazônica.

As Tabelas 4 e 5 a seguir, discriminam os tipos de UCs de proteção integral e de uso sustentável no Brasil.

Tabela 4: UCs de proteção integral no Brasil - 2004.

Tipo Quantidade Área / ha %PARNA 53 16.890.168,00 1,98REBIO 26 3.453.528,00 0,40RESEC 5 127,00 0,00 E.E 29 3.822.207,00 0,45REF.V.S 1 128.521,00 0,02TOTAL 114 24.294.551,00 2,84

Fonte: IBAMA, 2004. Adaptado por Campos, 2006.* Brasil: 854.739.310,00 ha.

Tabela 5: UCs de uso sustentável no Brasil - 2004.

Tipo Quantidade Área / ha %APA 29 7.546.372,00 0,88ARIE 17 43.368,00 0,01RESEX 33 5.660.592,87 0,66FLONA 66 18.635.919,00 2,18TOTAL 145 31.886.251,87 3,73

Fonte: IBAMA, 2004. Adaptado por Campos, 2006.* Brasil: 854.739.310,00 ha.

Pelo exposto na Tabela 4 pode-se deduzir que os Parques Nacionais são, indiscuti-velmente, o tipo de UC de Proteção Integral de maior significado em quantidade e em área

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CAMPOS, A. C.; CASTRO, S. S. Unidades de conservação, a importância dos parques e o papel da Amazônia

no país, em relação aos demais tipos, o que se reproduz também para a região amazônica (Tabela 3). Mas as FLONAS, na mesma tabela, respondem por área quase de 1,3 vezes e em quantidade, quase 3 vezes em relação aos parques na região Amazônica. A tabela 5 mostra também que as FLONAS superam os parques no Brasil e isto requer uma análise mais apu-rada em termos de tendência de categoria de UC de uso sustentável.

Comparando-se os dados de área das FLONAS no Brasil com 18.635.919,00 ha (Tabela 5) e na Amazônica com 18.426.113,00 ha (Tabela 3) chama a atenção o fato de que esta detém o domínio quase absoluto dessa categoria em área do país, como também em PARNA, onde o Brasil tem 16.890.168,00 há (tabela 4) e a Amazônia 14.044.546,00 ha (Tabela 3).

Mas as FLONAS têm sido pouco estudadas, além de terem uma existência muito curta para concluir o que quer que seja a seu respeito. No entanto, é interessante o fato das FLONAS em tão pouco tempo já terem superado em área os Parques na região Amazônica, e mais ainda o fato de já revelarem uma tendência atual no país.

A Tabela 6 reúne os dados em área e percentagem (%) no país e posiciona a Amazô-nia.

Tabela 6: Participação (%) da Amazônia no contexto das principais categorias de UCs por área no Brasil - 2004.

UCs BRASIL AMAZÔNIA

Proteção Integral nº ha%

do país nº ha

%do país

Posiçãode %

114 24.294.551,00 2,84 34 20.100.618,00 2,35 82,7PARNA 53 16.890.168,00 1,98 13 14.044.546,00 1,64 83,2 REBIO 26 3.453.528,00 0,40 7 2.982.668,00 0,35 86,4 E.E. 29 3.822.207,00 0,45 11 3.073.277,00 0,36 80,4 OUTRAS 6 128.648,00 0,02 3 127,00 0,00 0,10 Uso Sustentável 145 31.886.251,87 3,73 61 23.717.734,28 2,77 74,4 FLONA 66 18.635.919,00 2,18 36 18.426.113,00 2,16 98,9 APA 29 7.546.372,00 0,88 1 23.383,00 0,00 0,31 RESEX 33 5.660.592,87 0,66 21 5.249.443,28 0,61 92,7 ARIE 17 43.368,00 0,01 3 18.795,00 0,00 43,3

Fonte: IBAMA, 2004. Adaptado por Campos, 2004.* Brasil: 854.739.310,00 ha.

A Tabela 6 permite constatar que das 114 UCs de Proteção Integral, apenas 34 estão na Amazônia, mas em área respondem por quase 83% do total de área com esse tipo de UC no país. Já para as UCs de Uso Sustentável a participação da Amazônia desce a 77% da área. Pode-se dizer também pela Tabela 6 que os PARNA respondem por metade da área das UCs de Proteção Integral no país e que a Amazônia responde por 83% da área nessa categoria no país. Observa-se ainda que nas categorias REBIO e EE a Amazônia responde por mais de 80% da área desse tipo de UC no Brasil.

Quanto às UCs de Uso Sustentável a Amazônia responde por 77,4% da área do país nesse tipo de UC, mas por 99% de área das FLONAS no Brasil.

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Em síntese, a Amazônia, sozinha, responde pela maioria das UCs em área no país, sejam de Proteção Integral, onde se destacam os Parques Nacionais, seguir de Uso Sustentável, onde se destacam as Florestas Nacionais, o que demanda uma profunda reflexão em termos de futuro dessa região. Inclusive quando se considera que a recomendação internacional mí-nima em área de UC / país deva corresponder a 6% e o Brasil alcança cerca de 0,5% a mais do que isso, portanto está no limite e mesmo assim, possui uma rede mal distribuída entre seus ecossistemas. Portanto, chama-se a atenção para a importância de serem previstas nos planos de desenvolvimento nacionais e regionais, a instituição de áreas protegidas, garantindo concomitantemente benefícios à população e à proteção a natureza (ALVES, 2003).

Nesse sentido, cabe ainda destacar que a situação em que se encontram muitos dos parques, no entanto, tem chamado a atenção das comunidades locais e mesmo estaduais, municipais e federais. Essa situação decorre da falta de fiscalização, de administração adequada, de recursos para manutenção e mesmo de conflitos decorrentes de atribuições administra-tivas e de fiscalização. Constata-se freqüentemente, incisões, desmatamentos, queimadas, coleta não autorizada de amostras, caça/pesca ilegais e sobretudo ausência de planejamento de manejo.

Um fato da grande importância no Brasil foi a formação da Rede Nacional Pró-Uni-dades de Conservação, criada em 1996 por um grupo de Organizações Não-Governamentais conservacionistas e sediada em Curitiba/PR, em conseqüência ao estado crítico de abandono das UCs brasileiras e a omissão governamental com relação à sua missão de protegê-las. O objetivo dessa Rede é proteger, fortalecer, aprimorar e ampliar o conjunto de UCs. Tam-bém coordena a organização dos Congressos Brasileiros de Unidades de Conservação (I em Curitiba/PR, 1996; II em Campo Grande/MS, 2000, o III em Fortaleza, 2002 e o IV em Campo Grande, 2004).

Conclusões

A evolução da legislação ambiental no Brasil foi relativamente lenta, podendo-se per-ceber que foi principalmente a partir da década de 1970 e mais especialmente desde 1980, com a nova Constituição Federal, a criação da SEMA, do CONAMA e do SISNAMA que os conceitos e condições de uso e de gestão das UCs ficam mais claramente estabelecidos. Percebe-se que a legislação ambiental brasileira foi preservacionista, até que a mudança de paradigma entre as décadas de 1930 e 1960 tenha incorporado a possibilidade de UCs de uso sustentável, terminologia e prática estas que são melhor e mais claramente definidas apenas em 2000 com o SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

No Brasil, as UCs de Uso Sustentável já superaram as de Proteção Integral, onde se destaca as FLONAS e os PARNA mais RESEX respectivamente.

A Amazônia teve suas primeiras UCs criadas na década de 1960, reproduzido o fenô-meno em nível nacional, mas difere do restante do país por não se tratar de Parque mas de FLONA e Reservas Florestais que juntas já somam quase 2 milhões de hectares. Mas foi com o Plano de Integração Nacional na década de 1970 que área expressiva em UC, quase a mesma

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CAMPOS, A. C.; CASTRO, S. S. Unidades de conservação, a importância dos parques e o papel da Amazônia

área total da década anterior, embora tenha sido reduzida em 25% na década seguinte. Da década de 1980 em diante, até por influência da Nova Constituição Federal (1988), a criação e implementação de UCs passou a estabelecer critérios e normas que permitiu viabilizar os objetivos nacionais de conservação e preservação.

Hoje a Amazônia apresenta 43.813.352,00 ha em UCs, que significa pouco mais de 11% do seu território no país, estando 54% nas UCs de Uso sustentável,o que permite supor certo equilíbrio com as de Proteção Integral.

A Amazônia sozinha é responsável por quase 83% da área total de UCs de Proteção Integral, bem como por 77,4% de área das UCs de Uso Sustentável do país, dados esses que por si só são contundentes.

Chamam a atenção os Parques Nacionais que respondem por 83% do total das UCs de Proteção Integral e as Florestas Nacionais que respondem por 99% do total em área das UCs de Uso Sustentável do país.

A Amazônia também tem participação significativa em outras categorias de UCs. Para as REBIO e E.E, somadas elas respondem por 0,9% da área dessas categorias no país, sendo que a Amazônia detém 0,7% dessa UC, significando sua importância também nessas duas categorias de proteção integral, embora isso não implique em número. Sua importância é também significativa para as RESEX tanto em número (21) quanto em área (93% do total nacional) e não chega à metade das ARIE (43%) no território nacional, no que se refere às UCs de Uso Sustentável.

Conclui-se que a Amazônia desempenha papel preponderante, mesmo dominante em áreas, tanto para as UCs de Proteção Integral como de Uso Sustentável no Brasil, o que demanda uma série reflexão a respeito do que está acontecendo no país em relação à Amazônia.

Referências

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Recebido para publicação em abril de 2006Aprovado para publicação em junho de 2006

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O ensino de geografia e a construção de representações

sociais sobre a Amazônia

La enseñanza de la geografía y la construcción de representaciones

sociales sobre la Amazonía

The education of geography and the construction of social representations

on the Amazonia

Genylton Odilon Rêgo da RochaPrograma de Pós-graduação em Educação do

Centro de Educação - Universidade Federal do ParáAv. Timbó, 2.350, apto. 1003 - Marco

CEP: 66.093-340 - Belém - [email protected]

Izabel Cristina Raiol AmorasRede Municipal de Ensino de Belém (SEMEC)

Av. Timbó, 2.350, apto. 1003 - MarcoCEP: 66.093-340 - Belém - PA

Resumo: Este artigo, apresenta o resultado das analises que fizemos de desenhos e pequenos textos, produzidos durante as aulas de Geografia, por alunos e alunas de uma escola publica, localizada na periferia de Belem, uma das principais cidades da Amazonia brasileira. Nestas atividades, manifestaram-se as representacoes sociais estereotipadas e mistificadoras que estes(as) alunos(as) possuem sobre a regiao. Acreditamos que este estudo possa contribuir para que nossos(as) educadores(as) e alunos(as) tomem conhecimento sobre estas representações, as desvelem, reflitam sobre as mesmas e re-elaborem seus conhecimentos acerca da região na qual eles e elas vivem e nela protagonizam o processo de produção do espaço geográfico.Palavras-chave: Amazônia; Representações sociais; Ensino de geografia.

Resumen: Este artículo presenta el resultado de los análisis que hicimos de dibujos y pequeños textos producidos durante las clases de Geografía por alumnos y alumnas de una escuela pública ubicada en un barrio periférico de Belém, una de las principales ciudades de la Amazonía brasileña. El resultado de tales actividades dejó claras las representaciones sociales estereotipadas y mistificadoras que estos alumnos y alumnas observan acerca de la región. Creemos que este estudio pueda contribuir a que nuestro/as educador/as y alumno/as conozcan estas representaciones, las desvelen, reflexionen respecto de ellas y reconstruyan sus conocimientos sobre la región donde ellos y ellas viven y protagonizan el proceso de producción del espacio geográfico.Palabras-clave: Amazonía; Representaciones sociales; Enseñanza de geografía.

Abstract: This article presents the result of the analyzes that we made of drawings and small texts, produced by students of a public school, during the lessons of Geography; the school was located in the periphery of Belem, one of the main cities of the Brazilian Amazonia. In these activities, the stereotyped and mystified social representations, which these students possess on the region, had been disclosed. We believe that this study can contribute so that ours educators and students take knowledge on these representations, to disclose them and that they work out its knowledge concerning the region in which they live and in it they carry out the production process of the geographic space.Keywords: Amazonia; Social representations; Geography education.

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 143-164 Jan-Jun/2006

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ROCHA, G. O. R.; AMORAS, I. C. R. O ensino de geografia e a construção de representações sociais sobre a Amazônia

Introdução

A partir das experiências adquiridas com a docência na disciplina Geografia, em uma escola pública de Ensino Fundamental, em regime de ciclos, localizada em um bairro periférico do município de Belém – Pará, detectamos, ao trabalharmos com os conteúdos relacionados à geografia amazônica, que grande parte dos conhecimentos prévios dos alunos sobre a realidade desta região, evidenciavam representações por eles adquiridas através dos livros didáticos, da mídia, da escola, etc.

Conforme aprendemos com Penin (1995), as representações não se distinguem em verdadeiras ou falsas, por tanto, nossas analises não buscam, a partir de um dado juízo de valor, identificar o grau de veracidade ou de falsidade presente nas representações manifes-tas nas atividades realizadas pelos alunos. Partindo do principio de que as representações se distinguem em estáveis e moveis, em reativas e superáveis, em alegorias e em estereótipos incorporados, conforme afirma Penin (op.cit), de maneira sólida em espaços e instituições, buscamos desvelar o caráter estereotipado e mistificador presente nas representações sociais que os (as) alunos (as) têm da Amazônia.

Conforme sentenciou Penin (1995), as representações que os sujeitos elaboram sobre as obras em um dado momento histórico não são por si só suficientes para dominá-la e ao seu processo de construção, porem, sabe-se que algumas representações podem se consolidar, gerando a modificação do concebido ou do vivido, daí a importância de conhecer as repre-sentações que os(as) alunos(as) têm da Amazônia em um determinado momento, para que a partir de seu conhecimento, possamos contribuir para que os próprios sujeitos que as mantém possam desvelá-las e nós próprios sobre elas possamos trabalhar. Acreditamos, assim como Penin (op. cit: 139), que “(...) ‘abrindo’ as representações ao pensamento, possibilitaremos que elas sejam atravessadas por ações transformadoras que orientem cada obra a atingir os objetivos a que se propõe”.

A partir de nossas constatações buscamos compreender de que forma o currículo e a disciplina Geografia, no Ensino Fundamental, poderiam contribuir para desmistificar estas representações, permitindo que nossos alunos possam, então, desvelá-las e assim re-elaborar o seu conhecimento sobre a região na qual eles e elas vivem e são protagonistas e da qual apresentamos, a seguir, algumas de suas principais características sócio-espaciais.

Algumas considerações sobre as características sócio-espaciais da Amazônia

Segundo a Rede GTA (Grupo de Trabalhadores Amazônicos – 2002), na Amazônia vivem aproximadamente 20 milhões de pessoas, entre as quais 180 povos indígenas com diferentes dialetos, e milhões de trabalhadores rurais e extrativistas. Esta população encon-tra-se distribuída em 3 centros urbanos com mais de um milhão de habitantes (dentre eles a cidade de Belém) e 23 cidades médias com população entre 50 e 500 mil habitantes, além de uma enorme malha de pequenas sedes municipais, vilas, comunidades e localidades. Os indicadores de desenvolvimento humano são baixos, com graves distorções no acesso a direitos básicos no que se refere à saúde, educação e posse de terra.

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Livre

Sabemos que a “nossa” região amazônica possui uma complexidade que abriga uma extraordinária diversidade de ecossistema, de grupos sociais e de peculiaridades locais.

Não é possível entender a Amazônia sem conhecer no passado e no presente da região o genocídio dos povos indígenas, a exploração da mão de obra escrava e a devastação para gerar riqueza que tem sido apropriada por tão poucos. Soma-se a isso a apropriação e concentra-ção de terra que representa um dos motivos que incentivam a expulsão e a violência contra trabalhadores do campo. A existência do grande latifúndio está relacionado à violência e aos constantes conflitos de territorialidade que têm resultado nos inúmeros e absurdos crimes no campo, com a sistemática morte de camponeses(as) e daqueles(as) que lhes dão apoio – políticos(as), missionários(as), advogados(as) etc.

O conflito de territorialidades compromete a vida e a dignidade de variados atores sócias que vivem na Amazônia. São indígenas, ribeirinhos(as), comunidades de pescadores, quebradeiras de coco, quilombolas, extrativistas da castanha e de outras especiarias existentes na floresta, pequenos agricultores, etc.

No cotidiano desta imensa região o rio funciona como uma estrada, constituindo-se, também, no lugar onde trabalham pescadores(as), trabalhadores(as) de embarcações e ribeirinhos(as) em geral. O rio, segundo Loureiro (2002, p. 11), “condiciona, inclusive, a cultura das populações ribeirinhas. É por isto que os grandes mitos da cultura amazônica estão ligados ao rio e a água, como o mito do boto, da cobra grande e outros”.

Nas últimas décadas, em função do modelo de desenvolvimento implantado na região, ocorreram aberturas de estradas, que cortam a terra firme, deslocando para estas áreas novos fluxos e fazendo surgir novos fixos. Como nos lembra Gonçalves:

(...) podemos dizer que uma Amazônia estava descartada, aquela do padrão rio-várzea-floresta. Não é a partir das suas condições culturais e ecológicas que ela será incorporada à nova dinâmica do capitalismo, agora profundamente internacionalizado. Ao contrário, e mais uma vez, ela será apropriada material e simbolicamente pelos valores dos “de fora”. (2001, p. 101)

Vale ressaltar que as nossas lendas, valores, hábitos e a nossa história, foram paulati-namente sendo distanciadas do cotidiano escolar. Assim, aumenta o número de pessoas que não sabem onde estão, o que representam e quem são. Eis a razão que nos faz, concordar com Oliveira (2003, p. 11) quando este afirma que:

Nada contra culturas e valores outros; muito pelo contrário, se possível fosse, deveríamos conhecê-las todas. No entanto, temos que primeiro conhecer, exaltar e gostar das coisas que esta nossa portentosa Amazônia nos oferece, (...) vamos nos posicionar contra esta postura preconceituosa existente contra nós (...).

É fato que os vários preconceitos relativos à cultura do homem da Amazônia e mesmo em relação à própria região, vão sendo manifestados através de jornais e revistas de circula-ção nacional, programas de televisão, nos debates do Congresso Nacional e até mesmo nos documentos que apresentam as políticas públicas para a região.1

1 Sobre o assunto pode-se ler interessante obra produzida por Nahum (1999).

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ROCHA, G. O. R.; AMORAS, I. C. R. O ensino de geografia e a construção de representações sociais sobre a Amazônia

Loureiro, ao realizar estudos sobre este mesmo assunto, detectou que pelo menos dois entre tantos preconceitos são freqüentes nos canais de comunicação de massa:

O primeiro é a idéia de que índio e caboclos viveram em terras muito vastas e ocupam essas terras em atividade pouco produtivas, do ponto de vista econômico. (...) A outra é a idéia (aliás, aqui se trata de um preconceito) de que caboclos e índios teriam uma cultura pobre, primitiva, tribal e, portanto, inferior e pouco importante. (2000, p. 104)

Estes comentários contribuem para camuflar a realidade e acabam fazendo com que as pessoas pensem que índios e caboclos nada têm a somar com o desenvolvimento da re-gião. Desconsidera-se que os diversos grupos sócias que habitam a Amazônia possuem uma enorme e rica cultura acumulada durante séculos, e que no processo de desenvolvimento da região, esta deveria ser valorizada pelas políticas públicas. Como afirma Loureiro (2000), o saber acumulado por essas culturas, ao invés de ser menosprezado ou ignorado, deveria ser respeitado.

Deve-se destacar que a desvalorização cotidiana da cultura regional, manifesta-se também nas instituições escolares através de seus currículos, que destacam outras culturas, secundarizando a própria cultura regional. Uma das conseqüências desse fato que estamos a destacar é que as identidades culturais de grupos sociais da região passam por um intenso processo de descaracterização e negação, conforme podemos perceber, por exemplo, nas analises que fizemos das representações sócias dos(as) alunos(as) que estudam no ensino fundamental de uma escola pública localizada em Belém. Antes dessa tarefa, porém, faz-se necessário discutirmos um pouco sobre o conceito de representações sociais.

O Que São Representações Sociais?

Já há algum tempo, o termo representação vem sendo objeto de interesse, preocupação, teorização e conceituação por parte de diferentes estudiosos, sejam eles filósofos, psicólogos, sociólogos ou educadores.

Durkheim, um pioneiro nos estudos sobre representações, defendeu a existência de uma separação radical entre representações “individuais” e “coletivas”. Para este autor, as primeiras constituíam o campo de estudo da psicologia, enquanto as segundas formariam o objeto da Sociologia. Preocupado mesmo em dar a Sociologia um caráter autônomo, este autor buscou dar as representações coletivas um caráter sui generis. Para ele, estas eram formas estáveis de compreensão coletiva, com o poder de obrigar, que pode servir para integrar a sociedade como um todo. Tal concepção, explica Duveen (2004) deve-se ao fato de Durkheim ter pro-duzido uma Sociologia “consistentemente orientada àquilo que faz com que as sociedades se mantenham coesas, isto é, às forcas e estruturas que podem conservar, ou preservar, o todo contra qualquer fragmentação ou desintegração;”. Nesta lógica, as representações coletivas têm um poder de obrigar, ajudar a integrar e a conservar o todo social.

Contrapondo-se a muitas das idéias defendidas por Durkheim sobre as representa-ções, temos Serge Moscovici. Este autor trabalha com o conceito de representação social,

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definindo-a como um sistema de valores, idéias e praticas que possuem uma dupla função: primeiramente, a de estabelecer uma ordem que possibilitara às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; uma segunda função seria a de possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes, o que o autor denomina de códigos para nomear e classificar, de maneira não ambígua os vários aspectos de seu mundo e da sua historia individual e social (MOSCOVICI, 2003). Este mesmo autor explica que o propósito de todas as representações é tornar o não-familiar, ou a própria não-familiaridade, familiar.

Explicitando um pouco mais estas duas funções exercidas pelas representações, Mos-covici (op.cit), nos ensina que as representações sociais convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram. As representações lhes dão forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria e gradualmente as colocam como modelo de determinado tipo, distinto e compartilhado por um grupo de pessoas. Por tanto, as representações ao convencionarem os objetos, possibilitam que conheçamos o que representa o quê, assim, cada experiência se soma a uma realidade pré-determinada por convenções que claramente definem fronteiras, distingue mensagens significantes de mensagens não-significantes e que liga cada parte a um todo e coloca cada pessoa em uma categoria distinta. Segundo Moscovici (2003, p. 35)

Nos pensamos através de uma linguagem; nos organizamos nossos pensamentos, de acordo com um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações, como por nossa cultura. Nos vemos apenas o que as convenções subjacentes nos permitem ver e nos permanecemos inconscientes dessas convenções.

O autor nos mostra, também, que as representações são prescritivas, ou seja, elas se impõem sobre nos com a força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nos comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado. Afirma Moscovici (2003, p. 37):

E, pois fácil ver por que a representação que temos de algo não esta diretamente relacionada à nossa maneira de pensar e, contrariamente, por que nossa maneira de pensar e o que pensamos depende de tais representações, isto é, no fato de que nos temos ou não temos dada representação. Eu quero dizer que elas são impostas sobre nos, transmitidas e são o produto de uma seqüência completa de elaborações e mudanças que ocorrem no decurso do tempo e são o resultado de sucessivas gerações.

Estudando o pensamento de Moscovici, aprendemos que todas as interações humanas, tenham elas surgidas entre duas pessoas ou mesmo entre dois grupos, pressupõem represen-tações. Estas não são criadas por um individuo isoladamente, porem, uma vez criadas, elas adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportuni-dades ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem.

Devemos ter em mente que quando mais a origem de uma representação é esquecida, e sua natureza convencional é ignorada, mais fossilizada ela se torna.

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Outra importante estudiosa das representações sociais é Denise Jodelet. Segundo esta autora, o conceito de representação social:

1) Designa uma forma de conhecimento especifico, o saber de sentido comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos gerativos e funcionais socialmente caracterizados. Em sentido mais amplo, designa uma forma de pensamento social;2) Constitui uma modalidade de pensamento pratico orientado para a comunicação, a compreensão e o domínio do entorno social, material e ideal. Enquanto tal, apresenta características especificas em nível de organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica. (apud PEDRA, 1997, p. 20)

Jodelet explica-nos o processo pelo qual se formam as representações. Com base em um exercício vigoroso de revisão bibliográfica, esta autora identificou seis tendências explicativas2. Interessa para este trabalho a perspectiva de caráter mais sociologizante, para a qual a atividade representativa é entendida como reproduções dos esquemas de pensamen-to socialmente estabelecidos, de visões estruturadas por ideologias dominantes. Ipso facto, as representações sociais remetem sempre a um grupo, a uma classe social, a uma cultura. Destaque-se que todas as representações sofrem a interferência do meio na sua constituição e necessitam de uma consciência que as sustente.

Outra importante contribuição para os estudos sobre as representações sociais foi dada por Henri Lefebvre. Segundo os estudos feitos por Penin (1995) sobre a obra lefeb-vriana, este autor considera a representação como sendo o terceiro termo que se forma a partir da dupla “representante-representado” de vasta discussão realizada pela Filosofia. As representações ocupam os intervalos, os interstícios entre o sujeito e o objeto clássicos, entre a presença e a ausência, entre o vivido e o concebido. Lefebvre explica que o concebido e o vivido se relacionam em um movimento constante e dialético e entre ambos as representa-ções fazem às vezes de mediadoras. Algumas dessas representações se consolidam, chegando mesmo a modificar o concebido e o vivido, outras, no entanto, circulam ou desaparecem sem deixar pistas.

Penin (op. cit) esclarece que na modernidade, nos presenciamos a hegemonia do saber, do concebido sobre o vivido, fato que se explica pela superistimação da lógica, do discurso, da representação em geral. As representações, por tanto, não são sinônimo de vivido, pois elas não alcançam a realidade que se vive, pois “Uma realidade especifica, entendida como ‘presença’ única (por exemplo, a realidade escolar), é uma obra socialmente construída por aqueles que a vivenciaram.” (1995, p. 28). Obra é algo distinto de produto; o primeiro termo designa na teorização lefebvriana, aquilo que é único e o segundo, aquilo que é reprodutivo. O produto permanece no meio das representações, enquanto a obra situa-se para alem delas, apesar de estas circularem ao seu redor.

As representações circulam ao redor de coisas fixas: instituições, símbolos, arquétipos. Interpretam a vivencia e a pratica, intervém nelas sem por isto conhecê-las e dominá-las. Também em relação à obra-escola, as representações pululam, ou seja, as pessoas que se utilizam de alguma forma desta obra interpretam-na, explicando, desse

2 Ver uma síntese do estudo feito pela autora em Pedra (1997).

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modo, a vivencia (vivencias) e a pratica ai realizadas. Entretanto, a interpretação que as pessoas estabelecem sobre a obra não lhes possibilita conhecê-la e dominá-la. (PENIN, 1995, p. 29)

Lefebvre apud Penin (op.cit) ensina-nos que as representações não se distinguem em verdadeiras e falsas, podendo ser ao mesmo tempo falsas e verdadeiras. Verdadeiras quando elas se constituem enquanto respostas a problemas “reais”, e falsas quando elas assumem papel dissimulador das finalidades “reais”. Penin, com base nos estudos feitos por Lefebvre, afirma que as representações possuem um caráter paradoxal, pois:

(...) não são ‘fatos sociais’, pois não possuem consistência própria; não são ‘fatos psíquicos’, ainda que motivem os atos, pois só surgem na relação; não são ‘fatos da linguagem’, ainda que o discurso seja seu suporte. As representações não podem reduzir-se nem a um veiculo lingüístico nem a seus suportes sociais; para captá-las é necessário estudar o discurso e a pratica social correspondente e, por isso, Lefebvre (...) se refere a elas como ‘fatos de palavras e de pratica social’. (PENIN, 1995, p. 29)

Em síntese, podemos afirmar que os estudos sobre as representações sociais, buscam compreender como o indivíduo ou a coletividade interpreta a realidade de uma sociedade, expressando o conhecimento que cada pessoa ou grupo detém sobre um determinado tema. Buscam, portanto, caracterizar as relações que cada indivíduo estabelece com o seu meio social.

O Estudo das representações sociais permite mostrar caminhos para conhecer o pro-cesso de construção de conhecimento. Dessa forma, a linguagem, a ideologia e o imaginário social, tornam-se elementos essenciais ao entendimento da elaboração e veiculação de con-ceitos e imagens da realidade, levando, portanto, a distinguir as representações estereotipadas e mistificadoras que impedem ações transformadoras.

Como podemos aferir, através do conhecimento das representações, pode-se com-preender a maneira como os sujeitos sociais apreendem e interpretam os acontecimentos do cotidiano, as características do meio, e absorvem os bombardeios de informações que circulam nas relações sociais.

È intenção deste trabalho apresentar as representações sociais que alunos(as) de uma escola pública localizada em Belém têm acerca da região amazônica, região na qual os(as) mesmos(as) nasceram e/ou habitam. Para tanto, as idéias sobre representações formuladas pelos(as) autores(as) que apresentamos acima, serviram de fundamentação teórica no processo de análise dos textos e desenhos elaborados pelos(as) alunos(as), cujos resultados apresentamos no próximo tópico.

As Representações Sociais de Alunos e Alunas do Ensino Fundamental Sobre a Amazônia

A disciplina geografia presente no currículo prescrito para as escolas de ensino fun-damental tem buscado trabalhar com os conhecimentos referentes ao espaço geográfico.

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Uma das vertentes atuais da prática de seu ensino tem dado ênfase, conforme destaca Cavalcanti (2002), a necessidade de se trabalhar com os conhecimentos prévios dos(as) alunos(as), considerando-os(as) como sujeitos ativos do processo ensino-aprendizagem. Esta vertente sócio-interacionista não vê o espaço geográfico apenas como uma categoria teórica, mas o considera enquanto uma categoria exatamente pelo fato do espaço ser vivi-do por nós, sendo ele resultante de nossas ações. Por isso mesmo, ensina-nos Cavalcanti (2002, p. 19) que:

(…) um dos modos de captar a geografia do cotidiano pode ser o trabalho com as representações sociais dos alunos, e buscar essas representações tem se revelado um caminho com bons resultados para permitir o diálogo entre o racional e o emocional,o verbalizado e o não verbalizado, entre a ciência e o senso comum, entre o concebido e o vivido.

A partir da incorporação desta idéia, realizamos a coleta de trabalhos que foram solicitados aos(as) alunos(as), por docentes que trabalham com a disciplina geografia. Tais atividades foram desenvolvidas durante os anos letivos de 2002, 2003 e 2004, por alunos de turmas de sexta série em uma escola pública municipal, localizada em Belém. Havia sido solicitado aos(as) alunos(as) que elaborassem desenhos livres e pequenos textos, através dos quais eles e elas expressassem suas compreensões acerca do que era a Amazônia.

Os(as) alunos(as) das turmas em que a atividade foi realizada encontravam-se na faixa etária de 12 e 14 anos. A grande maioria era moradora das proximidades da escola e conforme documentos analisados na secretaria escolar (fichas de matrícula), bem como em relatos feitos pelos(as) próprios(as) alunos(as), descobriu-se que muitos(as) nasceram em municípios do interior do Estado do Pará, como: Cachoeira do Arari, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Breves, Salvaterra (todos localizados no Arquipélago do Marajó), ou em municípios localizados no nordeste paraense, como Marapanim e Curuçá. Estes alunos fa-zem parte de famílias que saíram do interior da Amazônia a procura de melhores condições de vida e que engrossam as estatísticas dos deserdados, que buscam nas grandes cidades a utopia de uma vida melhor. São os expulsos do interior em função da ausência de políticas públicas eficientes que combatam e solucionem a miséria que vem marcando a realidade da sociedade amazônica.

O material coletado a partir das atividades realizadas pelos alunos(as), tornou explicitas as representações sociais que estes(as) possuem sobre a Amazônia. Ao analisá-las, não estamos buscando distinguir representações falsas das verdadeiras, pois como já foi explicitado neste texto, as representações não se distinguem em verdadeiras e falsas. Também sabemos que tais representações não são frutos da criação individual criadas por um individuo isoladamente, são elas sempre produto da interação e comunicação.

Para que melhor conheçamos estas representações, agruparemos os desenhos e tex-tos produzidos pelos alunos e alunas considerando a visão hegemônica de Amazônia neles presentes.

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Amazônia, um lugar distante

Um primeiro aspecto que nos chamou atenção nas atividades produzidas foi o fato de que, para a maioria dos(as) alunos(as), a Amazônia é um lugar distante, do qual eles e elas não fazem parte, conforme podemos perceber nos exemplos abaixo relacionados.

Figura 1

“A Amazônia é um lugar que os animais vivem pori sso e também a onde a muitas arvores muita matas. Nos temos que preserva o meio ambiente. Eu nunca vi mas eu espero que seja muito para os animais viverem sem perigos. Vamos ajuda aqui para melhora lá” Atividade elaborada pela aluna Gisele, 13 anos (2003).

Como podemos perceber na Figura 1, a aluna, através de sua ilustração e texto, apre-senta-nos uma Amazônia paradisíaca, romantizada, onde a fauna e flora, ricas e diversificadas, precisam ser preservadas. O discurso ambientalista foi absorvido pela aluna e em sua repre-sentação, a Amazônia, em perigo, necessita de ajuda para ter seu ambiente preservado. Mas esta Amazônia, como podemos perceber, é um lugar distante, não estando a aluna inserida neste espaço. Ela diz nunca ter visto a Amazônia.

Mais ilustrativa é a atividade elaborada pelo aluno Moises, abaixo reproduzida.

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Figura 2

“Eu acho isso da Amazônia que tem muitos animais perigosos e bonitos e tem muito ar, comidas e uma natureza muito bonito eu, queria ir lá eu já vi a AMAZÔNIA só pela televisão” Atividade elaborada pelo aluno Moisés, 13 anos, 2002.

Para este aluno, assim como para os demais, a Amazônia limita-se a um conjunto de elementos naturais. A sociedade não se faz presente. Não há espaço produzido. E total a ausência de identidade, de sentimento de pertença. Para o aluno, a Amazônia é um outro lugar, e apesar de ser um residente em Belém e assim como a maioria de seus/suas colegas, ter nascido no interior do Estado, o aluno diz desejar ir à Amazônia, pois ele só a conhece por meio da televisão.

Assim como os exemplos anteriores, as representações sociais manifestas na atividade elaborada pelo aluno Nailson, reforçam que a visão de uma Amazônia naturalizada, que nunca é encarada como um espaço resultante do trabalho de homens e mulheres históricos é hegemônica entre estes(as) alunos(as). Em seu discurso, encontramos, mais uma vez, a idéia de que a Amazônia é um outro lugar que não o que ele vive. Presente na sua escrita, através da qual ele nos diz nunca ter visto a Amazônia e nada saber sobre esta região, está a negação de uma identidade, a ausência do sentimento de pertença.

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Figura 3

“Eu nunca vi a Amazônia. Eu não sei nada sobre a Amazônia. Que eu sei sobre a Amazônia que ela tem muitos bichos muita árvore e também tem muitos rios” Atividade elaborada pelo aluno Nailson, 13anos (2003).

Das atividades que selecionamos para explicitar as representações dos(as) alunos(as) sobre a Amazônia, especial destaque queremos dar ao trabalho elaborado pela aluna Sarai. A visão romantizada sobre a região, mais uma vez se manifesta: a “Amazônia é um lugar lindo”; porem nesta representação, pela primeira vez aparece o “homem”, travestido na figura do

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“habitante”; mas este homem não produz geografia, ele não é um ser histórico; é um ser que não trabalha, não produz. Esta representação é marcada pela total des-historização. Destaca ela que os habitantes dessa região morrem, mas não em função dos conflitos de terra tão presentes no dia-a-dia amazônico; não pela fome, pela desnutrição que acomete a tantos; não pela violência urbana que cresce na mesma proporção que se urbaniza a fronteira; morrem atacados por tigres, leões ou até mesmo por espécies da fauna autocne.

Figura 4

“Como todos nós sabemos a Amazônia é um lugar muito lindo mas também é perigoso, a maioria dos Habitantes que moram na Amazônia são mortos lá mesmo por diversos animais cobra, jacaré, leão, tigre, onça, etc...eu conheço um pouco mas sobre a Amazônia pela professora, é muito importante que tenhamos um conhecimento sobre a Amazônia” Atividade elaborada pela aluna Sarai, 12 anos (2003).

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Amazônia: um espaço onde a dialética homem-natureza não existe

Um segundo conjunto de atividades por nos selecionadas, tem em comum o fato de manifestarem representações sociais nas quais a Amazônia se restringe a aspectos naturais. São representações nas quais o naturalismo manifesta-se como tônica. A historia não existe. A relação sociedade-natureza não é percebida por estes(as) alunos(as).

Figura 5

Atividade elaborada pela aluna Jordana, 14 anos (2002)

A representação sobre a Amazônia presente na figura 5, é a de uma floresta sempre verde, onde os animais parecem estar no “paraíso”. E o Éden! (sem direito a presença do Adão e da Eva) que não sofreu ainda qualquer alteração provocada pelo homem. Há nas representações dos alunos e alunas, a existência de uma natureza harmonia e perfeita. Neste “espaço” não há lugar para o homem. Ele não existe. Seria então a Amazônia o “vazio demo-gráfico” tão difundido no discurso utilizado para justificar as políticas desenvolvimentistas elaboradas para a região nas décadas de 1970/80?

As representações, não esqueçamos, são reproduções dos esquemas de pensamento socialmente estabelecidos, de visões estruturadas por ideologias dominantes. Nesse sentido, interessante é resgatar o estudo feito por Nahum (1999) que nos ensina que, nos discursos

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difundidos sobre a Amazônia, a natureza é um tema sempre presente, porém desumanizada. Segundo este autor:

A natureza neutra, então, é o local a - histórico anterior a qualquer começo, palco silencioso à espera dos atores e do enredo. Natureza imaculada – anterior a qualquer Adão e Eva, ou mesmo silenciando-os quando apareceu, trata-se de algo meio sagrado e profano. (op. cit: 39)

Esta natureza neutra, este lugar a-historico do qual nos fala Nahum (op. cit) também é presente na Figura 6, elaborada pela aluna Aneuza

Figura 6

Atividade elaborada pela aluna Aneuza, 14 anos (2002).

Neste segundo desenho, na Amazônia paradisíaca, houve o esforço da aluna para incluir todas as “criaturas de Deus”, ate mesmo “o rei dos animais”. Nota-se que alem da floresta, elemento sempre presente nas representações sobre a paisagem regional, houve o acréscimo do rio.

Como sabemos, na Amazônia os rios são elementos fundamentais no cotidiano, sobretudo da população ribeirinha, que deles retiram a base de seu sustento, bem como escoam o excedente de suas produções e por eles se deslocam, criando importantes fluxos de pessoas e mercadorias. Mas a ocupação recente da região, marcada por abertura de rodovias,

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que atraíram para suas margens não só os novos sujeitos chegados à Amazônia, mas também muitos dos membros das sociedades tradicionais que habitavam as florestas e as várzeas. Os rios têm sua importância relativizada. Passam a ser objeto de ações de garimpeiros que poluem suas águas com o mercúrio, desmontam os barrancos que os margeiam por meio de jatos d’água, acelerando o processo de assoreamento; assoreamento e poluição que em outros rios vêm sendo provocados pela ação das empresas agropecuárias que avançam suas culturas inclusive sobre as matas ciliares. Não esqueçamos, também, dos rios que estão sen-do barrados para gerar energia que se quer chegam à maioria das cidades, vilas e povoados existentes na região. Nas representações dos alunos e alunas, muitos deles(as) oriundos de cidades interioranas comumente localizadas às margens de rios amazônicos, a hidrografia representada apresenta-se harmonicamente presente na paisagem. Não sofreu interferência do homem.

Tais representações, acreditamos, resultam de discursos que são difusores da idéia de uma natureza intocada, infinita. Conforme afirma Nahum (op. cit), esta natureza que os discursos difundem, nunca é concebida enquanto campo de disputa, não é apropriada de forma privada, não é transformada para atender necessidades capitalistas. Não há ação hu-mana sobre esta natureza. Acreditamos que como resultado da assimilação destes discursos, nossos(as) alunos(as) acabam construindo uma representação estereotipada da Amazônia, fantasiosa, fruto dos discursos, que ao longo dos anos, vêm apagando a presença de homens e mulheres e suas diversas formas de se relacionar no espaço Amazônico.

Destacamos, dentre este segundo conjunto de atividades, o trabalho feito pelo aluno Joel. Nele foi incluído o “índio” que “pesca”, que trabalha. Sim, a categoria trabalho apa-rece. Os índios trabalham e produzem o espaço. O autor incluiu em seu desenho a figura de índios em pleno uso de suas tecnologias, incluiu também a aldeia. O que poderia ser considerado um diferencial em relação às demais representações manifestadas, nada mais é do que a reafirmação dos estereotipo, de mistificações que bloqueiam um olhar mais critico sobre a realidade amazônica.

A Amazônia que só vê através da Mídia

O ultimo conjunto de atividades produzidas pelos(as) alunos(as) por nos seleciona-dos, apresenta uma Amazônia que só é conhecida por eles(as) graças à mídia. Acreditamos que estas representações, ao atribuírem à mídia o papel de divulgador, socializador de um conhecimento sobre a Amazônia, explicitam, a bem da verdade, a própria fonte, a partir da qual, estas representações foram elaboradas.

Nos exemplos abaixo, e perceptível a influencia da televisão na visão que os alunos têm da Amazônia.

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Figura 7

«É um lugar de animais e da natureza e um lugar de pesca de índios de trabalho os índios trabalham todos os dias Amazônia e um lugar de beleza de maravilhas Amazônia e abençoada». Atividade elaborada pelo aluno Joel, 12 anos (2003).

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Figura 8

“Eu já ouvi falar no golbo repórter mas não me lembro. Eu acho que a Amazônia assim, cheia de arvores e de rios eu acho que ela e a maior floresta do Brasil”. Atividade elaborada pela aluna Josinete, 13 anos (2003).

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Figura 9

“eu imagino a Amazônia muito bonita com muitas arvores e grandes pescadores. Peixes e Animais de todas as espécies. Isso tudo eu vi na televisão”. Atividade elaborada pelo aluno Rafael, 13 anos (2003).

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Figura 10

“eu já ouvil falar na Amazônia no fantástico e no jornal em muitos lugares, mais eu me esqueso como é eu acho que é assim como eu desenhei”. Atividade elaborada pela aluna Angélica, 12 anos (2003).

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Nas figuras 8, 9 e 10, podemos observar que as representações sobre a Amazônia vêm em grande parte influenciada pela televisão. Este que é hoje o principal meio de comunicação, grande influencia exerce na manutenção e fortificação das representações sociais existentes, bem como para criar novas representações.

A grandeza dos recursos naturais amazônicos é sempre massificada através dos docu-mentários e reportagens produzidos pelos diversos canais de televisão. Nestas representações elaboradas e difundidas pela televisão, os habitantes do espaço Amazônico, são na maioria das vezes, excluídos desse “cenário”. A Amazônia é um outro lugar visto a partir do Rio de Janeiro ou São Paulo, cidades que são sede de grandes emissoras de televisão. Ela não é urbana, é só floresta, rios, animais.

Para um aluno que vive em uma cidade amazônica (não realizamos estudos com alunos que vivem no campo, nas florestas ou nas margens dos inúmeros cursos d’água existente em toda a região), a exemplo dos alunos que vivem em Belém e que fizeram parte desse estudo, em suas representações sobre a Amazônia não há lugar para cidades, metrópoles, o urbano propriamente dito. Em suas representações sociais, Belém não pode ser parte da Amazônia, pois só é considerada Amazônia os espaços onde nas paisagens predominam os elementos de uma natureza intocada.

Conclusão

Como tivemos oportunidade de demonstrar, os alunos que chegam as salas de aulas trazem consigo representações sociais estereotipadas, mistificadoras sobre a Amazônia. Nes-tas representações, a nossa região é um lugar distante da qual o(a) aluno(a) não faz parte. Mesmo vivendo na segunda maior cidade localizada na Amazônia, estes(as) alunos não se consideram amazônicos. Não se identificam como amazônidas, não estabelecem com esta região uma relação de pertencimento.

Em seus desenhos e textos, fica a explicito que eles e elas não se sentem amazônidas, pois em suas representações a Amazônia é um cenário no qual ou só se admite a presença do índio, ou então nem um tipo de sociedade lá habita. A Amazônia é quase um Éden, um paraíso perdido, onde floresta, rios, animais vivem sem a interferência humana, sem crimes ambientais. Mesmo nas representações onde a figura dos indígenas foi destacada, estes aparecem como um elemento a mais na paisagem. Não são homens e mulheres históricos, produtores e reprodutores de espaços socialmente construídos. Não aparecem nunca como sujeitos que lutam para preservar sua cultura, identidade, que vivem a constante ameaça da expansão capitalista sobre a região.

Percebemos, também, que é forte a influencia da televisão na elaboração destas repre-sentações, e como conseqüência, vê-se que estas representações sociais dos (as) alunos (as) do ensino fundamental cada vez mais refletem formas alienantes de vê a história, os grupos sociais e a cultura amazônica.

Desvelar estas representações nos desperta o interesse de compreender de que forma o currículo e a disciplina Geografia, no Ensino Fundamental, podem contribuir

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para desmistificar o papel que estas exercem na leitura de mundo de nossos(as) alunos(as) e nas nossas próprias. Ter clareza dessas representações sociais possibilita-nos, enquanto educadores(as), contribuir para que nossos(as) alunos(as) possam, então, desvelá-las e assim re-elaborem o seu conhecimento sobre a região na qual eles e elas vivem e são protagonistas. Acreditamos, portanto, que ‘abrir’ as representações ao pensamento, efetivamente possibilita que as mesmas sejam atravessadas por ações transformadoras que orientem cada obra a atingir os objetivos a que se propõem, como bem nos chamou atenção Penin (op. cit).

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Recebido para publicação em maio de 2006Aprovado para publicação em junho de 2006

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Entre a valorização da diversidade humana e a negação da historicidade

sócio-espacial: o que pode o ecoturismo na Amazônia?

Entre el valorization de la diversidad humana y la negación

de la pareja – la historicidad de espacio: ¿qué enlata en el

Amazonian ecoturismo?

Between human diversity’s valorization and the socio-spatial

historicity denial: what does ecotourism can in Amazônia?

Maria Augusta Freitas CostaMestranda do Programa de Pós-Graduação em

Geografia da Universidade Federal do ParáAv. Governador José Malcher, n. 2271, apto. 203

São Bras - CEP: 66.060-230 - Belém - [email protected]

Willame de Oliveira RibeiroMestrando do Programa de Pós-Graduação em

Geografia da Universidade Federal do ParáAv. Governador José Malcher, n. 2271, apto. 203

São Bras - CEP: 66.060-230 - Belém - [email protected]

Maria Goretti da Costa TavaresProfa. Dra. do Departamento de Geografia e

Coordenadora do Programa de Pós-Graduaçãoem Geografia da Universidade Federal do Pará

Av. Governador José Malcher, n. 2271, apto. 203São Bras - CEP: 66.060-230 - Belém - [email protected] - [email protected]

Resumo: A Amazônia apresenta nos discursos sobre a região, a riqueza natural como traço primordial, sendo por isso, considerada espaço privilegiado das práticas ecoturísticas, cuja formatação teórica aponta para a geração de reduzidos impactos ao ambiente, no entanto, as experiências dessa natureza na região têm se manifestado de forma pouco coerente com sua teoria, pois a preocupação em grande medida, se restringe aos aspectos naturais, pouco sendo dispensado às sociedades locais. Apesar disso, o potencial do ecoturismo, não apenas em termos de geração de renda, mas também como vetor de valorização dos aspectos culturais das sociedades locais não pode ser desconsiderado, para tanto a sociedade amazônica deve necessariamente ter participação ampla nas práticas e no planejamento dessa ramificação do turismo, com vistas ao equacionamento das atuais distorções vivenciadas na região.Palavras-chave: Amazônia; Ecoturismo; Relações sociedade-natureza; Espaço vivido; Ambientalidade.

Resumen: La Amazonía presenta en los discursos de la región, la riqueza natural como trazo primordial, estando por lo tanto, considerado espacio privilegiado de los eco turísticos prácticos, cuya formatación teórica apunta con respecto a la generación de impactos reducidos al ambiente, sin embargo, las experiencias de esta naturaleza en la región se ha revelado de forma poco coherente con su teoría, por lo tanto la preocupación en la gran dimensión, si restringe a los aspectos naturales, siendo dispensado poco a las sociedades locales. A pesar de esto, el potencial del ecoturismo, no solamente en términos de la generación de renta, pero también como vector de la valuación de los aspectos culturales de las sociedades locales no puede ser desconsiderado porque de tal manera la sociedad amazónica debe necesariamente tener la participación amplia en las prácticas y la formulación de planes de esta ramificación del turismo, con miras al ecuacionamiento de las actuales distorsiones vividas profundamente en la región. Palabras-clave: Amazonía; Ecoturismo; Sociedad-naturaleza de las relaciones; Espacio vivido; Ambientalidad.

Abstract: Amazônia presents in the speeches about the areas, the natural wealth as primordial line, being that, considered privileged space of the ecotouristics practices, whose theoretical organization points to a reduced impacts generation to the atmosphere, however, the experiences of that nature in the area have been manifesting in a not very coherent way with its theory, because the concern in great measure, limits to the natural aspects, not very being released the local societies. In spite of that, the potential of the ecotourism, not just in terms of generation of income, but also as vector of cultural aspects’ valorization of the local societies cannot be disrespected, for so much the amazon society should necessarily have wide participation in the practices and in the planning of that tourism´s ramification, with views to the equalization of the current lived distortions in the area.Keywords: Amazônia; Ecoturism; Society-nature relationships; Lived space; “Environmentality”.

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 165-175 Jan-Jun/2006

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COSTA, M. A. F.; RIBEIRO, W. O.; TAVARES, M. G. C. Entre a valorização da diversidade humana e a negação...

Introdução

O exotismo dos organismos naturais sempre exerceu uma grande atração sobre os homens, Vidal de La Blache em 1954, ao reportar-se aos primeiros navegadores viajantes, já ressaltava essa atração. O ecoturismo, na atualidade, demonstra ser movido por interesse semelhante, em muitos casos, reduzindo-se a “ver” o natural, por meio de programações de curta permanência das agências de turismo, calcada na idéia de que o importante é “ter” contato com a natureza, não importando a forma nem a razão. No âmbito dessa dinâmica a Amazônia passa a ser um reduto de relevante interesse à atividade ecoturística, tendo sua imagem intimamente relacionada à selva tropical, à vida animal e vegetal, enfim, aos recursos naturais.

No entanto, o estabelecimento de práticas ecoturísticas vai muito além do mero contato com os recursos naturais de determinado local, sendo caracterizado pelo estabelecimento de relações com a práxis mediada pelos símbolos e pela ação comunicacional preexistente no lugar. A totalidade apreciada na escala dessa práxis envolve o cotidiano, o momento, o fugidio, mas também, segundo Carlos (1996), a história, o permanente, o fixo, o identitário. Se o ecoturismo, ao se implementar, estabelece relações fortemente conflituosas ou mesmo de negação dessa totalidade estará renegando a personalidade do lugar, seus aspectos pecu-liares e especiais e, assim, debilitando o potencial de geração de benefícios às sociedades que sofrerem tais intervenções em seus espaços.

A Amazônia conta na atualidade com inúmeros empreendimentos de ecoturismo, dentre os quais uma trilha ecológica no setor oeste da ilha de Mosqueiro, na cidade de Belém, que foi projetada em 1998 e desde então vêm sofrendo inúmeras intervenções. Com exten-são, segundo a Companhia de Turismo de Belém - BELEMTUR - (2002), de 3688m em terra firme entre as localidades de Castanhal do Mari-Mari e Caruaru, um antigo caminho utilizado pelos moradores das duas localidades para interligá-las, e intercalada por passeios fluviais nos quais é possível apreciar a exuberância dos aspectos naturais de suas floresta densas, secundárias e de várzeas, onde se encontram 29 espécies de mamíferos, 35 espécies de aves, 5 espécies de lagarto, 8 de serpentes, 9 de anfíbios e 59 famílias de antrópodes. A trilha de Mosqueiro, que abarca ainda um ponto na localidade do Espírito Santo, tem sido um exemplo emblemático desses redutos turísticos na Amazônia.

Natureza e sociedade nos discursos e práticas ecoturísticas

Inúmeros autores demonstram os fundamentos da constituição da natureza, Arlete Rodrigues (1997), citando Robert (1969) e Schama (1996), diz que estes acertam ao afirmar que a natureza é demarcada pela sociedade e, portanto, é um construto dela, que a delimi-tando e a diferenciando pode ao longo da história subjugá-la, desvendando seu funciona-mento. Para Fenell (2002. p. 98) a falta de compreensão das complexidades e inter-relações do meio-ambiente contribuíram à sensação de que as localidades marginais - como as áreas selvagens - eram locais que precisavam ser subjugados. A concepção contemporânea de

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natureza postula a necessidade de “convivência harmoniosa” entre homem e natureza e não mais a subjugação degradadora do passado, mas uma subjugação conservadora, envolta por essa, a matéria natural passa a ser recurso turístico. Nesse viés, Santos (1999, p. 53) aponta a transformação da natureza em objeto:

No princípio, tudo eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza, quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também, a ser objetos. Assim a natureza se transforma em um verdadeiro sistema de objetos [...].

A matéria natural enquanto recurso turístico projeta-se ao atendimento de uma deli-cada relação de produção, pois o turismo ao ensejar suas formas dominantes de privatização e mercantilização da natureza exige transformações na paisagem que a adeque aos anseios de uma demanda especifica. Na contramão dessa tendência e indo ao encontro do pensamento de Fenell (2002) e, portanto, da versão contemporânea de natureza, ergue-se o discurso de uma forma sustentável de exploração dos recursos naturais pelo turismo, uma tipologia eco-lógica desse que se focaliza principalmente, como nos mostra esse autor, na experiência e no aprendizado sobre a natureza, contribuindo para a conservação ou preservação destas.

Todavia o que se observa nos discursos do ecoturismo é a perpetuação da visão origi-nária do termo natureza, fato ratificado nas palavras de Fenell: “[...] Não há dúvida de que a cultura pode ser parte da experiência do ecoturismo; no entanto, a questão é que muito provavelmente ela é uma motivação secundária e não um dos fatores principais como no caso da natureza e dos recursos naturais” (2002, p. 53). Procedendo dessa maneira o ecoturismo apresenta-se, como indicado por Diegues (1996), mais como fomentador de desequilíbrios que de sustentabilidade, pois desvirtua a complexidade embutida nesse objeto social que é a natureza.

Evidentemente, como nos mostra Santos: “o que aparece aos nossos olhos como natu-reza não é mais a natureza primeira, já é uma natureza segunda [...] Isso é fácil de constatar numa cidade ou numa zona agrícola e é menos perceptível em certas áreas onde as modifica-ções impostas pelo homem são menos visíveis” (1996, p. 172). Então, preponderantemente, engendra-se a necessidade de repensar a inserção de áreas florestais no circuito produtivo do turismo, pois, como afirma Diegues (1996), os eventos do ecoturismo não podem mais se destinar simplesmente a criação de espaços de “adoração da natureza” despojados da presença humana, se é que os defensores do ecoturismo pretendem seguir sua predisposição à seguridade. Contudo, mesmo quando apresentam esse redirecionamento e apesar da va-riação de escala, os empreendimentos associados ao turismo ecológico apresentam impactos socioambientais ou distorções na distribuição de seus benefícios que os tornam susceptíveis a certos questionamentos e relativizações como atividade sustentável.

O caso da trilha Olhos D’água em Mosqueiro está susceptível a tais questionamen-tos, já que vislumbrando a inserção da população residente na área circunvizinha ao parque ambiental de Mosqueiro (localidades Castanhal do Mari-Mari, Caruaru e Espírito Santo) nos movimentos do turismo ecológico, pouco contribuiu, como objetivava, para o envolvi-mento mais participativo dessas localidades ou à sensibilização dessas ao ecoturismo, nem a

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noção básica sobre esse ramo do turismo ou mesmo sobre o próprio turismo foi engendrada a população local, nem pela intervenção da Prefeitura Municipal de Belém em 2002 nem em 2003. Isso ficou evidente em pesquisa realizada no ano de 2003, onde apenas cinco (5) pessoas responderam saber o que é o ecoturismo em um universo de vinte e seis (26) famílias entrevistadas, número que diminui para três (3) pessoas caso se considere que as respostas de duas dessas pessoas em nada se relacionavam com essa atividade turística.

O entendimento sobre os pressupostos dos eventos ecoturísticos é essencial em uma intervenção como a do projeto da Trilha Ecológica Olhos D’água, no qual a Companhia de Turismo de Belém (BELEMTUR) e a Secretaria de Meio Ambiente do Município de Belém (SEMMA) subscrevem essa trilha a categorização de percurso programado, cujas interpreta-ções e explicações sobre fauna e flora são realizadas por um guia que “é a alma de uma boa trilha” (FUNDAÇÃO PARQUES... 2002, p. 23) e intercalado por aspectos sócio-culturais vivenciados pelos grupos sociais locais como as estórias de mitos e lendas amazônicas con-tados aos visitantes pelos moradores mais antigos da área. A pergunta central é como pode um projeto desse porte criar um vínculo participativo “lúcido” desses grupos sociais sem um entendimento claro da atividade que se está realizando?

Não há dúvida de que as concepções vinculadas ao ecoturismo, como a interven-ção da trilha Olhos D’água, representam um avanço com relação ao turismo tradicional, mas o manejo superficial do exótico e da beleza natural, segundo Diegues (1996, p. 92), exacerbada pelo “mito do verde e da natureza intocada” ainda persiste envolvendo agora as populações tradicionais (ribeirinhos, extrativistas, agricultores familiares...) que habitam os redutos naturais onde esses eventos preferencialmente se instalam. Para esse autor, no bojo dessas discussões reside o fato de que lidar com essas populações de forma a propiciar-lhes uma participação efetiva e garantir-lhes sua reprodução em suas áreas de origem, esbarra no fato de que em geral essas população são analfabetas e conhecem pouco de seus direitos, de circuito produtivo econômico e financeiro.

Em Mosqueiro, no circuito ecoturístico da trilha Olhos D’água, por exemplo, apesar de grande parcela dos chefes de família saberem ler e escrever tendo em média um grau de escolaridade de 4ª série do ensino fundamental, somente pouco mais de 10% da população local conseguiu abarcar a concepção dos eventos ecoturísticos e, desses, apenas um mora-dor (com ensino médio profissionalizante) efetivamente se inseriu no circuito mundial do turismo ecológico recebendo fluxos internacionais em seu restaurante o que possibilitou a abertura de uma trilha ecológica própria. Os demais moradores apesar de considerarem im-portante a participação nos eventos da trilha, principalmente pela valorização e divulgação das localidades pelos ecoturistas, pouco apreendem a relação da trilha com suas experiências vivenciadas diariamente considerando que há uma grande diferença entre as atividades realizadas na trilha e na comunidade: “porque ali a gente só dá um demonstrativo muito rápido, uns 5 minutos e há um processo, seria muito bom mostra a própria realidade e não só demonstrar” (Moradora da Comunidade do Caruaru, jan. 2005), fato que para eles não engendra uma experiência de conhecimento da realidade local, pois os turistas “só vão de passagem não chegam a conversar com as comunidades” (Morador da Comunidade do C. do Mari-Mari, dez. 2004).

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Nessa perspectiva, o turismo e, possivelmente, o ecoturismo pode levar a uma versão descaracterizada ou descontextualizada social e historicamente das práticas sócio-culturais vivenciadas pelas populações tradicionais amazônicas, não só pela não inclusão dos aspectos sociais, como também pelas práticas e teorias supervalorizadoras das populações tradicionais. No primeiro caso, por simplesmente desconsiderar a existência dos grupos sociais da floresta e, no segundo caso, por organizar as experiências vivenciadas por esses grupos em atrações de um espetáculo que em nome da sacralização do exótico tendência a manutenção dos padrões de vida preexistentes nessas áreas sem dar o direito desses grupos de participar do meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1999).

Segundo Figueiredo (1999), ao entrar no circuito do mercado de bens culturais a partir da atividade turística, a cultura popular e o folclore acabam organizados em “nichos de culturas” e, por conseguinte, se estabelecem nos Guetos Turísticos – reservas artificialmente criadas sob medida para os turistas desfrutarem da “cultura local”. Refletindo sobre esses im-pactos sobre a manifestação cultural no município de Soure (PA), o autor retrata os impactos sofridos pelo carimbó, dança característica de determinadas localidades amazônicas:

É ali que o carimbó tem seu espaço e são esses empreendimentos que praticamente o mantêm. Atualmente, excetuando-se os festivais e concursos durante a época junina e grandes eventos, não encontramos o carimbó em Soure. O único lugar em que pode ser observado e dançado é no hotel, que apresenta os “Shows de carimbó”, e nos ensaios dos grupos parafolclóricos. (FIGUEIREDO,1999, p. 179)

Numa abordagem sobre o espaço do ecoturismo é preciso, pois, relativizar a intensidade com que se denota seus dois principais elementos: o natural e o humano, que analisados isoladamente repercutem coisificações, mas uma perspectiva de abordá-los em conjunto é apresentada por Moreira (1997) ao considerar o ambiente. Para esse autor o ambiente não é a natureza ele é o quadro referencial organizado pelo coletivo humano numa relação espacial identitária e, assim sendo, a natureza só passa a ser ‘ambientalidade’ quando fazendo parte desse quadro é sentida como um todo, sentindo-se, então, o todo enraizado num mundo.

Ranços e avanços do ecoturismo na Amazônia

A ambientalidade no turismo ecológico é imaginada como lócus de um espaço ainda submetido às culturas de interação tradicional, ensejada pela procura de paisagens em estado “originário”, onde se prima pelas pequenas operações denotadoras de baixos efeitos impac-tantes e grande conservação do meio ambiente e da “rusticidade local”, num processo de “valorização sem transformação” dos elementos “naturais” da paisagem e dos traços culturais das populações “nativas” locais. Fato observado nas diretrizes do modelo proposto para a Amazônia, onde em tese, as ações econômicas e sociais devem voltar-se para a utilização de matéria-prima local, que promovam a identificação do homem com seu meio natural por meio de suas adaptações singulares que parece ser o rastro da preservação histórica retratada por La Blache:

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O homem, desde que sentiu a necessidade de se fixar, fez o seu ninho com os materiais que tinha ao seu alcance e sofreu a influência deles. É exato dizer, sobretudo a este respeito, que a matéria dita a forma. Razões de clima e de solo determinaram, segundo as regiões, o emprego preponderante da madeira, da terra ou da pedra [...]. (1954, p. 215)

Entretanto, o potencial de integração dos valores naturais e culturais indutores da constituição das “paisagens notáveis”, característica essencial na configuração dos chamados “espaços de reserva de valor”, como os espaços destinados a prática do ecoturismo, acaba sendo enfraquecido pelos impactos ao espaço físico da Trilha Olhos D’Água, como as constantes queimadas intencionais nas áreas de vegetação ao longo da trilha. Em agosto de 2004 cerca de 40m2 de floresta foram devastados pelo fogo na localidade de Caruaru, segundo mora-dores locais, como represália às práticas turísticas da Trilha Olhos D’Água. Julga-se que esse ato tenha atingido espécies vegetais originárias de mata primitiva como a Andiroba (Carapa guianesis Aubi), árvore de grande porte que chega a atingir 30m de altura; a Castanha do Brasil (Bertholletia excelsa Humb e Bonpi); o Cupuaçú (Theobrama grandiflorum (Wilid. Ex. Spreng) Schum), uma espécie cujo fruto é muito apreciado. Esses exemplos florísticos, apenas algumas espécies das muitas encontradas em toda área de abrangência da trilha, compreende inúmeras possibilidades de uso pelas populações tradicionais da Amazônia como fornecedoras de madeira, fruto e remédio.

Assim, a inserção da ambientalidade do Castanhal do Mari-Mari, do Caruaru e do Espírito Santo na esfera da atividade turística provocou não só o agravamento das tênues relações coletivas entre essas como das relações sociedade-natureza, onde essa última acaba por não fazer mais parte de um todo enraizado e de um quadro de referencias ambientais de uma parcela da população local. Esse agravamento das relações sociedade-natureza engendra uma perda nos indicadores de valorização do lugar para o desenvolvimento do turismo ecológico, ou seja, uma intensificação da transformação do meio ecológico pelo trabalho humano.

O lócus de atração do ecoturismo pressupõe um ambiente onde o espaço é vivido, sentido e marcado por uma afetividade que, segundo Tuan (1980), revela o apego a terra, a familiaridade e o amor pelo lugar cuja natureza desperta e produz sensações capazes de tornar seus moradores profundamente conscientes de sua beleza e da necessidade de manejo adequado de seu ambiente. Num esforço de análise que tendencie a uma percepção do turismo ecológico como totalidade diferenciada dos outros movimentos turísticos, vislumbra-se a possibilidade da captação da interação entre o natural e o social através do vivido, das relações que ligam o homem a um certo meio e que nele e com ele imprimem sua materialidade.

É nessa relação que se deve pautar o ecoturismo, renegando intervenções impositivas sem, no entanto negar o acesso das populações tradicionais às inovações técnicas, o vivido não é um museu vivo, como nos lembra Figueiredo (1999), onde se deva transformar qual-quer curiosidade humana das comunidades visitadas em atração “circense” e atribuir-lhe um valor monetário, ou ainda onde em nome do preservarcionismo, deva ser mantido estático, a-histórico. A cultura, relata Santos (1999), é uma herança, mas também um re-aprendizado das relações profundas entre o homem e o seu meio.

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Na prática, no entanto, é impossível negar a mercantilização da natureza e da cultura, consideradas as principais matérias para o turismo ecológico, mesmo enquanto espaço vivido. Contudo ao se partir da análise de Aulicino, para quem “O turismo deve constituir-se numa atividade centrada no homem, no ser humano no enriquecimento cultural do visitante, através do fortalecimento cultural de quem o recebe” (1997, p. 41), pode-se compreender a força do espaço vivido, não só, mas, fundamentalmente, para o turismo ecológico.

Sem entender o vivido interfere-se na vida cotidiana dos moradores amazônicos como os que se encontram na trilha ecológica Olhos D’água, cujas peculiaridades da organização sócio-espacial local tem se realizado de maneira pouco integradora entre os moradores locais e os visitantes, inviabilizando o re-aprendizado profundo de que trata Santos (1999), um exemplo claro disso é a representação do fabrico da farinha de mandioca, um dos alimentos mais consumidos na Amazônia. A inserção desse hábito popular a esse circuito turístico tenta mediar o natural e o humano na trilha do ecoturismo em Mosqueiro, todavia, a simples representação do fabrico da farinha não é capaz de promover uma profunda troca de experi-ências entre visitantes e visitados e de ambos com o meio ecológico, relação exacerbada pelos precursores do ecoturismo e pelos gestores da trilha Olhos D’água.

Isso porque a demonstração da fabricação da farinha revela-se de fácil enunciado ao visitante fornecendo-lhe, como mostra Tuan (1980), apenas um ponto de vista, ao passo que a confecção de todos os artigos e materiais à fabricação da farinha propriamente dita expressa uma atitude mais complexa de maior dificuldade e que só indiretamente pode ser revelada através do comportamento, da tradição, do conhecimento e do mito. E, assim, que a etapa da confecção do material à fabricação da farinha ligada ao descasco da mandioca, por exemplo, revela-se muito mais complexa e com poderio maior de aproximação dos ecoturis-tas ao espaço vivido das localidades abarcadas pela trilha Olhos D’água, por ser uma etapa de intensa sociabilidade onde praticamente todos os membros de uma família se reúnem envoltos por laços comunicacionais (SANTOS, 1999).

É obvio que na realização de uma visitação a um dado lugar, mediada pelo percurso de uma trilha cujo roteiro dura pouco mais de três horas, é praticamente inviável a apreciação de tais traços de sociabilidade pelos ecoturistas que acabam por serem remetidos apenas aos estímulos estéticos do lugar, guiados pela aparência, engendrando, no dizer de Tuan (1980), uma superficialidade na postura crítica desses turistas que ficam encantados:

[...] pelas vidas apáticas, do jogo atrás das vistosas fachadas [...] mas o jugamento do visitante é muitas vezes válidos. Sua principal contribuição é a perspectiva do novo. [...] O visitante, freqüentemente, é capaz de perceber méritos e defeitos, em um meio ambiente, que não são mais visíveis para o residente. (op. cit., p. 74-75)

Nesse ínterim, entende-se que uma trilha ecológica deve ser parte integrante de um circuito ecoturístico mais amplo e integrado, onde sejam possíveis intervenções como aloja-mentos turísticos nas casas dos moradores locais, o que permitiria aos ecoturistas experenciar com mais propriedade o espaço vivido das áreas receptoras e, dessa forma, proporcionar, na visão de Rodrigues (2003), respeito aos residentes e aos turistas, no primeiro caso por diminuir a noção de superioridade cultural dos visitantes em relação aos visitados e, no

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segundo caso, por proporcionar uma experiência mais próxima das ofertadas nos panfletos das agências de viagens. Na trilha ecológica Olhos D’água, no entanto, e apesar do avanço em relação a outros empreendimentos ditos ecológicos na cidade de Belém, incisivamente pela inserção dos grupos sociais locais no circuito, a BELEMTUR imprime um sistema de objetos e um sistema de ação que normatiza o espaço mosqueirense para atender os fluxos e refluxos do ecoturismo não para uma apropriação efetiva desse espaço, mas para o consumo do conteúdo simbólico de suas paisagens.

Por não apreender a categoria do vivido, os governos quase nunca compreendem o valor simbólico das relações de co-presença existentes no local, e em nome das redes globais do “exótico”, da “indústria do verde” reordenam o espaço das populações tradicionais ao atendimento dos ecoturistas, e quando procuram articular essas populações ao processo de produção do espaço ecoturístico, os governos, atendem apenas as necessidades desse re-ordena-mento necessário ao sucesso do empreendimento levando a desarticulação da ambientalidade tradicional e a mercatilização de algum aspecto da cultura local.

Segundo Diegues (1996) os aspectos culturais das populações tradicionais resultam de uma interação dialética das relações homem/meio, sendo essa interação enaltecida pelos planejadores e pelos operadores do turismo ecológico, que buscam envolver a população no desenvolvimento dessa atividade exacerbando seus aspectos culturais mais pitorescos. Mesmo para Fenell (2002), a quem os aspectos culturais são pano de fundo no turismo ecológico, de fato a abordagem da relação homem/meio pode contribuir com a gestão turística dos ecossistemas quando apresenta uma compreensão histórica que seja significativa e atraente a uma ampla gama de cidadãos e, assim, para complementar a visão daqueles que são atraídos ao turismo ecológico apenas por sua perspectiva biológica ou científica. Para Lópes (2001) essa compreensão torna possível focalizar o turismo e suas várias ramificações sob a égide das trocas compartilhadas:

O turismo permite e coloca em circulação as várias relações entre as pessoas e suas nações, ampliando o leque dos amigos, conhecidos e também dos signos e símbolos compartilhados entre esses. Isso não significa que essa abordagem desconsidere as relações de dominação [...] Contudo, focalizando a questão sobre as trocas compartilhadas, entre turistas e moradores [...]. (op. cit., p. 81)

De acordo com Fenell (2002) não poderá ocorrer uma gestão humana eficaz dos ecossistemas por meio do ecoturismo sem uma clara compreensão do lugar das pessoas no contexto deles. O lugar apresenta-se como dimensão única, socialmente concreta, onde os fenômenos sociais são agregados em organizações comunitárias que resistem ao processo de individualização por meio de um acontecer solidário, cujo prolongamento ao longo do tempo, gera um sentimento de pertencimento. O ecoturismo não pode prescin-dir a existência dessa instância social - o lugar, pois é nela que se constrói as relações de ambientalidade, promovidas pelo movimento de cooperação e seus “esboços simbólicos” (SANTOS, 1999, p. 266).

Os “esboços simbólicos” revelam faces da identidade cultural de um povo, as identida-des organizam significados e esses a identificação simbólica que marca o espaço vivido desse

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povo, ao internalizar os significados, seus sujeitos, abarcam a totalidade da universalidade e nela se descobrem como singularidades. A identidade cultural é arquitetada por categorias valorativas que, como admite Azevedo (1997, p. 163), constituem-se por: 1. Valores peculiares individuais – hábitos, idéias e reações emocionais; 2. Valores alternativos – caracterizado por representarem reações diferentes frente a uma mesma situação (técnica de ensino, religião, etc.); 3. Valores como especialidades – reconhecido no curso de sua divisão do trabalho que embora não sejam eles próprios partilhados pela sociedade, os benefícios deles emergentes o são; 4. Valores universais – pertence abaixo do nível de consciência, como a língua, padrão de moradia e costumes, formas ideais de relacionamento.

É nesse contexto que a cultura particular de uma população – cultura popular, vivenciada num espaço que simboliza o próprio homem, onde as relações são limitadas segundo Santos “por uma interação profunda entre o homem e seu meio”, e, portanto, “encarna a vontade de enfrentar o futuro sem romper com o lugar” (1999 p. 268) – deve ser depreendida pelo ecoturismo, fazendo evidenciar os mosaicos culturais resultantes das inúmeras relações mútuas e das adaptações dos organismos ao meio, sem coisificá-los que, no dizer de Diegues, não representam “uma submissão às imposições da natureza, mas como uma correlação de ampliação de seus efeitos positivos e a atenuação de seus efeitos negativos” (1996, p. 76).

Todos os caminhos conduzem a uma percepção nítida de que a exploração turística dos recursos ambientais revela em primeiro lugar a prestação de um serviço, cujo objetivo final é, sem dúvida, o lucro, mas também, a uma percepção de que não se pode reduzir exclusivamente à mercadologia a vida das populações, principalmente das tradicionais, a qual se assenta em alicerces mais profundos, conforme relata Azevedo (1997), em pilares da cultura que respondem pela afirmação da sua respectiva identidade sem se fechar a outras contribuições. Para Lópes (2001) a base não-mercadológica dos movimentos turísticos revela-se na demonstração de orgulho dos moradores das áreas receptoras, ou seja, dos sentimentos, significados e privilégios que esses identificam a sua pertença ao lugar e a pertença desse ao mundo. No circuito do turismo ecológico de Mosqueiro isso se evidencia nos relatos de cerca de 80% dos 26 chefes de famílias entrevistados:

Gosto de contar a estória. É importante [...] eles acham graça o língua (intérprete) conta para eles (japoneses). Morador do Castanhal do Mari-Mari – 76 anos, dez. 2003. (grifos nosso)Que foi bom porque temos novos conhecimentos, ver estrangeiro [...] ele divulga mais a comunidade, a gente fica mais conhecido. Moradora do Caruaru – 30 anos, dez. 2003.

Portanto, a prestação desse serviço deve basear-se na qualidade de sua produção e na fomentação da “densidade social” produzida pela fermentação da identidade cultural (valores intrínsecos) e do seu contraponto, a diversidade (valores extrínsecos). Ambas coexistem, sem que se constituam ameaças à sobrevivência de um grupo, desde que mantidos o respeito pelos valores centrais de uma determinada cultura, possibilitando a promoção de sua síntese, pode-se ir incorporando-lhe inovações pelo desenvolvimento de adequações de propostas

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COSTA, M. A. F.; RIBEIRO, W. O.; TAVARES, M. G. C. Entre a valorização da diversidade humana e a negação...

de trabalhos e projetos (AZEVEDO, 1997). A força desse movimento de incorporação se-letiva de inovações a um passado, reinterpretando-o para um futuro liberado, não ocorrerá se a memória desse passado for destruída ou esquecida. Desvencilhando-se a cultura de seu passado (sua memória) corre-se o risco, sem dúvida, de tratar os costumes dos habitantes de uma localidade, da mesma maneira como foram relatados nas narrativas e compilações pelos quinhentistas, onde ora era o maravilhoso, ora o anedótico que predominava (LA BLACHE, 1954).

Considerações Finais

O potencial educador, valorizador e difusor da diversidade cultural e biológica que os eventos ecoturísticos podem propiciar correspondem a uma perspectiva mais coerente à prática do turismo na região Amazônica, mas que isso uma reforma necessária para não se aprofundar as lacunas entre sociedade e natureza. Esse potencial pode através da mediação do espaço vivido dos diversos lugares amazônicos possibilitar uma percepção mais rica da ambientalidade dos grupos sociais que aí residem. Pode-se dizer então que se é o apelo natural do meio ambiente à motivação para o turismo ecológico, são as formas humanas através de suas ações no meio, a maior expressão de singularidade dos espaços onde esse turismo ocorre, pois como assesta Tuan (1980, p. 110) torna a “[...] apreciação da paisagem mais pessoal e duradora” por “[...] está mesclada com lembranças de incidentes humanos”.

No caso da Trilhas Olhos D’água alocada na capital do estado do Pára, esse potencial só parcialmente pode ser apreciado, apesar desse empreendimento constituir-se um marco diferencial por tentar apreender os traços sócio-culturais dos grupos sociais locais e não somente as características zoo-botânicas da área. Isso porque a apreensão desses traços ainda restringe-se a uma certa “dramatização” de hábitos e costumes locais, a exemplo da coleta do açaí que passou a ser apresentada aos visitantes com uma artificialidade que perpassa pela extração do fruto de açaizeiros que não têm açaí.

Nesse ínterim, esse hábito local torna-se ao visitante de um sentido objetivo, ou seja, de todo o significado social que representa essa espécie aos amazônidas. Assim, as atividades das ramificações do turismo alternativo, como o ecoturismo, destinam-se muito mais a captar as demandas internacionais do “ver o verde” e “ver o primitivo” do que a propiciar uma efetiva articulação entre os diferentes (visitantes e visitados) ou a ser encarado como um “fato social total” como preconiza Lópes (2001). Como assesta Tuan (1980, p. 74) o “ver” do visitante remete a leitura tradicional das paisagens, a aparência, sendo necessário “um esforço especial para provocar empatia em relação às vidas e valores dos habitantes”.

Nesse viés, o turismo ecológico aproximar-se-ia de um “fato social total” quando mais evidenciasse essa empatia, sendo que essa só será evidenciada quando os circuitos produtivos do turismo ecológico conduzam os turistas a experienciarem o espaço vivido das áreas receptoras, minimize os aspectos de feiúra e beleza relacionados ao local de estadia e, dessa forma contribuir para uma percepção mais nítida sobre os méritos e defeitos do meio ambiente visitado.

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Livre

Referências

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Recebido para publicação em fevereiro de 2006Aprovado para publicação em maio de 2006

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Grandes projetos, urbanização do território e metropolização na

Amazônia

Grandes proyectos, urbanización del territorio y metropolización en la

Amazónia

Large projects, territory urbanization and metropolisation

in the Amazon

Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior

Departamento de Geografia, Universidade Federal do ParáAv. Timbó, 2.350, apto 1003 - Marco

CEP: 66.093-340 - Belém - [email protected]

Resumo: O artigo discute a relação existente entre grandes projetos econômicos, a difusão da urbanização do território e o processo de metropolização na região amazônica. Partindo da inserção do espaço metropolitano de Belém na Amazônia oriental, busca-se investigar como o processo de metropolização expressa a estrutura produtiva da nova dinâmica regional, bem como da reestruturação da rede urbana no atual período histórico. O modelo econômico imposto nos últimos anos conferiu uma forte reestruturação em determinados espaços da Amazônia oriental e, neste contexto, os centros urbanos servem como base de operações de diferentes projetos econômicos que incrementam a urbanização e a dinâmica produtiva no território. Diferentemente da sub-região da Amazônia ocidental, onde a população, a urbanização e as atividades econômicas estão mais concentradas, na Amazônia oriental, o processo recente de produção espacial é mais disperso, conferindo uma outra importância ao espaço metropolitano no contexto regional. Palavras-chave: Grandes projetos; Urbanização do território; Metropolização; Amazônia; Belém.

Resumen: Este texto trata de la relación existente entre los grandes proyectos económicos, la difusión de la urbanización del territorio y el proceso de metropolización en la región amazónica. A partir de la inserción del espacio metropolitano de Belém en la Amazonía oriental, buscase investigar como el proceso de metropolización manifiesta la estructura productiva de la nueva dinámica regional, así como de la reestructuración de la red urbana del actual período histórico. El modelo económico impuesto en los últimos años ha conferido una dinámica intensa en determinados espacios de la Amazonía oriental y, en este contexto, los centros urbanos han servido como base de las operaciones de diferentes proyectos económicos que incrementan la urbanización y la dinámica productiva en el territorio. De manera diferente de la sub-región de la Amazonía occidental, donde la población, la urbanización y las actividades económicas están más concentradas, en la Amazonía oriental, el proceso reciente de producción espacial es más disperso, confiriendo una otra importancia al espacio metropolitano en el contexto de la región. Palabras-clave: Grandes proyectos; Urbanización del territorio; Metropolización; Amazonía; Belém.

Abstract: This paper discusses the relationships between the large economic projects, the diffusion of the territory urbanization and the metropolization process in Amazonian region. From the insertion of metropolitan space of Belém in the eastern Amazon, it intends to investigate how the metropolization process expresses the productive structure of new regional dynamic, as well as the urban network restructuring at the present historical period. The economical model imposed in the last years has made certain areas intensely dynamics in eastern Amazon, and, in this context, the urban centers serve as basis of operations of the different economic projects which increase the urbanization and the productive dynamic in the territory. Differently of western Amazon region, where the population, the urbanization and the economics activities is more concentrated, in the eastern Amazon, the recently process of the spatial production is more dispersed, giving an other importance to the metropolitan space in the regional context.Keywords: Larges projects; Territory urbanization; Metropolization; Amazon; Belém.

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 177-194 Jan-Jun/2006

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TRINDADE JÚNIOR, S. C. Grandes projetos, urbanização do território e metropolização na Amazônia

Introdução

Na dinâmica de urbanização do espaço amazônico, grande importância apresenta a urbanização concentrada� nas capitais regionais, que desencadeou nas últimas décadas o processo de metropolização, a exemplo do que se verifica em relação a Belém, na Amazônia oriental e a Manaus, na Amazônia ocidental2. Nesse contexto, diferenças podem ser perce-bidas a respeito desse mesmo processo quando contextualizados no âmbito sub-regional no qual se inserem.

A compreensão dessas especificidades deve levar em conta algumas particularidades que estão diretamente ligadas mais à economia política da urbanização que propriamente à eco-nomia política da cidade (SANTOS, 1994). No primeiro caso, leva-se em conta uma divisão social do trabalho, que juntamente com a divisão territorial do trabalho definem a repartição territorial dos instrumentos de trabalho, do emprego e dos homens num determinado espaço, a exemplo do recorte regional. A economia política da cidade, por seu turno, nos permite entender a maneira como a cidade se organiza internamente em face da produção e como os diversos atores da vida urbana se localizam a cada momento da história da cidade.

O enfoque sob a ótica da economia política da urbanização, que orienta a presente discussão, pretende nos ajudar a estabelecer a relação da cidade com a região e, no caso mais específico de nossas preocupações, da metrópole com a região amazônica. Caberia, então, partirmos de algumas indagações no sentido de melhor orientar a análise aqui proposta: a) como se apresenta a economia política da urbanização na Amazônia e quais as suas espe-cificidades? b) Como compreender hoje a dinâmica metropolitana em uma região como a Amazônia? Qual o papel assumido pelos grandes empreendimentos econômicos como indutores da urbanização do território e do atual perfil da metropolização na região?

O tratamento dessas questões pressupõe considerar noções importantes diretamente relacionadas à interpretação da urbanização brasileira, a exemplo da urbanização do terri-tório:

Estaríamos, agora, deixando a fase de mera urbanização da sociedade, para entrar em uma outra, na qual defrontamos a urbanização do território. A chamada urbanização da sociedade foi o resultado da difusão, na sociedade, de variáveis e nexos relativos à modernidade do presente, com reflexos na cidade. A urbanização do território é a difusão mais ampla no espaço das variáveis e dos nexos modernos. (SANTOS, 1993, p. 125)

Para algumas realidades do território brasileiro, o processo de urbanização do território parece se colocar como algo inquestionável; daí, em vez de se falar simplesmente de urbani-zação do espaço ou do território, falar-se também de um processo mais complexo, que é o

1 Por urbanização concentrada, entendemos o intenso crescimento das grandes cidades, especialmente das capitais dos estados amazônicos, que nas últimas décadas aglutinaram um percentual significativo da população regional.

2 Várias são as regionalizações internas consideradas para o espaço amazônico. Para efeitos da presente discussão, estamos considerando aqui, de maneira genérica, apenas duas grandes sub-regiões, uma de influência direta e indireta de Manaus (Amazônia ocidental), não se restringindo ao Estado do Amazonas, mas incluindo Estados como Roraima, Rondônia e Acre; e outra de influência direta e indireta de Belém (a Amazônia oriental), que além do Estado do Pará, inclui o Amapá, parte do Maranhão e do Tocantins. Uma regionalização interna mais precisa, poderia reconhecer outras subdivisões, como fazem Magnago (1989), Becker (1990) e Becker (2004).

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de metropolização do espaço (LENCIONI, 2003). Mas, para a Amazônia, em que medida a urbanização do território e a metropolização do espaço se apresentam como realidades?

A discussão aqui proposta busca tratar dessa questão, considerando em específico a difusão do meio técnico-científico e informacional (SANTOS, 1994, 1996) na Amazônia, induzido por novas atividades econômicas, a exemplo dos grandes empreendimentos eco-nômicos, que contribuem para a difusão do fenômeno urbano na sociedade e no território e estabelecem significados diferenciados aos espaços metropolitanos de acordo com as espe-cificidades da economia política da urbanização no interior do espaço regional.

Da urbanização da população à urbanização do território

Ainda que possamos questionar os dados do Censo demográfico brasileiro ou aqui-lo que o IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) considera como população urbana (população que habita sedes municipais, sedes distritais e aglomerados urbanos isolados), parece ser inquestionável o grau de urbanização da população (incremento da população urbana vivendo nas cidades) quando levamos em conta o espaço amazônico, conforme se verifica na Tabela 1.

Tabela 1: Região norte: população urbana e rural (1950-2000).

AnoPopulaçâo urbana População rural

ABS. % ABS. %1950 607.164 29,64% 1.441.532 70,36%1960 1.041.213 35,54% 1.888.792 64,46%1970 1.784.223 42,60% 2.404.090 57,40%1980 3.398.897 50,23% 3.368.352 49,77%1991 5.931.567 57,83% 4.325.699 42,17%2000 9.002.962 69,83% 3.890.599 30,17%

Fonte: IBGE (2000).

Para Becker (1990) várias razões concorrem para essa urbanização da população nas décadas de 1960, 1970 e 1980. No contexto da fronteira econômica que marcou essas déca-das, os núcleos urbanos na Amazônia se tornaram fatores de atração de fluxos migratórios, base da organização do mercado de trabalho e lócus da ação político-ideológica com vistas ao controle social.

Nessa mesma perspectiva, Machado (1999) destaca a forte mobilidade da população e do trabalho no interior da região; sendo esta mobilidade a principal responsável pelo surgimento de novas cidades e pelo crescimento de outras. A facilidade de implantação de novas formas de organização das atividades produtivas fez da cidade uma condição para a existência dessas mesmas atividades. Conforme sustenta ainda Machado (1999), a urbanização não preenche a simples função de apoio ao povoamento, ela é mais do que isso: é o elemento organizador do sistema de povoamento, aquele que define sua estrutura, seu conteúdo e sua evolução atual. Nesse contexto, para a mesma autora, definem-se duas perspectivas de povoamento: uma ordem

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intencional, dirigida especialmente pelo Estado, e outra de caráter mais espontâneo, que emerge pela presença de vários agentes que imprimem uma nova dinâmica ao espaço regional.

Mas aqui o importante não é só falar da urbanização da população, até porque esse fenô-meno não é nenhuma novidade na realidade brasileira. É preciso discutir, conforme propõem as autoras acima mencionadas, o sentido, o significado desse processo e seus rebatimentos no plano territorial. Como, então, pensar, nesse contexto, a urbanização amazônica, não no seu sentido populacional, mas num contexto mais amplo, em que se considere igualmente os nexos da modernização do território?

Trata-se, em outros termos, de indagarmos se estaríamos deixando a simples urbani-zação da população para vivenciarmos também a urbanização da sociedade e do território no espaço amazônico.

Se a urbanização da população é um fato, dado ao grande percentual de pessoas que habitam as cidades, os nexos da urbanização do espaço parecem não acompanhar o mesmo ritmo da urbanização da população. Em outras palavras, a expansão do chamado meio técnico-científico informacional, de que trata Santos (1996), parece se apresentar de maneira diferenciada quando consideramos a dimensão da tecnosfera – sistema técnico – e a dimensão da psicosfera – sistema de valores – (SANTOS, 1994 e 1996) no conjunto do espaço amazônico.

No plano da tecnosfera, a expansão do meio técnico-científico informacional na região é descontínua e, em determinadas situações, mobiliza relativamente menos capitais e mais trabalho (SANTOS; SILVEIRA, 2001). Sua configuração espacial, portanto, dá-se de maneira pontual, linear ou em manchas, sempre acompanhando a implantação de atividades econô-micas indutoras de modernização ou as redes técnicas, a exemplo da rede viária e de energia elétrica (TAVARES, 1999) e dos grandes projetos (TRINDADE Jr.; ROCHA, 2002).

Mesmo considerando o espaço amazônico como definitivamente urbanizado, é preciso levar em conta a forma diferenciada como essa urbanização se apresenta. Conforme destaca Becker (2004), três tipos de situações podem ser observados: a) áreas de urbanização elevada e com diferenciação interna, encontradas nos Estados de Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e sudeste do Pará; b) áreas com urbanização elevada e pequena diferenciação interna, como se verifica nos Estados do Acre e do Amapá; c) áreas de baixa urbanização, com diferenciação interna, percebidas nos Estados do Maranhão, Amazonas e parte do Pará.

É justamente em sub-regiões de povoamento consolidado que se encontram os maiores níveis de urbanização. Assim, observando a diferenciação intra-regional, Machado (1996) destaca que, além das capitais e das cidades que tiveram redefinidos seus papéis no momento atual, a urbanização do território se faz mais presente em quatro áreas principais: sudeste do Pará, Mato Grosso, Tocantins e centro-sul de Rondônia.

Essa diferenciação interna acompanha a dinâmica das atividades econômicas e da força de trabalho, que, por sua vez, definem o perfil da economia política da urbanização e as tendências da dinâmica urbana no plano regional, a saber: concentração nas maiores aglomerações, ainda que nos últimos anos já se apresente um processo de desconcentração urbana; proliferação de cidades pequenas, em grande parte tornadas sedes de novos muni-cípios ou fruto da modernização do território por projetos econômicos; maior presença e importância das cidades médias na rede urbana.

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Apesar da descontinuidade da urbanização na esfera técnica, não se pode dizer, entre-tanto, que no plano da psicosfera os valores da sociedade urbana não estejam presentes no espaço regional. À semelhança de outras regiões, a sociedade urbana, através de seus valores, de suas concepções e de seus comportamentos, ganha maior fluidez que no plano da esfera técnica. Em trabalho sobre pequenas cidades na região, Oliveira (1994) já constatava esse fato, ao analisar o conjunto de valores reproduzidos nas pequenas cidades amazônicas, ainda que distantes das principais realidades metropolitanas brasileiras.

Ainda conforme Oliveira (1994), na Amazônia, a cidade se impõe como base inicial de um processo. Ela está associada a novas atividades e serve como suporte destas, tanto no plano econômico, como no institucional. Nesse caso, sustenta o autor, a fronteira econômica já nasce urbana, não enquanto domínio da cidade na paisagem, mas pela presença marcante do urbano como estilo de vida, que se estabelece e tende a predominar.

Nesse contexto, a importância do Estado foi fundamental. Por meio do incentivo ao surgimento de novas atividades e da criação de um número crescente de instituições vinculadas à nova dinâmica regional, difundiu-se a vida urbana e conferiu-se a determinadas cidades um grau de centralidade maior:

Verifica-se que o conjunto das cidades da Amazônia Legal é caracterizado pela presença de poucos centros com centralidade expressiva e um grande número de cidades com fraca e muito fraca centralidade.Três cidades capitais, hoje situadas na categoria de metrópoles, destacam-se enquanto de muito forte centralidade: Manaus..., Belém... e São Luís. As demais capitais da região têm centralidade mais reduzida e subordinada a essas capitais ou a outras capitais externas à região. (BECKER, 2004, p. 95)

Essa centralidade, que define também a urbanização concentrada, tem-se redefinido e apresenta perfil diferente de acordo com as sub-regiões nas quais se insere, dado ao maior ou menor grau de repercussão das frentes de modernização e de expansão econômica e seus rebatimentos no plano territorial.

Um elemento marcante nesse processo é a revalorização da cidade de Manaus, que se tornou a metrópole da Amazônia ocidental, fruto, em grande parte, dos incentivos fiscais e creditícios voltados para a formação da Zona Franca implantada nessa cidade (Corrêa, 1989), com repercussões diretas no perfil populacional do Estado do Amazonas (tabela 2).

Tabela 2: Crescimento da população de Manaus em relação ao estado do Amazonas.

AnoPopulação

Estado Manaus %1950 514.099 139.620 27,161960 708.459 173.706 24,311970 955.235 311.622 32,701980 1.430.528 633.392 44,341991 2.103.243 1.011.500 48,052000 2.813.085 1.403.796 49,90

Fonte: IBGE (2000).

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TRINDADE JÚNIOR, S. C. Grandes projetos, urbanização do território e metropolização na Amazônia

Mais marcante que na parte ocidental, essa dinâmica define, em grande medida, o processo de urbanização que se verifica na Amazônia oriental, onde se encontra a cidade de Belém. Esta cidade, que em décadas anteriores tinha uma participação econômica e popu-lacional de destaque no contexto regional, começa a ter sua importância alterada face aos novos espaços de incremento econômico das décadas mais recentes; fato este que confirma uma nova dinâmica da economia política da urbanização da sub-região na qual se insere, refletida na participação de Belém em termos populacionais quando comparada ao conjunto do Estado (Tabela 3).

Tabela 3: Crescimento da população de Belém em relação ao estado do Pará.

AnoPopulação

EstadoRegião Metropolitana

de Belém (RMB)%

1950 1.123.273 254.949 22,701960 1.538.193 410.635 25,931970 2.161.316 649.043 30,001980 3.403.391 971.720 28,501991 5.181.570 1.302.950 25,102000 6.188.685 1.794.981 29,00

Fonte: IBGE (2000).

Belém não sofreu o estímulo de crescimento a partir do setor industrial de montagem, a exemplo do que se verificou em Manaus. Seu perfil é de uma cidade situada entre as que apresentam uma natureza metropolitana, com destaque para as atividades comerciais e de serviços. As indústrias nela instaladas - com um número relativamente pequeno - voltaram-se para o beneficiamento de matérias-primas da própria região, com destaque, entretanto, para a chamada indústria da construção civil, que se proliferou, a exemplo de outras grandes cidades brasileiras. Isto tem sido interpretado como um processo de perda de importância de Belém face à expansão da fronteira econômica no interior e ao crescimento de pequenas e médias cidades fora de sua órbita.

A reestruturação da rede urbana e os novos papéis conferidos às cidades tendem a confirmar a dinâmica de uma nova estrutura produtiva e do mercado de trabalho na Ama-zônia oriental, o que implica, necessariamente, na ruptura de antigos padrões de organização espacial. Isso ocorre pelo caráter disseminado e pulverizado em que ocorreram os investimentos econômicos e as ações governamentais na região.

O mercado de trabalho da Amazônia oriental tende a confirmar o processo de reestru-turação em curso, posto que os setores mais dinâmicos nos últimos anos têm sido a mineração, a indústria madeireira, a siderurgia e a construção civil (CASTRO, 1994, p. 461) e, por isso mesmo, as cidades ligadas direta ou indiretamente a essas atividades experimentaram um novo dinamismo, alterando a rede urbana regional, seja através da multiplicação de novos núcleos populacionais, planejados ou não, seja pela redefinição de antigos núcleos urbanos que se alçam à categoria de verdadeiros centros regionais, ou mesmo por um novo padrão de urbanização concentrada.

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Entretanto, conforme já mencionamos, a expansão da fronteira econômica no interior da região não se dá de maneira igual quando consideramos a especificidade das sub-regiões. Diferentemente da Amazônia ocidental, a Amazônia oriental cresce mais que sua metrópole (Belém), devido ao dinamismo econômico imprimido a outras frações do espaço regional nos últimos anos, onde são implantados projetos, em especial os grandes empreendimentos, que necessitam de espaços urbanos relativamente bem estruturados para o seu funcionamento (quadro 1), mas que não se limitam a eles, implicando em redefinições espaciais que alcançam um raio de influência relativamente significativo e que repercutem no grau de urbanização do território.

Quadro 1: Grandes projetos e suas cidades-empresa no estado do Pará.

Company Towns

Ano de fundação

Grande projeto

MunicípioDistância aprox. da

capitalEmpresas

População aproximada

Principais localidades do

entorno

Monte Dourado

1968 Projeto Jari Almerim 400 km Jari Celulose S/A 12.000 Laranjal do Jarí (AP), Água Branca do Cajari (AP) eVitória do Jarí (AP)

Vila de Tucuruí

1974/75 Usina Hidrelétrica de Tucuruí

Tucuruí 300 km Eletronorte 3.200 Cidade de Tucuruí, Cidade de Breu Branco.

Porto Trombetas

1979 Projeto Trombetas

Oriximiná 800 km Mineração Rio do Norte

6.000 Vilas de Boa Vista e Caranã

Carajás 1985 Projeto Carajás

Parauapebas 879 km CVRD 4.240 Cidade de Parauapebas

Vila dos Cabanos

1985/86 Projeto Albras/Alunorte

Barcarena 30 km Albras/ Alunorte, PPSA, RCC, Soinco, CDP, Eletronorte, empresas prestadoras de serviços

7.600 Cidade de Barcarena, Vila do Conde, São Francisco, Itupanema, Vila Nova, Bairros Laranjal ePioneiro

Org. SCTJ.

Nesse sentido, os investimentos econômicos na área de influência da metrópole bele-nense, deu-se de forma menos concentrada que em outros espaços do conjunto regional. A interpretação desse processo, nos termos e parâmetros colocados acima, costuma ser associado ao movimento que tem marcado a dinâmica urbana brasileira. Conforme nos mostra Santos (1994a), as grandes metrópoles brasileiras já apresentam taxas de crescimento econômico menores do que suas respectivas regiões, e também menor do que a brasileira como um todo. Isto é traduzido pelo mesmo autor como um fenômeno de “involução metropolitana”, que representa o ritmo de crescimento das áreas metropolitanas menos acelerado, quando compa-rado a décadas anteriores, em relação às áreas que se encontram fora da área metropolitana.

É um fenômeno que também se dá paralelo a um outro, o da consolidação da me-trópole informacional e não propriamente da metrópole fabril, posto que, cada vez mais, as unidades produtivas promovem uma seletividade espacial movida por fatores diversos - incentivos locais, mão-de-obra barata, infra-estrutura, preço de terrenos mais acessíveis

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TRINDADE JÚNIOR, S. C. Grandes projetos, urbanização do território e metropolização na Amazônia

etc. - que tendem a preterir os limites convencionais das áreas metropolitanas, devido às desvantagens e restrições por elas apresentadas em relação a esses mesmos fatores.

Há novos recortes espaciais no interesse do capital, decorrentes de mudanças em suas estratégias. Dentre estas, a principal é o aumento significativo da fluidez do território, devido ao progresso nos transportes, nas comunicações e na produção e uso das informações, que também se reproduz na realidade amazônica.

Todavia, é importante considerar que não é em qualquer ponto do sistema urbano brasileiro que esse processo se manifesta. No caso amazônico, a malha técnico-política im-plantada a partir da década de 1960, com a abertura de rodovias, com os incentivos fiscais e creditícios e com os grandes projetos econômicos, buscava aumentar essa fluidez do território, de modo a conectá-lo de maneira decisiva à divisão territorial do trabalho que se impunha em nível nacional e internacional.

Mesmo considerando a pertinência dessa tendência também para o caso da Amazônia oriental, há de se levar em conta, entretanto, que o processo que confere um maior dinamis-mo para o interior da fronteira econômica em detrimento da sua metrópole, não pressupõe desconsiderar a importância do espaço metropolitano para os processos dinamizadores da economia regional, mas de uma redefinição dessa mesma importância.

As mudanças ocorridas na organização urbana da Amazônia, segundo nos mostra Corrêa (1987, 1989), indicam que até 1960 verificou-se na região um padrão espacial pre-dominantemente dendrítico da rede urbana, com desmesurada primazia de Belém como metrópole regional e uma expressão relativamente pequena da grande maioria dos centros urbanos regionais.

Atualmente, o que se verifica é uma ruptura desse padrão3 – com um forte dinamismo das cidades localizadas, ou que passam a surgir, às margens das novas vias de circulação e no entorno de projetos econômicos, em detrimento das cidades ribeirinhas – e uma urba-nização concentrada nas capitais estaduais. As origens desse processo, além do fenômeno migratório inter-regional, parece se dar também pela expropriação em relação aos meios de produção no espaço agrário amazônico, principalmente após a política de desenvolvimento regional imposta a partir da década de 1960 e também aos investimentos ligados à dinâmi-ca econômica da fronteira, que possibilitou uma pulverização e uma dispersão de pólos de crescimento econômico em vários pontos do território amazônico, definindo, igualmente, uma nova regionalização interna (BECKER, 1990, 2004).

Essas indicações refletem elementos importantes para entender o processo de ur-banização amazônico. Duas tendências advêm desse processo. A primeira delas é a maior importância adquirida pelas cidades médias, que cada vez mais apresentam dimensões bem maiores, sendo esta uma tendência que acompanha a dinâmica urbana brasileira.

Na Amazônia esse fenômeno é muito recente, principalmente porque esse tipo de cidade só adquire importância na rede urbana após as mudanças ocorridas a partir da dé-cada de sessenta, visto que anteriormente uma das principais características da rede urbana amazônica era a quase inexistência de cidades de porte intermediário.

3 Quando se fala da ruptura do padrão dendrítico, estamos generalizando para o espaço amazônico como um todo, sem considerar as especificidades locais das sub-regiões, posto que se tomarmos como recorte espacial, por exemplo, a Amazônia ocidental, o que percebemos é que esse padrão dendrítico ainda se faz muito presente, conforme adverte Oliveira (1994).

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Diferentemente, entretanto, do restante do País, onde esse nível de cidade tende a demandar muito mais trabalho qualificado e abrigar cada vez mais uma população de classe média (DAVIDOVICH, 1995), na Amazônia, as cidades médias acompanham em muito a precária qualidade de vida das grandes cidades, apresentando um grande número de desempregados, de trabalhadores desqualificados e um empobrecimento acentuado de sua população (TRINDADE Jr; PEREIRA, 2005).

A segunda tendência, é que passa a ocorrer um reforço à concentração espacial me-tropolitana, não mais nos limites antes definidos, mas a partir de uma ampliação do espaço metropolitano, configurando uma reprodução do espaço da capital numa grande periferia de expansão. Essa tendência também já vinha sendo observada por Santos para a realidade brasileira como um todo. Nesse sentido, “as metrópoles, por sua própria composição orgânica do capital e por sua própria composição orgânica do espaço, poderão continuar a acolher populações pobres e despreparadas” (SANTOS, 1993, p. 123). Com uma agravante: os efeitos da reestruturação produtiva, que pressupõem a relocalização das unidades de produ-ção, causarão, nas áreas mais industrializadas, impacto de desemprego (CANO, 1995), o que nos leva a pensar numa verdadeira “metropolização da pobreza”, para adotar um termo utilizado por Mello (1995).

No caso amazônico, a otimização de certos espaços foi elemento fundamental para a seletividade espacial necessária ao funcionamento de empreendimentos econômicos, especialmente os grandes projetos. A implantação de company towns, de aeroportos e o crescimento populacional de cidades próximas a estas, reafirmaram fatores de exter-nalidades necessárias a esses empreendimentos, prescindindo, portanto, dos fatores de externalidades positivas oferecidos pela aglomeração metropolitana. Dados relacionados à arrecadação dos municípios (tabela 04), que abrigam esses projetos vão ao encontro do papel por eles assumidos na desconcentração econômica e na urbanização do território, muito próximos das cidades médias, que apresentam certa tradição econômica no con-texto regional.

Tabela 4: Repasses de ICMS e IPI aos municípios do Pará (2º semestre - 2005).

Nº de ordem Município ICMS IPI Qüota parte1º Belém 56.117.115,03 1.506.950,34 21,042º Parauapebas 26.698.304,25 716947,38 10,013º Barcarena 18.910.187,53 507.807,88 7,094º Tucuruí 14.402.681,61 386.764,82 5,405º Ananindeua 10.908.697,74 292.938,54 4,096o Marabá 10.268.578,56 275.748,99 3,857º Oriximiná 8.241.534,48 221.315,43 3,098º Almeirim 6.587.893,26 176.909,09 2,479º Santarém 6.267.833,67 168.314,32 2,3510º Altamira 4.240.789,59 113.880,75 1,5911º Paragominas 3.920.730,00 105.285,98 1,4712º Castanhal 3.707.356,92 99.556,13 1,39

Fonte: Pará (2005).

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O destaque de arrecadação dos municípios que abrigam os grandes empreendimentos – Parauapebas, Barcarena, Tucuruí, Oriximiná, Almeirim – revela a importância que eles assumem na economia regional e por conseguinte na expansão de frentes de modernização que repercutem na densidade técnica do território e na economia política da urbanização. Essa repercussão não se limita aos espaços de influência imediata, mas guarda estreita rela-ção com outros espaços no contexto mesorregional em que estão inseridos. A importância de Marabá, por exemplo, para o sul e sudeste paraense, deve-se muito ao grande projeto econômico – Projeto Carajás – instalado no seu espaço de polarização.

Dessa forma, a reafirmação de centros sub-regionais em espaços influenciados pela dinâmica dos novos empreendimentos ou pelas novas atividades surgidas, foi responsável por reforçar uma relativa independência aos centros maiores, ao mesmo tempo em que se encarregou de reestruturar a rede urbana, que ganhou certa complexidade; reflexo e condição da organização do espaço a essas novas condições econômicas. Isto leva, inclusive, alguns autores, como Azzoni (1995), a falarem de um processo de “desmetropolização”, tomando como referência a região de inserção de Belém.

Essas afirmações se pautam em um processo que vem acontecendo em nível nacional. O estudo de Santos (1993) busca compreender esse movimento. Mostra esse autor que, paralelo ao crescimento cumulativo das maiores cidades do País, estaria havendo um fenômeno de desmetropolização, ou seja, uma repartição da população em outros grandes núcleos urbanos. Esta é uma tendência que se dá paralela ao fenômeno de metropolização, ou seja, ao mesmo tempo em que ocorre o crescimento das grandes e muito grandes aglomerações, alçando-se à categoria de metrópoles – fenômeno de metropolização –, processa-se igualmente um crescimento do número das cidades intermediárias e de suas respectivas populações, o que provoca uma diminuição relativa da população nas grandes cidades brasileiras – processo de desmetropolização. Portanto, o fenômeno de metropolização, que não se mostra ainda saturado, não desaparece; ele passa a coexistir com um outro, que Santos (1993) denomina de desmetropolização4.

O fato das metrópoles brasileiras terem apresentado um arrefecimento quanto ao crescimento populacional e de unidades produtivas, tem suscitado, por parte de alguns au-tores, a defesa da tese sobre a perda de primazia das mesmas. De fato, conforme nos mostra Moreira (1995), em 1980, a participação das regiões metropolitanas no total nacional equi-valia, praticamente, ao que se verificou no ano de 1991 (28,8%). Entretanto, no conjunto da população urbana a participação era bem mais alta, ou seja, 42%. No ano de 1991, essas mesmas regiões metropolitanas continuavam a congregar cerca de 28% da população brasi-leira e somente 38% da população urbana nacional.

Para o autor acima mencionado, isso mostra que houve um decréscimo da participação das metrópoles no conjunto da população urbana, o que vem comprovar uma participação mais significativa de centros urbanos até então tidos como não-metropolitanos. Conside-rando que as regiões metropolitanas congregam os maiores municípios dos seus respectivos 4 Os dados censitários evidenciam que vem ocorrendo, em primeiro lugar, um crescimento mais acentuado nas cidades de

porte acima de 100 mil habitantes, porém não naquelas de nível metropolitano, em segundo lugar verifica-se um crescimento significativo das cidades entre 50 mil e 100 habitantes e, em patamar inferior, as cidades consideradas menores (AZZONI, 1995).

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estados, conclui-se que os grandes municípios vêm perdendo posição face aos de tamanho intermediário, o que sugere, igualmente, uma redução da tendência à concentração nos grandes centros urbanos. Isto, entretanto, não nos permite afirmar, de maneira generalizada, que houve uma perda de primazia das metrópoles brasileiras. Estudos nessa linha procu-ram ratificar, com base numa análise mais acurada, a existência do primado metropolitano (LENCIONI, 1991).

O que parece ser comum nos diversos estudos que tratam da metropolização é o fato de que a desconcentração urbana passa a ser estimulada cada vez mais pelo processo produ-tivo e por uma melhor distribuição da população no território, a exemplo do que ocorre na Amazônia oriental. Tal dinâmica, entretanto, não pode ser traduzida simplesmente como uma perda de primazia das metrópoles.

No caso da Amazônia, não se pode falar de “metropolização disseminada”, conforme propõe Azzoni (1995) para o Sudeste brasileiro, haja vista que os novos centros urbanos de dinamismo econômico na região dizem respeito a cidades de pequeno e médio porte. As cidades médias em específico passam a ter um certo destaque no conjunto da rede urbana regional, acompanhando, igualmente, uma tendência que se coloca em nível nacional. É o caso, por exemplo, no Estado do Pará, das cidades de Marabá, Altamira, Santarém, Castanhal e Abaetetuba.

As alterações verificadas na dinâmica econômica regional e na sua rede urbana não implicam dizer que o processo de urbanização concentrada deixa de ter importância. No caso de Belém, a área urbana e o processo de metropolização revelam o papel que lhe é estabelecido no contexto da Amazônia oriental face a esse novo momento histórico.

Esse papel é o de centro urbano relacional – para usarmos um termo adotado por Santos - da região na qual está inserido, ou seja, “o centro que promove a coleta das informações, as armazena, classifica, manipula e utiliza a serviço dos atores hegemônicos da economia, da sociedade, da cultura e da política” (SANTOS, 1993, p. 124). E mais do que isso, torna-se o destino final de grande parte da mão-de-obra móvel e polivalente que se desloca no espaço regional, principalmente após a chamada falência da política de desenvolvimento regional estabelecida em décadas anteriores.

Não se trata, também de desmetropolização generalizada, haja vista que na Amazônia ocidental há ainda um papel de destaque conferido à cidade de Manaus e seu entorno que concentra ainda cerca de 50% da população do Estado e não apresenta cidades médias que estimulem a melhor distribuição da população no território, sendo que, neste caso, a urba-nização do território ainda se mostra incipiente.

Ainda no caso do Amazonas, a população das cinco maiores cidades corresponde a cerca de 10 % da população urbana do Estado, ao passo que Manaus concentra cerca de 60 % da população urbana do Estado do Amazonas.

Para a Amazônia oriental, ainda que esse processo se apresente de maneira mais fla-grante com a expansão da fronteira econômica no interior da região, nos últimos anos há um relativo incremento populacional na área metropolitana de Belém, que se destaca em termos percentuais em relação à população do restante do Estado, reafirmando, igualmente, em nível econômico, a primazia desse espaço metropolitano no conjunto de sua área de influência.

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Estudos como o de Andrade e Serra (2001), têm apresentado algumas conclusões nesse sentido. Como metrópole regional, Belém tem revelado um crescimento econômico substancial, na ordem de 7% no período de 1985/96, com uma variação elevada do seu PIB per capita, que praticamente dobrou o seu nível. Nada comparado, entretanto, a Manaus que está entre as cidades que mais concentram o PIB no País, sendo a quarta no ranking nacional, logo após São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, concentrando 81,3 % do PIB do Estado do Amazonas, segundo dados de 2005 do IBGE.

O reforço da metropolização e do primado metropolitano para o caso de Belém se dá na medida em que é preciso levar em conta o espaço metropolitano como forma-conteúdo que manifesta um determinado processo ligado à urbanização e não como uma convenção previamente definida a partir de seus limites administrativos. Nesse sentido, o processo de urbanização no espaço amazônico, e em específico na Amazônia oriental, pressupõe o primado metropolitano como produto, condição e meio à realização da dinâmica presente na região, ainda que em outros termos, bem diferente daquele colocado para as primeiras décadas da integração regional.

Dessa maneira, há um novo momento que reelabora o significado da fronteira de recursos, cuja retração do movimento imigratório é uma evidência, mas que não consegue anular o mesmo movimento de migrantes no interior da região, seja no sentido rural-urbano seja no sentido urbano-urbano.

Assim, a imigração se mostra contínua do interior da região em direção à Região Metropolitana de Belém. No ano de 2000, segundo dados sistematizados pelo IBGE, foi o espaço que mais recebeu imigrantes no Estado do Pará (60.110 pessoas) seguido por Marabá no sudeste paraense (23.892 migrantes).

Alguns números sobre a população periférica do espaço metropolitano de Belém tendem a comprovar essa assertiva. A partir de levantamentos efetivados pela Companhia de Habitação do Pará (COHAB-PA) com vistas à realização de projeto que consistia na urbanização de terrenos ocupados na área de expansão urbana, constatou-se que grande parte da população dessas áreas de ocupação procedia do interior do Estado5. Da mesma maneira, em pesquisa realizada pela Caixa Econômica Federal (CEF) para traçar um perfil dos moradores de conjuntos habitacionais “invadidos” na RMB, foi constatado que quase 50% dos entrevistados eram procedentes do interior do Estado6.

Não se quer com isso desconsiderar o dinamismo imprimido pela fronteira econômi-ca nos últimos anos, que incrementou atividades e urbanização em áreas fora da órbita de Belém, a exemplo do que se verificou no sul e sudeste do Pará, onde se vê um processo de urbanização intenso, despontando cidades, a exemplo de Marabá, como importantes centros econômicos da região e que servem se suporte sub-regional para os novos empreendimentos econômicos, como os grandes projetos.

Procura-se destacar o espaço metropolitano e as áreas contíguas a este como um ponto de convergência da mão-de-obra, bem como sua importância como espaço concentrador de

5 De quatro levantamentos realizados em áreas distintas, os percentuais correspondentes a essa procedência foram os seguintes: 48,49%, 44,76%, 38,91% e 43,18% (COHAB-PA, 1991a, 1991b, 1993 e 1994).

6 Os números divulgados em relação a essa pesquisa mostraram que de 2.879 entrevistados, 48% eram procedentes do interior do Estado, 33% de Belém, 19% de outros estados e 0,1% de outros países (Jornal “O Liberal”, 10 ago. 1997, Painel, p. 9).

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emprego urbano formal do Estado do Pará. Esta nossa afirmação se dá por vários motivos. Primeiro, pelo fato de que é necessário levar em consideração a área metropolitana expandida, só oficializada nos últimos anos, e que inclui além de Belém e Ananindeua – que constitu-íam o espaço metropolitano desde 1973 –, os Municípios de Marituba, Benevides e Santa Bárbara, que só recentemente (década de 1990) passaram a integrar a Região Metropolitana de Belém.

Para entender, ainda, a importância do espaço metropolitano de Belém no conjunto do Estado do Pará, há necessidade também de levar em consideração a área de influência imediata de Belém. Nesta, há um razoável número de núcleos urbanos que apresentam um crescimento econômico e populacional7, seja pela implantação de projetos econômicos, como no caso do grande projeto Albras-Alunorte em Barcarena, Município vizinho a Be-lém, seja pelas condições em que se apresenta a área de influência imediata de Belém. Esta é, no contexto amazônico, a área com maior grau de coesão interna, sendo que os diversos municípios que a compõem ligam-se a capital por uma rede de transportes relativamente bem estruturada há algum tempo, proporcionando, com isso, uma intensificação na vida de relações regionais (MAGNAGO, 1989), que, mesmo fora da região metropolitana expan-dida, conservam um significativo grau de dependência em relação às atividades, serviços e empregos existentes em Belém.

Da urbanização do território à metropolização do espaço

A primazia das metrópoles regionais, entretanto, não nos permite assegurar o seu papel como únicas difusoras dos nexos da vida metropolitana no espaço amazônico, sendo neces-sário considerar processos outros que permitem entender a fluidez do território e os novos nexos da urbanização e da metropolização. Fala-se, portanto, nesse caso, de metropolização do espaço, como um processo que nos permite compreender a dinâmica da modernização para além da urbanização da população e do território

Em que consistiria a metropolização do espaço, de que trata Lencioni (2003), por exemplo, quando analisa a realidade paulista? Para essa autora, a metropolização do espaço pressupõe características do espaço que até então eram exclusivas da metrópole, referindo-se a práticas sociais e identidades dos lugares sujeitos aos códigos metropolitanos – avatares dos novos valores e signos da sociedade.

Alguns autores como Santos (1993), ao falarem da onipresença das metrópoles nos diversos lugares, tornando-os funcionais a elas, buscam definir esse processo como “dissolução” da metrópole, conforme exemplifica a respeito do papel de São Paulo no País:

no passado, São Paulo sempre esteve presente no País todo: presente no Rio um dia depois, em Salvador três dias depois, em Belém dez dias depois, em Manaus trinta dias depois... São Paulo está presente em todos os pontos do território informatizado brasileiro, ao mesmo tempo e instantaneamente. (SANTOS, 1994, 157)

7 Dos seis municípios mais populosos do Estado do Pará, quatro deles integram essa região de fluxos relativamente intensos da qual Belém faz parte.

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E para a Amazônia, como podemos pensar a metropolização do espaço? Em grande parte, esse processo se manifesta na região pela presença marcante das metrópoles nacionais e mesmo extra-regionais que propriamente das metrópoles regionais.

O papel de centro urbano relacional é enfraquecido muitas vezes por centros metropo-litanos extra-regionais que também passam a ser espaços de grande centralidade para a região, promovendo a coleta e armazenamento das informações, a classificação e a manipulação das mesmas e utilizando-as a serviço dos atores hegemônicos da economia, da sociedade, da cultura e da política (SANTOS, 1993, p. 124). Isto é claramente confirmado em análises como as de Becker (2004), que chega a identificar cinco subsistemas em relação à rede urbana regional e suas áreas de atuação de alcances diferenciados. Três deles de caráter regional, comanda-dos por São Luis, Manaus e Belém, e dois outros subordinados aos sistemas de São Paulo e Goiânia, e que têm como centros de segunda ordem as cidades de Cuiabá e de Imperatriz e Araguaína, respectivamente (REGIC/IBGE apud BECKER, 2004).

Em termos de extensão territorial, o menor desses subsistemas é o de São Luís, cujo alcance se limita ao Estado do Maranhão, e o maior é o de Manaus, que incorpora em sua área de atuação os Estados do Acre, Rondônia e Roraima e com penetração, inclusive, na parte oeste do Pará.

Ainda para Becker (2004), há superposição ou interseção desses subsistemas, a saber: a) Belém e Manaus, contendo as cidades de Santarém, Óbidos, Monte Alegre e Prainha. b) Manaus e São Paulo, contendo Cacoal, Rolim Moura, Alta Floresta do Oeste, Cerejeira e Colorado do Oeste, e refletindo a influência direta de São Paulo em Rondônia; c) Belém e Goiânia, compreendendo as cidades de Parauapebas, São Félix do Xingu e evidenciando a influência de Goiânia no sudeste do Pará.

Estudos de Machado (1996), que analisa dois sistemas de transmissão de dados (Transdata e Renpac) e sua importância com relação à centralidade dos espaços urbanos na região, também ratificam o significado e a centralidade das metrópoles regionais no contexto amazônico.

A análise daqueles dois sistemas de transmissão de dados pela autora e seus rebati-mentos no plano territorial, revela a conexão da região, mais articulada com o exterior que propriamente internamente. Algumas conclusões presentes nos trabalhos de Machado (1996) nos ajudam a confirmar essa premissa: a) a inexpressividade das metrópoles regionais como definidoras de redes locais de transmissão de dados; b) as metrópoles regionais estão mais articuladas entre si e com as metrópoles extra-regionais como São Paulo, que propriamente com a sua possível hinterlândia; c) quando a articulação interna é maior, verifica-se em geral a presença de grandes empresas ou de grandes projetos que reforçam essa articulação, a exemplo da CVRD (Companhia Vale do Rio Doce); d) a conexão direta de cidades médias e pequenas com o eixo Rio/São Paulo, em sub-regiões de forte dinamismo econômico – Mato Grosso, Rondônia, Santarém e Marabá; e) a comunicação intra-região, do ponto de vista econômico, é restrita, e quando isto acontece há um favorecimento flagrante de grandes organizações.

Em outro trabalho, Machado (1999) mostra também que, no que diz respeito às redes de telefonia, a maior parte das chamadas interurbanas se dá para fora da região e não propriamente entre as cidades da própria região, o que expressa a grande articulação de deter-

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minados espaços com outros extra-regionais, revelando sistemas muito mais organizacionais que orgânicos do ponto de vista da configuração e da regulação dos fluxos territoriais.

Aqui mais uma vez podemos recorrer a Santos (1994, 1996), quando trata das horizon-talidades e das verticalidades. Os recortes horizontais definem espaços contínuos, formados de partes agregadas, condição e resultado das relações de produção propriamente dita; ao passo que os recortes verticais configuram-se como pontos separados uns dos outros que asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia, e que resultam das novas necessidades de intercâmbio e de regulação, manifestando descontinuidades e descontigüidades.

Nesse processo, há um papel de fundamental importância das chamadas redes logísti-cas, que, na Amazônia, ainda se apresentam frágeis, quando do atendimento das demandas da sociedade local. Aquelas mais bem estruturadas tendem a articular diferentes níveis de organização do espaço (local, regional, nacional), mas com uma eficiência diretamente ligada às demandas de atores hegemônicos no plano regional, a exemplo do que acontece com as corporações ligadas aos grandes projetos econômicos.

Mesmo em área de influência direta das metrópoles regionais, a metropolização dos espaços na Amazônia revela fortes verticalidades em detrimento das horizontalidades; fato que coloca muitas vezes os espaços locais em fortes articulações com metrópoles extra-re-gionais.

Assim, nem sempre são as metrópoles regionais as principais difusoras dos nexos da modernidade no interior da região, ainda que elas assumam um papel importante para a estruturação da vida intra-regional. Essa questão está diretamente relacionada ao papel e a importância que a região assume hoje nas estratégias de desenvolvimento nacional e no significado que desperta como espaço de novos investimentos e que articulam, sob a lógica de um novo discurso, a relação local/global.

Considerações Finais

Conforme percebemos, há uma diferenciação sub-regional quando se fala em urba-nização do território na Amazônia. O grau de desconcentração de população e de atividades está diretamente ligado à expansão das frentes econômicas e de modernização do território. Assim, em espaços onde esse processo foi menos intenso, como no caso da Amazônia oci-dental, a urbanização concentrada é mais marcante e o papel da metrópole regional na vida econômica é enfatizado.

O mesmo não ocorre, onde o processo de expansão das frentes econômicas foi mais intenso; fato este que aconteceu, a rigor, no interior da região, fora dos limites metropolita-nos, como no caso da Amazônia oriental, onde se situa Belém e os municípios que integram sua área metropolitana.

Há um processo mais intenso de desconcentração das atividades e, por conseguinte, de urbanização do território, conseqüência também de uma malha sócio-espacial que expandiu o meio técnico-científico informacional e redefiniu a economia política da urbanização. Nesse contexto, cidades médias e pequenas dividem junto com o espaço metropolitano a importância

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TRINDADE JÚNIOR, S. C. Grandes projetos, urbanização do território e metropolização na Amazônia

no processo de urbanização e no dinamismo das atividades econômicas, ainda que o último, o espaço metropolitano, exerça uma certa primazia, dada a sua importância no contexto regional. Tal primazia não significa, entretanto, presença intensa das metrópoles regionais na vida econômica e política dos espaços situados fora de seus limites imediatos de influência. As metrópoles extra-regionais, nesse caso, assumem presença marcante, definindo relações menos horizontalizadas que verticalizadas das sub-regiões em relação ao espaço nacional.

A repercussão dessa dinâmica do ponto de vista da gestão do território é imediata. O papel da metrópole como centro de decisão tem repercutido, por exemplo, nas propostas de divisão territorial, a exemplo do que acontece em relação à Amazônia oriental.

A pouca presença da metrópole belenense em determinados locais do Estado do Pará e a maior conexão desses espaços com outras metrópoles extra-regionais enfraquece laços de identidade política e cultural, sugerindo fragmentações territoriais, como por meio de propostas de criação de novas unidades da federação, como o que acontece na proposição de criação do Estado do Tapajós (oeste paraense) e do Estado de Carajás (sudeste paraense). Nesses casos, as frentes de modernização, induzidas especialmente por grandes empreendimentos econômicos, que definem um certo grau de desconcentração econômica e populacional, têm estimulado essa nova dinâmica que traz repercussões políticas.

Isso se explica não só pela pouca identidade desses subespaços em relação ao restante do Estado, como também pela pouca presença da metrópole nas diversas sub-regiões polari-zadas por cidades de porte médio, que se articulam timidamente com a metrópole regional, devido ao destaque econômico para as novas atividades que incrementam a economia de suas sub-regiões e que conservam uma certa independência da metrópole regional, fruto da desconcentração econômica verificada nas últimas décadas.

Exemplos como esses reforçam as especificidades da economia política da urbanização na Amazônia e indicam elementos para pensamos particularidades regionais em se tratando da urbanização do território e da metropolização do espaço.

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Recebido para publicação em janeiro de 2006Aprovado para publicação em maio de 2006

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Estratégias de desenvolvimento regional para a Amazônia

pós-1950: lições do passado, possibilidades do futuro

Estrategias del desarrollo regional para la Amazônia pós-1950:

lecciones del pasado, posibilidades del futuro

Strategies of regional development for Amazônia pos-1950: lessons of the past, possibilities of the future

Lilian Simone Amorim BritoMestrandas do Programa de Pós-Graduação em

Geografia da Universidade Federal do Pará - PPGEOAv. Barão do Triunfo, 2.154

Resid. Antônio Pedreira Carlos Jobim, bloco D, apto. 202CEP: 66.087-270 - Belém - PA

[email protected]

Léa Maria Gomes da CostaMestrandas do Programa de Pós-Graduação em

Geografia da Universidade Federal do Pará - PPGEOAv. Barão do Triunfo, 2.154

Resid. Antônio Pedreira Carlos Jobim, bloco D, apto. 202CEP: 66.087-270 - Belém - PA

[email protected]

Resumo: No decorrer da história do crescimento regional pelo qual a Amazônia brasileira tem passado várias foram a estratégias implementadas pelo Estado com vistas a promover seu desenvolvimento sócio-econômico. O presente artigo tem como pretensão fazer uma breve discussão acerca de algumas estratégias de desenvolvimento adotadas pelo Estado na Amazônia brasileira a partir de meados da década de 1950, buscando analisar quais as implicações delas no processo de reorganização sócio-espacial, bem como de algumas estratégias alternativas de desenvolvimento que têm como perspectiva reestruturar economicamente a região, evidenciando cada vez mais os choques de interesses existentes entre o modelo de ocupação exógeno, pautado numa visão externa ao território, e o modelo endógeno, fundamentado numa visão interna do território.Palavras-chave: Estratégia de desenvolvimento.; Reorganização sócio-espacial; Modelo exógeno; Modelo endógeno.

Resumen: En el transcurso de la historia del crecimiento regional por el cual la Amazonía brasileña ha pasado, varios han sido las estrategias puestas en ejecución por el Estado con miras a la promoción de su desarrollo socio-económico. El presente artículo tiene como pretensión hacer una breve discusión referente a algunas estrategias del desarrollo adoptadas por el estado en la Amazonía brasileña, a mediados de la década de 1950, buscando analizar las implicaciones de ellas en el proceso de la reorganización socio-espacial, así como de algunas estrategias alternativas de desarrollo que tienen como perspectiva reorganizar la región económicamente, evidenciando cada vez que más los choques de intereses existentes entre el modelo de la ocupación exógeno, pautado en una visión externa del territorio, y el modelo endógeno, basado en una visión interna del territorio.Palabras-clave: Estrategia del desarrollo; Reorganización socio-espacial; Modelo de Exógeno; Modelo endógeno.

Abstract: In the unending of the history of the regional increase to happen in Brazilian Amazônia some strategies of development implemented by the state has as perspective to advance your social-economical. The present article has as perspective to make one briefing discussion concerning some strategies of development implemented by the state in the Brazilian Amazônia from middle of the decade of 1950, searching to analyze which the implications of them in the process of social-spacial reorganization, as well some alternative strategies of development has as perspective to reorganize the region economically, evidencing each time more the shocks of existing interests between the exogenous model of occupation, guideline in a external vision to the territory, and the endogenous model, based on an internal vision of the territory.Keywords : Strategies of development; Social-spacial reorganization; Exogenous model; Endogenous model.

Terra Livre Goiânia Ano 22, v. 1, n. 26 p. 195-205 Jan-Jun/2006

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BRITO, L. S. A.; COSTA, L. M. G. Estratégias de desenvolvimento regional para a Amazônia pós-1950: lições...

Introdução

No decorrer da história do crescimento regional pelo qual a Amazônia brasileira tem passado várias foram as estratégias implementadas pelo Estado com vistas a promover seu desenvolvimento sócio-econômico. Neste sentido, pretende-se fazer neste artigo uma breve revisão das estratégias de desenvolvimento adotadas a partir de meados da década de 1950, objetivando analisar as implicações sócio-espaciais decorrentes destas estratégias, bem como de algumas estratégias alternativas de desenvolvimento que têm como perspectivas reestruturar economicamente a região, evidenciando cada vez mais os choques de interesses existentes entre o modelo de ocupação exógeno, pautado numa visão externa ao território, e o modelo endógeno, fundamentado numa visão interna do território.

A ocupação amazônica e as características das estratégias espaciais impostas sobre seu território

O processo capitalista de ocupação do espaço amazônico foi pautado em políticas territoriais formuladas desde a ação do Estado português, as quais tiveram como fundamento o alcance de benefícios por parte de agentes externos, sendo tais benefícios caracterizados pelo melhor acesso e exploração dos recursos naturais disponíveis na região.

Na efetivação deste processo, foi fundamental a estratégia de planejamento estatal, caracterizada como uma ação geopolítica, que possibilitou um melhor domínio territorial.

Desde as origens da ocupação da Amazônia pelos portugueses, que o problema do seu domínio geopolítico sempre esteve em destaque. Por se tratar de um imenso território, até há pouco tempo desprovido de comunicações terrestres com o restante do país, as políticas de sua ocupação sempre procuraram combinar os empreendimentos de exploração econômica com estratégias tipicamente geopolíticas, ou seja, militares em grande medida. (COSTA, 1991, p. 65)

Tal estratégia também é assinalada por Becker (2004).

Como a ocupação regional se fez invariavelmente a partir de iniciativas externas, só a Geopolítica explica como foi possível controlar tão extenso território com tão poucos recursos. [...] o controle do território foi mantido por um processo de intervenção em locais estratégicos – fortes na embocadura do grande rio e de seus principais afluentes –, pela posse gradual de terra (uti possidetis) e pela criação de unidades administrativas diretamente vinculadas ao governo central. (Ibidem, p. 24)

Registra-se, a partir do emprego da ação geopolítica portuguesa, a primazia de um “pensar” em relação à Amazônia, que não advém daqueles que a habitavam, mas daqueles que dela se apropriaram e que se voltaram à exploração de seus recursos/potencialidades naturais, tal fato tem como conseqüência aquilo que Gonçalves (2001), considera como imagens criadas sobre a Amazônia.

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A imagem que geralmente se tem a respeito da região amazônica é mais uma imagem sobre a região do que da região. Essa situação decorre da posição geográfico-política a que a região ficou submetida desde os tempos coloniais. Desde os primórdios de sua incorporação à ordem moderna, desencadeada pelo colonialismo, a região tem sido vista mais pela ótica dos colonizadores do que de seus próprios habitantes. Neste sentido a Amazônia sofre daquelas características típicas de povos/regiões submetidos/as a desígnios outros que não os dos seus próprios habitantes. (Ibidem, p. 12)

Tem-se então, no bojo do processo de ocupação colonial da Amazônia, a raiz de dois aspectos fundamentais que caracterizam as estratégias espaciais oficiais voltadas à região até os dias atuais, os quais possuem forte relação de interdependência entre si:

a) o primeiro relaciona-se ao fato de que o “pensar” sobre a Amazônia se configurou como uma ação de “fora para dentro”, ou seja, ao longo do processo histórico de sua constituição enquanto região, a ação institucionalmente planejada sobre seu espaço foi exercida por elementos exógenos à ela, sendo tal ação pautada em estratégias de ocupação, espoliação e exploração de seus recursos naturais, desconsiderando a população e a dinâmica socioespacial interna da mesma;

b) o segundo aspecto relaciona-se ao fato de que o Estado sempre se configurou como o principal agente do planejamento, elaborando estratégias geopolíticas de ocupação e controle de seu território, as quais datam desde o período colonial.

Vale ressaltar que a estratégia geopolítica implantada pelo Estado português perdu-rou durante a constituição do Estado brasileiro, visto que o mesmo fundamentou sua ação sobre a região, preponderantemente, nos postulados de defesa de seus limites territoriais e na concepção da mesma como “reserva de recursos” (GONÇALVES, 2001), para as futuras gerações e, preponderantemente, para a ação do capital.

Somente a partir da década de 1950 é que a região se tornou alvo da implantação de estratégias estatais que visavam o seu desenvolvimento econômico e a sua plena inserção na dinâmica produtiva nacional, sendo marcante na implantação de tais estratégias o fosso existente entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social.

As estratégias de desenvolvimento regional pós-1950: lições do passado

O processo de apropriação e produção do espaço amazônico, adotado pelo Es-tado a partir da segunda metade da década de 50, foi pautado em algumas estratégias de modernização da região. Tais estratégias foram viabilizadas através da elaboração e implementação de diversos planos de desenvolvimento e instrumentos políticos, que se encarregaram de materializar no espaço os elementos necessários à promoção de tal desenvolvimento, criados, sobretudo, durante o regime militar: redes de integração do território, superposição de territórios, criação de pólos de desenvolvimento, implantação de grandes projetos etc.

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A criação da Superintendência de Manaus, em 1966, a extinção, em 1967, do Banco de Crédito da Amazônia, que sustentava com subsídios as tradicionais elites da região, indicam claramente a mudança da política para a Amazônia. Esclarecem também quem são os novos protagonistas do processo de (des)envolvimento regional: os gestores territoriais civis e militares, o grande capital nacional e internacional, As elites tradicionais da região, sobretudo as ligadas ao extrativismo, ficam marginalizadas. (GONÇALVES, 2001, p. 95)

De acordo Gonçalves (op. cit., p. 114), a região amazônica, até então, era marcada por um processo de organização sócio-espacial centrado no modelo rio – várzea - floresta, o qual será alterado visando a redefinição do papel da região na contexto econômico nacional.

A partir da década de 60, gradativamente a região passou a sofrer uma aceleração da exploração de seus recursos naturais, com vistas a contribuir decisivamente para a receita fiscal do país, através do aumento de suas exportações. Em virtude da necessidade do Estado intervir mais diretamente na economia, várias empresas foram incentivadas a instalarem-se na região, em especial as mineradoras, que foram atraídas por meio de uma série de incentivos e isenções fiscais, fato que alterou rapidamente a organização do território fazendo surgir um novo padrão de ocupação centrado no modelo estrada – terra-firme – subsolo.

O Estado passou a ser o maior interventor da economia, pois se acreditava que a eficácia dos processos de modernização regional centrava-se no desenvolvimento de políti-cas públicas capazes de racionalizar a aplicação de capitais na região. Nessa perspectiva, foi criado o primeiro Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PDA), efetivado em 1955, cujo objetivo principal era

a indicação da necessidade de realização de diversas obras públicas. Dentre elas, a construção da rodovia Belém-Brasília, pela Rodobras, que estabeleceu a primeira ligação terrestre permanente entre a Amazônia Oriental e o sul do país, com importância determinante na reestruturação espacial da Amazônia Oriental brasileira. (COELHO et alli,, p. 661)

A partir de 1964, como decorrência do golpe militar, o Estado nacional ampliou cada vez mais suas ações, desencadeando novas estratégias de desenvolvimento e modernização na Amazônia, o que intensificou o processo de reestruturação sócio-espacial da região, em especial na sua porção oriental.

Como principais pilares desta estratégia, destacam-se: os projetos de colonização dirigida pelo Estado, com vistas a “ocupar” a região; a ampliação dos incentivos fiscais, para os quais a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e o Banco da Amazônia – BASA tiveram papel preponderante; além de investimentos estatais voltados para o reconhecimento das potencialidades da região, através de levantamentos de dados de suas características físicas, no que foi fundamental o Projeto Radam-Brasil e a atuação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

No início da década de 1970, foi lançado o Plano de Integração Nacional (PIN), que de acordo com Coelho (2003, p. 662), tinha como objetivo principal “a necessidade

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de integração entre a Amazônia e o Nordeste brasileiro e incentivar a produção agrícola na Amazônia voltada para o mercado externo”.

Na elaboração do PIN, tem-se claramente formulada a estratégia governamental de inserção da Amazônia ao contexto nacional, servindo como espaço de expansão econômica e de atrativo populacional, deslocando o eixo migratório do sentido Nordeste-Centro-Sul para a Amazônia com o intuito de aliviar as tensões sociais, principalmente no Nordeste, região historicamente marcada pela concentração fundiária e por problemas sociais, indis-tintamente, associados à seca.

A construção da rodovia Transamazônica e a apropriação federal das terras localizadas ao longo de seu percurso com o intuito de promover o assentamento de famílias, em especial camponeses nordestinos, foi o principal marco dessa estratégia de desenvolvimento regional implantado pelo governo militar, o que acelerou e intensificou o processo de reestruturação sócio-espacial da região, cujo padrão de ocupação passou a privilegiar os eixos rodoviários, ao longo do qual se originaram vários povoados.

Sob a estratégia de “alargamento das fronteiras econômicas internas do país”, o programa definiu uma série de medidas agressivas em relação à Amazônia. A construção da Rodovia Transamazônica, ligando o Nordeste ao extremo-ocidente da Amazônia, transformou-se no símbolo deste programa e das transformações recentes da região. Além dela também foi construída a Cuiabá-Santarém que, ao lado das rodovias já existentes, compunham a estrutura básica de circulação dentro do projeto de “integração nacional”. (COSTA, 1991, p. 68)

Em meados da década de 70, o Estado começou a evidenciar seus reais interesses para a região através do abandono do modelo de ocupação dirigida e do fortalecimento de projetos que necessitavam de grandes investimentos de capitais, marginalizando cada vez mais a estrutura camponesa no contexto da economia regional.

Partindo do princípio de que apenas o grande capital poderia garantir o sucesso de tais políticas, dada à grandiosidade dos projetos e a necessidade de elevados investimentos, o governo federal passou a incentivar a implantação de grandes empresas na região, através da concessão de incentivos fiscais.

[...] o capital financeiro e industrial, que chega a partir dos anos sessenta e setenta, era de grande porte. Era aquele capital que podia se aventurar por grandes distâncias além de seu lugar de partida. Tinha uma forte tendência para o grande monopólio. Geralmente já era grande antes de chegar à região. A magnitude desses capitais implicava que não deixassem muita margem para o insucesso ou para o acaso. Seus proprietários não têm nada de familiar, sendo, via de regra, sociedades anônimas que como tal, atuam com a objetividade impessoal dos números, expressos numa contabilidade cuja diferença é o lucro indiferente à realidade social e ecológica da região. (GONÇALVES, 2001, p. 115)

Esse processo de planejamento e execução de políticas de desenvolvimento regional brasileiro (1960-1970) foi pautado no paradigma denominado ‘de Cima para Baixo’ ou ‘Centro-Periferia’, cujo pressuposto parte do princípio de que

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o crescimento se inicia, de forma espontânea ou programada, a partir de alguns setores dinâmicos e aglomerados geográficos (pólos de desenvolvimento), onde se identificam condições favoráveis de competitividade dinâmica, e se difunde, posteriormente, para os demais setores e áreas do país. Segundo este paradigma, as potencialidades de crescimento econômico de uma área periférica (não localizada nos centros mais desenvolvidos do país) dependem de se detectarem recursos (em geral, naturais renováveis ou não-renováveis) que esta área disponha para estimular a organização de uma base de exportação para outras regiões do país ou do exterior, a partir de transferências de capital e tecnologia, e de investimentos de infra-estrutura, visando explorar suas vantagens competitivas inter-regionais. (HADDAD, 1994, p. 343)

Neste bojo é criado o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – POLAMAZÔNIA (1974), através do qual o governo federal selecionaria as áreas em que seriam concentrados grandes investimentos financeiros e infra-estruturais capazes de moder-nizar e desenvolver a região, especialmente em termos de produção mineral, cujo principal pólo de exportação era o “Pólo Carajás” (PA).

No início da década de 80 o governo brasileiro e a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, deram início à implantação do Projeto Ferro Carajás, destinado sobretudo à ex-ploração do minério de ferro. Esse projeto era parte integrante do Programa Grande Carajás – PGC, através do qual o Estado pretendia concentrar ainda mais os investimentos financeiros e infra-estruturais visando a ampliação das exportações de matérias-primas minerais, visto que de acordo com o paradigma ‘centro- periferia’ o crescimento das economias regionais dependeria da intensidade com que estivesse em operação um ou mais grandes projetos de investimentos.

Ainda de acordo com Haddad (1994), a preocupação específica com os grandes pro-jetos de investimentos se deve, em grande parte, aos enormes custos diretos e indiretos de danos ao meio ambiente e ao processo de desenvolvimento sócio-econômico das áreas em que foram implantados, tendo como principais razões para tais preocupações:

a) do ponto de vista político, a maioria destes projetos foi concebida e implementada durante um período de autoritarismo político no qual os grupos mais afetados pelos danos sociais e ecológicos não tiveram oportunidade de manifestar suas críticas, propostas ou dissidências;b) do ponto de vista social, muitos destes projetos ocorreram numa etapa histórica, na qual a consciência ecológica ainda não estava presente como força contestatória junto à opinião pública nacional;c) do ponto de vista técnico, registra-se que, na análise e avaliação destes projetos para fins de financiamento, não se incorporavam, nos seus fluxos de caixa, os custos sociais e ecológicos de sua implantação e operação, visando obter algum critério de investimento que calculasse a rentabilidade social dos projetos, incluindo as suas externalidades (impactos ambientais). (Ibidem, p. 345)

Como decorrência dessas razões, vários são os exemplos de problemas sócio-ambientais gerados por esses grandes projetos, tais como os enormes desmatamentos, poluição de rios, extinção de espécies vegetais e animais, redução da biodiversidade, esgotamento de reservas ex-trativistas, mudança nas relações de trabalho, desestruturação de diversas atividades produtivas,

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aumento do desemprego e subemprego, intensificação dos conflitos fundiários, dentre outros que há muito já vêm sendo bastante discutidos em âmbito local, nacional e internacional, os quais, na concepção de Gonçalves (2001), geram uma sensação de desordem e caos.

Temos observado nos últimos anos a tentativa de se construir uma nova imagem da Amazônia: a de “desordem ecológica e social”. O que gostaríamos de sugerir é que o que temos hoje é a manifestação na Amazônia de diferenciadas ordens, de múltiplas lógicas que durante séculos foram encobertas e que agora se apresentam ao debate público com viva voz, sem intermediários. Na verdade, a Amazônia vive hoje uma clara crise de hegemonia. (Ibidem, p. 119)

O fim do regime militar e as estratégias de desenvolvimento regional para a Amazônia: possibilidades do futuro

Como decorrência do fim do regime militar, em meados da década de 80; da promul-gação da Constituição de 1988 e da pressão social acerca dos enormes impactos causados na região pelos grandes projetos, o PGC acabou sendo extinto.

No plano político-fiscal, os estados federados passaram a poder tributar a comercia-lização de produtos mínero-metalúrgicos e os municípios, cujas minas localizam-se em seus territórios, passaram a receber royalties, uma forma de compensação financeira devido à ex-ploração mineral. Essas medidas foram possíveis em função das mudanças propostas na nova Constituição, através da qual se redefiniu o papel dos entes da federação, reduzindo-se o papel da União que repassou algumas de suas responsabilidades para os estados e municípios.

De acordo com Costa (2004), o Estado nacional passou a ter necessidade de consi-derar as mudanças em curso derivadas do acelerado aprofundamento do particular sistema federativo brasileiro, o que evidenciou o complexo arranjo de repartição político-territorial do poder nacional, isto porque: “1) Reduziu a importância da União; 2) Revalorizou os papéis dos estados; 3) introduziu a singular autonomia aos municípios”.

Desta forma, fenece a concepção de ordenamento territorial como uma rede de con-trole hierarquizada, rígida e unidirecional do Estado no território, minimizando-se a função do planejamento.

Partindo desse suposto, alguns estados e municípios passaram a procurar

[...] caminhos alternativos para a adoção de um estilo de planejamento que pudesse instrumentalizar propostas para as suas administrações equacionarem soluções articuladas dos problemas de desenvolvimento no médio e no longo prazos. Visando ampliar e diversificar sua base produtiva ou modernizar suas estruturas tecnológicas, algumas unidades da federação e muitos municípios de diferentes portes estimularam a formação de novos pólos de desenvolvimento como sustentáculo de uma política de renda e de emprego para sua população. (HADDAD, 1994, p. 350)

As alterações na Constituição brasileira foram diretamente influenciadas pela dinâmica internacional, decorrente das crises econômicas da década de 80, a partir das quais foram

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impostos novos modelos de desenvolvimento pautados na “liberalização da economia” e implantação de “ajustes estruturais” através dos quais se instituiu a redução das barreiras alfandegárias, a retração da tributação e a redução da participação do Estado na economia, privatizando-se grande parte das empresas estatais, utilizando-se como justificativa as fortes pressões para o pagamento da dívida externa.

Com base nestes preceitos, foram adotadas novas diretrizes em relação ao planejamento regional, sendo elaborados os Programas “Brasil em Ação” (1996-1999) e “Avança Brasil” (2000-2003), que sintetizam as “novas” estratégias de integração e desenvolvimento gestadas pelo governo federal no contexto dos anos 90, os quais centram-se em

“eixos estruturadores de integração nacional e internacional”, concebidos como alternativas para articular diferentes regiões entre si. Esses eixos assumem a forma concreta de vias de transporte de longa distância que possibilitariam “acesso a mercados e a melhorar a capacidade competitiva dos sistemas econômicos regionais”. (BRASIL, 1997, apud COELHO, 2003, p. 657)

De acordo com o discurso oficial, esses planos tinham como cerne a redução do custo de transporte, medida esta que contribuiria para a diminuição dos custos de exportação ou de importação de mercadorias, fazendo com que melhorasse a capacidade competitiva dos sistemas econômicos regionais, tendo por base “a estabilidade econômica, a abertura econô-mica e a recuperação da capacidade executiva do Estado”. (GONÇALVES, p. 121)

Denota-se a adoção de um novo modelo de desenvolvimento, voltado para a produção, que deverá propiciar a materialização de projetos de infra-estrutura, necessários ao crescimento econômico. Dentro da atual ótica do Estado, estes investimentos deverão ser divididos com a iniciativa privada, servindo-se dos processos de concessão e privatização dos serviços públicos. [...] Tal programa foi concebido de modo a promover o desenvolvimento auto-sustentado e reduzir as disparidades regionais, mediante ações que propiciem a criação de empregos, principalmente através do investimento privado, nacional ou estrangeiro. (FADESP, 1999 apud GONÇALVES, 2001, p. 121)

Esta estratégia de desenvolvimento mais uma vez resgata e fortalece o modelo exógeno das políticas públicas.

[Sendo o mesmo] baseado numa visão externa ao território, que afirma a soberania, privilegiando as relações com as metrópoles, e implementado por uma geometria de redes – vias de circulação e núcleos urbanos [...]. O interesse nacional também resgata o modelo exógeno baseado em redes físicas, através do Programa Avança Brasil. (BECKER, 2001, p. 158)

No entanto, este mesmo cenário que propiciou o resgate das diretrizes do modelo exó-geno, expresso nos Programas “Brasil em Ação” e “Avança Brasil”, também evidenciou a luta desencadeada pelos diversos grupos locais, através dos movimentos de resistência à expropria-ção da terra, bem como dos grupos ambientalistas nacionais e internacionais, que propuseram a criação de corredores ecológicos com vistas à ampliação da proteção ambiental.

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Neste contexto, Becker (op. cit., p. 143) afirma que

alterou-se o significado da Amazônia com uma valorização estratégica de dupla face: a da sobrevivência humana e do capital natural, sobretudo as florestas, a megadiversidade e a água [...]. Configura-se, então, uma forte disputa entre as potências pelo controle do capital natural da região, ao mesmo tempo em que movimentos sociais pressionam por sua preservação. Tais forças encontram terreno fértil para ação na região, graças às mudanças estruturais geradas pelas políticas públicas anteriores e pelas lutas sociais, sobretudo a conectividade, a urbanização e a organização da sociedade civil em movimentos e projetos alternativos.

Baseado em Vázquez Barquero (2001, p. 49), deve-se entender por desenvolvimento endógeno o processo de crescimento e de mudança estrutural no qual “a organização do sistema produtivo, a rede de relações entre atores e atividades, a dinâmica de aprendizagem e o sistema sócio-cultural” são determinantes no processo de mudança.

Na Amazônia o desenvolvimento de projetos alternativos, de cunho conservacionista, tem sido marcado pela busca de novas territorialidades por parte dos diversos grupos sociais que resistem à expropriação.

Entre tais projetos destacam-se os de conservação das reservas naturais e projetos co-munitários alternativos, que têm como cerne a demarcação de Terras Indígenas e de Unidades de Conservação (UCs) de vários tipos, tais como as Reservas Extrativistas (Resex) – definidas a partir das lutas dos seringueiros.

Apesar da fragilidade no controle, vigilância e conservação das áreas destes projetos, no que se refere ao combate à invasão e exploração indevida dos seus territórios, tais projetos tem implementado um novo padrão de desenvolvimento na região.

O Brasil e o mundo têm, hoje, a oportunidade de conhecer outras perspectivas que emanam do interior da floresta, dos ramais, das picadas, dos travessões daqueles que dispões de um saber até aqui desqualificado, mas que ganha direito de cidadania em função de novas dimensões que o conhecimento adquire para o futuro da humanidade no processo de reorganização societário em curso. (GONÇALVES, 2001, p. 126)

Os modelos de desenvolvimento regional alternativos são fundamentados no paradigma “de Baixo para Cima”, centrados nos esforços endógenos, ou seja, numa visão interna do ter-ritório, desenvolvida pelas comunidades locais, visando à promoção do seu desenvolvimento sócio-econômico e à introdução de inovações organizacionais para a solução de problemas tradicionais nas áreas das políticas públicas, que de acordo com Haddad (1994) levam em consideração os seguintes aspectos:

a) os empreendimentos a serem incentivados são de pequena e média escalas, formando um espaço onde novos empresários possam exercer a prática e o aprendizado da moderna economia de mercado;b) os empreendimentos podem constituir-se em atividades autônomas na relação direta com o mercado consumidor ou se estabelecer numa multiplicidade de arranjos com grandes empresas que vão desde a subcontratação, passando pelos licenciamentos e concessões;

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BRITO, L. S. A.; COSTA, L. M. G. Estratégias de desenvolvimento regional para a Amazônia pós-1950: lições...

c) [...] não bastam os incentivos financeiros [...], é indispensável que haja um sistema de assistência técnica organizado visando apoiá-los na solução de problemas de natureza gerencial, de mercado, de produção, de tecnologia, de natureza fiscal e trabalhista, de natureza financeira [...]. (Ibidem, p. 349)

Como se pode perceber, as diversas políticas públicas implantadas na Amazônia evidenciam alterações na dinâmica de organização do espaço mundial, nacional, regional e local, externalizando o choque de interesses dos vários grupos sociais que historicamente atuam no processo de construção e reconstrução da organização socioespacial desta região no contexto das lutas por suas territorialidades, refletindo os divergentes interesses gestados pelos modelos exógenos e endógenos de apropriação e uso do seu território.

Considerações Finais

Verifica-se que, na busca do desenvolvimento econômico, o recente planejamento voltado para a Amazônia aperfeiçoou práticas antigas, de cunho colonial, que têm como cerne a ampliação da exploração dos recursos naturais disponíveis na região.

Se, do ponto de vista político e econômico, o objetivo maior das estratégias governa-mentais foi alcançado: a Amazônia foi efetivamente integrada à dinâmica econômico-pro-dutiva nacional. Do ponto de vista socioespacial, o “preço pago” foi muito elevado: danos ambientais de diversas ordens e escalas, ocupação desordenada, favelização, aumento da pobreza, ampliação de conflitos sociais, elevação do desemprego e subemprego, e, princi-palmente, a exclusão da população local no que tange às decisões tomadas sobre o “destino” da região.

Práticas de resistência têm demonstrado que há alternativas para essa condição, mas faz-se necessário a ampliação da escala de suas ações e do poder de suas intervenções, para que, efetivamente, a sociedade civil organizada possa ter poder de decisão frente aos plane-jamentos governamentais que se impõem sobre a região.

Faz-se cada vez mais necessário e urgente a adoção de modelos de desenvolvimento que busquem aliar desenvolvimento, crescimento econômico e a ampla redução dos impactos ambientais com vistas a solucionar, ou ao menos amenizar, velhos e recentes problemas so-cioespaciais e ambientais da região, o que tem se colocado como um enorme desafio: extrair lições dos percalços gerados pelas estratégias de desenvolvimento implantadas no passado e vislumbrar novas perspectivas que apontem possibilidades futuras para a gestão da complexa realidade amazônica.

Referências

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n. 26 (1): 195-205, 2006 Ar t i go 205 Terra

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VÁZQUEZ BARQUERO, Antônio. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística, 2001.

Recebido para publicação em abril de 2006Aprovado para publicação em junho de 2006

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R e s e n h a

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La Fabrication du Brésil – Une grande puissance en devenir

CLAVAL, Paul. La fabrication du Brasil: une grande puissance en devenir. Paris: Éditions Belin, 2004. 384 p. (Coleção Mappe Monde)

José Borzacchiello da SilvaProfessor titular do Departamento de Geografia da UFC

La Fabrication du Brésil é um retrato de corpo inteiro de nosso país. Paul Claval sur-preende pela clareza e consistência de seu texto. Ao se debruçar sobre o tema Brasil, produz uma obra densa e ousada. Ousadia de um profissional maduro e competente, um geógrafo completo, capaz de elaborar uma leitura do país numa perspectiva única, indagando de que forma se pode explicar o sucesso de um pequeno Reino como Portugal na criação de um país tão grande como o Brasil.

Introduz o tema dizendo que apesar do fascínio que o Brasil exerce sobre os franceses, eles sabem pouca coisa sobre o nosso país. O que conhecem não vai além de imagens este-reotipadas de praias tropicais, Copacabana, carnaval, favelas. Recupera en passant, as visitas de André Thevet, La Condamine, Geoffroy Saint-Hilaire e d’Orbigny.

Revela aspectos da atração exercida pelo Brasil através de leituras de textos. Cita o encantamento de Clemenceau em suas “Notas de Viagem na América do Sul” de (1911).

O Brasil que os franceses amam é um país ágil, alegre, despreocupado e leve, caden-ciado pelo carnaval e ritmos tropicais. Ao mesmo tempo revela a surpresa dos franceses com o dinamismo do país, com o rápido crescimento da população brasileira. Claval vai além, afirma que o Brasil é um país de desenvolvimento desigual apresentando domínio técnico e científico de padrão americano e europeu. Destaca nossa tecnologia de ponta dando exemplo da qualidade da produção aeronáutica. Fala da pobreza, das contradições da co-habitação da prosperidade e da miséria e reafirma que esta convivência não é uma especificidade nossa, que ela também está presente em países que se dizem desenvolvidos ou industrializados. Para Claval, insistir com o discurso que o Brasil é um país do Terceiro Mundo ou em via de desenvolvimento, impede uma visão mais completa da realidade.

Comprova sua hipótese destacando a revolução agrícola brasileira, especialmente na área do Cerrado. Refere-se à Amazônia dizendo que nós, os brasileiros, temos um sério problema a resolver e questiona...o que fazer quanto à adoção de políticas de ordenação do território. A Amazônia deve ser tratada como uma grande reserva ecológica a ser preservada ou ela se coloca como um novo eldorado brasileiro, indaga.

Paul Claval vem freqüentemente ao Brasil. Percorreu várias regiões, conheceu muitas cidades, aprofundou seu conhecimento e sua compreensão do país. Seu livro expressa isso muito bem. Entre nós, goza de prestígio e tem muitos amigos, inclusive os que contaram com sua inestimável orientação em França. Seu interesse por nosso Brasil é antigo. Fala por-

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SILVA, J. B. La fabrication du Brasil: une grande puissance en devenir

tuguês e é esmerado na fidalguia e elegância no trato com seus colegas brasileiros. Estabelece relações simétricas, independente do nível de amizade que mantém. Lê e valoriza nossos autores. Conhece a produção científica brasileira nas áreas da geografia, história, sociologia e antropologia, entre outras, tão bem expressa em suas notas e citações.

Com uma enorme experiência, formidável bagagem científica e muita motivação para o trabalho, Claval elaborou um livro vibrante. Sua leitura revela a preocupação do autor em combinar diferentes abordagens capazes de dar conta da complexidade do país. Recorre ao passado para explicar o presente, discutindo com propriedade, na primeira parte do livro, a construção do espaço e do povo brasileiro. Recupera com qualidade as ações de Portugal, o Brasil colonial e a emergência do país com características de grande espaço. Atribui às cidades importante papel como expressão do Brasil tradicional na encruzilhada entre a tradição colonial e a europeização.

A segunda parte é dedicada à discussão da modernidade e gênese de uma grande potência, enfocando o surgimento de uma consciência nacional que eclode com as políticas desenvolvimentistas.

Na terceira parte, intitulada “Um gigante em mutação” explica de forma adequada vários flashs da vida brasileira no contexto de um país urbanizado onde se destaca a cultura de massa, as várias expressões de religiosidade, os problemas de acesso à terra, dos sem terra, dos sem teto até os movimentos contra-cultura.

Paul Claval, com esta obra, cativou de vez os brasileiros e demarcou com qua-lidade o seu lugar entre os nossos intérpretes.

Recebido para publicação em maio de 2006Aprovado para publicação em junho de 2006

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D e p o i m e n t o

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“OS SETENTA ANOS DA AGB – 1934-2004”

Com esse título este autor (Marcos Alegre) escreveu depoimento sobre os 70 anos da AGB que seria publicado na íntegra na Revista Terra Livre 22, entregue em Goiânia em julho de 2004. Por um lapso, a parte final do depoimento ficou truncada, exatamente aquela em se prestava homenagem ao fundador da AGB, Pierre Deffontaines e a Pierre Monbeig, verdadeiro dínamo dos tempos iniciais da trajetória desta associação, e que se transcreve agora.

IN FINE - DEFFONTAINES e MONBEIG, JUSTA HOMENAGEM

Pode-se afinal concluir que, ao comemorar seus 70 anos e apesar das divergências das idéias e mesmo ideologias – ou por isso mesmo – a AGB vem cumprindo o papel que certamente seu fundador Pierre Deffontaines imaginava para a associação em 1934. A AGB sempre teve participação ativa na evolução da Geografia, confundindo-se a sua história com a própria história da Geografia-ciência. Monteiro C. A. F. não acreditava em 1977, numa Geografia Brasileira eis que esta Geografia era sempre dependente. Haveria padrões universais não brasileiros e que a brasilidade estaria para ser encontrada. Decorridos mais de 25 anos e, em face do grande avanço que essa ciência conheceu entre nós, graças ao esforço, dedicação, abnegação e sobretudo descortino dos verdadeiros agebeanos – jovens e veteranos – pode-se acreditar que várias geografias são possíveis como defende Rodrigues, A. M. inclusive a Geografia Brasileira o que significa enorme responsabilidade.

Certamente a AGB, que enfrentou tempestades e furacões vencendo-os todos, saberá vencer os desafios futuros, já que ela se encontra cada vez mais fortalecida.

Por ocasião do I Congresso Brasileiro de Geógrafos em 1954, entusiasmado com as atividades dos participantes, sobretudo dos mais jovens, um jornalista local assim se mani-festou em seu jornal: “Se a AGB está criando gente deste teor, moldando material humano deste feitio, que vão para ela, numa consagração, as bênçãos do País. Porque o de que o Brasil dilapidado de hoje precisa é disto mesmo: homens e mulheres trabalhadores e sérios, de abnegação honesta...” (Boletim Paulista de Geografia, n. 18, 1954)

Trata-se de palavras ditas quando a AGB completava vinte anos. Oxalá possam elas ser repetidas agora, nas comemorações dos 70 anos, e sempre.

Acredita, este autor que, ao comemorar os setenta anos de existência da AGB, vale recordar o que se colocou linhas atrás. Esta entidade é um símbolo, um ser abstrato, que se corporifica em razão de seus associados que, pelos seus trabalhos, pesquisas, reflexões em busca da Geografia-ciência debatidas em assembléias, encontros, congressos com a presença de associados, é que dão vida à entidade. E são muitos estes agebeanos que, nos últimos 70 anos construíram e reconstruíram os vários ramos dessa árvore que se chama Geografia como dizia La Blache. São as várias geografias possíveis, como dizem proeminentes autores da atualidade. E esses autores são aclamados como verdadeiros heróis, ícones. E são realmen-te porque ajudaram e ainda ajudam a cultivar a árvore, Geografia-ciência e mantendo viva

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a AGB. Entretanto, há de se pensar que esta árvore não existiria neste país, ou se viesse a existir não seria tão frondosa, tão proficiente. Todavia, poucos se lembram dos “agricultores” que plantaram a semente há setenta anos atrás e cuidaram do pequenino arbusto, regando e adubando o solo para que ele crescesse sadio. Estes “agricultores,” os geógrafos franceses Pierre Deffontaines que, aos 40 anos, era nome bastante conhecido em seu país, foi quem plantou a semente, fundou a AGB em 1934 e, ao mesmo tempo, dava aulas de Geografia no curso de Geografia e História, recém criado na também recém criada Universidade de S. Paulo. Outro geógrafo, mais moço – 27 anos – que chegou logo em seguida para também ministrar aulas no mesmo curso, Pierre Monbeig, passou a cuidar da plantinha com o mes-mo cuidado que Deffontaines. Estes dois nomes depois seguidos de outros, introduziram no Brasil a Geografia como ciência verdadeira tentando eliminar o que antes existia com o rótulo de Geografia e que era, no dizer de Monbeig: “uma enumeração seca e aborrecida e de uma época que se julgava para sempre passada”.

Este autor se lembra bem desta Geografia e como se fazia a Geografia desde o curso primário que hoje é a primeira parte do ciclo fundamental. A aula dessa matéria era ministrada uma vez por semana. Cada aluno recebia tarefa que devia ser estudada para a semana seguinte e consistia na recitação do fato estudado (decorado) sem consulta. Era o nome das serras e respectivas alturas ou dos rios e seus afluentes. No capítulo das chuvas era saber onde chovia mais, onde chovia menos. O porquê das diferenças nem pensar, não interessava. As vezes a incumbência era a de copiar algum mapa, colorir e aí quase sempre alguém da família ajudava. O mapa tinha de ficar bonitinho senão era nota baixa e o medo da reprovação. Mas a pro-fessora era criativa: dividia a classe em grupos que se digladiavam para ganhar nota. Algumas perguntas eram indefectíveis e passavam de ano para ano e os alunos que começavam já iam decorando. Qual é o maior rio do mundo? A classe respondia em uníssono; o Rio Amazonas. Qual é o morro que cobre todos os outros? É o Morro do Chapéu. A professora batia palmas e todos os alunos batiam palmas, também, claro, o medo de uma nota baixa era constante e valia a pena agradar a professora! Uma vez, uma menina, mais experta, fez a pergunta que levou a professora ao delírio! Qual é a capital de um país que, lido de trás para frente, vai dar o que a gente sente pelo papai, pela mamãe, pela professora, pela escola e pelo Brasil? Ninguém sabia. A molecada, inclusive este autor, coçava a cabeça e nada saia. A menina que fizera a pergunta teve seu dia de glória ao responder: É Roma capital da Itália. Ganhou um beijo e abraços da professora e a raiva de todos os alunos. Esta era a Geografia que se fazia e estudava (estudava?) nas décadas de trinta, quarenta e até mais para frente. Lembra-se, ainda, este autor que, quando algumas pessoas, no DER (Departamento de Estradas de Rodagem) onde trabalhava como desenhista cartógrafo – topógrafo, souberam da escolha do curso de Geografia comentavam: esse rapaz vai fazer curso de Geografia? puxa, ele deve ter muito boa memória! E isto já na década de 50 e entre pessoas de bom nível educacional!

Era contra essa Geografia que se insurgia Monbeig e duas ou três décadas de AGB foram necessárias para mudar esse quadro embora não ainda completamente. Mesmo em 1945, portanto uma década de AGB, num comentário de Monbeig publicado no Boletim Geográfico No31 ele faz a apologia dos estudos regionais e diz que a pesquisa científica da zona estudada pode adquirir uma utilidade prática, e aduz: “Sem dúvida a maioria dos leitores

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se surpreenderá com esta última afirmação, pois a lei comum é a de guardar uma detestável lembrança dos cursos de Geografia que tiveram no ginásio... Mas, é que há um abismo entre aquele ensino de outrora, ou mesmo ainda hoje, o ensino de professores improvisados, e o que se tornou a ciência geográfica”. E ainda agora, já no século XXI, há quem duvide que a Geografia seja uma ciência!

A propósito desta Geografia de outrora vale a pena algumas citações e comentários que Pierre Monbeig faz na seção Críticas e Notas no Boletim da AGB, n. 4, 1935. Ele começa seu comentário, reportando-se à acolhida que a AGB tivera, e o aparecimento desse boletim como demonstração da necessidade de desenvolver as pesquisas geográficas e realça que a bibliografia geográfica paulista é pobre mas que o Brasil é um campo apaixonante para o geógrafo e que, por isso, deve-se saudar com entusiasmo todo ensaio de estudo geográfico. Mas a decepção é grande quando se constata que:

...o estudo está longe de fazer avançar o conhecimento científico da Geografia quando ele não faz outra coisa que não a enumeração seca e aborrecida. Ora está aí exatamente a desgraça que me sucedeu há pouco tempo, ao descobrir numa livraria, uma publicação de um excelente agrupamento científico. O índice das matérias era tentador nessa obra com sugestivo título “ Capítulos de Geographia Physica de S. Paulo”.

Tantas esperanças depressa se desvaneceram. Sem que a menor carta ou o mais pe-queno desenho que nos oferecesse a possibilidade de acompanhar a exposição, quarenta e uma páginas de enumeração se apresentavam aos meus olhos. Todas as categorias de rochas desfilavam em fileiras cerradas, todos os minerais que esconde o sub-solo paulista... mais adiante era uma revista de todas as serras, com suas altitudes, sem esquecer uma só... Seguiam docilmente atrás das montanhas, os rios classificados por bacias fluviais com seu batalhões de afluentes. Todas as ilhas, todos os cabos...

Qual o interesse de uma tal recitação? Zero e nada mais. Procurava-se em vão a mais elementar tentativa de explicação do fatos, o mais modesto esforço de comparação com outros a fim de melhor interpretá-los... é preciso confessar que um tal estado de espírito, revelado pela publicação deste artigo numa revista de real valor, é surpreendente no próprio momento em que no mundo inteiro a Geografia toma um impulso inesperado e que no Brasil, particularmente em S. Paulo e no Rio, surgem pesquisadores de grande mérito. Apesar disto o trabalho não terá sido de todo inútil. Constitui uma advertência muito séria àqueles que cuidavam que os princípios formulados por Humboldt, Suess, Davis e De Martonne... tinham entrado no domínio público. Ainda estamos longe disto, ao que parece; e isto não pode senão animar-nos a intensificar nosso esforço a nos agrupar para trabalhar no sentido que nos indicaram aqueles mestres.

Aí está a preocupação do renomado geógrafo em sua crítica, nada sutil mas arrasadora, cujo título já diz tudo. “REFLEXÕES SOBRE UM TRABALHO INÚTIL”.

Este pequeno exemplo serve para mostrar, confirmado por estudos posteriores de Mon-beig, que ele não concebia o estudo do homem independentemente de suas bases físicas, das relações entre o ser humano e o meio, relações entre os próprios homens representando tudo num processo que se desenvolve ao longo do tempo fazendo a construção e reconstrução do

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espaço geográfico e da sociedade. No mesmo boletim aparece nítida a preocupação da AGB com o ensino secundário. Nesse período estava-se estudando, em nível federal, uma reforma do ensino secundário e a AGB não quis alhear-se do assunto vendo, inclusive ali, o momento de propor mudanças benéficas para a Geografia de modo que ela aparecesse como ciência e não aquele arremedo que até então se fazia. A preocupação era a de substituir o antigo sistema puramente de nomenclatura e mnemônico, por uma compreensão científica da matéria. E Monbeig completa: “E nestas condições é dever de todos que se interessam pela Geografia, auxiliar os poderes públicos na difícil tarefa de modernizar o ensino”.

Com tal objetivo a AGB constituiu uma comissão composta por Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo que, na época, era professor do Colégio Universitário da USP e Maria Conceição Vicente de Carvalho, do Mackenzie College que elaborou o projeto acompanhado de instruções de como tratar cada assunto ao longo do curso.

Apenas alguns trechos serão transcritos aqui para mostrar as preocupações da asso-ciação.

Os presentes programas foram redigidos tendo em vista dois princípios comuns a todas as disciplinas incluídas no curso secundário. Antes de tudo, é preferível conhecer bem poucas coisas do que saber mal muitas outras. Em segundo lugar, cumpre ter presente que o ensino secundário é um ensino de cultura geral e não de especialistas: cada educador, qualquer que seja a matéria que venha a ensinar, não deve jamais esquecer que sua missão consiste em formar a personalidade e não recrutar geógrafos, matemáticos ou naturalistas.... torna-se preciso evitar, por todas as maneiras, as abstrações: a geografia geral ministrada a meninos de 12 anos deve partir de fatos concretos que lhe sejam familiares; sempre que possível o professor se esforçará por começar pela geografia local ou, pelo menos, brasileira para conduzir o aluno pouco a pouco à generalização.

Durante todo o curso, o professor nunca deverá esquecer que é preciso, antes de tudo, fazer um apelo à reflexão e à inteligência, ao espírito crítico, os quais se hão de exercer com rigor, lógica e ordem. Somente quem adotar tais diretrizes, poderá ser considerado um verdadeiro professor...

Pelo que se disse até agora, dá para observar que, desde o primeiro momento, a AGB preocupou-se com o fazer e divulgar a Geografia-ciência e, ao mesmo tempo, preocupou-se com a formação do cidadão consciente, esclarecido, capaz de exercer a cidadania, utilizando seu saber sempre em benefício da sociedade e contribuindo para a solução dos problemas que a afligem. Uma observação: terá a AGB ao longo de todos estes anos conseguido seus intentos? Os alunos formados, desde então, são de fato, verdadeiros cidadãos? Os professores, sem levar em conta o nível de ensino em que atuam, serão verdadeiramente professores de acordo com as diretrizes emanadas da AGB há setenta anos? Pontos para análise e reflexão.

Para se observar qual era o pensamento de Monbeig, 40 anos depois da criação da AGB e como parte desta homenagem, transcrevem-se algumas frases ditas por ele quando visitou Presidente Prudente em 1975, em conversa com alguns professores da faculdade:

Não há ecossistema humano. ecossistema é biologia, botânica etc. O homem está inse-rido na paisagem e por isso que o geógrafo deve estudar a paisagem. O homem é que importa. Ecossistema humano é besteira. Para muitos a técnica é mais importante que o objetivo o que

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significa falta de cultura. Não se faz geografia com modelos. A palavra subdesenvolvimento é errada. Há fome, há miséria mas não há sub-desenvolvimento mas o que existe é desenvol-vimento insuficiente, lembrando que subdesenvolvimento não é fase do desenvolvimento. Mas a ação do geógrafo pode ajudar com estudos não simplesmente técnicos. Há exemplos de obras de engenharia que não consideraram o homem. Ex. construção de barragens na África. O verdadeiro geógrafo é criador, deve abrir novos caminhos. Muitos apenas citam os mestres. Mas o geógrafo deve ter muita desconfiança das teorias. O geógrafo pode cair no ridículo quando complica muito e acaba fazendo um malabarismo de linguagem. Fazer geografia é uma fonte de prazer. Quem não sentir esse prazer deve fazer outra coisa.

Como estrangeiro, Monbeig não podia manifestar-se sobre política, sistema de governo do país entretanto, nas conversas mais reservadas, no café na mesa do restaurante, ou na residência – como na do autor deste artigo – ele expunha seu ponto de vista, e dizia:

“...com todos os problemas que possam existir, não há dúvida que o melhor sistema de governo é a democracia na qual o povo exerce sua soberania, há liberdade, igualdade. Nas ditaduras tal não acontece. E o geógrafo, não pode ser neutro, ele precisa pensar democraticamente, estar sempre ao lado do povo porque ele também é povo. Na ditadura o geógrafo tem de demonstrar seu inconformismo mostrar de que lado está, como por exemplo, fizeram alguns agebeanos no Encontro aqui realizado. Na hora certa ele tem de se engajar e até liderar movimentos populares em pról da democracia. No Brasil, esse momento está próximo.”

Depois disso Monbeig não quis falar mais nada e até pediu desculpas por se manifestar achando que não tinha direito de se intrometer. Mas, completou; “geógrafo é geógrafo e não é capaz de fechar a bo ca!”

A propósito da velha geografia e a geografia-ciência, vale a pena citar o comentário de AB’SABER, A. N. publicado no Boletim Paulista de Geografia, n. 34, 1960 “Vinte e cinco anos de Geografia em S. Paulo (1934-1959)” Esse autor – renomado geógrafo – faz um balanço da produção geográfica em S. Paulo e diz que a criação do Curso de Geografia e História na USP e a fundação da AGB foram dois acontecimentos da mais alta importância para o desenvolvimento da Geografia no Brasil. No item sobre a participação dos paulistas nos congressos científicos AB’SABER coloca: “ Nessas ocasiões, havia a necessidade de fazer pregações, dar exemplos concretos e fiscalizar discretamente as louvaminhas dos velhos men-tores, cientificamente fossilizados”. O autor se referia basicamente aos congressos organizados pela Sociedade Brasileira de Geografia e, em especial, aqueles realizados em Florianópolis (1940), Rio de Janeiro (1944) e Porto Alegre (1954).

Em relação ao primeiro, em Florianópolis, o autor chama a atenção para a orientação de Pierre Monbeig na liderança do grupo paulista que “...teve uma atuação científica impar, servindo de arauto da nova ciência e fiscalizando com a severidade exigida, a ação dos falsos profetas que, sem ter a necessária formação e vocação científicas, quiseram se guindar à posição de líderes”.

E ressalta a atuação dos agebeanos cariocas no congresso realizado no Rio em 1944 no mesmo sentido do que fizeram os paulistas no congresso anterior.

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No que diz respeito ao congresso de Porto Alegre. E AB’SABER diz textualmente:

...quando por um desses incríveis eventos toda uma instituição técnico-científica do governo brasileiro prestigiava um congresso de organização arcaica e obsoleta, um pequenino grupo de geógrafos paulistas, fiéis aos seus princípios metodológicos e científicos, soube recolocar os problemas, consolidar o prestígio de seu campo científico e demonstrar, com energia e educação, os seus princípios e propósitos. Historicamente o Congresso Brasileiro de Geografia de Porto Alegre foi o canto de cisne da velha e retrógrada geografia em nosso país.

Observa-se pelo comentário do autor que, ainda na década de 50, o próprio governo, que mantinha o Conselho Nacional de Geografia, o Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística, publicava, por meio da Revista Brasileira de Geografia e Boletim Geográfico e outras vias, brilhantes trabalhos da verdadeira Geografia-ciência, ainda dava apoio à velha geografia que já fora abandonada há muito tempo em outros países. E veja-se que bem à véspera do grande congresso internacional que seria realizado no Brasil em 1956 e que reuniria dezenas dos maiores geógrafos do mundo. É realmente incrível, como disse AB’SABER: “como é difícil vencer o atraso, neste país. E isto não é somente do ponto de vista da ciência geográfica é em tudo e isso parece ser atávico e inerente ao Brasil e é por isso que a luta tem de continuar”.

Em relação a Pierre Deffontaines pode-se dizer que ele também tem longa lista de trabalhos publicados sobre assuntos brasileiros e parece, salvo engano, que o primeiro destes trabalhos foi publicado no Boletim da AGB, n. 3, 1935 “As feiras de burros de Sorocaba” publicado também na França em 1938 e depois no Boletim Geográfico, n. 25, 1945. Mas um dos mais conhecidos desses trabalhos foi publicado na França em 1938 e transcrito no Boletim Geográfico, n. 14 e 15 em 1944 com tradução do proeminente geógrafo brasileiro, Orlando Valverde. “Como se Constituiu no Brasil a Rede das Cidades”, que é constantemente citado, sobretudo quando se faz Geografia Urbana retrospectiva.

Entretanto, o autor deste artigo prefere citar Deffontaines por um pequeno artigo resultado de uma comunicação feita em 1936 na Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e transcrita depois no Boletim Geográfico, n. 75, 1949 com o título: “As Nossas Responsabilidades Geográficas nas Zonas Tropicais” pretendendo reproduzir alguns trechos mais sugestivos:

A zona equatorial é, para nós, essencialmente a região em que a natureza atinge toda a sua profusão. De fato, aí se estendem os mais suntuosos mantos florestais da Terra. A mata amazônica só é ultrapassada na superfície pelas florestas do Canadá e da Sibéria; é, porem, infinitamente mais compacta: constitui o mais belo de todos os revestimentos vegetais que cobrem a superfície da Terra,... A mata equatorial depende mais da atmosfera que do solo para viver; as raízes de suas árvores são semi-aéreas e os troncos se elevam sobre um vasto pedestal com grandes sapopembas que atingem até cinco ou seis metros de altura. As árvores gigantescas são, geralmente pouco enraizadas; resistem às tempestades menos pelas suas ligações ao solo do que pelas lianas e pela compacidade do bloco vegetal... Para guardar sua vida, o solo florestal necessita da penumbra, do sub-bosque, da umidade conservada sob as ramagens... todo ataque à sombra é uma ferida na floresta, mas é ainda mais do que uma ferida no solo florestal

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que, exposto diretamente ao ressecamento pelos raios solares e à lixiviação pela chuvas diluviais, degradar-se-á rapidamente, a vida microbiana será morta, as águas subindo por capilaridade, depositarão, durante a estação seca, elementos ferruginosos que vão se aglomerar na superfície e formarão logo uma crosta pedregosa e vermelha, uma verdadeira couraça superficial, chamada “laterita” que quer dizer tijolo. A antiga mata dará, assim, lugar a uma superfície rochosa e impermeável na qual a vegetação compor-se-á exclusivamente de ervas secas e cortantes.

Deffontaines, nesta comunicação ministra verdadeira aula sobre a floresta tropical-equatorial e as conseqüências do mau uso, do desconhecimento de métodos de preservação da mata e do solo necessário para qualquer outra cultura ou mesmo pecuária. E esta aula data da década de trinta, entretanto, ainda hoje, setenta e tantos anos depois, muita gente mais interessada na exploração da mata, no lucro imediato, do que no seu aproveitamento em benefício do homem, inclusive das gerações vindouras, não acredita ou não quer acreditar que o que foi dito pelo mestre, em que pesem todos os exemplos que aí estão, de fato possam acontecer. Ouve-se, com muita constância, pessoas dizerem: “vamos tirar a mata e plantar capim para o gado, porque o povo precisa da carne.” Isto é verdade. A mata não pode ser olhada como um ser sagrado, intocável. Deffontaines enfatiza o uso da mata em benefício da sociedade mas adverte que o homem deve procurar métodos racionais de manejo e não de devastação, “ruinas do capital vegetal” mas que tirem proveito somente dos juros, ou seja, do acréscimo natural verificado após o uso de uma silvicultura adequada às condições das zonas quentes”. É preciso, entretanto compreender-se previamente o valor desses solos florestais e, em seguida, os meios de sua utilização pela agricultura ou pela pecuária E aduz: “Esta é uma das grandes responsabilidades da educação e formação de especialistas vocacionados para o conservacionismo, preservação e manejo adequado no trato de tão precioso bem da humanidade.”

Deffontaines fala da grande diferença entre a floresta equatorial e as européias e cita que, no Brasil foi constatado que, em uma só arvore, existiam 800 espécies de vegetais vivendo em comensalismo significando que, em uma única arvore, pode viver verdadeira colônia de plantas. Nas florestas européias pode haver até menos de 50 espécies arborescentes enquanto que na Amazônia brasileira foram contadas mais de 4 000 espécies. As florestas equatoriais são também as mais antigas e devem remontar à época do terciário. O homem quase destruiu as matas européias mas agora trata de realizar manejos mais racionais o que não acontece nas matas tropicais que estão sendo devastadas sem nenhum critério conser-vacionista. Como afirma:

Zonas inteiras já têm sido assim dizimadas; a madeira de tinturaria chamada “brasil”, que sem dúvida deu seu nome a este país, desapareceu quase totalmente em conseqüência de uma exploração super-intensiva no século XVIII... As mais belas madeiras que a natureza pôs à nossa disposição estão em vias de desaparecimento... A maior parte das matas equatoriais permanecem entregues à devastação, retraem-se rapidamente e perdem seu valor. O homem do século XX prossegue ainda mais rapidamente na sua destruição: os progressos técnicos vieram apenas aumentar o perigo. Está a Terra a ponto de perder a sua paisagem mais antiga, a sua coroa, a floresta equatorial? Responsabilidades florestais, tais são as nossas primeiras responsabilidades nas zonas quentes.

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ALEGRE, M. OS SETENTA ANOS DA AGB – 1934-2004

A explotação pelos europeus mostra-se destrutiva; é igualmente uma economia de degradação... É preciso reconhecer que o homem ainda não encontrou, para garantir a uti-lização das regiões equatoriais, os métodos convenientes; desperdiça de modo desenfreado as riquezas da vegetação e os recursos do solo.

Deffontaines tece, ainda mais comentários sobre o uso inadequado das áreas florestais que devem ser utilizadas em benefício da sociedade mas de maneira sustentável; o homem deve aproveitar um bem precioso que é a mata mas com medidas racionais que não agridam o solo. Fala dos cafezais de S. Paulo que oferecem rendimento fabuloso, porem efêmero, logo ocorre a decadência e outras áreas devem ser buscadas em novo ciclo com as mesmas conseqüências. O solo se esgota e é necessário adubá-lo e aí o homem recorre ao adubo quí-mico que dá à planta uma fertilidade ilusória; o solo não precisa de minerais mas de adubo orgânico. E conclui sua comunicação:

É mais do que tempo para que o homem se ponha ativamente à procura dos métodos de uma silvicultura e de uma agricultura tropicais, que sinta suas responsabilidades, que reconheça seus erros, eu diria mesmo seus erros geográficos. Não tem ele o direito de dilapidar esta terra que lhe foi confiada, não para ser degradada, mas utilizada humanamente, para ser humanizada. É preciso dize-lo, o homem está em vias de perder o seu equador.

Perpassa por todo o artigo a tristeza e a indignação do fundador da AGB com a ati-tude egoísta e até selvagem do homem na utilização das áreas de matas nas zonas quentes predominantemente habitada por gente pobre que acaba por se tornar miserável em face da ocupação pelo europeu. E cita exemplos onde se notam despovoamentos inquietantes, no Congo, em muitas ilhas da Oceania, nas Antilhas regiões que estão à beira da miséria; e outras onde uma população excessivamente numerosa vive miseravelmente. E coloca aí, sobretudo, o europeu colonialista que agiu como ave de rapina nas áreas pobres por ele indevidamente, irresponsavelmente, ocupadas. É o geógrafo, cidadão consciente, esclarecido, preocupado com o futuro, já que as tendências não são favoráveis, e que apela para as responsabilidades dos homens na ocupação da terra. Terra que eles receberam, quase sempre pela violência e ganância do poder econômico sempre ávido de maiores lucros e sem refletir que a destrui-ção da natureza resultará, mais para frente, na destruição do próprio homem pois, como lembrava Marx – que Deffontaines conhecia bem – que a história do homem se confunde com a história da natureza.

Será que estava na mente de Deffontaines, ao idealizar a criação da Associação dos Geógrafos Brasileiros, a preocupação com a formação de mais gente esclarecida, cidadã -- via uma Geografia, ciência – que pudesse contribuir e, até para induzir o homem brasileiro, na melhor utilização de sua inteligência, também no trato da natureza que redundasse em maiores benefícios para a sociedade, para o Brasil?

O autor deste artigo acredita nos bons propósitos de Deffontaines e, por isso, rende-lhe homenagens e, por que não, agradecimentos.

Ao concluir seu artigo, este autor relembra: tudo o que se tem dito e escrito sobre a AGB não passa de algumas lembranças parciais, por vezes ácidas, por vezes apaixonadas e que

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tocam apenas em alguns tópicos, no momento considerados mais relevantes. Mas são sempre parciais. Poucos são lembrados os movimentos populares em que a AGB esteve presente como deve ser, mesmo, como integrante da sociedade. Caem no esquecimento também, agebeanos que, por vezes quase anonimamente, contribuíram para a manutenção e o engrandecimento da associação. Até os fundadores e aquelas pessoas que “carregaram nas costas a AGB” são pouco lembradas. A verdadeira história desta que é uma das mais importantes associações científicas do país está por se fazer e se trata de uma tarefa de grande fôlego tal a riqueza de momentos memoráveis, felizes ou mesmo infelizes, que dão forma e fazem o corpo deste monstro sagrado que é a AGB. Quem se habilita?

Bibliografia citada e/ou consultada

AB’SABER, Aziz Nacib. Vinte e cinco anos de Geografia em S. Paulo in Boletim Paulista de Geografia, n. 34, (AGB) S. Paulo 1960.

ALEGRE, Marcos. Cinqüenta Anos de AGB – in Anais do II Encontro Regional de Geografia - Londrina (PR) 1984.

ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS Anais de Congressos e Encontros.

BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO DOS GEÖGRAFOS BRASILEIROS, Ano 1, n. 4, São Paulo, 1935.

BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA (AGB) Noticiários (vários números).

BOLETIM GEOGRAFICO, Conselho Nacional de Geografia (vários números).

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Geografia está em crise. Viva a Geografia! in Boletim Paulista de Geografia, n. 55 (AGB) S. Paulo, 1978.

MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. A Geografia no Brasil (1934 – 1977) Avaliação e Tendências. Instituto de Geografia, Universidade de São Paulo - São Paulo, 1980.

MÜLLER, Nice Lecocq. Aspectos da vida da Associação dos Geógrafos Brasileiros, in Boletim Paulista de Geografia, n. 38 (AGB) S. Paulo, 1961.

RODRIGUES, Luiz Melo Duas décadas a serviço da Geografia in Boletim Paulista de Geografia, n. 19 (AGB) S. Paulo,1955.

RODRIGUES, Arlete Moysés. Contribuição da AGB na Construção da Geografia Brasileira.Uma Outra Geografia Sempre é Possível, in Terra Livre, n. 22 (AGB) São Paulo, 2004.

SPOSITO, E.liseu Savério. Breve Histórico da AGB. in Caderno Prudentino de Geografia, n. 5 (AGB) Presidente Prudente, (SP) 1983.

Recebido para publicação em junho de 2006Aprovado para publicação em junho de 2006

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N o r m a s

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REVISTA TERRA LIVRE

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

Terra Livre é uma publicação semestral da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) que tem por objetivo divulgar matérias concernentes aos temas presentes na formação e prática dos geógrafos e sua participação na construção da cidadania. Nela são acolhidos textos sob a forma de artigos, notas, resenhas, comunicações, entre outras, de todos os que se interessam e participam do conhecimento propiciado pela Geografia, e que estejam relacionados com as discussões que envolvem as teorias, metodologias e práticas desenvolvidas e utilizadas nesse processo, assim como com as condições e situações sob as quais vêm se manifestando e suas perspectivas.

1. Todos os textos enviados a esta revista devem ser inéditos e redigidos em portu-guês, espanhol, inglês ou francês.

2. Os textos devem ser apresentados com extensão mínima de 15 e máxima de 30 laudas, com margem (direita, esquerda, superior e inferior) de 3 cm, em folhas de papel branco, formato A-4 (210x297mm), impresso em uma só face, sem rasuras e/ou emendas, e enviados em duas vias impressas acompanhadas de versão em disquete (de 3,5”) de com-putador padrão IBM PC, compostos em Word para Windows, utilizando-se a fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço 1 e ½.

3. O cabeçalho deve conter o título (e subtítulo, se houver) em português, espa-nhol e inglês. Na segunda linha, o(s) nome(s) do(s) autor(es), e, na terceira, as informações referentes à(s) instituição(ões) a que pertence(m), bem como o(s) correio(s) eletrônico(s) ou endereço postal.

4. O texto deve ser acompanhado de resumos em português, espanhol e inglês, com no mínimo 10 e no máximo 15 linhas, em espaço simples, e uma relação de 5 palavras-chave que identifiquem o conteúdo do texto.

5. A estrutura do texto deve ser dividida em partes não numeradas e com subtítulos. É essencial conter introdução e conclusão ou considerações finais.

6. As notas de rodapé não deverão ser usadas para referências bibliográficas. Esse recurso pode ser utilizado quando extremamente necessário e cada nota deve ter em torno de 3 linhas.

7. As citações textuais longas (mais de 3 linhas) devem constituir um parágrafo independente. As menções a idéias e/ou informações no decorrer do texto devem subor-dinar-se ao esquema (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do autor, data, página). Ex.: (OLIVEIRA, 1991) ou (OLIVEIRA, 1991, p. 25). Caso o nome do autor esteja citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.: “A esse respeito, Milton Santos demonstrou os limites... (1989)”. Diferentes títulos do mesmo autor publicados no mesmo ano devem ser identificados por uma letra minúscula após a data. Ex.: (SANTOS, 1985a), (SANTOS, 1985b).

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8. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos.

a) no caso de livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de publicação: Editora, data. Ex.: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985.

b) No caso de capítulo de livro: SOBRENOMO, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOMO, Nome (org.). Título do livro. Local de publicação: Editora, data, página inicial-página final. Ex.: FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Canoas – RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (orgs.). Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p. 67-93.

c) No caso de artigo: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico, local de publicação, volume do periódico, número do fascículo, página inicial- página final, mês(es). Ano. Ex.: SEABRA, Manoel F. G. Geografia(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p. 9-17, out. 1984.

d) No caso de dissertações e teses: SOBRENOME, Nome. Título da dissertação (tese). Local: Instituição em que foi defendida, data. Número de páginas. (Categoria, grau e área de concentração). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em fortaleza: uma abordagem geográfica. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1986. 268p. (Tese, doutorado em Ciências: Geografia Humana).

9. As ilustrações (figuras, tabelas, desenhos, gráficos, fotografias...) devem ser enviadas preferencialmente em arquivos digitais (formatos JPG ou TIF). Caso contrário, adotar-se-à suporte de papel branco. Neste caso, as fotografias devem Ter suporte brilhante em preto & branco. As dimensões máximas, incluindo legenda e título, são de 15 cm, no sentido horizontal da folha, e 23 cm, no seu sentido vertical. Ao(s) autor(es) compete indicar a disposição preferencial de inserção das ilustrações no texto, utilizando, para isso, no lugar desejado, a seguinte indicação: [(fig., foto, quadro, tabela,...) (nº)].

10. Os originais serão apreciados pela Coordenação de Publicações, que poderá aceitar, recusar ou reapresentar o original ao(s) autor(es) com sugestões de alterações editoriais. Os artigos serão enviados aos pareceristas, cujos nomes permanecerão em sigilo, omitindo-se também o(s) nome(s) do(s) autor(es). Os originais não aprovados serão devolvidos ao(s) autor(es).

11. A Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) se reserva o direito de facultar os artigos publicados para reprodução em seu sítio ou por meio de cópia xerográfica, com a devida citação da fonte. Cada trabalho publicado dá direito a três exemplares a seu(s) autor(es), no caso de artigo, e dois exemplares nos demais casos (notas, resenhas, comuni-cações,...).

12. Os conceitos emitidos nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não implicando, necessariamente, na concordância da Coordenação de Publicações e/ou do Conselho Editorial.

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13. Os trabalhos devem ser enviados à Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) – Diretoria Executiva Nacional / Coordenação de Publicações – Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 338 – Edifício Geografia e História – Cidade Universitária – CEP 05508-900 – São Paulo (SP) – Brasil / E-mail: [email protected]

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Revista Terra Livre Normas para publicação

REVISTA TERRA LIVRE

NORMAS PARA PUBLICACIÓN

Terra Livre es una publicación semestral de la Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) que tiene por objetivo divulgar materias concernientes a los temas presentes en la formación y práctica de los geógrafos y profisionales afins y su participación en la construc-ción de la ciudadanía.

En ella son escogidos textos sobre la forma de artículos, notas, reseñas, comunica-ciones, entre otras, de todos los que se interesan y participan del conocimiento propiciado por la Geografía, y que estén relacionados con las discusiones que envuelven las teorías, metodologías y prácticas desarrolladas y utilizadas en este proceso, así como las condiciones y situaciones sobre las cuales se viene manifestando y sus perspectivas

1. Todos los textos enviados a esta revista deben ser inéditos y redirigidos en por-tugués, español, inglés o francés.

2. Los textos deben ser presentados con una extensión mínima de 15 y máxima de 30 hojas, con margen (derecha, izquierda, superior e inferior) de 3 cm. En hojas de papel blanco, formato A-4 (210x297mm), impreso en una sola cara, sin rasguños y/o rectificaciones, enviados en dos vías impresas acompañadas de versión en disket (de 3,5”) de computador padrón IBM PC, compuestos en Word para Windows, utilizando la fuente Times New Roman, tamaño 12, espacio 1 e ½.

3. La Sumilla debe contener el título (y subtítulo, si hubiera) en portugués, español, francés e ingles. En la segunda línea, el/los nombre(s) del/los autor(es), y, en la tercera, las informaciones referentes a la(s) institución(es) a la que pertenece(n), así como el/los correo(s) electrónico(s) y dirección postal.

4. El texto debe ser acompañado de resúmenes en portugués, español, francés e ingles, con mínimo de 10 e máximo de 15 líneas, en espacio simple, y una relación de 5 palabras clave que identifiquen el contenido del texto.

5. La estructura del texto debe ser dividida en partes no numeradas y con subtítulos. Es esencial que contenga introducción y conclusión o consideraciones finales.

6. Las Notas de zócalo no deberán ser usadas para referencias bibliográficas.Ese recurso puede ser usado cuando sea extremamente necesario y cada nota debe

tener en torno de 3 líneas.7. Las citaciones textuales largas (más de 3 líneas) deben constituir un párrafo indepen-

diente. Las menciones a ideas y/o informaciones en el transcurrir del texto deben subordinarse al esquema (Apellido del autor, fecha) o (Apellido del autor, fecha, página). Por ejemplo.: (OLIVEI-RA, 1991) o (OLIVEIRA, 1991, p. 25). Si el nombre del autor esté citado en el texto, se indica sólo la fecha entre paréntesis. Por.ejemplo.: “A ese respeto, Milton Santos demostró los límites... (1989)”. Diferentes títulos del mismo autor publicados en el mismo año deben ser identificados por una letra minúscula después de la fecha. Por ejemplo: (SANTOS, 1985a), (SANTOS, 1985b).

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8. La bibliografía debe ser presentada a finales del trabajo, en orden alfabética de apellido de/los autor(es), como en los siguientes ejemplos.

a) En el caso de libro: APELLIDO, Nombre. Título de la obra. Local de publicación: Editora, fecha. Por ejemplo.: VALVERDE, Orlando. Estudios de Geografía Agraria Brasileña. Petrópolis: editora Vozes, 1985

b) En el caso de capítulo de libro: APELLIDO, Nombre. Título del capítulo. In: APELLIDO, Nombre (Org.). Título del libro. Local de publicación: Editora, fecha, página inicial-página final. Por ejemplo.: FRANK, Mónica Weber. Análisis geográfico para implantación del Parque Municipal de Niterói, Canoas – RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (Orgs.). Ambiente y lugar en el urbano: La Gran Porto Alegre. Porto Alegre: Editora de la Universidad, 2000, p. 67-93

c) En el caso de artículo: APELLIDO, Nombre. Título del artículo. Título del periódico, local de publicación, volumen del periódico, número del fascículo, página inicial-página final, mes(es). Año. Por ejemplo.: SEABRA, Manuel F. G. Geografía(s) Orientación, São Paulo, n.5, p. 9-17, out. 1984.

d) En el caso de disertaciones y tesis: APELLIDO, Nombre. Título de la disertación (tesis). Local: Institución en que fue defendida, fecha. Número de páginas. (Categoría, grado y área de concentración). Por ejemplo.: SILVA, José Borzacchiello de la. Movimientos sociales populares en Fortaleza: un abordaje geográfico. São Paulo: Facultad de Filosofía, Letras y Ciencias Humanas de la Universidad de São Paulo, 1986. 268p. (Tesis, doctorado en Ciencias: Geografía Humana).

9. Las ilustraciones (figuras, cuadros, dibujos, gráficos, fotografías) deben ser enviadas preferentemente en archivos digitales (formatos JPG o TIF). De lo contrario, se adoptara el soporte de papel blanco. En este caso, las fotografías deben tener soporte brillante en negro & blanco. Las dimensiones máximas, incluyendo leyenda y título, son de 15 cm, en el sen-tido horizontal de la hoja, y 23 cm, en su sentido vertical. al/los autor(es) compite indicar la disposición preferente de inserción de las ilustraciones en el texto, utilizando, para eso, en el lugar deseado, la siguiente indicación: [(figura, foto, cuadro, tabla,...) (nº)].

10. Los originales serán apreciados por la Coordinación de Publicaciones, que podrá aceptar, rechazar o reapresentar el original al/los autor(es) con sugerencias de alteraciones editoriales. Los artículos serán enviados a los revisores, cuyos nombres permanecerán en sigilo, omitiéndose también el/los nombre(s) del/los autor(es). Los originales no aprobados serán devueltos al/los autor(es).

11. La Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) se reserva el derecho de facultar los artículos publicados para reproducción en su sitio o por medio de fotocopia, con a debida citación de la fuente. Cada trabajo publicado da derecho a tres ejemplares a su(s) autor(es), en el caso de artículo, y dos ejemplares en los demás casos (notas, reseñas, comunicaciones,...).

12. Los conceptos emitidos en los trabajos son de responsabilidad exclusiva de/los autor(es), no implicando, necesariamente, en la concordancia de la Coordinación de Publi-caciones y/o del Consejo Editorial.

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13. Los trabajos deben ser enviados a la Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) – Dirección Ejecutiva Nacional / Coordinación de Publicaciones – Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 338 – Edificio Geografía e Historia – Ciudad Universitaria – CEP 05508-900 – São Paulo (SP) – Brasil / / E-mail: [email protected]

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TERRA LIVRE

SUBMISSION GUIDELINES

Terra Livre is a semestrial publication from the Association of Brazilian Geographers (ABG) that aims to divulge present matters and issues concerned with the geographers formation and practical affairs and with their participation in the construction of citi-zenship. This effort receive writings as articles, notes, releases and so, from everybody that are interested and participate of the knowledge shaped within Geography and that are related to the theoretical, methodological and practical discussions developed and used in this process, as far as under the conditions and situations that has been expressed and their perspectives.

1. All text contributions mailed to this publication must be unpublished and writen in portuguese, spanish, english or french.

2. Texts must be presented in the minimum extention of 15 and the maximun of 30 sheets, with margins (right, left, top and bottom) of 3 cm, in white paper, A4 format (210 x 297 mm), printed in only one side, with no handmaded corrections, mailed in two printed copies and one 3 ½ flexible disk copy from (IBM PC compatible). The file format must be MS Word, text using Times New Roman font, size 12 and space 1 ½ between lines.

3. Header must have Title (and Subtitle if it´s the case) in portuguese, spanish, french and english. The second line must have author(s) name(s) and, in the third line, information about the institution(s) where they work, as well as their e-mail and postal address.

4. Text must have abstracts in portuguese, spanish, french and english, from 10 to 15 lines, simple space between lines, and five keywords.

5. Text structure must be divided by not-numbered subtitles. It´s recommended that all texts may have an introduction and a conclusion parts.

6. Footnotes may not be used for bibliographic references. This aspect should be used only if it´s extremely necessary and each note must be a maximum of three lines long.

7. Long textual citations (more than 3 lines) must be in a different paragraph. When mentioning ideas or informations along the text, they must be formatted as (Author last name, date) or (Author last name, date, page). Example: (OLIVEIRA, 1991) or (OLIVEIRA, 1991, p. 25). When the author´s name is part of the text, only the date must be parenthesis indicated. Example: “By this respect, Milton Santos showed the limits... (1989).” Different titles from the same author published in the same year must be identified by a low case letter after the date. Example: (SANTOS, 1985a), (SANTOS, 1985b).

8. Bibliography must be presented in the end of the text, in alphabetical order from the last names of the autors, as in the examples:

a) when it´s a book: LASTNAME, Name. Book title. Place of publication: Editors, date. Example: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985.

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Revista Terra Livre Normas para publicação

b) when it´s a book chapter: LASTNAME, Name. Chapter title. In: LASTNAME, Name (org.). Book title. Place of publication: Editors, date, first page-last page. Example: FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Canoas – RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (orgs.). Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p. 67-93.

b) When it´s an article: LASTNAME, Name. Article title. Publication title, place of publication, volume of publication, number of publication, firstpage- last page, month. Year. Ex.: SEABRA, Manoel F. G. Geografia(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p. 9-17, out. 1984.

c) When it´s a MSc, DSc or PHD Thesis: LASTNAME, Name. Thesis title. Place: Institution, date. Number of pages. (Type, degreee and knowledge field). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em Fortaleza: uma abordagem geográfica. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1986. 268p. (Tese, doutorado em Ciências: Geografia Humana).

9. All images, figures, tables, drawings, graphs, maps and pictures must be mailed attached as digital files (JPG or TIF formats are accepted). If it´s not in digital format, we prefer printings in white paper. In this cases, photos must be supported in brilliant papers and printed in black & white standard. Maximum size, including legends and titles, are Hight: 15 cm and Width: 23 cm. The authors must indicate the right position to insert the pictures in the text, indicating as [(fig, photo, chart, table,...) (number)].

10. The original submission materials will be evaluated by the Coordination of Pu-blications of ABG, that can accept, refuse or return the original materials for further editing by the authors. The text will be sent to the scientific commission members, whose names will not be divulged, as well as the author´s names that are submiting materials. The original texts not approved will be returned to the authors.

11. The Association of Brazilian Geographers reserves the right to publish all approved articles in it´s internet website, in the regular printed publication and in any other media, but granting the authors and other sources citation, as well. Each published article allow three printed volumes to their authors. Other types of contributions (notes, comments etc.) allows two printed volumes to their authors.

12. The concepts evolved in the contributions are from entire response of their au-thors, and are not, necessarily, of agreement from the Publications Coordinator of ABG nor the scientific commission members.

13. Submissions must be sent to Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) – Di-retoria Executiva Nacional / Coordenação de Publicações – Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 338 – Edifício Geografia e História – Cidade Universitária – CEP 05508-900 – São Paulo (SP) – Brasil / E-mail: [email protected]

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n. 26 (1): 233-246, 2006 Compênd io 233 Terra

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Compêndio dos números anteriores

01) MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em questão. Ano 1, n. 1, p. 6-19, 1986.

02) THOMAZ JÚNIOR, Antonio. As agroindústrias canavieiras em Jaboticabal e a ter-ritorialização do monopólio. Ano 1, n. 1, p. 20-25, 1986.

03) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Apropriação da renda da terra pelo capital na citricultura paulista. Ano 1, n. 1, p. 26-38, 1986.

04) VALVERDE, Orlando. A floresta amazônica e o ecodesenvolvimento. Ano 1, n. 1, p. 39-42, 1986.

05) SALES, W. C. de C., CAPIBARIBE, P. J. A., RAMOS, P., COSTA, M. C. L. da. Os agrotóxicos e suas implicações socioambientais. Ano 1, n. 1, p. 43-45, 1986.

06) CARVALHO, Marcos Bernardino de. A natureza na Geografia do ensino médio. Ano 1, n. 1, p. 46-52, 1986.

07) SANTOS, Douglas. Estado nacional e capital monopolista. Ano 1, n. 1, p. 53-61, 1986.

08) CORRÊA, Roberto Lobato. O enfoque locacional na Geografia. Ano 1, n. 1, p. 62-66, 1986.

09) PONTES, Beatriz Maria Soares. Uma avaliação da Lei Nacional do Uso do Solo Ur-bano. Ano 1, n. 1, p. 67-72, 1986.

10) PLANO DIRETOR DA AGB NACIONAL GESTÃO 85/86. Ano 1, n. 1, p. 73-75, 1986.

11) A AGB e o documento final do projeto diagnóstico e avaliação do ensino de Geografia no Brasil. Ano 1, n. 1, p. 76-77, 1986.

12) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Reflexões sobre Geografia e Educação: notas de um debate. n. 2, p. 9-42, jul. 1987.

13) VLACH, Vânia Rúbia Farias. Fragmentos para uma discussão: método e conteúdo no ensino da Geografia de 1° e 2° graus. n. 2, p. 43-58, jul. 1987.

14) VESENTINI, José William. O método e a práxis (notas polêmicas sobre Geografia tradicional e Geografia crítica). n. 2, p. 5 9-90, jul. 1987.

15) REGO, Nelson. A unidade (divisão) da Geografia e o sentido da prática. n. 2, p. 91-114, jul. 1987.

16) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Análise dos planos de ensino da Geografia. n. 2, p. 115-127, jul. 1987.

17) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Para a construção do espaço geográfico na criança. n. 2, p. 129-148, jul. 1987.

18) VIANA, P. C. G., FOWLER, R. B, ZAPPIA, R. S., MEDEIROS, M. L. M. B. de. Poluição das águas internas do Paraná por agrotóxico. n. 2, p. 149-154, jul. 1987.

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21) BERRÍOS, ROLANDO. Planejamento ambiental no Brasil. n. 3, p. 55-63, mar. 1988.

22) BRAGA, Ricardo Augusto Pessoa. Avaliação de impactos ambientais: uma abordagem sistêmica. n. 3, p. 65-74, mar. 1988.

23) LIMA, Samuel do Carmo. Energia nuclear – uma opção perigosa. n. 3, p. 75-88, mar. 1988.

24) SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes e SCHÄFFER, Neiva Otero. Análise am-biental: a atuação do geógrafo para e na sociedade. n. 3, p. 89-103, mar. 1988.

25) ESTRADA, Maria Lúcia. Algumas considerações sobre a Geografia e o seu ensino - o caso da industralização brasileira. n. 3, p. 105-120, mar. 1988.

26) MESQUITA, Zilá. Os “espaços” do espaço brasileiro em fins do século XX n. 4, p. 9-38, jul. 1988.

27) RIBEIRO, Wagner Costa. Relação espaço/tempo: considerações sobre a materialidade e dinâmica da história humana. n. 4, p. 39-53, jul. 1988.

28) SILVA, José Borzacchiello da. Gestão democrática do espaço e participação dos Geó-grafos. n. 4, p. 55-76, jul. 1988.

29) REGO, Nelson. A experiência de autogestão dos trabalhadores agrários de Nova Ronda Alta e o seu significado para o Movimento dos Sem Terra. n. 4, p. 65-76, jul. 1988.

30) VALLEJO, Luiz Renato. Ecodesenvolvimento e o mito do progresso. n. 4, p. 77-87, jul. 1988.

31) VLACH, Vânia Rubia Farias. Rediscutindo a questão acerca do livro didático de Ge-ografia para o ensino de 1° e 2° graus. n. 4, p. 89-95, jul. 1988.

32) SCHÄFFER, Neiva Otero. Os estudos sociais ocupam novamente o espaço... da dis-cussão. n. 4, p. 97-108, jul. 1988.

33) SANTOS, Milton. O espaço geográfico como categoria filosófica. n. 5, p. 9-20, 1988.

34) SOUZA, Marcelo José Lopes de. “Espaciologia”: uma objeção (crítica aos prestigia-mentos pseudo-críticos do espaço social). n. 5, p. 21-45, 1988.

35) GOMES, Paulo César da Costa e COSTA, Rogério Haesbaert da. O espaço na mo-dernidade). n. 5, p. 47-67, 1988.

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37) SOUZA Marcos José Nogueira de. Subsídios para uma política conservacionista dos recursos naturais renováveis do Ceará). n. 5, p. 83-101, 1988.

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39) MOREIRA, Ruy. A marcha do capitalismo e a essência econômica da questão agrária no Brasil. n. 6, p. 19-63, ago. 1989.

40) SADER, Regina. Migração e violência: o caso da Pré-Amazônia Maranhense. n. 6, p. 65-76, ago. 1989.

41) FAULHABER, Priscila. A terceira margem: índios e ribeirinhos do Solimões. n. 6, p. 77-92, ago. 1989.

42) TARELHO, Luiz Carlos. Movimento Sem Terra de Sumaré. Espaço de conscientização e de luta pela posse da terra. n. 6, p. 93-104, ago. 1989.

43) OLIVEIRA, Bernadete de Castro. Reforma agrária para quem? Discutindo o campo no estado de São Paulo. n. 6, p. 105-114, ago. 1989.

44) BARBOSA, Ycarim Melgaço. O movimento camponês de Trombas e Formoso. n. 6, p. 115-122, ago. 1989.

45) MENDES, Chico. A luta dos povos da floresta. n. 7, p. 9-21, 1990.46) BARROS, Raimundo. O seringueiro. n. 7, p. 23-42, 1990.47) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A defesa da natureza começa pela terra. n. 7,

p. 4 3-52, 1990.48) COLTRINARI, Lylian. A Geografia e as mudanças ambientais. n. 7, p. 53-57,

1990.49) SILVA, Armando Corrêa da. Ponto de vista: o pós-marxismo e o espaço cotidiano.

n. 7, p. 59-62, 1990.50) COSTA, Rogério Haesbaert da. Filosofia, Geografia e crise da modernidade. n. 7,

p. 63-92, 1990.51) RIBEIRO, Wagner Costa. Maquiavel: uma abordagem geográfica e (geo)política.

n. 7, p. 3-107, 1990.52) CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos e GOULART, Lígia Beatriz. Uma contribui-

ção à reflexão do ensino de geografia: a noção de espacialidade e o estatuto da natureza. n. 7, p. 109-118, 1990.

53) CORDEIRO, Helena K. Estudo sobre o centro metropolitano de São Paulo. n. 8, p. 7-33, abr. 1991.

54) MAURO, C. A., VITTE, A. C., RAIZARO, D. D., LOZANI, M. C. B., CECCATO, V. A. Para salvar a bacia do Piracicaba. n. 8, p. 35-66, abr. 1991.

55) PAVIANI, Aldo. Impactos ambientais e grandes projetos: desafios para a universidade. n. 8, p. 67-76, abr. 1991.

56) FURIAN Sônia. “A nave espacial terra: para onde vai?” n. 8, p. 77-82, abr. 1991.57) ALMEIDA, Rosângela D. de. A propósito da questão teórico-metodológica sobre o

ensino de Geografia. n. 8, p. 83-90, abr. 1991.

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58) FILHO, Fadel D. Antonio e ALMEIDA, Rosângela D. de. A questão metodológica no ensino da Geografia: uma experiência. n. 8, p. 91-100, abr. 1991.

59) ESCOLAR, M., ESCOLAR, C., PALACIOS, S. Q. Ideologia, didática e corporati-vismo: uma alternativa teórico-metodológica para o estudo histórico da Geografia no ensino primário e secundário. n. 8, p. 101-110, abr. 1991.

60) ARAÚJO, Regina e MAGNOLI, Demétrio. Reconstruindo muros: crítica à proposta curricular de Geografia da CENP-SP. n. 8, p. 111-119, abr. 1991.

61) PEREIRA, D., SANTOS, D., CARVALHO, M. de. A Geografia no 1° grau: algumas reflexões. n. 8, p. 121-131, abr. 1991.

62) SOARES, Maria Lúcia de Amorim. A cidade de São Paulo no imaginário infantil piedadense. n. 8, p. 133-155, abr. 1991.

63) MAMIGONIAN, Armen. A AGB e a produção geográfica brasileira: avanços e recuos. n.8, p. 157-162, abr. 1991.

64) SANTOS, Milton. A evolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. n. 9, p. 7-17, jul./dez. 1991.

65) LIMA, Luiz Cruz. Tecnopólo: uma forma de produzir na modernidade atual. n. 9, p. 19-40, jul./dez. 1991.

66) GUIMARÃES, Raul Borges. A tecnificação da prática médica no Brasil: em busca de sua geografização. n. 9, p. 41-55, jul./dez. 1991.

67) PIRES, Hindemburgo Francisco. As metamorfoses tecnológicas do capitalismo no período atual. n. 9, p. 57-89, jul./dez. 1991.

68) OLIVEIRA, Márcio de. A questão da industrialização no Rio de Janeiro: algumas reflexões. n. 9, p. 91-101, jul./dez. 1991.

69) HAESBAERT, Rogério. A (des)or-dem mundial, os novos blocos de poder e o sentido da crise. n. 9, p. 103-127, jul./dez. 1991.

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p. 143-152, jul./dez.1991.73) MORAES, Rubens Borba de. Contribuições para a história do povoamento em São

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1992.75) PETRONE, Pasquale. Notas sobre o fenômeno urbano no Brasil. n. 10, p. 79-92,

jan./jul. 1992.76) CORRÊA, Roberto Lobato. A vida urbana em Alagoas: a importância dos meios de

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78) SOUZA, Marcelo José Lopes de. Planejamento Integrado de Desenvolvimento: na-tureza, validade e limites. n. 10, p. 123-139, jan./jul. 1992.

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81) RODRIGUES, Arlete Moysés. Espaço, meio ambiente e desenvolvimento: reeleituras do território. n. 11-12, p. 77-90, ago. 92 - ago. 93.

82) EVASO, A. S., VITIELLO, M. A., JUNIOR, C. B., NOGUEIRA, S. M., RIBEI-RO, W. C. Desenvolvimento sustentável: mito ou realidade? n. 11-12, p. 91-101, ago. 92 - ago. 93.

83) DAVIDOVICH, Fany. Política urbana no Brasil, ensaio de um balanço e de perspectiva. n. 11-12, p. 103-117, ago. 92 - ago. 93.

84) MARTINS, Sérgio. A produção do espaço na fronteira: a acumulação primitiva revi-sitada. n. 11-12, p. 119-133, ago. 92 - ago. 93.

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92) PINHEIRO, Antonio Carlos e MASCARIN, Silvia Regina. Problemas sociais da escola e a contribuição do ensino de Geografia. n. 11-12, p. 243-264, ago. 92 - ago. 93.

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97) KAERCHER, Nestor André. PCN’s: futebolistas e padres se encontram num Brasil que não conhecemos. n. 13, p. 30-41, 1997.

98) CARVALHO, Marcos B. de. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma reabilitação? n. 13, p. 42-60, 1997.

99) PONTES, Beatriz Maria Soares. Economia e território sob a ótica do estado autoritário (1964-1970). n. 13, p. 61-90, 1997.

100) SOUSA NETO, Manuel Fernandes de. A ágora e o agora. n. 14, p. 11-21, jan./jul. 1999.

101) FILHO, Manuel Martins de Santana. Sobre uma leitura alegórica da escola. n. 14, p. 22-29, jan./jul. 1999.

102) COUTO, Marcos Antônio Campos e ANTUNES, Charlles da França. A formação do professor e a relação escola básica-universidade: um projeto de educação. n. 14, p. 30-40, jan./jul. 1999.

103) PEREIRA, Diamantino. A dimensão pedagógica na formação do geógrafo. n. 14, p. 41-47, jan./jul. 1999.

104) CASTELLAR, Sonia Maria Vanzella. A formação de professores e o ensino de Geo-grafia. n. 14, p. 48-55, jan./jul. 1999.

105) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia no ensino médio. n. 14, p. 56-89, jan./jul. 1999.

106) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Interdisciplinaridade: aproximações e fazeres. n. 14, p. 90-110, jan./jul. 1990.

107) CAVALCANTI, Lana de Souza. Propostas curriculares de Geografia no ensino: algumas referências de análise. n. 14, p. 111-128, jan./jul. 1990.

108) SOUZA NETO, Manoel Fernandes de. A Ciência Geográfica e a construção do Brasil. n. 15, p. 9-20, 2000.

109) DAMIANI, Amélia Luísa. A metrópole e a indústria: reflexões sobre uma urbanização crítica. n. 15, p. 21-37, 2000.

110) SOUZA, Marcelo Lopes de. Os orçamentos participativos e sua espacialidade: uma agenda de pesquisa. n. 15, p. 39-58, 2000.

111) FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimento social como categoria geográfica. n. 15, p. 59-85, 2000.

112) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. O que há de novo no rural brasileiro? n. 15, p. 87-112, 2000.

113) BRAGA, Rosalina. Formação inicial de professores: uma trajetória com permanências eivadas por dissensos e impasses. n. 15, p. 113-128, 2000.

114) ROCHA, Genylton Odilon Rego da. Uma breve história da formação do(a) professor(a) de Geografia do Brasil. n. 15, p. 129-144, 2000.

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115) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Geografia, representações sociais e escola pública. n. 15, p. 145-154, 2000.

116) OLIVEIRA, Márcio Piñon. Geografia, Globalização e cidadania. n. 15, p. 155-164, 2000.

117) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. “Navegar é preciso, viver não é preciso”: estudo sobre o Projeto de Perenização da Hidrovia dos Rios das Mortes: Araguaia e Tocantins. n. 15, p. 167-213, 2000.

118) VITTE, Antonio Carlos. Considerações sobre a teoria da etchplanação e sua apli-cação nos estudos das formas de relevo nas regiões tropicais quentes e úmidas. n. 16, p. 11-24, 2001.

119) RAMIRES, Blanca. Krugman y el regresso a los modelos espaciales: ¿La nueva geografía? n. 16, p. 25 - 38, 2001.

120) FERREIRA, Darlene Ap. de Oliveira. Geografia Agrária no Brasil: periodização e conceituação. n. 16, p. 39-70, 2001.

121) MAIA, Doralice Sátyro. A Geografia e o estudo dos costumes e das tradições. n. 16, p. 71-98, 2001.

122) SPOSITO, Eliseu. A propósito dos paradigmas de orientações teórico-metodológicas na Geografia contemporânea. n. 16, p. 99-112, 2001.

123) MENDONÇA, Francisco. Geografia socioambiental. n. 16, p. 113-132, 2001.124) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o Ensino?

n. 16, p. 133-152, 2001.125) PIRES, Hindenburgo Francisco. “Ethos” e mitos do pensamento único globaltotalitário.

n. 16, p. 153-168, 2001.126) REGO, Nelson. SUERTEGARAY, Dirce Maria. HEIDRICH, Álvaro. O ensino de

Geografia como uma hermenêutica instauradora. n. 16, p. 169-194, 2001.126) SUERTEGARAY, Dirce M. Antunes; NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A natureza

da Geografia Física na Geografia. n. 17, p. 11-24, 2001.127) OLIVA, Jaime Tadeu. O espaço geográfico como componente social. n. 17, p. 25-48,

2001.128) NETO, João Lima Sant’anna. Por uma Geografia do Clima – antecedentes históricos,

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129) SEGRELLES, José Antonio. Hacia uma enseñanza comprometida y social de la Ge-ografía en la universidad. n. 17, p. 63-78, 2001.

130) RIBEIRO, Júlio Cézar; GONÇALVES, Marcelino Andrade. Região: uma busca con-ceitual pelo viés da contextualização histórico-espacial da sociedade. n. 17, p. 79-98, 2001.

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133) ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. O espaço geográfico dos remanecentes de antigos quilombos no Brasil. n. 17, p. 139-154, 2001.

134) GUIMARÃES, Raul Borges. Saúde urbana: velho tema, novas questões. n. 17, p. 155-170.

135) CAPEL, Horácio. A Geografia depois dos atentados de 11 de setembro. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 11-36.

136) HAESBAERT, Rogério. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo da Al Qaeda. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 37-46.

137) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Globalização, Estado e culturas crimonosas. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 47-62.

138) SEGRELLES, José Antonio. Integração regional e globalização. Uma reflexão sobre casos do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da Área de Livre Comércio das Amé-ricas desde uma perspectiva européia. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 63-74,

139) RIBEIRO, Wagner Costa. Mudanças climáticas, realismo e multilateralismo. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 75-84.

140) MANGANO, Stefania. Evolução do conceito da planificação territorial na Itália. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 85-94.

141) STRAFORINI, Rafael. A totalidade do mundo nas primeiras séries do ensino funda-mental: um desafio a ser enfrentado. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 95-114.

142) KEINERT, Tânia M. M., KARRUZ, Ana Paula, KARRUZ, Silvia Maria. Sistemas locais de informação e a gestão pública da qualidade de vida nas cidades locais. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 115-132.

143) GOMES, Edvânia Tôrres Aguiar. Dilemas nas (re)estruturações das metrópoles. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 133-142.

144) DINIZ Filho, Luis Lopes. Contribuições e equívocos das abordagens marxistas na Geografia Econômica: um breve balanço. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 143-160.

145) CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Geografia brasileira, hoje: algumas reflexões. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 161-178.

146) NUNES, Luci Hidalgo. Discussão acerca de mudanças climáticas (notas). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 179-184.

147) MELAZZO, Everaldo Santos. Renda de cidadania: a saída é pela porta (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 185-186.

148) RAMIREZ, Blanca. Terra Incognitae: el surgimiento de nuevas regiones y territorios em el marco de la globalización (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 187-190.

149) MARTIN, Jean-Yves. Uma Geografia da nova radicalidade popular: algumas reflexões a partir do caso do MST. Ano 18, v. 2, n.19, p. 11-35.

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151) CALDERÓN ARAGÓN, Georgina. Un lugar en la bandera (la marcha zapatista). Ano 18, v. 2, n. 19, p. 59-74.

152) FABRINI, João Edmilson. O projeto do MST de desenvolvimento territorial dos assentamentos e campesinato. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 75-94.

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156) ARANA, Alva Regina Azevedo. Os avicultores integrados no Brasil: estratégias e adap-tações – o caso Coperguaçu Descalvado – SP. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 147-162.

157) GÓES, Eda, MAKINO, Rosa Lúcia. As unidades prisionais do Oeste Paulista: implica-ções do aprisionamento e do fracasso da tentativa da sociedade de isolar por completo parte de si mesma. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 163-176.

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159) SANTOS, Clézio. Globalização, turismo e seus efeitos no meio ambiente. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 191-198.

160) REGO, Nelson. Geração de ambiências: três conceitos articuladores. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 199-212.

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162) SILVA, Tânia Paula da. Fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola e o MST. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 229-242.

163) TFOUNI, Leda Verdiani, ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O discurso sobre Canudos e a retórica do massacre. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 243-256.

164) FRANCO GARCÍA, Maria, THOMAZ Jr., Antonio. Trabalhadoras rurais e luta pela terra no Brasil: interlocução entre gênero, trabalho e território. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 257-272.

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167) SARTORI, Maria da Graça Barros. A dinâmica do clima do Rio Grande do sul: indução empírica e conhecimento científico. Ano 19, v. 1, n. 19, p. 27-49.

168) SANT’ANNA Neto, João Lima. Da complexidade física do universo ao cotidiano da sociedade: mudança, variabilidade e ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 51-63.

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20, v. 1, n. 22, p. 231-255.214) RODRIGUES, Renata M. de A. Estudos de Impacto Ambiental e o perfil do geógrafo.

Ano 20, v. 1, n. 22, p. 237-248.215) ELIAS, Denise, RODRIGUES, Renata M. de A. Os presidentes da Associação dos

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Ano 20, v. 2, n. 23, p. 15-34.217) HAESBAERT, Rogério. Precarização, Reclusão e “exclusão” territorial. Ano 20, v. 2,

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223) SCOLESE, Eduardo. De FHC a Lula: manipulações, números, conceitos e promessas de reforma agrária. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 123-138.

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238) LORENTE, Silvia Díez. Propuesta metodológica y conceptual para el estudio de los Riesgos Naturales: la situación en España. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 211-230.

239) SEEMANN, Jörn. Geografia: ciência do complexus: ensaios transdisciplinares (Rese-nha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 233-236.

240) PINHEIRO, Antonio C. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais (Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 237-241.

241) ELIAS, Denise; PEQUEÑO, Renato. Espaço urbano no Brasil agrícola moderno e desigualdades socioespaciais. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 13-33.

242) SERPA, Angelo. Espaço público, cultura e participação popular na cidade contempo-rânea. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 35-48.

243) FABREGAT, Clemente Herrero. La formación simbólica del profesorado en Geografía. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 49-65.

244) MARANDOLA JR., Eduardo. Arqueologia fenomenológica: em busca da experiência. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 67-79.

245) MIZUSAKI, Márcia Yukari. Mato Grosso do Sul: impasses e perspectivas no campo. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 81-93.

246) CARVALHO, Márcia S. de. A Geografia da Alimentação em frente pioneira (Londrina – Paraná). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 95-110.

247) CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro – entre o ativismo e a ciência, a introdução da Geografia da Fome na história do pensamento geográfico no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 111-120.

248) IORIS, Antônio A. R. Água, cobrança e commodity: a Geografia dos Recursos Hídricos no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 121-137.

249) SOUZA, Bartolomeu Israel de; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Contribuição ao debate sobre a transposição do Rio São Francisco e as prováveis consequências em relação a desertificação nos Cariris Velhos (PB). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 139-155.

250) CASTRO, João Alves de. Tantos cerrados: múltiplas abordagens sobre a biogeodiver-sidade e singularidade sociocultural (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 159-162.

251) CHASE, Jacquelyn. Colapso: como sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (Re-senha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 163-166.

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TítuloPreparação de originais

e revisão de textos

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