Terra Rara

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1 TERRA RARA

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Terra Rara é um resgate da terra como elemento de pertencimento por meio de práticas de intervenção no espaço público realizadas durante o período do Mestrado em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina. Trabalho realizado com apoio da CAPES - CNPq.

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TERRA RARA

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BRUNA MARIA MARESCH

TERRA RARA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, da Universidade do Estado de Santa Catari-na como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.

Orientadora: Prof. Dra. Nara Milioli Tutida

ILHA DE SANTA CATARINA2015

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M325t Maresch, Bruna Maria

Terra Rara / Bruna Maria Maresch. – 2015.

100 p. : il. ; 25 cm

Orientadora: Nara Milioli Tutida

Bibliografia: p. 95-97

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa

Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Artes Visuais,

Florianópolis, 2015.

1. Planejamento do espaço (Urbanismo). 2. Terra (Recursos

naturais). 3. Adubação verde. I. Tutida, Nara Milioli. II.

Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Artes

Visuais. III. Título.

CDD: 711 – 20.ed.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

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BRUNA MARIA MARESCH

TERRA RARA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, da Universidade do Estado de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.

Banca Examinadora

Orientadora: _____________________________ Prof. Dra. Nara Beatriz Milioli Tutida CEART/PPGAV

Membros:

_______________________________Prof. Dra. Marta Lúcia Pereira MartinsCEART/PPGAV

_______________________________Prof. Dra. Regina MelimCEART/PPGAV

_______________________________Prof. Dr. Cassio Eduardo Viana HissaIGC/UFMG

Ilha de Santa Catarina, 29 de julho de 2015.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que contribuíram para a realização deste trabalho.

Minha mãe Sônia, meu pai Bruno, vó Nahir, vó Lili e vô Antônio, Caroline, minha

irmã.

Aos mestres, com carinho!

À Nara, de maneira especial, pelo carinho e dedicação como orientadora, pela

amizade e apoio nos momentos de alegria e também de dificuldade.

Ao Zé, professor desta universidade, in memoriam.

Ao Daniel, Jorge, Cassio, Marta e Regina, pelas valiosas contribuições!

Aos amigos do Grupo Fora, do Observatório-móvel e do Coletivo Geodésica

Cultural Itinerante.

Aos amigos da Cepagro, que trabalham na gestão do Camping do Parque Es-

tadual do Rio Vermelho, pela inspiração.

À Capes, pelo apoio sem o qual este trabalho não teria sido realizado.

À universidade Do Estado de Santa Catarina, todos seus funcionários e aos

amigos que fiz por lá.

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Resumo

Terra rara é um resgate da terra como elemento de pertencimento por meio de práticas de intervenção no espaço público realizadas durante o período do Mestrado na Universidade do Estado de Santa Catarina. Como rotas de fuga traçadas contra o asfalto, ou o racionalismo dominante nos padrões hegemônicos de construção das cidades, os textos apontam para o uso comum dos espaços por cada um de nós. Terra rara é uma “cartilhagem” em defesa do livre acesso aos bens de uso comum do povo, e da refun-cionalização para transformação de toda condição opressora do cotidiano. Terra rara é derrubar muros, pular cercas, quebrar no beco e descobrir que a cidade possui lugares entesourados para a conveniência de uns em detrimento de toda a comunidade. O valor da terra não pode ser reduzido ao preço de especulação no mercado, simplesmente porque a terra não nos pertence, nós é que pertencemos à terra. O direito a um ambiente equilibra-do envolve a percepção da terra como elemento indispensável para nossa sobrevivência. Este é o ponto de partida para a reconstrução da nossa ci-dadania como florestania. Terra rara é uma iniciação ao cultivo de espaços públicos, o que tanto quer dizer uma cultura de uso comum dos espaços como o cultivo em si, ou seja, a necessidade de assumir a responsabilidade pelo cultivo de cidades com mais terra, com mais verde, mais passarinhos, mais insetos e, consequentemente, melhor qualidade de vida para todos os seus habitantes.

palavras-chave: uso comum, espaço público, florestania

Rara; sobre a diferença entre o português e o espanhol, além do sen-tido originário do vocábulo rarus, do la-tim, que significa: “es-paçado, esparso, pouco denso, incomum”, no es-panhol utiliza-se a pa-lavra também como sinônimo de “excelente, de qualidade incomum”.

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Resumen

Tierra rara es un rescate de la tierra como elemento de pertenencia mediante practicas de intervención en el espacio publico realizadas durante el período de Maestría en la Universidade do Estado de Santa Catarina. Como rutas de escape dibujadas contra el asfalto, o el racionalismo dominante en las normas hegemónicas de construcción de las ciudades, los textos apuntan para el uso común de los espacios por cada uno de nosotros. Tierra rara es una “cartillage” en defensa al libre acceso a los bienes de uso común del pueblo, y de la refuncionalización para transformación de toda condición opresiva en el día a día. Tierra rara es colocar paredes abajo, saltar vallas, romper en el beco e descubrir que la ciudad tiene lugares atesorados para la conveniencia de unos en detrimento de toda la comunidad. El valor de la tierra no puede reducirse al precio de especulación en el mercado, simple-mente porque la tierra no pertenece a nosostros, nosotros pertenecemos a la tierra. El derecho a un ambiente equilibrado implica la percepción de la tierra como elemento indispensable para nuestra supervivencia. Este es el punto de partida para la reconstrucción de nuestra ciudadanía como flo-restanía. Tierra rara es una iniciación al cultivo de espacios publicos, o que tanto quiere decir una cultura de uso común de los espacios como el culti-vo en sí, es decir, la necesidad de asumir la responsabilidad por el cultivo de ciudades con más tierra, con más verde, más pajaritos, más insectos y, consecuentemente, mejor calidad de vida para todos sus habitantes.

palabras-clave: uso común, espacio publico, florestanía

Rara; acerca de la diferencia entre el portu-gués y el español, además del sentido original de la palabra rarus, del latín, que quiere decir: “esca-so, de baja densidad, in-sólito”, en el español se utiliza la palabra tambien como sinónimo de “grande, de calidad inusual”.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Passeio na Cachoeira da Vargem - Residência Artística no Camping do Rio Ver-melho, dezembro de 2014, p. 17;

Figura 2 Desenho: travessia / caminho / jornada=dia, p. 21;

Figura 3 Diário de Leitura: CASTAÑEDA, Carlos. Viagem à Ixtlan. Rio de Janeiro: Nova Era, 1997, p. 12, p. 22;

Figura 4 Avenida Beira Mar Norte em obras de ampliação das pistas, registro da Aula Ab-erta na Ponta do Coral em 26 de março de 2015, p. 26-27;

Figura 5 Rodovia SC 403, em obras, registro de 27 de março de 2015, p. 28;

Figura 6 Giovanbattista Piranesi: Vista de Sepulcro em Porte Maggiore, Roma. Imagem di-sponível em: http://towermax.deviantart.com/art/Piranesi-roman-ruins-COPY-188544873, p. 30;

Figuras 7-12 Robert Smithson: Guide to the monuments of Passaic. Imagens disponíveis em: http://monoskop.org/images/8/85/Smithson_Robert_1967_1979_The_Monuments_of_Passaic.pdf, p. 32-33.

Figuras 13-16 Buraco, proposição da Tati Rosa durante o curso de escultura social no Rio Ver-melho com Hermann Pollmann em dezembro de 2013 a convite do Zé Kinceler. Fotografias de Péricles Gandi, p. 35;

Figura 17 “Eles nos enterraram mas não sabiam que éramos sementes”, pixo na Escola de Ensino Básio do Muquem, realizada durante a semana se residência artística no Rio Vermelho, em dezembro de 2014, p. 35;

Figura 18 Praia do Moçambique, registro em polaroid feito pela Nara em julho de 2014. p. 36;

Figuras 19-22 Registro fotográfico de caderno de processo, p. 36-39;

Figura 23 Registro da capa do jornal Diário Catarinense de 1 de outubro de 2014, p. 42;

Figura 24 Em terra onde o asfalto é lei, galinha cisca na brita - registro fotográfico de visita a pedreira em Joaçaba, p. 44;

Figuras 25-28 AQUI AGORA ISSO Experiência/ laboratório / oficina de performance com Silmar P. na ruína embaixo da Ponte Hercílio Luz, em 12 de junho de 2014, p. 50;

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Figura 29 Registro da Aula Aberta na Ponta do Coral em 26 de março de 2015, p. 51;

Figura 30 Fazendo botânica no asfalto, registro fotográfico de 2013, p. 52-53;

Figura 31 Grupo Fora no Bicho-pau, janeiro 2014, p. 54;

Figuras 32-34 Adote um jardim: intervenção no parque do Vassourão, 2012, p. 55;

Figuras 35-37 Coleta de canteiros flutuantes, p. 56;

Figura 38 Proteção de daninhas na Praça João di Bernardi, abril de 2014, p. 56;

Figuras 39-41 Registros da Exposição Mar que falta... no Museu Vitor Meirelles, dezembro de 2012, p. 57;

Figuras 42-46 Registros da Exposição Bicho Banco, na Funarte em Brasília, fevereiro de 2014, p. 58;

Figura 47 Percevejo na Praça João di Bernardi, p. 59;

Figura 48-51 Deslocamento da Mariposa até a Udesc em abril de 2015, p. 59;

Figura 52 Registro Publicação Recibo n. 10 Observatório-móvel de paisagem, p. 60;

Figura 53-56 Registros de worklab no Ribeirão da Ilha em maio de 2014, p. 61;

Figuras 57-66 Registros Geodésica Cultural Itinerante no Rio Vermelho e Curso de Escultura So-cial com Hermann Pollmann, fotos de Péricles Gandi, dezembro 2013, p. 62-63;

Figuras 67-69 Registros da leitura de Guia aos monumentos de Passaic, de Smithson, durante a Residência Artística no Camping do Rio Vermelho, dezembro de 2014, p. 64;

Figuras 70-74 Aula e coleta de palha no Camping do Rio Vermelho para iniciar trabalho de cuida-do de área residual no campus da Udesc, junho de 2015, p. 65;

Figura 75 Registro de manchete do Jornal Hora de Santa Catarina de 1 de abril de 2015, p. 66;

Figuras 76-84 Registros da Escola de Ensino Básico do Muquem entre dezembro de 2014 e junho de 2015, p. 68-72;

Figura 85 7000 Carvalhos, de Joseph Beuys, p. 81;

Figuras 86-107 Revolução da palha em Iraquara, p. 82-85;

Figura 108 Imagem de uma Cecropia glaziovii, a embaúba, pau de formigueiro ou castelo de formigas; p. 87.

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Manual de Leitura

1. Do mato no texto

Na leitura desta dissertação, não se guie pelos sinais gráficos usuais de uma pesquisa acadêmica.Às vezes tive que interromper o texto por conta de um pensamento mui-to forte. A necessidade de interrupções bruscas é resultado de um desejo, que é estabelecer outros ritmos de leitura em que alternam-se vida e texto, relato e teoria. Busquei uma diagramação que pudesse indicar estas transições. Você en-contrará espaços nas margens que foram ocupados de anotações, ima-gens e pensamentos. Aproprie-se deste espaço também!

2. Da leitura como caminhada

Às vezes reencontramos, no meio do caminho, alguma espécie de inço que já vimos antes. Não se engane. É isso mesmo.

3. Cada tropeço, uma solução.

Às pedras encontradas no caminho, só podemos agradecer, por nos tornarem mais atentos e observadores.

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SUMÁRIO

1 TERRA RARA É................................................................................. 19

2 A CIDADE É OU NÃO É A ILUSÃO DE QUE A TERRA NÃO EXISTE? ............................................................................................................ 25 3 A LEI DO DESTERRO É SOBREVIVER À CIDADE! ........................ 40

4 FAZENDO BOTÂNICA NO ASFALTO ............................................ 52

5 DOSSIÊ ESCOLA DE ENSINO BÁSICO DO MUQUEM .................. 66

6 PLANTAR FLORESTAS NO DESERTO ........................................... 78

7 JARDIM FECHADO (CONSIDERAÇÕES) ....................................... 89

REFERÊNCIAS ................................................................................. 95

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TERRA NÃO TEM

DONO!

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TERRA RARA É...

Terra rara é uma pesquisa como mato rachando o asfalto.

É experiência de pisar na terra, tocar o chão, acariciar a matéria que dá sustentação às coisas todas. É andar muito nos arredores do lugar onde se vive. Algo muito simples, na verdade, e ao alcance de todo e qualquer habitante da cidade.

É certo que cada um, no seu dia-a-dia, inventa rotas, traça percursos, e no deslocamento se detem sobre certos pontos da cidade. Além dos lugares funcionais de uma cidade, existem espaços outros que abrigam sonhos, memórias e desejos. Recantos que se reconfiguram entre o segredo e a ex-periência do convívio. Onde podemos ficar sozinhos, marcar um encontro às escondidas, ou encontrar vistas situadas para horizontes inalcançáveis, em que nos deixamos ficar, como observadores distantes de uma realidade que sempre escapa.

A natureza da paisagem é dinâmica e multidimensional, sensorial e resul-tado da interação com os sentidos. É construção de pensamento e cruza-mento das linhas traçadas por cada praticante do espaço.

Terra rara é tanto relato como articulação de teoria com o conhecimento tático, aquele que adquirimos quando nos deslocamos pela cidade e apren-demos a nos orientar e tirar melhor proveito das situações do dia-a-dia.

Encontrar uma terra rara é experiência à disposição de todo aquele que começa à procurá-las. É indo de um lugar ao outro que chegamos a reconhecê-las, elas surgem no meio do caminho como frutos de travessias.

Uma pausa para um descanso ou um lanche é o melhor pretexto, para encontrar um lugar que nos favoreça, onde podemos interromper o fluxo normal dos pensamentos para se deixar absorver por um outro estado de percepção, mais atento às sutilezas do ambiente ao redor e às mensagens que podemos receber.

Uma terra rara é como um portal entre a realidade comum que compar-tilhamos e um instante no qual é possível parar o mundo. Refiro-me não apenas à algazarra da cidade, como também à urgência de todas as coisas que nos impedem de estar inteiramente de corpo e alma presentes no local.

Parar o mundo é o primeiro passo para “chegar a ver”.

travessia / caminho / jornada=dia

PORTAL

terra rara; realidade

territorial desconhecida;

zona indefinida; lugar

perdido, marginal, não-

fixo. Processos em expansão

que designam outras

habitabilidades.

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É possível passar pelas terras raras sem deixar qualquer marca ou vestígio, o que é sinal de muito respeito pelo lugar, ou então demarcá-las, para reen-contrá-las, tempo depois, na hora da dor ou quando tudo parecer perdido.

A terra rara se situa entre paradoxos: ser artista e ser universitária; ser do interior e vir morar na capital (a ilha de Santa Catarina), habitar uma ci-dade-ilha e querer viver algo além disso: ser ilha.

Quando sou a ilha, sinto que encontro um lugar para espacializar os pensamentos, converso com o vento e espero a resposta dos pássaros para confirmar as conclusões. Sou a ilha para transcendê-la: ao me re-descobrir como ser-ilha, volta e meia viro os olhos para o continente, como se lá fosse diferente viver. Carrego a ilha comigo aonde quer que eu ande, escrevo, torno a ler e acho estranho, pois se carrego a ilha, como carrego o corpo, sei que a minha condição é passageira e ao mesmo tempo sempre presente, em qualquer lugar.

As terras raras encontram-se em algum ponto entre o lugar comum e o lu-gar perdido, lá onde sempre se passa mas nunca se presta atenção até que de repente o terreno é cercado e posto à venda, aí é que se dá conta do sentido oculto da palavra rara, que é qualidade específica de ser algo extraordinário e incomum; a expressão beleza rara aponta para esta ideia.

Quando se diz terra rara o que logo se pensa é que está faltando terra pra tanta gente, e que já não tem pedaço de terra sem dono. Terra rara pra mim quer dizer outra coisa, significa ressaltar uma qualidade, daquilo que é es-pecial. A terra não nos pertence, nós é que pertencemos a ela.

Às vezes sou ilha, às vezes sou colona. Tem um pouco de colono em cada um que foi morar longe da terra em que nasceu, mas no interior de Santa

Artista; trabalhador autônomo, flexível, móvel, não especializado capaz de se adaptar a múltiplas

situações.

ilha; berçário para uto-pias, bem entendido que toda utopia é sinal de inconformação.

colono; é aquele que tá sempre falando das coisas lá da sua terra

Diário de leitura: CASTAÑEDA, Carlos. Viagem à Ixtlan. Rio de Janeiro: Nova Era, 1997, p. 12

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Catarina falar em ser colono, às vezes pode soar até pejorativo. Por outro lado, grande é a riqueza em aprender, como o colono, a amar a terra que lhe recebe.

Quem vem de fora é bom aprender a chegar de mansinho, atento aos sinais e receptivo aos conhecimentos profundos do lugar, que aos poucos se revelam para aquele que procura estar em íntima relação com a terra em que vive.

No lugar novo, é necessário se reorientar, o passado não serve, de acor-do com o geógrafo Milton Santos em A Natureza do Espaço. Segundo ele, os migrantes precisam criar uma terceira via de entendimento das cidades (2006, p. 223), no qual o entorno vivido se transforma em matriz de um pro-cesso intelectual em que o migrante se refaz continuamente para se adap-tar à nova realidade que o cerca. Territorialidade e cultura mudam, mudan-do o homem.

O colono é definido pelo dicionário Michaelis como o indivíduo que se esta-belece em um terreno inculto para desbravá-lo e cultivá-lo.

Tem um pouco de desbravar e cultivar no encontro com as terras raras. Des-bravar para escapar das geografias pré-estabelecidas, que definem como deve ser o uso e ocupação das cidades, e cultivar, para fundar espaciali-dades emancipadoras.

E o que se está a iniciar é uma cultura de uso temporário do territórios para fins comuns.

Trata-se de viver o entorno como lugar de troca e ao mesmo tempo, gera-dor de processos intelectuais, subjetivos, a todo momento atualizados pelas sensações apreendidas: minha ação modifica e é modificada pelo mundo.

O entorno nos responde a todo momento através das mais diversas formas de manifestações de espontaneidade e criatividade, algumas vezes estas ações tendem para a cooperação, em outras, para o conflito. No embate entre essas duas polaridades a todo momento nos redefinimos como ser humano. Percebe-se que a cultura é herança, mas também um reapren-dizado constante das relações entre o indivíduo e o ambiente.

De acordo com o professor e geógrafo Cássio Eduardo Viana Hissa, no tex-to Ambiente e vida nas cidades, há mais vida complexa no ambiente do que nossa capacidade de estruturar conceitos pelos caminhos disciplinares da ciência moderna.

O conceito de ambiente, no seu ponto de vista, opera sobre duas condições, como algo exterior e fora do eu, e como reflexo de homens e mulheres que se transformam em suas (re)criações. O ambiente é como um caleidoscópio de espelhos, que a todos toca formando uma rede de relações caóticas onde se alternam o encontro e o estranhamento.

Toda cidade é feita de várias cidades, onde às vezes nos reconhecemos, às vezes, não.

Cultura; forma de comu-nicação do indivíduo e do grupo com o universo; a palavra cultivo é regis-trada como raiz semânti-ca da palavra cultura. O termo cultura deriva do latim colere, que quer dizer cultivo. Inicial-mente, portanto, quer diz-er o cultivo e o cuida-do com a terra, de onde decorre a palavra agricul-tura. Como cultivo, a cul-tura designa a ação que conduz à plena realização das potencialidades de algo ou alguém: fazer bro-tar, florescer e frutificar.

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Encontrar uma terra rara é como encontrar um lugar onde nos reconhece-mos, algo como um mocó.

O mocó tem vocação de esconderijo: um espaço fora da vista e opaco, que escapa à racionalidade luminosa dos espaços planejados e regulares da cidade.

Um mocó é um lugar de encontro para iniciados, que costuma se localizar em pedaços da cidade não-reconhecida, aquela cidade feita de sertões, subterrâneos e ruínas, que podem ou não coincidir com a realidade da ex-clusão e da marginalidade.

Terra rara é uma cartilhagem para irrigar a cabeça de ideias subterrâneas.

É na batalha diária para que o sonho vença o curso dos acontecimentos que aprende-se os truques, macetes, malandragens, artes e artimanhas para livrar-se das situações opressoras no cotidiano das cidades.

Aprender a quebrar no beco sem cair, quando a cisma insiste que é necessário saber se defender quando alguém mete pau em você. E saber continuar o caminho, por satisfação, vontade e alegria, que é a melhor mandinga con-tra mágoa passada.

Caminhar por terras desconhecidas nos surpreende e nos transforma. É sempre bom lembrar que não é necessário ir muito longe para se experi-mentar uma viagem iniciática, elas estão a nossa espera, nas esquinas e encruzilhadas da cidade onde moramos.

Vamosimbora!

uma cartilhagem na margem da página!

Olha a mandinga aí: Para livrar-se do mal, use a malícia _ Já dizia o

Mestre Canjiquinha!

mocó; mocozar-se; ato ou hábito de inflitrar-se em terreno público ou alheio, baldio, beira de estrada, recanto verde abandonado, e nela instituir acampa-mento nômade.

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a cidade é ou não é a ilusão de que a terra

não existe?

A construção da cidade hoje é de tal maneira artificial que cria a ilusão de que a terra não existe _ constatação de Robert Smithson diante da impermeabilização das terras estadunidenses, em “Uma sedimentação da mente: projetos de terra”, texto de 1968.

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arquivo dos pés

A vida nas cidades

atravessa momentos de

crise. Talvez porque a

humanidade tenha passado

tempo demais entre o

espaço fechado de quatro

paredes, admirando-se

consigo mesmo e com o

funcionamento mecânico

do relógio na parede.

Hoje o relógio parou de

funcionar, o espelho

embaçou e um amigo

distante me convida a nos

banharmos nas águas do

mar.

Nadando com as medudas,

as águas trazem ao nosso

encontro sacos plásticos

e resíduos de poliestireno

(as grandes maravilhas do

século passado).

Sinto tristeza pelo

descontrole dos oceanos,

e tantas ilhas de sonhos

desperdiçados vagando

entre pilhas de pneus

e outros restos de

embarcações.

O tempo está quente, logo

se está seco de novo e

sentimos calor. Não há

banho que refresque!

[...]

Passamos os dias seguintes

andando nas dunas.

Não havia nada perto o

suficiente para atrapalhar

a expansão dos sonhos no

vazio da paisagem. Desde

a Lagoa da Conceição

até a praia da Joaquina

e no sentido inverso,

repetimos várias vezes

este caminho, em círculos

como os pássaros no céu.

O descanso era de dia e

andávamos à noite. Mas não

havia nada do que fugir.

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Tudo estava presente,

reunido no infinito de

areia que pode compor um

deserto. Sob o céu de

estrelas, também não havia

de quem se esconder. Todo

o universo acompanhava

nossos passos e nos

sentíamos felizes como

crianças.

No sétimo dia meu amigo

se levantou ao amanhecer

do dia e avisou que

estava na hora de partir.

Abandonamos o deserto e

eu o acompanhei até o

terminal de ônibus. Depois

desse dia, por muito tempo

fiquei andando pela ilha.

[...]

Desde então, meu corpo tem

fome de paisagem, sente

saudades dos caminhos

diversos que percorri, de

ruas de areia a rodovias

de asfalto, das avenidas

do centro da cidade aos

caminhos que levam até

o interior, de sertão em

sertão minha alma ficou

vazia, leve de tanto

andar.

_É preciso ter o coração

mais leve que a pena._

finalmente compreendi.

Não existe carga mais

pesada que um coração

confuso assim como não há

nada que pese sobre os

ombros quando se possui

entendimento.

Talvez a estadia na ilha

não passe de uma tentativa

de fuga: o lento e

incansável planejamento de

um plano de fuga, seja lá

de qual ilha se pretenda

escapar, ou encontrar um

caminho para fora, seja lá

o que se queira considerar

estar de fora.

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O asfalto é uma mistura quente com propriedades isolantes e adesivas utilizado há muito tempo, desde a antiga Babilônia e também o Império Romano, com a diferença de que o asfalto, então, era produzido a partir de piche retirado de lagos pastosos. A partir de 1909, com a expansão da indústria petrolífera, o petróleo foi incorporado na produção do asfalto, tornando-se o principal meio de pavimentação de estradas.

A cultura do asfalto em que vivemos nasce da inserção de um novo hábito: andar de carro, e um novo modo de experimentar a paisagem: pegar a estrada em busca de outros lugares, muitas vezes espaços idealizados de natureza intocada ou protegida.

Quando os primeiros automóveis chegaram em Santa Catarina, iniciou-se também por aqui o hábito de procurar no litoral redutos balneários que pudessem oferecer momentos de tranquilidade e prazer. Eu também fui criada nesta cultura, no fim de semana era comum passear de carro com meu pai à procura de novos lugares para experimentar. Estes redutos, no início eram pouco frequentados, em pouco tempo foram crescendo e assumindo sua vocação balneária. Atualmente muitas praias ultrapassaram o limite do sustentável, e este fato decorre não apenas da especulação imobiliária como também de uma cultura do asfalto que privilegia a circulação por meio de automóveis privados.

A cultura do asfalto é uma cultura impermeabilizante e isolante.

Toda vez que uma daninha fura o asfalto encontra-se aí o germe de uma revolução, que consiste em abrir buracos para que a terra possa voltar a respirar.

O mundo-máquina e o homem do mundo

Quando se procura a origem etimológica da palavra máquina, encontramos a raiz grega mekhos que significa “meio, expediente, remédio”. Mundo-máquina é um modo de ver o mundo como meio e a natureza como instrumento. Esta visão de mundo é a que predomina na construção da cidade hoje, a cidade-asfalto.

O homem do mundo é a descrição de um personagem anônimo, um desenhista que o poeta Baudelaire conhece na rua. O homem não gosta de ser chamado de artista, que é o especialista subordinado a sua palheta de cores, e que pouco sabe do mundo moral e político. Prefere ser chamado homem do mundo, ou seja, alguém que conhece o mundo e seus segredos e que contemplando com prazer a multidão, mistura-se mentalmente a todos os pensamentos que se agitam a sua volta.

o apaixonado pela vida universal entra na multidão como se isso lhe parecesse um reservatório de eletricidade. Pode-se igualmente compará-lo a um espelho tão imenso quanto esta multidão; a um caleidoscópio dotado de consciência, que, a cada

a cultura do asfalto in-vade o litoral catarinense

Rodovia SC 403, em obras, 27 de março de 2015.

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um de seus movimentos, representa a vida múltipla e o encontro cambiante de todos os elementos da vida. É um eu insaciável do não-eu, que a cada instante o revela e o exprime em imagens mais vivas do que a própria vida, sempre instável e fugidia. (BAUDELAIRE, Charles, 2002, p. 21)

O homem do mundo é o amador, o apaixonado, o insaciável do não-eu. O mundo não é apenas meio, mas algo complementar e visceral, múltiplo e cambiante. O prazer do homem do mundo é estar fora de casa e, no entanto, sentir-se em casa em qualquer lugar. Esse pequeno prazer é experimentado por inúmeras pessoas todos os dias, ao atravessar as cidades em que vivem como personagens anônimos. Através dos relatos ficamos conhecendo alguns destes personagens. Os relatos organizam o espaço percorrido para indicar possibilidades de derivas.

Certos percursos de espaço tornam-se míticos e nos iniciam na arte de ver as coisas de outro modo, por isso são lembrados e novamente compartilhados. Para mim, um destes relatos é o Guia para os monumentos de Passaic realizado por Robert Smithson. O texto narra um passeio de ônibus até uma auto-estrada em construção em Nova Jersey, lugar onde o artista passou a infância, a fim de encontrar os novos monumentos. Smithson nasceu no centro da cultura do asfalto (e de fato, o asfalto, enquanto material simbólico, reaparece frequentemente nos trabalhos de Smithson).

O fato de ser comum no Brasil a importação de modelos estadunidenses de comportamento, me levou a procurar no texto temas que apontam para uma outra forma de olhar para o asfalto. É comum, no desenvolvimento brasileiro, momentos em que projetos de abertura de estradas dominam a cena política, procurando nos convencer das conveniências das obras faraônicas de infra-estrutura. A transamazônica, até hoje nos assombra, enquanto símbolo desta forma de gestão. É sabido que o projeto de implantação de linhas ferroviárias no Brasil foi sabotado pela empresa automobilística. Trata-se de uma deliberada opção política pela construção de paisagens com alto grau de entropia, isto é, que demandam grande consumo de energia e que estão sempre se deteriorando.

Em Passaic, o artista apresenta os detritos industriais da estrada em construção como ruínas capazes de alcançar a imortalidade do monumento. _ O que se pode encontrar em Passaic que não se pode encontrar em Paris, Londres ou Roma? _ O artista brinca com a ideia de passeio turístico, referindo-se à cultura de consumo de paisagens, proporcionada pela indústria do turismo e do entretenimento, que direciona o turista sempre às mesmas paisagens.

Passaic é lugar que não costuma ser visitado muito menos lembrado como opção de roteiros turísticos. É um lugar em obras, que abriga monumentos efêmeros e que desaparecerão assim que a estrada estiver pronta. A paisagem industrial visitada por Smithson é um conjunto de lugares demarcados pela onda erosiva da indústria. Ir à Passaic, e cada leitura do texto é uma visita, é como dar uma espiada por trás das cortinas, para ver de que matéria são feitas

LER UM TEXTO: UMA VIAGEM INICIÁTICA

Através das viagens iniciáticas somos apresen-tados a novas formas de se posicionar no mundo

Paisagem; de acordo com Javier Maderuelo toda paisagem é artifício mediador de uma relação estética que se consuma no ato do homem em contato com a natureza;É uma elaboração intelectual que realizamos através de certos fenômenos da cultura. (MADERUELO, Javier. El paysage urbano. Estudios geográficos. Vol. LXXI, 269, jul. diciembre 2010, p. 575).

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freqüentadores de ruínas; habitantes da de-composição de sentidonáufrago solitáriopóstumo

as engrenagens que movem as cidades.

Quando Smithson afirma, que os edifícios erguem-se como ruínas antes mesmo de serem construídos, o artista retoma a tradição filosófica que encontra nas ruínas uma crítica ao progresso.

As ruínas reaparecem frequentemente na modernidade como alegorias para o desperdício, a decadência ou a catástrofe associadas ao projeto urbanizador. Alberto Ruiz de Samaniego [De Ruínas: Piranesi, Benjamin e Smithson] conta que foi Piranesi que iniciou entre os modernos o hábito de freqüentar ruínas, o artista não apenas visitava, como costumava pernoitar nas ruínas de Roma. De Piranesi até hoje, diversas gerações de freqüentadores de ruínas se sucedem: Baudelaire, Walter Benjamin, Robert Smithson, entre outros, buscavam nas ruínas alegorias para mundos em transformação. Charles Baudelaire, por exemplo, foi contemporâneo das reformas de Paris durante o governo do Barão de Haussmann. Assistiu a destruição de bairros inteiros para a realização do alargamento das vias e concepção de um novo modelo de cidade que influenciou a modernização de muitas outras metrópoles.

Na obra filosófica de Walter Benjamin a ruína é apresentada como emblema da transitoriedade da cultura capitalista e recusa à ideologia do progresso. As imagens das ruínas são evocadas na descrição do anjo na nona tese sobre o conceito da história:

Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele (o anjo da história) vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as arremessa a seus pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele volta as costas, enquanto o amontoado de ruínas diante dele cresce até o céu. É a essa tempestade que chamamos progresso. (BENJAMIN, Walter, 2012, p. 246)

Para o materialista histórico, não há cadeia de acontecimentos, em que o progresso é eleito como norma histórica e o fim inevitável de um processo inevitável de desenvolvimento técnico, mas uma única catástrofe, que acumula ruína sobre ruína. Os bens que consideramos como culturais, são os despojos arrancados pelos vencedores. Benjamin critica uma visão linear da história, como se o presente fosse o fim inevitável de uma linha de trem que vem lá da antiguidade. Para Benjamin o trem da história é uma máquina desgovernada que avança em uma corrida acelerada. O pensador radical desconfia de todo discurso que afirma a inexorabilidade das coisas, e procura, em cada instante,

ruínas; restos, destroços,

vestígios, decadência,

degradação, mortos que

falam, memórias, onde as

coisas entram em estado de

deterioração.

Giovanbattista Piranesi: Vista de Sepulcro em Porte Maggiore, Roma. Imagem di-sponível em: http://tow-ermax.deviantart.com/art/Piranesi-roman-ruins-CO-PY-188544873

“nunca houve um documento

de cultura que não fosse

simultaneamente documento

de barbárie.” (Walter

Benjamin: Sobre o conceito

da história. In: Obras

escolhidas. São Paulo.

Brasiliense, 2012, p.

245.)

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liberar a chama revolucionária capaz de redimir o passado.

A leitura de Benjamin pode ser associada ao significado das ruínas em A Condição Humana, de Hannah Arendt. De acordo com a filósofa, a atitude do consumo, característica da sociedade capitalista, condena à ruína tudo em que toca. Em última instância, a emergência de uma sociedade de consumidores comporta o grave risco de que nenhum objeto do mundo esteja à salvo de ser destruído e aniquilado por meio do consumo. Esta sensação corresponde àquilo que Smithson encontra no conceito de entropia, que permeia todo seu trabalho.

O outro lugar

Durante a década de 60 diversos artistas irão em busca de um outro lugar, fora dos limites da cidade onde realizar suas práticas artísticas. É comum artistas que buscam os desertos, bem como paisagens industriais arruinadas. De acordo com Miwon Kwon é uma busca condizente com um momento histórico identificado com a era industrial e a expansão dos subúrbios. A desmaterialização da arte em práticas conceituais e a procura de outros espaços para a experiência artística indicam o desencantamento com o projeto modernizador.

Alguns artistas, como o próprio Smithson, irão em busca dos desertos. Ir ao deserto é fazer emergir um estado consciencial onde o lodo da cidade necessariamente deve evaporar, conforme ele se refere no texto que motiva o título deste capítulo “Uma sedimentação da mente: projetos da terra”.

Passaic pode ser definida como uma paisagem entrópica, uma espécie de paisagem que se tornou muito comum e onde encontram-se reunidos elementos que tornam visíveis os impactos do crescimento das cidades. Ao visitar e registrar estes lugares, os artistas realizam uma crítica à cultura, transformando realidades físicas em vetores discursivos em que se questiona a representação na natureza e a crise ambiental.

Ao se relacionar com estas paisagens, Smithson desenvolve uma dialética de trabalho que corresponde à oposição entre site e nonsite. O site é onde confronta-se com a duração real das coisas e as sensações imediatas transmitidas pelo entorno, é o lugar que está sempre se evadindo, na periferia de um sistema (SMITHSON, Robert, 2009, p. 284).

O nonsite é um recurso que nasce do mapeamento dos primeiros sites que Smithson costumava frequentar. Durante o processo, conta que foi ficando cada vez mais interessado nos aspectos abstratos do mapeamento, tal procedimento foi adotado não para simplesmente transferir dados a respeito de um site para um outro site, mas para acumular exterior e interior, as fronteiras entre o que é e o que não é.

O non-site direciona para o centro do sistema, de certa forma cria uma cristalização, uma ficção em que o trabalho deixa de acontecer no site para se encontrar em uma sala onde fisicamente somos confrontados com nossas

entropia; consciência de um estado crítico, isto é, de que nos encontramos presos ao mecanismo de nossa auto-destruição [e de que precisamos, a todo custo, agir]. A sociedade capitalista é um sistema altamente entrópico. A produção de desertos é o estágio final deste

processo civilizatório.

Monumentos entrópicos de robert smithson

tipo A: memoriais de sig-nificados exaustos ou aqui-lo que o homem da rua per-cebe como monumento

tipo b: certos prédios an-teriores à queda de wall street, o antigo subúrbio

tipo c: pós-segunda guerra mundial, ou o novo subúr-bio

tipo d: lugares em desu-so, como piscinas vazias, estacionamentos ou terras degradadas

tipo e: ruínas ao revés, a nova construção abandonada

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próprias limitações. E no movimento entre o dentro e o fora da galeria o artista denuncia a moldura institucional na qual está inserido.

Para mim, o mundo é um museu. A fotografia torna a natureza obsoleta. O meu pensamento em termos de site e non-site me faz sentir que não há mais necessidade de se referir à natureza. Estou completamente absorvido em fazer arte e isto é principalmente um ato de observação , uma atividade mental que aponta diretamente para sites distintos. Não estou interessado em apresentar o meio pelo meio [medium for its own sake]. Acho que essa é uma fraqueza de vários trabalhos contemporâneos. (SMITHSON, Robert, 2009, p. 280]

Em Guide to the monuments of Passaic, as analogias entre a paisagem, a fotografia e o filme são freqüentes, Smithson faz diversas referências ao ato fotográfico e brinca com as palavras: ele encontra-se em uma imagem em movimento (moving-picture) que não pode capturar (that I couldn’t quite picture), o texto procura dar conta de algo que sempre escapa à capacidade de registro da sua máquina fotográfica.

a paisagem não era uma paisagem, mas “um tipo particular de heliotipia” (Nabokov), um tipo de cartão-postal auto-destrutivo de um mundo de imortalidade fracassada e opressiva grandeza. Eu estive andando em uma imagem em movimento que eu não podia exatamente capturar, mas enquanto eu ficava perplexo, eu vi um sinal verde que explicava tudo: “Seus impostos para estradas em trabalho (...)” Aquele panorama zero parecia conter ruínas ao revés, isto é, todas as construções que seriam eventualmente construídas. Isto é o oposto da “ruína romântica” porque as coisas não decaem como ruínas depois que são construídas, mas erguem-se como ruínas antes de serem construídas. Este mise-en-scene anti-romântico sugere a ideia desacreditada de tempo e muitas outras coisas “fora de data”. Mas os subúrbios existem sem um passado racional e sem “grandes eventos”da história. Talvez existam algumas estátuas, uma lenda, alguns curiosos, mas nenhum passado - apenas o que passa para o futuro. Uma utopia menos um fundo, um lugar onde as máquinas estão inativas, e o sol se transformou em vidro, e o lugar onde a Planta de

Fazer arte é um ato de

observação

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Guide to the monuments of Passaic, New Jersey foi um texto publicado por Smithson na Revista Artfo-rum em Dezembro de 1967. O texto está disponível em: http://monoskop.org/images/8/85/Smithson_Rob-ert_1967_1979_The_Monu-ments_of_Passaic.pdf

Concreto de Passaic (Via Fluvial 253) faz um bom negócio em PEDRA, BETUME, AREIA e CIMENTO. Passaic parece cheia de “buracos” comparada com a cidade de Nova York, que parece hermeticamente empacotada e sólida, e estes buracos em um sentido são os vazios monumentais que definem, sem tentar, os traços mnemônicos de um conjunto de futuros abandonados. (SMITHSON, Robert. A tour to the monuments of Passaic. Texto disponibilizado em rede virtual. Livre Tradução)

A referência a Nabokov é também encontrada em um texto anterior de Smithson, Entropia e os novos monumentos de 1966, no qual encontra-se a seguinte observação: “O futuro não é senão o obsoleto ao reverso”. Se Smithson contemplasse o anjo da história, diríamos que teria a face escancarada não para o passado, mas para o futuro, procurando recolher no presente as lembranças de possibilidades: os subúrbios não tem passado, apenas passam para o futuro.

Os monumentos de Passaic são tributos aos subúrbios. Ao olhar para estas paisagens como ruínas ao revés, Smithson elabora uma nova monumentalidade, uma nova percepção sobre as deformidades introduzidas pelas máquinas modernas, uma atitude que não é melancólica, mas que procura expressar a beleza própria destes espaços em estado de deterioração.

De acordo com Iñaki Abalos (2008, p. 217), ao encontrar beleza nestes espaços o artista recupera o conceito de pitoresco, associando-o também à paisagem arruinada pela indústria, fazendo da sua arte um paisagismo da ausência da paisagem. Esta operação remete ao fato de que todo paisagismo, articulado como sistema estético, surge precisamente quando se perdem os vínculos naturais de uma sociedade, trazendo para a esfera do cidadão o contato perdido reorganizado como experiência estética.

Passaic parece cheia de buracos, ao contrário do chão de Nova York, hermeticamente empacotada e sólida. Em um lugar onde não existem buracos é possível criar a ilusão de que a terra não existe. O observador das ruínas ao revés percebe nos buracos do caminho reminiscências de futuros abandonados pela construção da cidade.

Os buracos são freqüentes nos textos de Smithson (em Entropia e os novos monumentos, Smithson também afirma que ir ao cinema é fazer um buraco na vida). Nos textos de Smithson frequentemente saltamos entre as ciências físicas, a arquitetura, o cinema ou a fotografia. Estes saltos são construídos enquanto metáforas para processos mentais em que o tempo é continuamente atualizado na consciência do sujeito, de certa forma somos a todo momento remetidos à espiral negativa do tempo que consome tudo, que também pode ser identificada pelo mito de Saturno devorando seus filhos. Smithson contempla na caixa de areia onde as crianças brincam, o deserto e no deserto, uma metáfora, e na metáfora a desintegração futura dos oceanos, dos continentes, de toda civilização.

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Cavar buracos

Nos despediremos de Robert Smithson (pelo menos por enquanto). Seguimos outras trilhas neste momento, tendo o buraco como guia e artistas que cavam buracos. Cavar buracos precede quase toda construção assim como todo sepultamento. Os buracos preparam o terreno para receber as novas fundações e guardam coisas para ficarem enterradas.

Pensando entropicamente certos buracos representam uma grande demanda de energia em troco de um esforço sem aparente significado. A sensação de modernidade falida tem mais ou menos a ver com esse movimento e a constatação de que nossas cidades funcionam como máquinas térmicas a beira de um colapso também. Enquanto as contradições ficam mais evidentes, o colapso que não se realiza se acumula em relações mais tensas e nervosas.

Por outro lado, um movimento sem sentido mas com significado pode preparar o terreno para a inversão do sentido vetorial da espiral entrópica que impulsiona nossas cidades. Penso, especificamente, em um projeto de um coletivo de artistas japoneses intitulado grupo I, realizado em agosto de 1965.

Durante a realização de um festival de arte independente, em Gifu, no Japão, o coletivo passou oito dias cavando coletivamente um buraco nas margens do rio Nagara. No fim do festival o buraco foi novamente coberto. Além do aparente desperdício de energia, o trabalho instiga a urgência de ações coletivas frente a tantas formas de individualismo em que nossa sociedade tem se afundado, apontando para o equilíbrio entre a unidade do grupo e o esforço individual de cada um ali presente.

Não se pode esquecer que abrir buracos também precede o semear e que toda semente contém uma reserva de energia para fazer brotar e frutificar. A capacidade de acumular reserva de energia corresponde ao conceito oposto de entropia, ou negentropia. Joseph Beuys costumava utilizar este conceito em suas aulas, discursos e esquemas sobre a escultura social. A escultura social utiliza a floresta como arquétipo e pensa o campo social como uma forma plástica moldada pela interação e cooperação entre os membros de um coletivo. A escultura social relaciona-se com o conceito de simbiose, isto é, a cooperação entre organismos vivos visando tanto a sobrevivência comum quanto a autonomia das partes.

O uso da terra na cidade precisa ser colocado em discussão. A terra está pobre e demanda a articulação de todo nosso esforço. Novas receitas urbanas estão em evidência: elas partem da cooperação entre as pessoas da vizinhança e a administração pública. As ferramentas desta micro-revolução são: a autoconstrução, o trabalho em equipe e a solidariedade.

MOVIMENTO SEM SENTIDO MAS COM SIGNIFICADO; é desper-tar dentro de si a energia circular, a força da man-dala viva, quando se está em um grupo e cada um dos presentes dá a sua con-tribuição.

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Buraco, proposição da Tati Rosa durante o curso de escultura social no Rio Vermelho com Hermann Poll-mann em dezembro de 2013 a convite do Zé Kinceler. Fotografias de Péricles Gandi.

Pixo na Escola de Ensino Básico do Muquem, encon-trada em estado de abando-no - Residência Artística no camping do Rio Vermelho - dezembro de 2014.

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Praia do Moçambique, registro em polaroid feito pela Nara em julho de 2014.

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A LEI DO

DESTERRO É

SOBREVIVER À CIDADE!

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Fico me perguntando porque certos homens escolhem habitar as ilhas

enquanto outros decidem pelo continente, em tempos em que a superlotação

de umas e outras faça com que os limites entre ambas não passem de

coordenadas meramente geográficas.

Relatos sobre a busca pela cidade ideal costumam utilizar o artifício de

associá-la à cidade insular. Em um texto intitulado Notas sobre a Utopia,

Marilena Chauí conta que a maioria das utopias costumam ser narradas como

viagens imaginárias a ilhas desconhecidas. Em uma ilha estamos cercados

de águas por todos os lados, pelo menos no que diz respeito à configuração geográfica, mantém-se uma condição de isolamento, protegendo e limitando o acesso. Por isso a cidade ideal é insular, ilocalizada (daí a palavra u-topia)

e, principalmente, arquitetonicamente planejada (CHAUÍ, Marilena. Notas

sobre a Utopia, texto disponível em rede virtual).

Que tal configuração favoreça a forma urbana, nos passa despercebido tantos anos depois que Francisco Dias Velho aportou nessas terras que também já se chamaram Meiembipe, que na língua do índio carijó significa montanha ao longo do mar.

Inicialmente, Francisco Dias Velho batizou o lugar como Ilha de Santa Catarina, pois era dia de Santa Catarina quando aqui chegou. Logo após, o nome da cidade mudou para Terra de Nossa Senhora do Desterro, e depois já elevada ao status de cidade, Desterro. Foi o governador Hercílio Luz quem mudou o nome da cidade para Florianópolis, em homenagem ao presidente Floriano Peixoto após a derrota dos catarinenses na Revolução Federalista.

A configuração atual da capital de Santa Catarina, como uma ilha-cidade, possibilita o cruzamento de ecossistemas naturais e artificiais entre espaços não muito distantes, podendo-se transitar entre o mangue e o shopping, a

restinga e a avenida, a praia e a cidade. A grande distância entre a praia e a

montanha em algumas partes da ilha, resultou em um modelo de expansão

urbana denominado espinha de peixe, isto é, uma via principal seccionada

por inúmeras espinhas, ou cortes transversais. Ao seguir reto toda vida por

essas vias principais, logo se está em uma praia diferente, de modo que há

caminhos para contornar quase toda a ilha.

Contudo, esta composição encontra-se seriamente ameaçada pelo modo

de viver ilhéu, cada vez mais colonizado pelas influências continentais, dentre elas a proliferação de mega-empreendimentos imobiliários e a

destruição das bases naturais sob a direção de um urbanismo desorganizado

e excludente.

O Episódio decisivo para a

derrota dos catarinenses foi o combate naval tra-vado entre o navio rebel-de aquidaban e onze embar-cações legalistas. A caça às bruxas é esporte corriqueiro na ilha des-de aquele 16 de abril de 1894. Passava das 11 horas da noite quando a frota le-galista bombardeou a For-taleza de Santa Cruz de Anhatomirim, ao norte da cidade de Desterro. O uso de torpedos em com-bate havia ocorrido so-mente em 1854, na Guer-ra da Criméia, e em 1891, na Revolta Chilena. Pela terceira vez na história do mundo eram utilizados com êxito exatamente aqui na ilha de Santa Catari-na. O número exato de mor-tos nunca pôde ser levan-tado. Em abril de 2014, o episódio completou cento e vinte anos, os personagens são outros, mas a ilha continua assombrada por dias de terror.

Fonte: a tragédia de des-terro, texto disponível emhttp://www2.uol.com.br/historiaviva/reporta-gens/a_tragedia_de_dester-ro_imprimir.html

Aquidaban;entre rios, terras fertéis e aguadas[tupi-guarani]

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De acordo com Boaventura da Souza Santos em a Gramática do tempo (2010,

p. 335 e seguintes), o fascismo não só tem demonstrado ser plenamente

capaz de conviver com a democracia como aposta justamente na expansão

das liberdades para se manter. O fascismo nas relações sociais presente em

nossa sociedade difere do fascismo político do século XX, porém perpetua

velhas técnicas.

O fascismo da insegurança está presente na produção do espaço, na

disseminação da informação e nas relações de trabalho. Beneficia-se principalmente da produção da diferença e da manipulação discriminatória da

insegurança das pessoas através da criação de acidentes ou acontecimentos

desestabilizadores que produzem altos níveis de ansiedade e insegurança

com relação ao presente, baixando o nível geral das expectativas e criando-

se a disponibilidade para que grande parte das pessoas aceitem a imposição

de condições cada vez mais abusivas. A condição de vulnerabilidade pode

ser percebida no cotidiano das cidades, no desemprego, no trânsito, na

distribuição das pessoas em bairros.

O acesso diferenciado aos espaços da cidade é uma das características

determinantes do modo de produção vigente e está diretamente associado

à venda de terras, e à adoção de um modo de vida urbano, em que perde-

se o vínculo com a terra em troca do conforto da proximidade com as áreas

centrais da cidade e os respectivos serviços urbanos: comércio, gastronomia,

lazer, centros empresariais.

O padrão capitalista de produção do espaço é caracterizado pela separação

de pessoas em unidades habitacionais, construções cúbicas isolantes

unifamiliares, distribuídas em um espaço reticular, projetadas a partir de

um plano cartesiano. Estas unidades são agrupadas em zonas, conforme

a utilidade (residencial, comercial, industrial, por exemplo). Esta forma de

organização possibilita manter as pessoas em ordem e coesas.

Sobre a evolução do processo de concentração das terras na ilha encontrou-

se o seguinte relato no livro São João do Rio Vermelho: Memórias dos Açores

organizado pelo professor João Lupi a partir de entrevistas realizadas com

os moradores do bairro:

Mas, dentro da identidade do trato, existiam diferenças de

riqueza, que vêm desde os tempos da colonização, quando

os nobres açorianos receberam grandes terras, e os pobres

ficaram quase sem poder se sustentar; essas diferenças foram permanecendo, mesmo quando as fortunas mudaram

A forma autoritária com que o espaço tem se reconfigurado desde o ato público assinado em 17 de maio de 1894 que alterou o nome desta ilha de Desterro para Florianópolis, já seria motivo para desespero alarmante, não obstante, os ilhéus parecem possuídos por um delírio coletivo.

O fato de as eleições estarem tão próximas (serão na semana seguinte à data do periódico) confunde-se promiscuamente com a notícia da onda de atentados na manchete do jornal: Os bastidores do debate para o Governo de Santa Catarina, seguido de Nova série de atentados a ônibus e policiais em SC é considerada a mais violenta pela segurança pública, que apura os motivos por trás da nova onda de crimes] (http://www.manchetesdosjornais.com.br/manchetes/brasil/sc/floripa/diario_catarinense/)

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de mão, e no final do século passado havia pelo menos três classes sociais bem distintas: os senhores de escravos;

os lavradores que só tinham a família para trabalhar com

eles; e os próprios escravos, formando este conjunto uma

sociedade estratificada; contudo estas camadas tinham certa mobilidade, posto que os mestiços, filhos às vezes dos senhores e de suas escravas, desempenhavam

papel intermediário. Hoje esta diferenciação admite mais

gradações, mas reflete-se a antiga no fato de as famílias de mais posses serem todas de origem branca. As diferenças

estão sobretudo na quantidade de terras possuídas, uma

vez que alguns tem o equivalente a vários lotes, outros não

possuem quase nada; e no comércio, havendo alguns que

pelo seu esforço e habilidade para os negócios conseguem

reunir um patrimônio importante, construir residência

grande em estilo urbano, comprar carros, e mais terras.

(LUPI, João, sem data, p. 33).

As áreas centrais e sobre as quais é exercido o poder de atração no espaço

urbano são alvo de especulação predatória, de modo que não existe área

aparentemente abandonada que não viva sob o risco incessante de ser

incorporada às áreas de expansão urbana. Sabe-se que, muitas vezes,

um terreno abandonado indica um processo na justiça e um conflito de propriedade que pode demorar muitos anos pra se resolver. A competição e

a especulação dos preços tem contribuído para modificação dos costumes e a perda dos vínculos afetivos entre as pessoas, há mais individualismo e

menos ajuda mútua.

Sobre a urbanização de Florianópolis, em Padrões espaciais na morfologia

urbana da Ilha de Santa Catarina a autora Lisete Assen de Oliveira afirma que a urbanização balneária da ilha iniciou-se na década de 50 com o

processo de loteamento de terras devolutas no bairro de Canasvieiras. A

expansão deste padrão de urbanização em outros núcleos urbanos da ilha,

resultou na superposição da vida da cidade sobre a ilha.

O crescimento de áreas urbanas sobre antigas áreas rurais resultaram na

formação de uma paisagem peculiar , onde formas tradicionais de uso do

espaço, como a criação de animais nas vias públicas e outras áreas de

uso comum, persistem ao lado dos novos empreendimentos. De acordo

com a autora em epígrafe, muitos destes loteamentos ocuparam áreas de

campos comuns, predominantemente planas, acompanhando a orla do mar,

formando novas fachadas, novos setores, vinculados por meio de estradas

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ao centro da cidade.

O crescimento passa a se basear na reunião de três elementos: o lote, a

casa e o automóvel.

O problema deste padrão de crescimento, segundo a autora em epígrafe, é

que ele não compreende o litoral como espaço público urbano da cidade de

Florianópolis, o espaço público é decorrência, mas nunca o objetivo deste

ordenamento espacial que reduz o espaço público a espaços de consumo.

A sociedade brasileira bloqueia a esfera pública das mais diversas formas:

não há a percepção da rua como espaço comum e a opinião pública é

frequentemente monopolizada pelos meios de comunicação, formando

consensos que neutralizam a expressão de grupos ou classes sociais

antagônicas.

A confusão entre espaço público e privado, a publicização do privado e o

esvaziamento do sentido original do espaço público são determinantes para

a produção de relações sociais autoritárias no espaço urbano, formando

fronteiras que segregam comunidades com diferentes padrões de consumo.

De acordo com a filósofa Hannah Arendt em A Condição Humana, o termo privado, em sua acepção original, apenas tem sentido enquanto privativo,

isto é enquanto ser privado de alguma coisa, de estar entre os homens.

Neste aspecto, o surgimento de uma economia capitalista e o processo de

acúmulo de riqueza se dá sobre a expropriação crescente de certos grupos

de seres humanos, em um número cada vez maior. A propriedade privada,

perde o valor de uso privado, antes determinado pela localização, para

adquirir um valor social mutável, mediado pelo dinheiro.

Mais que um fim em si mesma, a propriedade privada soma-se entre os meios à disposição do capitalismo financeiro para especular e acumular uma riqueza supérflua nas mãos de poucos, enquanto milhares de pessoas são privadas do direito à moradia.

O termo público, de acordo com a Hannah Arendt, significa, em primeiro lugar, ser visto e ouvido por todos, aparecer a público e, em segundo lugar,

o termo corresponde ao próprio mundo, o mundo comum que pode ser

compartilhado, que permite reunir os homens uns na companhia dos outros.

O significado da vida pública está em ser visto e ouvido por muitas pessoas, cada qual com seu ponto de vista, e encontrar coisas em comum para

conversar, através de perspectivas múltiplas.

O que mantém o domínio público, definido como espaço potencial da

O déficit habitacional de Florianópolis era de 14mil famílias em janeiro de 2014, segundo informação apresentada pela prefeitu-ra Municipal a respeito da Ocupação Amarildo, no Bairro do Rio Vermelho.fonte: (http://portal.pmf.sc.gov.br/noticias/index.php?pagina=notpagina&no-ti=11054).

Em terra onde o asfalto é lei, galinha cisca na bri-ta. Registro realizado du-rante visita a uma pedrei-ra em Joaçaba, inverno de 2013, com neto e caroline.

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O ESPAÇO PÚBLICO

É NOSSO!

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aparência entre homens que agem e falam , é o desejo de agir juntos, de

estabelecer relações e criar novas realidades (ARENDT, 2012, p. 250]. O

poder assim, é definido como uma potencialidade que reside no estar junto; ele depende do acordo frágil e temporário de muitos desejos.

A política pode assim ser definida como a construção de espaços duráveis para a liberdade.

Os governos, pelo contrário, ocupam-se menos disso e mais da gestão

de pessoas segregadas . O fato de vivermos hoje em uma sociedade na

qual se combinam concentração de renda com altas taxas de desemprego

fazem do controle do comportamento e do modo de vida das pessoas

nas cidades, a principal prioridade. Manter os indivíduos isolados é um

meio de evitar que possam efetivamente constituir um mundo em comum,

além da última novidade do mercado. A necessidade de consumo mantém

homens presos ao trabalho, forma-se um círculo vicioso, que consiste no

dito conhecido “trabalha-se para comer e come-se para trabalhar”. Garantir

que esse mecanismo prossiga, talvez seja por isso que girem todas as

engrenagens da máquina estatal.

O Espaço Público é Nosso!

O excedente da terra, além das unidades habitacionais, nem sempre passou

pela apropriação privada, e inclusive já teve usos coletivos regulamentados

no Brasil, como o compáscuo entre vizinhos, figura jurídica extinta no Código Civil de 2002, que consistia na partilha da terra entre vizinhos, muitas vezes

para encontrar recursos extras, como lenha, pasto, e cultivos.

Estes hábitos são cada vez mais raros na ilha, mas ainda pode-se

encontrar resquícios. Manter um terreno privado aberto permite que este

seja incorporado como terra de uso comum independente do regime de

propriedade sobre ele, fortalecendo a solidariedade social e os vínculos

entre as pessoas e o lugar, na medida em que passam a abrigar atividades

diversas com o fim de reunir pessoas.

De acordo com o professor Nazareno José dos Campos, em Terras de Uso

comum no Brasil (2011, p. 36) as terras de uso comum não representam,

para todos, os mesmos significados e os mesmos interesses. Em termos gerais, são aquelas terras de uso de todos, que não se constituem contudo,

como terras pertencentes a um povo, no sentido de haver a propriedade

coletiva de um grupo ou comunidade. São terras usufruídas por diversos

terras de uso comum; formas coletivas de

vivência e trabalho,

com aproveitamento em

comum de bens naturais;

espaços livres de usufruto

comunal; sistemas de

entreajuda.

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proprietários individuais ainda que não exista qualquer tipo de propriedade

fundiária.

Basicamente, o uso comum da terra envolve o livre acesso sobre o território,

sem as restrições impostas pelo mercado, bem como o florescimento de uma cultura de respeito ao que é público, uma cultura democrática aberta

para a transformação.

Tal o nível de individualismo presente em nossa cultura pseudodemocrática

que parece difícil ver florescer uma cultura para a cidadania, isto é, formada pelo compromisso de cada um com a sociedade, como um todo. Uma cultura

para a cidadania envolve aprender a compartilhar, participar e trabalhar

quando a propriedade é de todos; lutar pelo espaço público, lutar pelo que é

comum, inclusive lutar pelo que não é de ninguém; aprender o significado de cultivar a esfera pública, e trabalhar ativamente para o seu fortalecimento;

praticar a auto-gestão; assumir responsabilidades; adotar uma cultura da

impermanência, compreender a cidade como território em processo, cuja

construção é coletiva e impermanente.

Derrubar muros

Para usufruir das terras raras é necessário derrubar muros. Muros físicos,

que de agora em diante serão transformados em caminhos, como também

muros metafóricos, formados por todos os conceitos prévios sobre como

nos relacionamos com os espaços públicos de uma cidade.

Para tanto, será necessário a utilização de modos pós-disciplinares de

operar.

Segundo Reinaldo Ladagga em Estética da Emergência, em todas as

dimensões sociais, regiões e áreas da vida social estão a se ensaiar

modos pós disciplinares de operar (2006, p. 19). Tratam-se de formas

descentralizadas de organização, que buscam soluções paralelas ao

mercado a partir da colaboração entre pessoas. Sob esse ponto de vista a

arte não se materializa mais em obras de arte, mas em processos abertos

de comunicação, em modos experimentais de coexistência. O artista passa

a atuar como um sujeito qualquer, ainda que ocupe uma posição singular

numa rede de relações e de fluxos.

Através da cooperação e da criação de redes de solidariedades, chegamos

a constituir micro-utopias, concebidas a partir da própria micro-escala de

cultura democrática; para Marilena Chauí em Cultura e democracia, é aquela que não está fixada numa forma determinada, mas que está sempre trabalhando sobre suas diferenças, alterando suas bases através da própria práxis, dando forma a novos direitos, orientados de acordo com a participação popular(2008,p. 69).

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48

relações: passo a atuar diretamente do lugar em que estou, no meu caso,

eu torno-me uma escritora-operante.

O escritor-operante não se conforma em relatar os acontecimentos, ele é

participante ativo. Uma única exigência é feita ao escritor-produtor: refletir sobre sua posição no processo produtivo, pois é ele que determina em grande

parte as relações sociais. O escritor-operante transforma efetivamente os

próprios hábitos: torna-se um produtor-trocador. Refuncionaliza, para a

liberação dos meios de produção para um uso comum!

Brecht criou o conceito de refuncionalização para caracterizar a transformação

de formas e instrumentos de produção por uma inteligência progressista e,

portanto, interessada na liberação dos meios de produção, a serviço da

luta de classes. A arte se refuncionaliza como prática política e a política se

refuncionaliza no cotidiano, com a literarização de todas as relações vitais.

Como método e prática a refuncionalização passa por todos os aspectos

da vida humana, começando pelo local onde moramos: pode criar novas

relações de propriedade, vizinhança e convívio. A refuncionalização também

alcança a academia para livrar-se de todo espírito acadêmico, título de uma

das conferências de Le Corbusier em sua passagem pela América do Sul,

em 1929. O arquiteto fala daquele acadêmico enrijecido, que não julga por

si mesmo, que admite o efeito sem contribuir para sua causa, que acredita

em verdades absolutas, que não faz seu ego intervir em cada interrogação

(2004, p. 43).

Refuncionalizar para liberação de todo estado de sujeição, ainda que seja

necessário apelar para a contraprodução, conforme Giorgio Agamben se

referiu em uma entrevista:

A insistência no trabalho e na produção é uma maldição.

A esquerda foi para o caminho errado quando adotou

estas categorias, que estão no centro do capitalismo.

Mas devemos especificar que inoperosidade, da forma como a concebo, não é nem inércia, nem uma marcha

lenta. Precisamos nos libertar do trabalho, em um sentido

ativo – eu gosto muito da palavra em francês désoeuvrer.

Esta é uma atividade que faz todas as tarefas sociais da

economia, do direito e da religião inoperosas, libertando-

os, assim, para outros usos possíveis. Precisamente

por isso é apropriado para a humanidade: escrever um

poema que escapa a função comunicativa da linguagem;

ou falar ou dar um beijo, alterando, assim, a função da

escritor operante; é tema da conferência “O autor como produtor”, de Walter Benjamin, texto no qual problematiza a autonomia do autor, que consiste na liberdade de escrever o que se quer. Pensar o autor como produtor significa que a melhor tendência é falsa quando não prescreve a atitude que o escritor deve tomar para concretizá-la. E o escritor só pode prescrever sua atitude em seu próprio trabalho: escrevendo.

“Brecht foi o primeiro a

confrontar o intelectual

com a exigência

fundamental: não abastecer

o aparelho de produção,

sem modificá-lo, na

medida do possível, num

sentido socialista (…)

o aparelho burguês de

produção e publicação

pode assimilar uma

surpreendente quantidade

de temas revolucionários,

e até mesmo propagá-los,

sem colocar seriamente

em risco sua própria

existência e a existência

das classes que o

controlam.” (BENJAMIN,

Walter, 2012, p. 137)

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49

boca, que serve em primeiro lugar para comer. Em sua

Ética a Nicômaco, Aristóteles perguntou a si mesmo se

a humanidade tem uma tarefa. O trabalho do flautista é tocar a flauta, e o trabalho do sapateiro é fazer sapatos, mas há um trabalho do homem como tal? Ele então

desenvolveu a sua hipótese segundo a qual o homem,

talvez, nasce sem qualquer tarefa, mas ele logo abandona

este estado. No entanto, esta hipótese nos leva ao cerne

do que é ser humano. O ser humano é o animal que não

tem trabalho: ele não tem tarefa biológica, não tem uma

função claramente prescrita. Só um ser poderoso tem a

capacidade de não ser poderoso. O homem pode fazer tudo,

mas não tem que fazer nada. (Pensamento como coragem

de transformação, entrevistas disponível em rede virtual,

no seguinte endereço eletrônico http://outraspalavras.net/

posts/giorgio-agamben-pensamento-como-coragem-de-

transformacao/ , acesso em 22/08/2014)

Ser o mais contraproducente possível também pode convergir com a

realização do mínimo esforço, com o mínimo impacto, produzindo o mínimo

desperdício. Significa redirecionar o trabalho para a geração de abundância em múltiplos níveis: da diversificação de moradias para mais seres vivos à criação de uma economia solidária, onde possam se estabelecer redes de

trocas entre as pessoas.

O uso comum dos espaços é um hábito que deve voltar a ser introduzido

entre os praticantes das cidades. O uso comum ocorre quando nenhuma

pessoa detém o controle exclusivo de determinado recurso usufruído pela

comunidade, ainda que este esteja sujeito a normas explícitas ou acordos

tácitos. É uma prática de resistência à disciplina comum que opera sobre

os espaços públicos e de abertura de possibilidades para reintroduzir a

mobilidade plural de interesses e prazeres no cotidiano.

Toda cidade resulta não apenas de superfícies legíveis e planejadas, mas

também da proliferação de práticas em que qualquer usuário ou pessoa

comum, a que Michel de Certeau denominava ordinária, recria a cidade.

Praticar um espaço é uma espécie de contrapartida à suposta passividade

e disciplina a que estão entregues os indivíduos em nossa sociedade e

implica na noção de que a vida nas cidades submete nossos corpos a um

reposicionamento constante.

A noção de prática possui como consequência o fato de que somente ao ser

praticado o espaço público pode se configurar. É somente assim que pode

Práticas; maneiras de se reapropriar do sistema produzido, atividades sociais que estão continuamente testando os limites da ordem estabelecida, uso que modifica o funcionamento de algo. Mil maneiras de jogar/desfazer o jogo do outro, ou seja, o espaço instituído por outros, caracterizam a atividade, sutil, tenaz, resistente de grupos que, por não ter um próprio, devem desembaraçar-se em uma rede de forças e de representações estabelecidas. CERTEAU, 2007, p. 79)

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50

ser continuamente ressignificado e atualizado, no embate entre o encontro e o deslocamento de pessoas.

As práticas de exploração urbana realizadas por artistas contemporâneos

utilizam a caminhada como prática investigativa para reinventar heterotopias.

A caminhada como prática investigativa reporta-se a muitas experiências

fundadoras como Robert Smithson, vagando pelas periferias abandonadas,

ou Francesco Careri nos arredores de Roma. De acordo com o Francesco

Careri é possível pensar a existência de uma cidade difusa, formada de

tecidos descontínuos de caos, que negam a cidade e a recriam. São vazios

urbanos e áreas marginais em contínua transformação, como aquelas que

Smithson definia como entrópicas. Estes são os espaços onde se dão as práticas nômades

O explorador urbano coloca o corpo (e a noção de corporeidade) à prova

em todo instante. É como o homem lento, de Milton Santos, que consegue

escapar da mecânica rotineira dos modos como se movimenta na cidade

para constantemente se readaptar e praticar, ao seu modo, aqueles lugares

à beira de estradas, viadutos, tuneis e certas pontes (como a Ponte Hercílio

Luz) que, como outros monumentos entrópicos, não foram criados para ser

praticados por pessoas.

AQUI AGORA ISSOExperiência/ laboratório / oficina de performance com Silmar P. na ruína embaixo da Ponte Hercílio Luz, em 12 de junho de 2014, dia de abertura da Copa do Mundo. Com Bruna, Nara, Geni G., Gregori H., Aline, João R., Henrique.No alto, in-tervenções megafônicas do Gregori. A bandeira do Brasil foi queimada no fim do dia como uma proposição da geni.

Exploradores urbanos

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Registro da Aula Aberta na Ponta do coral em 26 de março de 2015.

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FAZENDO BOTÂNICA

NO ASFALTO

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21 de junho de 2010, encontrei com a Camila em casa e convidei ela pra uma Celebração do Solstício de Inverno. Era uma proposta do Gabriel para o encerramento de uma disciplina que fizemos juntos naquele semestre. A disciplina chamava Intervenção e Repetição no Espaço Público e tinha sido oferecida pela Nara. O encontro foi na Ponta das Almas, um terreno público na beira da Lagoa da Conceição, no bairro do Cantos dos Araçás, mas neste dia a Nara não pode ir, portanto, foi somente um tempo depois que surgiu entre nós o Fora.

Um dia a Camila me ligou e me chamou para participar dos encontros que

ela e o Gabriel começaram a organizar no Jardim Castanheiras, um terreno

baldio que ficava perto da casa dele, na época. O Fora surgiu destes encontros no Castanheiras. Escrevemos um projeto,

e apresentamos para a Nara, ela adorou e começamos a trabalhar juntos.

Cada um de nós realizava uma pesquisa diferente. Eu estudava artes visuais

e direito. A Camila e o Gabriel eram meus colegas na Udesc. O Gabriel

também estudava arquitetura e estava trabalhando em seu TCC, intitulado

Jardins Abertos, que por muito tempo foi nossa principal ferramenta de

pesquisa. A Nara estava voltando do Doutorado na USP que tinha por tema

estudos da paisagem e a paisagem clichê.

Tanto o conceito de jardim aberto quanto paisagem clichê foram fundamentais

para direcionar as propostas de intervenção urbana do Fora. Ao nomear

um terreno de jardim aberto, o que se queria indicar era sua possibilidade

de apropriação coletiva como campo de experimentação estética; e criar

jardins sobre outros pressupostos além do clichê condicionante dos projetos

urbanísticos tradicionais. Segundo a Nara em sua tese se doutorado intitulada

Cartão-Portal:

Podemos ser insensíveis às imagens, quando ainda

não a percebemos; podemos ser sensíveis em relação

a uma imagem se ela nos afeta; e, por último, podemos

ser indiferentes a uma imagem, quando ela já se tornou

clichê, paisagem sensológica. Segundo Bergson (1990),

algumas imagens podem ser sem serem percebidas. Como

tal, nosso corpo é insensível a elas, já não são objeto de

nossa recognição ou evocação: é como um campo cego

no campo de visão. (MILIOLI, 2009, p. 111)

As primeiras intervenções do Fora consistiam nos Canteiros Flutuantes. Os

canteiros eram porções de microjardins recortados literalmente de algum

jardim aberto e dispostos em caixas de feira feitas de madeira, que eram

depois deixados para adoção em outra via pública. Os canteiros flutuantes,

Clichê; processos

culturais hegemônicos

homegeneizantes que

condicionam a conformação

das coisas. O jardim

francês é emblemático

enquanto clichê

paisagístico, deste modelo

derivam os jardins de

ciprestes e topiarias

na praia de jurerê por

exemplo. De acordo com a

Nara, é um dispositivo que

modula as intensidades,

copiando o existente para

produzir modelos dos quais

nos tornamos consumidores.

// Nara Milioli: Cartão-

Portal

Jardim aberto; área

verde sem definição. A

identificação de um lugar

como jardim aberto indica

a possibilidade da sua

incorporação como terra de

uso comum.

Grupo fora, da esquerda para direita: Camila, Bru-na, Nara e Gabriel.

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55

adote um jardim: mani-festação pela criação do parque do vassourão em 2012.

enquanto dispositivos, atuam como referências diretas aos terrenos de

onde foram retiradas. A intenção destes canteiros era tanto proporcionar

um dispositivo de troca de paisagens como conhecer a natureza típica dos

terrenos que frequentávamos.

Nessa época, compartilhamos muitas leituras, pesquisas de outros

frequentadores de jardins abertos, artistas, arquitetos, amigos, outras

pessoas que também tinham pesquisas voltadas para estes espaços e

também estavam buscando construir ferramentas conceituais para se

aproximar deles, como o conceito de território atual do Stalker, o lote vago

da Louise Ganz, ou os descampados da Lara Almarcegui.

Encontro nestas referências uma outra concepção de jardim, mais espontânea

e rizomática, que parte da existência de áreas marginais na cidade, que

formam um sistema de jardins urbanos espalhados pelo território e cujos

parâmetros encontram-se à margem das delimitações organizadas da

cidade, isto é, a paisagem clichê que condiciona a construção dos espaços

públicos.

O estudos do paisagista Gilles Clement diversas vezes orientaram a forma

como nos relacionávamos com a natureza específica dos jardins abertos. O autor apresenta dois conceitos fundamentais para explicar esse processo:

o jardim movimento e o jardim planetário.

O jardim aberto é

uma heterotopia: “A

heterotopia é um

lugar aberto que tem a

propriedade de manter-se

fora” (FOUCAULT, 2010, p.

28)

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56

O jardim movimento é o espaço de vida deixado ao livre desenvolvimento

das espécies instaladas, combinando diversidade biológica, qualidade de

substratos e economia de meios. O nome jardim movimento provem do

movimento físico das plantas sobre o terreno, que o jardineiro aprende

a interpretar. O jardineiro, animado deste estado de espírito, é levado a

observar mais e jardinar menos.

O jardim planetário possui a conotação de acumulação de diversidade

biológica e é resultado da agitação constante dos fluxos planetários, como ventos, correntes marítimas e transumâncias. Parte da ideia de que plantas

e animais se redistribuem ao longo de grandes áreas climáticas, e de que

hoje todas as áreas de coberturas vegetais são antropizadas, combinando-

se em novos comportamentos e novas paisagens.

Os dois conceitos combinados trazem a ideia de que os espaços verdes

da cidade comunicam-se de forma a abrigar diferentes formas de interação

entre os seres vivos.

Interromper o manejo usual destes locais é uma forma de criar espaços de

natureza protegida em qualquer parte. O conceito de jardim aberto aponta

para essa ideia como também para a incorporação destas áreas como

espaço público e de uso comum de todos. As proteções de daninhas são

intervenções vegetais em espaços ajardinados da cidade nas quais pode-

se perceber o contraste entre as diferentes concepções de jardim: o jardim

clichê e o jardim aberto.

área de proteção de daninhas na praça João Di Bernardi, realizada em abril de 2014.

A coleta de canteiros é realizada em caixas de feira, preenchidas com substrato e plantas típi-cas dos terrenos e beiras de estrada. As caixas são deixadas para adoção em vias públi-cas, como forma de evi-denciar a biodiversidade das áreas residuais e a condição de fragilidade a que estas espécies estão submetidas, no contexto do paisagismo urbano.

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aprender pelo desvio

Alguns sinônimos comuns de desvio: mudança de direção, volta, descaminho,

linha secundária ligada à principal, caminho alternativo. Fomos criados em

uma cultura que pune o desvio, hoje essa mesma cultura nos impele a

traçar rotas de fuga e formas de saber se desviar sem se perder. Aprender

pelo desvio significa fazer da caminhada uma leitura do mundo para continuamente se reposicionar no mundo.

De acordo com Paulo Freire em Essa escola chamada vida: Depoimentos

ao repórter Ricardo Kotscho:

Toda leitura da palavra pressupõe uma leitura anterior do

mundo, e toda leitura da palavra implica a volta sobre a

leitura do mundo, de tal maneira que “ler mundo” e “ler

palavra” se constituam um movimento em que não há

ruptura, em que você vai e volta. E “ler mundo” e “ler

palavra”, no fundo, para mim, implicam “reescrever” o

mundo. Reescrever com aspas, quer dizer, transformá-lo.

A leitura da palavra deve ser inserida na compreensão da

transformação do mundo, que provoca a leitura dele e deve

remeter-nos, sempre, à leitura de novo do mundo. (Paulo

Freire, 1985, p. 15)

Pode-se pensar a leitura como caminhada e a caminhada como leitura

como movimentos que se reatroalimentam. A prática de deslocamento entre

áreas da cidade, tornou-se o principal meio de encontrar e experimentar os

jardins abertos. A caminhada é utilizada como metodologia no curso aos

estudantes de arquitetura ministrado pelo Francesco Careri, outro autor que

faz parte de nossas leituras. Ele ensina como caminhar a fim de explorar os espaços de cidade informal ou difusa.

Com o tempo fui compreendendo este modo de trabalhar, que também

me foi apresentado como metodologia nas aulas da Nara, nas práticas

do Fora e em nossas conversas. Ao longo do processo de aprendizado,

encontramos uma dinâmica de trabalho própria que alterna momentos de

passeio e intervalo, construção e celebração, o desvio do caminho habitual

para cultivar veredas, e as brincadeiras incorporadas à pesquisa, como

forma de criar intimidade com o lugar e instaurar outros modos de utilizá-lo.

Na academia, esse processo foi registrado por meio do Grupo de Pesquisa

Paisagem-clichê, compreendendo a articulação do conhecimento prático e

teórico associado à imersão nos jardins abertos.

Adote um jardim (Aroe-ira, vassoura, picão e cia.)- Intervenção com os canteiros flutuantes, no centro da cidade de Flo-rianópolis, na Exposição MAR...QUE FALTA do Museu Victor Meirelles, entre 17 e 21 de dezembro de 2012.

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Bicho-banco

Bicho-banco foi um projeto do Fora selecionado pelo Prêmio Funarte de

Arte Contemporânea 2013 - Atos visuais Brasília - Galeria e Marquise.

Consistiu na criação de cinco mobiliários urbanos inspirados na forma de

insetos comuns nos jardins e quintais brasileiros: o percevejo (na foto), o

grilo, o bicho-pau, a mariposa e a cigarra. Na foto acima, tentativa de furto

do percevejo durante a montagem da exposição em fevereiro de 2014 no

espaço externo da Funarte em Brasília. O senhor justificou-se, afirmando que corria boato na feira da torre, logo em frente, de que “um barão” havia

abandonado o dito cujo na noite anterior. Muitos risos, conversamos com

ele e explicamos que o banco era pra ficar no espaço público. Após a ex-

posição, dois bancos foram doados para a Escola da Natureza em Brasília,

o bicho-pau e o grilo, os outros três retornaram para Florianópolis.

As duas primeiras imagens são registros da montagem da exposição, abaixo, a cigarra ocupada por músi-cos, e o grilo, na Escola da Natureza.

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Em Florianópolis os três bancos se reuniram ao primeiro bicho-pau

construído pelo grupo e que está localizado na Praça João di Bernardi,

próximo a Udesc.

A chegada dos mobiliários foi apreciada pelos moradores do entorno. Pu-

demos observar, no período, o surgimento de inúmeros micro-jardins, cul-

tivados pelos próprios vizinhos, testemunhando o carinho e o sentido de

cuidado do lugar que os bichos despertaram.

A intenção é que os mobiliários continuem atraindo outros usos, convidan-

do o passante à permanência no espaço público, como pode-se perceber

na foto, a sessão de sapateado ao som de viola, sobre o percevejo. Outro

aspecto com relação aos bichos-bancos, diz respeito à possibilidade de

deslocá-los e assim dotá-los de capacidade migratória. Concebidos para

circular entre espaços por nós cultivados, a mariposa hoje encontra-se no

gramado da Udesc, aguardando o próximo chamado.

Deslocamento da Mariposa da Praça João Di Bernardi até a Udesc em 23 de abril de 2015. Foi uma ação do Observatório-móvel em apoio ao uso das dependên-cias da universidade.

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Uma escola peripatética

Na acepção do grego antigo, peripatético são “os que

passeiam”. Era assim que Aristóteles ensinava: caminhando,

colocando o corpo em movimento junto ao pensamento. Ou

seja, é pelo fazer e pelo andar que o Grupo Fora constrói

conhecimento, objetos e relações. É preciso viver e se

movimentar para se instaurar um regime de vida e de ação

política.(BOPPRÉ, Fernando, 2014, p. 32)

Penso que o Fora é apenas um dos desdobramentos de ensinamentos

compartilhados dentro de grupos de pesquisa que participei durante a

vida acadêmica, coordenados pela Nara Milioli e pelo Zé Kinceler. Ambos

me ensinaram muito sobre a vida e o movimento, sobre estar aberto e

compartilhar, a troca como princípio e o cotidiano como escola.

Como exercícios de travessias em que se revezam os participantes, é

possível indicar vários outros projetos que nasceram na universidade e

trazem para o nosso contexto a concepção de uma escola peripatética,

construída entre o dentro e o fora da universidade, entre o ser artista e o

ser-pesquisador.

Worklab

Projeto coletivo idealizado por Nara, Daniel Acosta e Traplev, entre 2003 e

2006. Os três iniciaram uma prática exploratória de intervenção que utilizava

o percurso e o passeio como ferramentas de percepção da paisagem.

Worklab é a junção de trabalho com laboratório, o trabalho que se realiza

com prazer, e o laboratório ao ar livre, itinerante que faz da cidade e o seu

entorno a base de operações.

O worklab é uma forma de trabalho em que o deslocamento, as percepções

do corpo de passagem e a convivência entre os participantes do grupo são

utilizadas como dispositivos para invenção de paisagens.

Worklab é a experiência do corpo em trânsito, como veículo moldável e

sensível com o qual nos relacionamos com o mundo.

A realização destes primeiros worklabs resultaram na concepção do projeto

Observatório-móvel de paisagem, do qual o atual grupo de pesquisa

coordenado pela Nara, o Observatório-móvel é também derivado.

As primeiras impressões decorrentes das práticas de deslocamentos

foram registradas na Publicação Recibo n.10, com projeto editorial da Nara

e Traplev intitulada Observatório-móvel, tendo por tema as práticas de

Publicação Recibo n.10 Observatório- móvel de paisagem

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artistas que realizam trabalhos a partir de percursos nômades na paisagem.

Esta publicação foi realizada como uma das propostas da Nara durante a

realização da 10ª Edição do Projeto Contramão, de 25 de maio à 26 de

junho de 2007. O Contramão tratava-se de uma prática de circulação entre

residências ou outros espaços a fim de explorar novas possibilidades de exposições e vivências.

Nesta edição para o projeto foi realizada uma mostra de vídeos que circulou

na casa da artista Julia Amaral e nos monitores de TV existentes no espaço

do Terminal de Ônibus no centro de Florianópolis. Sobre o conceito de

Observatório-móvel, esta Recibo conta com a publicação de uma conversa

entre a Nara, o Traplev e a Teresa Riccardi intitulada Un móvil para un

diálogo:

O projeto Observatório móvel propõe esta prática pelo

reconhecimento da paisagem por meio do percurso.

Este móvel que falamos pode ser um carro, o ônibus, um

barco, qualquer meio de locomoção. O corpo também é

um observatório móvel que permite efetuar ações no ato

de caminhar, ao nos locomovermos emprestamos nosso

corpo ao ambiente, ao andarmos nas ruas nos reajustamos

o tempo todo, o corpo se transforma em uma superfície

moldável que interage com os ambientes se moldando ou

expandindo. (MILIOLI, Nara, 2007, p. 13)

Entre 22 e 25 de maio de 2014 tive a oportunidade de participar de um

worklab durante a realização da Oficina de Cinema Experimental e vídeo com o Rodrigo Brum, no Ribeirão da Ilha. O projeto resultou na produção de

um curta-metragem intitulado Nós sabemos quem matou seu Chico, com

depoimentos coletados sobre o antigo morador do bairro morto não se sabe

por quem e por que motivo. O filme foi projetado em uma ruína no final da Servidão Revoar das Garças.

Geodésica Cultural Itinerante

19 de novembro de 2011, realização da Estação Geodésica: Ações em Arte

Contemporânea no CIC. Foi a primeira vez que participei de uma proposta

do Zé, meu professor e coordenador do Grupo de Pesquisa Arte e Vida

nos Limites da Representação. Durante vinte e quatro horas a Geodésica

ficaria instalada no local, transformando-o em ponto de encontro e troca de saberes. Esta proposta foi a primeira das itinerâncias do coletivo que passou

Ribeirão da ilha, 22 a 25 de maio de 2014, registros realizados durante a ofici-na de cinema experimental e vídeo com Rodrigo Brum, com a participação de Bru-na, Nara, Andreza Gomes e João Reginatto.

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a se formar entorno dos pousos da geodésica: o Coletivo Geodésica Cultural

Itinerante. Depois deste pouso a Geodésica passou por vários lugares: Mont

Serrat, Chico Mendes, Campeche, Rio Vermelho, entre outros.

A geodésica trata-se de um dispositivo itinerante que visa articular espaços

de convívio temporários, valorizando a troca de experiências, desejos e

saberes por meio de atividades culturais e oficinas que apontam para a auto-gestão, a sustentabilidade e a solidariedade afetiva.

A partir do conceito de simultaneidades, a Geodésica é uma plataforma

aberta e em diálogo com as comunidades envolvidas, valorizando a partilha

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de ensinamentos práticos que possam contribuir para a autonomia de todos

os participantes,

Toda vez que a Geodésica pára num lugar, sinto que o entorno se transforma

temporariamente em espaço de reinvenção tática da vida. Tive bons

momentos de aprendizado todas as vezes que passei momentos do dia ou

da noite envolvida pela Geodésica, na realização de Tocatas, nas conversas,

nas experiências culinárias enfim, num modo de estar no mundo sempre envolvido pelo buscar aprender e ensinar, ao mesmo tempo em que se

brinca e se faz arte. Geodésica no Rio Vermelho e curso de Escultura So-cial com Hermann Pollmann Fotos de Péricles Gandi.

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Observatório-móvel

Última lua cheia de 2014, o Observatório-móvel retoma suas atividades

após a realização de uma Residência Artística no Camping do Rio Vermelho

proporcionada pela disciplina Intervenção no Espaço Público, ministrada

pela Nara para o Curso de Mestrado em Artes Visuais da Udesc. Enquanto

grupo de pesquisa, o Observatório-móvel substitui o Grupo Paisagem-

clichê, retomando o conceito do corpo de passagem como ferramenta de

exploração de espaços públicos da cidade, e agregando outras pessoas,

que formam uma rede de amigos, que às vezes se encontram e se visitam.

As práticas do Observatório-móvel estão sendo construídas coletivamente

por meio de algumas ações: worklabs, reuniões semanais, encontros de

leitura, aulas abertas em espaços públicos, projeção de filmes, costura, realização de projetos gráficos e audiovisuais.

As questões que orientam as pesquisas do observatório-móvel são: como

o espaço público é reconhecido e é experimentado na atualidade e de que

forma o uso do espaço público é evocado e afeta nosso campo de percepção?

As ações do grupo são voltadas para ativar a importância do uso e do bem

comum.

Leitura de Guia aos Monu-mentos de Passaic, proposição do Juliano Ventura durante a Residência Artística no Camping Estadual do Rio Vermelho, com Bruna, Nara, Leonardo Lima, Tati Rosa, Silmar P., Paulo Damé, Angélica e Silvia Simões.

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Pesquia da universidadeEnquanto coletivo de artistas motivado pela pesquisa acadêmica, utilizamos,

como táticas, as ferramentas à disposição do pesquisador: leituras, aulas

abertas, seminários, bibliotecas, salas de leitura, publicações, oficinas. As práticas pedagógicas e discursivas se refuncionalizam como práticas

estéticas. O interesse pela educação é indicação de uma convergência

entre a arte e a academia como campos do saber aliados em tempos de

decréscimo do espaço público e privatização acelerada.

A inscrição Pesquisa da Universidade é um dos meios de identificação do grupo, uma forma de brincadeira com as supostas justificativas das pesquisas acadêmicas que conferem respeito ao trabalho do pesquisador.

Através desta inscrição nos identificamos no espaço e protegemos áreas que convertem-se em lugar de estudos. A suposta pesquisa torna-se um

dispositivo para atrair pessoas curiosas e conversar.

(Mas as palavras sempre me escapam nessas horas)

Aula e coleta de palha no Camping do Rio Vermelho para iniciar o trabalho de cuidado de área residual dentro do campus da Udesc.

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DOSSIÊ ESCOLA

de ensino BÁSIC0 DO MUQUEM

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/Escola de Ensino Básico do Muquem, dezembro de 2014

O observatório-móvel inicia uma investigação a fim de averigüar o estado de abandono do local, por meio de intervenções artísticas, mutirões de lim-peza e conversas com moradores do entorno.Conforme relato de dona Maura e João da Bega, a primeira escola do Muquém foi criada entre os anos de 1958 ou 1959, pela Comadre Lili, a vó Maria. A escola recebia 8 alunos em uma sala alugada de uma casa onde hoje é a atual Escola Expressão, que pertence a sua filha.Quando a Comadre Lili se aposentou, a escola passou para um espaço

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construído e cedido para o uso da comunidade por João da Bega. A Co-madre Lili convidou a Maura para assumir a direção da escola, para que os então 11 alunos não ficassem desamparados.No início havia apenas o prédio da frente, com duas salas, uma cozinha, os banheiros e o pátio. O número de alunos foi crescendo, logo o prédio inicial ficou pequeno. João da Bega construiu um segundo prédio e um tempo depois um terceiro prédio para uma creche. O prédio foi necessitan-do de reformas, porém como a propriedade do terreno ainda era de João, o Estado não poderia destinar dinheiro público para o lugar. Por um preço simbólico, o Estado comprou o terreno e o prédio e efetuou a reforma por volta de 1988.O espaço já era pequeno para os quase 480 alunos que a escola atendia em dezembro de 2011 quando a Escola do Muquem passou para o novo pré-dio que foi construído. Este também foi o último ano de Dona Maura como professora da escola, que completou 70 anos em 4 de dezembro. Desde então a Escola de Ensino Básico do Muquem permanece em estado de abandono, embora continue sendo, até hoje, o xodó da Comunidade do Rio Vermelho, muito amada por todos que fizeram parte da história desse lugar.

29 de janeiro de 2015, Cine-muquem Estreia

O projeto CineMuquem foi criado com a intenção de convidar a comunidade do entorno para ir à escola conversar sobre projetos coletivos para o local. A estreia do evento foi marcada pela mudança de uma família sem recursos para a escola.

A comunidade associou a ocupação da família com o projeto em construção pelo Observatório-móvel e não compareceu ao Cine-muquem, que teve como público as duas crianças que do dia para a noite passaram a morar na escola.

Dois meses depois da ocupação, iniciou o processo de demolição da escola.

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Sobre abandono e demolição

Uma escola é o resultado de uma coreografia cotidianamente executa-da, composta de movimentos variados, entre o aprender e o ensinar.

Uma escola não é um espaço neutro; ela muda quan-do é dia e quando é noite, quando está cheia ou quan-do está vazia, quando está aberta ou está fechada.

A escola básica do muquém, no bairro do rio vermelho, manteve-se desde dezem-bro de 2011 fechada, e por isso mesmo, suas portas foram arrancadas.

A professora não apareceu mais por lá, e as crianças simplesmente se mudaram para outro prédio.

O lugar ficou vazio, mas as paredes ficaram cheias de memórias: “nois tamo com saudade dessa escola”, diz o recado no quadro que restou na sala de aula.

O que havia para ser car-regado, foi carregado, so-braram vidros quebrados no chão, muito entulho e poeira; tanto melhor para o mato e os marimbondos, que é o que ficou de bonito por lá.

O parquinho ficou perdi-do em algum lugar entre a vegetação, ouvi falar que tem até ninho de cobra en-tre a escada e o escorre-gador.

No lugar abandonado, duas forças se enfrentam: por um lado, o processo de ar-ruinamento, e por outro, o estado de equilíbrio, em que o tempo passa e o abandonado resiste.

Estar abandonado significa estar entregue à própria lei e encontrar- se como o barco sem ninguém ao leme.

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Em 29 de janeiro deste ano uma família se mudou pra lá.

Num ato de desespero, esta família passou a viver si-tiada sob os olhos vigilantes da comuni-dade do entorno, que sen-tiu mais forte que nunca a falta da escola.

Dois meses depois, a pre-feitura, responsável pelo espaço optou pela demolição da escola e construção de uma nova no lugar.

O projeto é de longo pra-zo, porque se curto fosse, bastaria reformar a escola e contratar professores.

Mas contratar professores não é a atual prioridade.

As escolas abandona-das parecem se expandir na medida em que novos prédios estão sempre em construção, para em pou-co tempo tornarem-se nova-mente esquecidos.

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MELANCOILHA

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Diário de Leitura 16/04/15Edilson Martins: Nossos Índios Nossos MortosHall do prédio das Artes visuais, com Bruna, Nara, Juliano, Aninha e João.

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tempo

.

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PLANTAR FLORESTAS

NO DESERTO

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Outro dia, sonhei com um índio chamado Umuarama, que significa Espaço Arejado. Este nome deriva do idioma tupi-guarani e também quer dizer lugar

de clima ensolarado para reunião de amigos. Foi na beira de um rio que

corria pro mar, que ele começou a me falar estas coisas:

U: Os índios foram os primeiros permacultores nessas terras de Pindorama

que hoje se chama Brasil. Era comum entre os índios o hábito de guardar

sementes. Quando chegavam num lugar, abriam clareiras nas matas,

cultivavam a terra, colhiam, seguiam viagem. Quando encontravam

certo grupo de árvores na mata, eram capazes de identificar se a região havia sido habitada. Eles sabiam intuitivamente se orientar pelas plantas.

Este conhecimento, em parte se perdeu, em parte está se recuperando,

principalmente entre aqueles que procuram encontrá-lo. Hoje tem início a

tua iniciação, um novo caminho se abre para ti, onde aprenderás a cultivar a

intuição e o amor pela Mãe-Terra, pela prática da florestania e da observação.

Quando terminou de dizer estas palavras, Umuarama tocou com uma folha

numa pedra parada na beira do rio e esta se transformou em um pássaro.

O pássaro abriu as asas e deu uma revoada no céu, pouco tempo depois

voltou com duas sementes de juçara no bico, me deu uma delas e enterrou

a outra.

*

Certo dia, Umuarama me guiou ao topo da montanha, para observar os

espaços da cidade. Do alto do morro das Aranhas podia-se avistar todo

o Bairro do Rio Vermelho, entre a praia do Moçambique e o Morro dos

Macacos.

Sentei em uma pedra e comecei a desenhar o mapa do bairro. De risco bem

traçado memorizei o caminho histórico entre a Vargem Grande e o Sertão do

Rio Vermelho, a Estrada Cristóvão Machado dos Campos, primeira ligação

entre o Leste e o Norte da Ilha. É um corredor ecológico frequentado por

macaco-prego, bugio, tamanduá-mirim, tatu e cachorro do mato. É ainda

um caminho preservado entre os poucos que restam na ilha. São João do

Rio Vermelho foi por muito tempo a maior e mais afastada área rural da ilha.

Hoje ela é uma floresta perturbada, um sistema de pastos e baldios e uma área de expansão urbana animada pelos sons de retro-escavadeiras.

Ficamos minutos a perder de vista em silêncio. Subitamente tudo que se

Florestania; mania

de florestar; desejo de

cultivar até transbordar

as fronteiras do

espaço, ocupar a margem

e extravazá-la, até

descobrir que não existe

margem no limite em que

uma coisa se funde à

outra.

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podia ver desapareceu. Só sobrou o pé de limão que plantei no quintal de

casa. As águas subiram e por muito tempo a única coisa que se podia ver

era a copa desta árvore. Não sei dizer quanto tempo permaneci concentrada

nesta imagem até que as águas baixaram e tudo voltou como era antes. Foi

então que Umuarama levantou o dedo e me apontou a direção de certas

árvores, embruxadas, onde poderia encontrar um conselho, toda vez que

pensasse em voltar atrás.

*

Outro dia, estava andando justamente naquele lugar quando encontrei com

Simon Schama em cima de um eucalipto, num daqueles galhos que aprendi

tratarem-se de pontos de contato com o arquivo prânico, localizado na altura

dos 2,80, na ponta dos galhos mais finos.

Parecia falar sozinho, depois descobri que havia ali naquela árvore uma

plateia invisível aos meus olhos. Consegui ouvir só uma parte do discurso,

pois logo que ele percebeu minha presença, desapareceu da minha frente.

*

O discurso do Simon Schama

A lógica do invasor consiste em saquear e pilhar tudo que possível nas

áreas a serem incorporadas. As grandes árvores americanas, milenárias

e sagradas, nem por isso deixaram de ser violentamente derrubadas

e convertidas em mercadoria. Não apenas os índios foram vítimas da

colonização e desapropriação, mas também as árvores. Um pau-brasil, que

leva pelo menos 500 anos para atingir a fase adulta, recém-nascido nos

idos da chegada dos portugueses, testemunhou o genocídio de toda sua

espécie até atingir a maturidade.

A empresa do pau-brasil nas Américas, por sua vez, é diretamente

complementar à escassez de madeiras na Europa, impulsionada pelo avanço

do capitalismo e a competição entre os Estados Nacionais emergentes.

O capitalismo isola e desaloja as culturas tradicionais que sempre viveram

em relação de sagrada reverência com o solo, de modo que por todo o

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planeta populações inteiras passaram de usuários e coletores habituais das

matas a consumidores desapropriados. A ascenção dos estados nacionais

europeus possibilitaram a conversão das florestas em recursos da nação.

A própria silvicultura nasce como uma tentativa de garantir este recurso

dada sua exploração indiscriminada ser praticamente regra geral. Florestas

inteiras foram devastadas na Europa e depois nas Américas para alimentar

a expansão da economia mercantil. As árvores transformaram-se em navios

de guerra e navios mercantes. Cada navio posto abaixo em um combate

representava a busca desesperada por mais 2000 Carvalhos, quantidade

de madeira necessária para cada embarcação.

Campo aberto, o espaço está livre para a entrada em cena de outra

máquina de desflorestamento: a agricultura intensiva. A “revolução verde” que se iniciou na Inglaterra e trouxe a mecanização da agricultura para

os campos do mundo todo transformaram a agricultura em uma guerra

ecológica caracterizada por operações violentas: rasgar e perfurar a terra,

para envenená-la com pesticidas.

Se o mundo irreversivelmente modificado é toda natureza que temos, nem sempre a floresta foi vista apenas como fonte de renda. As tradições pagãs buscavam na floresta o nascedouro de todo o grupo, a origem do seu próprio lugar no mundo. Pode-se identificar etimologicamente, o termo floresta com a origem foris, isto é, fora, designando não tanto uma topografia, mas uma espécie de relação regida por leis próprias, espécie de jurisdição especial,

fora-da-lei, esconderijo de Robin Hood e seus comparsas.

*

Poderemos um dia ver na floresta o berco de uma nacao de homens livres?

*

Florestania é um neologismo que nasceu no Acre, da boca do poeta e

jornalista Toinho Alves. Florestania é a cidadania dos povos da floresta. É resultado de um desejo: a concepção de cidades florestais que combinem a convivência com a floresta e a produção de alimentos, dentro da cidade.

7000 CarvalhosFoi uma ação de Joseph Beuys para a sétima edição da Documenta de Kassel em 1982, na Alemanha. Foram plantadas 7000 árvores com o apoio da comunidade. Ao lado de cada uma delas foi despositada uma pedra de basalto, que simbolizam, em oposição às árvores a matéria que cristaliza e não cresce.

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“O conceito não é propriamente uma ideia, é um conjunto

de ideias, associadas a um sentimento, de que nós

pertencemos à floresta, não é ela que nos pertence. Nós é que somos da floresta e desenvolvemos uma série de conhecimentos, hábitos, costumes, tradições, ligadas

a nossa vida na floresta. Com o tempo, nós temos um relacionamento especial com a natureza. Na florestania o homem não é o único sujeito e todas as outras plantas

e animais são objetos para o seu usufruto. O homem é

um dos seres, instrumentos no concerto da natureza. Ele

não é o principal, ele não é o único, ele é uma parte e

tem que se harmonizar com as outras, sob pena de sofrer

conseqüências muito drásticas.”

[Florestania com o jornalista Toinho Alves no Amazonia

S/A, entrevista transcrita de vídeo disponível em: http://

www.youtube.com/watch?v=PA6qnTVyhNU]

*

Qual o significado de ser um cidadão da floresta?

*

O mato é a nossa escola!

O que nos falta é a mentalidade para ver a beleza do nosso

mundo. Somos cegos diante da Natureza. Se o homem

industrial moderno está, em geral, alienado da Natureza,

entre nós esta alienação atinge seu clímax. Predomina entre

nós o esquema mental do caboclo que, quando lhe perguntei

pelo nome popular de uma determinada planta silvestre,

me olhou muito surpreso e respondeu: “Mas isto não é

planta. Isto é mato!” Usava a palavra mato com entonação

profundamente depreciativa. Eu quis então saber a sua

definição de “planta” e de “mato”. Deu-me um olhar ainda mais incrédulo e condescendente e explicou que “mato”

era tudo aquilo que vingava sozinho, que não prestava,

que devia ser exterminado, e que “planta” era o que se

cultivava, o que tinha valor, que dava dinheiro. Quando me

afastei, tive a impressão de que ele me considerava um

pobre louco, por não saber fazer distinções tão evidentes.

(LUTZENBERGER, José, 2012, p. 19-20)

A revolução da palha em Iraquara/BA, Residência artística na Casa de Tupã com Bruna, Nara e Sol, em agosto de 2014.

Registros de jardins de Iraquara, na página se-guinte, o jardim do seu Vadinho.

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O mato é, simplesmente, uma denominação genérica para uma planta

desconhecida. Quando uma planta espontaneamente germina num lugar

isso significa que está melhor adaptada àquelas condições.

Sobre o mato, e a importância ecológica de cultivá-los, encontramos diversas

referências que apontam para a combinação de plantas tradicionalmente

cultivadas com outras, muitas vezes desconhecidas entre nós, mas de

grande valor para o equilíbrio do lugar.

De acordo com José Truda Pallazzo Jr., é necessário transcender a dimesão

da simples beleza estética dos vegetais, sabendo reconhecer neles seu

valor ecológico (1989, p. 31). Neste aspecto, a manutenção da cobertura

florestal nativa do lugar relaciona-se com a manutenção da fertilidade do solo, a proteção e estabilidade dos mananciais, a constância do ciclo da

água, a estabilização climática.

Segundo o Hiroshi Seó em seu manual de Agricultura Natural, a natureza

dotou o mato da missão de colonizar o solo doente, enviando seus nutrientes

lixiviados para a parte mais profunda do solo. O mato reflete a degeneração do solo quanto a sua fertilidade física e química. (p. 84)

No livro a Revolução de uma palha Masanobu Fukuoka, ensina: podemos

cultivar legumes em qualquer lugar onde o crescimento das ervas daninhas

for variado e forte. A familiarização com o ciclo anual e com o esquema

de crescimento das ervas daninhas e das gramíneas é muito importante.

Observando a variedade e o tamanho das ervas daninhas num determinado

espaço, podemos avaliar de que tipo de solo se trata e quais são suas

deficiências. (2008, p. 70)

*

Capoeiragem

As capoeiras são áreas de cicatrização onde germinam espécies de

crescimento rápido, capins e arbustos, em meio a variedades de bromélias

e plantas espinhosas indicadoras da pobreza da terra. Muitas vezes a

terra abre-se formando voçorocas, que são crateras de difícil recuperação.

O termo capoeira é oriundo do tupi, ka’a (“mato”) + uera (“do passado”),

logo capoeira significa mato do passado, é o mato que cresce no lugar da vegetação cortada.

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A Revolução da palha em Iraquara foi uma ação em que cuidamos de uma praça na esquina da Casa de Tupã com as crianças que par-ticipavam das oficinas no Espaço Cultural que se lo-caliza no Sertão da Bahia. Durante as duas semanas que ficamos por lá fizemos muitos amigos, pesquisando jardins, fazendo reconhecimento de plantas da região, coletando palha e sementes, e espalhando palha na praça. Os moradores no início es-tranharam, depois enten-deram a ideia e começaram a nos ajudar.

Viva a palha!

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Lugar certo é regenerar o que foi destruído, não

destruir mais área para implantar um sistema

agroflorestal. Isto coloca uma ordem de prioridade, onde derrubar capoeirões está na última ordem,

e reconquistar lavouras degradadas por anos de

mau uso está em primeiro. (VIVAN, Jorge Luis,

2003, p. 34)

*

Não-cultura para manutenção dos solos vivos!

Mudar a composição do solo é um processo muito lento. A maioria dos

nutrientes é rapidamente dispersada no início da decomposição da matéria

orgânica que forma o material amórfico incorporado ao solo.

O Fukuoka conta que levou mais de trinta anos observando os campos de

arroz para desenvolver um método de trabalho que consiste, basicamente,

em semear à mão e espalhar palha. A palha relaciona-se com tudo, com a

fertilidade, a germinação de ervas daninhas, a proteção, a umidade. A palha

alimenta, enriquece, protege e umedede a terra. Não é necessário capinar

nem revirar a terra, basta seguir o princípio de que tudo que cresce deve

retornar à terra. A agricultura converte-se em uma forma de não-cultura, de

não-ação, de supressão das práticas agrícolas inúteis.

O primeiro princípio para reflorestar as cidades é deixar de cortar a grama, evitar capinar, revirar a terra e seus nutrientes. Em segundo lugar, utilizar a

palhada como adubação natural.

As cidades são fontes contínuas de palha. Ao circular em certas áreas da

cidade em determinados dias, é comum encontrar ricos sacos de palhada

dispostos para ser jogado fora. Diga-se de passagem, que paga-se muito

caro pelo serviço de jardinagem (em média 100 reais a diária), para que

todos os nutrientes da biomassa sejam dispensados como lixo. Ao invés

disso, podemos recolher a palhada e retorná-la à terra. O terceiro princípio,

portanto:

ALIMENTA A TERRA E ELA TE ALIMENTARÁ

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Plantar florestas no deserto, não é plantar mudas. Plantar florestas é cuidar da terra, para que as sementes adormecidas despertem, é praticar

a diversidade em policulturas florestais, é semear chuvas, é exercitar a empatia, é encontrar plantas companheiras.

*

A última coisa que Umuarama me ensinou foi a dizer filho da terra, e contou a lenda de um antigo rei nascido de Gaia chamado Cecrops. Metade homem

e metade serpente, ele foi o primeiro rei da esquecida região da Ática.

Ensinou ao seu povo as artes da escrita e da leitura, da paz e da harmonia

entre os vizinhos.

Conta-se que durante seu reinado, Atenas e Poseidon realizaram uma

competição para honrar a cidade. Cada um deveria tocar com seu tridente

a colina e oferecer um presente ao povo. O primeiro foi Poseidon, do lugar

onde tocou emanou uma fonte de água salgada. Na vez de Atenas, brotou

um pé de oliveira. Cecrops considerou a oliveira mais útil ao seu povo e

saudou Atenas como vitoriosa. Poseidon respeitou a decisão de Cecrops e

voltou para as profundezas do mar.

Alguns anos após a morte do rei um dilúvio inundou a cidade e nunca mais

se ouviu falar de Cecrops até que milênios se passaram e do outro lado

das águas oceânicas, nas terras do continente americano, navegadores

encontraram uma poderosa árvore que seria classificada como cecropia

glaziovii. Esta árvore era chamada pelos nativos de embaúba, de ambay,

que em tupi quer dizer: tronco oco, e de fato, a embaúba possui o tronco oco

e serve de habitação para uma espécie de formigas, denominadas Aztecas,

motivo pelo qual também é denominada pau de formigueiro. A interação se

dá de tal forma que a cecropia dá abrigo e alimento para as formigas, e estas

protegem a árvore de outros insetos e trepadeiras, trabalho realizado com

eficiência: em poucos segundos as formigas reagem a qualquer ataque. Esta árvore reúne diversas propriedades medicinais; é anti-depressivo,

anti-inflamatório, anti-asmático, anti-hipertensivo, anti-térmico... Tamanha quantidade de qualidades reunidas indicam a importância da espécie para

a composição de corredores ecológicos em processos de restauração

ambiental; espécie de gatilho que a natureza aciona em áreas ameaçadas

para reequilibrar a rede trófica. Fico admirada. Procuro respostas há muito tempo formuladas e engendradas

pela misteriosa evolução dos vegetais.

Trabalhe sem pressa.

As plantas são anjos!

Cecropia glaziovii, popularmente conhecida como pau de formigueiro ou embaúba. É o castelo de formigas!

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JARDIM FECHADO(considerações)

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Não existe jardim fechado. No fundo, no fundo todos os jardins se comunicam.

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(João Alfredo Medeiros Vieira)

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// Grupo Forahttp://foragrupo.hotglue.me

//Observatório-móvelhttp://observatoriomovel.tumblr.com

//Geodésica Cultural Itinerantehttps://www.facebook.com/geodesicacultural

//Camping do Parque Estadual do Rio Vermelhohttps://www.facebook.com/parqueestadualdoriovermelho

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