Territórios - Paul Litlle - Relatório completo

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Prefeitura Municipal de Rio Branco Zoneamento Econmico, Ambiental, Social e Cultural de Rio Branco ZEAS Eixo CulturalPoltico

TERRITRIOS, TERRITORIALIDADES E RELAES DE PODER Relatrio Completo

Elaborado pelo Consultor: Dr. Paul E. Little, Antroplogo

16 de fevereiro de 2008

2 SUMRIO I. INTRODUO AO RELATRIO A. Objetivos desta consultoria Objetivo geral Objetivos especficos B. Metodologia utilizada na elaborao deste relatrio Documentos e bibliografia analisados Entrevistas semi-estruturadas realizadas Visitas de campo II. MARCO CONCEITUAL DO EIXO A. Quatro conceitos-chave interligados Territorialidade Territrio Territorializao Gesto territorial B. Questo territorial X questo fundiria C. Tipos de territorialidade III. PROPOSTA METODOLGICA PARA O EIXO CULTURAL-POLTICO A. Escolha da unidade bsica de anlise para o Eixo B. Entrecruzamento entre a lgica zonal e a lgica reticular C. Anlise das relaes de poder entre os distintos territrios identificados IV. OS TERRITRIOS ECOLGICOS DO MUNICPIO A. Definio operativa B. Identificao dos territrios ecolgicos C. Caracterizao geral dos territrios ecolgicos D. Fichas individuais dos territrios ecolgicos V. OS TERRITRIOS-REDE DO MUNICPIO A. Definio operativa B. Redes sagradas territorializadas C. Redes indgenas territorializadas D. Redes regionais territorializadas 4 4 4 4 5 5 5 7 8 8 8 9 10 11 12 12 14 14 14 15 16 16 16 17 18 28 28 29 30 31

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VI. ANLISE DAS RELAES DE PODER ENTRE OS TERRITRIOS VII. PRXIMOS PASSOS PARA O EIXO CULTURAL-POLTICO VIII. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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I. INTRODUO AO RELATRIO Uma das principais inovaes do Zoneamento Econmico, Ambiental, Social e Cultural ZEAS do Rio Branco consiste na sua incorporao dos conhecimentos e do modo de vida das distintas comunidades presentes no municpio como parte integral de sua formulao e implementao. Nesse sentido, territrio e territorialidade so dois conceitos chaves para fazer essa incorporao. Para tanto, existe a necessidade de elaborar conceitos claros e operativos que podem ser utilizados na estruturao do Eixo Cultural-Poltico do ZEAS. Esta consultoria pretende oferecer os subsdios necessrios sobre a temtica dos territrios e territorialidades para a efetiva implantao desse Eixo.

A. Objetivos desta consultoria Objetivo geral Elaborar os fundamentos conceituais e classificatrios (tipologias) para a efetiva implantao do Eixo Cultural-Poltico do ZEAS, usando como base os conceitos de territrios, territorialidades e relaes de poder.

Objetivos especficos 1. Definir, em forma clara e operacional, os conceitos de territrio e territorialidade. 2. Propor uma primeira classificao de tipos de territrios existentes no Municpio de Rio Branco. 3. Para cada tipo de territrio proposta acima, elaborar um mapeamento inicial (esboo) dos territrios do municpio, a partir das identidades sociais que os sustentam. 4. Para cada mapeamento inicial elaborado, delinear as distintas relaes de poder existentes entre os territrios. 5. Para cada mapeamento inicial elaborado, indicar os principais pontos de conflito e/ou sobreposio entre os territrios. 6. Indicar os prximos passos necessrios (pesquisas; oficinas; levantamentos cartogrficos; etc.) a serem feitos para dar continuidade implementao da temtica.

5 B. Metodologia utilizada na elaborao deste relatrio O consultor utilizou trs tipos bsicos de tcnicas de pesquisa para cobrir adequadamente a temtica sob anlise: (1) anlise de documentos e de bibliografia; (2) entrevistas semi-estruturadas com atores sociais chaves; e (3) visitas de campo.

Documentos e bibliografia analisados Os dois documentos que sirvam como o ponto de partida da pesquisa so (i) o Plano Diretor do Municpio de Rio Branco e (ii) o Zoneamento Econmico-Ecolgico do Estado do Acre. A anlise desses dois documentos foi fundamental para estruturar o relatrio e orientar seu contedo, j que a proposta territorial elaborada aqui precisa estar em sintonia com as diretrizes globais contidos nesses dois documentos. Outro conjunto de documentos consultados consiste em relatrios preliminares apresentados pelos outros consultores nas temticas de (i) Fundamentos histricos e culturais do Municpio de Rio Branco; (ii) Gesto urbana: interface entre instrumentos de gesto; (iii) Gesto territorial e ambiental de unidades de conservao; (iv) Potencial turstico. Em distintas ocasies, houve uma rica troca de informaes e dilogos frutferos entre os consultores do ZEAS que serviram para melhor o contedo deste relatrio. Um terceiro conjunto de materiais sendo consultado e analisado procede da literatura acadmica sobre a temtica de territrios e territorialidade e sobre zoneamentos participativos. Esse campo de estudo, pesquisa e ao est em plena expanso no Pas. A reviso dessa bibliografia permite estabelecer um dilogo frutfero com outras experincias existentes, com nfase na Amaznia.

Entrevistas semi-estruturadas com atores sociais chaves A tcnica de entrevista semi-estruturada oferece um acesso privilegiado aos conhecimentos, cosmoviso e ao modo de vida de atores sociais territoriais no municpio. Para tanto, at o momento, o consultor realizou uma srie de entrevistas com pessoas envolvidas em distintas ocupaes produtivas (fazendeiros, trabalhadores rurais, assentados, extrativistas etc.) para poder entender melhor a variedade de identidades sociais e territorialidades existentes no municpio:

6 1. Assuero Doca Veronex, Presidente Federao da Agricultura e Pecuria do Estado do Acre; 2. Geana dos Santo de Alcrece, extrativista do Seringal Macap; 3. Raimundo Nonato da Silva Souza, membro do Conselho da Associao dos Extrativistas do Seringal Macap; 4. Adac Barbosa de Arajo, assentada do Projeto de Assentamento Figueira e membro da Associao Boa Unio; 5. Marlene Silva do Nascimento, Presidente do ASPAGEM, Plo Agro-florestal Geraldo Mesquita; 6. Ccero Medeiros Brando (seu Pita), membro da Associao dos Produtores Rurais de Catuaba.

Essas entrevistas

foram

complementadas

com

outras

realizadas

com

formuladores de polticas pblicas territoriais, tanto no plano municipal e estadual quanto federal: 7. Raimundo Angelim, Prefeito do Municpio de Rio Branco; 8. Jos Fernandes do Rgo, Assessor da Prefeitura do Municpio de Rio Branco; 9. Anselmo Alfredo Forneck, Superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBAMA/Acre; 10. Marcos Vincius Neves, Diretor-Presidente Fundao Municipal de Cultura e Desporto Garibaldi Brasil e membro - Conselho Gestor do ZEAS; 11. Felismar Mesquita, Diretor-Presidente ITERACRE; 12. Artur, Secretrio do Meio Ambiente do Municpio de Rio Branco; 13. Marina, Secretria de Agricultura e Floresta do Municpio de Rio Branco.

Um terceiro conjunto de entrevistas foi realizado com membros da equipe do ZEAS: 14. Lcio Flvio Zancanela do Carmo, Coordenador Eixo de Recursos Naturais do ZEAS; 15. Raimundo Cludio Gomes Maciel, Coordenador Eixo Scio-econmico do ZEAS; 16. Wladimyr Sena, Coordenador Eixo CulturalPoltico do ZEAS. 17. Ndia Pereira, Coordenadora Tcnico-Administrativa do ZEAS.

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Vistas de campo Vrios territrios do Municpio de Rio Branco foram visitados pelo consultor. Essas visitas de campo permitem ao consultor observar in loco os distintos modos de vida presentes em cada territrio. At o momento, foram visitados os seguintes territrios: 1. Seringal Macap rea extrativista do Riozinho do Rolo; 2. Projeto de Assentamento Figueira Ramal Beija Flor; 3. Plo Agro-Florestal Geraldo Mesquita Zona rururbana de Rio Branco; 4. Comunidade de Catuaba rea ribeirinha do Rio Acre; 5. rea de Proteo Ambiental Lago de Amap; 6. Vrios bairros da cidade de Rio Branco.

8 II. MARCO CONCEITUAL DO EIXO CULTURAL-POLTICO A. Quatro conceitos-chave interligados Qualquer tentativa de sistematizar essa temtica defronta com um problema srio: cada organizao ou instituio usa os conceitos de territorialidade e territrio de forma prpria. A grande variabilidade no uso dos conceitos cria confuses tanto tcnicas quanto operativas. Em alguns casos, instituies esto fazendo trabalhos semelhantes, mas usam conceitos diferentes para se referir aos seus trabalhos. Em outros casos, instituies realizam trabalhos diferentes, mas usam um mesmo conceito para nomear suas atividades. A efetiva implementao do Eixo CulturalPoltico do ZEAS requer um consenso mnimo em torno da definio e uso dos conceitos envolvidos nesse campo para que todos atuem com base no mesmo horizonte de referncias conceituais. importante assinalar que no existe uma forma tecnicamente correta para definir um conceito: cada definio de um conceito carrega em si certos pressupostos polticos que vo influenciar as maneiras pelas quais o conceito formulado e aplicado. Para tanto, as definies conceituais apresentadas a seguir so propositivas, no pretendendo ser nem definitivas nem exaustivas. Essas definies so lanadas com o intuito de garantir mais clareza e preciso no uso dos conceitos, no seu encadeamento entre si e no fornecimento de bases conceituais comuns necessrias para a construo de polticas pblicas.

Territorialidade Apesar da territorialidade ter um papel importante na constituio de grupos sociais, nas dcadas recentes esse tema tem recebido um tratamento marginal dentro da das polticas pblicas do Brasil. A retomada de interesse no tema da territorialidade, particularmente com a implementao dos Zoneamentos Ecolgicos-Econmicos a partir da dcada dos 1990, nos nveis federal, estadual e municipal, foi acompanhada por uma renovao da teoria de territorialidade nas cincias sociais. Os novos enfoques sobre territorialidade tm como ponto de partida uma abordagem que considera a conduta territorial como parte integral de todos os grupos humanos. Com base nessa abordagem, defino a territorialidade como o esforo coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela especfica de seu ambiente biofsico, convertendo-a assim em seu territrio

9 (cf. Sack 1986: 19). Casimir (1992), por sua parte, mostra como a territorialidade uma fora latente em qualquer grupo, cuja manifestao explcita depende de contingncias histricas. Para tanto, a territorialidade faz referncia ao comportamento territorial coletivo de grupos sociais distintos.

Territrio O produto especfico da territorialidade de um grupo determinado a construo de seu respectivo territrio. O termo territrio definido aqui como espao geogrfico de um grupo social, institucional ou politicamente constitudo, sobre o qual ele exerce controle e usufrui dos seus recursos naturais. Assim, territrio um conceito simultaneamente biofsico (espao geogrfico, recursos naturais etc.) e cultural e poltica (lugar de moradia, memria da ocupao, tcnicas prprias de adaptao etc.). Nessa acepo, territrio distinto de terra, entendida como uma rea ou regio no especificada ou uma grande extenso de terreno. Ou seja, o termo territrio sempre est associado a uma entidade scio-poltica especfica. Assim, pode existir uma terra de ningum, mas no pode existir um territrio de ningum. Ao canalizar as mltiplas formas de apropriao do territrio de um grupo, as noes de propriedade do grupo e dos rgos governamentais representam uma pea fundamental na definio e explorao dos recursos naturais. Como indica Godelier (1986), as variadas noes de propriedade que so estabelecidas por um grupo social, funcionam por dentro de um territrio e se referem s maneiras que os membros de uma sociedade usam suas regras para organizar seus atos concretos de apropriao [da natureza] (p.83). O regime (ou regimes) de propriedade que existe(m) dentro de um territrio determinado constitui uma parte essencial do que chamamos a estrutura econmica de uma sociedade, visto que constituem a condio legal necessariamente legitimada para todos de produo (p.84). Outro elemento fundamental dos territrios encontrado nos vnculos sociais, simblicos e rituais que os diversos grupos sociais diferenciados mantm com seus respectivos ambientes biofsicos. Tuan (1977), desde a geografia, faz a distino entre o espao abstrato e genrico e um lugar concreto e habitado. A identificao de lugares sagrados por um grupo determinado representa uma das formas mais importantes de dotar um espao com sentimento e significado (Deloria 1994), porm embora no

que governa o acesso aos recursos e aos meios

10 existe uma multiplicidade de outras (cf. Sack 1980). A noo de lugar tambm se expressa nos valores diferenciados que um grupo social atribui aos diferentes aspectos de seu ambiente. Essa valorizao uma funo direta do sistema de conhecimento ambiental do grupo e suas respectivas tecnologias. Essas variveis estabelecem a estrutura e a intensidade das relaes ecolgicas do grupo e geram a categoria social dos recursos naturais (Raffestin 1993: 223-8). As relaes especficas imbudas na noo do lugar no devem ser confundidas com as da noo de originariedade, isto , o fato de ser o primeiro grupo a ocupar uma rea geogrfica o que apelaria idia de terras imemoriais , algo difcil,

seno impossvel de se estabelecer, como bem mostram as disputas arqueolgicas. Ser de um lugar no implica numa relao necessria com etnicidade ou com raa, conceitos que geralmente so avaliados em termos de pureza, mas sim uma relao com um espao fsico determinado. Todavia, a categoria de identidade pode se ampliar, medida que a identidade de um grupo passa, entre outras coisas, pela relao com os territrios construdos.

Territorializao O fato de que um territrio surge diretamente das condutas de territorialidade de um grupo social implica que qualquer territrio um produto histrico de processos sociais e polticos. O termo territorializao faz referncia a esses processos histricos. Para analisar o territrio de qualquer grupo, portanto, precisa-se de uma abordagem histrica que trata do contexto especfico em que surgiu e dos contextos em que foi defendido e/ou reafirmado. Se percorrermos os diversos processos de expanso de fronteiras no Brasil no ltimo sculo (ou seja, desde a criao do Estado do Acre at os nossos dias) podemos entender como cada frente de expanso produziu um conjunto prprio de choques territoriais e como isto provocou novas ondas de territorializao (Oliveira Filho 1998). Assim, cada frente de expanso precisa ser contextualizada com respeito ao momento histrico no qual acontece, regio geogrfica que serve como seu palco principal, aos atores sociais presentes no processo, tecnologia a sua disposio e s cosmografias que promovem. Esses mltiplos, longos e complexos processos resultaram na criao de territrios dos distintos grupos sociais e mostram como a constituio e a resistncia culturais de um grupo social so dois lados de um mesmo processo.

11 Alm do mais, o territrio de um grupo social determinado, incluindo as condutas territoriais que o sustentam, pode mudar ao longo do tempo dependendo das foras histricas que exercem presso sobre ele.

Gesto territorial O exerccio da territorialidade implica na defesa e no uso cotidiano do territrio pelo grupo social. Esse uso, por sua vez, tende a ser fundamentado em distintos tipos de planejamento, muitos dos quais esto codificados em instituies sociais (McCay e Acheson 1987). Assim, podemos definir o termo gesto territorial como o controle poltico e o manejo ambiental do espao geogrfico que o territrio de um grupo social ou entidade poltica. Por se referir ao territrio de um grupo social determinado, em vez de um ecossistema, o conceito de gesto territorial opera dentro das esferas cultural e poltica. Assim, as aes de gerenciamento ou administrao desse territrio, contidas na noo de gesto, sero realizadas por esse grupo social. Mas, essas aes, alm de implementar seus interesses sociais, econmicos e polticos, contm uma preocupao com o adequado manejo dos fluxos biofsicos do territrio. O conceito de gesto territorial engloba atividades tanto de ordenamento territorial quanto de gesto ambiental como parte essencial de sua implementao.

Esquema da inter-relao entre os quatro conceitos-chave Territorializao = Processo histrico (migrao; fronteira em expanso) Conduta territorial (resistncia; fuga; vigilncia) Lugar especfico do grupo social

Territorialidade

=

Territrio

=

Gesto territorial

=

Uso planejado e institucionalizado do territrio pelo grupo social

12 B. Questo territorial X questo fundiria Uma distino importante a ser feita entre a questo territorial e a questo fundiria, as quais so freqentemente consideradas como sinnimos. Apesar de ambos ter o espao geogrfico como seu foco principal, em realidade referem-se a processos diferentes. Seguindo as definies acima apresentadas, fica evidente que os territrios so entidades construdas de baixo para cima pelo grupo social com base na sua identidade e na sua conduta territorial. A questo fundiria, por sua vez, um processo de cima para baixo no qual o Estado que reconhece ou no um determinado territrio. Essa distino tem implicaes diretas para a implementao do ZEAS. Historicamente, o Estado brasileiro no reconheceu os territrios de muitos grupos sociais, seja porque foram considerados como inimigos (os povos indgenas, por exemplo) ou renegados (os quilombolas, por exemplo). Assim, se o Zoneamento se orienta somente com base no controle territorial juridicamente reconhecido, estaria perpetuando a marginalizao de grupos que tm reivindicado, em alguns casos durante sculos, que sua territorialidade seja respeitada. Existe tambm o problema inverso, no qual o Estado reconhece formalmente territrios que no tm fundamento nem social nem legal. Tal o caso de grilagem de terras, no qual pessoas inescrupulosas conseguem ttulos falsos ou forjados para terras que pertencem a outros grupos ou ao mesmo Estado. Um terceiro caso, ainda, faz referncia a territrios criados legalmente pelo Estado em reas que outros grupos sociais tm desenvolvido sua territorialidade durante dcadas ou, mesmo, sculos. Talvez o caso mais claro dessa situao so as mltiplas sobreposies entre os Territrios Indgenas (sejam eles reconhecidos ou no) e as Unidades de Conservao de Proteo Integral (que no permitam que tenha pessoas morando dentro) (veja ISA 2005).

C. Tipos de territorialidade Um aspecto fundamental da territorialidade humana que ela tem uma multiplicidade de expresses gerando assim o conceito de multiterritorialidade o que produz um leque muito amplo de tipos de territrios, cada um com suas particularidades culturais e polticas. Assim, a anlise ampla da territorialidade tambm precisa de abordagens etnogrficas para entender as formas especficas dessa diversidade de territrios.

13 Nas ltimas duas dcadas, vrios pensadores sociais1 revisitaram o conceito de territorialidade humana e, no processo, provocaram uma reviravolta na forma como ele entendido. Aqui, trabalharemos com a excelente sntese desses debates contidos no texto recente de Haesbaert (2004) para distinguir entre duas formas ou lgicas de territorializao: uma lgica zonal produzindo territrios-zona que refere a processos de controle de reas e fronteiras; e uma lgica reticular produzindo territrios-rede que refere a processos de controle de fluxos e plos de conexo. Por muito tempo os territrios-zona foram a forma mais comum de conceber a territorialidade, mas nas ltimas dcadas o crescimento da importncia dos territriosrede notrio. Para nossos fins aqui, importante ressaltar, seguindo a Haesbaert, que territrio-zona no estabelece em momento algum uma relao dicotmica ou dual com sua contraparte, o territrio-rede (p.286). Reconhecendo a multiplicidade das expresses territoriais e fazendo uso desse da distino entre territrios-zona e territrios-rede, podemos agora avanar na delimitao da metodologia proposta aqui como base territorial do Eixo Cultural-Poltico.

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As reas de conhecimento envolvidas incluem a filosofia (ver Deleuze e Guattari 1995-1997), a sociologia (ver Ortiz 2000; Maffesoli 2001), a geografia (ver Sack 1986; Raffestin 1993) e a antropologia (ver Almeida 1994; Oliveira Filho 1998; Little 2001; 2005).

14 III. PROPOSTA METODOLGICA PARA O EIXO CULTURAL-POLTICO A. Escolha da unidade bsica de anlise para o Eixo Utilizando como base dois tipos de territorialidade acima mencionados, proponho que o territrio-zona tipo de territrio mais adequado para ser a unidade bsica de anlise a ser utilizada para a efetiva implementao do Eixo Cultural-Poltico. Essa escolha se justifica por vrias razes. Em primeiro lugar, os territrios-zona so mais adequados em termos estritamente operativos para fundamentar um trabalho de zoneamento, por comportar-se espacialmente numa forma mais regular, fazendo que so mais fceis de mapear. Em segundo lugar, trabalhar com territrios-zona permite um maior interface entre o Eixo Cultural-Poltico e os Eixos da Socioeconomia e dos Recursos Naturais do ZEAS enquanto a troca de dados entre eles e sua posterior compatibilizao dentro de um marco nico. Isto necessrio para garantir a integrao dos Eixos num zoneamento nico, j que existe o risco de levantar dados dentro de trs marcos diferentes sem poder estrutur-los posteriormente num marco operativo nico. Uma vez feita essa opo metodolgica, resta decidir qual tipo especfico de territrio-zona deve ser elaborado para o Eixo. Como existem vrios maneiras de delimitar os territrios-zona, precisamos confeccionar o tipo que melhor cumpre com os interesses e a realidade dos grupos sociais do Municpio. Nesse sentido, o conceito de territrios ecolgicos escolhido para formar a base dos demais trabalhos do Eixo. Recolhendo uma preocupao expressa pelo Professor Rgo no Seminrio do ZEAS realizado em setembro de 2007, importante que as conceituaes de territorialidade sejam fundamentadas na realidade poltico-cultural do grupo social. Considero que o conceito de territrio ecolgico preenche essa demanda. A definio do conceito, junto com a identificao e anlise dos distintos territrios ecolgicos do Municpio, sero feitas na seo IV deste relatrio.

B. Entrecruzamento entre a lgica zonal e a lgica reticular A escolha dos territrios ecolgicos como unidade bsica de anlise no elimina de considerao s dinmicas territoriais que se comportam predominantemente em forma de rede. Pelo contrrio, levanta o desafio, tanto terico quanto metodolgico, de entrecruzar os dois tipos de dinmica dentro do Eixo Cultural-Poltico. Ou seja, os territrios-rede representam outras expresses de territorialidade que tem ganhado em

15 importncia nos ltimos anos e precisam ser incorporados adequadamente nos trabalhos do Eixo. Ademais, a incorporao das dinmicas reticulares serve para ampliar a dimenso scio-cultural dos territrios ecolgicos. Outro fator importante a ser levado em considerao o que Haesbaert (op. cit.: 298) indica: vistas como componentes dos territrios, as redes podem assim estar a servio tanto de processos sociais que estruturam quanto de processos que desestruturam territrios. Dessa forma, o prximo passo na implementao da metodologia proposta para o Eixo identificar os principais territrios-rede a serem entrecruzados com os territrios ecolgicos. Com base nos levantamentos feitos nesta pesquisa, identifico trs tipos de redes a serem utilizados, ressaltando que, no futuro, outros tipos podem ser utilizados com proveito: 1. Redes sagradas territorializadas; 2. Redes indgenas territorializadas; 3. Redes regionais territorializadas. A definio e operacionalizao dessas redes sero feitas na seo V deste relatrio.

C. Anlise das relaes de poder entre os distintos territrios identificados Cada um dos territrios ecolgicos do Municpio est imerso numa teia complexa de relaes polticas, econmicas e sociais. Para entender a situao desses territrios e sua interao entre si, importante realizar uma anlise de suas respectivas cotas de poder e as maneiras que elas so operacionalizadas dentro do contexto polticoeconmico do Municpio. Somente aps esse tipo de anlise ser possvel de implementar uma poltica de zoneamento que socialmente justa e economicamente eqitativa. Os indicadores para esse tipo de anlise sero apresentados na seo VI.

16 IV. OS TERRITRIOS ECOLGICOS DO MUNICPIO A. Definio operativa A base para identificar e delimitar os territrios ecolgicos os modos de vida dos grupos sociais. Concebemos o conceito de modo de vida em forma ampla para incluir: a) a ocupao histrica do grupo do espao geogrfico, junto com a memria coletiva que essa ocupao gerou; b) os vnculos afetivos que o grupo mantm com seu territrio, incluindo os lugares sagrados; c) os distintos sistemas produtivos desenvolvidos e utilizados pelo grupo, junto com seus respectivos conhecimentos e tecnologias; d) o regime interno de propriedade que o grupo emprega; e) a relao que o grupo mantm com as foras do mercado; e f) as expresses rituais e culturais associadas a essas prticas. Esses elementos, por sua vez, so insumos bsicos para a elaborao de uma identidade social prpria que diferencia o grupo dos demais grupos sociais. B. Identificao dos Territrios Ecolgicos do Municpio Com base na anlise dos documentos, nas entrevistas realizadas e nas distintas visitas de campo, se apresenta abaixo um primeiro esboo dos territrios ecolgicos do Municpio. importante assinalar que, mesmo que essa proposta fosse discutida publicamente no ltimo seminrio do ZEAS, ela ainda est aberta a modificaes. Todavia, este consultor acha importante que se estabelea uma base emprica operativa para a efetiva implementao do Eixo Cultural-Poltico. Os oito tipos de territrios ecolgicos identificados so:

1. Territrios pecuaristas 2. Territrios extrativistas 3. Territrios agrrios 4. Territrios agro-florestais 5. Territrios ribeirinhos 6. Territrios chacareiros 7. Territrios ambientalistas 8. Territrios bairristas

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C. Caracterizao geral dos territrios ecolgicos do Municpio Como o tema da territorialidade relativamente novo dentro do mbito dos Zoneamentos Ecolgico-Econmicos, existe um alto nmero de mal-entendidos e, mesmo, muita confuso sobre a maneira que os territrios se formam e comportam histrica e socialmente. Para tanto, nessa seo algumas das caractersticas gerais e/ou distines bsicas dos territrios ecolgicos sero abordadas aqui em forma sumria. Da, essas caractersticas serviro como uma espcie de roteiro bsico para a elaborao das fichas individuais dos territrios. (1) Reconhecimento formal ou no?: Seguindo a distino feita anteriormente entre a questo territorial e a questo fundiria, preciso indicar que vrios dos territrios ecolgicos identificados no gozam do reconhecimento formal do Estado. Alm do mais, dentro de uma mesma categoria pode existir territrios que contam com reconhecimento e outros que ainda no o receberam. O fato do no-reconhecimento formal de um territrio no tira a sua validade enquanto territorialidade, j que a identificao dos territrios foi feita sociologicamente, de baixo para cima, levando em conta os interesses e reivindicaes dos mesmos grupos sociais. Todavia, importante indicar que os territrios que ganharam reconhecimento formal do Estado tendem a ser mais fortalecidos politicamente dentro dos embates existentes entre distintas territorialidades. (2) Grau de consolidao social do territrio: Por outro lado, podem existir territrios que so formalmente reconhecidos pelo Estado, mas que no contam com um alto grau de consolidao interna que d fundamento social ao territrio em si. Essa situao encontrada, por exemplo, em algumas unidades de conservao que foram criados por decreto burocrtico (isto , de cima para baixo) sem ter uma consolidada base social que reivindicava a criao desse tipo de territrio. (3) Grau de fragmentao ambiental e geogrfica de cada territrio: Quando pensamos num territrio, geralmente o concebemos como uma rea ambientalmente homognea e geograficamente contgua. Mas, em muitos casos, o territrio ecolgico de um grupo abarca um conjunto diverso de paisagens e ecossistemas que explorado diferencialmente pelo grupo. Alm

18 disso, a rea explorada pelo grupo no necessariamente formada por um bloco contguo de terras, dando ao territrio um carter fragmentado. (4) Distribuio espacial dos territrios de um mesmo tipo: Um mesmo tipo de territrio ecolgico pode ser encontrado em diversas partes de uma regio determinada. Como cada territrio vinculado a um grupo social determinado. Para tanto, a localizao do grupo que vai determinar onde se situa o territrio e no um fator geogrfico externamente identificado. No caso especfico dos territrios ecolgicos, encontramos que quase todos os tipos de territrio identificados so contam com uma ampla distribuio espacial no Municpio. (5) Sobreposio entre os territrios: Dada complexa e conflituosa histria da ocupao do espao amaznico, muitos dos territrios ecolgicos construdos por distintos atores sociais encontram-se sobrepostos uns aos outros. Isto cria situaes de conflito tanto no nvel poltico-jurdico quanto no nvel scio-cultural. A resoluo desses conflitos no fcil, j que envolve o tratamento poltico de divergentes interesses econmicos e sociais. Essa situao complicada pelo fato que, na maioria dos casos, os embates esto entre atores sociais com cotas desiguais de poder, nos quais os atores mais fortes tendem a se impor sobre os mais fracos. Para tanto, qualquer poltica de zoneamento necessariamente tem que levar em conta essas situaes e procurar solues justas e eqitativas. D. Fichas individuais dos Territrios Ecolgicos Para cada um dos oito tipos de Territrios Ecolgicos identificados apresenta-se uma ficha contendo a sua caracterizao geral. Essas fichas tm a funo de serem indicativas, na medida em que mencionam as suas principais dimenses histricas, sociais, polticas e geogrficas. Caso que os Territrios Ecolgicos sejam adotados como unidade estruturante do Eixo (ou mesmo do ZEAS), a equipe tcnica do ZEAS teria que empreender a tarefa de compatibilizar os dados j coletados e os dados por serem coletados com esse formato territorial. Nas seguintes fichas se apresentaro informaes bsicas para nove categorias: (1) caractersticas gerais; (2) histrica da ocupao; (3) grau de reconhecimento formal do territrio; (4) organizaes sociopolticas; (5) grau de consolidao do grupo social;

19 (6) principais reivindicaes; (7) grau de fragmentao interna do territrio; (8) disperso geogrfica no Municpio; e (9) sobreposies com outros territrios.

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TERRITRIOS PECUARISTAS Caractersticas: Apesar de que a criao de gado uma atividade prevalente entre distintos tipos de produtores rurais, os territrios propriamente pecuaristas so caracterizados por ter grandes extenses de campos dedicados pastagem, mesmo que existe uma diversidade de tamanhos dessas propriedades. Os territrios pecuaristas do Municpio abrigam o maior rebanho de gado do Estado. A unidade produtiva bsica a fazenda privada, geralmente controlada por uma famlia, mas que pode contar com vrios trabalhadores contratados. Histrica da ocupao: Os fazendeiros entraram com muita fora a partir da dcada de 1970 e consolidaram sua presena na dcada seguinte, tornando-se um dos segmentos econmicos mais importantes do Municpio. Esse processo de ocupao foi marcado por muitos conflitos de ordem social, econmica, poltica e fundiria. Grau de reconhecimento formal do territrio: Mdio; apesar da maioria das fazendas contar com titulao formal, em muitos casos, a rea que efetivamente ocupam extrapola a rea titulada. Organizaes sociopolticas: A principal organizao do grupo a Federao da Agricultura e Pecuria do Estado do Acre. Grau de consolidao do grupo social: Apesar de sua disperso geogrfica em todo o Municpio, o grupo dos pecuaristas socialmente consolidado e mantm relaes de solidariedade e colaborao entre si. Principais reivindicaes: Mudar o Cdigo Florestal para reduzir a porcentagem de 80% da propriedade a ser mantida em Reserva Legal; permitir a expanso da atividade pecuria s novas reas (hoje florestadas); frear a criao de novas reservas extrativistas; flexibilizao das leis trabalhistas. Grau de fragmentao interna: Os territrios pecuaristas so fragmentados em mltiplas fazendas privadas. Disperso geogrfica no Municpio: Os territrios pecuaristas se encontram amplamente distribudos no Municpio, com concentrao nas regies noroeste e leste. Sobreposies com outros territrios: Existe um grau considervel de sobreposio entre os territrios pecuaristas e outros territrios, particularmente os territrios extrativistas e os territrios ribeirinhos, devido falta de clareza na questo fundiria do Municpio.

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TERRITRIOS EXTRATIVISTAS Caractersticas: Os territrios extrativistas se fundamentam em formas diversificadas de subsistncia e produo que podem incluir atividades de pesca, caa, roa, criao de pequenos animais e horticultura. Todavia, eles tm a extrao de recursos florestais no madeireiros e a subseqente venda desses produtos como um elemento fundamental de seu modo de vida. Em muitos casos, o escoamento, o beneficiamento e a comercializao desses produtos so feitos em forma comunitria ou coletiva. A seringa e a castanha-daAmaznia so os dois principais produtos extrativistas do Municpio. Histrica da ocupao: O extrativismo da seringa e a confeco da borracha so processos fundadores do grupo social dos seringueiros e remonta do final do sculo XIX e dos incios do sculo XX. Desde esse ento, eles desenvolveram suas atividades nas suas colocaes, geralmente sob o controle de seringalistas, situao que somente comeou a mudar a partir da dcada de 1970 com sua mobilizao poltica. Grau de reconhecimento formal do territrio: Alguns dos territrios extrativistas, como o caso da RESEX Chico Mendes, tm pleno reconhecimento formal, enquanto outros, como o caso dos extrativistas do Riozinho do Rolo, no o tem. Organizaes sociopolticas: O Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS, criado em 1985, a mais importante organizao dos extrativistas no nvel nacional e hoje conta com vrias sub-sedes regionais. O CNS tambm tem uma participao de liderana no Grupo de Trabalho Amaznico GTA, uma federao de mais de 450 organizaes e associaes amaznicas. No plano Municipal, existe uma srie de associaes e cooperativas locais que representam os extrativistas nas suas reivindicaes cotidianas. Grau de consolidao do grupo social: Podemos considerar os seringueiros como socialmente consolidado como grupo social. Desde a dcada de 1980, os seringueiros so reconhecidos politicamente, tanto no mbito nacional quanto internacional, como uma das organizaes de base mais importantes da regio amaznica. Todavia, uma srie de divises internas do Conselho tem debilitado sua atuao nessas duas dcadas de luta. Principais reivindicaes: No plano municipal, as principais reivindicaes giram em torno de melhorias de infra-estrutura (ramais, escolas, postos de sade) e de apoio produo (crdito, escoamento, beneficiamento, comercializao). No plano nacional, exercem presses para a ampliao da rede de Reservas Extrativistas, junto com o fortalecimento do sistema de apoio dentro do Governo Federal. Grau de fragmentao interna: Os territrios extrativistas concentradas na bacia do Riozinho do Rolo (no oeste do Municpio) encontram-se fragmentados em distintos seringais, cada um com seu nome prprio e respectiva associao. Os territrios extrativistas no sul do Municpio esto consolidados na RESEX Chico Mendes. Disperso espacial: Os territrios extrativistas so concentrados no sul e sudoeste do Municpio, justamente as reas mais florestadas. Sobreposies com outros territrios: As principais sobreposies esto com os territrios pecuaristas e com fragmentos dos territrios agrrios.

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TERRITRIOS AGRRIOS Caractersticas: Os Territrios Agrrios so compostos por pequenos agricultores organizados em Assentamentos, geralmente sob o auspcio do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA. A unidade bsica desses territrios so parcelas familiares de terra, que pode variar em tamanho de um mnimo de 25 h para um mximo de 100 h. Histrica da ocupao: Os Projetos de Assentamento da Reforma Agrria foram instalados a partir da dcada de 1970, mas foi na dcada de 1980 que mais expandiram no Municpio. Grau de reconhecimento formal do territrio: Por formar parte da rede de Assentamentos promovidos pelo INCRA, todos os Projetos de Assentamento do Municpio gozam de reconhecimento fundirio formal do governo. Organizaes sociopolticas: O Sindicato Rural do Estado um rgo ativo na luta pelos direitos dos pequenos agricultores. Cada Projeto de Assentamento conta com uma ou mais associaes, dependendo do seu tamanho e populao, as quais representam os moradores dos distintos ramais do Projeto. O grau de atividade e a eficcia poltica dessas associaes so muito variveis. Grau de consolidao do grupo social: O grupo est relativamente consolidado aps mais de duas dcadas de luta e contam com foros polticos importantes dentro do espao da sociedade civil e do governo. Principais reivindicaes: As principais reivindicaes giram em torno de melhorias de infra-estrutura (ramais, escolas, postos de sade) e de apoio produo (crdito, escoamento, beneficiamento, comercializao). Grau de fragmentao interna: O formato de um Projeto de Assentamento garante que os lotes familiares so agrupados em forma contgua, assim minimizando sua fragmentao e facilitando a dotao de infra-estrutura. Disperso espacial: Os Projetos de Assentamento esto espalhados nas distintas regies do Municpio, com a exceo da regio sudoeste. Sobreposies com outros territrios: Por ser Assentamentos expropriados pelos fins da Reforma Agrria, no h sobreposies com outros Territrios.

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TERRITRIOS AGRO-FLORESTAIS Caractersticas: So territrios que agrupam famlias com lotes individuais em Plos para fins de promover atividades de produo agro-florestal e, quando possvel, seu beneficiamento em loco. Existem sete territrios agro-florestais formalmente constitudos no Municpio. Por serem localizados perto da cidade, muitos produtores mantm trabalhos fora do Plo, o que tem descaracterizado em pouco sua funo produtiva original. Histrica da ocupao: Os Plos Agro-florestais foram criados no incio da dcada de 1990 pela Prefeitura como parte de seu programa de diversificao das formas de ocupao do solo rural-urbano e para fomentar a produo de alimentos para o consumo local. Grau de reconhecimento formal do territrio: Por serem criados pela Prefeitura, os trs Territrios Agro-florestais so formalmente reconhecidos pelo governo municipal, embora em alguns Plos no tenham emitido ttulos formais ainda. Organizaes sociopolticas: Cada Plo conta com, pelo menos, uma associao, sendo que h casos nos quais houve uma fisso interna. O grau de atividade e a eficcia poltica dessas associaes so diferentes para cada Plo. Grau de consolidao do grupo social: Por ser um grupo pequeno que no tem uma organizao formal alm do nvel do Plo, seu grau de consolidao e sua fora poltica so baixos, embora existem reunies peridicas entre os Presidentes das respectivas associaes. Principais reivindicaes: As principais reivindicaes dos produtores so o beneficiamento da produo dentro do mesmo Plo, acesso mais gil ao crdito, melhor acompanhamento tcnico e cursos de capacitao e treinamento sobre novas formas produtivas. Grau de fragmentao interna: O formato de um Plo Agro-florestal garante que os lotes familiares so agrupados em forma contgua, assim minimizando sua fragmentao e facilitando a dotao de infra-estrutura. Disperso geogrfica no Municpio: A maioria dos Plos est concentrada na rea perifrica da cidade do Rio Branco, sendo que outros esto na regio oriental do Municpio. Sobreposies com outros territrios: Embora so projetos implantados diretamente pela Municipalidade, o fato de estar perto da cidade tem facilitado invases urbanas em algumas partes dos Plos.

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TERRITRIOS RIBEIRINHOS Caractersticas: Desde o sculo XIX, comeou o desenvolvimento de uma forma de adaptao que combina uma multiplicidade de atividades produtivas, incluindo, sobretudo, a pesca, a agricultura, a extrao florestal e a caa. A caracterstica mais marcante dos ribeirinhos, porm, a importncia de seu vnculo com o rio. Histrica da ocupao: Como a ocupao da regio dos primeiros grupos noindgenas foi feita pelos rios, a histria dos ribeirinhos se confunde com o processo dessa ocupao. Grau de reconhecimento formal do territrio: O reconhecimento dos direitos fundirios dos ribeirinhos quase inexistente no Municpio. Organizaes sociopolticas: Os ribeirinhos, como grupo social, no contam com uma organizao sociopoltica especfica que representa seus interesses frente aos rgos do estado. Grau de consolidao do grupo social: H um baixo grau de consolidao social do grupo, o qual se encontra espalhado pelos rios do Municpio. Principais reivindicaes: As reivindicaes so inmeras, dadas ao estado de abandono em que muitos ribeirinhos se encontram, incluem a dotao de infraestrutura bsica como ramais, transporte regular, escoamento da produo, servios de educao e sade e acompanhamento tcnico. Grau de fragmentao interna: As reas ocupadas pelos ribeirinhos so fragmentadas em parcelas individuais. Disperso geogrfica no Municpio: Os territrios ribeirinhos encontram-se geograficamente dispersas em funo de seu seguimento dos cursos dos rios do Municpio. Sobreposies com outros territrios: H um alto grau de sobreposio dos Territrios Ribeirinhos com vrios outros Territrios do Municpio, fato que agravado pela falta de reconhecimento formal dos seus territrios.

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TERRITRIOS CHACAREIROS Caractersticas: A categoria da chcara tem uma significao prpria no Municpio para referir a uma forma de utilizao de terra baseada em pequenos lotes familiares onde se combinam distintas atividades produtivas horticultura, agricultura em pequena escala etc. com atividades de lazer. Em muitos casos, os donos mantm estreitos vnculos com a cidade, atenuando, assim, a distino clara entre o rural e o urbano. Histrica da ocupao: A surgimento das chcaras produto do crescimento da cidade de Rio Branco, sendo um dos principais fontes de alimentos para a cidade, ao mesmo tempo em que ofereceram um espao rural de lazer para certos setores da cidade. Grau de reconhecimento formal do territrio: Sua situao fundiria muito variada, sendo que algumas chcaras contam com ttulos reconhecidos pelo estado enquanto outras no tm registros formais ou existem registros confusos sobre a propriedade. Organizaes sociopolticas: No h organizaes sociopolticas que atendem s necessidades especficas do grupo. Grau de consolidao do grupo social: um grupo social bastante amorfo, que no conta com uma presena poltica organizada no Municpio. Principais reivindicaes: Como no houve visitas do consultor a chcaras, no havia possibilidade de levantar as reivindicaes dos chacareiros. Grau de fragmentao geogrfica: Os territrios chacareiros so altamente fragmentados, sem ter uma conectividade entre eles. Disperso espacial: Os territrios chacareiros esto dispersos em distintas partes do Municpio, porm com uma concentrao nas regies perifricas do Rio Branco. Sobreposies com outros territrios: A variedade de situaes fundirias em que se encontram as distintas chcaras indica que h tambm mltiplos casos de sobreposio com outros territrios do Municpio, precisando analisar essa situao caso por caso.

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TERRITRIOS AMBIENTALISTAS Caractersticas: So espaos formalmente reconhecidos pelos distintos nveis polticoadministrativos do Estado (municipal, estadual, federal) e que tem como finalidade a conservao e/ou a preservao do ambiente biofsico e da paisagem natural. Existem distintas categorias de reas protegidas no Municpio, incluindo rea de Proteo Ambiental (APA), Reserva Extrativista (RESEX) e Parques Ambientais. Histrica da ocupao: A maior parte das reas protegidas foram criados nos ltimos 20 anos. Grau de reconhecimento formal do territrio: Por serem criados pelo Estado (nas suas distintas esferas administrativas), os Territrios Ambientalistas gozam de reconhecimento formal. Organizaes sociopolticas: No h organizaes especficas que atendem as necessidades dos moradores nos reas protegidos do Municpio, com a exceo do RESEX Chico Mendes. Grau de consolidao do grupo social: um grupo social bastante amorfo que no tem uma organicidade nem uma identidade prprias, o que coloca em questo a validade da mesma categoria de Territrios Ambientalistas. Principais reivindicaes: A falta de coeso de um grupo social que defendem esses territrios dificulta a identificao de reivindicaes prprias. Grau de fragmentao interna: As unidades de conservao formam espaos geogrficos contguos, mostrando assim pouca fragmentao, porm o caso das APAs emblemtico, j que englobam uma grande variedade de tipos de ocupao, no todos compatveis com as finalidades de conservao da rea. Disperso geogrfica no Municpio: Com a exceo da RESEX Chico Mendes, que est localizado no extremo sul do Municpio, as demais unidades de conservao esto localizados perto ou dentro da cidade de Rio Branco. Sobreposies com outros territrios: As unidades de conservao do Municpio tm poucas sobreposies como outros territrios.

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TERRITRIOS BAIRRISTAS Caractersticas: A cidade de Rio Branco est sub-dividida em mltiplos bairros, sendo alguns que datam de um sculo de ocupao continua e outros que se formaram na ltima dcada. A vida bairrista da cidade se expressa em distintas formas e com intensidades diversas. Histrica da ocupao: A formao de bairros comea com o mesmo processo da fundao da cidade e acompanhou todo o seu processo de crescimento, at os dias atuais. Grau de reconhecimento formal do territrio: A maioria dos bairros da cidade formalmente reconhecida pelo Municpio, porm a existncia de invases e ocupaes irregulares continua sendo um problema. Organizaes sociopolticas: Os bairros tm expresses organizativas mltiplas, que incluem instncias polticas (organizaes de moradores), culturais (ligas esportivas) e religiosas (vida paroquial). A fora de cada um dessas instncias varia de bairro em bairro. Grau de consolidao do grupo social: Cada bairro tem um histrico distinto e mostra um grau prprio de consolidao dos moradores. Principais reivindicaes: Dada diversidade de tipos e temporalidades de ocupaes dos bairros, junto com a divergncia em graus de integrao infra-estrutural, encontra-se todo tipo de reivindicao entre os distintos bairros. Grau de fragmentao interna: Os bairros tendem a ser compactos e geograficamente contguos, mas isto tambm varia dependendo da sua topografia. Disperso geogrfica: Apesar de ter o centro da cidade como referncia bsica, o crescimento dos bairros tem espalhado em todas as direes e sem ter um planejamento global eficaz. Sobreposies com outros territrios: Com a expanso dos bairros, a cidade vai invadindo territrios chacareiros e territrios ribeirinhos.

28 V. OS TERRITRIOS-REDE DO MUNICPIO A. Definio operativa A escolha dos territrios ecolgicos um tipo de territrio-zona como unidade bsica de anlise no deve servir para ocultar nem minimizar a importncia dos chamados territrios-rede. Nesta primeira dcada do sculo XXI, uma das caractersticas mais importantes da dinmica humana a alta mobilidade geogrfica das foras socioculturais. Essa mobilidade se expressa em mltiplas formas: migrao do campo para a cidade; migraes internacionais; expanso de igrejas e seitas religiosas para outros estados e, at, pases; incorporao de elementos artsticos alheios nas produes culturais locais; chegada de novas mercadorias junto com sua aura propagandstica; novas formas de comunicao global instantnea (telefones celulares; Internet; games virtuais etc.). O que todos esses processos (e tantos outros semelhantes) tm em comum que so fundamentados em fluxos. No mapeamento dos fluxos as noes geogrficas tradicionais tais como zonas, fronteiras, regies tornam-se poucas adequadas para captar a dinamicidade dos fenmenos em questo. Com o intuito de reconhecer a importncia desses fluxos, a noo de territriosrede foi introduzida como uma das ferramentas analticas do Eixo Cultural-Poltico. necessrio ressaltar que essa ferramenta torna o trabalho do ZEAS muito mais complexa. Mas, como o ZEAS postula estar em sintonia com as dinmicas territoriais da populao do Municpio, no tem opo seno de acompanhar esses fluxos. Uma dos problemas bsicos com a incorporao do conceito de territrios-rede no ZEAS o que indica Haesbaert (1994: 294): a caracterstica mais importante das redes seu efeito concomitantemente territorializador e desterritorializador, o que faz com que os fluxos que por elas circulam tenham um efeito que pode ser ora de sustentao, mais interno ou construtor de territrios, ora de desestruturao, mais externo ou desarticulador de territrios. As implicaes para o ZEAS desse fenmeno so diretas. Cada um dos territrios ecolgicos identificados na seo anterior pode experimentar processos que fortaleam os territrios como tambm outros que os desarticulam. Para tanto, a proposta metodolgica apresentada aqui que uma vez analisados os respectivos territrios ecolgicos com nas suas principais caractersticas, eles devem ser re-analisados luz das redes que circulam dentro e fora do territrio. Para as

29 finalidades do Eixo Cultural-Poltico, identifico trs tipos de territrios-rede que so importantes para essa anlise: 1) redes sagradas territorializadas; 2) redes indgenas territorializadas; e 3) redes regionais territorializadas. Certamente elas no so as nicas redes existentes, mas considero que so as mais importantes, tomando em conta a dinmica populacional do Municpio. No h a inteno aqui de oferecer uma anlise profunda dessas trs tipos de rede. A apresentao abaixo feita com a proposta de orientar a implementao de instrumentos tcnicos e analticos que podem servir como fundamento para a estruturao do ZEAS em termos culturais e polticas. B. Redes sagradas territorializadas Entre os distintos elementos culturais marcantes da vida acreana so a profunda espiritualidade do povo e a variedade de expresses religiosas que ela tem. Essas expresses mantm diversos graus de institucionalizao e mltiplas categorias so utilizadas para classific-las: igreja, seita, culto, crena etc. Para tanto, prefiro utilizar a noo de redes sagradas por englobar, numa forma menos tendenciosa, os distintos tipos de expresso religiosa. Com base na dinmica religiosa do Municpio, identifico cinco principais territrios-rede em pleno funcionamento, os quais teriam que ser levados em conta na no seu entrecruzamento como os territrios ecolgicos: 1) territrios-rede catlicos; 2) territrios-rede daimistas; 3) territrios-rede evanglicos; 4) territrios-rede espritas; e 5) territrios-rede de candombl/umbanda. Internamente de alguns territrios ecolgicos (os territrios agrrios, por exemplo) pode encontrar membros de cada uma dessas redes sagradas, mostrando assim a variedade das expresses religiosas e a complexidade dos entrecruzamentos entre as redes dentro um tipo de territrio-zona. Pelo lado externo dos territrios ecolgicos, membros das redes sagradas se encontram nos distintos tipos de territrio. Entre os oito tipos de territrios ecolgicos identificados, por exemplo, todos contam com membros da rede catlica territorializada.

30 A dimenso propriamente territorial dessas redes manifesta de duas formas. Existem expresses territoriais na prpria estrutura institucional da rede, como atestam os exemplos das parquias, no caso catlico, e dos terreiros, no caso do candombl. Essas territorialidades institucionais so importantes na medida em que ajudam na construo de um sentido de comunidade ou congregao. Outra dimenso territorial se refere maneira em que a participao numa das cinco redes sagradas consegue construir uma identidade prpria como praticante ou crente, de tal forma que dois praticantes de uma mesma religio, embora morando em territrios ecolgicos distintos, podem sentir uma identificao mais forte entre si que entre seus vizinhos geogrficos. A fora dos laos religiosos varia muito, mas acredito que deve entrar como um dos entrecruzamentos necessrios a serem feitos pelo ZEAS.

C. Redes indgenas territorializadas Das 34 Terras Indgenas do Estado do Acre, nenhum est localizado no Municpio do Rio Branco. Apesar desse fato, a populao indgena do Municpio figura entre as mais altas do Estado. Para explicar essa anomalia, temos que entender a dinmica das migraes indgenas para a cidade (seja de forma temporria ou permanente) e a existncia de redes tnicas e intertnicas. O entrecruzamento dessas redes com os territrios ecolgicos sucede quase exclusivamente dentro dos territrios bairristas, de tal forma que o levantamento de dados sobre esses territrios deve incluir elementos que contabilizam o tamanho e natureza dessas redes. Redes tnicas (de um grupo tnico s): Quando membros de um grupo indgena residem na cidade de Rio Branco, suas casas invariavelmente tornam pontos de chegada e moradia temporria para outros membros do grupo que vm cidade por motivos variados. Dessa maneira, podemos dizer que um pedao do territrio do grupo est encravado na cidade, mesmo que esteja longe da Terra Indgena. Como no fiz pesquisa urbana em torno desse assunto, no posso entrar em muitos detalhes sobre a dinmica dessas redes. Por exemplo, no sei se a redes se estruturam com base de um grupo tnico como um todo, de uma Terra Indgena especfica ou de laos de parentesco mais restrito (ou de uma combinao desses trs elementos). Sugiro que esse tema seja considerado para futuros trabalhos no ZEAS. Redes intertnicas: A cidade de Rio Branco tambm serve como palco principal para o processo de construo de um movimento indgena intertnico que pretende atender s necessidades dos diversos grupos tnicos do Estado. Nesse processo, a

31 presena das lideranas indgenas pode ser relacionada a sua participao em movimentos sociais, em organizaes no-governamentais, em cargos governamentais ou em espaos culturais e artsticos. A dinmica dessas redes intertnicas tem experimentado altos e baixos nos ltimos vinte e cinco anos. Esse espao tambm oferece uma oportunidade para trabalhos mais profundos do ZEAS.

D. Redes regionais territorializadas Numa forma semelhante do funcionamento das redes indgenas na cidade de Rio Branco, podemos identificar redes regionais que operam como ponto de apoio e de identificao de membros de um mesmo lugar de origem. Essas redes operam em trs nveis: municipal; estadual; internacional. As redes municipais fazem referncia ao fato que h membros de todos os municpios do Estado do Acre e que eles se organizam informalmente para a manuteno de certas prticas e tradies sejam elas de ordem culinria, artstica, religiosa ou esportiva. As redes estaduais denotam a articulao entre pessoas oriundas de distintas unidades da federao que moram em Rio Branco, novamente para fins de manter certas prticas de seus estados de origem. Finalmente, as redes internacionais se referem s colnias de pessoas procedentes de outros pases que residem em Rio Branco. Sem ter dados atuais sobre essas redes, parece que a rede mais significativa nesse nvel a dos bolivianos, fato explicvel pela fcil acesso a Rio Branco desde este pas e pelas relaes histricas (no sempre pacficas) entre Acre e Bolvia.

32 VI. ANLISE DAS RELAES DE PODER ENTRE OS TERRITRIOS Seguindo os passos delineados na terceira seo deste relatrio, cabe agora apresentar o esboo metodolgico para a anlise das relaes de poder entre os distintos territrios ecolgicos. Em verses mais tecnocrticas de processos de zoneamento, a questo de relaes de poder tende a ser ignorada em favor elaborao de indicadores de ordem quantitativa. Considero que um dos grandes mritos do ZEAS do Municpio do Rio Branco seu intento de confrontar o assunto das relaes de poder em forma direta e incorpor-lo na sua metodologia. Dito isto, a anlise de relaes de poder de extrema complexidade e no se presta facilmente para a elaborao de indicadores ou de receitas quantificveis. Em primeiro lugar, essa anlise precisa ser fundamentada num entendimento global das foras de poder que esto em jogo no Municpio. Para isto, necessrio ir alm de um marco estritamente poltica para incluir na anlise as dimenses econmica, social, cultural e ambiental desse jogo. Em segundo lugar, um conjunto mnimo de esferas de poder precisa ser identificado para operacionalzar a anlise. Nesse sentido, proponho o seguinte conjunto de nove esferas, junto com sua definio bsica, para servir como ncora dessa fase da metodologia: 1. Grau de consolidao social e poltica do grupo social: Um grupo social que no conta com uma organizao social e poltica tem poucas oportunidades de participar efetivamente nas arenas polticas do Municpio. Ou seja, um grau mnimo de consolidao social e poltica um requerimento bsico para poder sentar-se mesa poltica de uma unidade administrativa determinada. 2. Acesso direto aos canais de poder poltico: Ter graus considerveis de consolidao no garante que o grupo social tenha acesso aos canais de poder poltico. Assim, teria que analisar quais grupos conseguem eleger mais vereadores, deputados ou outros cargos eletivos para ver sua insero efetiva nas tomadas de deciso poltica. 3. Capacidade de mobilizao poltica e/ou econmica do grupo: Outra maneira de ganhar acesso aos canais de poder por meio da presso poltica e econmica. Para grupos que no contam com acesso direto ao poder poltico, existe a opo de conquistar isto com mobilizao poltica, a qual pode tomar mltiplas formas: greves; marchas; manifestaes; paralisaes; assemblias; lobby; boicotes etc.

33 4. Reconhecimento fundirio formal do territrio pelo Estado: O reconhecimento do territrio pelo Estado representa um trunfo importante para o grupo. Alm da legitimidade que fornece territorialidade do grupo, oferece tambm uma ncora jurdica para a defesa do territrio contra invases ou expropriaes indevidas. 5. Controle efetivo sobre os recursos naturais no seu territrio: Com ou sem reconhecimento formal, outro fator de poder importante ter controle efetivo sobre os recursos naturais no seu territrio. Isto requer que, por um lado, o grupo consegue vigiar as fronteiras do seu territrio e defend-lo contra invases ou atividades ilegais de extrao de recursos e, por outro lado, ter a capacidade de utilizar e explorar economicamente tais recursos. 6. Grau de integrao socioeconmica (infra-estrutura a sua disposio): Um territrio pode ser muito rico em recursos naturais e o grupo social pode ter a capacidade de explor-los economicamente, mas sem um grau adequado de integrao socioeconmica essa explorao no ser facilmente traduzida em riqueza. Para isto, um conjunto de elementos infra-estruturais (ramais; transporte; acesso ao sistema de sade etc.) precisa estar disposio do grupo. 7. Uso de tecnologias de intensificao da produo: Junto com o acesso infra-estrutura, outro indicador importante a variedade de tecnologias de produo que os membros de grupos usufruem para aumentar sua produo. Essas tecnologias podem estar diretamente ligadas ao processo produtivo (tratores; caminhes; sementes melhoradas; mquinas para o beneficiamento em sitio etc.) ou vinculadas aos processos posteriores de beneficiamento e comercializao. 8. Riqueza econmica: Nenhuma lista de indicadores de poder seria completa sem ter o item de riqueza econmica. Na economia capitalista no qual estamos inserida, o dinheiro consegue falar politicamente em muitas maneiras, seja no financiamento de campanhas polticas, seja na compra de influncia, ou mesmo por meio da ostentao consumista e o poder simblico que isto acarreta. 9. Capital simblico: O capital simblico faz referncia importncia que um grupo social mantm nos mbitos da opinio pblica, da mdia, da ideologia e da esfera cultural. Um grupo que considerado positivamente nesses mbitos (por uma grande

34 variedade de razes) ganha poder de barganha nas arenas de poder, mesmo que no conta com riqueza econmica ou poder poltico direto. Com base nesses indicadores, apresento um quadro sntese que avalia a situao de cada tipo de territrio ecolgico em relao com cada um dos indicadores acima apresentados. Utilizo um sistema simples de avaliao baseado em somente trs valores alto, mdio e baixo com a ressalva que o quadro pode ser modificado e aprimorado no futuro.

QUADRO SINTTICO DAS RELAES DE PODER ENTRE OS TERRITRIOS ECOLGICOS Territrios Territrios Territrios Territrios Territrios Territrios Pecuaristas Extrativistas Agrrios Agro-florestais Ribeirinhos Chacareiros Grau de consolidao social e poltica do grupo social Acesso direto aos canais de poder poltico Capacidade de mobilizao poltica e/ou econmica do grupo Reconhecimento fundirio formal do territrio pelo Estado Controle efetivo sobre os recursos naturais no seu territrio Grau de integrao socioeconmica (infraestrutura a sua disposio) Uso de tecnologias de intensificao da produo Riqueza econmica Capital simblico alto alto mdio alto/mdio mdio alto mdio mdio alto baixo baixo baixo baixo baixo baixo baixo mdio baixo Territrios Territrios Ambientalistas Bairristas baixo mdio mdio varivel varivel varivel

mdio alto

mdio mdio

alto alto

alto/mdio alto

baixo mdio

mdio alto

alto alto

varivel varivel

alto

baixo

baixo

mdio

baixo

mdio

mdio

varivel

alto alto baixo

baixo baixo alto

baixo baixo mdio

mdio mdio/baixo mdio

baixo baixo mdio

mdio mdio mdio

baixo baixo alto

varivel varivel varivel

Apesar da forma rudimentar desse quadro, serve para ter uma viso global das relaes de poder entre os distintos territrios ecolgicos. Uma leitura rpida do quadro indica que os territrios pecuaristas gozam de muitas fontes de poder, embora o preo desse poder seja um nvel baixo de capital simblico, j que so considerados como predadores. No outro extremo, encontram-se os territrios ribeirinhos que mostram nveis baixos em quase todas as categorias, mesmo que sua territorialidade seja uma das mais velhas do Municpio. A variabilidade dos territrios bairristas do Rio Branco, por sua vez, dificulta a aplicao dos indicadores em forma geral, requerendo uma anlise no nvel de cada bairro. Esse diagnstico rpido de relaes de poder cumpre uma dupla funo para a formulao de polticas pblicas territoriais no Municpio. Uma leitura vertical de cada coluna (isto , por tipo de territrio) permite identificar as esferas fortes e fracas de cada tipo de territorialidade, o que serve para a elaborao de polticas de dotao de poder para territrios marginalizados. Uma leitura horizontal de cada linha (isto , por esfera de poder) permite identificar pontos fracos de alguns tipos de territrio num plano setorial (economia, tecnologia, infra-estrutura etc.), o que tambm pode conduzir a elaborao de polticas pblicas que permite um jogo de poder mais justo e equilibrado.

37 VII. PRXIMOS PASSOS PARA O EIXO CULTURAL-POLTICO 1. Anlise crtica dos relatrios finais apresentados pelos consultores; 2. Tomada de decises pelo Conselho e pela equipe tcnica sobre quais propostas, metodologias e recomendaes contidas nos relatrios devem ser incorporadas no Eixo Cultural-Poltico; 3. Aes de compatibilizao entre o Eixo Cultural-Poltico e os demais Eixos do ZEAS; 4. Coleta de dados primrios para o Eixo Cultural-Poltico dentro do seu novo formato; 5. Realizao de novas pesquisas para preencher lacunas no conhecimento sobre a territorialidade no Municpio; 6. Publicao dos resultados.

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VIII. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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