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195 Ciência Geográca - Bauru - XVI - Vol. XVI- (2): Janeiro/Dezembro - 2012 TERRORISMO: UM LEGADO HISTÓRICO E SUA CARACTERIZAÇÃO NA PLATAFORMA MIDIÁTICA TERRORISM: AN HISTORICAL LEGACY AND ITS CHARACTERISTICS ON THE PLATFORM MEDIA Elvis Christian Madureira Ramos 1 Wellington dos Santos Figueiredo 2 1 Geógrafo. Mestre em Educação para Ciência (UNESP-Bauru). Doutorando em Geografia (UNESP-Presidente Prudente). Membro da Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local Bauru – SP. Professor efetivo da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected] 2 Geógrafo e Pedagogo. Mestre em Comunicação Midiática (UNESP-Bauru). Membro da Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local Bauru – SP. Membro do Comitê Editorial da Revista Ciência Geográfica. Professor da Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho, Cabrália Paulista - SP (Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza” – CEETEPS). E-mail: [email protected] Artigo recebido em outubro e aceito para publicação em novembro de 2012. RESUMO: Buscando as raízes históricas do terrorismo, o presente artigo demonstra a antiguidade desta tenebrosa prática, bem como o alinhamento ideológico na utilização “terrorista” pelos veículos midiáticos. Destaca-se o grupo terrorista Al Qaeda, mundialmente conhecido após os atentados de 11 de Setembro contra os Estados Unidos e o terrorismo informacional (em rede) praticado por esta organização. Palavras-chave: Terrorismo Informacional, Mídia e Desinformação, 11 de Setembro de 2001, Redes e Poder, Produção de Sentido. ABSTRACT: Seeking the historical roots of terrorism, this article demonstrates the antiquity of this dreadful practice as well as the ideological alignment in use “terrorist” by the media vehicles. Noteworthy is the terrorist group Al Qaeda, best known after the attacks of September 11 against the United States and terrorism informational (networked) practiced for this organization. Keywords: Informational Terrorism, Media and disinformation, September 11 th 2001, Networks and power,Meaning production. O ato terrorista não pode ser entendido nem analisado, portanto, como um súbito relâmpago no céu azul, uma atitude isolada, inesperada e inexplicável de algum grupo de fanáticos. José Arbex Jr. Era o dia 11 de setembro. Desviados de sua missão habitual por pilotos decididos a tudo, os aviões se lançam para o coração da grande cidade, resolvidos a abater os símbolos de um sistema político detestado. Imediatamente, explosões, fachadas que voam em pedaços, desabamentos num barulho infernal,

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195Ciência Geográfi ca - Bauru - XVI - Vol. XVI- (2): Janeiro/Dezembro - 2012

Terrorismo: um legado histórico e sua caracterização na plataforma midiática

TERRORISMO: UM LEGADO HISTÓRICO E SUA CARACTERIZAÇÃO NA PLATAFORMA MIDIÁTICA

TERRORISM: AN HISTORICAL LEGACY AND ITS CHARACTERISTICS ON THE PLATFORM MEDIA

Elvis Christian Madureira Ramos1

Wellington dos Santos Figueiredo2

1 Geógrafo. Mestre em Educação para Ciência (UNESP-Bauru). Doutorando em Geografia (UNESP-Presidente Prudente). Membro da Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local Bauru – SP. Professor efetivo da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]

2 Geógrafo e Pedagogo. Mestre em Comunicação Midiática (UNESP-Bauru). Membro da Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Local Bauru – SP. Membro do Comitê Editorial da Revista Ciência Geográfica. Professor da Escola Técnica Estadual Astor de Mattos Carvalho, Cabrália Paulista - SP (Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza” – CEETEPS). E-mail: [email protected]

Artigo recebido em outubro e aceito para publicação em novembro de 2012.

RESUMO: Buscando as raízes históricas do terrorismo, o presente artigo demonstra a antiguidade desta tenebrosa prática, bem como o alinhamento ideológico na utilização “terrorista” pelos veículos midiáticos. Destaca-se o grupo terrorista Al Qaeda, mundialmente conhecido após os atentados de 11 de Setembro contra os Estados Unidos e o terrorismo informacional (em rede) praticado por esta organização.

Palavras-chave: Terrorismo Informacional, Mídia e Desinformação, 11 de Setembro de 2001, Redes e Poder, Produção de Sentido.

ABSTRACT: Seeking the historical roots of terrorism, this article demonstrates the antiquity of this dreadful practice as well as the ideological alignment in use “terrorist” by the media vehicles. Noteworthy is the terrorist group Al Qaeda, best known after the attacks of September 11 against the United States and terrorism informational (networked) practiced for this organization.

Keywords: Informational Terrorism, Media and disinformation, September 11th 2001, Networks and power,Meaning production.

O ato terrorista não pode ser entendido nem analisado, portanto, como um súbito relâmpago no céu azul, uma atitude isolada, inesperada e inexplicável de algum grupo de fanáticos.

José Arbex Jr.

Era o dia 11 de setembro. Desviados de sua missão habitual por pilotos decididos a tudo, os aviões se lançam para o coração da grande cidade, resolvidos a abater os símbolos de um sistema político detestado. Imediatamente, explosões, fachadas que voam em pedaços, desabamentos num barulho infernal,

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sobreviventes aterrorizados, fugindo cobertos de escombros. E a mídia que difunde a tragédia ao vivo...Nova York, 2001? Não, Santiago do Chile, 11 de setembro de 1973. Com a cumplicidade dos Estados Unidos, golpe de Estado do General Pinochet contra o socialista Salvador Allende e o palácio presidencial metralhado pelas forças áreas. Dezenas de mortos e início de um regime de terror que durou quinze anos. (RAMONET, 2003, p.45)

Ao lermos o primeiro parágrafo redigido pelo jornalista francês Ignacio Ramonet, é quase que instantâneo nos reportamos ao dia 11 de setembro de 2001. Quando nos deparamos com a sequência do texto, tudo se esclarece e retornamos à época da Guerra Fria, do patrulhamento dos Estados Unidos na América Latina, a caça aos governos comunistas, onde o “bem” era representado pelo capitalismo, pelo “Ocidente”... Os Estados Unidos usavam o terror para gerar terror. Foram vitais na derrubada de um governo democraticamente eleito que naquela terça-feira de setembro de 1973 pagava o preço por desafi ar os estadunidenses e seguir uma ideologia diferente. A partir dessa data até 1989, o Chile mergulharia nas trevas do Terrorismo de Estado capitaneado pelo General Augusto Pinochet. Paradoxalmente, o país que se orgulha de se autodenominar “a maior democracia do mundo” e defender os “valores da civilização” patrocinava mais um golpe de Estado sacrifi cando os anseios democráticos tão valiosos a qualquer sociedade. Atentados que disseminam o terror não são algo novo na história da humanidade. A palavra terrorismo remonta à Revolução Francesa, ao terror dos jacobinos e de suas guilhotinas. Na acepção atual, é um fenômeno que começou no fi nal do século XIX quando os anarquistas começaram a jogar bombas, tornando-se instrumento corriqueiro após a Segunda Guerra Mundial, visando a obter resultados políticos através da criação de situações de pânico coletivo. Um valor disfórico presente em ações de terror é a intimidação da sociedade civil, seja ela executada pelo governo ou grupos insurgentes. Alguns veículos midiáticos se refutavam a usar a expressão “terrorismo” para designar a atuação política dos Estados Unidos contra outros países, mas se revestem dessa classifi cação quando os vitimados são os estadunidenses, na direção de sentidos que os “outros” são “terroristas”, nós, não3. Mesmo sendo conceito “técnico” presente nas ciências sociais, é inegável que a expressão “terrorista” é vestida pelo fi gurino ideológico, subjetivo, sendo ajustado segundo o efeito de sentido que se queira produzir no enunciatário. Mediante a isso, para melhor compreensão das notícias, é necessário responder: o que é terrorismo?, e conhecê-lo como processo político remoto e as faces com as quais se apresenta.

O terrorismo na história

A prática terrorista tem uma longa história. Instigar o terror para alcançar fi ns políticos e criar raízes no poder é tão antigo quanto às primeiras sociedades. Muito antes que ataques contra civis, como artifícios para afetar o comportamento de nações e seus líderes fossem denominados de terroristas, a ação teve várias classifi cações. Do tempo da república romana até fi ns do século XVIII a prática era batizada de guerra destrutiva. Os próprios romanos geralmente usavam a expressão guerra punitiva. Não obstante, muitas campanhas militares romanas fossem de fato empreendidas como punição por traição ou rebelião, outras ações destrutivas afl oravam do simples desejo de impressionar povos recém-conquistados com o temível poder dos romanos.

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Na Grécia antiga, o historiador Xenofonte já aconselhava a prática de assassínios em países potencialmente adversários para criar pânico entre a população virtualmente inimiga. Porém, mesmo colado à violência, o terrorismo já foi visto pelas lentes da justiça e redenção.

No decorrer do século XIX, a palavra terrorismo ganha uma conotação francamente positiva nas obras dos teóricos do movimento anarquista. Guardada as peculiaridades do pensamento de cada um, o francês Pierre Joseph Proudhon e os russos Mikhail Bakunin e Piort Kropotikin observavam no terror um fato construtivo, uma forma efi ciente de destruir o poder estatal. (MONDAINI, 2004, p. 230)

O século XIX é simbólico por testemunhar a eclosão da violência internacional, interpretada como precedente histórico do terrorismo moderno. Os agentes dessa agressão eram geralmente classifi cados como anarquistas e faziam uso ostensivo do assassinato individual, além de bombas contra unidades militares, policiais e forças privadas de segurança industrial, como práticas para combater as crescentes disparidades entre as classes sociais resultantes das transformações advindas com a Revolução Industrial que afl orava em solo europeu.

Tem-se assim, na prática terrorista, uma extensão de anseios políticos. A violência é utilizada como instrumento para alcançar determinados objetivos. Para ampliar seus tentáculos de pavor sobre povos e Estados, o terrorismo assume diversas fi sionomias. As faces do terrorismo

A melhor arma política é a arma do terror. A crueldade gera respeito. Podem odiar-nos, se quiserem. Não queremos que nos amem. Queremos que nos temam.Adolf Hitler durante discurso para ofi ciais da SS em Kharkov, (19/04/1943).

O terror tem muitas faces, contudo, um só pensamento: a anulação de seus opositores a qualquer custo. Existem terroristas que agem em nome de uma divindade (como os grupos extremistas islâmicos); os mercenários (como os milicianos que lutam na África, membros da Blackwater que atuam no Iraque); os nacionalistas (como o IRA – Exército Republicano Irlandês – e do ETA – Pátria Basca e Liberdade)4; e, ainda, os ideológicos (como o grupo de Timothy McVeigh, responsável pela destruição do prédio de Oklahoma em 1995)5. Há ainda o terrorismo de Estado, que consiste na eliminação de minorias étnicas ou opositores a certo regime. Enquadram-se nessa prática, os regimes da Alemanha nazista, a Itália fascista, a União Soviética sob a sombra de Stálin, o Camboja de Pol Pot, a China de Mao Tse-tung, o Iraque sob os auspícios de Saddam Hussein, as ditaduras latino-americanas nas décadas de 1960 e 1970, o antigo regime de apartheid na África do Sul ou ainda os Estados Unidos à época da política marcarthista.

... o terrorismo é, na verdade, a própria negação da política, pois representa uma contradição à existência desta. Desde sua origem, na polis (cidade-Estado) grega, o termo política traz em si as noções de “diálogo, persuasão, negociação, em suma, a razão”. Ora, com seu caráter “fanático-militar”, o terrorismo “se volta contra a própria racionalidade, logo, contra a política”. O terrorista é o extremista que “nada quer saber

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do diálogo, da argumentação”, já que “o seu único alvo é a imposição, pela violência, de suas próprias convicções”. Dessa forma, o terrorismo assinala a continuidade daquilo que existe de mais fanático na humanidade, ou, mais apropriadamente, o que há de mais fanático na anti-humanidade. (MONDAINI, 2004, p. 244)

Inúmeras reportagens sobre os atentados de 11 de setembro de 2001 colaram a expressão “terrorista” a manifestações islâmicas. É fato que adeptos do Islamismo utilizam-se desse artifício político para demonstrar seus anseios. Todavia, como vimos, o terrorismo tem inúmeras manifestações. O mesmo raciocínio é aplicado ao vocábulo “fundamentalista”, que foi gestado no ventre do Cristianismo.

Considerar o terrorismo e o fundamentalismo apenas ou, sobretudo, como instrumentos políticos do Islamismo é reducionismo ou má-fé. A prática terrorista é fortemente repudiada por muito seguidores mulçumanos. Portanto, o terror “islâmico” não é o porta-voz de uma religião, cultura ou civilização.

O radicalismo islâmico é impopular. A maioria dos muçulmanos não quer uma teocracia. As pessoas no mundo muçulmano viajam para ver o luxo em Dubai, não as madrassas de Teerã. Metade dos países muçulmanos do mundo – cerca de 600 milhões de habitantes – tem eleições. Nos últimos cinco anos os partidos ligados ao radicalismo islâmico raramente ganharam mais do que 7% ou 8% dos votos. (ZAKARIA, 2007, p. 91)

Boff (2002) vai à raiz dos fatos e, aplicando a vacina da História, esclarece que

O nicho do fundamentalismo se encontra no protestantismo norte-americano, surgido nos meados do século XIX. O termo foi cunhado em 1915, quando professores de teologia da Universidade de Princeton publicaram uma pequena coleção de doze livrões que vinha sob o título Fundamentals. A testimony of the Truth (1909-1915). Neles propunham um cristianismo extremamente rigoroso, ortodoxo, dogmático, como orientação contra a avalanche de modernização de que era tomada a sociedade norte-americana. Não só modernização tecnológica, mas modernização dos espíritos, do liberalismo, da liberdade das opiniões, contrastando fundamentalmente com a seguridade que a fé cristã sempre oferecera. A tese dos fundamentalistas no âmbito religioso é afi rmar que a Bíblia constitui o fundamento básico da fé cristã e deve ser tomada ao pé da letra (o fundamento de tudo para a fé protestante é a Bíblia). Cada palavra, cada sílaba e cada vírgula, dizem os fundamentalistas, é inspirada por Deus. Como Deus não pode errar, então tudo na Bíblia é verdadeiro e sem qualquer erro. Como Deus é imutável, sua Palavra e suas sentenças também o são. Valem para sempre. (...)O Islamismo original não é guerreiro nem fundamentalista. É tolerante para com todos os povos, especialmente “os povos do livro” (judeus e cristãos). Ele vive de duas grandes convicções: a afi rmação da absoluta unicidade e transcendência de Deus, a partir de onde tudo na Terra é relativizado, e a comunidade profética dos irmãos, pois todos são criaturas de Deus e devem se entreajudar. (BOFF, 2002, p. 12-29)

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A doutrina inicial era de paz, entretanto, muitos seguidores do Islamismo divorciaram-se da concepção original e se enveredaram para o caminho ungido de sangue.

Islamismo, fundamentalismo e terrorismo

Atualmente o Islamismo (submissão à vontade de Alá6) é a religião que mais cresce no mundo. A religião islâmica é originária da cidade de Meca (atual Arábia Saudita) e teve na fi gura do profeta Maomé a sua edifi cação. Seus ensinamentos estão materializados no Alcorão7, livro sagrado em que se encontram impressas as revelações feitas pelo anjo Gabriel a Maomé entre os anos 610 a 632 d.C. O Alcorão divide-se em duas grandes partes que correspondem às fases de atuação do profeta Maomé: a fase de Meca (anos 610-622) e a fase de Medina (anos 622-632). A fase de Meca possui textos mais curtos e aborda fundamentalmente a doutrina e seus valores. Na fase de Medina, o livro trata de orientações concretas do reto viver, da organização política e do sistema jurídico. Posteriormente, incorporaram-se à doutrina islâmica as narrativas de outros profetas (hadit), o consenso dos sábios (igma) e os argumentos por analogia (qiyas).

O Islamismo é monoteísta e possui três ramos principais: xiitas, sunitas e sufi stas. Os xiitas são tidos como a ala mais radical do Islã, não aceitando divisão entre o poder político e a esfera religiosa. Política e religião consubstanciam-se na formação do Estado Teocrático e atribuem ao líder religioso uma proteção sobrenatural contra o pecado e o erro. Os sunitas, a imensa maioria desse segmento religioso, são conhecidos por sua moderação, pela separação do poder divino do político-social. Consideram que a fonte essencial para a lei islâmica é a Suna, compilação da vida e do comportamento do profeta8.

São quatro as escolas teológicas sunitas, que diferem fundamentalmente em detalhes de rito e código legal: Hanafi , Hanbali, Mãlaki, Shaãfi ’í, sem falar na “reforma” ultra radical wahhabista do século XVIII – o wahhabismo é uma seita hoje majoritária na Arábia Saudita. (KAMEL, 2007, p. 101)

Já os sufi stas, constituem-se em uma corrente esotérica do Islamismo e se preocupam mais com as verdades espirituais da religião do que com as questões políticas e ortodoxas. Assim sendo, a interpretação do Alcorão não é a mesma para todos os islâmicos. Para os fundamentalistas9 certos aspectos das sociedades ocidentais como a liberdade de expressão e de religião, a igualdade de direitos para homens e mulheres são incompatíveis com os ensinamentos do Alcorão. Para eles, o Ocidente, com seus valores, constitui uma ameaça à sociedade islâmica, devendo ser combatido. O ideal político desta manifestação fundamentalista é a implantação de um Estado Islâmico, um regime teocrático que traduza literalmente as antigas leis do Alcorão (balizados por uma interpretação radical dos textos). O chefe real desta concepção de governo teocrático é Alá, sendo os demais guias religiosos apenas representantes que interpretam e aplicam a vontade divina. No que cabe às tradições, os fundamentalistas defendem o radical e urgente rompimento com tudo que pareça ocidental10. As mulheres emancipadas pelas leis secularizadas devem voltar a usar o chador ou burca, não devem ter acesso à instrução e nem serem atendidas por médicos. O ensino em qualquer nível deve priorizar o campo religioso e as leis comuns devem se acolher às regras estabelecidas pelo Alcorão. Socialmente, pode-se dizer que eles dão voz aos sentimentos dos setores mais pobres e mais desesperançados das comunidades do Oriente Médio, gente em sua maioria

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analfabeta que vive em subúrbios, nos campos ou nos desertos e que leva uma vida dura, sem alegrias ou confortos.

O surgimento do fundamentalismo religioso também parece estar ligado tanto a uma tendência global como a uma crise institucional. Segundo a experiência histórica, sempre existiram idéias e crenças de todos os tipos à espera para eclodirem no momento certo. É signifi cativo que o fundamentalismo, quer islâmico, quer cristão, tenha se difundido (e continuará a expandir-se) por todo o mundo no momento histórico em que redes globais de riqueza e poder conectam pontos nodais e valorizam os indivíduos em todo o planeta, embora desconectem e excluam grandes segmentos das sociedades. (CASTELLS, 2002, p. 59-60)

Os movimentos fundamentalistas islâmicos têm sua origem na decadência do poder muçulmano no século XVIII, dentro do contexto da expansão do Império Turco-Otomano. Nesse período, os líderes espirituais eram obrigados a aceitar determinações do poder político imperial, que, apesar de professar o Islamismo, procuravam agradar povos não-muçulmanos dominados pelo império. Em razão da expansão do Império Turco-Otomano, ocorria uma troca de manifestações culturais que não era bem vista pelos líderes espirituais. A expansão do colonialismo ocidental foi um processo fundamental para o retrocesso da cultura islâmica. Com o domínio colonial europeu, a partir do início do século XX, os movimentos fundamentalistas ganharam impulso, alicerçados na defesa das leis e costumes islâmicos e na luta contra a dominação ocidental. O crescimento do fundamentalismo também precisa ser entendido como uma reação aos governos corruptos e ditatoriais de vários países do Oriente Médio, onde a conquista da independência política não signifi cou a eliminação das interferências externas das grandes potências mundiais e onde as populações não veem perspectivas para melhoria nas condições de suas vidas. Em muitos desses países, governantes acabam se reelegendo por meio de fraudes e manipulações. Em vista disso, parte da população muçulmana passa a depositar cada vez mais suas esperanças nas próprias raízes religiosas e culturais. A posição das grandes potências mundiais, sobretudo dos Estados Unidos, em relação aos governos desses países sempre foi ambígua, revelando, na verdade, um interesse no Oriente Médio exclusivo nas vantagens econômicas e geopolíticas que podem ter apoiando este ou aquele governante. Em tempos contemporâneos, o fundamentalismo islâmico começa a ganhar força na primeira metade do século XX. Em 1929, no Egito, surgiu a Irmandade Muçulmana, fundada por Hasan al-Banna. O grupo oferecia resistência armada ao colonizador britânico. A Irmandade também possuía características sociais desenvolvendo programas de alfabetização e de assistência médica à população carente do Egito. Os fundamentalistas queriam com isso reconstruir sua identidade nacional com base nos alicerces da religião islâmica, em oposição aos valores políticos e culturais do colonizador. Contudo, a Irmandade Muçulmana passou a ser perseguida pela monarquia egípcia, que tinha fortes laços políticos com a Inglaterra. A Irmandade manifestava na prática terrorista sua metodologia de ação. Seus militantes costumavam bradar palavras de ordem como: “Nós não temos medo da morte; nós a desejamos”. A sentença com que a Al Qaeda costuma fi nalizar suas declarações – “vocês amam a vida; nós, a morte” – tem no discurso da Irmandade Muçulmana a sua origem. O fundamentalismo islâmico voltou a ascender no cenário político internacional em 1979 com a Revolução Islâmica Xiita no Irã. Liderada pelo Aiatolá Khomeini, a

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Revolução foi vista como uma canalização das potencialidades islâmicas adormecidas ou escorraçadas pela presença cada vez maior do “pecado da modernidade”. Na concepção fundamentalista, a salvação para esse pecado seria o resgate da “pureza islâmica”.

O surgimento do grupo terrorista islâmico Al Qaeda O Afeganistão, composto de uma variedade de etnias rivais, era uma monarquia desde 1933. Em 1973, sofreu um golpe de Estado, liderado pelo então general Mohammed Daud, que transformou o país numa república e assumiu a presidência. No período da Guerra Fria, principalmente após a crise do petróleo de 1973, o país tornou-se estratégico, transformando-se num território de disputa entre as duas superpotências da época (Estados Unidos e ex-União Soviética). Os soviéticos aspiravam à dominação da região para controlar o acesso ao Golfo Pérsico, e, os Estados Unidos, buscavam inibir a expansão soviética na região do Oriente Médio.

Em 1978, Mohammed Daud foi deposto e assassinado por membros do Partido Democrático do Povo (de orientação comunista). Esse episódio desencadeou a disputa pelo poder entre as facções do próprio partido e entre grupos guerrilheiros de etnias diversas, principalmente a islâmica. Hafi zullah Amin, líder de uma das facções do Partido Democrático do Povo, acabou conquistando a presidência, mas não se mostrou capaz de contemplar os interesses soviéticos. No fi nal de 1979, a União Soviética invadiu o país. O presidente Hafi zullah Amin foi assassinado e o presidente nomeado, Babrak Karmal, passou a governar o Afeganistão com as forças soviéticas, que em pouco tempo chegaram a mobilizar grande contingente de soldados.

A resistência contra o regime de Babrak Karmal, por parte dos vários grupos de mujähidins, foi implacável. Instaurou-se no país uma guerra civil que os soviéticos nunca conseguiram controlar. Estados Unidos, Paquistão, China, Irã e Arábia Saudita forneceram armas e dinheiro aos guerrilheiros que lutavam contra a ocupação soviética. Durante a década de 1980, os Estados Unidos estiveram diretamente envolvidos no recrutamento e treinamento dos mujähidins, entre eles, Osama bin Laden.

Ao fi m da Guerra Fria, o exército soviético retirou-se do Afeganistão, e a guerra continuou entre as facções de grupos islâmicos que disputavam o poder entre si. Em 1994, o Talebã, grupo islâmico ultrarradical, assumiu o poder e o controle de 95% do território afegão e o país se transformou em abrigo seguro para o milionário saudita Osama bin Laden.

Já no fi m do jihad no Afeganistão (no fi m dos anos 1980), a Al Qaeda (...), foi criada para atingir as seguintes metas: “Estabelecer a verdade, livrar o mundo de todo o mal e fundar uma grande nação islâmica”. (KAMEL, 2007, p. 213)

Os mujähidins treinados pelos Estados Unidos para combater a expansão do comunismo soviético voltaram-se contra seu principal provedor de armas e de treinamentos.

... o aspecto mais assustador (...) era o fato de que quase ninguém a levava a sério. Era estranha demais, primitiva e exótica demais. Diante da confi ança dos americanos na modernidade, na tecnologia e em seus próprios ideais para protegê-los do desfi le selvagem da história, os gestos desafi adores de Bin Laden e seus sequazes se afi guravam absurdos e até patéticos. No entanto, a Al Qaeda não era um mero artefato da Arábia do século VII. Aprendera a usar ferramentas modernas e idéias modernas, o que não surpreendia, já que

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a história da Al Qaeda na realidade começara nos Estados Unidos, não tanto tempo atrás. (WRIGHT, 2007, p. 17)

A rede Al Qaeda foi concebida nesse contexto histórico, com a fusão de facções islâmicas ultrarradicais, conexões espalhadas pelo mundo – inclusive nos Estados Unidos – país que seria o alvo do mais arrojado ataque executado pela organização. A Al Qaeda possuía o código genético do terrorismo, seu rastro de sangue e destruição fi caria mundialmente famoso em 11 de setembro de 2001.

A Al Qaeda e o “Terrorismo em Rede”

A organização do espaço geográfi co através das redes eliminou a necessidade de se fi xar as atividades políticas, econômicas e até terroristas, em determinados lugares. Isso vale para o grande número de atividades que podem ser executadas a partir de qualquer parte do mundo, bastando que esses locais estejam conectados. O espaço geográfi co hoje tende a se tornar um meio técnico-cientifi co-informacional, impregnado pela tríade ciência, técnica e informação, o que resulta em uma nova dinâmica territorial (SANTOS, 1996). Até pouco tempo, a superfície do planeta era utilizada de acordo com divisões produzidas pela natureza ou pela história, chamadas de regiões. Essas regiões correspondiam à base da vida econômica, cultural e política. Atualmente, devido ao processo das técnicas e das comunicações, a esse território se sobrepõe um território das redes que, em primeira análise, fornece a impressão de ser uma realidade virtual. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, não se trata de um espaço virtual. Para Castells (2002) as

redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifi ca de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. (CASTELLS, 2002, p.565)

Assim, as redes são realidades concretas, formadas por pontos interligados, que tendem se a espalhar por toda a superfície mundial, ainda que com desigual densidade, conforme os continentes e países. Santos (1996, p.215) afi rma que “a existência das redes é inseparável da questão do poder”.

Essas redes se constituem na base da modernidade e na condição necessária para a plena realização da economia global. Elas formam e se constituem no veículo que permite o fl uxo das informações, que são hoje o mecanismo vital da globalização.

Moreira (2006) aduz que a organização em rede vai mudando a forma de conteúdo dos espaços deixando-os simultaneamente mais fl uídos e as distâncias perdem seu sentido físico diante do novo conteúdo social do espaço. Antes de mais nada, é preciso se estar inserido num lugar, para se estar inserido na geopolítica da rede. Uma vez localizado na rede, pode-se daí puxar a informação, disputar-se primazias e então jogar-se o jogo do poder. Enfi m, a informação se torna a matéria-prima essencial do espaço-rede.

Nesse cenário é que emerge a expressão “Terrorismo em Rede”, utilizada por Haesbaert (2002). Para o geógrafo, o grupo Al Qaeda possui em sua estrutura bases ou “células” de uma organização ilegal – e a fl exibilidade das redes com seus fl uxos de várias ordens. Parte desta agilidade se deve ao acesso às redes técnico-informacionais contemporâneas e aos investimentos mantidos pelo grupo, especialmente em setores ilegais da economia. Pelo seu caráter mais difuso, fragmentado e descontínuo (mas nunca

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desarticulado) no espaço geográfi co, o terrorismo da Al Qaeda constitui um dos âmbitos ilegítimo do processo de globalização. Cabe ressaltar que as conexões de uma rede como a da organização de Bin Laden vincula os territórios mais excluídos do movimento globalizador, como os do interior do Afeganistão, até centros do capitalismo mundial como Manhattan.

Com os atentados de 11 de setembro de 2001, o grupo terrorista Al Qaeda inaugurou uma nova forma de manifestação terrorista: o terrorismo em rede. Neste início de século, quatro atentados chocaram o mundo por sua crueldade: o de 11 de setembro de 2001 (em Nova York e Washington – Estados Unidos), o de 11 de março de 2004 (em Madri – Espanha), o de Beslan (Ossétia do Norte) cujo nefasto desfecho ocorreu em 3 de setembro de 2004 e os atos ocorridos em Londres (Inglaterra) em 7 de julho de 200511. Os atentados sofridos pelos Estados Unidos, Espanha e Inglaterra foram atribuídos à rede Al Qaeda e seus braços de execução. O da Ossétia do Norte, a um grupo separatista da Chechênia, região que luta por sua independência em relação à Federação Russa. Durante o século XX, proliferaram grupos terroristas em praticamente todas as partes do planeta com os mais diferentes objetivos: grupos de esquerda em luta contra governos capitalistas, grupos de direita contra governos de orientação socialista, grupos nacionalistas, grupos separatistas, lutas pela independência, descolonização... Neto (2002) atenta que as ações terroristas são determinadas por princípios básicos que assegurem o seu sucesso e aumentem cada vez mais o poder de destruição. Entre seus principais preceitos estão

a) O princípio da surpresa: Atacar onde e quando menos se espera;b) O princípio do alvo certo: A escolha correta do alvo a ser atingido é determinante na promoção do medo e do terror;c) O princípio das externalidades: Valorizar não apenas o ato terrorista, mas, sobretudo, os efeitos de curto, médio e longo prazos das ações do terror;d) O princípio da tragédia: Quanto maior o número de vítimas, melhor. Vítimas para chocar é o preceito básico das ações terroristas;e) O princípio do efeito moral: Abater moralmente os inimigos, disseminando o medo e o pavor entre a população;f) O princípio das novas possibilidades: Sempre prometer novos ataques caso suas exigências não sejam cumpridas;g) O princípio da presença onipotente: Estar presente em qualquer lugar, em todo lugar, sempre disposto a agir, se for preciso;h) O princípio da ameaça latente: Tornar-se uma ameaça sempre presente na vida das pessoas, países e regiões;i) O princípio da efi ciência destruidora: Sua efi ciência e sua competência, mesmo a serviço do mal, são objetos de admiração;j) O princípio da redenção: A morte de seus seguidores é o ingresso na vida eterna;k) O princípio do exército de reserva: Divulgar adesões em massa ao movimento terrorista e deixar claro que “o que não falta são terroristas dispostos a morrer”;l) O princípio da onipresença: Fazer crer aos inimigos que dispõe de um exército de terroristas prontos para a ação em seu próprio território;m) O princípio do simbolismo destrutivo: Valorizar o efeito simbólico das ações. Destruir símbolos que signifi cam poder, riqueza e intransigência;n) O princípio da martirização: Transformar seus adeptos em mártires;o) O princípio da espetacularização: Fazer de seus atos verdadeiros espetáculos de destruição;

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p) O princípio do catastrofi smo: Sempre prometer a anunciar uma tragédia maior;q) O princípio da inversão: Transformar a vítima em algoz;r) O princípio do estímulo à guerra total (o princípio da “jihadização”): Promover a guerra santa. Transformar os confl itos locais em choques de civilizações;s) O princípio da demonização: Seu inimigo é visto como o Grande Satã, causador de todos os males do mudo;t) O princípio da invisibilidade: Ser um inimigo invisível, sem cara nem movimentação;u) O princípio do anonimato: Cometer atos mantendo-se no anonimato;v) O princípio da refl exão induzida: Pelos atos praticados contra alvos cuidadosamente escolhidos, induz-se à refl exão: por que este ou aquele país foi escolhido como alvo das ações terroristas?;w) O princípio da bola da vez: Deixar seus inimigos pensarem que um deles será a próxima vítima a alvo do terror;x) O princípio do silêncio: Manter-se em silêncio para não se expor10. (NETO, 2002, p. 60-62)

No entanto, atos terroristas de grandes proporções são elementos marcantes na ordem mundial pós-Guerra Fria e colocam em evidência a continuidade dessa estratégia de luta por grupos radicais frente ao Estado organizado, diante dos quais seriam impotentes num combate frontal. Trata-se de uma guerra assimétrica de grandes proporções, que amedronta e coloca a sociedade em permanente estado de tensão. O combate ao terrorismo não é uma tarefa a ser realizada em curto prazo. O terrorismo é um “inimigo invisível”, atua por meio de ataques surpresas e, muitas vezes, é indiferente ao alvo que será atingido. Sem dúvida, neste início de século, embora velhas táticas terroristas ainda sejam praticadas, pelo menos os atentados atribuídos à rede Al Qaeda, caracterizam-se pelo minucioso planejamento e profi ssionalismo, visando ações de proporções mundiais. Foram atos realizados em pontos estratégicos do capitalismo mundial.

Quanto maior a violência da prática terrorista, maior será a cobertura dos meios de comunicação. Uma vez que é a imagem que determina a informação na atualidade (Vicente, 2005), e “mesmo a desgraça perde seu sentido sem os refl etores” (AUBENAS & BENASAYAG, 2003, p. 32). Nos atentados ao World Trade Center, depois do choque do primeiro avião na Torre Norte, as câmaras de televisão passaram a transmitir ao vivo o acontecimento e pessoas do mundo todo viram em tempo real o segundo avião chocar-se na Torre Sul. Foi também ao vivo que os telespectadores puderam acompanhar o desabamento das Torres Gêmeas e a população em desespero sob a poeira dos escombros produzidos. Segundo a Revista Veja (2001, p. 62), eles “queriam publicidade máxima de seus atos e agiram como se tivessem antecipado o cenário que construíram.”

Na pauta desse novo terrorismo consta:

Criar catástrofes para gerar espaço;Despertar polêmicas para colocar-se como tema central;Mitifi car o seu principal líder para dele fazer um dos principais produtos da mídia;Criar novas expectativas de ataques para manter a imprensa sempre em estado

de alerta; eFomentar um clima de guerra para despertar a atenção da mídia. (NETO, 2002,

p. 107-108).

Segundo Romano (2003, p.21) “com o Estado moderno, todas as artes e ciências se tornaram utensílios de propaganda”. Sem a atuação da mídia, os atentados de 11 de

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setembro de 2001 não teriam o impacto desejado. Ramonet (1999) nos alerta

... que hoje em dia a informação televisada é essencialmente um divertimento, um espetáculo. Que ela se nutre fundamentalmente de sangue, de violência e de morte. (RAMONET, 1999, p. 101)

Cabe destaque à noção de tempo real manifestada pelos arquitetos do terror que projetaram os atentados. A resposta quase que instantânea por parte dos meios de comunicação era algo previsível e peça importante para a repercussão das ações terroristas. As cenas dos aviões se chocando contra os edifícios do World Trade Center, transformaram-se em um “marketing do terror”. Os ataques tiveram como alvo os principais espaços-símbolos dos Estados Unidos: o econômico (Word Trade Center) e o militar (Pentágono). As imagens produzidas pelos ataques representariam à destruição dos ícones do capitalismo estadunidense. Assim, a mídia foi utilizada como instrumento de guerra pelos terroristas.

De acordo com Neto (2002) e Eco (2002)

Pelo clima de guerra criado, o terror vale-se da mídia para fomentar a sua própria “jihad”. É o marketing do terror que “jihadiza” a mídia.(...)O que fez a mídia senão cair na armadilha que lhe foi preparada pelo marketing do terror? (NETO, 2002, p. 107-108).

A repetição, nos dias seguintes aos atentados, até 200 vezes consecutivas, do choque dos aviões, por um lado paralisou o mundo, mas, por outro, contribuiu de forma determinante para aumentar – e com euforia – a simpatia e a provocação de vários grupos ligados ao terrorismo. Isso transformou Bin Laden numa espécie de super-homem capaz de tudo, o que aumentou e incentivou o recrutamento de novos camicases. (ECO apud NETO, 2002, p. 108)

O poder midiático serviu como instrumento para despertar a atenção da população à causa dos terroristas. O episódio reforçou o poder da imagem na produção dos sentidos. Quando se fala nos atentados de 11 de setembro de 2001, as cenas que nos vem à mente são as dos aviões se chocando com as torres do World Trade Center e suas estruturas sendo consumidas pelas chamas. O atentado ao Pentágono, não raro, cai no esquecimento, num primeiro momento, entre outros fatores, por não se ter às imagens do avião destruindo suas estruturas. Arbex Jr. (2003a, p.23) complementa o raciocínio sobre a utilização estratégica dos meios de comunicação afi rmando que “... a mídia, na era tecnológica, é um instrumento estratégico de guerra. (...) Ela é um elemento do terror”.

Osama bin Laden pode ser classifi cado como agente do novo terrorismo. Incitando a prática terrorista de maneira transnacional e não mais local como as ações do IRA e do ETA, por exemplo. A Al Qaeda, utilizando-se de maneira efi caz das tecnologias de informação, produz o terrorismo organizado em rede. No caso do grupo Al Qaeda, a Internet, os laptops, os passaportes múltiplos e as facilidades de transporte mundial tornaram possível a organização terrorista operar como uma entidade virtual, fazendo efi ciente uso do território organizado em rede, obtendo maior mobilidade e fl exibilidade.

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Mas o terrorismo atual é diferente das formas anteriores. E os atentados terroristas do dia 11 de setembro de 2001, simbolizam muito bem este novo terrorismo, em especial, pelo planejamento, objetivos, sua natureza globalizada e uso inteligente da mídia.

Neste aspecto, a Al Qaeda é uma organização perfeitamente adaptada à era da globalização com suas ramifi cações multinacionais, suas redes fi nanceiras suas conexões com os meios de comunicação e informação, seus recursos econômicos, suas centrais de abastecimento, seus centros de formação, seus pólos humanitários, seus postos de propaganda, suas fi liais e subfi liais... (RAMONET, 2003, p. 69)

O velho terrorismo procurava eliminar fi guras estratégicas do regime que combatia, evitando atingir inocentes. Já para o novo terrorismo não há inocentes, todos devem sofrer as consequências dos atos do regime sob o qual vivem e eventualmente apoiam. Nem mesmo as populações que, em tese, seriam “libertadas” ou “esclarecidas” pelos terroristas são afi nal inocentes que devem ser poupadas; pois na lógica de sua argumentação existe a ideia de que “quem morre pela causa” deve se sentir glorifi cado. Além disso, a destruição de edifícios símbolos (como as torres do World Trade Center ou o Pentágono) e a matança de centenas ou milhares de pessoas é algo que chama a atenção da mídia e justamente esta é uma das grandes preocupações do terrorismo da rede Al Qaeda. Ele busca a cobertura por parte da mídia internacional, suas ações só têm sentido no contexto de sociedades democráticas onde a mídia em geral, e em especial a TV (que transmite imagens e sons e infl uencia uma parcela maior da população), é livre e procura dar uma cobertura imediata aos acontecimentos considerados “quentes” ou de grande importância. Podemos até dizer que existe uma relação simbiótica entre o novo terrorismo e a nova mídia: ambos são globalizados e visam à opinião pública internacional (que logicamente é mais intensa e infl uente nos países desenvolvidos), sem a qual não existiriam; ambos preocupam-se com o sensacionalismo, com acontecimentos trágicos que têm que ser (re)produzidos constantemente para prender a atenção do público (HOBSBAWN, 2007). Basta atentar para o fato de que, nos dias e semanas que se seguiram aos atentados terroristas nos Estados Unidos, algumas redes de televisão alcançaram altíssimos e atípicos índices de audiência em visível contraste com os preços das ações das empresas em geral que caíram bastante no mesmo período. A CNN que antes dos ataques aos Estados Unidos passava por séria crise, apostou alto na cobertura de guerra e, ancorada no estado de comoção pelo qual o país passava, a emissora bateu recordes de audiência, sendo das poucas empresas midiáticas com ações em alta na Bolsa de Nova York após os atentados (DORNELES, 2003).

As principais modalidades do novo terrorismo são as seitas ou organizações fundamentalistas, apocalípticas e tradicionalistas. Essa é mais uma diferença essencial entre ele e o velho terrorismo. Este último, em especial o terrorismo anarquista, era de esquerda (e se considerava progressista) no sentido de lutar por igualdade social, de se opor violentamente não ao progresso em si, mas sim ao seu usufruto por somente uma minoria da população. Já o novo terrorismo é essencialmente conservador e, ao contrário do que muitos pensam, é radicalmente contrário aos ideais de igualdade e liberdade para todos. A bem da verdade, normalmente ele combate esses ideais democráticos, taxando-os de “ocidentais” (num sentido pejorativo) ou então de “artifi ciais” e “antinaturais”. O terrorismo da rede Al Qaeda não está preocupado com as desigualdades internacionais ou com a pobreza ou a exclusão de inúmeros povos e, sim, com a ameaça a certos valores tradicionais (religiosos ou não) que considera absolutos: por exemplo, a superioridade masculina e outros princípios

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de acordo com sua leitura do Islamismo, a destruição da ordem atual das coisas com vistas à construção de um mundo novo alicerçado em determinadas crenças religiosas. Sem dúvida que a situação precária dos palestinos, serviu como motivo mais imediato destes atos terroristas contra os estadunidenses, que foram praticados por grupos (uma verdadeira rede) extremistas islâmicos. Mas confundir isso com um protesto furioso contra a globalização ou contra as exclusões e desigualdades em geral, como foi feito à época por setores de esquerda, é confessar ignorância total sobre os fundamentos de tais grupos terroristas e as suas motivações ou se utilizar da lente ideológica da miopia política para visualizar e apontar sofi smas frente a um nevoeiro retórico13.

Outro traço característico do terrorismo em rede é que ele não se limita a assassinatos ou explosões isoladas, que eram a tônica no velho terrorismo. Ele é global (convive e se alimenta da globalização) e dispõe de todo um sofi sticado arsenal de fi nanciamento e de artefatos: novos meios de destruição (químicos, biológicos, tecnológicos), contas bancárias numeradas na Suíça ou em “paraísos fi scais” e membros recrutados em vários países (e treinados em outros), alguns inclusive com um nível educacional elevado (pós-graduação ou até doutorado em microbiologia, química, eletrônica, sistemas de redes etc.) (HOBSBAWN, 2007). Ele é fi nanciado tanto por contribuições dos membros e, principalmente dos simpatizantes (muitos dos quais milionários, pessoas muito bem inseridas no sistema global e como também em alguns casos pela associação com o tráfi co de drogas). Ele dispõe do indispensável apoio de alguns Estados que os escondem ou até que permitem (ou fi nanciam em parte) os seus campos de treinamento: como se sabe, nos anos recentes esse papel foi desempenhado, em maior ou menor proporção, pelo Sudão, Somália, Líbia, Síria, Iraque e Afeganistão. E o terrorismo global dispõe de novos e mais potentes instrumentos de ação: não somente os assassinatos e as explosões, mas também gases nocivos (como o sarim), agentes biológicos patogênicos (como o antraz) e talvez – desde que exista a ajuda de algum Estado com essa tecnologia, material radioativo e no limite armamentos atômicos14. Devido à grande sofi sticação dos atuais meios de destruição, que mais cedo ou mais tarde acabam fi cando à disposição de grupos que têm recursos para adquiri-los, o terrorismo torna-se, pelo menos potencialmente, cada vez mais letal ou até catastrófi co.

Terrorismo na mídia: um contrato semântico polêmico

“Foi o maior atentado terrorista da história”. Essa sentença foi amplamente divulgada por telejornais, sites, rádios e meios de comunicação impressos quando se reportavam aos atentados ocorridos nos Estados Unidos naquela fatídica manhã de terça-feira. Mesmo que no decorrer das horas não se sabia a quem atribuir à culpa, o dia 11 de setembro de 2001 já tinha seu lugar assegurado na História.

Floresceram críticas quanto à afi rmação: Por que o 11 de setembro de 2001 seria o maior ato terrorista da História? Outro embate semântico e político suscitado à época: os ataques sofridos pelos Estados Unidos foram atos de terrorismo? Acendendo a chama da provocação, Arbex Jr. (2003b) e Steinberger (2005) questionam

Ninguém esclareceu qual critério, exatamente, fez do atentado de 11 de setembro algo pior ou pelo menos mais grandioso do que, por exemplo, a destruição de Hiroxima (sic) e Nagasáqui (sic), em agosto de 1945; ou do que o ataque a instalações civis no Sudão, ordenado por Bill Clinton, em 24 de agosto de 1998 (...) ou ainda, do que os bombardeios maciços dos Estados

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Unidos sobre as populações do Laos, Vietnã e Camboja nos anos 60 e 70, quando morreram pelo menos 3 milhões de civis. (ARBEX JR, 2003b, p. 49)

O maior em número de vítimas? O maior em danos e prejuízos causados? O maior relacionado ao “menos provável”? Como a mídia divulgou tais avaliações menos de 24 horas depois do ocorrido, quando muito pouco se sabia a respeito de vítimas e danos? Qual a origem de tais modos de identifi car e avaliar? (STEINBERGER, 2005, p. 225)

Em entrevista à revista Veja, o consultor estadunidense para temas de combate ao terrorismo, Ian O. Lesser, ao responder tal questionamento afi rma que

É bastante possível. Certamente foram os mais dramáticos e letais da história moderna do terrorismo. A escala dos ataques foi catastrófi ca, mas não é comparável a um ataque nuclear de pequena escala nuclear numa área urbana. (LESSER, 2001, p. 14)

Uma pista à polêmica pode ser acrescida: o que é terrorismo? Responder a essa questão pode ser o primeiro passo para se chegar a uma conclusão.

Embora a prática política do terrorismo seja antiga, o mesmo não acontece com o emprego da palavra para ilustrar tais atos. O verbete “terrorismo” foi empregado pela primeira vez para classifi car o período de terror durante a Revolução Francesa ocorrida em 1789. O Dicionário da Academia Francesa, em sua edição de 1798, classifi ca o termo como “sistema ou governo baseado no terror”. Nesse período revolucionário, governos ditatoriais guilhotinaram doze mil pessoas de vários matizes ideológicos. O terrorismo entra na linguagem como “Terrorismo de Estado”, que já era sua forma quase exclusiva antes de seu “batismo ortográfi co”.

Embora seja uma palavra de uso disseminado, a defi nição de terrorismo é marcada pelo signo da controversa. A ONU procura desde a década de 1960 conceituar de maneira precisa a expressão. A frustração deve-se, em parte, a interesses geopolíticos de muitos dos países que integram a organização. Afi nal, os que são terroristas para uns podem ser considerados combatentes em prol da liberdade para outros15. A defi nição de terrorismo adotada pela União Europeia demonstra bem essa fragilidade. Ao conceituar que “ato terrorista é aquele que produz vítimas civis”, defi ne-o de maneira ampla e vaga. Seguir este pensamento é como colocar na mesma teia de análises os atentados de 11 de setembro de 2001 e ações realizadas por estudantes, pacifi stas, operários e torcedores de futebol cujos movimentos de protestos resultassem em mortes involuntárias.

Contribuindo com o assunto, Attali apud Neto (2001, p.22) classifi ca terrorismo como: “Antiqüíssima forma de violência política usada por grupos ultraminoritários decididos a conquistar pela força o poder sobre determinado território”.

As palavras de Attali jogam luz na discussão. Ao mencionar a utilização da força política usada por grupos ultraminoritários, torna mais clara e delimitada a proposta dos grupos terroristas. Assim sendo, é possível construir um consenso, mínimo que seja, sobre o que é terrorismo: o uso sistemático da violência para produzir uma atmosfera de medo em que seus adeptos acreditem que será possível alcançar determinado objetivo político.

Ao considerarmos que os ataques perpetrados em 11 de setembro de 2001 pelo

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grupo Al Qaeda externaram cálculo, estratégia, almejando ferir a moral política e social dos Estados Unidos, sendo movidos por claros motivos de intimidação, vislumbrando a população civil como alvo e fomentando pânico nas sociedades estadunidense e mundial, temos peças que se encaixam na defi nição anterior: as ações contra os Estados Unidos podem sim ser classifi cadas como terroristas, embora não apenas esses atentados, e, sim, todos aqueles que preenchem tais características, inclusive práticas políticas efetuadas pelos Estados Unidos ao longo do século XX. Contudo, da maneira como o termo é trabalhado, produzem-se sentidos diferenciados como nos alerta Dorneles (2003)

O terrorismo no dicionário: 1) modo de impor a vontade pelo uso sistemático do terror; 2) emprego sistemático da violência para fi ns políticos, especialmente a prática de atentados e destruições por grupos cujo objetivo é a desorganização da sociedade existente e a tomada do poder; 3) regime de violência instituído por um governo; 4) atitude de intolerância e de intimidação adotada pelos defensores de uma ideologia, sobretudo nos campos literário e artístico, em relação aos que não participam de suas convicções (Dicionário Houssais da língua portuguesa, p. 2706).Mas a defi nição de terrorismo adotada pela imprensa é bem mais restrita. Massacres e crimes contra a humanidade praticados por um governo jamais são citados como “terrorismo”. Convencionou-se chamar de terrorista aquele que realiza atentados que não tem objetivo militar, mas sim como vítima a população civil. Porém, quando se trata de confl ito do Oriente Médio, as defi nições, tanto dos dicionários como a convencional da imprensa, são utilizadas de forma ideológica, com objetivos claramente políticos. (DORNELES, 2003, p. 259)

Embora as palavras sejam explicadas no dicionário, nunca exprimem um único signifi cado quando integram uma frase de determinado texto. Cada órgão de imprensa utiliza o verbete de acordo com seu entendimento dessa violenta manifestação política. Isso somado ao uso consciente de determinadas palavras condiciona a produção de sentido que se queira causar no leitor. Visto que,

São as palavras que explicam, ou tentam explicar, afi nal a mortandade refl etida nas imagens dos telejornais e nas fotos estampadas nos periódicos de todo o mundo. (...) As palavras pesam muito, e a luta por elas e em torno delas é intensa. (WAINBERG, 2005, p. 96-97)

Segundo Burke (2007), há múltiplas maneiras de se defi nir terrorismo, todas subjetivas. Vários exemplos ilustram este contraste semântico. A rede inglesa BBC impediu que seus correspondentes fi zessem uso da palavra “terrorista”. Da mesma forma, o jornal estadunidense Minneapolis Star Tribune modifi caria despachos do The New York Times alterando o vocábulo “terrorista” por “atacantes”. A imprensa árabe dispõe de rótulos para classifi car os atos e atores que protagonizam a violência. Utilizam-se terroristas, suicidas e mártires, dando ênfase a este último termo. O jornal saudita Al-Sharq Al-Awsat prefere a expressão “atacantes suicidas”. (WAINBERG, 2005) Na mídia brasileira o debate não é diferente, Wainberg (2005) ao comentar os sentidos atribuídos à expressão “terrorista” elucida que

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O ombudsman da Folha de S. Paulo teria de intervir igualmente num debate similar sobre o tema. (...) diz que a Folha costuma usar o termo “terrorista” “para identifi car grupos armados, como a Brigada de Mártires de Al Aqsa e o Hamas, que resistem à ocupação da Palestina por parte de Israel”. Na visão do jornal, expressa em Nota da Redação, “a Folha considera terroristas grupos que atacam civis de forma deliberada”. Ao debater a linguagem utilizada nas notícias publicadas sobre o confl ito entre as tropas israelenses e esses grupos, o ombudsman polemiza com a descrição do verbete “terrorista” do manual de redação do jornal, que orienta seus jornalistas a usar esse termo, e outros como “guerrilheiros”, “apenas em sentido técnico, evitando a carga ideológica positiva ou negativa”. O texto do manual é, na verdade, bastante claro. Diz: “o termo terrorista se refere a indivíduos, organizações e governos (não a Estados) quando praticam ações violentas contra alvos civis, ainda que não de maneira exclusiva (podem eventualmente atingir alvos militares). Seus objetivos são essencialmente de propaganda, mesmo que mantenham retórica militar. Senão for possível aplicar esses critérios adequadamente, empregue o termo extremista, que tem a desvantagem de ser menos preciso”.Aos olhos do ombudsman, “é praticamente impossível evitar esta carga ideológica” no termo “terrorista”. Ao pesquisar sobre o posicionamento de outros jornais brasileiros de referência sobre o tema, ele revela que O Estado de S. Paulo usa termos como “militantes”, “extremistas”, “radicais” para caracterizar os grupos palestinos, “para evitar cair no rótulo aplicado por um dos lados”. Diz o editor internacional de O Estado, Paulo Eduardo Nogueira, que “esse padrão é utilizado pela esmagadora maioria da imprensa de qualidade mundial”. A posição de O Globo, do Rio de Janeiro, varia. “Nós usamos o bom senso”, segundo a editora internacional Sandra Cohen, “de acordo com o fato que relatamos. Na maioria das vezes, nós nos referimos ao Hamas e às Brigadas como grupos extremistas e radicais. Usamos o termo ‘terrorista’ para relatar atentados ou ações específi cas levadas a cabo por esses grupos contra a população civil em Israel”. (WAINBERG, 2005, p. 100-101)

Nesses rápidos exemplos, internacional e nacional, podemos ter a dimensão do amplo emprego da isotopia “terrorista” nos meios de comunicação. Escrita com as tintas da geopolítica e muito disseminada após os ataques de 11 de setembro de 2001, o uso da expressão “terrorismo” continha a superposição de vários níveis semânticos convertendo-se em uma pluri-isotopia. O sema estampava a ideologia do veículo que a empregava; externava o discurso de seu enunciador.

Contextualização para entendimento

A leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo. Paulo Freire

Provavelmente, nunca se chegue a um consenso de que os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 foram os maiores da História (ou se as ações da Al Qaeda contra os Estados Unidos podem ser assim classifi cadas). Entretanto, o episódio garantiu lugar cativo nas principais tragédias que macularam a humanidade. Se não foi o maior ataque em números de vítimas, é inquestionável a proeza em sua elaboração e seu poderoso apelo

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Terrorismo: um legado histórico e sua caracterização na plataforma midiática

midiático. A astúcia dos terroristas e a ampla cobertura da mídia elevam o ataque de 11 de setembro de 2001 ao funesto pódio de um dos maiores atentados já produzidos pela mente humana até os dias atuais. Se foram ações terroristas, não foram as únicas; se foi a maior em estratégia e apelo midiático, não foi a maior em número de civis mortos... Embora com características diferenciadas, um fator se faz presente em qualquer ação dessa natureza: a intimidação e sacrifício da população civil em honra de determinados valores.

O fl agelo sofrido pelos Estados Unidos inaugura o “batismo de fogo” do novo terrorismo. As interrogações são frutos da multiplicidade de análises e distintas interpretações como corrobora Arbex Jr. (2003b)

Claro: sempre se poderá dizer que uma coisa é um ato armado por um grupo terrorista contra alvos civis; outra coisa são os “atos de guerra” determinados por um Estado, outra coisa, ainda, é o funcionamento de uma certa ordem econômica, que nada tem a ver com a intenção de matar alguém (se as crianças morrem, é porque as coisas são assim mesmo, ora bolas). Essa argumentação é, no mínimo, questionável.Primeiro, porque, do ponto de vista da vítima civil inocente, tanto faz se o sujeito que disparou a bomba foi Osama bin Laden, estudantes da Brigada Vermelha, militantes do ETA basco ou algum burocrata confortavelmente instalado na Casa Branca; segundo, porque, mesmo que se considerasse a hipótese de separar “terrorismo” de “atos de guerra” (embora ataque a populações civis não se enquadre em nenhuma das convenções sobre atos de guerra aprovadas pelas Nações Unidas), ainda assim teríamos de considerar que os atentados terroristas, como o 11 de setembro, acontecem como resultado de uma história concreta de horror, repleta de “atos de guerra” que banalizaram ao extremo a violência e reduziram a visão humana a nada; terceiro, porque, políticas econômicas não “caem do céu”, mas são orquestradas por seres humanos com interesses específi cos (...) No mínimo, portanto, teria de ser dito e repetido que “o maior atentado terrorista da história” faz parte de uma tradição sedimentada ao longo do século 20, que inclui o Gulag stalinista, Auschwitz, Hiroxima (sic), Vietnã etc. (ARBEX JR. 2003b, p. 52-53).

O discurso de Arbex Jr. entoa as ideias de Durkheim (2006) no tocante a fatos históricos e sociais. Fatos históricos são grafados por sua singularidade, são únicos, não se repetem e causam grande impacto na sociedade devido a sua excepcionalidade. Os fatos sociais, por sua vez, estão no cotidiano de cada sociedade, são ações perpetradas em suas práticas políticas ao longo de sua história. Assim, o 11 de setembro de 2001 caracteriza-se por ser um fato histórico – a história registra diversos atentados, mas apenas um 11 de setembro de 2001. Mas ações da magnitude dos ataques contra os Estados Unidos não acontecem por acaso, decorrem da insatisfação e de confl itos ideológicos presentes na arena política internacional (“história concreta de horror, repleta de ‘atos de guerra’ que banalizaram ao extremo a violência”, nos dizeres de Arbex Jr.). Os fatos sociais diários como os confl itos no Oriente Médio, as políticas unilaterais dos Estados Unidos frente a outros países, vão sedimentando as estruturas do edifício terrorista, até se materializarem em atos como os da rede Al Qaeda em setembro de 2001.

Analisar um acontecimento histórico é condição primeira para superar a simplifi cação dos fatos. Pode não ser tarefa fácil libertar-se de conceitos previamente concebidos. Entretanto, goste-se ou não, é um exercício de análise, além de necessário, honesto e de bom senso.

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No pensamento kantiano, o real para o homem é o que ele organiza, ou seja, a linguagem não é uma tradução do real mas uma organização dele. A simplifi cação da realidade é enganosa; efi ciente quando se pretende ocultar fatos, mortal quando se quer ter visão panorâmica dos acontecimentos e consistente compreensão de um evento. Endossando esse pensamento, Steinberger (2005, p. 89) afi rma que: “Quando falta contextualização a uma notícia, por exemplo, o leitor pode se ressentir de uma compreensão precária”.

Não raro as notícias são afetadas pela carência de localização temporal. São relatadas como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros. Brotam como fatos pontuais, às vezes sem continuidade no tempo, sem origem e sem consequências. Existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de existir se não mais forem transmitidos. Ofertam o mundo inteiro em um instante, mas o fazem de tal maneira que o “mundo real, holístico” desaparece, restando apenas fragmentos de uma realidade desprovida de raiz no tempo e no espaço. Os usos referentes à expressão “terrorismo”, o conhecimento do mundo islâmico, as políticas externas, sobretudo a dos Estados Unidos, ao longo da História, são elementos indispensáveis para que, de posse do bom senso, emitamos juízo sobre determinados acontecimentos. A contextualização dos fatos no propicia, em princípio, essa condição analítica.

A conseqüência natural desse sistema é que, ao apresentar retratos dos fatos de forma isolada e descontextualizada, os meios informativos simultaneamente negam ao seu consumidor uma apreensão mais completa da notícia e produzem uma percepção alterada dos acontecimentos ao longo do tempo – e por decorrência do fl uxo da história –, ao gerar uma falsa sucessão de fatos novos e independentes. (SERVA, 2001, p. 126)

As notícias produzem sentidos, expõem valores, transformam-se em instrumentos geopolíticos. Os extratos presentes em uma reportagem não devem ser entendidos como um fi m em si. A redução de um fato cria uma barreira ao seu pleno entendimento, gerando assim a “desinformação funcional”16 (SERVA, 2001). Se somos parte de um processo histórico, não é possível nos situarmos fora dele. O que nos resta é a consciência desse procedimento e a interpretação do que nos condiciona como seres no mundo.

É preciso pensar a comunicação em seu contexto, ou seja, entender que não há comunicação sem sociedades e são esses contextos sociais que, muitas vezes, dão sentido, cor e especifi cidade a procedimentos de comunicação aparentemente padronizados. (WOLTON, 2004, p. 119-120)

Dependendo do receptor, um mesmo fato pode ter várias interpretações, não raro, divergentes e antagônicas. Segundo Diniz & Zaniratto (2002): “... tudo no mundo é representação. Cada indivíduo interpreta os fatos segundo seus fi ltros perceptivos, ou seja, sua maneira de ver e julgar”. Assim, qualquer interpretação deve ser contextualizada para uma melhor análise. Mesmo porque, um fato não existe isoladamente, é resultante de uma série de eventos.

A compreensão plena de fatos históricos como os ataques aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 passa pela contextualização. Ao contextualizarmos, expandimos as teias de análise; munimo-nos do mínimo necessário para alimentarmos nossa percepção. Os ataques contra os Estados Unidos não podem ser reduzidos unicamente

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à destruição ou danifi cação de edifi cações, e nem mesmo ao óbito de grande número de pessoas. Trata-se de ações simbólicas, dotadas de sentidos. Nesse raciocínio, é preciso ir além do 11 de setembro de 2001 como evento bárbaro e isolado, cujos responsáveis devem ser combatidos a todo custo, e analisá-lo como parte de um processo maior num contexto histórico complexo. Os atentados resultaram de um intricado emaranhado de razões históricas, sociológicas, econômicas, religiosas...

A proeza em nossos dias não é mais ter acesso aos acontecimentos, mas, acima de tudo, entendê-los. Os amargos frutos das ações terroristas foram semeados e colhidos no solo da história. Assim sendo, não podemos nos afastar desse instrumento de análise sob pena de um diagnóstico empobrecido. É pela memória que se puxam os fi os da história. O rompimento dessa capilaridade produz mais calor do que luz.

Notas

3 – Comentando essa afi rmativa, Arbex Jr. (2003b, p. 52) faz uso de situações pela quais passou. “Sempre que eu levantava a argumentação (da amplitude das práticas terroristas), provocava uma indignação do ‘especialista’ debatedor, que, invariavelmente, declarava-se ‘perplexo’ por ter encontrado alguém que apoiava o atentado. De nada adiantava esclarecer que eu condenava qualquer ato terrorista, incluindo o 11 de setembro, só que por ‘qualquer ato terrorista’ eu entendia também o ataque nuclear a Hiroxima (sic) etc.”.4 – A percepção de que os atos de terrorismo são repudiados pela opinião pública, principalmente depois das ações da rede Al Qaeda em 11 de setembro de 2001, levou tanto o IRA quanto o ETA a repensarem suas formas de ação para que o apoio das sociedades que tais grupos dizem representar não fosse diluído por completo. O IRA depôs suas armas em julho de 2005. Após mais de quatro décadas de confl ito, protestantes e católicos formaram, em maio de 2007, um governo de união para administrar a Irlanda do Norte – o Ulster. Histórico, o acordo determina a autonomia limitada do Ulster, que passa a legislar sobre questões como agricultura, educação e saúde. Mesmo com a consolidação do acordo, os militantes do IRA declararam que prosseguirão na sua busca pela independência, mas agora pelos trâmites políticos legais. Em março de 2006, foi à vez do ETA. Ambas as organizações optaram pela via política e institucional como caminho para atingir seus objetivos. Contudo, no dia 30 de dezembro de 2006, o grupo ETA rompeu a trégua ao explodir um carro-bomba no Aeroporto Internacional de Madri e em junho de 2007 declarou ofi cialmente o fi m do cessar-fogo permanente estabelecido em março de 2006 e a retomada da luta armada em busca da “construção de um Estado livre”.5 – José Arbex Jr. “Terrorismo: um legado da história”. Texto que circulou na Internet em sites de Ciências Sociais, em outubro de 2001, sem maiores referências.6 – Segundo Kamel (2007, p. 83): “... para o Islã, não existe, em nenhuma hipótese, conversão forçada. Islã (...) é uma palavra árabe que signifi ca submissão, mas ela tem a mesma raiz da palavra paz. Infelizmente, hoje, vivemos desses períodos sombrios em que a minorias se sobressaem”. 7 – O Alcorão não foi escrito por Maomé. Sendo o profeta analfabeto, as transcrições das revelações feitas pelo anjo Gabriel deve-se ao califa Otman, terceiro sucessor de Maomé no ano 652 da nossa Era. Em língua portuguesa, grafa-se o livro sagrado islâmico de duas formas: “Alcorão e Corão”. Neste artigo, faremos uso do vocábulo “Alcorão”, pois segundo Kamel (2007, p.73-74): “Literalmente, Alcorão quer dizer ‘A Leitura’ (em português, deve-se dizer Alcorão, e não o Corão, porque a palavra entrou em nossa língua

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daquela primeira forma, assim, como outros três mil vocábulos, como, por exemplo, almofada, alfaiate, álcool, alfi nete etc.)”. Manteremos a grafi a “Corão” quando a mesma for citada desta forma por outros autores.8 – Mas, nem por isso, alguns membros dessa facção são mais tolerantes; basta lembrar que Saddam Hussein e milicianos no grupo Al Qaeda são de inspiração sunita. No Afeganistão, de maioria sunita, os xiitas, por exemplo, são considerados “párias”.9 – Convém ressaltar que esse grupo não se denomina fundamentalista e, sim, mujähidün (guerreiros da liberdade) e de defensores da jihad, a “guerra santa” contra os inimigos do Islã.10 – Para Kamel (2007), classifi car os xiitas de “fundamentalistas” é enobrecê-los. Segundo o jornalista e sociólogo, os líderes desses grupos se aproximam mais de Hitler do que de fanáticos religiosos como Jim Jones e devem ser chamados pelo que realmente o são: “totalitários do Islã”.11 – No dia 30 de junho de 2007, o governo britânico elevou o nível de alerta terrorista para “crítico” após o impacto de um carro em chamas contra um terminal do aeroporto de Glasgow, no sul da Escócia. A polícia escocesa afi rmou que o ataque foi “um ato terrorista claramente vinculado” aos dois carros-bomba localizados pelas autoridades inglesas em Londres na sexta-feira (29/06). O “alerta crítico” não era acionado no Reino Unido desde 7 de julho de 2005, quando um atentado suicida matou 52 pessoas na capital inglesa. Muçulmanos que trabalharam no sistema de saúde do país são foco da investigação sobre plano terrorista em Londres e Glasgow, assim como se suspeita da participação de células do grupo Al Qaeda na elaboração dos atos.12 – Os itens “u” e “x” se fazem vivos quando nos reportamos às palavras de Osama bin Laden quando a este recaíam as suspeitas de ser o mentor dos atentados contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001: “Eu já disse que eu não estou envolvido nos ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos. Como um muçulmano, eu dou o melhor de mim pra evitar contar uma mentira. Eu não tinha nenhum conhecimento desses ataques nem eu considero um ato aceitável matar mulheres inocentes, crianças e outros seres humanos. O Islã proíbe formalmente tais práticas, mesmo no curso de uma guerra”. (KAMEL, 2007, p. 240)13 – Infl amados discursos contra o imperialismo estadunidense deram a tônica em diversos setores de orientação comunista. As ações terroristas contemplariam os anseios de substancial parcela do antiamericanismo. Os algozes do “Império” eram saudados como redentores. Mas esse discurso é opaco. A rede terrorista que orquestrou os atentados contra os Estados Unidos é conservadora e busca a consecução de um “Imperialismo Islâmico”. Por mais que se aclamem as violentas ações executadas contra os Estados Unidos, a ideologia comunista também não se avolumaria em um possível mundo regido pelas leis do fundamentalismo islâmico. O próprio regime Talebã no Afeganistão é um exemplo de como os valores democráticos são sepultados sobre os escombros de massacres e severas punições à população do país. O ex-líder do Irã, Aiatolá Khomeini, em carta endereçada ao então dirigente da União Soviética, Mikhail Gorbatchov, dez anos antes do fi m do Império Soviético, sentenciou: “Em dez anos, o comunismo, essa perversão do espírito humano, terá desaparecido da face da Terra. Já o Islamismo, que prega o amor e não o ódio, prosseguirá em sua campanha vitoriosa, pois nada nem ninguém pode bloquear nossa fé”. Pelo raciocínio de Khomeini o comunismo não teria futuro promissor na arena política do Islamismo fundamentalista. Contudo, Khomeini se engasga nas próprias palavras quando diz que o Islamismo prega o amor ao invés do ódio. De fato, como já mencionamos, o Islã original cativava sentimentos fraternos (e muitos seguidores ainda o fazem.). Mas a ala fundamentalista que Khomeini representou

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até sua morte e os xiitas têm uma estrábica visão desses valores. O egípcio Sayyid Quttb, ideólogo do grupo Irmandade Muçulmana, é autor da obra Sinalizações da estrada (texto considerado a “bíblia” do terror islâmico). Nessa obra, Qutb dispara contra o comunismo: “Hoje, o marxismo foi derrotado no plano das idéias, e não será exagero afi rmar que nenhuma nação no mundo é verdadeiramente marxista. De maneira geral, essa teoria está em desacordo com a natureza e as necessidades humanas. Essa ideologia só prospera em uma sociedade degenerada, ou em uma sociedade que se tornou acuada diante de alguma forma de ditadura prolongada”. (Appud KAMEL, 2007, p. 206)14 – José William Vesentini. “Terrorismo e Nova Ordem Mundial - alguns comentários”. Texto que circulou na Internet em sites de Ciências Sociais, em outubro de 2001, sem maiores referências.15 – Ilustrando essa máxima, a revista Veja (2001, p. 112) atenta que: “Em um célebre discurso na ONU em 1974, o líder palestino Yasser Arafat defendeu a tese de que um povo que luta pela própria independência tem o direito de apelar para atos terroristas. Foi muito aplaudido. Impecável na teoria, o discurso de Arafat e o apoio que ele recebeu abriram a porta a abusos de toda ordem. Em dez anos o número de grupos terroristas de expressão mundial multiplicou-se por cinco”. Em 11 de março de 2006, a Conferência de Madri teve como pauta o terrorismo. O então secretário-geral da ONU, Kofi Anan, clamou à comunidade internacional a conceber e adotar um novo tratado sobre o terrorismo, que tornará ilegal qualquer ataque a civis e estabelecerá diretivas para uma resposta coletiva à ameaça. Kofi Anan defi niu o terrorismo como “Qualquer ato que tem como objetivo causar a morte ou provocar ferimentos graves em civis ou qualquer pessoa que não participa ativamente das hostilidades numa situação que visa intimidar a população ou compelir um governo ou uma organização internacional a fazer ou a deixar de fazer qualquer ato”. Para Chistopher Greenwood (London School of Economics – Londres) há “o grande risco de que sejam encontradas soluções arbitrárias, que respondam mais a interesses políticos do que à necessidade real de enfrentar a ameaça terrorista internacional”. Fonte: Folha de S. Paulo, 20/03/2006, p. A-24.16 – Para Serva (2001, p. 71): “A desinformação funcional (...) corresponde a um fenômeno defi nido pelo fato de que as pessoas consomem informações através de um ou mais meios de comunicação, mas não conseguem compor com tais informações uma compreensão do mundo ou dos fatos narrados nas notícias que consumiram”.

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