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    Universidade Federal do Rio Grande do SulFaculdade de Educao

    Programa de Ps-Graduao em Educao

    Avaliao da Qualidade do Sistema de Educao Superior Brasileiroem Tempos de Mercantilizao Perodo 1994-2003

    Tese de Doutorado

    Julio Csar Godoy Bertolin

    Porto Alegre2007

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    Universidade Federal do Rio Grande do SulFaculdade de Educao

    Programa de Ps-Graduao em Educao

    Avaliao da Qualidade do Sistema de Educao Superior Brasileiroem Tempos de Mercantilizao Perodo 1994-2003

    Julio Csar Godoy Bertolin

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educaocomo requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutor emEducao na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    Orientadora Dra. Denise Balarine Cavalheiro Leite

    Porto Alegre2007

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    Tanise e Camila, razes maiores da minhavida, pela pacincia e pela espera amorosa.

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    Agradecimentos

    Agradeo a oportunidade de desenvolver minha tese de doutorado na UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, pelo seu carter pblico e de qualidade.

    Universidade de Passo Fundo pela Licena Ps-Graduao e pelas oportunidadesprofissionais que vem me possibilitando.

    Aos meus colegas da UPF, especialmente aos professores dos cursos de Cincia da

    Computao e Anlise e Desenvolvimento de Sistemas,pelo companheirismo e fidelidade.

    A toda minha famlia, meus irmos e irms, minhas sobrinhas e sobrinhos, meus cunhadose cunhada, aos familiares da Tanise, pelo

    reconhecimento e incentivo.

    minha me e ao meu pai, que me legaram os princpios e valores que mais dignificam oser humano: tica, humildade, solidariedade,

    fraternidade, igualdade e justia. A eles, minha eternagratido.

    E especiais agradecimentos

    Capes e ao governo brasileiro, pelo apoio recebido para o desenvolvimento de estudos noexterior.

    Ao Prof. Dr. Rui Santiago da Universidade de Aveiro, pela receptividade e orientao

    durante meu estgio de doutorado em Portugal.

    Profa. Dra. Denise Balarine Cavalheiro Leite pelo acompanhamento, pela orientao,e pelas oportunidades de aprendizado acadmico e de vida que me proporcionou.

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    Resumo

    Este estudo teve como objetivo elaborar uma proposta de indicadores para avaliaoda qualidade do sistema de educao superior brasileiro e, com base nestes indicadoreselaborados, medir e avaliar o desenvolvimento da sua qualidade no perodo 1993-2004.Considerou-se que o perodo escolhido est associado intensificao do fenmeno damercantilizao da educao superior no Brasil. Para caracterizar o fenmeno, o estudoapia-se nas perspectivas tericas de Boaventura de Sousa Santos sobre as crises dauniversidade, de Ana Maria Seixas acerca das transformaes privatistas e dos autoresDavid Dill, Pedro Teixeira, Bem Jonbloed e Alberto Amaral sobre os mercados daeducao superior. Os temas da qualidade e da avaliao da qualidade tm como refernciaprincipal os trabalhos de Ronald Barnett, Lee Harvey e Diana Green. Foram estudados osindicadores e sistemas de indicadores de educao adotados pelas agncias internacionais,

    tais como Unesco e OCDE. Com essas referncias foi elaborado um sistema de indicadorespara avaliao do desenvolvimento da qualidade do Sesb, que compreende as categoriaseqidade, relevncia, diversidade e eficcia. O estudo apresenta o sistema de indicadoreselaborado e sua aplicao no perodo 1993-2004. Os resultados explicam a hiptese detrabalho, ou seja, em tempos de mercantilizao da educao superior a qualidade daeducao superior brasileira no se desenvolveu positivamente, visto que no perodo 1994-2003 no foram encontradas evidncias claras de melhorias do Sesb em termos deeqidade, relevncia, diversidade e eficcia.

    Palavras-chave: educao superior, avaliao de sistema, mercantilizao da educao

    superior, avaliao da qualidade em educao superior, sistema de indicadores de SES.

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    Abstract

    The present study was carried out with the aiming to elaborate a proposal ofindicators for assessing quality in Brazilian system for higher education and, based on thoseindicators, measure and evaluate the development of such quality in the period rangingfrom 1993 to 2004. It was considered the chosen period as associated to the increasing ofthe commodification of higher education in Brazil. In order to characterize that phenomena,the study used as grounds the theories developed by Boaventura de Sousa Santos, about theuniversity crisis; by Ana Maria Seixas, about the privatizing transformations; and by DavidDill, Pedro Teixeira, Bem Jonbloed, and Alberto Amaral, on the higher education markets.The matters involving quality and quality assessment have the main studies by RonaldBarnett, Lee Harvey, and Diana Green as references. The indicators and systems of

    education indicators adopted by international agencies such as Unesco and OCDE, werealso studied. Based on those references a system of indicators for the evaluation of qualitydevelopment in Sesb was elaborated, and it includes the following categories: equity,relevance, diversity, and efficiency. This study presents that indicators system as well as itsapplication during the period 1993-2004. The results explain the hypothesis upon whichwork was developed, that is, in times of commodification of higher education, the qualityof such education in Brazil has not developed positively. That is said based on the fact thatduring the period 1993-2004 there could not be found clear evidences of improvement inSesb in what concerns equity, relevance, diversity, and efficiency.

    Key words: higher education, evaluation system, commodification of higher education,

    quality assessment in higher education, system-level indicators for higher education

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    Lista de Ilustraes

    Figura 1 - Representao do tringulo da coordenao de Burton Clark.................................... 91Figura 2 - Modelo geral dos sistemas de educao superior do Estado-Providncia.................. 106Figura 3 - Modelo geral dos sistemas de educao superior do neoliberalismo.......................... 106Figura 4 - Vises de qualidade em educao superior................................................................. 143Figura 5 - Indicadores de resultado da aprendizagem da OCDE 2002........................................ 181Figura 6 - Indicadores de recursos econmicos e humanos da OCDE 2002............................... 181Figura 7 - Indicadores de acesso educao, participao e promoo da OCDE 2002............ 181Figura 8 - Indicadores de contexto pedaggico e organizao escolar da OCDE 2002.............. 182Figura 9 - Relao entre os indicadores da OCDE e propriedades da qualidade........................ 184Figura 10 - Estrutura bsica do sistema de indicadores para o Sesb............................................. 205Figura 11 - Sistema da Unesco-Cepes para indicadores de qualidade do Sesb............................. 207Figura 12 - Avaliao da OCDE para indicadores de qualidade do Sesb...................................... 209Figura 13 - Anlise do Banco Mundial para indicadores de qualidade do Sesb........................... 211Figura 14 - Sistema de Indicadores para a qualidade do Sesb....................................................... 215Figura 15 - Etapas do procedimento de investigao de Quivy e Campenhoudt.......................... 218Figura 16 - Evoluo da quantidade de IES estatais e privadas no Sesb no perodo 1994-2003.. 220Figura 17 - Evoluo do percentual de matrculas das redes estatais e privadas no Sesb no

    perodo 1994-2003...................................................................................................... 220Figura 18 - Despesas executadas pelas Ifes com recursos do Tesouro como porcentagem do

    PIB no perodo 1994-2001.......................................................................................... 223Figura 19 - Estimativa comparativa do financiamento privado e do governo federal das IES do

    Sistema Federal de Ensino no perodo 1994-2001...................................................... 224Figura 20 - Despesas executadas pelas Ifes com recursos do Tesouro por discente no perodo

    1994-2001................................................................................................................... 225Figura 21 - Dispndio do governo federal em P&D com o MEC no perodo 1996-2002............. 226Figura 22 - Quantidade de discentes por docente com ttulo de doutor nas Ifes, nas IES

    estaduais/municipais, e nas IES privadas e no Sesb no perodo 1994-2003............... 227Figura 23 - Evoluo da razo de discentes por docente com ttulo de mestre ou doutor no

    Sesb no perodo 1994-2003........................................................................................ 228Figura 24 - Quantidade de discentes por docente nas privadas, nas IFES e no Sesb no perodo

    1994-2003................................................................................................................... 229Figura 25 - Evoluo da porcentagem de docentes com dedicao integral e parcial do Sesb no

    perodo 1994-2003...................................................................................................... 230Figura 26 - Evoluo da porcentagem de discentes por grandes reas do conhecimento do Sesb

    no perodo 1994-2003................................................................................................. 231Figura 27 - Quantidade de discentes de mestrado e doutorado no Brasil para cada bolsista no

    exterior no perodo 1996-2002.................................................................................... 232Figura 28 - Quantidade de cursos de graduao avaliados pelo ENC (Provo) no perodo

    1996-2003................................................................................................................... 233Figura 29 - Evoluo da porcentagem de cursos com conceitos A ou B no Provonas Ifes e na

    rede privada no perodo 1998-2003............................................................................ 234Figura 30 - Evoluo da porcentagem de cursos das Ifes, dos sistemas estaduais, da rede 235

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    privada e do Sesb por conceitos no perodo 1998-2003.............................................Figura 31 - Evoluo da taxa de escolarizao lquida na educao superior brasileira no

    perodo 1993-2003...................................................................................................... 236

    Figura 32 - Evoluo da porcentagem de concluintes em relao aos discentes que ingressaram4 anos antes no Sesb no perodo 1996-2003............................................................... 237

    Figura 33 - Evoluo da porcentagem da populao economicamente ativa com diplomasuperior no Brasil no perodo 1993-2003................................................................... 237

    Figura 34 - Quantidade de pessoas inseridas em ocupao tcnico-cientfica por publicaointernacional no Brasil no perodo 1998-2003............................................................ 238

    Figura 35 - Comparao entre as taxas de escolarizao lquida das populaes negra e brancana educao superior brasileira no perodo 1993-2003.............................................. 239

    Figura 36 - Evoluo da relao entre a porcentagem de discentes da educao superior e aporcentagem da populao de cada regio do Brasil no perodo 1995-2003.............. 240

    Figura 37 - Evoluo da porcentagem de cursos com conceitos A ou B no Provo por regies

    do Brasil no perodo 1998-2003................................................................................. 241Figura 38 - Evoluo dos indicadores do Sesb no perodo 1994-2003......................................... 242Figura 39 - Estimativa do financiamento do Sistema Federal de Ensino por discente no

    perodo 1994-2001...................................................................................................... 243

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    Lista de Tabelas

    Tabela 1 - Evoluo do nmero de IES por categoria administrativa - Brasil 1997-2003............ 127Tabela 2 - Estrutura condensada para o Plano de Aes Prioritrias da Unesco-Cepes............... 186Tabela 3 - Indicadores do quadro referencial que suporta as polticas e os desenhos de

    polticas da Unesco-Cepes........................................................................................... 187Tabela 4 - Indicadores de financiamento da Unesco-Cepes.......................................................... 188Tabela 5 - Indicadores de nveis apropriados de participao, acesso e reteno da Unesco-

    Cepes........................................................................................................................... 188Tabela 6 - Indicadores de resultados econmicos e sociais da Unesco-

    Cepes........................................................................................................................... 189

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    Lista de Siglas

    ACE Avaliao das condies de ensino

    Andifes Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino Superior

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BM Banco Mundial

    Capes Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    Cefet - Centro Federal de Educao Tecnolgica

    Cepes - European Centre for Higher Education da Unesco

    Ceri - Centre for Educational Research and Innovation da OCDE

    C&T Cincia & Tecnologia

    Cipes - Centro de Investigao de Polticas do Ensino Superior

    CNE - Conselho Nacional de Educao

    CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    Conaes - Comisso Nacional de Avaliao da Educao Superior

    Creduc - Programa de crdito educativo

    Enade - Exame nacional de desempenho de estudantes do Sinaes

    ENC Exame nacional de cursos

    ENQA European Network for Quality Assurance in Higher Education da UE

    ES Educao superior

    EUA Estados Unidos da Amrica

    Fapesp - Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo

    Fatec Faculdade de Tecnologia

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    FEA - Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da USP

    Fies - Programa de financiamento estudantil

    FMI - Fundo Monetrio Internacional

    G8 - Grupo dos sete pases mais desenvolvidos do Mundo e a Rssia

    Gats Acordo Geral sobre Comrcio de Servios da OMC

    Gatt Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio

    Geres - Grupo Executivo para a Reformulao do Ensino Superior

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IES Instituio de educao superior

    IFC International Finance Corporation

    Ifes - Instituies federais de ensino superior

    Ince Institut Nacional de Calidad y Evaluacin do Ministrio de Educao, Cultura eDesporto da Espanha

    Ines - International Indicators of Education Systems do Ceri

    Inep - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    INPC - ndice Nacional de Preos ao Consumidor do IBGE

    Ipib Internet produto interno bruto

    LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    MBA - Master of Business Administration

    MCT - Ministrio da Cincia e Tecnologia do Brasil

    MEC Ministrio da Educao do Brasil

    Nafta - Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte

    OCDE - Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OECD - Organization for Economic Co-operation and Development

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    OEI - Organizao dos Estados Ibero-americanos

    OIT - Organizao Internacional do Trabalho

    OMC - Organizao Mundial do Comrcio

    PAE Programa de ajustes estruturais do Consenso de Washington

    Paiub - Programa de Avaliao Institucional das Universidades Brasileiras

    Paru - Programa de Avaliao da Reforma Universitria

    PEA - Populao economicamente ativa

    P&D Pesquisa & Desenvolvimento

    PIB - Produto interno bruto

    Pisa - Programme for International Student Assessment da OCDE

    Pnad - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios do IBGE

    PPC - Paridade de poder de compra da OCDE

    SFE Sistema Federal de Ensino

    SES - Sistema de educao superior

    Sesb Sistema de educao superior brasileiro

    Sidra - Sistema IBGE de Recuperao Automtica

    Sinaes - Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior

    Seppir - Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial do Brasil

    TIC Tecnologias de informao e comunicao

    TQM Total quality management

    UE Unio Europia

    UFGRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

    UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

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    UnB Universidade de Braslia

    Unesco - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

    UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

    Unicef - Fundo das Naes Unidas para a Infncia

    UPF Universidade de Passo Fundo

    URSS - Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

    USP Universidade de So Paulo

    WEI World Education Indicators da Unesco

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    Sumrio

    Resumo..................................................................................................................................... 4Abstract..................................................................................................................................... 5Lista de Ilustraes................................................................................................................. 6Lista de Tabelas...................................................................................................................... 8Lista de Siglas.......................................................................................................................... 9Prlogo..................................................................................................................................... 15Introduo............................................................................................................................... 16

    O problema.......................................................................................................................... 16O objetivo............................................................................................................................ 18A justificativa....................................................................................................................... 19

    Definies tericas............................................................................................................... 23Abordagem metodolgica.................................................................................................... 25Estrutura do texto................................................................................................................. 27

    Captulo 1 - A Histria e a Misso da Educao Superior.................................................. 301.1 A Trajetria da Universidade: do Feudalismo ao Neoliberalismo................................. 31

    1.1.1 O surgimento da universidade durante o feudalismo.............................................. 311.1.2 A primeira grande crise da universidade durante o mercantilismo......................... 321.1.3 A consolidao da universidade moderna durante o liberalismo............................ 341.1.4 A massificao da universidade durante o welfare statekeynesiano..................... 371.1.5 Uma nova grande crise da universidade na emergncia do neoliberalismo........... 39

    1.2 Concepes e Transformaes da Educao Superior Contempornea......................... 411.2.1 As concepes de universidade no sculo XX....................................................... 421.2.2 O Estado, o mercado e as transformaes da educao superior contempornea.. 46

    1.3 A Misso da Educao Superior no Sculo XXI............................................................ 511.3.1 A Unesco, o Banco Mundial e as funes da educao superior.......................... 521.3.2 As misses socioculturais e econmicas da educao superior no sculo XXI.... 55

    Captulo 2 - A Mercantilizao da Educao Superior: o fenmeno mundial e o casobrasileiro................................................................................................................................. 62

    2.1 Uma Introduo ao Estudo da Economia e dos Mercados............................................. 642.1.1 As teorias econmicas, o Estado e o mercado....................................................... 64

    2.1.2 O estudo do mercado: mecanismo de formao de preo ou estrutura social? .... 692.1.3 As experincias de mercados livres de controle poltico e social.......................... 732.1.4 O mercado e seus termos bsicos.......................................................................... 75

    2.2 As Origens e as Caractersticas da Mercantilizao da Educao Superior................... 772.2.1 A viso da educao superior como servio comercial: de Adam Smith ao BM

    e a OMC.................................................................................................................................... 792.2.2 A mercantilizao dos meios e dos fins da educao superior.............................. 892.2.3 Mercados em educao superior: do quase-mercado s falhas de mercado.......... 108

    2.3 A Mercantilizao da Educao Superior Brasileira...................................................... 1162.3.1 A avaliao do Provo: rankinge competio de mercado .................................. 1182.3.2 A grande expanso das instituies privadas......................................................... 123

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    Captulo 3 - A Qualidade da Educao Superior: das concepes aos sistemas deindicadores............................................................................................................................... 133

    3.1 As Concepes de Qualidade em Educao Superior.................................................... 1343.1.1 As propostas de taxionomia para a qualidade em ES............................................ 1353.1.2 Novos termos e tendncias de qualidade em ES: economicismo, pluralismo e

    equidade.................................................................................................................................... 1423.1.3 A inexorvel relatividade do conceito de qualidade em ES................................. 153

    3.2 A Qualidade dos Sistemas de Educao Superior.......................................................... 1563.2.1 As caractersticas dos sistemas de educao superior........................................... 1573.2.2 O entendimento de qualidade no mbito de SES................................................... 1633.2.3 A avaliao e a medio de sistemas de educao superior.................................. 167

    3.3 Os Sistemas Internacionais de Indicadores de SES........................................................ 1723.3.1 Indicadores de qualidade para SES........................................................................ 173

    3.3.2 Avaliaes e medies internacionais de SES....................................................... 179

    Captulo 4 - O Desenvolvimento da Qualidade do Sesb no perodo 1994-2003................ 1964.1 Uma proposta de Sistema de Indicadores para o Sesb................................................... 198

    4.1.1 O sistema de educao superior brasileiro Sesb.............................................. 1994.1.2 Um sistema de indicadores para avaliar e medir a qualidade do Sesb.................. 201

    4.2 Avaliao e Medio do Desenvolvimento da Qualidade do Sesb - Perodo 1994-2003........................................................................................................................................... 216

    4.2.1 Fundamentao metodolgica da avaliao e medio do Sesb........................... 2164.2.2 Levantamento do desenvolvimento do Sesb no perodo 1994-2003..................... 2194.2.3 Anlise geral do desenvolvimento da qualidade do Sesb - perodo 1994-2003.... 241

    Concluso................................................................................................................................ 256Bibliografia............................................................................................................................. 264Anexos..................................................................................................................................... 278

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    Prlogo

    No obstante desenvolver a docncia e possuir ttulo de mestre no campo dascincias exatas, desde os tempos de estudante me interesso por e me envolvo com questes

    polticas e sociais. Meu prprio mestrado, apesar de ser em Cincia da Computao,

    abordou o envolvimento de questes humanas como uma das principais tarefas de um

    analista de sistemas: superar a resistncia dos utentes aos processos de informatizao.

    Nos ltimos tempos, como ator do mundo acadmico, primeiro como discente e

    depois como docente, tenho desenvolvido diversas atividades relacionadas com as mais

    importantes dimenses da universidade e da educao superior. Mais recentemente,desempenhando as funes de coordenador de curso de graduao, membro do Conselho

    Universitrio da Universidade de Passo Fundo e como avaliador e consultor do Ministrio

    da Educao, ampliei meu interesse pelo assunto avaliao e qualidade da educao

    superior.

    No mbito intra-institucional tenho dedicado especial ateno s questes de

    eqidade e acesso como, por exemplo, ao idealizar e coordenar o projeto Informtica para

    todos, que propicia o aprendizado bsico do uso do computador e do acesso internet paracrianas carentes. No mbito interinstitucional minhas atividades esto relacionadas

    principalmente com a avaliao de instituies e cursos de educao superior. No ano de

    2003, participei da comisso formada pelo ento ministro da Educao para propor um

    novo sistema de avaliao para a educao superior brasileira, o que resultou na proposta

    do Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior - Sinaes.

    Atualmente, a educao superior faz parte dos meus projetos de vida pessoal e

    profissional. Acredito que a qualidade em educao superior essencial para odesenvolvimento do pas. Ao apresentar esta tese de doutorado, espero estar contribuindo

    com dados e evidncias sobre o desenvolvimento da qualidade da educao superior

    brasileira. Hoje, mais do que nunca, tenho a convico de que trabalhar num projeto que

    valoriza a idia de educao como bem pblico e de educao superior comprometida com

    qualidade como eqidade e relevncia social tambm estar trabalhando para o

    desenvolvimento de uma sociedade mais justa, humana e solidria.

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    Introduo

    Este captulo inicial tem o objetivo de apresentar a problematizao do tema objeto

    de estudo. Alm dos objetivos, so apresentadas a justificativa e a importncia do tema, as

    definies tericas necessrias para a sua compreenso, a abordagem metodolgica e a

    forma como est estruturado o trabalho. Ao introduzir a problemtica, anuncia-se o

    caminho da construo intelectual realizada.

    O problema

    Com uma histria de quase mil anos, as instituies de educao superior e as

    universidades passaram por grandes desafios e profundas transformaes, como, por

    exemplo, na Renascena e na consolidao dos Estados nacionais. Pode-se dizer que foram

    reinventadas algumas vezes, tanto por meio de processos radicais como por lentos

    processos evolutivos (MORHY, 2003). Assim, a educao superior sempre demonstrou

    uma grande capacidade de adaptao e, medida que a sociedade e o Estado se

    transformavam, tambm adquiria novas formas e funes. Nesta virada de sculo, quando o

    mundo sofre novamente profundas transformaes sociais e econmicas, tais como a

    emergncia da globalizao, a predominncia do princpio do mercado (neoliberalismo) e

    as inovaes das tecnologias de informao e comunicao, novamente a universidade e as

    instituies de educao superior deparam-se com imensos desafios. Por conseguinte, nas

    ltimas dcadas esto ocorrendo mudanas na educao superior de vrios pases: os

    sistemas passaram de um modelo de elite para um modelo de massas, as IES multiplicaram-

    se e expandiram-se gerando uma grande diversificao de formas de organizaes

    acadmicas e administrativas, e, sobretudo, emergiu o fenmeno chamado de

    mercantilizao ou mercadorizao da educao superior.

    A existncia de instituies privadas e a cobrana de taxas dos alunos na educao

    superior no so fenmenos essencialmente modernos. As primeiras universidades da

    Europa eram associaes de direo privada e os sistemas educacionais superiores

    nacionais se estabeleceram nos sculos XIX e XX, seja pela fundao de novas instituies,

    seja pela proviso de recursos estatais para as j existentes. Nos ltimos anos, porm,

    mudanas mais profundas sobre a natureza privada dos meios e dos fins da educao

    superior foram observadas em quase todo o mundo. Segundo Tristan McCowan, uma nova

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    estrutura tem sido caracterizada por duas formas de privatizao: o crescimento de

    universidades particulares e a crescente proporo de financiamento privado para as

    universidades pblicas. (2005, p. 1). Entretanto, as recentes mudanas vo muito alm da

    simples ampliao de instituies e financiamento privado. O surgimento de avaliaes

    geradoras de rankings, o estabelecimento de mecanismos de mercado como forma de

    regulao e a emergncia de modelos gerenciais empresariais nas IES estatais

    (managerialismo) so alguns outros exemplos de fenmenos com vis mercantil que vm

    emergindo no mbito dos sistemas nacionais de educao superior.

    Essas mudanas podem ser pouco surpreendentes no contexto das reformas

    neoliberais e da crise estrutural de hegemonia, de legitimidade e institucional (SANTOS,1994) que a educao superior vem passando nas ltimas dcadas. No entanto, a questo

    mais complexa visto que o processo de mercantilizao pode gerar impactos significativos

    sobre a qualidade, a eqidade e a relevncia de um sistema de educao superior e, por

    conseguinte, na misso e no papel que historicamente a educao superior vem

    desempenhando no desenvolvimento sociocultural e econmico dos pases. Alguns

    organismos multilaterias financeiros tm sustentado que as instituies privadas e o status

    de servio comercial da educao superior contribuem no apenas para a eficincia e o

    crescimento econmico, mas tambm para o desenvolvimento igualitrio da sociedade. Por

    outro lado, diversos e reconhecidos investigadores defendem o princpio da educao

    superior como bem pblico, apresentando, entre outros argumentos, a importncia

    estratgica que a educao superior e a universidade tm na construo de um projeto de

    pas e que o mercantil, ao contrrio das caractersticas da universidade, possui interesses de

    curto prazo.

    Entretanto, os estudos desenvolvidos at o momento sobre as recentes mudanas de

    tendncia mercantil na educao superior ainda no permitem concluses definitivas sobre

    os impactos nos sistemas nacionais de educao. Portanto, estudar, investigar e descobrir as

    complexidades e conseqncias do fenmeno da mercantilizao da educao superior de

    fundamental importncia para as instituies, os sistemas e a sociedade, bem como para o

    prprio futuro dos pases. Diante disso, o problema que move esta tese de doutorado est

    diretamente relacionado com a urgente necessidade de se aprofundar o conhecimento

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    acerca do prprio fenmeno da mercantilizao da educao superior e dos seus impactos

    sobre a educao superior.

    O Objetivo

    Diante do contexto atual de crise e de transformaes, surgem diversas questes

    importantes para os destinos e rumos da educao superior neste incio de sculo XXI:

    Como manter padres de qualidade de um sistema de elite diante da emergncia de

    sistemas de massas? Como manter valores acadmicos e a pesquisa desinteressada em

    tempos de mercados competitivos e de crescente dependncia do financiamento privado?

    Como desenvolver e ampliar a eqidade e a relevncia social da educao superior num

    contexto de ampliao de instituies com fins lucrativos e da viso economicista da

    educao? Enfim, diante das novas polticas de carter mercantil e das prprias

    transformaes sociais surgem importantes questionamentos acerca dos rumos que a

    educao superior est a tomar.

    Nesse contexto, de fundamental importncia saber em que medida a

    mercantilizao da educao superior est trazendo os resultados positivos preditos pelos

    organismos multilaterais financeiros e pelos governos neoliberais. Mais especificamente,

    acerca dos SES, o que precisa ser efetivamente respondido se a mercantilizao da

    educao superior eficaz em relao melhoria da qualidade, eqidade e relevncia dos

    sistemas? O desenvolvimento do presente trabalho procura exatamente contribuir na

    construo de conhecimento para responder a tais questes. Em sntese, o objetivo principal

    desta tese investigar o comportamento e o nvel de desenvolvimento da qualidade da

    educao superior brasileira em tempos de mercantilizao.

    Para alcanar tal objetivo o presente trabalho prope-se, inicialmente, revisar a

    literatura especializada e realizar anlises interpretativas acerca de dois assuntos

    prioritrios: (i) o fenmeno da mercantilizao da educao superior em nvel mundial e no

    caso brasileiro e (ii) a qualidade na educao superior em nvel de concepes e

    operacionalizao para a avaliao de SES. Para melhor fundamentar essas duas

    abordagens apresentam-se estudos acerca da histria e da misso da educao superior.

    Posteriormente, com base nos resultados das pesquisas bibliogrficas e revises da

    literatura, prope-se um modelo de qualidade e implementa-se sua operacionalizao para

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    avaliar o desenvolvimento da qualidade do Sesb no perodo em que surgiram e se

    consolidaram as polticas de mercantilizao no Brasil (1994-2003). Com o estudo sobre a

    histria e misso da educao superior pretende-se recuperar toda a trajetria desse nvel de

    educao, desde o surgimento das universidades na Europa medieval, passando pela

    consolidao dos modelos modernos de universidades, pelas crises de legitimidade,

    hegemonia e institucional surgidas nas dcadas de 1980 e 1990, e apontar as tendncias de

    concepes e misses para a educao superior no sculo XXI. Por meio de reviso da

    literatura e de anlises interpretativas acerca das recentes polticas e tendncias mercantis

    observadas nos meios e fins da educao superior, pretende-se compreender melhor os

    conceitos bsicos da economia e do mercado, bem como embasar a investigao dasorigens, das causas e das caractersticas prprias do fenmeno da mercantilizao da

    educao em nvel mundial e do caso brasileiro. Por fim, com o estudo sobre as concepes

    e vises de qualidade em ES, as formas de avaliaes dos SES e sobre os sistemas

    internacionais de indicadores pretende-se fundamentar um modelo de qualidade para um

    SES, bem como embasar a operacionalizao da avaliao e medio do desenvolvimento

    da qualidade do Sesb no perodo 1994-2003.

    A Justificativa

    Pode-se dizer que atualmente existe um consenso sobre a centralidade decisiva da

    educao para o desenvolvimento social e econmico das naes. O capital humano tem

    sido enfatizado por diversos organismos multilaterias, tais como Organizao das Naes

    Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura, Organizao para a Cooperao e

    Desenvolvimento Econmico, Banco Mundial e Comisso Europia, como

    determinantemente crtico para o crescimento econmico. Indiscutivelmente, os

    investimentos realizados em educao refletem em bem-estar para as sociedades, e uma

    populao mais escolarizada resulta em maior capacitao, mais especializao, melhores

    retornos econmicos em bens e servios, e facilita a absoro de alta tecnologia. Alm

    disso, a qualidade e a eqidade nos sistemas de educao causam fortes impactos em

    indicadores sociais como mortalidade infantil, fecundidade e distribuio de renda.

    Portanto, a educao vista como um meio tanto para reduzir as desigualdades e

    desenvolver o social quanto para melhorar a produtividade e fazer crescer a economia. Tais

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    afirmaes valem para todos os nveis educacionais: educao infantil, ensino fundamental,

    ensino mdio e educao superior. Segundo Boaventura de Souza Santos,

    a universidade no sculo XXI ser certamente menos hegemnica, mas nomenos necessria que o foi em sculos anteriores. A sua especificidade enquanto

    bem pblico reside em ser ela a instituio que liga o presente ao mdio e longoprazo pelos conhecimentos e pela formao que produz e pelo espao pblicoprivilegiado de discusso aberta e crtica que constitui (2004, p. 114).

    De acordo com Jos Dias Sobrinho, em alguns sentidos, o futuro da humanidade

    ser o que da educao superior vier a ser feito. E reciprocamente. Mais do que nunca os

    destinos do homem sobre a terra se vinculam aos conhecimentos e s tcnicas. (DIAS,

    2005, p. 226). Assim, no obstante as recentes transformaes sociais, polticas e

    econmicas ocorridas em escala global, a educao superior continua neste incio de sculo

    XXI - e muito provavelmente ainda continuar por muito tempo - desempenhando papel

    fundamental no desenvolvimento das sociedades e dos pases. Porm, para que a educao

    superior possa continuar contribuindo com o desenvolvimento social e econmico dos

    pases fazem-se necessrias a avaliao e a garantia da qualidade em nvel de instituio e

    de SES, ou seja, a qualidade requisito bsico para que a educao superior possa cumprirsua misso neste incio de sculo XXI.

    Segundo Maria J. Lemaitre (2001), o desafio que se enfrenta em relao qualidade

    precisamente a redefinio dos seus modelos. Para tanto, faz-se necessrio identificar os

    elementos que so essenciais em termos da educao superior. Temas como a condio

    atual da educao superior, os limites e alcance de seu papel na sociedade moderna, as

    caractersticas da investigao, a necessidade de desenvolvimento acadmico e as

    demandas dos diversos stakeholders externos precisam ser colocados na agenda depesquisa e da anlise acadmica e poltica. De acordo com a autora, especialmente no caso

    dos pases em desenvolvimento, essa uma tarefa urgente.

    O documento da Unesco "Os quatro pilares da educao", ao rejeitar uma viso

    meramente instrumental e produtivista para a educao, afirma que a educao do homem

    dever ser organizada em torno de quatro aprendizagens fundamentais: aprender a

    aprender, aprender a fazer, aprender a conviver juntos e aprender a ser. Segundo Jorge

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    Werthein (2005), esses quatro pilares devem estar presentes na poltica de melhoria da

    qualidade de educao, pois eles abrangem o ser em sua totalidade, do cognitivo ao tico,

    do esttico ao tcnico, do imediato ao transcendente. A viso de totalidade da pessoa

    integra a moderna concepo de qualidade em educao. No obstante a existncia de

    algumas variaes de vises acerca do assunto, um dos grandes desafios da educao

    superior neste incio de sculo , sem dvida, a garantia e melhoria da qualidade dos

    sistemas de educao.

    O debate sobre a qualidade da educao superior no Brasil ganhou maior

    visibilidade a partir de 1995, quando foi criado um sistema de avaliao que gerava ranking

    (Provo) e aumentava a competio entre as instituies e cursos do Sesb. Alm disso, apartir da segunda metade da dcada de 1990 a educao superior brasileira comeou a

    experimentar um crescimento significativo de instituies privadas com fins lucrativos. O

    Banco Mundial apoiou essas iniciativas argumentando que as instituies privadas possuem

    capacidade de assegurar um rpido aumento das taxas de atendimento (matrculas) e que a

    competio entre as instituies melhora a qualidade e traz benefcios sociedade a um

    custo pblico baixo.

    Entretanto, tais justificativas so fortemente questionadas por diversospesquisadores e parcela significativa da comunidade acadmica; so questionamentos que

    possuem sentido visto que a rede privada no Brasil possui, historicamente, o corpo docente

    com menor titulao e a menor produo cientfica, bem como apresenta restries para

    desenvolver aes sociais ou comunitrias, visto que depende de financiamento privado

    para obter sustentabilidade. Segundo o recente informe publicado pela Unesco Hacia las

    sociedades del conocimiento:

    Devido diminuio das subvenes pblicas, as instituies de educaosuperior tm que recorrer ao setor privado para ampliar suas margens demanobra. Os riscos de uma mercantilizaodos servios da educao superiorso reais. Ainda que no haja em todos os pases uma situao idntica nessesaspecto. Os Estados que possuem uma larga tradio universitria no se vemto ameaados por esta diversificao da oferta da educao superior. O casomais preocupante o dos pases carentes dessa tradio, j que neles a aparioda sociedade do conhecimento pode vir junto com a emergncia de autnticosmercados da educao superior. Isto tem levado alguns comentaristas aqualificar esse processo de macdonaldizao do conhecimento. necessrio

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    cuidar para que essas tendncias no terminem por desvirtuar a missoprimognita da educao superior.Ainda que no exista um modelo nico de organizao, importante garantir

    que os sistemas de educao superior emergentes possuam um nvel dequalidade e pertinncia e um grau de cooperao internacional suficientes, a fimde que possam desempenhar plenamente seu papel de pilares na edificao dassociedades do conhecimento (UNESCO, 2005, p. 95).

    Portanto, a expanso privada, as polticas de mercantilizao e a emergncia de

    competio de mercados so fatores crticos para o desenvolvimento e evoluo da

    qualidade da educao superior em pases em desenvolvimento como o Brasil. Enfim,

    como a qualidade requisito bsico para a educao superior cumprir sua misso e a

    educao superior essencial para o desenvolvimento social e econmico, especialmenteno caso brasileiro, estudar os impactos da mercantilizao na qualidade da educao

    superior tornou-se fundamental tanto do ponto de vista acadmico, como do poltico e

    estratgico para o pas.

    Alm disso, diversos e reconhecidos autores tm alertado para a necessidade de se

    desenvolverem pesquisas acerca dos impactos resultantes da expanso de instituies

    privadas, ampliao do financiamento privado e surgimento de quase-mercados e mercados

    competitivos no mbito da educao superior. Na obra Markets in higher education:

    rhetoric or reality? os organizadores observam que

    talvez o que seja mais necessrio [no momento atual] so estudosconceitualmente claros e rigorosamente empricos do impacto da eficinciaalocativa sobre diferentes polticas de educao superior, nacionais einternacionais. Estudos desse tipo enfrentariam srios problemas de mensuraona tentativa de avaliar corretamente os resultados e os benefcios sociais daeducao de nvel superior. Mas, dada a crescente influncia da freqncia aoscursos universitrios na vida de nossos cidados e o rpido aumento do custo

    social dos sistemas de educao superior de massa, esses estudos so muitonecessrios (TEIXEIRA et al., 2004, p. 349).

    Os autores Sandra Souza e Romualdo Oliveira alertam que estudos que visem

    identificar os impactos j produzidos pelas avaliaes nos sistemas e instituies de ensino,

    no Brasil, so ainda escassos, portanto fazem-se necessrias investigaes que busquem

    apreciar como vem sendo assimilada, por gestores e clientes dos sistemas educacionais,

    a lgica do mercado. (2003, p. 879). Um dos mais conhecidos pesquisadores sobre

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    qualidade em educao, Lee Harvey, no artigo The end of quality?, publicado na revista

    cientfica Quality in Higher Education, tambm aborda a carncia de definies e de

    estudos sobre o mercado na educao superior (HARVEY, 2002). Portanto, investigaes

    acerca do fenmeno da mercantilizao da educao superior e da qualidade em educao

    superior so plenamente justificveis visto que informaes e dados sobre o

    desenvolvimento e a evoluo da qualidade em ES em tempos de mercantilizao so raros

    e, at o momento, inconclusos, tanto em nvel mundial como em termos de Brasil.

    Desta forma, a partir de estudos e pesquisas sobre as recentes transformaes da

    educao superior, sobre a sua mercantilizao e dos sistemas de avaliao de SES, o

    presente trabalho prope-se a investigar a hiptese de que em tempos de mercantilizaono ocorreram avanos significativos no desenvolvimento da qualidade do sistema de

    educao superior brasileiro no perodo 1994-2003. Por conseguinte, tambm se busca

    investigar a extenso da validade da argumentao de alguns governos e organismos

    multilaterais financeiros de que mecanismos e competio de mercado provocam eficincia

    e eficcia, melhores resultados sociais e desenvolvem a eqidade na educao superior.

    Definies tericas

    A anlise das recentes transformaes que a educao superior vem sofrendo para e

    de acordo com a lgica do mercado precisa ser contextualizada segundo uma perspectiva

    histrica e das polticas que lhes do origem. Tais polticas, por sua vez, para serem

    compreendidas necessitam de uma abordagem acerca das mudanas globais em curso.

    Do ponto de vista da anlise histrica, as noes de educao superior como bem

    pblico ou servio comercial so importantes para a compreenso do momento atual. Ainda

    no sculo XVIII, Adam Smith talvez tenha sido o primeiro a abordar a questo da natureza

    pblica ou privada da educao superior. De forma contraditria, o autor, ao mesmo tempo

    em que enfatiza a competitividade entre homens, organizaes e instituies de toda

    natureza, inclusive as educacionais, como princpio fundamental do progresso, tambm

    alerta para a necessidade da ateno do poder pblico ao afirmar que, se no houvesse

    instituies pblicas destinadas educao, s seria ensinado as coisas teis no curto prazo.

    Assim, Adam Smith defendeu a idia de que o ensino deveria ser pago, ainda que a baixo

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    custo, pela famlia e o mestre deveria receber apenas em parte do poder pblico para no

    negligenciar sua atividade.

    De maneira geral, nos sculo XIX e XX o estatuto da educao superior como bem

    pblico ou privado no esteve em questo visto que a poltica de financiamento baseava-se

    no modelo europeu, que incumbia de tal tarefa, sobretudo, o Estado. Somente em meados

    da dcada de 1980 o debate sobre a natureza de bem pblico ou servio comercial da

    educao superior adquiriu proeminncia. No ano de 1986, no documento Financing

    education in developing countries an exploration of policy options, o Banco Mundial

    defendeu a tese de que os investimentos em educao bsica propiciam maiores retornos

    sociais e individuais que os investimentos em educao superior.

    A partir de ento, progressivamente e em escala mundial, as polticas dos

    organismos multilaterais financeiros e governos nacionais passaram a fragilizar as

    instituies pblicas, a expandir as redes de instituies privadas e, inclusive, a defender a

    liberalizao comercial dos servios educacionais na agenda do Acordo Geral sobre

    Comrcio de Servios da Organizao Mundial do Comrcio. Assim, durante a dcada

    1990, o debate acerca do estatuto da educao superior como bem pblico ou como servio

    comercial passou a ocupar espaos na produo documental dos organismos multilateriasfinanceiros - BM, Banco Interamericano de Desenvolvimento, OMC - e educacionais

    Unesco -, bem como nas agendas e discursos governamentais nacionais e multinacionais -

    OCDE, Unio Europia, Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte (SGUISSARDI,

    2005).

    Em relao s recentes transformaes econmicas em escala global, para melhor se

    compreender o fenmeno da mercantilizao da educao superior faz-se necessrio

    referenciar a emergncia do neoliberalismo. Segundo Boaventura de Souza Santos (1994;2004), a mercantilizao da educao superior est diretamente relacionada com o processo

    extremado pelo credo neoliberal no qual o mercado, ao adquirir pujana indita, extravasa o

    econmico e tenta dominar o Estado e a comunidade. Quando o modelo intervencionista de

    bem-estar social comeou a entrar em crise (recesso, inflao, baixas taxas de

    crescimento), por volta de 1973, os princpios neoliberais contidos no livro O caminho da

    servido, de Friedrich von Hayek, e nas idias monetrias de Milton Friedman comearam

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    a ganhar fora e alguns governos, principalmente os de direita, implementaram um

    conjunto de polticas baseadas nos pressupostos de que:

    o Estado tornou-se demasiado caro para ser sustentado e demasiado intrusivo para

    ser tolerado;

    os mercados sem restries reguladoras geram riqueza e prosperidade em mbitos

    local e global;

    a riqueza e a prosperidade so condies necessrias (e aparentemente suficientes)

    para a democracia e o bem-estar social.

    Assim, polticas neoliberais como a reduo dos investimentos pblicos no campo

    social, o fim da interveno econmica por parte do Estado, a fragilizao dos sindicatos,

    reformas fiscais para reduzir impostos sobre rendas, disciplina oramentria e formao de

    uma desigualdade para dinamizar a economia e retomar o crescimento (MACHADO, 2002)

    comearam a ser implementadas estrategicamente em alguns pases-chaves. No bojo dessas

    orientaes encontravam-se tambm medidas para reformar os sistemas nacionais de

    educao, as quais reorientaram os meios e os fins da educao superior em diversos pases.

    De acordo com Pablo Gentilli (1996), na viso neoliberal a educao estava passando por

    uma crise que se explica, em grande medida, pela ineficincia do Estado para gerenciar aspolticas pblicas. Na perspectiva neoliberal, a educao superior funciona mal e no tem

    eficincia produtiva, quando profundamente estatizada. A ausncia de um verdadeiro

    mercado educacional permitiria compreender a falta de qualidade das instituies escolares.

    Abordagem metodolgica

    Na obra Manual de investigao em cincias sociais, Raymond Quivy e Luc Van

    Campenhoudt (1998) observam que o fato cientfico conquistado sobre os preconceitos,

    construdo pela razo e verificado nos fatos. Tais princpios so apresentados pelos autorescomo sete etapas que devem ser percorridas em trs atos de uma pea de teatro: a ruptura

    com preconceitos e falsas evidncias, a construo de um sistema conceitual organizado

    e susceptvel de exprimir a lgica suposta na base do fenmeno e a verificao dos fatos.

    Os trs atos no so independentes, constituem-se mutuamente e so realizados ao longo de

    uma sucesso de operaes agrupadas em sete etapas em permanente interao:

    - Etapa 1: a pergunta de partida;

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    - Etapa 2: a explorao: leituras; as entrevistas exploratrias;

    - Etapa 3: a problemtica;

    - Etapa 4: a construo do modelo de anlise;

    - Etapa 5: a observao;

    - Etapa 6: a anlise das informaes;

    - Etapa 7: as concluses.

    Por meio da pergunta de partida o pesquisador deve exprimir o mais exatamente

    possvel o que procura saber, elucidar e compreender melhor. Uma boa pergunta deve

    possuir as qualidades de clareza, exeqibilidade e pertinncia. A pergunta definida como de

    partida para esta tese de doutorado Como se desenvolveu a qualidade do sistema deeducao superior brasileiro em tempos de mercantilizao da educao superior?, ou seja,

    o que se procura elucidar e compreender melhor o desenvolvimento da qualidade do Sesb

    em tempos de polticas de mercado no mbito da educao superior e, por conseguinte,

    contribuir na importante e fundamental investigao acerca dos impactos da

    mercantilizao da educao superior.

    Para Raymond Quivy e Luc Van Campenhoudt (1998), a etapa de explorao

    comporta operaes de leitura, entrevistas ou outros mtodos de explorao

    complementares e tem como objetivo principal assegurar a qualidade da problematizao.

    As leituras e estudos desenvolvidos com vistas elaborao da problemtica desta tese

    esto relacionados, fundamentalmente, com a misso da educao superior e o fenmeno da

    mercantilizao da educao superior em nvel mundial e no caso brasileiro. A

    problemtica, por sua vez, a abordagem ou a perspectiva terica que se adota para tratar o

    problema formulado pela pergunta de partida. Construir a problemtica equivale a formular

    os principais pontos de referncia terica da investigao: a pergunta que estruturar

    finalmente o trabalho, os conceitos fundamentais e as idias gerais que inspiraro a anlise.

    A concepo da problemtica apresenta dois momentos possveis: (i) fazer o balano e

    elucidar as problemticas possveis; (ii) atribuir-se uma problemtica.

    O trabalho exploratrio gera perspectivas e idias que precisam ser traduzidas numa

    linguagem e formas que permitam o trabalho sistemtico de anlise e recolha de dados de

    observao ou experimentao, pois pela construo de um modelo de anlise que se

    torna possvel o desenvolvimento do trabalho de elucidao sobre um campo de anlise

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    restrito e preciso. Com vistas verificao da hiptese desta tese de doutorado de que a

    qualidade do Sesb no se desenvolveu em tempos de mercantilizao da educao superior,

    inicialmente se define uma concepo de qualidade em educao superior e de avaliao e

    medio do desenvolvimento da qualidade de Sesb no perodo 1994-2003. Posteriormente,

    constri-se um modelo de qualidade para, finalmente, avaliar e medir o desenvolvimento da

    qualidade do Sesb. Estas duas ltimas atividades possibilitam a implementao das etapas

    de observao, a anlise das informaes e, por fim, as concluses.

    A etapa de observao deste estudo operacionaliza-se pela coleta de dados da base

    de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira,

    principalmente dos dados do Censo da Educao Superior, das informaes do Provo,abrangendo tambm documentos oficiais, tcnicos e estatsticos, tais como informaes da

    Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios do Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica; informaes e dados disponibilizados pela Coordenao de Aperfeioamento de

    Pessoal de Nvel Superior, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e

    Tecnolgico e Ministrio de Cincia e Tecnologia. A maior parte dos dados e informaes

    refere-se ao perodo compreendido entre 1994 e 2003. Os levantamentos so

    predominantemente censitrios combinados com algumas amostragens, conforme a

    disponibilidade dos dados, e estruturados de acordo com o modelo de qualidade construdo

    na etapa de construo do modelo de anlise. Assim, orientando-se por Raymond Quivy e

    Luc Van Campenhoudt (1998), este estudo se caracteriza como uma pesquisa aplicada,

    Expost-facto, e a sua operacionalizao tem enfoque predominantemente quantitativo, com

    delineamento emprico-analtico, baseado em anlise de documentos e estudo de base de

    dados.

    Estrutura do texto

    Este estudo est dividido em quatro captulos. O primeiro recupera toda a trajetria

    da universidade desde o seu surgimento na Europa medieval, passando pela primeira

    grande crise universitria ocorrida durante o mercantilismo, a consolidao dos modelos de

    universidades modernas e chegando at as grandes transformaes da educao superior

    ocorridas no sculo XX, tais como a massificao durante a fase do welfare state e a

    emergncia das crises de hegemonia, legitimidade e institucional. Na concluso do primeiro

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    captulo so abordadas questes relativas misso da educao superior no sculo XXI e as

    posies da Unesco e do BM acerca do assunto.

    O segundo captulo est dividido em trs partes: uma introduo ao estudo da

    economia e dos mercados, as origens e as caractersticas do fenmeno da mercantilizao

    da educao superior e a ocorrncia de tal fenmeno no Brasil. Durante a apresentao do

    estudo sobre economia e mercado so trabalhadas as teorias econmicas, as diferentes

    vises de mercado, as experincias de mercados livres j ocorridas e os conceitos bsicos

    relacionados aos mercados. No texto sobre as origens e caractersticas da mercantilizao

    da educao superior abordada a viso da educao como servio comercial desde Adam

    Smith at os documentos do Banco Mundial; tambm so apresentados os principaisfenmenos relacionados com a mercantilizao da educao superior e relatam-se os mais

    recentes estudos sobre os mercados em educao superior, seus quase-mercados e suas

    falhas. Por fim, dentro do captulo dois realizada uma reviso acerca do fenmeno da

    mercantilizao da educao superior brasileira. Nesse sentido so abordados dois

    principais fenmenos: o surgimento da avaliao do Provo; que gerou ranking e

    competio de mercado e a grande expanso de instituies privadas.

    No terceiro captulo apresentado um detalhado estudo sobre qualidade emeducao superior. Inicialmente, so abordadas as propostas de taxionomias para qualidade

    em ES surgidas durante a dcada de 1990 e os mais recentes termos utilizados para

    designar qualidade em ES e apresenta-se uma sntese acerca das concepes de qualidade

    em ES. Logo aps, o tema da qualidade em ES trabalhado no contexto de sistema

    nacional de educao superior. As caractersticas de um SES e uma viso de avaliao e

    medio de um SES so apresentadas. No final do terceiro captulo so abordados os mais

    conhecidos sistemas de indicadores para sistemas de educao da atualidade: OCDE e

    European Centre for Higher Education da Unesco. Tambm so abordados os indicadores

    de qualidade existentes para SES e as estruturas de avaliaes e medies utilizadas por

    organismos internacionais para avaliar e medir sistemas de educao.

    Por fim, no quarto captulo implementada a avaliao do desenvolvimento da

    qualidade do Sesb no perodo 1994-2004. Para tanto, no incio do captulo realizado um

    estudo sobre as instituies e rgos da educao superior brasileira configurando o Sesb e

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    elaborada uma proposta de sistema de indicadores para a qualidade do Sesb baseando-se

    nas experincias internacionais e na realidade brasileira. Finalmente, com base no sistema

    de indicadores proposto e considerando os dados disponveis da educao superior do

    perodo 1994-2003, realizado um levantamento do desenvolvimento dos indicadores para

    o Sesb e apresentada uma anlise geral acerca do desenvolvimento da qualidade do sistema.

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    1 A Histria e a Misso da Educao Superior

    No so as espcies mais fortes nem as mais inteligentes, as que sobrevivem,so as que melhor se adaptam as mudanas.

    Charles Darwin.

    Educao a chave da liberdade.

    Simon Bolvar.

    O surgimento da educao superior e, mais especificamente, da instituio

    universidade remonta ao incio do segundo milnio no continente europeu. As

    universidades surgiram sob a tutela e a servio da Igreja, gozavam de autonomia perante os

    poderes locais, ofereciam ensino gratuito e eram subsidiadas pela prpria Igreja. A

    universidade medieval atendia os filhos dos nobres e dedicava-se especialmente ao ensino

    da cultura geral da poca, ou seja, teologia, filosofia e artes (ORTEGA Y GASSET,

    1999).

    Ao longo de sua histria de quase mil anos, as universidades passaram por grandes e

    profundas transformaes. Pode-se dizer que foram reinventadas algumas vezes, tanto por

    meio de processos radicais como por lentos processos evolutivos (MORHY, 2003). As

    significativas transformaes sociais, culturais, polticas e econmicas que o mundo sofreu

    nos ltimos nove sculos, tais como a Renascena e a consolidao dos Estados nacionais,

    impactaram e geraram crises no seio das instituies. No entanto, a universidade

    demonstrou uma grande capacidade de adaptao e, medida que a sociedade e o Estado se

    transformavam, ela tambm adquiria novas formas e novas funes (ROSSATO, 1998).

    Neste incio do sculo XXI, quando o mundo sofre novamente profundas transformaessocioculturais e econmicas, a diversidade de modelos de universidade e de instituies

    muito grande. As IES multiplicaram-se e expandiram-se gerando novas formas de

    organizaes acadmicas e administrativas, que, independentemente da natureza

    institucional, podem apresentar diferentes e, por vezes, divergentes misses.

    Neste captulo, inicialmente, so relembradas as transformaes ocorridas na

    universidade tendo como referncia temporal as polticas econmicas vigentes na Europa

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    ocidental nos ltimos nove sculos; posteriormente so abordadas as grandes questes da

    sociedade contempornea que esto inter-relacionadas com o papel e a misso da educao

    superior, principalmente as relativas ao Estado e ao mercado; por fim, desenvolve-se uma

    anlise acerca da misso da educao superior considerando-se as transformaes e

    reformas presentes nas sociedades no incio do terceiro milnio.

    1.1 A Trajetria da Universidade: do Feudalismo ao Neoliberalismo

    A universidade sofreu muitas transformaes e crises desde o surgimento das

    instituies durante o feudalismo, quando a Igreja detinha grande poder poltico. Desde

    aquela poca at o incio do sculo XIX, as principais polticas econmicas que vigoraram

    na Europa ocidental foram o prprio feudalismo, o mercantilismo, o liberalismo, o

    keynesianismo e o recente fenmeno denominado neoliberalismo. Nesse perodo, a

    universidade passou por modificaes e crises que estiveram intimamente ligadas s

    transformaes sociais, culturais, polticas e, tambm, s mudanas das polticas

    econmicas, nas quais a Igreja, o Estado e o mercado alternaram diferenciados nveis de

    influncia sobre a sociedade e as instituies educacionais. A seguir, so relembradas as

    transformaes ocorridas na universidade tendo como referncia temporal as polticas

    econmicas vigentes na Europa ocidental nos ltimos nove sculos.

    1.1.1 O surgimento da universidade durante o feudalismo

    O surgimento da instituio universidade ocorreu no continente europeu durante a

    Idade Mdia. Pode-se considerar que existiram instituies precursoras e de grande

    importncia, como a Academia de Plato, por volta dos anos 380 a.C., na Grcia, e as

    escolas cornicas (islmicas) criadas, durante o apogeu do mundo rabe, em locais como

    El-Ahzar, Damasco e Crdoba. Entretanto, atualmente existe quase consenso de que as

    primeiras instituies que atingiram plenamente o estatuto de universidade foram

    constitudas em Bolonha, durante o sculo XI, e em Paris, no transcorrer do sculo XII

    (ROSSATO, 1998). A Universidade de Bolonha nasceu como comunidade de estudantes

    que contratava a cada ano os professores para ensinar o que se considerava a formao

    bsica; os estudantes governavam a instituio e o reitor era um estudante; e entre os

    discentes de destaque de Bolonha figuram Dante Alighieri e Petrarca. A Universidade de

    Paris, ao contrrio, surgiu como comunidade de professores, com a mesma funo de

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    Bolonha, porm sendo governada pelos docentes e tendo como reitor um professor; e entre

    os mais importantes docentes de Paris esto Abelardo e Santo Toms de Aquino. As

    instituies de Bolonha e de Paris transformaram-se em modelos de universidade para as

    novas instituies que surgiram na Europa medieval. Para ser considerada uma

    universidade plenamente constituda eram necessrias quatro faculdades: Teologia, Direito,

    Medicina e Artes (TOBO; PREZ, 2005).

    O sistema socioeconmico que predominava na Europa durante o surgimento da

    universidade era o feudalismo. A sociedade era composta por trs grupos sociais: os

    clrigos, os senhores feudais e os servos. Os senhores feudais tinham como principal

    funo guerrear; os servos, por sua vez, eram explorados, obrigados a prestar servios e apagar diversos tributos. O modo de produo era tpico de sociedades agrrias, com escassa

    circulao monetria, de subsistncia, pouca atividade comercial e de relaes de servido

    do trabalhador ao proprietrio da terra. A propriedade feudal pertencia a uma camada

    privilegiada, composta pelos senhores feudais e por altos dignitrios da Igreja - o clero. A

    idia de separao entre religio e poltica era desconhecida, portanto os clrigos e a Igreja,

    alm da funo religiosa, exerciam grande poder poltico (HUNT; SHERMAN, 1977;

    WIKIPDIA, 2005).

    Portanto, as primeiras universidades surgiram sob a tutela da Igreja, gozavam de

    autonomia perante os poderes locais e possuam caractersticas de grande unidade e

    homogeneidade; atendiam principalmente aos filhos dos nobres e estavam, notadamente, a

    servio da Igreja Catlica (ROSSATO, 1998). No obstante serem subsidiadas pela Igreja

    e, num segundo momento, pelas cidades e reinados, eram instituies formalmente privadas

    e autnomas. Dessa forma, ofereciam ensino gratuito, ainda que a cobrana de taxas por

    parte dos mestres junto aos aprendizes fosse permitida (TOBO; PREZ, 2005). A

    universidade medieval no fazia pesquisa nem se dedicava especialmente preparao

    profissional; sua abordagem era principalmente voltada para a cultura geral da poca, ou

    seja, teologia, filosofia e artes (ORTEGA Y GASSET, 1999).

    1.1.2 A primeira grande crise da universidade durante o mercantilismo

    No transcorrer do sculo XIV surgiu um movimento cultural, inicialmente na Itlia,

    chamado de Renascena, considerado marcante em relao ao fim da Idade Mdia e incio

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    da Idade Moderna. A Renascena estava associada ao humanismo, ao interesse dos

    acadmicos pelos textos clssicos gregos e de desprezo Idade Mdia e ao feudalismo. A

    partir de ento, a vida cultural deixou de ser controlada pela Igreja Catlica e passou a ser

    influenciada por estudiosos da Antiguidade greco-romana chamados de humanistas. A

    partir da crise do feudalismo emergiu o sistema de governo absolutista, no qual o poder

    centralizado na figura do rei. Foi nesse momento que a burocracia foi criada, que ocorreu a

    padronizao monetria e fiscal e que as fronteiras das naes europias comearam a ser

    estabelecidas. A economia tambm era controlada pelo rei atravs do mercantilismo, que

    foi o pensamento econmico predominante na Europa entre o sculo XV e o fim do sculo

    XVIII. A economia mercantilista era fortemente regulamentada, pois a riqueza de umamonarquia residia na acumulao de metais preciosos (ouro e prata); a colonizao de

    novos territrios era promovida e as exportaes, ao contrrio das importaes, eram

    incentivadas (HUNT; SHERMAN, 1977; WIKIPDIA, 2005).

    No sculo XVI ocorreu a chamada Reforma Protestante, que na tentativa de

    moralizar e reformar a Igreja Catlica, gerou as guerras de religio, as quais se

    espalharam pela Europa e, por fim, estabeleceram vrias novas Igrejas crists. Como

    resultado desse conjunto de movimentos culturais e transformaes socioeconmicas

    (Renascena, Reforma Protestante, Absolutismo etc.) ocorrem uma sensvel diminuio do

    poder da Igreja Catlica sobre a regulao e legitimao da universidade; por conseguinte,

    observa-se tambm a ampliao da influncia dos soberanos, dos prncipes e das comunas,

    ou seja o Estado da poca, sobre as instituies.

    Assim, a universidade em tempos de mercantilismo e absolutismo, ao mesmo tempo

    em que encaminhou a sua laicizao, pela autonomia que obteve em relao Igreja,

    tambm passou a viver uma profunda crise, a ponto de as instituies serem desprezadas e

    vistas como decadentes. A libertao de Roma acarretou perda da autonomia da

    universidade, visto que reis e prncipes reforaram a autoridade sobre ela. Os professores,

    que at ento viviam dos benefcios eclesisticos, de doaes e dos direitos cobrados sobre

    os exames, passaram a ser controlados pelas autoridades locais. Ao rejeitar o humanismo,

    que veio no bojo da Renascena, a maior parte das universidades, que continuavam

    conservadoras e fechadas como no perodo feudal, ainda separadas da investigao,

    comearam a sofrer um grande desgaste. Por conseguinte, tal cenrio permitiu aos colgios

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    ganharem importncia e disputarem o mesmo perfil do estudante universitrio: jovens de

    famlia nobre ou rica denominada elite.

    No sculo XVIII muitas instituies tinham professores desocupados, que

    ensinavam um currculo medieval desprezado pelos intelectuais herdeiros do renascimento

    e do humanismo. Algumas universidades recorriam, inclusive, comercializao e venda

    de diplomas para garantir a sobrevivncia institucional (ROSSATO, 1998). Assim, durante

    e Idade Moderna a universidade, envolta numa crise de legitimidade, passou pela extino

    de muitas instituies, deixando inclusive de existir em alguns pases e reformulando-se

    noutros locais para se adaptar s mudanas em curso. Seria razovel, portanto, admitir que

    a Idade Moderna representou um momento de transio no apenas para a sociedade e aeconomia, mas tambm para a instituio universidade, que, em crise, deixou de ter na

    Igreja feudal sua principal razo de ser e comeou a voltar-se para o Estado, abrindo

    espaos para novos padres institucionais.

    1.1.3 A consolidao da universidade moderna durante o liberalismo

    No final do sculo XVIII ocorreram profundas mudanas sociais, polticas e

    econmicas, as quais convergiram para o surgimento da chamada Modernidade, que

    supe o estabelecimento de uma srie de princpios de organizao da realidade cuja

    influncia chega aos dias atuais (TOBO; PREZ, 2005). O movimento intelectual

    conhecido por iluminismo, de certo modo herdeiro do renascimento e do humanismo, ao

    enfatizar a razo e a cincia para explicar o universo e defender a valorizao do homem,

    impulsionou o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade moderna. A Revoluo

    Francesa, considerada o evento que marca o incio da Idade Contempornea, extinguiu a

    servido e os direitos feudais na Frana, proclamou os direitos universais de Liberdade,

    Igualdade e Fraternidade, divulgou a primeira Declarao dos Direitos do Homem e doCidado e, ao extinguir a Monarquia, em 1792, realizou a proclamao da Repblica.

    A Revoluo Industrial, marcada pela passagem da energia humana para motriz, foi

    o ponto culminante de uma evoluo tecnolgica, social e econmica que vinha se

    engendrando h tempos na Europa. Inicialmente, com particular incidncia nas naes onde

    a reforma Protestante tinha destronado a Igreja Catlica, a Revoluo Industrial alterou

    profundamente as condies de vida do trabalhador, provocou um intenso deslocamento da

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    populao rural para as cidades e alterou os padres de consumo conforme novas

    mercadorias foram sendo produzidas. No entanto, pode-se dizer que a Revoluo Industrial

    tambm iniciou um processo ininterrupto de produo coletiva em massa, gerao de lucro

    e acmulo de capital. Nesse momento surgiu ainda o liberalismo clssico, um movimento

    intelectual que se desenvolveu em fins do sculo XVIII e incio do sculo XIX e apoiou o

    laissez-faire(deixe fazer) internamente como uma forma de reduzir o papel do Estado nos

    assuntos econmicos e o mercado livre no exterior como um modo de unir as naes do

    mundo.

    O liberalismo clssico enfatiza a liberdade como objetivo ltimo e o indivduo como

    a entidade principal da sociedade. Por conseguinte, apareceram s primeiras teoriaseconmicas modernas: a Economia Poltica, com a sua correspondente ideolgica, o

    Liberalismo. Na Inglaterra, Adam Smith, defensor do laissez-fair, publicou o livro Uma

    investigao sobre a natureza e causas da riqueza das naes (1776), que se tornaria um

    manifesto contra o mercantilismo (que pregava um forte controle do Estado sobre a

    economia) e termina por tornar-se uma obra de referncia para geraes de economistas. O

    liberalismo econmico e o laissez-fairetransformaram-se no sistema econmico dominante

    no incio da Idade Contempornea, principalmente, nos Estados Unidos e nas naes mais

    desenvolvidas da Europa no perodo compreendido entre o incio do sculo XIX e o incio

    do sculo XX (HUNT; SHERMAN, 1977; WIKIPDIA, 2005).

    Nesse contexto de transformaes e de novas estruturas socioeconmicas, no

    mesmo momento em que se estabelecia a primazia dos Estados-nao, a vanguarda da

    cultura da Modernidade e o incio da hegemonia econmica do capitalismo, tambm

    comearam a surgir novos modelos de instituies que constituram a universidade

    moderna. Segundo Hlgio Trindade (1999, p. 15), o contexto societrio que engendra a

    universidade moderna se faz sob forte impulso das cincias, do iluminismo e do

    enciclopedismo, e as instituies, em que pese no seguirem um modelo nico, caminham

    em direo de estatizao e nacionalizao, iniciando o que pode ser chamado de papel

    social das universidades. Em quase toda a Europa, com o objetivo de libertar as

    universidades para coloc-las a servio do Estado liberal e de suas necessidades

    econmicas, os novos Estados nacionais passam a se apropriar das instituies que ainda

    eram formalmente entidades privadas. O principal objetivo na universidade passou a ser

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    no mais formar bons cristos, como no perodo feudal, mas formar bons cidados, capazes

    de cumprir as funes que o Estado e a sociedade passam a exigir. Dessa forma, no incio

    do sculo XIX a universidade renasceu segundo trs modelos diferentes para se adaptar s

    novas necessidades econmicas e culturais da modernidade e da industrializao (TOBO;

    PREZ, 2005). Tais modelos, dos quais ainda hoje derivam muitas instituies,

    desenvolvidos sob a tutela do Estado, so:

    o modelo alemo (Universidade Humboldtiana), inspirado por Von

    Humboldt e criado em 1809, que se dedica pesquisa;

    o modelo francs (Universidade Napolenica), criado por Napolelo em

    1808, que se centra na formao profissional;

    o modelo anglo-saxo, que favorece o desenvolvimento das disciplinas que

    apiam o processo de industrializao.

    O modelo alemo surgiu no bojo das reformas administrativas e econmicas

    realizadas aps a guerra prussiana frente Frana, quando parcela de culpa da derrota foi

    atribuda ao atraso na educao cientfica. Assim, o modelo tem como pressupostos a

    unidade do ensino e da pesquisa, a investigao realizada sem preocupaes utilitaristas e a

    idia de formao por meio da investigao cientfica. As universidades alems

    converteram-se ento, em centros cientficos que eram controlados pelo Estado funcional e

    economicamente, porm com grande liberdade acadmica, ou seja, o professor possua

    liberdade na busca do conhecimento ao passo que a instituio carecia de autonomia. As

    instituies eram relativamente elitistas e os professores gozavam de emprego vitalcio. O

    modelo humboldtiano de instituio de pesquisa foi adotado por parte da Europa e logo

    depois se expandiu, especialmente para Rssia e Japo.

    O modelo francs foi concebido fundamentalmente como um servio mantido pelo

    Estado para, em primeiro lugar, responder s demandas por servidores do prprio Estado e,

    em segundo lugar, para promover o desenvolvimento econmico da sociedade, formando as

    elites imprescindveis. Nas instituies francesas a autonomia institucional era praticamente

    inexistente, visto que os objetivos dos professores de ensino e educao pblica eram bem

    definidos pelo Estado. O modelo de universidade napolenica estendeu-se aos pases baixos

    e Itlia.

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    O terceiro modelo de universidade, o anglo-saxo, tinha duas vertentes, com

    algumas distines: a britnica e a americana. No Reino Unido no ocorreu uma

    interveno do Estado e as instituies continuaram formalmente sendo de natureza

    privada. A universidade britnica no perdeu a autonomia e tinha como objetivo principal

    responder s necessidades da Revoluo Industrial. Nos Estados Unidos, a universidade era

    criada por iniciativa da comunidade e as instituies tinham como caracterstica uma maior

    ateno s demandas sociais e uma organizao empresarial nas estruturas internas.

    Os modelos de universidades humboldtiana, napolenica e anglo-saxnica, com

    algumas adaptaes conforme as especificidades regionais, continuaram balizando as

    instituies no transcorrer dos sculos XIX e XX. Segundo Ricardo Rossato (1998, p. 175),desenvolve-se uma universidade pluralista, heterognica e voltada para a pesquisa,

    paralelamente ao desenvolvimento daquilo que se denominou Revoluo Industrial. Para

    Boaventura de Souza Santos (1994, p. 183), a universidade moderna propunha-se produzir

    um conhecimento superior, elitista, para o ministrar a uma pequena minoria, igualmente

    superior e elitista, de jovens, num contexto institucional classista pontificando do alto do

    seu isolamento sobre a sociedade. Na secunda metade do sculo XX quase todos os pases

    do mundo tinham universidades e novos desafios estavam comeando a surgir como, por

    exemplo, a demanda por acesso de outras classes sociais que no a da elite.

    1.1.4 A massificao da universidade durante o welfare statekeynesiano

    Nos anos que seguiram ao final da II Guerra Mundial, os pases avanados adotaram

    polticas keynesianas e socialdemocratas que reforaram o investimento estatal na educao

    superior e engendraram o chamado Estado do bem-estar. O momento ficou conhecido

    como o perodo de expanso do ps-guerra e, segundo Marilena Chau (1999), a

    economia poltica que sustentava o Estado do bem-estar tinha como caractersticasprincipais o fordismo na produo, a incluso crescente dos indivduos no mercado de

    trabalho com vistas ao pleno emprego e monoplios e oligoplios que, embora

    transnacionais e multinacionais, tinham o Estado nacional como referncia reguladora. O

    pensamento dominante da poca que norteou a formao do Estado do bem-estar ou

    welfare state keynesiano apoiava-se na idia de que os mercados falham e que o setor

    pblico deve atuar para corrigir tais erros. Em decorrncia disso, os governos investiam em

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    setores como transporte e equipamentos pblicos para gerar crescimento da produo e do

    consumo de massa, bem como buscavam fornecer complemento ao salrio social com

    gastos em seguridade social, assistncia mdica, educao, habitao etc. O poder estatal

    era exercido inclusive nos acordos salariais e direitos dos trabalhadores na produo

    (SOUZA, 1997).

    O perodo das polticas de bem-estar social foi marcado por um desenvolvimento

    econmico sem precedentes que gerou prosperidade em diversos segmentos da sociedade.

    Durante a dcada de 1950, por exemplo, o ensino secundrio ou mdio sofreu uma forte

    expanso, resultado do enriquecimento das famlias e de uma demanda crescente da

    economia por pessoal mais qualificado, visto que setores tradicionais, como minas decarvo, por exemplo, perdiam espao para novos setores. Por conseguinte, na dcada de

    1960 deu-se incio ao processo de massificao da educao superior e de expanso

    universitria, por meio, sobretudo, do financiamento com fundos pblicos (TOBO;

    PREZ, 2005).

    Os governos tambm foram influenciados a ampliar o investimento pblico em

    educao por dois outros motivos: (a) a necessidade de responder aos movimentos dos

    estudantes universitrios, que teve pice na Frana em 1968, os quais questionavam deforma radicalizada o sistema universitrio elitista; (b) pela divulgao da teoria do capital

    humano, que via na formao um meio para incrementar a produtividade dos

    trabalhadores e desenvolver o crescimento econmico dos pases. Segundo a Unesco (apud

    ROSSATO, 1998), em 1950 havia seis milhes e setecentos mil estudantes na educao

    superior em todo o mundo; em 1960, eram aproximadamente onze milhes e duzentos mil

    e, em 1970, entre vinte e seis e vinte e sete milhes, ou seja, um crescimento no nmero de

    estudantes de aproximadamente 2,4 vezes em apenas vinte anos. Alm da expanso do

    ensino secundrio, outros fatores, como a chegada da classe mdia e da mulher

    universidade, tambm contriburam com o crescimento e a massificao na educao

    superior na dcada de 1960. Enfim, o Estado do bem-estar, que propiciou a ascenso da

    classe mdia e a expanso do nvel educacional secundrio, tambm proporcionou as

    condies de transformao da universidade de uma instituio de elite para uma instituio

    de massa.

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    Dessa forma, pode-se dizer que a universidade, que mesmo durante o perodo do

    laissez-faireestava muito atrelada ao Estado econmica e administrativamente, teve as suas

    estruturas reforadas pelo investimento estatal do welfare state keynesiano. Entretanto,

    durante a dcada de 1970 o Estado do bem-estar entrou em crise e uma nova ordem

    econmica e social reverteu completamente o quadro de forte investimento pblico em

    educao superior e estabeleceu novas funes para as universidades, ligadas

    principalmente aos interesses do chamado mercado.

    1.1.5 Uma nova grande crise da universidade na emergncia do neoliberalismo

    A expanso do ps-guerra e as polticas do Estado do bem-estar comearam a

    perder mpeto no incio da dcada de 1970. Nesse perodo, as taxas de crescimento da

    economia caram pela metade, o desemprego comeou a subir e surgiram as presses sobre

    as finanas pblicas. Segundo Marilena Chau (1999, p. 212), na primeira metade da

    dcada de 1970 o capitalismo conheceu, pela primeira vez, um tipo de situao

    imprevisvel, isto , baixas taxas de crescimento econmico e altas taxas de inflao

    (estagflao). Para Manoel Tibrio Alves de Souza,

    a profunda recesso de 1973, exacerbada pelo choque do Petrleo, retirou omundo capitalista do sufocante torpor da estagflaoe ps em movimento umconjunto de processo que solapou o compromisso fordista. Em conseqncia, asdcadas de 70 e 80 apresentam-se como um conturbado perodo dereestruturao econmica e reajustamento social e poltico, configurando umnovo modelo de acumulao de carter mais flexvel (1997, p. 3).

    Nesse contexto, no mesmo momento em que as polticas keynesianas comeavam a

    sofrer fortes crticas, as idias monetaristas de Milton Friedman e os princpios poltico-

    ideolgicos de Friederich von Hayek, da escola econmica neoclssica, comearam a

    ganhar fora. Tais autores propugnam, entre outras coisas, que o mercado um agente

    econmico perfeito, imune crise; que as crises econmicas se devem a um desequilbrio

    entre oferta e procura que rapidamente sanado pelo mercado; que toda forma de

    interveno estatal, excetuando-se os casos de defesa da liberdade e da segurana um

    desequilbrio e que o gasto pblico na rea social, especialmente na previdenciria, fonte

    de dficitpblico, da criao de indivduos moralmente fracos, pouco afeitos ao trabalho, e

    de ser uma injusta fonte de distribuio de renda (apud ALVES, 2004). Dessa forma, com a

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    ascenso dos governos conservadores de Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Reagan nos

    Estados Unidos da Amrica, em 1980, estabeleceram-se as condies polticas e

    ideolgicas para o abandono do iderio keynesiano e a ascenso das polticas neoliberais, as

    quais estabelecem uma receita que inclui a reduo do tamanho do Estado, privatizaes,

    monetarismo, reduo de impostos e de benefcios sociais (TOBO; PREZ, 2005) e, por

    conseguinte, a reduo do compromisso pblico do Estado com as universidades e a

    educao em geral.

    Segundo Boaventura de Souza Santos (1994), no final do sculo XX a universidade

    defrontava-se com trs crises: a crise de hegemonia, originada pela contradio entre a alta

    cultura e a produo de padres culturais mdios e de conhecimentos instrumentais; a crisede legitimidade, provocada pela contradio entre a hierarquizao dos saberes

    especializados atravs das restries de acesso e as exigncias sociais e polticas da

    democratizao da universidade; e, finalmente, a crise institucional, resultante da

    contradio entre a reinveno da autonomia na definio dos valores e objetivos da

    universidade e a presso crescente para submeter as instituies a critrios de eficcia e de

    produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social. Entretanto, dez anos

    mais tarde, Boaventura de Souza Santos (2004), afirmaria que a crise institucional, o elo

    mais fraco da universidade porque a autonomia cientfica e pedaggica assenta-se na

    dependncia econ