Tese: Criados, escravos e empregados - historia.uff.br · 3 Ficha Catalográfica elaborada pela...

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA FLAVIA FERNANDES DE SOUZA CRIADOS, ESCRAVOS E EMPREGADOS: O serviço doméstico e seus trabalhadores na construção da modernidade brasileira (cidade do Rio de Janeiro, 1850-1920) Niterói / RJ 2017

Transcript of Tese: Criados, escravos e empregados - historia.uff.br · 3 Ficha Catalográfica elaborada pela...

  • UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    FLAVIA FERNANDES DE SOUZA

    CRIADOS, ESCRAVOS E EMPREGADOS:

    O servio domstico e seus trabalhadores na construo da

    modernidade brasileira (cidade do Rio de Janeiro, 1850-1920)

    Niteri / RJ

    2017

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    FLAVIA FERNANDES DE SOUZA

    CRIADOS, ESCRAVOS E EMPREGADOS:

    O servio domstico e seus trabalhadores na construo da modernidade

    brasileira (cidade do Rio de Janeiro, 1850-1920)

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao

    em Histria do Instituto de Cincias Humanas e

    Filosofia da Universidade Federal Fluminense,

    como requisito parcial para a obteno do ttulo

    de Doutor(a) em Histria.

    rea de concentrao: Histria Social

    Orientador: Prof. Dr. Marcelo Badar Mattos

    Niteri / RJ

    2017

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    Ficha Catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoat

    S729 Souza, Flavia Fernandes de. Criados, escravos e empregados: o servio domstico e seus

    trabalhadores na construo da modernidade brasileira (cidade do Rio de

    Janeiro, 1850 1920) / Flavia Fernandes de Souza. 2017.

    583 f. ; il.

    Orientador: Marcelo Badar Mattos.

    Tese (Doutorado em Histria) Universidade Federal Fluminense,

    Instituto de Cincias Humanas e Filosofia, Departamento de Histria,

    2017.

    Bibliografia: f. 542-568.

    1. Empregados domsticos. 2. Escravido. 3. Modernidade. 4. Rio

    de Janeiro (RJ), 1850-1920. I. Mattos, Marcelo Badar.

    II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Cincias Humanas e

    Filosofia. III. Ttulo.

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    FLAVIA FERNANDES DE SOUZA

    CRIADOS, ESCRAVOS E EMPREGADOS:

    O servio domstico e seus trabalhadores na construo da modernidade

    brasileira (cidade do Rio de Janeiro, 1850-1920)

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao

    em Histria do Instituto de Cincias Humanas e

    Filosofia da Universidade Federal Fluminense,

    como requisito parcial para a obteno do ttulo

    de Doutor(a) em Histria. rea de concentrao:

    Histria Social.

    Aprovada em: 23/03/2017

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Marcelo Badar Mattos Universidade Federal Fluminense (UFF)

    (Orientador)

    Prof. Dr. Fabiane Popinigis Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

    Prof. Dr. Flvio dos Santos Gomes Universidade Federal Fluminense (UFRJ)

    Prof. Dr. Rafael Maul de C. Costa Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

    Prof. Dr. Paulo Cruz Terra Universidade Federal Fluminense (UFF)

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    minha famlia.

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    AGRADECIMENTOS

    O teste de toda felicidade a gratido; e eu me sentia grato.

    G. K. Chesterton.

    Por uma conjuno de fatores singulares, nem sempre evidentes, o perodo de

    elaborao do projeto de pesquisa e de produo deste trabalho foi extremamente

    desafiador e solitrio. Porm, se trabalhar nessas circunstncias foi, por vezes, muito

    angustiante, ao mesmo tempo, esse processo agregou mais valor e importncia a todas

    as ajudas (objetivas e subjetivas) oferecidas por todos aqueles que fizeram parte da

    minha vida ou, simplesmente, cruzaram o meu caminho durante os anos de dedicao a

    este estudo. Por isso, bom esclarecer, os agradecimentos so, principalmente, para

    aqueles que contriburam para a construo desta tese, mas minha gratido tambm

    direcionada para todos que me ajudaram a prosseguir mesmo quando no se deram

    conta disso.

    Portanto, agradeo:

    A Marcelo Badar Mattos, meu orientador, pela sua grandeza e generosidade

    intelectual e pela compreenso com meio jeito de trabalhar. Uma boa orientao s

    vezes fruto da liberdade que inspira e gera autonomia e que com poucas e certeiras

    conversas trata do essencial, revelando o melhor caminho a ser seguido. A ele dedico

    profundo respeito e admirao pelo exemplo que , como historiador, professor,

    intelectual e pessoa, alm de nutrir a honra de ter sido sua aluna e orientanda.

    A Flvio dos Santos Gomes, mestre exemplar e historiador admirvel. A ele sou

    grata por apadrinhar esta pesquisa, desde o incio, com muito interesse, entusiasmo e

    generosidade. So inesquecveis suas objetivas orientaes e seus profundos insights

    trazidos em simples e sempre agradveis conversas. Agradeo tambm pela honra de ter

    sido sua aluna e por integrar a banca avaliadora deste trabalho, desde a qualificao.

    professora Fabiane Popinigis, por acolher minha pesquisa com muita boa

    vontade e por ser uma importante e interessada interlocutora. Agradeo tambm pelas

    oportunidades de publicao, pelas fundamentais orientaes dadas na qualificao e

    pela sua participao na banca avaliadora deste trabalho.

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    A Paulo Cruz Terra, inicialmente colega de grupo de pesquisa e posteriormente

    professor, pelo interesse na minha pesquisa, por se apresentar sempre gentil e prestativo

    e pelas valiosas conversas informais, as quais me ajudaram de diferentes maneiras. E,

    agora, agradeo tambm por integrar o grupo dos professores avaliadores desta tese.

    A Rafael Maul de Carvalho Costa, colega de encontros acadmicos e de grupo

    de pesquisa, por aceitar, com muita gentileza e de ltima hora, participar da banca

    avaliadora deste trabalho, depois de acontecimentos inesperados.

    professora querida Magali Gouveia Engel, por ter acompanhado o incio da

    minha trajetria no tema, ainda no mestrado, e por todos os ensinamentos dados por

    meio de sua dedicao e competncia profissional. A ela agradeo tambm pelo carinho

    e considerao com que sempre me tratou e pelas oportunidades oferecidas durante o

    perodo em que participei do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais, Sociedade e

    Poltica (GEPISP).

    Aos professores que, em cursos e eventos, me auxiliaram com orientaes,

    questionamentos, indicaes, crticas e elogios. Por isso, registro meu muito obrigada

    a lvaro do Nascimento, Cristiana Schettini, Giovana Xavier, Henrique Espada Lima,

    Luiz Felipe de Alencastro, Maria Helena Machado, Mariana Muaze, Marcelo

    Magalhes, Monica Grin e Thiago Bernardon, entre outros cuja memria pode ter

    falhado ao lembrar.

    Ao Grupo de Pesquisa Mundos do Trabalho - UFF e a todos os colegas que o

    compe, por representar para mim um espao de crescimento e de aprendizado

    constante.

    Ao revisor Luiz Henrique Queiroz da Silva pela esmerada orientao inicial na

    formatao do trabalho e, principalmente, por sua boa vontade e gentileza.

    Aos colegas de encontros acadmicos, Juara de Mello, Iamara Viana, Felipe

    Ribeiro, Luciana Pucu Wollmann, Natlia Peanha, Cristiane Miyasaka, Lerice Garzoni

    e Mylena Viana pelas conversas, pelas trocas de ideias, pelas informaes, pelas

    indicaes de livros, pelo envio de materiais e, sobretudo, pela companhia em viagens e

    eventos realizados ao longo dos ltimos anos.

    Aos companheiros de caminhada no doutorado: Igor Gomes Santos, camarada

    de angstias e de esperanas acadmicas, pelo carinho e por algumas conversas

    iluminadoras; Miguel ngel Escobio, pelas informaes trocadas a respeito do

    acompanhamento de nossas bolsas de estudo e da agenda de compromissos dos

    bolsistas; Pedro Cassiano de Oliveira, pelas conversas e dvidas partilhadas em relao

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    ao andamento da tese e da vida; e Rafael Petry Trapp pela amizade, pelos incentivos,

    por algumas leituras, pelos exemplos de coragem e pelas boas conversas partilhadas

    entre cafs e almoos no Gragoat.

    Ao amigo Kaio Csar Goulart, por ter acompanhado, ainda que distncia, a

    minha trajetria no curso, e por nossas conversas ao telefone, nas quais compartilhamos,

    entre os altos e baixos da vida, dvidas, certezas, alegrias, tristezas e esperanas.

    s velhas amigas, mas sempre jovens amigas, Genana Teixeira, Patrcia

    Monnerat, Rosane Torres e Viviane Medeiros pelos encontros e reencontros, pelas

    lembranas, pelos telefonemas, pelas mensagens e por me ensinarem que o afeto e o

    carinho podem sobreviver mesmo nas mais adversas circunstncias.

    Ao pessoal da Coordenao e da Secretaria do PPGH-UFF, por todo o trabalho

    de apoio realizado ao longo dos ltimos anos.

    A todos aqueles que me atenderam ou me orientaram nos arquivos, bibliotecas e

    demais espaos institucionais por onde estive pesquisando.

    s instituies que financiaram esta pesquisa, por meio de bolsas de estudo a

    mim concedidas, em perodos diferentes, e sem as quais este trabalho no existiria. Por

    isso, registro meu agradecimento ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico

    e Tecnolgico (CNPq) e Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do

    Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

    A Marina Fernandes e a Edvaldo Sales, tios queridos e pais de corao, pelo

    carinho, pelo apoio, por me ajudarem generosamente em vrias circunstncias e de

    diferentes maneiras e, tambm, por me acolherem de braos abertos desde sempre.

    Aos meus primos-irmos e fiis escudeiros, Eduardo Sales e Alessandro Sales.

    A eles sou grata no apenas pela amizade prestimosa e pelo companheirismo de todas as

    horas, mas, sobretudo, pelas suas presenas em minha vida e por todo bem que existe

    entre ns. A Alessandro, em particular, peo desculpas por quebrar minha promessa de

    lhe dedicar um captulo inteiro de agradecimentos.

    minha me, Marise Brando, ao meu pai, Fernando Fernandes, e minha

    irm, Fernanda Fernandes, dedico gratido profunda por tudo que fizeram e fazem por

    mim e por manterem toda a estrutura que me permitiu chegar at aqui. A eles agradeo,

    portanto, pelo convvio, pelos incentivos, pela pacincia, pela confiana, pelas valiosas

    lies dadas por meio do exemplo e pelos laos de amor que nos unem, apesar de tudo.

    Finalmente, como nem s de po viver o homem... Aos Mestres Espirituais,

    que sobre o caos estabelecem a Ordem e das trevas retiram a Luz.

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    Assim, o terreno intermedirio da historiografia desmorona de ambos

    os lados. Fico em um veio muito estreito, olhando a mar a subir. Ou,

    para ser mais explcito, aqui me sento com meu estudo, aos cinquenta

    anos de idade, a escrivaninha e o cho empilhados com cinco anos de

    anotaes, xeroxes, rascunhos deixados de lado, o relgio mais uma

    vez marcando a madrugada, e vejo-me, num instante de lucidez, como

    um anacronismo. Por que gastei esses anos tentando descobrir algo

    que, em sua estrutura essencial, poderia ser conhecido sem nenhuma

    investigao? [...]

    Estou disposto a achar que importa; tenho um capital investido (em

    cinco anos de trabalho) para achar que pode importar. Mas, para

    demonstr-lo, preciso abandonar pressupostos aceitos aquele

    estreito veio do terreno intermedirio tradicional e me deslocar

    para um veio terico ainda mais estreito. [...]

    E. P. Thompson. Senhores e Caadores: a origem da lei negra. Trad. Denise

    Bottman. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 350.

  • 10

    RESUMO

    Esta tese apresenta como objeto de anlise diferentes dimenses da esfera

    laboral formada pelos trabalhadores domsticos na cidade do Rio de Janeiro, ento

    capital brasileira, entre os anos 1850 e 1920, aproximadamente. Trata-se de um estudo

    cujo objetivo geral compreender algumas transformaes ocorridas no servio

    domstico com o avano do trabalho livre e assalariado e com o declnio e o fim da

    escravido no Brasil. Isso sendo realizado a partir da anlise de um conjunto variado de

    fontes primrias e de um enfoque terico-metodolgico transnacional, que visa

    estabelecer relaes com fenmenos e processos ocorridos na prestao de servios

    domsticos em diferentes lugares do mundo, no longo perodo que se estende do sculo

    XIX at as primeiras dcadas do sculo XX. Sendo assim este estudo se debrua sobre

    questes relativas: composio social dos criados domsticos (que envolvia um

    nmero crescente de mulheres e diferentes tipos de trabalhadores, que poderiam ser

    escravizados, livres, nacionais ou estrangeiros); s variadas modalidades de arranjos de

    trabalho (entre as quais se destacavam o aluguel e a locao de servios por dvida); ao

    agravamento de tenses e de conflitos nas relaes de trabalho estabelecidas entre

    senhores e escravos e patres e empregados, o qual foi responsvel por formar um

    cenrio de crise social; e aos processos de estigmatizao e de regulamentao do

    servio domstico, empreendidos por representantes municipais, autoridades policiais,

    patres e intelectuais ligados imprensa. Tendo em vista essas questes, esta tese

    apresenta, portanto, um amplo panorama das caractersticas da prestao de servios

    domsticos na construo da chamada modernidade no Brasil.

    Palavras-chave: servio domstico; trabalhadores domsticos; trabalho urbano;

    domesticidade; escravido; modernidade; cidade do Rio de Janeiro; c. 1850-1920.

  • 11

    ABSTRACT

    This thesis presents as object of analysis different dimensions of the labor sphere

    formed by domestic workers in Rio de Janeiro city, then Brazilian D.C, between the

    years 1850 and 1920, approximately. It is a study whose general objective is to

    understand some transformations occurred in the domestic service with the

    advancement of free and wage labor and with the decline and the end of slavery in

    Brazil. This is done by analyzing a diverse set of primary sources and a transnational

    theoretical-methodological approach, which aims to establish relationship with

    phenomena and processes that occur in the provision of domestic services in different

    parts of the world, over the long period of the 19th century until the first decades of the

    20th century. Thus, this study focuses on issues related to the social composition of

    domestic servants (involving an increasing number of women and different types of

    workers, who could be enslaved, free, national or foreign); To the various modalities of

    work arrangements (among which the rent and lease of services by debt); The

    aggravation of tensions and conflicts in the labor relationship established between

    masters and slaves and employers and employees, which was responsible for forming a

    scenario of social crisis; And the processes of stigmatization and regulation of domestic

    service, undertaken by municipal representatives, police authorities, bosses and

    intellectuals linked to the press. In view of these issues, this thesis presents a broad

    overview of the characteristics of the provision of domestic services in the emergence of

    the so-called modernity in Brazil.

    Keywords: domestic service; domestic workers; urban work; domesticity; modernity;

    Rio de Janeiro city; w. 1850-1920.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    IMAGEM 1 Anncio da Companhia Locadora Previdncia Domstica........235

    IMAGEM 2 Anncio da Companhia Utilidade Pblica.................................236

    IMAGEM 3 Anncio do Banco Cooperativo.................................................236

    IMAGEM 4 Matria sobre as agncias de emprego.......................................243

    IMAGEM 5 Fotografia de agncia de locao de criados domsticos 1........244

    IMAGEM 6 Fotografia de agncia de locao de criados domsticos 2........245

    IMAGEM 7 Charge Experincia.................................................................345

    IMAGEM 8 Charge O servio domstico 1................................................346

    IMAGEM 9 Charge O servio domstico 2................................................346

    IMAGEM 10 Charge Vida intensa 1 ............................................................347

    IMAGEM 11 Charge Vida intensa 2.............................................................347

    IMAGEM 12 Charge Irrefutvel!..................................................................348

    IMAGEM 13 Charge A criada nova.............................................................348

    IMAGEM 14 Charge Entre criadas...............................................................351

    IMAGEM 15 Charge Criadas modernas 1....................................................351

    IMAGEM 16 Charge Desculpa de criado.....................................................352

    IMAGEM 17 Charge Servio domstico......................................................352

    IMAGEM 18 Charge Criadas modernas 2....................................................353

    IMAGEM 19 Charge Patroas........................................................................353

    IMAGEM 20 Notcia sobre criado infiel 1.......................................................360

    IMAGEM 21 Notcia sobre criado infiel 2.......................................................360

    IMAGEM 22 Notcia sobre criada infiel..........................................................361

    IMAGEM 23 Matria sobre priso de criada domstica..................................363

  • 13

    LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 Condio civil de trabalhadores procurados ou oferecidos em

    anncios, 1850-1878................................................................117

    QUADRO 2 Ocupaes dos escravos na cidade do Rio de Janeiro em

    1872.........................................................................................125

    QUADRO 3 Condio civil dos trabalhadores do servio domstico em

    1872.........................................................................................128

    QUADRO 4 Populao estrangeira na cidade do Rio de Janeiro, 1872-

    1920.........................................................................................155

    QUADRO 5 Brasileiros e estrangeiros empregados no servio domstico em

    1872.........................................................................................156

    QUADRO 6 Nacionalidade e raa dos trabalhadores domsticos por

    parquia em 1890.....................................................................172

    QUADRO 7 Quantidade de mulheres e homens no servio domstico 1872,

    1906 e 1920..............................................................................180

    QUADRO 8 Anncios de aluguel de criados domsticos, 1850-

    1888.........................................................................................211

    QUADRO 9 Anncios de aluguel de criados domsticos, 1890-

    1920.........................................................................................214

    QUADRO 10 Exemplos do valor do aluguel mensal de criados domsticos

    livres e libertos em atividades selecionadas a partir de anncios

    do Jornal do Commercio, 1850-1890......................................220

  • 14

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Ocupao dos escravos detentos (1880 e 1882).........................131

    TABELA 2 Nao dos escravos detentos (1880 e 1882)...............................132

    TABELA 3 Faixa etria dos detentos escravizados (1880 e 1882)...............134

    TABELA 4 Cor dos escravos detentos (1880 e 1882)...................................136

    TABELA 5 Detentos escravizados por ocupao e cor (1880 e 1882).........137

    TABELA 6 Naturalidade dos escravos detentos (1880 e 1882)....................139

    TABELA 7 Imigrantes em relao profisso e ao sexo (1885-1891).........159

    TABELA 8 Nacionalidade dos imigrantes (1885-1891)...............................161

    TABELA 9 Procedncia de navios com migrantes brasileiros (1885-

    1891)..........................................................................................163

    TABELA 10 Portos de entrada dos imigrantes e procedncia dos navios (1885-

    1891)...........................................................................................164

    TABELA 11 Imigrantes de acordo com a faixa etria (1885-1891)................165

    TABELA 12 Nmero de imigrantes com ou sem acompanhantes (1885-

    1891)..........................................................................................166

    TABELA 13 Diviso dos detentos de acordo com o sexo, 1880-1888 e 1910-

    1921............................................................................................183

    TABELA 14 Atividades executadas pelos detentos, 1880-1888 e 1910-

    1921............................................................................................184

    TABELA 15 Nacionalidade dos detentos, 1880-1888 e 1910-1921...............186

  • 15

    TABELA 16 Naturalidade dos detentos brasileiros, 1880-1888 e 1910-

    1921............................................................................................186

    TABELA 17 Cor dos detentos, 1880-1888 e 1910-1921.................................189

    TABELA 18 Faixa etria dos detentos, 1880-1888 e 1910-1921....................190

    TABELA 19 Estado civil dos detentos, 1880-1888 e 1910-1921....................191

    TABELA 20 Instruo dos detentos (1910-1921)...........................................191

    TABELA 21 Estabelecimentos ligados ao agenciamento de trabalhadores

    domsticos (1874-1900).............................................................231

    TABELA 22 Nmero de escrituras de locao de servios com e sem meno

    alforria........................................................................................261

    TABELA 23 Sexo dos locadores em contratos associados a aes de

    liberdade.....................................................................................263

    TABELA 24 Escrituras associadas alforria de escravos de acordo com a

    durao prevista para a locao de servios...............................263

    TABELA 25 Trabalhadores domsticos detentos na Casa de Deteno (1910-

    1921)...........................................................................................365

    TABELA 26 Motivo das prises na Casa de Deteno (1910-1921)..............367

  • 16

    SUMRIO

    INTRODUO

    UM NOVO OBJETO DE ESTUDOS NA HISTRIA DO TRABALHO.....................18

    As recentes produes acadmicas...................................................................26

    A produo historiogrfica pioneira................................................................34

    O lugar ocupado pelo presente estudo.............................................................39

    CAPTULO 1

    NOS DOMNIOS DE ZITA: CONSIDERAES SOBRE O SERVIO DOMSTICO

    E A SUA HISTRIA NA EMERGNCIA DA MODERNIDADE...............................50

    1.1 Definindo o trabalho de servir....................................................................53

    1.1.1 Trabalho ou servio domstico?.....................................................55

    1.1.2 Quem eram os trabalhadores domsticos?.....................................72

    1.2 O servio domstico no advento da modernidade capitalista..................80

    CAPTULO 2

    PROLETRIOS E SUBALTERNOS: AS MLTIPLAS FACES DOS

    TRABALHADORES DOMSTICOS..........................................................................107

    2.1 Os escravos domsticos..............................................................................114

    2.2 Imigrantes e trabalhadores domsticos...................................................142

    2.3Os criados nacionais e outros aspectos da fora de trabalho

    domstico...................................................................................................168

    CAPTULO 3

    NA DINMICA DO MERCADO: AS FORMAS DE COLOCAO DE

    TRABALHADORES E OS CONTRATOS DE TRABALHO NA PRESTAO DE

    SERVIOS DOMSTICOS.........................................................................................195

    3.1 O aluguel de criados escravizados e livres...............................................206

    3.2 O agenciamento de trabalhadores............................................................224

    3.3 Os contratos de locao de servios envolvendo libertos.......................248

    3.4 O engajamento de imigrantes e o trabalho livre por dvida..............273

  • 17

    CAPTULO 4

    SOBRE AMOS E CRIADOS, SENHORES E ESCRAVOS E PATRES E

    EMPREGADOS: AS RELAES DE TRABALHO DOMSTICO EM UM

    CENRIO DE CRISE...................................................................................................283

    4.1 Um conflito que se agrava dia-a-dia.....................................................297

    4.2 O problema do servio domstico ou a crise dos criados...............336

    4.2.1 Os discursos sobre a crise (I): a escassez de bons criados

    domsticos..................................................................................340

    4.2.2 Os discursos sobre a crise (II): a criadagem e suas falhas

    morais...........................................................................................356

    4.2.3 Os discursos sobre a crise (III): a Abolio e a Modernidade na

    origem dos problemas..................................................................369

    CAPTULO 5

    SOB O OLHAR DAS AUTORIDADES PBLICAS: AS TENTATIVAS DE

    REGULAMENTAO DO SERVIO DOMSTICO...............................................389

    5.1 A urgente necessidade da regulamentao..........................................402

    5.2 Os debates e as resistncias em torno dos projetos de regulamentos....420

    5.2.1 Dcada de 1880: os primeiros esforos........................................427

    5.2.2 Dcada de 1890: a criao da matrcula geral............................445

    5.2.3 Dcadas de 1900 e 1910: o fracasso da lei e as novas

    tentativas.......................................................................................476

    CONSIDERAES FINAIS......................................................................................516

    REFERNCIAS

    FONTES........................................................................................................................527

    BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................542

    APNDICE

    ESTABELECIMENTOS LIGADOS AO AGENCIAMENTO DE TRABALHADORES

    DOMSTICOS (1850-1921).........................................................................................569

    ANEXOS

    ANEXO A: DECRETO N. 284 DE 15 DE JUNHO DE 1896.................................574

    ANEXO B: DECRETO N. 45 DE 24 DE OUTUBRO DE 1896.............................576

  • 18

    INTRODUO1

    UM NOVO OBJETO DE ESTUDOS NA HISTRIA DO TRABALHO2

    Esta tese tem como objeto de estudo o chamado servio domstico3 na cidade do

    Rio de Janeiro no perodo que se estende, aproximadamente, de 1850 a 1920. Constitui-

    se, ento, de uma pesquisa cujos objetivos gerais se orientaram no sentido de recuperar

    e de compreender aspectos, fenmenos e processos histricos relativos a diferentes

    dimenses da parcela do mundo do trabalho formada pelos trabalhadores domsticos

    naquele contexto. Trata-se, como se sabe, de um objeto de pesquisa que se vincula a um

    tema de extrema relevncia social, tendo em vista no apenas o carter histrico e

    estruturante da prestao de servios domsticos no mercado de trabalho brasileiro,

    mas, sobretudo, a sua atualidade no cenrio contemporneo.

    1 Parte do contedo desta introduo encontra-se publicada em: SOUZA, Flavia Fernandes de. Trabalho

    domstico: consideraes sobre um tema recente de estudos na Histria do Social do Trabalho no

    Brasil. Revista Mundos do Trabalho, Florianpolis, v. 7, n. 13, p. 275-296, 2015.

    2 Quando aqui se faz referncia ao que seria um novo objeto estudos na Histria do Trabalho sabe-se,

    como discutido pela historiadora Silvia Petersen, que no so necessariamente os temas que definem

    aquela rea do conhecimento histrico, mas muito mais as abordagens. Valendo lembrar que o que se

    convencionou chamar de Histria Social do Trabalho envolve ambiguidades e diversos entendimentos

    acerca dos seus objetos de estudo. Cf. PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. A presena da histria social

    do trabalho no ambiente acadmico brasileiro nas ltimas dcadas. In: XXVI SIMPSIO NACIONAL

    DE HISTRIA ANPUH: 50 ANOS, I, 2011, So Paulo. Anais do XXVI Simpsio Nacional de

    Histria ANPUH: 50 anos. So Paulo: ANPUH-SP, 2011, p. 1-28 (anais eletrnicos).

    3 Apesar do uso corrente do termo trabalho domstico, neste estudo ser dada preferncia designao

    servio domstico. Entre as razes dessa escolha encontra-se o uso disseminado do termo em

    documentos do perodo estudado e em vasta produo histrica internacional sobre o assunto, alm das

    dificuldades para se utilizar o conceito de trabalho domstico remunerado ou emprego domstico

    em contextos de vigncia da escravido e de outras formas de compulsoriedade do trabalho. Mas, essa

    opo se d, tambm, porque o termo servio domstico compreende a ideia de prestao de

    servios, que se difere do trabalho executado por membros de um ncleo familiar a benefcio prprio,

    que seria tpico de um trabalho domstico no remunerado. Nesse caso, a noo de servio

    domstico envolve a execuo de atividades reprodutivas (como o preparo de alimentos, o cuidado de

    pessoas, o asseio e a manuteno de espaos e objetos), inerentes ao funcionamento de um domiclio e

    sobrevivncia de uma famlia, por parte de trabalhadores contratados para esse fim (considerando

    toda a variedade de condies de arranjos de trabalho em diferentes contextos histricos) e no

    necessariamente vinculados, por laos de afeto ou parentesco, ao local onde trabalham. Nesse sentido, o

    termo servio domstico visa, sobretudo, caracterizar relaes de trabalho estabelecidas entre amos e

    criados, senhores e escravos ou patres e empregados em variados tempos e espaos. Vale dizer que

    algumas observaes a respeito desse ponto foram realizadas no primeiro captulo do presente trabalho.

    https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/39316https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/39316https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/39316
  • 19

    No Brasil, o emprego domstico abriga uma das maiores categorias de

    trabalhadores (7,2 milhes em 2009), especialmente de trabalhadoras, j que o

    percentual de mulheres nesta atividade profissional ultrapassa os 93% (em 2009, eram

    6,7 milhes de empregadas domsticas no pas)4. Na verdade, o contingente de

    trabalhadoras(es) domsticas(os) brasileiro um dos maiores do mundo5. Sendo ainda o

    emprego domstico um dos espaos laborais mais emblemticos das desigualdades

    sociais existentes no Brasil, em suas clivagens de gnero, raa e classe. Isso ocorrendo

    porque o trabalho domstico remunerado brasileiro compreende fenmenos como a

    grande informalidade (com nmeros elevados de trabalhadoras mensalistas sem carteira

    assinada e um grande contingente de trabalhadoras diaristas, que se encontra em

    condies vulnerveis em termos de proteo social) e a alta concentrao de mulheres

    pobres, negras, com nveis baixos de escolarizao e sem qualificao profissional6.

    No entanto, para alm desse aspecto geral, parte da relevncia e da atualidade

    social do tema trabalho/servio domstico na contemporaneidade resulta da recorrncia

    com que questes concernentes aos trabalhadores domsticos ganharam maior

    visibilidade nos ltimos anos. Isso se deu, em grande medida, em funo da elaborao

    da Proposta de Emenda Constitucional ao artigo 7 da Constituio Federal (PEC

    66/2012), promulgada em abril de 2013 e que alterou o regime normativo do trabalho

    domstico remunerado no Brasil ao estender direitos elementares dos trabalhadores

    s(aos) empregadas(os) domsticas(os). Em decorrncia desse acontecimento, o tema

    ganhou grande repercusso pblica, seja na imprensa, no parlamento, em agncias

    oficiais ou em organizaes sociais relacionadas a setores patronais e de trabalhadores.

    Um debate que evidenciou a permanncia da ausncia de consenso por parte de alguns

    segmentos sociais, principalmente entre os que abrigam boa parte dos empregadores de

    4 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA (IPEA). Situao atual das trabalhadoras

    domsticas no Brasil. Comunicados do IPEA, n. 90, 5 mai. 2011. p. 4. Disponvel em:

    . Acesso em:

    30 jan. 2017.

    5 Segundo pesquisa realizada pela OIT, em 2013, o Brasil concentrava, em nmeros absolutos, a maior

    populao trabalhadora empregada no setor. Cf. BRASIL TEM MAIOR NMERO DE DOMSTICAS

    DO MUNDO. G1. So Paulo, 09 jan. 2013. Disponvel em: . Acesso

    em: 30 jan. 2017.

    6 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICA E ESTUDOS ECONMICOS (DIEESE).

    O emprego domstico no Brasil. Estudos e Pesquisas n. 68, ago. 2013, p. 10. Disponvel em:

    . Acesso: 30 jan.

    2017.

  • 20

    domsticos, como o caso da classe mdia urbana, em relao ampliao de direitos

    para as(os) empregadas(os) domsticas(os) e, sobretudo, sua equiparao aos demais

    trabalhadores assalariados brasileiros7. De qualquer maneira, com a regulamentao da

    Emenda Constitucional n. 72, ocorrida em 20158, questes relativas ao emprego e

    s(aos) trabalhadoras(es) domsticas(os) permanecem em alta nos debates de interesse

    pblico.

    Alm disso, do ponto de vista internacional, nos ltimos anos, problemas e

    especificidades em torno do trabalho domstico remunerado so, com frequncia,

    apontados pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT), tendo em vista a

    vulnerabilidade, decorrente do desrespeito a direitos fundamentais de trabalho e, at

    mesmo, de direitos humanos no que se refere gigantesca categoria dos domsticos em

    vrios pases, sobretudo naqueles classificados como emergentes9. Em 2010 e 2011,

    na 99 e 100 Conferncias Internacionais do Trabalho (CIT), ocorreu uma srie de

    discusses sobre o tema trabalho decente para as/os trabalhadoras(es) domsticas(os),

    visando elaborao de um instrumento internacional de proteo ao trabalho

    domstico na forma de uma conveno. Esta foi definida em 2011, sob o ttulo

    Conveno sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores

    Domsticos, que fora acompanhada de uma recomendao da OIT, com o mesmo ttulo,

    com o fim de estabelecer normas mnimas que podero orientar futuras modificaes

    nas legislaes e nas polticas relacionadas aos trabalhadores domsticos remunerados

    em todo o mundo10

    .

    A relao existente entre problemticas sociais contemporneas e o

    desenvolvimento dos estudos acadmicos fizeram com que questes relativas aos

    trabalhadores domsticos emergissem em pesquisas e em discusses em diferentes reas 7 ANTUNES. Ricardo. A revolta da sala de jantar. Alis. O Estado de So Paulo (Estado). 30 mar.

    2013. Disponvel em: .

    Acesso em: 30 jan. 2017.

    8 BRASIL. Lei Complementar n. 150, de 1 de junho de 2015. Disponvel em:

    . Acesso em: 30 jan. 2017.

    9 Sobre o assunto ver: SANCHES, Solange. Trabalho domstico: desafios para o trabalho

    decente. Revista Estudos Feministas, Santa Catarina, vol. 17, n. 3, p. 879-888, 2009.

    10

    ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Conveno e Recomendao sobre

    Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domsticos, 2011. Disponvel em:

    .

    Acesso em: 30 jan. 2017.

  • 21

    do conhecimento e, consequentemente, nos domnios da Histria. Na realidade, nos

    ltimos anos, o tema trabalho/servio domstico se tornou um objeto comum de

    pesquisas e de debates sobre a histria do Brasil. Isso aconteceu especialmente no

    campo da Histria Social do Trabalho, ainda que nas suas intersees e dilogos com

    outras esferas historiogrficas, como a Histria das Mulheres, a Histria da Escravido e

    da Ps-emancipao, a Histria Urbana e a Histria do Cotidiano. Tal emergncia do

    tema verificvel em anais dos Simpsios Nacionais da Anpuh (Associao Nacional

    de Histria), que so promovidos a cada dois anos e que constituem os mais importantes

    eventos acadmicos de Histria no pas. Ao se analisar os anais dos simpsios ocorridos

    desde o incio do sculo XXI nota-se que, da ausncia dessa temtica em trabalhos

    apresentados nos encontros de 2001, 2003 e 2005, nos ltimos Simpsios Nacionais

    daquela associao, ou seja, nos de 2007, 2009, 2011 e 2013, foram apresentados, em

    nmero crescente, 17 textos, cujos objetos de estudo podem ser localizados no universo

    da histria dos trabalhadores domsticos no Brasil11

    . No Simpsio Nacional da Anpuh

    11

    Trata-se dos seguintes textos:

    XXIV Simpsio Nacional de Histria, 2007: SILVA, Maciel Henrique. Vida domstica e patriarcalismo

    no final do Imprio e no ps-escravido: as criadas na literatura pernambucana do perodo. In:

    SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA, 24, 2007, So Leopoldo, RS. Anais do XXIV Simpsio

    Nacional de Histria Histria e multidisciplinaridade: territrios e deslocamentos. So Leopoldo:

    Unisinos, 2007 (CD-ROM); GRILLO, Maria ngela de Faria. Amas-secas e amas-de-leite: o trabalho

    feminino no Recife (1870-1880). In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA... op. cit.

    XXV Simpsio Nacional de Histria, 2009: LIMA, Tatiana Silva de. Significados do trabalho domstico

    no Recife do sculo XIX. In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA, 25, 2009, Fortaleza. Anais do

    XXV Simpsio Nacional de Histria Histria e tica. Fortaleza: ANPUH, 2009 (CD-ROM); SILVA,

    Maciel Henrique. Trabalho, gnero e raa: escravas domsticas e outras criadas na literatura baiana e

    pernambucana. In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA... op.cit.; SOUZA, Flavia Fernandes de.

    Empregam-se todos os que precisam trabalhar: o servio domstico e o mundo do trabalho na cidade do

    Rio de Janeiro no final do sculo XIX. In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA... op.cit.

    XXVI Simpsio Nacional de Histria, 2011: COSTA, Ana Paula do Amaral. Regulamentao do

    servio de criadagem: dominao, subordinao e resistncia na cidade do Rio Grande (1887-1894).

    In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA ANPUH: 50 ANOS, I, 2011, So Paulo. Anais do

    XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH: 50 anos. So Paulo: ANPUH-SP, 2011 (anais

    eletrnicos); FERLA, Lus Antnio Coelho. "Corpos estranhos na intimidade do lar: as empregadas

    domsticas no Brasil da primeira metade do sculo XX. In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE

    HISTRIA ANPUH: 50 anos... op.cit.; GARZONI, Lerice de Castro. Mnagres, governantes e

    criadas: distines entre os trabalhadores domsticos no romance A Intrusa, de Jlia Lopes de

    Almeida. In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA ANPUH: 50 ANOS... op. cit.;

    PEANHA, Natlia Batista. Para todo servio: as empregadas domsticas em canonetas presentes

    nO Rio-Nu (1898-1909). In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA ANPUH: 50 ANOS...

    op. cit.; PEREIRA, Bergman de Paula. De escravas a empregadas domsticas a dimenso social e o

    lugar das mulheres negras no ps-abolio In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA

    ANPUH: 50 ANOS... op. cit.

    XXVII Simpsio Nacional de Histria, 2013: BARBOSA, Antonio Tadeu Santos. As trabalhadoras

    domsticas em Curralinho-BA: indcios da conquista de espao de autonomia e liberdade nos ltimos

    anos da escravido, 1871-1888. In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA

    CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO SOCIAL, 2013, Natal. Anais do XXVII Simpsio

    Nacional de Histria (anais eletrnicos); COSTA, Ana Paula do Amaral. O regulamento de locao de

    servios e a luta dos criados de servir pela liberdade de trabalho (Rio Grande/RS, fim do sculo XIX).

  • 22

    realizado em 2015, esse movimento ascendente de trabalhos culminou na constituio

    de um seminrio temtico exclusivo acerca do tema12

    .

    Esse boom de produes acadmicas sobre o tema trabalho/servio domstico

    fica mais evidente quando se observam as propostas dos seminrios temticos

    organizados no interior dos simpsios nacionais, os quais congregaram os autores dos

    referidos textos. Se alguns daqueles estudos foram apresentados em seminrios ligados

    temtica urbana ou da escravido e do ps-abolio, boa parte foi discutida junto aos

    seminrios associados ao GT Mundos do Trabalho que desde 2001 participa dos

    encontros nacionais e regionais da Anpuh, reunindo pesquisadores e estudantes de

    vrias instituies do pas. Assim, possvel observar que, a partir do encontro nacional

    de 2009, o tema trabalho/servio domstico associado a assuntos como formas e

    arranjos de trabalho, trabalho infantil, trabalho informal e precarizado, gnero e

    trabalho, famlia, reproduo e domesticidade passou a compor um dos itens

    comuns em ementas de seminrios do GT Mundos do Trabalho em seus simpsios

    nacionais. Alis, so nas Jornadas Nacionais de Histria do Trabalho (evento tambm

    bianual organizado pelo referido GT), onde, igualmente, surgem apresentaes de

    papers ligados ao tema em questo13

    . Seguindo a mesma tendncia dos simpsios

    In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO

    SOCIAL... op. cit.; DAMASCENO, Caetana Maria. Cor e boa aparncia no mundo do trabalho

    domstico: problemas de pesquisa da curta longa durao. In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE

    HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO SOCIAL... op. cit.; LIMA, Tatiana Silva

    de. Resistncias e sobrevivncias dos trabalhadores domsticos e em domiclio, Recife, 1830 1870.

    In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO

    SOCIAL... op. cit.; SBRAVATI, Daniela Fernanda. Os sentidos da liberdade: as libertas e o trabalho

    domstico na freguesia de Desterro de 1870 a 1920. In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE

    HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO SOCIAL... op. cit.; SILVA, Maciel

    Henrique Carneiro da. Qual queda, esta menina foi forada: solidariedades e narrativas populares entre

    trabalhadoras domsticas (Salvador, 1900). In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA

    CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO SOCIAL, 2013, Natal. Anais do XXVII Simpsio

    Nacional de Histria (anais eletrnicos); SOUZA, Flavia Fernandes de. Criados ou empregados? Sobre

    o trabalho domstico na cidade do Rio de Janeiro no antes e no depois da abolio da escravido. In:

    XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO

    SOCIAL.. op. cit.

    12

    Trata-se do seminrio organizado pelos historiadores Maciel Henrique Carneiro da Silva e Maria

    Aparecida Prazeres Sanches, intitulado Gnero, Histria e o Mundo do Trabalho Domstico, que

    reuniu mais de vinte propostas de apresentaes que envolveram, direta ou indiretamente, questes

    histricas relativas ao trabalho ou prestao de servio domstico. A ementa do simpsio e os resumos

    dos trabalhos inscritos se encontram disponveis em:

    . Acesso em: 10 jun. 2015.

    13

    O GT Mundos do Trabalho j realizou oito Jornadas Nacionais de Histria do Trabalho (Pelotas, 2002;

    Florianpolis, 2004; Niteri, 2006; Cricima, 2008; Florianpolis, 2010; Rio de Janeiro, 2012;

    Salvador, 2014; Manaus, 2016). Em suas ltimas edies, as Jornadas Nacionais foram realizadas

    http://www.snh2015.anpuh.org/simposio/view?ID_SIMPOSIO=2166
  • 23

    nacionais da Anpuh, nas jornadas ocorridas a partir do final da dcada de 2000,

    especificamente nas jornadas ocorridas em 2010 e 2012, percebe-se a existncia de

    quatro textos cujo objeto de estudo o trabalho domstico, havendo, inclusive, um texto

    de origem internacional e outro escrito em lngua inglesa14

    . J nas jornadas de 2014 e

    2016, ocorridas conjuntamente com Seminrios Internacionais Mundos do Trabalho,

    foram apresentados cinco trabalhos sobre o tema15

    .

    Como se pode observar, os textos apresentados em tais eventos foram, em sua

    maioria, produzidos por um mesmo grupo de estudiosos, que tem se dedicado s

    pesquisas histricas sobre o trabalho/servio domstico em diferentes regies do Brasil.

    Em geral, trata-se de apresentaes de pesquisas desenvolvidas por estudantes de ps-

    graduao alguns atualmente j formados , em nvel de mestrado e de doutorado.

    Contudo, a prpria existncia de uma nova gerao de historiadores interessados em

    uma temtica que h pouco tempo no se constitua como um objeto de estudos no

    campo da Histria j em si um elemento que desperta interesse. Isso porque esse

    processo envolve tambm certa especializao de pesquisadores em um assunto da

    simultaneamente com os I, II e III Seminrios Internacionais de Histria do Trabalho (2010, 2012, 2014

    e 2016).

    14

    Os trabalhos apresentados foram:

    I Seminrio Internacional Mundos do Trabalho e V Jornada Nacional de Histria do Trabalho,

    2010: ALLEMANDI, Cecilia. Muchacha se ofrece: Una reconstruccin del perfil del personal de

    servicio en la Ciudad de Buenos Aires a fines de siglo XIX y principios del XX; LIMA, Tatiana Silva

    de. Crias da casa, domsticos e servos: Interfaces dos mundos do trabalho no Recife de 1837 a 1870.

    Disponvel em: . Acesso em: 10 jun.

    2015.

    II Seminrio Internacional Mundos do Trabalho e VI Jornada Nacional Mundos do Trabalho,

    2012: GARZONI, Lerice de Castro. A work to be learned: changes in the conception of "domestic

    service" (Rio de Janeiro, early twentieth century); SOUZA, Flavia Fernandes de. Entre a escravido e a

    liberdade: os criados domsticos e o mundo do trabalho na cidade do Rio de Janeiro no final do sculo

    XIX. Disponvel em: . Acesso em: 10 jun. 2015.

    15

    So eles:

    III Seminrio Internacional Mundos do Trabalho e VII Jornada Nacional de Histria do Trabalho,

    2014: LIMA, Tatiana Silva de. A distribuio dos serviais nas casas do Recife entre 1830 e 1870;

    PEANHA, Natlia Batista. Sirvienta extranjera, se necessita: uma anlise transnacional do servio

    domstico carioca e portenho (1850-1914); SBRAVATI, Daniela. Das ruas da cidade e intimidade do

    lar: trabalhadores domsticos no Brasil oitocentista; COSTA, Ana Paula do Amaral. Criados de servir:

    trabalhadores do setor domstico nas cidades de Pelotas e Rio Grande / RS (fim do sculo XIX).

    Disponvel em: . Acesso

    em: 10 jun. 2015.

    IV Seminrio Internacional Mundos do Trabalho e VIII Jornada Nacional de Histria do

    Trabalho, 2016: PEANHA, Natlia Batista. Precisa-se de um homem para todo servio de casa: a

    participao masculina no servio domstico carioca (1880-1920). Disponvel em:

    . Acesso em: 15 dez. 2016.

    http://labhstc.ufsc.br/eventos/historias-do-trabalho-no-sul-globalhttp://cpdoc.fgv.br/mundosdotrabalho/programahttp://gtmundosdotrabalho.org/sessoes-coordenadas-coordinated-sessions/
  • 24

    Histria Social do Trabalho que h poucos anos sequer era reconhecido como tal no

    Brasil.

    Embora seja difcil determinar os fatores exatos para a emergncia do tema

    trabalho/servio domstico nos domnios da Histria, pode-se dizer que, do ponto de

    vista acadmico, eles certamente se relacionam com o processo de transformaes e de

    renovaes ocorrido na Histria Social do Trabalho nas ltimas dcadas, no Brasil e no

    mundo. Como indicam vrios historiadores sociais, em artigos de balanos

    historiogrficos, desde final dos anos 1990, alm do aumento das pesquisas e,

    consequentemente, das publicaes na rea, ampliaram-se os temas, as abordagens e os

    enfoques nos estudos histricos do trabalho no pas16

    . Apenas para citar uma das

    discusses centrais desse processo pode-se aqui indicar a que envolve os entendimentos

    acerca da composio da classe trabalhadora, visto que esta tende a no mais ser vista

    como limitada ao operariado fabril (sobretudo, branco, de ascendncia europeia,

    masculino, urbano e organizado). Cada vez mais, os historiadores do trabalho embora

    com um longo caminho de pesquisas a percorrer se esforam por compreender

    trabalhadores de uma maneira ampliada, de modo a romper tradicionais dicotomias de

    entendimento (como industrial/pr-industrial, liberdade/escravido, urbano/rural) e a

    abraar anlises que buscam contemplar problemticas como as de gnero e de raa na

    histria brasileira, simultaneamente ao uso da categoria ainda central de classe social.

    Tornando-se, assim, sujeitos potenciais da Histria do Trabalho um amplo e diverso

    conjunto de indivduos e grupos sociais formados por homens e mulheres; crianas,

    jovens, adultos e idosos; brancos, negros e indgenas; nacionais e estrangeiros; livres e

    no livres; trabalhadores assalariados, contratados, sazonais e autnomos.

    Considerando isso, talvez uma questo a ser pensada sobre esse aspecto

    perpasse a relao existente entre a recente emergncia de estudos sobre a histria do

    trabalho/servio domstico e o referido movimento de propostas de ampliaes e de

    mudanas na Histria Social do Trabalho. Ou seja, as produes sobre o tema em foco

    so resultantes de pesquisas produzidas em meio a uma ambincia acadmica propcia

    se comparada s dcadas anteriores quando se fizeram at mesmo diagnsticos de crise

    16

    BATALHA, Cludio H. M. Os desafios atuais da histria do trabalho. Anos 90. Porto Alegre, v. 13,

    n. 23/24, p. 87-104, jan./dez. 2006; GOMES, Flvio dos Santos; NEGRO, Antonio Luigi. Alm de

    senzalas e fbricas: uma histria social do trabalho. Tempo Social, So Paulo, v. 18, n. 1, p. 217-240,

    jun. 2006.

  • 25

    na Histria do Trabalho no Brasil17

    . No por acaso as mltiplas formas de trabalho

    domstico so mais diretamente estudadas por jovens historiadores formados ou em

    formao por pesquisadores e especialistas da rea, em espaos institucionais j

    voltados para a temtica do trabalho e com leituras e discusses que apontam para a

    necessidade de renovaes nos domnios da histria dos trabalhadores no Brasil. Alm

    das pesquisas sobre o trabalho domstico realizadas nos ltimos anos poderem

    incorporar novas perspectivas conceituais e metodolgicas relativas Histria do

    Trabalho, sem o abandono de referncias tericas de longa data utilizadas nas

    dimenses da Histria Social18

    . Tal o caso da chamada Histria Global do Trabalho,

    que entre contribuies, crticas e limitaes, vem desde o incio do sculo XXI se

    consolidando como uma vertente dinmica e promissora de estudos histricos sobre o

    trabalho. Segundo Marcel van der Linden, um dos mais conhecidos expoentes dessa

    rea de interesse, em termos de temticas, a Histria Global do Trabalho direciona-se

    no s para o trabalho livre e remunerado, mas tambm para o no livre, como nas

    situaes de escravido, e pelas atividades de subsistncia, dentre as quais se destaca o

    trabalho domstico, em toda sua complexidade e diversidade19

    .

    H que se levar em conta ainda que, nos ltimos anos, em eventos

    internacionais sobre Histria Social do Trabalho, o tema trabalho domstico tornou-se

    com frequncia parte da pauta de chamada de papers e de debates acadmicos

    internacionais20

    . Nesse sentido, relevante lembrar que fenmenos de mudanas

    ocorreram em campos da Histria do Trabalho em diferentes lugares do mundo. O

    historiador Leon Fink afirmou, em artigo de balano acerca da historiografia norte-

    americana sobre os trabalhadores, que nos Estados Unidos, por exemplo, as renovaes

    ocorridas na Histria do Trabalho levaram os historiadores para as fronteiras ou reas

    17

    BATALHA, Claudio H. M. A histria do trabalho: um olhar sobre os anos 1990. Histria, So

    Paulo, n. 21, p. 73-87, 2002.

    18

    Apenas para citar uma das maiores referncias e influncias de carter terico-metodolgico no que se

    refere aos estudos da Histria Social do Trabalho no Brasil destaca-se aquela oriunda da obra E. P.

    Thompson, em especial nos estudos sobre a escravido e o movimento operrio. Cf. MATTOS, Marcelo

    Badar. E. P. Thompson e a tradio de crtica ativa do materialismo histrico. Rio de Janeiro:

    UFRJ, 2012. cap. 4.

    19

    VAN DER LINDEN, Marcel. Histria do Trabalho: o velho, o novo e o global. Revista Mundos do

    Trabalho, Florianpolis, vol. 1, n. 1, p. 11-26, jan.-jun. 2009.

    20

    Tal o caso da 49Th

    Linz Conference, Towards a Global History of Domestic Workers and Caregivers

    (International Conference of Labour and Social History), ocorrida em setembro de 2013.

  • 26

    limtrofes daquele campo de estudo. Assim, o autor indica um movimento nas pesquisas

    histricas norte-americanas sobre o trabalho em termos de novos interesses espaciais

    (como no caso dos estudos transnacionais) e temticos (como no que se refere busca

    por pesquisas em domnios no tradicionais do trabalho assalariado). Acerca desse

    ponto Fink aponta como exemplo os estudos voltados para as arenas do emprego

    domstico e dos servios em geral, mais dominadas pelas mulheres e para as relaes

    entre o trabalho domstico e escravido21

    . Alm disso, ao que tudo indica, nos ltimos

    anos ampliaram-se substancialmente as publicaes internacionais acerca da histria do

    servio domstico, com a publicao de diversos livros e coletneas sobre o tema,

    especialmente na Europa22

    .

    As recentes produes acadmicas

    Alm de comunicaes e de papers apresentados e debatidos em eventos

    nacionais, o que de fato vem caracterizando o crescimento dos estudos sobre a histria

    do trabalho/servio domstico so as produes monogrficas resultantes de recentes

    pesquisas desenvolvidas por estudantes de ps-graduao em diferentes universidades

    do Brasil. Tais trabalhos so, na realidade, obras de historiadores ainda em formao ou

    recentemente formados, mas que se especializaram na histria do trabalho/servio

    domstico brasileiro ao realizarem estudos aprofundados sobre o assunto em forma de

    dissertaes de mestrado e teses de doutorado defendidas em diferentes programas de

    ps-graduao do pas. Em geral, essa produo, elaborada na primeira dcada do

    sculo XXI e no incio dos anos 2010, preencheu boa parte das lacunas at ento

    21

    FINK, Leon. A grande fuga: como um campo sobreviveu a tempos difceis. Revista Brasileira de

    Histria, So Paulo, v. 32, n 64, 2012, p. 17-19. Nessa discusso o autor faz referncia ao estudo de

    Seth Rockman, sobre as conexes entre trabalho livre e escravizado, em que so feitas vrias anlises e

    referncias ao trabalho domstico. Cf. ROCKMAN, Seth. Scraping by: wage labor, slavery and

    survival in Early Baltimore. Baltimore, Maryland: John Hopkins University Press, 2009.

    22

    FAUVE-CHAMOUX, Antoinette (Ed.). Domestic service and the formation of european identity:

    understanding the globalization of domestic work, 16th

    21st centuries. London: Peter Lang, 2004;

    STEEDMAN, Carolyn. Labours lost: domestic service and the making of modern England.

    Cambridge: Cambridge University Press, 2009; DELAP, Lucy. Knowing their place: domestic service

    in twentieth-century Britain. Oxford: Oxford University Press, 2011; HOERDER, Dirk; MEERKERK,

    Elise van Nederveen; NEUNSINGER, Silke (org.). Towards a Global History of Domestic and

    Caregiving Workers. Leiden, Boston: Brill, 2015.

  • 27

    existentes em torno do tema e, principalmente, abriu um novo universo de

    possibilidades de investigaes sobre o trabalho domstico na Histria. Avaliados em

    seu conjunto, trata-se de trabalhos que apresentam recortes espaciais e temporais bem

    definidos e que, em sua maioria, foram estabelecidos nos limites urbanos de cidades

    como Rio de Janeiro, So Paulo, Recife, Salvador, Rio Grande, Pelotas e Uberlndia

    nas ltimas dcadas do sculo XIX e ao longo do sculo XX. Alm de serem estudos

    resultantes de pesquisas empricas de flego, cujas anlises foram apoiadas em ampla

    base documental, composta por fontes das mais diversas naturezas.

    Sem a pretenso de aqui realizar um mapeamento preciso, dada a crescente

    produo monogrfica na rea, foi possvel identificar, at o momento, um total de dez

    dissertaes de mestrado e trs teses de doutorado, desenvolvidas nos ltimos anos, cujo

    objeto de estudo pode ser definido como sendo referente histria do trabalho/servio

    domstico. claro que elencar esses trabalhos como sendo estudos sobre a histria do

    trabalho/servio domstico envolve certo nvel de generalizao prprio de um esforo

    dessa natureza, que visa reunir estudos sobre um tema especfico, e que, portanto, parte

    de pressupostos e de interesses que nem sempre estiveram nos propsitos dos autores no

    trabalho de pesquisa e na redao dos textos. Mas, avaliado o contedo de tais

    dissertaes e teses, possvel dizer que todas, em maior ou menor medida, se

    constituem em estudos histricos que trataram da histria ou da memria dos

    trabalhadores domsticos no Brasil.

    Assim, entre as dissertaes, encontram-se: a de Jorgetnea da Silva Ferreira

    (2000) sobre as experincias e as memrias de empregadas domsticas na cidade de

    Uberlndia nas trs ltimas dcadas do sculo XX23

    ; o trabalho de Maciel Henrique

    Carneiro da Silva (2004), cujo tema o cotidiano e as representaes de criadas e

    vendeiras no Recife, entre as dcadas de 1840 e 187024

    ; o estudo de Francisco Antonio

    Nunes Neto (2005) sobre a condio social das lavadeiras em registros literrios da

    23

    FERREIRA, Jorgetnea da Silva. Memria, Histria e Trabalho: Experincias de Trabalhadoras

    Domsticas em Uberlndia - 1970/1999. Dissertao (Mestrado em Histria) Pontifcia Universidade

    Catlica de So Paulo, So Paulo, 2000.

    24

    SILVA, Maciel Henrique Carneiro da. Pretas de honra: trabalho, cotidiano e representaes de

    vendeiras e criadas no Recife do sculo XIX (1840-1870). Dissertao (Mestrado em Histria) Centro

    de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.

  • 28

    dcada de 193025

    ; o estudo de Brbara Canedo Ruiz Martins (2006) acerca das amas de

    leite no mercado de trabalho do Rio de Janeiro durante as dcadas de 1830 e 188026

    ; a

    dissertao de Reginilde Rodrigues Santa Brbara (2007), que trata das sociabilidades e

    conflitos entre lavadeiras em Feira de Santana (BA) nas dcadas de 1930 e 196027

    ; o

    estudo de Rosana de Jesus dos Santos (2009), que realizou uma pesquisa sobre as

    relaes de trabalho domstico e as formas de violncia contra as trabalhadoras

    domsticas na cidade de Montes Claros em Minas Gerais, entre 1959 e 198328

    ; o

    trabalho da autora deste estudo (2010), acerca das caractersticas do servio domstico e

    do processo de tentativas de regulamentao das atividades dos criados domsticos na

    cidade do Rio de Janeiro entre 1870 e 190029

    ; a dissertao de Lorena Fres da Silva

    Telles (2011), tendo como objeto de estudo os contratos de trabalho domstico em So

    Paulo no ltimo quartel do sculo XIX30

    ; o estudo de Ana Paula do Amaral Costa

    (2013) sobre os criados de servir e os mecanismos de controle do servio domstico na

    cidade do Rio Grande entre 1880 e 189431

    ; e a recente dissertao de Simone Andriani

    25

    NUNES NETO, Francisco Antnio. A condio social das lavadeiras em Salvador: quando a

    Histria e a Literatura se encontram (1930-1939). Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade

    Federal da Bahia, Salvador, 2005.

    26

    MARTINS, Barbara Canedo Ruiz. Amas de leite e mercado de trabalho feminino: descortinando

    prticas e sujeitos (Rio de Janeiro, 1830-1890). Dissertao (Mestrado em Histria) Instituto de

    Filosofia e Cincias Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

    27

    SANTA BRBARA, Reginilde Rodrigues. O caminho da autonomia na conquista da dignidade:

    sociabilidades e conflitos entre lavadeiras em Feira de Santana, Bahia (1929-1964). Dissertao

    (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia,

    Salvador, 2007.

    28

    SANTOS, Rosana de Jesus dos Santos. Corpos domesticados: a violncia de gnero no cotidiano das

    domsticas em Monte Claros 1959 a 1983. Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade

    Federal de Uberlndia, Uberlndia, 2009.

    29

    SOUZA, Flavia Fernandes de. Para casa de famlia e mais servios: o trabalho domstico na cidade

    do Rio de Janeiro no final do sculo XIX. Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Formao

    de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. So Gonalo, 2010.

    30

    TELLES, Lorena Fres da Silva. Libertas entre sobrados: contratos de trabalho domstico em So

    Paulo na derrocada da escravido. Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia, Letras

    e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2011.

    31

    COSTA, Ana Paula do Amaral. Criados de servir: estratgias de sobrevivncia na cidade do Rio

    Grande (1880-1894). Dissertao (Mestrado em Histria) Instituto de Cincias Humanas,

    Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2013.

    http://www.sigma.ufrj.br/UFRJ/SIGMA/trabalhos_conclusao/consulta/relatorio.stm?app=TRABALHOS_CONCLUSAO&id_trabalho_conclusao=14169&estrutura_org_pai=2669&estrutura_org_pai=CURSOPGSS&estrutura_org_pai=Hist%f3ria%20Comparada&buscas_cruzadas=ONhttp://www.sigma.ufrj.br/UFRJ/SIGMA/trabalhos_conclusao/consulta/relatorio.stm?app=TRABALHOS_CONCLUSAO&id_trabalho_conclusao=14169&estrutura_org_pai=2669&estrutura_org_pai=CURSOPGSS&estrutura_org_pai=Hist%f3ria%20Comparada&buscas_cruzadas=ON
  • 29

    dos Santos (2015) sobre identidades domsticas e relaes entre criadas e patroas, na

    cidade de So Paulo, entre os anos 1875 e 192832

    .

    J entre as teses defendidas sobre o tema trabalho domstico nos ltimos anos

    encontram-se as investigaes de autores que, em geral, deram continuidade aos estudos

    desenvolvidos durante o mestrado. Assim, destaca-se: o trabalho de Jorgetnea da Silva

    Ferreira (2006),33

    voltado para o cotidiano do trabalho de domsticas e donas de casa no

    Tringulo Mineiro na segunda metade do sculo XX; o estudo de Maria Elizabeth

    Ribeiro Carneiro (2006),34

    sobre as amas de leite na cidade do Rio de Janeiro entre 1850

    e 1888; e a tese de Maciel Henrique Carneiro da Silva (2011)35

    , construda com base em

    esforo comparativo das experincias de criadas domsticas nas cidades de Recife e

    Salvador entre finais do sculo XIX e incios do sculo XX36

    .

    No obstante, para alm da produo atual citada sobre o tema em pauta, outras

    dissertaes e teses defendidas nos ltimos anos apresentaram anlises parciais sobre

    aspectos do universo da prestao de servios domsticos. Ainda que os objetos de

    estudos desses trabalhos fossem variados, compreendendo assuntos como controle

    urbano, imprensa, escravido e ps-abolio, todos perpassaram, em alguns captulos ou

    sees, aspectos e processos relativos dinmica do servio domstico em diferentes

    32

    SANTOS, Simoni Andriani dos. Senhoras e criadas no espao domstico, So Paulo (1875-1928).

    Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade

    de So Paulo, So Paulo, 2015.

    33

    SILVA, Jorgetnea Ferreira da. Trabalho em domiclio: quotidiano de trabalhadoras domsticas e

    donas de casa no tringulo mineiro (1950-2005). Tese (Doutorado em Histria) Pontifcia

    Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2006.

    34

    CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se preta, com muito bom leite, prendada e

    carinhosa: uma cartografia das amas de leite na sociedade carioca (1850-1888). Tese (Doutorado em

    Histria) Instituto de Cincias Humanas, Universidade de Braslia, Braslia, 2006.

    35

    SILVA, Maciel Henrique Carneiro da. Domsticas criadas entre textos e prticas sociais: Recife e

    Salvador (1870-1910). Tese (Doutorado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas,

    Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

    36

    Nesse sentido, vale tambm salientar algumas pesquisas desenvolvidas em nvel de doutorado que se

    encontram em andamento, como a de Tatiana Silva de Lima sobre trabalho domstico e o trabalho em

    domiclio em Recife nas dcadas de 1830 e 1870; a pesquisa de Daniela Fernanda Sbravati sobre os

    trabalhadores domsticos no Brasil na primeira metade do sculo XIX, tendo como uma das principais

    fontes de anlise os processos judiciais de reivindicao de salrios envolvendo criados domsticos; a

    investigao de Natlia Batista Peanha acerca das relaes entre o servio domstico e a imigrao na

    cidade do Rio de Janeiro nas ltimas dcadas do sculo XIX e primeiras do sculo XX; bem como a

    pesquisa de Ana Paula do Amaral Costa sobre os criados de servir em cidades do sul do Brasil na

    segunda metade do sculo XIX; e a pesquisa de Lorena Fres da Silva Telles sobre escravido

    domstica e o aleitamento materno no Brasil oitocentista.

  • 30

    localidades do Brasil. Entre esses, pode-se citar, os estudos de Walter Fraga Filho,

    Lerice de Castro Garzoni, de Marlia Bueno de Arajo Ariza e de Clarissa Nunes

    Maia37

    . De modo geral, mesmo a princpio no tendo uma preocupao direta com o

    tema trabalho/servio domstico, esses autores trouxeram contribuies relevantes em

    torno de processos relativos dinmica do mercado de trabalho domstico, a

    regulamentao pblica das atividades prestadas pelos criados de servir em fins do

    sculo XIX e as construes ideolgicas acerca do trabalho e dos trabalhadores

    domsticos na imprensa do incio do sculo XX.

    Ademais, ao longo dos anos 2000, conhecidos historiadores sociais brasileiros

    elaboraram artigos que incluram em suas anlises e reflexes problemas inerentes

    histria do servio domstico no Brasil. Isso se deu principalmente porque em

    determinados contextos histricos oitocentistas, que envolvem experincias de

    trabalhadores durante a escravido e/ou a ps-emancipao, questes relativas ao

    servio/trabalho domstico se tornam, por vezes, incontornveis. Assim, interessados

    em dinmicas sociais e complexos processos ligados constituio e ao fim do sistema

    escravista em diferentes regies do pas, vrios historiadores trouxeram algumas

    renovaes de olhares e contribuies relevantes para o tema38

    . Um dos primeiros

    exemplos, nesse sentido, um artigo de Marcus Joaquim de Carvalho, publicado no

    incio dos anos 2000, que apresenta elementos de uma anlise da escravido domstica e

    aspectos do cotidiano de relaes entre as escravas e seus senhores e senhoras, em

    37

    MAIA, Clarissa Nunes. Policiados: controle e disciplina das classes populares na cidade do Recife,

    1865-1915. Tese (Doutorado em Histria) Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade

    Federal de Pernambuco, Recife, 2001; FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histrias

    e trajetrias de escravos e libertos na Bahia, 1870-1910. Tese (Doutorado em Histria) Instituto de

    Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 2004; GARZONI,

    Lerice de Castro. Arena de combate: gnero e direitos na imprensa diria (Rio de Janeiro, incio do

    sculo XX). Tese (Doutorado em Histria) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade

    Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2012; ARIZA, Marlia Bueno de Arajo. O ofcio da liberdade:

    contratos de locao de servios e trabalhadores libertando em So Paulo e Campinas (1830-1888).

    Dissertao (Mestrado em Histria) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade

    de So Paulo, So Paulo, 2012.

    38

    Pode-se aqui tambm fazer referncia pesquisa empreendida por Snia Roncador, acerca das

    representaes das empregadas domsticas na literatura brasileira da chamada Belle poque at o fim

    do sculo XX. Isso porque, mesmo sendo um trabalho oriundo do campo das Letras, a autora apresenta

    uma slida anlise histrica sobre o seu objeto de estudo, constituindo uma relevante referncia para os

    estudiosos da histria do trabalho domstico. RONCADOR, Snia. A domstica imaginria: literatura,

    testemunhos e a inveno da empregada domstica no Brasil (1889-1999). Braslia: Universidade de

    Braslia, 2008.

  • 31

    domiclios do Recife na primeira metade do sculo XIX39

    . A partir do estudo de fontes

    diversas (basicamente documentao oficial do municpio, processos judiciais e

    peridicos locais), Carvalho privilegiou a participao feminina na escravido

    domstica urbana. Assim, o autor discorreu sobre vrias experincias de vida das

    criadas de servir, associando-as s condies de vida das mulheres pobres e sua insero

    no mundo do trabalho como estratgia de sobrevivncia. Outro exemplo artigo de

    Maria Olvia Maria G. da Cunha que trata da formao de uma conscincia moral e

    pedaggica do trabalho domstico no Rio de Janeiro nas ltimas dcadas do sculo

    XIX40

    . O ponto de partida de anlise foi a documentao administrativa da Escola

    Domstica de Nossa Senhora do Amparo, fundada em 1871, na cidade de Petrpolis.

    Nesse sentido, a autora analisou como o fim da escravido colocou a questo da

    preparao dos criados domsticos para o trabalho livre o que se tornou objeto de

    ateno de determinados grupos sociais na abolio e na ps-emancipao. Da mesma

    forma em que outro momento do seu texto, Cunha, a partir de variadas fontes, se

    direcionou para algumas das tentativas pblicas de regulao e de ordenamento, por

    fora da lei, da prestao do servio domstico no Rio de Janeiro entre o final do sculo

    XIX e o incio do sculo XX.

    Finalmente, alguns artigos do historiador Henrique Espada Lima podem ser

    citados por constiturem trabalhos que trouxeram novas possibilidades de pesquisas

    sobre a histria do trabalho/servio domstico no Brasil41

    . Ao realizar uma pesquisa

    sobre arranjos e contratos de locao de servios nas trajetrias de ex-escravos em Santa

    Catarina na segunda metade do sculo XIX, o autor deparou-se com um amplo nmero

    de trabalhadores domsticos, os quais foram objeto de seu interesse em investigaes

    sobre o mundo do trabalho, em especial em situaes de ps-emancipao no Brasil.

    Por meio de uma reflexo aprofundada acerca da noo de liberdade no mbito do

    trabalho, Lima trouxe contribuies importantes para as anlises do tema, ao destacar as

    39

    CARVALHO, Marcus F. M. de. De portas adentro e de portas afora: trabalho domstico e escravido

    no Recife, 1822-1850. Afro-sia, Salvador, n. 29/30, p. 41-78, 2003.

    40

    CUNHA, Olvia Maria Gomes da. Criadas para servir: domesticidade, intimidade e retribuio. In:

    ______; GOMES, Flvio dos Santos (Org.). Quase-Cidado: histrias e antropologias da ps-

    emancipao no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 377-418.

    41

    LIMA, Henrique Espada. Trabalho e lei para os libertos na Ilha de Santa Catarina no sculo XIX:

    arranjos e contratos entre a autonomia e a domesticidade. Cadernos AEL, Campinas, v. 14, n. 26, p.

    135-177, 2009; LIMA, Henrique Espada. Sob o domnio da precariedade: escravido e os significados

    da liberdade de trabalho no sculo XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p. 289-326, jul.-dez. 2005.

  • 32

    caractersticas de precariedade e de vulnerabilidade presentes no cotidiano de trabalho

    nos domnios da domesticidade em uma sociedade escravista. Alm de empreender um

    esforo de pesquisa em torno das leis relativas ao trabalho no sculo XIX, tendo em

    vista, sobretudo, a locao de servios42

    .

    Sendo parte de uma produo acadmica elaborada em uma ambincia

    intelectual comum e contempornea, toda essa produo recente possui, apesar de suas

    particularidades, vrias aproximaes, quando analisada em conjunto. De modo geral,

    todas as pesquisas realizadas at o momento trataram do trabalho domstico a partir de

    vivncias cotidianas de trabalhadores em cidades brasileiras na segunda metade do

    sculo XIX e no decorrer de vrias dcadas do sculo XX. Com algumas excees,

    como definiram os autores das dissertaes e teses apresentadas, o objetivo maior

    daqueles estudos era recuperar experincias43

    do mundo do trabalho domstico em

    diferentes contextos histricos. Nesse quadro temtico comum, alguns autores se

    voltaram para grupos especficos do servio domstico, como amas de leite ou

    lavadeiras, e outros descortinaram, de uma perspectiva mais ampliada, processos

    relativos s relaes entre os criados domsticos, os patres e as autoridades pblicas.

    Tudo isso feito a partir de um conjunto grande e diversificado de fontes.

    Contudo, como no caberia aqui uma avaliao mais pormenorizada de cada

    um daqueles trabalhos no sendo este tambm o objetivo desta apresentao pode-se

    dizer que, no mnimo, foram trs as grandes contribuies dos estudos citados. A

    primeira delas e a mais evidente, correspondente aos domnios de alcance do objeto de

    estudo, seria o fato de que, at o momento, a produo recente mencionada caracteriza-

    se pela recuperao de histrias de mulheres trabalhadoras domsticas e do cotidiano

    urbano no que se refere ao(s) mundo(s) do trabalho. Quase todos os autores de artigos,

    dissertaes e teses produzidas nos ltimos anos, mesmo que de maneiras diferentes, se

    propuseram a investigar histrias de criadas (fossem livres ou escravas) e empregadas

    42

    Sobre os estudos mais recentes desse autor na rea, pode-se mencionar um artigo publicado em revista

    internacional sobre processos jurdicos envolvendo mulheres trabalhadoras domsticas ao longo do

    Oitocentos brasileiro em lutas por questes relativas ao pagamento de salrios e soldadas. LIMA,

    Henrique Espada. Wages of Intimacy: Domestic Workers Disputing Wages in the Higher Courts of

    Nineteenth-Century Brazil. International Labor and Working-Class History, n. 88, p. 1129, Fall

    2015.

    43

    O termo experincia, para o trato das vivncias de trabalhadores atuantes na prestao de servios

    domsticos est presente em praticamente todos os estudos recentemente produzidos sobre o trabalho

    domstico, mas em poucos casos so feitas associaes diretas obra de E. P. Thompson, um dos

    historiadores que melhor desenvolveu tal noo no que se refere histria da classe trabalhadora.

  • 33

    domsticas em domiclios urbanos entre o sculo XIX e o sculo XX. Vrios autores,

    inclusive, localizaram explicitamente seus estudos no campo da Histria das Mulheres

    e/ou a Histria do Cotidiano. E tendo essa perspectiva o trabalho/servio domstico foi,

    com frequncia, tratado por uma via dupla de anlise. Por um lado, os estudos em foco

    se direcionaram para o mercado de trabalho urbano, as estratgias de sobrevivncia

    material das trabalhadoras domsticas e aspectos das relaes estabelecidas entre as

    criadas/empregadas e seus senhores, amos ou patres (enfatizando-se, muitas vezes, o

    enfoque nas formas de violncia e de explorao nas relaes de trabalho) e autoridades

    pblicas. Por outro lado, os trabalhos recentemente produzidos sobre o tema se

    direcionaram para outras dimenses da vida urbana e dos trabalhadores em geral, o que

    permitiu o aprofundamento de questes acerca das condies de vida, sociabilidades,

    lazer, maternidade, relaes afetivas e familiares de mulheres pobres que trabalharam

    como domsticas.

    Uma segunda e importante contribuio, que tambm se apresenta em termos

    de conhecimento trazido pelas recentes pesquisas histricas sobre o trabalho domstico,

    a descoberta de processos histricos que, at ento, eram praticamente desconhecidos

    pelos historiadores. Esse seria, por exemplo, o caso das generalizadas iniciativas

    realizadas por autoridades municipais e policiais para a chamada regulamentao do

    servio domstico. Os recentes estudos sobre o tema vm demonstrando, com

    fundamentadas pesquisas empricas, que a partir dos anos 1880 uma srie de

    regulamentos municipais e policiais foi discutida ou posta em execuo, em vrias

    regies do pas, tendo em vista o setor de prestao de servios domsticos. Um

    fenmeno que, como tem sido revelado, se relaciona com processos mais amplos e

    complexos, como a consolidao do mercado de trabalho livre e as polticas de ps-

    emancipao. Outro processo a este relacionado e que, igualmente, vem sendo

    desvendado pelos historiadores do trabalho domstico a dinmica de construo

    histrica de vises sociais em torno dos trabalhadores domsticos na histria brasileira,

    particularmente no final do sculo XIX e no incio do sculo XX. Tais processos so

    geralmente tratados em termos de discursos, de imagens e de representaes presentes,

    por exemplo, em produes cientficas, artsticas e intelectuais ou em espaos impressos

    de modo geral. Sendo todas essas contribuies que iluminaram problemas

    contemporneos, uma vez que revelam processos de longa durao na histria do

    trabalho/servio domstico no Brasil.

  • 34

    Em terceiro lugar, nesse esforo de sntese acerca das conquistas realizadas

    pela produo acadmica em torno do tema trabalho domstico nos ltimos anos, pode-

    se apontar para os avanos feitos em termos de abordagens e recursos metodolgicos.

    Todos os autores, ao procurarem resgatar experincias histricas a partir do ponto de

    vista dos trabalhadores domsticos, empreenderam esforos considerveis no sentido de

    no apenas mapearem volumosos conjuntos de fontes primrias de natureza diversa,

    mas tambm em analis-la atravs de diferentes modos de tratamento documental.

    Assim, nos trabalhos mencionados possvel encontrar reflexes que se estruturam em

    anlises de documentos que vo desde aqueles considerados oficiais (como censos,

    documentos administrativos, legislativos, judicirios, cveis e de diferentes instituies

    como academias mdicas e hospitais), passando por produes escritas e iconogrficas

    (originrias da imprensa, da literatura ou de outros tipos de impressos), at alcanar

    produes orais (como entrevistas) elaboradas como parte do trabalho de pesquisa.

    Tudo isso feito com o auxlio de abordagens quantitativas e qualitativas, em que foram

    utilizadas perspectivas analticas que se aproximaram da micro-histria, da anlise de

    discursos, da histria oral, entre outras. Alm de tratar-se de estudos cujo campo de

    observao dos autores voltou-se para o contexto regional, de localidades especficas, o

    que permitiu o conhecimento de situaes e problemas particulares relativos ao tema em

    questo.

    Todas essas foram contribuies fundamentais para, em primeiro lugar, a

    ampliao do campo de estudos sobre a histria do trabalho/servio domstico e, em

    segundo lugar, para a renovao de olhares sobre a histria brasileira do trabalho como

    um todo. E isso se deu, sobretudo, porque at ento pouco havia sido produzido na

    historiografia social a respeito do tema no Brasil.

    A produo historiogrfica pioneira

    At o incio dos anos 2000, o trabalho/servio domstico foi alvo de poucos

    estudos na historiografia nacional. Na verdade, at ento, foram raros os historiadores

  • 35

    que abordaram de forma direta, sistemtica e exclusiva o assunto44

    , sendo este apenas

    perpassado em pesquisas envolvendo outras temticas45

    . Ao que tudo indica, at meados

    da dcada de 1990 a tema foi pouco frequentado por pesquisas histricas.

    Compreendendo, em grande parte, artigos acadmicos, todos os trabalhos produzidos

    sobre a histria do trabalho/servio domstico no Brasil at ento apresentavam uma

    perspectiva analtica muito semelhante, direcionada, sobretudo, para situaes

    cotidianas e aspectos do trabalho realizado pelos domsticos em algumas cidades

    brasileiras, principalmente no perodo que caracterizou as ltimas dcadas do sculo

    XIX e os primeiros decnios do sculo XX.

    O primeiro desses estudos o j clssico trabalho da historiadora norte-

    americana Sandra Graham, produzido na dcada de 1980 e publicado no Brasil em

    199246

    . Com uma pesquisa sobre as criadas domsticas na cidade do Rio de Janeiro

    entre os anos de 1860 e 1910, Graham realizou o primeiro trabalho de flego sobre a

    histria do trabalho domstico no Brasil. Neste estudo, a partir de um numeroso e

    variado conjunto de fontes primrias, a autora construiu uma anlise que integra

    elementos do universo do trabalho feminino urbano (as atividades, os espaos e as

    relaes de trabalho envolvidas no cotidiano dos domiclios), bem como das tenses

    existentes entre as criadas, os amos e os poderes pblicos da cidade. Tudo isso feito em

    um esforo analtico amplo, voltado no s para o trabalho domstico e as relaes nele

    estabelecidas, mas, sobretudo, para outras dimenses da vida das trabalhadoras

    domsticas, como condies de vida, sociabilidade e lazer. Alm disso, Graham fez, de

    44

    importante frisar que aqui o foco recaiu, unicamente, sobre as produes realizadas por historiadores.

    Tais afirmaes talvez no sejam vlidas para a rea das Cincias Sociais, que de longa data trata do

    tema no Brasil, a comear pelo trabalho pioneiro: SAFFIOTI, Heleieth Iara B. Emprego domstico e

    capitalismo. Petrpolis: Vozes, 1978.

    45

    Esse especialmente o caso de pesquisas histricas que trataram da escravido e do cotidiano de

    trabalho feminino em espaos urbanos, sobretudo ao longo do sculo XIX. Entre os numerosos

    exemplos pode-se citar apenas: GIACOMINI, Snia Maria. Mulher e escrava: uma introduo

    histrica ao estudo da mulher negra no Brasil. Petrpolis: Vozes, 1988; SOARES, Luiz Carlos. O

    povo de Cam na capital do Brasil: a escravido urbana no Rio de Janeiro do sculo XIX. Rio de

    Janeiro: FAPERJ/7 Letras, 2007 (tese originalmente defendida em 1988); SOIHET, Rachel. Condio

    feminina e formas de violncia: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense

    Universitria, 1989; DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em So Paulo no sculo

    XIX. 2. ed. So Paulo: Brasiliense, 1995.

    46

    O ttulo original do trabalho, publicado em 1988, House and Street: the domestic world of servants

    and masters in nineteenth-century Rio de Janeiro. GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteo e

    obedincia: criadas e seus patres no Rio de Janeiro, 1860-1910. Traduo Viviana Bosi. Rio de

    Janeiro: Companhia das Letras, 1992.

  • 36

    certa maneira, um estudo pioneiro no que se refere ao papel representado pelo trabalho

    domstico na vida das mulheres trabalhadoras e no mundo do trabalho de modo geral.

    E, nesse sentido, a autora ressaltou a diversidade de perfis da fora de trabalho feminina

    empregada nos servios domsticos e a presena de um compartilhamento de

    experincias entre criadas das mais variadas condies sociais, especialmente no que se

    refere convivncia entre trabalhadores escravizados e livres questo que, embora

    fosse de longa data reivindicada pelos historiadores, somente passou a ser mais

    detidamente estudada nas ltimas dcadas no Brasil.

    Na verdade, essa obra, que se tornou uma leitura obrigatria no estudo do

    trabalho domstico, foi a primeira tambm a desenvolver chaves explicativas sobre o

    tema que foram recorrentemente retomadas nos trabalhos subsequentes sobre o assunto.

    Trata-se das ideias desenvolvidas por Sandra Graham em torno dos pares analticos

    casa-rua e proteo-obedincia para pensar as relaes de trabalho domstico no

    sculo XIX. Segundo a autora, as imagens contrastantes da casa e da rua marcavam

    todos os contextos da vida domstica, situando amos e criadas no cotidiano de trabalho

    estabelecido entre os espaos do privado e do pblico. Isso porque, na viso da autora, a

    casa seria considerada, do ponto de vista dos patres, o domnio seguro e estvel, mas

    poderia tambm significar, para os criados, o local da injustia, punio ou trabalho

    excessivo. E a rua, na perspectiva patronal, seria um lugar suspeito, imprevisvel, sujo

    e perigoso e, para muitas criadas, poderia representar um espao de maior liberdade47

    .

    Segundo Graham, essas seriam as coordenadas que tensionavam as relaes sociais

    forjadas na rotina da esfera domstica, as quais poderiam ser sintetizadas na troca de

    trabalho e de obedincia das criadas domsticas por abrigo e proteo dos patres,

    sendo esta ltima expressa com favores e privilgios.

    Tal quadro analtico desenvolvido por Sandra Graham foi recuperado, ainda que

    nem sempre de forma explcita, em quase todos os estudos recentes sobre o servio

    domstico juntamente com as contribuies trazidas por dois outros artigos produzidos

    tambm entre meados das dcadas de 1980 e 1990, os quais se tornaram, igualmente,

    conhecidos entre os que se dedicaram aos estudos histricos do tema. O primeiro um

    47

    A autora afirma ter extrado a elaborao desses conceitos, adaptando-os ao sculo XIX, de: DA

    MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heris: para uma sociologia do dilema brasileiro. 2. ed.

    Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 71-75. Apud. GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteo e obedincia:

    criadas e seus patres no Rio de Janeiro, 1860-1910. Rio de Janeiro: Com