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RESUMO

O Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, objeto de estudo deste trabalho,

trata-se de uma ação de salvaguarda do patrimônio dos imigrantes alemães, italianos,

poloneses e ucranianos localizados no estado de Santa Catarina que, através da proteção

federal, estadual e municipal dão visibilidade aos imigrantes e ao seu patrimônio no Brasil.

Lançado pelo IPHAN em 2009, este projeto contou com pesquisas

desenvolvidas durante 20 anos no estado catarinense e contribuiu para que se construísse,

para aquele estado, uma identidade étnica, endossada pelos instrumentos de salvaguarda: o

tombamento e a chancela da paisagem cultural.

A análise do projeto mostrou que ao eleger como ícone do patrimônio da

imigração o legado de um grupo de imigrantes - identificado como o trabalhador rural da

pequena propriedade, que vive de forma consensual e harmônica no seu território - , cujo

patrimônio é representado através de imagens cenográficas difundidas em diversificados

suportes, o Projeto Roteiros fabrica um produto turístico que pretende comercializar não

apenas uma identidade cultural, mas um conjunto de valores atribuídos por agentes cultuais,

que os oferecem ao mercado sob o rótulo de paisagem cultural.

Palavras-chave: Patrimônio; Paisagem Cultural; Imigração.

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ABSTRACT

This thesis studies the “Projeto Roteiros Nacionais de Imigração” (National

Immigration Routes Project), a federal, state and municipal project that aims at safeguarding

the heritage of German, Italian, Pole and Ukrainian immigrants located in the state of Santa

Catarina and by its protection, intend give the appropriate knowledge to the immigrants and its

heritage.

Launched by IPHAN in 2009, the Project collected researches produced over 20

years in the State of Santa Catarina that aimed to create an ethnical identity in the State,

conformed by its safeguarding instruments: the “tombamento” and “chancela” regarding

cultural landscape.

The project’s analysis has been demonstrated how a decision to elect a group of

immigrants as legacies’ icon - identified as a rural worker living in a complete and

harmoniously integration with its small rural landscape – witch heritage is demonstrated by

scenography images. The project “Roteiros” create a tourism product witch intention is

commercialize not only a cultural identity but also a group of values assigned by cultic

agents, who offer its product under labels’ landscape cultural.

Keyword: Heritage; Cultural landscape; Immigration.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1 

CAPÍTULO 1 O LUGAR DO PATRIMÔNIO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO NO BRASIL ....................................................................................................................... 15 

1.1 O IPHAN E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO IMIGRANTE ....................................................................................................................... 17

1.1.1 O Museu ao Ar Livre de Orleans ............................................................................ 27

1.1.2 Novos sentidos para o patrimônio ........................................................................... 31

1.2 O PROJETO ROTEIROS NACIONAIS DE IMIGRAÇÃO ..................................... 48

1.2.1 Vozes dissonantes no processo de tombamento ..................................................... 66

CAPÍTULO 2 PATRIMÔNIO E IMIGRAÇÃO EM SANTA CATARINA: DAS CORRENTES MIGRATÓRIAS AOS ROTEIROS NACIONAIS DE IMIGRAÇÃO .................................................................................................................... 79 

2.1 A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO IMIGRANTE NO ESTADO DE SANTA CATARINA .......................................................................................................... 79

2.1.1 A construção do imigrante e o direito ao patrimônio............................................ 88

2.2 AS AÇÕES DAS INSTITUIÇÕES DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EM SANTA CATARINA E O PATRIMÔNIO DO IMIGRANTE ........... 100

CAPÍTULO 3 PATRIMÔNIO DA IMIGRAÇÃO E PAISAGEM CULTURAL ..... 133 

3.1 PAISAGEM CULTURAL: ALGUMAS PERCEPÇÕES .......................................... 140

3.2 A PAISAGEM CULTURAL E O PATRIMÔNIO ..................................................... 146

3.3 A REPRESENTAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL DA IMIGRAÇÃO .............. 152

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 171 

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 177 

APÊNDICE A BENS RELATIVOS AO PROJETO ROTEIROS NACIONAIS DE IMIGRAÇÃO TOMBADOS PELO IPHAN ......................................................... 189 

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Para meus pais Odair e Iraci que me ensinaram a importância dos livros e da dúvida. Amor

incondicional.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é uma forma de reconhecer que todo o trabalho é coletivo; mais do

que isso, é compartilhar o sentimento de gratidão a todas as pessoas que participaram de um

processo longo que na verdade não começa com a tese mas que tem nela sua síntese.

Agradeço de forma muito especial a minha orientadora olímpica professora

Dra. Cristina Meneguello que além de ter apostado no projeto, literalmente me pegou pelo

braço e me realfabetizou no mundo acadêmico. Apresentou-me a projetos incríveis e a um

universo acadêmico inesgotável! Obrigada pelo seu tempo, pelas suas perguntas sempre tão

instigantes, pelas observações pertinentes, pela sua mão segura e pelo seu cuidado!

À profa. Dra. Janice Gonçalves pelas valiosas sugestões dadas na banca de

qualificação.

Aos professores que fizeram com que a experiência na Unicamp fosse um

divisor de águas na minha vida: Profa. Dra. Silvana Rubino, Profa. Dra. Iara Schiavinatto e

Prof. Dr. José Alves. Obrigada pelo privilégio de aulas incríveis e encontros memoráveis!

Aos colegas do grupo de estudos “da Cris e da Silvana” que se tornaram além

de interlocutores, grandes amigos; aos que, da mesma forma que eu, se envolveram

apaixonadamente na Olimpíada Nacional de História do Brasil, aos que trabalharam no

projeto Rede São Paulo de Formação Docente e nas correções de prova de vestibular,

gratidão pelas inesquecíveis oportunidades de aprendizado.

Aos amigos que dividiram o mesmo teto, a mesa de bar, as incômodas angústias;

aos afetos, aos irmãos de vida e de fé. Aos que resolveram problemas burocráticos e vitais

que a distância me impediu de solucionar. Mais do que minha gratidão, os devo uma!

À minha família biológica e as tantas outras que me acolheram ao longo do

processo.

À FAPESP pela concessão de bolsa de estudo no Brasil e no exterior e ao

parecerista ad hoc pela leitura crítica dos relatórios realizados durante a pesquisa. À

Joaquín Sabaté por sua recepção carinhosa na Universidade Politécnica da Catalunha.

Ao Alexandre, por tudo e pelo que virá.

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Estoy aquí de paso, Yo soy un pasajero,

No quiero llevarme nada, Ni usar el mundo de cenicero.

[...]

Hay gente que es de un lugar,

No es mi caso. Yo estoy aquí, de paso.

(Tres Mil Lillones de Latidos, Jorge Drexler)

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Museu Nacional de Imigração e Colonização – Palácio dos Príncipes – Joinville ............................................................................................................................... 19

Figura 2 – Cemitério Protestante ........................................................................................ 20

Figura 3 – Planta baixa do Museu ao Ar Livre de Orleans ................................................ 29

Figura 4 – Convite para a inauguração do Museu ao Ar Livre de Orleans. ....................... 31

Figura 5 – Casa Neni .......................................................................................................... 34

Figura 6 – Casa Presser ...................................................................................................... 35

Figura 7 – Ponte do Imperador, em Ivoti ........................................................................... 36

Figura 8 – Casa do Professor e Escola Rural de Timbó ..................................................... 36

Figura 9 – Casa D. Corona ................................................................................................. 41

Figura 10 – Núcleo colonial de Testo Alto (esq.), em Pomerode, e de Rio da Luz (dir.), em Jaraguá do Sul ...................................................................................................... 47

Figura 11 – Localização dos bens mapeados e inventariados no Projeto Roteiros Nacionais Imigração. ........................................................................................................... 63

Figura 12 – Ficha de Inventário do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração .................. 65

Figura 13 – Igreja Evangélica de Confissão Luterana de Ribeirão da Liberdade .............. 73

Figura 14 – Casa Ullrich .................................................................................................... 75

Figura 15 – Casa Struck ..................................................................................................... 76

Figura 16 – Gôndola de Nova Veneza e arquitetura enxaimel ........................................... 84

Figura 17 – Migração em Santa Catarina. .......................................................................... 87

Figura 18 –Ficha Técnica do Inventário das Correntes Migratórias (ICM) / Fundação Catarinense de Cultura (FCC). Imóvel – Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. Planta da situação/registro fotográfico preliminar. ....................................................................... 105

Figura 19 – Ficha Técnica ICM / FCC – Dados técnicos / Características ambientais / Características das instalações. Imóvel – Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. ............ 106

Figura 20 – Ficha Técnica ICM / FCC: Dados tipológicos / Dados cronológicos. Imóvel Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. .................................................................. 107

Figura 21 – Ficha Técnica ICM / FCC – Estado de conservação / Informações complementares. Imóvel Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. ..................................... 108

Figura 22 – Ficha Técnica ICM / FCC. Levantamento arquitetônico da planta do imóvel (elaborado à trena), desenhado à mão, em escala 1:50 ou 1:100. Imóvel Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. ..................................................................................... 109

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Figura 23 – Inventário de Emergência – Levantamento expedito. Modelo das fichas compiladas no volume final. ............................................................................................... 111

Figura 24 – Inventário da Imigração Alemã em Santa Catarina – 11ª SR Iphan – Levantamento arquitetônico manual. Escala original do desenho à mão 1:20. (a) Casa Duwe, Indaial; (b) Casa Reinek, Timbó. ........................................................................... 113

Figura 25 – Ficha de Pesquisa: Roteiros Culturais. .......................................................... 120

Figura 26 – Mapeamento das unidades. ........................................................................... 121

Figura 27 – Mapa detalhado das unidades no contexto geral. .......................................... 121

Figura 28 – Pequeno inventário. ....................................................................................... 122

Figura 29 – Roteiros Culturais Sul 1. ............................................................................... 124

Figura 30 – Roteiros Culturais Sul 2 e 3. ......................................................................... 125

Figura 31 – Roteiros Culturais 4 e 5. ................................................................................ 126

Figura 32 – Foto de divulgação do Lançamento do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração no situo Tribess, Pomerode, agosto de 2007. ................................................... 136

Figura 33 – Pequena Propriedade: Casa Radoll – Rio do Cedro, Timbó. ........................ 154

Figura 34 – Pequena Propriedade: Sítio Tribess – Wunderwald, Pomerode. .................. 155

Figura 35 – Produção Familiar: Timbó. ........................................................................... 156

Figura 36 – Artesanato: Joinville, Urussanga e Jaraguá do Sul ....................................... 157

Figura 37 – Culinária: Testo Alto – Pomerode. ............................................................... 158

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Relação de tombamentos federais relativos ao patrimônio do imigrante europeu ................................................................................................................................ 16

Tabela 2 – Relação dos tombamentos federais em Santa Catarina. ................................... 81

 

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INTRODUÇÃO

Alguns dizem que escolhemos os temas de nossas teses, outros, que nossos

objetos de pesquisa nos perseguem até nos encontrar; e há ainda quem sustente a ideia de

que a tese nasce de um encontro muitas vezes imperceptível com o tema de estudo, que vai

amadurecendo com o tempo e conosco mesmo. Esta tese é fruto da terceira especulação.

Acrescentaria também que é resultado de uma série de incômodas percepções que me

acompanham há algum tempo.

Nascida em Caxias do Sul, cidade de colonização italiana no Rio Grande do

Sul, vivi boa parte da adolescência ouvindo meus pais e nonos falarem o talian1 e vendo a

publicidade sobre a Festa da Uva.2 Das conversas com os mais velhos, me chamava muito a

atenção a forma como se referiam aos amigos, conhecidos, familiares e amigos de amigos,

que invariavelmente eram caracterizados como italiani, negri ou pelo duro.3 Os primeiros

eram todos aqueles familiares e/ou parentes com ascendência italiana, mesmo que distante.

Em alguns casos, até os descendentes de alemães entravam nessa categoria. Os demais

eram todos os outros.

Da publicidade sobre a Festa da Uva, que convidava para a festa que acontecia

nos Pavilhões, localizados no Campo dos Bugres, recordo-me particularmente da de 1996,

que anunciava: “A América que nós fizemos.” Eu me perguntava: “Nós quem?” A chamada

publicitária era uma clara referência aos imigrantes italianos que colonizaram a região e

que teriam sido os responsáveis pelo progresso da cidade. Sobre o Campo dos Bugres?

Ironicamente, o Campo dos Bugres foi o nome dado a um dos locais onde habitavam

1 O talian é um dialeto falado na região da Serra Gaúcha, caracterizado por uma mistura da língua vêneta com a língua portuguesa. É falado desde que os italianos começaram a chegar ao país, no final do século XIX se constituindo, muitas vezes, como uma língua co-oficial, ou seja, detém relevância tanto quanto a língua portuguesa. 2 A Festa da Uva é um evento que surgiu em Caxias do Sul na década de 1930 e que reúne, em um só acontecimento, as festas agrícolas que desde 1881 aconteciam de forma dispersa pelo território rio-grandense. De lá para cá, foram realizadas 30 edições. 3 Em dialeto vêneto, negri diz respeito aos negros e descendentes de negros; a expressão pelo duro é utilizada para se referir a descendentes de portugueses, espanhóis e índios, cujo fenótipo é representado pela pele clara e cabelos escuros. É uma expressão pejorativa utilizada por descendentes de italianos, que na verdade, serve para marcar a fronteira entre o “nós” (italianos) e “os outros”. De modo geral, diz respeito a quem não tem ascendência italiana, alemã ou negra.

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grupos indígenas, na época em que os colonos italianos se estabeleceram em Caxias do Sul.

Dos Bugres, só sobrou mesmo o nome!

De qualquer forma, isso não parecia incomodar mais ninguém, afinal, havia

uma impressão de consenso sobre a ideia de os imigrantes europeus – os italianos – terem

trazido o progresso para Caxias do Sul. Outros grupos que habitaram o mesmo território

eram vistos como coadjuvantes.

Os questionamentos sobre estes temas coincidiram com o início da vida

acadêmica, quando a imigração foi assunto contemplado nos trabalhos de graduação em

História e em seguida no mestrado.4 No ano 2000, mudei-me para Santa Catarina e logo

comecei a trabalhar em duas universidades: uma estadual, na condição de professora

colaboradora; e uma particular, sujeita às oscilações de mercado. Tornou-se então

impossível continuar qualquer tipo de pesquisa, exceto aquela imediata, para ministrar

aulas. Já sem nenhum vínculo institucional com a Universidade do Estado de Santa

Catarina (UDESC), conheci, em 2008, o Laboratório de Patrimônio Cultural, coordenado

pela professora Janice Gonçalves. Foi neste grupo de estudos que retomei leituras, me

envolvi com a temática do patrimônio cultural, encontrei motivação para voltar ao mundo

acadêmico e escrever um projeto para participar da disputada e muito difícil, – ao menos

para mim – seleção para ingressar neste curso de doutorado.

O projeto de pesquisa, muito frágil de início, trazia apenas informações acerca

do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, que se tornou meu objeto de estudo. Grosso

modo, tratava-se de um projeto de salvaguarda do patrimônio dos imigrantes – de grupos

étnicos considerados pelo Iphan como significativos nos processos migratórios no estado de

Santa Catarina (alemães, italianos, poloneses e ucranianos) – que, por meio da proteção

federal, estadual e municipal poderia se tornar atrativo turístico com a instituição de

roteiros.

O problema de pesquisa girava em torno de inquietações sobre os roteiros

turísticos idealizados pelos gestores do patrimônio, a atuação das comunidades envolvidas

com o Projeto Roteiros e o consumo do próprio patrimônio cultural. 4 O TCC de História na Universidade Federal de Santa Maria, realizado em 1998, discutiu o Estado Novo, os imigrantes e a política de nacionalização. No mestrado, realizado na PUCRS, concluído em 2000, os temas foram imigração e integralismo na região colonial italiana do Rio Grande do Sul.

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3

Conforme o intenso debate ia acontecendo nas disciplinas do curso e nos

encontros de orientação, fui perdendo o medo de abrir mão de quase uma ideia fixa para me

permitir elaborar, naquele momento, mais questões do que buscar respostas.

Três aspectos do Projeto Roteiros o tornava especialmente curioso: um primeiro

dizia respeito ao fato de que seu nascimento se justificava como uma

[...] oportunidade de mostrar ao Brasil uma parcela importante do seu povo, que juntamente om o índio, o negro e o português formam hoje a base de nossa sociedade [...] afinal, nossa identidade – a de brasileiros – é pautada na pluralidade étnica: nossa nação é constituída pela mistura e contribuição de muitos povos e por isso nosso panorama cultural é único, colorido, diverso.5

Ou seja, o Projeto Roteiros se constituía numa possibilidade de resposta à velha

pergunta “Quem somos nós os brasileiros?”, a partir do ponto de vista da política pública

de preservação, levada a cabo por seus instrumentos de salvaguarda. Um segundo aspecto

chamava a atenção porque tinha como ponto de partida as pesquisas desenvolvidas no

estado de Santa Catarina tornando-o vanguarda na execução do Projeto. Curioso, porque o

patrimônio catarinense nunca havia tido muita expressão no cenário nacional, exceto pela

visibilidade do tombamento das fortalezas da Ilha de Santa Catarina.6 O terceiro aspecto era

relativo às imagens veiculadas ao Projeto Roteiros: absolutamente sedutoras apesentavam

de um lado, paisagens cenográficas e encantadoras sobre a imigração em Santa Catarina e

seu patrimônio, e de outro, me impactavam por apresentar o cenário da imigração de uma

forma bastante higienizada.

Estas reflexões provocavam o surgimento de questões: por que um projeto

nacional de valorização do patrimônio do imigrante? A que imigrante o projeto se referia?

Qual o papel de Santa Catarina neste contexto? Qual a importância das imagens na

divulgação desse patrimônio?

O contato com a documentação produzida pelos técnicos da Fundação

Catarinense de Cultura e pela Superintendência Regional do Iphan naquele estado, reunida

5 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Roteiros Nacionais de Imigração de Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Superintendência do Iphan em Santa Catarina, 2008a. 6 As fortalezas da Ilha de Santa Catarina são tombadas pelo Iphan e estão contempladas com recursos do PAC – Cidades históricas. Iphan e Universidade Federal de Santa Catarina são parceiros no projeto de conservação das edificações. UFSC. Universidade Federal de Santa Catarina. Projeto Fortalezas da Ilha de Santa Catarina. Site. Disponível em: <http://www.fortalezas.ufsc.br>. Acesso em: jan. 2015.

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4

nos chamados Dossiês de Tombamentos, bem como as Atas do Conselho Consultivo do

Iphan, permitiram perceber que o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração nascia de um

trabalho conjunto entre o estado catarinense e o Iphan realizado desde a década de 1980

que compreendia a realização de inventários e pesquisas sobre alguns imigrantes naquele

estado.

Tais ponderações fizeram surgir outras questões: qual importância do

tombamento como instrumento de salvaguarda e quais os seus limites? Como foram

produzidos os Dossiês de Tombamento? Que imagem de imigrante os Dossiês produziam?

De que forma as tensões e conflitos do projeto se expressaram nas Atas do Conselho

Consultivo?

Embora a documentação consultada suscitasse todas essas dúvidas, ainda assim,

tratava-se de documentação produzida justamente pelos responsáveis da criação e

divulgação do projeto, dotando-o de um ar consensual em torno da sua produção. Isso,

obviamente, não é empecilho para a pesquisa, desde que tal produção seja devidamente

problematizada. No entanto, antes de me sentir confortável diante da perspectiva finalmente

adotada – a de perceber como a política pública oficial de salvaguarda do patrimônio,

representada pelo Iphan, se comportou no processo que instituiu o Projeto Roteiros

Nacionais de Imigração –, organizei algumas idas a campo para visitar e, se possível,

entrevistar os proprietários dos 61 bens tombados pelo Iphan relativos ao Projeto.

Um par de visitas técnicas foi suficiente para perceber que era imprescindível

selecionar as unidades visitadas, já que se trata de uma quantidade considerável de bens

espalhados pela área rural de Santa Catarina, cujo acesso é bastante limitado.

Embora o projeto fizesse referência a quatro grupos de imigrantes que

colonizaram Santa Catarina (alemães, italianos, poloneses, ucranianos), os tombamentos

realizados no estado se concentraram nas áreas de colonização alemã e italiana. E o Guia

do Patrimônio Cultural de Santa Catarina,7 seu único material de divulgação que

apresentava algumas sugestões de roteiros turísticos, publicado e distribuído pelo Iphan,

colocou em relevo apenas os bens tombados no sul do estado, representativos apenas da 7 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Roteiros Nacionais de Imigração de Santa Catarina: guia do patrimônio cultural do sul de Santa Catarina/Iphan. Florianópolis: Superintendência do Iphan em Santa Catarina, 2010.

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imigração italiana – as casas de pedra da família Bratti, o sobrado Barzan, a propriedade

Bez Fontana, a casa de Ivanir Cancellier e a Igreja São Gervásio e São Protásio.

O fato de a própria documentação trazer este recorte foi decisivo para

selecionar as visitas a campo, pensadas, num primeiro momento, como ponto de partida do

trabalho. No entanto, a trajetória da pesquisa apontou que esta incursão seria muito melhor

aproveitada se, de saída, auxiliasse a problematizar o tema do patrimônio, expondo sua

complexidade; além disso, que o foco da pesquisa se concentrasse nos discursos produzidos

pelos órgãos oficiais de preservação, problematizando-os. Foi com esta intenção que arrolei

as experiências de campo, que contribuíram para o surgimento de outras inquietações, que,

somadas às anteriores, construíram este trabalho.

Além das entrevistas realizadas com os moradores dos bens tombados citados

no Guia do Patrimônio Cultural do Sul de Santa Catarina, entrevistei igualmente o

proprietário do Sítio Tribess, localidade na qual foi lançado o Projeto Roteiros Nacionais de

Imigração,8 em 2007. Interessava-me, sobretudo, saber o que pensavam os proprietários dos

bens sobre o tombamento de suas casas e o próprio projeto.9

A primeira entrevista foi realizada com Ingo Weimer, proprietário do Sítio

Tribress. Meu primeiro contato com a propriedade se deu por meio das fotografias de

divulgação do projeto e das imagens veiculadas pela mídia no dia do seu lançamento.

Impressionava a exuberância do local, das casas em estilo enxaimel e os ranchos anexos,

representados pelas imagens. Três anos depois, o local não parecia o mesmo: as edificações

estavam em péssimo estado de conservação. O Sr. Weimer recebeu-me com desconfiança,

mas depois de ter a certeza de que eu não era representante do Iphan, aceitou conversar

comigo. Foi logo disparando: “Essa gente, eles promete e não cumpre o que diz [sic].”10

Perguntei-lhe como havia sido o processo de tombamento e o que ele considerava positivo

nisso; ele respondeu que não concordava com o fato de a sua propriedade ter sido tombada,

quando havia, segundo ele, duas ou três outras iguais e bem mais conservadas. Disse ainda

que tinha consciência do péssimo estado de conservação dos ranchos anexos à sua

8 O Projeto Roteiros Nacionais de Imigração poderá ser indicado também como Projeto Roteiros. 9 Ao reproduzir a fala dos entrevistados ou parte delas, optou-se por deixar registrada a fala oral, com sua concordância verbal e pronúncias peculiares. 10 Entrevista com Ingo Weimer. Concedida à autora em janeiro de 2011.

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propriedade, mas que não iria admitir que lhe dissessem o que fazer, pois não era uma

criança. “O sítio aqui só teve importância quando teve a festa.”11

O segundo conjunto de entrevistas ocorreu no sul do estado, em Nova Veneza,

considerada a “cidade mais italiana” de Santa Catarina, segundo o material de divulgação

turística do local.12 A primeira entrevista foi realizada com o Sr. Bortolotto, filho do

proprietário das três centenárias edificações de pedra da família Bratti, tombadas pelo

Projeto Roteiros. O bisneto do imigrante italiano que as construiu relatou que, à época da

chegada ao Brasil, a família se surpreendeu com o relevo acentuado e com a enorme

quantidade de pedras. O terreno foi limpo e as pedras aproveitadas para a construção das

casas, que se deu em quase dez anos. Em 2002, a propriedade foi restaurada, após várias

modificações sofridas ao longo do tempo em que teve outros proprietários, antes de voltar

às mãos da família Bratti. A propriedade é explorada comercialmente, como locação para

ensaios fotográficos. Eles acreditam na importância do tombamento dos bens e na

visibilidade que estes proporcionam ao município de Nova Veneza, sendo fundamentais

para o turismo. O Sr. Bortolotto complementou, dizendo que “esta iniciativa de preservar as

casas, somadas a outras que acontecem na região, como por exemplo, a festa Ritorno alle

origini e o Progoethe”,13 beneficiarão a cidade. Sua contribuição para incrementar a

visitação às casas de pedra é a construção de um hotel que tenha ligação com as casas,

possibilitando o fácil acesso dos hóspedes do hotel ao patrimônio tombado.

As casas ficam numa localidade chamada Caravaggio, cujo acesso é feito por

rua sem pavimentação, cortando propriedades rurais, num caminho rico em paisagens de

pequenas plantações, verde abundante e também elevações. As três casas, com função

residencial, são indicadas por uma placa, na entrada da propriedade. Uma delas é o sobrado

11 Entrevista com Ingo Weimer. Concedida à autora em janeiro de 2011. 12 O atestado de “cidade mais italiana do estado de Santa Catarina” é indicado num folder de turismo repleto de imagens sobre a cidade que endossam este título. Uma delas, por exemplo, mostra, num lago artificial, construído ao lado da prefeitura, uma gôndola doada pela prefeitura de Veneza (Itália), que mal cabe ali. Um rapaz vestido com trajes típicos de gondoleiro está à frente da embarcação e ao seu redor algumas pessoas próximas, aparecem na imagem fazendo fotografias. 13 Ritorno alle origini é uma festa promovida pela Prefeitura Municipal de Urussanga, cuja chamada publicitária no ano 2011 foi “Venha celebrar o ano da Itália no Brasil, na pequena Itália brasileira”. Fonte: Folder da XII Festa della Tradizione Italiana. O Progoethe trata-se de um programa que inclui roteiros turísticos que propõem a visitação aos vales de cultivo da uva e produção do vinho Goethe, empreendido pela Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe.

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que abriga sala e quartos. A segunda edificação abriga a cozinha e a terceira atualmente

cumpre a função de estrebaria. Tal propriedade, protegida pelo tombamento estadual, foi

igualmente tombada pelo Iphan, nos Livros do Tombo das Belas Artes, Histórico e

Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, por possuir

[...] expressividade singular da implantação do conjunto e dos imóveis que a compõe, são os primeiros adjetivos de quem procura descrever o conjunto da Família Bratti. O conjunto é formado pela implantação de três edificações de alvenaria, de pedras aparentes, evidenciando esmero construtivo, composição plástica apurada e qualidade da implantação – harmonizada em meio à paisagem notável. [...] composto por três edificações erguidas em alvenaria autoportante de pedras aparentes [...] [é] absolutamente singular no contexto das propriedades inventariadas em Santa Catarina.14

Como podemos perceber, a justificativa que fundamenta o tombamento dos

bens, e que será recorrente nos Dossiês, deixa evidente que se trata de um parecer ancorado

em saberes técnicos e/ou tradicionais característicos do campo da arquitetura, conforme

podemos observar no apêndice A.

A segunda entrevista foi realizada com Ivanir Cancellier, proprietário da casa

identificada com o mesmo nome. Era ele quem habitualmente mostrava a casa construída

pelo avô aos visitantes, apresentando-a como “o lugar onde a família mora, né? [...] não

entendo por que tantas pessoas param o carro para tirar fotografia [sic]”.15 Ele relata que

uma família visitou a casa e perguntou se eles não se incomodavam em receber as pessoas.

Respondeu que não, “mas que se cada um que quisesse tirar fotografia deixasse um real,

não seria ruim! [...] Mas isso não sei se pode né?! [...] As pessoas olha a placa, param o

carro e entram. Às vezes, nem elas sabem o que é que tem aqui [sic].”16 Diz que quem

visita a casa e quer fotografar são pessoas que, em geral, estudam arquitetura ou temas

afins. Ele observa que a casa precisa de reparos, mas considera a burocracia para a busca de

recursos muito complexa. Nesse sentido, “o tombamento não ajuda em muita coisa”,

pondera. Afirma não entender como proprietários que recebem recursos públicos para

restaurar uma casa (ele se refere à Associação de Descendentes Friulanos de Urussanga) a

14 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Roteiros Nacionais de Imigração. Dossiê de Tombamento. Santa Catarina, 2007a. p. 255. 15 Entrevista com Ivanir Cancellier. Concedida à autora em janeiro de 2011. 16 Ibidem.

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mantêm fechada para visitação. “Aqui não, o pessoal pode entrar a hora que querem.

[sic]”17 Além de ser tombada em nível estadual pela FCC, é tombada em nível federal nos

Livros do Tombo Histórico e das Belas Artes, por ser

[...] um exemplar raro no conjunto da arquitetura residencial do imigrante [...] caracterizada pelo refinamento erudito das proporções clássicas da fachada e do apuro na execução das paredes de alvenaria autoportante de pedras. A planta e a estrutura dos telhados apresentam exemplaridade [...]. As esquadrias também se revestem de exemplaridade, tendo sido confeccionadas com esmero invulgar.18

O terceiro entrevistado foi o Sr. Barzan, que trabalhava em sua granja quando

cheguei para conhecer o sobrado no qual reside, localizado em Palmeira Alta. João Barzan

recebe as poucas pessoas que ele e a esposa decidem deixar conhecer a casa, construída

pelo seu avô no final da década de 1920. Na parte onde funcionava uma cantina de vinho,

utilizada para sua fabricação e armazenamento, restam apenas equipamentos remanescentes

da atividade, desenvolvida até os anos 1980. Para João Barzan, o mobiliário industrial não

tem importância, pois não tem uso. Sobre a ação de tombamento, mudou de opinião: “eu

achava que este tombamento me traria algum benefício, mas toda a reforma que faço gasto

um dinheirão e ninguém me ajuda com nada. [...] esta lei aí mais atrapalhou do que ajudou

[sic]”19 O casal Barzan não permite a visitação ao interior da casa, por considerar isso

invasivo e inseguro. E como o trabalho na granja exige dedicação integral, fica muito

complicado parar o trabalho para atender às pessoas. João Barzan diz não ter muito vínculo

emocional com a propriedade; seus pais tinham afeto pela casa e pelo fabrico do vinho, mas

depois que faleceram, ele não vê muito sentido em continuar morando ali com sua esposa e

filhos, por isso, tenta vender a propriedade. A casa é tombada em nível estadual e federal,

por ser considerada

[...] um exemplar dos mais significativos sobrados de arquitetura ítalo-brasileira. Integralmente edificado em alvenaria de pedras aparentes, destaca-se por utilizar pedra granítica, ao invés do arenito farto na região e utilizado em todas as demais construções edificadas nesta técnica em toda a região [...] a edificação guarda

17 Entrevista com Ivanir Cancellier. Concedida à autora em janeiro de 2011. 18 IPHAN, 2007a, p. 265. 19 Entrevista com João Barzan. Concedida à autora em janeiro de 2011.

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características de excepcionalidade, derivadas da originalidade da planta baixa, volumetria e elementos integrados.20

Dona Olga Bez, a quarta entrevistada, reside na área rural conhecida como

propriedade Bez Fontana, localizada próxima ao rio Américo Baixo. Foi quem me recebeu

e apresentou, muito orgulhosamente, ao conjunto composto pelo sobrado de madeira, o

rancho de estrebaria e a marcenaria. Repetindo inúmeras vezes “viu, isso é patrimônio

tombado”,21 mostrou o galpão onde funciona a marcenaria e a serraria, ambas construídas

em 1901 e alimentadas pela energia gerada por uma roda d’água. A marcenaria é fonte de

renda da família. Ao lado, há outro galpão, utilizado para descascar arroz, e uma atafona,22

movida também por uma roda d’agua. A casa passou por um restauro em 1996, com verbas

do governo do estado de Santa Catarina, pois é tombada em nível estadual. Dona Olga se

diz muito agradecida “ao tombamento”, que permite-lhe viver na sua casa, “do jeitinho que

ela foi construída pelo meu marido [...] apenas com uma arrumadinha aqui, outra ali.”23 A

propriedade é também tombada em nível federal nos Livros do Tombo Histórico, de Belas

Artes e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico porque

[...] o interior da Casa Bez Fontana é um dos mais autênticos e conservados encontrados na região de imigrantes oriundos da Itália[...] Trata-se de imóvel com qualidades sem equivalentes em qualquer outro lugar do país, [...] Construída em madeira, com tábuas “serradas à mão”, com grande esmero construtivo e dentro de tipologia diretamente relacionada com a arquitetura ítalo-brasileira, aliadas a exemplar conservação da ambiência interior da casa, da marcenaria, serraria e rodas d’água em funcionamento, o maquinário integrado e a implantação do conjunto, em paisagem envoltória notável, determinam a excepcionalidade de todo o sítio.24

No mínimo provocadoras, as entrevistas permitem observar conflitos de toda a

ordem, pertinentes ao campo do patrimônio. São questões relativas ao instrumento de

tombamento; à atribuição de valor ao bem tomado; aos usos do bem e a forma como os

proprietários participam do processo. Sem a pretensão de desenvolver tais discussões neste

momento, as entrevistas instigam outro conjunto de questões: a quem serve o tombamento?

20 IPHAN, 2007a, p. 269. 21 Entrevista com Olga Bez. Concedida à autora em janeiro de 2011. 22 Atafona é um engenho de moer grão, um moinho. 23 Entrevista com Olga Bez. Concedida à autora em janeiro de 2011. 24 IPHAN, 2007a, p. 261.

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Quais os valores atribuídos aos bens tombados? Que relação possuem os proprietários com

os bens tombados? Quais os usos e as funções do patrimônio tombado? Os pareceres

técnicos que aprovam o tombamento dão conta do valor atribuído ao bem? Quais as

possíveis relações entre as instituições de preservação estadual e federal, haja vista que os

tombamentos federais já possuem proteção estadual? Podemos falar em uma “paisagem

cultural da imigração”?

Este conjunto de questões elaboradas a partir da leitura dos documentos, das

entrevistas e de discussões realizadas a partir da bibliografia, evidencia o quanto a prática

da preservação do patrimônio no Brasil, representada neste caso pelo projeto Roteiros é

marcada por escolhas, disputas, silêncios, hiatos, rupturas e recorrências.

Deste modo, as questões que norteiam o trabalho de pesquisa, e que decorrem

de todas as outras elaboradas ao longo do processo de maturação do trabalho, são: de que

forma o Projeto Roteiros Nacionais constrói uma identidade étnica baseada no patrimônio

cultural do imigrante europeu que colonizou Santa Catarina no século XIX? Como os

instrumentos de preservação corroboram para a criação e difusão deste discurso?

Nesse sentido, o objetivo desta tese é analisar o Projeto Roteiros a partir do

olhar que os órgãos de preservação federal e estadual lançaram ao patrimônio do imigrante

no Brasil e em Santa Catarina, respectivamente, percebendo de que forma os instrumentos

de salvaguarda (tombamento e chancela da paisagem cultural) atuaram neste processo.

A hipótese a ser considerada é a de que o Projeto constrói, a partir da seleção de

bens culturais de alguns grupos específicos de imigrantes de Santa Catarina, mapeados ao

longo de duas décadas pela instituição de preservação daquele estado, uma identidade

cultural25 relacionada ao patrimônio dos grupos étnicos eleitos pelos agentes do patrimônio

como representativos do mesmo.

25 O termo identidade cultural utilizado em larga escala no texto é utilizado em dois sentidos que se complementam: como “o resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem indivíduos e definem instituições.” In. DUBAR, Claude. A socialização. Construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 136; e como um “um campo complexo marcado por conflitos, onde o próprio lugar da identificação, retido na tensão da demanda e da defesa é um espaço de tensão. BHABHA. Homi. O lugar da cultura. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1998.

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Ao eleger como ícone do patrimônio cultural da imigração o legado de um

determinado grupo de imigrante – que só existe de forma idealizada –, identificado como o

trabalhador rural da pequena propriedade, que vive de forma consensual e harmônica no

seu território, cujo patrimônio é representado e comercializado através de imagens

cenográficas difundidas em diversificados suportes, o Projeto Roteiros tenta fabricar um

produto turístico que pretende comercializar não apenas uma identidade cultural, com

valores pré-estabelecidos, mas um conjunto de valores atribuídos por agentes culturais, que

o oferecem ao mercado sob o rótulo de “paisagem cultural”.

Para responder à questão proposta, o horizonte teórico adotado leva em conta a

ideia de patrimônio como campo de tensões. A noção de campo, conforme Bourdieu é

concebida como um espaço social multidimensional de relações entre agentes que

compartilham interesses em comum, mas que não dispõem dos mesmos recursos. Todo o

campo seria, ao mesmo tempo, “um campo de forças”, pois constrange os agentes nele

inseridos, quanto um ‘campo de lutas’, no qual os agentes atuam conforme suas posições,

mantendo ou modificando sua estrutura.26

Em cada campo específico (campo das artes, da ciência, etc.) existe um

conjunto de interesses fundamentais compartilhados que garantem sua existência e

funcionamento. Como num jogo, no campo há disputas e também acordos, negociações.

Os campos são resultados de processos de diferenciação social, da forma de ser e do conhecimento do mundo e o que dá suporte são as relações de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições que lutam pela hegemonia, isto é, o monopólio da autoridade, que concede o poder de ditar as regras e de repartir o capital específico de cada campo.27

É nesses termos que podemos fazer referência ao campo do patrimônio. É por

definição um espaço de tensão onde a todo o momento se confrontam gestores,

representantes do Estado, que, entre outros aspectos, atribuem valor ao bem de pessoas ou

instituições que compartilham dos mesmos interesses, mas nem sempre com as mesmas

vontades.

26 BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. 27 BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. In: ORTIZ, Renato (Org.). Coleção Grandes Cientistas Sociais, n. 39. São Paulo: Editora Ática, 1983. p. 114.

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Também convém destacar que problematizar o patrimônio como campo é

afirmá-lo como interdisciplinar e, sobretudo, lidar com processos de atribuição de valores a

determinados bens culturais, também marcados por disputas que são políticas, pois

[...] os objetos materiais só dispõem de propriedades imanentes de natureza físico-química: matéria-prima, peso, densidade, textura, sabor, opacidade, forma geométrica etc. etc. etc. Todos os demais atributos são aplicados às coisas. Em outras palavras: sentidos e valores (cognitivos, afetivos, estéticos e pragmáticos) não são sentidos e valores das coisas, mas da sociedade que os produz, armazena, faz circular e consumir, recicla e descarta, mobilizando tal ou qual atributo físico (naturalmente, segundo padrões históricos, sujeitos a permanente transformação).28

A metodologia utilizada compreende a análise dos tombamentos realizados pelo

Iphan dos bens relacionados à imigração e de forma mais específica dos 61 bens tombados

em nível federal, representativos das imigrações polonesa, ucraniana, alemã e italiana, que

compõem o Projeto Roteiros. Contempla também a análise dos projetos desenvolvidos em

Santa Catarina pela Fundação Catarinense de Cultura em parceria com o Iphan e a

problematização das imagens veiculadas ao Projeto Roteiros identificadas como “Paisagens

Culturais”.

As principais fontes utilizadas foram os dossiês que instrumentalizaram o

processo de tombamento dos bens que compõe o Projeto Roteiros e o processo de

tombamento correspondente, os inventários dos bens tombados em nível nacional, as Atas

do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, folders e material de divulgação turística e

as imagens veiculadas ao Projeto Roteiros que fazem referência à paisagem cultural da

imigração.

Por fim, este estudo pode ser inserido tanto na história do campo patrimonial no

Brasil como na história de Santa Catarina. No primeiro caso, se levarmos em conta o

projeto que tomou dimensão nacional, é revelador um conjunto de tensões no campo do

patrimônio que ajuda a apontar os rumos da política pública brasileira representada pelo

Iphan, inscrita no tempo presente. No segundo caso, entender como Santa Catarina

28 MENESES, Ulpiano Bezerra de. Do teatro da memória ao Laboratório de História: a exposição museológica e o conhecimento histórico. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. v. 2, n. 1. São Paulo, 1994. p. 27, grifo nosso.

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construiu um patrimônio atrelado ao que considera sua identidade étnica é contribuir para a

construção da história do patrimônio no estado.

O trabalho possui três capítulos: O primeiro capítulo, O Patrimônio e a

Imigração no Brasil discorre sobre como o patrimônio do imigrante foi tratado

historicamente pelo Iphan. Faz uma análise dos tombamentos federais relativos ao

patrimônio do imigrante desde 1938 (primeiro tombamento) até 2007 (data do lançamento

do projeto em Santa Catarina, que tombou, de uma só vez, os 61 bens relativos ao

patrimônio do imigrante). Apresenta o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração bem como

aponta algumas das tensões presentes no processo de tombamento dos bens que integram o

Projeto e ainda, busca mostrar como a atribuição de valores a este patrimônio mudou ao

longo do tempo de acordo com o contexto vivido no território nacional e que orientaram a

política federal de preservação do patrimônio.

O capítulo dois, Patrimônio e Imigração em Santa Catarina tem o objetivo de

analisar como o imigrante – e, consequentemente, seu patrimônio – foi adquirindo valor

dentro da política de preservação estadual. Aponta como o estado de Santa Catarina

construiu historicamente, sua identidade, a partir da valorização da cultura de grupos

étnicos que colonizaram o estado, ressaltando ora o legado do imigrante açoriano do século

XVIII, ora a contribuição dos alemães e italianos que migraram para o estado no século

XIX. Procura mostrar também, por meio dos inúmeros projetos de preservação do

patrimônio empreendidos pela instituição estadual, como se construiu uma identidade

étnica para o estado, evidente no Projeto Roteiros..

No capítulo três, Imigração e Paisagem Cultural, há uma breve discussão sobre

paisagem cultural e seu instrumento de chancela. Problematiza de que forma o patrimônio

do imigrante foi concebido como paisagem cultural e quais os sentidos desta valoração.

Apresenta e problematiza as imagens que o Iphan considera representativas da paisagem

cultural do imigrante e procura perceber como essas imagens discurisivisam sobre o

patrimônio do imigrante.

O título escolhido para tese, “O Brasil da Diversidade?”: patrimônio e

paisagem cultural no Projeto Roteiros Nacionais de Imigração; partiu da leitura de um dos

materiais de divulgação do Projeto que o anunciava como uma voz autorizada a falar em

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nome dos grupos que formaram o Brasil representando-o como um país marcado pela

pluralidade étnica.

A ideia de “diversidade” é capturada no texto para fazer referência a dois

aspectos: um deles remete ao momento da história da preservação do patrimônio no Brasil

marcado por uma mudança no seu direcionamento onde de fato o olhar dos gestores do

patrimônio foi lançado para além do patrimônio de pedra e cal. Este contexto tornou

possível a valorização do patrimônio de outros grupos que não os do historicamente

contemplados, como é o caso do patrimônio do imigrante. O outro aspecto reitera a ideia

colocada anteriormente: a de que não há a menor dúvida de que o Brasil é um país

pluriétnico. Resta saber, no entanto, como esta diversidade é tratada na consolidação de

projetos que constroem uma identidade para o país. É neste sentido que esta pesquisa, cujo

ponto de partida é o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, se propõe a contribuir para os

debates acerca do tema.

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CAPÍTULO 1

O LUGAR DO PATRIMÔNIO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO NO BRASIL

Se observarmos a atuação do Iphan ao longo dos quase oitenta anos desde a

promulgação do Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937 – que organiza a proteção

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Brasileiro29 –, perceberemos que a

valorização do patrimônio do imigrante europeu está localizada na região sul do Brasil,

ainda que de forma muito tímida, desde os primeiros anos de atuação da instituição,

ganhando expressão, de fato, em 2007, conforme podemos verificar na Tabela 1.

Além do reconhecimento do patrimônio do imigrante via tombamento,

podemos citar outras duas formas de salvaguarda, que nos permitem inferir sobre a sua

valorização ao longo do tempo: a chancela de paisagem cultural, cuja primeira atribuição

foi conferida às localidades de imigração europeia no estado de Santa Catarina

(representadas pelo núcleo rural de Testo Alto e Rio da Luz); e a titulação do talian,30

(dialeto dos imigrantes italianos na Serra Gaúcha) como referência cultural.

Se, de um lado, os grupos de imigrantes da região se relacionaram e relacionam de

formas diferentes com seus territórios, produzindo experiências e valores tão heterogêneos e

ricos que vão além do que a política pública anuncia como patrimônio, por outro lado, tais

experiências podem, sob a égide da patrimonialização, perder a dinâmica que os caracterizam,

causando tensões em suas práticas, percebidos principalmente nos processos de tombamento.

Seja como for, o interesse aqui é perceber como as instituições responsáveis

pela atribuição de valor aos bens relativos ao imigrante e seus agentes observaram este

patrimônio ao longo do tempo, uma vez que as formas de percebê-lo mudaram, e mudam

constantemente, dotando o patrimônio cultural de uma dinâmica que permite problematizar

os seus diversos sentidos. Assim, o presente capítulo trata das formas pelas quais o 29 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto-Lei n. 25, de 30 de novembro de 1937. 1937a. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em: 1 mar. 2014. 30 SARTORI, Tríssia Ordovás. Talian é reconhecido pelo Iphan como referência cultural brasileira. Postado em: 14 nov. 2014. Portal ClicRBS. Disponível em: <http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-tendencias/almanaque/noticia/2014/11/talian-e-reconhecido-pelo-iphan-como-referencia-cultural-brasileira-4642921.html>. Acesso em: 20 nov. de 2014.

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patrimônio do imigrante foi apropriado ao longo do tempo pelo órgão de preservação

nacional, buscando compreender qual imigrante é contemplado pela política de

preservação, quais valores atribuídos a seu patrimônio em nível nacional, e quais os

impactos do Projeto Roteiros na política nacional de salvaguarda do patrimônio cultural.

Tabela 1 – Relação de tombamentos federais relativos ao patrimônio do imigrante europeu

Processo(1) Bem Localização Livro(s) Tombo(s) Ano do

tombamento

Processo 161-T-38 Palácio dos Príncipes Joinville/SC Livro Belas Artes; Livro Histórico 1939

Processo 659-T-62 Cemitério Protestante Joinville/SC Livro Histórico; Livro Arqueo- lógico/Etnográfico/Paisagístico.

1962

Processo 1141-T-85(2)

Casa do Professor e Escola Rural

Rio dos Cedros/SC

Livro Belas Artes; Livro Histórico; Livro Arqueológico/ Etnográfico/Paisagístico

1985

Processo 1145-T-85 Casa da Neni Antônio Prado/RS

Livro Belas Artes 1985

Processo 1248-T-87 Conjunto Urbano Antônio Prado/RS

Livro Histórico; Livro Arqueo- lógico/Etnográfico/Paisagístico

1990

Processo 1113-T-84 Casa Presser Novo Hamburgo/ RS

Livro Belas Artes; Livro Histórico; Livro Arqueológico/ Etnográfico/Paisagístico

1984

Processo 1165-T-85 Ponte do Imperador Ivoti/RS Livro Histórico 1985

Processo 1124-T-84 Casarão do Chá Mogi das Cruzes/SP

Livro Belas Artes; Livro Histórico; Livro Arqueológico/ Etnográfico/Paisagístico

1984

Processo 1.548-T-07

61 bens relativos ao Projeto Roteiros Nacionais de Imigração

Várias cidades/SC

Embora o tombamento tenha sido realizado em conjunto, cada bem cultural foi inscrito em um livro tombo específico.

2011

(1) Os dois últimos números indicados no Processo dizem respeito ao ano da abertura do Processo de Tombamento. (2) As referências a este processo (que foi extraviado) podem ser localizadas na Ata do Conselho Consultivo de 22 de janeiro de 1985, na reunião realizada nas dependências do Forte de Santa Cruz, na Ilha de Anhatomirim, Santa Catarina. Fonte: Adaptado pela autora.31

Há dois tópicos estruturando o capítulo. O primeiro trata de como o Iphan

percebeu o patrimônio do imigrante, por meio do tombamento dos bens imóveis32 no

31 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Lista dos Bens Culturais Inscritos nos Livros do Tombo (1938-2012). Rio de Janeiro: IPHAN, 2013a. Disponível em: <http://portal.iphan. gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=3263>. Acesso em: dez. 2014. 32 Como bens imóveis entendem-se conjuntos urbanos ou rurais, edificações isoladas, equipamentos urbanos e ruínas e jardins e parques históricos. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Bens Tombados. Portal IPHAN, 2013b. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPagina Secao. do?id=17740&sigla=Institucional&retorno=paginaInstitucional>. Acesso em: 12 nov. 2014.

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território brasileiro e de outros instrumentos de salvaguarda nacionais, como as já citadas

chancela de paisagem cultural e titulação como referência cultural. A análise se

concentrou nos processos de tombamentos dos bens de imigrantes europeus no Brasil. O

segundo tópico problematiza a ação conjunta do Iphan e do estado de Santa Catarina, que

culminou na criação dos Roteiros Nacionais de Imigração, projeto de expressão, pois dá

visibilidade, de maneira ímpar na história do patrimônio do imigrante no Brasil, ao seu

legado cultural. Para isso, as fontes utilizadas foram os dossiês que instruíram o processo de

tombamento dos bens que compõem o Projeto Roteiros, os documentos relativos ao

processo de tombamento e as Atas do Conselho Consultivo do Iphan.

1.1 O IPHAN E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO IMIGRANTE

Parte do patrimônio do imigrante europeu estabelecido no Brasil no século XIX

pode ser conhecido graças à sua preservação. Obviamente que a importância do seu legado vai

além do reconhecimento pelo Estado (neste caso, representado pelo Iphan) e dos sentidos insti-

tucionais que se lhe atribuem, afinal, a preservação dos bens patrimoniais é parte da política

cultural de uma nação, que institui formalmente quais as memórias a serem selecionadas e de

que maneira o são, em detrimento daquelas que devem ser esquecidas e/ou silenciadas.33

Quer dizer, [a política pública é] um conjunto articulado e fundamental de decisões, programas, metas, recursos e instituições a partir da iniciativa do Estado. [...] É, antes de tudo: a) um critério de ação: um parâmetro, uma opção por uma determinada ideologia cultural; b) uma alocação de escassos recursos públicos diante de clientelas concorrentes.34

33 Vários autores debateram a relação entre patrimônio e Estado no Ocidente, como: POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente. São Paulo: Estação Liberdade, 2009; CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade, 2006. Sobre a criação do Iphan, são emblemáticas as obras de CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009; RUBINO, Silvana. As fachadas da História. Dissertação (Mestrado). São Paulo: UNICAMP, 1991; FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ/MinC-Iphan, 2005. Sobre poder, memória e identidade nacional, ver: SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Memória Coletiva e Identidade Nacional. São Paulo: Annablume, 2013. 34 FALCÃO, Joaquim. Política de Preservação e Democracia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. IPHAN, n. 20, 1984. Disponível em: <http://www.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=3196>. Acesso em: nov. 2014. p. 45.

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Perceber os valores atribuídos aos bens culturais, e neste caso específico, ao

patrimônio do imigrante, é perceber o próprio sentido que a preservação assume ao longo

do tempo, pois

[...] falar e cuidar de bens culturais não é falar de coisas ou práticas em que tenhamos identificado significados intrínsecos, próprios das coisas em si, obedientemente embutidos nelas, mas é falar de coisas (ou práticas) cujas propriedades, derivadas de sua natureza material, são seletivamente mobilizadas pelas sociedades, grupos sociais comunidades, para socializar, operar e fazer agir suas ideias, crenças, afetos, seus significados, expectativas, juízos, critérios, normas, etc., etc., – e, em suma, seus valores. [...] a matriz desses sentidos, significações e valores não está nas coisas em si, mas nas práticas sociais.35

Corroborando tal compreensão, Márcia Chuva infere que dotar o bem cultural

de valor patrimonial, ou seja, patrimonializá-lo é

[...] selecionar um bem cultural (objetos e práticas) por meio da atribuição de valor de referência cultural para um grupo de identidade. O bem patrimonializado tem como atributo a capacidade de amalgamar grupos de identidade. [...] A patrimonialização de práticas culturais [...] promove a concorrência e, por vezes, a dissenção entre grupos, vivenciada através de tensões e disputas, num contexto de lutas de representação, lutas por legitimidade e lutas políticas, que redundam em disputa por recursos direta ou indiretamente.36

Historicamente, o reconhecimento, no âmbito de órgãos de preservação, do

legado cultural do patrimônio do imigrante como parcela do patrimônio histórico brasileiro

teve início em 1939, contando com ações de salvaguarda em Santa Catarina, Rio Grande do

Sul e São Paulo,37 conforme pudemos observar na Tabela 1.

Os primeiros tombamentos nacionais de patrimônio do imigrante europeu em

Santa Catarina foram o do Palácio dos Príncipes, em Joinville, em 1939 e a proteção do

Cemitério Protestante, também em Joinville, mais de duas décadas depois, em 1962. Trata-

se de dois tombamentos pontuais, que não instituem de forma alguma políticas de

35 MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do patrimônio: uma revisão de premissas. In: I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural: Sistema Nacional de Patrimônio Cultural; desafios, estratégias e experiências para uma nova gestão. v. I. Ouro Preto, Minas Gerais, 2009. Brasília, DF: Iphan, 2012. p. 32. 36 CHUVA, Marcia. A preservação do patrimônio cultural no Brasil: uma perspectiva histórica, ética e política. In: CHUVA, Márcia; NOGUEIRA, Antônio Gilberto Ramos de. Patrimônio Cultural: políticas e perspectivas de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: MauadX/ FAPERJ, 2012. p. 74. 37 Em São Paulo, encontramos um tombamento relacionado à imigração japonesa. Como nossa preocupação está centrada na imigração europeia, o Casarão do Chá, em Mogi das Cruzes, não será contemplado nesta análise.

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Ficker complementou o texto afirmando a importância do cemitério, por ter

sido o local de sepultamento dos primeiros colonos da Colônia Dona Francisca. Em 1962,

Luis Saia visitou o cemitério e destacou:

Além desse valor documentário, é relevante o significado paisagístico urbano que o local resguardou e conserva. Árvores de porte avantajado, algumas nascendo pitorescamente entre os túmulos, transformaram este cemitério num local realmente parqueado e esplendidamente integrado na estrutura urbana. Se resguardaria, portanto, além do valor documentário e paisagístico, uma área verde de maior interesse para a cidade.41

Havia divergência em relação às esferas responsáveis pela proteção, pois os

agentes do órgão de preservação federal alertavam que a proteção do cemitério deveria ser

de âmbito municipal e/ou estadual. Um parecer de Lúcio Costa42 atestou a importância do

bem, atribuindo-o à paisagem que conforma o cemitério. Não era qualquer paisagem, mas

uma paisagem compreendida como sinônimo de natureza intocada, dotando o lugar de um

ar bucólico, romântico, como fica evidente no parecer:

O sentido histórico da fundação da antiga colônia Dona Francisca e alcance e significação da obra realizada no sul do país pelos nossos patrícios de ascendência germânica, justificam, porém, a inscrição do antigo cemitério fundado pelo pastor Hoffmann no Livro do Tombo Histórico, uma vez que se conserva o aspecto agreste e se não mutilem as árvores a pretexto de zelar pela proteção das sepulturas, pois essa impressão de cultivado abandono, que lhe confere ar romântico, é o que importa preservar.43

Neste caso, ao contrário do anterior, a nomenclatura do bem tombado evidenciava

um patrimônio legado por colonizadores alemães protestantes, que se estabeleceram de forma

pioneira em Dona Francisca. No entanto, o parecer que justifica o tombamento dá importância

ao fato de se tratar de um lugar cuja aparência remete a uma paisagem de “cultivado abandono”

– e por isso deveria ser preservada, tanto quanto pelo fato de ser um lugar caro à memória dos 41 Parecer técnico do Chefe do 4° Distrito, Luis Saia. Processo de Tombamento número 659-T-62, folha 0014. Arquivo IPHAN/ RJ, 1962. 42 A importância de Lúcio Costa ao longo da sua ação junto ao Iphan pode ser consultada em RUBINO, Silvana. Lucio Costa e o Patrimônio Artístico Nacional. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 6-17, mar./maio2002. Entre outros aspectos, Rubino destaca que o arquiteto e urbanista foi um intelectual e polivalente funcionário do Sphan, de 1937 até 1972. Foi considerado, nas palavras de Rubino, como o “homem do patrimônio, o arquiteto que, ao lado de Rodrigo, foi peça fundamental nas definições da política de salvaguarda da memória nacional.” 43 Parecer técnico de Lúcio Costa referente ao tombamento do Cemitério Protestante de Joinville. Processo de Tombamento número 659-T-62, folha 0155. Arquivo IPHAN/ RJ, 1962. Grifo nosso.

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colonizadores. É uma concessão a uma percepção romântica, relacionada a cemitérios e a

percepção da natureza circundante. O segundo parágrafo do artigo primeiro, do capítulo 1 do

Decreto-lei n. 25, de novembro de 1937, afirma:

Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana.44

Podemos sugerir que Lúcio Costa emitiu parecer favorável ao tombamento do

cemitério justamente por conta da paisagem, que serviu como parâmetro para sua inscrição

no Livro de Tombo Histórico, Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.

O primeiro tombamento ocorreu dois anos após a promulgação do Decreto-lei

de 25 de novembro de 1937, que organizou a proteção do patrimônio artístico nacional,

com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional (Sphan). O texto do decreto,

que incorporou contribuições ao longo do tempo, é fundamental, a ponto de ainda hoje ser

encarada como válida.45 Os primeiros trinta anos do Sphan (1937-67) representaram um

intenso esforço para compensar o tempo em que não houve salvaguarda do patrimônio

brasileiro. Por esse motivo, tombou-se uma grande quantidade de bens, em condições nas

quais a carência de recursos financeiros e humanos imperava.

Nessa tarefa, exerceram [os modernistas], ao mesmo tempo a função de intelectuais e de homens públicos, e marcaram sua presença no serviço iniciado em 1936 – mais, talvez, que em qualquer outra instituição estatal de que tenham participado naquele período – de forma tão profunda e duradoura que, até hoje, para alguns, o Sphan dos anos 30-40, o ‘Sphan de doutor Rodrigo’, é o verdadeiro Sphan, tendo se tornado praticamente sinônimo de patrimônio.46

Nesse período os tombamentos eram conduzidos quase que exclusivamente

pelos funcionários da instituição e indicavam como os técnicos responsáveis interpretavam

os pressupostos da Carta de 1937, relativos à preservação. Segundo Fonseca, foram

tombados até o final de 1969, 803 bens na sua maioria ligados à arquitetura religiosa,

44 BRASIL, 1937. 45 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Publicações da Secretaria do Patrimônio Artístico Nacional, n. 31, 1980. p. 14. 46 FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo. 3. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. p. 82.

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seguidos de arquitetura civil e militar; 46 conjuntos, 36 bens imóveis, seis bens

arqueológicos e quinze bens naturais. Valorizavam os bens que

[...] concentravam-se em regiões vinculadas a ciclos econômicos – Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e são Paulo – e na então capital federal. [...] Todos os possíveis patrimônios locais que representariam o país passaram por filtros sobre o que mostrar, exibir, relevar, guardar, e neste processo de entesouramento foram sendo reproduzidas concepções intuitivas, impressionistas, acadêmicas, literárias, ideológicas, projeções e disputas que pouco a pouco edificaram um repertório de lugares-comuns a respeito do nosso patrimônio pretérito; repertório com o qual operamos e dialogamos até hoje. Porque o tombamento, e os diversos graus de investimento pós- tombamento, retificaram essas concepções, e mais do que isso, as tornaram fatos.47

Um patrimônio ligado aos ciclos econômicos é bastante ligado à história

colonial do Brasil. Está muito presente nesta concepção a ideia de patrimônio que remete

ao antecedente, ao original, ao nativo, considerados de relevância histórica, representados,

sobretudo, pelo patrimônio que se convencionou chamar de pedra e cal, característico pela

sua materialidade. Como, então, os dois tombamentos de Joinville tiveram espaço nesta

lógica? Que valores lhes foram atribuídos, de forma que pudessem ser relevantes na

composição de uma identidade para o Brasil? A este respeito cabem três observações.

A primeira diz respeito ao tombamento realizado em 1939, do Palácio dos

Príncipes, que não associou o bem à imigração alemã diretamente. Ora, para o Estado Novo, o

“outro” era o próprio inimigo na construção de uma identidade nacional, que deveria acabar

com os regionalismos, rumo a uma unidade nacional. O patrimônio deveria representar a nação

como o resultado da marcha universal dos estados nacionais rumo ao “progresso”. Nesse

sentido, o patrimônio era concebido como instrumento para educar a população a respeito da

unidade e da permanência da nação.48 No entanto, como aponta Silvana Rubino, o fato de o

Sphan ter sido criado sob a égide do Estado Novo, mas não ser o reflexo deste, permitiu que se

observasse a importância arquitetônica das edificações – ainda que neste momento, silenciando,

de forma proposital ou não, sobre seu uso e seus construtores e/ou habitantes.

47 RUBINO, Silvana. As fachadas da História: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937-1968. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Unicamp, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, 1991. p. 135. 48 CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009b.

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A segunda observação é relativa ao momento no qual o Palácio dos Príncipes

de Joinville é reconhecido como Museu Nacional da Imigração e da Colonização. Em 1946,

o Decreto-lei n. 8534 transformou o Sphan em Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (Dphan). Além de instituir distritos em quatro municípios sede, criou, pela Lei n.

3188 de 12 de junho de 1957, o Museu Nacional da Imigração e da Colonização em

Joinville, para recolher objetos que recordassem a imigração no sul do país. Silvana Rubino

aponta que este museu

[...] traz, junto com novos personagens dignos de salvaguarda, novas disciplinas para abordá-los. Marca assim um novo período do Sphan, menos patriótico e mais investigador, a respeito de ancestrais virtuais do brasileiro, que antes, no período de Getúlio Vargas e Gustavo Capanema, não seriam incluídos.49

Observa-se que houve um deslocamento na forma de perceber o imigrante e seu

patrimônio em relação a sua participação na formação nacional. Se até a emergência da II

Guerra esse imigrante representou um perigo à ordem nacional e não teve sequer seu

patrimônio nominado, a década de 1950 “reabilita” de certa forma esse imigrante e sua

participação na sociedade brasileira de forma que o reconhecimento da importância de seu

patrimônio como parte da identidade nacional seja agora referendada.

A terceira observação é em relação ao tombamento do Cemitério Protestante,

realizado em 1962. Ainda sob a direção de Rodrigo Mello Franco de Andrade, a Diretoria

de Patrimônio acolheu a indicação, valorizando o sentido histórico da antiga colônia Dona

Francisca, bem como as obras realizadas pelos imigrantes alemães naquela região. No

entanto, a justificativa para o tombamento se pautou pelo “ar romântico” do cemitério, num

cenário de “cultivado abandono”, nos dizeres de Lúcio Costa. O tombamento se deu pelo

cenário, foi marcado mais pela ação da natureza – que deveria ser preservada – do que pela

história dos imigrantes, possível de ser problematizada neste espaço.

Os anos que separam estes tombamentos relativos ao patrimônio do imigrante

dos que ocorreram a partir dos anos 1980 representaram transformações significativas no

campo do patrimônio no Brasil e correspondem ao período no qual Renato Soeiro50 esteve à

49 RUBINO, 1991, p. 156-157. 50 Presidente do Iphan de 1967 a 1969, Renato Soeiro foi arquiteto da primeira geração da escola modernista e acumulava a experiência de 21 anos como chefe da Divisão de Conservação e Restauração da Dphan, com

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25

frente da instituição (1967 a 1979). Embora não seja muito valorizado pela história do

próprio Iphan51 (e, no nosso caso, não represente um período significativo em termos de

tombamentos nacionais de patrimônio do imigrante), uma das ações implementadas sob sua

administração teve importância significativa: a criação do Centro Nacional de Referências

Culturais, presidido por Aloísio Sergio Magalhães, que possibilitou a criação do chamado

Museu ao Ar Livre de Orleans, em 1980, cujo tema era a imigração europeia em Santa

Catarina.

Renato Soeiro assumiu a Dphan num momento marcado por grande demanda de

tombamentos, diminuição de verbas e aposentadoria do quadro técnico original do órgão, e

pela consolidação da instituição como guardiã zelosa do patrimônio e centro de estudos

qualificados da arte e da arquitetura nacionais. Foi com certa autonomia que o Sphan/Dphan

atravessou regimes políticos como o Estado Novo e a ditadura civil-militar de 1964:

O panorama social e cultural do país, na transição da década de 1960 para a de 1970, era inteiramente distinto dos anos 1930/40. A industrialização deflagrada a partir da década de 1950 e a consequente urbanização haviam transformado o Brasil. A década de 1970 correspondeu ao período de maior crescimento demográfico e urbanização do país [...]. As pressões sobre o patrimônio urbano-ambiental alcançaram, no período, seu clímax. O problema do patrimônio não era mais a sua afirmação, senão sua gestão frente às pressões demográficas e econômicas crescentes.52

Do ponto de vista da cultura, Soeiro organizou o Departamento de Assuntos

Culturais (DAC) em 1968, abrindo caminho para a criação do Ministério da Cultura, uma

vez que, até então, não se contava com uma política cultural nacional. Em 1973, criou o

Programa da Ação Cultural, dando atenção às manifestações culturais intangíveis, para as

quais criou, em 1975, a Fundação Nacional de Arte (Funarte), voltada para música, artes

cênicas e visuais, e que foi a base do primeiro Plano Nacional de Cultura.

uma grande experiência em relações internacionais, participando, a partir da década de 1950, das reuniões da UNESCO. 51 No primeiro ensaio historiográfico oficial do Iphan, intitulado Revitalização do Patrimônio Cultural no Brasil: uma trajetória, o período em que o órgão foi dirigido por Renato Soeiro (1967-1979) é apresentado apenas como um momento de transição entre as administrações de Rodrigo de Melo Franco Andrade e Aloísio Magalhães. 52 AZEVEDO, Paulo Ormindo David. Renato Soeiro e a institucionalização do setor cultural no Brasil. In: AZEVEDO, Paulo Ormindo David; CORRÊA, Elyane Lins (Org.). Estado e Sociedade na Preservação do Patrimônio. Salvador: EDUFBA/IAB, 2013. p. 22-23.

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Da mesma forma, Soeiro percebeu que o aumento demográfico expressivo na

década de 1960 podia causar impactos no patrimônio. Mas acreditava que o turismo

cultural poderia significar um mote importante para o desenvolvimento das cidades com

expressão patrimonial. Assim, propôs a reestruturação da Dphan, que mantinha a mesma

organização de 1946. Ele não apenas transformou a Dphan em Iphan, como entendeu que

[...] só se poderia preservar o enorme patrimônio nacional com o concurso dos três níveis de poder e da sociedade. [...] Antecipando-se à Constituição de 1988, que estabeleceu o princípio da competência concorrente da União, Estados e Municípios no amparo à cultura e ao patrimônio. Seu objetivo era a criação de um pacto federativo de preservação e valorização do patrimônio cultural visando o desenvolvimento socioeconômico, em especial das regiões mais abandonadas e pobres, porém ricas em bens culturais. E para chegar a todo o país seria preciso formar uma rede de institutos ou fundações estaduais e municipais com funções semelhantes ao Iphan. 53

Nos Encontros de Governadores para a Preservação do Patrimônio Histórico,

Artístico, Arqueológico e Natural do Brasil, realizados em Brasília e em Salvador, em 1970

e 1971 respectivamente, Soeiro institucionalizou seu Plano Estratégico de Ação,54 do qual

destacamos a ideia de compartilhar a responsabilidade da preservação do patrimônio com

estados e municípios. Para isso, foram criados fundações ou institutos de patrimônio, assim

como legislações de tombamento, em praticamente todos os estados e nos mais

significativos municípios do país. Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e

Santa Catarina criaram órgãos estaduais de proteção do patrimônio de valor regional, com

supervisão do Iphan.

Outro ponto importante a ser destacado é a integração da preservação do

patrimônio na ideia de desenvolvimento nacional. Nesse sentido, houve a criação do

Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste, com sua

utilização para fins turísticos, conhecido como Programa das Cidades Históricas (PCH),

assim como o estabelecimento do Centro Nacional de Referências Culturais (CNRC),

coordenado por Aloísio Magalhães, que era um

[...] sistema referencial básico a ser empregado na descrição e na análise da dinâmica cultural brasileira – meta principal do convênio de consolidação do CNRC – foi

53 AZEVEDO, 2013, p. 28. 54 O Plano de ação de Soeiro está apresentado e analisado em AZEVEDO, 2013, p. 29-39.

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criado em 1975 como decorrência de contrato firmado entre o Ministério da Indústria e do Comércio e o Governo do distrito Federal. [...] Seu prazo de expiração foi fixado em 31 de janeiro de 1980 e a ele aderiram [...] o Banco do Brasil e o Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).55

Basicamente, os projetos do CNRC desenvolveram-se segundo quatro

programas de estudos: Artesanato, Levantamentos Socioculturais, História da Ciência e da

Tecnologia no Brasil e Levantamentos de Documentação sobre o Brasil. Sob esses

programas desenvolveram-se quase trinta projetos de pesquisa – entre eles, o que para nós é

importante ressaltar, o projeto Indústrias Familiares de Imigrantes, que criou em Orleans

(município a 180 km de Florianópolis) um museu dedicado a equipamentos industriais

utilizados por imigrantes no seu cotidiano de trabalho. Tal ação deu visibilidade ao

patrimônio do imigrante no sul do estado de Santa Catarina e também à instituição estadual

que se tornou parceira do Iphan na preservação do patrimônio cultural do estado: a recém-

criada Fundação Catarinense de Cultura, tema do próximo capítulo.

1.1.1 O Museu ao Ar Livre de Orleans

De acordo com matéria veiculada na Revista Visão, de 04 de março de 1985, a

preocupação com o patrimônio industrial dos imigrantes europeus, que deu origem ao

Museu ao Ar Livre, começou com o impacto da enchente de 1974 no município de Tubarão

(SC) e regiões do entorno, incluindo Orleans. A enchente destruiu grande parte das

indústrias caseiras à beira dos rios que utilizavam a força das águas como fonte de energia.

Inconformado com a situação, o vigário e diretor do Seminário de Orleans,

padre João Leonir Dall’Alba, criador do museu da Imigração Conde D’Eu,56 encaminhou

ao CNRC uma proposta de ampliação do museu, para reunir em um só lugar as unidades de

produção mais antigas ainda conservadas pelos colonos. Para isso, buscou a consultoria da

museóloga Ecyla Castanheira Brandão,57 que emitiu parecer favorável em 1977. A partir

55 IPHAN, 1980, p. 23. 56 O Museu Conde D’Eu guardava um acervo relacionado à imigração, com caráter bastante eclético. Havia de objetos sacros a ferramentas de trabalho e utensílios domésticos. 57 Ecyla Castanheira Brandão é museóloga e, entre 1962 a 1982, trabalhou no Museu Histórico Nacional, no Museu Nacional de Belas Artes e no Museu da República, atuando na valorização do acervo, pesquisa, restauração e exposição. Foi uma referência para a instituição do Museu ao Ar Livre de Orleans.

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daí, reuniram-se na sede do CNRC, em Brasília, o prefeito e o vice-prefeito de Orleans, o

padre Dall’Alba e o professor Walter Piazza, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Esse encontro deu origem ao convênio entre o CNRC, o Instituto São José, a Fundação

Barriga Verde e a UFSC, no projeto Indústrias Familiares dos Imigrantes, justificado pelo

fato de que Orleans

[...] preservou uma riqueza de indústrias familiares do imigrante, que são interessantes na medida em que se constituíram resultado de uma integração entre os processos tecnológicos dos primeiros colonizadores açorianos e imigrantes [...] que se fixaram na região no final do século passado. [...] Nesse município, o Instituto São José criou o Museu da Imigração Conde D’Eu, inaugurado em 1970, que possui no momento um acervo relacionado com a colonização da região. O Instituto abriga ainda uma documentação relativa à colonização, pertencente anteriormente à empresa de terras e à colonização de Orleans e à Colônia Grão Pará. [Por isso é conveniente] implementar na região, um museu regional do tipo ao ar livre, articulado ao Museu de Imigração Conde D’Eu.58

Dessa forma, o museu não apenas concentraria os diversos testemunhos das

tecnologias locais, como também se propunha a expô-los, integrando-os à paisagem e

mantendo as unidades produtivas em funcionamento. Além de criar um museu ao ar livre, o

projeto também visava produzir módulos para o programa História da Tecnologia e da

Ciência no Brasil, do CNRC; indexar e microfilmar cerca de 150.000 documentos

referentes a colônia Grão Pará, Empresa de Terras e Colonização de Orleans e Cúria de

Tubarão, adotando um sistema de computação compatível com o do CNPq.59 Segundo

documento da FNPM, o projeto foi dividido em três etapas: a primeira destinava-se a

aquisição de peças, levantamento topográfico do terreno, distribuição das peças neste,

formulação de inventário do acervo do Museu Conde D’eu e treinamento de um

profissional para ali atuar bem como a indexação dos documentos. A segunda etapa visava

a microfilmagem dos documentos, a desmontagem e a reinstalação das peças, além da

produção de módulos para o programa de História da Tecnologia e da Ciência no Brasil, do

CNRC. Finalmente, a terceira etapa contemplava a conclusão da estruturação do Museu ao

Ar livre e sua articulação com o Museu Conde D’Eu.

58 IPHAN/FNPM. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional/Fundação Nacional pró Memória. Projeto Indústrias familiares dos imigrantes. Obra-Tratado 0638, P.2544.1. Arquivo IPHAN/FNPM. Brasília: Centro Nacional de Referências Culturais, 1977. folha 07. 59 Ibidem, folha 08.

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O museu contava com peças originais60 e outras criadas para o museu à época

da sua montagem, feitas pelo artesão Altino Benedet, conhecido como “o construtor do

Museu” – filho de imigrantes italianos, trabalhava no fabrico, conserto e manutenção de

equipamentos para o trabalho cotidiano. Era ele quem desmontava as peças adquiridas de

proprietários locais e as remontava em galpões construídos por ele mesmo conforme as

técnicas construtivas tradicionais trazidas pelos imigrantes italianos ao Brasil.

Três anos após a reunião que tratou da sua criação, foi inaugurado o Museu ao

Ar Livre, em 30 de agosto de 1980, com ampla cobertura da mídia nacional.61 Na mesma

ocasião, foi assinado o Convênio de Cooperação Técnica e Financeira entre Secretaria do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Nacional Pró Memória62 (representada

por Aloísio Sérgio de Magalhães), Prefeitura Municipal de Orleans (representada pelo

então prefeito Edgar Zomer), a Fundação Catarinense de Cultura (representada pelo

superintendente João Nicolau Carvalho), a Fundação Educacional Barriga Verde

(representada pelo seu presidente, o padre Leonir Dall’Alba), a Secretaria de Assuntos

Culturais do Ministério da Educação e Cultura (representada por Márcio Tavares

d’Amaral).

A criação do Museu ao Ar Livre de Orleans esteve conectada a uma política de

preservação sensível a valores que a comunidade julgou importante; envolveu o corpo

técnico do Iphan e recursos doados pelo Banco do Brasil. Mais do que isso, podemos dizer

que foi uma ação que reconheceu a existência de um patrimônio ligado ao trabalho de

60 Por exemplo, uma serra pica-pau movida por turbina hidráulica, que funciona como polia no beneficiamento de toras de madeira, para transformação em tábuas e outros produtos. Trata-se de um maquinário 1927. Foi construída por Silvio Bianchinni e trazida de Rio Pinheiros, onde funcionou por 50 anos. O monjolo, uma unidade rudimentar de beneficiamento de cereais, data de 1920, e esteve em funcionamento durante 20 anos, na localidade de Morro da Palha. O maquinário do museu relativo à marcenaria é de 1950, foi construído por Olímpio Cachiaroti e adquirido na localidade de Oratório, onde esteve em funcionamento por 25 anos. O engenho de farinha data de 1910, foi adquirido na localidade de São Ludgero e esteve em funcionamento por 20 anos (pertencia à família Benedet). O engenho de cana é de 1920, foi fabricado por Luis Benedet. A atafona foi construída em 1956 e trazida da localidade de Três Barras, onde esteve em atividade por 20 anos. O moinho de café é de 1930, fabricado por imigrantes em Pindotiba. A trilhadeira, de 1930, foi utilizada na localidade de Barracão por 30 anos. A lista completa do inventário do Museu ao Ar Livre está no Arquivo IPHAN, Arquivo Noronha Santos/RJ e pode ser consultada no inventário 0750. P.2825.02. 61 Conforme podemos consultar nos jornais Correio Braziliense, de 15/06/1980; Folha de São Paulo, de 30/06/1980; Folha da Semana, de 07/06/1980; Estado de São Paulo, de 22/06/1980. 62 Em 1980, o CNRF deixou de existir e suas funções passaram a ser executadas pela FNPM.

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textos da década de 1970, produzidos pelo Iphan, já estavam presentes temas mais tarde

apropriados por Aloísio Magalhães na gestão posterior.

Com o Decreto-lei n. 84198, de 13 de novembro de 1979, o presidente da

República instituiu a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a Fundação

Pró-Memória e transferiu a responsabilidade de execução do Programa Cidades Históricas

para o Iphan. Dessa forma, a preservação do acervo cultural e paisagístico brasileiro passou

para a Sphan, e a Fundação Nacional Pró-Memória ficava incumbida de providenciar os

recursos demandados pela Secretaria. Aloísio Sérgio de Magalhães, criador e diretor-

general do Centro Nacional de Referências Culturais, foi nomeado seu diretor.64 Ele levou

ao Iphan duas novas orientações, não levadas em conta pela direção anterior do órgão: a

participação ativa da comunidade à qual o bem cultural pertencia; e a ampliação do

conceito de “patrimônio”, que até aquele momento, se concentrava exclusivamente nos

monumentos da cultura que conformavam uma tradição europeia, tornando problemática

uma identificação social mais abrangente com o patrimônio, relegando todo um acervo de

expressões culturais ligados aos demais grupos sociais. Os novos horizontes patrimoniais

trazidos pela experiência do CNRC possibilitaram temáticas e questões que passaram a ser

consideradas pelas políticas de patrimônio nacional. Segundo Chuva, destacam-se

[...] por um lado, a preocupação em relação aos diferentes sujeitos em jogo no processo de atribuição de significados e valores aos bens culturais selecionados e, com isso, a relativização desse processo nos próprios procedimentos das agências de preservação – através da noção de referência cultural; e por outro, o deslocamento das atenções em relação ao produto cultural, em favor de uma preocupação voltada para o processo de produção e seus agentes – através da noção de patrimônio imaterial.65

Na gestão de Aloísio Magalhães, o órgão de preservação passou a valorizar

outras expressões culturais, entre elas, o legado do imigrante e o seu patrimônio. Segundo

Maria Regina Weissheimer,66 foi apenas nesta década que se investiu em estudos e

inventários amplos relacionados à temática da imigração no sul do Brasil – através do

64 IPHAN, 1980, p. 28-29. 65 CHUVA, Márcia. Patrimônio imaterial: práticas culturais na construção de identidade e grupos. In: MINAS GERAIS. Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais. Reflexões e contribuições para Educação Patrimonial. Minas Gerais: SEE/MG, 2002. p. 85. 66 WEISSHEIMER, Maria Regina. A paisagem cultural e os Roteiros Nacionais de Imigração. In: I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural: Sistema Nacional de Patrimônio Cultural; desafios, estratégias e experiências para uma nova gestão. Ouro Preto, Minas Gerais, 2009. IPHAN, coordenação Weber Sutti. Brasília, DF: IPHAN, 2012. p. 225.

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inventário realizado pela 10ª Diretoria da Sphan conjuntamente com a Secretaria do

Desenvolvimento Regional e Obras Públicas do estado do Rio Grande do Sul para levantar

o acervo cultural dos municípios da região de imigração italiana do estado67 e dos trabalhos

realizados pelo arquiteto Günter Weimer68 sobre a arquitetura teuto-brasileira no Rio

Grande do Sul.

Nesta mesma época, a administração gaúcha articulou o projeto Preservação e

Valorização da Paisagem Urbana com Núcleos da Imigração Alemã e Italiana no Rio

Grande do Sul, que envolvia diversas secretarias do estado, o Iphan e o Instituto Gaúcho de

Tradição e Folclore. Tal movimentação culminou, em 1983, com a formação de um grupo

de trabalho que reunia funcionários do Iphan e do governo do estado do Rio Grande do

Sul,69 responsável pelo tombamento da Casa Neni (1985), apresentada na Figura 5, em

Antônio Prado (complementado pelo tombamento do conjunto urbano da arquitetura ítalo-

brasileira de madeira, também em Antônio Prado, ocorrido em 1990); da casa Presser

(Figura 6), localizada em Novo Hamburgo e tombada em 1984; e da Ponte do Imperador,

em Ivoti (Figura 7), tombada em 1985; a Casa do Professor e Escola Rural de Timbó

(Figura 8), em Rio dos Cedros, Santa Catarina, ocorridos na mesma década.70

67 Conforme consta na justificativa de tombamento do conjunto urbano de Antônio Prado. Processo 1248-T-85, folha 07, v. I Arquivo IPHAN, Arquivo Noronha Santos/RJ, 1990. 68 Gunter Weimer é um importante arquiteto gaúcho que ao longo de sua trajetória publicou mais de 40 livros dentre os quais se destacam as obras que discutem arquitetura popular, história da arquitetura e imigração no sul do Brasil. Suas pesquisas serviram de orientação para que os pareceristas do Iphan se posicionassem acerca do tombamento dos bens culturais relativos aos imigrantes no Rio Grande do Sul. Algumas de suas obras de referência: A arquitetura da Imigração Alemã - Um Estudo sobre a Adaptação da Arquitetura Centro-Europeia ao Meio Rural do Rio Grande do Sul (1983); A Arquitetura Modernista em Porto Alegre, entre 1930 e 1945, (1998); Síntese Rio-Grandense: A Arquitetura (1999); Origem e Evolução das cidades rio-grandenses, (2004); Arquitetura Erudita da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul, (2004); Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul - 1892/1945, (2004); Arquitetura Popular da Imigração Alemã, (2005); Arquitetura Popular Brasileira, (2005). 69 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Memória e Preservação: Antônio Prado/RS. Brasília, DF: IPHAN/Programa Monumenta, 2009a (Preservação e Desenvolvimento, 16). p. 20. 70 Há que se ressaltar que Rio Grande do Sul e Santa Catarina contaram com representação do Iphan e trabalharam, por algum tempo, sob a mesma direção. Em Porto Alegre, o Iphan se fez presente desde 1939, quando era subordinado administrativamente ao 4º Distrito do DPHAN, com sede em São Paulo, até 1978, quando foi criada a Representação Regional, com jurisdição sobre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Desta data até 1989, Santa Catarina esteve subordinada administrativamente à 10ª Diretoria Regional, com sede em São Paulo, quando foi criada a 12ª Diretoria Regional. Em 1990, recebeu a denominação de 11ª Coordenação Regional. Até 2009, foi denominada 11ª Superintendência Regional e, atualmente, representa a Superintendência Estadual do IPHAN em Santa Catarina. Por esse motivo, muitas das discussões, decisões e documentação sobre tombamentos federais no estado de Santa Catarina fazem referência ao escritório em Porto Alegre.

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escritório do Iphan em Florianópolis Dalmo Vieira Filho, “pela importância dos serviços

prestados”, Júlio Curtis como Diretor da 10ª Regional do Iphan e Ciro Lyra como o

arquiteto responsável pela Diretoria de Tombamento e Conservação da Sphan.74 O ato

consagrou a importância de Dalmo Vieira Filho como um dos principais agentes do

patrimônio do Iphan em Santa Catarina, responsável por muitas ações de preservação do

patrimônio no estado e por levar ao Iphan as demandas do estado catarinense, como foi o

caso do projeto Roteiros Nacionais de Imigração, dotando-o de um caráter nacional.75

Os tombamentos ocorridos no mesmo ano no Rio Grande do Sul são fruto dos

esforços conjuntos do Sphan e da 10ª Diretoria Regional, como citado anteriormente, e

reforçam a importância, na década de 1980, do patrimônio do imigrante na região sul.

A Casa Presser76 já era objeto de estudos de pesquisadores que, de uma forma

ou outra, percebiam nela significativa importância histórica e arquitetônica. A própria

comunidade atribuía à edificação algum valor histórico e, temendo sua ruína, se mobilizou

para que fosse preservada, buscando técnicos e recursos para seu restauro. A solicitação

para indicação do bem foi feita pela Fundação Ernesto Frederico Scheffel que, através de

parecer técnico de Günter Weimer, justificou o pedido de tombamento por se tratar de um

prédio

[...] altamente significativo da arquitetura do Vale do Rio dos Sinos e da imigração alemã no Rio Grande do Sul. Se a comunidade Novo-hamburguense já demonstrou considerável amadurecimento cultual ao preservar e restaurar uma obra construída no fim do século passado com influências neoclássicas como a Galeria Municipal de Arte, ela deveria se sentir desafiada a restaurar um prédio de valores arquitetônicos muito superiores – porque mais autêntico, mais expressivo e de maior significância histórico-construtiva – como é o velho casarão dos Presser.77

74 Processo de Tombamento n. 1113-T-84, folha 128. Arquivo IPHAN. 75 A importância de Dalmo Vieira Filho na política de preservação do patrimônio de Santa Catarina e da projeção deste estado em nível federal é condição sine qua non para compreender um dos aspectos que dotaram o Projeto RNI de tamanha visibilidade. Como agente do Iphan em Santa Catarina ou como Diretor do Departamento de Patrimônio Material do Iphan em Brasília, foi o elo entre as demandas regionais e federais (quando não foi, ele mesmo, o responsável pela criação destas demandas). 76 A casa ficou conhecida por este nome, por abrigar, no período de 1923 a 1973, a loja de comércio Presser. Pertencia a Johann Peter Schmitt, um dos primeiros moradores e fundador do núcleo colonial que deu origem a Hamburgo Velho, localizado em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. 77 Conforme parecer técnico emitido por Günter Weimer no Processo de Tombamento n. 1113-T-84, folha 32 e 33. Arquivo IPHAN.

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Interessante argumento utilizado por Günter Weimer para endossar a

importância da preservação do Casarão Presser. Afinal, se a comunidade entendia que a

Galeria Municipal deveria ser preservada por suas características estéticas, deveria

igualmente considerar a importância da Casa Presser, pois além da originalidade das

técnicas construtivas empregadas e sua importância como edifício, o casarão tinha

importância histórica, o que ressaltaria seu valor.

Quem não recebeu bem a notícia do tombamento foram os proprietários do

imóvel, os diretores da Paquetá Empreendimentos Imobiliários Ltda., representados na

pessoa de Arlindo Rodolfo Weber, que, ao receber a notificação do bem, pediu sua

impugnação, alegando que

1. O prédio pretendido proteger não se enquadra dentre os requisitos preconizados no permissivo legal pertinente; 2. Trata-se, é verdade, de uma casa antiga, em péssimo estado de conservação, sem, no entanto, deter qualquer cunho histórico ou mesmo arquitetônico, à semelhança de inúmeros outros prédios circunvizinhos; 3. No local, nada existiu ou ocorreu que representasse extraordinária importância, seja para a cidade, para a região, a justificar o tombamento pretendido; 4. Em nível estadual, alegou-se que tendo o prédio vertente sido objeto de cenário para determinado artista plástico – pintor rio-grandense – emergiu desta circunstância destacado valor histórico e cultural no concernente à edificação; 5. Artista este conhecido tão somente de uns poucos privilegiados, mas, de resto, ignorado pela expressiva minoria dos demais comunícipes, não menos cultos e apegados às tradições nativistas que aqueles; 6. Assim, admitir-se o tombamento do prédio referido sob tais fundamentos, é descabido e desprovido de respaldo legal, uma vez que não estão configurados quaisquer dos pressupostos exigidos como condição para a intervenção administrativa deste egrégio órgão para declarar hipotético valor histórico, artístico ou cultural da propriedade em questão.78

O autor solicitava que fosse impugnado o tombamento ou, se “mantida a

declaração [de tombamento] em face às questões fáticas e legais esposadas, proceder a

expropriação do imóvel na forma da legislação pertinente e consoante os princípios gerais

de direito aplicáveis à espécie.”79

As contrarrazões da impugnação pelo órgão federal esclareceram que

[...] não assiste razão ao requerente para pleitear a desapropriação de seu imóvel, visto que lhe é facultado, de modo diverso, aproveitá-lo economicamente, não ocorrendo, portanto a hipótese do Decreto Lei n. 3.365/41 artigo 5 letra K, acolhe

78 Processo de Tombamento n. 1113-T-84, folha 94 a 97. Arquivo IPHAN. 79 Ibidem, folha 97.

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tão somente aqueles casos em que o proprietário do imóvel sofre o esvaziamento total da propriedade, ficando assim impedido de tirar qualquer proveito econômico do seu bem, em relação aos elementos de uso, gozo e disposição da propriedade privada. 80

Ou seja, o tombamento da casa Presser era válido para o processo cultural da

região, porque a casa

[...] está ligada a uma figura humana, que deixou de si testemunho bastante significativo, como o fez Johan Peter Schmitt; foi ele fundamental para a vida do primeiro núcleo de Novo Hamburgo [...]; pelo fato de ser o imóvel um exemplar autêntico da arquitetura teuto-brasileira; por já ser considerado de “utilidade publica para fins de desapropriação” pelo Decreto 42/81da Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo, destinando-se a Museu Local.81

Outro bem tombado pelo patrimônio nacional no mesmo estado, em 1986, foi a

denominada Ponte do Imperador, localizada em Ivoti. Construída entre 1857 e 1864 sobre o

Arroio Feitoria, a ponte tinha o principal objetivo de dar vazão ao grande fluxo de

mercadorias produzidas no local por imigrantes alemães, que tinham como destino a capital

da província. Recebeu o nome em homenagem a D. Pedro II, que, através do Governo da

Província, destinara recursos para a construção da obra. Do ponto de vista técnico, a ponte é

classificada como estilo romano, possuindo 148 metros de comprimento e largura que varia

de 7,7 a 14,2 metros. Construída em pedra grés empilhada e encaixada, com uso de cimento

apenas nas colunas dentro da água e nos três grandes arcos por onde passam as águas do

arroio Feitoria. Do ponto de vista histórico, a ponte é reconhecida pela cidade como um elo

entre “o novo e o antigo”,82 uma vez que os núcleos de colonização representados por

alemães foram os responsáveis pela produção de alimentos comercializados na região.83

Bens relativos ao patrimônio do imigrante também foram alvo de atenção em

Antônio Prado, por iniciativa do diretor da 10ª DR/SPHAN/FNPM, Júlio Curtis. Ele

chamava a atenção de forma especial para dois casarões: a antiga residência de D. Corona,

localizada na Avenida dos Imigrantes, ameaçada de demolição por conta do prolongamento

80 Processo de Tombamento n. 1113-T-84, folha 99. Arquivo IPHAN. 81 Ibidem, folha 114. 82 Conforme Folder da Secretaria de Turismo da cidade. IVOTI. Prefeitura Municipal de Ivoti. Turismo. Site. Disponível em: <http://ivoti.rs.gov.br/pontos-turisticos>. Acesso em: mar. 2014. 83 Processo de Tombamento n. 1145-T-85. Arquivo IPHAN.

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da avenida, e o imóvel conhecido como Casa Neni, na Rua Gustavo Sampaio.84 Nesse

sentido, foram abertos os processos 1147-T-85 e 1145–T-85, sob a justificativa de que:

A contribuição dos imigrantes alemães foi seriamente estudada, no rio Grande do Sul, pelo arquiteto Gunter Weimer; em Santa Catarina vem sendo também, objeto de estudos e esforços conjuntos dos representantes do SPHAN e de membros das comunidades locais para sua preservação. [...] quanto à arquitetura de imigrantes italianos, desconhecemos trabalho análogo que, no entanto, se impõe. [...] existe nas casas dessa cidade uma proporção avantajada e um misto de elementos de gosto italiano, como outros que exprimem o desejo de acompanhar o estilo das construções brasileiras em fins do século passado e princípio deste. [...] quando ouvimos falar de um conjunto de casa de madeira em volta de uma praça junto à Igreja de Antônio Prado, desconhecendo qualquer iconografia do local, por suposição, imaginamo-lo à semelhança de alguma das pequenas cidades dos estados sulinos que conhecêramos, há muitos anos, e que eram pouco mais que acampamentos, com sua escala modesta e graciosa. Tomando contato com o conjunto, no entanto, ficamos surpresos diante de alguma coisa bastante inusitada, de aspecto muito peculiar. Não são casas modestas: apresentam o conforto de suas paredes duplas (ao menos no caso melhor visto) de madeira, foram feitas pela 2ª geração de imigrantes que, com elas, procurou testemunhar a prosperidade alcançada.85

O Conselho Consultivo aprovou por unanimidade o tombamento da Casa Neni,

referendando o parecer de Alcídio Mafra de Souza, para quem

a) as construções de madeira existentes em Antônio Prado formam o conjunto mais homogêneo de todo acervo arquitetônico legado pela imigração italiana no estado do Rio Grande do Sul e constituem, igualmente, testemunho inequívoco de identidade social e cultural; b) o risco iminente de perda irreparável de apreciável documento urbano existente na sede de município aludido.86

De fato, o risco era iminente. A casa D. Corona (Figura 9) foi demolida para o

prolongamento da via onde se localizava, antes de terminado o processo de tombamento.87

Esse fato gerou repercussão na cidade e motivou o pedido de tombamento, em 1987, do

conjunto arquitetônico e urbanístico de Antônio Prado, composto de 45 casas. Inscrito no

livro tombo em 1990, se constituiu no primeiro conjunto de patrimônio do imigrante

italiano tombado em nível nacional.

84 Processo de Tombamento n. 1145-T-85, folhas 02 e 03. Arquivo IPHAN. 85 Ibidem, folha 04. 86 Conforme Ata do Conselho Consultivo no Processo de Tombamento n. 1145-T-85, folhas 57. Arquivo IPHAN. 87 O fato do bem já contar com proteção legal não impediu a sua demolição. Não parece ter havido muita repercussão acerca desse fato exceto uma mobilização para pedir o tombamento do conjunto urbano localizado na cidade.

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governadores, partidos políticos em geral, instituições locais e até o presidente da

República, tentaram impedir a homologação dos tombamentos.

Diante da situação que se instalou na cidade por conta da repercussão dos

pedidos de impugnação de tombamento, o prefeito solicitou ao Sphan que fossem para ali

deslocados técnicos, a fim de verificar, caso a caso, o estado de conservação das casas. Mas

mesmo com um laudo apontando poucos casos graves de comprometimento de estruturas

das edificações, as manifestações contrárias ao tombamento persistiram e se prolongaram.

Coube a Roberto Cavalcanti de Albuquerque, conselheiro do Iphan e parecerista desse

processo, a tarefa de emitir uma posição acerca do caso de Antônio Prado. Afirmou que

muito o preocupava a deterioração de algumas casas de madeira, bem como a reação da

comunidade em relação ao tombamento; mas se posicionou favorável a este.89 Na Ata da

135ª da Reunião do Conselho Consultivo do Iphan, em dezembro de 1988, o tombamento

do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Antônio Prado foi aprovado, com sua inscrição

no Livro Tombo Arqueológico, Paisagístico e Etnográfico e no Livro Tombo Histórico.

Os tombamentos realizados ao longo da década de 1980 chamam a atenção por

alguns aspectos. Em primeiro lugar, como se tratavam de edificações, houve argumentos

recorrentes, que endossaram tanto os pedidos de tombamento quanto os pareceres que

aprovam tais solicitações: a técnica construtiva original que não poderia ser perdida e a

importância dos imigrantes como formadores do país – não mais um perigo iminente à

formação do Estado nacional, tampouco relacionados aos inimigos pró-Eixo. Os

tombamentos representaram uma espécie de reconciliação entre o imigrante e o país que o

acolheu, numa perspectiva que cabe muito bem ao estado democrático.

Muito embora os tombamentos relativos ao patrimônio do imigrante não

tenham tido muita expressão no cenário nacional em termos quantitativos – foram apenas

cinco na década de 1980 – mostram os esforços exitosos empreendidos pelos agentes do

patrimônio, tanto em nível nacional como regional (principalmente catarinenses e gaúchos),

uma vez que culminaram na criação de projetos nacionais de preservação, como o dos

Roteiros Nacionais de Imigração, lançado em 2007, em Santa Catarina.

89 Processo de Tombamento n. 1248-T-87, folhas 141. Arquivo IPHAN.

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O hiato temporal que separa os tombamentos da década de 1980 das ações

relativas ao patrimônio da imigração a partir dos anos 2000 foi marcado por muitas

transformações no campo do patrimônio, principalmente pela emergência de novos sujeitos

nas operações de atribuição de sentido às coisas patrimoniais e da preocupação com os

processos de produção do patrimônio e seus agentes, bem como pelos importantes avanços

introduzidos no campo patrimonial a partir da instituição da Constituição Federal de 1988.

Na seção sobre a cultura, a nova constituição estabeleceu que:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cientifico. Parágrafo 1. O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de registros, vigilâncias, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento.90

Até 1988, o patrimônio era percebido como obra de arte, e como tal, possuía

valores intrínsecos a serem descobertos e revelados por pessoas de notório saber, por falas

autorizadas de especialistas (geralmente arquitetos). O novo paradigma, expresso no Art.

216, assentou-se em outra concepção:

[...] o valor do bem cultural não é intrínseco a ele e sim fruto da atribuição de sentidos e significados a bens e práticas culturais que são assim patrimonializados pelos homens. Nessa nova perspectiva, a ação de patrimonializar bens culturais passa a ser percebida como uma prática cultural de grupos sociais, visando a consolidar laços de identidade e referências de pertencimento. O ato de patrimonializar é, assim, histórico e cultural – é em si, o gesto de atribuição do valor simbólico. Outra noção inovadora na Constituição Federal de 1988 [...] se refere ao reconhecimento da diversidade cultural brasileira como um valor a ser protegido. Com esse novo paradigma, consolida-se a mudança em curso, de uma ideia de homogeneidade, advinda das teses das três raças formadoras da sociedade brasileira, da democracia racial e da miscigenação, que teria sido capaz de forjar o ‘brasileiro’. Para a ideia da diversidade cultural dos brasileiros. Ao

90 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: mar. 2014.

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lado desta noção, destaco, por fim, a de referência cultural, que conta na Carta de 1988. Trata-se da ideia de que os grupos sociais devem ser coautores na definição do seu patrimônio, derrubando, desta forma, a hegemonia do discurso técnico e colocando na agenda a necessidade de compreender a visão de mundo das comunidades, produtoras e praticantes desse patrimônio cultural, a fim de perceber aquilo que efetivamente é referência de identidade para o grupo a que pertence.91

Embora houvesse impactos significativos na discussão do conceito de

patrimônio, estes não se concretizaram em ações efetivas na década de 1990. Para muitos

autores, a década marcou o retrocesso no campo do patrimônio no Brasil, pois houve um

desmonte das estruturas de gestão da cultura, que resultou na quase paralisação das

atividades; e também porque ao campo da cultura atribuiu-se baixíssima relevância e pouco

investimento, o que retardou a reconstrução institucional do Iphan e de seus instrumentos

de ação. Nesse sentido, é recorrente ouvir-se que “os princípios modernizadores

estabelecidos pela Constituição de 1988 finalmente começaram a ser traduzidos em ação,

trazendo diversas inovações para a política de preservação do patrimônio”.92

Entre os principais aspectos que constituíram esse avanço, Porta destaca:

[...] a atualização do conceito de patrimônio, adequando-o à diversidade cultural brasileira; a formulação de diretrizes para orientar a ação institucional, tendo como foco o envolvimento da sociedade, a promoção do desenvolvimento local e a potencialização das possibilidades de fruição do patrimônio cultural; a abertura para novas áreas de atuação, de forma a abranger os diferentes legados da cultura brasileira; a formulação e a implantação de novos instrumentos de ação; a revisão da metodologia de trabalho; o fortalecimento do órgão nacional de preservação para dar suporte à ampliação do campo de ação; o esforço para construir instrumentos de ação conjunta e de gestão compartilhada do patrimônio entre União, estados e municípios; o progressivo e substancial aumento do investimento em preservação e promoção dos bens culturais.93

A chamada atualização conceitual do termo patrimônio busca atender as

demandas da diversidade cultural brasileira. Para isso, foram criadas novas áreas de

atuação, abrangendo dois grandes temas: o patrimônio imaterial e a Paisagem Cultural

Brasileira. 91 CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Interdisciplinaridade e a valorização do Patrimônio Cultural. In: I Forum Nacional do Patrimônio Cultural. Sistema Nacional de Patrimônio Cultural: Desafios, estratégias e experiências para uma nova gestão. Ouro Preto, 2009a. p. 156-157. 92 PORTA, Paula. Política de preservação do patrimônio cultual no Brasil. Diretrizes, linhas de ação e resultados. Brasília, DF: Iphan/Monumenta, 2012. p. 7. 93 Ibidem.

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O instrumento de Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial foi criado

em agosto de 2000, mas somente em 2004 se consolidou como política de preservação,

quando houve a transferência do Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI) do

MinC para o Iphan, e o estabelecimento de Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI). A

incorporação ao Iphan do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, antes vinculado à

Funarte, reforçou o novo departamento, que ganhou fôlego com a experiência acumulada

por essa instituição e ampliou sua capacidade de ação.94

A Paisagem Cultural é entendida pelo Iphan nas situações em que bens

materiais, bens imateriais e o contexto natural são praticamente indissociáveis, e sua

preservação deve necessariamente envolver essas três dimensões. São, até o momento, dois

os projetos desenvolvidos dentro deste grande tema: o Projeto Roteiros Nacionais de

Imigração e o Projeto Barcos do Brasil.95 Neste contexto é que se atribuiu a Primeira

Chancela da Paisagem Cultural Brasileira às regiões de imigração no estado de Santa

Catarina em 2011 e a designação do dialeto talian como referência cultural, em 2014.

Essas ações permitem afirmar que, a partir dos anos 2000, se cristalizaram ações

relativas à salvaguarda do patrimônio cultural do imigrante, sobretudo no sul do país. O

Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, lançado em 27 de agosto de 2007 no Sítio Tribess,

na cidade de Pomerode, coroou um processo de valorização da contribuição das diversas

etnias na formação da identidade cultural brasileira, através da preservação de bens culturais

tangíveis e intangíveis, localizados em municípios marcados pelas imigrações alemã, italiana,

polonesa e ucraniana no estado catarinense.96 Este projeto se constitui numa espécie de

consórcio, que une entidades dos governos federal e estadual, em 16 municípios catarinenses,

e é o resultado de um processo realizado em três momentos: o inventário do patrimônio

cultural do imigrante; a seleção dos seus bens materiais e imateriais, com indicação para o

94 PORTA, 2012, p. 34. Para mais informações sobre o patrimônio imaterial, consultar IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Patrimônio Imaterial. Portal IPHAN, 2014a. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=10852&retorno=paginaIphan>. Acesso em: nov. 2014. 95 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Iphan lança projeto Barcos do Brasil. Portal IPHAN, 2008b. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id= 14120 &sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia>. Acesso em: out. 2014. 96 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Lançamento do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração. Portal IPHAN, 2007b. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montar DetalheConteudo.do?id=13682&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia>. Acesso em: out. 2014..

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tombamento ou registro em nível municipal, estadual e/ou federal; e a instituição de rotas

turísticas abrangendo os espaços nos quais os bens culturais inventariados se inserem,

dotando-os de legislação própria. Das ações sugeridas, já houve seleção e tombamento de 600

bens (61 em nível federal, 20 em nível estadual e os demais em nível municipal); a instituição

de rotas turísticas se desenvolve na medida em que os municípios envolvidos se articulam

para tal. O que existe de fato são propostas de roteiros culturais bastante diversos, que

privilegiam alguns dos bens tombados em nome do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração,

conforme aponta o Guia do Patrimônio Cultural do Sul de Santa Catarina.97

Na ocasião do lançamento do Projeto RNI, a assinatura do termo de cooperação

técnica – pelos representantes do Ministério da Cultura (MinC), do Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Ministério do Turismo (MTur), do Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA), do Governo de Santa Catarina, do Serviço de Apoio às

Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e dos representantes dos 16 municípios catarinenses –

representou o comprometimento formal destas instituições para a implementação da

proposta no estado.

Do ponto de vista formal, pode-se dizer que a experiência [a do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração] ampliou o horizonte de atuação do Iphan, muitas vezes restrito ao patrimônio de origem colonial ou de formas monumentais, introduzindo uma nova temática: a imigração como processo importante de constituição da diversidade cultural brasileira; e uma nova abordagem de base territorial, focada no processo e não no objeto.98

A segunda ação, representada pela atribuição da primeira Chancela da

Paisagem Cultural Brasileira a um núcleo colonial de Santa Catarina, em 3 de março de

2011, reforçou a importância do patrimônio do imigrante catarinense para a nação, uma vez

que o instrumento salvaguarda as paisagens culturais que integram a região inventariada

pelo Projeto Roteiros: o núcleo colonial que abrange as localidades de Testo Alto, em

Pomerode, e de Rio da Luz, em Jaraguá do Sul99 (Figura 10).

97 IPHAN, 2010. 98 WEISSHEIMER, 2012, p. 224. 99 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Bens relacionados à imigração em Santa Catarina recebem a primeira chancela de Paisagem Cultural Brasileira. Portal IPHAN, 2011. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/montarDetalheConteudo.do;jsessionid=F6443F3D1F729CE9B93DDD18F42E 08C8?id=15968&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia>. Acesso em: 10 mar. 2013.

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regida por um pacto que envolve o poder público, a sociedade civil e a iniciativa privada.

Outras ação da política pública de preservação foi o reconhecimento pelo Iphan do talian,

juntamente com o Asurini do Trocará e Guarani Mbya, como línguas de Referência

Cultural Brasileira, integrando, a partir de então, o Inventário Nacional da Diversidade

Linguística (INDL),101 conforme o Decreto 7387/2010.

Percebe-se o relevo que Projeto RNI assumiu neste processo, pautando a maior

ação de tombamento do patrimônio do imigrante no sul do país, até o momento sem

precedentes na história da política pública de preservação nacional. Portanto, um marco nas

ações de preservação relativas ao tema. Resta-nos entender melhor o que é o Projeto

Roteiros Nacionais de Imigração e perceber quais são os valores atribuídos aos bens, bem

como as principais discussões oriundas deste projeto no âmbito do órgão federal de

preservação, objetivo do próximo item.

1.2 O PROJETO ROTEIROS NACIONAIS DE IMIGRAÇÃO

O Projeto Roteiros Nacionais de Imigração é, de forma geral, um projeto de

salvaguarda do patrimônio do imigrante de alguns grupos étnicos considerados pelo Iphan

como significativos dos processos migratórios no estado de Santa Catarina (alemães,

italianos, poloneses e ucranianos); e que, por meio de proteção federal, estadual e

municipal, podem se tornar atrativos turísticos, com a instituição de roteiros. Foi iniciado

em Santa Catarina, mas tem previsão de contemplar a imigração japonesa no vale do

Ribeira, em São Paulo, as imigrações ucraniana e polonesa no Paraná e a imigração alemã e

italiana no Rio Grande do Sul.102

101 Para que uma língua seja reconhecida e passe a fazer parte do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), precisa ser falada em território nacional há, pelo menos, três gerações (o marco temporal é de 75 anos). O objetivo do Inventário é associar a expressão linguística à sua comunidade de referência e valorizar a expressão enquanto aspecto relevante do patrimônio cultural brasileiro. Para fazer a solicitação, é necessário que a comunidade encaminhe o pedido de inclusão no INDL para o Iphan. O pedido é analisado por uma comissão técnica formada por representantes dos seguintes ministérios: Ministério da Cultura, Educação, Ciência Tecnologia e Inovação, Justiça e Planejamento. Se esses representantes decidirem pelo reconhecimento, o processo segue para a sanção do Ministro da Cultura. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Três línguas são reconhecidas pelo Iphan como Referência Cultural Brasileira. Portal IPHAN, 2014b. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id =18682&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia>. Acesso em: 1 dez. 2014. 102 PORTA, 2012, p. 38.

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Ao contrário do que infere seu título, o projeto não institui roteiros

efetivamente. Marina Cañas,103 arquiteta do Iphan de SC em 2011, observa que as questões

problemáticas do Projeto Roteiros são justamente seus conceitos, a começar pelo título. O

Iphan atribuiu um nome ao projeto que não se adequa à proposta de roteiros, de forma

geral, pois a instituição apenas mapeia os bens que podem integrar roteiros. Quem institui

tais roteiros são os agenciadores de turismo, que também acabam atribuindo valores ao

patrimônio, na medida em que destacam ou não os bens sugeridos.104

O projeto tem início com um inventário dos bens dos imigrantes no estado,

depois estes bens são selecionados e indicados para tombamento. Uma vez tombados,

passam a se constituir como referência para a composição de roteiros, a serem criados pelos

parceiros do projeto, com o apoio do Iphan, da Fundação Catarinense de Cultura e das

prefeituras municipais envolvidas. Duas reflexões iniciais são fundamentais: por que o

projeto foi iniciado em Santa Catarina, e a que imigrantes se refere?

As duas respostas estão intimamente ligadas: o início em Santa Catarina se deu

porque o estado desenvolve, desde os anos 1980, pesquisas na área de salvaguarda do

patrimônio alemão e italiano, por meio de sua instituição estadual de preservação, a

Fundação Catarinense de Cultura. Desde o seu surgimento, esta manteve estreitos laços

com o Iphan, cujo representante no estado, desde 1984, era o arquiteto Dalmo Vieira.

Quando não esteve à frente do Iphan como superintendente, ocupou o cargo de diretor do

Patrimônio Cultural da Fundação. Ou seja, falar em preservação do patrimônio cultural de

Santa Catarina é falar em Dalmo Vieira. O Projeto Roteiros teve expressão nacional

justamente quando Vieira esteve à frente do Departamento de Patrimônio Material do Iphan

e levou ao órgão federal as demandas do estado catarinense.

Obviamente, nem todos os imigrantes que se estabeleceram no estado de Santa

Catarina foram referenciados no Projeto. Foram escolhidos apenas os que aparecem em

maior número no estado e que, geograficamente, são facilmente localizados; aqueles que se

estabeleceram a partir de núcleos coloniais, portanto, em pequenas propriedades; e aqueles

103 Entrevista com Marina Cañas. Concedida à autora em janeiro de 2011. 104 Exemplos de pacotes turísticos com esta característica podem ser encontrados, por exemplo, em sites como o do Circuito do Vale Europeu e do SEBRAE, disponíveis em <www.circuitovaleeuropeu.com.br>; <http://www.sebrae-sc.com.br/leis/default.asp?vcdtexto=5554&%5E%5E>. Acesso em: abr. 2014.

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sobre os quais há registros mais consistentes em Santa Catarina, obtidos por pesquisas

realizadas na década de 1980. Talvez isso explique por que o projeto acaba notabilizando o

patrimônio dos imigrantes alemães e italianos, e muito embora sinalize o patrimônio

cultural dos poloneses e ucranianos, estes últimos não são alvo de atenção, uma vez que os

bens relativos a estas etnias, tombados pelo projeto, representam um número baixo. Dos 61

bens tombados, um é relativo aos ucranianos; três aos poloneses; seis relativos aos

italianos; quatro são apontados como produto da colonização ítalo e teuta, e o restante, 47,

são relativos aos imigrantes alemães.

São vários os aspectos que justificam a criação do projeto, segundo O

Patrimônio cultural da imigração em Santa Catarina:105 a expressividade do patrimônio do

imigrante europeu em Santa Catarina, o caráter não monumental destes bens, e uma

tentativa de valorização deste imigrante através daquilo que ele produz de forma artesanal,

uma vez que a falta de recursos nas áreas rurais é um agravante para o êxodo rural. Ou seja,

o Iphan entende que o turismo pode, de alguma maneira, auxiliar o imigrante e/ou seus

descendentes que vivem em propriedades rurais; a valorização da sua história de vida,

materializada nas edificações em que vivem, pode significar um incentivo para sua

permanência, por meio de uma melhoria da sua situação econômica, aumentando a sua

autoestima e contribuindo para a perpetuação desta memória, tão enfaticamente defendida

pelo órgão de preservação neste momento.

O Dossiê de Tombamento, documento que fundamenta o Projeto Roteiros, é a

síntese de uma pesquisa de muito fôlego, realizada ao longo de 20 anos de trabalho pela

Fundação Catarinense de Cultura (FCC), pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional, da Lei de Incentivo à Cultura do estado de Santa Catarina e diversos municípios

do estado, contando com a participação de pesquisadores. Tal pesquisa contém informações

sobre a imigração, inventários e a seleção dos bens a serem indicados para tombamento. Ou

seja, estão contempladas no Projeto as ações empreendidas pelas instituições responsáveis

pela preservação do patrimônio cultural do imigrante europeu no estado de Santa Catarina.

O documento serve, inclusive, de base para a instrução do processo que solicita o

105 WEISSHEIMER, Maria Regina (Org.). O Patrimônio Cultural da Imigração em Santa Catarina. Brasília, DF: IPHAN, 2011.

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tombamento federal do patrimônio selecionado como significativo do patrimônio da

imigração. Constitui-se de três grandes volumes, com cerca de 340 páginas cada, com

textos e fotografias. Apresenta, no volume I, o histórico, a análise e o mapeamento das

regiões que compõem o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração; no volume II, a síntese

do levantamento realizado anteriormente e os tombamentos federais propostos; e, no

volume III, as fichas de inventário produzidas a partir da pesquisa de campo.

Para compreender como um projeto que tem como base as pesquisas realizadas

em Santa Catarina, a respeito do patrimônio da imigração europeia, se tornou um projeto

nacional, é preciso perceber quem produziu estes documentos, quem foram, efetivamente,

os agentes do patrimônio naquele contexto.

Os Dossiês publicados pelo Iphan na gestão de Luiz Fernando de Almeida

(2006/2012) foram uma realização da 11ª Superintendência Regional do Iphan/Santa

Catarina, sob a superintendência de Ulisses Munarim, com o apoio da FCC e de várias

prefeituras. Uma das figuras emblemáticas deste processo, Dalmo Vieira Filho, ocupava a

diretoria de Patrimônio Material e Fiscalização, sendo o responsável pela coordenação e

supervisão do Projeto RNI, juntamente com Maria Regina Weissheimer, arquiteta do Iphan

de Florianópolis. Ambos foram igualmente responsáveis pela produção de textos e seleção

das imagens que compõem o Dossiê. A produção contou também com uma equipe técnica,

composta pela estagiária Maria Pavani, pela bibliotecária Cleonisse Inês Schmitt, pelos

arquitetos André Luís Lima, Maria Isabel Kanan, Priscilla dos Santos Mandaji, Vanessa

Maria Pereira e por um grupo de pesquisadores coordenados por Roseana Struck Lunghard.

As concepções de patrimônio, do legado do imigrante e da preservação destes

contidas no documento oficial são resultado do que pensaram os técnicos que trabalharam

desde a década de 1980 como agentes do patrimônio no estado de Santa Catarina,

atualizados à luz dos novos paradigmas de preservação dos anos 2000. A problematização

deste documento é fundamental, pois nele estão contidos indícios de como se apresenta, a

partir do patrimônio cultural dos imigrantes em Santa Catarina, “um Brasil da imigração”, e

que parâmetros foram utilizas para a construção desta identidade étnica para o país.

O que apontam os Dossiês? Em primeiro lugar, discorrem sobre a importância

de se apresentar os contextos culturais brasileiros como

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[...] riquíssimos mosaicos resultantes da interação de tradição vindas dos mais diversos rincões do planeta ao ambiente geográfico continental. São verdadeiros tesouros vivos, repletos de especificidades materiais e imateriais, que testemunham as diversas formas de apropriação da natureza por homens e mulheres que aqui protagonizaram episódios singulares e que, por suas particularidades, são únicos na história da humanidade. É digno de atenção o fato de a civilização brasileira [...] haver trazido ao mundo a possibilidade concreta de comprovar que os seres humanos, com suas diversas bagagens de tradição e de cultura, podem viver em paz e harmonia em um mesmo espaço geográfico, integrando uma grande nação. Que não se veja nestas palavras um mero rasgo de ufanismo anacrônico. Os fatos que explicam a história e a vastidão do patrimônio cultural do Brasil frequentemente são trágicos e baseados na força, na opressão, na injustiça e na desigualdade. Mas é também inegável que esse conglomerado populacional a que podemos chamar de povo brasileiro soube extrapolar, sob realidades políticas e sociais hoje inadmissíveis, a pequenez dos dominantes e a rigidez de seus credos. O mundo reconhece com espanto o que parece ser uma alegria inata, uma capacidade criativa inusitada e uma dimensão extraordinária da beleza humana.106

O discurso de tom celebratório, universaliza o imaginário acerca do imigrante.

A metáfora do mosaico cultural, que tenta dar conta de uma possível explicação para a

formação do Brasil, ressignifica uma inquietação que surge ainda no século XIX e cuja

resposta não se esgota: o que é o Estado Nacional? Uma das instituições responsáveis por

“construir o Brasil” foi o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838. É

proveniente do IHGB a primeira História Geral do Brasil, publicada por Francisco Adolfo

de Varnhagen, entre 1854 e 1857. Segundo Albuquerque Junior, Varnhagen seguiu o plano

traçado pelo biólogo Von Martius, que recomendava

[...] escrever a História do Brasil a partir da contribuição particular que cada raça – índios, negros e brancos – teria dado para a formação da sociedade brasileira e para sua organização enquanto estado. Na leitura feita da história do Brasil por Varnhagen se encontra muito dos mitos que estarão presentes, desde então, nos discursos nacionalistas brasileiros.107

Isto ilustra os diferentes debates sobre a nação, e nesta chave é que a

mestiçagem – a ressignificação do mito das três raças – foi retomada no século XX,

inspirando o interesse por estudar o Brasil. Diferentemente da História Geral do Brasil,

proposta pelo IHGB na versão de Varnhagen, com enfoque biológico, as novas versões

106 IPHAN, 2007a, p. 13. 107 ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Preconceito contra a origem geográfica e de lugar: as fronteiras da discórdia. São Paulo: Cortez, 2012. p. 46.

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pressupunham um caráter mais cultural. O nacionalismo presente nos discursos oficiais teve

como consequência o estímulo à pesquisa sobre a formação da sociedade brasileira,

resultando na publicação de obras clássicas, como Casa Grande e Senzala, de Gilberto

Freyre, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda e Formação do Brasil

Contemporâneo, de Caio Prado Júnior.

Sem aprofundar a discussão sobre a importância destas obras para a construção

da historiografia brasileira, há que se destacar que, na obra de Freyre, o Brasil teria sido

construído como civilização pioneira e original nos trópicos, com a contribuição decisiva

das três raças, cada uma com papeis bem demarcados hierarquicamente. O português, como

povo mestiço,108 seria, com o auxílio de negros e índios, aquele capaz de lidar com as

diferenças encontradas no território brasileiro, “levando a civilização aos quatro cantos do

planeta.”109 Contudo,

[...] foi no Estado Novo que a nação e a identidade nacional compuseram as politicas de Estado, momento em que se deu também a institucionalização da preservação cultural, com a criação do Sphan, em 1937. O Estado brasileiro, por meio da nova agência, assumiu a tarefa de proteger o patrimônio histórico e artístico da nação, estabelecendo para tal uma serie de normas e dispositivos para identificação, seleção, conservação e restauração de bens culturais de natureza material [...] e imaginária, ou integrados à arquitetura [...] enquadrando-os na categoria de patrimônio nacional.110

O que a ideia de mosaico atualizou, de certa forma, foi a visão de um Brasil

formado por grupos étnicos diferentes, que, de forma harmônica, convivem e se

relacionam. Quando a imigração no Brasil é apresentada como um contexto cultural rico e

único, ela se relaciona a um processo harmônico e consensual, destituído de qualquer

conflito. A própria interação entre o homem e a natureza, e entre os próprios homens, de

culturas diferentes, é mostrada como algo naturalizado.

Guardadas as proporções, o texto que apresenta o Projeto Roteiros apresenta o

imigrante (europeu), cujo patrimônio cultural é vasto, como um “novo bandeirante”:

108 Segundo Oliveira Vianna, o português era um povo mestiço, pois trazia no corpo e no espírito as influências orientais, notadamente mouriscas. Por ser mestiço, saberia conviver melhor com outras raças. Grande parte da obra de Vianna, em especial Populações Meridionais do Brasil, Evolução do Povo Brasileiro e Instituições Políticas Brasileiras, foi dedicada à análise de tipos sociais brasileiros. 109 ALBUQUERQUE JUNIOR, 2012, p. 79. 110 CHUVA, 2012.

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portador da civilização, porque traz a capacidade de mostrar sua força construtiva, porque é

inventivo e, sobretudo, porque vive de forma conciliadora.

A ideia do “mosaico cultural”, do “tesouro vivo” e da “singularidade” do povo

que forma o Brasil, em contraponto com o cuidado de não tomar isso como a representação

do Brasil em si, é sintomático do texto que apresenta o Projeto Roteiros quase que na

íntegra, pois expressa a necessidade de preservar o patrimônio cultural de um determinado

grupo étnico, numa perspectiva generalizante que, no cotidiano destas pessoas, não existe,

mas que é fundamental para o poder público, pois cria argumentos que endossam a prática

da preservação.111

É nesta chave que o documento constrói a justificativa para a criação de uma

política nacional que pense o patrimônio valorizando grupos humanos que, pela

“originalidade” de suas contribuições incrementam o desenvolvimento social, pois

[...] os contextos preservados do passado precisam ser vistos como trunfos do desenvolvimento verdadeiro: o que atinge o âmago dos cidadãos, o que enaltece o ser humano em seus valores maiores, o que lhe confere dignidade e o faz assumir a sua dimensão espiritual inata. Nesta perspectiva, a identidade e as características culturais de cada agrupamento humano devem ser tratadas como bens indispensáveis a um verdadeiro projeto nacional.112

Sem problematizar o conceito de identidade ou do que seria um “verdadeiro

projeto nacional”, o projeto Roteiros Nacionais de Imigração pretende

[...] apresentar ao Brasil um de seus patrimônios – mostrado quase por inteiro-, partindo dos parâmetros geográficos de sua terra e históricos de sua gente. Reconhecido esse patrimônio, torná-lo um macro instrumento sócio/econômico/cultural para gerar riquezas, proporcionar trabalho, reconhecer e valorizar especificidades, ampliar qualidade de vida e aperfeiçoar parâmetros ambientais. Trata-se de valorizar o Patrimônio Cultural derivado dos imigrantes oriundos de países como a Alemanha, Itália, Polônia e Ucrânia, entre vários outros.113

O documento apresenta, ainda, o imigrante e sua relação com o novo território

como se houvesse uma tradição que ligasse estes atores sociais a um passado comum,

111 Em nome de uma memória coletiva, o Estado Nacional institucionaliza, através de políticas públicas, aquelas que melhor representam o representam. Trata-se da relação entre Nação e Patrimônio, analisada por CHUVA, 2009b. 112 IPHAN, 2007a, p. 13. 113 Ibidem, p. 14.

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imemorial e inequívoco, no qual comungava de valores idênticos, o que fez dele,

naturalmente, um brasileiro. Podemos dizer, em certa medida, que este trecho do

documento apresenta o imigrante deslocado no tempo e no espaço, perfeitamente integrado

à nova realidade e representado por uma tradição inventada:

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado.114

Buscando mostrar o quanto o Brasil é diverso e miscigenado, o documento

aponta o quanto isto é verificável nas contribuições africanas, na existência de um passado

original representado pelo conhecimento das comunidades indígenas, das manifestações

genuínas de interação entre pessoas, personificadas na figura do gaúcho etc. No entanto,

deixa claro que os grupos étnicos que terão seu patrimônio salvaguardado não serão nem os

índios e nem os africanos, mas os imigrantes alemães, italianos, poloneses e ucranianos que

migraram para o Brasil no final do século XIX.

O volume I do Dossiê de Tombamento preocupa-se em contextualizar, histórica

e geograficamente, a Europa e o Brasil no século XIX. Para isso, recorre a uma

historiografia bastante tradicional e genérica para descrever as condições de vida numa

Europa pós-revolução industrial e a necessidade do êxodo em vários países. Aponta ainda o

quanto, a partir do século XIX, imigrantes provenientes de múltiplas nacionalidades

ampliaram as contribuições que hoje permitem caracterizar o Brasil como um país

multiétnico.

Iniciando por europeus não-portugueses, em especial alemães, italianos, poloneses, belgas, ucranianos, austríacos, húngaros e russos, aos que se juntaram japoneses, logo seguidos por grande número de chineses, gregos e árabes, somados a fluxos contínuos de portugueses e espanhóis, o fato é que, na atualidade, todos os rincões do território nacional se apresentam variados em sua composição étnica.115

114 HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). A invenção das tradições. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014. p. 8. 115 Ibidem, p. 19.

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Por conta disso, a partir dos anos de 1980, teria crescido o reconhecimento da

diversidade étnica que forma o Brasil. Certamente o texto se refere ao empreendimento que

o próprio Iphan começou a desenvolver, na época, junto às instituições de preservação do

patrimônio em nível regional, trabalhando conjuntamente na valorização deste patrimônio.

Depois de contextualizar o processo migratório para o Brasil, o Dossiê descreve

a ocupação lusitana do território do estado de Santa Catarina, para, na sequência, fazer

referência àquilo que é central: os imigrantes alemães e italianos que naquele estado se

estabeleceram a partir do século XIX. O enfoque do Dossiê recai sobre a formação das

colônias e sua fixação dos imigrantes no território,116 apontando o incremento da imigração

italiana a partir de 1875, principalmente nos vales dos Rios Itajaí, Itajaí-Mirim e Tijucas, no

sul de Santa Catarina. O texto faz uma breve referência à colonização eslava no estado e

novamente retorna ao tema dos núcleos coloniais, estabelecidos a partir de uma política

nacional de incentivo à colonização, responsabilidade do poder público nacional. A

estrutura básica das colônias e seu cotidiano são apresentados, mostrando o quanto os

núcleos coloniais se desenvolveram de formas diferentes – alguns deram origem a cidades,

enquanto outros

[...] fixaram-se isoladamente, formando as chamadas ilhas culturais e guardando muito do patrimônio dos pioneiros e de seus descendentes. Paisagens urbanas e rurais, que mesclam elementos naturais – da fauna, da flora e da geografia – e áreas de cultivos e pastagens; arquitetura, técnicas, materiais e detalhes construtivos; conhecimentos agrícolas, culinária, festas, tradições, histórias, folclores, dialetos, saberes e fazeres em geral fazem parte do vasto patrimônio cultural do interior da Santa Catarina.117

Cito este aspecto do Dossiê, porque é a partir desse universo cultural

[...] que o presente trabalho [o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração] propõe o desenvolvimento de uma política de amplo reconhecimento e proteção. Partindo das células básicas desse patrimônio – que são as pequenas propriedades rurais, estudando as casas que abrigavam as famílias, os ranchos que viabilizavam a subsistência, os núcleos rurais e os centros urbanos, o projeto busca proteger as evidências maiores do extraordinário ciclo migratório ocorrido no Brasil e extremamente bem representado em Santa Catarina. Os bens selecionados para

116 As colônias citadas no texto são Colônia Industrial do Saí, São Pedro de Alcântara, da Piedade, Belga, Santa Isabel, Blumenau, Dona Francisca, Leopoldina, Colônia Militar Santa Tereza, Itajaí-Brusque, Colônia Nacional Angelina e São Bento. 117 IPHAN, 2007a, p. 120.

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proteção representam a trajetória de vida dos milhares de seres humanos que idealizaram, nessa parte do mundo, dias melhores para si e para suas famílias. Que o legado dos homens, mulheres e crianças que escolheram passar aqui a sua existência seja reconhecido pelos brasileiros de hoje e possa ser transmitido aos cidadãos do futuro: eis o objetivo maior deste projeto.118

Encontra-se aí um aspecto importante do projeto Roteiros Nacionais de

Imigração: valorizar os bens de grupos étnicos localizados em pequenas propriedades

rurais, não integrados aos processos contemporâneos de produção, cujas reminiscências

materiais dariam conta de construir um passado, que se imagina ideal. A partir dele,

órgãos oficiais de preservação constroem um discurso generalizado acerca da sua

importância para o presente, atribuindo ao patrimônio o papel de coesão que, percebendo

tais grupos étnicos como comunidades que só existem no plano ideal, são imaginadas:

“Ela é imaginada porque mesmo os membros das mais minúsculas das nações jamais

conhecerão, encontrarão ou nem sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros,

embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles.”119

Nesse sentido, o texto do Projeto Roteiros descreve em detalhes as propriedades

rurais e sua importância: eram localizadas em estradas que se estendiam ao longo dos vales

e dos rios, construídas nas testadas dos lotes, com áreas de plantio e pasto que se

organizavam atrás do conjunto construído. No cruzamento dos caminhos, destaca-se o uso

comunitário, como comércios, salões, escolas e igrejas, urbanizando em maior ou menor

escala as regiões. Esta teria sido a base da ocupação de todas as regiões de imigrantes de

Santa Catarina, por isso singularizaria a paisagem de inserção. Note-se que o termo

paisagem aparece ligado ao imigrante e ao meio rural no qual vive; não há a

problematização do que seria, neste caso, uma paisagem da imigração, tampouco uma

paisagem do patrimônio cultural da imigração. Pelo contrário, o termo paisagem é

naturalizado, está exclusivamente relacionado ao caráter rural das pequenas propriedades

nas quais os imigrantes se estabeleceram.

Ainda sobre a citação, é indiscutível a importância da preservação do

patrimônio do imigrante. O que se chama a atenção é que o texto do Projeto Roteiros como

118 IPHAN, 2007a, p. 120. 119 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalis- mo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 32.

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um todo, trata os descendentes dos imigrantes que vivem nestas propriedades como se

ainda vivessem no século XIX, tanto na sua relação com as casas quanto com seu cotidiano.

Ao fazer isso, constrói para este patrimônio uma impossibilidade de ressignificação, que

poderia transcender a materialidade do bem. Como a preocupação gira em torno das

edificações, embora vez ou outra haja referência a “uma certa paisagem cultural” da

imigração, o critério adotado para o levantamento e a seleção dos bens foi a divisão destes

em categorias como arquitetura comercial, industrial, religiosa, recreativa, educativa,

institucional, cemiterial e residencial, nas quais os materiais utilizados, os sistemas, as

técnicas construtivas e as estruturas autoportantes são bastante importantes.

Embora uma seção do Dossiê cite a importância do patrimônio imaterial

representado por língua, culinária e hábitos alimentares, festas, tradição dos grupos

folclóricos e produção artesanal, o patrimônio intangível não aparece em outros momentos

do Projeto Roteiros. Essa constatação sugere duas observações: a primeira é a de que as

categorias usadas para a seleção dos bens, bem como os pareceres que justificam o seu

tombamento, são puramente técnicos.120 Os aspectos considerados estão no campo da

arquitetura, seu enfoque é, de fato, o maior – senão o único, trabalhado à exaustão. Isso nos

leva a desconfiar que, embora exista um esforço para perceber este patrimônio de acordo

com os novos paradigmas de preservação, alicerçados na diversidade cultural e

materializados nos novos instrumentos de salvaguarda (o patrimônio imaterial e a paisagem

cultural), permanecem os pressupostos que salvaguardam o patrimônio de pedra e cal. A

segunda observação decorre da primeira: há limites para a valorização do patrimônio

imaterial e das localidades como paisagem cultural, já que os instrumentos não dão conta

de abarcar tais especificidades. Talvez seja por isso por isso que o Dossiê, apesar de trazer

um estudo sobre o patrimônio imaterial dos grupos pesquisados, não apresenta o pedido de

registro de nenhuma manifestação cultural, como os existentes para bens edificados. Esse

mesmo raciocínio vale para a chamada paisagem cultural das localidades inventariadas. O

documento sugere que os 61 bens indicados para tombamento sejam consideradas

paisagens culturais porque seu patrimônio decorre da relação entre a ação humana e seu

território. No entanto, essa atribuição de valor fica um tanto limitada.

120 Como podemos verificar na coluna “justificativa de tombamento”, no Apêndice A.

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Segundo o Projeto Roteiros, entre os diferenciais mais importantes que

particularizam o patrimônio dos imigrantes de Santa Catarina, podem ser enumerados:

a) Extensa região de ocorrência e grande número de bens ainda existentes: os

diversos empreendimentos coloniais que se estabeleceram em Santa Catarina

entre os séculos XIX e XX ocuparam uma área hoje dividida entre várias dezenas

de municípios, e os bens que testemunham este episódio ainda são contados à

centena. Por conta desta diversidade e quantidade, optou-se por realizar os

inventários nas localidades onde os imigrantes se fixaram há mais tempo,

priorizando as áreas da antiga colônia São Pedro, Blumenau, Dona Francisca e

Brusque, no que se refere aos imigrantes alemães. Quanto aos italianos, o sul do

estado – onde foi pioneira a Colônia Azambuja – e os desdobramentos da

Colônia Blumenau, no Vale do Itajaí, tiveram sua análise aprofundada. Poloneses

e ucranianos foram pesquisados principalmente no norte de Santa Catarina. Ou

seja, a extensão de ocorrência e o considerável número de bens ainda existentes

configuram uma particularidade que desafia as alternativas de identificação e

valorização do patrimônio cultural dos imigrantes em Santa Catarina.

b) Predominância rural: o Brasil possui escassa tradição de bens rurais, quase

todos concentrados nos estados de São Paulo e Rio de janeiro, além de poucas

unidades em Minas Gerais, Goiás e região nordeste. O patrimônio da região de

imigrantes em Santa Catarina é predominantemente rural. Por isso, sua

identificação é difícil e sua conservação é um desafio. Acrescenta-se a isso os

problemas atuais vividos pelos produtores rurais de todo o interior de Santa

Catarina: industrialização, êxodo e o deslocamento dos agricultores para a

periferia das cidades. Nesse sentido, o Projeto Roteiros foi pensado para a

região como possibilidade de valorizar a área rural e sanar problemas cotidianos

destes imigrantes como aqueles causados pelos impactos do êxodo rural. O que

chama a atenção é que todas as propriedades selecionadas são de pequeno porte

e não coincidentemente a maioria de seus proprietários não tenham as melhores

condições de vida, educação formal ou uma posição que lhes permita contra

argumentar acerca do tombamento de suas propriedades.

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Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de o texto insistir na permanência dos

descendentes de imigrantes nas propriedades rurais, a qualquer custo, sob dois

argumentos: um deles infere que seriam os proprietários dos bens os principais

responsáveis pela existência de um legado cultural tão expressivo, e seu

abandono implicaria na sua perda; o outro argumento endossa o fato de que se o

patrimônio cultural for valorizado – pela atividade turística – os moradores

terão suas condições de vida melhoradas.

c) Patrimônio vivo: os imigrantes estão presentes e deixam sua marca em todo o

território no jeito de falar, na culinária, hábitos cotidianos etc. Este aspecto é

interessante, porque retoma a ideia do “tesouro vivo da nação”, ou seja, dá

ênfase ao personagem que aquele patrimônio representa, o que é importante,

pois apresenta as pessoas como detentoras de um saber, do seu próprio

patrimônio. O problema passa a existir quando o ator social é convidado a

representar um papel, ou o papel de imigrante, de acordo com o que foi

desenhado pela instituição de preservação para ser consumido pela atividade

turística. Há a encenação de um papel que se julga “típico” de algum grupo

social, como é muito frequente quando se fala de “o alemão”, “o italiano.”

d) Patrimônio não monumental: o patrimônio dos imigrantes é um patrimônio

expressivo, mas não considerado monumental – por seus aspectos construtivos

– como foram consideradas as fortalezas de Santa Catarina, primeiros

tombamentos federais no estado.

e) Decadência econômica e necessidade de sustentabilidade: as pequenas

propriedades não são mais produtivas, nem os casais sexagenários que as

habitam. Os filhos e netos dos descendentes de imigrantes abandonam a

propriedade, e pensando nesse quadro, o Projeto pretende criar alternativas de

sustentabilidade e bem-estar, buscando acoplar os produtos e as propriedades

rurais ao mercado e a fontes de geração de renda.

f) Abrangência: a proposta, que começou por Santa Catarina, deve se estender para

outros estados, abrangendo os três níveis de preservação (municipal, estadual e

nacional). Como forma de interação, cria os Roteiros Nacionais de Imigração,

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mesclando o caráter turístico com a possibilidade de estimular a fixação do

produtor rural no campo. Embora o documento reforce a importância dos roteiros,

não fica claro o que se entende por roteiro, tampouco sua operacionalização.

g) Critérios de seleção de unidades: segundo o documento, após o levantamento

realizado, se comprovou que os conjuntos rurais dos municípios do Vale do Itajaí e

do nordeste do estado eram os que guardavam, efetivamente, os exemplares mais

íntegros e ilustrativos das primeiras fases da arquitetura teuto-brasileira em Santa

Catarina. No norte do estado, se conservam os elementos urbanos e arquitetônicos

mais importantes relacionados aos imigrantes da Polônia e da Ucrânia. Os

italianos, por sua vez, distribuem-se em três áreas mais importantes: no sul do

estado, onde estão as colônias mais populosas, com remanescentes em Urussanga,

Criciúma, Orleans e Nova Veneza. No vale do Itajaí, onde a penetração deu-se

através da colônia Blumenau, instalaram-se especialmente nos atuais municípios de

Ascurra, Rio dos Cedros e Rodeio. Ao longo do Rio Tijucas, que deságua no litoral

catarinense, ao norte da Ilha de Santa Catarina, estes imigrantes também se

instalaram, interligando-se com a colônia Brusque. Nova Trento, Canelinha e São

Joao Batista decorrem destes povoamentos e suas extensões.

Mais uma vez a ideia do mosaico cultural ilustra a forma naturalizada de se ler

o estado de Santa Catarina, bem como o patrimônio, instrumento por excelência de

legitimação desta prática:

[...] pode-se afirmar com segurança que esses conjuntos e unidades rurais devem ser considerados excepcionais, no contexto geral do patrimônio nacional e da arquitetura da imigração europeia para o sul do Brasil. [...] Apresentam inúmeras qualidades. Constituem-se em verdadeiros documentos vivos de uma época, testemunham a maestria construtiva, a autenticidade e originalidade das técnicas construtivas e da genuína adaptação de lições milenares que contribuíram, preponderantemente, na formação do todo da paisagem cultural de uma das regiões brasileiras.121

Depois de apresentados os argumentos que justificam o empreendimento, o

Dossiê explica que, para a implementação do projeto RNI, é necessário que haja parceria

entre os governos federal, estadual e municipal. Assim, a ação deveria iniciar-se pelo

121 IPHAN, 2007a, p. 275.

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tombamento de 600 propriedades, distribuídas entre o Iphan (que salvaguardou 61

propriedades), FCC (que deveria salvaguardar 200 propriedades) e municípios envolvidos

as demais (339 propriedades). Estes tombamentos estão distribuídos ao longo dos caminhos

pesquisados, que formam os roteiros, imediatamente dotados de legislação de proteção

ambiental específica. Neste sentido, o aporte turístico é óbvio, pois

Acredita-se que através da estruturação de roteiros de visitação ao longo dos caminhos onde estão distribuídas as propriedades rurais, será possível promover um incremento econômico para as diversas famílias de produtores rurais que hoje têm dificuldade em manter-se na sua propriedade devido à baixa rentabilidade da pequena produção familiar. No entanto, a implementação dos Roteiros vai muito além do turismo, mas pretende ser uma espécie de “programa de reconhecimento e qualificação” destas regiões culturais fundamentais à compreensão do processo de formação da nação brasileira.122

Além das propriedades tombadas, os roteiros têm suas atratividades ampliadas

pelas especificidades do patrimônio natural, pela criação de ecomuseus nas áreas mais

íntegras de preservação do patrimônio natural e cultural, por centros de recepção e

comercialização de produtos tradicionais. Os diversos municípios participam do projeto por

adesão, mediante os compromissos:

- criar ao menos um espaço de referência do projeto e de comercialização de produtos tradicionais ao longo dos Roteiros, no âmbito do município; - indicar ao menos um técnico como responsável pelo projeto no município, fazendo contato permanente com os moradores e promovendo as alternativas de turismo e lazer controlados; - criar o Fundo de Preservação do Patrimônio Cultural, a ser previsto no orçamento, que deverá ser gerido por um conselho composto por representantes das secretarias municipais de cultura, educação, turismo e planejamento urbano, da Fundação Catarinense de Cultura e do Iphan; - participar das ações de divulgação dos Roteiros Nacionais de Imigração, imprimindo fôlderes e cartazes específicos sobre os atrativos dos Roteiros Nacionais de Imigração no âmbito do seu município, sinalizando com placas rodoviárias os imóveis tombados em seu território.123

Em contrapartida, ao Iphan cabe, além da assessoria técnica, a articulação entre

os demais órgãos do poder federal, promovendo uma política interministerial de

preservação do patrimônio do imigrante. A atenção recai na criação de alternativas de

sustentabilidade local, na promoção da qualidade de vida do morador, nas ações de 122 IPHAN, 2007a, p. 277. 123 Ibidem, p. 277.

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No volume II do Dossiê, são apresentados os 61 bens selecionados para

tombamento em nível federal, agrupados em oito categorias: arquitetura religiosa,

arquitetura comercial, arquitetura residencial de pequenas propriedades rurais, arquitetura

escolar, arquitetura recreativa e institucional, núcleos rurais, núcleos urbanos e obras de

infraestrutura e transporte. Propõe-se que cada bem assinalado seja inscrito, separadamente

ou em conjunto, em um ou mais Livros do Tombo, de acordo com suas especificidades e

destaques em relação ao todo.

Os tombamentos federais com proposta de inscrição no Livro do Tombo de

Belas Artes recaem, em geral, em bens isolados (a casa, o comércio, a escola, a igreja, a

capela etc.). No Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico recaem, em

geral, os núcleos urbanos, rurais ou as propriedades rurais que, segundo o texto, encontram

na paisagem um importante elemento de potencialização do seu valor cultural (envolvendo

casas, ranchos e perímetros de proteção da paisagem – córregos d’água, vales, plantações,

matas). Para todos os bens selecionados, indica-se um perímetro de entorno, com a intenção

de garantir a preservação das qualidades identificadas, especialmente os valores da

paisagem e a visibilidade do bem. Em geral, a descrição dos bens propostos para a inscrição

no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e, em especial quando se trata

de pequenas propriedades rurais, indicou o tombamento do conjunto edificado (incluindo

casas e ranchos), estabelecendo-se o restante da propriedade como entorno. Nos casos de

bens selecionados para o tombamento individual e inscrição no Livro de Belas Artes e/ou

Histórico, o entorno abrange todas as demais construções do lote, em um raio de proteção

que abarca o restante da propriedade onde o bem se insere, ou um raio que varia de cem a

duzentos metros a partir de um ponto do bem, recurso tradicionalmente usado para a

determinação do entorno do bem tombado.

O volume III do Dossiê é composto pelas fichas de inventário dos bens

indicados para tombamento federal, e nos permite observar que tipo de critérios e/ou

valores foram levados em conta na seleção das unidades indicadas para tombamento,

conforme as imagens a seguir:

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2011, em Brasília, que finalmente aprovou por unanimidade – após quatro anos de

tramitação – a etapa que faltava para declarar como patrimônio federal os 61 bens do

projeto Roteiros.125

1.2.1 Vozes dissonantes no processo de tombamento

O processo de tombamento destes bens não ocorreu sem ruídos – embora não se

fizessem ouvir publicamente. Pelo contrário, desde o lançamento do Projeto, o que se

percebia era uma propaganda pró-Roteiros Nacionais de Imigração, e muitos dos

envolvidos no processo – principalmente os proprietários de alguns desses bens –

acreditavam que suas propriedades já estavam protegidas pelo tombamento quando sequer

o Conselho Consultivo do Iphan havia emitido seu parecer.126

Uma das possibilidades de se perceber estes ruídos é por meio da análise dos

processos de tombamento, que revelam, assim como os Dossiês, os valores atribuídos ao

patrimônio do imigrante pelos agentes da preservação, bem como nos permitem perceber o

papel do tombamento como forma de consolidação de valor do bem cultural. Desta forma,

destacaremos alguns momentos de dissenso, representados, sobretudo, pelos pedidos de

impugnação das medidas de salvaguarda.127

O processo de tombamento inicia-se quando um proponente, pessoa física ou

jurídica, encaminha um pedido/exposição de motivos, via ofício ou carta ao Dphan/Iphan,

solicitando a proposição de tombamento de um bem. Após exame preliminar, a solicitação

de tombamento pode ou não ser admitida. Em caso positivo, o processo é aberto e têm

início os trâmites burocráticos que culminam com a análise, pelo Conselho Consultivo do 125 Como se tratou de um tombamento em conjunto, o processo só estaria finalizado se os 61 bens contemplassem as exigências legais. O tombamento foi feito em duas etapas, porque na primeira vez em que o tema foi analisado pelo Conselho Consultivo, faltavam documentos dos imóveis a serem tombados e as informações estavam incompletas. 126 Entrevista com João Félix, proprietário da casa Barzan (localizada em Palmeira Alta, Orleans). Concedida à autora em fevereiro de 2012. 127 Algumas reflexões sobre os litígios nos processos de tombamento podem ser consultadas em CHUVA, 2009b; GONÇALVES, Janice. Patrimônio contestado: impugnações de tombamentos estaduais em Santa Catarina. In: XXVII, SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH, 2013, Natal. Anais do Encontro. São Paulo, 2013a. Disponível em: <http://www.snh2013.anpuh.org>. Acesso em: 10 nov. 2014. p. 1-17; FONSECA, Karla Franciele. Patrimônio em Contraste: as ações de litígio na proteção do patrimônio edificado de Blumenau/SC (1980-2010). Dissertação (Mestrado em História) – UDESC, Centro de Ciências Humanas e da Educação, Florianópolis, 2014.

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Iphan, da pertinência do tombamento. Se o Conselho aprova o tombamento do bem, o

Ministério da Cultura o homologa, requisita sua inscrição no(s) Livro(s) Tombo(s)

respectivo(s), solicita a expedição das certidões de tombamento para os proprietários e, por

fim, dá ciência aos proponentes e interessados. O proprietário do bem que discordar da ação

de tombamento entra com um pedido de impugnação. O Iphan apresenta pareceres técnicos,

endossando ou não o pedido de impugnação do tombamento.

O processo que solicitou o tombamento dos 61 bens integrantes do Projeto

Roteiros foi aberto dia 05 de novembro de 2001. Até o momento, é composto por seis

volumes e dois anexos, totalizando 1104 páginas.128 Teve como proponente o Depam

(Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização), representado pelo arquiteto Dalmo

Vieira. A documentação que instruiu o processo de tombamento foi composta pelos

Dossiês (apresentados anteriormente) e levada ao Conselho Consultivo

Numa primeira etapa, que teve como parecerista Suzanna do Amaral Cruz

Sampaio, recomendou-se o tombamento de 40 dos 61 bens, deixando os restantes para uma

segunda etapa, por falta de documentação e por conta de pedidos de impugnação.

Recomendou-se ainda que os núcleos rurais de Testo Alto (Pomerode) e Rio da Luz

(Jaraguá do Sul) fossem indicados ao tombamento, em razão dos seus valores históricos e

paisagísticos, na qualidade de paisagem cultural, mesmo que os estudos sobre o tema

fossem ainda muito recentes.129 O parecer favorável foi votado na 55ª Reunião do Conselho

Consultivo do Patrimônio Cultural, no dia 06 de dezembro de 2007, sob a presidência de

Luiz Fernando de Almeida. Nesta reunião, além do Conselho Consultivo,130 estavam

presentes Ulisses Munarin, superintendente do Iphan em Santa Catarina; Elisabete Nunes

Anderle, presidente da Fundação Catarinense de Cultura e presidente do Conselho de

Cultura do Estado de Santa Catarina; Simone Harger, diretora do Patrimônio da Fundação

128 O processo utilizado como fonte da pesquisa foi fornecido em formato digital pela 11ª SR do IPHAN de Florianópolis, uma vez que a cópia do processo que o arquivo do Rio de Janeiro possui está incompleta. 129 IPHAN. Processo de Tombamento n. 1.548-T-07, volume II, folha 269. 130 Ângela Gutierrez, Augusto Carlos da Silva Teles, Breno Belo de Almeida Neves, Ítalo Campofiorito, Jose Ephin Mindlin, Marcos Castrioto de Azambuja, Marcos Vinicius Vilaça, Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Nestor Goulart Reis Filho, Paulo Affonso Lee Machado, Paulo Ormindo David de Azevedo, Sabino Machado Barroso, Synesio Scofaco Fernandes, Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses; o representante do Instituto de Arquitetos do Brasil, Jose Liberal de Castro; o representante do Museu Nacional, Sergio Alex Kuglad de Azevedo.

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Catarinense de Cultura; Michele de Andrade, secretária da Cultura de Blumenau; Rafaela

Vieira, secretária de Planejamento de Blumenau; Cláudio Krueger, secretário de

Planejamento de Pomerode; Roseana Hunghard, da Divisão de Patrimônio Histórico de

Pomerode; e Raul Walter da Luz, representante de Joinville.131 O diretor do Departamento

do Patrimônio Material e Fiscalização, arquiteto Dalmo Viera Filho, pediu a palavra para

ponderar que, há 20 anos, o Iphan, a Fundação Catarinense de Cultura e 20 municípios

catarinenses enfrentam um desafio:

[...] iniciamos este trabalho instigados pelo professor Augusto Carlos da Silva Telles, que no ano de 1983 já insistia que elaborássemos um estudo sobre casas de imigrantes em Santa Catarina. Era um desafio – um patrimônio novo e diverso. Esse patrimônio não é monumental, é disperso por uma extensa região rural, construído por pequenos produtores rurais na segunda metade do século XIX e no século XX. [...] As instituições, desde o começo, perceberam a ligação da questão da preservação cultural com a valorização da pesquisa da pequena propriedade agrícola. Foi nesse sentido que se desenvolveu, inventariando os bens que compõem esse universo cultural e propondo o projeto “Roteiros Nacionais de Imigração”, lançado em agosto no município de Pomerode [...]. Este é mais um passo para a proteção desse legado, que conta com um Termo de Cooperação estabelecido com o Governo do Estado de Santa Catarina, por intermédio da Fundação Catarinense de Cultura e da Secretaria de Turismo, com o Ministério do Turismo, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, com o SEBRAE, e com o EPAGRI, Empresa de Fomento Agrícola no Estado de Santa Catarina, e cerca de 20 municípios.132

Paulo Ormindo de Azevedo ponderou que a conselheira “exaure os méritos ao

longo de todo o seu relatório, [mas] no final, ela não é muito conclusiva, [pois] não estamos

julgando, acho, nem a pesquisa e nem o trabalho. O que devemos julgar, o objeto em si, não

está explícito.”133 Já, Marcos de Azambuja, entendeu que “ela [a parecerista] está

recomendando ao Conselho, de maneira enfática, que façamos aquilo que o processo

recomenda”.134

Nas falas que se apresentaram na sequência da discussão sobre o tombamento

dos bens, se revelaram, de forma bastante tímida (mas muito importante), algumas questões

relativas à fragilidade do projeto e às intenções de se olhar para o patrimônio do imigrante

131 Processo de Tombamento n. 1.548-T-07, volume III, folha 521. Arquivo IPHAN. 132 Ibidem, folha 530. 133 Ibidem, folha 546. 134 Ibidem.

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naquele contexto e da forma proposta. Nestor Goulart pediu a palavra para falar sobre o

Projeto Roteiros Nacionais de Imigração:

Eu queria me permitir umas pequenas observações desconcertantes sobre este tipo de projeto. A primeira observação é que nós estamos julgando um destes casos raros em que se faz um estudo de conjunto de bens culturais, e se define uma política de conjunto que dá sentido a essas partes, inclusive casas muito simples que têm um valor específico no conjunto, [que] isoladamente não podem ter. A discussão deste conjunto de contribuições culturais, que não são apenas as edificações porque estão situadas em um quadro cultural, nos obriga a pensar nos dois lados da ação cultural, da própria função deste órgão, da função deste Ministério. Se nós, por um lado, devemos ver a cultura como uma constatação do passado, estarmos preservando a memória, estarmos, ao mesmo tempo, hoje, criando condições para uma indústria do turismo, uma indústria cultural para o usufruto do que passa rápido, ou a nossa consciência sobre a contribuição cultural de uma região, que está aqui representada por tantos municípios e tantos intelectuais, pode ser para nós instrumento de pensar como arquiteto e sociólogo urbano. Como arquiteto e sociólogo urbano eu penso sempre no projeto, no plano, e gostaria de fazer alguns comentários sobre isso. É uma região de alta potencialidade sob vários aspectos, e sempre tenho resistência para tratar das questões culturais apenas como contemplação minha ou dos outros, que parece sempre consumo, e não vida. E a cultura deve nos interessar sobretudo como vida, como diálogo. A região tem uma riqueza de línguas, ou diríamos até de dialetos obsoletos, que nos faz pensar na necessidade de que os nossos descendentes de povos não-ibéricos continuem a cultivar a língua atualizada dos seus antepassados, dos países dos quais se originaram seus antepassados, porque hoje, na escala da economia e da vida brasileira, o diálogo com outros povos é uma questão do cotidiano. Na minha mocidade, começava-se inclusive a se estudar o latim, e vejo que os programas de alguns ginásios incluíam hebraico, há 100 anos, e depois, na minha mocidade, estudava-se francês, inglês e latim. Eu me pergunto: que sentido tem um jovem de uma família de japoneses, para não citar os que estão aqui, deixar de praticar a língua da família, que pode ter condições de desenvolver em casa e integrá-la como instrumento de seu trabalho ao longo da vida? Esta, para mim, é uma coisa fundamental. Tenho informação de que na última safra de constituição deste país, a constituição do Paraná incluiu o direito das escolas de optarem pelas línguas das populações locais. Não estou pensando que se vá chegar à Alemanha querendo falar a língua dos pomeranos de duzentos anos, mas estou pensando eu que eles tem uma facilidade enorme para ampliar as nossas trocas internacionais. Depois queria chegar a coisas mais simples, a culinária por exemplo. A região tem tradições de culinária muito grandes. [...] Sei de iguarias produzidas na região que não chegam mais a São Paulo, chegavam há trinta ou quarenta anos. Portanto, não estamos integrando essas tradições de trabalho. Uma região com uma experiência de artes e de ofícios gigantesca que não estamos incorporando em escala nacional. Esses outros aspectos culturais me fazem pensar se nós não devemos olhar a cultura também como um projeto, com uso pleno de uma cultura que não esta sendo aqui observada como coisa do século XVIII. [...] Então, com isso, quero me perguntar se esses roteiros são necessariamente uma contemplação ou devem ser objetos de uma discussão para [...] mobilizar os recursos culturais para continuar o desenvolvimento; me parece fundamental. [...] Eu queria me perguntar se não teria sentido, com o mesmo carinho, com o mesmo cuidado com que foi feito esse enorme trabalho de identificação dessas áreas, e que se monta um roteiro, que para nós, de outros estados, pode ser maravilhoso conhecermos melhor esta cultura, se

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não deveríamos partir para pensar alguma coisa olhando em escala nacional, e nos nossos contatos, em escala internacional. Nós não somos só objeto de curiosidade, e não penso que eles devam ser só um objeto de curiosidade, mas um objeto de diálogo. [...] acho que é um desafio a mais no plano da cultura e não deveria se reduzir apenas ao consumo.135

Alguns pontos merecem destaque na fala do conselheiro, por representar

algumas das tensões presentes não apenas neste processo, mas no campo do patrimônio de

forma geral. Em primeiro lugar, fica evidente a confusão entre o processo de tombamento

dos bens que compõem o projeto Roteiros Nacionais de Imigração e o próprio projeto

Roteiros Nacionais de Imigração.

Há que se deixar claro que, embora o projeto se refira a uma prática que deverá

incorporar outros estados do Brasil, nesta fase, só faz menção ao patrimônio do imigrante

no estado de Santa Catarina. Da mesma forma, embora tenha o nome de Roteiros Nacionais

de Imigração, o que o projeto indica, naquele momento, é a necessidade de tombamento de

bens culturais para que, adiante, se estabeleçam rotas turísticas. Ou seja, para que o projeto

Roteiros Nacionais de Imigração em Santa Catarina acontecesse, os bens indicados para

proteção federal deveriam ser considerados para que, num futuro próximo, houvesse a

discussão sobre as rotas turísticas e sua implementação; não há no projeto um roteiro

organizado, muito menos a discussão do que seriam rota, roteiro ou itinerário cultural. Esta

falta de clareza encontra-se igualmente no parecer da arquiteta Suzana Sampaio, que fez

referência às discussões sobre itinerários culturais, sem que isso integrasse o processo.

Por outro lado, o fato de se instituir rotas, roteiros ou itinerários culturais,

certamente coloca em questão a disponibilização e consumo destes bens pela e para a

atividade turística, como aponta a fala do conselheiro Nestor Goulart, exprimindo a

preocupação sobre como tratar deste patrimônio na atualidade. O conselheiro alertou

também para o fato de que não se pode congelar a cultura destes grupos, tampouco observá-

las com exotismo e transformar isso numa possibilidade de turismo. Sua preocupação era a

de valorizar o legado cultural para integrá-lo na dinâmica da sociedade.

135 Processo de Tombamento n. 1.548-T-07, volume III, folha 547-549. Arquivo IPHAN.

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Nota-se também uma preocupação implícita sobre qual memória se quer

construir a partir deste patrimônio de caráter étnico – por exemplo, aquela que procura

redimir os imigrantes das injustiças cometidas durante a Segunda Guerra:

A Segunda Guerra Mundial afetou muito, no Brasil, uma tradição nossa de multirracialidade, multietnicidade, multililinguismo. [...] o Brasil interditou a educação em outras línguas, criou toda uma série de obstáculos à imprensa em outras línguas, sobretudo voltados às comunidades de língua germânica e de língua japonesa. [...] Acho que essa medida nos empobreceu, mas era necessária; hoje não há nenhuma razão para sustentá-la. [...] penso que este tipo de exercício, de resgate de uma cultura itinerante, comunitária, existente ao longo de vários estados, é uma volta do Brasil ao que ele desejava fazer e foi interrompido por uma Segunda Guerra Mundial, que nos impôs regras de um jogo que não eram as nossas. Portanto, acho que isso é bem-vindo, é necessário, e creio que, ao fazermos este resgate, é preciso devolver a essas comunidades tudo: a ideia do orgulho gastronômico, a ideia do orgulho linguístico.[...] O Brasil, na medida em que se faz mais universal, se faz mais brasileiro. Portanto, sou a favor desse Projeto e tenho também essa ideia de uma dívida, de um resgate.136

Nesta fala de Marcos de Azambuja, pode-se perceber a ideia de patrimônio

como redentor de determinada situação de exceção. A construção da memória, neste caso,

teria uma função quase pedagógica: redimir o grupo do sofrimento vivido pela construção

de uma memória consensual, que crie e exalte aspectos positivos, que reabilite o imigrante

na história. Endossando a ideia dos impactos negativos da Segunda Guerra em relação aos

imigrantes, José Mindlin infere que

[...] o Brasil é um melting-pot extremamente saudável e o que se propõe agora considero um resgate das injustiças cometidas na Segunda Guerra. Eu acho que com a aprovação desse Projeto estamos colaborando para mostrar que somos um país realmente acolhedor de todas as culturas. [...] devemos analisar este projeto não só em seus detalhes materiais, mas devemos tomar uma resolução importante dentro de uma perspectiva histórica e atribuir a essas populações o respeito que merecem.137

Apesar de endossar o parecer favorável ao tombamento, Ulpiano Bezerra de

Meneses, observou:

[...] trata-se de um caso raro de bens integrados, como já foi observado aqui. Bens integrados cultural, espacial e funcionalmente, embora o registro nos Livros do Tombo os esquarteje e desfaça sua unidade conceitual e empírica. [...] Mas acho que

136 Processo de Tombamento n. 1.548-T-07, volume III, folha 549. Arquivo IPHAN. 137 Ibidem, folha 552.

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isso não terá grandes implicações, só que futuramente, será necessário repensarmos esses livros de tombo que, por assim dizer, atomizam o valor cultural de uma forma totalmente artificial. E a segunda observação [...] é a que se trata de bens inscritos em trama da vida vivida. Não se trata portanto de, após o tombamento, reconhecer certos valores abstratos, definir o uso social deste patrimônio, a fim de que esses valores possam constituir um bem para as pessoas que são concernidas. Aqui já existe portanto, uma atividade que diz respeito a espaços do cotidiano e do trabalho, qualificados pelos valores que nos foram apresentados.138

Por fim, o presidente do Conselho tomou a palavra e reforçou a importância dos

aspectos simbólicos desse processo de tombamento, da mesma forma que a preocupação

com os limites do tombamento, por ser

[...] um instrumento limitado para se enfrentar o problema da conservação, ou da apropriação, ou da salvaguarda cultural em região que, na verdade, tem sob tensão o seu modo de produção que gera seu patrimônio. (..) para nós esse é um processo de uma certa maneira emblemático, porque coloca pela primeira vez a leitura de que a importância e o reconhecimento desse sistema como patrimônio cultural brasileiro não é atendida, como ficou explícito pela posição dos Senhores Conselheiros, apenas pelos nossos instrumentos de proteção.139

Depois destas manifestações, o Conselho votou pelo tombamento dos bens

indicados nesta primeira etapa. A segunda etapa, que coroou o Projeto RNI na 67ª reunião

do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, em 03 de maio de 2011, teve como

parecerista a conselheira Rosina Coeli Alice Parchen, que além de ser favorável ao

tombamento dos bens, recomendou

[...] que este processo origine a proteção, mediante procedimento específico, da Paisagem Cultural composta pelas edificações dos núcleos urbanos e rurais relacionados com a imigração de Santa Catarina, de acordo com a portaria número 127 de 30 de abril de 2009 que estabelece a chancela da Paisagem Cultural brasileira.140

Diferente do que ocorrera anteriormente, desta feita, não houve debate,

tampouco manifestação contrária, o presidente do Conselho aprovou o tombamento dos

bens restantes e a abertura do procedimento específico para concessão da chancela de

paisagem cultural a todas as edificações e núcleos rurais e urbanos relacionados à

imigração em Santa Catarina.

138 Processo de Tombamento n. 1.548-T-07, volume III, folha 552. Arquivo IPHAN. 139 Ibidem, folha 530. 140 Ibidem, volume VI, folha 1074.

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A manifestação do Iphan se deu pelo parecer n. 020/2011, emitido em 11 de

março de 2011 pela procuradoria, indeferindo o pedido. A instituição explicou, em primeiro

lugar, tratar-se de um caso cujo tombamento se dava em conjunto, e que a Igreja da

Liberdade e o Cemitério anexo deveriam ser compreendidos como parte deste conjunto. O

texto produzido por Sônia Rabello de Castro, Tombamento, fundamentava este tipo de

preservação. Sobre o fato de a Igreja estar bem cuidada, era irrelevante, pois “não se

preserva apenas o que se encontra em estado precário de conservação. Ao contrário, o bem

que se encontra em melhor estado de conservação é capaz de retratar de forma mais

autêntica os valores que deseja preservar”.142 O documento também informa que a Igreja

não era tombada em nível federal, mas provavelmente, em nível estadual. Com relação à

ausência comunidade evangélica no processo de tombamento,

[...] cabe salientar que a Lei 9784/99, em seu artigo 31, faculta e não obriga a realização de audiências públicas [...]. Assim, cabe ao Iphan, no âmbito de sua discricionariedade, optar ou não pela realização de audiência pública ou outra forma de participação da comunidade.143

A conclusão do parecer informa que o Iphan constitui-se em autarquia federal,

dotada de poder de polícia, a quem foi conferida competência para a proteção do

patrimônio cultural nacional, sendo composta por um corpo técnico altamente qualificado;

e que, em relação ao nome da igreja, tomaria as devidas providências.

O segundo pedido de impugnação chegou ao Iphan no dia 24 de fevereiro de

2011.144 Uma carta enviada por Roberto Ullrich, proprietário da casa Ullrich (Figura 14),

alegava que esta era herança deixada por sua mãe, Ilda Landeira Ulrich, sob a imposição de

que não fosse tombada pelo patrimônio histórico; o autor da carta desejava que a vontade

da mãe fosse respeitada. Solicitava ainda a correção da grafia do nome Ullrich e que a casa

em questão fosse nomeada como Casa Landeira, pois pertencera a seu avô espanhol,

Francisco Landeira.

142 Processo de Tombamento n. 1.548-T-07, volume VI, folha 968-969. Arquivo IPHAN. 143 Ibidem, folha 971. 144 Ibidem, volume V, folha 954.

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De forma geral, o processo de tombamento destes bens deixa evidente que o

Iphan endossa a imagem de um imigrante romantizado, idealizado, representado como o

imigrante colonizador, da era pré-industrial, que tem sua força de trabalho ligada às

atividades do campo. Por outro lado, o processo deixa transparecer algumas tensões, que o

resultado final do processo – o tombamento – não deixa claras.

Um exemplo pode ser percebido na discussão do Conselho Consultivo acerca

de qual memória do imigrante se deve levar em conta. Da mesma forma, na falta de clareza

sobre onde estariam contempladas as rotas e itinerários e/ou roteiros, bem como a

fragilidade dos instrumentos de preservação.

Por fim, as solicitações de impugnação, apesar de quantitativamente pouco

expressivas, alertam para o fato de que não há consenso nos processos de tombamento – o

que não é novidade. Talvez, o aspecto mais significativo dos processos de impugnação seja

perceber que a instituição que zela pela salvaguarda dos bens é, ao mesmo tempo, o algoz

que define – por vias legais e uma disputa de forças desproporcional – aquilo que deve ser

significativo para a memória de uma região.

De forma geral, o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração foi apresentado

como um produto de pesquisas realizadas ao longo de mais de 20 anos no estado de Santa

Catarina, e que através de esforços de profissionais ligados ao patrimônio neste estado e no

Iphan, tomou proporções nacionais. Resta-nos problematizar exatamente em que medida as

pesquisas e os projetos relacionados ao patrimônio do imigrante contribuíram para a

conformação deste projeto nacional.

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CAPÍTULO 2

PATRIMÔNIO E IMIGRAÇÃO EM SANTA CATARINA: DAS CORRENTES

MIGRATÓRIAS AOS ROTEIROS NACIONAIS DE IMIGRAÇÃO

Este capítulo busca perceber como o patrimônio relativo à imigração europeia

foi tratado no estado de Santa Catarina por duas instituições que zelaram e zelam pelo

patrimônio cultural (em nível federal e estadual): Iphan e Fundação Catarinense de Cultura.

Mais que isso, procura compreender, por meio das ações voltadas ao patrimônio cultural da

imigração, qual é o lugar atribuído ao imigrante na história do estado, em diferentes

momentos. Procura, ainda, compreender como a prática preservacionista do estado

catarinense forneceu subsídios para a criação do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração,

que, de certa forma reequaciona a ideia de valorização do patrimônio do imigrante europeu.

Para atingir a estes objetivos, buscamos perceber como se construiu a trajetória

da preservação no estado de Santa Catarina que privilegiou o patrimônio do imigrante,

levando em conta os deslocamentos destas apropriações ao longo do tempo – que, muitas

vezes, se construíram a partir da oposição colonizadores versus imigrantes. Da mesma

forma, tentamos compreender como se consolidaram as ações dos órgãos de preservação

nacional e estadual sobre o patrimônio da imigração no estado catarinense.

Nesse sentido, o capítulo se organiza em dois tópicos: o primeiro trata da

percepção acerca dos colonizadores em Santa Catarina e seu patrimônio, a fim de verificar

em que momento o imigrante europeu passou a integrar o cenário catarinense. O segundo

tópico apresenta e problematiza as ações institucionais de preservação do patrimônio do

imigrante realizadas no estado de Santa Catarina que serviram de referência para o Projeto

Roteiros Nacionais de Imigração.

2.1 A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO IMIGRANTE NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Até 1974, quando o estado catarinense passou a contar com uma legislação

estadual de proteção ao patrimônio, as ações de preservação se restringiram à atuação do

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órgão federal, que, pelo do Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937, pautava as ações

de preservação através do instrumento de tombamento. Estas ações estiveram subordinadas

administrativamente ao 4º Distrito da Dphan (em São Paulo) até 1978, quando foi criada a

Representação Regional, com jurisdição sobre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em

1983, foi criado o Escritório Técnico do Iphan em Santa Catarina, instalado em

Florianópolis, mas ainda vinculado à Diretoria Regional de Porto Alegre. Somente em 1989

foi criada a 12ª Diretoria Regional em Santa Catarina, denominada, a partir de 2009, 11ª

Superintendência Estadual do Iphan em Santa Catarina. Segundo Karla Fonseca, a criação

do escritório técnico em Florianópolis foi muito importante, já que o Iphan passou a

desenvolver ações conjuntas com a Fundação Catarinense de Cultura, buscando implantar

uma política pública para o setor. Como existiam poucos profissionais na área, a parceria

“formou um grande grupo que aglutinava funcionários das esferas federal, estadual e

municipal em prol da efetivação do campo do patrimônio em Santa Catarina.”149

De 1938 (data da primeira ação de salvaguarda do patrimônio federal em Santa

Catarina) até 1974, não foi tombado um número significativo de bens no estado (onze),

comparando-se estes aos bens tombados em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Entre

estes onze bens, apenas duas edificações são relativas ao patrimônio do imigrante: o Palácio

dos Príncipes (1939) e o Cemitério Protestante (1962) em Joinville.

Já após a instituição de uma legislação estadual sobre patrimônio, que atribuiu à

Fundação Catarinense de Cultura a responsabilidade pela preservação do patrimônio

cultural no estado (1980) e da instalação de um escritório técnico do Iphan na capital

(1983), percebemos um aumento expressivo da quantidade de bens relativos aos imigrantes

tombados no estado e no país – que acabaram tendo projeção nacional, em função da

parceria com o Iphan. Ou seja, fica evidente a importância da Fundação Catarinense de

Cultura no direcionamento daquilo que é preservado em nível nacional pelo Iphan; e o

tombamento dos 61 bens referentes ao patrimônio do imigrante dá indícios de que

patrimônio tornar visível.

149 FONSECA, 2014, p. 56.

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Tabela 2 – Relação dos tombamentos Federais em Santa Catarina.

Edificação Ano da abertura do Processo

Cidade

01 02 03 04

Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim; Fortaleza de Santo Antônio de Ratones; Fortaleza de São José da Ponta Grossa; Forte Santana.

1938 Florianópolis

05 Palácio dos Príncipes. 1939 Joinville 06 Casa de Victor Meirelles 1950 Florianópolis 07 Museu Anita Garibaldi 1954 Laguna 08 Cemitério Protestante 1962 Joinville 09 Parque localizado na Rua Marechal Deodoro 1965 Joinville 10 Conjunto arquitetônico e paisagístico da Vila

de São Miguel 1969 Biguaçu

11 Casa conhecida como “Sobradão” 1969 Florianópolis 12 Casa da Alfândega 1975 Florianópolis 13 Fortaleza Nossa Senhora da Conceição de

Araçatuba. 1980 Florianópolis

14 Forte Santa Bárbara 1984 Florianópolis 15 Centro Histórico de Laguna 1985 Laguna 16 Escola Rural e Casa do Professor, em Rio dos

Cedros 1985 Pomerode

17 Pintura de Victor Meirelles – vista da Baía Sul 1986 Florianópolis 18 Coleção Arqueológica João Alfredo Rohr 1986 Camboriú 19 Coleção Arqueológica João Alfredo Rohr

1986 Florianópolis

20 Centro Histórico de São Francisco do Sul 1987 São Francisco do Sul 21 Ponte Hercílio Luz 1998 Florianópolis 22 Sitio Arqueológico e Paisagístico do Campeche 2001 Florianópolis 23 Casa Rural na Costeira do Ribeirão da Ilha 2004 Florianópolis

Roteiros Nacionais de Imigração 2001 – 61 edificações

relativas ao patrimônio de imigrantes europeus.

Estado de Santa Catarina

Fonte: Adaptado pela autora.150

Os bens tombados em Santa Catarina a partir da década de 1970 continuaram a

obedecer aos critérios estipulados pelo Decreto-Lei de 1937, que conferiu visibilidade ao

patrimônio cujos valores tivessem sentido “quer por sua vinculação a fatos memoráveis da

história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico,

bibliográfico ou artístico”.151 Nesse sentido, passou-se a atribuir valor patrimonial às

edificações do século XVIII, ao casario colonial do XIX, a obras de arte e coleções

150 IPHANSC. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Superintendência Estadual em Santa Catarina. Lista dos bens tombados em instância federal em SC. Portal IPHANSC, 2014. Disponível em: <https://docs.google.com/spreadsheets/d/1hd0IelkgrQZtSaXWdsTIFOPXPctfKsa0zTIW_rmEzyM/edit#gid=0>. Acesso em: dez. 2014. 151 BRASIL, 1937.

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arqueológicas. Por outro lado, houve atribuição de valor a outras dimensões do patrimônio,

como o legado do imigrante, através do tombamento do seu patrimônio, tendo como base as

ações de preservação que o estado de Santa Catarina desenvolvia desde os anos 1980,

pautadas pela valorização desta herança – (informação recorrente nas publicações a respeito

dos Roteiros Nacionais de Imigração).

Resta-nos saber, no entanto, como os agentes catarinenses pensaram este

patrimônio ao longo do tempo, a começar por uma legislação específica. Desde a década de

1960, foram realizados

[...] estudos para a criação de uma legislação estadual específica sobre o patrimônio cultural [...] tendo então sido nomeada, pelo governador Ivo Silveira, uma comissão espacial para a organização de um “Conselho de Defesa do patrimônio Histórico do Estado” e elaborada uma versão preliminar do projeto de lei pelo médico, professor, pesquisador e escritor Oswaldo Rodrigues Cabral, um dos signatários catarinenses do “Compromisso de Brasília”.152

Ainda segundo Gonçalves, mesmo que a lei estadual n. 2.975, de 18 de

dezembro de 1961, atribuísse ao Departamento de Cultura a proteção de obras e

documentos de valor artístico, literário e histórico, foi a lei n. 5.056, de 22 de agosto de

1974, que permitiu o primeiro passo para a salvaguarda do patrimônio cultural do Estado.

Em 1979, foi criada a Fundação Catarinense de Cultura, pelo decreto estadual

n. 7.439, que tinha entre suas funções defender o patrimônio histórico, artístico e cultural de

Santa Catarina. A lei n. 5.846 de 1980 atribuiu à FCC a proteção dos bens culturais através

de tombamento.

A lei de 1980, contudo, não alterou de forma significativa as características dos bens que comporiam o patrimônio cultural catarinense: além dos “documentos e coisas memoráveis” para a história do estado ou de excepcional valor (nos mesmo termos da lei anterior), estariam incluídas “as obras intelectuais no domínio da arte.” Diferença substancial ocorreria apenas com a Lei 9.342/93, que acrescentou os “monumentos naturais, sítios e paisagens que importe conservar e proteger, pela feição notável com que tenham sido dotadas pela natureza ou agenciadas pela indústria humana” [...] Apesar da legislação vigente desde 1974, apenas a partir de 1983 a proteção de bens seria traduzida, em Santa Catarina, em tombamentos estaduais.153

152 GONÇALVES, Janice. Em busca do patrimônio catarinense: tombamentos estaduais em Santa Catarina. In: XXVI, SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH, 2011, São Paulo. Anais do Encontro, 2011, São Paulo. p. 1-11. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org>. Acesso em: 6 jan. 2014. p. 4-5. 153 Ibidem.

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Desta forma, os tombamentos estaduais obedeceram a este critério e, segundo

Gonçalves, em relação à orientação federal, representaram continuidades e rupturas: as

continuidades teriam sido representadas pela priorização dos tombamentos ligados à

história política do estado, às igrejas ou construções de tempos remotos. Já as rupturas

seriam representadas pela

[...] ênfase nas heranças culturais dos imigrantes e descendentes, sobretudo alemães e italianos, o que resultou em abordagem eminentemente étnica não só da história e da geografia de Santa Catarina como do patrimônio cultural a ser preservado. Geograficamente, Santa Catarina foi lida predominantemente “alemã” no norte e no vale do Itajaí; “luso- brasileira” (quando não luso-açoriana) em sua faixa litorânea, “italiana” no vale do rio dos Cedros e no sul; “cabocla” no planalto e no oeste [...]. Nos tombamentos, destacam-se edificações em estilo enxaimel e em madeira, com uso originalmente residencial, em áreas rurais e urbanas, pondo em relevo municípios como Blumenau, Pomerode, Indaial, Timbó, Guabiruba, Lontras, São Beto do Sul, Jaraguá do Sul, Joinville (sobretudo em função da colonização alemã). Urussanga, Orleans, Nova Veneza, Pedras Grandes (destacando em especial a colonização italiana) e Itaiópolis (colonização polonesa e ucraniana).154

Em âmbito estadual, a política de preservação do patrimônio cultural catarinense se

manteve fiel ao decreto de 1937, no entanto, deu atenção ao talento construtivo de gerações de

imigrantes e seus descendentes, cujo acervo, dadas sua abrangência e qualidade, garantiria a

singularidade e a relevância catarinense no cenário brasileiro do patrimônio.155 Tal política de

preservação da FCC investiu seus primeiros vinte anos de existência a mapeamentos,

inventários e pesquisas sobre o patrimônio do imigrante em Santa Catarina.

A criação da Fundação Catarinense de Cultura não apenas atendeu ao desejo de

descentralização das ações do Iphan, como foi o marco inicial de uma parceria entre o

governo federal e a instituição estadual responsável pela salvaguarda do patrimônio, que

tratou de representar o estado catarinense

[...] à perspectiva marcadamente étnica da história de Santa Catarina, que dividiu geograficamente o estado em regiões de ocupação açoriana, italiana e alemã [...], deixou o restante do território assimilado a um vazio cultual (com um correspondente apagamento de populações e grupos sociais que não se coadunavam com os perfis étnicos valorizados.156

154 GONÇALVES, 2011, p. 4-5. 155 Ibidem, p. 8. 156 Ibidem, p. 9.

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artefatos como esse, que colaboram para a invenção de uma identidade italiana em território

catarinense.

Operação semelhante percebemos na imagem que representa a edificação

construída em enxaimel como sinônimo de germanidade: ela é utilizada largamente em

divulgações turísticas por representar, não uma arquitetura vernacular de inspiração

germânica, mas por ser a expressão da própria cultura alemã. Simplificações como estas

abreviam a complexidade da história das migrações no Brasil em favor de rótulos

panfletários.

Mas afinal, como se criou e se perpetuou uma identidade que relacionou as

diferenças regionais à etnicidade? Ou ainda, de que forma o patrimônio cultural serviu

como instrumento para legitimar a compreensão do estado como um mosaico cultural – tão

difundida no próprio estado e no Projeto Roteiros Nacionais de Imigração?

Em primeiro lugar cabe tecer algumas considerações a respeito do surgimento

do discurso sobre a existência das chamadas identidades étnicas. Giralda Seyferth em um

texto no qual discute o surgimento de uma identidade teuta, afirma que

[...] como outras identidades do mesmo tipo, esta surgiu no âmbito do contato da sociedade brasileira e, como expressão da consciência coletiva, só pode ser compreendida por referência a um processo histórico de colonização a partir do qual foi elaborada e que ajudou a preservar.158

O processo imigratório159 no Brasil esteve ligado ao processo de colonização

brasileira baseada na pequena propriedade, implementado por iniciativa do Estado

158 SEYFERTH, Giralda. A identidade teuto-brasileira numa perspectiva histórica. In: MAUCH, Cláudia (Org.). Os alemães no sul do país. Canoas: Editora da ULBRA, 1994. p. 11. 159 Vale ressaltar que os processos migratórios têm sido construídos pela historiografia de diversas formas. As mais tradicionais, tratam o processo migratório de europeus para o Brasil como uma alternativa à mão-de-obra escrava. Seriam esses imigrantes, incentivados pela política governamental, os responsáveis por introduzir o trabalho livre no Brasil. Outras abordagens se preocupam com análises demográficas e geográficas procuravam avaliar o perfil populacional e a distribuição das atividades econômicas de brasileiros e estrangeiros. Outros ainda, promovem estudos médicos e ensaios de cunho racial/racista que preconizavam a incorporação de imigrantes europeus para o branqueamento da população e suposta "melhoria da raça". Já na década de 1990 Seyferth apontava a falta de estudos sobre a imigração que pudessem dar conta de abordagens estatísticas confiáveis bem como de estudos que tratassem, por exemplo, da situação dos imigrantes que retornaram para seus países de origem. As pesquisas contemporâneas sobre migrações e diásporas têm se tornado mais recorrentes e contam com novas abordagens teóricas e metodológicas. Podemos citar como referência a esses estudos, os do sociólogo argelino radicado na França, Abdelmalek Sayad. Para o autor, o imigrante é antes de tudo um emigrante e os vínculos que estabelece com a sociedade receptora são em grande parte construídos no país de origem. Compreendo o fenômeno migratório como um ponto de encontro das ciências sociais por ser um “fato social total”. O itinerário do migrante é entendido

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brasileiro desde 1818. Tanto alemães como italianos foram dirigidos para colônias agrícolas

localizadas no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná e, mais tarde, em torno de

1970, para o Espírito Santo.160

No caso de Santa Catarina, o estabelecimento de imigrantes europeus se

localizou em diversas partes da província:

Até 1820, a Província de Santa Catarina tinha como território somente a faixa litorânea, entre as serras do Mar e Geral e o Oceano Atlântico. Naquele ano, foi incorporado o planalto adjacente, cujos limites a oeste permaneciam indefinidos e que até então pertencia à Província de São Paulo. [...] As possibilidades de imigração haviam sido testadas com os açorianos e a vinda de novas levas era defendida desde o século XVIII.161

Em 1828, chegaram os primeiros imigrantes alemães, que formaram a Colônia

São Pedro de Alcântara, experiência pioneira com colonos não lusitanos. Oito anos depois,

um grupo de colonos vindos da Sardenha se estabeleceu na região de Tijucas. Houve um

incremento à colonização, com a promulgação de duas leis: uma no âmbito provincial, que

dispunha sobre a instalação de imigrantes alemães recém-chegados à província (Lei n. 234,

de 31 de março de 1847), e outra de âmbito federal, a Lei de Terras (1850). A partir daí,

foram fundadas as colônias Blumenau, Dona Francisca e São Bento.162 Com a assinatura do

Contrato Caetano Pinto, em 1874 – que propunha introduzir 100 mil imigrantes na província

em dez anos –, grandes levas de italianos, poloneses e ucranianos começaram a chegar. Os

primeiros estabeleceram-se na região sul do estado e os outros no norte. O mapa 18 ilustra o

processo migratório do século XIX em Santa Catarina e a formação dos núcleos coloniais.

também como um “itinerário epistemológico”, onde a análise de sua totalidade requer o instrumental conceitual e metodológico de suas diversas disciplinas. “Emigrar/imigrar” e “deslocar-se” são dois conceitos chave nas quais se encora a teoria das migrações para esse autor. Conforme SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EDUSP, 1998; SAYAD, Abdelmalek. O retorno: elemento constitutivo da condição do migrante. Travessia, v. 13, n. esp., p. 7-32, jan. 2000. 160 As justificativas que explicam a concentração de imigrantes alemães e italianos no sul do país podem ser atribuídas: à imagem negativa do Brasil como nação escravocrata; ao discurso científico da segunda metade do século XIX que considerava a região norte como imprópria para a colonização europeia; à estrutura fundiária do sul do país (problemas de definição de fronteiras, terras devolutas e “vazios demográficos”; ao sistema de pequena propriedade que nões seduziam os latifundiários paulistas. 161 WEISSHEIMER, 2011, p. 31. 162 PIAZZA, Walter F. A colonização de Santa Catarina. Florianópolis: Lunardelli, 1994.

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[...] entre os imigrados, havia um contingente apreciável de camponeses e membros das classes trabalhadoras urbanas. [...] havia entre eles artesãos, técnicos especializados, refugiados políticos, ex-militares, pequenos empresários, intelectuais, etc.163

Podemos dizer grosso modo que as narrativas produzidas pela historiografia

tradicional sobre imigração no estado de Santa Catarina, endossam a importância do

patrimônio do imigrante alemão e italiano no estado e o apresentam como responsáveis

pelo desenvolvimento regional tão almejado pela elite de Santa Catarina.164 Importância

essa que fica evidente se percebermos o quanto o estado investiu, a partir dos anos 1980,

em pesquisas e estudos que colocaram em evidência o patrimônio cultural de alemães e

italianos, na construção de uma memória que teve expressão nacional através do Projeto

Roteiros Nacionais de Imigração.

Em segundo lugar é necessário perceber como se construiu um discurso que

atrelou a identidade étnica às regiões geográficas valorizando sobremaneira seu patrimônio

ao longo do tempo.

2.1.1 A construção do imigrante e o direito ao patrimônio

O imigrante europeu e seu patrimônio nem sempre foram valorizados e

tampouco gozaram desse estatuto; sua positivação foi fruto de atribuições de valores ao

longo do tempo, em diferentes momentos históricos, e dependeu do jogo de forças

estabelecido em cada momento. Interessa-nos perceber, portanto, como este imigrante e seu

patrimônio foram ressignificados ao longo do tempo.

Um bom ponto de partida é a obra emblemática de Oswaldo Rodrigues Cabral,

intitulada Santa Catharina – história, evolução, concluída em 1935 e publicada em 1937,

pela Companhia Editora Nacional, na coleção Brasiliana, número 80. Entre os aspectos ali

contemplados, selecionamos o que aborda a imigração açoriana para Santa Catarina no

século XVIII, assim como a visão do autor a respeito destes imigrantes:

163 SEYFERTH, 1994, p. 13. 164 Sobre Historiografia catarinense consultar a tese de doutorado de GONÇALVES, Janice. Sombrios Umbrais a transpor: arquivos e historiografia em Santa Catarina no século XX. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006.

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Em 1748, iniciava-se o transporte dos colonos, contando a primeira remessa cerca de 460 pessoas. [...] No Natal de 1749, chegou à ilha a segunda leva de imigrantes, composta de 1.066 pessoas. [...] Pareceu, de começo, com a vinda destes elementos colonizadores, tonificar-se a vida da colônia. Armavam-se as choupanas, lavrava-se a terra, notava-se por toda a parte uma verdadeira febre de trabalho. As sementeiras surgiram, a mata foi sendo derrubada, os engenhos de açúcar se levantavam ao lado dos de farinha e os teares apareceram pela primeira vez na ilha. Infelizmente, pouco durou a ilusão. A colonização açorita não apresentou o esperado resultado e a múltiplos fatores se deveu a sua completa falência. Em primeiro plano, a incapacidade dos colonos para a agricultura. Não eram eles, em verdade, lavradores, acostumados no trato diário da terra. Eram mais fugitivos às misérias das ilhas em que nasceram do que propriamente homens aptos para o trabalho agrícola, dedicados a ele e dele conhecedores. Em segundo, toda a espécie de trabalho braçal repugnava a essa gente. Acostumados a relegar ao braço escravo toda a sorte de serviço manual, os mais aquinhoados, de então, olhavam para o trabalho, do qual dependesse o menor esforço material, como ocupação bastarda e humilhante.165

No entanto, ao descrever o papel dos imigrantes europeus, considerados

sinônimo de progresso, Cabral não poupou elogios, afirmando que, ao contrário, os

colonizadores que se estabeleceram no litoral catarinense ao longo do século XVIII eram

muito “descansados”:

Não há que negar a benéfica influência da colonização, que tem garantido ao Estado um progresso crescente e uma prosperidade constante. [...] A ele, ainda, o erguimento das cidades modernas, da agitada vida comercial e industrial. [...] À incapacidade agrícola dos primeiros povoadores, seguiu-se a completa dedicação à terra, a perfeita aptidão dos últimos. Para aqueles o trabalho era tido como condição humilhante, destinado apenas aos escravos. Estes, longe do preconceito estabelecido, o compreenderam sempre como dignificador de homens livres. [...] Joinville, cidade de grande projeção na vida do Estado, surgiu de um banhado. As suas terras contam ainda hoje grandes extensões alagadiças e a malária é endêmica na região. O colono melhorou-a. Drenou, aterrou, saneou, plantou e venceu.166

Para o autor, a imagem dos açorianos que imigraram para o território

catarinense era de fracasso. Tomou como referência temas como o trabalho e o progresso,

para ele definidores daquilo que julgava ser a positividade do colonizador. Ora, se a

colonização açoriana “não vingou”, foi por que os homens do litoral não teriam uma

165 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Santa Catharina- História, evolução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. (Brasiliana, 80). Disponível em: <http://www.brasiliana.com.br/obras/santa-catarina-historia-evolucao>. Acesso em: nov. 2014. p. 94-96. 166 CABRAL, 1937, p. 122-123.

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relação positiva com o trabalho, representado, no caso, pelo cultivo da terra ou outra

atividade que denotasse progresso para a cidade.

Torna-se interessante observar que a positivação do imigrante europeu na obra

de Cabral, pela exaltação do trabalho – não descrito como idealizado, pelo o contrário,

apresentado como atividade árdua – reaparece em vários momentos, quando o assunto é a

imigração: o trabalho torna-se um trampolim para o sucesso; o trabalho torna-se um signo

do progresso.

Arend ressalta que esse discurso enfatizava o imigrante, no caso o alemão,

idealizado como modelo de comportamento, contrastando-o com os moradores pobres do

litoral catarinense, que não possuiriam, segundo esta ótica, a capacidade de

empreendimento dos germânicos.167 Temos um discurso que coloca de um lado o fracasso

do empreendimento colonizador açoriano, vicentista, e de outro, o êxito da colonização

feita por imigrantes alemães, sinônimo de progresso nacional. Esta visão do imigrante não

está descolada do contexto de produção da obra de Cabral. Conforme Gonçalves,

[...] é importante observar que aquela história geral de Santa Catarina publicada por Cabral em 1937 foi elaborada num contexto de fortalecimento, no governo Vargas, de um discurso de identidade nacional que objetivava sufocar as identidades regionais e locais (além das influências “alienígenas”, como as de imigrantes que não dominavam a língua portuguesa).168

A abordagem de Cabral não apenas nos dá indício de como os imigrantes são

percebidos neste contexto, como também aponta a leitura do território catarinense através da

dicotomia litoral versus planalto. Isso, para Edgar Garcia Junior, contribuiu para que o estado

passasse a ser lido através da regionalização: “a ideia de região, assim como a teia de poder

que as instituem, começa a tornar-se dado inquestionável.”169 Pode-se dizer que a

territorialização do estado a partir da identificação do espaço com os grupos colonizadores

contribuiu para construir a imagem de um estado mais tarde associado a um mosaico cultural. 167 AREND, Silvia Maria Fávero. Relações interétnicas na província de Santa Catarina (1850-1890). In: BRANCHER, Ana; AREND, Silvia Maria Fávero (Org.). História de Santa Catarina no século XIX. Florianópolis: Editora da UFSC, 2001. p. 36-37. 168 GONÇALVES, Janice. Oswaldo Rodrigues Cabral – um “homem de letras” na periferia do patrimônio cultural. In: XIV, ENCONTRO REGIONAL DA ANPUH – ANPUH, Rio de Janeiro, 2010. Anais do Encontro. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/ 1276743688_ARQUIVO_artigo_cabral_rio.pdf>. Acesso em: nov. 2014. p. 3. 169 GARCIA JUNIOR, 2002, p. 32-33.

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Se, por um lado, esta literatura pressupunha a valorização do trabalho do

imigrante, por outro, estes mesmos imigrantes começavam a ser percebidos como um

entrave para o projeto nacionalista que se consolidava nos anos 1930 – principalmente os

alemães, associados ao mito do “perigo alemão”,170 que passaram a ser alvo de críticas.

Vale ressaltar que uma das características do estabelecimento de núcleos de

colonização no sul do país, era sua concentração em colônias etnicamente homogêneas e

justamente percebidas como suspeitas pelos brasileiros, por isso, consideradas um perigo étnico.

Por muito tempo a historiografia insistiu na narrativa de que estas colônias eram homogêneas na

sua formação e viviam isoladas das demais. Estes argumentos são refutados por Seyferth que

aponta, nas colônias alemãs, a existência de grupos de imigrantes que embora de uma mesma

origem, professavam religiões diferentes. Mostra ainda que a ideia de isolamento era um mito,

haja vista a proximidade com outras colônias e existência da comunicação estre elas.171

Durante o Estado Novo,172 foram considerados uma ameaça ao nacionalismo

brasileiro, por representarem grupos falantes de uma mesma língua estrangeira – o que

consolidava a imagem de grupo apartado dos nacionais – e mantenedores de uma ligação

suspeita com sua pátria de origem. O surgimento do Integralismo, na década de 1930, seria

um indício do entusiasmo, não apenas dos imigrantes e descendentes, mas de muitos

brasileiros com Hitler e Mussolini.

Em Santa Catarina, uma Campanha de Nacionalização do interventor Nereu Ramos

[...] proibiu de dar nomes estrangeiros às escolas ou núcleos de povoamento que viessem a ser criados depois daquela data; [...] exigiu que as escolas particulares obtivessem uma licença da Secretaria do Interior e Justiça, para o que se comprometiam a dar aulas em Português, a adotar esta língua em todas as suas placas e diretrizes internas, a ensinar os hinos oficiais, a colocar o pavilhão brasileiro em lugar de destaque, inclusive nas salas de aula, e a homenageá-lo todos os sábados, sob pena de interdição.173

170 GERTZ, René. O perigo alemão. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1991. 171 SEYFERTH, 1994. 172 CAMPOS, Cyntia Machado. A política da língua na era Vargas: proibição do falar alemão e resistências no sul do Brasil. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/UNICAMP. Campinas, 1998. 173 FALCAO, Luiz Felipe. Entre o ontem e o amanhã: diferença cultural, tensões sociais e separatismo em Santa Catarina no século XX. Itajaí: Editora da Univali, 2000. p. 167-8.

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As zonas rurais foram alvo de uma arbitrária campanha de nacionalização, que

recrudesceu em 1942, quando o país rompeu relações diplomáticas e declarou guerra à

Alemanha e à Itália. As perseguições aos estrangeiros aumentaram:

Entremeadas à produção de medos, revanchismos e denúncias, eram as prisões a maior desgraça daquele momento: desde campos de concentração, delegacias e cadeias locais, até castigos e violência físicas atormentavam o cotidiano de boa parte da população do Estado catarinense nos anos da Segunda Guerra.174

Em 1941, Oswaldo Rodrigues Cabral publicou o artigo A vitória da

colonização açoriana em Santa Catarina,175 no qual valorizava os aspectos culturais dos

açorianos. Ainda que suas interpretações de 1937 insistissem na desqualificação do colono

do litoral e continuassem circulando,176 o artigo de 1941, mostrando então o colono

açoriano como herói nacional, teve importantes desdobramentos:

A valorização da presença do elemento açoriano, a partir de meados do século XVIII, juntamente com a valorização da atuação anterior dos sertanistas paulistas no povoamento inicial do território, era também uma maneira de alterar a imagem, incômoda e imprópria no Estado Novo, de uma Santa Catarina “estrangeira”, dada a marcante presença de imigrantes (sobretudo em áreas de maior destaque na economia regional). [...] Partilhada por seus colegas do IHGSC, essa perspectiva favoreceu uma reaproximação do Instituto com os governos estaduais – uma relação íntima que fora abalada com a nova ordem político-partidária do pós-1930. Com essa estratégia de dupla aproximação – ao governo Vargas e ao governo do interventor estadual Nereu Ramos, articulando-se tanto à propaganda estadonovista como à campanha de nacionalização de Nereu Ramos, firmou-se uma identidade catarinense marcada pela herança lusitana (ou luso-açoriana). Uma identidade, portanto, que tornava Santa

174 DE FÁVERI, Marlene. Memória de uma (outra) Guerra. Cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em Santa Catarina. Itajaí: Ed. Univali/Florianópolis: Ed. da UFSC, 2005. p. 205. 175 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. A vitória da colonização açoriana em Santa Catarina. (Separata da revista Cultura Política, Rio de Janeiro). Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, [1941]. 176 Como é o caso do trabalho de Lourival Câmara, que em 1948, publicou na Revista Brasileira de Geografia artigo intitulado Estrangeiros em Santa Catarina, no qual apresentou a formação do estado a partir do estabelecimento de grupos humanos: “O praiano é o homem das praias catarinenses; é bem a reprodução, degenerada do açoriano que malogrou no litoral à época do povoamento. [...] O homem revivescência somática do bandeirante, do mameluco, cuja antropogênese, por sua vez, é das mais complexas, tanto que é resultante de cruzamentos e recruzamentos do português, onde vários sangues se englobaram, com o indígena tupi. [...] Ao reverso do praiano, dominado por forte complexo de inferioridade, o serrano alimenta sensível complexo de superioridade, que se manifesta, acima de tudo, no absolutismo, na intolerância, na impulsividade. [...] Já o colono [europeus que colonizaram Santa Catarina] é o que conferiu desenvolvimento ao estado através da sua produção agrícola e mais tarde, industrial”. CÂMARA, Lourival. Estrangeiros em Santa Catarina. Revista Brasileira de Geografia, ano x, n. 2, p. 51-98, abr./jun. 1948. Disponível em <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/115/rbg_1948_v10_n2.pdf>. Acesso em: nov. 2014.

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Catarina, na lógica dos discursos então dominantes, tão “brasileira” como as outras unidades da federação.177

Luiz Felipe Falcão aponta que a campanha de nacionalização desqualificava o

imigrante europeu e a intelectualidade de Santa Catarina, de origem portuguesa – incluindo

Oswaldo Cabral –, se engajava na produção de uma história estadual que reabilitava o papel

dos colonizadores açorianos, atribuindo a eles o papel de construtores de uma identidade

catarinense.178 Este fenômeno – mais tarde definido por Maria Bernardete Ramos Flores

como “açorianismo” 179 – era um projeto de revisão histórica que, segundo Falcão, “parece

ter ganho alento na obra de Gilberto Freyre, Uma cultura ameaçada: a luso brasileira,

publicada em 1940.”180 Para Falcão, ao beber na obra de Freyre, Cabral teria buscado

realçar a continuidade da colonização empreendida por açorianos no litoral catarinense,

pois esta seria o fator de “evolução” de Santa Catarina, da mesma forma que os

bandeirantes teriam significado para o Brasil.

O tema da importância dos açorianos foi retomado em 1948, no Primeiro

Congresso de História Catarinense,181 organizado pelos membros do Instituto Histórico e

Geográfico de Santa Catarina, que teve como tema central o Bicentenário de Colonização

Açoriana. Gonçalves ressalta a importância institucional do IHGB e da Subcomissão

Catarinense do Folclore no evento, através da figura de Cabral:

[...] estreitamente envolvido com a organização do evento, que para alguns teria sido fundamental para a movimentação em torno da criação de uma Faculdade de Filosofia, em Santa Catarina, Cabral esteve neste caso também associado a uma outra instituição, que derivaria dos debates do Congresso: a Subcomissão Catarinense de Folclore (ligada à Comissão Catarinense de Folclore), mais tarde identificada como Comissão Catarinense de Folclore. Oswaldo Rodrigues Cabral

177 GONÇALVES, 2010, p. 4. 178 Falcão refere-se ao I Congresso de Brasilidade, realizado em Florianópolis de 10 a 19 de novembro de 1941, cuja programação incluía conferências sobre Unidade Politica, Unidade Cultural, Unidade Histórica, Unidade Moral, Unidade Jurídica, Unidade Social, Unidade Geográfica, Unidade Econômica e Financeira e Unidade Patriótica. FALCAO, 2000, p. 179. 179 Termo cunhado por Maria Bernardete Ramos Flores, ao se referir à construção de uma ideia que reabilita as memórias da colonização açoriana em Santa Catarina, identificando-a com a identidade catarinense. FLORES, Maria Bernardete Ramos. A Farra do Boi. Palavras, sentidos, ficções. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1997a. 180 FALCAO, 2000, p. 179. 181 FLORES, 1997a.

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coordenou os trabalhos da Comissão, em seus anos iniciais, na condição de secretário, também ficando responsável por seus boletins.182

Deste Congresso, podemos ressaltar dois aspectos: o que consolidou uma forma

de ler o estado catarinense a partir de sua origem açoriana, chamada de “açorianismo”, que

buscava legitimar o estado como parte da nação, dissociando-se dos traços negativos que

por ventura a presença europeia viesse suscitar. O segundo aspecto é relativo à importância

que os estudos folclóricos passaram a ter na leitura da identidade catarinense. Aparecendo

como campo disciplinar183 e investimento cultural, inclusive no campo do patrimônio, o

folclore era assumido naquele momento como

[...] uma elaboração decisiva na defesa da autenticidade regional contra fluxos culturais mais cosmopolitas e, portanto, disruptivos. Para estes estudiosos, ele serviria para revelar a essência da região, os elementos que pré-existiriam em toda cultura em seu esforço de afirmação como tal.184

Nesse sentido, os estudos realizados pelos folcloristas se aproximavam das

atividades empreendidas pelos agentes do patrimônio, que, até a década de 1970, era de

responsabilidade do Iphan, com auxílio de representantes locais – no caso de Santa

Catarina, Oswaldo Cabral era um dos expoentes:185

No campo do patrimônio cultural (marcado basicamente pelo estudo e pelos investimentos de preservação de bens culturais transmitidos através das gerações), o termo “tradição” é há bastante tempo (ao menos desde a década de 1970) empregado nas fortes discussões e ações de valorização de várias dimensões da cultura tidas, portanto, como “tradicionais”: relaciona-se o

182 GONÇALVES, 2010, p. 1-8. 183 Segundo Gonçalves, em Santa Catarina, os intelectuais reunidos em torno da Comissão Catarinense de Folclore e do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina estiveram também envolvidos, nos anos 1950, no processo de criação da Faculdade Catarinense de Filosofia, posteriormente incorporada à Universidade Federal de Santa Catarina. “Com essas instâncias universitárias [...] seria possível tentar garantir um lugar mais estável para o Folclore, como campo disciplinar. Oswaldo Rodrigues Cabral, primeiro presidente da Comissão Catarinense de Folclore (inicialmente Subcomissão), como professor de Antropologia daquela Faculdade e daquela Universidade, procurou fazer a sua parte na empreitada: mesmo deixando a presidência da Comissão, continuaria a refletir sobre o Folclore, inclusive produzindo a este respeito textos de apoio às aulas, em parte reunidos no livro Cultura e folclore, publicado pela Comissão Catarinense de Folclore em 1954.”. GONÇALVES, Janice. Universidade, Folclore e Patrimônio cultural. Palestra. XVI CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE. Florianópolis, 2013b. Anais eletrônicos, p. 1-8. Disponível em: <http://www.labpac.faed.udesc.br/universid%20folclore%20patrim%20cult_janice%20goncalves.pdf>. Acesso em: dez. 2014. 184 GARCIA JUNIOR, 2002, p. 44. 185 Cabral foi um dos signatários do encontro de Brasília e colaborador do Iphan.

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patrimônio cultural aos “povos tradicionais”, às “populações tradicionais”, às “organizações sociais tradicionais”, ao “conhecimento tradicional”, que recobririam grupos sociais [...] distintos.186

Se por um lado, a “identidade açoriana” apresentou-se na década de 1940 como

uma reivindicação da brasilidade catarinense, graças às heranças portuguesas, por outro, o

discurso em torno da diversidade cultural ganhou terreno fértil anos mais tarde, e recolocou

a questão da identidade do estado, passando a caracterizá-la como uma cultura de caráter

plural. Foi por meio de políticas de integração e desenvolvimento regional que se levou a

cabo a tarefa de montar o “mosaico” das dispersas culturas que compunham um quadro

cultural desintegrado de Santa Catarina na nova identidade do estado.

Nos anos 1960, as tentativas de redesenhar o mapa cultural de Santa Catarina

repetiam os mesmos recortes que haviam sido gestados no final do século XIX:

Em termos de delineamento prévio, podemos dizer que o estado de Santa Catarina divide-se em três subáreas culturais: 1- a subárea litorânea, ou original; 2 – a subárea do planalto, ou dos campos de Lajes; 3 – a subárea de colonização. Os limites dessas subáreas não podem ser estabelecidos com maior segurança, pois é de considerar-se que a mobilidade das populações dificulta qualquer esforço neste sentido. Contudo, as características históricas e econômicas que possuem as populações das subáreas que apontamos justificam a hipótese formulada.187

As regiões tornavam-se, dessa forma,

[...] um patrimônio que expresse as regionalidades e suas ascendências étnicas, pois eram estas as diferenças que deveriam compor o “mosaico catarinense”. Isto pode ser percebido em propostas como a do Plano de Ação Cultural Catarinense de 1975, elaborado pelo Conselho Estadual de Cultura, onde se sugere, por exemplo, construções de “casas de memória” nas “áreas culturais”; ou então, a realização de um “festival do folclore catarinense”, dividido entretanto, em três festivais distintos: um “festival de folclore açoriano”, um “festival de folclore teuto-brasileiro” e um “festival de folclore ítalo-brasileiro.188

Isso serviu de suporte teórico para os agentes que desenvolveram suas

atividades na Fundação Catarinense de Cultura e áreas afins; e, por extensão, aos

responsáveis pelo patrimônio cultural.

186 GONÇALVES, 2013b, p. 4. 187 SANTOS, Sílvio Coelho dos. Contribuição para o delineamento de subáreas culturais em Santa Catarina. Povo e Tradição em Santa Catarina. Florianópolis: Edeme, 1971. p. 60. Este texto foi primeiramente publicado em 1964, pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da Faculdade de Educação da UDESC. 188 GARCIA JUNIOR, 2002, p. 111.

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Theobaldo da Costa Jamundá, diretor da Divisão de Letras da Secretaria de

Cultura do Estado de Santa Catarina na década de 1970, foi um dos responsáveis por definir

o estado segundo esses pressupostos

Catarinense é quem nasce no território de Santa Catarina ou de alguma maneira legal recebe aquela qualificação. [...] Isto de alemão, italiano ou polaco de Santa Catarina é maneira circunstancial de qualificação permitida apenas por impressão visual. [...] As definições populares feitas ao acaso, não ditam regras nem favorecem a este mais que àquele. Catarinense do sul, do norte, do litoral ou da serra, são apenas catarinenses. Os valores catarinenses vinculados à composição dos valores brasileiros são confundíveis como os demais valores brasileiros elaborados nas demais unidades federativas. [...] valores catarinenses são os que brotam na área contida dos limites geográficos convencionados como inicio ou fim do território de Santa Catarina.189

O catarinensismo surgiu entendido como uma “maneira de cultivar a tradição

brasileira adjetivada como catarinense”,190 um novo olhar sobre o estado, visto, neste

momento, como um mosaico de culturas.

É neste sentido que o estado constitui-se como a soma das diversidades culturais de uma miscigenação indecisa entre a sustentação das variedades peculiares a cada microrregião e a homogeneização de uma identidade para cada uma destas microrregiões. E, neste sentido, vai se instalando a ideia de um mosaico cultural, que procurava aprender as culturas num plano que se queria horizontal; num conjunto de fragmentos colados lado a lado sob a aparência de uma relação de igualdade entre as culturas. [...] O deslocamento da formulação identitária que caminha do “açorianismo” para o “catarinensismo” acontece num momento de globalização acelerada, que, segundo Stuart Hall, estreita ainda mais os laços entre nações e coloca em evidencia o caráter híbrido da cultura nacional ou regional e também em meio a uma nova conjuntura internacional, onde os imigrantes “estrangeiros” deixam de significar uma ameaça [...] O contexto da Guerra Fria colocava diante do mundo ocidental um inimigo diferenciado: os “comunistas”, que não eram identificados por fatores como nascimento, descendência ou tradição cultural. Criou-se assim um momento propício para que os “estrangeiros”, neste caso, descendentes de imigrantes, passassem a ser incluídos nos discursos identitários. Eles eram então reabilitados enquanto sujeitos produtores e consumidores de cultura.191

Neste contexto, Garcia Junior infere que “serão atribuídas às colonizações o ato

de fundação dos espaços analisados e a elas estarão relacionados os elementos culturais

189 JAMUNDÁ, Theobaldo Costa. Catarinensismos. Florianópolis: Udesc/Edeme, 1974. p. 129-30. 190 JAMUNDÁ, 1974, p. 83-84. 191 SAYÃO, Thiago Juliano. Nas veredas do folclore. Leituras sobre política cultural e identidade em Santa Catarina (1948-1975). Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas/UFSC. Florianópolis, 2004. p. 28-29.

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denominados folclóricos”.192 O jargão que passou a ser utilizado foi “formação cultural das

regiões”, onde as diferenças culturais entre as regiões eram apresentadas, complementa o

autor, como um “produto da etnicidade dos seus elementos humanos”.193

Ressaltamos que perceber o estado através desta chave (mosaico cultural) foi

uma escolha política, e que outras leituras do estado poderiam ser possíveis. Para efeito de

ilustração, citamos dois exemplos que, na década de 1980, repercutiram no estado, embora

não tivesse uma formulação tão consistentemente construída. O primeiro deles, localizado

na ilha de Santa Catarina e sem pretensões de se constituir chave interpretativa para o

estado, faz referência à ressignificação do açoriano, que passa a ser identificado como o

mané da Ilha; e o segundo, mais elaborado do ponto de vista da argumentação, diz respeito

à construção da imagem do homem do Contestado – que, segundo o ex-governador

Espiridião Amin, seria o tipo humano que melhor representaria o estado de Santa Catarina.

No primeiro caso, o termo mané

[...] referia-se a um movimento iniciado no ano de 1987, que pretendia homenagear as pessoas identificadas com aquilo que os organizadores do Concurso Troféu Manezinho da Ilha entendiam como as características mais típicas dos habitantes de Florianópolis. [...] Para alguns, ser considerado mané, ao contrário de traduzir uma homenagem, trazia consigo o significado atribuído pelo dicionário: “indivíduo inepto, indolente, desleixado, negligente, palerma” e que remetia a forma como eram interpelados os moradores da parte rural de Florianópolis quando visitavam o núcleo urbano da cidade. Mané, nesse momento, não detinha positividade. Significava deboche e, assim, o recebimento do troféu não era considerado um feito positivo. 194

Entretanto, existia um lugar em que essas referências adquiriam outra forma,

passando a ser motivo de satisfação. Isso se vislumbra na exaltação de Florianópolis realizada

por Aldírio Simões, o “mané-mor”, de acordo com Chico Amante,195 que, ao observar o

crescimento da cidade e a consequente chegada de pessoas de outros estados, reforçava uma

identidade florianopolitana com base no passado idealizado da Ilha e cristalizado, de forma

nostálgica e estereotipada, nessa figura. De certa forma, reforçava os aspectos humanos

apregoados por Cabral em 1937, que, atualizados, dotavam de positividade este colonizador.

192 GARCIA JUNIOR, 2002, p. 53. 193 Ibidem, p. 54. 194 DIAS, Rafael Damaceno. Que invasão é essa? Leituras sobre conflitos socioculturais em Florianópolis (1970-2000). Dissertação (Mestrado em História) – SCHLA/Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2009. p. 84-85. 195 AMANTE, Francisco Hegidio. Somos Todos Manezinhos. Florianópolis: Papa-Livro, 1998.

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Quanto à imagem do homem do Contestado, construída na campanha de

Espiridião Amim para o governo estadual (1983-1986), era apresentada na proposta para a

cultura em seu governo (cujo slogan era “A vez do pequeno”).196 Em entrevista concedida à

Helena de Freitas Ferreira,197 Amin declarou que o objetivo de resgatar a memória daqueles

sertanejos, participantes diretos da contenda, era lhes fazer justiça. Afinal, o processo de

ocupação e colonização de Santa Catarina, que proporcionou um mosaico cultural, étnico e

econômico, cuja diversidade é patrimônio do catarinense possibilitava questionamentos:

Com efeito, do ponto de vista cultural, quem é o catarinense? Será o homem do litoral, de cultura marcantemente europeia? Será o “serrano” de traços gauchescos? Será o “oestino”, mescla euro-gaúcha? Nossa riqueza cultural é tão vasta e singular que impediu ao longo do tempo a formação de um “tipo” do qual se possa dizer: este é o “homem típico” catarinense.198

Ora, a resposta para estas perguntas está claramente exposta no livro e nos

discursos que acompanharam o ex-governador durante a década de 1980: o homem típico

catarinense é o homem do Contestado! Chamado de jagunço pelos historiadores oficiais,

representou em sua luta, para Amim, milhões de excluídos, no Brasil e no mundo. Teria

sido ele o responsável pela luta nacionalista que consolidou as fronteiras do estado; uma

luta ecológica contra a devastação dos recursos naturais pelas empresas estrangeiras.

Alertava o ex-governador que foi o homem do Contestado quem empreendeu uma luta

social contra a injusta propriedade da terra, uma luta trabalhista contra o capital

internacional, que não admitia o trabalho dos nativos e, por fim, fez uma luta contra a

opressão, por não admitir que alguém o fizesse escravo daquilo que era dele: “devemos

reconhecer o Homem do Contestado como o mais legítimo e singular dos catarinenses. É

muito importante que o resgatemos para a memória e como contribuição para uma

sociedade mais justa.”199

196 HELOU FILHO, Esperidião Amin. A vez do pequeno: uma experiência de governo. Florianópolis: Casa Civil, 1986. 197 FERREIRA, Helena de Freitas. Historiografia contestada. Santa Catarina em História. v. 1, n. 1. Florianópolis: Ed. UFSC, 2007. p. 94. 198 HELOU FILHO apud FERREIRA, 2007, p. 94-95. 199 AMIN, Esperidião. Guerra do Contestado: Sessão Solene da Câmara dos Deputados marca o centenário do conflito. Postado em: o nov. 2012. Blog. Disponível em: <http://www.esperidiaoamin.net.br/2012/ 11/08/ guerra-do-contestado-sessao-solene-da-camara-dos-deputados-marca-o-centenario-do-conflito/>. Acesso em: dez. 2014.

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No afã de construir essa identidade, o governo incentivou a produção e a

recuperação de uma memória através da folclorização e da mitificação, com ações de

restauração do cemitério do Irani e auxílio ao Museu do Contestado, localizado em

Caçador. Além disso, fez erigir um monumento ao homem do Contestado e espalhar placas

comemorativas em diversas cidades.200 A tentativa de criar uma identidade catarinense – na

qual condicionava ser catarinense a compartilhar as características dos sertanejos

envolvidos na Guerra do Contestado – foi tão presente, que apelou ao Conselho Consultivo

do Iphan, quando este deliberava sobre tombamentos ligados à imigração europeia, para

que a memória do homem do Contestado tivesse mais atenção dentro dos órgãos de

preservação.201

Todo esse esforço não teve os resultados esperados pelo ex-governador, e a

referência que acabou vingando no estado foi a sua relação com um mosaico cultural, no

qual todas as culturas têm importância e uma não deveria ser sobreposta à outra.

Na sua dissertação de mestrado, Fátima Althoff recuperou uma entrevista de

João Nicolau de Carvalho, primeiro administrador da Fundação Catarinense de Cultura, ao

Jornal Boi de Mamão, em 1981, na qual caracterizou o universo cultural catarinense:

O Estado de Santa Catarina, pela singularidade de sua colonização – germânica, açoriana, madeirense, italiana, vicentista, gauchesca – para citar as principais, sugere um verdadeiro arquipélago cultural, riquíssimo de manifestações artístico-culturais ainda não convenientemente inter-relacionadas. Talvez, sob este aspecto, o nosso Estado seja ímpar no Brasil. Entretanto, justamente por esta razão reside aí o maior desafio da Fundação Catarinense de Cultura, qual seja, o de fazer com que os catarinenses se reconheçam a si mesmos.202

Como podemos perceber, quando a Fundação Catarinense de Cultura iniciou

suas atividades e, mais especificamente, quando os agentes responsáveis pelo patrimônio

cultural começaram a mapear e inventariar o patrimônio do estado, já o fizeram a partir do

200 LAZARIN, Katiuscia Maria. Fanáticos, rebeldes e caboclos: discursos e invenções sobre diferentes sujeitos na historiografia do Contestado (1916-2003). Dissertação (Mestrado em História Cultural) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas/Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2005. 201 Conforme Ata do Conselho Consultivo do IPHAN, realizado em Florianópolis. 202 ALTHOFF, Fátima Regina. Políticas de Preservação do patrimônio edificado catarinense: a Gestão do Patrimônio Urbano de Joinville. Dissertação (Mestrado). Departamento de Arquitetura e Urbanismo/Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2008. p. 82.

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pressuposto do mosaico cultural, amparada numa historiografia que assim percebia o papel

da imigração na ocupação do estado catarinense.

Resta-nos saber de que forma estes técnicos olharam para os remanescentes dos

grupos étnicos que formaram o estado bem como o seu patrimônio. Nesse sentido é

fundamental compreender em que medida estes tombamentos em nível federal que

valorizam o patrimônio do imigrante se relacionam com a prática de preservação de Santa

Catarina. Ou seja, é imprescindível perceber como se dá o diálogo entre o Iphan e o órgão

responsável pela preservação do patrimônio no estado – através dos projetos executados por

estas duas instituições, responsáveis pela “invenção de uma identidade do imigrante

europeu” no estado, consolidada no imaginário, na política pública de Santa Catarina e

transformada em projeto nacional.

2.2 AS AÇÕES DAS INSTITUIÇÕES DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EM SANTA

CATARINA E O PATRIMÔNIO DO IMIGRANTE

Criada em 1979, a Fundação Catarinense de Cultura passou a ser responsável

pela preservação dos bens culturais, a partir da legislação que lhe conferia este poder.

Embora o Iphan se fizesse presente no estado desde 1938, através de tombamentos federais,

só passou a contar com um escritório em Santa Catarina em 1983, sob a chefia do arquiteto

Dalmo Vieira Filho.

Falar em preservação do patrimônio cultural em Santa Catarina é levar em

conta o trabalho destas duas instituições

A relação [entre FCC e Iphan] foi buscada desde os primeiros dias do estabelecimento do escritório [do Iphan em Santa Catarina]. Me lembro que as primeiras reuniões foram exatamente em cima de se agir em conjunto, até porque naquele momento a Fundação Catarinense tinha uma estrutura excelente, [...] com uma equipe técnica multidisciplinar envolvida com os temas, e o IPHAN tinha uma pessoa, depois passou a ter duas, então sempre buscamos essa parceria e contamos com a adesão dos funcionários.203

203 Entrevista com Dalmo Vieira Filho. Concedida à autora em 26 de maio de 2014.

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O papel de Dalmo Vieira Filho foi fundamental na consolidação desta parceria,

bem como nos rumos da política pública de preservação do patrimônio do imigrante no

estado de Santa Catarina e sua projeção em nível nacional. Personalidade de relevo, em se

tratando do cenário ligado à preservação do patrimônio cultural do estado, o arquiteto

esteve à frente do Iphan em Santa Catarina desde que era responsável pelo escritório

técnico, em 1983; foi seu diretor em 1989, quando o Iphan no estado se tornou a 12ª

Diretoria Regional, permanecendo no cargo até 1990. Assumiu a Diretoria de Patrimônio

Cultural da Fundação Catarinense de Cultura entre 1991 e 1994, retornando como

Superintendente da 12ª Diretoria Regional no período de 1995 a 2006. Atuou como Diretor

do Departamento de Patrimônio Material do Iphan, quando foi assinado o termo de

compromisso que tornou viável o Projeto Roteiros Nacionais da Imigração. Atualmente, é

presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis.

No período em que não esteve à frente do Iphan, esteve envolvido com as

discussões sobre patrimônio cultural na FCC. Desse modo, falar em preservação do

patrimônio em nível federal e estadual em Santa Catarina é falar em Dalmo Vieira.

Como foi abordado anteriormente, a FCC se pautava pela ideia de um

patrimônio cultural que representasse a diversidade de culturas no estado de Santa Catarina.

No entanto, ao observar os projetos desenvolvidos pela instituição, percebemos que, em um

dado momento, a instituição passou a dar destaque maior para algumas peças desse

mosaico, em detrimento de outras, implementando ações endossadas pela instituição

federal, visto que

Até a criação do escritório [do Iphan], já tinha vindo a Santa Catarina uma comitiva do governo alemão que então interagiu com a Fundação Catarinense de Cultura e com vários municípios. Foi feito um seminário aqui em Florianópolis sobre o valor do patrimônio do imigrante alemão. Quer dizer, se tinha uma noção, algo difusa, mas se sabia da importância desse patrimônio né, e nós [o Iphan] aprofundamos esse valor.204

Ao que tudo indica, o primeiro trabalho da FCC em relação à imigração foi um

levantamento do patrimônio de origem alemã realizada por seus técnicos através de

204 Entrevista com Dalmo Vieira Filho concedida à autora em 26 de maio de 2014.

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[...] um grande levantamento fotográfico para colher material visual para o primeiro seminário sobre arquitetura de influência alemã no estado, o Seminário sobre Desenvolvimento Urbano e Preservação do Patrimônio Histórico, em novembro de 1981.205

Este levantamento, iniciado nos municípios da Grande Florianópolis, como São

Pedro de Alcântara, se estendeu para as regiões do Vale do Itajaí, Norte e planalto Norte.

Nele, estão presentes tanto a arquitetura rural como urbana. A partir deste trabalho inicial

de mapeamento da arquitetura teuta, outras ações ganharam expressão, como o projeto

chamado Inventário das Correntes Migratórias.206 Iniciado em julho 1983 e concluído em

1984, segundo Virgínia de Luca,207 o projeto promoveu o cadastramento de edificações de

importância no contexto das várias etnias que compõem o panorama cultural catarinense:

povoamento açoriano (Laguna e São Francisco do Sul), colonização alemã (Joinville e São

Bento do Sul) e italiana (Urussanga e Nova Veneza).

Com recursos da subsecretaria do Sphan, foi desenvolvido com a participação

da Universidade Federal de Santa Catarina, Fundação Educacional da Região de Joinville,

Fundação Cultural de Joinville, Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina e

prefeituras municipais. Seus objetivos gerais eram:

[...] compreender o contexto histórico catarinense; conscientizar a população local para que auxiliem no processo de identificação de bens; articular os vários segmentos da sociedade através dos seus representantes para que se comprometam

205 ALTHOFF, 2008, p. 82. 206 FCC. Fundação Catarinense de Cultura. Programa Preservação da Memória Cultural. Projeto inventário das correntes migratórias, 1983. Segundo justificativa solicitada pelo Conselho Estadual de Cultura sobre os conceitos de inventário e correntes migratórias – elaborada pela Unidade de Patrimônio Cultural (cujo chefe é Edson Francisco Mendonza) – inventário se define como: “levantamento cadastral sob o ponto de vista histórico arquitetônico além da representatividade social que tiveram as edificações levantadas em questão”; e correntes migratórias corresponderiam “a todo processo que envolveu o povoamento de Santa Catarina quer no seu início quando bandeirantes e vicentistas se deslocaram para o sul acontecendo uma migração, uma movimentação interna, quer na formação de outros núcleos quando os açorianos vieram para Nossa Senhora Do Desterro e distribuíram-se ao longo do litoral catarinense. Esse contingente migratório passou a ser sensivelmente ampliado quando no século XIX inicia-se o processo de criação das colônias com elementos de origem estrangeira no incentivo a imigração alemã, estendendo-se depois a italiana, austríaca, polonesa, etc.”. Desta forma, o título do projeto procura conferir uma abrangência maior ao fenômeno do movimento migratório, em que os municípios escolhidos para o cadastramento seguiram razões históricas, além da disponibilidade dos governos municipais em participar dos custos na primeira fase de sua execução. 207 DE LUCA, Virgínia Gomes. O patrimonio arquitetônico e a paisagem cultural em sítios históricos rurais de imigração italiana. Dissertação (Mestrado). Departamento de Arquitetura/Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.

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103

com a preservação cultural em seu município; promover a revitalização dos bens inventariados quando em beneficio do desenvolvimento socioeconômico.208

Os objetivos específicos se preocupavam em inventariar as edificações de

“notável qualidade estética” ou particularmente representativas de determinada época ou

estilo; edificações intimamente relacionadas a fatos históricos ou a “pessoas de excepcional

notoriedade”; sítios ou paisagens agenciados pela indústria humana que possuíssem

especial atrativo; edificações e logradouros públicos já consagrados na memória coletiva

como ambientes tradicionais; edificações de valor ambiental urbano; edificações que, por

sua localização na malha urbana e área, fossem facilmente reciclados; caminhos, estradas,

ambientes vinculados à história local.209

Segundo documento produzido pela Fundação Catarinense de Cultura,

identificado como Programa da Preservação da Memória Cultural, Projeto Inventário das

Correntes Migratórias” – enviado em 22/04/1983 para Julio N.B. Curtis, diretor regional da

Sphan, o projeto de autoria da FCC –, os critérios utilizados para inventariar os municípios

foram a qualidade de acervo; a possibilidade de exemplificar o processo histórico da

ocupação do território; existência de estudo preliminar de identificação do acervo; inclusão

em algum programa de preservação; presença de núcleo urbano bem configurado; não

possuir equipe técnica em nível municipal suficiente para desenvolver o inventário.210 A

partir deste mapeamento inicial, os procedimentos seguintes foram analisar os bens

inventariados e traçar os níveis de proteção; elaborar instrumentos legais de proteção e

propor alterações nos planos diretores, quando conflitantes com a preservação cultural;

criar formas de incentivo aos proprietários de bens a serem preservados; definir normas de

uso do solo, especificando os tipos de intervenção permitidos e estabelecer critérios de

propriedade para a execução de obras preservacionistas.

A execução do projeto previa que a equipe técnica da FCC e a da Sphan

coordenassem um grupo de estudantes de arquitetura e história, tanto na Universidade

Federal de Santa Catarina como na Fundação Educacional do Estado. Parte da equipe faria,

em cada município, o levantamento de campo aplicando uma ficha cadastral às edificações de 208 FCC, 1983. 209 FCC, 1983. 210 Ibidem.

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104

valor, segundo critérios mencionados nos objetivos específicos, assim como o registro de

mapas. Outra parte da equipe ficaria responsável pela pesquisa documental e história oral.

Cada estudante deveria desenvolver o projeto no período letivo e no período de férias. Eles se

deslocariam aos municípios de ônibus; fariam duas viagens por mês ao município no período

letivo e uma viagem no período de férias – julho. No total, cada aluno trabalharia 34 dias.

Para que esta logística fosse possível, foi assinado um contrato que envolvia a

Fundação Nacional Pró-Memória,211 a FCC e as prefeituras municipais. Cabia à primeira

fornecer um técnico para a coordenação do inventário; recursos financeiros para as

despesas de pessoal, serviços e encargos e material de consumo; manter o contato com a

administração dos municípios; promover encontros em nível municipal sobre a

necessidade de preservação. À FCC ficava a responsabilidade de fornecer técnicos para a

coordenação do inventário; recursos financeiros para as despesas de material de consumo

e de remuneração de pessoal; manter contato com a administração dos municípios;

promover encontros em nível municipal sobre a necessidade de preservação; compilar as

informações obtidas durante o inventário; divulgar por via direta e indireta os objetivos

do projeto. Por fim, as prefeituras municipais deveriam se encarregar de fornecer

hospedagem aos estudantes durante os trabalhos de pesquisa de campo; colaborar no

trabalho de coleta de dados durante a execução do projeto; fornecer alimentação e

transporte interno aos estudantes.

Através desta incursão ao campo, se tem uma das primeiras caracterizações do

patrimônio catarinense. Segundo a arquiteta Lilian Mendonça Simon, “o acervo inventariado

caracteriza-se basicamente pela ausência de monumentalidade e diversidade de técnicas

construtivas e de tipologias arquitetônicas”212 – descrição essa encontrada repetidamente nos

textos sobre o patrimônio de Santa Catarina, na sua maioria, de autoria de Dalmo Vieira:

211 Fundação Nacional Pró-Memória (FNPM), criada em 1979, como órgão operacional da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), teve como a sua primeira tarefa identificar e cadastrar os monumentos e sítios históricos, com o objetivo de conhecer melhor, preservar e valorizar o patrimônio cultural. 212 SIMON, Lilian Mendonça. Documentação e monitoramento de sítios urbanos históricos, com o apoio do cadastro técnico multifinalitário e da fotogrametria digital. Estudo de caso: Laguna. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2000. p. 18

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105

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106

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110

das atividades desenvolvidas até então, ressaltando-se o fato de que o projeto iniciado em

1983 já cadastrara uma média de 500 edificações e que necessitaria de mais recursos para

sua finalização. O documento citou como principais desdobramentos o tombamento federal

do Centro Histórico de Laguna e a solicitação de tombamento de São Francisco do Sul nos

mesmos moldes. Informou ainda que teriam sido criadas propostas de roteiros culturais em

duas áreas distintas do estado, “partindo do litoral para os vales do Itapocu e Itajaí, que

buscarão valorizar as áreas em apreço”.220 Propunha ainda a continuidade do projeto,

solicitando que este se estendesse aos municípios de Timbó, Itupava, Guabiruba, Garibaldi,

Schroeder e Massaranduba.

Em 11 de junho de 1986, o conselheiro da Fundação Catarinense de Cultura

Theobaldo Costa Jamundá se posicionou a favor da continuidade do projeto e submeteu sua

aprovação ao Conselho Estadual de Cultura, que solicitou alguns esclarecimentos relativos

ao título do projeto, ao número de edificações cadastradas e a forma como os resultados

finais seriam apresentados. Em resposta, Edson Francisco Mendonça, chefe da Unidade de

Patrimônio Cultural,221 enviou o relatório ao presidente do Conselho Estadual de Cultura,

para que fosse votado.

Segundo Fatima Althoff, “essa continuidade só se deu através do escritório

técnico da Fundação Nacional Pró-Memória, em Pomerode e Timbó, no ano de 1984. No

município de Pomerode o trabalho ficou em parte assumido pelo próprio município,”222 e

deixou de existir logo depois.

Outro trabalho desenvolvido em Santa Catarina nas áreas de imigração ocorreu

em 1983, quando a FCC iniciava o inventário das Correntes Migratórias: o inventário de

emergência. O estado fora atingido por catastróficas enchentes, que inundaram grande área

do território norte, principalmente os vales dos rios ocupados pelos primeiros imigrantes

alemães. Para avaliar a extensão dos danos e o impacto sobre o patrimônio cultural

complementar e compilação do material analisado. Processo número 078/86 encaminhada pela Unidade de Patrimônio Cultural da FCC. Entidade ligada à Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo. [sem data]. 220 SANTA CATARINA, [sem data], folha 1. 221 Ibidem. 222 ALTHOFF, 2008.

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112

O saldo desta ação foi o destaque para a arquitetura europeia – através do

tombamento, já no início dos anos 1990 – de aproximadamente 200 imóveis, tanto no meio

urbano quanto rural.225 Estes tombamentos e os encontros promovidos pela FCC, com o

apoio da 11ª SR Iphan, contribuíram para a visibilidade deste patrimônio.226 Em 1985, a

FCC se integrou ao projeto Caminho das Tropas227 e, em 1986, ao Mapeamento Cultural.228

Podemos dizer que foram as enchentes e a possibilidade de desaparecimento do

patrimônio localizado nas áreas de risco que motivaram os trabalhos de ampliação dos

inventários nestas áreas. Aliás, foi a partir das enchentes que também atingiram Blumenau,

como explica Maria Bernardete Ramos Flores,229 que o local conhecido, até então, como “a

cidade das malhas” passou a ser identificado como “a cidade da Oktoberfest”. Esta relação

buscava, na transformação da cidade, em uma cidade alemã – comercializar identidades

étnicas como produto turístico.

No final dos anos 1980, o Sphan através da sua 10ª Coordenadoria Regional,

propôs a ampliação do inventário na área de imigração alemã e selecionou as edificações

mais significativas na técnica enxaimel e em alvenaria autoportante, tanto nas áreas urbanas

como nas áreas rurais dos municípios de Blumenau, Pomerode, Timbó, Indaial, Joinville,

São Bento do Sul e Jaraguá do Sul. Esse inventário contribuiu para que essas referências da

arquitetura alemã fossem minuciosamente levantadas, através de desenhos das plantas,

elevações e implantação em escala 1:20 e detalhes 1:10. “Os detalhes dos desenhos são

extremamente realistas, chegando ao requinte do desenho de tijolo por tijolo, tábua por

tábua.”230

225 DE LUCA, 2007, p. 66. 226 ALTHOFF, 2008, p. 84. 227 ANTIGO CAMINHO DAS TROPAS. Site. Disponível em: <http://www.antigocaminhodas tropas.com.br>. Acesso em: 25 maio 2014. 228 Segundo Althoff (2008), para este projeto foram realizadas oficinas em 4 municípios: Governador Celso Ramos, Nova Veneza, Campo Alegre e São José do Cerrito. Os técnicos da FCC capacitavam agentes culturais para realizar um mapeamento do universo cultural dos municípios, com o objetivo de estabelecer diretrizes e ações culturais prioritárias. 229 FLORES, Maria Bernardete Ramos. Oktoberfest: turismo, festa e cultura na estação do chopp. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1997b. 230 SIMON, 2000, p. 86.

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231 SIM

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113

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114

O Inventário das Correntes Migratórias e o Inventário de Emergência não

apenas acabaram por privilegiar a identificação do legado do patrimônio do imigrante

alemão – ameaçado por enchentes – como endossaram a ideia de privilégio dado às

identidades europeias. Além disso, essas duas ações colaboraram para a criação de um

documento pela Fundação Nacional pró-Memória, denominado Plano de Desenvolvimento

e Valorização do Legado Construído do Imigrante Alemão em Santa Catarina,232 que

pautou a criação Projeto Roteiros Culturais.

Tal projeto teve importância significativa nos rumos da preservação do

patrimônio do imigrante no estado, não apenas por atentar para as edificações, mas por criar

parâmetros para o desenvolvimento e a valorização da área de proteção cultural e

paisagística233, definindo seus limites, regulamentando seu uso e sua ocupação. Além disso,

o caráter vanguardista deste projeto se deve ao fato de sugerir, para o estado de Santa

Catarina, que o patrimônio cultural do imigrante alemão pudesse se tornar um atrativo

turístico, através da instituição de roteiros culturais.

O documento denominado Plano de Desenvolvimento e Valorização do Legado

Construído do Imigrante Alemão em Santa Catarina deliberou sobre três aspectos relativos

à paisagem rural do patrimônio em questão: a ocupação e o uso do solo, as edificações e os

pontos de produção cultural. Em relação ao solo, definiu como zona especial, ou área

específica de preservação como

[...] a área de uso predominantemente agrícola. Será vedada a instalação, funcionamento ou permanência de atividade incompatível com a natureza do sítio, que provoque o seu perecimento ou que interfira em suas características, alterando-lhe a feição original ou por em risco sua integridade.234

Definiu ainda a área dos lotes, sua testada mínima, seus recuos, as cotas

permitidas para as novas construções, o gabarito permitido para as edificações e a taxa da

ocupação das áreas. Alertou para o que poderia ou não ser realizado na área em questão:

“Não serão permitidas obras de desmonte, terraplanagem, aterro, desmatamento, derrubada

232 FNPM. Fundação Nacional Pró-Memória. Plano de Desenvolvimento e Valorização do Legado Construído do Imigrante Alemão em Santa Catarina. Florianópolis, [sem data]. 233 Ibidem. 234 Ibidem, Art. 1°, Seção I, Capítulo 1. Folha 1.

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115

de árvores, bem como qualquer outra que altere a feição da paisagem natural ou o equilíbrio

ecológico.”235

Também ficam proibidas ações que implicassem na descaracterização dos

caminhos, como pavimentação asfáltica, supressão ou alargamento de vias. Da mesma

forma, não poderiam ser colocados letreiros ou qualquer forma de publicidade em terreno

vago, na fachada e cobertura das edificações. A implantação de redes aéreas elétricas e

telefônicas deveriam ser, sempre que possível, evitadas. A respeito das edificações, o plano

orienta que, no caso das novas, “deverão compatibilizar-se com as características culturais e

paisagísticas existentes. Não deverão recorrer à imitação, mas estarão sujeitas às normas

visando sua adequação ao conjunto constituído.”236

Este mesmo documento orienta que, em relação às demarcações das propriedades,

não se utilize alvenaria e tijolo à vista, grades de ferro ou qualquer elemento de efeito

semelhante. Foram permitidas cercas de arame, tela, madeira, ou definidas por vegetação de

qualquer espécie. O tratamento externo das edificações com valor histórico deve ser de tijolo à

vista, rebocado com superfície plana ou de madeira pintado com cores neutras.

Em relação às edificações sem valor histórico, permitem que estas sejam

demolidas e não permitem a reforma e/ou a ampliação das edificações de valor histórico-

cultural sem a devida autorização do órgão competente. Estipula o trato das edificações

com valor histórico-cultural, reforça a não permissão de demolição de edificações de valor

histórico-cultural e não permite a descaracterização de elementos originais. Quando forem

necessárias ampliações nas edificações, deverão seguir as especificidades que constam no

documento. À edificação descaracterizada será admitida a recuperação das características

originais significativas de cobertura, paredes externas, esquadrias, vedações, acabamentos e

ornamentos. Quanto às adaptações para a melhoria das condições hidro-sanitárias, estas

serão permitidas se não descaracterizarem o imóvel, da mesma forma que serão permitidos

serviços de manutenção, conservação e restauração dos elementos construtivos originais

das edificações.

235 FNPM, [sem data], Art. 10, Capítulo 1. Parâmetros para o desenvolvimento e valorização da área de proteção cultural e paisagística. 236 Ibidem, Seção I. Capítulo II. Parâmetros para o desenvolvimento e valorização da área de proteção cultural e paisagística.

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Estas especificações dizem algo: são pareceres e indicações de caráter

exclusivamente técnicos, mesmo em se tratando de temas históricos. Algo que é recorrente

na avaliação do bem.

O último aspecto abordado no documento diz respeito aos pontos de produção

cultural. São valorizadas as unidades de produção e seus equipamentos com características

artesanais ou semi-artesanais de referência cultural, que gozarão dos seguintes incentivos:

Serão reconhecidas como de utilidade pública por parte da administração local; Poderão ser isentas de taxas e/ou impostos em nível municipal; A existência e divulgação das características e qualidades de produtos derivados de técnicas ou instrumentos de referência cultural deverão integrar prioritariamente as programações de cultura e turismo do município; Será tarefa do município, constatada a dificuldade de mercado, auxiliar a venda dos produtos de referência cultural, através de promoções, atestando a qualidade dos produtos, criação de postos de venda fixos ou ambulantes; Será competência da administração, impedir o desaparecimento de conhecimentos e técnicas que constituam legado cultural, tornando prioritária a transmissão de conhecimento em sua estrutura de educação e cultura; O município se encarregará de promover concursos anuais de qualidade em suas principais áreas de produção. As unidades premiadas serão privilegiadas na elaboração das promoções culturais e turísticas. Será ainda, encargo da administração, destacar, valorizar e divulgar algumas unidades de produção que melhor exemplificam o processo de fabricação de produtos artesanais. (Artigo 1 do Cap. III dos Parâmetros para o desenvolvimento e valorização da área de proteção cultual e paisagística.237

Os demais artigos tratam da possibilidade de reativar unidades de produção

artesanal ou semi-artesanal de referência cultural e da possibilidade de se incluir novas

unidades de produção artesanal, desde que relacionadas ao contexto cultural. A partir destes

critérios, o documento criou uma área de proteção cultural e paisagística denominada

Roteiro Cultural, definindo seus limites e regulamentando seu uso e ocupação:

Santa Catarina possui sem dúvida um potencial turístico que associa paisagens naturais de rara beleza ao patrimônio histórico-cultural singular. É possuidora de cidades de pequeno e médio porte marcadas pelas construções típicas dos imigrantes que deixaram sua marca não só na arquitetura mas também nos seus hábitos alimentares, festas, costumes, modos de fazer e de viver. Possuem ainda cenários reais e pequenos vilarejos. É nessa valorização do acervo cultural ainda existente que se baseia o projeto dos Roteiros Culturais.238

237 FNPM, [sem data]. 238 FCC. Fundação Catarinense de Cultura. Projeto Roteiros Culturais Sul. Florianópolis, 1987.

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A justificativa que dotou de potencial turístico o patrimônio cultural localizado

em áreas rurais e relacionado aos imigrantes começa a ser valorizada formalmente a partir

das discussões feitas pela Fundação Catarinense de Cultura; mais tarde, integraram os

programas de SANTUR, compreendidos como atrativos turísticos alternativos ao já

consagrado turismo realizado em Santa Catarina: o turismo de praia.

O Projeto Roteiro Cultural, de forma específica, teve como ponto de partida um

estudo dos antecedentes da ocupação do estado pelos imigrantes, a caracterização da

paisagem rural na área de imigração alemã e a proposta de proteção da paisagem rural.

Pretendeu, num primeiro momento, proteger o patrimônio edificado e assegurar

a vocação agrícola da área, bem como implementar ações no circuito dos Roteiros, como

por exemplo: o tombamento de algumas unidades; a revitalização de algumas unidades para

uso público (parques, centros comunitários); incentivo à produção e comercialização de

produtos regionais; criação de museu rural e unidades museólogas integradas; proteção

legal dos circuitos dos Roteiros Culturais.239

Foram propostos um Roteiro para a região do vale e outro para a região

nordeste, detalhando para ambos os casos: as unidades a serem tombadas em nível

nacional; unidades a serem revitalizadas e quais seriam as propostas de utilização;

identificação de produtos regionais e unidades de comercialização; identificação de

unidades rurais exemplares pela ótica museológica e por fim, identificação de áreas de

interesses paisagísticos.

No entanto, os técnicos da FCC, ao perceberem que a área de imigração alemã

era objeto de estudos bastante detalhados por parte da 10ª Coordenadoria Regional do

Iphan, desenvolveram, em conjunto com a direção do órgão responsável pelo patrimônio

cultural, uma proposta de trabalho voltada para a colonização italiana do sul do estado,

“pois até então ela carecia de ações efetivas e de propostas concretas no que se refere à

valorização de seu patrimônio cultural e ambiental.”240

239 FNPM, [sem data]. 240 FCC, 1987.

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Surgiu então o projeto Roteiros Culturais Sul,241 em parceria com a FCC, o

Ministério de Cultura e as prefeituras municipais, previsto para o segundo semestre de 1987,

cuja área de abrangência foi a região sul do estado de Santa Catarina. Seu principal objetivo foi

[...] preservar e revitalizar o patrimônio cultural na região sul do estado de Santa Catarina, com fortes influências da colonização italiana, fomentando o desenvolvimento de condições favoráveis à manutenção das produções de tipo caseiro garantindo o retorno social, cultural e financeiro às populações envolvidas através do estabelecimento de Roteiros Culturais.242

Para este projeto

[...] foram selecionadas edificações do Vale do Itajaí, Timbó e Pomerode, no norte, nas áreas rurais de São Bento do sul e de Joinville, e no Sul, nos municípios de Urussanga, Nova Veneza, Pedras Grandes e Orleans, e no documento técnico Relatório das atividades da diretoria de Patrimônio Cultural, é estimada a ‘maior ação de proteção desencadeada no Brasil.’ 243

Esta ação, segundo Althoff, era ambição de Dalmo Vieira, uma vez que estes

tombamentos poderiam ser incorporados ao futuro Projeto Roteiros Nacionais de Imigração.244

Entre outros objetivos do Projeto Roteiros Culturais Sul, podemos destacar:

a) implantar roteiros culturais adequados a área, possibilitando uma visitação criteriosa e com fundamento nas raízes culturais da região de colonização italiana no sul do estado de SC; b) conscientizar a população do valor e da necessidade de preservar seu patrimônio cultural; c) promover a dinamização da atividade produtiva de tecnologia patrimonial e garantir o escoamento dessa produção, provocando, consequentemente, a manutenção dessas atividades, hoje em declínio, viabilizando uma interrelação com o museu ao Ar livre de Orleans; d) incentivar, através de benefícios fiscais, a continuidade da produção de tipo “caseiro”; proteger legalmente as áreas de interesse cultural, paisagístico e produtivo; e) divulgar, através dos meios de comunicação, as áreas de interesse cultural implementando itinerário histórico cultural.245

241 Assinam como pesquisadores organizadores do projeto: Lilian Mendonça Simon; Eugenio Pascele Lacerda; Maria das Graças Silva Prudêncio; Fatima Regina Althoff; Andréa Marques Dal Grande. Realização dos Mapas fica a cargo de Márcio Alves Eda. 242 FCC, 1987. 243 ALTHOFF, 2008, p. 90. Fala semelhante a esta foi proferida por Dalmo Vieira, quando do lançamento do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração. 244 Ibidem. 245 Ibidem.

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A principal justificativa deste projeto estava ancorada na importância que os

grupos étnicos tinham nas ações da FCC (como o Inventário das Correntes Migratórias)

pelos seguintes aspectos: necessidade de diminuição do êxodo rural nas áreas

compreendidas por esta ação; ampliação da comercialização dos produtos fabricados nas

propriedades rurais de toda a região; ampliação da oferta de atrativos turísticos em todo

estado catarinense, especialmente nos meses de inverno; e criação de novas oportunidades

de trabalho e captação de recursos em toda região.246

[...] o estabelecimentos de rotas culturais regionais tem sido uma alternativa eficaz encontrada por empresas públicas ou privadas no sentido de divulgar e preservar o patrimônio cultural e o potencial turístico de uma determinada região. O desenvolvimento turístico fundado nas características sócio-culturais da região é a forma inteligente de criar uma consciência de preservação, ao mesmo tempo em que fortalece os laços comuns das populações locais, com o retorno econômico possibilitado pela presença do turista. Este é o objetivo maior do Roteiros Culturais Sul, quando visa dar maior oportunidade ao turista que vem ao sul do estado, conhecer e vivenciar uma das correntes migratórias que influenciou consideravelmente a formação cultural do Estado de SC: a italiana.247

O discurso presente nos textos do projeto endossam a imagem da imigração e

do imigrante tão divulgada, em certa medida, pela historiografia tradicional, bem como os

apresenta como grupos que aguardam pela visitação de turistas:

[...] abandonados pelas companhias de colonização e pelo governo da província [no qual] enfrentaram grandes dificuldades de sobrevivência nos primeiros anos, prejudicando-os sensivelmente no que diz respeito à arte e ao desenvolvimento de uma cultura de nível mais elevado. [...] A simplicidade deste povo era muito grande, mas enorme também era a vontade de melhorar seu padrão de vida. [Com] este espírito alegre e companheiro herdado desta brava gente ainda se faz presente na alma de cada habitante desta região que com muita hospitalidade espera de braços abertos os companheiros visitantes.248

Enfim, é este imigrante que o projeto Roteiros Culturais Sul convidava a

conhecer. Para tanto, suas ações envolveram:

a) Parceria com os municípios envolvidos e órgãos do governo estadual representados pela FCC, SANTUR, EPAGRI e SEBRAE

246 FCC, 1987. 247 Ibidem. 248 Ibidem.

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O Roteiro 2, Urussanga – urbano/rural, enfatizou o patrimônio das duas áreas,

com destaque para a paisagem rural das localidades:

[...] a área urbana, composta na maioria por edificações do início do século no contorno da praça central e vizinhanças. Destaque para o sobrado neoclássico e as vinículas. A área rural do roteiro é composta pelo Rio América, do Salto e Caeté. Destaque para a propriedade da Família Bez Fontana que por si só já justifica uma visita especial tendo em vista o potencial de paisagem, unida desde produção, acervos de marcenaria e residência familiar e o referencial que representa para Urussanga. A propriedade de Geraldino Mariot atualmente pertencente a Newton Bortolotto, belo exemplear de pedra. A presença do conjunto da Estação de trem e casa do Agente marcam a importância da estrada de ferro Dona Tereza Cristina.252

O Roteiro 3, Tubarão Urussanga – acesso Morro da Fumaça, destacou o

caminho rural: “este caminho segue pelo acesso ao Morro da Fumaça com alguns sobrados

na área urbana. Destaque para o percurso são alguns pontos de produção de embutidos,

granja, construções singelas, Igreja de São Pedro, etc.”253

O quarto roteiro, Urussanga/ Criciúma/ Nova Veneza, destacou os bens

culturais de Criciúma, como o Museu Augusto Casa Grande, Museu da Mina Modelo e o

Memorial da Cidade. Em Nova Veneza, foram destacadas algumas edificações no entorno

da Praça, a antiga sede da Companhia Colonizadora (hoje integrada ao hospital), o atual

Museu do Imigrante, o conjunto edificado em pedra (da Família Bratti), implantado numa

paisagem semi-rural, um dos melhores exemplos da arquitetura italiana no sul do estado. 254

O quinto e último roteiro, Tubarão/ Urussanga – via Gravatal e Orleans,

destacava que:

[...] partindo de Gravatal e seguindo a São Ludgero, temos as instalações do seminário, e a paisagem do Morro da igreja, de extraordinária beleza. Em Orleans destaque para as esculturas em pedra de Zé Dabo, o Museu ao Ar Livre, a produção local de vinho, queijo e embutidos. Este roteiro se completa com algumas edifucações ao longo do caminho, belos exemplares e a Igreja São Gervásio e São Protásio, destaque da arquitetura religiosa em toda a região.255

252 FCC, 1987. 253 Ibidem. 254 Ibidem. 255 Ibidem.

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Foi um momento em que nós retomamos a iniciativa. Até então nós encontramos o estado naquele momento com menos de vinte bens tombados e todos eles, sem nenhuma exceção, bens baseados lá no conceito de 1930 dos grandes monumentos: o Palácio Cruz e Souza, o Mercado Público. Bem, quando a gente saiu eram mais de duzentos os tombamentos propostos, dentro do conceito de dois projetos. Um que se chamava Preservação da Identidade das Cidades em Santa Catarina que era uma tentativa de preservar os elementos assim, icônicos, os elementos que conferem singularidade à cidade. As cidades como Joinville, São Bento, Itajaí, Blumenau, eu me lembro foram tomados cerca de trinta imóveis particulares na Rua 15; em Joinville um número considerável, em Itajaí também. Eu pessoalmente avalio como uma das ações mais importantes não só pro campo do patrimônio, mas pro campo mesmo do desenvolvimento urbano de Santa Catarina, porque se não fosse ela é, as nossas cidades teriam perdido muito dos seus – mais do que perderam – elementos simbólicos né, foi bastante importante.256

Karla Fonseca destaca que, segundo Fátima Althoff,

[...] durante o governo estadual de Vilson Kleinubing (1991-1994), foi desenvolvido o Programa Turismo Cultural, no qual as ações de preservação do patrimônio estavam submetidas às áreas de Comércio e Turismo. Baseada neste programa, a Diretoria de Patrimônio Cultural da FCC elaborou e executou três projetos: Identidade das Cidades Catarinenses, Roteiros Culturais da Imigração e Arquitetura Religiosa de Santa Catarina. [...] Estes projetos embasaram posteriormente as justificativas dos tombamentos realizados neste período.257

É necessário deixar claro que ao menos um dos projetos que começaram a ser

executados pela FCC em 1990 – Roteiros Culturais da Imigração, assim chamado por

Althoff para se referir ao Projeto Roteiros Culturais Sul – já estava sistematizado desde

1987, conforme apontado anteriormente. Sua execução estava ligada diretamente ao

tombamento dos bens localizados nas áreas de sua abrangência (tarefa que foi empreendida

pela FCC, em dezembro de 1994).

Nos últimos dias do governo de Vilson Kleinubing,258 foi realizada uma grande

ação de proteção ao patrimônio, instaurando-se 211 processos de tombamento de

edificações urbanas, em 26 municípios catarinenses.259 Tais processos privilegiaram o

patrimônio cultural dos imigrantes europeus no estado, principalmente em Blumenau,

256 Entrevista com Dalmo Vieira. Concedida à autora em 26 de maio de 2014. 257 FONSECA, 2014, p. 60-61. 258 Vilson Pedro Kleinubing (Partido da Frente Liberal – PFL/SC) foi eleito governador do estado de Santa Catarina em 1990. Exerceu seu mandato de janeiro de 1991 a abril de 1994, quando foi substituído por seu vice, Antônio Carlos Konder Reis, que permaneceu no cargo até dezembro de 1995. 259 COTEATE. Comissão Extraordinária de Avaliação dos Tombamentos Estaduais. Atas da Comissão Extraordinária de Avaliação dos tombamentos Estaduais, 1995. p. 43.

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Joinville, Itajaí, Urussanga, São Bento do Sul, Lages e Florianópolis. Karla Fonseca destaca

o quanto este processo gerou descontentamento e contestações

[...] por parte de proprietários de bens tombados e prefeitos municipais, tomados de surpresa com as medidas adotadas pelo órgão estadual. Esta insatisfação foi manifestada de diferentes formas, entre elas as impugnações aos processos feitas pelos proprietários, muitas vezes auxiliados por advogados.260

As entrevistas realizadas por Karla Fonseca mostram o quanto as arquitetas da

FCC, que respondiam pelas questões técnicas dos tombamentos, sofriam pressão para

emitir as notificações de tombamento e, de outro lado, para que parassem o processo. 261

Dois meses após a posse do governador Paulo Afonso Evangelista Vieira,262 a

direção geral da FCC emitiu um ofício suspendendo “até segunda ordem, os procedimentos

e/ou etapas seguintes do processo de tombamento dos imóveis notificados.”263 A situação

se resolveu, em parte, em 1995, quando antigo e novo governo instalaram a Comissão

Técnica Extraordinária de Análise dos Tombamentos Estaduais – COTEATE, para revisar

os processos anteriores de tombamento. A comissão era formada por representantes da

FCC, do Iphan, do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF, do Instituto

de Arquitetos do Brasil – IAB, da Universidade Federal de Santa Catarina e dos municípios

interessados. Depois de uma série de reuniões, a Comissão elaborou um relatório sobre os

processos que deveriam ter continuidade.

A partir de estudo minucioso, Karla Fonseca infere que “é possível afirmar que

a COTEATE pautou suas decisões em critérios arquitetônicos, urbanísticos e históricos,

vinculados prioritariamente à identidade étnica expressa nas edificações de cada região.” 264

Dos 211 processos reavaliados, 31 imóveis foram descartados e outros 12 foram inseridos

na lista para homologação dos tombamentos – o que só ocorreu no ano 2000, com a

publicação do decreto de homologação dos tombamentos.

Sobre a contestação dos processos e a instalação da COTEATE na década de

1990, Dalmo Vieira, diretor de Patrimônio na época, pondera:

260 FONSECA, 2014, p. 60. 261 Ibidem, p. 63. 262 Paulo Afonso Evangelista Vieira, eleito pelo Partido do Movimento Democrático Nacional. 263 FONSECA, 2014. 264 Ibidem, p. 74.

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A Fundação Catarinense e a área de cultura de Santa Catarina de um modo geral, infelizmente foi sempre muito afetada pelas divisões políticas né e aí políticas mesmo no sentido menor, partidárias. A Fundação Catarinense de Cultura depois desse primeiro momento de criação e desse apogeu, ela foi continuamente depauperada, foi perdendo seus técnicos e houve um momento em que a instituição não tinha um carro pra fazer fiscalização de bens. [...] Isso se deu através de designação de chefias despreparadas, melhor dizendo, não envolvidas com o tema né. Houve um progressivo afastamento da Fundação, digamos, do cenário principal dos acontecimentos, infelizmente né. [...] Eu advogo que o estado poderia ter um papel muito mais intenso. No conjunto do estado de Santa Catarina, cidades como Lages, Itajaí, deveriam ter tido patrimônios mais importantes preservados. Isso hoje estaria em sintonia com as noções de desenvolvimento. Mesmo os tombamentos que a gente fez, que até hoje, acho que configuram, não sei, 90% dos tombamentos praticados na história do estado, e isso que foram, num primeiro momento, muito contestados também por governantes despreparados que não tinham noção do papel que o patrimônio tinha.265

Em 2006, foi implementado o projeto Resgate do Patrimônio Histórico, através

de parceria entre a Fundação Catarinense de Cultura – representada pelas Secretarias de

Desenvolvimento Regionais – e prefeituras municipais, que, por meio da Associação dos

Municípios do Alto Vale do Itajaí (AMAVI), trabalharam de forma conjunta. Em 2008, foi

criado o Projeto Identidades, integrando as políticas do governo do estado. Por meio da

Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte e da Fundação Catarinense de Cultura

[...] quer transformar o legado histórico e cultural em produto turístico atraente internacionalmente. Tais ações, embasadas no mapeamento e conservação de edificações e costumes catarinenses, visam também o fortalecimento das tradições locais e de sua disseminação para as presentes e futuras gerações. As atividades como as oficinas culturais, que envolveram quase 30 municípios catarinenses e mobilizaram 40 agentes culturais no Alto Vale do Itajaí e experiências já realizadas em outras cidades demonstram o sucesso da parceria com as 36 Secretarias de Desenvolvimento Regional por todo o Estado e com as prefeituras municipais.266

Observa-se que é recorrente a observação da existência de uma identidade

étnica catarinense; pretensamente diversa, porém, ainda calcada nestas questões. O que

chama a atenção no projeto é que a atribuição de sentido ao patrimônio foi realizada

também pelas comunidades, pela intermediação dos gestores culturais.

265 Entrevista com Dalmo Vieira. Concedida à autora em 26 de maio de 2014. 266 FCC. Fundação Catarinense de Cultura. Cadernos do Alto Vale: arquitetura, ofícios e modos de fazer. Florianópolis: FCC, 2009. Disponível em: <http://www.fcc.sc.gov.br/patrimoniocultural//arquivosSGC/ 2009042823Cadernos_do_Alto_Vale.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2014. p. 7.

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O Estado de Santa Catarina é composto de uma profunda diversidade étnica, onde podem ser encontrados traços de sua colonização em cada uma das cidades ou regiões de seu território. Assim sendo, é fundamental que as especificidades de cada região sejam reconhecidas, valorizadas, perpetuadas e respeitadas, para que possa ser identificada a origem das formas atuais de suas cidades, celebrações, gastronomia, saberes, dentre tantas outras manifestações materiais e imateriais ainda remanescentes. Nosso desafio está em garantir que essa identificação possa acontecer em conjunto com os detentores dessas expressões, para que o que for apresentado corresponda à realidade das comunidades em um dado momento.267

Este projeto, além de otimizar os trabalhos de inventariação, proteção e

valorização do patrimônio cultural catarinense, aposta no desenvolvimento de ações de

educação patrimonial, por meio de incentivos a secretarias regionais, municípios e

comunidades. Na região de abrangência do projeto, foram mapeados aproximadamente 500

bens culturais; destes, cerca de 300 foram inventariados até o momento, com registro na

forma de cadernos, publicados e distribuídos na região, servindo de referência para o

desenvolvimento de educação patrimonial.268 Atualmente, a FCC lança periodicamente os

inventários e as atividades realizadas nas regiões contempladas no Projeto Identidades.

As ações implementadas pela Fundação Catarinense de Cultura e pelo Iphan em

Santa Catarina, descritas até aqui, deram visibilidade ao patrimônio do imigrante no estado.

Seja no levantamento fotográfico realizado nas áreas de imigração alemã, que deu suporte

para o Congresso de Desenvolvimento Urbano do Estado (1983); no Inventário das

Correntes Migratórias (1984); no Inventário de Emergência (1984); no Projeto Roteiros

Culturais, proposto pelo pró-Memória (1987); no Projeto Roteiros Culturais Sul (1987),

realizado em parceria com o pró-Memória e a FCC; no Projeto Resgate do Patrimônio

Histórico da FCC (2006); e no Identidades (2008), em todos, o alvo da preservação foi o

patrimônio dos imigrantes, representado basicamente pelas imigrações alemãs e italianas.269

Além destes projetos, que partiram das instituições públicas responsáveis pela

salvaguarda do patrimônio e que buscaram, através da divulgação, dar visibilidade a esses

bens como potencialidades turísticas, outras iniciativas de cunho particular também se

apropriaram deste patrimônio, cujo valor já se consolidara, e criaram seus próprios projetos. 267 FCC, 2009, p. 11. 268 Ibidem. 269 Para conhecer os bens tombados no estado de Santa Catarina pela Fundação catarinense de Cultura, instituição responsável pelos tombamentos estaduais, consultar informações disponíveis no site: <http://www.fcc.sc.gov.br/patrimoniocultural//pagina/4388/benstombados>. Acesso em: jun. 2014.

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É o caso do Projeto Acolhida na Colônia, que surgiu na França em 1987, e que no Brasil

existe desde 1999.270

A trajetória da FCC, que desde o início dos anos 1980 valoriza este patrimônio,

chegou ao ápice em 2007, quando, juntamente com o Iphan e seus parceiros, lançou o

projeto Roteiros Nacionais de Imigração, coroando uma política de preservação do

patrimônio étnico, conforme sinalizado na introdução deste texto. Se, por um lado, a

trajetória descrita mostra que o estado de Santa Catarina teve projetos ou ações de

preservação que valorizaram o patrimônio do imigrante, foi apenas com a política

implementada pelo Iphan – com o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, sob a

coordenação de Dalmo Vieira Filho –, que o trabalho realizado ao longo de 20 anos teve

visibilidade e repercussão nacional.

O panorama abordado até aqui nos permite responder às duas questões centrais

do capítulo: quem é o imigrante em Santa Catarina e como os projetos desenvolvidos pela

FCC e pelo Iphan o relacionam a seu patrimônio. De forma geral, podemos inferir que

Santa Catarina construiu, historicamente, uma relação com sua identidade baseada nas

questões étnicas oriundas dos processos de ocupação e colonização do seu território.

Podemos perceber também que esta relação foi construída ao longo do tempo e, como tal,

privilegiou alguns grupos, silenciou outros e sequer percebeu a existência de tantos outros.

Tanto as figuras representativas da imigração portuguesa do século XVIII, como as dos

alemães e italianos do século XIX foram deslocadas ao longo do tempo, e tiveram valores

atribuídos pela intelectualidade de diferentes épocas ou por agentes da política pública que

tinham poder para tal.

Observamos, ao longo da história do estado, que descendentes de portugueses,

representados pelos colonizadores do XVIII, e de alemães e italianos, representados pelos

imigrantes do XIX, disputaram o papel de seus representantes legítimos: ora a identidade

catarinense esteve ligada à bravura dos imigrantes europeus, como dizia Cabral em 1937;

ora Santa Catarina era definida como estado açoriano, cujo legado cultural cabia tão bem ao

estado, como defendia Cabral em 1941.

270 ACOLHIDA NA COLÔNIA. Valorizando o modo de vida no campo através do agroturismo ecológico. Site. Disponível em: <http://www.acolhida.com.br/sobre-nos/>. Acesso em: nov. 2014.

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Nem mesmo a constatação de que o estado catarinense poderia ser identificado

com um mosaico cultural, como apregoou Jamundá, no qual todos os grupos estariam

representados de forma harmônica, deixou de reabilitar um ou outro grupo étnico. Afinal,

As identidades regionais sejam elas quais forem, são construções mentais, são conceituações, arregimentações que procuram dar conta de generalizações intelectuais, que reduzem a unidades uma inumerável quantidade de experiências efetivas. O que se denomina hoje Santa Catarina é a coexistência de múltiplas vidas, histórias e práticas. É o apagamento desta multiplicidade ilimitada, que permite pensá-la como um conjunto de espaços bem definidos, um conjunto de imagens, falas e identidades fixas.271

Dentro desta malha cultural, Santa Catarina escolheu reabilitar, a partir dos

anos 1980, uma identidade étnica ligada aos imigrantes europeus do século XIX; o

instrumento responsável por este intento foi a valorização do seu patrimônio, através do

tombamento. Nesse sentido, a trajetória de preservação evidenciada nos tombamentos

estaduais contribuiu para a instituição de uma política federal que privilegia as questões

étnicas como seu patrimônio; ou seja, o trabalho da FCC praticamente fundamentou ou

forneceu subsídios para a criação de um programa que, em nível nacional, valoriza o caráter

étnico do patrimônio cultural.

Ou seja, o projeto do Iphan retomou muitas das ações já realizadas pelos órgãos

de preservação em Santa Catarina, inclusive das ações que a própria entidade já vinha

desenvolvendo no estado (as ações no Museu de Orleans, o projeto Roteiros Sul); criou

fichas de inventário levando em conta os modelos usados em outros projetos, calcados nos

mesmos pressupostos, que relacionam o meio rural à ideia de paisagem. Mas neste

momento, com um diferencial: a adoção do conceito de paisagem cultural, que, ainda de

forma preliminar, começa a figurar no projeto e aparece com mais força no processo de

tombamento.

271 GARCIA JUNIOR, 2002, p. 10.

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CAPÍTULO 3

PATRIMÔNIO DA IMIGRAÇÃO E PAISAGEM CULTURAL

A atribuição da primeira Chancela da Paisagem Cultural Brasileira (até agora,

única no Brasil) a um núcleo colonial em Santa Catarina, em 03 de março de 2011, reforçou

a importância do patrimônio do imigrante catarinense para a nação, uma vez que o

instrumento salvaguardava as paisagens culturais que integram a região inventariada pelo

Projeto Roteiros Nacionais de Imigração – o núcleo composto por Testo Alto, em

Pomerode, e Rio da Luz, em Jaraguá do Sul.272

Trata-se de duas localidades que foram caracterizadas, segundo o Dossiê do

Projeto273, como “paisagens culturais da imigração”, por possuírem elementos naturais

(vales, córregos, montanhas, matas) que mantêm uma estreita relação com as intervenções

humanas (conjunto de casas e ranchos, hortas, jardins, plantações e criação de animais),

principal definição de paisagem cultural presente no instrumento da Chancela da Paisagem

Cultural Brasileira.

De todas as regiões e estradas inventariadas, as localidades de Testo Alto (Pomerode) e Rio da Luz (Jaraguá do Sul) destacam-se pela qualidade da paisagem cultural, entremeando pequenas propriedades, cumeadas de matas, cultivos na várzea e pastagens até meia encosta. A área destaca-se pela densidade de edificações de valor cultural. [...] São localidades contíguas, separadas pelo divisor de águas que divide os municípios e por isso a proposta do tombamento federal abrangendo o conjunto formado pela área mais preservada dos municípios. Um perímetro de tombamento delimita a área para a qual sugere-se a inscrição nos Livros do Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.274

A justificativa para a indicação do núcleo rural como paisagem cultural

centrou-se no fato de que estas localidades,

272 IPHAN, 2011. 273 Ressalte-se que o tombamento proposto reconhece como paisagem cultural as áreas selecionadas pela ação coordenada pelo Iphan, sob a denominação Roteiros Nacionais de Imigração, pressupondo ações complementares e de salvaguarda por parte do governo estadual e dos municípios envolvidos. IPHAN, 2007a. 274 IPHAN, 2007a, p. 56, grifos nossos.

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Constituem-se em verdadeiros documentos vivos de uma época, testemunham a maestria construtiva, a autenticidade e a originalidade das técnicas construtivas e a genuína adaptação de lições milenares que contribuíram preponderantemente, na formação do todo da paisagem cultural de uma das regiões brasileiras.275

Importante observar nas discussões que argumentam o tombamento do núcleo

rural – assim como nos outros bens que compõem o Projeto Roteiros – a mesma

justificativa de sua importância como patrimônio cultural: há uma contiguidade natureza-

homem nas paisagens escolhidas para serem preservadas e são considerados “verdadeiros

tesouros vivo de uma época.” Ou seja, os descendentes de imigrantes são vistos, nesta

perspectiva, como os próprios imigrantes. Há uma forma naturalizada de pensar a ação da

natureza sobre o homem na qual esta ocorre sempre a seu favor. A existência dessa

localidade é condição de prova, de verdade para sua existência tal qual ela se apresenta.

O Dossiê sugeriu que as localidades fossem inscritas no Livro do Tombo

Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, no qual recaem, em geral, os núcleos rurais,

urbanos e as propriedades que

[...] encontram na paisagem um importante elemento de potencialização do seu valor cultural (envolvendo casa, ranchos e perímetro de proteção da paisagem – abarcando córregos d’água, vales, plantações matas, etc.) O nível de preservação encontrado e a necessidade de proteção das qualidades intrínsecas à paisagem e ao conjunto das propriedades rurais, são os elementos que particularizam a seleção para este Livro.276

A escolha da inscrição desse bem no Livro do Tombo Arqueológico,

Etnográfico e Paisagístico se deu porque nele são inscritas “as coisas pertencentes às

categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as

mencionadas no § 2º do citado art. 1º”,277 que são justamente os “sítios e paisagens que

importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela

natureza ou agenciados pela indústria humana.”278 Por outro lado, a justificativa para

275 Processo de Tombamento n. 1.548-T-07, folha 10. Arquivo IPHAN. Grifos nossos. 276 Ibidem, folha 11. 277 BRASIL. Presidência da República. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. 1937b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em: nov. 2014. 278 BRASIL, 1937b. Até o momento, existem, segundo o arquivo Noronha Santos, 119 bens tombados e inscritos no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Destes, nove se encontram em Santa Catarina: Vila de São Miguel – conjunto arquitetônico e paisagístico; Biguaçu; Ilha do Campeche – sítio

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indicação desse núcleo rural como paisagem cultural estava de acordo com as discussões

contemporâneas sobre o tema, que entendiam a paisagem cultural pelo viés da geografia

humana, como a interação entre o homem e o meio ambiente.

Foram estes os argumentos que, em 2007 (data do início do processo de

tombamento dos bens relativos ao Projeto Roteiros), justificaram – além do pedido de

tombamento de 59 edificações e dois núcleos (um rural e um urbano) – a solicitação do

núcleo rural como paisagem cultural.

A parecerista Suzanna Sampaio, relatora do projeto, assinalou a importância da

salvaguarda do patrimônio do imigrante em terras catarinenses por meio de pormenorizada

análise técnica e através de uma de suas experiências na região:

Conversei com proprietários da casa Duwe, Lumke e Hardt, no interior de suas casas cuidadas e decoradas com artesanato de manufatura própria, e no sítio Tribess, com esplêndidos dançarinos alemães e poloneses, cantores italianos e jovens ucranianas de impressionante beleza e de delicadeza de gestos. Em Pomerode, com colegas do IPHAN, visitamos os comércios Haut e Weege, fazia frio e no campo sentia-se a atmosfera dos descendentes, acostumados ao clima e preocupados em nos oferecer abrigo à beira do fogão à lenha que, em seus países constitui o centro da casa.279

Notadamente impressionada com a pesquisa realizada no território de Santa

Catarina e sensibilizada com o cenário “europeu” que encontrou em sua visita, Sampaio se

posicionou favoravelmente ao processo de tombamento dos bens, quando do julgamento da

sua primeira etapa, ocorrido ainda no mesmo ano.

Vale ressaltar que o cenário visto por Sampaio na cerimônia de lançamento do

Projeto Roteiros (Figura 32) foi cuidadosamente elaborado para que as pessoas presentes e

a mídia local pudessem de alguma maneira, perceber o que seriam as contribuições

culturais dos grupos inventariados. Dessa forma, alemães, italianos, ucranianos e poloneses

foram representados em trajes típicos, executando músicas e danças típicas de suas regiões

de origem que no conjunto da cena, construíam um discurso mitificado e estereotipado do

processo de imigração e do patrimônio cultural desses imigrantes. arqueológico e paisagístico; Florianópolis – Coleção arqueológica João Alfredo Rohr, Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba; Joinville –Cemitério Protestante, parque à rua Marechal Deodoro, 365; Laguna – Centro Histórico : Rio dos Cedros – Escola Rural e Casa do Professor; Centro Histórico de São Francisco do Sul. Disponível em: <http://www.iphan.gov.br/ans/>. Acesso em: dez. 2014. 279 Ata da 55ª Reunião do Conselho Consultivo do Iphan. Arquivo IPHAN. Grifos nossos.

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Instituída pela Portaria n. 127, de 30 de abril de 2009, delibera sobre a proteção

das paisagens culturais definidas como

Art. 1º. [...] uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores. Parágrafo único – A Paisagem Cultural Brasileira é declarada por chancela instituída pelo IPHAN, mediante procedimento específico.281

A chancela leva em conta

Art. 3º.[...] o caráter dinâmico da cultura e da ação humana sobre as porções do território a que se aplica, convive com as transformações inerentes ao desenvolvimento econômico e social sustentáveis e valoriza a motivação responsável pela preservação do patrimônio.282

Uma das novidades deste instrumento de preservação implica no

estabelecimento de um pacto de gestão compartilhada, que pode envolver o poder público,

a sociedade civil e a iniciativa privada; a chancela poderia, assim, ser entendida como uma

espécie de selo de qualidade para a localidade chancelada.

A atribuição da chancela segue praticamente a mesma metodologia de outros

instrumentos de salvaguarda: qualquer pessoa pode requerê-la e instaurar o processo. No

caso de o pedido ser julgado pertinente, são encaminhadas as notificações aos proprietários

do bem, e o processo é encaminhado para o Conselho Consultivo. Sendo aprovada a

Chancela, esta é publicada no Diário Oficial da União e homologada pelo Ministro da

Cultura. O acompanhamento e a revalidação da Chancela compreendem a elaboração de

relatórios de monitoramento das ações previstas e de avaliação periódica das qualidades

atribuídas ao bem, devendo haver revalidação num prazo máximo de dez anos.

Segundo Maria Regina Weissheimer, arquiteta do Iphan e responsável pela

publicação de artigos que explicam e analisam a Chancela da Paisagem Cultural, a

amplitude do conceito, não contemplada em outros instrumentos de preservação, permite

que se aplique a Chancela ao “maior número de contextos culturais possíveis, considerando

a dimensão, a riqueza e a diversidade de manifestações e de contextos geográficos do

281 IPHAN, 2009b. 282 Ibidem.

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território brasileiro.”283 Ressalta ainda que o termo “peculiar” deve caracterizar a

diferenciação primordial da paisagem cultural a ser chancelada de todas as demais.

É a partir da qualificação dada pelo adjetivo peculiar que se diferencia, se ressalta ou se particulariza a porção do território que será alvo da chancela. [...] Contudo, no campo patrimonial, é função dos órgãos de proteção definir a estratégia e os limites para a aplicação da paisagem cultural como instrumento de preservação. É preciso selecionar, mediante o estabelecimento de critérios de valoração e diferenciação, o que é passível de ser chancelado como Paisagem Cultural Brasileira e o que não é.284

Ora, é evidente que a discussão e as decisões a respeito do que chancelar ou não

envolvem maior complexidade, além da utilização do termo “peculiar”; no entanto, cabe

ressaltar que este é o critério adotado para o chancelamento dos processos submetidos ao

Iphan, no caso, as atribuídas aos bens da imigração no sul do Brasil, citadas anteriormente.

Desta forma, quando o Conselho Consultivo do Iphan se reuniu pela segunda vez, em 2011,

para deliberar sobre os bens restantes que integravam o Projeto RNI, a relatora do processo

colocou novamente em pauta a indicação das localidades de Testo Alto e Rio da Luz como

paisagem cultural, e o Conselho Consultivo aprovou por unanimidade sem debate algum.

Assim, a paisagem cultural da imigração, representada pelos núcleos rurais de

Testo Alto e Rio da Luz, foi reconhecida sem ter passado pelo processo específico de

instrução da chancela por meio da Portaria 127/09.285 Mesmo assim, os dois núcleos foram

anunciados pelo Iphan como as duas primeiras chancelas da paisagem cultural brasileira, e

contribuem para um debate tão envolvente quanto complexo, sobre o qual se debruça toda

sorte de estudiosos, técnicos e pesquisadores.286

283 WEISSHEIMER, 2012. 284 Ibidem. 285 Ibidem. 286 Como exemplo, podemos citar o Colóquio Ibero-americano sobre Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto, que é promovido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pela Universidad Politécnica de Madrid (UPM), pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Instituto de Estudos de Desenvolvimento Sustentável (IEDS). Na sua terceira edição, o evento se tornou tradicional para aqueles que discutem os temas afins. Organiza-se em conferências, mesas redondas e apresentações de comunicações, estruturados a partir de três eixos temáticos centrais: Eixo temático 1: Paisagem cultural: um conceito em construção – Paisagem e geografia; Paisagem e arte; Paisagem e arqueologia; Paisagem e patrimônio; A construção da paisagem cultural; Eixo temático 2: Paisagem e paisagem cultural: tipologias e instrumentos – Paisagem urbana e paisagem cultural; Rotas e itinerários culturais; Jardins históricos e paisagismo; Paisagens rurais; Paisagens industriais e da mineração; Métodos de leitura da paisagem; Eixo temático 3: Paisagem cultural: estratégias de preservação e intervenção – Restauração de jardins históricos; Arquitetura e paisagem;

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Vale ressaltar que, embora apenas o núcleo rural representado pelas duas

localidades tenha recebido oficialmente a Chancela, os autores do projeto consideraram que

todos os 61 bens indicados para tombamento federal conformam uma paisagem cultural da

imigração.

Se, de um lado, a atribuição deu, em 2011, visibilidade ao patrimônio do

imigrante e a sua paisagem, o fato de tal preocupação já existir em 2007 nos faz inferir que

a relação entre o patrimônio do imigrante e a paisagem cultural já existia. Dito de outra

forma, a ideia de que as propriedades rurais do imigrante conformam uma paisagem

cultural é anterior ao instrumento da chancela e, sem dúvida, elemento chave para

compreender o campo do patrimônio em Santa Catarina, bem como sua repercussão em

nível nacional. Podemos dizer que o trato com o patrimônio do imigrante em Santa

Catarina, cujo patrimônio esteve atrelado aos aspectos da paisagem, implicou na

consolidação de uma política pública federal que corroborou com a instituição do

instrumento da chancela da paisagem cultural como um instrumento importante de

salvaguarda do patrimônio.

Percebe-se que há, no texto do Dossiê, no parecer da relatora do projeto, nas

falas dos conselheiros do Iphan e no próprio texto da Lei da Chancela, uma relação latente

entre paisagem cultural e patrimônio cultural do imigrante em Santa Catarina, localizado na

área rural do estado. Resta-nos saber o que os órgãos de preservação entendem por

paisagem cultural. Os bens culturais tombados em nível federal, que compõe o Projeto

Roteiros Nacionais de Imigração, conformam uma determinada paisagem cultural da

imigração? Quais são o sentido e os valores a ela atribuídos? Como a paisagem cultural

formada pelo imigrante em Santa Catarina é representada no material de divulgação do

Projeto Roteiros? Qual o papel das imagens, veiculadas a este projeto, na conformação de

uma paisagem cultural e de que forma elas endossam a ideia de paisagem cultural?

Reabilitação da paisagem; Propostas de intervenção na paisagem; Paisagem e planejamento regional. Estes encontros produziram até as vésperas do III Colóquio, cerca de 600 artigos (disponíveis nos anais destes), que, ao circularem por meios técnicos e acadêmicos, pautam não apenas as discussões teóricas sobre o tema, como também as ações daí derivadas.

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3.1 PAISAGEM CULTURAL: ALGUMAS PERCEPÇÕES

No texto Paisagem, retórica e patrimônio,287 Anne Cauquelin argumenta que,

embora tratemos estes termos como naturalizados, eles são historicamente construídos. A

origem de sua naturalização está na forma como nos referimos a eles; é a retórica que nos

conduz a uma imagem de verdade naturalizada nestes termos.

O Renascimento é frequentemente citado como momento no qual se transforma

o conceito de ideia de natureza em visibilidade. É atribuída à pintura a responsabilidade por

traduzir ou transformar a natureza em paisagem.

A história da pintura pode servir para se localizar as transformações das formas gerais do pensamento, dos grandes dispositivos conceituais a partir dos quais elas são elaboradas, e aquilo que pode ser visto aparecendo no fundo dos quadros, as paisagens, se liga em breve à ideia da natureza e vale por ela segundo um procedimento de transporte metabólico. [...] A natureza, da qual podíamos conhecer somente a ordem geral, pode então ser percebida pelas manifestações sensíveis, por intermédio dessas invenções que são as pinturas e as descrições de paisagens.288

O surgimento da perspectiva teria sido, segundo Cauquelin, a responsável por

estabelecer a paisagem como uma forma simbólica que envolve toda a tentativa de

apresentar a natureza à sensibilidade. A partir daí, “nós veremos todo o objeto através de

uma perspectiva inventada e dita legítima. [...] A ideia se faz visão, e a visão se faz

imagem, criando assim sua própria linguagem. [...] Eis a ‘forma simbólica paisagem’

instalada para durar.”289 O que a autora chama de forma simbólica é um conjunto de

sentidos que nos dá condições de perceber qualquer coisa como paisagem; pois mesmo que

esse conjunto varie, relacionamos diretamente a natureza à paisagem, como se fossem a

mesma coisa.

Um exemplo disso é a importância da perspectiva na invenção e consolidação

de uma forma simbólica de paisagem, persistente até hoje, seguindo suas regras de

287 CAUQUELIN, Anne. Paisagem, retórica e patrimônio. Revista de Urbanismo a Arquitetura, v. 6, n. 1, 2003. 288 Ibidem, p. 25. 289 Ibidem, p. 26.

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construção: distância, pontos de fuga, horizonte, sequência de planos, progressão,

proporção e enquadramento.

Daí a noção comum de que a paisagem é um “panorama” ou algo que se vê de longe e com profundidade, permitindo a distância necessária da linha do horizonte ou skyline, espinha dorsal de sua construção morfológica, onde os primeiros planos e os detalhes se fazem menos importantes, embora constitutivos. É nesse quadro pictórico como base mental, uma montagem construindo a imagem artificial, que os diversos elementos são organizados.290

A paisagem foi pensada e construída como natureza no decurso de uma prática

pictórica que foi, aos poucos, dando forma às nossas categorias cognitivas e às nossas

percepções espaciais. Por isso, as paisagens, em sua diversidade, pareciam uma justa e

poética representação do mundo.

Mostrar o que se vê, esse é o novo imperativo que vai abalar as relações entre realidade razoável e aparência, fazendo da técnica pictórica o pedagogo de uma ordenação. [...] só a pintura pode fazer nos ensinar essa ordem. Até valer para uma formalização do que devemos ver, impondo uma construção simbólica entre os elementos. [...] Esse mostrar o que se vê faz nascer a paisagem.291

Nesse aspecto, a discussão apresentada no livro de Simon Schama, Paisagem e

Memória, vai ao encontro do argumento de Cauquelin, na qual a autora percebe a paisagem

como uma invenção. Para Schama “é nossa percepção transformadora que estabelece a

diferença entre matéria bruta [natureza] e paisagem”.292

Não seria exagero dizer que os campos de conhecimento que tomaram a

paisagem como campo de estudo, a partir do século XIX, o fizeram segundo esses

pressupostos, pois tanto a construção pictórica da perspectiva e a natureza, essenciais na

composição morfológica da visão ocidental de paisagem, continuam a constituir uma

retórica geral e dominante sobre o tema, que podem ser mesmo percebidas no trato com o

patrimônio cultural.

Se os primeiros esboços sobre a paisagem surgiram no período renascentista, no

campo das artes – especificamente da pintura, como forma de representação da natureza –,

foi no século XIX que esse conceito passou a ser tema de interesse de diversas áreas do 290 CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 26. 291 Ibidem, p. 81. 292 SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 20.

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conhecimento e tema central dos estudos geográficos, preocupados com as formas culturais

de ocupação territorial. Nesse sentido, é importante levar em conta como a geografia tratou

o tema da paisagem como campo disciplinar, e que aspectos permanecem no entendimento

do tema quando se trata do conceito paisagem cultural – relacionada, sobretudo, ao

patrimônio cultural.

Podemos citar como marco do debate o surgimento da geografia cultural, que,

alicerçada na tradição que emergiu no final século XIX e início do XX, ganhou novos

contornos a partir do século XX, aliando ao trato da paisagem os aspectos materiais e

subjetivos da cultura. O principal expoente dessa escola, Carl Ortwin Sauer, desenvolveu

um método de análise no qual definia a paisagem morfológica como o resultado da ação da

cultura sobre a paisagem natural. Em seu estudo A morfologia da paisagem, realizado em

1925, defendia que a paisagem cultural é modelada a partir de um grupo cultural numa

paisagem natural. A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural é o

resultado.293 A paisagem cultural surge quando a geografia cultural passou a compreender a

paisagem como parte do sistema cultural da sociedade: quando passou a ser entendida

como uma maneira de ver o mundo e não simplesmente como uma configuração espacial.

De forma geral, as interpretações sobre a paisagem cultural atribuem a ela e ao

espaço o “papel de integração pela sua capacidade de articular o saber sobre a natureza”294

mesmo que Milton Santos alerte para o fato de que se tratam de dois conceitos diferentes:

“a paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que

representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O espaço são

essa formas, mais a vida que as anima.”295

Para além da percepção que coloca a paisagem como uma relação decorrente

entre natureza e a ação do homem, outras interpretações corroboram para a superação deste

esquema: “Paisaje no es ni naturaleza ni território sino construcción humana, y también se

há insistido em que lo es una doble vertiente: en cuanto constructo mental que interpreta lo

293 SAUER, Carl O. A Morfologia da paisagem. In: CORRÊA, Roberto Lobato; HOSENDAHL, Zeny (Orgs.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 1998. 294 MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A paisagem como fato cultural. In: YÁZIGI, Eduardo (Org.). Turismo e paisagem. São Paulo: Contexto, 2002. p. 30 295 SANTOS apud MENESES, 2002, p. 30.

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que se percebe y em cuanto constucción física que altera, modela y transforma el

território.”296

Se, podemos compreender a paisagem como construção humana dotada de

objetividade e subjetividade, concordamos com Meneses de que ela deva ser tratada como

um processo cultural, no qual pode ser objeto de conhecimento histórico e como tal,

narrada. 297 A paisagem tem sido narrada de diversas maneiras conforme é apropriada pelos

mais diversos campos de estudo. A forma como ela é usada diz muito dos seus sentidos.298

A título de exemplo de como a paisagem tem sido pensada em sua relação com

o território, podemos citar as atividades do Laboratório Internacional de Paisagem

Cultural,299 fundado em setembro de 2001 por professores e pesquisadores da Universidade

Politécnica da Catalunha, na Espanha, e do Massachusetts Institute of Technology, Estados

Unidos e coordenado, em Barcelona pelo professor Joaquín Sabaté.

O Laboratório é amparado pelo Departamento de Urbanismo e Ordenação do

Território da Universidade Politécnica de Catalunha, com estreita colaboração com o City

Design and Depevelopment Group dentro do Department of Urban Studies and Planning

del Massachusetts Institute of Technology, e com o apoio do Departamento de

Universidades, Investigación y Sociedad de la Información del Gobierno de la Generalitat.

O Laboratório abriga professores, estudiosos, projetistas ou gestores, de

diversas universidades e instituições, que tenham alguma relação com a temática das

paisagens culturais. Seu principal objetivo é “Interpretar, alentar y difundir estas

experiências [realizadas em diferentes partes do mundo] con el objetivo de extender la

atención al patrimonio cultural como fator fundamental em la construcción del território y

296 MADERUELO, Javier (Dir.) Paysage y Patrimonio. Madrid: Abada Editores, 2010. p. 6. 297 MENESES, 2002, p. 36 298 Podemos citar, por exemplo, a pesquisa de Aline Vieira de Carvalho na qual problematiza as relações entre patrimônio cultural e atividade turística, com base nos discursos produzidos pela revista Quatro Rodas e pelas Secretarias de Turismo de Angra dos Reis e Paraty, no Rio de Janeiro. Apresenta o debate à luz de pressupostos teóricos do campo da História Ambiental, da Arqueologia e de discussões que envolvem temas como patrimônio, memória e identidade. In: CARVALHO, Aline Vieira de. Entre ilhas e correntes: a criação do ambiente em Angra dos Reis e Paraty, Brasil. São Paulo: Annablume, 2010. 299 Desenvolvi, durante o período de um ano (2012-2013), através de bolsa concedida pela FAPESP, um projeto de doutorado sanduíche no Laboratório Internacional de Paisagem Cultural. As atividades nesse Laboratório se relacionavam a estudos de caso já realizados pela instituição e a produção de artigos envolvendo patrimônio cultural, itinerários culturais e o papel da História na construção de narrativas para estes itinerários.

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de la ciudad.”300 O viés que norteia seus trabalhos está fundamentado numa concepção de

paisagem cultural como “un ámbito geográfico asociado a un evento, a una actividad o a

un personaje histórico, que contiene valores estéticos y culturales. [...] la huella del

trabajo sobre el territorio.”301

É a partir desta compreensão que o Laboratório desenvolve análises de

experiências em todo o mundo,302 onde são descritas e analisadas numerosas paisagens

culturais e parques patrimoniais bem como propõem ações no território com vistas a

preservar as paisagens culturais objetos de estudo valorizando sobremaneira os bens

culturais presentes nestas paisagens.

De forma geral, podemos perceber que as atividades desenvolvidas pelo

Laboratório tem um caráter bastante pragmático: seus principais colaboradores são

arquitetos urbanistas e como tais, os responsáveis por intervenções no território. Os

trabalhos profissionais nos quais os integrantes do Laboratório participaram atestam a

máxima de que intervir com responsabilidade no território, preservar os bens culturais

presentes neste território seria preservar as paisagens culturais das mudanças que as

devastam.303 Uma das formas de intervenção no território com vistas a sua preservação é a

criação de rotas, roteiros ou itinerários culturais. Muitas instituições responsáveis pelo

patrimônio cultural têm investido em roteiros ou itinerários culturais como forma de

ordenar a paisagem cultural.304

O conceito de Rota Cultural foi apresentado e debatido pela primeira vez

quando a Rota dos Peregrinos para Santiago de Compostela foi incluída na Lista do

Patrimônio Mundial em 1993, em Cartagena, Espanha. Esse fato fez com que o Conselho

300 LABORATÓRIO INTERNACIONAL DE PAISAJES CULTURALES. Identidades. Território, Cultura e Patrimônio. v. 1, p. 8. Barcelona, Diciembre 2005. 301 SABATÉ, Joaquín; SCHUSTER, Mark (Dir.). Projectant l’eix del Llobregat. Paisatge cultural i desenvolupament regional. Barcelona/Massachusetts: Universitat Politècnica de Catalunya; Massachusetts Institute of Technology, 2001. 302 O relato dessas experiências pode ser encontrado na Revista Identidades que pode ser localizada na sua versão digital em: <http://duot.upc.edu/cast-publicaciones-identities-revista.html>. 303 A exemplo, podemos listar alguns dos trabalhos desenvolvidos por integrantes do Laboratório: Ordenación del corredor fluvial del río Cardener; la valoración de los recursos patrimoniales, de la estructura y ordenación de los ríos Llobregat, Anoia y Cardener; Plan Especial del Parque Agrario del Baix Llobregat. 304 O próprio Projeto Roteiros chegou a ser pensado como tal; no entanto os próprios idealizadores do projeto reconheceram que a “Roteiros” presente no título, foi um equívoco.

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do Comitê Internacional reunisse especialistas para discutirem questões referentes às rotas

culturais com mais profundidade.

Por ocasião da revisão das diretrizes operacionais e definição dos critérios para

a inclusão de bens culturais na Lista do Patrimônio Mundial, o Comitê do Patrimônio

Mundial na 19ª sessão em Berlim (1995), dispôs que as Rotas Culturais fazem parte do

nosso Patrimônio Cultural. A sua base conceitual foi apresentada como uma estrutura

aberta, dinâmica e evocativa, sendo reconhecidas as diversas dimensões e valores que

envolvem o patrimônio cultural, econômico, social, e as suas apropriações geradas pelos

processos culturais. Atualmente a categoria de Rotas Culturais está presente dentro das

atuais orientações disponíveis da Unesco para a aplicação da Convenção do Patrimônio

Mundial.

Desde a criação do Comitê Internacional de Itinerários Rotas Culturais (CIIC) –

que integra o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS)305 em 1998,

diversos estudos e pesquisas foram realizadas e publicadas em diferentes regiões do mundo,

no sentido do aprimoramento do conceito inerente às Rotas Culturais e o estabelecimento

de bases científicas e metodológicas para a identificação do que seriam os Itinerários

Culturais. Este esforço de quase uma década foi incorporado na versão das Diretrizes

Operacionais para Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial da UNESCO, em

fevereiro de 2005, que reconheceu os itinerários culturais como uma das categorias para a

inclusão de propriedades na Lista do Patrimônio mundial.306 Essas considerações

apresentadas por meio das Declarações, Cartas e Convenções foram preliminares para a

elaboração da “Carta internacional sobre os Itinerários Culturais” (2008), que buscou

discutir alguns princípios básicos no intuito de diferenciá-los em relação às outras

categorias da UNESCO e aprofundar em termos mais específico sobre os mecanismos para

os processos de investigação, conservação e valorização do patrimônio cultural. O principal

305 O ICOMOS foi fundado em 1965. Tem sede em Paris e congrega atualmente cerca de 7000 membros agrupados em mais de 120 comissões nacionais. É o principal consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em matéria de conservação e proteção do património. Agrega uma série de Comitês e um deles é o de Itinerários Culturais que rege a elaboração de percursos e trajetos que estejam de acordo com a filosofia da instituição. 306 CARDOSO, Flávia M. Possato; CASTRIOTA, Leonardo Barci. O itinerário enquanto instrumento de preservação do patrimônio cultural: o caso da estrada Real. Revista Fórum Patrimônio: ambiente construído e patrimônio sustentável. v. 5, n. 2. Belo Horizonte, 2012.

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objetivo da Carta dos Itinerários Culturais era estabelecer os fundamentos conceituais e

metodológicos para a investigação nesta categoria.

Vale ressaltar que a UNESCO distingue claramente as categorias “Paisagem

Cultural” e “Rota Cultural” e que a primeira não pode ser confundida com os itinerários

culturais, que exigem o cumprimento de algumas exigências muito específicas, como, por

exemplo, ser deliberadamente criadas ou usadas para servir a um propósito concreto e

peculiar.

Se por um lado, as definições de “rota cultural” e “itinerário cultural” são

seguidas pelas instituições que as criaram, por outro lado, possuem tantos significados

quanto os gestores das rotas e itinerários querem atribuir e acabam sendo utilizados

aleatoriamente e tanto melhor se promoverem a venda mais eficiente do produto turístico

ao qual ele faz referência.

Esta abordagem surgiu no mesmo contexto da emergência dos estudos culturais

que permitiram que o conceito de paisagem, agora denominada como paisagem cultural,

fosse também alvo de estudos relacionados a outros campos de conhecimento, inclusive

aqueles ligados à preservação do patrimônio.

3.2 A PAISAGEM CULTURAL E O PATRIMÔNIO

A relação do patrimônio com a paisagem, conforme sinaliza Virgínia de Luca,

foi estabelecida a partir do momento em que a houve a progressiva extensão territorial que

se agregou aos bens ou lugares protegidos como monumentos e, foram, gradativamente

sendo denominados como “perímetro”, “zona de proteção” ou “entorno”.307

Na história do patrimônio cultural, vários foram os documentos que

contribuíram para o incremento dos debates no âmbito do patrimônio cultural, que serviram

de orientações e/ou recomendações para as práticas preservacionistas, bem como se

constituíram referências para pensar o patrimônio e a paisagem cultural. Podemos citar, por

exemplo, a Carta de Veneza,308 que se tornou um documento importante por introduzir

307 DE LUCA, 2007, p. 43 308 CURY, Isabela (Org.). Cartas Patrimoniais. 3. ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2004.

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questões significativas para as práticas de preservação da paisagem. Compreende a

visibilidade e a ambiência do entorno dos monumentos e dos próprios sítios urbanos como

patrimônio.

Em termos de uma política de patrimônio, oficialmente, a primeira tentativa de

aproximação entre a natureza e a cultura foi dada com a Convenção Sobre a Salvaguarda do

Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, aprovada pela Assembleia Geral da Unesco em

Paris, em 1972.309 Segundo a Convenção, passou a ser de competência dos Estados

signatários o dever de identificação e preservação de possíveis sítios, cabendo a eles a

responsabilidade da inscrição de seus bens candidatos a Patrimônio Mundial. A partir dessa

indicação o Comitê organizou, sob o título de Lista do Patrimônio Mundial, uma relação de

bens do patrimônio cultural e natural que considerassem de valor excepcional. Foram

estabelecidos os critérios que classificam a inscrição dos bens em duas categorias:

patrimônio natural e patrimônio cultural.310

Segundo De Luca, “essa concepção refletia a própria origem antagônica da

preocupação com o Patrimônio Mundial, oriunda de dois movimentos distintos: a

preocupação com os sítios culturais e conservação da natureza”.311

De forma geral, segundo a Convenção de 1972, os bens deveriam ser expressão

de um “valor universal excepcional”, do ponto de vista da história, da arte, da ciência da

conservação e da beleza natural. Definições bastante generalistas, que motivaram reflexões

mais sistemáticas da Unesco sobre paisagem cultural enquanto categoria de análise do

patrimônio cultural:

309 A respeito do que a convenção considera como patrimônio natural e cultural, a Convenção sobre Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural distingue claramente os patrimônios naturais e culturais. Os patrimônios culturais podem ser alocados em três grandes categorias: monumentos, conjuntos e sítios. Já os naturais, em outras três: monumentos naturais, formações geológicas e fisiográficas e sítios naturais. Os sítios considerados mistos devem atender aos critérios e categorias de ambos. Importante ressaltar que a paisagem cultural não substituiu a categoria patrimônio misto, tampouco ganhou assento ao seu lado. Foi criada como uma subcategoria ou tipologia do patrimônio cultural. Quando do lançamento da nova seção em 1992, diversos técnicos e acadêmicos haviam compreendido que não haveria mais a possibilidade de inscrição na categoria misto. Entretanto, esta não foi extinta, e desde então, alguns bens vem sendo a ela incorporados. Disponível em: <http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>. 310 CURY, 2004, p. 182-183. 311 DE LUCA, 2007, p. 44.

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A discussão sobre a ideia de Paisagem Cultural como associação do cultural e do natural, começou na década de 1980 no Comitê do Patrimônio Mundial, a partir de abordagens que buscavam uma visão integradora entre homem e natureza. Durante a 16ª sessão do Comitê, ocorreu um encontro preparatório a convite do ICOMOS e do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco. A intenção era libertar a inscrição de bens naturais e culturais da divisão imposta pelos critérios existentes e pensar uma forma de incluir a categoria de Paisagem Cultural na lista do Patrimônio Mundial. [...] Os critérios para definição das categorias culturais foram revistos e adotada a categoria de Paisagem Cultural.312

São três as categorias adotadas pela Unesco a partir de 1992: paisagens

claramente definidas são aquelas criadas intencionalmente pelo homem em função de

alguma motivação estética, religiosa ou política, a partir de um plano ou projeto, podendo

associar espaços livres a conjuntos edificados. É a paisagem com autoria de desenho, ligada

às práticas do paisagismo, como parques, jardins, praças, quintas; paisagens evoluídas

organicamente são aquelas construídas coletivamente, por muitas pessoas ou uma

sociedade. Apresentam a evolução de algum ciclo social, econômico, administrativo ou

religioso. Podem ser contínuas ou fósseis; paisagens culturais associativas surgem da forte

associação cultural, religiosa, artística ou mística, geralmente ancorada ao espaço natural e

seus elementos. As evidências materiais das práticas culturais nem sempre são visíveis, mas

o espaço físico é imprescindível para a manutenção e suporte dessas práticas imateriais,

como rituais religiosos ou sagrados em florestas, rituais indígenas, entre outros.

Destes critérios, podemos depreender que a Unesco valoriza uma abordagem de

paisagem cultural que identifica na paisagem a inscrição das relações do homem com a

natureza e estabelece como objetivo o reconhecimento e a proteção daquelas detentoras de

valores especiais.

A relevância de proteger a paisagem, enquanto importante fator de qualidade de

vida das pessoas e da consolidação da identidade, levou o Conselho Europeu a discutir a

elaboração da Convenção Europeia da Paisagem (CEP).313 Sistematizada e assinada em

Florença, em 2000, compreende a relação entre aspectos naturais e culturais da paisagem,

mas enfoca a visão cultural da natureza, com destaque para as questões de biodiversidade e

ecossistemas, refletindo a agenda ambiental da década de 1970. Teve como objetivo

312 DE LUCA, 2007, p. 45. 313 Disponível em: <http://www.conventions.coe.int/Treaty/en/Treaties/world/176.doc>.

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incorporar a dimensão paisagística nas políticas públicas, mediante o desenvolvimento de

instrumentos de ordenação, gestão, e fomento dos valores paisagísticos. Entrou em vigor

em 2004, no contexto da Unificação Europeia, e acabou se configurando como uma

tentativa de estabelecer políticas públicas comuns, que tenham a paisagem como recurso ao

estabelecimento e à manutenção de uma identidade europeia, evidenciando seu objetivo e

sua abrangência regional. Segundo Ribeiro,314 mais alinhada ao ideário do desenvolvimento

sustentável que à agenda do patrimônio cultural, a Convenção estabelece princípios legais

para áreas urbanas e naturais, classificando as paisagens em três tipos: de considerável

importância ou extraordinárias, ordinárias e degradadas.

A ideia central do documento é que a paisagem forma parte do meio em que se vive, portanto, dela também depende a qualidade de vida das populações. Esta apreciação é válida tanto para as cidades como no âmbito rural, para os territórios bem conservados ou degradados, pois todos são cenários cotidianos das pessoas que o habitam. Além disso, a paisagem participa de maneira importante nas questões de interesse geral, cultural ou social, e a considera, assim mesmo, como recurso econômico que pode contribuir para o desenvolvimento e a criação de empregos.315

Em 2009, a Unesco reiterou sua compreensão do termo paisagem cultural,

enfatizando a relação entre a ação do homem sobre o ambiente natural e ressaltando o valor

das culturas tradicionais para o uso sustentável da terra:

O termo “paisagem cultural” abrange uma grande variedade de manifestações interativas entre o homem e seu ambiente natural. As paisagens culturais, muitas vezes, refletem técnicas específicas de utilização sustentável das terras, tendo em conta as características e os limites do ambiente natural em que estão estabelecidas assim como uma específica relação espiritual com a natureza. A proteção de paisagens culturais pode contribuir para técnicas modernas de uso sustentável e o desenvolvimento da terra ao mesmo tempo conservando ou melhorando os valores naturais da paisagem. A existência permanente de formas tradicionais de utilização de terras sustenta a diversidade biológica em muitas partes do mundo. A proteção da paisagem cultural tradicional, portanto, é útil para a manutenção da biodiversidade.316

314 RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN/COPEDOC, 2007. 315 DE LUCA, 2007, p. 47. 316 ICOMOS. International Council of Monuments and Sites. The World Heritage List: Filling the Gaps – an Action Plan for the Future. Munich: UNESCO, 2004. Disponível em <http://whc.unesco.org/uploads/ activities/documents/activity-590-1.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2011. p. 9.

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Teoricamente, a paisagem cultural possui um caráter dinâmico, advindo da

presença humana, em interação com os seus símbolos, testemunhos históricos, ambiente

natural e processos de produção da vida. Nas diversas concepções, que não se antagonizam,

[...] estão sendo consideradas nas paisagens culturais as características do meio ambiente, os sítios históricos, os sistemas de uso da terra e o conhecimento tradicional, que se entrelaçam na conformação do tecido social, em seus aspectos estéticos, simbólicos, espirituais, funcionais e ecológicos. Sendo, igualmente, importante compreender como essa paisagem é socialmente apreendida, a história de sua formação e a natureza dos fatores que lhe provocaram mudanças. A significação e a autenticidade dessas paisagens vão envolver também elementos que se relacionam com a dimensão imaterial do patrimônio, dependendo frequentemente da continuidade e da vitalidade de sistemas tradicionais de cultura e de produção, que criaram ao longo do tempo padrões característicos de uso da terra e de um sentido único de lugar.317

Dados levantados por Vanessa Gayego Bello Figueiredo318 mostram que até

2009, a maioria dos bens reconhecidos pela Unesco como paisagens culturais eram rurais

(44%), com agriculturas tradicionais e valores arqueológicos, enquanto os ambientes

considerados urbanos corresponderam a apenas 27%. Estes dados são bastante

significativos para ressaltar o sentindo que a paisagem cultural assume para a Unesco e,

consequentemente, os órgãos de preservação signatários desta instituição.

Nesse sentido, a compreensão das classificações que a Unesco utiliza para

definir as paisagens culturais, assim como o que determina a Convenção Europeia da

Paisagem, pode servir de ponto de partida para perceber em que sentido o conceito de

paisagem cultural foi incorporado pelos órgãos de preservação no Brasil. O Brasil é

signatário da Convenção Relativa à Proteção do patrimônio Mundial e Natural de 1972 e,

como tal, tem o compromisso de preservar os bens inscritos na Lista do Patrimônio

Mundial.

Até a criação da instituição da Chancela da Paisagem Cultural, em 2011, o

Brasil não possuía uma legislação específica que correspondesse aos critérios da Unesco no

trato da paisagem cultural. As paisagens com funções predominantemente ecológicas são

317 CASTRIOTA, Leonardo. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume, 2009. p. 269. 318 FIGUEIREDO, Vanessa Gayego Bello. O patrimônio e a lei: o papel das zonas especiais na preservação da paisagem e no desenvolvimento urbano. VI ENCONTRO NACIONAL ANPPAS. Anais do encontro. Belém: Universidade Federal do Pará, 2012.

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protegidas pela legislação de proteção ambiental, como o Instituto Brasileiro de Amparo ao

Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Paisagens de predominante

valor histórico e cultural adotam a mesma legislação utilizada na proteção dos bens móveis,

edificados e de centros históricos urbanos, do Iphan. No caso de sítios mistos, os dois

órgãos devem ser ouvidos.

O instrumento da chancela e a paisagem cultural chancelada relativas ao núcleo

rural da imigração em Santa Catarina são indícios de como o Brasil tem pensado sua

paisagem cultural, fundamentando o sentido de paisagem cultural atribuído a esses bens;

pois, como pondera Meneses, “nos usos é que se concentram os significados mais

profundos da paisagem.”319

Resta-nos perceber em que medida a portaria da Chancela da Paisagem Cultural

Brasileira referenda este sentido de paisagem cultural apregoado pela Unesco, em que há

uma estreita ligação entre o que é considerado paisagem cultural e a área rural, fazendo

predominar a eleição dos ambientes pouco modificados pelo homem, como os rurais e os

da periferia urbana, ou de paisagens com vestígios arqueológicos.

Uma possível chave de interpretação para esta constatação seria a de que os

órgãos de preservação adotam como paisagem cultural a ideia de natureza nos mesmos

moldes para os quais chama a atenção Anne Cauquelin. A paisagem é vista como a

natureza: as referências para sua fruição são as mesmas utilizadas na construção pictórica.

É na natureza – particularmente aquela pouco alterada pelo homem –, “na qual a construção

pictórica é mais evidente, e sua relativa estabilidade, integridade e autenticidade,

constituem fatores relevantes para a nomeação e desenvolvimento das políticas de

preservação.”320

A escolha por tratar a paisagem cultural da imigração – definida pela Chancela

da Paisagem Cultural como a ação do homem no meio natural, portanto dinâmica – na

mesma chave que interpreta a paisagem como natureza – percebida como imutável em si –

implica perceber o patrimônio cultural da imigração como algo estático, que acaba se

319 MENESES, 2002, p. 40. 320 FIGUEIREDO, 2012.

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restringindo à edificação, com o diferencial que agora leva em conta o entorno do bem,

proporcionando uma sensação de que se avançou muito em direção à salvaguarda do bem.

Os limites do instrumento da Chancela já se anunciavam quando da indicação

das localidades de Testo Alto e Rio da Luz como paisagem cultural no processo de

tombamento de 2003.

O próprio Conselho Consultivo do Iphan alertava para o fato de que, além da

falta de informação sobre o sentido do que se denominava como paisagem cultural, não se

conhecia exatamente no que consistiria a Chancela. Para além da gestão compartilhada –

que seria a grande novidade deste instrumento de preservação – como deveria ser

operacionalizada esta gestão?

Outras questões também tornaram complexa a discussão, principalmente no

âmbito da ação patrimonial, na qual

[...] a dificuldade reside em conservar o que é dinâmico e vivo, pois, a depender de seu caráter, mudanças podem ameaçar a existência dos lugares e das paisagens culturais. Nesse sentido, tem-se observado áreas de paisagem cultural tornarem-se recursos socioeconômicos empregados no desenvolvimento local. Tratam-se, contudo, de recursos não-renováveis e seu uso deve ser planejado visando preservar sua integridade e seu caráter peculiar.321

Outras questões de foro mais pragmático também estão presentes, incluindo

como se dará a fiscalização da salvaguarda da paisagem cultural. São questões ainda sem

respostas que indicam, ao menos, que a atribuição da Chancela da Paisagem Cultural

Brasileira aos bens nacionais está longe de representar consenso.

3.3 A REPRESENTAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL DA IMIGRAÇÃO

Com o objetivo de divulgar o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, o Iphan

publicou um conjunto de 21 fotografias que apresentam imagens de bens culturais relativos

aos imigrantes em Santa Catarina. Essas fotografias, de autoria de funcionários do Iphan

(fotógrafos e/ou arquitetos) e que pertencem ao acervo da Secretaria Regional do Iphan em

Santa Catarina, foram utilizadas de duas formas. Uma delas foi a reprodução e a ampliação

321 CASTRIOTA, 2009.

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das mesmas em formato tipo banner para que, segundo Marina Cañas,322 pudessem circular

como exposições itinerantes em vários municípios. Cañas recorda que houve a exposição

destas imagens em Blumenau, durante a Ocktoberfest de 2008, em Vidal Ramos, Indaial,

Pomerode, Rio do Sul, Joinville em Laguna, que ocorreu na Casa do Patrimônio – local do

escritório técnico de Laguna. A segunda forma de utilização das imagens foi a impressão

das fotografias no suporte de cartão postal. O material visual – de muito boa qualidade por

sinal – apresenta, no anverso, os bens culturais centralizados no suporte e “emoldurados”

pela representação de um passe-partout impresso nas margens do cartão postal que varia de

cor conforme o tema abordado.

No verso dos cartões, além da logomarca Roteiros Nacionais de Imigração e do

Iphan é apresentado um “subtema” (por exemplo: se o tema central no anverso são as

propriedades rurais, conforme a Figura 33 – que no caso é a primeira do conjunto

apresentado), o subtema representado no anverso é composto de imagens relativas à

construção das edificações rurais, conforme Figura 34 através da utilização de três ou

quatro imagens que dialoguem com o tema.

As fotografias apresentam dois temas referenciados: a arquitetura e paisagem

cultural. As imagens referentes à arquitetura apresentam a ambiência interna (e são

apresentadas com um passe-partout de cor azul claro); as igrejas (passe-partout verde

escuro); os detalhes construtivos (passe-partout marrom); as casas (passe-partout azul

escuro) e os comércios em passe-partout vermelho. As imagens referentes à paisagem

cultural apresentam o patrimônio imaterial (no passe-partout lilás) e as propriedades rurais

(em passe-partout verde claro).

Selecionamos para a análise apenas as fotografias impressas nos cartões postais

que dizem respeito ao tema da paisagem cultural, definido pelo Iphan como tal. São cinco

postais, dos quais dois são relativos às propriedades rurais e apresentam as imagens de

edificações tombadas; os outros três, que representam o patrimônio cultural imaterial,

vemos imagens de artesanato, da culinária local e de exemplos da produção local. A

narrativa visual neste caso, complementa o texto escrito do Dossiê e comunica, de forma

muito eficiente, o que é entendido como paisagem cultural pelo Iphan.

322 Entrevista com Marina Cañas. Concedida à autora em 19 de janeiro de 2011.

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Figur

Fonte:

a 33 – Pequen

: Arquivo IPH

na Propriedade

HAN – Projeto

e: Casa Radoll

Roteiros Nac

154

l – Rio do Ced

cionais de Imig

dro, Timbó.

gração.

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Figur

Fonte:

a 34 – Pequen

: Arquivo IPH

na Propriedade

HAN – Projeto

e: Sítio Tribes

Roteiros Nac

155

ss – Wunderwa

cionais de Imig

ald, Pomerode

gração.

e.

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Figur

Fonte:

a 35 – Produç

: Arquivo IPH

ção Familiar: T

HAN – Projeto

Timbó.

Roteiros Nac

156

cionais de Imiggração.

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Figur

Fonte:

a 36 – Artesan

: Arquivo IPH

nato: Joinville

HAN – Projeto

e, Urussanga e

Roteiros Nac

157

e Jaraguá do Su

cionais de Imig

ul

gração.

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Figur

Fonte:

a 37 – Culinár

: Arquivo IPH

ria: Testo Alto

HAN – Projeto

o – Pomerode.

Roteiros Nac

158

.

cionais de Imiggração.

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Levando em conta que as imagens são artefatos (possuem a matéria que lhes dá

corpo e sua expressão através do registro visual nele contido) e lançando mão de um

mínimo quadro de referências sugerido por Meneses,323 que tomam como ponto de partida

aquilo que é visual, visível e quilo que é visto nas imagens, empreendemos uma tentativa

de narrar uma história visual, ou pelo menos ensaiar uma narrativa a partir da visualidade

das imagens que representam e apresentam a paisagem cultural da imigração no Brasil a

partir de Santa Catarina.

Se, por um lado o registro visual documenta um evento, situação ou momento,

por outro lado, explicita também a própria atitude do fotógrafo, pois toda fotografia é

produzida com certa finalidade. Em se tratando das imagens que dispomos aqui, o tema

“paisagem cultural” foi captado “através de uma atmosfera cuidadosamente arquitetada”;324

o assunto “teatralmente construído segundo uma proposta [...]”325 que, em última instância

não deixa de ser a apresentação de um conjunto imagético que foi captado pela lente

através de uma realidade imaginada. A fotografia é, assim como toda a imagem,

[...] um duplo testemunho: por aquilo que ela nos mostra da cena passada [...] e por aquilo que nos informa acerca de seu autor. [...] Toda fotografia representa o testemunho de uma criação. Por outro lado, ela representará sempre a criação de um testemunho. 326

No caso do cartão postal, sua vocação primordial é

[...] a transmissão de uma mensagem escrita no verso e visual no anverso. O turista que deseja transmitir quilo que ele vê aos seus amigos que ficaram em casa, lhes endereçará o cartão postal que melhor descreve aquilo que ele vê diante de si, e de preferência, de forma idealizada. É por isso que um cartão postal é sempre uma reprodução fiel e, por conseguinte clássica de um local ou de um monumento. Só nos resta valorizar ou sublimar um pouco a paisagem, com o aporte de flores, por exemplo, ou então acentuando algumas de suas características distintivas. [...] Sendo preciso lembrar de que todas as fotografias que modificam a visão da paisagem ou do monumento, pela utilização de um ângulo inabitual ou de uma temática nova, ainda que fornecendo um efeito

323 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Rumo a uma “História Visual”. In: MARTNS, José de Souza; ECKERT, Cornelia; NOVAES, Sylvia Caiuby (Org.). O imaginário e o poético nas Ciências Sociais. Bauru: Edusc, 2005. 324 KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 5. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014. p. 52. 325 Ibidem, p. 53. 326 Ibidem, p. 54.

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fotográfico interessante, são desenhadas pelo público. Somos assim, forçados a respeitar o gosto do público.327

Eis um ponto visceral daquilo que é visual nas imagens: fotografias impressas

em cartões postais que apresentam um cenário idealizado a respeito do tema e que tem uma

circulação considerável. As imagens das paisagens construídas por estas representações

culturais as traduzem e qualificam, nos fazem ver, educam nossos olhares, dotam de novos

sentidos os lugares. Os valores que as paisagens adquirem ao longo do tempo, muitas vezes

reforçados por estas representações e pelo imaginário construído, é o que se acaba

identificando como bem patrimonial.328

São mais do que “os componentes tridimensionais, da paisagem e dos vestígios

da ação do homem, que serviram de quadro para que um certo fotógrafo efetuasse, através

da câmara, o devido registro sobre o plano bidimensional do material sensível”329,

conforme apontou Kossoy.

O visível é aquilo que a imagem mostra e aquilo que ela esconde. Se a

visibilidade tem dado existência ao evento, a invisibilidade, por outro lado, tem sido tratada

como “consequência de um processo de desmaterialização da vida contemporânea, que

acarreta a dispensa da visibilidade”.330 Nesse sentido, poder e figuração visual são

indissociáveis. A partir desse critério é que podemos problematizar as imagens selecionadas

pelo Iphan indagando: que paisagem cultural da imigração é apresentada? O que é visível e

o que não está à mostra? A quem interessa o que as imagens mostram e o que elas

escondem?

O primeiro grupo de imagens representados pelos dois primeiros postais

(Figuras 33 e 34) apresentam como paisagem cultural as propriedades rurais. São

exemplares de propriedades as quais encontramos espalhadas pelas centenas de estradas e

caminhos das antigas colônias, resultado da forma de distribuição de lotes às famílias dos

327 VASQUEZ, Pedro Karp. Postaes do Brazil (1893-1930). SP: Metalivros, 2002. p. 50-51. 328 MARTINS, Marina Cañas. Paisagem em circulação: o imaginário e o patrimônio paisagístico de São Francisco do Sul em cartões-postais (1900-1930). Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional). UFRGS, Porto Alegre, 2008. p. 35. 329 KOSSOY, 2014, p. 40. 330 MENESES, 2005, p. 37.

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colonos recém-chegados ao Brasil. Formaram-se núcleos rurais familiares edificados

compostos por casas e ranchos, como as imagens mostram.

No anverso do primeiro postal (Figura 33) vemos dois ranchos de madeira

apresentados em dois planos diferentes, em meio a uma vegetação cuja cor verde a destaca,

em contraponto com a cor cinza das edificações. Ao fundo, contornando as edificações,

percebemos as montanhas. O rancho apresentado no primeiro plano e no qual nosso olho

imediatamente repousa, é mostrado como figura central da imagem: embora parte dele

esteja para fora da moldura, a imagem praticamente nos convida a entrar no rancho. O que

vemos no seu interior é o suficiente para perceber que se trata de um lugar importante para

a execução de parte do trabalho realizado no cotidiano das pessoas que vivem ali: um balde

pendurado em cima de uma construção que parece servir de mesa, na qual a presença de

uma tábua em uso denota uma atividade acabou de acontecer por aí.

No verso do postal (Figura 33), estão impressas três imagens da mesma

propriedade – a Casa Radoll localizada em Rio Cedro, Timbó – em tamanho menor,

ressaltando, entretanto, aspectos diferentes do local. A primeira delas apresenta uma

imagem mais geral dos ranchos apresentados no anverso do postal – o que sem dúvida

ressalta sua importância. No entanto as outras duas imagens dizem respeito às edificações

localizadas na mesma propriedade que servem de moradia. Evidenciam dois aspectos

importantes: ao mostrar uma imagem focada no portão de madeira em cor branca

compondo com parte de uma estrutura construída em enxaimel,331 a imagem chama a

atenção para a técnica construtiva realizada. Na terceira imagem volta a apresentar no

331 O Enxaimel, que pode ser definido como “encaixe”, é uma técnica de construção que consiste em paredes montadas com hastes de madeira encaixadas entre si em posições horizontais, verticais ou inclinadas, cujos espaços são preenchidos geralmente por pedras ou tijolos. Primeiro, era construído o esqueleto da casa, todo de toras grossas de madeira. Entre as vigas verticais eram colocadas as horizontais e, nas extremidades das paredes, algumas em ângulo, para evitar inclinação. Pronta a "caixa", os espaços eram completados com materiais disponíveis de acordo com a região: no Rio Grande do Sul, há fechamentos com taipa, barro socado, tijolos maciços rebocados e até mesmo pedra grês cortadas. Em Santa Catarina, há maior ocorrência de tijolos maciços sem uso de reboco. Caracteriza-se também pela robustez e a grande inclinação dos telhados. Na adaptação do enxaimel às características climáticas da região sul do Brasil (pois embora o estilo não tenha uma origem propriamente determinada, seu desenvolvimento maior foi na Alemanha e regiões vizinhas)foi necessária a implantação, por conta da elevada umidade local, de uma estrutura feita de pedra que sustenta as construções evitando que a madeira se molhe, conforme mostram as imagens. Além de fortes, as casas eram baratas e de construção simples. Para mais informações sobre esta técnica construtiva, consultar: WEIMER, Günter. Arquitetura da imigração alemã: um estudo sobre a adaptação da arquitetura centro europeia ao meio rural do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Nobel, 1983.

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primeiro plano o rancho de madeira que serve de suporte para os trabalhos domésticos e no

segundo plano a residência.

O segundo postal traz no seu anverso (Figura 34), da mesma forma que o

anterior, um tema recorrente quando se trata de imigração no sul do Brasil: a presença da

natureza, de ranchos de madeira e das edificações que servem de moradia. Em três planos

bem definidos, a imagem mostra num primeiro momento um cavalo pastanto numa verde

vegetação cuidadosamente aparada; depois nos convida a perceber um rancho de madeira

bastante rústico e em condições não muito íntegras a julgar pelos buracos existentes nas

paredes das edificações, e por fim, percebemos duas edificações ao fundo, localizadas no

sopé do morro em contraste com o azul do céu. Das casas ao fundo percebemos, da mesma

forma que a imagem anterior, as edificações construídas em enxaimel.

No verso desse postal (Figura 34), vemos um conjunto de três imagens que nos

apresenta, na primeira delas, uma outra vista das casas construídas com a técnica

construtiva de encaixe, que no seu anverso apenas podíamos visualizar apenas ao longe.

Percebemos também a existência de um rancho em anexo à propriedade que não era visível

na imagem do seu anverso. A segunda fotografia apresenta em primeiro plano uma carroça

feita em madeira à frente de um detalhe da técnica construtiva utilizada na edificação da

residência. A terceira fotografia apresenta, em outro ângulo a casa que serve como

residência construída em enxaimel e rancho anexo. Podemos perceber que os dois postais

que fazem referência às propriedades rurais as apresentam de uma forma bastante

convencional e destacam a importância dos ranchos anexos às propriedades como aspectos

fundamentais: as casas eram, em geral, implantadas próximas à testada do lote, voltadas

para a estrada. Formando conjunto com as casas estão sempre os ranchos de madeira que

dão apoio às atividades produtivas desenvolvidas no pequeno lote colonial.

Interessante observar que não figura como representante da paisagem cultural

da imigração neste material, a localidade de Testo Alto: conjunto rural chancelado pelo

Iphan como Paisagem Cultural.

O segundo grupo de imagens representados pelos três últimos postais

que apresentam a paisagem cultural (Figuras 35, 36 e 37) o fazem através da legenda de

patrimônio imaterial. Essa opção deixa clara a compreensão pelo Iphan, de que patrimônio

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imaterial é entendido como paisagem cultural da imigração ou como parte dela. Ressalta-se

que nenhuma solicitação de registro de patrimônio imaterial ligado à imigração foi feito

nem pelos gestores do projeto – que foram os responsáveis pela solicitação do tombamento

dos 61 bens materiais -, nem pela comunidade envolvida. Talvez a presença do patrimônio

imaterial no tema relativo à paisagem cultural, seja uma maneira encontrada pelo Iphan de

incluir a imaterialidade do patrimônio do imigrante no Projeto Roteiros sem

necessariamente abrir um processo de registro desses bens como fez com as solicitações de

tombamento.

A Figura 35 mostra como cena principal um senhor de chapéu fabricando e/ou

reparando uma roda de madeira sob a luz natural que entra no rancho através das frestas nas

paredes e que incide sobre seu objeto de trabalho, ressaltando-o. A cena acontece dentro de

um galpão de madeira que pode ser identificado como uma oficina: um estande repleto de

ferramentas e utensílios de marcenaria; mesa típica do ofício na qual se percebe evidência

de suas atividades no trato com a madeira.

No verso deste postal, (Figura 35) percebemos um conjunto de três imagens

referentes às localidades de Indaial, Pomerode e Timbó, apresentadas sob a legenda de

Produção Familiar: a primeira delas mostra como cena principal uma carroça movida à

tração animal conduzida por duas pessoas. A carroça leva uma quantidade expressiva de

pasto. A segunda imagem em preto e branco apresenta dois homens de boné sentados no

que parece ser a varanda de um rancho de madeira executando a atividade manual de

descascar milho. A terceira imagem evidencia num primeiro plano um cesto repleto de

espigas de milho descascadas; no segundo plano, dois cestos virados para baixo e algumas

espigas de milho com casacas no chão. Ao fundo uma pilha de espigas de milho já

descansadas dispostas de forma ordenada.

No outro postal, (Figura 36) a imagem de uma escultura em madeira de um

cavalo acoplado a um artefato é o tema sugerido. A julgar pela escala do assoalho de

madeira, trata-se de uma miniatura que pode servir como brinquedo ou elemento

decorativo. No verso, a Figura 36 mostra um conjunto de outras pequenas três imagens:

uma fotografia apresentando 3 cestos de vime; uma escultura em madeira representando um

arado movido à tração animal e um par de tamancos de madeira.

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O último postal traz no seu anverso uma imagem (Figura 37) que toma todo o

espaço do suporte e que são contidas pela moldura do passe-partout de cor lilás: assadeiras

de alumínio repletas de massa de pães, já crescidos, à espera de irem para o forno. No verso

do postal (Figura 37) um conjunto de quatro imagens que segundo a legenda, fazem

referência à Culinária da região de colonização de Testo Alto, Pomerode: a primeira

imagem mostra algumas peças de carne penduradas em uma estrutura no teto para serem

curtidas; a segunda imagem mostra um par de mãos em um aparelho de ralar; a terceira

imagem mostra uma mulher colocando uma assadeira com massa de pão para assar num

forno à lenha; a quarta imagem mostra bules e panelas em cima da chapa de um fogão à

lenha no interior do que parece ser uma cozinha.

As imagens, que dialogam entre si, constroem uma narrativa que apresenta

como paisagem cultural a cultura material e imaterial; a imigração para áreas coloniais de

pequena extensão, o cotidiano do homem em meio a uma natureza exorbitante, o imigrante

típico que trabalha de forma artesanal, pré-industrial, que vive daquilo que produz e de

forma muito simples. Podemos dizer que de forma geral, a paisagem cultural é apresentada

como a ação do homem na natureza e esta ação se traduz, nas imagens, pelo trabalho do

homem sobre a mesma.

Os dois postais que representam como paisagem cultural as pequenas

propriedades rurais dão ênfase à arquitetura local (construções de rancho em madeira e

edificações em técnica enxaimel) e fazem isso apresentando as edificações num cenário

marcado pela natureza em seu entorno. Tanto a imagem do Sítio Tribess como a da Cada

Radoll, inclusive as que estão no verso do postal, representam exemplares da arquitetura

local, cuidadosamente enquadradas num recorte de exuberante natureza emoldurada pelo

postal. Aliás, a forma como a natureza foi retratada nas fotografias, nos remete às inúmeras

representações das pinturas de paisagens realizadas ao longo da história que representavam

o pitoresco, o romântico, tal como sugere a representação da paisagem cultural da

imigração no Projeto Roteiros.332

332 OLIVEIRA, Helder. Por uma historiografia da pintura de paisagem no Brasil (1816-1890). In: I SEMINÁRIO DE HISTÓRIA: CAMINHOS DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA. Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, 2014. Disponível em: <http://www.seminariodehistoria. ufop.br/ seminariodehistoria2006/download/I-seminario-historia-ichs-ufop%282006%29-n25.pdf>. Acesso em: nov. 2014.

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Alguns aspectos sugerem a ação do trabalho humano naquele território: as

edificações, a vegetação do entorno das casas está devidamente controlada por poda e corte;

restos sob a mesa de madeira indicam alguma função recém-ocorrida e flores e folhagens

nas paredes do rancho indicam algum cuidado com o local definido exclusivamente como

“de trabalho”. No entanto, cabe observar que mesmo que a ação do homem nesta natureza

esteja indicada nas imagens, a sua presença efetiva não está visivelmente expressa. A

representação faz referência à ação do homem mas não mostra o homem e tampouco o seu

trabalho, que ao contrário do que indicam as imagens, é repleto de tensão, pois nem sempre

a natureza responde às suas intervenções do forma positiva. O trabalho dos colonos

imigrantes é apresentado de forma bastante higienizada e mesmo que as edificações

pareçam apresentar problemas, as imagens compõem uma determinada poética que ao

observador não provoca desassossego.

Os três postais que representam como paisagem cultural o patrimônio imaterial,

o fazem através da produção familiar, do artesanato e da culinária. Enfatizam os saberes na

arte construtiva e culinária e as formas de expressão através do artesanato. Das imagens que

remetem à produção familiar, a da Figura 35, especialmente, chama a atenção. Muito

embora os proprietários destas localidades rurais já disponham de tecnologia moderna o

suficiente para construírem artefatos de uso e/ou equipamentos necessários para seu

cotidiano, a imagem privilegia o trabalho manual, realizado nos moldes pré-industriais.

Ainda que realizado no seu cotidiano, trata-se de um cenário que apresenta o trabalho

manual como aquele genuíno e importante de ser preservado a qualquer custo. Da mesma

forma que os Dossiês de Tombamento reforçam a importância da arquitetura do patrimônio

do imigrante por ser original e excepcional, esta imagem constrói o discurso que valoriza o

trabalho artesanal, realizado de forma quase que exclusiva na época da imigração e em anos

subsequentes. Ao privilegiar esta representação de trabalho, o Projeto Roteiros não apenas

o referenda de forma nostálgica como deixa de lado uma perspectiva contemporânea do

trabalho realizado pelos imigrantes e seus descendentes, uma vez que eles ainda vivem

nessas propriedades e dependem do trabalho realizado nas mesmas.

Além do artesanato típico realizado nas propriedades representado nas imagens

pelas pequenas esculturas em madeira e cestas de vime, que eventualmente são

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comercializados para auxiliar na renda, a culinária é, por fim, um ponto alto do que o Iphan

considera paisagem cultural.

Os pães recém-amassados à espera de irem ao forno, os pedaços de carne

curtindo ao tempo, o processo artesanal de feitura de alguma iguaria local e por fim, os

processos tradicionais de cozimento da comida, nos deixam com água na boca. Por outro

lado, não dão espaço para refletirmos acerca de outros aspectos que envolvem a culinária

naquele cenário e que se distanciam de uma perspectiva nostálgica: é invisível a questão de

gênero aí colocada, tampouco é mostrado o quão árduo é o trabalho para fazer o fogo e

mantê-lo aceso durante o tempo de cocção e porque não falar do próprio tempo investido

nesta tarefa.

Diz Meneses que a visão é uma construção histórica; não há universalidade e

estabilidade na experiência de ver e uma história da visão depende de muito mais do que

alterações nas práticas representacionais, depende de como o olhar foi construído. 333

De forma geral, estas imagens que cristalizam cenários, acabam por inventar

identidades na medida em que formalizam estereótipos visuais através de generalização

daquilo que é alemão, italiano, polonês ou ucraniano.

A paisagem [desta forma apresentada] é um símbolo do grupo reunido em sua apropriação em forma de experiência ritualizada de um lugar, que lhe atribui um a identidade esquemática, e o valor que é atribuído a ela é um símbolo dos ideais coletivos do grupo.334

Como uma das propostas do Projeto Roteiros é comercializar estas identidades

construídas através da atividade turística, o patrimônio cultural acaba servindo justamente

para endossar a idealização destes grupos, e não para percebê-los diante de uma sociedade

que muda cotidianamente.

A paisagem, nessa circunstância, exprime-se como objeto de observação e

consumo. E, o turismo enquanto atividade torna-se dependente das imagens que divulgam,

constroem e reconstroem os espaços transformando-os em paisagens ligadas a quem lhes

interessa.

333 MENESES, 2005, p. 38. 334 CONAN, Michel apud SAYÃO, 2004, p. 42.

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Conforme aponta Meneses,335 há inúmeras formas de ver a paisagem e quando

ela deixa de ser individual, solitária, em busca da contemplação silenciosa de uma natureza

inédita e intocada, impregnada de mensagens de autenticidade, para ser construída como

um olhar coletivo que “solicita a presença de coparticipantes que confirmem a pertinência

de estar num lugar”336, ela se rende ao olhar turismo. Olhar este que

[...] é ávido de novidade, do diferente, do extraordinário. Mas o novo, a diferença, o fora de série são difíceis de serem assimilados – sobretudo como mercadoria. O típico facilita sobremaneira o consumo: a comida típica, a roupa típica, a fala típica, os trajes típicos, os comportamentos típicos, o temperamento típico – e a paisagem típica – dão conta de qualquer heterogeneidade, complexidade e transformações, cuja historicidade se congela, abstratamente, numa mercadoria estável, transparente, de fácil digestão.337

Na sociedade contemporânea, o teatro do consumo é o que fornece a matriz do

olhar paisagístico.

Pelas vinculações com os processos identitários e a construção imaginária da nação, a paisagem fatalmente viria a se incluir entre os componentes do patrimônio cultural. [...] Durante muito tempo, porém a paisagem que ingressa no rol do patrimônio cultural – e passa a ser reconhecida como bem de interesse coletivo pelo poder público e merecedora de sua proteção – foi tratada como monumento. [...] muitas vezes a consideração da paisagem como patrimônio se fez pelo processo da monumentalização. A monumentalização, toma elementos da paisagem e os transforma em fetiches, por assim dizer sacralizados, dotados de valores próprios, como se fossem autônomos, imutáveis, independentes das contingencias da visa sociocultural, independentes, também, do próprio contexto ambiental.338

Destaca-se, sobretudo, o valor estético, os sentidos simbólicos e os recursos

agregados ao seu entorno, a fim de atender às demandas construídas no imaginário dos

turistas. Nesse sentido, toda a paisagem pode ser consumida, pode ser turística, uma vez

que seu consumo é ditado por padrões culturais e construídos historicamente.

Thiago Sayão, em sua dissertação de mestrado, nos diz que a perspectiva que

apresenta a produção de paisagens como algo estático a ser consumido, encerra um

processo de muséalisation do mundo, que segundo os autores citados por ele, Daniel

335 MENESES, 2002. 336 Ibidem, p. 47. 337 Ibidem, p. 48, grifos nossos. 338 Ibidem, p. 50, grifos nossos.

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Vander Gucht e Frédéric Varone, “seria a busca nostálgica da identidade perdida ou a

ameaça de destruição de determinado patrimônio.”339

De forma mais específica, este processo de musealização é percebido na medida em

que apresentam o cotidiano das pessoas que vivem nas localidades que foram indicadas para

salvaguarda, sobretudo nas localidades rurais compreendidas como paisagem cultural, como

locais isentos de tensões de toda ordem: na relação entre as pessoas, na relação com o meio e,

sobretudo, na relação com o trabalho: ainda que um dos enfoques do Projeto Roteiros seja

contribuir para que as pessoas permaneçam em suas propriedades mesmo com a dificuldade que

a vida no campo apresenta, as imagens (textos escritos e visuais) sempre se referem ao trabalho

de forma higienizada e num tempo distante: mesmo em se tratando de atividades que envolvam o

trabalho pesado e nem sempre asséptico, é apresentado como idealizado e executado num tempo

suspenso, num passado distante, pré-industrial. As imagens ajudam a criar uma imagem mental

do que vimos – como a imagem do trabalho – e a isso traduzimos como paisagem. Isso nos

conforta porque histórica e culturalmente não desconstruímos a imagem idealizada. Não estamos

acostumados a pensar na imagem como construção e que a imagem é portadora de sentido.

O texto visual vai ao encontro do texto escrito, na medida em que endossa a

ideia de preservação como “congelamento”, e evidencia as contradições que a utilização do

termo paisagem cultural carrega:

[...] conhecer esses exemplares genuínos da arquitetura rural de colonização italiana daria a verdadeira dimensão do valor cultural das propriedades existentes na região e no resgate das práticas agrícolas que vem sendo perdidas ao longo dos anos. Conservar os costumes e tradição dos imigrantes da região sul do estado torna mais provável a salvaguarda deste patrimônio natural e construído de importância histórica no contexto nacional. A preservação do patrimônio cultural da imigração em Santa Catarina protege esses bens da destruição e abandono, ao mesmo tempo em que fortalece os valores identitários das comunidades onde estes se inserem.340

Ao se referir às festas de outubro e das imagens construídas destas festas, Maria

Bernardete Ramos Flores pondera que são elas as responsáveis por paralisar “a história nos

clichês transportáveis pela mídia”,341 afinal

339 GUCHT, Daniel Vander apud SAYÃO, 2004, p. 44. 340 DE LUCA, 2007, p. 18, grifos nossos. 341 FLORES, 1997b, p. 41.

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Paisagem Patrimônio constitui um caso especial no contexto das Paisagens Culturais. Numa abordagem mais superficial, o valor patrimonial da paisagem reduz-se, muitas vezes, a um exercício de cenografia descolado das condições intrínsecas de produção e de evolução dessas paisagens, e que sobrevaloriza os elementos pitorescos tradicionais (socalcos, muros, arquitecturas vernaculares, ruinas, sítios arqueológicos, lugares excepcionais, simbologias, mitos, etc.) convertidos em ícones de uma ‘autenticidade cultural perdida’ e em imagens de modos de vida supostamente harmoniosos e bucólicos.342

Nesse sentido, a construção desta imagem do imigrante que o representa de

forma estática no tempo e no espaço, – ainda que o tema da paisagem cultural requeira, por

definição, uma ideia de movimento – é bastante recorrente nas discussões sobre paisagem

cultural. Há um descompasso entre o sentido de Paisagem Cultural e a sua aplicabilidade: o

dinamismo do conceito está ausente da prática. É como se em algum momento um

determinado bem fosse designado como paisagem cultual e dali a pouco, uma mudança na

ação dessa mesma paisagem, a desconfigurasse como paisagem. Em certo sentido é como

se o conceito de Paisagem Cultural ele mesmo impedisse as mudanças na própria paisagem;

ou ainda, como se a transformação – própria do conceito de paisagem cultural – fosse algo

negativo. A paisagem proposta pelos Roteiros é idílica. Se assim não fosse, nós não

relacionaríamos o que vemos à ideia de paisagem, pois

[...] quando supomos que a natureza foi desgastada, aviltada, contaminada pela manipulação humana, dá-se a falha. Ela se manifesta no desacordo existente entre o que pensamos ser a natureza e o que vemos dela. A paisagem não se cola mais a seu fundo, a seu solo nativo, ela está como que deslocada, mudou de lado, há um hiato, um passo em falso, e não conseguimos qualquer que seja o esforço que façamos, atravessar esse fosso. A natureza sai intacta dessa aventura, mas a noção de paisagem foi abalada; sua perfeição é menos certa, e se trabalharmos para restabelecer esse acordo originário entre natureza e paisagem, o resultado de nossos esforços se aproximará bastante tanto da satisfação [...] como do sentimento de uma perfeição.343

Nesse sentido, as imagens do patrimônio do imigrante representados pela

imagem de sua paisagem cultural vai ao encontro dos discursos sobre atribuição de valor ao

mesmo: tanto o tombamento como a chancela são instrumentos na consolidação de um

patrimônio étnico para o Brasil. O que vemos são cenários; são ambientes compostos

342 DOMINGUES, Álvaro. A paisagem revisitada. Finisterra – revista portuguesa de geografia, v. 36, n. 72, p. 63-64, 2001. Disponível em: <http://revistas.rcaap.pt/finisterra/article/view/1621/1316>. Acesso em: nov. 2014. p. 64, grifos nossos. 343 CAUQUELIN, 2011, p. 123, grifos nossos.

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segundo os pressupostos da perspectiva. São construídos para ser paisagem. É uma

linguagem elaborada e construída para ser consumida.

Mostram uma paisagem ligada à natureza sem uma reflexão de que esta ideia é

construção. Esta idealização da natureza está ligada a um imaginário coletivo relacionado a

um passado distante de natureza romântica.

Nesta perspectiva a ideia de natureza passou a ser sinônimo de vida saudável e

a práticas ao ar livre uma forma de diferenciação social. A positivação da paisagem da

natureza tem relação com o mundo burguês: tem que ter tempo livre para apreciar a

natureza; por isso se torna moeda de troca.

As imagens apresentam ainda, um presente asséptico e por vezes nostálgico

fruto de um passado idealizado. Não deixa de ser um olhar específico sobre o tempo e o

espaço! Afinal, “assim como uma composição fotográfica, a paisagem é um recorte do

espaço que paralisa em um quadro o movimento de um tempo. [...] funcionam como

suporte e matéria prima do discurso da identidade local.” 344

Nesse sentido, as imagens do patrimônio do imigrante representativas de sua

paisagem cultural expressas pelas imagens selecionadas pelo órgão de preservação,

reforçam os discursos sobre o patrimônio do imigrante no Brasil – presentes em todo o

Projeto Roteiros – na medida em que opta por representar este patrimônio que é tão diverso,

de maneira estereotipada e restrita aos grupos étnicos eleitos como importantes no processo

de imigração para o Brasil.

344 SAYÃO, 2004, p. 43.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Projeto Roteiros se torna expressão nacional do Iphan quando Dalmo Vieira,

responsável por muitas das ações de preservação no estado de Santa Catarina (tanto na

condição de representante do Iphan no estado quanto responsável pelo patrimônio cultural

no estado através da FCC), envolvido diretamente no inventário dos bens culturais ligados

aos imigrantes no estado, torna-se Diretor do Departamento de Patrimônio Material e

encaminha ao Iphan a solicitação de tombamento desses bens. Da mesma forma o Projeto

estaciona exatamente quando deixa o cargo no Iphan e passa a se ocupar de outro cargo na

prefeitura municipal de Florianópolis; há, neste projeto uma dimensão política personalista

evidente.

A pesquisa mostrou também a importância que o estado de Santa Catarina teve

no processo de consolidação do Projeto Roteiros, uma vez que o patrimônio apresentado na

proposta do Iphan é o do imigrante que se estabeleceu em Santa Catarina. O imigrante e seu

patrimônio apresentados nesse Projeto, são forjados ao longo do tempo através de várias

ações desenvolvidas a partir dos anos 1980 pela Fundação Catarinense de Cultura e em

alguns momentos pela ação conjunta desta instituição com o Iphan.

O Iphan, por meio do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração constrói – a

partir das ações de salvaguarda do patrimônio cultural do imigrante europeu pioneiro (do

pequeno proprietário rural alemão e italiano), e de seus discursos textuais e visuais – uma

narrativa que privilegia o componente étnico desses grupos de imigrantes como

representativos do patrimônio cultural da imigração no Brasil.

Ao privilegiar esta escolha, o órgão responsável pela salvaguarda do patrimônio

cultural do imigrante no Brasil, minimiza a importância do patrimônio cultural de outros

grupos étnicos que migraram para o Brasil bem como a diversidade do seu patrimônio.

Ao construir uma narrativa sobre o patrimônio cultural do imigrante europeu,

notadamente alemão e italiano, que se localiza no estado de Santa Catarina, inventariado

pelo Projeto Roteiros, o Iphan não apenas o fez de forma generalizada como apresenta este

patrimônio e os próprios personagens detentores do patrimônio como frutos de um tempo

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interditado, suspenso: um tempo pretérito marcado pela idealização estereotipada do que é

ser imigrante no Brasil, muito distante da dinâmica cotidiana da vida contemporânea.

Tanto o tombamento dos 61 bens que compõem o Projeto Roteiros quanto a

Chancela da Paisagem Cultural Brasileira atribuída ao núcleo rural que também integra a

região do Projeto Roteiros, se constituíram, na verdade, em mais dois instrumentos que

ajudam a endossar uma identidade para o Brasil, marcada, neste caso, caso por grupos

representados por alemães e italianos.

As políticas públicas ligadas à instituição do patrimônio cultural no Brasil

criaram uma identidade étnica para o país, a partir da atribuição de determinados valores

aos bens culturais ligados à imigração no Brasil e, sobretudo construíram essa identidade a

partir dos instrumentos de salvaguarda do patrimônio.

O Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, que até o momento foi instituído de

forma pioneira e exclusiva em Santa Catarina, ao ser problematizado, nos diz muito sobre a

política de preservação do patrimônio cultural no Brasil e sua relação com os estados

brasileiros. A consolidação do projeto através de dois instrumentos de salvaguarda, a saber,

o tombamento de 61 bens relativos ao patrimônio do imigrante em Santa Catarina e a

chancela da paisagem cultural atribuída a um núcleo rural localizado justamente na área de

abrangência do projeto Roteiros indica que embora em todo o Projeto conste a importância

do patrimônio intangível do imigrante, não houve o registro de nenhum bem nos quatro

livros de registro do patrimônio imaterial. Apesar de no texto do Dossiê estar registrado

algumas manifestações da cultura imaterial, o caráter técnico e o enfoque arquitetônico

predominaram.

Como se viu, o Iphan, logo após sua fundação, já atribuía valor ao patrimônio

do imigrante através do instrumento de tombamento. Com exceção de um único bem

relacionado ao patrimônio da imigração japonesa no Brasil, todos ou outros tombamentos

até a década de 2000, embora quantitativamente pouco expressivos, eram representativos

do patrimônio de imigrantes alemães e italianos e se localizavam especificamente nos

estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Foi na década de 2000 com o lançamento

do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, que pressupunha a indicação de tombamento

de 59 bens culturais, um núcleo urbano e um rural, é que a valorização do patrimônio do

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imigrante passou a ter maior visibilidade pela expressiva quantidade de bens indicados para

tombamento.

É importante destacar que a valorização do patrimônio do imigrante pelo Iphan

não se deu apenas através dos instrumentos de salvaguarda, mas de ações pontuais, como

na criação do Museu ao Ar Livre de Orleans que, em funcionamento até os dias atuais,

tinha o objetivo de abrigar objetos relativos ao trabalho cotidiano de imigrantes e expô-los

para a comunidade.

A análise das justificativas dos processos de tombamentos ocorridos na década

de 1930, 1960, 1980 e 2000, permitiu perceber que o patrimônio desse imigrante foi

valorizado de forma diferente ao longo do tempo, ao sabor do contexto político-cultural que

se desenhava e que impactou o órgão nacional de preservação.

A dissimulação do patrimônio dos imigrantes alemães nominada de Palácio dos

Príncipes, tombado em 1938; a justificativa que atribui à paisagem do Cemitério

Protestante como o motivo central do seu tombamento em 1962; os tombamentos

realizados na década de 1980 (Casa Presser, Casa do Professor e Escola Rural, Casa da

Neni, Ponte do Imperador e o Conjunto Urbano de Antônio Prado) que valorizam

explicitamente o trabalho do imigrante e seu patrimônio, e os 61 tombamentos realizados

em 2012, apontam um sensível deslocamento para o fato de que o imigrante e seu

patrimônio passam a ter na política de preservação nacional.

Assim, a criação do Projeto Roteiros, na verdade, respaldou o grande número

de tombamentos dos bens relativos ao patrimônio do imigrante realizados na última década.

O lançamento do Projeto em 2007 significou, além da sua formalização através da

assinatura do termo de compromisso, uma arrancada rumo à maratona de tombamentos que

deveriam acontecer a partir daí. Esses tombamentos garantiriam o sucesso da primeira

etapa do processo que seria dar visibilidade a este patrimônio para depois torná-lo atrativo

turístico.

No que tange à construção de uma identidade étnica para o Brasil, o Projeto

Roteiros escolhe a qual imigrante dar visibilidade. Apesar de o Projeto ressaltar o fato de

que o patrimônio cultural representativo da imigração polonesa e ucraniana teriam

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destaque, quem fica mesmo em evidência é o patrimônio do imigrante alemão e italiano

nesta mesma ordem de importância.

Em relação ao patrimônio imaterial da imigração, os Dossiês afirmam sua

importância, mas não existe absolutamente nenhum registro ou pedido de registro de

patrimônio imaterial relativo a este patrimônio cultural. As próprias justificativas de

tombamento obedecem a critérios técnicos ligados exclusivamente à arquitetura. O mais

próximo que se chegou disso foi o reconhecimento do talian pelo Iphan como Referência

Cultural Brasileira.

Sobre a discussão a respeito da Paisagem Cultural Brasileira, embora os

Dossiês não contenham uma discussão profunda sobre o tema, o documento trata o

patrimônio cultural do imigrante, como uma paisagem cultural da imigração e utiliza de

textos visuais que constroem significados do que seja paisagem cultural para os órgãos de

preservação. Importante ressaltar que o Conselho Consultivo do Iphan atribuiu

formalmente a chancela da Paisagem Cultural da Imigração a um núcleo rural, também

tombado com patrimônio paisagístico.

Outro aspecto importante é o fato de o Projeto Roteiros ser apresentado como

um dos grandes Projetos do Iphan e como tal anunciado como um resultado consensual

entre a entidade e as comunidades envolvidas. A análise do processo mostrou que existem

vozes dissonantes que se manifestaram, por exemplo, por meio de pedidos formais de

impugnação do tombamento do bem de sua propriedade, ou nas entrevistas com os

moradores de bens tombados. O fato de nenhuma das impugnações ter sido considerada

válida mostra as fragilidades do processo além de nos convidar a refletir a respeito de um

imigrante que é construído por um outro, que não é ele próprio.

Dizemos que o imigrante que é representado pelo Projeto Roteiros é forjado

porque não se trata de tomar como referência para o Projeto qualquer outro imigrante, mas

um específico que atenda as demandas dos seus idealizadores.

O imigrante do Projeto, não é mais aquele que na década de 1930 foi

considerado pelo Estado o principal alvo da política nacionalista de Vargas. Tampouco se

trata do imigrante que durante a década de 1940, com a iminência da Segunda Guerra, foi

considerado um perigo. Podemos dizer também que o Projeto não se apropria tão somente

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da imagem do imigrante construída pelos órgãos de preservação dos anos 1980, nos quais

as justificativas para o tombamento do seu patrimônio diziam de sua reabilitação na

sociedade democrática que surgia.

O imigrante do Projeto é a síntese das narrativas produzidas ao longo dos

tempos anteriores mais a especificidade exigida pelas demandas contemporâneas: é o

imigrante alemão e italiano que se caracteriza por possuir uma pequena propriedade rural,

por trabalhar nela de forma quase que exclusivamente artesanal, e que convive

harmoniosamente com o território no qual vivem. Nestas condições, produziram um

patrimônio ímpar, original e digno de preservação.

Para que essa harmonia não seja interrompida, para que o cenário não se altere

e tampouco para que esse patrimônio não seja perdido, o Estado oferece, por meio do

Projeto, como uma alternativa, a transformação deste patrimônio em produtos turístico.

Nesse sentido, os bens tombados e a paisagem cultural da imigração se apresentam como

objetos de consumo.

Se, de um lado, a pesquisa mostrou como foi construída a ideia de um

patrimônio da imigração a partir do tombamento de bens relativos a esse processo, de outro,

apontou o quanto os textos visuais, os veiculados à divulgação do Projeto Roteiros relativos

à paisagem cultural da imigração, constroem uma ideia do que ela, a paisagem cultural,

significa para os órgãos de preservação.

Ainda que a natureza se transforme em paisagem a partir da forma como ela é

percebida através de critérios construídos histórico e culturalmente, o Iphan ainda trata

paisagem como sinônimo de natureza. As imagens de divulgação na forma de postais e

banners mostram como as paisagens culturais são apresentadas como recortes da natureza

ou de trabalhos realizados de forma harmônica no meio natural no qual vive o imigrante.

Deste modo, identifica-se a paisagem cultural do imigrante como a própria

natureza e como tal, as imagens apresentam um cenário idílico no qual o homem atua

perfeitamente sobre ela e sem nenhuma alteração.

Apresentam um cenário romântico no qual o meio rural é mostrado como um

ambiente de tranquilidade que pode ser oferecido como alternativa ao mundo urbano

contemporâneo endossando a dicotomia urbano X rural. Entender a paisagem cultural na

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chave da natureza implica em pensar este patrimônio como algo estanque. Daí deriva um

dos principais limites do instrumento de preservação da chancela: a impossibilidade de

capturar algo que é dinâmico em si; a dificuldade em perceber quando estamos diante da

natureza, da ação humana ou da paisagem cultural.

Podemos perceber que a paisagem cultural da imigração é apresentada assim:

de forma estática, idílica, sem contradição; e que expurga da cena o imigrante que não

obedeceu a este modelo. A este, à invisibilidade. Há uma ironia nesta constatação, pois a

chancela como instrumento de preservação, deveria dar conta de um patrimônio que vai

além da pedra e cal, que diz do seu entorno, das práticas ocorridas no território, portanto, da

sua dinâmica. Percebemos que o limite não está apenas no instrumento em si, mas na sua

compreensão e utilização.

Por fim, a resposta à provocação do título da tese é: Sim, o Brasil é diverso e

seu patrimônio cultural aponta para isso. No entanto, esta pluralidade poderia ser melhor

percebida e vivenciada se, talvez – e este é um grande desafio – os órgão de preservação se

preocupassem mais em perceber o patrimônio cultural dentro da dinâmica que lhe é própria

do que engessá-lo na garantia de sua imutabilidade.

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Edificação

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Beneficência Misericórdia

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órico de ter sidrequinte constas característic

ica e de implacom os conjun

ervação dos im

gica e de implcom os conjun

ervação dos im

xemplares ruralaridade da tip

cional aliada a

bamento

mplaridade na

do a primeira trutivo e nos cas de maior

antação, as técuntos urbanos móveis.

lantação, as téuntos urbanos móveis.”

ais. [...] O imópologia ‘casa c

aos esmeros

a Hi

escola

Hi

cnicas e rurais Hi

écnicas e rurais Be

óvel com

CaArCaHi/ EPa

Hi

Livro Tom

istórico/Belas

istórico/Belas

istórico/Belas

elas Artes

asa Enxaimel:rtes asa e Ranchosistórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

istórico

mbo

Artes

Artes

Artes

Belas

s: eológico

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E

Alem

Alem

Alem

Alem

Alem

Alem

Etnia C

mã BLU

mã BLU

mã BLU

mã GBR

mã IDL

mã IDL

Código

U002c SP

U035 CN

U051a CH

R006 CH

L001 C

L039 CHL

Edificação

Salão Primavera

Casa Bauer, Nelson

Casa Hein, Hary

Casa Ulrich, Helmut

Casa Duwe

Casa Hersing, Lorival

Arquitetu

ArquiteturRecreativaInstitucion

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ura* Cida

ra a e nal

Blume

ra al de

des

Blume

ra al de

des

Blume

ra al de

des

Guabi

ra al de

des

Indaia

ra al de

des

Indaia

ade Loca

enau Vila I

enau Vila I

enau Vila I

ruba São P

al Arapo

al Encan

alidade T

toupava Salenx

toupava

Coedicasenxranma

toupava Caenx

edro Caenx

ongas Caenxran

no Alto Caenx

Objeto Tombado

lão xaimel

onjunto ificado: sa xaimel e nchos de adeira

asa xaimel

asa xaimel

asa xaimel e ncho anexo

asa xaimel

1

Possui Tombament

Estadual?

Não

Não

Não

Não

FCC

Não

91

o

“Exempla

“Destaca-implantaçexemplari

“Trata-se que consicasas enx

“Singularexemplar antigas. Sacabamenmadeira f

Além dosonde esta paredão dconjunto r

“Originalconstrutivda ambiên

Justificat

aridade constr

-se no contextção, preservaçridade constru

de exemplar iste na justapoxaimel, ordinar

riza-se pela sur importante noSua composiçãntos utilizadosfalquejada, o d

s aspectos estéa inserida a Cade mata verde rural uma amb

lidade, integridvos, singularidncia.”

tiva de Tomb

rutiva e funcio

to das propriedção do conjunttiva e tipológi

da tipologia dosição lateral driamente isola

ua qualidade co conjunto daão simétrica, os, a lógica estrdesenho de tijo

éticos e constrasa Duwe, emoao fundo do lbiência excep

dade e requintdade da planta

bamento

onal.”

dades rurais pto rural e ica.”

de ‘casas emende dois módulados entre si.”

construtiva e éas edificações os encaixes e rutural, as peçolos da fachad

rutivos, a paisoldurada por ulote, confere a

pcional.

te dos elemena baixa e integ

Hi

pela ArEtPa

ndadas’ los de ”

Be

mais

ças de da.”

Hi

agem um ao

Hi/ EPa

ntos gridade Hi

Livro Tom

istórico

rqueológico/ tnográfico e aisagístico

elas Artes

istórico/Belas

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

istórico/Belas

mbo

Artes

eológico

Artes

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E

Alem

Alem

Alem

Alem

Polo

Etnia C

mã IDL

mã IDL

mã IDL

mã IDL

onesa ITP

Código

L035 CAE

L050 CSL

L089

PmcW

L113

CSPS

P010 IE

Edificação

Casa Ristow, Arlindo e Edmundo

Casa Schroeder, Luiza

Ponte madeira coberta Warnow

Capela Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

Igreja Santo Estanislau

Arquitetu

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

Obras de Infraestrutue Transpor

Arquiteturreligiosa

ArquiteturReligiosa

ura* Cida

ra al de

des

Indaia

ra al de

des

Indaia

tura rtes

Indaia

ra Indaia

ra Itaiópo

ade Loca

al Encan

al Encan

al Warno

al Warno

olis Alto Paragu

alidade T

no Alto Caenxran

no Alto Caenx

ow Ponma

ow Alto CaTo

uaçu Igr

Objeto Tombado

asa xaimel e ncho

asa xaimel

nte de adeira

apela e orre Sineira

reja

1

Possui Tombament

Estadual?

Não

Não

Não

Não

FCC

92

o

“Singularesmero do

Destaca-splanta baivaranda, ede esquadde tijolos

“Exempla

“Construí[...], é umconstruídaarquitetône ornamencultural, cexemplar excepcionartístico d

“ConstruíPor sua siParaguaçupelo tratam[...].”

Justificat

ridade construos elementos

se por suas parixa com corree requinte condrias, do guardaparentes com

aridade Constr

ída por imigram exemplar úndas pelos imigrnica e volumentação internaconferem excer da arquiteturanalidade estétide seu interior

ída por imigraignificância nu, excepciona

amento artístic

tiva de Tomb

utiva e paisagíconstrutivos.”

rticularidadesdor central, fe

nstrutivo evideda-corpo de mm desenhos ge

rutiva e relevâ

antes provenieico entre as igrantes no Brastria incomum

a vernacular depcionalidadea religiosa. Suica, construtivr, seu tombam

antes proveniea paisagem ur

alidade construco interno de s

bamento

stica, autentic”

s arquitetônicaechamento latenciado na co

madeira e dos peométricos.

ância Históric

entes da Alemgrejas e capelasil. Tipologia

m, esmero consde expressivo ve a este preciosugere-se pela va e pelo tratam

mento.”

entes da Polônrbana de Alto utiva, tipológisua ornamenta

cidade e ArEtPa

as – eral da nfecção painéis

Be

ca” Hi

manha as

strutivo valor so sua mento

CaHi

nia [...].

ca e ação

Be

Livro Tom

rqueológico/ tnográfico e aisagístico

elas Artes

istórico/Belas

apela e Sineiraistórico/Belas

elas Artes

mbo

Artes

a anexa: Artes

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E

Polo

Ucra

Polo

Alem

AlemItali

Alem

Etnia C

onesa ITP

aniana ITP

oneses ITP

mã JGS

mã e ana

JGS

mã JGS

Código

P009 CD

P025 IPP

P

CUAP

S147 DB

S036 CSV

S068 CE

Edificação

Casa Polaski, David

Igreja São Pedro e São Paulo

Conjunto Urbano do Alto Paraguaçu

Depósito Breithaupt

Casa Schiocket, Vittório

Casa Rux, Erwin

Arquitetu

Comercial

ArquiteturReligiosa

Núcleos Urbanos

Comercial

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ura* Cida

Itaiópo

ra Itaiópo

Itaiópo

JaraguSul

ra al de

des

JaraguSul

ra al de

des

JaraguSul

ade Loca

olis Alto Paragu

olis Moem

olis Alto Paragu

uá do Centro

uá do Nereu

uá do Rio da

alidade T

uaçu Cacom

ma Igrcem

uaçu

Ponúchis

o Edenx

u Ramos Caalvaut

a Luz

Caenxranane

Objeto Tombado

asa mercial

reja e mitério

ligonal cleo stórico

dificação xaimel

asa venaria toportante

asa xaimel e nchos exos

1

Possui Tombament

Estadual?

Não

Não

Não

FCC

FCC

FCC

93

o

“ConstruíPor sua ex

“Construíguarda nade madeircoberta pocaracterísimportant

“Alto Parurbano idBrasil. Frconstruídoalém da usua inserç

Exemplarconstrutive as condi

“Exemplainfluênciafino acabaaparentesdelicado tde excepc

“Excepcioaparentespela exem

Justificat

ída por imigraxcepcionalida

ída por imigraa escala singelra, na silhuetaor placas metá

sticas eslavas, tes.”

raguaçu represdentificado comrente à sua sindo e importâncunidade e integção na paisage

ridade tipológvas, a relação

dições de prese

ar excepcionaa italiana. Propamento constr

s e do tratamentrabalho de picionalidade.”

onalidade do ts que vedam omplaridade do

tiva de Tomb

antes provenieade tipológica

antes proveniela de sua arqua marcada pelaálicas e na ornseus diferenc

senta o mais sm os imigrantgularidade co

cia enquanto regridade do conem do planalto

ica e de implacom os conjun

ervação dos im

l da arquiteturporções clássirutivo da alvennto erudito donturas interna

trabalho de cos tramos da ars painéis de tij

bamento

entes da Ucrâne construtiva

entes da Ucrânuitetura, nas paa cúpula centrnamentação inciais mais

singular conjuntes poloneses nomo cenário egistro histórinjunto arquiteo norte catarin

antação, as técuntos urbanos móveis.

ra teuta com ficas da arquite

enaria de tijoloos ornatos, alémas, o imóvel re

olocação dos trquitetura enxijolos aparente

nia [...]. [...].”

B

nia [...] aredes ral nterna,

IgrIgrHi/ EPa

nto no

ico, etônico e nense.”

Hi/ EPa

cnicas e rurais Hi

forte etura, do os m do eveste-se

Be

tijolos xaimel; es.”

Be

Livro Tom

Belas Artes

greja: Belas Argreja e Cemitéristórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

istórico/Belas

elas artes

elas Artes

mbo

rtes rio: eológico

eológico

Artes

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E

Alem

Alem

Alem

Alem

Itali

Itali

Etnia C

mã JVE

mã JVE

mã JVE

mã JVE

ana NN026

ana ORL

Código

E170 EF

E001 CW

E023 CA

E042 CSO

V0017a/ 6

CPF

L002 CJ

Edificação

Estação Ferroviária

Casa Krüger, Wally

Casa Fleith, Alvino

Casa Schwisky, Otto

Casa de Pedra da Família Bratti

Casa Barzan, João Félix

Arquitetu

Obras de Infraestrutue Transpor

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

i

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ura* Cida

tura rtes

Joinvi

ra al de

des

Joinvi

ra al de

des

Joinvi

ra al de

des

Joinvi

ra al de

des

Nova Venez

ra al de

des

Orlean

ade Loca

lle Centro

lle Dona Franci

lle Pico

lle Quirir

za Nova

ns Palme

alidade T

o Est

isca

Caalvaut

Coedicasenxranma

ri Caenx

Veneza

Coedicasped

eira Alta

Caalvpedapa

Objeto Tombado

tação

asa venaria toportante

onjunto ificado: sa xaimel e nchos de adeira

asa xaimel

onjunto ificado: sas de dra

asa de venaria de dra arente

1

Possui Tombament

Estadual?

Não

FCC

FCC

FCC

FCC

Não

94

o

“Excepciodo edifíciJoinville.”

“Imponênque cercaafrescos q

“Caracterconstrutivconservaçexcepcion

“Singulartijolos, qupode-se a

“Expressi

“Destaca-arenito fa

Justificat

onalidade do pio no desenvo”

ncia da volumam duas das quque retratam a

rísticas singulavo, paisagem nção, a propriednalidade.”

ridade do trabaue formam delafirmar a excep

ividade singul

-se por utilizaarto na região.

tiva de Tomb

partido estéticlvimento sóci

metria, pelas vauatro elevaçõea epopeia dos

ares de plantanotável, estaddade reveste-s

alho de colocalicados desenhpcionalidade d

lar da implant

r pedra granít”

bamento

co e pela relevio/econômico

arandas em arces da casa e peimigrantes.”

a, volumetria, do de preservase de

ação caprichohos geométricda Casa.”

tação do conju

tica, ao invés d

vância de Hi

cadas elos Be

esmero ção e

Hi/ EPa

sa de cos, Be

unto.”

BeArEtPa

do Be

Livro Tom

istórico/Belas

elas Artes

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

elas Artes

elas Artes/Hisrqueológico/ tnográfico e aisagístico

elas Artes

mbo

artes

eológico

stórico/

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E

Alem

Alem

Alem

Alem

Alem

Alem

Etnia C

mã POD

mã POD

mã POD

mã POD

mã POD

mã POD

Código

D017 CE

D010 CO

D012 CW

D014 CH

D014a CRW

D018 CE

Edificação

Casa Arndt, Erwin

Casa Siewert,Ovídio

Casa Siewert,Wendelin

Casa Lumke, Helmut

Casa Raduenz, Walter

Casa Voigt, Ella

Arquitetu

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ura* Cida

ra al de

des

Pomer

ra al de

des

Pomer

ra al de

des

Pomer

ra al de

des

Pomer

ra al de

des

Pomer

ra al de

des

Pomer

ade Loca

rode Testo

rode Testo

rode Testo

rode Testo

rode Testo

rode Testo

alidade T

Alto

Caenxranane

Alto Caenx

Alto

Caenxranma

Alto Caenx

Alto Caenx

Alto Caenx

Objeto Tombado

asa xaimel e nchos exos

asa xaimel

asa xaimel e nchos de adeira

asa xaimel

asa xaimel

asa xaimel

1

Possui Tombament

Estadual?

Não

FCC

Não

Não

Não

FCC

95

o

“Esmero caracterísatividade um dos eximportant

“Requintasolução eesmero co

“É um doencontraddelicadosalvenaria enxaimel,

“É um doem taipa dna região

“A exemptramos veplanta, cocomplemesingulariz

“Apresenbrasileiraestrutura aberturas.

Justificat

construtivo, osticas arquitetôprodutiva da

xemplares da te.”

ado desenho dem planta é inconstrutivo das

os melhores exdas na região. s desenhos res

aparente que , outro dos atr

os últimos exede mão localizde imigrantes

plaridade da sedados por alvom varanda in

mentada pela exza a casa.”

nta duas caracta: a duplicidadenxaimel e as.”

tiva de Tomb

originalidade eônicas, na ambpropriedade tarquitetura re

de tijolos na facomum e deves esquadrias.”

xemplares das[...] A construultantes da covedam os tram

ributos que a d

mplares constzado pelos invs de Santa Cat

olução construvenaria de tijocorporada e qxuberância da

terísticas rarasde dos tramos hs sobrevergas c

bamento

e autenticidadbiência interntornam a Casaesidencial rura

achada principe ser ressaltad

s casas ‘emendução reúne, noolocação dos tmos da estrutudistinguem.”

truídos integraventários realitarina.”

rutiva – enxaimolos aparentes quarto e sala fra ornamentaçã

s na arquiteturhorizontais daclássicas de su

e nas na e na a Arndt al

Hi/ EPa

pal. A da o Hi

dadas’ os ijolos da ura

Hi/EPa

almente izados Hi

mel com – a

rontais é o que

Hi/EPa

ra teuto a uas

Hi

Livro Tom

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

istórico/Belas

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

istórico/Belas

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

istórico/Belas

mbo

eológico

Artes

eológico

Artes

eológico

Artes

Page 218: Tese Dani Unicamp Final 23 jun 2015repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/281121/1/Pistorello_Daniela_D.pdfNascida em Caxias do Sul, cidade de colonização italiana no Rio

E

Alem

Alem

Alem

Alem

Alem

Alem

Etnia C

mã POD

mã POD

mã POD

mã POD

mã POD

mã POD

Código

D007 CWF

D063 CH

D062 CW

D054 CE

D024 CW

D065 S

Edificação

Casa Wacholz, Felipe

Comércio Haut

Comércio Weege

Casa Hardt, Erich

Casa Wunderwald

Sítio Tribess

Arquitetu

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

Comercial

Comercial

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ura* Cida

ra al de

des

Pomer

Pomer

Pomer

ra al de

des

Pomer

ra al de

des

Pomer

ra al de

des

Pomer

ade Loca

rode Testo

rode Testo

rode Testo

rode Testo

rode Wund

rode Wund

alidade T

Alto Caenx

Rega Coenx

Rega Coenx

Rega Caenx

derwald Caenx

derwald

Coedicasenxranma

Objeto Tombado

asa xaimel

omércio xaimel

omércio xaimel

asa xaimel

asa xaimel

onjunto ificado: sas xaimel e nchos de adeira

1

Possui Tombament

Estadual?

Não

Não

Não

FCC

Não

Não

96

o

“Detalhesa presençforam trabexpressivpreservaçexemplar

Exemplarconstrutive as condi

Exemplarconstrutive as condi

“Exemplasingularizserrarias cconstrutiv

“Pela exepaisagísti

“A simplepropriedaquanto ao

Justificat

s construtivos ça da ‘caixa debalhadas as es

vas pinturas esção de móveisr excepcional.”

ridade tipológvas, a relação

dições de prese

ridade tipológvas, a relação

dições de prese

ar único da arqzado pela inclucaracterizandovo no Vale do

emplaridade doica.”

es percepção dade rural do Sro valor históric

tiva de Tomb

como o acabae vento’, alémsquadrias de mtêncil nas pare pertences, t

ica e de implacom os conjun

ervação dos im

ica e de implacom os conjun

ervação dos im

quitetura teutousão da varano a última fase Itajaí.”

o conjunto rur

da paisagem dr. Ingo Tribessco, cultural e p

bamento

amento dos cam do requinte cmadeira, a preredes internas tornam a casa

antação, as técuntos urbanos móveis.

antação, as técuntos urbanos móveis.

o-brasileira, nda proveniente deste sistem

ral e excepcio

do conjunto das não deixa dupaisagístico d

aibros e com que sença de e a um

Hi

cnicas e rurais Hi

cnicas e rurais Hi

te se ma

Hi

onalidade Hi/ EPa

a uvidas do sítio.”

Hi/ EPa

Livro Tom

istórico/Belas

istórico/Belas

istórico/Belas

istórico/Belas

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

mbo

Artes

Artes

Artes

Artes

eológico

eológico

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E

Alem

Alem

Alem

Alem

Alem

Etnia C

mã POD

mã SBS

mã SBS

mã SBS

mã SBS

Código

D/JGS

CRAL

S009 CSh

S010 CW

S004 CN

S002 CEE

Edificação

Conjunto Rural Testo Alto e Rio da Luz

Casa Schlagen-haufer

Casa Struck, Waldemiro

Casa Neumann

Casa Eichendorf, Edeltraud

Arquitetu

Núcleos Rurais e Paisagem Cultural

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

Comercial

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ura* Cida

Pomere Jaragdo Sul

ra al de

des

São B

ra al de

des

São B

São B

ra al de

des

São B

ade Loca

rode guá l

ento Dona FranciBela A

ento Dona FranciBela A

ento Dona Franci

ento Dona Franci

alidade T

isca/ Aliança

Caalvaut

isca/ Aliança

Caranane

isca

Caalvaut

isca Caenx

Objeto Tombado

úcleo rural

asa venaria toportante

asa e nchos exos

asa de venaria toportante

asa xaimel

1

Possui Tombament

Estadual?

Algumas propriedades que se encontram naregião já são tombadas pelFCC

Não

FCC

Não

Não

97

o

a

la

“A estradRio da Lude ligar aavistar [..preservaçpresença hpaisagemacervos dLuz [...] édos conjucemitério

“Por seusse a volumbaixa, os elementostrabalhado

“Por suasplanta e p

Exemplarconstrutive as condi

“Por suasarquitetôn

Justificat

da que liga a louz é justamentas duas colônia.] a paisagem

ção dos aspecthumana. [...]

m singular, encda arquitetura é impossível funtos edificadoos, salões e clu

s atributos estémetria, implanvolumes dos ts integrados d

dos.”

s especificidadpreciosismo do

ridade tipológvas, a relação

dições de prese

s singularidadenico.”

tiva de Tomb

ocalidade de Tte a passagemas. Do alto da que impressio

tos naturais intEm Testo Altoontra-se um dda imigração

ficar alheio à bos de casas, raubes.”

éticos e constrntação, a comptelhados, esqu

de madeira esm

des construtivaos elementos d

ica e de implacom os conjun

ervação dos im

es construtiva

bamento

Testo Alto e om aberta com o

Serra é possívona pela belez

ntimamente atrto juntamente dos mais expreno Brasil. No

beleza da paisanchos, igreja

rutivos – destaposição da plauadrias e demameradamente

as, singularidade madeira.”

antação, as técuntos urbanos móveis.

as e de partido

Vale do o intuito vel za e relados à com a essivos Rio da

agem e s,

Hi/ EPaRepa

acando-anta ais

Hi/ EPa

ade da HiArEtPa

cnicas e rurais Hi

Hi

Livro Tom

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico ecebeu a chanaisagem cultur

istórico/ArqueEtnográfico e aisagístico

istórico/Belasrtes/Arqueolótnográfico e aisagístico

istórico/Belas

istórico/Belas

mbo

eológico

ncela da ral

eológico

gico/

Artes

Artes

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E

Alem

Alem

ItaliAlem

Alem

Alem

ItaliAlem

Etnia C

mã TIO

mã TIO

ana e mã

TIO

mã TIO

mã TIO

ana e mã

TIO

Código

O007 CN

O012a/B Ed

O005 CI

O013 SHm

O048 C

O004 CRÉ

Edificação

Casa Zimath, Norberto

Escola e Casado Professor

Casa Radoll, Invalt

Salão Hammer-meister

Casa Ewald

Casa Reinecke, Érica

Arquitetu

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

a ArquiteturEscolar

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturRecreativaInstitucioa

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ura* Cida

ra al de

des

Timbó

ra Timbó

ra al de

des

Timbó

ra a e al

Timbó

ra al de

des

Timbó

ra al de

des

Timbó

ade Loca

ó Pomer

ó Pomer

ó Rio C

ó Tirole

ó Via H

ó Via H

alidade T

ranos

Caalvaute raane

ranos Caenxant

Cedro

Coedi(caenxranma

eses Salalvaut

Hass Caalvaut

Hass Caenx

Objeto Tombado

asa venaria toportante ancho exo

asa xaimel e tiga escola

onjunto ificado asa xaimel e nchos de adeira)

lão venaria toportante

asa venaria toportante

asa xaimel

1

Possui Tombament

Estadual?

Não

Não

FCC

Não

Não

Não

98

o

“Destaca-confecção

Conjunto conforma

“Conjuntosingular. região comcompartim

“Excepcioalvenaria de função

“Especificem plantaaparentes

“O esmerdividida e[...].”

Justificat

-se pela volumo de alvenaria

de excepcionação do sitio u

o dos mais pre[...] a planta dm cozinha e cmentos.”

onalidade no cautoportante

o recreativa.”

cidades da coa e em especias.”

ro construtivo em dois volum

tiva de Tomb

metria e o invua autoportante

nal valor tipolóurbano onde es

eservado, envdefine tipologicomedouro lat

contexto das ede tijolos apar

mposição formal a colocação

da varanda [.mes, com a sep

bamento

ulgar trabalho aparente.”

ógico, estéticostá inserido.

volto por paisaia característicterais aos dem

edificações emarentes e dos im

mal, sua comp caprichosa de

..] A planta baparação da coz

de Hi

o e de HiArEtPa

agem ca da

mais

HiArEtPa

m móveis Hi

posição e tijolos Be

aixa zinha Hi

Livro Tom

istórico/Belas

istórico/Belasrqueológico/ tnográfico e aisagístico

istórico/Belasrqueológico/ tnográfico e aisagístico

istórico/Belas

elas Artes

istórico/ Belas

mbo

Artes

Artes/

Artes/

Artes

s Artes

Page 221: Tese Dani Unicamp Final 23 jun 2015repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/281121/1/Pistorello_Daniela_D.pdfNascida em Caxias do Sul, cidade de colonização italiana no Rio

E

Itali

Itali

Itali

ItaliAlem

Alem

* TodInfraeFonte

345 Da

Etnia C

ana UR

ana UR

ana UR

ana e mã

VRG

mã VD

dos os 61 benestrutura e Tra: Adaptado pe

ados retirados

Código

S031 PB

S093 IGS

S095 CCI

G001 IJ

R001 CIS

ns estão classiansporte; 7) Nela autora.345

de WEISSHE

Edificação

Propriedade Bez Fontana

Igreja São Gervásio e São Protásio

Casa Cancelier, Ivanir

Igreja São Judas Tadeu

Conjunto Irmãos Stoltenberg

ificados em 8Núcleos Urbano

EIMER, 2011,

Arquitetu

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

ArquiteturReligiosa

ArquiteturResidenciaPequenas Propriedad

Arquiteturreligiosa

Comercial

tipologias: 1os; 8) Núcleo

, p. 194-201; i

ura* Cida

ra al de

des

Urussa

ra Urussa

ra al de

des

Urussa

ra Varge

Vidal Ramo

) Arquitetura s Rurais e Pai

imagens retira

ade Loca

anga Rio A

anga Rio M

anga Rio M

m Centro

s

Residencial disagem Cultur

adas de IPHAN

alidade T

América

Coedisobranma

Maior Igrcam

Maior Caalvped

o Igrma

Cocom

de Pequenas ral.

N, 2007a.

Objeto Tombado

onjunto ificado: brado e nchos de adeira

reja e mpanário

asa venaria dra

reja adeira

onjunto mercial

Propriedades

1

Possui Tombament

Estadual?

FCC

FCC

Não

FCC

Não

Rurais; 2) A

99

o

“Trata-se qualquer com taboaconstrutivcom a arqexcepcion

“Os elemem alvenaos requintcontexto dBrasil.”

“Notável erudito daexecução pedras.”

“Construíverdadeir[...] constrequintes todo o seuarcos ogiv

Exemplarconstrutive as condi

rquitetura Rel

Justificat

de imóvel cooutro lugar doas serradas à mvo e dentro d tquitetura italianalidade do sí

mentos formaisaria de pedrastes dos acabamda arquitetura

edificação, caas proporções das paredes d

ída por imigrara obra prima truída inteiramexternos, mas

u interior. Repvais e abóbod

ridade tipológvas, a relação

dições de prese

ligiosa; 3) Ar

tiva de Tomb

m qualidade so país. Construmão, com grantipologia diretana, determinatio.”

clássicos, e as aparentes, o ementos, destaca religiosa da i

aracterizada pclássicas da f

de alvenaria au

antes alemães da arquitetura

mente em mads requintadamproduz a arquias de aresta.”

ica e de implacom os conjun

ervação dos im

rquitetura Com

bamento

sem equivalenuídas em madnde esmero tamente relaciam a

a técnica constesmero constrcam a Igreja [imigração ital

elo refinamenfachada e do autoportante de

e italianos, é a vernacular ddeira, desprovimente trabalhad

itetura gótica,

antação, as técuntos urbanos móveis.

mercial; 4) A

ntes em deira,

ionada

HiArEtPa

trutiva rutivo e [...] no iana no

Hi

nto apuro na e

Hi

uma o Brasil. ida de da em com

Hi

cnicas e rurais Hi

rquitetura Esc

Livro Tom

istórico/ Belasrqueológico/ tnográfico e aisagístico

istórico/ Belas

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colar; 5) Arqu

mbo

s Artes/

s Artes

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uitetura Recreeativa e Instit

ucional; 6) OObras de