Tese de Alencar

185
Rogério Natal Afonso A dimensão política do pensamento de José de Alencar (1865-1868) Liberalismo e escravidão nas cartas de Erasmo Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social na Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em História Social das Relações Políticas. Orientação: Profª. Drª. Márcia Barros Ferreira Rodrigues. Vitória 2013

description

Para quem gosta de história

Transcript of Tese de Alencar

Rogrio Natal Afonso A dimenso poltica do pensamento de Jos de Alencar(1865-1868) Liberalismo e escravido nas cartas de Erasmo Dissertao apresentadaao Programade Ps-graduao em Histria Social naUniversidade Federal do Esprito Santo,como requisito parcial para obtenodoGraudeMestreemHistriaSocialdas Relaes Polticas. Orientao:Prof.Dr.MrciaBarros Ferreira Rodrigues. Vitria2013 Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil) Afonso, Rogrio Natal, 1969- A257dA dimenso poltica do pensamento de Jos de Alencar (1865-1868). Liberalismo e escravido nas cartas de Erasmo / Rogrio Natal Afonso. 2013. 153 f. : il. Orientadora: Mrcia Barros Ferreira Rodrigues. Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade Federal do Esprito Santo, Centro de Cincias Humanas e Naturais. 1. Alencar, Jos de, 1829-1877. 2. Escravido Brasil. 3. Brasil - Histria - Imprio, 1822-1889. I. Rodrigues, Mrcia Barros Ferreira. II. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias Humanas e Naturais. III. Ttulo. CDU: 93/99 Rogrio Natal Afonso A dimenso poltica do pensamento de Jos de Alencar (1865-1868) Liberalismo e escravido nas cartas de Erasmo Dissertao apresentada ao Mestrado em Histria Social das Relaes Polticas na UniversidadeFederaldoEspritoSanto,comorequisitoparcialparaObtenodo Grau de Mestre em Histria Social.COMISSO EXAMINADORA ___________________________________________________________________Profa. Dra. Mrcia Barros Ferreira RodriguesUniversidade Federal do Esprito Santo (orientadora) Profa. Dra. Maria Cristina DadaltoUniversidade Federal do Esprito Santo (membro titular) ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Thiago Lima Nicodemo Universidade Federal do Esprito Santo (membro titular) Prof. Dr. Jorge Luiz do Nascimento Universidade federal do esprito Santo (membro externo) Vitria,______ de _______________ de 2013. Agradeo a todos que me ajudaram na construo deste trabalho. A minha famlia. Aos professores; todos. A minha orientadora, em particular. Aos amigos que me fizeram sugestes e crticas. queles que dedicaram um pouco de seu tempo me ajudando. E a Deus...RESUMO Partindo dos textos que compem uma srie de cartas abertas de Jos de Alencar, endereadasaoImperadorD.PedroIIeaalgunsentespolticosdaadministrao do Estado, escritas entre 1865 e 1868, busca-se discutir a defesa paradoxal entre a formao de uma sociedade liberal dentro de um pas de economia agroexportadorasustentada pela mo de obra escrava. TomaremosotextodeAlencarcomoumdiscursopolticoideolgicodaselites presentes na corte imperial. Entendemos a dimenso ideolgica do discurso poltico de Alencarno sentido marxista de corte gramsciano, ou seja, como uma concepo demundoqueperpassadesdeodiscursocomumatformasmaiselaboradasde discursofilosfico.Apartirda,buscaremoscompreenderomododevida,as representaes polticas e as formas de dominao presentes no perodo sob a tica do pensamento poltico conservador de Jos de Alencar, dando nfase a anlise de sua defesa do liberalismo e da escravido. PALAVRAS CHAVE: Poltica, discurso, liberalismo, escravido. ABSTRACT BasedonthetextsthatmakeupaseriesofopenlettersaddressedtoJosde Alencar to Emperor D. Pedro II and some political entities of state administration and written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between aliberalsocietywithinacountryagro-exporteconomysustainedbyslavelabor.. We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the imperial court. We understand the ideological dimension of political discourse of Jos de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist; as a world view that permeates fromthecommonspeechevenmoreelaborateformsofphilosophicaldiscourse. Fromthere,wewillseektounderstandthe wayoflife,politicalrepresentationsand forms of domination present in the period from the perspective of political speech of Josde Alencar,emphasizingtheanalysisofhisdefenseofliberalismandslavery. KEYWORDS: politics, speech,liberalism, slavery. LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1 Fac-smile da segunda edio das cartas ao Imperador.....................183 FIGURA 2 Fac-smile da primeira edio das Cartas os povo..............,...............184 FIGURA 3 Folha de rosto da edio das Cartas ao Marqus de Olinda..............185 FIGURA 4 Pgina do Dirio do Rio de Janeiro registrando a abolio...............186 SUMRIO INTRODUO.......................................................................................................10 1. A TRAJETRIA POLTICA DE ALENCAR...........................................................22 1.1 PRIMEIROS ANOS..............................................................................................24 1.2 VIDA NA CORTE..................................................................................................27 1.3 MILITNCIAPOLTICA.......................................................................................34 1.4. LTIMOS ANOS.................................................................................................49 2. CONJUNTURA POLTICA DO II REINADO.........................................................55 2.1 UMA VISO GERAL............................................................................................56 2.2 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS...............................64 2.3 SOBRE AS ELITES NO PODER........................................................................ 70 2.4 INTELECTUAIS E OPINIO PBLICA................................................................77 3. LIBERALISMO E ESCRAVIDO NAS CARTAS DE ERASMO.......................... 82 3.1 LIBERALISMO E ESCRAVIDO..........................................................................82 3.2 LIBERALISMOE ESCRAVIDO: O MODELO BRASILEIRO..........................86 3.3 AS CARTAS DE ERASMO...................................................................................95 3.3.1 AO IMPERADOR.............................................................................................103 3.3.2 AO POVO; AO REDATOR DO DIRIO DO RIO DE JANEIRO......................121 3.3.3 AO MARQUS DE OLINDA; AO VISCONDE DE ITABORAHY.....................133 3.3.4 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR...............................................................138 4. CONSIDERAES FINAIS.................................................................................162 5. BIBLIOGRAFIA....................................................................................................174 6. ANEXOS..............................................................................................................183 INTRODUO OBrasildosculoXIX,comachegadadafamliarealnosprimeirosanosat,e particularmente,operodoimperial,caracterizadoporumdesenvolvimento econmico,socialepolticointensoerelativamenteacelerado,secomparadoa outrasnaesdaAmricaLatina(COSTA,1999).Taldesenvolvimentosedevea construo de um projeto poltico para o pas que, deixando de ser uma colnia de Portugal,necessitavaafirmarsuanovaidentidade-agoracomoumanao independente-tantointernaquantoexternamente.Oprocessoteminciocoma transfernciaparaacidadedoRiodeJaneirodoPrncipeRegenteD.JooVI,a famlia real portuguesa e sua Corte em 1808, gerando um considervel aumento na populaoresidenteeaconsequentetransformaodacidade,comaconstruo de escolas, museus, teatros, faculdades e, dentre outras novidades, a imprensa. A emancipao poltica em 1822 mantm o sistema monrquico ainda sob a casa de Bragana, com D. Pedro I agora pelo modelo constitucional, tendo por base as ideiasliberaisimportadasdaEuropailuminista.Apresumidaliberdadequeopas vemaconstruir,garantidanaconstituiooutorgadapelogovernante,jencontra um terreno poltico e econmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo europeu,tendoporbaseaagriculturadeprodutosdeexportaoassentadana escravido-tantoalavouratradicionalaucareiradonordestecomoasnovase prsperasplantaes decafdoVale do Parabadependiam do escravo.OBrasil, logo depois da emancipao politica em 1822, possui uma das maiores populaes escravasdaAmricaetambmamaiorpopulaodeafrodescendenteslivresno continente(MATTOS,H.,2000),aquemnoeramconcedidososdireitospolticos decidado.Eumaminoria,tidacomoaristocrtica,dominava,assentadosseus privilgios nas relaes que possuam com a coroa uma administrao do Estado demodeloconservador,comD.Pedroeaheranadoabsolutismoportugus.Liberalismoeconservadorismoconvivementonasociedadebrasileiraem formao como os dois lados de uma realidade complexa e contraditria. Liberal, no sentidodequeaslideranasquesurgemsemobilizaramnessesentidopara justificaraseparaodametrpole,eaomesmotempoconservador,porprecisar manter a escravido e a dominao do senhoriato (NOVAIS, 1996). ParaamanutenodaorganizaodoEstado,amonarquiareforaoslaosj secularesdoestamentoportuguspresentesdesdeacolnia,criandotambm inspiradonatradioportuguesaomodelobrasileirodenobreza,degentleman; este emerge como um segmento, que se solidifica na figura do intelectual: morador da cidade, bacharel em direito (tambmalguns poucos mdicos, raros engenheiros ematemticos),filhodofazendeirooudocomercianteenriquecido,filhodo funcionrioportugusfixadonoBrasil,netoebisnetodosdonosdaterra,e representante ltimo das famlias que viriam compor esta elite da terra, garantindo umacontinuidadenaestabilidadepoltica.Observa-seassim,comaabsoro desteselementospeloEstado,umcrescimentodealgumascidadesporturiase principalmentenoRiodeJaneiroondeseinstalaaCorte,eoconsequente desenvolvimentodeumaburocraciaespecializada,necessriaadministraodo reino.Umconjuntodeinstituies,baseadasnomodeloportugusquandono copiadasintegralmentedeseusparesemLisboadefuncionalismopblico,para umamonarquiademoldesabsolutistasquerecebepoucasadaptaesnoBrasil (FAORO, 2004). Boris Fausto, em sua Histria do Brasil (FAUSTO, 2001) defende certa estabilidade no perodo, sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas comnvelsuperior.Costa(1999)afirmaqueosncleosurbanosmaisimportantes, em sua maioria, estavam ao longo da costa brasileira, coincidindo com os principais portos exportadores, e o desenvolvimento destes tem por conta de sua localizao caractersticas especficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que chegampelosportos.Nasdemaisreasocrescimentourbanoeralimitado, prevalecendo a grande propriedade rural. Mas, com as faculdades de direito em So Paulo e Recife sendo construdas na primeira metade do oitocentos, o processo de composio de uma intelectualidade local j tem incio tendo como palco os ncleos urbanos.Talperodomarcadotambmpelodesenvolvimentodaimprensa,onde asideiasliberaissoproclamadasaosquatroventospelosdiversosjornaise pasquins, que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA, 1990); os homens que seformamdeumamaneiraintegral,certo-naquelenovocotidianoiro, inspiradosemumperodorecentedeadministraojdissemos,moldadono estamentoportugus-desenvolvercertapredileopelocargopblicoepelas letras.SegundoFaoro(2004),ofuncionriopblicoqueseformaumdos responsveisdiretosseno onicotecnocratapelareorganizao(reinveno) do antigo modelo no novo pas. Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores deopinio,esteshomenssooscomentadoresepartcipesdodesenvolvimento polticoeeconmicodascidades,enquantoinspiradospelasideiasliberaisquej tomam corpo por aqui. Estes homens, que tem acesso informao e fazem de sua prxisumelementotransformadordasociedade(GRAMSCI,1976),algunssendo sustentados pelo abrao do cargo pblico, outrosescrevendo para os jornais, onde apresentam edefendemsuasideias(liberaisou no) para os outroshomens-que vemaconstituirumaopiniopblica,representadapelosvidosleitoresdesses mesmos jornais. Istoposto,destacamosqueessadissertaoquetemcomotemaoliberalismono Brasilesuarelaocomaescravidonoperododosegundoreinado,apresenta comoseuobjetivogeraldiscutirasdificuldadesdeimplantaodestesistema poltico-oliberalismo-emumasociedadedominadaporumaeliteassentadana economia agroexportadora, baseada na mo de obra do escravo, percebendo como paradoxal esta relao, entendendo ser o liberalismo uma doutrina poltica que tem por base a defesa da liberdade individual nos campos poltico, econmico religioso e intelectual, conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do EstadocaractersticodoAntigoregimenaEuropa.Acreditamos,comGramsci (1989), que o discurso que sustenta tal relao e tenta justifica-la mediado entre as eliteseopovopormeiodosintelectuais.Portanto,cabemaquimaisalgumas questes:qualeraavisodosintelectuaissobrearelaoentreliberalismoe escravidonoBrasil?Osintelectuaiscomungariamcomtaisideias?Elasesto presentes em seu discurso? Nossadvidafundamental,aqualapesquisabuscaexplicar:serqueestes intelectuais,queseformamnasprimeirasfaculdadesdedireitodoBrasil,filhosde fazendeiros,comerciantes,muitosdosquaisligadosdiretaouindiretamente economiaagroexportadorabaseadanotrabalhoescravo,assumiramodiscurso liberal?Estariaestediscursopresenteemsuasrepresentaeseemseustextos? Paratanto,nossoobjetivoespecficoseranalisarotrabalhodeumintelectualdo perodo e uma parte de sua produo: Jos de Alencar. Dessaforma,partimosdaseguintehiptese:pormeiodeumdiscursopoltico conservadorvinculadoaspropostasideolgicasdaselitesescravocratas, disseminadopelosjornaisepanfletosdoperodo,queosintelectuaisconstruram uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado. Para construirmos nossa narrativa histrica, tomamos como fonte para analisarmos nossahiptese,ascartasdeErasmo:Umconjuntodecartasabertas,publicadas sobaformadefolhetinsnoperodode1865a1868,dirigidasaoImperadorea vriosoutrosentespolticos.Nossahiptesedeque,nestetexto,possamos identificar a tentativa de Alencar sustentar uma viso liberal para o desenvolvimento polticoeeconmicodanao,aomesmotempoemquefazumadefesada manutenodosistemaescravistanoBrasil,oquenosfazcrerqueexistauma posturaliberal/conservadoracomomodeloideolgicoaserconstrudopelaselites atravs de alguns setores da imprensa. Buscaremos nas cartas polticas de Alencar indcios da sustentao de um discurso liberal que tambm apresenta caractersticas conservadoras,eadmite(ereafirma)amanutenodaescravidonoBrasil.Para tanto, nos propomos a uma anlise de todo o texto das cartas, em uma perspectiva hermenutica,baseadanosprincpiosdaanlisedodiscurso.Comosustenta Iiguez(2005)aanlisedediscurso,comoaparentementepossaparecer,no uma rea restrita da lingustica, e comporta contribuies de vrias reas de estudo. Aomesmotempo,considerandoqueumadascaractersticasdahistriapoltica renovada,segundoRemond(2003),serumpontodeconvergnciadediversas disciplinas como a sociologia, a lingustica, o direito, dentre vrias outras, o que lhe possibilita um ganho analtico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar, a anlise dediscursoapresenta-secomoumcaminhoconsistenteparaa abordagem de textos polticos do perodo. Neste caso, nossa pesquisa busca entender a relao domodelodeliberalismopolticoimplantadonoBrasilcomaescravido,esea justificaoparataldiscursoestpresentenostextosdeintelectuaisdoperodo, tendo como fonte o texto das Cartas Polticas de Jos de Alencar. Nossapesquisasejustificapelanecessidadedeentenderadimensopolticado segundoreinadopormeiodeumafonteimpressaquetevegrandecirculaono perododenossorecorte,equepodecriarumainter-relaoentreospontos descritos.Naanlisedotextodeumdosmaisimportantesintelectuaisdoperodo, JosdeAlencar-polticoatuante,jornalista,romancistaedramaturgo- conseguimosumeloentreintelectuais,imprensaeelites,eaconflunciadesses partidosnoprojetoideolgicodeconstruodanao(GRAMCI,1989).Tais elementossocomunmentetomadosemseparado.ComAlencar,nascartasde Erasmotemosumintelectualqueusadoseutextoliterrio/jornalstico1emuma mdiaalternativanomomento,parasedirigirasegmentosdaelitepolticae econmicanaCortenoRiodeJaneiro.Essaconfluncia,portanto,aprpria ao do objeto enquanto veculo de comunicao. Adiscussohistoriogrficasobrenossotemaapresentaestudosporvezes coincidentes,porvezesconflitantes.Bosi(1988)afirmaqueoparadoxoentre liberalismoeescravidonoexistiunoBrasilnoperodoquesesegue Independncia e vai at os anos centrais do Segundo Reinado (BOSI, 1998, p. 05). O autor tambm afirma que para entender a articulao do liberalismo pregado e assumido no Brasil com o regime escravagista necessrio compreender o modo de pensar das classes polticas dominantes no imprio a partir da independncia.Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluo vintistaemPortugal,quevempropondoreformasquepudessemgarantirao indivduodireitosdecidadaniaeliberdadedeexpresso,ebuscandoofimdo despotismocomoumasoluoparaoimprio.Omovimento,segundoaautora, assimiladosemdificuldadepeloselementosdaselitespolticaeintelectuaisno Brasil.Apropostaerabuscaronovo,massemabrirmodosantigosprivilgios econmicos. ParaGorender(2002)osprincpiosliberaislevadosadiantepeloscomerciantese plantadores visava o direito de ter uma representao no estado, fora das limitaes impostas pela poltica colonial que terminaria com o processo de independncia. Tal

1AntnioCndido(1999)sustentaserumadascaractersticasdoperodo(segundoreinado)a influnciadotextoliterrionosjornais,quetemosvriosexemplosemMachadodeAssis,Josde Alencar, Joaquim Nabuco, Capistrano de Abreu, para citar alguns. processo, segundo ele, tem inicio com a abdicao em 1831. Este autor afirma que oliberalismoeuropeudefendeotrabalholivre,maslembratambmqueoprprio AdamSmithnoeracontraaescravidonascolnias.Ouseja,oliberalismo europeu,segundoumdeseusmaisimportantesrepresentantes,jnascesobesta contradio.Oautorlembraque,mesmocomaRevoluoFrancesatendo decretadoalibertaodosescravosemsuascolniasfrancesas,Napoleo restabeleceaescravidooitoanosdepois.Apesardapregaopelaliberdadena Europa,nascolniasapolticapraticadanoeraamesma.Oquenoslevaa entender melhor a relao liberalismo/escravido no Brasil. EntendemosentoquenoprocessodeformaodoEstadoImperialBrasileiro, havia diferentes leituras e objetivos para o uso doliberalismo, ligadas a interesses especficos. Por um lado, como enfatiza Mattos (1987), a ao do grupo conservador noimprioseguianosentidodaconstruodemonoplios,umacontinuidadedo praticadonoperodocolonial,enfatizandoasrelaesdedominaosustentadas pelacoroa.Costa(1999)identificacertaoriginalidadenomovimentopolticoliberal brasileirodoperodo,tentandointerpreta-locomoumafigurahbrida,ondeos elementos conservadores permanecem e so amalgamados com as prticas liberais aceitas,estruturandoasinstituieseavisodemundopelaselitesdominantes, sustentados pelas classes intermedirias que se desenvolvianas cidades mas que, aomesmotempo,viamnosistemaagroexportadorbaseadonaescravidouma dificuldade para o desenvolvimentodocapitalismo.Por outrolado,Carvalho(2007) chegaasubestimaroaspectoliberal,sustentandohaverumpensamento conservador dominante, sendo a conciliao entre as correntes de pensamento e os partidos a poltica da coroa, com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos. Bosi(1988)sustentaaindaqueotrficoseapoia,porvezes,nasprprias autoridadesaquemcabiafazercessarotrfico.Sohomensligadosa administrao e a poltica quemantm o controle terras, do caf edos escravos, o quefazcomqueumadefesadaescravidosejaapropostacorrente.Nesse aspecto,Prado(2001)concordaquecoma produo organizadasoba explorao dotrabalho escravo,sendomuitolucrativaatento,dificilmenteteriaporparteda elite qualquer movimento estimulando o seu trmino. OliberalismopolticopropostoparaoBrasilapresentaassimcaractersticas diversas,conformeosinteressesdosdiversosgruposdaselitespolticase econmicasnopoder.Mattos(1987)enxerganogrupoconservador,representado pelossenhores,traficantesdeescravosegrandescomerciantes,umpensamento contrriosideiasliberaiseafavordacentralizaopoltica.Aanlisedosistema econmicoagroexportadorbrasileironoperodoImperialtambmnosrevelaas muitas contradies da sociedade escravista do sculo XIX: o liberalismo econmico eoaumentodofluxodeescravosparaoBrasil,adefesadaliberdadeeo incrementodaescravido,odesenvolvimentodoconsumoeapobreza.Tmis Parron (2008) sustenta que durante o sc. XIX toda a defesa do trfico e da prpria escravidocomoumainstituiosesustentaramemideiasliberais.medidaque, na Europa, o sistema econmico pregava um livre mercado com o trabalho livre, nas AmricasaescravidopermaneciaforteempasescomoosEstadosUnidos,em CubaenoBrasil.EmiliaViotti(1999)sustentaparaoperodoumavisohbrida, onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equilbrio a prticaseideiasliberaisquepoderiamtomarformasmaisradicaisseacaso atingissem grupos da populao; estruturando dessa forma as instituies e a viso de mundo dos principais agentes polticos no poder no perodo, dando ao liberalismo aquisuacaractersticacorlocal.Dessafeita,entendemosqueoliberalismo representadistintosinteressesdasociedadebrasileiraecaracteriza-se diversamente nas diferentes regies do pas, e um dos agentes mais importantes na divulgaodetaisideiasepraticasjustamenteaimprensa,quemuitose desenvolve no perodo como arena de debates de polticos e intelectuais. ConcordandocomBosi(1988),queafirmaqueoparadoxoentreliberalismoe escravido foi somente verbal, que o liberalismo simplesmente no existiuenquanto umaideologiadominante.Segundoele,oquedominouemtodoesseperodono Brasil foi um iderio de fundo conservador. Um conjunto de normas jurdico-polticas capazes de garantir a propriedade fundiria e a escravido negra at o seu limite. E emnossoentender,essaideologiaeradifundidapormeiodosintelectuais,nos veculosdecomunicaodoperodocomoospanfletos,pasquinsejornaisem geral. Portanto,nossoobjetivoaqui,paratestarnossahiptese,estudarasformasdo discursopolticoemmeadosdosculoXIX,analisandootextojornalstico/literrio deJosdeAlencarnasCartasdeErasmo.AcreditamosqueAlencarusavaseu textocomoummeioparadifundir,fortalecereconsolidaraideologiadaselites presentesnacorteimperial,suasrepresentaeseasformasdedominao presentesnoperodo.Alencartomadodiscursoliberalalgunsprincpiospara sustentaraideologiadegruposvinculadosaumapropostadeconservadorismo poltico,emqueamanutenodosprivilgiosdestaaristocraciabemcomoa continuidade da escravido no Brasil so seus pontos principais. A pesquisa se fundamenta, tambm, na premissa de que a proposta de Alencar era adecriarummodelo(segundoele,melhor)paraasociedade.Detalmaneira, podemos design-lo o texto, as cartas de Erasmo- como um discurso ideolgico. Um conceito formulado por Chau (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa: Fundamentalmente, a ideologia um corpo sistemtico de representaes e denormasquenos'ensinam'aconhecereaagir.Asistematicidadeea coernciaideolgicasnascemdeumadeterminaomuitoprecisa:o discurso ideolgico aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferena entre o pensar,o dizere o sere, destarte,engendraruma lgica daidentificaoqueunifiquepensamento,linguagemerealidadepara atravs dessa lgica, obter a identificao de todos os sujeitos sociais com umaimagemparticularuniversalizada,isto,aimagemdaclasse dominante. (CHAUI, 1997. p. 03) Dessa feita, entendemos a dimenso ideolgica do discurso poltico, construdo por meio das cartas de Erasmo, no sentido marxista de corte gramsciano, ou seja, como uma concepo de mundo que perpassa desde o discurso comum at formas mais elaboradasdediscursofilosfico.Nessesentido,ascartasdeErasmosero tomadascomopeadeanliseenquantoumadimensododiscursodeAlencar comoatorpolticodeseutempo,paraumadiscussosobrearelaoentre liberalismo e escravido no Brasil. Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se formaramhistoricamenteemassociaocomaseliteseconmicas.Seupapel, dentrodosdiversospartidos2adeorganizaoedisseminaodaideologia. Alencar, por meio de seu texto, busca criticar a administrao vigente e sua relao

2EntendendopartidonosentidomesmoqueGramsciodeterminou.GRAMSCI,Antnio. Intelectuais e a Organizao da Cultura. So Paulo: Civilizao Brasileira, 1989. comacoroa,pormeioderecriminaesapolticaeconmica,aadministraoda guerradoParaguai,aodescasodospolticos,eemnossocasoquantos propostas para o fim da escravido. BuscamosnostextosdeGramscioreferencialtericoqueacreditamosnos apresentaumamelhoradequaoapropostametodolgicaaplicada,deuma discussohipottico-dedutivadostextosqueseseguem.Gramscinosforneceum materialtericoque-como elemesmocomenta emsuaorganizaoinicialparaa escritura dos cadernos - so apontamentos, sem uma ligao serial linear, mas que podem nos fornecer uma base terica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se uma interpretao mais heterodoxa das fontes. Gramsci prope uma viso ampliada do conceito de Estado em que a relao entre sociedade civil e sociedade poltica dialtica. A sociedade civil o lugar da luta de classespelahegemonia,ejuntocomasociedadepolticaumdosfatoresquea constituem.OEstadoumelementoaglutinadore,comotal,formadopela diversidadedeinstituiesdasociedadecivil.umacombinaodeforae consenso,fazendoparecerqueoscaminhostraadospeloEstadosejamvistos comoconsensuaispelamaioria,expressospelaopiniopblicaemseusdiversos rgos (GRAMSCI, 1999). Neste conceito ampliado de Estado, a sociedade poltica adefiniodeumaesferanaqualsesituamosmecanismosdecoeroe dominao como o aparato policial-militar e a burocracia, e a sociedade civil, que formada pelas organizaes responsveis pela elaborao e difuso das ideologias, comoaescola,aigreja,ospartidospolticos,ossindicatos,asorganizaes profissionaiseamdia.Acultura,paraGramsci,estrelacionadacoma transformao da realidade, atravs de uma busca e consequente conquista de uma conscinciasuperior,ondecadaindivduoprecisaconseguircompreenderoseu valornasociedade(GRAMSCI,1976).dessaformaquesedapassagemdo momento corporativo ao momento tico-poltico, da estrutura superestrutura. Isto expressoporGramsciatravsdoseuconceitoampliadodepoltica,a"catarse".O momentoemqueaesferadosinteressescorporativoseparticulareseleva-seao nveldaconscinciauniversal,easclassesconseguemelaborarumprojetopara todaasociedadeatravsdeumaaocoletiva.Assim,sairdapassividade,para Gramsci,deixardeaceitarasubordinaoqueosistemacapitalistaimpea algunsestratosdapopulao.Nesseprocesso,quedialtico,podemosobservar umAlencar,emsuaposiodearistocrata,masaomesmotempocomoum intelectual-umeloparaadivulgaodasideiasdaeliteeasociedadecomoum todoqueoptapelareafirmaodevalorestradicionalmenteaceitos,reafirmando ummodeloadequadoquedeveperpetuar-se,tantoparaafamliacomoparaa administraopblica,pormeiodadivulgaodesuasideiasemumveculode comunicao,emdetrimentodastransformaesqueacusacomodegradadoras dosvalores;temosaquiaprpriaconstituiodoblocohistrico.apartirdestes conceitos,formuladosporGramsci,quebuscamosencontrarumamelhor compreenso do texto de Alencar. Noprimeirocaptulo,nossotrabalhoapresentaumasucintabiografiadeJosde Alencar,tentandosituaremsuatrajetriaosinteresses easescolhaspolticasnas quaisestavainseridoeocontextoaquesereferiaedecertaformapretendia criar. Nosegundocaptulo,buscamosmostraraconjunturapolticadosegundoreinado, junto ao processo de formao das elites e intelectuais, bem como da imprensa no Brasil. A diviso, aparentemente estanque, tem como elemento agregador a prpria biografiadeAlencar.Ali,sebuscamesmiuaroselementosformadoresdo intelectualAlencarapresentadosanteriormente,ecomoeleseapresentaemseu campo de batalha: .Aconjunturapolticadoperodo,juntoaalgunselementosrelevantesqueso tomados pela crtica feroz de Alencar. . A imprensa -, seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como crtico e jornalista, sendo este o seu veculo principal de divulgao de ideias. .Aselitesquedisputamopodernoperodoetemnosintelectuaisseupontode ligao com as camadas populares. .Eosintelectuaisemsi,quecomeamaseformarnesseperodonopas, influenciadospelasideiasliberaisvindasdaEuropa,emesmoemparte compartilhadacomosgruposnopoder.Alencarseapresentacomoumintelectual surgidoemumadasprimeirasescolasdedireitodopas,noLargodeSo Francisco, portanto compartilhando de uma relao direta com os outros elementos da elite local que estava se formando. Estes elementos apresentados, a opinio pblica, a imprensa e as elites formam, em um conjunto, o arcabouo do que seria o campo de atuao do intelectual Alencar, e apropostadepontuaroestadodaarteemqueseapresentamtaissegmentos podenosauxiliarnaconstruodeumretratomaisntidodasuperestrutura (GRAMSCI, 1999) no recorte. No terceiro captulo, analisaremos as Cartas de Erasmo, dando nfase s propostas deAlencarsobreoproblemadaescravidonoperodo.Nonossoobjetivo debater(oudefender)asquestesdotrfico,doabolicionismoedasreaesem oposiodosdiversosgruposenvolvidosnasquestes,mas,apartirda investigao da fonte apresentar a questo sob uma tica especfica, a de Jos de Alencar como um ator poltico do perodo, e seu modelo de representao poltico e ideolgicoparaoBrasil,seounoinfluenciadopelosideaisdoliberalismo.Paratanto,apresentamosumabreveexposiodopensamentodeseusprincipais representantes na Europa, com o intuito de comparar uma possvel similaridade com o texto das cartas. No quarto e ltimo captulo nos reservamos a um conjunto de consideraes finais, com vistas a uma compreenso do que foi apresentado. As fontes usadas na pesquisa so: As cartas de Erasmo, publicadas semanalmente noperodode1865a1868evendidaspelasruasdaCortedoRiodeJaneiro.A publicao3comaqualtrabalhamosfoiorganizadaporJosMurillodeCarvalhoe contm as seguintes edies: . Ao Imperador, Cartas de Erasmo, de 1865; no caso, a segunda edio, de 1866; . Uma carta Ao Redator do Dirio (do Rio de Janeiro) de 1865; .AoPovo,CartasPolticasdeErasmode1866,acompanhadasdascartasAo MarqusdeOlinda,1866eAoViscondedeItabora,CartadeErasmoSobrea

3 ALENCAR, Jos de, Cartas de Erasmo / Jos de Alencar ; organizador, Jos Murilo de Carvalho. Rio de Janeiro : ABL, 2009. Crise Financeira, tambm de 1866; . Ao Imperador, Novas Cartas Polticas de Erasmo, de 1867-68. Tambmforamdegrandeauxliosbiografias4pesquisadaseabibliografia composta de obras especializadas, e baseadas em recentes pesquisas e em textos deconsolidadovalor.Umadasfinalidadesdahistriaconhecermelhoros sistemasderepresentaodassociedades,passandopelaliteraturaefilosofia,e sempre atentando para a produo intelectual (REMOND, 2003). Com as cartas de Erasmo nos apropriamos de um texto criativo, coerente e esteticamente belo, o que svemfacilitarotrabalhointerpretativo.Frenteaisto,aquitemosoAlencarno comeodavidapblica,seconsolidandotantocomoartistacomoumpoltico atuantenaCorte-umintelectual.UmAlencarquetemmuitoanosdizersobreo perodo.

4MENEZES,Raimundode.JosdeAlencar:literatoepoltico.2a.Ed.RiodeJaneiro,livrostcnicose cientficos, 1965.NETO, Lira. O inimigo do rei: uma biografia de Jos de Alencar, ou, a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos, azucrinava D. Pedro II e acabou inventando o Brasil. So Paulo. Globo,2006.RODRIGUES,AntnioEdmilsonMartins.JosdeAlencar:O poetaarmadodoSculoXIX.Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. 1. A TRAJETRIA POLTICA DE ALENCAR um homem de valor,porm, muito mal educado! D. Pedro II, referindo-se ao Alencar. PartindoparaumesboosobreavidadeAlencar,preferimostrabalharcomuma biografia crtica, buscando enfatizar o agente poltico em detrimento do artista.Mas nopodemosdeixarderessaltarseropolticoJosdeAlencartambmumdos maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos. Ele, ao lado de Machado deAssis,CastroAlves,GonalvesDiasealgunsoutrosnotonotrios,temseu trabalhocaracterizadopelaconstruodeumprojetodemodernizaoea constituiodeumaidentidadeparaoBrasil.Odesenvolvimentotecnolgico, cientfico, intelectual promovido na Europa era, em seu entender, um modelo para o mundo civilizado, e o Brasil no poderia ficar fora de to significativo projeto. A proposta de nossa biografiase d na medida em que a pesquisa busca enfatizar JosdeAlencarenquantopoltico.Oescritorconsagradodeixadoporum momentodelado,emdetrimentodosrumosaqueasquestesrelativashistria poltica so colocados. No caso aqui, a histria da literatura somente um apndice. Tendo tambm em mente as advertncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso da narrativa factual e subjetivista, eminente na biografia de notveis, que cruzavam operigosocaminhodeavaliarumperodopelosolhosdeumhomemapenas caractersticadahistriapolticarecriminadajpelaEscoladosAnnales- buscamos pelo caminho biogrfico integrar o Alencar aos diversos agentes polticos, afimdedesenharumretratomaisconsistentedoperodo,massemprenos acautelando quanto a direo seguida. Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal proposta, afirmando que o temperamento reservado de Alencar fator determinante paraaanlisedeseutextoque,nocasodasCartasdeErasmo,apresenta caractersticasquetransitamentreoromantismoliterrioeumjornalismocrtico, comopoderemosvermaisadiante.Pocock(2003),justificandoumaproposta biogrfica,comentaquese[temosdeter]umahistriadopensamentopoltico construdasobreprincpiosautenticamentehistricos,precisamostermeiosde saberoqueumautorestavafazendoquandoescrevia,oupublicavaumtexto (POCOCK, 2003, p.28). Ainda na corrente citao, explica que em ingls coloquial perguntaroqueumautorestavafazendoomesmoqueperguntaroqueele pretendia,ouseja,oqueestavatramandoouoquepretendiaobter.Quais seriamasintenesdetalautorquandodaescrituradeseutexto?Quaisassuas pretenses com tal trabalho? (POCOCK, 2003, p.28). Philippe Levilain (2003) indica ofimdadcadade1980comoomomentodoflorescerdabiografianaFrana, havendo esta sendo reabilitada no meio universitrio ainda na dcada de 1960 e j nadcadade1980ultrapassaasfronteirasdopas.MichaelWinock(2003)nos lembradaemergnciadepesquisassobreosintelectuaisesuasideiasnosculo XX,bemcomoasuaimportnciaparaadifusodemodelospolticos,quetem atradoatenodeinmerospesquisadores.ComJosdeAlencar,ampliamoso horizontedapesquisadosintelectuaisnoBrasilatmeadosssculoXIX,onde est nosso recorte temporal. J existem biografias consistentes sobre o Alencar. Destaco o trabalho beneditino de RaimundodeMenezes(1965),JosdeAlencar,literatoepoltico,querecolheu desde documentos pessoais at fotografias e caricaturas do perodo, mas que tenta notraarumacrticaaotrabalhodeAlencar,sendoumtextopredominantemente factual.paraaondemeremeto,comoumafontebsicadoestudo,eque determina a linha mestra da descrio, mas me apoiando tambm em alguns outros textos5.Ressaltamosaquiquenossorecorteirenfatizartambmocontextodas relaes sociais que so (ou podem ser) determinadas pelo texto.

5Outrasbiografiasso:MAGALHES,RaimundoJr.JosdeAlencaresuapoca.SoPaulo.Ed. Lisa,1971.;FILHO,LuizViana.AvidadeJosdeAlencar.SoPaulo:Ed.UNESP/Salvador: Edufba,2008eNETO,Lira.Oinimigodorei:umabiografiadeJosdeAlencar,ou,amirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos, azucrinava D. Pedro II e acabou inventando o Brasil. So Paulo. Globo, 2006. 1.1 PRIMEIROS ANOS No dia 1 de Maio de 1829, em uma pequena casa no stio Alagadio Novo, na vila de Nossa Senhora da Conceio de Messejana, periferia de Fortaleza, provncia do Cear,nasceJosMartinianodeAlencarFilho.Seupai,umpadrequehpouco deixara a batina para se envolver na poltica6, junto com D. Brbara de Alencar, sua me,oirmoTristodeAlencareotioLeonelPereiradeAlencar,foifigurade destaquenarevoluopernambucana.Umrevolucionrioliberalexaltadopr-repblica,queposteriormentefoieleitodeputadoconstituinteparaocongresso lusitano7. Alencar mantinha relaes prximas com os liberais de Minas Gerais e de So Paulo, como o Padre Jos Bento e com Custdio Dias. Os(chamados)rebeldesdePernambucoerammilitaresdealtapatente, comerciantes,senhoresdeengenhoe,sobretudo,padres(calcula-seem45o nmerodepadresenvolvidos).Apesardeteremsuaslinhaselementosdopovoe escravos,noeraumarevoluoquepudesseserchamadadepopular.Antes, tentava afirmar a dominao de alguns grupos de elite local. Sobe forte influncia da maonaria,quedisseminavaasideiasliberaisentreseusgrupos,osrebeldes proclamaramumarepblicaindependentequeinclua,almdePernambuco,as capitaniasdaParabaedoRioGrandedoNorte,chegandocomAlencarato Cear.Omovimentochegaacontrolarogovernodurantedoismeses.Algunsde seuslderes,inclusivepadres,foramfuzilados;Alencarconsegueoperdo. (CARVALHO, 2002) Comaabdicao,havendooSenadorpeloCear,JooCarlosAugustode OeynhauseneGravenburg,marqusdeAracati,acompanhadoD.PedroIemsua voltaaPortugal,declaraosenadoavacnciadesuacadeira.OnomedeJos Martiniano,opai,indicadoemlistatrpliceentregueaapreciaodaRegncia-

6 Um padre longe da igreja. Menezes (1965) cita em nota que no foram encontrados os registros de Alencar na arquidiocese de Fortaleza. 7OpaideAlencar,polticoativoeumdosparticipantesdomovimentorepublicanoproclamadono Cear em 1817, j forneceria uma sedutora monografia. Preferimos aqui, em funo da metodologia exigidaedoslimitesdapesquisa,buscarumaanlisecoerenteapesardefirmadaemcaminhos mais sintticos. trina.Aprovado,tomaposseem02deMaiode1832.AvidanacortedoRiode Janeiro o esperava, mas no por muito tempo. Em 23 de agosto de 1834 nomeado presidentedaprovnciadoCear,eretornaterranatalcomafamlia.Passados algunsanosdeumaadministraoexemplar,comarennciadoRegenteFeij comquemmantinhaagorarelaesprximas-foiexoneradodocargo.Alencare Feij, desde o golpe de estado de 1832, em que se reuniam nas sesses do Partido Moderado, j admitiam certa cumplicidade de ideias. AfamliadeixaoCearerumanovamentecorteemmeadosde1838,ondeo Alencarreassumesuacadeiranosenado.OpequenoJosdeAlencar,entocom 11 anos, passa a frequentar o colgio elementar. O pai de Jos de Alencar, o senador Jos Martiniano de Alencar, figura chave no processodemaioridadedeD.PedroII.EnquantooradoroficialdoSenadofazum discurso, durante a coroao e sagrao do imperador no Pao da cidade, clamando aopovoeadivinaprovidnciaparaqueiluminemofuturomonarca(SCHWARCZ, 1998). Com a posse de D. Pedro II nomeado, logo a seguir, presidente do Cear. Tomaaadministraodaprovnciaporalgunsmeses,masdepoisdeenfrentar algumasrevoltaspopulares,deixaogovernoeretornaCorteem1841.Neste ponto,osenadorAlencar-agoracooptadopeloEstado-provavelmentejestava bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionrios. JosdeAlencar,ofilho,temnoCear-d'ondepassaainfncianessasidase vindas-avidatranquiladointerior.Aliencontraasimagensqueoseguirampela vida inteira e ajudaro a criar as representaes para uma nao nova, esplndida, como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento. AlencardesembarcaemSoPauloemmaiode1843.Ummirradorapazolade catorze anos. Vem completar os exames preparatrios. (MENEZES, 1965, p.49). A faltadelivrariasegabinetesdeleituraeadificuldadedecomunicaescoma Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade, j naquela poca. Os livreiros, em suamaioria,seestabelecemnoRiodeJaneiro,evendemmajoritariamentettulos em ingls visto a quantidade de residentes ingleses - e francs, e alguns romances adaptados e traduzidos, mas ainda pouco material (RENAULT, 1976) Alencarumafiguraquepassariadespercebidaemqualquerlocal.Alto,magro, moreno,deculos.Dejeitoacanhado;atmesmosilencioso.Nofrequentavaas tabernasousales,oqueproduziacertoestranhamentonosdoscolegasda repblica,masnosestudantesemgeral.DuranteoImprio,comooscursos regulares de medicina, direito e engenhariaainda nose proliferassem no perodo, taisescolasnoseconfiguravamapenascomoumcentrodeproduodeuma cultura intelectual no Brasil. Eram, antes, espaos para uma consolidao do poder nasmosdeumaelitecitadinaquecomeavaasesobressair(COSTA,1999).A frequentaosescolasdeDireitoeraaantessalanecessriaaojovemque buscava a ocupao em algum cargo pblico. A criao de cursos de nvel superior tambmbuscaacriaodeumfuncionalismoquepossaassumiroscargosda burocraciadoEstado.TambmumapartedaformaodaCorte,eumacarreira possvel dentro de um escasso mercado de trabalho. Duranteoperododocursoosestudantesbagunavamacidadepromovendo reunies,serenatasebebedeiras,numtributoaLordByron8,emnoitadas satanistas.QuandoAlencarsetransfereparaSoPauloesseByronismoestna moda (MENEZES, 1977, p. 50); os estudantes saem pelas ruas blasfemandocontra a vida e o amor, de capa e cabeleira 9, virando a vida de pernas para o ar. Alencar nuncafoidadoaessesarroubosdajuventude,preferindolevarumavidamais absorta em seus pensamentos. Em1846AlencarsematriculanaAcademia.Alitemsuasprimeirasexperincias jornalstico-literriasondefunda,juntoaalgunscolegasprimeiranistas,arevista semanal Ensaios Literrios. Em comeos de 48, depois de tirar frias em Fortaleza e no stio Messejana, embarca para a cidade de Olinda, onde se matriculano 3 ano do curso Jurdico. A companhia de Alencar ali so os passeios pelas ruas solitrias e abibliotecadomosteirodeSoBento,ondefuncionavaocurso,eaondetem acesso a exemplares dos cronistas coloniais. No fica ali por muito tempo, voltando

8 Poeta romntico ingls que veio a morrer na primeira metade do sc. XIX. 9Aexpresso,recolhidaporMenezesdeumcomentriodeBritoBroca,estindefinida.Parece remeter aos juristas ingleses e americanos modelos para esta juventude da elite da corte, portanto deusaremperucascomoumsmbolodepoder.Renault(1976)indicaapartirdeumafontede 1816 - que cada profisso recorre a determinado tipo de cabeleira, como forma de distino.posteriormente para So Paulo. Alencar comea j a sentir os primeiros sintomas da doena que o acompanharia at o fim da vida, e o clima do Nordeste possivelmente seria um alivio para a tuberculose. Por fim, consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de Direito do Largo de So Francisco. So Paulo uma cidadezinha de terceira ordem, tristonha e brumosa: no possui cerca de 12 a 14 mil almas, se tanto (MENEZES, 1965, p. 60). O espao dividido entre os estudantes, grupo ento numerosssimo, eoresto,comodiziam.Meretrizes,gentepobrenoscortios,algunsemigrantes que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar alegria para ali. Carvalho (2007) sustenta que a escolha por So Paulo e Olinda para oestabelecimentodoscursosdeDireito foi umamaneiradeunificaroslaosentre aselitesdispersaspelasvriasregies,paraposteriormenteassocia-lasaCorte. Alencar no foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro, cidade mais promissora economicamente,ondecomeaatrabalharcomopraticantenoescritriode advocaciadoDr.CaetanoAlbertoSoares,umdosmaisprocurados,chegandoa representaremcertasocasiesaCasaImperial.Alencartrabalhaaliporquatro anos,ondeseinicianosestudosmaisridosdoDireito,masnoesqueceo jornalismo. 1.2 VIDA NA CORTE Em09deagostode1853Alencarcomeaatrabalhar,aconvitedeumamigo,na redao do jornal Correio Mercantil - chamado o grande jornal das ideias liberais - comaobrigaodepromovermudanasemsuaestruturaqueviessematorn-lo um pouco mais popular. Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante dosdiriosdaCorteapoca.At1852,oCorreioMercantileraumdosjornais cariocascomeventualtiragememfrancs(MENEZES,1965).Alencarpassara analisarosacontecimentosdasemananorodapdaprimeirapginadarevista hebdomadria Pgina Menor, publicada sempre aos domingos. No sculo XIX, tais revistas - em formato de folhetins - j so comuns na imprensa nacional. OtrabalhodeAlencarerareunirdiversosassuntos,comumaescritaleveeque chamasse a ateno do pblico. Agora, mesmo avesso a festas e sales de baile- como o do Cassino Fluminense, famoso ponto de encontro onde fluamamizades e intrigas, liberais e conservadores conversavam serenamente; com seu jeito sisudo, o jovem e acanhado jornalista comea a frequentar a sociedade a procura de ideias e, tambm, de amigos. Alencarsabia,comobomjornalista,queporvezesseriaprecisonosrelataros fatos,mastambmcri-los;ocasododesfiledecarnaval.Desde1854apolcia probeaprticadoentrudo10nocarnaval.Em1855,umgrupode foliesanimados por jornalistas do Correio Mercantil, em sua maioria, resolve por na rua um carnaval diferente,comdesfiledebandademsica,carrosalegricosecavaleiros,nos moldes do carnaval de Veneza. A moda de peras italianas pelos teatros da cidade fazcomqueoestranhamentosejamenorpelapopulao,jfamiliarizadacomos tiposdacomdiaitalianacomoarlequinsecolombinas.Alencar,acompanhandoo entocoronelPolidorodaFonseca11eMunizBarreto,proprietriodoCorreio Mercantil,vaiaoPaodaQuintadaBoaVistaconvidarafamliaimperialparao desfile,queviriaapassartambmnoLargodoPao.Seriaoprimeirodestes desfilesaseapresentarnoRiodeJaneiro.Oimperadorcompareceeapreciao espetculo.D.PedroII,poucosanosmaisvelhoqueAlencar,reconhecenaquele filhodepadreumpoucodaconvicoedoativismodovelhosenadorAlencar. Porm, o fato de Alencar assumir-se a favor do imprio no quer dizer que morria de amores por D. Pedro II. Em1855,devidoaalgunsdesentendimentoscomadireodojornal,abandonao CorreioMercantilesuacolunaAocorrerdapena,queumsucessonapoca, voltandoamilitarnaadvocaciaporalgumtempo.Emoutubrodomesmoano assumeoscargosdegerenteeredator-chefedoDiriodoRiodeJaneirocoma

10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal. Significa literalmente introduo e remonta antigas prticas pags. Carnaval de rua que, desde os tempos da colnia, vem sendo proibido pelas autoridadesconstitudasdevidoaosconstantesexcessosdopovo.Ver,porexemplo,DAMATTA, Roberto.Carnavais,malandroseheris.Paraumasociologiadodilemabrasileiro.Riode Janeiro. Rocco, 1997. 11 Os Fonseca eram uma famlia, alm de influente, vasta nos quadros do exrcito. Podemos citar desdealgunsherisdaguerradoParaguaiatogrupoquesustentaDeodoronaproclamaoda repblica.Ver, paraum melhoresclarecimento, notaemCARVALHO, Jos Murilode,A formao das almas: o imaginrio da repblica no Brasil. So Paulo, companhia das letras, 1990. p. 144. tarefadereergueroentodecadentejornal(oprimeirojornaldiriosurgidonoRio de Janeiro12) alavancando suas vendas. J era, naquele momento, um jornalista com certorenomeeseustextossugereminflunciasdeautoreseuropeus.Omodelo civilizacional francs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bacharis que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do perodo,foideletambmumdivulgador.oafrancesamentodasociedade carioca,quesemanifestavatambmnousodalinguagempelosjornais.Alencar grandeapreciadordeLamartine,eleitordeBalzaceVoltairedesdeostemposda academia em que passava as tardes junto ao dicionrio de francs. Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro, em frias das funes de cnsul geral na regiodaSardenha,naatualItlia,opoetaDomingosJosGonalvesde Magalhes-futuroviscondedeAraguaia.TrazconsigoosoriginaisdopoemaA confederaodosTamoios;obraque,diziaele,revolucionariaasletrasnacionais. GrandeamigodeD.PedroII,estemandaimprimirumaediodopoemana conhecida tipografia de Paula Brito13, em rica encadernao, o que j era um motivo paraqueoproclamadopoemafosselido.Oassuntogiraemtornadaslutasdos Tamoios com portugueses em meados do sculo XVI no litoral fluminense e paulista, exaltandooquantopodiaasfigurashistricasdoperodo.Ascrticasforam unnimes,opoemaerasegundocomentadoresdoperodo,comoAlexandre HerculanoeGonalvesDiasumagrandedecepo.Alencar,ocultopelo pseudnimoIg14,investecriticamentesobreopoemaclassificando-odemedocre, emumasriedeoitocartaspublicadasemsuacolunanoJornal.Seriaesteo primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil, e, de certa forma, a primeira querela envolvendo o artista e o imperador.

12 Interessante lembrar que o Dirio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por Jos Bonifcio, que manda averiguar o teor do escritos incendirios ali publicados em 1822(COSTA, 1999. p.71). No Dirio seriam publicados artigos contrrios monarquia constitucional. Alencar era assumidamente um conservador. 13PaulaBritoeditoredonodetipografia,umconhecidopontodeencontrodeintelectuaise polticos do perodo.Mulato, de origem pobre assim como Machadode Assis, mais um indicativo de que nas letras nacionais a poltica de segmentao racial era mais amena.14 Menezes comenta em uma nota que, tendo o Imperador 'esquecido' de convidar o Alencar para a leituradaConfederaodosTamoiosemseonogabineteimperial,esteviriaasetornarum crticoferrenhodeMagalhes.Nospareceumreducionismo;aimplicnciadoAlencarnochegaa tanto e sua capacidade como escritor e poltico mostra bem sua capacidade.Acartaabertacomumnaimprensadoperodo.Umcomentadorcolocasuas opinies,demaneiradiretaesbria,comointuitodepublicitarumassunto.Um debateaberto;porvezesumaprovocao.Eodireitoderespostaeraconcedido prontamente. O assunto, se tornado interessante, era esperado pelos leitores. Amaiorpartedascrticassereferegramticaeametrificao.OpoetaArajo Porto-Alegre,cognominadoOamigodopoeta,saiemdefesadeMagalhes. Alencarrebatee,aestaaltura,Ignoseriamaisumdesconhecido.Porto-Alegre chegaatransparecerqueapelejadoAlencarnoseriacontraopreteridopoeta, mas um ataque indireto ao seu protetor: D. Pedro II. Alguns outros aparecem pelas pginas do jornal, apoiando tropegamente poema e poeta. Alencar segue firme e o imperador assume a pena sob o codinome de Outro amigo do poeta. Escreve seis artigos que Alencar responde com airosidade. O imperador pede a opinio favorvel de alguns amigos sobre o poema, mas nem as crticas encaminhadas por Gonalves DiaseAlexandreHerculanoconseguemconvencerD.PedroIIdocontrrio,que Magalhes no era to bom assim. Torna-se ento uma guerra pblica de teimosos. Alencar, no mesmo ano, rene em livro as cartas publicadas sobreA confederao dostamoios.Noanoseguinte,Magalhespublicaumasegundaediodopoema que D. Pedro II promove, agora chegando a pagar a publicao deduas tradues paraoidiomaitalianodaobra.Oimperadorincentivaapesquisaepublicitaode trabalhos que enfatizam essa mitologia romntica do indigensmo, mas no significa que esteja preocupado com a esttica literria. Suas razes esto mais prximas do campopoltico,comotambmoseriacomsuarelaocomoinstitutohistricoe geogrfico,aoqualeraomaiorpatrocinador.Eraomomentodesolidificaros smbolosdanovanaoeoindigensmo,almdetudo,secaracterizaporserum movimento antilusitano (ROMANCINI, 2007). Sobre o texto de Magalhes, o pblico aparentemente se cansa da peleja, e Alencar, como redator do jornal, precisa procurar matria mais interessante e a contenda se dissipanotempo.Masestaseriaaprimeiradeumasriededesavenas envolvendo o Imperador e Alencar. Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro, distribudo para os leitores do Dirio do Rio de Janeiro como um presente no Natal. No ano seguinte publica o primeiro folhetim15 de O guarani, no Dirio, e depois em livro, organizado em quatro volumes;eosprimeiroscaptulosdeAviuvinhaemfolhetim.OsucessodeO guaranitamanhoquevriasportassoabertasparaoescritor.nesteanoque Alencaringressanoteatro,comsua pea:ORiodeJaneiro,versoereverso;em novembro estreia com O demnio familiar e, ainda em dezembro do mesmo ano, a comdiaOcrdito.AsociedadeapresentadanospalcosdoRiodeJaneiro,para Alencar,noseriaaquelaqueelevianasruas.Seumodeloeraasociedade francesa.Comenta assim em uma crnica: ()averdadeiracomdia,areproduoexataenaturaldoscostumesde umapoca,avidaemaonoexistenoteatrobrasileiro.Noachando pois em nossa literatura um modelo, fui busc-lo no pas mais adiantado em civilizao, e cujo esprito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira; na Frana. Fui feliz; o pblico ilustrado foi mais benvolo do que eu esperava e merecia;ODemnioFamiliar,escritoconformeaescoladeDumasFilho, semlancescedios,semgritos,sempretensoteatral,agradou. (MENEZES, 1977. p. 135) Noexposto,entendemosqueAlencarbuscavaummodelomelhor,segundoele, paraasociedadecarioca.Omodelofrancs,decertaformajimpregnadona sociedade da Corte, agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo. Tal modelo, como afirma, no estava na literatura dramtica nacional. A vida em ao no existe noteatro.Aquesto:qualseriaessavidaqueAlencarbuscava?Adasruas imundasdoRiodeJaneiro,dosescravosquerecolhiamosdejetosnacidade,da incipiente indstria nacional? Certamente no. ApeademaioraceitaopblicaOdemniofamiliar,eamaisdivulgadade suascomdias.MachadodeAssisemumartigoqualificaapeaOdemnio familiarcomoumretratodafamliabrasileiranoperodo,comsuacaracterstica segundo ele paz domstica. O texto circula tambm em verso impressa, com uma dedicatria imperatriz D. Teresa Cristina, o que chega a ser considerado uma gafe de Alencar, sendoa personagem principal o referido demnio familiar, um moleque chamadoPedro,assimcomoD.PedroII(etambmD.PedroI?).Naestreiado espetculo no Teatro do Ginsio comparecem D. Teresa e D. Pedro II, que chega a seirritarcomosolharesmaliciososerisadasdopblicoacadatravessurado

15Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da mdia. O folhetim foi uma inveno de Gustave Planche,nodecniode1820naFrana,introduzindoumaformadiferenciadanarrativado romance.EraummodeloqueagradoueajudouaconstruirpopularidadeparaAlencar.Ver CNDIDO, Antnio. Literatura e Sociedade. 9. Ed. Rio de Janeiro. Ouro sobre Azul. 2006. p. 43. escravonopalco.Segundoesseautor,seoriginada,enodoepisdioda Confederao dos Tamoios, as diferenas entre o imperador e Alencar. De qualquer forma, no se pode deixar de ver Jos de Alencar como um implicante. Em 30 de maio de 1858, no teatro do Ginsio Dramtico, estreia a comedia As asas de um anjo. Depois da terceira apresentao pblica,o texto proibido pelo chefe depolcia.Alencarvemapblico,atravsdoDirio,questionaraarbitrariedadee apresentar sua defesa. Questiona como um espetculo aprovado anteriormente pela censura(apresenta-lasanteriormenteaoscensoreseraoprocedimentopadro) poderiaserlogodepoisproibido.Dizoautortersebaseadoemumapeade AlexandreDumsFilhosobreumaprostituta;jtendosidooespetculo apresentadonomesmoteatrosemanasafio,sendoassimbemconhecidado pblico. Apresenta ali seus argumentos e motivos, repetindo que no entende como um texto que, ele mesmo admite, adaptado de um romance europeu a dama das camlias - que apresenta j a poca relativo sucesso de pblico no teatro, pde ser censurado. ali que Alencar entende, da pior maneira, que a sociedade carioca de entonoaceitaserconfrontadacomumacaracterizaotorealistadeseus costumes. Havia assuntos ainda difceis de discutir. interessante nos determos um poucoaqui,paraanalisaroconfrontodoautorcomacensura.Alencarsesente intimamenteofendidocomaproibio,eparteparasuadefesapblica,fazendoo que sabe fazer: mobilizar a opinio pblica atravs do jornal... Em 28 de junho de 1858, Alencar pblica no Dirio do Rio de Janeiro um artigo que viriaaserumaespciededireitodedefesaacensuradoespetculo16. interessante no sentido de que podemos ter uma viso ampla da censura praticada pelasinstituiespblicasnoperodoimperial.iniciaacartaindicandooseu direito e dever como escritor. Alencar se diz indiferente a punio e explica que tal somenteservirparaexcitaracuriosidadepblica,porissovemapblico defender-se apenaspor que se diz um defensor da moral e no quer manchar sua imagem aceitando passivamente a (afirma) injustia. No pretende fugir a punio e afirmaquesequiserdar-lhemaiorpublicidade,tenhoaindaummeio,aimprensa,

16Artigo transcrito na seo ensaios literrios emALENCAR, Jos de. Teatro completo. Rio de Janeiro. Servio Nacional de Teatro, 1977. As referncias entre aspas so todas do artigo que no est sujeita censura policial. A pea, conta, havia sido liberadapor meio de despacho especfico pela polcia em 25 de maio e pelo Conservatrio Dramtico aindaemjaneiro,oquejindicaumacontradio.Dentreascausasestipuladas pelaleiparaaproibiodeespetculoteatralestavam:oataquesautoridades constitudas, o desrespeito religio, e a ofensa moral pblica que, no entender do jornalista, seria o motivo da proibio. Alencarafirma terpensado bastantenareaoque opblicoteriasobreotema,e afiana ter se baseado em obras dramticas filhas da chamada escola realista que vemdeParisequetmsidorepresentadasemnossosteatros,sendeelemesmo umdosespectadores.Mas,sustenta,esqueci-mequeovuqueparacertas pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira, rompia-se quando se tratava de esboar a nossa prpria sociedade (ALENCAR, 1977, p. 227). Afirma que o pblico daCorte,assistindoaAdama dasCamliasousMulheresdeMrmore,cada umtomaMargaridaGauthiereMarcesoapenasduasmoasumpouco estravagantes, mas quando se transpe a questo para o Brasil emAs asas de um anjo,oespectadorencontraarealidadediantedeseusolhos,eespanta-sesem razo de ver no teatro, sobre a cena, o que v todos os dias na rua e nos passeios. Mas,oqueseriaimoral?Oquemotivariatalatodapolcia?Alencarexplicaque imoralidade o ato que a moral reprova. Alencar se defende dizendo que sua inteno eraapreteno demostrarumaliopara ospaisde famliasobreanecessidade de cuidarem da educao moral de seus filhos, de constiturem-se enquanto famias. Sustenta que em sua tese no h a uma s personagem que no represente uma ideiasocial,quenotenhaumamissomoralizadora.Noelequemnos apresenta,diz,aprpriasociedade.Easinstituiespblicascriamum impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade; mais uma barreira constrda, como podemos observar, entre o povo (rebelde, inculto, imoral) e a elite, que s observa isso de sua cadeira ou camarote, estando distante de tudo. Alencar se desgosta com aquilo e abandona, logo depois, o Dirio do Rio de Janeiro e a dramaturgia (pelo menos, por enquanto), voltando a se dedicar ao Direito e a seu trabalho como advogado no escritrio do Dr. Caetano Alberto. E agora com clientela vasta.Aolongodoperodoimperial,comaestabilidadedaeconomiaeummaior (aindapouco)desenvolvimentosdascidadesaparecemoutroscaminhosparao trabalhoquenosomenteaburocracia,masagrandemaioriadosprofissionais liberaisnoconseguemanter-se.Apesardodesenvolvimentodaadvocacia,do magistrio, da medicina, do jornalismo, muitos destes profissionais liberais o caso deAlencarencampamduasprofissesaomesmotempocomoformade sobrevivncia ou de esperar ser alcanado pelo brao sedutor do emprego pblico. ParaNeto(2006)aproduoliterriadeAlencarnoestdesvinculadadesua personalidade,umtantodepressiva,eafastadadavidanoturnadacapital,lugar comumparapolticosejornalistas-vriosdelesconhecidosporAlencar,que preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos amigos.Alientreseuslivros,dedicava-sealeituradecronistasehistoriadoresea pesquisa sobre a histria poltica dos sculos XVIII e XIX. Tais leituras teriam levado Alencara um aprofundamentodesuareflexocrticasobrearealidadebrasileirae ospadresdecomportamentodasociedadee dasinstituiesqueaconstituem,e da famlia burguesa em particular. 1.3 MILITNCIA POLTICA Emdezembrode1858,quandoNabucodeArajoassumeocargodeMinistroe SecretriodeEstado dosNegciosdaJustiatratalogo depromoverumareforma internaneste,eonomedeAlencarlembradoparaumadiretoriadeSeona SecretariadeEstadodosNegciosdaJustia.Depoisdealgunsmesesnocargo, solicita a um amigo do partido conservador, o ento conselheiro Eusbio de Queiroz, uma melhoriaemseucargo.Em maio de1859seupedidoaceitoe, agoracomo consultor,recebeottulodeconselheirocomseus30anos.Comeaogostopela poltica que estava desde sempre, segundo Alencar, em sua famlia. No mesmo ano queentraparaoministrionomeadoprofessordedireitomercantildoInstituto Mercantil no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, publica vrios trabalhos jurdicos de reconhecidovalorquealcanamsegundaseterceirasedies,oqueprovaqueo texto de Alencar era procurado e lido; que conseguiu sucesso como autor ainda em sua juventude (algo dificilmente alcanado mesmo hoje). A poltica, assim dizia o Alencar, era como uma religio em sua famlia, e o desejo porumacadeiranaAssembleiajlatente.Masemsua primeiracandidatura, em 1856,paraumacadeiradedeputadogeralpelaprovnciadoCear,naprimeira eleio por distritos, no eleito na ocasio (ALENCAR, 2009). Em 15 de maro de 1860temoutrodesgosto,faleceovelhosenadorAlencar,seupai.Talvezaltima chancedeassociaoaosquadrosdoPartidoliberal.Nomsseguinte,comea uma correspondncia com amigos no Cear j no intuito de buscar uma candidatura para deputado. Em novembro, e ainda trajando luto17, embarca para Fortaleza onde busca amigos e correligionrios para iniciar sua campanha pelo partido conservador nasperiferiasdacapitalcearense.Comaquantidadelimitadadeeleitorespela legislaovigente,empoucosdiasconsegue-seconversarcomumsignificativo percentual de eleitores.Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e mesmoAlencarsendooredator-chefedoDiriodoRiodeJaneiro,folha declaradamenteliberal,opartidonosugeriuumafiliaoouapossibilidadede concorreraalgumcargopblico, fatoqueserlembradoposteriormentecomcerta amargura. Talvez, com os liberais, Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por D. Pedro II, que j era manifesta a poca. Talvez, pelo mesmo motivo, o partido no odesejasseemsuaslinhas.Atofaladahomogeneidadedepensamentoentre liberaiseconservadoresseaplicaaqui,ondealgumquepudessedesagradaro imperadorseriaumfilhosempai.OqueAlencarjsabiaeraqueseno conseguisseapoiodealgumalideranapolticadeumladooudeoutro- provavelmentenoseriaeleito.Foioqueaconteceunoprimeiropleito.Alencar entoseapadrinhadeEusbiodeQueiroze,comoapoiodesteedogrupo conservador, eleito para a Cmara em 1861. Os principais partidos do perodo, o liberal e o conservador, apresentavam algumas diferenasimportantes.OprofessorBonavidesconsegueumacaracterizao abrangente para o perodo de nosso recorte:

17 O traje de lutopara meados do sculo XIX era conservado porum tempo relativamente grande, quandosetratavadeumfamiliarprximo.Porm,podeterfuncionadocomoumaferramenta importante na construo de um personagem para sua campanha poltica. Ele praticamente um desconhecido no Cear. preciso mostrar-se como cristo, bom filho, etc. OsliberaisdoImprioexprimiamnasociedadedotempoosinteresses urbanosdaburguesiacomercial,oidealismodosbacharis,oreformismo progressistadasclassessemcompromissosdiretoscomaescravidoeo feudo.Os conservadores, pelo contrrio, formava o partido da ordem, o ncleo das elitessatisfeitasereacionrias,afortalezadosgruposeconmicosmais poderosos da poca, os da lavoura e pecuria, compreendendo plantadores de cana-de-acar, cafeicultores e criadores de gado. (BONAVIDES, 2000, p.491) Tambm Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferena entre Luzias e Saquaremas j estava demarcada desde as revoltas liberais do perodo regencial. Porm, como os partidos polticos ainda no havia desenvolvido suficiente fora enquanto instituio eainda nohaviamdesenvolvidosuaconfiguraoatual,geralmenteosinteresses pessoais(easideias)determinavamasaesdospolticos.JosMurillode Carvalho(2007)sustentaaposiodosmagistradostipicamentecentradosno partidoconservador,tantoquantoocleronopartidoliberal,tendoogrupodos militarespreferidomantercertaneutralidadee,porfim,umgrupoascendentede profissionaisliberaisformandoaalaideolgicadoPartidoLiberaleoncleodo PartidoRepublicanodoRiodeJaneiro(CARVALHO,2007,p.225).Nascartas, Alencarsustentaqueeradocomrcioportuguseadernciasqueopartido conservadortiravaprincipalmentesuaforaeosrecursoscomquesustentavaa luta.emaisadianteafirmaqueopartidoconservadorservia-sedaindstriapara subir(...)(ALENCAR,2011,p.63).Emsuaquasetotalidadeesteshomenseram representantes de uma sociedade patriarcal, europeizada, escravagista e machista. Taishomenspartilhavamdesseuniversoculturalque,inclusive,oscaracterizava independente do partido a que estavam filiados. E quantas vezes tais interesses no seconfundiamcomavontadedoimperador-figuramaior,quemuitosqueriam agradarepoucostinhamcoragemdedesagradar.Bonavides(2000),citandoRui Barbosa, diz que os dois partidos, na prtica, se resumiriam em um s: o partido do poder. Faoro (2004) tambm sustenta que, no segundo reinado, a partir de 1836, a histriapolticabrasileiraseresumiriaaosdoisgrandespartidos:oliberaleo conservador. . A conciliao foi algo como uma orientao, um acordo intrapartidrio ou mesmo uma coligao, e no outro partido. A liga, que tida como a associao geradora do partido progressista, foi uma organizao primria dessa liderana, que tem seu trmino com a deposio de Zacarias de Gis em 1868, tendo seus filiados serearranjadoentreliberaiseconservadores.Asdiscussesentreasdiferenas ideolgicasdentrodospartidosexcedemapretensodestetrabalho.Oque modestamente se sustentaaqui que a filiao partidria se dava, a princpio, no como resultado de um aceite pelo ator poltico da base ideolgica do partido se quehouvesseuma.Opartidoconservador,porexemplo,nuncachegouaescrever ummanifestooucoisaqueovalhamasasuasnecessidadespessoais,suas pretensessociaiseparaseufavorecimentoeconmico.Paraefeitogeral, acompanharemos a anlise de Carvalho: Acomplexidadedospartidosserefletianaturalmentenaideologiaeno comportamentopolticodeseusmembros,dandosvezesaoobservador desatentoaimpressodeausnciadedistinoentreeles.Umexame, emborasumrio,dealgunsproblemascruciaisenfrentadospelospolticos doImpriopode,noentanto,mostrartantoasdivergnciasinterpartidrias como intrapartidrias. (CARVALHO, 2007, p. 219) EmJaneiro,aoserealizaremaseleiessecundrias,JosMartinianodeAlencar Filho eleito pelo 1 distrito (tendo, segundo um comentrio seu, obtido tambm 30 votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cear, junto a outros seis candidatos de seupartido.Em23demaioiniciaseustrabalhosnacorte.Ocargodedeputado um importante comeo para a vida pblica: Apesardeeleitosporumperododequatroanos,frequentemente conseguiamserreeleitosparavriaslegislaturasoudetinhamimportantes cargosadministrativos.MuitosencontraramnaCmaraumcaminhofcil paraoSenadoeoConselhodeEstado.Assimcomoosconselheirosde Estadoeossenadores,osdeputadospertenciamaumaredepolticade clientelaepatronagem,queutilizavamtantoemseuprpriobenefcio quanto no de seus amigos e protegidos. (COSTA, 1999, p. 141) Ainda sobre o assunto, uma interessante anotao de Tavares Bastos em seu dirio pessoalnosilustrabemaposiodeclientelaaqueosdeputadosestavam submetidos. Referindo-se ao fim de setembro 1869, comenta sobre uma reunio dos senadoresliberaisautorizandoZacariasdeGisaprosseguirnegociaessobreo oramentocomCotegipe,ministrodaMarinha.Aoredigirainformao,refere-se aos senadores que compe uma frao do partido denominada progressista critica ouceticamente-comoosnossoschefes(ABREU,2007,p.122).Distopodemos deduzir,eaindasegundoodepoimentodeCosta,queAlencartambmno nenhumheridoBrasil.Querocargopblicocomoumasegurana,quegaranta umaredederelacionamentosnecessriaapermanncianestaperiferiadaelite, com vistas a uma posterior promoo. Quandodoinciodostrabalhos,todososolharesestavampostossobreAlencar. Romancistaedramaturgojfamoso,jornalistarespeitado,filhodeimportante Senador que chegara a orador do Senado na coroao do Imperador; a casa estava cheiadeexpectativaparaafalainicial.Nocalordahoraaemoolhesobea cabea.Odiscursoproferido,toaguardado,foiumgrandefiasco,com momentos de indeciso e certa disfemia. aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo, vai achando seu lugar na tribuna durante o mandato. Os argumentos, a rplica sempre pronta,oexerccioparlamentarvaiconstruindoopersonagempolticoJosde Alencarquechegaaserumdosmaisrespeitadosoradoresdacmara.A humilhaonosprimeirosdiasarranhaumpoucodoorgulhoedahabitual arrognciadoescritor,paradepoisseconstituiremumaprendizadodecisivodo poltico. Em13demaiode1863dissolvidaaCmara.Alencar,sentindoadoena,faz algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro. De volta Corte, passa a morar na Tijuca e diminui o ritmo da produo literria, atendendo a conselhos mdicos. Ali conhece aquele que viria a ser um grande amigo, o mdico Dr. Thomaz Cochrane18, de quem posteriormente toma a filha em casamento, Georgiana Augusta Cochrane. Em 1865 nasce seu primeiro filho, Augusto. Detemperamentoarredio,dadomesmoasolido,comadedicaoaotrabalho redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa; no sendo um associado do Instituto Histrico e Geogrfico, no sendo frequentador assduo de sales ou da livrariadoPaulaBritocomooutrosliteratos,vaidesligar-seaindadaspoucas relaes sociais que tem. Fecha-se na famlia e para si. o ano em que publica as primeiras cartas de Erasmo, dirigidas ao Imperador.

18QuenooAlmiranteCochrane;militarcontratadoporD.PedroIparamassacrarrebeldes revolucionrios pelo Brasil afora. Emnovembrode1865comeamaaparecernaslivrariasdoRiodejaneirouma sriedecartasabertas,publicadassempreasteras-feiras,endereadasaoD. Pedro II e assinadas com o pseudnimo de Erasmo, mas logo se soube que o autor eraodeputadoAlencar.Aprocurapelosfolhetinseraimensa.Haviaquem esperasseachegadadeumvendedorpelasruasparaadquirirseuexemplar19.O prprio imperador no deixava de estar atento a cada nova carta; era como mais um sucesso literrio. Publica tambm, em 1866, Os partidos, em formato de livro, mas discutindo as mesmas questes e de forma menos informal. As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poltica e noprocedimentoticodospolticos.Falamdopodermoderador,dasituao financeiradopas;nohassuntoqueescapeaojornalista.Posteriormente, endereaoutracarta,estaaoViscondedeItabora,ex-MinistrodosNegcioseda Fazenda,umacartasobreacrisefinanceira,emquetecevrioselogiosaeste,e mais uma, endereada ao Marqus de Olinda. De julho a agosto publica uma srie decartasaopovo20.Alencarsecolocasempre,eantes,comoumpensadorda poltica. Algum que observa e indica um caminho para a nao, e sua condio de jornalistadecisivapassaisso.Deve-seteremcontaqueumpensadorpoltico algum que observa contextos, comportamentos e instituies e a partir de disputas retricasemtornodetaisconceitos,equebuscacriticaropoderinstitudoeas justificativas que este toma para continuar no poder. AlgunsfatossomodelaresparamostrarodesinteressedeAlencarpelasua valorizaoenquantoumapersonagemsocial,preferindoseridentificadoenquanto escritor. Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto vida social que poderia ter na Corte. Um exemplo disto o episdio da condecorao. Em 1867 o Alencar, pordecretoimperial,agraciadocomooficialatodaOrdemdaRosa,pelos relevantes servios prestados s letras no pas. Um agrado da parte de D. Pedro II, feito sem que houvesse uma solicitao ou concurso. A poltica de condecoraes

19 o depoimento deBarros Pimentel, que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de divulgao no perodo. 20As cartas sero analisadas em captulo a parte.basicamente a mesma dos ttulos nobilirquicos brasileiros: formas de cooptao de elementosdaeliteparaopartidodoImperador.Nosanosfinaisdoimprio,D. PedroIIagraciariavriosfazendeiroscomaordemdaRosapelainiciativadestes emlibertarseusescravos(NOVAIS,1997).Alencar,semummotivoaparente, recusa a condecorao publicamente, solicitando ao redator do Jornal do Comrcio quepublicitesuadeciso.maisumaalfinetadaemD.PedroIIque,aprincpio, busca trazer Alencar para seu grupo mais prximo. A caminhada na carreira poltica vaisetornandocomplicadacomtaisatitudesdeintransigncia,pelomenospara algum dentro do partido conservador que almeja seguir adiante. Em 1868 est frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Gis e Vasconcelos. Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marqus de Caxias, j tomado como um heri por sua atuao na guerra do Paraguai, D. Pedro IIimpelidopelaimprensaatomaralgumladonarinha,ecaiogabinete.Sobem ento os conservadores, sob a chefia do visconde de Itabora. O nome de Alencar propostoparaoMinistriodaJustiae,soboespantodemuitos,aprovadopelo imperador.D.Pedroestariatentandoamarrarumapontadacordaquetinhas mosnopescoodoteimosoliterato?Alencarrelutanumprimeiromomento,mas depoisdeseuegotersidoacariciadoporalgumasvisitasdepartidrios,comoo barodeMuritibaeoConselheiroPaulinodeSouza-falandoemnomedoFuturo presidentedoConselho-,resolveporbemaceitarocargo.Oministrio,apelidado gabinete-bomba,tomaposseem16dejulho.compostopor,almdafigurado PresidentedoConselhoeMinistrodaFazendaoViscondedeItabora,Joaquim Rodrigues Torres; Paulino Jos Soares de Souza como Ministro do Imprio; Jos de Alencar,MinistrodaJustia;JosMariaParanhos,oviscondedoRioBranco, MinistrodosEstrangeiros;JooMaurcioMarianiWanderley,obarodeCotegipe, Ministro da Marinha; Manoel Vieira Tosta, o visconde de Muritiba, Ministro da Guerra eJoaquimAntoFernandesLeo,MinistrodaAgricultura,ComrcioeObras Pblicas. A ascenso dos conservadores um fato consumado. Alencar , alm de tudo,oministromaisjovemdogabinete,masaosolhosdoImperadornoeraum inexperiente.D.PedroIIparecenoseimportarcomapresenadoautordas CartasdeErasmo;antes,secomportacomoumadmiradordaobradeAlencar. Mudanash,masnemtanto.AsfigurasdeRodriguesTorresePaulinoque segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o brao forte da chamada trindade saquarema -portantotempoestiveramafrentedopoder,retornamagoracoma responsabilidadedereorganizaracasa.Aomesmotempo,eatcomoumaforma deequilbriodeforas,D.PedroIItambmtinhaseujeitodeseresguardardas pressesexercidaspelaselitesnopoderedainflunciadeseusassociadose apadrinhados.Emmuitosmomentos,levaalideranadogabinetehomenssem propriedades, lideres com ascendncia humilde, portanto no diretamente atrelados aosinteressesdegrupospoderosos,desatadosdoslaosfamiliaresou patronagemcomfazendeirosecomerciantesligadosaotrficoeaexportao, comoSaraiva,Zacarias,oViscondedeOuroPreto,omarqusdeParan,entre outros. Eles, que estariam mais prximos ao imperador, seriam tambm uma ultima barreiradecontenodosmovimentosemproldadiminuiodospoderesda monarquia(COSTA,1999).Omovimentorepublicanostomacorpoem1873e adiante,masasrusgasqueopodermoderadorincitanoparlamentojsefazem presentes.Alencarnoministriotrabalhacomoafincoquesempredaseus afazeres.Issonoumanovidade.Noanode1868publicatambmOsystema representativo,obraemquediscuteoprocessoeleitoralcomoabasedeum governorepresentativo.Nemseriatambmumanovidadeoministrocolecionar desafetosnoperodoemqueestnocargo.Deputados,colegasministros,oficiais no esto livres do temperamento singular de Alencar. Asrelaesdoimperadorcomseuministrodajustiasocordiais,porm complicadas. Alencar reclama que D. Pedro II em tudo se intromete mais tarde dir que um hbito deste e tambm dos outros ministros nos assuntos do Estado. s vezes, como um menino curioso que de tudo quer saber, outras vezes, como um pai zeloso que se preocupa com seus filhos sendo maltratados pelo ministro, chegado em alguns casos extremos a lembrar de que ele o imperador, e quem manda na casa(MENESES,1977).Umdos hbitosdeD.Pedro oenviodebilhetespara o ministro.Socomentrios,questesrelevantes(ouno),indiscriese apontamentosqueconstantementeacompanhamosdespachosdeAlencar. Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais, em outras solicita informaes sobre processos de funcionrios pblicos e sobre o andamento daseleies.Alencarnofazpormenos,redigindotambmosseusbilhetes,em tomcordialerespeitoso,massemprecomoumembatedeforas,tentando demarcar seu campo de atuao ou impor limites ao outro. No esta uma prtica do restante do grupo, que na acomodao burocrtica a que o partido conservador seacostumaacabadeixandoreverterumaformulaantigaparaoimperador,que recostadonacondioquelhepermitiaopodermoderador,apesardedizerque deixaamquinaandar,aindareina,governaeadministra(FAORO,2004).A tambm o fato de que D. Pedro II prefere morar no pao de So Cristvo ao Pao dacidade,eos ministrosprecisavamcavalgamatlduasvezesnasemanapara osdespachos,coisaqueAlencarabomina-considera umaperda detempo-alm de reclamar das futilidades que so obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo comalgumaprovidnciaimportanteparaopas,comoosrumosdaGuerrado Paraguai. Certa feita o imperador encaminha, preocupado, um bilhete pedindo esclarecimentos denotciasvinculadasnosjornaissobreorecrutamentode(in)voluntriosparaa guerra do Paraguai pelo pas afora. A priso para recrutamento era uma realidade e porvezesusadacomoumaformadopartidodasituaodesaparecercom elementosdaoposio.Comtalpretexto,soescolhidosnoperodo propositalmente os indivduos simpatizantes do partido liberal. Alencar, dias depois, encaminhacirculartentandonormalizarascoisasecoibirabusosporpartedos presidentesdasprovnciaseautoridadespoliciaisqueusavamdetalartifciopara umafaxinapolticanoeleitorado.Aspreocupaesdoimperadorse fundamentavamnestasaescorrentes,comobemsugeriaemoutrobilheteonde dizia:(...)euseiinfelizmenteoquesoaseleiesentrens.,buscandosempre providenciasparaquehouvessealgumamelhora,dentrodopossvel,etambm buscando () inteira liberdade de voto conforme nossos maus hbitos o permitem por hora; mas dando a autoridade o bom exemplo. (MENEZES, 1965, p.133). Mas o imperadornodesconheciaqueaseleiespoucorefletemavontadedopovo oprimidodointeriorqueaindarefmdopoderpolticolocalnasmosdos senhoresdeterrasnointerioremsuamaioriaapoiadospelopartidoliberal (CARVALHO, 2007). A prtica do voto j previamente indicado, com a cdula chapa decaixo21aindagarantiaopoparaosustentodasfamlias(FAORO,2004). Vrias mudanas sotentadas no decorrer dos anos com pouco resultado; mesmo umadrsticamudananasregraseleitoraiscomoofoiocasodogabineteda conciliao(1853-57)comomarqusdeParan,emqueforamvetadasas participaesdevrioselementosrepresentantesdapolcia,justiaeda administraopblicasempreentreviaumespaoparaburlar-sealei,oquej vinha se constituindo como parte da cultura poltica nacional. Austerocomosdeputados,distantedosoutrosministros,longedasrecepes oficiais,Alencar,apesardeextremamentecompetente,asseguraseulugarcomoo homemmaischatodaCorte.Essavisoeracompartilhadaatentrealguns colegasministros,comonocasodeCotegipe,quenoadmitiaoartistanomeio das altas relaes polticas. E isso debaixo de um cime no declarado, pelo fato de D.PedroIIinsistirementregaraoministrodaJustiaamaiorpartedasatenes.AtenoqueogrupobuscavaequeAlencarrepeliacomseutemperamento complicado. Houve ocasies em que, descumprindo os deveres dados pelo decoro, impeaoimperadorapapeladadesuaexoneraoemcerimniapblica, conquantoestenoassinasseosdecretosqueAlencarlhepropunha.D.PedroII, emseusdespachos,tinhaohbitodenodeixarnadasemassinar,porm, postergava.Diziasobreoquenolheconviesse(ounoquisesse)dar encaminhamento,quedeixariaparaaprximasemana.Osoutrosministros, conhecendotalprocedimento,tidoatcomoeducado,tratavamdearquivara papelada referente. Alencar voltava semana aps semana com os mesmos papis, nosedandoporvencido.Esticavaosbraosaexaustoatqueoimperador reconsiderasse seu ato.No de se estranhar que D. Pedro torcesse o nariz para umacandidaturadeJosdeAlencarparaosenado,entoumcargovitalcio, evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo. Alencar sente presses de vrias formas por seu mau jeito como articulador poltico. OdedodeCotegipe,comoelemesmochegouadizer,estavaemgrandeparte daquilo.JooMaurcioMarianiWanderley,obarodeCotegipe,eraumhomem

21 A cdula era marcada com uma cruz, indicando o voto a ser dado. Caso a cdula no aparecesse na urna, o candidato ou chefe poltico poderia procurar o eleitor para tomar providncias. prestigiado,quesabiaemprestarseuprestgioaoMinistrio.Encarregadoda Marinha,estetinhaapredileopelaJustia,oqueofaziacriarsituaesde constrangimento para Alencar. Com a legislao vigente, o imprio est centralizado nafigurado(...)MinistrodaJustia,generalssimodapolcia,dando-lhepor agentes um exrcito de funcionrios hierrquicos, desde o presidente da provncia e o chefe de polcia at o inspetor do quarteiro (FAORO, 2004, p. 369), e tambm os juzes,funcionriospblicosdecarreira,todosaoalcancedolongobraoda dominaodoEstado.Qualquerdeslize,eCotegipe forneciaomaterialaosjornais sobre o Ministro (e o ministrio) da Justia; nas reunies com o imperador fazia valer seuspontosdevistassobreapastadoadversrio.Zombava,alfinetava,enfim, politicava...Alencarreclamacomopresidente,quetentacontornarascoisas,e apresenta um pedido de demisso,mas este no aceito. Dias depois, Fernandes Leo, titular da pasta da agricultura,por motivos pessoais tambm pede demisso. Na ocasio o Alencar reapresenta sua solicitao. Itabora tenta segurar o gabinete como pode, evitando que este tombe para c ou para l. De olho nesta indeciso a alta cmara aumenta a vigilncia; so os olhos de Zacarias, Saraiva, Nabuco, Ottoni, Silveira Lobo, Monte Alegre, Abrantes e Itanham que os acompanham. Os ataques ao ministro-escritor continuam dia a dia, cada um com o seu motivo, cada qual com oseuaparteenemtodosdirecionadosboaoumadministraodapastada Justia, mas ao prprio jeito de ser do Ministro, chegando ao ponto de Cotegipe criar e difundir(a pior parte...) um apelido para Alencar, que para a infelicidade deste, aceito pelo grupo no ato: era ele: o pirracento ! Mas nem tudo est relacionado com as brigas internas.Ainda enquanto ministro da JustiaAlencarvisitaaregiodoValongo22,noRiodeJaneiro,conhecidocomo antigo mercado dos pretos novos, e se aterroriza com a situao ao mesmo tempo aviltanteepromscuaaqualaquelaspessoasestavamexpostas.Alencarnoera umabolicionista,acreditavaqueaescravidonoBrasildeveriaterminarporum processolentoequenoincorresseemnusparaosproprietrios.Tinhauma posioconservadora,mastambmnoeraumincentivadordocomrciode escravos.Em15desetembrode1869publicadoumdecretoseuqueprobea

22 O antigo Valongo (rua Camerino) era um depsito e armazm de escravos que funcionou de 1779 a 1831. No perodo,ocomrciosetransfereparaaruaDireita,atual1deMaro.Osescravosficavamexpostosnarua (RENAULT, 1976). exposio pblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de prego, e aplaudido por grande parte da populao. Por esse tempo (seno mesmo antes) que comea uma sondagem com seus correligionrios com o intuito de concorrer a umavaganosenado.Comamorteem1865domarqusdeAbrantesedo conselheiroCndidoBatistadeOliveira,senadorespelaprovnciadoCear,a vacnciadascadeirasestimulamacabeadeAlencaratrabalharcomtal perspectiva. Chega a fundar com seu irmo uma folha, a Dezesseis de Julho para divulgar segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador -osinteressesdonossopartidoedefenderaideiaconservadoranoBrasil (MENEZES,1975,p.252).Aseleiesvosendoadiadasdevidosbrigasentre partidoseasdennciasconstantesdefraudeeleitoral.Ehquemdigaquea demoraalimentadapeloministrodaJustia,jcobiandoumasuacadeirano Senado. Emjunhode1869AlencarescreveaItaboracomentandoseuinteresseem concorrer a uma cadeira no senado. Explica que j havia submetido questo aos colegasdogabineteetinhaoapoiodestes.Ocasosedquandoapresentaa proposio ao imperador, chegando a solicitar a demisso do cargo de ministro para quesecandidatassesemnenhumimpedimentooufavorecimentoqueseucargo comoministropudessecriar.D.PedroIIsugere(pede)queAlencarreavaliea deciso,poisacreditavaquesuasituaopudesseinfluirnosrumosdaeleio, chegando a sugerir que a atitude no seria tica. Alencar se rebela e escreve, logo a seguir,aPaulinoNogueiranoCear,apresentando-secomocandidatopela provnciaeaceito.Esseincidenterevelaalgointeressante,vistoquePaulino NogueiracomotodasaslideranaspartidriasqueAlencarpodiaalcanar,sabiam dosmotivosdodesentendimentoedaopiniodoImperador,relatadapeloprprio missivista. E Paulino aceita a candidatura! Podemos deduzir que as lideranas locais ainda no estavam dispostas a acatar podas as decises do centralismo do Estado, mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador. As resistncias locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos! Aeleioserealizaem12dedezembroeosliberais,seguindoorientaesdo partido na corte23, no apresentam candidatos. Alencar o mais votado em uma lista sxtupla, tendo no segundo lugar o nome de Domingos Jos Jaguaribe. O resultado vai ento para D. Pedro II que escolheria, entre os mais votados, qual deveria ser o prximo senador. Ao saber do resultado, tendo em mos a lista, o Imperador se irrita epermaneceirredutvelemsuaopinio.MandachamaroAlencarparauma entrevistaeperguntasobreoentendimentoquetiveramsobreaeleio;oclima entreosdoisspiorava.Hvriasversessobreoacontecido,todasparecidas, mas o fato que Alencar consegue o que quer: sua exonerao. substitudo pelo presidente da Cmara dos Deputados, conselheiro Joaquim Otvio Nbias. Retorna o Alencar a Cmara e redao do Dezesseis de Julho. No fim de abril comea o cochicho em So Cristvo sobre a escolha para as duas vagas de senador pelo Cear. Ao fim a doutrina queos conservadores - inclusive o Alencar-pregamnosjornais,seguidapeloimperador:dequesomenteaeste pertence, sem audincia de nenhum ministro, a escolha dos nomes para o Senado. Em uma passagem das cartas ao Imperador,Alencar sugere que os atos do poder moderador so de exclusiva competncia vossa [do Imperador]: para exerc-los no dependeis de agentes e atualmente nem de conselho. (ALENCAR, 2011, p. 81) Nodia27,porcartaimperial,soescolhidososnomesdeDomingosJos Jaguaribe e do conselheiro Jos de Melo. Alencar nunca se recuperaria de tal golpe. Agora, seu caminho na Cmara de deputados, o da oposio ao governo. Emmaiode1871,jtomadacertadistnciaaguerradoParaguai,oimperador solicitaaCmaraonecessrioconsentimentoparaumaviagemaEuropa.Alencar seapressanosprotestos,lembrandoodinheiroesbanjadopeloEstadocomas comemoraespblicaspelofimdaguerra.Chegaadizerqueumaviagempela Europanaquelemomentoseriaumademonstraodeabsolutismoeaomesmo tempo uma tentativa de se afastar das discusses sobre a questo da mo de obra escrava e o abolicionismo, que o fim da guerrado Paraguai tornou mais urgentes e

23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiess volta a crescer a partir de 1881, com a Lei Saraiva. que D. Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluo. Alencardeputadocombativo,aguerrido,masnologramuitasvitrias.Na imprensa, chega a ser acusado de incoerncia no confronto do contedo das cartas deErasmoeasuaatualsituaoderompimentocomoimperador,seusataques constantes ao trono e a administrao. Da vida poltica at a literatura tudo motivo para denegrir a imagem do ex-ministro. assim com Zacarias, depois com Cotegipe, depoiscomRioBranco,depoiscomSilveiraMartins.AsideiasdeAlencar,sempre sustentadasporseuconhecimentodoDireito(comovimos,asproposiesmais carregadas de complexidade, como as cartas, geralmente vinham acompanhadas de estudospublicadospeloAlencar),afligiamvriosgrupos.Noograndecorodos homens da assembleia, que em muitos vivas e bravos sequer ouviam a pauta das reunies.Opartidoquedetinhaamaioriadosdeputadosconseguiaaprovaroque propunhanamaiordasvezes,tendoemsuasrelaesdeapadrinhamento construdovrioslaosdedependnciasentredeputadosesenadores (CARVALHO,2007).MaseramgeralmenteaslideranasqueviamemAlencarum problema (NETO, 2006). Algum que poderia ter foras (e competncia) para propor mudanasdentrodaestrutura.Gramscicolocaessaquestoquandofalada educaodosjovens.Todasasgeraeseducamseusjovens.Podehavere semprehatritos,questes,divergnciasdeopinio,mastudoistofazpartedo processoeducativo.Masalgunsjovensdaclassedirigentepodemserevelare buscaralternativasnaclasseprogressista,comointuitodetomaropoder.o momento em que os velhos de outras camadas passam a direo para tais jovens (GRAMSCI,1989).certoqueparaqueaideologiaseconstituaeficazmente,o discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo, ignorando as mudanas histricasquepossamviraacontecer(eefetivamenteacontecem)garantindoa continuidadedasrepresentaessociaisepolticaspr-determinadaspelaclasse dominante(CHAUI,1997).Otemordaideologiaodiscursofundadordenovas ideiasenoosgruposqueasdetm,porqueestesestoassociadossclasses dominantes, no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte, com seusintelectuaisatuantesconstituindo umacamada perifricaa elite,representada noapenaspelopartidoconservador,mas emvrioscasostambmpelosliberais. NumacitaodeFaoroBernardodeVasconcellos,osistemarepresentativoque entoospartidosconservadoreseliberaisdesejavamconstruircomsuagama defuncionrios,bacharisejuzesnosignificavaavontadepopular,maso governo dos melhores, dos mais esclarecidos, dos mais virtuosos. Entre o pas real eopaslegal,sosegundoestariaaptoadestilaraelite,opodercapazde modernizar,civilizareelevaropovo(FAORO,2004.p. 371),oquegarantiriauma modernizao dos quadros mas no o fim das oligarquias. O que vinha acontecendo asolidificaodeumprocessodedeslocamentodopoderdoschefeslocaisdo interiorparaaburocraciaestatalsediadanacapital;paraaCorte,eauxiliadapelo recente processo de construo de uma elite intelectual local. A concepo de um pas dividido em povo e plebe, que distinguia os chamados homens bons, cidados ativosdetentoresdeplenosdireitospolticos,proprietrios,profissionaisliberais, produtores, enfim, algum que fosse possuidor de certa renda, da massa pobre, sem alfabetizaoedependente(BASILE,2006).Asideiasmigram,semodificamum pouco e se acomodam em lados diversos, e as lideranas partidrias assinaladas (e outras tantas), que conhecem tal fenmeno e nele se sustentam, fariam de tudo para evitarqueaquelepolticofanadinhoe mal-educadosetransformassetambmem uma nova liderana. Alencar, nos anos que seguem ao trabalho no ministrio, sente a sade lhe escapar. umapocaemqueadoenanovamenteoalcanaeorefgiodesuacasana Tijuca,maisascaminhadasatavistachinesajuntocomMachadodeAssis,se tornam a melhor opo para recuperar-se. A poca,eleretoma um projeto deixado deladoapouco:aGuerradosMascates.Romancehistrico,masdenominadopelo autor de comdia histrica, em que satirizava seus companheiros de gabinete Alencar comenta em uma nota que no faria tal coisa os colegas deputados e (no poderia faltar em sua lista) D. Pedro II. Aproveitando-se de partes do episdio, que bastante documentado no perodo, cria uma caricatura da corte e suas ilustres figuras, um arremedo da poltica contempornea. Algo como uma vingana particular a que ningum poderia impetra-lhe culpa. Comoumaformadeterapia,embarcacomafamliaemjunhode1873parauma viagematoCear,ondeencontraamigoseumclimarevigorante.Ficaalipor algunsmeses,longedostrabalhosnaCorte,massempreencontrandoe conversandocomlideranaspolticaslocaisdiversas,semqueacorpartidria criassealgumempecilho.Era,paratodosali,oconselheiroAlencar,umfilhoda terra.ConheceduranteessetempoojovemCapistranodeAbreu,comquem comea uma grande amizade, e aonde j profetiza seu sucesso nas letras no Rio de Janeiro.Voltaparacasaemnovembro,eparaotrabalho.Adoenaoacompanha sempre. Alencar retorna a Cmara em julho para os debates da reforma eleitoral. Apesar do cansao e da constante fraqueza muscular, ainda um orador fervoroso.Combate veementementeaeleiodiretaesustentaqueasreformaspolticasesociais cabem a uma iniciativa do ministrio, sempre visando um centralismo administrativo. Alencarnuncadeixadeguiar-sepelasmetasdopartidoconservador,esabedo crescimentodosliberaisnointeriorondeamassavotanteestnasmosdos proprietrios de terra, em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizao dopoder.Alencarumpolticomoderado,algumqueconfiaemumamonarquia constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um pas de enormesdimensesqueoBrasil,desacreditandoassimdequalquerforma republicana que tendesse a uma descentralizao de poder e fortalecesse os chefes locais dispersos pelo territrio do pas. 1.4 LTIMOS ANOS No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises. Planeja uma viagem para a Europa,nabuscadeumacuraparasuasadejbastantedebilitada.neste mesmoanoqueretornaCorte,vindodeParis,JoaquimNabuco.Jovem,bem educado,filhodoSenadorNabuco.Suaprimeiraaopolticainiciar-sena imprensa. E, assim como Alencar o fez em seu incio de carreira, insurgir contra uma personalidade consolidada no cenrio literrio e poltico com paus e pedras na mo nocaso,onossobiografado-embuscadealgumreconhecimento.Trazda Europaumlivrodepoemas,publicadoemfrancs,queconseguecerta co