Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
LUÍS AMÉRICO SILVA BONFIM
O SIGNO VOTIVO CATÓLICO NO
NORDESTE ORIENTAL DO BRASIL:
MAPEAMENTO E ATUALIDADE
(VOLUME I)
Salvador
2007
LUÍS AMÉRICO SILVA BONFIM
O SIGNO VOTIVO CATÓLICO NO
NORDESTE ORIENTAL DO BRASIL:
MAPEAMENTO E ATUALIDADE
(VOLUME I)
Tese de Doutoramento apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal da Bahia –
UFBA, sob orientação do Prof. Dr. Ordep
José Trindade Serra.
Salvador
2007
Luís Américo Silva Bonfim
O SIGNO VOTIVO CATÓLICO NO NORDESTE ORIENTAL DO
BRASIL: MAPEAMENTO E ATUALIDADE
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Ordep José Trindade Serra (PPGCS/UFBA) (Orientador)
Prof. Dra. Maria Rosário Carvalho (PPGCS/UFBA)
Prof. Dr. George Evergton Sales (PPGH/UFBA)
Prof. Dr. Ronaldo de Salles Senna (UEFS)
Prof. Dr. Sebastião Heber Vieira Costa (FVC)
Salvador
2007
Aos meus pais Wadinho e Isa, que mais do
que existência, me deram essência
A Thaís Regianni Delavechia Bonfim,
que renova a cada dia a minha fé no
milagre da vida.
AGRADECIMENTOS
Neste santuário votivo particular, todos os meus agradecimentos serão poucos. A paciência é
um dom valioso para quem oferta e uma dádiva inesquecível para quem recebe! Antes de
tudo, gostaria de agradecer ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (especialmente ao
professor Antônio da Silva Câmara), pois só através da sua compreensão e misericordiosa
tolerância esta tese pôde ser concluída.
Agradeço especialmente ao professor Ordep José Trindade Serra, pela orientação, incentivo e
pelas intervenções iluminadoras que contribuíram decisivamente para a concretização deste
projeto.
Sou profundamente grato ao professor Milton Araújo Moura, amigo e entusiasta das primeiras
horas. Aos professores Inaiá Carvalho, Maria Rosário Carvalho, George Evergton Sales e
Sebastião Heber Vieira da Costa, pelas observações sempre oportunas e transformadoras. Ao
professor Ronaldo de Salles Senna. Também às pessoas que dedicaram seu tempo e boa
vontade, seja em depoimentos ou conversas informais, seja abrindo e fechando portas, ou me
conduzindo pelos tantos sítios votivos visitados: Walmary Capiberibe (Congonhas-MG), José
Almeida Lima (São Cristóvão-SE), Ricardo Veriano (Patu-RN), dona Brasília (Candeias-BA),
José Carlos da Silva (Maceió-AL), Juraci Pessoa Silva Santos (Paripueira-AL), José
Gonçalves da Silva (Murici-AL), dona Noíldes (Florânia-RN), padre Eridian Gonçalves
(Tacaratu-PE), Fernanda Germano, Osvaldo Gouveia, Cosma Miranda, Josete Batista Santos
e ao padre André Alexandre dos Passos Filho (Salvador-BA), Teresinha dos Santos Freire
(Milagres-BA), Robson Matos (Ibiqüera-BA), Adelmo Santana e Noêmia Eloi Santana
(Piaçabuçu-AL), José Olímpio da Silva (Zezinho rezador) (Maceió-AL), Maria Auxiliadora
Bezerra Gazetti, Cleide Bezerra e Antônio Romildo Bezerra (Santa Cruz do Capibaribe-PE).
Aos que me prestaram imenso apoio institucional: Regina Caldeira, pela cessão de farto
material bibliográfico; à Fundação Municipal de Cultura, Lazer e Turismo de Congonhas, nas
pessoas de Patrícia Fernandes Monteiro e Ana da Cruz Alcântara Campos Vieira; ao padre
Benedito da Rocha, reitor do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos (Congonhas-MG). Ao
Centro Cultural São Paulo (CCSP), na pessoa de Vera Lúcia Cardim de Cerqueira, cuja
gentileza e colaboração proporcionou um maior aprofundamento em pontos críticos desta
pesquisa. Ao apoio técnico de Clerivan Mascarenhas (produtor editorial), Damião Santana
(designer), Jorge Carvalho (geógrafo), Vinícius Lima (fotógrafo) e Artur Erlon (designer). Ao
amigo Laércio Vilas-Boas, pela presença e entusiasmo em diversas atividades em campo. A
Simone Maria Rosa Crisóstomo de Souza, Márcia Cirne, Alysson Santos e Anna Pagano
(UCSD/San Diego), pela devoção do seu precioso tempo, colaborando em missões especiais.
A Aura Lago Lopes, pela escuta de sempre. Ao querido amigo Melquisedeque Silva (Melqui),
que me apresentou aos ex-votos de Congonhas-MG, em setembro de 1999.
A todos os amigos que me contagiaram com seu entusiasmo e souberam me proporcionar
momentos de esperança e renovação das forças. Aos colegas que em diversas oportunidades
observaram, criticaram e transformaram esta pesquisa, dividindo as suas mesmas dúvidas e
certezas. Aos parceiros profissionais (diretores, coordenadores, professores e assistentes), pela
compreensão e permanente boa vontade. Aos meus alunos, que com muito bom-humor me
ajudaram a cumprir esta jornada.
Aos meus pais, Waldemiro e Eloísa Bonfim, a Thaís Regianni Delavechia Bonfim, e a toda a
minha família, pela paciência e incentivo infinitos, pela companhia permanente e pela
compreensão das minhas ausências.
In hoc signo vinces
Da visão de Constantino
RESUMO
Esta é uma tese dedicada à caracterização contemporânea da expressão votiva católica no
nordeste oriental do Brasil. Para tanto, vale-se de importantes fontes históricas que abordaram
o tema (principalmente no século XX) e dentro de uma perspectiva comparativista apresenta
possíveis categorias analíticas para a atualidade do fenômeno. Para a constituição da base de
dados foi utilizado o método etnográfico, com adesão de recursos fotográficos e cartográficos.
Os resultados são expressos em dois volumes: o primeiro apresenta um panorama histórico
das relações votivas na região em destaque, além das sínteses comparativas, dos sistemas
taxonômicos propostos e de uma Sinopse Estilográfica (SE), que expõe representações das
diversas matrizes tipológicas verificadas; o segundo apresenta as Fichas de Inventário de Sítio
(FIS), que têm como objetivo documentar descritivamente cada um dos locais considerados
neste mapeamento.
Palavras-chave: Expressão votiva católica; promessa; milagre; ex-voto; artes votivas;
Nordeste do Brasil.
ABSTRACT
This doctoral thesis examines the contemporary characterization of catholic votive expression
in northeastern Brazil. To this end, it utilizes important historical sources that address the
topic (particularly from the twentieth century). Applying a comparativist perspective, it then
suggests analytical categories for understanding catholic votive expression as it exists today.
Data were gathered using ethnographic methods, along with photographic and
spatial/cartographic methods. The results are presented in two volumes. The first offers an
historical panorama of votive relations within the selected region, in addition to a comparative
synthesis of the proposed taxonomies. It also features a Stylistic Synopsis (SE), which
provides representations of the diverse typological matrixes that were found. The second
volume presents the Site Inventory Form (FIS), which documents and describes each of the
sites considered in this ethnographic mapping.
Key words: Catholic votive expression; promise; miracle received; ex-voto; votive arts;
Northeastern Brazil.
SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...........................................................................................12
Prólogo.....................................................................................................................................12
1.1 Apresentação e fundamentação do problema................................................................14
2 TRAJETÓRIA DAS EXPRESSÕES VOTIVAS NO NORDESTE ORIENTAL
DO BRASIL.............................................................................................................................24
2.1 Um breve panorama histórico.........................................................................................24
2.2 O legado dos principais estudos sobre as práticas votivas no nordeste oriental
do Brasil...................................................................................................................................34
2.3 As trilhas do campo...........................................................................................................43
3 A PERSPECTIVA DO DOM NO CONTEXTO ETNOLÓGICO: TAXONOMIAS
DO FENÔMENO VOTIVO CATÓLICO............................................................................50
3.1 O sistema de prestações simbólicas e a circularidade do dom nas relações votivas
do catolicismo..........................................................................................................................50
3.2 Um Sistema de Prestações Totais: os perfis interacionais instados pela dádiva
votiva e sua institucionalização no grupo social...................................................................59
3.3 Sob o signo da solidariedade: outros estudos taxonômicos...........................................86
3.1.1 Classificação quanto às propriedades sígnicas............................................................88
3.1.2 Classificação quanto às formas expressivas.................................................................91
4 CONFRONTOS E DESCOBERTAS: OS VELHOS E OS NOVOS ESPAÇOS
SAGRADOS E SUAS PARTICULARIDADES.................................................................112
4.1 No rastro da Missão de Pesquisas Folclóricas...............................................................112
4.2 Os “santos populares” de Luís da Câmara Cascudo...................................................121
4.3 Os ex-votos do Senhor do Bonfim, a partir de Clarival do Prado Valladares..........126
4.4 Revisitando Alagoas: Théo Brandão e Alceu Maynard Araújo.................................134
4.5 Contribuições mais recentes à cartografia votiva no nordeste oriental do Brasil....137
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................147
REFERÊNCIAS....................................................................................................................150
ANEXO A – Ex-voto ofertado ao Senhor do Bonfim........................................................157
ANEXO B – Ex-voto ofertado a Nossa Senhora dos Remédios........................................158
APÊNDICE A – Quadro de visitações realizadas..............................................................159
APÊNDICE B – Localização geográfica dos sítios visitados.............................................166
APÊNDICE C – Rota 01 - janeiro - 2004............................................................................167
APÊNDICE D – Rota 02 - julho/agosto - 2006...................................................................168
APÊNDICE E – Rota 03 - outubro - 2006 e Rota 04a - dezembro - 2006/janeiro -
2007.........................................................................................................................................169
APÊNDICE F – Rota 04b – janeiro – 2007.........................................................................170
APÊNDICE G – Esboço classificatório das formas expressivas dos signos votivos........171
APÊNDICE H – Modelo de Ficha de Artefato...................................................................175
APÊNDICE I – Sinopse Estilográfica.................................................................................176
12
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Prólogo
“Milagre que fez o Sr. do Bonfim a menor Olívia Baptista Leite Borges que estando desenganada de febre amarela sua mãe implorou ao mesmo senhor foi atendida, 1892”1.
Dor e cura, promessa e milagre. No texto manuscrito de um quadro do final do século XIX
(vide ANEXO A), registra-se a profunda gratidão do devoto que retribui uma graça recebida.
Em tons pastéis, a pintura apresenta uma jovem enferma deitada sobre uma cama, olhar
cansado, corpo semi-coberto com um lençol branco e, sobre este, um lençol vermelho. Num
dos cantos da tela, à esquerda da menina de traços pouco femininos, projeta-se na parede uma
pequena e resplandecente imagem do Senhor do Bonfim, envolta por uma aura. Aos pés da
cama, uma mesinha assenta um copo de vidro e uma colher, ao que parece, sucedendo mais
uma tentativa de medicação. Mas eis que a menina se cura! E sua cura faz surgir o quadro,
testemunho de uma vitória, ainda que parcial, da vida sobre a morte.
Este objeto ofertado ao Senhor do Bonfim é o que se chama de milagre ou ex-voto2. O
advento desta oferta fecha um ciclo transacional que se imagina tão antigo quanto a própria
existência humana. Trata-se de uma expressão moderna da relação entre o frágil mundo dos
homens e o inexorável mundo dos deuses. É uma relação cujo modelo estrutural se mantém
semelhante em diferentes matrizes religiosas, desde a Antigüidade, entre os assírios e gregos
(CASCUDO, 2000, p. 220 e p. 382): há a figura do pedinte, sujeito que perece e se mostra 1Narrativa integrante de um ex-voto pintado, de autor desconhecido, pertencente ao acervo da Igreja do Senhor do Bonfim, Salvador-BA. Óleo sobre tela, 62 x 58 cm, s/d. In: ESTÓRIAS DE DOR ESPERANÇA E FESTA: Ex-votos baianos (Séculos XVIII-XX). Salvador: Museu de Arte da Bahia, 1999. 24p: il. Catálogo de exposição. 2 Comumente toma-se o termo como uma abreviação da expressão latina ex voto suscepto, que significa "por um voto alcançado", ou "em conseqüência de um voto". O dicionário Houaiss (2001, p. 1.294) o indica como um termo relativamente recente na língua portuguesa, cujo primeiro registro se deu em 1873. Segundo o folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo (2000, p. 220), o termo ex-voto é derivado do latim, votum, significando coisa prometida, e completa: “é o que se promete ao santo de devoção para se receber a graça, ou o que se oferece por tê-la alcançado”. Assim, é corrente entre os crentes localizar estas manifestações com o nome de “promessas”, quando apresentadas como um pedido (uma possível expressão do voto), e como “milagre”, designando, de fato, um testemunho de milagre (ibid., p. 382), expressando assim um ex-voto.
13
desamparado frente a questões da sua existência, o que o leva a formular pedidos de graças,
que são endereçados a um outro – aquele em quem se acredita lhe poder atender – e cuja
realização se sucede de um agradecimento, um gesto público, em geral, e do
estabelecimento, no agraciado, de um vínculo de confiança.
A oferta votiva, nem sempre apresentada de forma tangível3, é parte decisiva de um elo que
pode se estabelecer em uma única oportunidade, ou pode acompanhar aquele que pede ou que
recebe a benesse (conquanto nem sempre se trate da mesma pessoa) por toda a sua vida. Por
outro lado, o advento de uma dádiva pode se dar mesmo sem que houvesse um pedido por
parte do agraciado, o que pode lhe ensejar uma retribuição ou agradecimento.
Como ilustrou este caso do ex-voto ao Senhor do Bonfim, cuja devoção já caminha para além
de dois séculos e meio, há nos ciclos votivos4 católicos a repetição daquela antiga estrutura
fenomênica: a vicissitude, a devoção, o devoto, o voto (compromissado pela promessa), a
graça (ou milagre) e o ex-voto; o que configura um sistema simbólico dinâmico e vigoroso.
Os crentes (fiéis devotos) falam em milagre, graça, mercê; os estudiosos especulam sobre o
dom e investigam a efetividade de uma suposta intervenção divina. Entre prodígios e favores,
entre a crença e o ceticismo, esta tradição avança pelo tempo e se ajusta às novas realidades,
renovando-se frente a toda sorte de mudanças nos ambientes sócio-culturais onde existe. E é
destes ajustes que se pode constatar uma outra riqueza: a variedade das representações votivas
que expressam os “bens” transacionados. Improvisados ou manufaturados, comprados prontos
ou cuidadosamente preparados, estes artefatos mostram vigorosamente, numa perspectiva
comparativista, os contrastes simbólicos e expressivos entre as diferentes comunidades
católicas pelo mundo afora, comprovando a incrível persistência desta prática secular. Os ex-
votos expõem as influências do imaginário popular, dos sistemas de valores compartilhados,
do impacto das práticas produtivas; revelam parte considerável da vida cultural de um povo.
3 A consagração do voto e, principalmente, a retribuição do ex-voto, podem substituir a representação física (a natureza expressiva material do objeto do pedido ou agradecimento, que se manifesta desde a produção de pequenas peças à construção de grandes templos), por atos, interdições, obrigações, denominações, gestos ou ritos, vindo sempre a apresentar formas e valores litúrgicos dos mais variados. 4 Designarei neste trabalho o termo “votivo”, como amplo referente a tudo aquilo que concerne a estas relações do voto: súplicas, promessas, graças, milagres, oferendas, agradecimentos, devoções. Enfim, ao ciclo simbólico do dar-receber-retribuir dentro do campo religioso católico e suas variantes. Dessa forma, por “artes votivas” estarei considerando não só as manifestações de agradecimento (ex-votos), mas a expressão do compromisso e das formulações de pedidos (votos) e a firmação do vínculo devocional, valorizando as suas diversas dimensões, que resultam em realizações, objetos ou performances.
14
As expressões votivas são também uma fala, traduzem desejos e necessidades, expõem
sociabilidades, escondem e revelam preferências. Eis a riqueza sobre a qual se debruça este
trabalho.
1.1 Apresentação e fundamentação do problema
O título desta tese já aponta para o propósito de realizar um estudo antropológico sobre as
atuais condições de existência do fenômeno votivo no nordeste oriental5 do Brasil. Sem a
pretensão de contemplar plenamente as inumeráveis problemáticas suscitadas pelo tema, nem
de considerar, com semelhante plenitude, a riqueza dos seus possíveis vieses teóricos,
proponho através deste texto organizar categoricamente a distribuição espacial e analisar, no
contexto de fato social total, a atualidade do sistema votivo próprio ou derivado do
Catolicismo nesta região imaginária. Para tanto, constituí uma base de dados que será referida
em diferentes momentos deste texto. O recorte geográfico, aparentemente ambicioso na sua
extensão, foi definido em virtude de alguns elementos de ordem empírica, que foram se
modificando ao longo da pesquisa. Creio que vale à pena recobrá-los.
Ao iniciar o curso de doutorado, em março de 2001, elegi como foco central do estudo uma
análise comparativa das características narrativas entre ex-votos pictóricos e fotográficos,
considerando basicamente suas implicações dos processos produtivos e simbólicos. Parecia-
me um tema intrigante a mudança argumentativa (mais ainda, discursiva) gerada pela
transformação dos meios: a pintura expunha claramente uma liberdade criativa do tempo e do
espaço, a fotografia parecia-me deslocada no tempo, aprisionada num único espaço. Residia
neste contraste, entre a síntese analítica da pintura e a análise sintética da fotografia, o
problema inicial. Naquela época, o recorte geográfico delimitava a “sala dos milagres” de um
5 A delimitação do “nordeste oriental” que adotarei aqui é casuística. Em 1942, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estabeleceu uma divisão territorial que delimitou a atual região Nordeste em três microrregiões: o Nordeste Oriental (estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará), o Nordeste Ocidental (Maranhão e Piauí) e o Leste Setentrional (Bahia e Sergipe), numa classificação já superada do ponto de vista da metodologia adotada atualmente pelo Instituto. Portanto, este não é um limite cartográfico. Apenas para efeito de exposição desta tese e independente das convenções oficiais, admitirei como “Nordeste Oriental” uma porção desta grande região, que envolve áreas dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, campo que foi efetivamente observado ao longo dos últimos seis anos, especialmente por apresentarem um considerável volume de estudos prévios sobre o tema votivo católico.
15
sítio católico de tradição secular: o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, na cidade de
Congonhas-MG. O atrativo principal para aquele meu interesse era o conjunto de pinturas
votivas (89 peças, no total) que foram inscritas no livro do tombo da então Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional6, em 10 de dezembro de 1980.
Não foram necessários muitos meses para que eu descobrisse a complexidade e vastidão do
assunto dos ex-votos como objeto de pesquisa: a exploração do tema – fosse nas observações
em campo, fosse nas conclusões tiradas a partir dos diálogos bibliográficos – revelou-me
outras dimensões até então ocultas. Como é previsível nas fases iniciais de uma pesquisa, o
objeto e o campo pareciam se movimentar incessantemente. Os debates semanais nas
saudosas sessões acadêmicas – momento especial de partilhar com professores e colegas as
descobertas e entraves do desenvolvimento de um estudo que se quer científico –
apresentavam sempre algo de novo: um ângulo pouco visível do problema, uma ocorrência
inusitada do outro lado do país, num tempo mais próximo ou mais distante, um outro enfoque
teórico aparentemente mais ajustado para contextualizar o fenômeno. Tudo se avolumava, e
levava a crer que um estudo sintético sobre a expressão votiva contemporânea brasileira se
configurava como natural evolução deste nosso objeto. Era muito, contudo, para alguns
poucos anos de pesquisa, especialmente quando esta prazerosa empresa precisava dividir
tempo e espaço com numerosas e absorventes atividades profissionais7 – uma vez que desde o
começo do curso optei por não concorrer às bolsas de estudo institucionais.
Tempos depois, no retorno de uma viagem com o objetivo de conhecer centros votivos pelo
interior da região Nordeste, em janeiro de 2004, concluí que aquela área constituía um limite
empírico um tanto exeqüível. Isso se deu na percepção da relativa regularidade nas variantes
das peças votivas católicas locais – já em definitivo consolidadas como, literalmente, o objeto
etnográfico8 desta pesquisa – e de como estas se configuravam paradigmaticamente distintas
em relação às ocorrências similares do Sul-Sudeste do Brasil.
6 Hoje corresponde ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). 7 Naquela época, eu acabara de ingressar na docência superior, assumindo as disciplinas “História da Arte” e “Fotografia” em instituições particulares de ensino. 8 Passei a considerar na emergência votiva (especialmente nos ex-votos) as dimensões estética, teológica, comunicativa e tecnológica, tomando como referência a variação e produção de meios e materiais expressivos ao longo do tempo, além do modo de reconstrução narrativa dos fatos relatados, o que passava a envolver, necessariamente, uma discussão sobre os agentes transformadores destas manifestações.
16
A partir de então, busquei um contato maior com fontes de referências acerca dos estudos
votivos no Nordeste brasileiro. Era um assunto que já interessara a alguns pesquisadores –
especialmente até a década de 1970 – dos quais se destacaram Luís Saia9, Clarival do Prado
Valladares10, Alceu Maynard Araújo11, Maria Augusta Machado da Silva12, Luís da Câmara
Cascudo13, Théo Brandão14 e depois Lélia Coelho Frota15 e Marcílio Lins Reinaux16. Não
foram os únicos, certamente, mas foram os que tiveram maior projeção em seus trabalhos,
sendo citados em produções acadêmicas de variadas naturezas. Foram contribuições
fundamentais para o interesse inicial desta pesquisa, mas estava claro que todas elas se
mostravam excessivamente parciais ou desatualizadas, e urgiam por uma revisão. E cuidei de
ir revisitando os contextos destas referências, e de muitas outras mais.
Paralelo à construção deste quadro referencial, a crescente demanda de questões sobre a
vitalidade sócio-antropológica das práticas votivas do Nordeste do Brasil, que a esta altura eu
já designava como uma “sobrevivência do dom”, me levava a direções múltiplas e de
longuíssimos percursos teóricos. Só para se ter uma idéia da dimensão do problema, à época
do Exame de Qualificação – quando ainda se tangencia sutilmente a tessitura das conclusões
da tese – havia a pretensão de apresentar as três dimensões que eu considerava
imprescindíveis à compreensão plena deste nosso objeto: uma relacionada com a sua
aparência/existência (a presença e distribuição espacial, caráter e conteúdo do objeto votivo
dos ex-votos nordestinos), outra inerente à própria essência do dom (motivações fundadoras
das relações votivas, a gênese do milagre e a construção simbólica da sua representação) e por
fim, a dimensão relacionada à sua característica de persistência, já que emergia num território
simbólico disputado por diversas correntes religiosas e entremeado por intensas mudanças nas
9 Cf. SAIA, Luís. Escultura popular brasileira. São Paulo: Edições Gaveta, 1944. 10 Cf. VALLADARES, Clarival do Prado. Riscadores de milagres – um estudo sobre arte genuína. Rio de Janeiro: Superintendência de Difusão Cultural da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, 1967. 11 Cf. ARAÚJO, Alceu Maynard. “Ex-votos e ‘Promessas’” e “Milagres”, in Folclore Nacional, Vol. III, Ritos, Sabença, Linguagem, Artes e Técnicas, pp. 17-29, 2ª ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1967. 12 Cf. SILVA, Maria Augusta Machado da. “Ex-votos brasileiros”, in Revista Cultura, ano I, no 2, abril a junho de 1971, pp. 22-30. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1971 e Ex-votos e orantes no Brasil; leitura museológica. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1981. 13 Cf. CASCUDO, Luís da Câmara. “Religião no povo”, in Superstição no Brasil, 4ª ed., pp. 337-496. São Paulo: Global, 2001. 14 Cf. EX-VOTOS DE ALAGOAS: Museu Théo Brandão. Maceió: Universidade Federal de Alagoas, 1976. (Catálogo). 15 Cf. FROTA, Lélia Coelho. “Promessa e milagre nas representações coletivas de ritual católico, com ênfase sobre as tábuas pintadas de Congonhas do Campo, Minas Gerais”, in Promessa e milagre no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas do Campo, Minas Gerais. Brasília: Fundação Pró-Memória, 1981. 16 Cf. REINAUX, Marcílio Lins. Aspectos artísticos e históricos da estatuária e dos ex-votos do Nordeste. Dissertação de Mestrado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)/Centro de Filosofia e Ciências Humanas/Departamento de História/Mestrado em História, 1988.
17
práticas sociais. Era sem dúvida um rol de argumentos um tanto volumoso para o escopo de
uma tese de doutorado. E mais: ainda havia no plano de tese uma série de incoerências e
imprecisões no campo teórico, especialmente com relação ao binômio modos de pensamento
x modos de ação, à combinação prudente do método etnográfico com a análise da estrutura
das relações sócio-culturais, à interpretação das fontes e, principalmente, à percepção clara
desta expressão religiosa como fato social total.
Foram gastos muitos meses remodelando as relações instáveis entre um objeto hipertrofiado e
os limites concretos para a sua resposta conclusiva como texto antropológico. O passar do
tempo revelava que todas aquelas questões esbarravam numa necessidade premente de se
estabelecer, logo de princípio e com muito critério e clareza, onde e como se apresentavam os
pactos votivos na contemporaneidade nordestina, o que já não era tarefa pequena. A bem da
coerência e de um maior aproveitamento deste resultado, fiz cortes providenciais naquele
grande quadro teórico que se ensaiava, considerando nesta tese primeiramente a produção de
uma base de dados – que implica na definição e caracterização do mapa votivo no nordeste
oriental do Brasil, revelando sua natureza e estabelecendo uma comparação com os estudos
ou referências do passado, na perspectiva de atualizá-los, sem prejuízo das considerações
fundamentais acerca das suas mais decisivas particularidades sócio-antropológicas
contemporâneas. As perspectivas que porventura escaparem deste texto serão remetidas para
um minucioso acompanhamento num futuro próximo, desta vez como continuidade a esta tese
que se configura como um marco inicial dos meus estudos no campo da religiosidade popular.
Dessa forma, espero deixar claro que os questionamentos que alimentam o problema aqui
proposto advieram do meu interesse pessoal e ganharam outra dimensão quando
transformados em objeto empírico. Esta mudança (especialmente auxiliada pela banca
examinadora da atividade de Qualificação), bastante lenta, mas progressiva, requalificou o
meu primeiro olhar e remeteu o trabalho a um destino cheio de possíveis percursos teóricos e
metodológicos, alguns naturalmente limitados pela minha percepção de neófito, outros
considerados mais adequados à boa exploração do tema, o que espero ter podido demonstrar
na conclusão desta leitura.
Como o objeto deste estudo é um fenômeno dinâmico e de dispersa localização geográfica, as
fontes foram relativamente acessíveis, mas careceram de uma criteriosa documentação e de
uma apurada apreciação crítica. Tomei como fontes primárias:
18
- documentos relativos às atividades em campo empreendidas por pesquisadores,
constituídos, em sua grande maioria, no século XX, muitos compondo coleções públicas e
particulares, disponíveis em bibliotecas e centros culturais;
- a etnografia realizada em centros de devoção espalhados pela região Nordeste do
Brasil e em outras áreas de interesse comparativo. Isto inclui a produção de fichas de
inventário (vide as Fichas de Inventário de Sítio – FIS, no Volume II) e de fotografias e
filmes em vídeo, estes últimos dentro dos critérios teóricos e metodológicos da Antropologia
Visual17;
- coleção de objetos etnográficos, recolhidos ou adquiridos nos locais de devoção
(esculturas, fotografias, miniaturas, etc.), o que inclui os relatos escritos (nem sempre
anexados aos objetos votivos);
- depoimentos de devotos, colhidos diretamente (em visitas a centros votivos) ou,
indiretamente, tomados a partir de registros anteriores de outros pesquisadores, além de
depoimentos de líderes religiosos, gestores públicos e pesquisadores18;
E como fontes secundárias:
- pesquisa bibliográfica na literatura crítica existente sobre o tema das trocas votivas e
sobre os conceitos empregados na base teórica que orientou esta pesquisa;
- acervos iconográficos produzidos por outros autores sobre religiosidade popular,
práticas votivas e movimentos migratórios (especialmente ensaios fotográficos);
- obras literárias e produções artísticas e áudio-visuais inerentes ao tema em questão;
O uso feito da fotografia e da captação de áudio e vídeo facilitou bastante o acesso ao campo,
uma vez que devido à dispersão geográfica dos sítios observados e às grandes distâncias a que
ficam da cidade de Salvador (base desta pesquisa), foi possível recuperar representações,
textos, sons, detalhes de imagens, ambientes, enfim, foi possível revisitar o espaço empírico
17 O problema semântico que ainda domina esta disciplina permanece insolúvel. Há quem considere que a aplicação crítica dos métodos que envolvem a visualidade e os estudos da cultura, conforme fiz nesta pesquisa, se aproxime de uma “Etnografia Visual” (BATESON & MEAD, 1942; PIETTE, 1992,1996; GURAN, 2000). Uma outra corrente oriunda da Comunicação Social reivindica o viés da “Antropologia do Visual”, em especial quando se trata do estudo da comunicação de massa (CANEVACCI, 1990). Preferi pensar em “Antropologia Visual”, por entender que método, base teórica e posicionamento crítico se retroalimentam, fortalecendo, também, a visualidade como um campo natural do estudo da Antropologia. 18 Estes depoimentos, como se verá ao longo do texto, foram tomados dentro de contextos muito distintos, já que foram cedidos por agentes sociais com perspectivas contrastantes frente o fato votivo. Os devotos vivem efetivamente o fato. Líderes religiosos, gestores e pesquisadores, entre si e em relação ao fenômeno, mantêm distâncias críticas distintas.
19
com relativa praticidade. Vide o Quadro de visitações realizadas, no APÊNDICE A, e a
Localização geográfica dos sítios visitados, no APÊNDICE B.
É importante salientar que as fotografias que integram esta tese sempre foram tomadas dentro
de um contexto documental e arquivístico. Não as constituí como se pautadas fossem para
uma matéria jornalística, nem com o simples objetivo de ilustrar artisticamente o trabalho.
Desde o princípio, as fotografias, como este texto e o segundo volume que o acompanha (as
Fichas de Inventário de Sítio – FIS), tiveram a ambição de ser um documento etnográfico
sintético, situado no tempo e no espaço, reconhecendo assim a importância de se construir
fontes de referência na medida do possível claras e eficientes neste campo do conhecimento.
A delimitação da nossa Sinopse Estilográfica (SE, vide APÊNDICE I) tem como objetivo
expor, com numa bricolage (LÉVI-STRAUSS, 2005, pp. 33-49), a variedade e vigor
inventivo das expressões gratulatórias disponíveis por toda região em estudo. Esta seleção não
foi tarefa das mais fáceis. Após o exame dos variados sítios, cada um com seu amplo
repertório de tipologias (por caracteres expressivos, pelas bases de representação, pelas
ocorrências relatadas), foram desenvolvidos formulários (roteiros de observação) analíticos,
dos quais se geraram os mapas taxonômicos locais e, posteriormente, mapas globais, além das
Fichas de Inventário de Sítios, sínteses de cada local observado. Destas tabulações, foram
escolhidos os exemplares mais representativos de cada caso (já previamente fotografados, por
ocasião de cada visita), levando-se em conta suas propriedades descritivas e seu potencial de
síntese iconográfica e iconológica, assim constituindo a Sinopse Estilográfica (SE).
No decorrer do texto voltarei a considerar outras definições acerca deste corpus documental,
dos métodos de procedimento e do controle das técnicas e instrumentos de pesquisa, bem
como da construção (delimitação e caracterização) e controle do universo amostral.
Devo dizer que não assumi exclusividade com nenhum esquema teórico em particular, apesar
de considerar diferentes perspectivas com um pouco mais de ênfase em alguns momentos no
texto, com o cuidado de não perder o caráter de totalidade do objeto empírico em questão (o
fenômeno votivo). Nesta etapa de exposição deste frutuoso tema, optei por não focalizar
excessivamente em um argumento teórico específico, apesar das tentações, mas deixar o
objeto livre para se expor e estar disponível para futuras intervenções. Os argumentos básicos,
contudo, não puderam fugir às referências inspiradoras e sempre atuais acerca da prática do
20
trabalho de campo, do tratamento dos dados empíricos e sua transformação em texto
etnográfico (MALINOWSKI, 1978; EVANS-PRITCHARD, 1993; CARVALHO, 2002) e de
perspectivas concorrentes, nas considerações sobre uma “economia moral da reciprocidade”
no contexto do fato social total (MAUSS, 2003, 2005).
Convém relembrar ao leitor a preexistência de satisfatórios estudos sobre os ex-votos no
Brasil. Contudo, como já dito antes, além da permanente impressão de desatualização destas
fontes, uma vez que as mais importantes incursões no tema (especialmente na região Nordeste
do Brasil) foram feitas pelo menos há duas décadas, o fenômeno votivo católico não tem
figurado, exatamente, como um tema central nas pesquisas. Quase sempre aparecem
associados a outro objeto empírico19 ou como comentários dispersos no meio de uma
etnografia ou outro estudo disciplinar, sendo referidos apenas como parte da produção cultural
em questão. Isso acaba por definir uma tendência à parcialidade: não se expõe o fenômeno
votivo como um todo. Ele é sempre abordado por algum aspecto específico, por um viés
analítico por demais localizado. Mesmo os antropólogos, de um modo geral, têm passado ao
largo da síntese da estrutura das relações sociais e das formas de representação do fato votivo
católico. Até se encontram consideráveis contribuições nas adjacências do tema, mas estas
muitas vezes acabam por figurar como boas críticas de arte (já que muito raramente
transcendem a análise particular das peças, também as limitando à condição de resultado, de
produto final de um processo apenas superficialmente explorado) ou exaustivos comentários
em torno dos movimentos migratórios e das relações de poder no campo religioso. As
observações sobre o fato votivo em outras expressões religiosas (notadamente nas
denominações evangélicas e nos cultos de matriz africana) são ainda mais raras. Ao menos
foram até aqui.
Por outro lado, são freqüentes as alusões feitas à emergência dos ex-votos nas artes plásticas,
sejam estes tomados como fonte de inspiração a partir da essência primitiva presente no que
se chama genericamente de “imaginário popular”, seja como referência a experiências
pessoais. Também autores de grande destaque da literatura brasileira já deram um bom cartaz
ao tema das relações votivas: Machado de Assis, com o conto Entre santos20 [1896], Jorge
19 Cf. BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: teoria e metodologia. São Paulo: Metodista, 2004. 20 ASSIS, Machado. “Entre santos”, in Várias Histórias, pp. 23-30. São Paulo: Martin Claret, 2004. 157p.
21
Amado, com o romance Tenda dos milagres21 [1969] e o dramaturgo Alfredo Dias Gomes,
com a peça O Pagador de promessas22 [1960], este último um texto que expõe uma sempre
atual contenda acerca dos “limites territoriais” nas relações religiosas, um tema polêmico no
Brasil, mais ainda no estado da Bahia.
Após um atento exame da produção precedente, pode-se concluir que, de uma maneira geral,
há uma tendência em se considerar predominantemente as características tangíveis dos
artefatos e visíveis das práticas votivas, pouco havendo aprofundamento em seus sistemas de
relações sociais. Isto, repito, aponta para uma preferência pelo momento de concreção (e
conclusão) do ciclo, não do decorrer do rito religioso em si. É apenas um sintoma da escassez
de trabalhos que considerem nestas mesmas trocas votivas a dimensão teológica e os valores
subjacentes à performance do indivíduo na condição de crente (aspectos emocionais e
psicossociais) nesta demonstração de fé. Frente a esta evidência, creio ser possível afirmar
que os estudos já realizados sobre este tema não deferiram os ciclos votivos na perspectiva de
uma unidade fenomênica integrada e de maior abrangência social. A síntese de tantos vetores
não é, de fato, algo de simples conformação.
É certo que ainda não será nesta nossa contribuição acadêmica que a plenitude das
multidimensões votivas será contemplada. Talvez depois de muitas tentativas consigamos
isso. A salvo, no mínimo, este trabalho irá consolidar um esforço em perceber a unidade do
fato votivo atual. Pretendo dedicar meus próximos anos a ampliar e associar integrativamente
as diversas perspectivas plurais deste tema. Por ora, ficarei com a não menos complexa tarefa
de preparar solidamente a base de dados sobre a qual aquelas produções futuras irão se
debruçar. Sendo assim, faz-se oportuno esclarecer que o posicionamento crítico adotado
neste, que é um estudo no campo da Antropologia, não pretende privilegiar senão a
localização e funcionamento do fato votivo no nordeste oriental do Brasil, numa perspectiva 21 AMADO, Jorge. Tenda dos milagres. 40ª ed. Ilustrações de Jenner Augusto. Rio de Janeiro: Record, 2000. 323p. il. Adaptado para o cinema no ano de 1977, em longa metragem sob a direção de Nélson Pereira dos Santos. Disponível em vídeo (Manchete Vídeo). Adaptado por Aguinaldo Silva e Regina Braga para a televisão no ano de 1985, em minissérie produzida pela Rede Globo de Televisão e dirigida por Paulo Afonso Grisolli, Maurício Farias e Ignácio Coqueiro. 22 GOMES, Alfredo Dias. O pagador de promessas. 39ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. 95p. Peça teatral adaptada para o cinema no ano de 1962, em longa metragem sob a direção de Anselmo Duarte. Recebeu várias premiações no teatro e no cinema, das quais se destaca a Palma de Ouro do Festival de Cannes (França, 1962) como Melhor Longa Metragem, um feito inédito até os nossos dias. Foi indicado ao Oscar® de melhor Filme Estrangeiro. Disponível em DVD (Dynafilmes e Cinedistri, 2005). Adaptado pelo próprio Dias Gomes para a televisão no ano de 1988, em minissérie produzida pela Rede Globo de Televisão e dirigida por Tizuka Yamasaki. Antes já havia sido apresentada como teleteatro inserido no programa Fantástico, também da Rede Globo, em 1974.
22
comparativista, reconhecendo, através das suas manifestações e representações, o
engendramento dos ciclos e o sistema de relações sociais implicadas. Não pretendo, enfim,
assumir perspectivas típicas da Teologia, da Psicologia nem da Filosofia, apesar de
reconhecer o risco em tangenciá-las.
Além destas considerações iniciais, a exposição dos argumentos ficou dividida em mais três
capítulos: Em Trajetória das expressões votivas no nordeste oriental do Brasil, apresento um
breve panorama evolutivo das práticas votivas e sua chegada nesta região, considerando as
contribuições analíticas sobre o tema dentro e fora dos meios acadêmicos e como estas
balizaram a construção do mapa referencial aqui adotado.
No terceiro capítulo, A perspectiva do dom no contexto etnológico, apresento os resultados do
trabalho de campo, conjugando-os com a compreensão dos sistemas de relações sociais
implicados. Inicialmente contextualizo o sistema de prestações simbólicas e a circularidade do
dom nas relações votivas do catolicismo, recuperando o papel da dádiva como força motriz
nas relações sociais, à luz das leis da reciprocidade maussiana (MAUSS, 2003, p. 185-314).
Em seguida, caracterizo os perfis devocionais instados nestas relações votivas (as formas de
devoção, como se caracteriza este outro com quem se transaciona e suas relações
institucionais). A seguir, exponho a síntese taxonômica das expressões votivas, esclarecendo
os métodos construtivos e analíticos adotados. Trata-se de um estudo taxonômico geral,
baseado numa síntese de teor iconográfico e iconológico. Em resumo, procuro através da
exposição do universo amostral, criar um panorama matricial o tanto quanto possível claro,
com o intuito de identificar e descrever, na atualidade, onde, para quem, por que e como se
transaciona o dom votivo, levando-se em conta seus processos produtivos e as implicações
que geram.
No quarto capítulo, Confrontos e descobertas: os velhos e os novos espaços sagrados e suas
particularidades, apresento considerações mais focadas nos sítios votivos, antes numa
abordagem comparativa entre os centros que já foram objeto de um estudo mais sistemático
no passado, depois revelando e caracterizando os mais recentes centros devocionais da região,
no intuito de contribuir para a consolidação de uma cartografia votiva do nordeste oriental.
Concluo este trabalho abordando a “persistência” do dom nos milagres nordestinos. A esta
altura, aponto para as questões relativas às particularidades da renovação do culto católico na
23
região e para uma análise mais ampla das artes votivas no panorama artístico e cultural
brasileiro.
Antes do avanço às próximas etapas desta tese, é prudente informar o leitor de que a
empreitada que aqui se encerra deixa no ar uma certa ansiedade, ao confirmar que muitas
reflexões tiveram de ser desviados para um futuro próximo, uma vez que – seja pelos limites
da capacidade produtiva deste autor, seja pela complexidade das novas problemáticas
descobertas (sempre surgem!), seja pelo bem da unidade e coerência argumentativa que se
pretende numa equilibrada tese – muitos enfoques deixarão lacunas e interrogações. É certo
que equívocos poderão aparecer pelas próximas linhas. Refletirão, contudo, a oportunidade de
aperfeiçoamento e desenvolvimento desta contribuição primicial.
24
2 TRAJETÓRIA DAS EXPRESSÕES VOTIVAS NO
NORDESTE ORIENTAL DO BRASIL
E fez-se o templo prodigioso, monumento erguido pela natureza e pela fé, mais alto que as mais altas catedrais da terra. (...) Hoje, quem sobe a extensa via-sacra de três quilômetros de comprimento, em que se erigem, a espaços, vinte e cinco capelas de alvenaria, encerrando painéis dos passos, avalia a constância e a tenacidade do esforço despendido. Euclides da Cunha, Os Sertões [1902].
2.1 Um breve panorama histórico
Conquanto não seja recomendável superar os limites demarcados pelo escopo desta tese,
gostaria de pontuar, no princípio deste segundo capítulo, três ou quatro estações que julgo
fundamentais para a compreensão da origem e desenvolvimento do nosso objeto de pesquisa.
Em primeiro lugar, por este resgate dos fundamentos simbólicos das práticas votivas do
catolicismo parecer uma medida crucial para o entendimento da sua eficácia contemporânea.
Em seguida, por acreditar que, nos termos de um breviário estritamente pontual, podemos
determinar os cortes que constituíram as rupturas que serão os pontos de partida para futuros e
mais decisivos argumentos.
Não seria temerário pensar que as práticas votivas existem desde que existe o Homem.
Tampouco considerar que, desde os tempos imemoriais da Humanidade, estas práticas
seguem atreladas a um poderoso apelo estético. Ainda que sob controvérsias, as lições de
História da Arte indicam que boa parte das pinturas parietais e das estatuetas em pedra, típicas
do período Paleolítico Superior, foi produzida com intenção votiva23.
23 Foi-se o tempo em que havia um consenso a respeito do caráter mágico da arte da chamada Pré-História. Autores respeitáveis da histografia e da crítica de arte – JANSON (1996), HOVING (2000) – têm constantemente questionado os argumentos que sobrepõem o valor místico ao artístico: cavalos e bisões não eram exatamente divindades ou símbolos que a “humanidade primitiva queria emular” (HOVING, ib., p. 28), bem como um suposto culto à fertilidade nem sempre é claro, uma vez que não se faz nas pinturas uma indicação do sexo dos animais. Considera-se hoje que poderiam estar aqueles homens apenas exercitando suas capacidades criativas.
25
Em 1890, Sir James George Frazer publica O Ramo de Ouro, aquele que seria o seu mais
célebre estudo. Nesta obra, envolve as mais arcaicas práticas votivas dentro de uma lei de
similaridade, distinguindo-as como uma espécie de magia simpática. Na sua concepção, a
chamada magia imitativa permite que o semelhante produza o semelhante: “modelos de
peixes asseguram uma boa pesca, e a enfermidade pode ser curada por meio de oferendas
votivas que retratem a parte do corpo que está doente como se estivesse sã” (FRAZER, 1982,
p. 37). Eis a exata medida do que é proposto nesta expressão moderna ensejada pelas trocas
votivas: a representação daquilo que falta como meio expressivo em prol da sua obtenção.
Creio ser imprudente considerar propriedades mágicas, no sentido estrito do termo, às formas
contemporâneas das trocas votivas, sobretudo no Catolicismo. Contudo, não se pode ocultar a
ainda intensa força vital desta lei de similaridade, que guarda da sua origem o mesmo apelo
homeopático.
Na Grécia e Roma Antigas era costume se entregar oferendas em agradecimento aos
médicos24. Este agradecimento, normalmente sob a forma de placas ou tábuas votivas, refletia
ainda uma visão turva sobre a origem das doenças e das curas. A adoração ao grego Asclépio
(herói homérico e semideus da Medicina) e ao seu correspondente romano, Esculápio, era a
forma de se obter uma intervenção divina para os males da saúde. No Templo de Esculápio,
pessoas depositavam tábuas votivas, objetos e modelos das partes do seu corpo, pedindo ou
agradecendo curas (McKEEVER, 1998, p. 85-95). Aos poucos, as ações sanitárias e curativas
foram se tornando um ofício independente das relações religiosas, especialmente após as
intervenções de Hipócrates (460-356 a.C.), que “rompe com as lendas e superstições
sacerdotais dos Asclepíades” (TANCO, 2003, p. 123) e continua, até hoje, sendo considerado
o “pai” da Medicina. Mas independente dos avanços das ciências médicas, as transações com
um Outro25 (imaginário ou não) não cessariam por ali.
A mesma Roma da Antigüidade foi berço de uma notável página na história das trocas
votivas, que gostaria de lembrar sucintamente: o episódio da conversão de Constantino I, o
24 Em artigo publicado em meio eletrônico, o sociólogo português Luís Graça (2000), conta que o poder médico na Grécia de meados do primeiro milênio antes de Cristo era uma espécie de poder mágico-religioso, que se baseava na crença de que a cura da doença, embora operada por forças divinas, exigia uma intervenção de um medium, dotado de dom ou carisma. Resgata, inclusive, que o termo terapeuta vem do grego (therapeutés), significando originalmente “o que cuida, servidor ou orador de um deus”. 25 Ao considerar o termo Outro quero apenas destacar a expectativa e a projeção criadas pelo sujeito votivo na direção de um outro sujeito, que lhe é ideativamente superior e do qual se espera uma intervenção salvadora, seja este uma divindade constituída canonicamente ou não.
26
Grande26. Filho de Flávia Júlia Helena (247-c.327 d.C.), cristã convertida, Constantino
convenceu-se de que devia sua improvável vitória sobre o rebelde Maxêncio à intervenção do
Deus cristão e, em agradecimento à proteção da Santa Cruz, o imperador teria decidido
conceder liberdade de culto à cristandade no ano seguinte, através do Edito de Milão,
encerrando uma perseguição de quase trezentos anos. Naquele mesmo ano (313 d.C.),
Constantino reformulou a sua famosa Basílica (310-320 d.C., obra iniciada por Maxêncio),
construindo uma entrada principal (em substituição às tradicionais entradas laterais) e
transformando o que seria um enorme edifício público num novo modelo de edificação
religiosa (JANSON & JANSON, 1996, p. 88-96). Dois anos depois, erigiu um arco triunfal
com seu nome bem no centro de Roma, celebrando a esplendorosa vitória na batalha contra
Maxêncio. No passar dos séculos outra dádiva lhe foi atribuída: a canonização de sua mãe –
tornada Santa Helena – num reconhecimento à obra empreendida enquanto viva pela
conservação da fé cristã.
O que constatamos no resumo desta célebre passagem é a presença viva do dom, num ciclo
prestativo dinâmico e de proporções gigantescas. Dons, em verdade, e em muitas direções. A
narrativa da conversão de Constantino ilustra, com muita clareza, o esquema maussiano do
dar-receber-retribuir (MAUSS, 2003, p, 185-314), neste caso, sob a forma de confiança-
sucesso-fidelização. Existia para Constantino uma vicissitude: a incerteza da batalha que viria,
o temor pela derrota e um conseqüente sofrimento, a possibilidade iminente de perda e
fracasso. A inspiração recebida por ele foi um sinal. Convicto da sua eficácia, apresenta
publicamente um pacto de fé, dá um voto de confiança firmando um compromisso místico na
adoção do sinal da cruz. E é pela fé que julga ter sido vitorioso. Em gratidão, reconhece o
poder milagroso da divina cruz e permite (e incentiva) que este se espalhe por todo território
sob o seu domínio.
Não se sabe, ao certo, se Constantino se tornou cristão no calor destes episódios. É comum
encontrar notas que apontam sua conversão para perto de sua morte, décadas depois. Tudo
isso, contudo, soa pouco importante neste momento. O fato é que ainda sob sua liderança foi 26 Conta a tradição que, às vésperas da batalha contra Maxêncio pelo controle de Roma, em 27 de outubro de 312 d.C., o imperador vira no céu uma cruz em chamas com o escrito In hoc signo vinces (Com este sinal vencerás). Iluminado por aquela mensagem, ordenara o imperador que o monograma de Cristo fosse fixado nos lábaros e estandartes do seu exército, especialmente para enfrentar o inimigo. Naquela época a tropa do usurpador Maxêncio (que dominara a Itália e a África e buscava unificar o domínio ocidental) era mais numerosa e destra: totalizava quase 180.000 homens, contra pouco mais de 100.000 de Constantino (GIBBON, 1989, p. 178). Mesmo assim, o iluminado príncipe saiu vitorioso, após uma acirrada batalha na Ponte Milviana, da qual Maxêncio não sobrevivera.
27
proibida a prática punitiva da crucificação (o suplício da cruz) na vastidão do Império
Romano, o que indica uma salvaguarda do símbolo da sua máxima vitória. Com ele o
Cristianismo fincou as bases para se tornar, pouco depois, a religião oficial dos romanos, sob
o governo de Teodósio I (385 d.C.).
Assim, o Cristianismo transita de religião perseguida a religião de Estado. Este caráter
epopéico da virada cristã no mundo ocidental não seria capaz de lhe garantir uma sobrevida
de estabilidade e sem ameaças à sua continuidade. A consolidação do credo cristão na Europa,
especialmente na Idade Média, não foi tarefa das mais fáceis, já que as intensas lutas pelo
poder modificavam freqüentemente o mapa político-cultural da região. Contudo, em muitas
áreas do continente europeu a presença cristã resistiu às inumeráveis investidas contrárias.
Com o desembarque dos romanos em Ampúrias (218 a.C.), a Península Ibérica também
cresceu romanizada. Dividida administrativamente em três províncias, após as Guerras
Cantábricas (69 d.C.) – Bética, Lusitânia e Tarragona – a região conheceu na presença
daquele colonizador, num primeiro momento, o panteão greco-romano27 e, posteriormente, o
Cristianismo. A invasão dos povos bárbaros no século V (vândalos, suevos, alanos e depois os
visigodos) não chegou a ameaçar severamente a vitalidade do sentimento cristão na região,
apesar da renovada presença de um outro tipo de paganismo (germânico). Nova invasão à
Península viria no século VIII (711 d.C.), desta vez sob a sanha muçulmana, que a partir de
vários ataques berberes, permanecera no território Ibérico por quase sete séculos. Mesmo sob
a influência de outro sistema religioso, algumas áreas cristãs resistiram no extremo oeste
europeu, especialmente nas Astúrias, mais ao norte da Península, de onde surgiu
gradativamente a Reconquista Cristã. Com a independência do Reino de Leão, em 1139,
nasce o Reino de Portugal, tornado independente em 1143 e sacramentado em 1179 pela bula
Manifestis probatum, emitida pelo Papa Alexandre III, que tornava Portugal tributário da
Santa Sé, a sede do bispado da então poderosa e prestigiada Igreja Católica. Em 1492, com a
tomada de Granada pelos Reis Católicos – no que futuramente seria o unificado Reino de
Espanha – os islâmicos são definitivamente desbancados da Península Ibérica, marcando o
desfecho da Reconquista. A unidade do Cristianismo ficou comprometida por todo este
período na região, mas resistiu como sistema religioso e moral. 27 Dentre outros sentidos, o Cristianismo, após se consolidar como poder religioso oficial, refere-se à tradição do panteão greco-romano como Paganismo. Neste caso, define-o como um culto politeísta de caráter idolátrico, com forte ligação com a natureza. Por extensão, designava assim também a toda conduta religiosa que se opunha ao batismo cristão, e que tornava-se, desta forma, digna de perseguição.
28
Na passagem para o século XV, Portugal e Espanha já eram nações independentes e
bravamente lançadas ao Oceano Atlântico, em busca da expansão de seus mercados e, talvez
ainda sob o espírito das Cruzadas, em busca também da difusão da cristandade. E nesta
expansão ultramarina, Portugal aporta no Brasil, insuspeitamente batizado de Terra de Vera
Cruz, depois Terra de Santa Cruz28.
Setores da moderna historiografia brasileira têm considerado mais agudamente a primazia
deste objetivo religioso. Ainda em fins dos anos de 1940, Thales de Azevedo ressalta em seu
Povoamento da Cidade do Salvador que para Portugal a navegação era um imperativo
geográfico e econômico, então posto a serviço da criação de um império que deveria ser, a um
só tempo, base da existência nacional e a maior testemunha da fé cristã nos tempos modernos
(AZEVEDO, 1969, p. 31). Portugal já era uma nação poderosa, e tinha planos ambiciosos.
Independente dos intentos comerciais portugueses, este sentido de ampliação da influência
cristã transmutaria-se posteriormente na idéia de missão, especificamente empenhada na
salvação de almas (VAINFAS, 2000, p. 08), inicialmente das almas dos que aqui já se
encontravam.
Assim, em 1549 chegam os primeiros jesuítas, dispostos a transformar índios em cristãos. E a
Companhia de Jesus não teria uma tarefa simples: de princípio, os interesses dos religiosos
concorriam com os interesses mercantis que surgiam paralelamente. Os primeiros colonos,
ávidos para tornar o gentio em mão-de-obra escrava, colaboravam para o decreto de um triste
destino ao indígena brasileiro: a submissão a um novo senhor, fosse este o Nosso Senhor
Jesus Cristo ou um inconveniente e temível visitante para suas terras.
O nordeste do Brasil foi o berço da colonização, tendo as regiões de Pernambuco e do
Recôncavo da Bahia desenvolvido uma lavoura de cana-de-açúcar, construída em torno dos
engenhos, unidades econômicas privadas de complexa gestão. Toda a organização político-
social se orientava no sentido de garantir ao senhor-de-engenho o exercício pleno do seu
poder sobre suas terras, agregados e dependentes (ANDRADE, Manuel, 2005, p. 93). Gilberto
Freyre (2002, p. 91-92) destaca que foi justamente a iniciativa particular portuguesa a parte 28 Henrique Matos (2001, p. 27) informa que, segundo alguns autores, dom Manuel mudou o nome de Terra de Vera Cruz em Terra de Santa Cruz convicto de que a designação “Vera Cruz” (ou verdadeira cruz) só seria aplicável à chamada “cruz de Mamelar”, urna com relíquia de sua propriedade, que continha uma lasca da “verdadeira” cruz em que Cristo morrera, supostamente descoberta por Santa Helena, em 335.
29
mais efetiva na colonização do Brasil, mais até do que o próprio Estado. Seria ela a promotora
da mistura de raças, da agricultura latifundiária e do desenvolvimento de grande e estável
colônia agrícola nos trópicos, com um modelo de família rural ou semi-rural, de caráter
patriarcal e aristocrático, cujo domínio só seria comparável ao da Igreja Católica (ib.).
Portanto, além do assédio da indústria açucareira pela mão-de-obra cativa, havia a natural
resistência do gentio aos novos conceitos religiosos. Sob a iniciativa do padre José de
Anchieta29, a mensagem cristã fora adaptada à linguagem local, buscando uma assimilação
dos fatos bíblicos pelos povos nativos. Vainfas (2000, p. 16) considera também que este
catolicismo ensinado e dramatizado em “língua geral” mormente pudesse ter sua eficácia com
os culumins (crianças). Entre os adultos, tal método trazia o grande risco de ser assimilado à
moda Tupi. De fato, as Santidades confirmaram esta ameaça, garantindo, especialmente em
parte do Recôncavo baiano, farta ocupação para a Visitação do Santo Ofício, em 1591.
De uma forma geral, o Cristianismo implantado no Brasil trouxe forte marca do catolicismo
português de extração medieval: a providência divina, a interseção poderosa dos santos e o
caráter laical do culto, com suas devoções e manifestações externas (MATOS, 2001, p. 45).
Em outra oportunidade, Thales de Azevedo (2002, p. 36) afirmou que o catolicismo brasileiro
herdou da cultura portuguesa certa brandura, tolerância e maleabilidade, talvez possibilitando
o fato de que muito do que se assimilou coletivamente foi compartilhado fora dos círculos da
formalidade. E completa, dizendo que este culto católico se manifesta também por meio de
promessas propiciatórias, com oferendas materiais ou “sacrifícios” aos santos para que
atendam as súplicas dos seus devotos (ib.). Certamente Azevedo referia-se às transações
votivas, que chegaram de Portugal, literalmente, a bordo das primeiras caravelas que
cruzaram o Oceano Atlântico.
Numa exposição realizada no Museu de Arte da Bahia, em Salvador, entre abril e junho de
1999, foram apresentadas 57 pinturas votivas portuguesas que datavam de 1656 a 1894.
Comemorativa dos quinhentos anos dos Descobrimentos portugueses, a mostra remetia à
bravura dos grandes viajantes e descobridores, que se lançando em venturosa missão, corriam 29 Considerado hoje o “apóstolo do Brasil”, o padre José de Anchieta (1534-1597) foi ordenado sacerdote em Salvador, em 1565. Já no século XVII teve seu processo de canonização aberto na Santa Sé, tornando-se venerável em 10 de agosto de 1786. Somente em 1875, por iniciativa de Dom Vital Oliveira, bispo de Olinda-PE, o seu processo de beatificação teve continuidade. Foi declarado beato pelo papa João Paulo II, em 22 de junho de 1980, que destacou suas atividades pastorais em prol da conversão cristã dos índios brasileiros (LIRA, 2006, p. 46-47).
30
o sério risco de não conseguir iniciar outra vida neste novo destino, ou mesmo sequer retornar
para o conforto dos seus lares na Europa. As pinturas expostas remetiam, predominantemente,
aos problemas encontrados na travessia: tormentas, tempestades, temporais, tufões,
naufrágios, saques, seqüestros. Enfocavam também vicissitudes em terra firme, especialmente
doenças e “perigos de vida”. Eram obras feitas sob três técnicas: óleo (sobre tela, madeira,
folha de flandres e cobre), aquarela (sobre papel) e têmpera (sobre papel). Apresentavam
ainda uma estrutura formal constante, com a presença da divindade (cercada por uma aura)
variando entre os cantos superiores direito e esquerdo, um relato manuscrito no quarto ou no
quinto horizontal inferior da tela e a representação das cenas ocupando o restante da área, algo
entre 40 e 60% do plano total (vide a reprodução fotográfica de um destes quadros no
APÊNDICE I – Sinopse Estilográfica, sob o número 125 – SE125, como doravante irei
designar as remissões à base iconográfica desta tese).
As narrativas clamavam principalmente por Jesus Cristo e por Nossa Senhora (sob variados
títulos). Menos de uma dezena delas se dirigiam a outros santos. Em especial, duas citavam
São Gonçalo de Amarante, santo de origem portuguesa. Os relatos manuscritos seguiam
também um modelo: “Mercê/milagre30 que fez _________ [nome do santo] a _________
[nome do agraciado] que _________ [descrição do fato, com citação do local e data]”. São
notáveis as incorreções gramaticais em alguns destes relatos, o que indica sua construção fora
dos meios mais cultos.
Esta foi a expressão inicial de oferta gratulatória que os brasileiros conheceram pela
influência da cultura religiosa portuguesa. E foi, como veremos, um modelo que aqui se
ampliou criativamente para outras formas expressivas. Em texto integrante do catálogo da
referida exposição, Joaquim Oliveira Caetano (1998, p. 13-19) destaca o problema da
produção artística religiosa de Portugal nos séculos XVI e XVII, com especial atenção para as
pinturas votivas. Numa crítica à baixa qualidade técnica da chamada “pintura popular”,
aponta os dois valores de aderência que são suscitados pelas imagens: a aderência estética e a
aderência devocional. De um lado, a qualidade artística, do outro a resultante da eficácia
demonstrada da imagem como intermediadora entre o crente e a divindade. Se esta dicotomia
30 Segundo aquela amostra, o termo mercê era mais utilizado nas pinturas que datavam do século XVII, até meados do século XVIII, não aparecendo em pinturas do século XIX. Já o termo milagre aparecia nas telas do século XVIII e se repetia por todo o século XIX. No campo empírico, do que foi possível ver de ex-votos originais do século XX e deste princípio do século XXI, não registrei ainda o termo mercê, sendo as expressões milagre ou graça as mais utilizadas pelos devotos.
31
não chegou a se tornar um tema de considerações tão inflamadas na Crítica da arte colonial
brasileira, certamente se constitui como um ingrediente instigante para envolvermos nesta
nossa observação.
Normalmente se associa este período das artes do Brasil e da Europa aos novos paradigmas
impostos pela Reforma Tridentina (1545-1563). A confirmação do culto às imagens pela
Igreja Católica – um dos principais pontos de oposição dos reformistas protestantes – abriu
um vasto espaço de renovação para as artes visuais. Em Portugal isso incorreu na proliferação
de artistas, nem sempre de notável talento. No Brasil, colônia germinal, a consolidação do
Cristianismo dependia necessariamente do aporte do sistema visual, uma vez que já se
reconhecia as barreiras da linguagem e a discrepância intelectual dos que aqui se
encontravam. De todo modo, mais imperativo do que a destreza dos artistas na construção
icônica das imagens religiosas de consumo local, estava a necessidade de assimilação das
imagens mentais do catolicismo. Os primeiros artistas no Brasil eram religiosos, a maioria
deles jesuítas, como os freis pintores Manuel Álvares, Manuel Sanches e Belchior Paulo,
todos atuando no século XVI, seguidos pelo frei Agostinho da Piedade, notável escultor. Por
isso a arte religiosa brasileira, sobretudo neste seu alvorecer, teve um caráter didático. Por
outro lado, foi ganhando, com o passar do tempo, um sentido mais popular, profano em certo
sentido, livremente interpretado pelos homens do povo, paulatinamente conduzidos ao ofício
artístico pela via dos feitos religiosos.
Tudo indica que esta primazia na chegada contribuiu para a popularização da pintura como
principal revelação ex-votiva no Brasil. Maria Augusta Machado da Silva relata que a
primeira notícia sobre pinturas ex-votivas em terras brasileiras foi dada pelo Frei Agostinho
de Santa Maria31, referindo-se ao santuário de Nossa Senhora da Peña de Jacarepaguá, no Rio
de Janeiro, que tem registros anteriores a 1664 (SILVA, 1981, p. 51). Contudo, as povoações
que iniciaram a ocupação pelo litoral puderam traduzir com notável fervor devocional –
especialmente depois do segundo século da colonização – uma outra forma genuína de
agradecimento: a construção de templos em louvor a santos católicos, guardiões quase sempre
associados às temerosas condições de travessia do Atlântico e às difíceis condições de vida no
Brasil dos primeiros tempos, como se pode confirmar no Recôncavo baiano. 31 “(...) todos vão a impetrar da Senhora o remédio de seus trabalhos e necessidades, & as paredes d’aquella casa estão dando testemunho de suas maravilhas, nas memórias que se vêem pender, como são mortalhas, QUADROS & muitos outros signaes de cera e outros desta qualidade estão pegoando o grande poder da Rainha dos Anjos” (in SILVA, 1981, p. 51).
32
Data de meados do século XVIII um curioso testemunho votivo sobre as prodigiosas
intervenções divinas aos que vinham tentar vida nova no além-mar português: três grandes
painéis de azulejo em torno do altar-mor da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem (vide a
Ficha de Inventário de Sítio número 01, no VOLUME II – FIS02, como doravante irei
designar as remissões à base de dados etnográficos desta tese), na cidade de Salvador,
primeira capital do Brasil. Doados como ex-votos entre 1743/46 (SCT-BA, 2000), agradecem
a intercessão divina que fez Nossa Senhora a Bernardo da Costa e Antônio Dias, ao salvar a
comitiva do primeiro de um embate com quatro naus de mouros em meio a um grande
temporal, em 1726, e ao interceder igualmente sobre o segundo, num outro embate contra
duas naus mouras, também em 1726, além de tê-lo salvado de uma queda ao mar, em 1731.
As pinturas chegaram em meados dos setecentos, mas quase trinta anos antes, em 1712, lá já
estava a venerável figura de Nossa Senhora da Boa Viagem, levada pelos franciscanos (ib.) e
devidamente abrigada na sua igreja, anexada de um hospício. A poucas centenas de metros
dali ainda repousa a igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat (FIS03), na Ponta do Humaitá,
com o mar da Baía-de-Todos-os-Santos batendo às suas portas. E do mesmo modo a capital
baiana também clamou pela mercê salvadora de Nossa Senhora da Penha32 e do Nosso Senhor
Bom Jesus do Bonfim33, cujos oragos foram estabelecidos nos arredores do bairro da Boa
Viagem, e confirmam, pelas denominações, o apego dos habitantes dos nossos primeiros
tempos à intervenção divina para bem chegar, bem permanecer e bem partir (desta terra e
32 Como também nos litorais de Vitória-ES (1570), João Pessoa-PB (1763), Rio de Janeiro-RJ (1728) e mesmo defronte à cidade de Salvador (em localidade homônima na extremidade oeste da Ilha de Itaparica) há templos dedicados a Nossa Senhora da Penha. A penha representava a sinalização natural salvadora dos náufragos e dos que pereciam no mar: a rocha saliente que se avistava de longe e para onde se guiavam as embarcações. É uma devoção de origem espanhola, trazida ao Brasil pelos portugueses. No Rio de Janeiro, a origem ao culto contraria a motivação marítima, com uma lenda que relata a intercessão de Nossa Senhora na salvação de um senhor de engenho quando atacado por uma cobra, na subida de uma colina, onde hoje se localiza a igreja mariana, considerada uma das mais requisitadas na cidade do Rio de Janeiro (MEGALE, 2003, p. 40). 33 O termo “bom fim” define um rito de passagem: a boa morte, o “bem morrer”. No Brasil de antanho, a partida ideal para o mundo dos mortos, especialmente entre os mais abastados, deveria contemplar o passante não apenas dos indispensáveis sacramentos cristãos (comunhão, penitência e extrema-unção), mas de uma assistência solidária de todos os seus entes mais próximos. João José Reis acrescenta que “a boa morte significava que o fim não chegaria de surpresa para o indivíduo, sem que ele prestasse conta aos que ficavam e também os instruísse sobre como dispor de seu cadáver, de sua alma e de seus bens terrenos” (REIS, 1991, p. 92). O “bom fim” era garantia de distância do inferno. E com fé no Nosso Senhor do Bonfim, foi trazida de Portugal para a Bahia, em 1745, uma imagem-reprodução de Cristo crucificado diretamente da Igreja de Setúbal, pelas mãos do Capitão-de-Mar-e-Guerra Teodósio Rodrigues de Faria. O culto iniciou-se na Igreja da Penha (VALLADARES, 1967, p. 38), sendo nove anos depois conduzido para a igreja do alto da colina de Itapagipe (construída como uma oferta votiva), onde se encontra até hoje. Para Valladares, a característica mais relevante para a evocação ao Senhor do Bonfim “é a de socorrer nas angústias da morte próxima, nos perigos e na beirada das grandes frustrações”, sendo chamado de “nosso Pai”, “o Poderoso”, “o meu Senhor”, “o meu bom Senhor” (ib., p. 18).
33
desta vida!). A presença dessas construções logo na entrada da cidade vem a confirmar o
antigo ditado português que sentenciava “se queres aprender a orar, entra no mar” (RISÉRIO,
2004, p. 63).
A atualidade destas devoções na cidade de Salvador aponta para circunstâncias variadas. No
caso de Nossa Senhora da Boa Viagem talvez o painel de azulejos seja ainda hoje a mais
visível referência às práticas votivas. Não obstante a grande movimentação nos festejos da
procissão marítima de Bom Jesus dos Navegantes, no dia 1º de janeiro – que se inicia e se
encerra naquela igreja e é seguida de uma festa de largo, outrora muito prestigiada – não se
verifica ali a presença de oblações recentes. Isto não indica, contudo, um enfraquecimento das
relações devocionais ou mesmo votivas. Ainda que seja um acontecimento de forte tradição
católica, a festa de Bom Jesus dos Navegantes – cuja devoção, segundo Pierre Verger (1999,
p. 76), foi instituída pelos capitães e pilotos dos navios que faziam o tráfego da Costa da
África – divide a preferência dos fiéis baianos com a não menos famosa festa de Yemanjá,
comemorada no dia 02 de fevereiro, data em que também se comemora Nossa Senhora dos
Navegantes e Nossa Senhora das Candeias34. É certo que a movimentação de ofertas votivas é
nitidamente mais volumosa e diversificada na praia do Rio Vermelho, onde a festa de
Yemanjá exibe uma autêntica cerimônia popular de origem afro-brasileira, tornando quase
imperceptível a presença católica, que apesar da proximidade, não celebra missas neste dia na
Igreja de Santana, localizada ao lado da casa dos pescadores, local de onde saem os balaios
com os presentes para serem ofertados à “Rainha do Mar” (SE01 a SE12).
O culto ao Senhor do Bonfim (FIS02) é que conhece um processo de sincretismo religioso
bem mais intenso. Dono da mais famosa e prestigiada “sala dos milagres” da cidade de
Salvador, tem na sua festa o ponto alto do encontro entre as práticas católicas e as dos cultos
de origem africana, já que o Senhor do Bonfim é sincretizado com Oxalá, divindade da
criação (VERGER, 1999, p. 79). O que se vê na Igreja é um fervor religioso que permanece
vivo pelo ano todo, há mais de dois séculos e meio. Sua tradição votiva permanece tão forte
que sobre a sala dos milagres se instala um organizado museu de ex-votos (SE13), onde se
encontra peças tão antigas quanto a própria devoção.
34 Pierre Verger afirma ainda que, no Brasil, Yemanjá é sincretizada com Nossa Senhora da Imaculada Conceição, festejada no dia 08 de dezembro, mas na Bahia se faz uma abstração ao sincretismo que liga Oxum a Nossa Senhora das Candeias, o que pra ele confirma que as associações sincréticas entre os deuses africanos e os santos da Igreja Católica não são de uma rigidez e rigor absolutos (VERGER, 1997, p. 192).
34
Por outro lado, a igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, uma devoção de origem
espanhola, é outra que já teve um movimento votivo muito mais intenso. Localizada em ponto
estratégico na Baía-de-Todos-os-Santos, tem à sua frente um farol que ainda hoje orienta os
navegadores. Luiz Mott (1993, p. 15-16) lembra as palavras de Agostinho de Santa Maria35,
ao descrever a vitalidade religiosa naquele templo mariano de outrora. Lá foi depositado um
quadro que relata, em português arcaico, outra mercê miraculosa de Nossa Senhora (vide
ANEXO B). Datado de 1749, expõe um agradecimento de Agostinho Pereira da Silva à
Virgem Nossa Senhora dos Remédios por uma série de benesses, desde o restabelecimento de
sua saúde até sua sobrevivência em emboscadas e ataques de animais. Hoje esta pintura
encontra-se no acervo do Museu do Mosteiro de São Bento36, e como na igreja de Nossa
Senhora da Boa Viagem, já não há mais sinais vigorosos e volumosos das tradicionais
oblações. O que pude observar foram duas situações curiosas ali, na Ponta do Humaitá: na
primeira, a presença de chaves (com ou sem chaveiros) depositadas aos pés de uma réplica da
imagem de São Pedro Arrependido37; a segunda, a oferta freqüente de alimentos lançados ao
mar, nas pedras em frente à igreja, numa prática ofertiva comum dos cultos afro-brasileiros.
Após esta sucinta reconstituição do trajeto das práticas gratulatórias do catolicismo até o
Brasil, acredito que já é possível considerar o histórico de pesquisa destas relações votivas no
nordeste oriental, bem como esclarecer de que modo seus dados resultantes foram apropriados
e transformados num mapa referencial fundamental para a concretização deste estudo.
2.2 O legado dos principais estudos sobre as práticas votivas no nordeste
oriental do Brasil
35 “não só neste dia, mas em todo o decurso do ano, é frequentado o santuário desta Senhora com romarias e novenas, e ali se ve pender muitos quadros que lhe oferecem os que escapam dos naufrágios ou de perigosas enfermidades” (SANTA MARIA in MOTT, 1993, p. 15-16). 36 Como foram os religiosos da Ordem de São Bento os principais divulgadores da devoção a Nossa Senhora do Monte Serrat no Brasil (MOTT, 1993, p. 15), parece natural a sua responsabilidade na guarda das relíquias marianas. A própria Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat é um dos dois mosteiros beneditinos na cidade de Salvador-BA. 37 A escultura de “São Pedro Arrependido” é atribuída ao frei Agostinho da Piedade, apesar da contestação de alguns estudiosos, por conta da descontinuidade que apresenta ao conjunto de sua obra (LEITE, 1979, p. 111-113).
35
Uma das razões que concorreram para a eleição do recorte geográfico desta tese foi o fato de
ser relativamente farta a documentação sobre a tradição votiva católica no Nordeste do Brasil.
Alguns estudos, uns mais outros menos sistemáticos, já foram realizados sobre esta temática,
a maioria deles em meados do Século XX. Os primeiros contatos que mantive com essas
fontes revelaram o inevitável efeito do tempo. Procurei observá-las com o cuidado de
reelaborar seus indicativos, dentro da perspectiva de uma etnografia histórica. A tarefa se
iniciou com a abertura de uma base de dados sobre os ex-votos do Nordeste, relacionando
cidades, devoções e formas de devoção, artefatos produzidos e o perfil dos pesquisadores e
suas estratégias de abordagem, tudo isso a partir de fontes bibliográficas, documentários
fotográficos e videográficos e de relatos publicados em meios alheios aos rigores acadêmicos
(internet, por exemplo). Esta etapa do trabalho revelou um entrave reincidente: a maioria
daqueles dados iniciais era por demais econômica na caracterização do percurso metodológico
adotado nas observações. Não se tratava, na maioria das vezes, de trabalhos etnográficos
propriamente ditos, mas de observações e coletas mais ou menos livres, seguidas de uma
tentativa de organização do material. Muitas informações eram pulverizadas, desencontradas
ou imprecisas na caracterização do tempo e do espaço. Nem sempre havia exatidão na
localização das coletas de objetos, por exemplo; ou então não se expressava claramente o tipo
de sítio devocional ou a invocação religiosa correspondente. Posso comparar esta etapa da
pesquisa à montagem de um quebra-cabeça, quando se desconhece o número total de peças e
a imagem que se pretende formar.
Daqui em diante, apresentarei como foi feito o traçado dos mapas destas principais referências
históricas e geográficas, comentando a natureza e conteúdo das fontes e suas mais relevantes
colaborações. Vale a ressalva de que apenas apontarei as contribuições que serviram de base
para a criação da malha indicial da minha observação, deixando para os próximos capítulos a
crítica sobre o contraste destes dados no passado e no presente.
O ponto de partida rumo à constituição deste repertório histórico-referencial se deu ainda no
ano de 2001 – quando o foco da pesquisa se voltava especificamente para o santuário mineiro
de Bom Jesus de Matosinhos – a partir da leitura de um breve estudo de autoria da
antropóloga Lélia Coelho Frota: Promessa e milagre no Santuário do Bom Jesus de
Matosinhos, Congonhas do Campo, Minas Gerais38 (1981). Trata-se de um texto curto, um
38 O texto integra um catálogo publicado pelo então Ministério da Educação e Cultura quando do tombamento pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de um conjunto de ex-votos depositados à devoção do Bom Jesus
36
dos primeiros trabalhos que destacaram os impactos da mudança tecnológica sobre as formas
de representação dos ex-votos no Brasil. Na seção “Milagres esculpidos, modelados,
recortados & outros”, a autora apresenta um retrospecto de importantes estudos nacionais
sobre os ex-votos, relacionando o estado daquelas peças contemporâneas mineiras (de
produção seriada) com o antigo feitio artesanal. Já na seção “Tempo e espaço na
representação do sagrado”, Frota cita Henri Hubert e Marcel Mauss, situando-os na discussão
do “religioso” e do “sagrado”. Causa surpresa notar a presença do autor do Ensaio sobre a
dádiva e d’As Técnicas do corpo não estar diretamente associada às discussões acerca dos
sistemas de prestações simbólicas (já que falava de graças e promessas) ou mesmo das
questões do corpo. Certamente era outra a proposta daquela breve introdução aos ex-votos
mineiros. Descobri ali um valioso guia de referência, pois pela primeira vez, tomei
conhecimento dos estudos semelhantes realizados por Luís da Câmara Cascudo, Luís Saia,
Clarival do Prado Valladares, Veríssimo de Mello e Gilka Correia de Oliveira.
A proximidade e até certa familiaridade39 com a devoção ao Senhor do Bonfim, na capital
baiana, foram fatores determinantes para o despertar do meu interesse sobre a leitura dos ex-
votos feita por Clarival do Prado Valladares. Em seu livro Riscadores de milagres: um estudo
sobre arte genuína (VALLADARES, 1967), um dos mais interessantes estudos brasileiros
dedicados ao assunto, o historiador e crítico de arte nos deixa um notável inventário das “salas
dos milagres” da Igreja do Bonfim, analisando, com muita objetividade e critério, quase 150
peças votivas de diversas tipologias, fruto de duas incursões ao lugar, a primeira entre 1939-
40 e a outra entre 1960-6140. Além disso, o livro apresenta generosas fontes históricas sobre
as práticas votivas no mundo ocidental e um pequeno estudo acerca da “arte cemiterial
popular” da capital baiana – o que, futuramente, se tornaria um amplo e exaustivo tratado
acerca das artes funerárias brasileiras41. Vale menção sua vasta e preciosa obra sobre a
de Matosinhos: 89 pinturas realizadas do século XVIII ao século XX. O sítio já era tombado nacionalmente desde 1939. Em 1985 o Santuário foi tombado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Patrimônio Cultural da Humanidade. 39 A Festa do Senhor do Bonfim (a Lavagem do Bonfim) já havia sido objeto de pesquisa acadêmica, entre os anos de 1998 e 2000, por ocasião da minha atividade de mestrado (BONFIM, 2000). O trabalho versava sobre a contribuição da obra fotográfica de Pierre Verger na construção da identidade cultural baiana, e produzi, num contexto comparativo (de correspondência biunívoca) com as imagens de Verger (1990), um documentário fotográfico da festa. 40 Apesar do considerável intervalo entre as duas visitas, o autor não revela conclusões sobre algum tipo de ação do tempo sobre as peças e expressões votivas observadas. Tampouco se aprofunda em direção a uma análise das relações religiosas. Seu enfoque é meramente voltado para a crítica de arte. 41 Cf. VALLADARES, C. P. Arte e sociedade nos cemitérios brasileiros. Um estudo da arte cemiterial ocorrida no Brasil desde as sepulturas de igrejas e as catacumbas de ordens e confrarias até as necrópoles secularizadas. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. 2v.
37
produção artística do catolicismo brasileiro, em especial na região Nordeste, que documenta e
valoriza, indistintamente, as inspirações de origens erudita e popular.
Não se passou muito tempo e surgiu o interesse em conhecer melhor o legado da Missão de
Pesquisas Folclóricas. Organizada em 1938 pelo escritor Mário de Andrade, então
responsável pelo Departamento de Cultura do Município de São Paulo, a Missão tinha como
objetivo recolher documentos, textos, indumentárias, filmes e fotografias que pudessem
esclarecer sobre o folclore musical, inicialmente nas regiões Nordeste e Norte do Brasil (SEF,
2004: 06-07). A metodologia empregada pelo grupo42 foi fruto da promoção, pelo
Departamento, de um curso inédito em terras brasileiras: “Instruções Práticas Para Pesquisa
de Antropologia Física e Cultural”, ministrado por Dina Lévi-Strauss, que veio ao Brasil com
seu marido, Claude Lévi-Strauss, então um jovem bacharel em Direito, assumindo a cadeira
de Sociologia na recém-criada Universidade de São Paulo (USP). Juntos, organizaram a
Sociedade de Etnografia e Folclore (SEF), considerada a primeira organização coletiva desse
gênero criada no Brasil. Mário de Andrade, um crítico e incentivador da autêntica cultura
brasileira, mostrava-se, à época, muito preocupado com a situação do patrimônio cultural
brasileiro. Sensibilizado pela urgente necessidade de mudança nas posturas, afirmou certa vez
que
A Etnografia brasileira vai mal. Faz-se necessário que ela tome imediatamente uma orientação prática baseada em normas severamente científicas. Nós não precisamos de teóricos, os teóricos virão a seu tempo. Nós precisamos de moços pesquisadores, que vão à casa do povo recolher com seriedade e de maneira completa o que esse povo guarda e rapidamente esquece, desnorteado pelo progresso invasor (ANDRADE, 1936)43.
É certo que muitas de suas atitudes foram decisivas para a formação de uma consciência de
preservação no Brasil. O anteprojeto para a criação do Serviço do Patrimônio Artístico
Nacional (SPAN, que depois se tornou SPHAN – Secretaria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – e hoje corresponde ao IPHAN) é prova disso. Esse interesse pelos temas
da chamada “cultura popular” era um reflexo do fortalecimento da atitude nacionalista
assimilada por toda a geração “antropofágica” da Semana de Arte Moderna de 1922, que tinha
Mário como baluarte. Sob este efeito, parte dos artistas e dos intelectuais brasileiros
42 A Missão foi formada por Luís Saia (na época estudante de engenharia e arquitetura e chefe da missão), Martin Braunwieser (músico e maestro), Benedicto Pacheco (técnico de gravação) e Antônio Ladeira (auxiliar geral). 43 Manterei, em todas as citações, a grafia tal como se apresenta nas fontes consultadas, sem atualização ou correção ortográfica e gramatical.
38
encantava-se com a espontaneidade e vigor da chamada “arte ingênua”, “primitiva”,
posteriormente categorizada, ainda que sob protestos, como arte naïf44. Assim, ainda que não
houvesse um consenso na época sobre a função estruturante e integrativa do “popular” na
consciência daquela moderna nação brasileira, camadas mais sensíveis da nossa
intelectualidade passavam a valorizar os temas do povo.
Foi em meados do primeiro semestre do ano de 2004 que tive uma visão mais nítida da obra
da Missão, através de uma publicação do Centro Cultural São Paulo (CCSP): Acervo de
pesquisas folclóricas de Mário de Andrade: 1935-1938 (2000). Mais adiante, obtive
gentilmente do CCSP as fotocópias do Catálogo ilustrado do Museu Folclórico (1950) e do
livro Escultura popular brasileira (1944), de autoria de Luís Saia, o chefe da comitiva e um
dos alunos do citado curso de Etnografia. Estavam claras, nesta outra obra, duas referências
fundamentais de como e onde existiam práticas votivas em pelo menos dois estados da região
Nordeste (Pernambuco e Paraíba), pelos quais a Missão passara de fevereiro a julho de 1938.
A coleta de objetos etnográficos pelo grupo foi numerosa e diversificada. Foram recolhidos
instrumentos musicais, ferramentas de trabalho, artes decorativas, roupas e tecidos, ex-votos e
objetos litúrgicos de diferentes orientações religiosas (especialmente dos cultos de matriz
africana, já reprimidos e perseguidos logo quando da instalação do Estado Novo, em fins de
1937). Isso sem se falar das centenas de horas de gravação em áudio de cantigas e dos
inúmeros filmes documentais tomados em muitas localidades45. O fato de aquela pesquisa
estar focada, desde o início, em outros temas (cantos e danças), fez com que a atenção aos ex-
votos fosse secundária nas rotinas de trabalho. E Saia confirma:
Pessoalmente me interessava estudar, nos momentos de folga, tudo quanto fosse coisa popular de valor artístico ou documentário, especialmente arquitetura. Desde logo me larguei à prática aventurosa de espiar, anotar, fotar casas velhas, capelas, arquitetura popular. Conquanto esperasse encontrar muita pintura e escultura populares, devo confessar que nem eu nem os que me informaram antes e durante a viagem sabiam nada acerca da tradição viva do milagre de madeira. O encontro deste material devi-o de certo modo ao acaso, e sua pesquisa sòmente pode ser sistematizada depois de alguns indispensáveis contactos iniciais (SAIA, 1944, p. 09).
44 Há correntes na arte contemporânea que consideram o naïf não exatamente a autêntica produção desvinculada da tradição erudita convencional, frutuosa das camadas sem acesso à academia, mas o resultado da apreensão deste estilo dito “primitivo” e “ingênuo” por artistas do meio acadêmico, uma espécie de maneirismo. É a categoria de artistas que Clarival do Prado Valladares (1967, p. 18) denomina de primitivistas. 45 No ano de 2006 o CCSP, junto com a Secretaria Municipal de Cultura e o SESC-São Paulo, lançou uma série de seis CD’s contendo parte dos registros fonográficos tomados pela Missão.
39
Mas mesmo não ocupando lugar central na expedição46, o que pude encontrar sobre os ex-
votos nos documentos acessados foi iluminador e estimulante para os planos desta tese. Uma
vez dispondo daquelas referências, foi iniciado um reconhecimento e localização cartográfica
dos centros de coleta citados, buscando constituir um mapa e estabelecer as vias de
deslocamento entre eles. Imediatamente me deparei com outro problema que seria freqüente a
partir daquele caso: a dinâmica demográfica nestes quase setenta anos que nos afastavam
transformou vilarejos em cidades, reorganizou a delimitação de municípios, substituiu
topônimos. Fez-se necessário, então, tabular cada lugar citado e o que se relatava como
artefato coletado ou expressão observada, evidentemente levando em conta apenas aquilo que
estava associado às práticas votivas. Lancei mão do auxílio valioso de buscas pela internet,
simplesmente à guisa de confirmação da atualidade dos lugares e da efetividade das práticas
religiosas, e vale admitir que, como fonte de referência, este é um recurso fundamental para a
construção de quadros sinóticos que precedem atividades em campo. O balanço preliminar
dos dados sobre as coletas da Missão resultou no seguinte quadro:
Estado Cidade Localidade/ sítio
Culto observado/ citado
Artefatos coletados
Cruzeiro da Serra da Gameleira Cruzeiro Milagre (escultura
em madeira) Tacaratu
Capela de N. S. dos Navegantes
Nossa Senhora dos Navegantes
Milagre (imagem de barro com base de madeira)
Santa Quitéria Capela no povoado de Freixeiras
Santa Quitéria das Freixeiras
Milagre (escultura em madeira)
Pernambuco
Meirim (também Mirim)
Capela de Santo Antônio Santo Antônio Milagre (escultura
em madeira)
João Pessoa Cruzeiro da Penha Nossa Senhora da Penha/Virgem da Penha
Milagre (escultura fotografia, pintura)
Itabaiana Cruzeiro Maria de Melo Cruzeiro Milagre (escultura
em madeira) Cruzeiro do Monte Tabor Cruzeiro Milagre (escultura
em madeira) Alagoa Grande Cruzeiro do Engenho Macaíba Cruzeiro Milagre (escultura
em madeira)
Areia Cruzeiro de Chã (o) do Jardim Cruzeiro Milagre (escultura
em madeira)
Paraíba
Patos Cruzeiro da Menina Menina Francisca Milagre (escultura
em madeira) Quadro 1: Síntese das referências votivas na Missão de Pesquisas Folclóricas, 1938. Fonte: SAIA (1944), CATÁLOGO ILUSTRADO DO MUSEU FOLCLÓRICO (1950), CCSP (2000).
46 A coleta votiva só se iniciou na então cidade de Meirim (ou Mirim, hoje Ibimirim) no sertão do Moxotó, em Pernambuco, quando já estavam avançados na rota.
40
A partir deste indicativo, concluí que houve, por parte de Saia e sua equipe, uma concentração
na coleta de peças escultóricas, especialmente em madeira. Contudo, não temos como saber se
foram escolhas seletivas ou se refletiam o caráter predominante daqueles sítios observados.
Segundo os dados da Missão, pinturas e fotografias só são incluídas em João Pessoa, única
capital de estado na região onde se realizou coletas de objetos votivos católicos47. Os
documentos e relatos do grupo não esclarecem suficientemente sobre a constatação da
existência de outros tipos de objetos depositados nos cruzeiros, capelas e igrejas, o que não
nos credencia a afirmar ou duvidar da existência de variedades, até porque as fotografias
tomadas pelo grupo na época focaram-se em objetos, não exatamente na documentação das
vistas gerais dos lugares.
Além destas localidades que foram efetivamente visitadas, Saia declara ter conhecimento de
outras devoções do Nordeste, pelas quais não passou com a Missão, localizadas em Paudalho-
PE (culto a São Severino dos Ramos), Salvador-BA (Senhor do Bonfim) e Juazeiro do Norte-
CE (Padre Cícero, morto quatro anos antes, mas já envolvido em grande comoção
devocional). Por outro lado, cidades como Sousa e Pombal, no estado da Paraíba, são
freqüentemente (e de forma imprecisa, diga-se) citadas dentro do alcance das coletas votivas
(especificamente) da Missão, mas não há registros que comprovem a observação de devoções,
sítios nem objetos catalogados nelas ou nos seus arredores, naquela mesma oportunidade.
Incorporado em igual propósito de valorização da cultura brasileira, um contemporâneo de
Mário de Andrade, o potiguar Luís da Câmara Cascudo, teve nas devoções populares um de
seus muitos focos de pesquisa. Não chegou a dedicar uma obra específica a este nosso tema,
mas sempre o mencionou com muita distinção. Conhecido pela generalidade dos seus
conhecimentos acerca do dito “popular”, aclamado como folclorista, Câmara Cascudo
apresentou boas pistas em Religião no povo (2001) [1974]. Numa das seções mais
interessantes, “O povo faz seu santo” (CASCUDO, pp.419-424), discorre uma breve listagem
das devoções não-canônicas de sua época (muitas descritas por informantes), destacando o
caráter miraculoso de cada um dos perfis indicados. Esta foi mais uma fonte decisiva para o
mapa de referências que se construía. Concentrei, a partir de então, a atenção em torno dos
casos localizados dentro do alcance espacial desta pesquisa. Cascudo revelou: o menino 47 Ainda hoje é possível notar uma nítida diferença entre o perfil das salas votivas com maior ou menor contato com os grandes centros: há um peso maior de peças de fabricação seriada (industrializadas) ou de maior requinte manufaturado tanto quanto maior o contato com as grandes cidades (não necessariamente capitais de estado), em contraste com a vocação artesanal e de acabamento mais rústico das salas mais distantes.
41
Petrúcio (Maceió-AL), Dom Vital (Recife-PE), a menina Maria de Lourdes (João Pessoa-
PB), a Menina Francisca (Patos-PB), Padre João Maria (Natal-RN), Santa Damasinha
(Damásia Francisca Pereira, Angicos-RN), Madre Vasconcelos (Fortaleza-CE), o Menino
Vaqueiro (Ipu-CE), Padre Cícero (Nordeste) e o Padre Ibiapina (pelo “norte” do Brasil).
Os casos da Menina Francisca e do Padre Cícero, foram também referidos pela Missão de
Pesquisas Folclóricas (1938), o que atestava, quase quarenta anos depois, a sua vitalidade.
Em outro capítulo, “Santos tradicionais do Brasil” (CASCUDO, pp. 440-445), o autor faz um
comparativo do prestígio popular das duas categorias48, contribuindo ainda mais no
mapeamento dos cultos votivos que aqui apreciamos.
Especialmente por estas indicações, Câmara Cascudo é sempre citado em muitos trabalhos
acadêmicos que tratam sobre as devoções não-canônicas. Contudo, nem sempre aquelas
referências que ele apontou continuam vivas – para o desapontamento dos seus leitores de
segunda mão, que vivas ainda o consideram – como comprovarei no Capítulo 4.
Numa visita à cidade do Recife, por ocasião da XXIV Reunião Brasileira de Antropologia
(RBA), em junho de 2004, fiz uma busca sobre o tema dos ex-votos e das devoções populares
do catolicismo em algumas bibliotecas, como a da Fundação Joaquim Nabuco e outras da
Universidade Federal de Pernambuco. Encontrei algumas obras que foram igualmente
importantes na construção deste mapa de ocorrências. A primeira foi um catálogo do Museu
Théo Brandão de Antropologia e Folclore, denominado Ex-votos de Alagoas (1976). Trata-se
da reprodução fotográfica de vinte peças coletadas pelo médico e folclorista Théo Brandão e
48 A definição dos limites classificatórios entre devoções canônicas e o não-canônicas, dentro do fenômeno religioso católico, não é tão simples como pode parecer. De antemão, santos canônicos seriam aqueles legitimados pela Santa Sé: “Reconhecendo cabalmente esta comunhão de todo o Corpo Místico de Jesus Cristo, a Igreja terrestre, desde os primórdios da religião cristã, venerou com grande piedade a memória dos defuntos e, ‘porque é um pensamento santo e salutar rezar pelos defuntos para que sejam perdoados de seus pecados’ (2 Mac 12,46), também ofereceu sufrágios em favor deles. Os Apóstolos, porém, e os mártires de Cristo, que com a efusão de seu sangue deram o testemunho supremo de fé e caridade, a Igreja sempre acreditou estarem mais intimamente unidos conosco em Cristo, venerou-os juntamente com a Bem-aventurada Virgem Maria e os santos Anjos com especial afeto e implorou-lhes piedosamente o auxílio da intercessão. A estes acrescentaram-se logo outros que imitaram mais de perto a virgindade e a pobreza de Cristo; e, por fim, os demais que, pelo exercício notório das virtudes cristãs e pelos carismas divinos, se recomendavam à piedosa devoção e imitação dos fiéis” (LG, 50; Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, de 21 de novembro de 1964, 2000). Os ditos santos não-canônicos, por oposição, são aqueles “consagrados pela confiança popular (...) para que representassem diante de Deus as misérias e as esperanças anônimas (...) instituindo uma procuradoria permanente em suprema entrância celestial” (CASCUDO, 2001, p.424). Contudo, é possível encontrar numerosos casos no nordeste brasileiro em que a veneração de “personalidades carismáticas” conta com insuspeitável tolerância e boa-vontade por parte das Dioceses, sejam em igrejas, capelas, centros devocionais particulares ou mesmo em cemitérios. Dessa forma, a categoria dos “santos irregulares”, referenciada por Cascudo, continua vivamente presente e dispersa por todo Brasil, muitas vezes ganhando mais visibilidade que os santos canônicos – para os mais puristas, os únicos e verdadeiros Santos.
42
por Luiz Sávio de Almeida, em cidades próximas da capital alagoana. Apesar de não indicar
com muito rigor as devoções correspondentes (uma omissão lastimável...), o catálogo pôde
agregar a esta lista as seguintes localidades: Maceió (Igreja de Bom Jesus dos Martírios, no
centro da cidade e Capela de Santa Amélia, no Alto da Santa Cruz, no então bairro de
Bebedouro, hoje Santa Amélia), Paripueira (Igreja de Santo Amaro, no então um vilarejo
pertencente ao município de Barra de Santo Antônio), Anadia (Cruzeiro Verde), Coruripe
(Cruzeiro), Usina Bititinga (Santa Cruz) e Flexeiras (Engenho Prazeres). Era uma
colaboração no mínimo curiosa, pois estes nunca foram centros votivos de apelo nacional,
dificilmente sendo citados mais além das divisas alagoanas. O lamentável fato da Missão de
1938 não ter passado pelo estado de Alagoas certamente nos privou de uma possível atenção a
estas manifestações.
A outra obra que mereceu destaque foi uma dissertação defendida no Mestrado em História da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e depositada na sua biblioteca central, de
autoria de Marcílio Lins Reinaux: Aspectos artísticos e históricos da estatuária e dos ex-votos
do Nordeste (1988). O texto propõe a análise das condições de criação (e consumo) de objetos
escultóricos, como a estatuária sacra e os ex-votos, no Nordeste do Brasil. Apresenta,
contudo, altos e baixos, numa lógica confusa, cuja coesão textual é prejudicada especialmente
por conta da indefinição de um foco: a estatuária sacra e as artes votivas disputam o centro
dos argumentos, deixando uma impressão de superficialidade nos dois temas. Isto se agrava
pelo fato de que há, ao longo do texto, uma série de informações etnográficas pouco precisas,
muitas vezes não verificadas in loco49, além da ligação pouco sensível e sucessível entre os
capítulos. O autor não chega a lançar um olhar suficientemente amplo sobre a região Nordeste
(às vezes demasiado estereotipada na sua caracterização humana), conforme propõe no título
do trabalho, mas apresenta algumas novas pistas e confirma algumas das nossas evidências: o
legado da Missão, o culto em São João-PE (a Santa Quitéria das Freixeiras), em Paudalho (a
São Severino dos Ramos), em Juazeiro do Norte (a Padre Cícero), em Bom Jesus da Lapa-
BA. Contudo, sua grande contribuição foi a menção pioneira aos crescentes cultos em torno
do Frei Damião de Bozzano (quando este ainda estava vivo e cuja presença devocional não
tinha um locus definido, já estando esparsa por todo o Nordeste do Brasil) e ao Padre 49 O autor, por exemplo, cita as cidades de Sousa e Pombal (na Paraíba) como tendo sido fonte de coletas escultóricas por parte da Missão, o que não é confirmado (pp. 77 e 83); fala em “Senhor do Bonfim” (na Bahia, e distintamente da cidade de Salvador) sem esclarecer se a referência é à cidade do interior baiano ou à devoção histórica da capital (pp. 58 e 77); também se refere a São Francisco do Canidé [sic] como se fosse na Bahia (nunca foi), sem apontá-lo ao certo como o culto a São Francisco das Chagas de Canindé (no Ceará), ou à cidade de Canindé de São Francisco, no estado de Sergipe (p. 77).
43
Zuzinha (morto em 1983, mas já de fervorosa devoção), na cidade de Santa Cruz do
Capibaribe-PE. O trabalho de Reinaux contribui também com um breve resgate histórico da
relação imagem-idolatria e com uma abordagem sobre os problemas da iconoclastia dentro do
Catolicismo, apresentando também alguns reveladores depoimentos de devotos e de artesãos,
abordando, por fim, de forma pioneira, o ato de colecionar (quando cita uma longa lista de
coleções e colecionadores) no contexto das artes votivas. O que falta em aprofundamento no
campo das relações teológicas (devocionais), sobra em análises da história e da sociologia da
arte popular nordestina, inclusive relacionando-a com aspectos da criação artística erudita (a
escultura helênica).
Ainda como fonte extraída das bibliotecas pernambucanas, destaco mais dois autores: o
primeiro, Alceu Maynard Araújo, trouxe nos textos “Ex-votos e ‘Promessas’” e “Milagres”
(ARAÚJO, 1967), a citação de mais duas localidades alagoanas com notável vigor de práticas
votivas: a Capela da Santa Cruz do Cigano, em Piaçabuçu e a Igreja de Nossa Senhora Mãe
dos Homens, na cidade de Feliz Deserto, ambas no litoral sul do estado. Além disso, elaborou
categorias classificativas bastante instigantes, que foram efetivamente testadas na nossa
observação. Por fim, outras duas colaborações de Maria Augusta Machado da Silva, que no
artigo “Ex-votos brasileiros” (SILVA, 1971) e no livro “Ex-votos e orantes no Brasil” (1981),
se não acrescentou novas localidades dentro da cartografia de referência50, apresentou dados
históricos e critérios classificatórios (e críticos) igualmente instigantes.
De posse destas referências51, que foram se associando a outras citações isoladas em
diferentes momentos da pesquisa (cada vez mais avolumando a base de dados e alterando sua
consistência e reconfigurando cada conclusão parcial), fundamentei a limitação do recorte
empírico e junto a isso fui definindo as estratégias teóricas e metodológicas a serem adotadas,
a escolha das técnicas e instrumentos e, principalmente, avaliando a eficácia das ferramentas
de registro e controle das informações colhidas em observações etnográficas.
2.3 As trilhas do campo
50 O primeiro trabalho (1971) é focado em igrejas do estado do Rio de Janeiro, o segundo (1981), constitui-se mais como um tratado de caráter museológico sobre o tema. 51 Algumas outras obras foram consultadas, ainda que agregando dados menos decisivos (CUNHA, 2003 [1902]; SANTOS, 2002; VELLOSO, 2000; LIMA, 1998;).
44
Conforme já pontuei, a construção deste mapa preliminar de referências foi alimentada por
informações muitas vezes desencontradas, o que me consumiu muito tempo buscando
confirmações, e assim ampliando o espectro de variedades. Dessa forma, o que era para ser
uma listagem de dados visando uma breve planificação temática, foi se aprofundando
rizomaticamente e ganhando, com o passar dos meses, um caráter de inventário etnográfico,
que pelo teor comparativista, tornava-se cada vez mais exigente de uma dedicação exclusiva.
Além dos estudos que apontei em 2.2, fui agregando muitas outras citações isoladas de sítios
votivos por toda a região Nordeste do Brasil, no litoral e no interior. Boa parte daquelas
localidades jamais havia sido apreciada num contexto de pesquisa acadêmica – consideração
que ouvi repetidas vezes in loco, dos meus informantes. O controle dessas informações foi
paulatinamente organizado através de quadros sinóticos e da cotação geográfica dos pontos
em mapas da região, visando planejar um esquema de tráfego.
Desde meados do ano de 2001 iniciei as incursões ao campo52. No total percorri, só de
automóvel, algo em torno de 13.000km nestes últimos cinco anos. As localidades mais
próximas da cidade de Salvador foram visitadas em diversas oportunidades53. Às mais
distantes, as visitas se deram em missões um tanto quanto breves, respondendo a roteiros
longos, com acessos muitas vezes hostis (o estado de conservação das estradas nem sempre
foi bom, além da condição de isolamento e risco de segurança de muitos sítios) e grande
limitação de tempo e dinheiro, já que não dispus de auxílios financeiros na pesquisa, que
também não foi, por todo este período, uma atividade exclusiva. Mesmo assim, cada local foi
visitado cumprindo uma série de critérios de observação e documentação previamente
estruturados, o que tornou válida cada uma das oportunidades de aproximação empírica.
52 Movido pela meta inicial da pesquisa, estive no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas-MG em setembro de 1999 e abril de 2000, depois, em outras duas oportunidades: junho e setembro de 2001. Em janeiro de 2003 realizei, em caráter de missão fotográfica, uma viagem a países da região andina (Bolívia, Peru e Chile). Na oportunidade, me chamaram a atenção a volumosa presença de cruzes e capelinhas em beiras de estradas (especialmente na Bolívia) e a ausência de objetos votivos nos moldes que aqui observava. Em uma visita ao Santuário de “Nuestra Señora de Copacabana”, às margens do Lago Titikaka, observei uma grande e movimentada sala de velas, mas nem dentro do templo, nem nos seus arredores (bancas de venda de artigos religiosos) encontrei oblações similares às que estava estudando, não obstante o reconhecido vigor de sua tradição devocional e seu poder milagreiro. Contudo, tenho conhecimento de manifestações votivas como as nossas na Argentina (os casos da “Difunta Correia”, Juana Figueroa, Gilda e tantos outros) e no México, país famoso pela comercialização internacional de pinturas votivas dos séculos XIX e XX. 53 Os sítios localizados nos entornos do Recôncavo baiano e na cidade de São Cristóvão-SE, foram observados mais de uma vez por ano.
45
A primeira dessas observações de longo alcance aconteceu em janeiro de 200454, ainda antes
da consolidação dos marcos empíricos deste trabalho. Não dispunha, naquela oportunidade,
de mais do que algumas notas superficiais a respeito das cidades visitadas pela Missão de
Pesquisas Folclóricas, uma vez que ainda não havia tido acesso às publicações oficiais do
CCSP. Além das cidades visitadas pelo grupo, em 1938, acrescentei ao plano de observação
alguns dos mais notórios centros de peregrinação da região Nordeste, não contemplados
naquela rota, a exemplo de Juazeiro do Norte-CE (Padre Cícero), Monte Santo-BA (Santa
Cruz) e São Cristóvão-SE (Senhor dos Passos). Durante pouco mais de uma semana,
percorremos de carro o interior dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba
e parte do Rio Grande do Norte e do Ceará55 (vide mapa deste roteiro no APÊNDICE C).
Aquela fôra a primeira grande incursão ao campo, e o foco sobre o objeto empírico (e
principalmente, o que fazer dele) ainda era muito pouco nítido. Em cada localidade visitada
procedi apenas à observação direta, com o preenchimento de caderno de campo e o registro
fotográfico e videográfico das localidades, gravando, em alguns momentos, depoimentos de
informantes (devotos, zeladores de templos, lideranças religiosas). Eventualmente, esboçava
croquis e recolhia alguns objetos etnográficos (amostras de peças votivas).
Um balanço desta primeira incursão pela região indica muitos pontos positivos, mas algumas
falhas de planejamento. Por não haver constituído um conhecimento mais profundo sobre o
trabalho da Missão, perdi a chance de efetuar observações mais incisivas e conseqüentemente
mais proveitosas no longo prazo. Por outro lado, o desconhecimento e a natural ausência de
uma crítica dirigida a estes elementos não me impediram de exercitar uma observação
etnográfica mais intuitiva e de certa forma mais livre de parte das prenoções. No fundo, o meu
maior objetivo naquela primeira viagem era conhecer melhor alguns centros votivos e as
práticas de devoção, além de perceber em que medida estas interferiam nas demais relações
sócio-culturais locais. Naquele momento não me perecia relevante estabelecer uma distinção
ou um juízo de valor entre as manifestações votivas originadas de cultos canônicos ou não-
canônicos. Desde o princípio sempre estive muito mais atento às expressões de fé como um
todo. O fato é que o produto daquela etapa inicial de trabalho foi esclarecedor de novas
54 Parti de Salvador-BA no dia 16 de janeiro, acompanhado por Laércio Vilas-Boas, estudante do curso de Produção Editorial e notável entusiasta da prática fotográfica. 55 Rota: Salvador (BA), São Cristóvão (SE), Garanhuns e Caruaru (PE), Campina Grande, Itabaiana, Alagoa Grande, Areia, Arara, Solânea, Patos, Pombal e Sousa (PB), Patu (RN), Juazeiro do Norte (CE), Monte Santo e Candeias (BA).
46
problemáticas que fizeram crescer a estrutura conceitual desta pesquisa. Foi a primeira vez
que constatei de perto as relações não tão amistosas entre o Catolicismo e outras orientações
religiosas – cristãs ou não. Foi ali que também atentei, e definitivamente, para o fato de que o
Catolicismo não é uno. Suas expressões são várias e muitas vezes controversas. Ainda que de
forma difusa, foi possível traçar um panorama inicial da atualidade do fenômeno votivo
católico pelo sertão nordestino, matéria-prima para tudo o que viria a seguir.
O retorno aos livros e aos esquemas conceituais foi vigoroso. As perspectivas de diálogo e
novas conexões entre fenômeno e teoria, entre método e visão de mundo se enriqueceram
plenamente. Às vezes de forma arriscada, principalmente pela minha deveras inconveniente
predisposição a não descartar com facilidade as emergentes possibilidades explicativas dos
fatos votivos. Fui também procedendo a outras observações na cidade de Salvador e nos seus
entornos, verificando a efetividade das antigas documentações. A escrita da tese já se iniciava,
e ia ganhando um tom mais etnográfico, apesar da unidade do problema das trocas votivas
parecer cada vez mais conciso e ao mesmo tempo escorregadio, dada a sua natureza dinâmica
e invasiva de diversos campos da vida social e cultural.
Após o Exame de Qualificação e de ouvir muitas sugestões (santas sugestões!) da banca
examinadora, retomei as verificações em campo numa outra oportunidade. Desta vez nos
meses de julho e agosto de 2006. Diferente daquela viagem de dois anos antes, parti sozinho e
convicto da vocação empírica desta etapa do trabalho. Estava munido de um roteiro mais
amplo e mais bem definido, fruto da compilação das rotas apontadas na seção anterior, além
de ter objetivos e métodos mais claros e pontuais. Não se tratava mais de uma observação
curiosa e informal, como na primeira vez, mas da tentativa de ampliação do espectro amostral
e da simultânea tarefa de pôr à prova evidências que já se solidificavam dentro dos quadros
conceituais sob os quais eu pensava a existência do fato votivo.
Nesta segunda viagem, também de automóvel56 (vide mapa no APÊNDICE D), creio que
cheguei a termos muito mais satisfatórios. Além de cumprir plenamente a cobertura
geográfica inicialmente planejada, consegui rever o estado atual das fontes de referência que
56 Rota: Salvador (BA), São Cristóvão e Aracaju (SE), Maceió, Paripueira, Flexeiras e Murici (AL), São João, Garanhuns, Recife, Ipojuca e Paudalho (PE), João Pessoa, Itabaiana, Campina Grande, Lagoa Seca, Alagoa Nova, Arara, Solânea e Guarabira (PB), Natal, Angicos, Assu, Florânia, Carnaúba dos Dantas (RN), Patos (PB), Solidão, Arcoverde, Pesqueira, Poção e Tacaratu (PE), Paulo Afonso, Santa Brígida, Candeias, Itaparica e Salvador (BA).
47
inspiraram este recorte, e a partir deste cruzamento pude chegar a conclusões mais
esclarecedoras, inclusive superando, aos poucos, a razão etnográfica por uma síntese
etnológica. Em cada localidade visitada procedi à observação direta, com o preenchimento
das seguintes fichas: i) Ficha de Sítio (com o objetivo de descrever o espaço e suas
peculiaridades), ii) Ficha de Classificação da Tipologia das Fontes (remetida à categorização
das bases expressivas), iii) Ficha de Classificação das Ocorrências (remetida à categorização
do que se relata como motivo de transação) e iv) Ficha de Artefato (que visava inventariar
algum exemplar votivo de caráter relevante, a integrar a Sinopse Estilográfica) (vide
APÊNDICE H). A estes procedimentos foram associados o uso de os recursos áudio-visuais
(tomadas fotográficas e videográficas, gravações de entrevistas com informantes, produção de
croquis), o preenchimento de cadernetas e diário de campo e novamente o eventual
recolhimento de objetos etnográficos (amostras de peças votivas). Assim, o foco desta
incursão esteve voltado para as sutilezas das formas de devoção, para a localização espacial e
a descrição da constituição dos lugares sagrados, para a demarcação das tipologias das
expressões votivas e para a classificação das ocorrências relatadas, tudo isso visando
responder a questionamentos específicos, como se verá a seguir.
No retorno, iniciei a tabulação do material, organizando as Fichas de Inventário de Sítio (FIS),
documento sintético, que utilizo no VOLUME II desta tese, correspondente a cada sítio
visitado, compilando o conteúdo de todas as fichas preenchidas. Junto a isso, avancei na
estruturação e escrita do texto, o que incluiu a escolha e formatação dos apêndices e anexos.
A terceira e a quarta visita aos sítios nordestinos (vide mapas no APÊNDICE E e no
APÊNDICE F) se deu ainda no final do ano de 2006, nos meses de outubro e dezembro, e nos
primeiros dias de janeiro de 2007. Desta vez, aproveitando-me de um período de recesso
docente e pleno na intenção de enriquecer ao máximo a base de dados, ampliando os pontos
visitados no mapa, dirigi a observação para sítios que foram preteridos ao longo da pesquisa,
fosse pela distância ou dificuldade de acesso, fosse pelo desencontro em visita anterior, além
de contemplar as referências de descoberta mais recente57. Utilizei os mesmos procedimentos
práticos, com breves aprimoramentos nas fichas de observação. Foi notável perceber como o
aumento da intimidade com a unidade da pesquisa torna as tarefas práticas de campo
57 Rota: Salvador, Milagres, Ibiqüera, Bom Jesus da Lapa e Ituaçu (BA), Penedo, Piaçabuçu, Feliz Deserto, Coruripe, Anadia e Maceió (AL), São Joaquim do Monte, Santa Cruz do Capibaribe e Paudalho (PE), Salvador (BA).
48
aparentemente mais claras e refinadas, como o senso de totalidade passa a estar mais ativo do
que a ansiedade colecionadora. É também notável o risco que se passa a correr quando se
pensa que tudo pode repousar sobre relativo domínio.
Ao final desta última observação, de posse de um vasto corpus documental e de muitas
conclusões que só na montagem deste mosaico final foi possível aflorar, veio a missão de
formatar e integrar harmoniosamente os dados complementares. Esta, sem dúvida, é uma das
etapas mais trabalhosas. Contudo, consolida prazerosamente a tarefa de contar uma história. É
recompensador para qualquer pesquisador corresponder fenômenos e compreensão teórica,
tornar particularidades em generalizações, passear pelos signos da cultura e atar imagens e
conceitos. Colhi dados durante todo o trabalho, mas só nesta etapa final pude manipular com
mais segurança os ingredientes de preparo desta tese. No caldeirão de imagens fotográficas,
tomadas em vídeo, ex-votos empoeirados, centenas de fichas descritivas, sons das falas
hesitantes de informantes desconfiados e de tantas falas emocionadas – perfeitas dádivas –
coisas duras e frias entravam em ebulição e iam se diluindo num caldo fervilhante, se
homogeneizando e ganhando liga. Proporcionava, assim, uma ligação com a realidade social
dos fatos, com os anseios dos grupos, expressos nos seus códigos internos, com a dinâmica
dos sujeitos de fé, que também têm vontade própria, aqueles que fogem das vistas vez por
outra, rivalizando e forjando estruturas de poder, se ocultando em redes solidárias ou sob o
disfarce de um signo votivo.
Nunca foi fácil estabelecer uma noção suficientemente clara entre as instituições, as pessoas e
as coisas. Lembro que ao me encontrar “cientificamente” pela primeira vez com o tema dos
ex-votos, quase uma década atrás, não podia imaginar que o volume de informações e a
complexidade da rede de significados e influências envolvidos neste tema pudessem ser de tão
difícil controle. O caminhar até aqui foi muitas vezes rico em indefinições. Não foram poucas
as ocasiões em que um amontoado de fotografias e de objetos em apodrecimento em meio às
tantas salas de milagres parecia produzir um incessante ruído, confuso e insuportável. Na
solidão daquelas salas, estavam muitas vozes a ecoar clamores, outras a sussurrar histórias
cheias de dor, desejo e gratidão. Mesmo quando organizadas como se num museu, eram
espaços sempre ruidosamente tensos, despertando um sentimento de inquietude e certo pavor
aos olhos deste visitante. Que desordem! Salas (às vezes cruzeiros, às vezes túmulos) que se
mostravam como verdadeiros tratados escatológicos. Posso assegurar que o que encontramos
ao vislumbrar os ditos “ex-votos” é apenas a “ponta de um iceberg”, um saudável sinal difuso
49
e nem sempre preciso não só de contos da vida e da morte, mas da essência moral das
sociedades que os cultivam. Signos votivos são instituições, pessoas e coisas. Julgá-los fora
desta tríade pode ser uma operação fadada ao equívoco!
50
3. A PERSPECTIVA DO DOM NO CONTEXTO
ETNOLÓGICO: TAXONOMIAS DO FENÔMENO VOTIVO
CATÓLICO
Trata-se, no fundo, de misturas. Misturam-se as almas nas coisas, misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as vidas, e assim as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera e se misturam: o que é precisamente o contrato e a troca. Marcel Mauss, Ensaio sobre a dádiva [1925].
3.1 O sistema de prestações simbólicas e a circularidade do dom nas
relações votivas do catolicismo
Marcel Mauss apresentou no Ensaio sobre a dádiva – forma e razão da troca nas sociedades
arcaicas [1925] (MAUSS, 2003, pp. 183-314), um de seus mais repercutidos trabalhos, onde
expunha a elaboração de uma “teoria geral da obrigação”, desenvolvida a partir de sua
observação nas chamadas sociedades primitivas. Neste estudo, que compreendeu áreas da
Polinésia, Melanésia e Noroeste americano, Mauss argumentou sobre as condições que
fundam e estruturam o modelo de troca aplicáveis não apenas a aquelas comunidades, mas até
problematicamente eficientes em boa parte das relações de troca das sociedades
contemporâneas. Independente das mudanças nas formas de interação e nos fenômenos
sociais, aquele estatuto apontado por Mauss permanece como referência primária quando o
assunto é um sistema de relações prestativas. Como todo bom esquema geral, é capaz de
enquadrar o cerne de muitos casos particulares, inclusive o que estamos abordando nesta tese.
Ao se questionar sobre “qual é a regra de direito e de interesse que, nas sociedades de tipo
atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuído”
(MAUSS, 2003, p. 188) ou sobre qual força é essa que “existe na coisa dada que faz que o
donatário a retribua” (ib.), o autor apresenta a espinha dorsal do problema das relações de
trocas simbólicas. É de fato intrigante perceber o magnetismo que parece conduzir o fluxo de
posses que envolve parte considerável das relações de troca. Mauss pontua que os atos de
51
presentear são apenas teoricamente voluntários, cercados que são de uma velada
obrigatoriedade de retribuição. A certa altura, apresenta um revelador argumento do
informante Tamati Ranaipiri ao este se referir à tradição maori: o de que as coisas dadas
contêm um espírito, o hau, uma força que orienta um bem dado (taonga) a retornar ao seu
doador, ainda que sob outra forma (MAUSS, 2003, p. 197-198). Este acaba por tornar-se um
código compartilhado não simplesmente no nível da individualidade, mas coletivamente. Daí
surge o que Mauss denomina de sistema de prestações totais, que consiste numa adesão
coletiva dos clãs aos acordos prestativos. Contrata-se por todos e por tudo que se possui,
mediante a figura emblemática do chefe. O potlatch é um exemplo deste regime de trocas
aparentemente desinteressado, mas carregado de expectativas. A manifestação do potlatch –
um sistema de prestações totais do tipo agonístico – contém, via de regra, os princípios da
rivalidade e do antagonismo, manifestáveis no enfrentamento entre chefes e na destruição de
riquezas suntuárias.
Uma figura considerável neste esquema do dar-receber-retribuir é a dinâmica da coisa
recebida. É este fato da coisa dada não ser inerte que traz ao doador uma ascendência sobre o
donatário: acaba por criar um estado de direito pela retribuição ao presente dado. Este dar
imputa uma obrigação de receber, e a conseqüente obrigação de retribuir.
A essência desta “teoria geral da obrigação” formulada por Marcel Mauss parece ter uma
correspondência aguda com as relações votivas verificadas no catolicismo do nordeste do
Brasil. Apesar de reconhecer a dificuldade de se expor um esquema abstrato relativamente
completo e eficaz que possa contemplar um sistema de trocas votivas, permita-me o leitor
retomar o prólogo desta tese: o percurso da promessa e seu pagamento descrito no ex-voto
ofertado ao Senhor do Bonfim (vide ANEXO A). O que temos naquele objeto votivo é uma
forma de síntese da teoria geral maussiana. Um indivíduo imputa um Outro, não
necessariamente um Santo – no sentido oficial dos cânones católicos – como o Senhor do
Bonfim, mas mesmo um ente comum tornado extra-ordinário58), com um pacto, formalizado
ou não, e do qual espera uma “retribuição”, uma graça a si ofertada. A consecução deste
anseio, a obtenção do seu dom, investe de ascendência aquele que o outorga, implicando em
uma necessidade de retribuição, cuja emergência consolidaria o ciclo votivo. Talvez este 58 Não pretendo submeter o uso que farei dos termos ordinário e extra-ordinário à noção sistemática de excepcionalidade construída por Émile Durkheim (1996). Mesmo reconhecendo que pode haver uma correspondência em situações específicas, faço uso destas expressões dentro da exclusiva demanda deste trabalho.
52
resumido caso possa, ainda que parcialmente, sintetizar em linhas muito gerais, os atos de dar,
receber e retribuir sobre os quais escrevo. Falo de parcialidade porque variantes no nosso
sistema são comuns, o que comprova sua flexibilidade. Além disso, não estou certo de que as
relações votivas existam exclusivamente motivadas pela perspectiva da obtenção do dom.
Voltarei a esses pontos em instantes.
Numa região como o Nordeste do Brasil, com a predominância histórica de sociedades de
base rural, a tradição católica ainda exerce uma forte influência no modo de viver e de pensar.
Não obstante o irreversível processo de transformação sócio-cultural, certas instituições como
a Igreja ainda têm um peso muito grande na formação dos valores. Certamente menos do que
num passado não muito distante, mas a religiosidade católica (nas suas mais variadas
expressões) ainda se apresenta como um sistema moral muito influente. Talvez por isso, o
hábito de consagrar promessas ainda esteja em pleno vigor, disseminado por populações de
toda a região. O homem nordestino nasce e cresce cercado por estas práticas, que não parecem
ter grandes dificuldades em se perpetuar. As condições climáticas e geográficas e a
desigualdade econômica, por outro lado, trazem à população do interior nordestino outras
lutas particulares. Euclides da Cunha imortalizou a expressão de que “o sertanejo é, antes de
tudo, um forte” (CUNHA, 2003, p. 115). Forte porque esperançoso? A esperança em dias
melhores, no milagre da chuva, no milagre da multiplicação. Sempre se espera por um
milagre. No litoral, onde se localizam as maiores cidades da região, o êxodo rural e a falta de
planejamento e de políticas sociais ajustadas criam um cenário onde o pleno desenvolvimento
humano parece um sonho distante, cada vez mais massacrado pela concentração de renda,
recursos e privilégios. Só um milagre! Uma dádiva divina. Pois o tempo milagroso prometido
pelo homem tarda a chegar. E o indivíduo que é crente vai construindo, intuitivamente, seus
milagres, suas possibilidades de salvação, cujas dádivas são obra de um divino instado,
propiciado, nascido relacionalmente. O que não significa, contrastivamente, que esta teia de
relações seja conseqüência da formulação consciente (por parte destes indivíduos de fé) de um
esquema fenomênico votivo, de caráter utilitário. “Fazer o divino” implica, simplesmente, em
se estabelecer uma associação de reverência e respeito, em localizar, no próprio universo
imaginário (que é particular e é também construído socialmente), este Outro (ou Outros)
capaz de tornar a adversidade em esperança. Mas isto já não depende unicamente das
orientações e do crivo das instituições religiosas oficiais, da Igreja Universal, muito embora
nela estejam os palcos onde se encenam boa parte dos dramas devocionais. E é assim que se
troca, que se instala, nas diversas comunidades espalhadas por toda região, no litoral ou no
53
sertão, nas vilas ou nas metrópoles, os vínculos de fé, os laços votivos, num modelo funcional
que sempre combina o sujeito social e o sistema de valores que o cerca.
As razões que movem este homem de fé a consagrar uma promessa são variadas. A
observação dos diversos sítios votivos que visitei pelo nordeste oriental do Brasil me leva a
crer que os pactos são firmados não apenas clamando pelas necessidades de garantia da
sobrevivência, pela recuperação da saúde ou pela extinção da dor física ou da dor que se sente
com o coração, como os relatos mais antigos podem fazer sugerir. Hoje em dia, além destas
mesmas buscas, o indivíduo projeta suas conquistas pessoais, seus anseios de prosperidade
(especialmente dentro do grupo), a efetivação da sua liberdade, a sua distinção. O medo e a
dúvida ainda surgem como importantes motivadores práticos, mas não são mais os exclusivos.
A fuga da morte parece ser buscada não apenas pelo instinto individual de preservação da
vida, mas, sobretudo, pela defesa da sobrevida do indivíduo no grupo.
Assim, uma relação votiva não surge do vazio. Ela é estabelecida quando se espera uma
intervenção sobre algo que está muito além das possibilidades de realização daquele que
perece. Ao contrário do que afirmou Alceu Maynard Araújo (1967, p. 18), a promessa não é
uma “fórmula mágica”. Ela está mais para um “contrato” a reger a cessão de uma dádiva, um
voto de fé e confiança. A expressão deste “fazer uma promessa” é determinada de acordo com
o íntimo de cada indivíduo crente. Pode ser um compromisso público, ou não participado
coletivamente. Pode ganhar forma concreta, ou apenas repousar como idéia. Pode surgir como
palavra, ou existir sob o mais profundo silêncio. Talvez por esta característica, não seja tão
simples o controle etnográfico das categorias do “dar” votivo. A promessa é a desencadeadora
do ciclo, mas isto não quer dizer que esta seja a única forma deste ciclo ser aberto. Muitas
vezes a graça pode surgir mesmo antes do pedido, surpreendo aquele que a recebe. E quando
este a recebe torna-se devedor, passa a ser donatário de um dom que deve ser retribuído. Isso
prova que a dádiva votiva impõe uma ascendência, sua emergência pode constranger por seu
inevitável vínculo prestativo.
Malinowski (1978, p. 82-83), ao estudar o kula, apresenta uma categorização dos presentes,
segundo sua função dentro do ciclo prestativo. Inspirado nesta sutiliza, creio ser possível
estabelecer, além daquela provisória função de voto, graça e ex-voto, outras formas
intermediárias de ofertas votivas.
54
Sobre este propósito são escassos os trabalhos que se aprofundaram. Tive conhecimento
apenas da tentativa pouco precisa de Alceu Maynard Araújo (1967), que destacou quatro
categorias intermediárias entre as “promessas” e os “milagres”: os ex-votos protetivos (que
visam uma proteção ao ofertante, seja de uma doença, de um perigo ou de tudo que seja uma
ameaça); os ex-votos produtivos (ofertas visando angariar óbolos para festejos religiosos
específicos); os ex-votos preventivos (premunitórios, são ofertas que antecedem o ex-voto de
desobriga) e os ex-votos sacrificiais ou imateriais sacrificiais (ofertas que envolvem a
imolação de animais ou sacrifícios pessoais). Esta classificação não me satisfez plenamente,
tendo sido apenas parcialmente operacional e digna de pequenos ajustes visando o aumento da
sua funcionalidade. Levando-a em conta, e deixando claro o caráter analítico proposto,
permito-me expor uma outra ordem, segundo a qual conduzirei o raciocínio deste trabalho:
i) Voto: oferta ou gesto que formaliza o compromisso, a “oferta de solicitação” ou o
“dom de abertura”, conforme sugeriu Malinowski (1978). A “promessa”, em linguagem
popular (SE14 e SE15);
ii) Apelo protetivo: oferta ou gesto que solicita uma proteção. É comumente chamado
de “presente” ou “lembrança”. Não tem o mesmo valor contratual do voto ou do ex-voto, pois
não implica na consagração de uma promessa e sua conseqüente retribuição. Expressa
simplesmente uma sensibilidade devocional, por exemplo, a deposição de fotografias em
3x4cm59 (SE16) ou de fitinhas e medidas (SE17); manuscrituras solicitando paz espiritual,
abstinência de vícios ou boa sorte (SE18 a SE21); pedras que representam orações em cruzes
e capelinhas (SE22 e SE23);
iii) Voto de renovação: oferta ou gesto intermediário, que renova o voto e assim o
compromisso prestativo, por exemplo, visitas periódicas (individuais ou em grupo) a eventos
ou aos centros votivos onde se estabelece o vínculo (SE24), com a realização de preces
(SE25);
59 Muitos devotos já me declararam que o motivo de terem depositado suas fotografias em 3x4cm é poderem ser identificados em seus apelos. A possibilidade de personalização proporcionada pela fotografia, em contraste com um suposto anonimato ensejado pelas peças escultóricas tridimensionais, será objeto de discussão na seção 3.3.
55
iv) Graça/mercê/prodígio/portento: é a mais esperada expressão do contra-dom.
Resultante da suposta intervenção do outro (ente extra-ordinário) que proporciona a
realização ou atendimento daquilo que se enseja; o próprio êxito solicitado;
v) Ex-voto preventivo: oferta ou gesto intermediário que antecede o ex-voto de
desobriga, oferecido após o agraciamento, por exemplo, a oferta de miniatura de uma
construção, quando sua realização final não é imediata ou é remota (SE26 e SE27);
vi) Ex-voto penitencial: gesto de desobriga cuja função é promover uma reparação no
estado moral do crente através do cumprimento de penalizações ou sacrifícios pessoais60. Em
profundidade, trata-se mais do que um gesto de desobriga (podendo inclusive ser
acompanhado de uma oblação), que pode ensejar um ritual pela retribuição do dom, que tem
como objetivo fazer reforçar no crente uma sensibilidade religiosa (SE28 a SE30). Voltarei a
considerar outras particularidades desta categoria na seção 3.2;
vii) Ex-voto propriamente dito: oferta ou gesto de desobriga, do fechamento do ciclo
contratual. O “milagre”, em linguagem popular, é aquele voto inicial que retorna ao Outro,
que circula e cumpre o ciclo da dádiva (SE31 a SE38). Segundo o raciocínio maussiano, a
oferta derradeira de um ex-voto seria motivada pelo hau, princípio que sacramenta o caráter
dinâmico do dom61.
60 Este é um assunto muito delicado quando se fala em retribuições votivas. Conforme elaboraram Hubert & Mauss (2005, p. 151) “o sacrifício é um ato religioso que, pela consagração de uma vítima, modifica o estado moral da pessoa que o realiza ou de certos objetos pelos quais se interessa”. Eles ainda consideraram como “sacrifícios pessoais” aqueles em que a personalidade do sacrificante é diretamente afetada pelo sacrifício. Neste nosso caso, do sacrifício pessoal, o sacrificante “é a origem e o fim do rito, o ato começa e acaba com ele” (ibid., p. 196), não envolvendo necessariamente a presença de “vítimas expiatórias”. A despeito da classificação de Araújo (1976, p. 29), preferi diferenciar e afastar bastante esta categoria do “ex-voto penitencial” da do “ex-voto sacrificial” ou “imaterial sacrificial” que ele apresenta. Em primeiro lugar, porque proponho ser esta uma classificação segundo a função sintática do ex-voto no ciclo votivo, não importando muito o índice de tangibilidade do dom; em segundo, por não associar às práticas votivas católicas (pelo menos até onde me foi possível observar) a imolação de seres vivos. O próprio Araújo limita estas práticas “no candomblé e no Toré” (ibid). Por fim, ainda que pudéssemos considerar esta prática sacrificial expiatória, ela não se encontra exatamente dentro dos limites da auto-penitência e do “sacrifício pessoal” a que estou me referindo. 61 Essa noção dinâmica do hau pareceu-me esclarecedora em alguns casos votivos: supondo que a doença retira algo de um indivíduo (sua saúde, energia vital ou integridade física), os artifícios votivos de que lança mão, as ofertas dadas no pacto votivo, visam a restituição do seu hau. Note o leitor que licencio subversivamente a noção de hau não como uma força emergente de uma relação a partir de algo dado, e que precisa voltar, mas de algo retirado, e que precisa ser restituído. “No fundo, é o hau que quer voltar ao lugar de seu nascimento, ao santuário da floresta e do clã e ao proprietário” (MAUSS, 2003, p. 199). O corpo doente funciona como um santuário que foi violado e que espera de volta aquilo que lhe foi subtraído. Então o indivíduo apela para um terceiro, um Outro tornado extra-ordinário, ofertando-lhe aquilo que lhe falta – talvez dentro daquela mesma “lei de similaridade” exposta por Frazer (1982) – o que poderá fazer, através da circulação do seu taonga, o retorno do
56
É evidente que as categorias analíticas que apresentei contemplam exclusivamente uma
estação na condição crônica entre a expressão da promessa e seu pagamento. Certamente não
são reconhecidas pelos devotos dentro dessa mesma lógica, nem deve respeitar essa
hierarquia. O fato é que o dom não é inerte na sua função sintática, tampouco nas suas formas
analíticas. Outras bases classificatórias concomitantes a estas serão expostas nas próximas
seções.
Ao contrário dos casos observados por Mauss, creio não ser possível afirmar que, a rigor, se
implica neste nosso caso um “estado de direito”, ainda que tratemos de um “contrato” e que
quando se fale em promessa, a remissão ao seu pagamento seja imediata. Temos aqui um
problema relacionado às sanções da retribuição. Na ausência de um “estatuto” que delibere
sobre um princípio de equivalência, cabe a este sujeito de fé – o consagrador da promessa e
proponente do vínculo – no íntimo do seu contexto pessoal, estipular uma medida
compensatória. Não há, neste contrato, nenhum tipo de sanção formal ao não cumprimento do
compromisso, para ambas as partes. A promessa não agraciada talvez implique na insistência
do pedido ou na sua desistência, ao menos por esta via. À promessa não cumprida não há
outra forma de constrangimento além da vigilância da consciência individual ou dos outros
membros do grupo, a depender do conhecimento que possam ter do pacto. Em O pagador de
promessas, Dias Gomes expõe uma fala do personagem Zé-do-Burro, que talvez dimensione,
ainda que ilustrativamente, este senso de comprometimento do sujeito com o pacto firmado:
Não, nesse negócio de milagres é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: – Ah, você é o Zé-do-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo (GOMES, 2004, p. 14).
É certo dizer que a sanção se estabelece dentro dos limites da honra. Creio que se é possível
pensar as trocas votivas nos termos de uma “teoria geral da obrigação”, as questões relativas à
sanção podem vir a ocupar um outro lugar esquemático, talvez mais adentro do “sistema de
prestações totais” que integra do que no âmbito do trato intersubjetivo indivíduo-Outro, até
porque não se trata de pessoas gozando das mesmas condições ontológicas. Contudo, talvez
este mesmo homem de fé possa intuir quando a sua oferta agrada, quando se “aferrolha” o seu hau. E esta pode ser a essência motriz de toda e qualquer oferta votiva: o anseio pelo complemento de um vazio.
57
acordo. O navegador Amyr Klink já expôs um testemunho um pouco afastado do nosso caso,
pela ausência de referências católicas, mas com a mesma eficácia decisiva do ciclo:
Pendurado na alavanca interna da bomba de água, junto à minha cama, balançava um pedaço de carne de órix defumada, presente do Günther e que eu guardava para comer em alguma ocasião especial. Olhei para a carne e achei, não sei por que razão, que deveria devolvê-la ao mar. Joguei-a na água, como se fosse uma oferenda devolvida. E, a partir desse instante, o mar acalmou-se e o tempo melhorou. Superstições à parte, tenho certeza de que a carne de órix foi bem recebida (KLINK, 1995, p. 87).
O ensaio de Marcel Mauss também fala a respeito do princípio do antagonismo e da
rivalidade entre as tribos, onde a usura e a destruição de riquezas suntuárias são sinais de
distinção. Dentro daquele mesmo campo intersubjetivo a que me referi mais acima, este é um
princípio que se expressa de formas muitos sutis nas relações votivas do catolicismo. Ainda
que não haja uma circunstância explícita de emulação entre os homens de fé, ou mesmo na
relação indivíduo-Outro, há demonstrações que se aproximam da noção deste princípio de
antagonismo e rivalidade. No lugar da “destruição das riquezas suntuárias”, ofertas e
construções: uma “produção de relíquias suntuárias”. Isso explica a existência de memoriais,
santuários e igrejas cobertos de requinte e luxo, muitas vezes encravados num mar de
pobreza. É a suntuosidade que se doa, mas que não se destrói. Que se desapega. Talvez este
seja o termo que, reversamente, mais se aproxima daquele sentido perdulário dos potlatch:
desapego. A destruição simbólica desta riqueza também se expressa na forma de um sacrifício
pessoal. Se com a destruição o índio do Noroeste americano se eleva, com a privação este
nosso homem de fé se eleva também. Que não se confunda esta associação ao sacrifício
pessoal como uma forma de auto-destruição, não é o que penso. Creio ser, mormente, uma
forma de retribuição por meio de provações. No lugar da riqueza destruída, o sacrifício
pessoal empregado: quanto maior a provação (ou privação), mais se reveste moralmente o
gesto votivo. O desapego de hábitos e de coisas é uma forma de por em cheque o valor do que
é da dimensão material, daquilo que se opõe ao mundo espiritual. E esta torna-se não apenas
uma ação de desprendimento, mas de libertação e de reverência62! Isto pode acarretar no
62 Em certa sessão acadêmica, o professor Evergton Sales (UFBA/PPGH) levantou dúvidas sobre a conduta de evangélicos convertidos do Catolicismo ou dos Cultos Afro-brasileiros, que com freqüência depositavam suas antigas imagens de santos em salas votivas de toda região Nordeste: que iconoclastia era aquela que não destruía as imagens? Seria isso um sinal da possibilidade de retorno ao seio católico? Talvez sim, talvez não. É possível que a noção de destruição simplesmente não lhes caiba. Ou que soe como um gesto ofensivo, uma emulação inconveniente e arriscada com o antigo “deus”. É possível que, mesmo convertidos, guardem o sentido da doação de “riquezas”. E talvez, sim – por percebê-las como riquezas e assim preservá-las, inclusive com a própria privação pessoal do objeto – demonstrem que os laços não foram definitivamente cortados.
58
sujeito um aumento na experiência de religiosidade e uma distinção social. Não duvido que as
origens deste ato possam estar também ancoradas na herança da penitência cristã.
Creio que esta seja uma fórmula mais ou menos coerente de se associar a noção de sacrifício
ao ciclo do dom votivo, dois domínios que têm um convívio bastante complexo. Como já
afirmaram Hubert & Mauss, nem sempre é possível “distinguir o sacrifício destes fatos mal
definidos aos quais convém o nome de oferendas” (2005, p. 149). E completam:
Com efeito, não há oferenda onde o objeto consagrado não se interponha igualmente entre o deus e o ofertante e onde este último não seja afetado pela consagração. Mas se todo o sacrifício é, com efeito, uma oblação, há oblações de espécies diferentes. Às vezes, o objeto consagrado é simplesmente apresentado como um ex-voto; a consagração pode destiná-lo ao serviço do deus, mas ela não altera sua natureza pelo simples fato de fazê-lo passar para o domínio religioso: as das primícias que eram somente levadas ao templo aí permaneciam intactas e pertenciam aos sacerdotes (ibid.).
Após o que argumentei acima, não tenho dúvida de que a natureza do crente se modifique nas
suas práticas penitenciais, ao contrário da natureza dos objetos ofertados. Isso nos faz concluir
que o “sacrifício” ao qual nos referimos, aquele que se verifica nas relações votivas católicas,
não é o mesmo sacrifício ao qual normalmente remete a literatura clássica da Antropologia.
Parece óbvia a figura do interesse impulsionando o sujeito nas trocas votivas. Contudo, é
crescente a minha convicção de que este não é o único propósito envolvido nessa trama. Não
se trata de minimizar o fato de que as relações não sejam necessariamente livres e gratuitas,
conforme apregoou Mauss. Ele próprio revelou outra chave que pode nos servir de forma
muito mais vigorosa: a comunhão. Dar é comungar! Neste nosso caso não há apenas interesse
na cura ou na conquista, há um convite abrangente e contagiante ao compartilhamento, à
comunhão, à compaixão. Há uma interação de subjetividades, entre pessoas. Entre pessoa
ordinária e pessoa extra-ordinária. Entre pessoa individual e pessoa moral. Os indivíduos de
um mesmo grupo se comunicam entre si via metáforas. Confessam publicamente suas dores e
anseios. Comungam uma experiência de esperança. Uma “sala dos milagres” é efetivamente
uma sala de integração social, um espaço de solidariedade mútua e anônima. Por isso, este ato
de fé (a oferta votiva) não é necessariamente utilitário, mas é, em grande medida, societário.
Se o suicídio é um gesto pessoal deliberado de desistência da vida em grupo, a promessa é um
gesto pessoal deliberado que clama a permanência, a integração e a pertinência ao grupo. É
uma atitude radical pela conservação da vida.
59
A noção de reciprocidade maussiana destaca a circulação, a circulação de algo com valor
agregado. Nas trocas votivas não se agrega apenas a satisfação e a obtenção de bens, mas se
agregam pessoas, que desenvolvem outras relações e outros sistemas de valores. Não há
apenas uma circulação do agregável, mas uma circulação agregante.
3.2 Um Sistema de Prestações Totais: os perfis interacionais instados pela
dádiva votiva e sua institucionalização no grupo social
Na seção anterior apresentei o que posso considerar a primeira instância da constituição moral
do sistema votivo: o estabelecimento do vínculo entre indivíduo-Outro. O esquema
devocional conforme apresentamos é um tipo de representação coletiva que engendra um
sistema de prestações totais que vai muito além desta primeira posição. Pela sua natureza
solidária, só pode existir em grupos onde estejam estabelecidos códigos de valores
compartilhados. A instituição da pessoa moral – aqui entendido como o agente representativo
desencadeador dos vínculos solidários – pode assumir dimensões variadas, com funções
bastante distintas, chegando, em alguns, casos a propiciar uma complexa rede de influências
sociais. Na primeira instância referida, o sujeito extra-ordinário, para o qual se projetam as
práticas devocionais, assume um papel relacional moralizante, por constranger em diferentes
medidas o sujeito ordinário que com ele transaciona, afetando seu comportamento,
inicialmente no âmbito individual, podendo vir a provocar influências no grupo. Parece ficar
claro que há uma relação de influências mútuas, provocada pelo estabelecimento de uma
autoridade moral (o sujeito extra-ordinário) instada por um sujeito ordinário. Não se pode
falar em uma “adesão solidária” desta autoridade moral, já que se trata de uma outra
qualidade de “pessoa”, mas seu referente funciona, em termos efetivos, como pessoa “viva”,
cuja presença simbólica é capaz de mover aquele que o institui.
Com certa urgência, gostaria de estabelecer uma distinção entre as dimensões que o papel de
pessoa moral pode assumir no quadro referencial das relações votivas. Ao se criar o vínculo
fundamental no sistema de dons – a simbiose indivíduo-Outro – tem-se um elo entre pessoa
ordinária e pessoa extra-ordinária: dois status que existem numa lógica dialética. Tomaremos,
60
nesta tese, apenas a perspectiva da pessoa ordinária – do sujeito social, este que estamos
chamando de indivíduo. Observando os dois loci estabelecidos na relação votiva, pode-se
constatar a origem de uma série de constrangimentos que envolvem o sujeito social em ações
solidárias, em torno das quais o instituto da dádiva faz emergir suas instituições.
Dando seqüência à análise fenomênica do sistema votivo, focarei agora as outras dimensões
pelas quais se institui a pessoa moral. Creio que a segunda instância deste efeito solidário
esteja circunscrita não muito distante da primeira. Ela nasce da presença de um terceiro ente
no vínculo indivíduo-Outro. Conforme já citei em oportunidade anterior, nem sempre o
compromisso do pagamento da promessa é atribuído a quem a consagra. Outrem pode herdar
um compromisso, com todos os ônus previamente “contratados”. Isso só acontece,
evidentemente, porque um membro do grupo funcionou como agente desencadeador, como
pessoa moral que passou a responder não pela sua condição de individualidade, mas como
representante de sua categoria social (família, classe profissional, igreja, etc.). Essa
transmissão da obrigação da promessa não garante seu efetivo pagamento, dado pela adesão
do atribuído (que assim corroboraria para a preservação das práticas devocionais), nem a
conseqüente preservação dos valores de coesão social, mas é um passo decisivo para a
propagação do vínculo de fé, através do reforço nos laços de dependência interpessoal. É,
efetivamente, algo que se dá num plano intersubjetivo.
Nesta mesma dimensão intersubjetiva também se pode verificar a manifestação de outras
formas de sociabilidade, como os ritos sociais. É sabido que às praticas rituais se atribui a
qualidade de recriar a identidade do grupo, de renovar seu senso de solidariedade e sua
autoconsciência, além do compromisso com seus próprios símbolos. E como também
sabemos, são muitos os ritos que envolvem a experiência devocional, não cabendo nesta tese
uma abordagem mais ampla e detalhada de suas variantes. Apenas irei me referir,
pontualmente, a algumas das práticas rituais que estejam mais implicadas com as redes de
compromisso social instadas nos fatos votivos.
Gostaria de fazer algumas ilações ao nosso objeto empírico a partir da noção de rito de
passagem. Conforme expus em 3.1, o pagamento de uma promessa é, via de regra, o ato que
“aferrolha” o vínculo votivo. Ainda que só em termos abstratos e não-absolutos possamos
tecer o raciocínio que se segue, o que temos na emergência da categoria “retribuição” – na
61
perspectiva do pagamento da promessa – é a manifestação das três fases típicas de um rito de
passagem descritas por Van Gennep e mais sistematizadas por Victor Turner (1974).
Na chamada fase da separação, o comportamento simbólico que significa o afastamento do
indivíduo de um estado anterior pode se verificar de diferentes formas. Tentar listar o imenso
leque de possibilidades de representação desta separação neste nosso caso seria, no mínimo,
temerário. Contudo, o que me parece essencial é a possibilidade de generalizar que os
critérios desta separação são ensejados pelo próprio sujeito, implicando ou não em
interdições e/ou obrigações, deslocamento geográfico ou simplesmente numa condição de
reclusão.
Sobre a segunda fase, a liminaridade, caracterizada pela ambigüidade das características do
sujeito ritual, creio ser possível alinhar algumas circunstâncias mais específicas. O ato
penitencial individual, no seu sentido literal (dado, por exemplo, no cumprimento de
penalizações ou sacrifícios pessoais), retira o sujeito votivo de sua condição ordinária, de sua
segurança ontológica do espaço e do tempo, sendo capaz de lhe proporcionar uma profunda
experiência de deslocamento da realidade em que vive, muitas vezes, inclusive, aguçando sua
sensibilidade religiosa. Os fenômenos liminares propriamente ditos envolvem o cumprimento
de obrigações prescritas, item ausente nas práticas votivas do catolicismo. Por este caráter
não-obrigatório, é mais adequado referi-los como liminóides ou quase-liminares, o que
também contempla a experiência do sujeito de fé nas peregrinações e romarias, formas de
interação não-estruturadas que correspondem às communitas. Turner sugere que a
liminaridade implica numa revisão das posições estruturais de uma sociedade, a partir do
momento em que, quando em communitas, os papéis sociais perdem seu valor hierárquico,
homogeneizando os sujeitos dentro de outra lógica valorativa. Assim, os rituais que o ensejam
podem gerar espaços de igualdade, onde os papéis sociais fixos podem ser transcendidos63.
Na terceira fase, a agregação, consuma-se o ritual de passagem. No caso votivo, na ausência
de normas que reestruturem o sujeito ritual no grupo, a agregação não implica
necessariamente numa mudança de status, mas na agregação de valor moral a este sujeito,
63 “O ritual permite que um grupo e seus indivíduos desempenhem e vivenciem papéis que compensam ou complementam o status social de rotina, não apenas no sentido de comportamentos idealizados, mas no sentido de momentos de licenciosidade e atividades antiestruturais” (PADEN, 2001, p. 72).
62
pretensamente “purificado”, dentro da sua comunidade. Pode investi-lo de prestígio ou
distinção.
Considerando apenas a dimensão conceitual da concreção do vínculo votivo como um rito de
passagem (notadamente na categoria dos “ex-votos penitenciais”) e recobrando todo o seu
percurso fenomênico, podemos concluir que o contexto da prescrição “moralizante” parece ter
ficado limitado – do mesmo modo como o já citado princípio de equivalência da
reciprocidade do dom – ao arbítrio e ao bom senso do sujeito ritual implicado. Os ritos podem
ser compartilhados, mas parecem poucas as estruturas normativas que impõem algum tipo de
conformidade às práticas deste sujeito, ao menos sob o aspecto comparativo com outros casos
mais ilustres de ritos de passagem dentro da literatura antropológica. Entretanto, há uma
condição que desempenha o mais decisivo dos papéis estruturantes no sistema devocional em
questão. Pierre Sanchis já afirmara que os ritos, de uma forma geral, são condições
excepcionais da “irrupção” do sagrado (SANCHIS, 2003, p.45). E é esta noção de sagrado64,
apesar de muito relativa no caso das relações votivas, quem institui as pessoas morais e quem
institucionaliza as crenças. Sustento que é justamente a noção de sagrado o mais eficaz
elemento estruturante do nosso sistema. Vejamos por quê.
A terceira instância da instituição de pessoas morais é justamente aquela que envolve a
transformação de pessoas ordinárias em pessoas extra-ordinárias, com esta projeção envolvida
num contexto de sacralidade. Trata-se de um assunto complexo e de extensão aparentemente
apavorante, mas tentarei ser objetivo.
O instituto da pessoa moral é elemento integrante de qualquer grupo que se possa considerar
como social. Ao nos referirmos às práticas votivas próprias ou derivadas do Catolicismo no
Brasil, não ignoramos, seguramente, os sistemas religiosos autóctones, que construíram suas
experiências solidárias muito antes da chegada do colonizador português. Ao se tratar da
atualidade do panorama das práticas devocionais católicas exclusivamente no nordeste
oriental do Brasil, ainda se pode perceber a presença, um tanto quanto aculturada e já sem
tanta vitalidade, dos sistemas pré-cabralinos. Não me aterei a eles nesta oportunidade.
64 Tratarei o assunto da sacralidade sob o termo “noção de sagrado”, já deixando subentendido que esta é uma categoria construída de formas diferentes em diferentes estratos do sistema votivo.
63
Ao longo dos últimos seis anos, após a tarefa nunca satisfatoriamente cumprida de gerar o
mapeamento e uma base de dados sobre o fenômeno votivo nesta região do Brasil, pude
observar interessantes experiências de construção do sagrado, principalmente como fato
moral. Há de se considerar a influência portuguesa, que como já expus em 2.1, trouxe um
sistema religioso estruturado, pronto para tornar-se um projeto civilizatório. A Igreja Católica,
contudo, nunca teve facilidade em garantir a plena adesão coletiva de seus dogmas: uma
inevitável “interpretação popular” sempre foi assunto cioso pela Grande Igreja. No prefácio
de reedição de uma famosa obra de Thales de Azevedo, Eduardo Hoornaert (2002) já dizia:
Se é verdade que o povo brasileiro, exceto um pequeno círculo de fiéis, não liga muito para as coisas da igreja e mesmo assim se considera católico no sentido pleno, isso não se deve a alguma negatividade, mas deve ser encarado de forma positiva. Corresponde à vida vivida, é verdadeiro e por conseguinte deve ser respeitado e positivamente avaliado. Na sua imensa maioria, a população brasileira é católica “sem Igreja”, escapa à Igreja. De forma lapidar: muito santo pouco sacramento, muita reza pouca missa, muita devoção pouco pecado, muita capela pouca igreja. Um catolicismo antes epicurista que estóico, antes “dionisíaco”’ que “apolíneo” (HOORNAERT in AZEVEDO, 2002, p. 13).
Uma declaração que afirma, ao contrário do que se pode crer num primeiro instante, que estas
não chegam a ser, exatamente, forças antagônicas; antes são complementares. A versão da
cristandade que aportou no Brasil trouxe um modelo devocional já experimentado e
autorizado, baseado na veneração de santos, que desde os primeiros tempos ganharam um
lugar simbólico na ordem cultural que aqui se conformou65. Aos ritos religiosos, a Igreja
agregava agudamente o tributo de estabelecer os limites entre o que era comum e o que se
desejava sagrado. Todos sabem que os santos um dia foram pessoas comuns, depois
transformadas em pessoas incomuns, que “pelo exercício notório das virtudes cristãs e pelos
carismas divinos, se recomendavam à piedosa devoção e imitação dos fiéis”66. Era (e ainda é)
a Santa Sé a entidade definidora de quem seriam as pessoas ordinárias a serem transformadas
em pessoas extra-ordinárias, como prefiro as atribuir neste estudo. “Piedosa devoção e
imitação dos fiéis”: nesta recomendação oficial, extraída da Constituição Dogmática LG
(2000), aprovada em 1964, a Igreja reafirma que conta com a efetividade do sentimento de
solidariedade para a ampliação e conversão do seu rebanho. Ao acreditar no poder de 65 Na mesma obra a que me referi, Thales de Azevedo inseriu em nota sobre as funções terapêuticas oriundas das crenças encontradas entre os indígenas ou importadas com os escravos africanos e fundidas ao dogma católico: “ O culto dos santos, da maneira como o entende a mentalidade popular, tem o mesmo sentido terapêutico; o que se procura dos santos não são as doutrinas que esposaram e ensinaram, os exemplos de virtude que deixaram ou as lições de método de apostolado, mas o poder de curar, de resolver problemas psicológicos, econômicos, sociais dos seus devotos” (AZEVEDO, 2002, p. 60). 66 Vide nota 47.
64
constrangimento desta figura simbólica, a transforma em pessoa moral: aos santos foi dada a
“responsabilidade” de influenciar os sistemas de valores, tornando-os aptos a conformar
condutas. O que vemos é a criação institucional de um ente social meramente simbólico,
capaz de impor condicionamentos a partir de metáforas sociais (suas próprias histórias
pessoais, de martírio, dedicação ou desapego), agregando pessoas e grupos dentro de um ideal
religioso.
Acontece que os vínculos solidários podem não ser interpretados pelas sociedades exatamente
dentro das determinações normativas desejadas pela Igreja. A estrutura das redes solidárias e
o papel de pessoa moral que foram propostos pela Igreja Católica no Brasil (prescritos na
exemplar história de vida dos santos e na vigilância didática de suas autoridades religiosas)
talvez não tenham sido suficientes para atender à ânsia e à liberdade criativa das populações
locais ao apelo do e ao extra-ordinário e à noção de sagrado, não estrita ao campo religioso,
mas como força moral.
Por todo Brasil, historicamente e muitas vezes à margem das orientações eclesiais, o
fenômeno da construção da pessoa moral no sujeito extra-ordinário, o outro votivo, vem se
tornando cada dia mais numeroso, e creio que pode dar pistas decisivas para o entendimento
da função social desempenhada pela Igreja Católica na atualidade. Principalmente no século
XX, foi abundante a veneração dos ditos “santos populares”. Os sinônimos são variados:
“santos não-canônicos”, “santos irregulares”, “personalidades carismáticas”. Inicialmente me
pareceu que esta era uma categoria analítica homogênea, mas a emersão de perfis devocionais
demonstra motivações muito específicas e desiguais entre si, mantendo uma proximidade
maior ou menor com o modelo e os critérios originados pela matriz católica.
A proposta de caracterizar, nesta tese, os perfis devocionais e sua distribuição no espaço
nordestino seria previsivelmente complexa. Esta complexidade adviria principalmente da
dificuldade em se definir uma visão do fenômeno que fosse eqüidistante dos fundamentos
eclesiásticos e das práticas populares. Já era sabido que esta antinomia é uma marca do
catolicismo brasileiro, mas a bem do melhor proveito deste estudo, tentei considerar
igualmente as duas influências, estabelecendo para ambas a mesma validade. Como pontuei
anteriormente, uma análise das mais importantes fontes de referência do passado indica a
predominância de figuras devocionais canonizadas pelo Catolicismo, seguidas do culto à
65
Santa Cruz (através dos cruzeiros), com ocorrências muito esparsas de devoções espontâneas
elevadas informalmente a uma condição de culto semelhante à dos santos regulares católicos.
Gostaria de antecipar, providencialmente, alguns resultados do trabalho etnológico, expondo a
classificação dos perfis devocionais no nordeste oriental do Brasil, para depois retomar os
comentários sobre a “assimilação popular” das mensagens de solidariedade e das experiências
de sacralidade vividas em diversos setores e grupos da região. Os critérios adotados na
classificação que se seguirá tiveram como objetivo caracterizar exclusivamente os tipos ideais
(no sentido weberiano) do Outro votivo, da pessoa moral extra-ordinária. Não correspondem
a categorias êmicas, conscientemente situadas pelos sujeitos de fé envolvidos na trama: nem
das instituições eclesiais, nem dos devotos. Também gostaria de esclarecer que as categorias
expostas não foram formuladas à luz da Teologia, nem pretende se impor como tal.
Representam sim, uma tentativa de localização do interventor miraculoso no imaginário social
a partir da herança do parâmetro regular do catolicismo, como me pareceu mais conveniente
do ponto de vista argumentativo. Ademais, a citação das devoções que se seguirá nesta etapa
têm apenas uma função referencial, sendo submetidas a crítica mais detida no capítulo 4.
Inicialmente achei possível considerar as devoções católicas sendo simplesmente classificadas
dentro de dois universos: o culto canônico e o culto não-canônico. A primeira categoria ainda
pôde, de fato, representar a maior parte das ocorrências que pude observar, expondo inclusive
uma ordem hierárquica bastante definida. A segunda, contudo, não tardou a demonstrar sua
fragilidade conceitual, já que os casos que não se encaixavam como cultos católicos
canônicos revelavam propriedades muito mais extensas e diversas entre si do que as previstas
na simples acomodação de sua exclusão daquele primeiro grupo. Ou seja, não se pode
raciocinar, rigorosamente, a partir de um critério de classificação simplesmente entre
canônico ou não-canônico, mas de manifestações que podem surgir de dentro da instituição
católica oficial e de manifestações que surgem de fora deste âmbito, mas lhe são derivadas a
partir da similaridade do modelo devocional que incita, se aproximando gradativamente de
uma adesão oficializante. Levando-se em conta o caráter institucional de onde se origina,
achei por bem definir duas categorias de partida: a de devoções de origem eclesiástica e a de
devoções de origem popular, estando ambas ligadas ao modelo católico.
66
Após esta operação preliminar, ficou mais clara a formulação de uma tipologia devocional,
agora sim, dentro da escala de um índice canônico67 de referência católica. Este índice
considerou a efetividade de quatro grandes tipos ideais do outro votivo, segundo seu
posicionamento devocional: o tipo canônico (constituído por figuras dogmaticamente
reconhecidas pela Santa Sé – os Santos regulares), o tipo transcanônico (constituído por
devoções que estabelecem uma correspondência direta entre dois cânones religiosos, a
exemplo da relação sincrética entre o Catolicismo e os cultos de matriz africana, como o
Candomblé e a Umbanda), o tipo proto-canônico (que situa as venerações com canonização
já reivindicada ou em vias de reivindicação na Santa Sé) e o tipo não-canônico propriamente
dito (que define as venerações a entes instados como extra-ordinários estritamente pela
iniciativa popular, cuja trajetória de vida não é necessariamente vinculada ao meio religioso,
mas pode vir a ser).
A classificação que adotei aqui supera a dicotomia apontada por Câmara Cascudo em “O
povo faz seu Santo” (2001, p. 419-424). Não seria pretensioso afirmar que é possível estar,
com este trabalho, atualizando a lupa cascudiana. Isto se faz possível graças ao fato de que,
nenhum daqueles “santos irregulares” citados por ele em 1974 se encontrava, como hoje, com
processos de beatificação abertos perante o Vaticano. É um quadro circunstancial e histórico
distinto, que conduz forçosamente à atribuição de critérios analíticos distintos. Ademais,
como bem tratou o célebre folclorista no Prefacial da obra reunida que incluiu o artigo citado,
“o critério não é o registro, mas a tentativa de elucidação das origens” (Ib., p. 11). No nosso
caso a confiabilidade do registro é requisito basilar, inclusive através da elucidação das
origens. Assim, em razão deste caráter dinâmico que o Outro votivo pode ter, as posições que
ocupam no esquema não são definitivas. Os tipos devocionais podem ser pensados como
instâncias referenciais fixas, mas o caráter de seus ocupantes, não.
O Quadro 2 representa o esquema analítico adotado para posicionar os diversos níveis de
consagração devocional e prescreve um modelo sintético dos tipos ideais observados no
trabalho de campo, realizado ao longo dos últimos anos pelo nordeste oriental do Brasil:
67 Tomo aqui de empréstimo a referência do Índice de Etnograficidade proposto por Jean-Pierre Olivier de Sardan (1994), que se refere a abordagens interpretativas que tornam a imagem de cunho etnográfico mais ou menos válida a partir do sentido de fidedignidade que guarda em relação a seu referente.
67
Quadro 2: Esquema analítico de classificação das tipologias devocionais, 2006.
Fonte: Trabalho etnológico do autor.
Pode o leitor se questionar sobre o isolamento da figura de Deus no sistema, e é sobre este
ponto que gostaria de apresentar algumas considerações – reiterando a ausência de pretensões
de cunho Teológico – antes de comentar mais detalhadamente sobre os quatro grandes grupos
de perfis devocionais.
Do mesmo modo que relatou Câmara Cascudo (2001, p. 350), não tive notícias de culto
(votivo, especificamente) prestado pelo povo a Deus (ou Deus Pai, o Padre Eterno, o Pai do
Céu). Detentor dos “segredos impenetráveis da Sabedoria Altíssima” (ib.), a intangível figura
do Deus Criador não é diretamente instada no ciclo das relações votivas. “Pede-se” muito a
Deus, mas normalmente não se contrata com Ele. Contudo, apesar de não ser mencionado
como uma personalidade, como um ente relacional, é em torno da figura de Deus que se
configura todo este sistema de crenças.
No Cristianismo (especialmente no Catolicismo) a imagem de Deus-Pai isolado foi
substituída por uma Trindade Sagrada, formada por Pai, Filho e Espírito Santo, à qual se
acrescentou a figura da Mãe Divina, que especialmente depois do Concílio do Vaticano II
68
(1962-1966) passou a estar associada não só a Cristo, mas “à própria missão messiânica do
Filho, expressa a raiz de sua ligação com toda a humanidade a ser salva” (CED-CNBB, 2005,
p. 37). Eneida Dutra Gaspar (2000) reforça o partido de que os povos da Península Ibérica e
da Itália definiram sua noção de Catolicismo apoiados por uma experiência religiosa anterior
(nascida na Era Paleolítica), fundada nas forças da natureza – o que poderia caracterizar a
presença de resquícios de uma herança idolátrica, minimamente com uma tendência a
projeções de cunho mais personalista. Já levantei, em oportunidade anterior, esta provável
descendência mágica das trocas votivas, que modernizada e reinterpretada pelas civilizações,
ganha um caráter mais estruturado, mas não rompe definitivamente com a essência
estruturante primordial. Somado a isso, Marcel Mauss já dissera que eram os deuses um dos
primeiros grupos de seres com os quais os homens tiveram de estabelecer contrato, que
justamente com eles era mais necessário intercambiar e mais perigoso não intercambiar e,
inversamente, mais fácil e seguro estabelecer transações (MAUSS, 2003, p. 206). Talvez
pudéssemos corresponder estes “deuses” a que Mauss se referia aos santos que estamos
observando, tendo-a assim como a única possibilidade dentro da lógica monoteísta do
Cristianismo.
Talvez à luz desta experiência das populações que consolidaram o Catolicismo no mundo
ocidental, as duas últimas figuras da Santíssima Trindade (o Filho e o Espírito Santo) e a
piedade Mariana foram sendo reinterpretadas como fiéis intercessoras perante o Pai,
abundantes que são de misericórdia.
Esta hipótese, no entanto, não é suficientemente satisfatória para justificar a ausência de um
status específico para Deus no sistema votivo. Esta é, em verdade, uma ausência presente,
uma vez que é acessível a qualquer observador interessado a constatação de Sua presença
nominativa, que pode ser expressa por meio verbal, evocada em preces e pedidos, escritos ou
falados.
Destaco algumas raras oportunidades em que, dentro ou fora das “salas dos milagres”, houve
algum tipo de menção a Deus. Na primeira delas, na sala votiva do Santuário de Bom Jesus da
Lapa, no estado da Bahia, o devoto Nilton Rebouças oferece uma faixa em vinil (banner)
manuscrita (SE39), em cores e com a seguinte inscrição:
SENHOR BOM
69
JESUS DA LAPA
EU NILTON REBOUÇAS
VENHO DE MUITO
LONGE E COM MUITA
FÉ PARA LHÉ (sic) VISITAR
A 8 VEZES
EU AGRADEÇO A DEUS
POR TODAS ESTAS
OPORTUNIDADES.
ASS. NILTON REBOUÇAS
S.P. 12/02/05
No ano anterior já havia o mesmo devoto apresentado outra faixa (SE40), com as mesmas
características tipológicas. E dizia:
SENHOR BOM JESUS
DA LAPA EU NILTON
REBOUÇAS VENHO DE MUITO LONGE
LHE VISITAR PELA 7ª VEZ COM O MESMO
AMOR E PRAZER. OBRIGADO POR TODAS ESTAS
OPORTUNIDADES E ATÉ O ANO QUE VEM
ASS. NILTON REBOUÇAS 13/02/04
Curiosamente o mesmo devoto cita Deus em apenas uma duas faixas. Em outros dois casos,
observados no Santuário da Virgem dos Pobres, em Maceió-AL, duas faixas em tecido
recolocam Deus na expressão dos agradecimentos. Na primeira, anônima (SE41), o devoto
relata:
AGRADEÇO PRIMEIRAMENTE A DEUS
E A NOSSA SRA VIRGEM DOS POBRES
PELAS GRAÇAS ALCANÇADAS NO ANO DE 2006
Na segunda, assinada por Lad Jackson (SE42), tem-se:
AGRADEÇO A DEUS E A
VIRGEM DOS POBRES
PELA GRAÇA ALCANÇADA
QUEM AGRADECE É
70
LAD JACKSON
Se por um lado estes relatos votivos podem ser muito pouco esclarecedores quanto à
indicação do objeto que movimentou os devotos à consagração do pacto, por outro deixam
claro que a menção a Deus é criteriosa e designativa de um locus excepcional. Talvez estes
indícios confirmem a suposição de que Deus é um elemento não figurado, mas discretamente
presente em todo o sistema, numa posição hierárquica absoluta, mas virtual. É, efetivamente,
uma presença u-tópica dentro da rede contratual das transações votivas.
Esta ausência, não obstante, define todo o sistema, caracterizando-se como uma ausência
ordenadora. É possível acreditar que todos os sujeitos que estabelecem um vínculo votivo são
tementes a Deus, e em última instância a Ele recorrem ou d’Ele são donatários: fala-se que a
vida é um dom, o maior dos dons... “um dom de Deus!”. No entanto, não é com Deus que os
pactos se firmam diretamente. Sua “ausência” dá sentido a todo o arranjo funcional que cria
um sistema lógico e harmônico, pleno em si, já que, entendido como Criador, contém e está
contido em tudo.
Além do mais, as representações da Santíssima Trindade são variadas, vão desde o anicônico
puro (não figurado, não dado aos olhos), até as representações semi-icônicas e as icônicas. A
existência de Deus é anicônica e estamos falando de um sistema de relações que nasceu
marcado pela força do ícone como elemento de representação. É, portanto, natural que o
dinamismo das práticas religiosas tenha assimilado outras formas de representação, onde toda
a figuração icônica é tributária de uma referência muito maior, não necessariamente
figurativa.
Dessa forma, acredito que a presença de Deus revela-se não estrutural, mas funcionalmente,
regendo a nossa taxonomia. O que está em questão neste estudo é a forma como se estabelece
uma escala valorativa a partir e em torno de um sentido católico, uma espécie de índice de
canonicidade, que no Quadro 2 se expressa num dégradé, esmaecendo sua verve de
oficialidade, mas não perdendo a ligação com um Outro maior que e presente em todos os
Outros.
Voltando à análise do Quadro 2, no extremo do tipo canônico situa-se o perfil do Santo
Cristo, segunda pessoa da Santíssima Trindade e a representação mais próxima do Criador,
71
distinto como intercessor da mais elevada referência. De uma forma geral a devoção ao Santo
Cristo é presente em todo nordeste oriental, na zona litorânea e no interior, com seu culto
reservado às basílicas e às mais tradicionais igrejas, mas é comum, especialmente na Bahia,
sua veneração em grutas, que são, literalmente, santuários naturais. A referência à gruta vem
de dois momentos marcantes na vida de Cristo: seu nascimento e seu sepultamento.
O culto devocional de característica votiva ao Santo Cristo foi efetivamente observado nas
seguintes localidades:
Salvador-BA (Senhor do Bonfim) (FIS02);
Ibiqüera-BA (Bom Jesus da Lapa) (FIS29);
Ituaçu-BA (Sagrado Coração de Jesus, na Gruta das Mangabeiras) (FIS30);
Bom Jesus da Lapa-BA (Bom Jesus da Lapa) (FIS22);
São Cristóvão-SE (Bom Jesus dos Passos) (FIS31);
Maceió-AL (Bom Jesus dos Martírios) (FIS15);
Ipojuca-PE (Santo Cristo) (FIS32);
Num segundo nível do perfil canônico, situo o culto à Santa Cruz, símbolo do martírio de
Cristo, portanto uma derivação do primeiro perfil. Com veneração legitimada pelo Segundo
Concílio Ecumênico de Nicéia (787), o culto à Santa Cruz é dos mais tradicionais e visíveis
pelo Nordeste do Brasil. Segundo a CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A
DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS (2003, p. 115), na fé cristã, a Cruz é expressão do
triunfo sobre o poder das trevas. Só que nem sempre as cruzes ou cruzeiros evocam
literalmente o “projeto salvífico de Deus” (ib.), como a Igreja poderia desejar. Luís Saia já
havia apontado que na ocasião da Missão de Pesquisas Folclóricas foram basicamente os
“cruzeiros” os alimentadores das suas coletas de ex-votos. Naquela época, os chamados
“cruzeiros de acontecimentos” (normalmente memorando fatos trágicos) predominavam,
espalhando-se por toda parte e concorrendo com os cruzeiros levantados em morros, que
comemoravam o centenário das suas cidades (SAIA, 1944, p. 10). Hoje em dia, uma viagem
rodoviária pelas vias federais, estaduais ou vicinais especialmente no Nordeste, revela a
atualização funcional daquelas expressões de fé e respeito, não exatamente sinalizando a
presença da mensagem cristã, mas quase sempre como um signo de valor mais próximo do
uso popular, demarcando espaços que foram palcos de trágicos acidentes automobilísticos – o
típico “acontecimento” na atualidade, quase que com exclusividade (SE43 a SE49).
72
Diferente das outras expressões de devoção, as cruzes e cruzeiros não são entes com
personalidade, contudo, são capazes de solidarizar sujeitos no grupo, a partir da ação de
alguma pessoa moral que a estabelece num determinado lugar. A cruz é um signo que
semioticamente supera esta sua natureza de representação mais elementar (icônica) e se torna
uma imagem carregada de significados e de simbologias. Continuam exprimindo um triunfo
sobre o poder das trevas, especialmente quando se considera que as circunstâncias que
ocasionam as tragédias rodoviárias ceifam vidas repentinamente, em geral privando aquele
que parte do cumprimento dos últimos sacramentos cristãos. É o tipo de morte que deixa para
as testemunhas a responsabilidade pelo bom descanso daqueles que se foram; a
responsabilidade para que, na passagem pelo purgatório, os infortunados tenham um
sofrimento menor. Assim as cruzes cumprem um papel solidário na relação do indivíduo com
o que não mais goza desta mesma condição. Então se erguem as cruzes, que em muitos casos
se transformam em cruzeiros e até em pequenas capelas, que pela sua emergência, renovam os
laços de intersubjetividade, preservando a consagração da hora que todos um dia terão. Dita a
tradição que cada pedra assentada aos pés ou sobre a cruz representa uma prece oferecida à
alma dos respectivos mortos que representa. Estas pedras se enquadram naquela categoria de
“apelo protetivo”, citada em 3.1. Não são votos nem ex-votos, necessariamente. Cada pedra
simboliza a oferta que veio da terra e que à terra retorna, renovando a um só tempo, as leis
naturais e as leis sociais.
Esta é a forma de culto à Santa Cruz mais livremente interpretada pela população. Por outro
lado, podem se apresentar também sob versões dogmáticas, como na Capela da Santa Cruz,
em Monte Santo-BA (FIS26) e no Cruzeiro do Centro de Visitação Bíblica de Poção-PE
(FIS33), que serão revistas no capítulo 4.
Na terceira expressão de tipo canônico, surge o perfil devocional mariano. Talvez se possa
afirmar com alguma segurança que é sobre a devoção de Nossa Senhora que mais
numerosamente se verificam as relações votivas por todo nordeste oriental do Brasil. Admito
a classificação de Macca & Almeida (2003, p. 26-28), segundo os quais a veneração a Maria
se dá dentro de três possibilidades de títulos, de diferentes origens:
i. Títulos litúrgicos: baseados em fatos ou passagens da vida da Santa. Podem
também estar associados aos dogmas reconhecidos pela Grande Igreja – Nossa
73
Senhora da Imaculada Conceição, Nossa Senhora da Assunção, Nossa Senhora da
Glória, Nossa Senhora das Dores, Sagrado Coração de Maria.
ii. Títulos populares: dados conforme as necessidades e as aflições dos devotos –
Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora do
Bom Parto (ou da Expectação, ou do Ó), Nossa Senhora da Cabeça, Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro.
iii. Títulos históricos: relacionados às aparições da Santa ou à descoberta de suas
imagens milagrosas – Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa
Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora de Copacabana, Nossa Senhora Aparecida.
Observei o culto mariano, estritamente pelo seu caráter votivo, dogmático ou livremente
apropriado, nas seguintes localidades:
Salvador-BA (Nossa Senhora da Boa Viagem) (FIS01);
Salvador-BA (Nossa Senhora do Monte Serrat) (FIS03);
Salvador-BA (Nossa Senhora da Imaculada Conceição da Praia) (FIS34);
Candeias-BA (Nossa Senhora das Candeias) (FIS28);
Milagres-BA (Nossa Senhora de Brotas) (FIS35);
Feliz Deserto-AL (Nossa Senhora Mãe dos Homens) (FIS19);
Maceió-AL (Nossa Senhora da Cabeça) (FIS15);
Maceió-AL (Virgem dos Pobres) (FIS36);
Pesqueira-PE (Nossa Senhora das Graças) (FIS39);
Solidão-PE (Nossa Senhora de Lourdes) (FIS38);
Tacaratu-PE (Nossa Senhora da Saúde) (FIS05);
João Pessoa-PB (Nossa Senhora da Penha) (FIS06);
Lagoa Seca-PB (Virgem dos Pobres) (FIS37);
Sousa-PB (Nossa Senhora de Lourdes) (FIS08);
Patu-RN (Nossa Senhora dos Impossíveis) (FIS40);
Ainda que sem visitação, confirmei devoções marianas de cunho votivo em:
74
Recife-PE (Nossa Senhora da Imaculada Conceição, no Morro da Conceição e na
Capela do Parque da Jaqueira);
Florânia-RN (Nossa Senhora Menina);
Carnaúba dos Dantas-RN (Nossa Senhora das Vitórias);
A quarta categoria de devoção votiva do tipo canônico é o perfil ocupado pelos santos
regulares, cuja veneração também pode ser verificada sob a regência da Igreja ou em livre
apropriação popular (não institucionalmente). Foram observados:
Salvador-BA (Santa Luzia) (FIS41);
Salvador-BA (Santa Bárbara) (FIS44);
Maceió-AL (Santa Amélia) (FIS16);
São João-PE (Santa Quitéria das Freixeiras) (FIS04);
Salvador-BA (Santo Antônio da Barra) (FIS42);
Salvador-BA (São Cosme e São Damião) (FIS45);
Salvador-BA (São Roque e São Lázaro) (FIS43);
Paripueira-AL (Santo Amaro de Paripueira) (FIS17);
Recife-PE (São Clemente) (FIS12);
Recife-PE (Santo Antônio) (FIS12);
Paudalho-PE (São Severino dos Ramos) (SE123 e SE124);
Apesar da impossibilidade de verificação in loco, confirmei a efetividade de outras práticas
devocionais similares em:
Carnaúba dos Dantas-RN (Santa Rita de Cássia);
Fortaleza-CE (Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus);
Canindé-CE (São Francisco das Chagas de Canindé);
A segunda categoria no índice de canonicidade é a do tipo transcanônico, que envolve a
analogia do Outro votivo em dois cânones religiosos distintos. Notadamente expressiva na
relação catolicismo x cultos afro-brasileiros, é uma tipologia que se estende em
simultaneidade com os perfis do tipo canônico. As devoções que se enquadravam mais
tipicamente na noção de signo votivo sobre a qual se dedica este estudo emergiram quase que
exclusivamente na região do Recôncavo baiano. Associações observadas:
75
Salvador-BA (Senhor do Bonfim x Oxalá) (FIS02);
Salvador-BA (São Roque x Omolu) (FIS43);
Salvador-BA (São Lázaro x Obaluaê) (FIS43);
Salvador-BA (Santa Bárbara x Iansã) (FIS44);
Salvador-BA (Nossa Senhora da Imaculada Conceição/Nossa Senhora dos Navegantes
x Yemanjá);
Salvador-BA (São Cosme e São Damião x Ibeji) (FIS45);
Candeias-BA (Nossa Senhora das Candeias x Oxum) (FIS28);
O terceiro tipo devocional, o protocanônico, é o de mais recente emergência no Brasil e se
apresenta com um notável dinamismo, sendo, em verdade, uma categoria de transição entre o
culto devocional popular e o culto sistematizado pelo meio eclesiástico. Retomarei, em
instantes, as conseqüências sociológicas desta condição dinâmica ensejada por esta tipologia.
Seus perfis devocionais são determinados dentro de uma escala valorativa estabelecida pela
Santa Sé. Em seu livro Candidatos ao altar, José Luís Lira (2006) apresenta o quadro
contemporâneo dos processos de beatificação/canonização com pedidos de nihil obstat (nada
obsta) requeridos na Comissão para as Causas dos Santos, no Vaticano. É uma das raras
publicações que, além de posicionar e expor uma breve nota biográfica dos envolvidos nos 54
processos nacionais, esclarece, de forma objetiva, a atual legislação e as instâncias
progressivas rumo à consagração definitiva do candidato. Contudo, não limito a presente
categoria tipológica (protocanônica) nestes critérios: aqui, além dos perfis estabelecidos pelo
Vaticano, a saber, Servo de Deus, Venerável e Beato, incluo também os “Candidatos
consagrados pela devoção popular”. Cabe um esclarecimento. Exclusivamente no nordeste
oriental do Brasil, a trajetória histórica das “pessoas extra-ordinárias”, interventores
miraculosos perante a população, que partem do status da devoção popular (não-canônica),
para o status de candidato oficial (protocanônico), aponta para a seleção de personalidades
oriundas da própria Igreja, ou seja, de religiosos. Àqueles que apresentavam o mesmo clamor
popular (a quem se atribui a mesma distinção interventora), mas não estavam formalmente
associados à vida religiosa católica, preferi considerar dentro do perfil de “personalidades
carismáticas”, na tipologia não-canônica, que virá a seguir. Assim, o perfil suplementar
envolve personalidades cuja veneração evidencia um caminho natural para a abertura de
futuros processos de canonização.
76
Lira (2006, p. 36-37) esclarece que segundo a legislação atual, a abertura das causas parte dos
bispos diocesanos, da sede ou do local onde viveram os candidatos à beatificação e
canonização. Na etapa seguinte, quando da liberação do nihil obstat pela Congregação das
Causas dos Santos, o candidato recebe o título de “Servo de Deus”, o que significa que a
Igreja assumiu oficialmente o julgamento da causa. A seguir, é necessária a comprovação das
virtudes, ou do martírio do candidato. No caso das virtudes elabora-se o Decreto da
Heroicidade das Virtudes e o Servo de Deus recebe o título de Venerável. Para o caso de
martírio, quando este se comprova, é feito o Decreto Sobre o Martírio e o servo de Deus
recebe do mesmo modo o título de Venerável. Neste último caso, dispensa-se o milagre e se
autoriza a beatificação do mártir.
O processo da Beatificação é aberto após a verificação do primeiro milagre, no caso da
eleição por virtudes (não-mártir). Assim, o candidato passa a gozar de culto nas dioceses onde
viveu e morreu e, quando religioso, em sua congregação. O processo final, da Canonização, é
aberto após a comprovação de um milagre do beato e só pode ser declarado exclusivamente
pelo Papa, após a comprovação de um segundo milagre, o que inscreve, definitivamente, o
nome do santo na lista da Igreja Universal, podendo ter culto prestado em toda a Terra (LIRA,
2006). No Brasil, apenas a Madre Paulina (Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus)
goza desta condição, tendo sido a primeira santa canonizada do Brasil, ainda que fosse de
naturalidade italiana.
Por tudo isso, os perfis protocanônicos ficaram divididos em quatro: Candidatos consagrados
pela devoção popular, Servos de Deus, Veneráveis e Beatos. Atualmente o Brasil conta com
alguns Beatos (também chamados de bem-aventurados) – a exemplo do Padre José de
Anchieta (22/06/1980) e do Frei Antônio Galvão68 (25/10/1998) – mas nenhum deles com
registro de presença votiva na região deste estudo69. Com relação ao perfil de Veneráveis, há
no Nordeste do Brasil uma personalidade marcante, mas ainda com discreta devoção: o caso
da Venerável Irmã Lindalva Justo de Oliveira70, cujo Decreto Sobre o Martírio foi publicado
68 Foi anunciado em fevereiro de 2007 que no mês de maio deste ano, quando da visita do Papa Bento XVI ao Brasil, o Frei Antônio de Sant’Ana Galvão será canonizado. 69 Há um caso de beatificação na região Nordeste do Brasil: o dos sacerdotes André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e mais 27 leigos, os “Mártires de Natal”, que foram trucidados por soldados holandeses e índios, no dia 16 de julho de 1645, durante uma missa. No entanto, não verifiquei um culto votivo de maior expressividade. 70 Irmã Lindalva era Filha de Caridade de São Vicente de Paulo e foi enviada, em missão, ao Abrigo Dom Pedro II, em Salvador-BA, para se dedicar a cuidar de idosos. Na sexta-feira santa do ano de 1993, enquanto preparava bandeja para servir café da manhã aos idosos, foi assassinada com 44 facadas por um interno, que já a havia
77
em 16 de dezembro de 2006. Contudo, não verifiquei signos votivos expressivos, nem mesmo
um centro devocional dedicado a ela, seja na capital baiana (Abrigo Dom Pedro II, local de
sua morte), seja na sua cidade natal, Assu-RN.
Os centros dedicados aos Servos de Deus, contudo, apresentam-se muito numerosamente no
nordeste oriental. Eis os principais candidatos, com os respectivos sítios observados:
Dom Vital (protocolo nihil obstat no 1981) (Recife-PE, Igreja Basílica da Penha,
Túmulo e Museu) (FIS12);
Padre Ibiapina (nihil obstat em 18/02/1992) (entre os municípios de Arara e Solânea-
PB, Santuário da Santa Fé do Padre Ibiapina. Culto espalhado por toda região
nordeste, mas sem outros centros votivos de maior expressão) (FIS10);
Irmã Dulce (nihil obstat em 19/10/1999) (Salvador-BA, Obras Sociais de Irmã Dulce)
(FIS46);
Frei Damião de Bozzano (nihil obstat em 06/07/2002) (Recife-PE, Convento de São
Félix de Cantalice, Túmulo) (FIS23); (Guarabira-PB, Memorial) (FIS24); São
Joaquim do Monte-PE, Santuário e Estátua) (FIS25); (Sousa-PB, Estátua) (FIS09);
Padre João Maria (nihil obstat em 13/05/2005) (Natal-RN, Praça Padre João Maria)
(FIS11);
O quarto perfil protocanônico é o dos “Candidatos consagrados pela devoção popular”, culto
dinâmico pela sua situação de extremo limiar entre o popular e o oficialmente
institucionalizado. Tive a possibilidade de verificar, ao menos, três venerações expressivas:
Padre Cícero Romão Batista71 (Juazeiro do Norte-CE, Serra do Horto, e com culto
espalhado por toda região Nordeste) (FIS21);
Padre Zuzinha (Santa Cruz do Capibaribe-PE, Túmulo no Cemitério São Judas Tadeu
e Estátua na Praça Padre Zuzinha) (FIS20);
Padre Zé Coutinho (João Pessoa-PB, Túmulo no Cemitério da Boa Sentença) (FIS14);
assediado (LIRA, 2006, p. 161). Pela dispensa da comprovação do primeiro milagre, espera-se que Irmã Lindalva seja beatificada até o final do ano de 2007. 71 A presença do Padre Cícero neste perfil se dá pelo fato de que ainda se tenta a sua reabilitação histórico-eclesial perante o Vaticano, uma vez que quando da sua morte estava condenado pela Santa Sé, acusado de promover embustes e gerar fanatismo – a partir do fenômeno da hóstia que se transformou em sangue e incitou a crença popular num milagre. Esse afastamento não permite a abertura de um processo de canonização.
78
Por fim, vejamos a constituição do último tipo devocional, o não-canônico, que define os
“santos populares” propriamente ditos. Como nos outros casos, apresenta perfis específicos.
Como na classificação dos “Servos de Deus” adotada pelo Vaticano, considerei aspectos
classificatórios relacionados às virtudes e aos martírios na história de vida dos evocados. No
primeiro deles, de caráter virtuoso, as “Personalidades carismáticas” emergem como pessoas
que tiveram uma trajetória marcada por práticas de caridade e/ou intervenções tidas como
miraculosas (taumaturgos), ainda em vida. Observei manifestações votivas consideráveis em
torno de:
“Beato” Pedro Batista (Santa Brígida-BA, Memorial e Praça) (FIS47);
Madrinha Dodô72 (Santa Brígida-BA, Memorial e Praça) (FIS47);
Irmão Venceslau (Itaparica-BA, Fonte dos Milagres) (FIS48);
Além destes, soube também de manifestações votivas relacionadas às pessoas de Zé Vigário
(Santa Brígida-BA) e a Maria Nilza Fonseca (Mãezinha/Santinha, no Santuário de Nossa
Senhora das Graças, Itaberaba-BA), que ainda não cheguei a observar.
O outro perfil envolve os mártires – adultos ou crianças vitimados em situações trágicas que
provocaram grande comoção social e que após a morte se lhe atribuíram intervenções
miraculosas. Na categoria de “vítimas inocentes”, exclusivamente limitado a menores, pude
observar um grande número de cultos de caráter votivo, a maioria deles cemiteriais:
Menino Petrúcio (Maceió-AL, túmulo no Cemitério de São José) (FIS13);
Menina Sem Nome (Recife-PE, túmulo no Cemitério de Santo Amaro) (FIS27);
Alfredinho (Recife-PE, túmulo no Cemitério de Santo Amaro) (FIS27);
Maria de Lourdes (João Pessoa-PB, túmulo no Cemitério da Boa Sentença) (FIS14);
Menina Francisca (Patos-PB, Parque Religioso da Cruz da Menina) (FIS07);
Na categoria dos adultos martirizados, observei ao menos três casos relevantes: o de um
cigano assassinado em Piaçabuçu-AL, em cujo local se afixou uma cruz e, posteriormente, se
construiu uma capela (Capela da Santa Cruz do Cigano, FIS18), o de Zé Leão, assassinado 72 Devota que, segundo o relato popular, fôra ajudante de Padre Cícero, seguindo posteriormente para Santa Brígida, para servir a Pedro Batista. Ao que se fala, era conhecida no Ceará como “Mãe Dodô”, mas a possível associação confusa que esta denominação poderia criar com as conhecidas “mães-de-santo” dos cultos afro-brasileiros, especificamente na Bahia, deve ter conduzido à opção pelo termo “Madrinha Dodô”.
79
numa emboscada em Florânia-RN, e em cujo local se erigiu cruz e capela, e o caso da Escrava
Anastácia, cultuada em um oratório nos fundos da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos, em Salvador-BA (FIS44). Apesar de não ter tido a oportunidade de observar in loco,
confirmei a ocorrência de manifestações votivas em três cultos cemiteriais, todos no estado do
Rio Grande do Norte: ao cantor Carlos Alexandre e ao bandido João Baracho, no Cemitério
do Bom Pastor, em Natal, e ao cangaceiro Jararaca, do bando de Lampião, impiedosamente
sacrificado pela população de Mossoró, cujo túmulo é local de culto no Cemitério de São
Sebastião. É oportuno esclarecer que não se deve envolver nesta categoria as oblações e
práticas de fé observadas em cruzes, cruzeiros e capelinhas – mais próximas ou mais afastadas
das estradas – que não encerram, necessariamente, relações votivas strictu senso, mas
manifestações de fé solidárias, muitas vezes relacionadas ao zelo do que se chama comumente
de “almas do purgatório”. O limite decisivo entre os dois casos é o fato de que no primeiro as
cruzes representam a memória de uma personalidade identificada, sobre a qual são atribuídas
intervenções miraculosas, já no segundo, o constrangimento se dá, na esmagadora maioria dos
casos a alguém anônimo e destituído de dotes milagreiros73.
A partir da apresentação deste esboço classificatório das tipologias e perfis devocionais,
gostaria de retornar ao ponto da constituição do código moral das relações votivas. Relembro
que uma primeira instância envolveu os vínculos entre indivíduo-Outro votivo, do ponto de
vista do compromisso contratual. Em uma segunda estação, situei o ensejo do vínculo
solidário a partir da ação sobre um indivíduo de um constrangimento imposto por um próximo
semelhante, que funcionava como pessoa moral (o caso da transferência da responsabilidade
entre pedido e cumprimento da promessa). Considerei como uma terceira instância aquela que
envolve a transformação de pessoas ordinárias em pessoas extra-ordinárias, conforme já
afirmei, com esta projeção envolvida num contexto de sacralidade. Após expor os perfis
devocionais observáveis na contemporaneidade do nordeste oriental, creio que podemos
chegar a algumas conclusões. A primeira delas é que, como em nenhum outro tempo, as
populações estão livres para construir seus próprios vínculos de religiosidade, independente
do crivo ou cumplicidade da autoridade católica. Em seguida, que esta construção revela, em
muitos casos, a emergência de uma sociabilidade e de um sentimento de solidariedade que
impressiona pela sua força, alcance e similaridade, ao longo de toda área observada neste
estudo. Por fim, que talvez seja este vigoroso apelo popular – antes social do que estritamente
73 É comum se ouvir na região que ao se passar por uma cruz deve-se ofertar uma oração e depositar uma pedra para que o morto “não venha atrás”.
80
religioso – que pode garantir a renovação das práticas e conseqüentemente das relações
religiosas em torno do Catolicismo que, especialmente nos últimos anos, vai incorporando de
forma gradativa elementos da devoção popular e garantindo, ao menos neste setor específico,
sua conservação institucional.
Parece-me que estes argumentos são suficientes para que se possa acreditar que os “santos”
funcionam, efetivamente, como pessoas morais. Senão vejamos. Acabamos de verificar a
constituição dos tipos e perfis devocionais. A partir do modelo histórico adotado pela Igreja
Católica (que formulou o tipo canônico), o caso específico do tipo não-canônico – pela sua
natureza, de livre interpretação da ortodoxia – apresenta um modelo evocativo que parte das
mesmas circunstâncias antagônicas, exacerbando o apelo persuasivo: a aderência imitativa
pelo aspecto, digamos positivo (das virtudes vividas em grau heróico), ou a aderência piedosa,
pelo aspecto negativo (do martírio a que o sujeito foi submetido). De um modo ou de outro,
vínculos de intersubjetividade são formados, em diversas direções e sentidos.
Se por um lado se pode imaginar no grupo social uma eficácia mais ou menos previsível do
modelo “didático”, ensejado pela suposta imitação do exemplo virtuoso, por outro, a
solidariedade suscitada pelos dramas e pelas tramas intersubjetivas dentro do grupo – que
forjam o próprio grupo – surpreendem pela sua imprevisibilidade. Falei há pouco sobre o
hábito popular de se orar e ofertar oblações em memória das chamadas “almas do purgatório”,
entes muitas vezes, se não anônimos, desconhecidos, que despertam no sujeito de fé uma
atitude de adesão pelo seu bom descanso74. Ainda que vividas dentro do grupo, acredito que
estas sejam mobilizações mais de cunho pessoal do que coletivo. No caso das venerações
post-mortem, especialmente no perfil não-canônico dos “mártires”, as mobilizações parecem
funcionar como uma espécie de esforço póstumo e coletivo – conscientemente ou não – pelo
ressarcimento da honra perdida por outrem no grupo, numa reparação social de uma
circunstância trágica ensejada socialmente ou de um crime se não executado, permitido pelo
grupo. É como se pairasse um sentimento de culpa nas consciências coletivas. Vejamos
brevemente os casos típicos das devoções a Jararaca, a Zé Leão e à Menina Sem Nome:
cultuados como santos, em cemitérios ou capelas, se estão distantes da possibilidade de
74 “É particularmente importante celebrar pelos defuntos, cujas almas se encontram no Purgatório à espera do feliz dia de poderem ver a Deus face a face. Rezar pelos defuntos é um dever de caridade para com eles” (IL, n. 53).
81
canonização, já gozam perante a população de uma inquestionável autoridade quando o
assunto é o poder de intervenções miraculosas.
Segundo informações no web site oficial da Prefeitura Municipal de Mossoró (2006), Jararaca
(José Leite de Santana) era cangaceiro do bando de Lampião e fez parte da tentativa de
invasão desta cidade, em 13 de junho de 1927. A prosperidade econômica local da época
atraiu o bando, que após seqüestrar o coronel Antônio Gurgel, prática então comum, fez uma
série de pedidos para poupar a invasão da cidade. Contudo, o prefeito Rodolfo Fernandes de
Oliveira não aceitara a imposição e contando com soldados e com a parte da população que
não partira em retirada, resolve enfrentar o bando. Após horas de combate, a população
entrincheirada resiste ao ataque e vê o grupo de cangaceiros se retirar75. Dois, no entanto, são
abatidos: Colchete, que queda morto, e Jararaca, que é baleado com tiros nas costas e na
perna. Uma das versões de sua morte conta que depois de cinco dias aprisionado, tendo
inclusive concedido entrevista ao jornalista Lauro da Escóssia, para o jornal O Mossoroense76,
fôra Jararaca “justiçado” por um grupo de soldados – resignado, mas não rendido – pagando
“com a própria vida os crimes praticados na sua caminhada sangrenta. Em seu túmulo, no
cemitério de Mossoró, ardem velas em intenção de sua alma, que pela crendice popular ‘obra
milagres’” (MAIA, 2004).
A narrativa sobre Zé Leão, em Florânia-RN, também apresenta muitas versões diferentes.
Entre tantas, ouvi uma que dizia tratar-se de um forasteiro vindo da Paraíba, que acumulou
riqueza na região à custa de roubo de gado e apropriação de terras. Bem aparentado e sempre
montado num belo cavalo branco, tinha a preferência das moças da cidade. Pelas rivalidades
conquistadas, conta-se que foi emboscado nos arredores da cidade por grandes proprietários
da região, em 20 de janeiro de 1887: cortaram-lhe as pernas e lhe atiraram numa fogueira, da
qual pulava para fora insistentemente, sendo novamente reconduzido, resistindo à morte até
não mais poder. Um dos assassinos, arrependido, voltara dias depois e fincara uma cruz no
local do martírio, logo atraindo a atenção da população, que começou a atribuir milagres ao
finado Zé Leão. Tive a oportunidade de visitar a cruz e a capela que se erigiu depois (SE50).
Conversei com devotos que comprovaram que, passados cento e vinte anos do martírio, a
75 Por este ato de resistência, Mossoró ostenta até hoje o título de “Cidade Invicta”, tendo muitos logradouros a relembrar o feito heróico. 76 O Mossoroense, no 844, ano XXVI, edição de 19 de junho de 1927.
82
referência de José Leão segue firme no imaginário popular da cidade que ficou conhecida
como “terra do mata e queima”.
Já o caso da Menina Sem Nome (FIS27) choca duplamente. Com aproximadamente oito anos
de idade, foi encontrada morta por um pescador na Praia do Pina, na cidade do Recife-PE, em
22 de junho de 1970. Com marcas de estupro, o corpo a criança passou dias à espera do
reclame dos parentes, já que o caso havia sido noticiado amplamente pela imprensa. Só que
ninguém se apresentou e a menina foi sepultada como indigente, em cova comum. Como em
muitos outros casos, conta-se que meses após o sepultamento o túmulo foi reaberto, para a
realização de outro enterro, e o corpo da criança permanecia intacto. Hoje a Menina Sem
Nome é dona de um dos mais visitados túmulos do Cemitério de Santo Amaro, na capital
pernambucana, distinta por sua ação milagreira perante setores da população.
Estes são três casos extremos da gênese dos “santos populares”. Trato como extremos porque
carregam consigo um valor devocional puro, fruto do relacionamento direto entre crente e
experiência religiosa. Mas no âmbito do grupo, não considero apenas esta dimensão. Nos três
casos sucintamente comentados, há um elemento em comum: um movimento solidário
aparentemente ensejado pela perspectiva da obtenção de uma graça ou um milagre, mas
denunciador de uma espécie de reparação coletiva da honra violada. Talvez esta “reparação”
surja porque a causa de suas mortes contraria o ideal de coesão social. Não foram mortes
punitivas, no sentido do direito repressivo, mas mortes arbitrárias, que deixam no ar uma
incômoda noção de desequilíbrio moral, de baixa solidariedade. Esta emergência
indenizatória é, sem dúvida, uma elaborada forma de dádiva social, um tipo de dádiva que não
se retribui, mas se restitui, uma dádiva que vem de uma dívida.
Ao que tudo indica, assim como a punição deve ser proporcionalmente exemplar ao ato
daquele que atenta contra a coesão do grupo (isso efetivamente não aconteceu em nenhum dos
três casos, todos impunes), aqueles que foram ameaçados ou violentamente afetados pelo
corpo social devem ser recompensados, a qualquer tempo, a fim de se proteger a coesão do
grupo. Esta forma espontânea de reparação manifesta aparentemente um reconhecimento
(coletivo, talvez até inconsciente – não no sentido psicanalítico) da honra que brota do
sentimento natural e de um senso gregário mais profundo e não necessariamente de uma
ordem jurídico-institucional estabelecida.
83
Dessa forma, ao se tornar uma prática que conta com a adesão (neste caso, piedosa) de novos
indivíduos, torna-se outra matriz de coesão social, fazendo crescer novas formas de
solidariedade, em escalas diferenciadas: ao mesmo tempo em que é uma aderência, é uma
forma de penitência, de expurgação de culpa. Aquele indivíduo, que deixara de ser pessoa
ordinária, tornara-se pessoa extra-ordinária, ao ser alçado ao lugar de interventor miraculoso,
funcionando como um tipo de pessoa moral, passando a estar investido socialmente de uma
autoridade normativa, mesmo que portador de uma missão que lhe foi dada ao largo do seu
arbítrio (à sua revelia). Mesmo que alheio ao quadro matricial ortodoxo que engendrou o
modelo devocional que assim se seguiu.
O que temos, enfim, é conformação quase que espontânea de um instituto moral – mais um
instituto moral – que se torna um fato social total ao ser assimilado institucionalmente. Talvez
este modelo cíclico calcado na personalização fosse improvável algumas décadas atrás: a
Igreja normalmente pensou o sagrado como uma categoria vertical, de movimento ortodoxo e
descendente. Dessa forma, do ponto de vista institucional, o locus sacrum sempre foi
necessariamente instado dentro dos limites preferenciais da Grande Igreja. Só que a categoria
empírica do sagrado também se manifesta em espaços “profanos” sacralizados, conforme
demonstraram os três casos que citei acima.
Esta interpretação popular do catolicismo constrói novas formas de culto. Um culto que é obra
do agir individual, impulsionado por pessoas ordinárias, com efeito de pessoas morais, é algo
que subverte a própria ortodoxia, sem necessariamente negá-la. É obra do anônimo, deste
crente que construiu sua crença quase sozinho, é fruto não só dos laços de família e da
tradição, mas do próprio caráter, em certa medida instintivo, de preservação da coesão social.
E isso não implica necessariamente num afastamento irreversível da ortodoxia – nem tanto
por conta do crente, mas da própria ortodoxia.
De um modo geral, os documentos oficiais elaborados pela Santa Sé, pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e por outras congregações pastorais recomendam aos
“irmãos do episcopado” uma atitude cautelosa no trato com os fenômenos de aparições, curas
ou outras experiências tidas (especialmente pelos fiéis) como sobrenaturais77. É clara a
77 Cf. COMISSÃO EPISCOPAL DE DOUTRINA (CED-CNBB), Aparições e revelações particulares. São Paulo, Paulinas, 2005 e CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, Diretório sobre piedade popular e liturgia: Princípios e orientações. São Paulo, Paulinas,
84
postura de tolerância da Igreja e seu magistério, que se num primeiro instante precisa manter
firme uma outra forma de coesão em torno de seus dogmas, num segundo momento reconhece
nas práticas de piedade popular uma dimensão pastoral bastante proveitosa, já que podem
ocasionar reais processos de conversão e de seguimento de Cristo (CED-CNBB, 2005, p. 49).
Na prática, a autoridade da Igreja não garante a verdade destas experiências sobrenaturais,
contudo, não impede que se acredite nelas (ib., p. 56).
Mais anteriormente me referi aos casos não-canônicos como extremos da gênese dos “santos
populares”. Talvez sejam exemplos típicos daquilo a que os “irmãos do episcopado” – parte
do corpo de especialistas religiosos, conforme cunhou Bourdieu (2001) – devam dispensar
uma atitude cautelosa. Cautelosa, porém não excludente. O esboço esquemático que elaborei
para expressar o índice canônico pode dar uma justa medida da evolução do trabalho
religioso (ib.) contemporâneo, não só no nordeste oriental, mas em todo Brasil: o
relativamente recente perfil dos protocanônicos parece apontar para um movimento de
racionalização que, dando “ouvidos” à expressão popular, transforma gradativamente a
produção simbólica anônima e coletiva – desde sua origem já moralizante, positiva ou
negativamente – em novas fontes cultuais sob o domínio, ou ao menos com a partilha, da
Grande Igreja. Trata-se de apenas uma (entre tantas outras) forma atual de apropriação de
discursos do “popular” tornado como fonte de renovação eclesiástica, processo que se tornou
ainda mais avivado depois do Concílio Ecumênico do Vaticano II (1962-1965).
Podemos também observar o caso dos santuários, lugar central no culto católico. Nesses
espaços, a relação entre o indivíduo e o Outro divinizado é direta, a Igreja não funciona
decisivamente como intermediária. Historicamente o santuário é um lugar tornado sagrado
inicialmente pela aclamação popular, sendo posteriormente apropriado pela Igreja: uma
montanha, uma gruta – vide os casos dos cultos a Bom Jesus da Lapa (FIS29) e ao Sagrado
Coração de Jesus, na Gruta da Mangabeira (FIS30), ambos na Bahia. Segundo o Código de
Direito Canônico, “sob o nome de santuário, entende-se a igreja ou outro lugar sagrado, aonde
os fiéis em grande número, por algum motivo especial de piedade, fazem peregrinações, com
a aprovação do Ordinário local” (cân. 1230, in PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A
PASTORAL DOS IMIGRANTES E ITINERANTES, 1999, p. 05). Dois pontos a se destacar:
em primeiro lugar, a ressalva no texto de que não é um espaço circunscrito exclusivamente
2003 e também PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES, O Santuário: Memória, presença e profecia do Deus vivo. São Paulo, Paulinas, 1999.
85
nos limites territoriais e simbólicos da igreja; depois, a submissão a um “Ordinário local”,
agente especializado incumbido de regular o culto e, conseqüentemente, campos de força,
vetores de poder simbólico.
Conclusivamente, o que se verifica é um processo de especialização na institucionalização do
culto. Especialização porque o culto em si já estava institucionalizado, já se configurava como
fato moral nos grupos de onde brotou. As práticas votivas contemporâneas ensejam, dessa
forma, uma nova divisão social do trabalho religioso. Vejamos o caso da Diocese de
Guarabira, no estado da Paraíba. Sediada no município homônimo, com uma população de
52.775 habitantes78, o que não falta é trabalho para os agentes especializados locais: sob sua
responsabilidade, se mobilizam, num raio de menos de cem quilômetros ao menos dois
grandes centros devocionais dedicados a protocanônicos: o “Memorial Frei Damião” (FIS24),
um dos muitos espaços devocionais a ele dedicados na região e o “Santuário da Santa Fé do
Padre Ibiapina” (FIS10) – religioso que, ainda no século XIX, abriu o histórico de padres
missionários, influenciando o padre Cícero Romão Batista e mesmo o frei Damião de
Bozzano. É a Diocese de Guarabira a autora da causa do seu processo de canonização. Esta
aglutinação não parece ser obra do acaso. Há um poder simbólico nas relações religiosas. Um
poder que parece confirmar a lógica da divisão entre produtores e consumidores do trabalho
religioso, que neste caso envolve a uma relação de troca especial: os consumidores num
primeiro momento elaboram um “produto bruto”, que é reformatado pelos “produtores”
(agentes especializados), e depois retorna aos “consumidores” como “produto elaborado”.
Não deixa de ser um ciclo de reciprocidades. O que ocorre efetivamente nesta reelaboração, é
a redistribuição do sistema de forças, com um fortalecimento da Igreja Católica, que passa a
ter um papel mais vigoroso de controle local. E isso parece ter uma justificativa plausível.
Não é um controle que se reforça simplesmente pela “institucionalização regular” do que era
irregularmente institucionalizado, mas um controle que se reforça pela legitimação do poder
simbólico dos próprios perfis devocionais cultuados: os santos já consagrados pela Igreja
Católica são universais, pertencem a toda Humanidade; os “santos” locais são particulares,
estão identificados diretamente com a história de vida da população, já que, a exemplo do Frei
Damião de Bozzano, há gerações que tiveram a oportunidade de desfrutar do seu convívio, de
tê-lo num mesmo ambiente, de tocá-lo. E isso faz uma diferença significativa. Mas não se
trata de qualquer “santo” local. O perfil que caracterizei como não-canônico, por exemplo,
78 Estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2005.
86
não conta com o mesmo empenho produtivo da Igreja, talvez porque não legitimem a ela
própria – como instituição – numa mesma intensidade que os protocanônicos, que como já
vimos, na região nordeste são expressivamente oriundos da Igreja Católica, seus agentes
especializados.
Portanto, tudo isso parece apontar para a conformação de um sistema de prestações totais em
torno do fato votivo: troca-se tudo, em todos os níveis. O indivíduo (ordinário) troca com um
Outro (extra-ordinário), e este instituto elementar da troca influencia mutuamente outros
indivíduos no grupo, que estabelecem novas relações de intersubjetividade em diferentes
níveis ontológicos, sempre dentro de um sentido separado do cotidiano, de um senso de
sacralidade. Partindo dos sistemas de troca tradicionais, os crentes reelaboram novos perfis
devocionais, que contrastam com os modelos ortodoxos (supra-ordinários), que tentam, por
sua vez, integrar e deter um relativo domínio sobre o sistema que passa a se configurar. Os
signos votivos, portanto, apresentam-se como metáforas de uma disputa dentro do campo
simbólico: para se falar de dependência, fala-se de fé. Voltarei a considerar outros aspectos
transacionados neste sistema de prestações totais na conclusão deste trabalho.
3.3 Sob o signo da solidariedade: outros estudos taxonômicos
Nesta terceira e última seção trago com mais força a noção de signo votivo. Não filio esse
termo nem o uso que dele farei exclusivamente à semiótica peirceana – isto estaria muito além
das nossas atuais possibilidades, dentro dos limites desta tese, vistas as variadas dimensões
significativas oferecidas pelo fato votivo total, já expressas em 3.1 e 3.2. Contudo, tomo a
Teoria dos Signos como referência em alguns instantes, eficaz que nos é em muitos de seus
fundamentos. Ao me referir, logo no título da tese, ao “signo votivo” no nordeste oriental do
Brasil, considero a amplitude significativa do termo, tratando também este tipo de signo como
“algo que se apresenta à mente” (SANTAELLA, 2002, p. 07). É grande o repertório do que se
pode assumir como signo votivo: seja na condição de representação concreta, seja como idéia,
prática ou mesmo relação. Seja na função de palavra e/ou de coisa, seja pela sua dimensão
estruturante ou pelo seu caráter estruturado. Reconheço todas as possibilidades de ser do
signo votivo. Contudo, não sei se seria possível me apropriar de todas elas. Portanto, esta
87
seção não tratará de “classificar” semioticamente as diversas dimensões, direções e sentidos
do signo votivo, mas de contextualizar, quando for o caso, modelos classificatórios
específicos. A vitalidade do termo, entretanto, será conservada.
A tarefa de propor a criação de esquemas abstratos para expressar categorias classificatórias
de signos numa síntese de comunidades distintas é, no mínimo, de risco eminente. Mesmo
assim, a Antropologia tem provado que, ao mesmo tempo, não há outra via. Os papéis
simultaneamente desempenhados como conceito (idéia, significado) e como indicativo
(imagem, significante) deste nosso objeto (o signo) tornam a percepção do fato votivo mais
nebulosa, uma vez que este não se apresenta numa única dimensão compreensiva. Isso faz
com que as generalizações tornem-se uma operação um tanto delicada, caso não sejam feitas
se considerando, em palavras de Malinowski79, “a simplificação da variedade e a
multiplicidade dos fatos” (in DURHAM, 1986, p. 146).
A dimensão conceitual do signo votivo foi abordada nas duas seções anteriores. Nesta terceira
parte irei especificamente à consideração do caráter significante, no poder do imagético deste
signo.
Como já afirmei em outra oportunidade, a tema dos “ex-votos” já fora alvo de outros estudos
no Brasil, alguns marcados pela ênfase na localização espacial, outros mais interessados em
propor análises no campo artístico ou museológico. Em nenhum dos muitos estudos
consultados pude encontrar sistemas de classificação suficientemente satisfatórios: ou se
restringiam a coleções muito particulares, de extensão e variedade limitadas80, ou
consideravam poucos aspectos igualmente limitados de significação81. Não acredito que esta
tese terá um caráter reformulador ou corretivo dos pontos sensíveis das produções passadas,
mas existe uma grande intenção de apresentar um resultado que se ainda não a contento, seja
pelo menos agregador das lições positivas espalhadas pelos estudos anteriores.
Há algumas questões de método que valem ser ressaltadas. Conforme já esclareci no Capítulo
1, a observação a cada sítio votivo gerou a elaboração de um corpus referencial localizado,
79 MALINOWSKI, Bronislaw. Baloma: the spirits of the death in the Trobriand Islands (excerto). In: ____. Magic, science and religion: and other essays. Introdução de Robert Redfield. New York, Doubleday, 1954. Seção VIII, p. 237-254. 80 Cf. SAIA (1944), VALLADARES (1967) e SILVA (1971). 81 Cf. ARAÚJO (1967) e SILVA (1981).
88
baseado nas fontes que se apresentavam no instante das visitas e em observações ou citações
anteriores, corpus este que levado à análise classificatória possibilitou a produção de
taxonomias tipológicas gerais. O critério mais decisivo foi considerar, em princípio, toda e
qualquer manifestação que pudesse conter alguma forma de significado votivo: material ou
imaterial, individual ou coletiva, de raiz ortodoxa ou popular, pura ou manipulada. Qualquer
coisa poderia ser signo, a depender da posição lógica que viesse a ocupar no sistema de
interpretações. Operaram como limites do ilimitável, dessa forma. Há de se considerar
também os limites interpretativos deste autor, que não são infalíveis nem se propõem como
definitivos, mas neste caso, definidores do próprio resultado.
A síntese do trabalho de campo revelou algumas possibilidades de redução de esboços
classificatórios sobre os signos votivos, em diferentes tipologias. A primeira apresentei na
seção 3.1, caracterizando as sete possíveis funções crônicas da oferta votiva, a seguir, na
seção 3.2, expus uma possível classificação de tipos e perfis devocionais. O primeiro quadro
esteve voltado para a percepção da função da oferta dentro de uma referência de tempo
cíclico, com começo, meio e fim. O segundo quadro deu conta de elaborar os status que são
estabelecidos pelos diferentes setores envolvidos no fenômeno religioso em questão.
Partindo daquelas sete estações crônicas e sem confiável método para definir com exatidão o
posicionamento temporal de cada “coisa observada” no ciclo, duas outras formas de
classificação dos signos votivos foram definidas: quanto às propriedades sígnicas e quanto às
formas expressivas. Irei inicialmente expor cada uma delas separadamente, não considerando
suas áreas de tangência ou interseção. A elaboração dessas duas categorias foi conseqüente da
aplicação de um método crítico indutivo, que partiu da análise do conjunto de observações
específicas, gerando regras gerais cuja validade foi testada ao longo de toda a produção do
trabalho. Consistiu, no fundo, de uma espécie de “autópsia” sobre as formas de expressão
votiva, de um trabalho hermenêutico passível de todos os riscos que tal operação pode prever.
3.3.1 Classificação quanto às propriedades sígnicas
Esta primeira abordagem classificatória parte das lições fundamentais da Semiótica. Levando
em conta o princípio básico de que signo é algo que se apresenta à mente, considerei como
89
signo votivo cada forma possível de oblação e/ou de atitude pessoal ou coletiva implicada
numa relação de troca com as características factíveis do nosso campo de especulação82. Os
signos votivos são “objetos imediatos” de determinados “objetos dinâmicos”, aos quais eles
são submetidos a correspondentes, ou seja, são veículos ideativos. Assim, os “objetos
dinâmicos” tendem a ser estáveis, ao passo que os “objetos imediatos” podem variar
absurdamente, dentro de certas propriedades inerentes aos signos. Trata-se como “objeto do
signo” aquilo que ele (o signo) representa, indica ou a que se refere. No nosso caso “objeto do
signo” são as motivações (vicissitudes, anseios, necessidades, desejos, entre outras categorias
que ainda serão discriminadas) que fundam o pacto entre indivíduo-outro e que são expressas
de acordo com as conveniências e possibilidades deste sujeito em transação. Por
“interpretante do signo” entende-se o efeito que o signo irá provocar em um possível
intérprete. Creio que nas seções 3.1 e 3.2 não pude esconder a preferência em acreditar que os
signos votivos são capazes de provocar algo que vai muito mais além de uma comunicação
direta e inequívoca entre indivíduos: provoca vínculos solidários, por todas as razões e em
todos os níveis que já expus. Permanecerei com esta preferência, ainda que reconheça que
outros entendimentos são possíveis83.
Postos estes critérios fundamentais, considerei inicialmente as três categorias do signo
elaboradas por Peirce (2006) [1868], de acordo com o tipo de representação: a de semelhança,
a de correspondência de fato e a de convencionalidade das leis. Partindo dessa noção triádica,
defini três as categorias de representação do signo votivo que foram adotadas neste estudo:
representações figuradas, designações indiciais da graça/milagre e expressões
essencialmente simbólicas. Tais categorias não são excludentes entre si, uma vez que os seus
fundamentos podem ser sobrepostos.
A primeira categoria, das representações figuradas, foi definida pelo valor de representação
icônica do signo votivo, baseada na referência visual a fundamentos comuns que denotam
semelhança entre os objetos imediato e dinâmico. Ou seja, nela considerei os “objetos
imediatos” estritamente pela sua funcionalidade descritiva, pelo uso expressivo que fazem da
representação por semelhança a partir de um determinado “objeto dinâmico”. Como
representações figuradas, considerei além do nível imagético (similaridade pela aparência), o
82 Para usar as confusas categorias do Patrimônio Cultural: manifestações “tangíveis” e “intangíveis”. 83 Cf., novamente, BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: teoria e metodologia. São Paulo: Metodista, 2004.
90
nível de diagrama (similaridade entre as relações internas dos dois objetos em questão) e o
nível metafórico (similaridade significativa).
Por representações figuradas de nível imagético defini as formas de expressão votivas que
guardavam relação de semelhança com, por exemplo, partes do corpo humano (SE51 a
SE54), ou com o corpo como um todo (SE55 e SE56), também as miniaturas de animais
(SE57) ou de construções habitacionais ou religiosas (SE58), e até as fotografias em 3x4
quando utilizadas na função de apelo protetivo (SE16).
Por representações figuradas em nível de diagrama considerei a ocorrência da oferta votiva
sob a forma de exames de saúde expressos em imagem, por exemplo, radiografias e
eletrocardiogramas.
Por representações figuradas em nível de metáfora considerei a dimensão que certas
representações similares ganham ao extrapolar sua mera presença imagética, por exemplo, a
cabeça em madeira representando um problema psíquico (SE35), bolas de gude representando
olhos (SE59) ou a representação de genitálias e aparelhos reprodutivos (SE60 e SE61) em
referência à fertilidade ou vigor sexual.
A segunda categoria, formada pelas designações indiciais da graça/milagre, foi definida pela
capacidade de contextualização e correspondência de um determinado fato por um objeto
votivo, numa referência a fundamentos comuns e a correlatos. Ou seja, o tipo ideal desta
categoria é expresso pelo signo votivo que, no seu aspecto existencial, aponta para um outro
pré-existente (normalmente um fenômeno), do qual se torna parte, confirmando-o: as oblações
antropomórficas in natura (SE29), os aparelhos ortopédicos ofertados como ex-voto, após a
recuperação da saúde (SE62 e SE63), o vestido de noiva que agradece o casamento. Em
alguns casos são os chamados “objetos testemunhos do milagre”, por serem, com efeito,
“objetos imediatos” do fato. Em outros já não podem ser considerados assim. Santaella (2002,
p. 19) afirma que o objeto imediato do índice é a maneira como o índice é capaz de indicar
aquele outro existente, seu objeto dinâmico, com o qual ele mantém uma conexão existencial.
Isso faz com que as fotografias (no sentido de papel impresso), por exemplo, cumpram uma
função indicial, mas não sejam, a rigor, “objetos imediatos” dos “objetos dinâmicos” que
referem: estes imediatos estão circunscritos no recorte específico apresentado através da
91
fotografia (SE64). Assim também se procede com certas expressões do desenho e a pintura,
via de regra (SE65 e SE66).
Por fim, a terceira categoria, das expressões essencialmente simbólicas. Esta foi definida pela
expressão do signo votivo a partir do conjunto de características convencionadas
coletivamente, imputadas, referentes a um fundamento, a um correlato e a um interpretante.
Ou seja, as expressões votivas essencialmente simbólicas são aquelas que se manifestam na
variação sobre os modos de expressão do “objeto dinâmico”: elas são “objetos imediatos” que
extrapolam ideativamente as correspondências imagéticas diretas, representando, no seu
recorte particular, variados recortes particulares do “objeto dinâmico”, com grande poder
sugestivo. Por exemplo: ex-votos penitenciais como cruzes (SE28 e SE67), a oferta votiva de
imagens de santos (SE68 a SE70) ou mesmo a queima de fogos em agradecimento ou júbilo.
Este esboço classificatório contém as três dimensões possíveis para a dotação significativa das
formas votivas: trata-se essencialmente de um esquema abstrato, muito útil em certa medida.
Estas três dimensões não implicam em exclusividade, o que torna ainda mais temerário
acreditar que, desconhecendo as motivações que levaram à emergência do objeto ou ato
ofertivo, seja possível efetivar tabulações indiscutivelmente eficientes. Do ponto de vista da
confiabilidade do método científico e na especificidade da presente tese, esta desponta como
uma limitação da própria Semiótica, que não parece dispor de suficientes meios mais
incisivos e decisivos no fenômeno total, mesmo quando da aplicação das Teorias da
Significação, da Objetivação ou da Interpretação: estaciona-se no âmbito representativo.
Acontece que o signo votivo tem ainda algumas outras dimensões.
3.3.2 Classificação quanto às formas expressivas
Este segundo esboço classificatório baseou-se exclusivamente nas inferências oriundas do
trabalho de campo. Como já exposto, o meu interesse pelo tema das relações votivas teve
início na avaliação dos contrastes entre a produção seriada e a produção tradicional, de base
artesanal, lançando, logo de início, uma preocupação no que se referia à caracterização das
tipologias do objeto votivo, especialmente num sentido comparativista. Portanto, a atenção a
essa dimensão “existencial” dos signos votivos sempre foi um foco ativo do trabalho, já que
92
se configurava como uma necessidade interna. Isso não significa, por outro lado, que a
percepção destas categorias formais tenha sido tarefa das mais simples: a pouca precisão e a
ambigüidade de boa parte das categorias adotadas sempre estiveram presentes, o que fez com
que o esquema fosse periodicamente sendo revisto e ajustado a termos mais coerentes, até se
chegar num ponto satisfatório.
Contribuíram para a consolidação deste esboço, ainda que de forma bastante pontual, os
estudos de Clarival do Prado Valladares (1967) e de Maria Augusta Machado da Silva (1981).
Falando-se mais amplamente do ponto de vista metodológico, segui algumas recomendações
sugeridas por Boris Kossoy (2001) na especificidade dos estudos iconográficos,
especialmente no trato com as fontes (no nosso caso, as expressões votivas).
O Esboço classificatório das formas expressivas dos signos votivos (vide APÊNDICE G) foi
elaborado dentro do método indutivo, partindo da observação dos “signos resultantes” (os
“objetos imediatos”). Estes “signos resultantes” foram sendo identificados e classificados
inicialmente em mapas locais (em cada sítio votivo), sendo depois ampliados dentro de
esquemas gerais, resultando num desdobramento em cinco níveis, a saber: forma de
expressão, morfologia, processo expressivo utilizado, caráter expressivo e signo resultante.
Gostaria de comentar detalhadamente cada um deles, desta vez numa ordem reversa, partindo
do geral para o específico. O primeiro nível, que definiu a forma de expressão, dividiu-se em
dois sistemas: a forma de expressão verbal e a forma de expressão não-verbal.
A) Forma de expressão verbal: considerei, nesta primeira grande categoria, as formas
expressivas derivadas do uso da palavra, classificando-as, num segundo nível, nas
morfologias escrita ou falada.
A.1) Morfologia escrita: classifiquei as ocorrências a partir do processo expressivo
utilizado, nas categorias manuscritura a tinta, gravação direta por meio mecânico,
gravação ou colagem indireta por meio mecânico e adaptação ou ressignificação:
A.1.1) Processo expressivo de manuscritura a tinta: no caso do caráter
expressivo bidimensional, considerei os signos resultantes expressos em
manuscrituras sobre papel (pautado ou não, soltos ou integrados a outros
objetos votivos) (SE71 e SE72); manuscrituras sobre verso de fotografia
93
(SE21-22 e SE37-38); manuscrituras sobre fita de tecido (SE73), placa de
madeira, metal ou plástico (SE74); manuscrituras sobre vinil (SE39 e
SE40) ou manuscrituras em parede (SE75 a SE77). No caso do caráter
expressivo tridimensional, considerei os signos resultantes expressos em
manuscrituras diretamente registradas sobre objeto votivo tridimensional;
A.1.2) Processo expressivo de gravação direta por meio mecânico: no
caráter expressivo bidimensional considerei os signos resultantes das
gravações em alto ou baixo relevo sobre placa em pedra, metal, acrílico,
madeira e cerâmica (SE78 e SE79). No caráter expressivo tridimensional
considerei os signos resultantes sob a forma de gravação em alto ou baixo
relevo diretamente aplicadas sobre objeto votivo tridimensional;
A.1.3) Processo expressivo de gravação ou colagem indireta por meio
mecânico: no caráter expressivo bidimensional considerei os seguintes
signos resultantes: datilografia sobre papel (SE33); impressão em processo
tipográfico sobre papel; impressão em processo serigráfico sobre papel,
tecido ou vinil; impressão em processo off set sobre papel; impressão em
processo informatizado (matricial, jato de tinta ou laser) sobre papel
(SE80) e colagem em processo de plotagem (sign) sobre vinil. No caso do
caráter expressivo tridimensional considerei os signos resultantes em
impressão em processo serigráfico sobre objeto votivo tridimensional e a
colagem em processo de plotagem eletrônica (sign) sobre objeto votivo
tridimensional. Tanto na dimensão bidimensional quanto na tridimensional
as ocorrências do processo expressivo de gravação ou colagem indireta por
meio mecânico são bastante raras;
A.1.4) Processo expressivo baseado em adaptação ou ressignificação: nesta
última categoria da morfologia escrita, considerei basicamente expressões de
caráter bidimensional, nos seguintes signos resultantes: oferta de
documentos pessoais (em original ou fotocópia: RG, Cadastro de Pessoa
Física – CPF – Título de Eleitor, Carteira Nacional de Habilitação, Carteira
de Trabalho, crachá funcional, entre outros); resultados e laudos de exames
de saúde (SE81 e SE82); registros de conquistas na vida pessoal (convites
94
de aniversário, formatura e casamento, por exemplo); registros de
conquistas na vida acadêmica (boletins escolares, certificados e diplomas de
conclusão de curso, por exemplo) (SE78); registros de conquistas
profissionais (certificados e diplomas de investiduras a cargos de fé pública,
como diplomação para vereador, por exemplo) (SE83); registros de
passamento (santinhos de morte, de missa comemorativa de 7 e de 30 dias,
de missa de um ano, por exemplo); santinhos e cartazes de campanha
política; recortes de notícias veiculadas em jornais e revistas; cartazes de
divulgação de eventos e orações dedicadas a santos. Não constatei
expressões similares de caráter tridimensional;
A.2) Morfologia falada: classifiquei as ocorrências a partir de duas origens
expressivas, como expressão do indivíduo e como expressão do grupo:
A.2.1) Expressão do indivíduo: as expressões silenciosamente declaradas
consistiram nas preces, ocorrência fartamente observada nos diversos
centros votivos (SE84). As expressões publicamente declaradas
caracterizam-se pela intenção de demonstração pública da devoção,
expressando-se na atribuição de onomásticos (topônimos e nomes de
batismo ou cognomes) e dos depoimentos em público (muito comuns nas
épocas de romaria, através das transmissões de programas por rádios locais,
normalmente em Amplitude Modulada – AM);
A.2.2) Expressão do grupo: também foi dividida em expressões
silenciosamente declaradas (preces coletivas, compartilhadas em silêncio) e
em expressões publicamente declaradas (atribuição de onomásticos –
topônimos e cognomes – e preces e cânticos entoados em grupo);
B) Forma de expressão não-verbal: este segundo grande grupo foi baseado naquelas formas
expressivas que prescindiam o uso da palavra. Estabeleci as morfologias em representações
figurativas inorgânicas, representações figurativas orgânicas e representações não
figurativas:
95
B.1) Morfologia representação figurativa inorgânica: foi definida a partir das
ocorrências cujas propriedades sígnicas se aproximavam das representações
figuradas, cuja base expressiva era constituída de material em estado estável,
normalmente transformado pelo homem. A partir do processo expressivo utilizado
foi classificada em manufatura especialmente construída, não-manufatura
especialmente construída e adaptação ou ressignificação:
B.1.1) Processo expressivo manufatura especialmente construída: no caráter
bidimensional, envolveu todos os objetos votivos construídos especialmente
para o fim transacional: desenhos (sobre papel, placa de madeira, tecido,
placa metálica, emoldurados ou não) (SE85); pinturas (sobre papel, isopor,
madeira, tecido, cerâmica, vidro, placa metálica, emolduradas ou não)
(SE65 e SE66); gravuras (sobre papel, tecido, placa de madeira, placa
metálica, pedra, emolduradas ou não); esculturas em alto ou baixo relevo
(sobre placa de madeira ou placa de metal) e peças votivas recortadas (de
placas de papel ou papelão, isopor, madeira, pedra, plástico, acrílico ou
metal) (SE86). No caráter tridimensional considerei as construções ou
intervenções reparadoras em santuários, igrejas, capelas, oratórios, estátuas,
bustos, jazigos, cruzeiros, entre outros ambientes (SE87); as miniaturas de
construções habitacionais ou religiosas (em papel ou papelão, isopor,
madeira, material argiloso, vidro ou pedra) (SE58, SE88 e SE90);
esculturas de partes do corpo ou corpo inteiro (em madeira, pedra ou
isopor) (SE35, SE36, SE52 e SE56); objetos votivos moldados (em cera,
material argiloso, gesso, borracha, plástico ou metal) (SE51, SE54, SE91 e
SE92); objetos votivos modelados (em material argiloso) (SE93 a SE96);
objetos votivos costurados (em tecido ou fibra vegetal) (SE97 e SE98) e
objetos de uso penitencial (vestes feitas sob medida, coroas de espinhos,
cruzes em madeira, entre outras expressões) (SE28 e SE30);
B.1.2) Processo expressivo não-manufatura especialmente construída: no
caráter bidimensional considerei as fotografias tomadas originalmente com
o objetivo de designação indicial da graça ou milagre, ou seja, as fotografias
que não são fruto de reaproveitamento, mas que emergem da necessidade
narrativa e esclarecedora do dom (fotografias em cor ou em preto-e-branco,
96
ampliadas, instantâneas ou geradas em negativo, de processamento
tradicional ou montada e tratada digitalmente, emolduradas ou não). Não
registrei expressões similares de caráter tridimensional;
B.1.3) Processo expressivo baseado em adaptação ou ressignificação: nesta
última categoria pude encontrar signos votivos de caráter bi e
tridimensional. Como o título já indica, consiste da utilização expressiva de
objetos que tinham originalmente outra função, sendo criativamente
interpretados e adaptados pelos devotos como objetos votivos. Em
bidimensionais considerei as fotografias reaproveitadas ofertadas pelos
devotos (especialmente como apelos protetivos, nos formatos 2x2 e 3x4)
(SE16, SE99 e SE100); retratos pintados à mão a partir de fotografia (os
tradicionais retratos pintados fotográficos) (SE101); resultados de exames
de saúde (radiografias, ultrassonografias e outros exames essencialmente por
imagem); imagens e lembranças de santos católicos (gravuras de santos,
emolduradas ou não) (SE102); imagens de divindades de cânones não-
católicos (gravuras, especialmente das religiões de matriz africana) e
imagens de personalidades afins ao catolicismo (papas, “santos populares”
ou perfis protocanônicos e não-canônicos) (SE103) ou de personalidades
públicas (políticos e artistas). As expressões de caráter tridimensional são
diversas e numerosas neste caso: registros de conquistas pessoais (troféus,
vestidos de noiva, por exemplo) (SE104); registros de conquistas
profissionais (uniformes militares ou de times de futebol, raquetes de tênis,
por exemplo) (SE104 e SE105); registros de êxitos acadêmicos (livros e
cadernos); analógicos humanos miniaturalizados (bonecas em plástico,
tecido ou cerâmica) (SE55 e SE106); miniaturas de animais domésticos ou
de criação (sobretudo bovinos, eqüinos e caninos, em cerâmica ou em
plástico) (SE57); objetos de uso terapêutico (cadeira de rodas, aparelhos
ortopédicos, bengalas, muletas, óculos, lentes de contato, aparelhos
ortodônticos, moldes de gesso, entre muitos outros) (SE62 e SE63); objetos
de uso litúrgico (terços e escapulários, principalmente); objetos utilitários de
uso pessoal ou profissional (roupas, calçados, chapéus, réplicas de aparelho
telefônico celular, capacetes de motociclista, volantes de automóveis,
bicicletas, instrumentos musicais, moedas, notas de dinheiro antigas, chaves,
97
por exemplo) (SE34 e SE107); materiais de construção (telhas, blocos e
tijolos, azulejos e lajotas); imagens e lembranças de santos católicos
(policromadas, normalmente de fabricação seriada) (SE68 a SE70); imagens
de personalidades afins ao catolicismo (nas mesmas circunstâncias que as
expressões de caráter bidimensional); imagens de divindades de cânones
não-católicos (idem) (SE108 e SE109) e flores ornamentais em plástico,
entre outras expressões;
B.2) Morfologia representação figurativa orgânica: foi definida a partir do
processo expressivo de apresentação in natura, normalmente sem sofrer
interferências por parte do doador: de caráter expressivo antropomórfico, quando o
doador oferta parte do próprio corpo como testemunho de sacrifício pessoal,
graça ou milagre (ossos, unhas, dentes, mechas de cabelo e de barba, biópsias)
(SE29); de caráter expressivo zoomórfico, quando se oferta um animal vivo ou
partes do corpo de um animal (chifres, cascos, ossadas, pele) como testemunho de
um portento, ou, por fim, de caráter expressivo fitomórfico, baseado em ofertas
vegetais colhidas na natureza (flores em buquês ou coroas, ramos e galhos de
vegetais) (SE110);
B.3) Morfologia representação não-figurativa: esta categoria foi definida
essencialmente por expressões de caráter simbólico, sob duas formas: de cunho
individual e de vivência compartilhada:
B.3.1) Expressão de cunho individual: englobou a oferta de oblatos, como
velas (SE111), fitas e medidas (SE17), pedras (SE23), cortes de tecido e
doces (balas e bombons) (SE112) e performances rituais individuais,
baseadas em penitências envolvendo interdições e/ou obrigações para o fiel
(sacrifícios pessoais, baseados em abstinências, interdições ou obrigações ou
visitas periódicas a lugares sagrados, por exemplo);
B.3.2) Expressão de vivência compartilhada: também englobou a oferta de
oblatos (ritos comensais e doação de dinheiro em espécie para fim de
caridade ou do bem da coletividade) e performances rituais (participação
98
em ritos coletivos – romarias e peregrinações, júbilos, quermesses – e
queima de fogos);
Aparentemente cada um destes três grupos de forma de expressão não-verbal guarda uma
relação de correspondência direta com os três grupos classificatórios apontados em 3.3.1
(representações figuradas, designações indicativas da graça/milagre e expressões
essencialmente simbólicas). Apenas aparentemente. A dinâmica interpretativa do ato ou
objeto votivo por parte dos devotos não permitiria um alinhamento tão rígido: usa-se e abusa-
se, ainda que intuitivamente, das múltiplas capacidades expressivas do signo, deslocando-o e
enriquecendo-o, não nos dando espaço para especular além das classificações tipológicas
ideais. Por isso, por mais que saibamos que o presente esboço classificatório seja apenas um
indicativo parcial e abstrato do complexo fenômeno observado – desejoso pela planificação
dos registros votivos, por sua natureza, um universo particular muito mais intensamente
dinâmico e abstrato – o tomaremos, doravante, como fonte primária de referência, uma vez
que a observação a ele dirigida é criteriosa e consciente da sua relatividade fenomênica.
A partir das observações realizadas, gostaria de apontar algumas conclusões fundadas na
análise sistemática não só deste quadro geral, mas das particularidades de cada uma das
expressões locais incluída neste estudo, valendo a referência cruzada com as funções crônicas
da oferta votiva e as propriedades sígnicas que assumem, ambas argumentadas mais
anteriormente.
De um modo geral, os sítios votivos do nordeste oriental do Brasil apresentam tendências
muito claras no que diz respeito à predominância de certas formas expressivas dos signos
votivos:
1. É comum em quase todos os sítios do nordeste oriental do Brasil (vide as Fichas de
Inventário de Sítio, FIS) a presença de manuscrituras a tinta sobre papel. Estas manuscrituras
em muito poucos casos são relatos de graças ou milagres, mas predominam como apelos
protetivos – pedidos de proteção pessoal, de sucesso no campo profissional, na vida amorosa
e principalmente no sentido da espiritualidade, já que é comum ler apelos de paz e
tranqüilidade para o pedinte ou para entes próximos. Em resumo, o signo votivo expresso
num manuscrito em papel não implica num contrato votivo típico, conforme exposto na seção
3.1, mas se configura como uma forma especial de vínculo, baseada na fé, que pode evoluir
99
para um voto ou emergir como agradecimento (ex-voto), mas não guarda necessariamente esta
prerrogativa;
2. Em geral os manuscritos em versos de fotografia, especialmente nas fotografias em
3x4 – também freqüentemente configuradas como apelos protetivos – e nas pequenas
ampliações com retratos pessoais, trazem apenas o nome do devoto, muito raramente
elucidando melhor as motivações de sua emergência no ciclo votivo;
3. O processo de gravação direta por meio mecânico imputa aos signos votivos um
padrão discursivo que dificilmente revela as motivações dos vínculos (vide o caso típico do
Santuário da Virgem dos Pobres, em Maceió-AL, FIS36). Normalmente na função de ex-
votos, as placas votivas limitam-se a agradecer “graças alcançadas”84, ou “uma graça
concedida”, ou mesmo “a cura de...”. Talvez por se caracterizar como uma mensagem curta, o
relato em si fica em segundo plano, deixando sobressair-se exclusivamente o ato público de
agradecimento, que é a essência do contra-dom;
4. Já pontuei que os processos de gravação ou colagem indireta por meio mecânico são
um tanto quanto raros. Quando se os verifica, ocorrem a partir da datilografia sobre papel ou
da impressão em processo informatizado (por impressoras domésticas), normalmente
recortando-se e colando-se o “relato” sobre um objeto votivo. É difícil encontrar amostras
avulsas desse tipo. As impressões em processo tipográfico ou off set se tornaram muito
comuns nos últimos anos, especialmente em torno das figuras de Santo Expedito e São Judas
Tadeu. Contudo, pelo aspecto seriado e pela proposta do alcance em massa (as tiragens são
em milhares de unidades, para compensar o custo de impressão), circulam muitas vezes muito
distantes dos centros votivos atribuídos aos santos de evocação, abrindo a prerrogativa de uma
comunicação pop85, em oposição ao conceito de folkcomunicação elaborado por Beltrão
(2004) e fundada na relativização do espaço – a exploração do conceito de não-lugar (AUGÉ,
1994) votivo – com uma audiência massificada;
84 O termo “graça alcançada” na maioria das vezes me parece inapropriado: se a graça é uma dádiva, ela é dada, concedida. Só implicaria em alcançá-la aquele ato que pudesse construí-la, talvez como resultado do esforço particular do fiel. Ora, se todo processo votivo se funda na dádiva, na dinâmica da coisa dada, recebida e retribuída, os termos “alcançar” ou “obter” parecem substituir a intervenção divina pelo mérito pessoal, excluindo a função do outro votivo. É, sem dúvida, um contra-senso. Talvez em poucos casos onde se implica o sacrifício pessoal essa expressão pudesse ter efeito. No geral, creio que se falar em agradecimento pela “graça concedida” seja mais esclarecedor e fidedigno do funcionamento do sistema votivo. 85 Não obstante o desgaste do termo, tomo-o na acepção que o caracteriza como produto da cultura de massa, pós-industrial, baseado na seriação e na simplificação da mensagem e generalização da forma.
100
5. As adaptações ou ressignificações da forma de expressão verbal escrita apontam
para duas circunstâncias crônicas no ciclo votivo: vezes aparecem como apelos protetivos,
vezes despontam como ex-votos. Podemos acreditar que a fotocópia de uma Carteira Nacional
de Habilitação (CNH) expresse o agradecimento daquele que obteve a sua “carteira de
motorista”, o que pode significar uma nova perspectiva profissional, ou mesmo uma conquista
pessoal. Da mesma forma observamos os crachás funcionais, orgulhosamente ofertados (e
identificados) como o agradecimento pela conquista do emprego. E assim se verifica também
os exames de saúde, que atestam o alívio perante um risco iminente à integridade física do
agraciado. Esses tipos de registros demonstram a gratidão por aquilo que já se obteve,
independente de terem sido fruto de uma promessa, de terem cumprido o típico ciclo votivo.
São diferentes, entretanto, de certas oblações que delimitam muito claramente um apelo
protetivo: um registro de passamento, como um santinho de morte ou de missa de sétimo dia,
deixam muito claro que se pede algo. Pede-se a proteção divina para o bom descanso. No
mínimo, se pode pensar que tais oblações funcionam não dentro de uma lei de similaridade,
como normalmente se pode pensar as ofertas votivas, mas de uma lei de contato
(contigüidade), lembrando Frazer: “o contato com a relíquia de um santo, parte de seu corpo
ou sua roupa, curará ou ajudará o devoto como se o próprio santo o fizesse” (FRAZER, 1982,
p. 42). Pretende-se que o ente querido, expresso por um índice (santinho ou mesmo uma
fotografia), em contato não com uma relíquia, exatamente, mas num espaço sagrado,
permaneça em contato permanente com o santo de devoção, seu protetor. Ao menos esta
tende a ser a intenção do ente querido que assim o coloque;
6. A forma de expressão verbal falada manifesta-se dentro de uma dinâmica muitas
vezes de difícil compreensão. Nem sempre são claras as áreas de delimitação do que é uma
expressão estritamente individual para o que é uma expressão do grupo. As preces são um
ponto de corte típico. Podem ser constatadas como uma prática silenciosa e individual (como
pude observar em quase todos os sítios visitados) ou pode ser vista em orações coletivas, em
voz alta e em ação de graças. As preces compartilhadas em silêncio são mais raras, mas pude
observar em algumas localidades. Conheci dois casos particularmente notáveis de atribuição
particular de onomástico. No primeiro deles, na cidade de Florânia-RN, uma senhora de nome
Noíldes relatou ter batizado a filha como “Maria das Graças” em virtude de uma promessa
feita a Nossa Senhora das Graças (uma das devoções locais, cujo santuário não cheguei a
visitar), pedindo que uma imperfeição ortopédica da criança recém-nascida fosse curada. E
101
foi. Em poucos dias o pezinho do bebê diminuía a arqueadura para dentro, e se desenvolvia
conforme a normalidade. Em outro caso, destaco a história de “Zezinho rezador”, homem
humilde que tomou para si a preservação do culto a Santa Amélia, em Maceió-AL (FIS16).
Emocionado ao relembrar o passado de “excessos e sangue”, Zezinho se converteu há oito
anos como devoto de Santa Amélia86. Desde então tomou a postura de um verdadeiro
sacerdote local, celebrando “rezas” (cântico de ofícios e benzeduras a quem necessitar),
assimilando assim o cognome de “rezador”. A relação com a santa mudou sua vida e seu
nome. De relações pouco amáveis com a Arquidiocese de Maceió e com os párocos locais,
Zezinho reestruturou e ampliou a capela e fez renovar-se um culto – citado por Théo Brandão
no final da década de 1960 – que estava prestes a desaparecer.
7. No campo das formas de expressão não-verbais inicialmente destaco a
presença paradigmática da fotografia. Fôra exatamente este o mote inicial do meu interesse
pelo tema. A fotografia traz, de fato, algo de diferente em relação aos registros expressivos
pictóricos? Sua emergência acarreta algum tipo de alteração substancial no campo das trocas
votivas? Cheguei a pensar ainda no princípio desta pesquisa, que o uso da fotografia
implicava num empobrecimento das narrativas sobre a graça ou milagre. Esta, na verdade, era
uma hipótese de partida: parecia-me nítida uma perda descritiva e criativa na passagem de um
meio manual de registro visual (a pintura) para o uso de um recurso técnico supostamente
mais seletivo e objetivista (a fotografia). Enquanto as pinturas apresentavam, além do fato em
descrição, uma rica interferência do imaginário dos seus autores (artistas de ofício ou não), as
fotografias pareciam carregar uma inegável dose de padronização do resultado final87. Além
disso, havia a impressão de que boa parte da riqueza “etnográfica” das pinturas era substituída
pelos registros posados e distantes da fotografia. Contudo, foram suposições que não
resistiram por muito tempo. Padrões sempre houve, e não seria privilégio da técnica
fotográfica (vide os estilemas das pinturas portuguesas que apontei na seção 2.1). Em verdade 86 Conta-se, entre várias versões diferentes, que uma moça (Amélia) e sua filha foram assassinadas na antiga Chã de Bebedouro, bairro de Maceió-AL, ermo à época, enquanto se dirigiam à casa de um parente. Passados alguns dias do desaparecimento, os corpos foram encontrados, exalando cheiro de flores em lugar de um estado de decomposição. Esta narrativa existe há 108 anos. 87 São muitos os modelos estéticos repetidos no universo das representações votivas fotografadas, mas destaco um, em particular. Ao redor dos templos e santuários é comum encontrar fotógrafos paramentados com fundos coloridos, roupas, acessórios e móveis para maior conforto e melhor apresentação visual dos seus modelos de ocasião. Não apenas os “lambe-lambes”, nem os usuários de câmeras instantâneas, mas até sofisticados adeptos da fotografia digital, estes fotógrafos dirigem seus fotografados, conhecedores que são da breve utilidade que terão estas fotografias junto aos altares e salas de milagres. Na cidade de Candeias-BA, como em Bom Jesus da Lapa-BA ou Juazeiro do Norte-CE, há nos arredores dos templos estúdios improvisados com cavalinhos-de-pau apropriados para as crianças, que podem se enfeitar também com um colete e um chapéu. Para os adultos, um fundo com uma pintura tosca da imagem dos santos ou uma paisagem bucólica (vide SE113 a 117).
102
toda forma de expressão votiva se enquadra em padrões mais ou menos estabelecidos, estando
sua grande riqueza presente na forma sutil como se procedem as suas variações.
Não se sustentou o argumento de que, se comparada à pintura, a capacidade de síntese de
tempo e espaço da fotografia era necessariamente mais pobre. Se por um lado recursos mais
evasivos de representação visual – como a pintura – podem proporcionar uma interpretação
mais livre da descrição do ambiente sócio-cultural, por outro, o registro fotográfico,
independente da riqueza interpretativa que também pode proporcionar, se fortalece como
“prova” do ambiente sócio-cultural exatamente pelo motivo oposto: por ser uma técnica em
tese menos evasiva do que a pintura, a fotografia tende a conservar aspectos mais próximos
daquilo que o olho vê, em lugar daquilo que a mente imagina, isso se considerando
especificamente as particularidades da fotografia nos círculos votivos – situação muito
distinta do uso da fotografia no campo artístico. Tende, que fique bem claro. Não significa
que sua ocorrência encerre sempre esta regra ideal. Nunca vi uma seqüência fotográfica numa
sala dos milagres, isso leva a crer que o aspecto sincrônico possível nas pinturas (de, por
exemplo, relatar o começo, meio e fim dos fatos) continua improvável na fotografia, ainda
descritiva de um único espaço num único instante de tempo. Definitivamente, creio que isso
não chega a implicar em um empobrecimento, nem estético, nem narrativo.
A função indicial de ambas as técnicas se mantém, mesmo com a mudança dos meios de
representação. A fotografia confirma, em linguagem hodierna, aquela mesma certeza
libertadora do mal que já se encontrava nas tradicionais expressões pictóricas. Tudo leva a
crer que é uma mudança apenas aparente, pois a função essencial se mantém: muda-se o tema,
ou a forma narrativa, mas a motivação última permanece.
Porém duas faltas se há de lamentar. A primeira é o sumiço da “divindade” evocada na
fotografia. Talvez este seja o ponto mais sentido na mudança de um suporte para o outro. As
resplandecentes imagens de Jesus Cristo, Nossa Senhora ou de outros santos católicos, marca
mais mística das pinturas votivas, perdeu seu lugar na fotografia, por natureza uma forma de
registro do mundo concreto. Nunca cheguei ao ponto de associar esta ausência a algum tipo
de iconoclastia, mas já ouvi, sem dar muita atenção, outros colegas insistirem nesta evidência,
provocada pelas religiões pentecostais e neopentecostais. Não parece fazer sentido, pois se
falta uma imagem icônica da divindade, sua imagem simbólica não poderia ser mais forte na
ocorrência do índice fotográfico como objeto votivo. A segunda falta é a do próprio relato,
103
que na pintura ocupava lugar de destaque e na fotografia, quando ocorre, vai parar no verso da
imagem, privando uma associação mais direta entre imagem e fato. É a perda de dois pontos
neurais que fortaleciam as representações visuais como importante objeto da expressão
popular. Neste sentido, não há como deixar de admitir um prejuízo.
No entanto, há fotografias e fotografias: por isso vale insistir na ressalva das múltiplas
funcionalidades do registro fotográfico dentro do sistema votivo. A imagem fotográfica pode
funcionar como apelo protetivo ou como uma espécie de “lembrança” ao santo de devoção
(especialmente quando utilizada desde o formato 3x4cm, até em ampliações simples,
normalmente em imagens reaproveitadas, apresentando retratos posados ou registros em
circunstâncias convalescentes). Também pode funcionar como ex-voto, num registro
fotográfico em geral mais elaborado no sentido da construção do cenário – se retornando a
lugares referentes à vicissitude ou incluindo objetos designativos da graça ou milagre, por
exemplo – caracterizando um ambiente especialmente construído.
8. Ainda falando das formas de expressão não-verbais, são notáveis as peças
manufaturadas especialmente construídas (em série ou não), sobretudo as que são analógicos
anatômicos do corpo humano, em geral tridimensionais. Neste caso os impactos da produção
industrial são ainda mais notáveis, especialmente por contrastarem entre localidades que ainda
apresentam forte vocação artesanal. Na cidade de São Cristóvão-SE, o principal espaço votivo
é a Igreja de Nossa Senhora do Carmo – o Carmo Menor – onde se cultua o Senhor dos
Passos (FIS31). Há nesta igreja uma caprichosa sala de milagres, onde funciona um
organizado museu, mantido pela irmandade fundadora do culto. Ao contrário do que acontece
na maioria dos sítios votivos do nordeste oriental do Brasil, não há um predomínio da
fotografia nesta sala (ainda que estas apareçam em número expressivo, quase sempre
emolduradas), mas de inúmeros objetos de feitio artesanal, especialmente em madeira (partes
do corpo, nem sempre construídas com maestria: pernas, em geral da panturrilha até a sola
dos pés; cabeças, que incluem pescoço; braços; mãos, quase sempre incluindo o antebraço),
além de peças diversas moldadas em gesso e cera e modeladas em argila. Em síntese, o sítio
de São Cristóvão tem uma vocação predominantemente artesanal. Segundo José Almeida,
membro da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo e responsável pelo Museu, é no período
da festa que os fiéis da região trazem maiores quantidades de peças (quase sempre de
madeira, gesso e argila). Mesmo com o volume crescente de fotografias, ainda há um sem
número de devotos que, sem acesso ou atração por este recurso e sem condições de
104
comprar peças prontas feitas por artesãos88 (pré-moldadas ou não), recorrem à própria
produção dos seus ex-votos: “eles já visualizam as peças na natureza, trazendo objetos mais
rústicos”, sinaliza Almeida. Estes novos depósitos normalmente são alojados no primeiro
andar do museu, já que no seu pavimento térreo as peças ficam em exposição permanente.
Um quadro de hibridismo se exacerba em Juazeiro do Norte-CE, no culto ao Padre Cícero
(FIS21). Fincada no Vale do Cariri, a cidade tem quase 215.000 habitantes, mas recebe
anualmente um fluxo de centenas de milhares de romeiros. No comércio em torno da Serra do
Horto pude encontrar um grande número de barracas vendendo ex-votos prontos,
principalmente de partes do corpo humano (cabeças, olhos, braços, mãos, pernas e pés) em
madeira, nitidamente talhadas à mão. Fui surpreendido ao encontrar à venda imagens
tridimensionais do Padre Cícero feitas em borracha, à prova de choque ou quedas, muito mais
duráveis que as tradicionais imagens santas em gesso ou cerâmica. Visualmente mostravam-
se perfeitas, já que a nova tecnologia possibilita excelente modelagem e proporciona a
aplicação de cores muito mais vivas e permanentes. Em última análise, demonstram mais um
passo dado no sentido da submissão de toda a produção material da religiosidade a recursos
técnicos mais racionalizados e com cada vez menos interferência manual por parte de seus
fabricantes. Vale ressaltar que toda esta produção do santo em borracha é local, podendo-se
expandir esta tecnologia por todo o Brasil, a partir de encomendas para qualquer tipo de
devoção. É sem dúvida uma ameaça ao futuro dos tradicionais restauradores de imagens
sacras.
9. Outra categoria que merece destaque nas formas de expressão não-verbais é a da
adaptação ou ressignificação. Sem dúvida, esta é a categoria predominante no panorama das
representações votivas no nordeste oriental do Brasil. Praticamente em todos os sítios
visitados a maioria das ocorrências (em termos absolutos, quantitativos e em termos relativos,
qualitativos), fossem bidimensionais ou tridimensionais, se enquadrou aqui. Isso,
necessariamente, pode significar muitas coisas. Envolvendo boa parte das fotografias que me
referi no item 8 (exceto aquelas tomadas originalmente com o objetivo de ser artigo votivo),
acrescenta-se a deposição dos retratos pintados à mão a partir de fotografias89, dos resultados
88 José Almeida se referiu a um senhor chamado Adalberto, que é um dos poucos artesãos que ainda preparam ex-votos de madeira sob encomenda na região. 89 Esta técnica vem encontrando dificuldades de renovação, sendo muito raro encontrar estúdios especializados na região. Tomei conhecimento que no estado do Ceará ainda há um núcleo em atividade. O advento da
105
de exames por imagem – radiografias, ultrassonografias, ecografias, entre outros. Abundam os
analógicos humanos tridimensionais, as bonecas em plástico, apropriadas da função lúdica
infantil. Seja de corpo inteiro, seja em partes (cabeças, braços e pernas), sempre se pode
encontrar em numerosas amostras. Do mesmo modo observamos os analógicos de animais
domésticos ou de criação, especialmente os bovinos. Vale a ressalva de que jamais encontrei
menção sobre alguma ocorrência de animal “sagrado”, de poderes curativos ou de
intervenções miraculosas atribuídas a animais. A quantidade de objetos de uso terapêutico
também impressiona. Cadeira de rodas, muletas, bengalas, aparelhos ortopédicos, moldes de
gesso, óculos, lentes de contato, aparelhos ortodônticos. Sua oferta indica uma cura, seu
descarte significa uma inutilidade para o devoto, dali em diante.
Contudo, os mais freqüentes são os signos votivos compostos por imagens de santos
católicos, e em escala decrescente, as imagens de personalidades afins ao catolicismo e as
imagens de divindades de cânones não-católicos. Tem-se aqui um ponto sensível e nebuloso.
Já comentei, em outra oportunidade do texto, o argumento de que as numerosas imagens de
santos, especialmente os que estabelecem relação sincrética com os cultos de matriz africana
(vide a freqüência de menções a Santa Bárbara, São Roque, São Lázaro, São Jorge e aos
Santos Cosme e Damião, nas FIS do VOLUME II) podem significar uma devolução
respeitosa da criatura ao criador, se não uma suposta ruptura provisória de um acordo de
fidelidade. Não especularei sobre isso, já que me interessa apenas relembrar estas
possibilidades. É operacionalmente complexo descobrir como, por quem e porque aquelas
imagens foram parar ali. Percebi que a versão de ruptura respeitosa é válida em alguns locais,
mas percebi também que muitas imagens, bi ou tridimensionais, são ofertadas simplesmente
como um presente, uma lembrança de um fiel ao seu santo de devoção, ainda que seja um
regalo que remeta a outro santo. Em alguns casos, como no culto ao Bom Jesus da Lapa na
Gruta da Lapinha, em Ibiqüera-BA (FIS29), há um predomínio absoluto destas imagens. É
curioso constatar que nem no altar principal, nem em nenhum outro espaço da gruta, existe
uma imagem em destaque do Bom Jesus. O altar principal ostenta, sim, uma grande imagem
de Nossa Senhora Aparecida (SE118).
10. Por fim, gostaria de destacar algumas conclusões sobre as formas de expressão
não-verbais a partir de suas representações não-figurativas. Há dois tipos de oblatos que
fotografia digital, que lentamente começa a ocupar as salas dos milagres (notadamente em Bom Jesus da Lapa-BA) tem contribuído para uma certa desvalorização desta tradicional modalidade de representação visual.
106
estão presentes em quase todos os casos observados: as velas e as flores (naturais ou
artificiais). As velas fazem uma referência ao fogo (transcendência) e à luz (felicidade), o que
visto de um ponto de vista litúrgico relaciona-se “com a novidade da vida pascal e com a
claridade da luz de Cristo (...) representa o Cristo ressuscitado, vencedor das trevas da morte,
sol que não tem ocaso, luz que ilumina o mundo” (BUYST, 1998, p. 41-42). As velas trazem,
portanto, um sinal de alegria e fé, um voto de solidariedade. “Acender velas para Deus, para
os santos, é expressar nosso amor e pedir sua proteção” (ib., p. 46). Creio que a presença das
velas nos cultos votivos seja uma das marcas mais longevas da tradição cristã primitiva.
Já as flores, se não contam com o mesmo respaldo litúrgico, ao menos são distintas como um
ornamento presente em quase todas as celebrações católicas, das mais festivas (batizados e
casamentos) às mais dolorosas (velórios e enterros). As flores podem representar muitas
coisas: a beleza, a fragilidade da vida, um sinal de apreço, um pedido de desculpas, júbilos.
Sua presença nos ambientes votivos também tem um rico caráter simbólico, cuja motivação
emergencial é sempre de caráter íntimo, dificilmente circunscrito no “objeto resultante”.
Há também uma manifestação não-figurativa que merece destaque: a oferta de alimentos em
ritos comensais. Na Bahia, há uma tradição oriunda da relação entre o catolicismo e os cultos
de matriz africana: o caruru de São Cosme e São Damião90, que em todo dia 27 de setembro
movimenta principalmente o Recôncavo Baiano. Sobre esta festa, Ordep Serra escreveu:
Sincretizados com os ibeji, estes santos são concebidos como gêmeos e meninos. Seus devotos em Salvador e no Recôncavo da Bahia, costumam propiciá-los oferecendo em sua homenagem um banquete em que as crianças têm a primazia, e onde o prato principal é o caruru, um creme de quiabos (que na ocasião deve ser feito bem viscoso, com muita baba)91. Depois de servidos, os garotos e garotas cantam em roda certos sambas, a que os adultos apenas assistem sem participar (SERRA, 1999, p. 115).
Neste ano de 2006 acompanhei as festividades a partir da Igreja Matriz dos Santos Cosme e
Damião (FIS45), localizada no bairro da Liberdade. Conversei com o jovem pároco André
Alexandre dos Passos Filho, que fez questão de deixar bem clara a postura pastoral adotada
pela paróquia, que não aproxima o tradicional rito gastronômico das práticas cristãs. Ou seja,
no bairro de maior concentração da população afro-descendente em Salvador, a igreja
90 Na Bahia é comum a referência a “São Cosme e Damião”. 91 “Na dita festa, o caruru não é servido sozinho: constitui a iguaria básica, a que se associam muitas outras, combinadas no mesmo prato: vatapá, feijão de omolocô, xinxim de galinha, feijão preto, abará, acarajé, acaçá, roletes de cana e pedaços de rapadura, banana frita, pipocas” (nota do autor).
107
dedicada aos Santos Cosme e Damião, cuja relação sincrética é das mais fortes na Bahia,
procura manter-se distante das práticas de assimilação. Não se proíbe a iniciativa particular
em se oferecer o caruru, mas ao que me foi informado, as ofertas comensais não têm lugar na
igreja: segundo o padre (que também é afro-descendente) as promessas são pagas através de
missas, sem se revelar necessariamente a motivação do pedido. Por fim, relatou que se tolera
a tradicional prática gastronômica, tentando “evangelizar”, chamar o outro para a realidade
cristã. Tudo indica que o rigor imposto pelo espaço “oficial” dedicado ao culto dos santos
gêmeos tende a mantê-lo cada vez mais no âmbito doméstico, onde pode se desenvolver e se
realizar com plenitude. Este trânsito entre o eclesiástico e o popular, aparentemente livre por
parte dos fiéis, é uma prática comum quando se trata de devoção a perfis transcanônicos,
principalmente na Bahia. É, por outro lado, um exemplo de culto votivo não-localizado,
disperso pelos lares e espaços públicos, mas atrofiado no espaço religioso oficial. Um tanto
diferente do que se pode verificar nas relações devocionais Senhor do Bonfim/Oxalá e São
Lázaro e São Roque/Obaluaê e Omolu (FIS02 e FIS43).
Já havia me referido, na seção 2.1, ao caso das ofertas votivas de alimentos jogadas ao mar na
Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat (FIS03). Constatei a oferta de doces (balas e
bombons) apenas no culto ao Sagrado Coração de Jesus, na Gruta da Mangabeira, Ituaçu-BA
(FIS30), apesar de saber que esta é a forma mais corriqueira de oferta aos Santos Cosme e
Damião. Sobre os dois primeiros casos (dos santos gêmeos e de Nossa Senhora do Monte
Serrat), paira a influência da associação entre dois cânones religiosos, o que não caracteriza,
propriamente, este tipo de oferta como uma prática típica do catolicismo. Fora do estado da
Bahia não constatei a presença da oferta de alimentos (nem como oblato nem como rito
comensal) em nenhum caso.
11. Concluindo este capítulo, gostaria de tecer algumas considerações, numa
abordagem mais ampla, sobre o caráter estético e os efeitos da produção seriada sobre as
representações votivas. Não se pode pensar que a história das peças votivas, especialmente as
tridimensionais (analógicas do corpo humano, por exemplo) sempre foi marcada por uma
espécie de produção artesanal de subsistência. Desde a Idade Média, havia nos entornos das
catedrais e igrejas da Europa ocidental um agitado comércio de cera, matéria-prima para a
fabricação de velas e de peças votivas moldadas, num processo de seriação rudimentar. Já
observamos que, no caso da pintura, modelos estéticos sempre pautaram o fervor criativo dos
108
“riscadores de milagres”, o que também se verificou na fotografia. Todas estas trazem formas
diferentes de padronização, ou na expressão da forma, ou na expressão da mensagem.
No caso das peças tridimensionais que aparecem como analogias do corpo humano, o ponto
de corte inicial está na distinção do que foi efetivamente talhado, moldado ou modelado pelo
próprio devoto ou daquilo que foi comprado pronto. O segundo ponto de corte deste caso,
oportunizado com mais força no início do Século XX, é se o processo produtivo de base
seriada é em pequena ou grande escala, sem que isso implicasse necessariamente em sinais de
desaparecimento do primeiro processo, de construção autônoma da peça tridimensional.
As expressões pictóricas, que Maria Augusta Machado da Silva (1981) intitula como “ex-
votos cênicos”, conheceram também no Século XX a concorrência de uma técnica expressiva
baseada na seriação: a fotografia, uma relação que já fôra abordada contrastivamente no item
7.
Um célebre estudo de Walter Benjamin abre-se na sua primeira seção com a afirmação de que
“mesmo por princípio, a obra de arte foi sempre suscetível de reprodução”, pontuando que as
“técnicas de reprodução, entretanto, são um fenômeno inteiramente novo, que nasceu e se
desenvolveu no curso da história, por etapas sucessivas, separadas por longos intervalos, mas
num ritmo cada vez mais rápido” (BENJAMIN, 1978, p. 210). As expressões votivas não são,
necessariamente, uma expressão artística, stricto sensu, muito embora boa parte dos registros
e dos artefatos produzidos denuncie a intenção contemplativa proposta por seus autores. Pois
sem considerar os objetos votivos como emanações artísticas na sua causa, mas tomando
parte destes registros como objetos de valor artístico no seu efeito, apresento, ainda que de
forma breve, algumas observações acerca das conseqüências das técnicas de reprodutibilidade
da imagem nas representações votivas.
Creio que temos dois casos paradigmáticos de mudança, encerrados, inicialmente, nos
contrastes entre objeto tridimensional de manufatura artesanal x objeto tridimensional de
fabricação seriada (que podem se valer das mesmas matérias primas) e em seguida nas formas
narrativas bidimensionais, no contraste entre desenho/pintura x fotografia.
No caso bidimensional, os problemas da reprodutibilidade não podem considerar o critério
qualitativo, aquele que levaria em conta o caráter da composição: achar que a fotografia
109
impõe determinados modelos de enquadramento, como a predominância de planos médios, ou
a opção intuitiva pelo plongée92, ou mesmo a nulidade do segundo plano nas tomadas à meia-
luz93. Não é exatamente a repetição dos “vícios” que marcam esta noção. A essência da
referida obra de Benjamin gira em torno da perda da autenticidade quando do surgimento das
operações de reprodução técnica: o hic et nunc, a unicidade de sua presença no próprio local
onde o objeto de valor artístico se encontra: “O que faz com que uma coisa seja autêntica é
tudo o que ela contém de originalmente transmissível, desde sua duração material até seu
poder de testemunho histórico” (BENJAMIN, 1978, p. 213). Estes desaparecimentos, segundo
o autor, implicam numa perda da sua aura: “única aparição de uma realidade longínqua, por
mais próxima que ela possa estar” (ib., p. 216). É, pois, uma questão de valor indicial: vão
desaparecendo, pouco a pouco, as marcas da tradição. Aquilo que fôra ocorrência única
(popular, mas particularizada), passa a ser reduzida e agrupada como fenômeno de massa.
Tudo leva a crer que as expressões “cênicas” votivas utilizaram o desenho e a pintura
basicamente por estes serem, durante muito tempo, os únicos recursos disponíveis para
expressar narrativas visuais. O surgimento da fotografia contemplou um outro processo, de
uma eficácia midiática que as salas dos milagres já demonstraram ser, no mínimo, igual, ao
menos do ponto de vista da satisfação dos sujeitos de fé que as utilizam. Mesmo em
localidades menos desenvolvidas, desde meados do Século XX, os desenhos e pinturas foram
sendo gradativamente substituídos pela fotografia. Hoje em dia pude constatar que são
verdadeiras raridades: quando são encontradas, são ofertas antigas. Há de se considerar as
mudanças de gerações, que assimilam as condições técnicas e expressivas contemporâneas, o
que parece vir acontecendo sem maiores conflitos, neste caso.
O que se coloca em questão não é a característica de reprodutibilidade da técnica fotográfica
aplicada, em si. A cópia usada como objeto votivo (independente da sua função crônica –
como apelo protetivo ou como ex-voto) é normalmente uma peça “única”, gerada a partir de
um negativo, normalmente retirada de um álbum e dificilmente recopiada. No caso das peças
tridimensionais a aura pode ser entendida como uma única marca personalizada que não 92 Termo oriundo da fotografia cinematográfica, que se refere ao tipo de enquadramento em que a câmera posiciona-se acima da tomada, proporcionando uma visão de cima para baixo. É uma espécie de vício da fotografia amadora, especialmente quando adultos fotografam crianças ou pessoas sentadas ou deitadas, o que acaba por sugerir uma condição de inferioridade ao fotografado. 93 Neste outro caso é mais do que comum se encontrar fotografias, normalmente retratos posados, tomadas à noite ou em ambiente mal iluminado, que forçam o uso do flash eletrônico, que pelo seu tipo de funcionamento automático, corta a emissão luminosa quando se retorna um reflexo de luz do primeiro plano. A conseqüência é o tema mais próximo bem iluminado e as áreas mais distantes em subexposição.
110
encontra seu lugar no novo modelo. O uso da fotografia liberta as mãos dos antigos autores
dos objetos votivos “cênicos”. De “riscadores de milagres” surgem os “registradores de
milagres”, milagres estes que do ponto de vista narrativo esbarram em obstáculos antes
desconhecidos: o sumiço da divindade (uma das riquezas místicas da pintura ou do desenho),
da expressão verbal (riqueza vernacular) e da nova condição de relatividade do tempo e do
espaço. No caso das peças tridimensionais as mãos não se libertam propriamente, mas a
criatividade expressiva se aprisiona: há uma diminuição drástica da variabilidade das formas.
Neste caso, o hic et nunc da peça talhada à mão cede espaço para uma peça feita em grande
escala, que perde seu potencial áurico, dado pela exclusividade do objeto ou até, em alguns
casos, pela perda do contato direto com o miraculado (quando estes são os autores das peças
votivas). Se a imagem fotográfica é quase sempre anacrônica e u-tópica em relação ao fato
que quer relatar (particularmente quando se trata de fotografia adaptada ou ressignificada, ou
seja, tirada de um contexto qualquer), as peças tridimensionais de fabricação serial tendem a
perder o traço personalista e a unicidade. Eis aí as mais graves marcas da perda da aura.
Não creio que haja um empobrecimento nas funções votivas, mas acredito que, tanto no caso
bidimensional quanto no tridimensional, as técnicas de reprodutibilidade contribuem para um
afastamento, uma perda de contato, entre devoto e objeto votivo (e conseqüentemente, do fato
votivo relatado, cada vez mais oculto nas simplificações). Não aposto num prejuízo do
aspecto religioso, mas parece inegável um comprometimento (não me surpreenderá, se um dia
for entendido como enriquecedor) dos processos comunicativos. Naturalmente que no
conjunto de uma “sala dos milagres” (ou similar) esta mudança paradigmática pode implicar,
em geral, num gradativo afastamento das autênticas formas de expressão, em privilégio das
sutilezas das formas de pensamento: uma tendência ao encolhimento da variedade criativa do
material (notadamente nestes nossos casos específicos de expressões bi e tridimensionais)
para uma complexidade, um incremento simbólico da variedade criativa do ideal. Por menos
que desejemos forçar uma aproximação entre as manifestações votivas e as manifestações
artísticas, como se fossem ambas inapelavelmente de uma mesma natureza, fica evidente que
ambas se submeteram, no Século XX, aos efeitos substitutivos da primazia do simbólico sobre
o icônico.
E as mudanças não devem parar por aí. Já constatei que a mesma técnica fotográfica vem
incorporando outros recursos criativos que certamente irão provocar novos ajustes: a
interferência de recursos de edição digital (via informática, disponíveis em computadores
111
pessoais), o que pode possibilitar “desenhar e pintar” sobre a imagem fotográfica. É curioso
ver que o mesmo avanço tecnológico que foi capaz de rarear os desenhos e pinturas das salas
dos milagres esteja sendo capaz de trazê-los de volta, com a promessa de integrar, em termos
definitivos, os três paradigmas da imagem (SANTAELLA, 1998, pp. 303-315): o pré-
fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico.
112
4 CONFRONTOS E DESCOBERTAS: OS VELHOS E OS
NOVOS ESPAÇOS SAGRADOS E SUAS
PARTICULARIDADES
Le testimonianze votive dell'arte e della pietà popolari siano conservate in modo visibile e custodite con sicurezza nei santuari o in luoghi adiacenti (CIC, can 1234, §2)94.
Confirmando o que disse na seção 2.2, boa parte das referências empíricas desta tese foi
oriunda de estudos especializados no tema, realizados no passado. Um dos objetivos desta
pesquisa foi proceder a uma análise comparativista entre aquelas circunstâncias documentadas
e sua expressão contemporânea, propondo regras e esquemas classificatórios que auxiliem na
compreensão do fenômeno votivo. Neste último capítulo exporei o exame contrastivo das
principais fontes que foram tomadas como referência prévia: as coletas da Missão de
Pesquisas Folclóricas (sob a liderança de Luís Saia), as citações (especialmente sobre cultos
não-canônicos) de Luís da Câmara Cascudo, as coletas de Théo Brandão, as referências
pontuais de Alceu Maynard Araújo, Marcílio Lins Reinaux e José Xavier dos Santos, além de
contribuições menores, e os centros e expressões votivas que, apesar de ainda não terem
contado com estudo especializado, constituem a atualidade do fenômeno votivo no nordeste
oriental do Brasil.
4.1 No rastro da Missão de Pesquisas Folclóricas
As coletas votivas feitas pela Missão de Pesquisas Folclóricas têm uma natureza especial.
Inicialmente não estavam na pauta de observações que o grupo deveria proceder: o próprio
Luís Saia já declarara em Escultura popular brasileira (1944) que fôra surpreendido pelo
“milagre de madeira”. Depois, provavelmente por conta dos ajustes em proveito do objeto
94 Codex Iuris Canonici / Codici di Diritti Canonico / Código de Direito Canônico, cân. 1234, § 2.
113
empírico de última hora, os sítios votivos observados pela Missão, ao contrário das expressões
de cantos e danças, não se configuravam necessariamente como os mais expressivos da região
na época: os grandes centros sobre os quais incidiram as coletas acabaram sendo os cruzeiros
e capelas, quando topados na rota já prevista.
Apesar de termos tido acesso a publicações e catalogações do Centro Cultural São Paulo
(CCSP), atual mantenedor do acervo recolhido em 1938, não foi possível o exame,
especialmente, de dois documentos mais reveladores da localização dos sítios e dos critérios
utilizados nas coletas: trata-se de dois catálogos de exposição intitulados Ex-votos do
Nordeste, lançados em 196595 e em 197796. Empreitada para um futuro próximo, creio poder
encontrar nestas raras publicações a elucidação de pontos relativos às opções da Missão que
ainda carecem de melhor esclarecimento, como por exemplo, se havia (e por que havia) uma
preferência pela escultura em madeira (especialmente as peças que representavam cabeças);
ou em que seqüência as cidades foram visitadas ao longo dos meses, já que as datações das
cadernetas de campo nem sempre parecem lineares97. Dessa forma, à guisa de exposição, a
apresentação dos resultados que se seguirá tomou como princípio a lógica de progressão
geográfica nos sítios votivos que ofereceram material de coleta para a equipe, localizados nos
estados de Pernambuco e da Paraíba, nesta ordem.
Inicio com a Capela de Santa Quitéria das Freixeiras (FIS04) localizada no distrito de
Freixeiras, município de São João-PE, e que, ironicamente, sequer foi visitada pela Missão.
Ocorre que as peças votivas componentes do atual acervo, oito no total, foram recolhidas pelo
artista plástico pernambucano Lula Cardoso Ayres98, sendo posteriormente entregues a Luís
Saia, que em 04 de julho de 1946 fez a doação ao Museu da Discoteca Pública de São Paulo.
Sob os cuidados de Oneyda Alvarenga os “objetos etnográficos” foram incluídos no Acervo
95 Ex-votos do Nordeste. Catálogo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Texto de José Geraldo Vieira, Luís Saia e Giuseppe Baccaro. Rio de Janeiro, 1965. 96 Ex-votos do Nordeste. Catálogo da Galeria Camargo Arte, São Paulo. Texto de Clarival do Prado Valladares. São Paulo, 1977. 97 A certa altura da pesquisa cheguei a especular sobre a semelhança entre os caminhos tomados pelo grupo paulista e a trilha das missões do Padre Ibiapina, que fundou pelo interior da região Nordeste (especialmente neste que chamamos de “nordeste oriental”) muitas casas de caridade. Mas a suposição de que poderia haver relação entre os dois casos não foi muito longe. Um exame dos deslocamentos feitos pelo Padre Ibiapina e dos rumos da Missão nos faz concluir que ambos passaram por vias semelhantes, de fato (a diferença entre os percursos foi de aproximadamente 75 anos), mas não há evidências na documentação de 1938 que alimentem mais esta impressão. Muito provavelmente fizeram uso das vias de acesso possíveis, cada um no seu tempo. 98 Luiz Gonzaga Cardoso Ayres (*26/09/1910, Rio Formoso-PE, †30/06/1987, Recife-PE). Filho de um usineiro (Usina Cacau), o artista plástico vanguardista percorreu o interior do estado de Pernambuco entre 1937 e 1944, estudando as festas populares.
114
de Pesquisas Folclóricas, com numeração de 757 a 764 (CCSP, 2000, p. 288-289). Tratava-se
de peças esculpidas em madeira (bustos e cabeças), entre 11 e 21cm de altura, eventualmente
sofrendo interferências a tinta no detalhamento dos olhos e boca ou cortes e incisões
expressivas de detalhes nos cabelos ou no rosto.
Conforme já comentei em outra oportunidade, pairam dúvidas sobre os critérios de seleção
das peças que formam o acervo da Missão. No caso de “Santa Quitéria” é natural pensarmos
que a doação feita por um artista plástico de vanguarda muito provavelmente ressoaria a sua
preferência pela expressão escultórica (ainda hoje com incrível poder de encantamento sobre
a classe artística). Dessa forma, a nossa observação in loco, em julho de 2006, considerou a
contemporaneidade das expressões similares às documentadas, mas valorizou também todas
as outras formas votivas que se apresentaram. Segundo as fichas integrantes do CATÁLOGO
ILUSTRADO DO MUSEU FOLCLÓRICO (1950), que tive acesso à fotocópia, as peças em
madeira do sítio de “Santa Quitéria” ainda encontram, mais de 60 anos depois, exemplares
com a mesma configuração: esculturas em madeira de elevado poder expressivo, carregadas
de detalhes descritivos bastante particulares de seus autores.
Parte do prédio da Capela é em taipa, forma de construção arcaica na região Nordeste, mas
que no caso de Freixeiras resiste bravamente à ação do tempo. A casa impressiona pelo
volume de deposições votivas, que ocupam quase todo o espaço interno disponível. Conta-se
que é uma devoção particular que já dura mais de trezentos anos, mas que só agora estabelece
com a Igreja Católica (a Diocese de Garanhuns) entendimentos no sentido de tornar as
práticas próximas do meio eclesiástico. Impressiona também uma espécie de “reserva”, na
parte dos fundos, onde se amontoam objetos de oferta mais antiga. No geral, são milhares de
peças em madeira, jogadas em cercados, apodrecendo e sendo devoradas pelo cupim e pela
umidade, condição presente em todo sítio.
A observação que fiz à Capela de Santa Quitéria das Freixeiras me deixou certo de que a
multiplicidade de expressões votivas tornaria complexa qualquer tarefa de recolher objetos
visando a composição de um acervo. Pode-se encontrar com relativa facilidade não apenas
esculturas em madeira de notável mérito artístico, mas retratos desenhados à mão
especialmente dedicados ao gesto votivo e muitos retratos pintados a partir de fotografias,
todos estes testemunhos não só de “graças alcançadas”, mas de um processo criativo que vem
115
sendo vorazmente substituído por expressões pré-fabricadas (peças moldadas em gesso ou
borracha) ou de produção indireta (como a fotografia).
Há ainda outras particularidades na Capela de Santa Quitéria das Freixeiras. É um sítio que
apresenta, comparativamente, poucas ofertas de imagens de santos (bi ou tridimensionais) e
onde não se vê com a abundância corriqueira as manuscrituras em papel. Fica uma impressão
de que o relativo isolamento deste centro devocional contribui diretamente para a manutenção
da natureza mais tradicional de suas ofertas votivas.
Segundo Luís Saia os primeiros contatos com os “milagres em madeira” foram feitos em
Meirim, pequena vila do sertão pernambucano, localizando uma peça votiva bem atrás do
altar de uma capelinha, num núcleo remanescente indígena. Meu retorno a esta região,
também em agosto de 2006, não foi dos mais fáceis. Pra começar, é inteiramente impossível
localizar nos mapas atuais alguma cidade no estado de Pernambuco com o nome de Meirim.
Mesmo em buscas na internet o termo aparecia sempre como um sobrenome de família ou
como o nome de um rio, no estado de Pernambuco. Nenhuma outra menção referente a
povoação ou cidade. Pois no deslocamento de Arcoverde para Tacaratu, passei pela cidade de
Ibimirim, no sertão do Moxotó, onde parei para um abastecimento de combustível.
Conversando com pessoas da cidade descobri que o município de Ibimirim, já houvera se
chamado Cancalacozinho, depois Meirim, Mirim e, finalmente, Ibimirim. Grande descoberta!
Contudo, a procura pela “Capela de Santo Antônio”, que surpreendera Saia, não resultou em
êxito. A pequena cidade não guarda traços de tradições votivas, nem na referência histórica,
nem em expressões atuais.
Na mesma tarde, segui para a cidade de Tacaratu, ainda em solo pernambucano, sem ter um
conhecimento exato dos locais onde foram colhidos os objetos votivos. Como de costume,
visitei primeiro a igreja matriz, no caso o Santuário de Nossa Senhora da Saúde (FIS05). Fui
recebido pelo padre Eridian Gonçalves, que recém assumira a paróquia e jamais ouvira falar
da presença da Missão de Pesquisas Folclóricas pela cidade, em verdade ele e todas as
pessoas consultadas durante toda a minha permanência no local. A igreja, que depois descobri
que ainda estava em construção em março de 1938, impressiona pelas linhas neo-góticas e
pelo colorido interior proporcionado pelos longos vitrais. Na sala do sino (sala do coro)
encontrei três caixas com objetos votivos amontoados, residuais da festa da padroeira, que
acontece de 23 de janeiro a 02 de fevereiro: na primeira, peças em madeira e em cera (pernas,
116
predominantemente) e nas outras duas, roupas e vestes penitenciais (mantos negros), além de
várias mechas de cabelo.
Soube pelo padre que havia um cruzeiro numa serra próxima, onde eram mais freqüentes as
ofertas votivas. Pelo avançado da hora e na ausência de um guia acompanhante, não pude
visitar o local. Dias depois, de volta a Salvador, tive acesso às fotocópias de alguns catálogos
do CCSP, que confirmavam exatamente o que eu acabara de perder: o Cruzeiro da Serra da
Gameleira como ponto mais importante de coleta na região.
Segundo os dados do CCSP (2000) e do CATÁLOGO (1950), as coletas consistiram em
quinze “milagres” em madeira (predominantemente cabeças), entre 5,5 e 18,2cm, com
incisões e entalhes nos olhos, nariz e boca, com raras peças riscadas ou pintadas, numerados
no Acervo de Pesquisas Folclóricas de 564 a 577, além da peça 616. São amostras dos
esquemas técnicos que Luís Saia classificaria como “Nariz-eixo” e/ou como “olho em baixo
relevo” (SAIA, 1944, p. 18).
O fato é que, o exame comparativo entre as peças inventariadas e as encontradas na igreja em
2006 não guardam semelhanças consideráveis. O que pude encontrar construído em madeira
não contemplou sequer uma ocorrência de “cabeça”, elemento quase exclusivo (14 peças) nas
recolhas de 1938. Isso pode não servir de parâmetro, já que se trata da observação de um
outro sítio. É uma questão a ser solucionada numa visita posterior, juntamente com a
observação da Capela de Nossa Senhora dos Navegantes, citada por Saia, mas sem a
associação de objetos votivos.
Foi na Paraíba que se avolumou a recolha votiva da Missão. Iniciando pela cidade de João
Pessoa, capital do estado, o então “Cruzeiro da Penha” revelou algumas particularidades que
só seriam observadas ali: a presença de fotografias e pinturas, além das habituais esculturas de
cabeça, que tanto pareciam impressionar a equipe. Estão catalogadas também no CCSP doze
peças, sendo cinco esculturas (todas de cabeças, pintadas em cores vivas, sem prejuízo dos
entalhes e incisões), quatro pinturas (todas com destaque para planos que vão desde apenas a
cabeça até o máximo na cintura, datadas entre 1902 e 1933) e três fotografias, numeradas de
617 a 628 no Acervo de Pesquisas Folclóricas.
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Ao visitar o “Santuário de Nossa Senhora da Penha” (FIS06), a poucos quilômetros do
extremo oriental brasileiro, fiquei impressionado com a quantidade e variedade das formas
expressivas. Encontram-se signos votivos de quase todas as formas e propriedades que pude
classificar. Creio ter sido este, dentre todos os locais observados nesta pesquisa, o que mais se
aproximou do esgotamento dos esquemas de registros tipológicos. Talvez a equipe paulista
tenha se surpreendido pela mesma impressão entre os meses de março e maio de 1938.
Certamente a presença da fotografia naquela época dificilmente seria constatada fora de um
grande centro urbano (e vale lembrar que, entre todas as cidades, João Pessoa foi a única
capital de estado visitada pela Missão que contribuiu com objetos votivos). Foi também a
única onde se coletou pinturas e fotografias.
Não se pode afirmar, após uma visita atual na “casa dos milagres”99 do Santuário, que haja o
predomínio de um tipo específico de forma expressiva: são relativamente semelhantes as
quantidades de fotografias, miniaturas de casas, imagens de santos (bi e tridimensionais) e
peças do vestuário. Estas incidências pontuam com igualdade as três categorias de
propriedades sígnicas possíveis: representações figuradas (casas em miniatura), designações
indiciais da graça/milagre (fotografias e peças do vestuário, muitas vezes utilizadas como
objetos de uso penitencial) e expressões essencialmente simbólicas (as imagens de santos, que
normalmente não possibilitam uma atribuição de sentido além da dada pelo devoto, seja como
lembrança, seja na função de “devolução”, ou mesmo ofertada como ex-voto, literalmente), o
que só reforça a riqueza expressiva do local.
Penetrar no interior do estado da Paraíba, ainda hoje, é garantia de encontrar, de forma
numerosamente desigual, cruzes, cruzeiros e capelinhas de beira de estrada: não se compara a
presença não raro desconfortável de tantas destas manifestações com nenhum outro estado da
região. Aparecem às vezes em intervalos menores do que duzentos metros, às vezes solitárias,
às vezes resgatando a memória de duas, três pessoas ceifadas normalmente por desastres
rodoviários. Já nos referimos ao papel social que estas cruzes (e suas derivações)
desempenham, cujas existências podem ser tomadas como um forte indício de que as relações
morais e de coesão social se renovam abundantemente, ao menos dentro de pequenos núcleos
populacionais que circundam estes fatos votivos. No entanto, não creio ser possível
99 A “casa dos milagres” deste santuário foi fundada em 22 de novembro de 1953, o que talvez possa explicar a referência ao “Cruzeiro da Penha”, feita pela Missão em 1938. O Santuário, dedicado a Nossa Senhora da Penha, existe desde 1763.
118
generalizar que o povo paraibano tem um senso de coesão social tão diferenciado dos outros
estados nordestinos.
No mês de maio de 1938 a Missão passara por Itabaiana, cidade do agreste paraibano. No
então “Cruzeiro Maria de Melo”, coletaram 17 peças em madeira, muitas pintadas, todas com
entalhes. Foram sete peças de corpo inteiro (algumas com trajes adaptados em tecido) e dez
cabeças, entre 11,5 e 22,8cm. No Acervo do CCSP, receberam numeração entre 629 e 645.
Visitei esta cidade em duas oportunidades, a primeira em janeiro de 2004, retornando em
julho de 2006. Em ambas as visitas não localizei nem o tal cruzeiro nem outro algum na
pequena cidade, nem mesmo a sua lembrança, por parte dos mais velhos. O único templo
católico local, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição (SE119 a SE121), o
máximo que encontrei da presença de relações votivas foi na estátua da Virgem, ao lado da
igreja, que apresentava muitas fitinhas coloridas amarradas na coluna de sustentação da
imagem, além dos restos recentes de cera de velas. Duas tardes inteiras pela cidade e seus
arredores e ninguém ouvira falar de algum cruzeiro, capela ou local onde se ofertavam
“promessas” e “milagres”.
O prosseguimento da rota nos leva à cidade de Alagoa Grande, na região do brejo paraibano,
próxima de Campina Grande. Nesta localidade a Missão recolheu peças em dois sítios: o
Cruzeiro do Monte Tabor (12 peças, numeradas de 604 a 615) e o Engenho Macaíba (3 peças,
numeradas de 646 a 648). Como de habitual, predominaram as representações de cabeças
(entre 9 e 34cm de altura), depois bustos e peças de corpo inteiro. Esta foi uma cidade que
visitei em janeiro de 2004, após enfrentar péssimas estradas e descer um declive dos mais
arriscados, já que é uma região serrana. Numa manhã de domingo cheguei à igreja de Nossa
Senhora da Boa Viagem, templo católico mais importante da cidade, onde fui recebido pelo
padre Assis. A nossa conversa foi curta mas muito esclarecedora. O padre disse desconhecer a
existência de práticas votivas nas redondezas, em igrejas ou em cruzeiros, mas falou bastante
sobre a luta para manter viva a fé católica frente às persuasivas correntes evangélicas,
numerosas naquela pequena cidade. Ele comentou sobre as tentativas frustradas de tentar unir,
em cerimônias ecumênicas as diferentes manifestações cristãs locais, mas não deixou de
afirmar que a corrente evangélica não chegava a desestruturar os movimentos jovens dentro
da sua igreja. Por fim, confirmou a existência de expressões religiosas afro-brasileiras, mas
declarou que estas são discretas e praticamente não aparecem no cenário religioso local. Em
certo ponto da nossa rápida conversa cheguei a pensar que o padre Assis poderia estar
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preferindo ocultar, através da negativa sobre as práticas votivas, a força das práticas populares
dentro da sua paróquia. Mas ele acabou por me surpreender, indicando dois centros votivos de
alta distinção, que até então eram do meu desconhecimento: o Santuário da Santa Fé do Padre
Ibiapina, localizado no município de Solânea, quase no limite com o pequeno município de
Arara, a 50 km dali e o Parque Religioso da Cruz da Menina, localizado na cidade de Patos-
PB, um pouco mais distante, justamente onde a Missão estivera em 1938.
Antes da minha saída, padre Assis fez questão de afirmar que na cidade de Areia, outro ponto
visitado pelo grupo paulista, também não havia traços de ex-votos, algo que pude confirmar
instantes depois. Lá estive ainda no mesmo dia, e debaixo de fina chuva, consultei pessoas de
diversas idades, no que pude constatar que, de fato, não havia sinais de práticas votivas na
cidade. Mais uma vez pude notar a força das igrejas evangélicas, que parecem despertar nos
seus fiéis uma forte rejeição a tudo que se aproxime do universo católico, especialmente do
culto aos santos: ao perguntar pela localização de uma igreja católica a duas senhoras que se
protegiam da chuva, recebi como resposta que elas “eram ‘cristãs’ e que não sabiam das
coisas católicas”. A Missão chegara em Areia em maio de 1938, especificamente no Cruzeiro
de Chã do Jardim, local não mais ativo em janeiro de 2004. Lá recolhera 12 peças em madeira
(cabeças), algumas pintadas, entre 7,2 e 20,2cm. No Acervo do CCSP as peças receberam
numeração entre 649 e 660.
No dia seguinte cheguei à cidade de Patos-PB, motivado pela indicação do Padre Assis.
Certamente o hoje “Parque Religioso da Cruz da Menina” (FIS07) – em abril de 1938 apenas
referido como “Cruzeiro da Menina” – foi o centro devocional que mais deve ter sensibilizado
a equipe da Missão, pois nele foi feita a coleta mais numerosa: 18 peças. Como em todos os
outros casos, foram recolhidas predominantemente cabeças, com pinturas e entalhes que
intuitivamente definiam a fisionomia de cada face, todas entre 5,8 e 24,5cm de altura. Na base
de dados do CCSP estão numeradas de 586 a 603. A evolução de “Cruzeiro da Menina” para
“Parque Religioso da Cruz da Menina” demonstra o quanto esta devoção cresceu nos últimos
70 anos. Seu início deu-se ainda na década de 1920, quando após sofrer um espancamento
pela madrasta, a menina Francisca (SE126) foi esquartejada e enterrada nos arredores da
cidade. Dias depois seus os restos mortais foram encontrados no antigo Sítio Trapiá, e uma
cruz foi construída no local. Segundo Antônio Américo de Medeiros (s/d, p. 05), a primeira
promessa foi paga em 1924, por um homem curado de um problema cardíaco. Desde então a
crença nos poderes miraculosos da Menina Francisca se expandiu por toda região Nordeste,
120
caracterizando tipicamente uma circunstância solidária já expressa na seção 3.2.
O Parque tem um projeto moderno e parece ter sido projetado para ser um espaço de pleno
desenvolvimento do turismo religioso. É uma situação curiosa, pois a Diocese de Patos ainda
se mantém numa distância considerável, por tratar-se de um culto não-canônico. Não
encontrei, ao longo de todo tempo dedicado a esta pesquisa, nenhuma menção no sentido da
abertura de um processo de canonização da Menina Francisca. Isto parece não fazer diferença
para os seus fiéis, que se não contam com a adesão do ordinário religioso, contam com um
apoio dos poderes públicos, que através do governo estado e da prefeitura municipal,
colaboraram para a construção do Parque, visando a atração de turistas movidos pela fé. E
parece ser mesmo esta a vocação do lugar: há romarias, mas o perfil de visitante parece se
aproximar mais do turista religioso do que do romeiro, distinção já sistematizada a contento
por Carlos Alberto Steil (2003).
Atraído pela citação da cidade na rota da Missão, e sem confirmação de melhores referências,
em janeiro de 2004 visitei também a cidade de Sousa-PB. Meses após a minha visita soube
que, de fato, o grupo paulista passara pela cidade, mas não recolhera objetos votivos nas
redondezas. Mas a minha viagem não fora em vão: encontrei em Sousa, cidade marcada pela
arquitetura art-déco sertaneja, dois sítios votivos de considerável interesse: o Santuário de
Nossa Senhora de Lourdes (FIS08) e uma estátua construída em homenagem ao frei Damião
de Bozzano (FIS09), que esteve presente na sua inauguração, em 1976.
A estátua do frei Damião de Bozzano localiza-se já fora da zona urbana de Sousa. Do alto de
uma colina, com cerca de sete metros de altura, a imagem mira a cidade e o Vale dos
Dinossauros, importante ponto de atração turística local. Assentada sobre treze degraus e
ocupando um espaço de aproximadamente 40m2, a vista que se tem é de uma natureza ainda
intocada, com muitos tons de verde. Não havia, por ocasião da visita, um espaço privilegiado
para as ofertas votivas. Encontrei muitas peças em madeira (algumas articuladas, de notável
valor artístico) e barro cozido jogadas ao chão, sem muito critério expositivo. O espaço era
cuidado por dois idosos, o casal Waldemar Ribeiro da Silva e sua esposa Josina Alves
Ribeiro, que depositavam muita fé na promessa da construção de um santuário no local. A
motivação deste santuário tem origem numa luta que a cidade ainda não iniciou: o “resgate”
dos restos mortais do frei, que na época da inauguração da estátua (1976) declarara que
gostaria de ser enterrado ali.
121
Já o Santuário de Nossa Senhora de Lourdes foi fundado na década de 1930, época da
construção do Açude Público São Gonçalo, que o margeia. Trata-se de uma gruta de pedra,
com uma imagem de Nossa Senhora protegida por um portão de metal. Encontrei muitos
objetos votivos em madeira, bem ao gosto da coleta da Missão: cabeças entalhadas e com
interferências em pintura, partes do corpo e peças de corpo inteiro. Também encontrei muitos
objetos em barro cozido e costurados em tecido, o que confirma indubitavelmente a vocação
local do ex-voto artesanal. Como na estátua do Frei Damião, vi pouquíssimas fotografias e
quase nenhum objeto de feitio industrial.
Em síntese, a observação comparativa dos sítios e peças votivas associadas à Missão de
Pesquisas Folclóricas nos permite afirmar que aquelas expressões específicas registradas em
cruzeiros praticamente inexistem na atualidade, excetuando-se dois casos particulares: o
Cruzeiro da Penha (hoje Santuário de Nossa Senhora da Penha), em João Pessoa-PB, e o
Cruzeiro da Menina (hoje Parque Religioso da Cruz da Menina), em Patos-PB. Todos os
outros casos foram desaparecendo com o passar do tempo. Outro ponto que merece destaque
diz respeito às formas expressivas: cabeças em madeira ainda são abundantes dentro dos
limites percorridos pela Missão. Acredito que o mesmo vigor artístico que interessou Luís
Saia ainda possa ser encontrado, não obstante o avanço irreversível de formas expressivas de
caráter industrializado. Não creio ser possível atribuir o desaparecimento dos cruzeiros
simplesmente à coexistência de outras orientações religiosas que, inclusive, reprimem o culto
a imagens ou a representações icônicas. Voltarei a abordar este fenômeno da extinção da
manifestação votiva em algumas áreas do Nordeste nas Considerações Finais desta tese.
4.2 Os “santos populares” de Luís da Câmara Cascudo
Numa de suas mais célebres obras – Religião no povo [1974] – Luís da Câmara Cascudo
aborda em “O povo faz seu santo” a adesão popular ao que chama de “santos regionais,
irregulares iconicamente mas consagrados pela confiança popular” (CASCUDO, 2001, p.
422) e faz uma lista notável, que tivemos o cuidado de revisitar. O folclorista potiguar começa
com uma menção ao Padre Ibiapina:
122
Pelo Norte do Brasil recordo o Padre Ibiapina (José Antônio Pereira Ibiapina, 1806-1883), professor de Direito Natural da Academia de Olinda, Juiz de Direito, Deputado-Geral, advogado, ordenando-se, recusando ser Vigário-Geral de Pernambuco preferindo cumprir a vocação missionária pelo Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, fundando e mantendo Casas de Caridade, igrejas, recolhimentos, escolas (ib.).
Na opinião do historiador Eduardo Hoornaert, a autoridade do Padre Ibiapina fez que ele se
tornasse modelo para duas outras grandes figuras religiosas de forte irradiação por todo o
Nordeste: o padre Cícero Romão Batista, de Juazeiro do Norte-CE, e o beato Antônio
Conselheiro, de Quixeramobim-CE (HOORNAERT, 2006, p. 07-08). Não seria um excesso
incluirmos o nome do frei Damião de Bozzano neste rol.
A atualidade da devoção ao Padre Ibiapina (SE127), hoje Servo de Deus perante a Santa Sé
(portanto migrando da condição de não-canônico para a de protocanônico), mantém-se
vigorosamente por parte considerável da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. O sítio votivo
mais expressivo é o Santuário da Santa Fé do Padre Ibiapina (FIS10), no município de
Solânea-PB100. Foram duas as oportunidades em que visitei o local: a primeira delas em
janeiro de 2004, depois, em julho de 2006. Em quase dois anos e meio o que pude constatar
foi um aumento considerável no investimento do local como centro de turismo religioso, do
mesmo modo que pude verificar no Parque da Cruz da Menina, em Patos-PB. Diferente deste
outro caso, a Santa Fé é um espaço eclesiástico, já que a figura devocional do Padre Ibiapina
goza da condição de Servo de Deus, fortalecendo na Diocese de Guarabira a expectativa de
uma breve beatificação, algo que já era ansiosamente esperado desde a minha última visita.
Na Santa Fé há uma “Casa dos Milagres” de construção simples, mas muito bem organizada,
que dispõe as ofertas votivas dentro de classificações tipológicas bastante coerentes, o que
denota uma preocupação com o poder carismático e persuasivo que os miraculados podem
exercer sobre os visitantes. Ao contrário do observado em Sousa-PB ou mesmo em Santa
Quitéria das Freixeiras (São João-PE), o caráter da oferta votiva ao Padre Ibiapina não é
essencialmente artesanal. São abundantes as peças manufaturadas, mas estas dividem
equilibradamente o espaço com as peças de origem industrial: há muitas fotografias e
100 Territorialmente a Santa Fé, fundada em 1866, localiza-se no município de Solânea, a poucos metros do limite com o município de Arara, cuja sede está muito mais próxima do Santuário. Por isso é comum referir a Santa Fé ao município de Arara, até mesmo nos documentos que circulam pelo Vaticano.
123
miniaturas de animais de criação (sobretudo bois), o que revela um equilíbrio entre a tradição
rural e a urbana.
Contudo, a presença física da devoção ao Padre Ibiapina no nordeste oriental é muito pontual.
Não encontrei outro sítio votivo de maior relevância dedicado a ele, como acontece com a
figura do frei Damião de Bozzano, por exemplo, cuja devoção se estabelece geograficamente
com muito mais vigor. Concordo com o padre Gaspar Rafael, da Diocese de Guarabira,
quando este afirma que o afastamento no tempo torna a figura do Padre Ibiapina um pouco
menos prestigiada, e assim mais distante do apelo popular, se comparada com a lembrança
ainda viva do Padre Cícero ou do Frei Damião.
Na seqüência, Câmara Cascudo refere Dom Vital,
Vital Maria Gonçalves Cavalcanti de Oliveira, 1844-1878, capuchinho, Bispo de Olinda, pregador, enfrentando a Maçonaria toda-poderosa em defesa da autoridade diocesana, processado, condenado, anistiado, Atanásio brasileiro e com projeção, popular que o dizia ‘santo’ logo depois do falecimento em Paris (CASCUDO, 2001, p. 422).
O culto votivo a Dom Vital é ainda mais localizado: seu túmulo encontra-se na Igreja Basílica
da Penha, no Cais de Santa Rita, centro do Recife-PE (FIS12). Visitei esta igreja em julho de
2006, tendo observado apenas algumas placas votivas em mármore, expressando “graças
alcançadas”. Outros nichos locais, contudo, mostraram-se muito mais movimentados, a
exemplo do dedicado a São Clemente (repleto de objetos votivos de diferentes tipologias) e o
de Santo Antônio, cujos apelos ou agradecimentos por encontros amorosos ganhavam a forma
de manuscrituras nas paredes do arredor, sobrepondo assinaturas e destacando-o entre os
demais. Dom Vital atualmente também se encontra na condição de Servo de Deus,
diferentemente da época da publicação desta obra de Câmara Cascudo.
Outro religioso referido como “santo popular” foi o Padre João Maria (SE129), assim
referido: “vigário de Natal, apóstolo da caridade, incansável, abnegado inesgotável. Vivo,
narravam seus milagres terapêuticos. O busto em bronze é centro de devoção pública, diária,
infatigável, coberto de ex-votos” (CASCUDO, 2001, p. 422). De fato. Na Praça Padre João
Maria, no centro da cidade de Natal, permanece incólume a imagem do padre taumaturgo,
também Servo de Deus (FIS11). Tive acesso ao Livro de Registro de Causas Alcançadas,
aberto em março de 2005, onde predominam os relatos de curas terapêuticas: graves
124
enfermidades (tumores, nódulos e cistos), deficiência de órgãos internos, inflamações,
infecções e ulcerações, doenças infecto-contagiosas, febres, paralisia física, problemas do
parto, reumatismos, traumatismos e dores diversas, além da recuperação de cirurgias. Na base
do busto, muitos apelos protetivos, sob a forma de fitinhas coloridas. Não vi muitos “ex-
votos” propriamente ditos, mas prefiro avaliar a força devocional do religioso a partir dos
registros de cura lançados no Livro.
Outro religioso citado por Câmara Cascudo foi o padre Cícero Romão Batista:
Vigário do Ceará, que tudo lhe deve, suspenso de ordens por divulgar intervenção divina numa familiar, é o mais impressionante motivo humano de atração cultural e de inspiração na literatura popular, canonizado pelo Nordeste, túmulo com milhares de peregrinos, infinitas “graças” publicadas (CASCUDO, 2001, p. 422-423).
É de fato impressionante a presença devocional do Padre Cícero (SE128) no Nordeste do
Brasil. Na maioria das “salas dos milagres” que visitei pude encontrar sua imagem ofertada
por devotos. A cidade de Juazeiro do Norte-CE, visitada em janeiro de 2004, vive em função
do seu culto, este sim, sem filiação com a Santa Sé, já que, pela condição de religioso
suspenso das ordens, o processo de beatificação não pôde ser aberto. Atualmente muitas
lideranças católicas brasileiras trabalham para a reversão da penalidade, desejando incluir,
definitivamente, o padre na categoria que chamamos de “protocanônicos”. Na visita à Serra
do Horto (FIS21), pude comprovar a particularidade deste caso. Não obstante a distância
tomada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a população se mobiliza e
junto com a Fundação Educativa Salesiana Padre Cícero, constrói a Igreja do Bom Jesus do
Horto (supostamente um sonho não realizado do Padre), através da articulação dos “Afilhados
do Padre Cícero”. Independente dos impasses internos e externos sobre a história de vida do
religioso cearense e sua pertinência como ente extra-ordinário, a fé popular continua alçando
o padre à condição de devoção mais expressiva da região, capaz de movimentar anualmente
centenas de milhares de pessoas vindas de todos os cantos do país. Creio ser possível afirmar
que fora do modelo canônico, a devoção ao Padre Cícero é a mais importante e influente no
Brasil. No Museu Vivo do Padre Cícero, na “casa dos milagres”, na sua antiga residência no
centro da cidade, ou mesmo aos pés da estátua de 25 metros no topo da Serra do Horto, pode-
se encontrar registros abundantes de sua ação milagrosa: esculturas em madeira, peças votivas
moldadas em cera ou modeladas em barro, quadros, fotografias, peças de roupas, objetos
diversos.
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Ainda sem uma infra-estrutura apropriada para o turismo religioso, do ponto de vista da
profissionalização dos diversos setores, a cidade de Juazeiro do Norte é uma das que mais
atrai romeiros, peregrinos e turistas no Brasil. Até a década de 1990 não se poderia falar em
modelos de desenvolvimento para o receptivo turístico de cunho religioso. Com o crescimento
de outras devoções pelo Nordeste, que planejam a demanda e investem em infra-estrutura –
como nos casos dos centros religiosos das cidades de Guarabira, Patos e Arara/Solânea, todas
no estado da Paraíba – a situação de Juazeiro do Norte ressalta a necessidade de ações
urgentes no campo do planejamento urbano e nas políticas de ação social, já que o ambiente
em torno dos centros de devoção da cidade transmite a impressão de desordem e desconforto,
com ruas estreitas e de serviços precários, ao contrário dos três outros centros paraibanos.
Voltando às menções feitas por Câmara Cascudo, visitei a cidade de Angicos-RN, em busca
da devoção a “Santa Damasinha”: “Damásia Francisca Pereira, morta em 1843 pelo marido,
Francisco Lopes. Durante o enterro, os sinos da Matriz dobraram a finados sem auxílio
humano” (CASCUDO, 2001, p. 423). Apesar da busca insistente, não encontrei um espaço
votivo dedicado à “santa”. Na realidade, poucos na cidade sabiam de algo relacionado a ela,
que já fora, décadas atrás, lembrada em peças teatrais locais, talvez mais como uma lenda do
que como um perfil devocional dentro dos moldes que estamos estudando. Por tudo isso,
concluo por uma descontinuidade daquilo que pode já ter sido expressivo no passado. E como
já vimos, este não foi o único caso desse tipo constatado na região.
Os três últimos casos mencionados por Câmara Cascudo têm um ponto em comum: a devoção
a vítimas inocentes. No primeiro deles, que também foi referido pela Missão de Pesquisas
Folclóricas, temos a Menina Francisca, à qual se dedica o Parque Religioso da Cruz da
Menina (FIS07). Segundo o autor, “a menina Francisca, pretinha, desprotegida, morreu em
1930 de maus tratos da patroa. O cadáver fora atirado aos urubus. Santa dos mais humildes
numa confiança inabalável” (ib., p. 424). Há algumas incongruências neste relato cascudiano.
Em primeiro lugar, a Menina morreu em 10 de outubro de 1923. Em segundo, não consta que
fosse “pretinha” (SE126): suas representações sempre a caracterizam como uma menina de
cabelos lisos, à altura do ombro. De todo modo, o culto à Menina Francisca continua
crescendo, sem aparente incômodo com a sua condição de “santa popular”.
126
Envolvido em menor comoção, mas não menos expressivo, surge a figura do Menino
Petrúcio, cujo túmulo (FIS13), no Cemitério São José, em Maceió-AL, é local de permanente
apelo. Visitei o local em duas oportunidades, entre julho de 2006 e janeiro de 2007. Em
ambas, encontrei algumas dezenas de objetos depositados num jazigo que contrasta dos
demais ao redor, seja pela relativa suntuosidade, seja pela freqüência em que é visitado e que
se lhe ofertam oblatos. Segundo Câmara Cascudo, Petrúcio Correia faleceu de tifo, aos oito
anos de idade, em 1938, com “impressionante precocidade religiosa e criativa” (ib., p. 423).
Por fim, relacionamos o caso da menina Maria de Lourdes, em João Pessoa-PB, que “à volta
dos 12 anos, sucumbiu nas sevícias policiais. No Cemitério da Boa Sentença sua sepultura
ilumina-se de velas constantes, flores, gratos ex-votos” (CASCUDO, 2001, p. 424). Tal e
qual. Ao visitar este cemitério, em julho de 2006, pude visualizar exatamente esta descrição
fita por Câmara Cascudo. O que encontrei foi um túmulo com muitas miniaturas de casas,
fitinhas coloridas e terços, além de flores e velas. A estátua de uma menina, bem ao lado da
sepultura, impressiona pela espontaneidade. No entanto, esta não é a única personalidade com
culto naquele cemitério: pude confirmar a presença de oferta votiva (uma placa em mármore)
no túmulo do Padre Zé Coutinho. Segundo funcionários, sempre são depositadas peças
tridimensionais e placas em agradecimento ao religioso, que não chega a ter o mesmo apelo
dos outros casos similares que já chegamos a analisar.
De um modo geral, os perfis apontados por Luís da Câmara Cascudo em 1974 se mantêm em
plena vitalidade, confirmando que, independente das possibilidades de renovação, as
devoções “irregulares” tradicionais ou ascendem à condição de regularidade (sendo aos
poucos acatadas pelo autoridade católica maior), ou se conservam sem grandes conflitos
institucionais na sua condição de não-oficialidade. Em nenhum dos casos constatei algum tipo
de repressão ou retaliação por parte dos ordinários oficiais. Creio que bases motivacionais
desta espécie de “política de boa vizinhança” já foi suficientemente esclarecida na seção 3.2.
4.3 Os ex-votos do Senhor do Bonfim, a partir de Clarival do Prado
Valladares
127
A presença votiva do Senhor do Bonfim é uma das mais antigas do Brasil (a devoção já tem
mais de duzentos e cinqüenta anos), mas impressiona o seu vigor contemporâneo. Foram
considerados muitos casos no recorte desta pesquisa (observei quase 70 sítios votivos), mas
um dos que possui citações mais antigas é o do Senhor do Bonfim, na capital baiana, com sua
tradicional Igreja Basílica (FIS02). Em seu Diário da viagem ao norte do Brasil, Dom Pedro
II declara no dia 28 de outubro de 1859:
Pouco depois das 6 da manhã saímos para o Bonfim; o caminho já é muito bonito, tendo belas casas e jardins, e antes de lá chegar passa-se o Dendêzeiro, bela alamêda de palmeiras dendês. Da igreja, colocada sobre um teso, para o qual conduz uma bem lançada calçada, goza-se de vista soberba (...) Há uma casa curiosa tôda cheia, de alto a baixo, de quadros de milagres e ex-votos (DOM PEDRO II, 1959, pp. 147-148).
Já Moema Parente Augel, na obra Visitantes estrangeiros na Bahia oitocentista, apresenta
outra impressão da “sala dos milagres”, registrada no século XIX (entre 1855 e 1859), desta
vez de Francisco Michelena y Rójas101:
pelo prodigioso número de moldes de cera representando todos os membros do corpo humano, e pelos quadros de pinturas extravagantes, pode-se deduzir logo o estado de superstição em que se acha a imensa maioria da população (MICHELENA Y RÓJAS, in AUGEL, 1980, p. 164).
São percepções distintas do mesmo evento, em épocas muito próximas. Se, por um lado, Dom
Pedro II destaca a beleza do local e a inusitada presença da “sala dos milagres”, Francisco
Michelena y Rójas não desconsidera os mesmos atributos, mas parece depreciar a eficácia
sócio-cultural das práticas votivas.
Pelo valor artístico ou pelo valor religioso, as práticas votivas dedicadas ao Senhor Bom Jesus
do Bonfim são essencialmente distintas da maioria do que se pode encontrar pelo nordeste
oriental. A começar pelo caráter transcanônico da devoção: Senhor do Bonfim é sincretizado
com Oxalá102, o que faz com que as matrizes religiosas católica e afro-brasileira
(especialmente o Candomblé) criem uma simbiose de harmonia poucas vezes verificada em
101 MICHELENA Y RÓJAS, Francisco, Exploración oficial por la primera vez desde el norte de la America del Sur siempre por rios… Viaje a Rio de Janeiro desde Belen en el Gran Pará, por el Atlántico, tocando en las capitales de las principales provincias de imperio en los años de 1855 hasta 1859… Publicado bajo los auspicios de gobierno de los Estados Unidos de Venezuela. Bruselas, A. Lacroix, Verboeckhoven y C., 1867. 102 Segundo Pierre Verger, “sem outra razão aparente senão a de ter ele, nesta cidade, um enorme prestígio e inspirar fervorosa devoção aos habitantes de todas as categorias sociais” (VERGER, 1997, p. 259). Verger afirma ainda que a Lavagem é uma aproximação com outra festa de origem africana: as “Águas de Oxalá”.
128
qualquer outro lugar do país. A Lavagem do Bonfim é uma prova indiscutível disso, o Museu
de Ex-votos e a tradicional “sala dos milagres” são outras.
A Lavagem do Bonfim é considerada a mais importante das festas de largo da cidade de
Salvador-BA. No inicio, as novenas em homenagem ao Senhor do Bonfim eram feitas na
Semana Santa, mas a partir de 1773 passaram a ser feitas com data móvel (sempre no mês de
janeiro). O ciclo eclesiástico consiste num novenário que se encerra no segundo domingo
após o a Epifania (Dia de Reis). A comemoração começou com a característica dos arraiás
portugueses, sendo depois o Senhor do Bonfim sincretizado com Oxalá, mudando o estilo da
festa. Segundo Clarival do Prado Valladares
a decorrência desse sincretismo foi a ‘lavagem do Bonfim’ proibida pelo Arcebispo D. Luis Antonio dos Santos, em 1889, porém retomada em diferentes datas, ou no mínimo reconduzida, tanto quanto permitida (1967, p. 40).
A Lavagem do Bonfim é atribuída à promessa de um devoto, um soldado sobrevivente da
Guerra do Paraguai. Acredita-se que este ritual teve origem nos tempos em que os escravos
eram obrigados a levar água para lavar as escadarias da Basílica para a festa dos seus
senhores, desde esta época um agradecimento do povo às graças concedidas pelo Senhor do
Bonfim. Considera-se o ano de 1804 como o da primeira lavagem oficial. A festa realiza-se
no Largo do Bonfim, bem em frente à igreja, no alto da Colina Sagrada, na última quinta-feira
antes do final do novenário e é marcada pela lavagem da escadaria e do adro da igreja por
baianas vestidas a caráter, trazendo na cabeça água de cheiro (muito disputada entre os fiéis)
para lavar o chão da igreja e flores para enfeitar o altar (vide página de fotografias na FIS02).
O cortejo parte ainda pela manhã da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia e vai até
o Bonfim, arrastando multidões num percurso de aproximadamente oito quilômetros.
Historicamente, uma presença certa nesta caminhada é a de autoridades civis e militares,
artistas e personalidades da cidade de Salvador e da Bahia.
Até a década de 1950 as baianas tinham acesso ao interior do templo, onde o chão era lavado
“com energia e entusiasmo” (VERGER, 1990, p. 11), até que as autoridades eclesiásticas
limitaram a lavagem apenas ao adro da Igreja. Desde o ano de 1998 a Arquidiocese de
Salvador separou as comemorações do Bonfim das festas organizadas pelos grandes
empreendedores da moderna indústria cultural baiana. Blocos e entidades carnavalescas
organizavam festas paralelas nos arredores do percurso religioso, desviando o interesse do
129
público mais jovem pelo rito cristão e de certa forma desvirtuando a data festiva, com uma
oportunista possibilidade de receita, que de forma alguma não retornava à fonte motivadora
católica. O que se pode concluir desta medida de caráter reparador, quase dez anos depois, é
que a Lavagem do Bonfim voltou a ser o centro das atenções no dia, atraindo pessoas que
normalmente não se integravam à festa, seja pela dificuldade de acesso, seja pelo desinteresse
despertado pela concorrência de outros eventos. A graça da relação entre o “sagrado” e o
“profano” se mantém vigorosamente viva, espalhada por todas as partes, dentro e fora da
igreja, nas barracas de comidas e bebidas, na malandragem dos vendedores ambulantes, nas
danças sensuais e na vestimenta dos fiéis que ocupam toda a Colina Sagrada. Tudo se mistura:
a devoção católica expressa pela “fitinha do Bonfim” e a tradição afro-brasileira, presente nos
patuás e figas, que disputam o mesmo espaço dos tabuleiros de venda de artigos religiosos. É
a mistura que se vê também na “Sala dos Milagres” e no Museu dos Ex-votos, já há algum
tempo interditado para reforma.
Na obra Riscadores de milagres, Clarival do Prado Valladares apresenta um estudo
essencialmente relacionado à crítica de arte, interessado na “manifestação estética do artista
primitivo103” (VALLADARES, 1967, p. 18) e dando uma inédita visibilidade aos ex-votos do
Senhor do Bonfim. O autor é cauteloso ao tomar distância das avaliações de ordem religiosa
(intentando libertar os ex-votos de “outras atribuições”), e deixa claro que sua seleção levou
em conta as peças que mais o “impressionaram, por uma qualidade artística ou por alguma
razão de ordem científica” (ib., p. 15). Portanto, o arrazoado que tomei como referência é
importante pela caracterização das formas expressivas, observadas em duas oportunidades:
1939/1940 e 1960/1961.
Sem uma preocupação mais sistemática do ponto de vista taxonômico, Valladares criou
inicialmente um sistema classificatório regido pelo tipo de material utilizado:
103 O termo “artista primitivo” é definido por Valladares como “aquele que produz ou constrói, objetos de qualidade ou de causalidade artística para o consumo implícito ao seu meio sócio-cultural (...) Primitivo significa, neste ensaio, o artista genuíno desprovido da habilitação e do discernimento, exigidos pela civilização, no reparo dos objetos destinados ao consumo e ao deleite dos estratos sociais elevados” (VALLADARES, p. 18). Talvez hoje em dia se possa considerar estas definições um tanto quanto etnocêntricas, mas são capazes, ao menos, de determinar sistemas de valores sociais que ainda não conseguimos superar completamente na atualidade. Por isso elas ainda fazem sentido.
130
i. Ex-votos em cêra, madeira e ourivesaria (o autor destaca que os ex-votos de cera
representam basicamente partes do corpo e quanto aos de madeira, “por cujo valor
escultórico ganham cobiça, poucos restam104”);
ii. Ex-votos de objetos e pertences ao próprio fato de o milagre (radiografias,
fotografias, objetos como uma agulha de costura, restos de embarcações);
iii. Ex-votos em desenho e pintura (de suportes e técnicas diversas, nos quais ressalta
a intenção narrativa);
Cada uma destas categorias é ilustrada por relatos verbais correspondentes a cada expressão
típica, sobre os quais o autor procede a uma análise discursiva, em alguns casos amparado
pela reprodução fotográfica da peça em consideração. Valladares considera que, “num certo
sentido, poderia denominar muitos dêsses ex-votos simplesmente de correspondência com o
Senhor do Bonfim” (ib., p. 17), ressaltando a “existência humana que se dá ao Senhor do
Bonfim, no modo como é tratado nas dedicatórias, cartas e rogos” (ib., p. 33).
De um modo geral, as 148 peças analisadas por Valladares estabelecem uma relação entre
suas expressões verbais e não verbais, com um foco bastante dirigido para a crítica das
motivações sociais (contexto sócio-cultural da peça, do autor da peça e do
ofertante/milagrado), considerando as condições de produção, distribuição e consumo. É certo
que sua contribuição nos serviu de inspiração e fonte de referência. Valladares não chegou a
centrar suas forças no desenvolvimento de uma epistemologia dedicada ao objeto em estudo.
Mesmo assim foi capaz de produzir o conjunto de conclusões mais completo que tive a
oportunidade de conhecer, entre todos os colaboradores que foram citados nesta tese.
O sistema classificatório que ele adota preliminarmente mescla a função crônica da oferta
(presentes e ex-votos propriamente ditos, por exemplo), as formas expressivas da oferta
votiva (bases tipológicas) e suas propriedades de expressão sígnica (valor icônico, indicial ou
simbólico). Procurei estabelecer estas distinções, conforme já expus em na seção 3.3. 104 De fato, nos idos dos anos de 1940 a 1960, muitos artistas plásticos baianos (num fenômeno de ressonância nacional) lançaram-se pelo interior do estado e da região Nordeste, buscando os originais ex-votos esculpidos em madeira, cuja “espontaneidade” despertava nos primitivistas uma ação inspiradora: vide o trabalho dos artistas plásticos baianos Sante Scaldaferri (1988), Carybé (Hector Páride Bernabó), Mirabeau Sampaio, Jenner Augusto, Farnese de Andrade, Antônio Maia, Aderson Medeiros, Mário Cravo Júnior, Mário Cravo Neto e do escultor Agnaldo dos Santos – todos produzindo quando não na Bahia, na região Nordeste do Brasil.
131
Quanto ao panorama de diversidades que apresentou no livro, posso afirmar que quase 70
anos depois esta é uma característica que só se reforça. O Museu dos Ex-votos ostenta uma
reserva técnica sem similar em toda a região Nordeste. A relativamente pequena “sala dos
milagres”, na nave direita da igreja, encanta por alinhar testemunhos recentes com outros
muito antigos, por não estabelecer distinções valorativas entre o que é exclusivamente
católico e o que é de motivação sincrética e por ser um espaço público e extremamente
acessível às deposições votivas.
A fé no Senhor do Bonfim torna sua “sala dos milagres” muito mais extensa do que a limitada
no interior da igreja. De dia ou de noite, a Colina Sagrada é sempre um espaço de expressão
de pedidos e agradecimentos, riquíssimo palco de performances pessoais, lugar que dilui
definitivamente o rigor e a tangibilidade do que se pensa como sagrado. A fé no Senhor do
Bonfim é um autêntico signo do patrimônio cultural baiano, acima de qualquer outra forma de
classificação normativa.
4.4 Revisitando Alagoas: Théo Brandão e Alceu Maynard Araújo
As expressões votivas no estado de Alagoas seriam desconhecidas, não fosse a notável
iniciativa do médico e folclorista Théo Brandão (Theotônio Vilela Brandão, 1907-1981). Seu
interesse pela cultura popular fundiu-se com o gosto pela medicina, resultando em estudos
sobre a “medicina folclórica”. Em 1975 doou à Universidade Federal de Alagoas (UFAL) sua
coleção sobre cultura popular, que constituiu a célula inicial para a fundação, no mesmo ano,
do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore.
Foi a partir de um catálogo deste museu (EX-VOTOS DE ALAGOAS, 1976) que tomei
contato com as recolhas votivas realizadas por ele e por Luiz Sávio de Almeida, cuja seleção e
identificação do acervo ficaram a cargo do professor Fernando Lobo. O catálogo apresentava
a reprodução fotográfica de vinte peças, exclusivamente coletadas em cidades do estado de
Alagoas, na faixa litorânea e na zona da mata, totalizando sete sítios. Visitei o Museu em
julho de 2006, um palacete à beira-mar que impressiona pela beleza arquitetônica e excelente
132
infra-estrutura. Obtive a confirmação de muitas das questões que precisava elucidar antes de
visitar parte dos sítios votivos descritos no catálogo. Mesmo assim, as coletas que no passado
foram efetuadas em cruzeiros, especificamente, não puderam ser localizadas a contento.
A primeira das visitações que fiz foi à Igreja de Bom Jesus dos Martírios (FIS15), localizada
no centro de Maceió. Foram duas oportunidades de visita, na verdade. Estavam referidas no
catálogo três peças representando cabeças, duas em gesso e uma em cera, recolhidas em 1967
e em 1974. Na primeira vez que observei o sítio, em julho de 2006, encontrei a igreja com boa
movimentação, mas apenas uma forma de manifestação votiva considerável: um caixote de
vidro com dezenas e dezenas de cabeças, todas ofertadas a Nossa Senhora da Cabeça. Eram
peças de madeira, plástico, cera e argila, em tamanhos e cores variadas. Algumas
apresentavam entalhes, outras recebiam rabiscos definindo nariz, olhos e boca. Umas poucas
fotografias e algumas manuscrituras a tinta somavam-se às ofertas. Na segunda observação,
em janeiro de 2007, confirmei o vigor da devoção a Nossa Senhora e encontrei um caixote
semelhante logo na entrada da igreja, desta vez com peças em madeira, representando partes
do corpo humano, que pela aparência, deviam existir já há muitas décadas. De fato: a igreja
acabara de recuperar, dentro de um quartinho localizado debaixo da escada de acesso ao sino,
uma caixa repleta de objetos votivos em madeira dedicados ao Bom Jesus, muitos deles em
estado de apodrecimento. Os que se puderam recuperar foram limpos e passaram a fazer parte
da recente e ainda improvisada exposição. Saí da igreja com a impressão de que já passara da
hora de suas expressões votivas (que ali se manifestam há muitas décadas) ganharem um
espaço próprio, valorizando a tradição religiosa que a casa ostenta.
O segundo sítio relacionado com as coletas de Théo Brandão foi localizado ainda no Museu,
pela informação do curador José Carlos da Silva: eram duas peças em madeira, que o catálogo
situava em “Alto da Santa Cruz – Bebedouro”, local que hoje corresponde à Capela de Santa
Amélia (FIS16), no bairro que passou a levar o nome da santa, num desmembramento da
antiga Chã de Bebedouro. Depois de uma primeira visita frustrada, em que a capela
encontrava-se fechada, retornei em janeiro de 2007, desta vez conseguindo explorar o
universo das relações votivas que se estabeleciam no lugar. Na subseção 3.2.2 teci algumas
considerações acerca de como esta devoção vem sendo conduzida hoje em dia, que vale
recobrar: a capela de Santa Amélia é local de um culto particular, atualmente conduzido por
José Olímpio da Silva, o Zezinho rezador. A igreja católica mantém-se afastada das atividades
devocionais realizadas no local, que nos últimos anos, por conta da dedicação de Zezinho,
133
vem se mantendo ativa e renovada, incorporando elementos do catolicismo popular (rezas e
benzeduras). Na época em que Théo Brandão coletou as duas peças que integram o acervo do
Museu, em 1966, havia apenas uma cruz sinalizando o local onde Amélia e sua filha
(assimiladas a Santa Amélia e sua filha, Santa Luísa) teriam sido mortas (vide nota 86). Hoje
o mesmo local comporta uma pista dupla de asfalto que é essencial na ligação dos bairros do
norte e do sul da capital Maceió. A Capela de Santa Amélia, construída na década de 1970,
está a menos de dez metros desta pista. Soube por um morador local que o cruzeiro, que hoje
situa-se bem defronte à capela, localizava-se originalmente no outro lado da rua, tendo sido
transferido, há poucos anos, para o local onde se encontra agora.
Se em 1966 foram recolhidas peças (uma perna/pé e um antebraço/mão em madeira)
diretamente expostas às intempéries, hoje em dia as ofertas votivas são encontradas protegidas
das ações da natureza. Num quartinho na parte de trás da capela pude encontrar uma pequena,
mas caprichosamente organizada “sala dos milagres”, com muitas peças em madeira,
similares às verificadas no Museu, mas muitas imagens de santos e fitinhas coloridas
(caracterizando apelos protetivos, ofertados sob a forma de “presentes” ou “lembranças”),
além de peças em plástico (reaproveitadas de bonecas) e peças costuradas em tecido, ambas
representando partes do corpo humano.
Ao sul de Maceió, visitei a cidade de Coruripe, numa busca vã por um certo “Cruzeiro”,
conforme descrevia o catálogo do Museu. Nada encontrei na cidade com correspondente
função na atualidade, como já imaginava ainda antes de chegar à localidade. Em Anadia,
cidade situada na zona da mata, em meio a infindáveis quilômetros de canaviais, busquei pelo
“Cruzeiro Verde”, mas o máximo que encontrei foi uma cruz na parte periférica da pequena
cidade (SE122), que segundo relato dos moradores mais velhos, não era utilizada como sítio
votivo.
Ainda mais ao sul do estado, visitei as cidades de Piaçabuçu e Feliz Deserto, referidas por
Alceu Maynard Araújo (1967). Piaçabuçu é uma pequena cidade na foz do rio São Francisco,
que junto com Penedo, ainda guarda orgulhosamente na lembrança a visita de Dom Pedro II,
em 1859. O Imperador, na oportunidade, esteve na Igreja Matriz da cidade, que encontrei
fechada, mas segundo moradores, era também local de ofertas votivas (fato não constatado
por Araújo quando da sua visita, na década de 1960) . O que de fato me atraiu à região foi um
relato feito por aquele autor:
134
Na estrada que leva a Feliz deserto, na santa-cruz do Cigano, recolhemos ex-votos de cerâmica, de madeira, de pano, de cêra, flores de papel, fitas, desenhos, pinturas e mechas de cabelo. Há uma abundância de cabeças de madeira (ARAÚJO, 1967, p. 27).
Se em meados da década de 1960 o que se encontrava no local era uma cruz, em janeiro de
2007 encontrei uma pequena construção, a Capela da Santa Cruz do Cigano (FIS18),
localizada na saída da cidade de Piaçabuçu. Trata-se de uma obra erigida dentro de uma
chácara particular, cujo acesso pode ser pela pista de asfalto que liga Piaçabuçu a Feliz
Deserto, ou por uma estrada de areia, do lado oposto, antiga ligação entre essas duas cidades.
Segundo relatos da população local, a cruz foi construída para devoção de um cigano morto
por outro companheiro supostamente numa briga durante um almoço, há mais de 70 anos. Da
cruz se construiu uma capela, que foi consolidando, com o passar do tempo, um culto
doméstico, cuidadosamente mantido por Emanuel Santana Neto, morto em 2006. Apesar de
pouco se saber sobre o “cigano”, o local até o ano da morte de seo Emanuel foi uma
tradicional parada na romaria da festa de Nossa Senhora Mãe dos Homens, cuja festa acontece
em 31 de dezembro, com movimentações que se iniciam desde o mês de outubro.
Anteriormente havia grande movimento entre esses meses, mas esta passagem está fadada a
se encerrar no local, já que com a morte do patrono a viúva e os outros familiares não
pretendem assumir a continuidade da festa.
A observação no interior da capela não chegou a confirmar a fartura anotada por Araújo:
encontrei um pequeno e bem cuidado altar com imagens tridimensionais de santos, algumas
poucas fotografias emolduradas e afixadas numa parede, muitas fitas coloridas e poucas peças
tridimensionais, em madeira, argila e tecido costurado, sempre representando partes do corpo
humano.
Talvez na época da sua visita, quando o lugar de culto ficava à margem da passagem principal
entre as duas cidades, Alceu Araújo tenha encontrado manifestações votivas mais numerosas,
por conta de haver uma devoção com vigor diferenciado. Hoje em dia a capela fica nos fundos
de uma propriedade particular, que preserva a via original, de areia, mas quase não há mais
movimento por ali. Se o lugar até recentemente servia mais como pousada do que como um
135
santuário propriamente dito, com a morte do patrono e a recusa da família pela renovação das
práticas, a tendência é imaginar que este caso não resistirá por muito mais tempo.
Na Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Feliz Deserto-AL (FIS19)
confirmei, quarenta anos depois, a existência de manifestações votivas, conforme relatara
Alceu Maynard Araújo. Cheguei duas semanas depois da tradicional festa, imaginando
encontrar uma fartura de expressões votivas. Mas não as encontrei assim. O que pude
verificar foi uma pequena coleção de ofertas recentes, colocadas sobre uma mesa, ao lado do
altar principal da igreja. Não eram mais do que quinze peças tridimensionais (em madeira,
argila e tecido costurado) representando partes do corpo humano, algumas fotografias e um
grande número de peças de roupas, muitas utilizadas em manifestações penitenciais.
Seguindo para o norte e retornando ao litoral, fui até a cidade de Paripueira (antigo distrito de
Barra de Santo Antônio), onde localiza-se a Igreja de Santo Amaro de Paripueira (FIS17).
Trata-se de um templo religioso situado a poucos metros do mar, testemunha de uma brisa
suave e permanente. Foi a região que inspirou José Lins do Rego (1995) a escrever, no ano de
1939, o romance Riacho Doce. Encontrei a igreja fechada, mas consegui localizar a zeladora,
dona Juraci Santos, que me possibilitou observar calmamente a recém reformada “sala dos
milagres”. Ali foram recolhidas 11 das 20 peças que compunham o catálogo (quase todas de
madeira, representando cabeças, perna e pé e coração, apenas uma peça em barro), entre 1966
e 1974. Mais uma vez constatei que o perfil das expressões votivas, comparativamente,
mantinha-se com muita semelhança: encontrei muitas peças tridimensionais, que
predominavam neste sítio. Em madeira, cera, argila, costurados em tecido ou de plástico,
cabeças, braços e pernas eram abundantes. Encontrei poucas fotografias e ainda menos
manuscrituras a tinta sobre papel. Era evidente a vocação daquele templo ao objeto votivo
tridimensional.
As últimas menções feitas por Théo Brandão eram referentes a duas localidades na zona da
mata, também ao norte de Maceió: a primeira localizava-se no município de Flexeiras, onde o
folclorista recolhera uma peça votiva em 1963, num cruzeiro localizado no “Engenho
Prazeres”. A segunda era a “Usina Bititinga”, onde na “Santa Cruz” fora recolhida outra peça
votiva, em 1962. Eu já imaginava que seria uma busca um bocado árdua, pois o tal engenho e
a usina (baseado nas buscas preliminares) já não existiam há bastante tempo, ao menos com
estes nomes.
136
Ao chegar à pequena cidade de Flexeiras, exercitei uma estratégia que vinha funcionando bem
nas observações anteriores, especialmente quando eram em locais de referência menos
notória: buscar informações com pessoas mais idosas. O problema dos topônimos antigos e o
peso da tradição que os mais velhos conhecem sustentavam o critério, e vinha surtindo bom
efeito. Acabei abordando um grupo de senhores que estavam à espera de transporte, ainda na
entrada da cidade. Nenhum deles confirmou a existência dos lugares que eu estava à procura,
alguns desconheciam, outros afirmaram sua extinção. Também não indicaram nenhuma
similaridade de manifestação votiva contemporânea pelas redondezas. Continuei a circular
pela cidade, em busca de mais e melhores detalhes. Encontrei José Gonçalves da Silva, de 68
anos, ex-colhedor de cana que afirmou que o Engenho e a Usina foram desfeitos, mas que ele
já trabalhara por lá, décadas atrás. Também confirmou a existência de práticas devocionais
fervorosas em outrora, mas sem continuidade no presente.
Numa carona de percurso não muito longo, pude conversar com o velho lavrador, que me
expôs com muita satisfação sua versão da vida religiosa local. Seo José, que já atuara como
colhedor de cana até no Recôncavo Baiano, apontou a “Usina Bititinga” como uma grande e
próspera empresa, com muitos engenhos, inclusive o “Engenho Prazeres”, se espalhando por
vários municípios da zona da mata alagoana105. Por questões trabalhistas, em meados da
década de 1980, a Usina entrou num processo de falência, como muitas outras da região. Foi
se esvaziando com o tempo, deixando o negócio açucareiro de ser do interesse da família e
acabou como um lugar abandonado, testemunha viva das mudanças que as estruturas e
relações de trabalho poderiam acarretar aos tradicionais “senhores de engenho”. Seo José
ainda enfatizava o desinteresse dos herdeiros pelo negócio, quando da morte do patriarca,
pontuando como a “juventude” é capaz de se apegar ao que é ruim, à bebida, à farra, em
prejuízo dos bens de família. Para ele, só o que se encontra hoje em dia naquela região é
“sem-terra, resto de usina e bois. Não existe mais respeito e nem religião!”. Foi
impressionante, a quantidade de assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra
(MST) que vimos às margens da rodovia que trafegávamos, ainda que aquele fosse um
percurso de menos de 50 km. Seo José também não deixou de enfatizar sua insatisfação ao se 105 Isso explicava a minha dificuldade em localizar na atualidade estes dois sítios referidos por Théo Brandão: em se tratando de uma grande propriedade privada, com vida social própria (como tradicionalmente eram os engenhos nordestinos) e dispersa em diversas unidades comunitárias, a Usina Bititinga se esparramava por pelo menos três municípios, que nos últimos anos sofreram alterações em seus limites, tendo sido possível encontrar, por exemplo, a localização da Usina atribuída aos municípios de Messias, Murici e Flexeiras, em diferentes fontes.
137
referir às igrejas evangélicas que se multiplicam naquela área. Ele atribuiu aos evangélicos o
enfraquecimento dos cultos católicos na região. Lembrei do que ouvi, quase três anos antes,
do zelador da igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Itabaiana-PB: que ali “os
evangélicos não deixam a santa em paz, eles cultuam Cristo, mas não respeitam sua mãe”...
Lembrei do que me foi alertado no Exame de Qualificação, sobre as dificuldades de
renovação de certas práticas católicas pelo Brasil. Lembrei que o campo estava vivo. Seo José
seguiu seu caminho, deixando-me um depoimento que com muita clareza apresentou as
chaves explicativas de muitos outros casos semelhantes de descontinuidade devocional por
toda a região Nordeste do Brasil.
As contribuições de Théo Brandão e Alceu Maynard Araújo são relativamente recentes, mas
como vimos, o ambiente daquelas práticas votivas sofreu muitas mudanças nos últimos anos,
algumas que podem ameaçar a permanência das práticas, outras que comprovam sua extinção.
Como pesquisador interessado nas expressões populares de cultura, fica clara a preferência de
Théo Brandão pelas peças de feitio artesanal, o que faz com que o acervo que compõe o
Museu não seja uma amostra fiel do universo dos objetos votivos alagoanos entre 1962 e
1974. É certo que a fotografia, a pintura e outras formas reaproveitadas também ocupavam
lugar representativo nos sítios devocionais e nas cruzes e cruzeiros espalhados por todo
estado. Falta, contudo, registros que exponham este panorama de diversidade dentro as
manifestações votivas católicas naquele tempo e espaço.
4.5 Contribuições mais recentes à cartografia votiva no nordeste oriental do
Brasil
Nesta última seção apresentarei a síntese das observações que foram realizadas sobre
documentações históricas menos sistemáticas, do ponto de vista da descrição das práticas
votivas, e sobre centros e fenômenos votivos que ainda não foram tratados nas condições de
análise, documentação e interpretação que proponho nesta tese. Apenas por uma questão de
objetividade expositiva, apresentarei os próximos casos partindo do índice de canonicidade
que propus na seção 3.2. Mais detalhes sobre os casos relatados poderão ser consultados nas
respectivas Fichas de Inventário de Sítio (FIS).
138
Inicio, portanto, relacionando o culto ao Santo Cristo, perfil devocional dos mais tradicionais
no Brasil. Destaco a vitalidade do culto ao Senhor dos Passos (FIS31), em São Cristóvão-SE.
Trata-se de mais um espaço devocional que desde o princípio do Século XIX expressa a fé do
povo sergipano, mantendo até a atualidade, no claustro da Igreja da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo (o Carmo Menor) o Museu do Ex-voto de Sergipe, que rivaliza com o
Museu dos Ex-votos do Senhor do Bonfim (Salvador-BA) pela antigüidade e valor
representativo de suas peças. A Procissão do Senhor dos Passos, realizada anualmente no
segundo final de semana da quaresma, é o ponto alto das deposições votivas, atraindo pessoas
do estado de Sergipe e de outras localidades da região Nordeste, em discreta romaria.
Visitei o Museu do Ex-voto de Sergipe por diversas vezes nos últimos anos. O espaço
destaca-se pela ambiência única, ocupando um claustro e o pavimento superior com uma
coleção de formas expressivas notável pela extensão e variedade. Destaca-se a enorme
quantidade de peças tridimensionais em madeira, seguidas pelas peças modeladas em material
argiloso e pelas moldadas em gesso e cera, revelando as ofertas mais tradicionais. Por outro
lado, são numerosas as fotografias e os objetos adaptados ou ressignificados. O espectro
matricial dos ex-votos de São Cristóvão106 é comparável ao da Igreja do Senhor do Bonfim
(Salvador-BA), ao do Santuário de Bom Jesus da Lapa (BA) e ao do Santuário de Nossa
Senhora da Penha (João Pessoa-PB).
Outro centro votivo de longa tradição histórica localiza-se no estado de Pernambuco, o
Santuário do Senhor Santo Cristo de Ipojuca (FIS32). Trata-se de uma sala dos milagres que,
se não apresenta um volume considerável de objetos votivos, apresenta o mesmo equilíbrio
verificado no caso citado acima, entre as ofertas de tradição rural (peças esculpidas em
madeira) e as de produção pós-industrial (fotografias). É um sítio votivo de visibilidade
discreta, limitado à devoção pernambucana.
De alcance muito mais expressivo, projeta-se o Santuário de Bom Jesus da Lapa (FIS22),
construído dentro das grutas do Morro do Bom Jesus, na margem direita do médio vale do rio
São Francisco, no oeste da Bahia. É um dos mais encantadores sítios votivos que tive a
106 Quando visitei a cidade pela última vez, em julho de 2006, havia uma enorme expectativa quanto ao lançamento da sua candidatura para o tombamento pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Patrimônio Cultural da Humanidade.
139
oportunidade de visitar. O Santuário foi fundado em 1691, pelo eremita Francisco de
Mendonça Mar, que depois de consolidar o espaço e atrair romarias, foi tornado padre. É um
caso típico de construção espontânea de espaço sagrado que é posteriormente assimilado pela
Igreja.
Apesar da majestosa obra da natureza, enriquecida pela ação do homem, o que mais
impressiona no Santuário são as expressões votivas: não são comparáveis o volume,
antigüidade, variedade e criatividade do que se pode encontrar nas muitas áreas de deposição
votiva. Mais do que em qualquer outro lugar, o choque entre a tradição e a modernidade salta
aos olhos: observamos facilmente os cada vez mais raros retratos pintados à mão, a partir de
fotografias, ao lado de impressões fotográficas editadas em computador, fundindo pessoas,
paisagens e palavras a partir do recurso da informática; encontramos notáveis peças
esculpidas em madeira – capazes de despertar a mesma cobiça nos artistas plásticos, relatada
por Valladares (1967) – ao lado de famosas bonecas de produção industrial, vestidas com a
vaidade típica das mulheres dos grandes centros.
A devoção ao Bom Jesus da Lapa movimenta fiéis de todo o Brasil, com área de abrangência
mais expressiva entre os estados da Bahia e de Minas Gerais (STEIL, 1996, p. 59-61). O
Santuário é mantido desde 1956 pelos Missionários Redentoristas da Bahia, especialistas na
administração de espaços desta natureza. Sua ação se fez visível no aumento considerável não
só de romeiros, mas de turistas com interesse religioso. A vigilância sobre o patrimônio que
cuidam também é muito grande: não se permite que nada saia do Santuário, especialmente das
numerosas salas dos milagres.
Mas esta não é a única devoção a Bom Jesus da Lapa no estado da Bahia. No município de
Ibiqüera, na Chapada Diamantina, visitei a Gruta da Lapinha (FIS29), outro orago do mesmo
Bom Jesus. Não encontrei menção prévia sobre este sítio votivo, caracterizado pela oferta
abundante de imagens de santos, bi e tridimensionais. Ao contrário da gruta do médio São
Francisco, a presença católica no local acontece apenas na época da romaria, quando padres
são convidados a celebrar missas. Em situação diferenciada encontra-se a Gruta da
Mangabeira (FIS30), no município de Ituaçu, na Chapada Sul do estado da Bahia. Lá, o culto
ao Sagrado Coração de Jesus é conduzido pela Igreja Católica, que construiu altar e estruturou
um Santuário dentro das galerias. A imagem votiva do Sagrado Coração fica uns 100 metros
adentro da gruta, marcada pela grande umidade e lamentável sensação de abandono. O acervo
140
de ofertas é muito particular: não recebe um tratamento expositivo especial. As peças votivas
(predominantemente imagens de santos) são amontoadas em cima e embaixo de prateleiras de
pedra. A impressão de que não é um ambiente dos mais agradáveis é reforçada pela
precariedade da iluminação local.
A derivação ao culto do Santo Cristo é expressa pelo culto à Santa Cruz. Em Monte Santo, no
semi-árido baiano, encontrei a Capela de Santa Cruz (FIS26), santuário que é o ponto de
chegada de uma Via-Crucis, com 25 capelinhas espalhadas numa subida íngreme de quase 3
km, distinguida por Euclides da Cunha, em 1897, como um “templo prodigioso, monumento
erguido pela natureza e pela fé, mais alto que as mais altas catedrais da terra” (CUNHA,
2003a, p. 141). Suas referências em Os Sertões e em Canudos – diário de uma expedição
(2003b) limitaram-se à descrição topográfica e ao espanto com o “fanatismo” religioso que
erigiu aquele lugar, nada aprofundando sobre as práticas votivas, que na sua atualidade fazem
da Capela um dos mais movimentados sítios religiosos do Nordeste do Brasil. O aspecto da
sala dos milagres da Capela revela o peso que a produção artesanal ainda exerce nas práticas
produtivas locais: há um predomínio absoluto das peças tridimensionais em madeira,
representando partes do corpo humano e de objetos de uso penitencial (vestes e cruzes em
madeira, especialmente). No entanto, o mais impactante na minha experiência de subida da
“Santa Cruz” foi observar centenas de objetos votivos destruídos ao longo da trilha: ex-votos
em madeira alimentando fogueiras ou apodrecendo sob os efeitos da chuva e do sol. Tal
constatação expõe duas realidades: a primeira, problemática em qualquer centro votivo,
relaciona-se com o trato que se deve dar a um volume cada vez maior de objetos depositados,
já que os espaços são exíguos, mas as demandas ofertivas não. Depois, a certeza de que, ao
menos aos olhos dos que descartam os “lotes” de peças (normalmente os “agentes
especializados”), o ciclo existencial do objeto votivo deu-se por completo ao chegar e estar
exposto, ainda que temporariamente, nos locais de devoção.
Em Pernambuco, visitei o “Cruzeiro de Poção”, que se intitula como Centro de Instrução
Bíblico Visual (FIS33). Na cidade de Poção, no sertão pernambucano, passagens bíblicas são
contadas através de peças escultóricas tridimensionais, de notável expressão dramática. Lá
encontrei uma movimentada área dedicada às “promessas e milagres”, com variadas
manifestações votivas organizadas segundo a tipologia, em prateleiras especialmente
construídas.
141
O culto mariano, sem dúvida, ainda é o mais expressivo nas práticas votivas por todo o
Nordeste do Brasil. Adiciono aqui mais alguns casos, além dos já argumentados nas seções
anteriores. Começo considerando o Santuário de Nossa Senhora das Candeias (FIS28), no
Recôncavo Baiano. Ao longo dos últimos anos a “sala dos milagres” do santuário passou por
grandes mudanças, do ponto da vista de sua organização. Nas minhas visitas até fevereiro de
2004, encontrei na “sala” um misto de centro votivo e de depósito de serviços gerais do
Santuário. Além do desconforto e do mau-cheiro permanente do local, os tradicionais
testemunhos das intercessões de Nossa Senhora eram amontoados num espaço apertado e
pouco convidativo. Dois anos depois, em fevereiro de 2006, encontrei um ambiente renovado,
com paredes pintadas, instalação de novas prateleiras e as peças organizadas segundo sua
tipologia. A “sala dos milagres” do Santuário de Nossa Senhora das Candeias apresenta
características muito particulares quando se trata de suas peças votivas. É um local que
impressiona pela quantidade de imagens de santos católicos, que, como já vimos, pode
sinalizar muitas tendências diferentes. São também abundantes as ofertas de objetos de uso
terapêutico, notadamente aparelhos ortopédicos. Manuscritos a tinta são fartos, bem como
fotografias, algumas marcadas pela presença de relatos manuscritos no verso. Em verdade
estes últimos objetos votivos constituem-se como um dos mais interessantes disponíveis nesta
devoção.
Em Salvador-BA, pude observar três casos especiais de devoção dentro de oragos marianos
que não constituíam Nossa Senhora como a principal personalidade votiva: a Igreja de Nossa
Senhora da Conceição da Praia (FIS34), cuja sala dos milagres apresenta um volume
marcantemente maior de ofertas votivas a outros santos, a Igreja de Nossa Senhora do Pilar
(FIS41), local de culto de Santa Luzia e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
(FIS44), ponto de referência para o culto de Santa Bárbara ou da Escrava Anastácia.
Acompanhei por dois anos a Festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia, mas em
nenhuma destas oportunidades verifiquei práticas votivas expressivas durante as celebrações.
Indo na direção do interior do estado da Bahia, observei a cidade de Milagres, onde se
encontra a Igreja de Nossa Senhora de Brotas (FIS35). É uma devoção não muito antiga, que
conta com uma sala dos milagres pequena, mas que pela quantidade de peças ofertadas, atesta
o prestígio miraculoso da Santa na região. Encontram-se ali muitas peças tridimensionais em
madeira, seguidas de numerosas fotografias e de outros tipos de oblações, entre as quais
destaco um número considerável de caixas de remédio vazias, testemunhando uma espécie de
142
libertação da doença. À beira da BR-116, Milagres é um importante ponto de parada
rodoviária, o que expõe a cidade a pessoas de todo o país, especialmente os motoristas, que
contam com uma capela dedicada a São Cristóvão, seu padroeiro.
Fora da Bahia encontrei uma versão de culto mariano que parece se expandir: a devoção em
torno da Virgem dos Pobres de Banneux. Seu principal sítio votivo encontra-se em Maceió-
AL, num Santuário (FIS36) marcado pela predominância absoluta de objetos votivos de
natureza verbal: placas pintadas, gravadas e/ou esculpidas em metal, plástico, mármore e
outros materiais. São pouquíssimas as peças que fogem deste modelo. Em Lagoa Seca-PB, há
um Monumento (FIS37) dedicado à Virgem, uma espécie de oratório, que aos domingos
costuma ser muito visitado. Ali encontrei poucas peças votivas. Também tive a oportunidade
de encontrar outro oratório dedicado à Virgem dos Pobres defronte à Igreja de Santo Amaro
de Paripueira (FIS17), em Alagoas, neste caso construído como ex-voto, por um pai que
reencontrou um filho que se perdera da família num surto em decorrência de um transtorno
psiquiátrico.
Em Pesqueira-PE visitei o Santuário de Nossa Senhora das Graças (FIS39), situado no distrito
de Cimbres, com vista panorâmica para a cidade. Ali encontrei poucas peças votivas, todas
elas dentro da gruta onde fica a imagem de Nossa Senhora. Ainda em Pernambuco, na
pequena cidade de Solidão observei o Santuário de Nossa Senhora de Lourdes (FIS48),
também construído dentro de uma gruta. Encontrei peças votivas em dois lugares diferentes:
atrás de um altar e num nicho construído numa capelinha anexa. Em ambos os casos era
predominante a presença de peças tridimensionais em madeira, representando partes do corpo
humano.
Em Patu-RN localiza-se o Santuário de Nossa Senhora dos Impossíveis (FIS40), que em
janeiro de 2004 ostentava uma “sala dos milagres” bastante interessante, marcada por
soluções estéticas criativas no trato expositivo das peças votivas: fotografias penduradas em
varais, peças tridimensionais afixadas nas paredes, a partir de categorias tipológicas.
Do culto votivo aos santos propriamente ditos, destaco em Salvador-BA a presença marcante
de Santa Luzia, na Igreja de Nossa Senhora do Pilar (FIS41), cuja festa, em 13 de dezembro,
foi assim referida por Pierre Verger: “Esta festa atrai à Igreja do Pilar, na cidade baixa, as
pessoas que sofrem da vista e mesmo os cegos, que vêm passar em seus olhos, neste dia, a
143
água cujas virtudes são tidas por milagrosas” (VERGER, 1999, p. 74). A igreja encontra-se
em estado de abandono, inclusive estando com a nave principal fechada para celebrações. Em
outubro de 2006 observei a famosa fonte milagrosa de Santa Luzia e o altar improvisado onde
eram depositadas as ofertas votivas a ela dedicadas. Como se poderia prever, a temática das
vistas era predominante: óculos, lentes de contato e até bolas de gude representando os olhos
(SE59).
Ainda em Salvador-BA, vale menção a Igreja de Santo Antônio da Barra (FIS42), localizada
em bairro nobre e caracterizada pela ocorrência volumosa de miniatura de casas e pela
presença de chaves, remetendo a uma noção de lar, natural quando se trata do “santo
casamenteiro”. As representações votivas também incluem fotografias (principalmente de
casamentos), muitas imagens de santos e uma enorme quantidade de flores, normalmente
doadas após as celebrações em que a igreja é ornamentada.
Quando se trata de perfis devocionais transcanônicos, o estado da Bahia assume a
exclusividade no que pude observar por toda a região Nordeste. Já falamos de alguns casos,
aos quais acrescento o interessante Santuário de São Lázaro e São Roque (FIS43) e as
devoções paralelas que ocorrem na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (FIS44),
ambas em Salvador-BA.
O Santuário de São Lázaro e São Roque, como a Igreja do Senhor do Bonfim, é marcado por
um convívio harmonioso entre as tradições católicas e afro-brasileiras107. Na “sala dos
milagres”, há um predomínio das peças tridimensionais em cera, muitas acompanhadas por
relatos manuscritos, que revelam, não em poucas vezes, agradecimentos simultâneos a São
Lázaro/Obaluaê e São Roque/Omolu. Próximo ao veleiro, na parte de fora da igreja, é comum
encontrar cestos de pipoca, oferenda dedicada às duas divindades africanas presentes no
templo. Omolu e Obaluaê são representações em idades diferentes de um mesmo orixá –
quando jovem e quando velho, respectivamente. São evocados para a proteção de dores,
doenças e outros tipos de sofrimento, tendo a segunda-feira como o dia consagrado à sua
devoção, quando a igreja se enche de pessoas em busca do tradicional “banho de pipoca”.
107 Também administrada pelos Missionários Redentoristas da Bahia, mensalmente o Santuário promove uma “missa afro” (toda primeira segunda-feira domes, às 18h).
144
Na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (FIS44) quem se destaca é a devoção a
Santa Bárbara, festejada no dia 04 de dezembro. Sincretizada com Iansã, seu dia de festa é
marcado pela presença da cor vermelha espalhada por todos os cantos. Segundo os
informantes que fazem parte da irmandade, as ofertas votivas a Santa Bárbara consistem da
realização de missas e de ritos comensais coletivos. Por todo nordeste oriental encontrei
imagens de Santa Bárbara, fosse em peças tridimensionais, fosse em quadros. Sua lembrança
nos sítios votivos da região é comparável apenas a Santa Luzia, São Jorge a aos santos Cosme
e Damião. Nos fundos da igreja há um oratório dedicado à Escrava Anastácia, com discretas
oblações, mas com um movimento intenso de fiéis que vêm persignar-se e lhe dedicar
orações.
Saindo do perfil canônico, podemos observar três personalidades religiosas bastante
expressivas: Irmã Dulce, Frei Damião de Bozzano e Padre Zuzinha, as duas últimas apontadas
por Marcílio Lins Reinaux, em 1988, como potenciais perfis devocionais nordestinos.
Se nos escritos de Reinaux já se constatava o poder de contágio da presença devocional do
Frei Damião, nove anos antes da sua morte, o que se verifica na atualidade é um apreço que
tem uma força comparável apenas ao Padre Cícero Romão Batista. A evocação do Frei
Damião (SE132) está fundamentalmente concentrada nos estados da Paraíba e de
Pernambuco, onde além de dois centros votivos em cada, sua imagem em estatuetas e
fotografias se espalha em quase todos os centros votivos que pude observar. Nos outros
estados sua presença é bastante mais discreta. A prova disso é que o Servo de Deus não tem
um sítio votivo que se possa considerar como basilar. Ao contrário do Padre Cícero (cuja base
devocional localiza-se na cidade de Juazeiro do Norte-CE), a lembrança do frei Damião está
espalhada pela região em diferentes ambientes, dos quais destaco quatro: o Convento de São
Félix de Cantalice (FIS23), em Recife-PE (onde repousam seus restos mortais); o Memorial
Frei Damião (FIS24), em Guarabira-PB (onde se construiu uma estátua de 22 metros de
altura); o Santuário do Frei Damião (FIS25), em São Joaquim do Monte-PE (que também
conta com uma estátua na praça da Igreja Matriz) e em outra estátua (FIS09), desta vez na
cidade de Sousa-PB.
Influenciado pelas práticas missionárias do Padre Ibiapina e do Padre Cícero, do qual era
devoto, Frei Damião também construiu obras de caridade por todo o estado de Pernambuco e
da Paraíba. Desde 1949 a Paróquia de Alagoa Grande já tratava o religioso como “Incansável
145
Missionário da Paraíba”, conforme se pode ler numa “Lembrança das Missões de Frei
Damião”. Talvez isso explique porque ele é lembrado com tanta força e por tantos lugares ao
mesmo tempo.
Do ponto de vista das manifestações votivas, já se pode considerar que a população projeta no
Frei o mesmo prestígio atribuído ao padre cearense. Em todos os quatro sítios que citei pude
observar a presença marcante das ofertas votivas. Contudo, destaco o Memorial (FIS24) e o
Santuário (FIS25) como os mais movimentados. Em ambos, a quantidade e diversidade de
peças apontam para um quadro de plena eficácia da ação milagreira do Servo de Deus.
Em comoção popular menor na região, encontramos o caso do Padre Zuzinha (SE130), assim
apresentado por Marcílio Lins Reinaux: “Outro local que já começa a ter romaria é Santa
Cruz do Capibaribe, após a construção de um monumento do Padre Zuzinha, pároco por
quarenta anos do Município, prefeito e protetor dos beatos e devotos” (REINAUX, 1988, p.
77). A romaria ainda é discreta, mas a “sala dos milagres” que é incorporada à capela onde se
localiza seu túmulo (FIS20), no Cemitério São Judas Tadeu, não deixa dúvidas sobre o
prestígio devocional do Padre. Mesmo assim, ainda não há na cidade uma movimentação mais
decisiva em torno da abertura do processo de canonização do religioso, que, da mesma forma
que o Padre Cícero, ainda não pode ser considerado, a rigor, como um protocanônico.
É diferente a situação de Irmã Dulce (SE131), “mãe dos pobres”, como era chamada em
Salvador-BA. A base da sua devoção é a sede das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID) (FIS46),
que recebe diariamente, especialmente nas proximidades do túmulo da religiosa, muitas
ofertas votivas. Segundo o assessor de Memória e Cultura da OSID, Osvaldo Gouveia, há um
projeto futuro de se criar um Memorial, que já prevê um espaço privilegiado para a exposição
das ofertas votivas. Serva de Deus, Irmã Dulce já conta com um longo relato de graças
alcançadas atribuídas a ela e documentadas pelo Centro de Memória e Cultura das OSID.
Por fim, gostaria de destacar dois casos não-canônicos que se mantêm firmes como
interventores populares. O primeiro deles é o de Pedro Batista, que na cidade de Santa
Brígida-BA é lembrado por um bem cuidado Memorial (FIS47). No Museu a ele dedicado,
pude encontrar, em cuidadosa exposição, uma considerável diversidade de expressões votivas,
de fotografias a esculturas em madeira, de santinhos de campanha política a pedras ofertadas
junto com orações. Do lado de fora, na Praça que leva o nome do taumaturgo, observei
146
também muitas fitas coloridas e peças esculpidas em madeira, não só na sua estátua, mas
também nas imagens da Madrinha Dodô e do Padre Cícero.
Na localidade de Porto do Santo, em Itaparica-BA, localiza-se a Fonte dos Milagres do Irmão
Venceslau (FIS48), santuário natural onde se pode encontrar uma pequena capela, local de
guarda das poucas ofertas votivas. O taumaturgo, que curou sua cegueira com aquelas águas,
nasceu e morreu no mesmo dia, tal como São Venceslau. A Prefeitura Municipal de Itaparica
transformou recentemente a área em zona de proteção ambiental. O que pude encontrar, na
visita que fiz em agosto de 2006, foi um sítio com poucas deposições votivas, mas com
muitos fragmentos de imagens de santos e de divindades de outros cânones religiosos,
espalhados por toda a extensão do terreno.
147
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, o signo votivo católico no nordeste oriental do Brasil parece manter a sua
vitalidade e credibilidade perante a população, dispersa por todo o recorte geográfico que
tomamos como referência. A certa altura desta tese, estruturei as idéias dentro de um esquema
que considerava três instâncias fundamentais na trama votiva: a dúvida, a dádiva e a dívida.
No exame de Qualificação fui alertado sobre o risco de se falar em “dúvida”. Referia-me, em
verdade, ao estado de incerteza que as vicissitudes e os desejos irrealizados são capazes de
despertar no sujeito de fé. Mas a interpretação que lhe foi dada foi bem outra: “não há lugar
para dúvidas na trama votiva! Há, sim, uma certeza da eficácia do ciclo”, conforme pudemos
constatar. E uma certeza que, de uma forma geral, se renova sem maiores dificuldades. É uma
renovação que não vem apenas pela adesão tímida das gerações mais jovens. Renovam-se
também os perfis devocionais. Os “santos” de hoje não são os mesmos de um século atrás, são
pessoas que muitas vezes circularam pelo mesmo ambiente que boa parte dos fiéis.
Neste sentido, há alguns pontos que reconheço que ainda devem ser aprofundados com certa
urgência. Por exemplo: que ciclos mantêm a “juventude” dentro dos princípios de coesão
social em torno das práticas e relações votivas? Como estes fenômenos proporcionam uma
renovação? Como se alimentam no sentido da solidariedade e da preservação do grupo? Quais
as perspectivas de “sobrevivência” e quais as ameaças potenciais?
A certa altura cheguei a crer que o avanço do culto evangélico pela região seria capaz de
reprimir a preservação da tradição votiva. Mas não foi isso o que constatei, depois de observar
quase setenta sítios votivos. O “sumiço” das práticas votivas em certas localidades do
Nordeste deve-se mais à fragilidade das relações solidárias, a uma incapacidade de renovação
dos grupos, do que à pressão exercida pela conversão evangélica. O que verifiquei é que,
nestes casos, não há uma negação, mas uma ruptura de universos valorativos.
Desta forma, tudo leva a crer que é o enfraquecimento do poder persuasivo das “pessoas
morais” quem mais pode ameaçar a continuidade dos ritos. Mas esta hipótese está mais para
uma exceção do que para a regra geral: o que se verifica é justamente o contrário. As práticas
têm se renovado, e expus uma possibilidade explicativa para esta renovação na seção 3.2.
148
Por tudo isso, acho difícil acreditar que se possa falar em algum tipo de crise nas práticas
católicas populares, especificamente no particular das relações votivas, já que os grupos, de
forma genérica, têm se renovado pelo próprio vigor das práticas, salvo em algumas poucas
áreas. E também contam com a oportuna intervenção da Igreja, que sabe tirar proveito do
clamor popular (já maturado, principalmente) e estruturar (-se em) novos “mitos”, em novas
histórias de vida exemplares. Os cultos proto-canônicos são uma prova desta atitude
renovadora da Igreja, que nasce e se consolida a partir dos cultos votivos populares,
alimentando, seja por que razão for, as veias da instituição ortodoxa.
Findo esta tese certo de que foi dado um primeiro e decisivo passo para o que pretendo dentro
dos estudos da religiosidade popular. Tenho plena consciência de que muitos pontos podem
ainda parecer obscuros ao leitor. Alguns são obscuros para mim também. O fato é que, no
seguimento da proposta de apresentar um mapeamento e um panorama da atualidade do
fenômeno votivo no nordeste oriental do Brasil, fui forçado a recolher muitas discussões, que
serão retomadas em um futuro próximo. Reforço a postura que assumi ainda nas primeiras
seções deste trabalho: antes de poder lançar um olhar mais refinado aos outros possíveis
vieses teóricos deste nosso problema, era fundamental criar um esquema classificatório, sobre
o qual todas as especulações seguintes poderiam ser projetadas. Ainda há muito o que se
contextualizar dentro da Teoria da Dádiva; da Teoria Psicanalítica por outro lado, poderia
proporcionar outras percepções do nosso sujeito de fé (especialmente a linha lacaniana, que
ao referir objeto, desejo e necessidade, poderia iluminar boa parte dos vínculos de fé, na
perspectiva do sujeito, ao menos); da Teoria da Psicologia Analítica junguiana, por outro
lado, poderia abrir a perspectiva da percepção da unidade na diversidade formal das
manifestações votivas, via análise do “inconsciente coletivo”; da Antropologia Estrutural
poderia ser muito útil como método, através da analogia com o estudo dos mitos –
notadamente por via da bricolage – oferecendo, no exame dos relatos votivos, a possibilidade
de desvelar uma nova dimensão narrativa do fenômeno); da Antropologia Visual, capaz de,
através do exame dos artefatos, traçar um panorama dos sistemas simbólicos operadores nas
diversas comunidades produtoras observadas, além de como os artefatos podem ser
assimilados fora do seu âmbito simbólico referencial; e da Semiótica, apenas para situar
algumas das mais instigantes perspectivas.
149
Por outro lado, folgo em corresponder a uma expectativa levantada por Clarival do Prado
Valladares a respeito da especial riqueza plástica dos ex-votos escultóricos do sertão:
Não nos foi possível estabelecer a “carta geográfica” de sua distribuição no Nordeste, onde é mais expressivo e constante, e isto seria um trabalho recomendável, a fim de se conhecer a área brasileira dotada dêste tipo de manifestação arcaica (VALLADARES, 1967, p. 17).
Na certeza de que ainda há muito que ser feito, eis aqui a minha primeira contribuição.
150
REFERÊNCIAS
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ANEXO A – Ex-voto pintado ofertado ao Senhor do Bonfim
.
Inscrição:
Dados Técnicos:
“Milagre que fez o Sr. do Bonfim a menor Olívia Baptista Leite Borges que estando
desenganada de febre amarela sua mãe implorou ao mesmo senhor foi atendida, 1892”.
Óleo sobre tela, 62 x 58 cm, s/d.
Fonte: Acervo da Igreja do Senhor do Bonfim, Salvador-BA
ANEXO B – Ex-voto pintado ofertado a Nossa Senhora dos Remédios
Inscrição:
Dados Técnicos:
“Prodigiosas mercês e milagres que tem feito a Virgem Nossa Senhora dos Remédios a seu devotoAgostinho Pereira
da Silva assim em secular como depois de ser sacerdote. Saindo de sua terra a cidade de Lamego para se embarcar
para o Brasil, se encomendou a mesma senhora em uma capelinha que fica logo fora da cidade e chegando as minas
se meteu no sertão a buscar fortuna e nele foi mordido de uma cobre e acometido de duas medonhas e no mesmo
sertão esteve morto a fome a sede e outros camaradas sem esperança de vida e depois escapou de ser morto que a
traição o quiseram matar os paulistas e por estes e muitos mais sucessos prometeu a sua santíssima patrona a Senhora
dos Remédios de entrar no Seminário de Belém para servir no estado sacerdotal e depois de ser sacerdote, estando já
desenganado de que morria em uma grande enfermidade sem se poder ter em pé só encostado em uma muleta com
uma grande chaga em uma perna a Senhora dos Remédios lhe deu saúde e para memória mandou aqui por este painel
no ano de 1749”.
Óleo sobre tela, 110 x 130 cm, 1749.
Fonte: Acervo do Mosteiro de São Bento, Salvador-BA.
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SÍTIOS VOTIVOS
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1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas
Escala - 1/2.500
APÊNDICE B - Localização geográfica
dos sítios visitados
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OCEANOATLÂNTICO
LEGENDA
SÍTIOS VOTIVOS
CIDADES DE APOIO
RODOVIAS / ESTRADAS
PROJEÇÃO POLICÔNICA / Meridiano Central - 51° W. Gr.
1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas
Escala - 1/2.500
APÊNDICE C - ROTA - 01
JANEIRO - 2004
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FLEXEIRAS
IPOJUCA
RECIFE
PAUDALHO
JOÃOPESSOA
LAGOASECA
GUARABIRA
CARNAUBADOS DANTAS
FLORÂNIA
ANGICOSASSU
SOLIDÃO
IBIMIRIM
ARCOVERDE
POÇÃO
PESQUEIRA
TACARATU
PAULOAFONSO
SANTABRÍGIDA
OCEANOATLÂNTICO
LEGENDA
SÍTIOS VOTIVOS
CIDADES DE APOIO
RODOVIAS / ESTRADAS
PROJEÇÃO POLICÔNICA / Meridiano Central - 51° W. Gr.
1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas
Escala - 1/2.500
APÊNDICE D - ROTA - 02
JULHO/AGOSTO - 2006
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BOM JESUSDA LAPA
LEGENDA
SÍTIOS VOTIVOS
CIDADES DE APOIO
RODOVIAS / ESTRADAS
PROJEÇÃO POLICÔNICA / Meridiano Central - 51° W. Gr.
1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas
Escala - 1/2.500
ROTA - 04aDEZEMBRO - 2006JANEIRO - 2007
ITAPARICA
ROTA - 03OUTUBRO - 2006
MILAGRES
APÊNDICE E -
BAHIA
SERGIPE
ALAGOAS
PERNAMBUCO
PARAÍBA
RIO GRANDEDO NORTE
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SÃO JOAQUIM
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OCEANOATLÂNTICO
PENEDO
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FELIZ DESERTO
CORURIPE
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GARANHUNS
DO MONTE
SANTA CRUZDO CAPIBARIBE
LEGENDA
SÍTIOS VOTIVOS
CIDADES DE APOIO
RODOVIAS / ESTRADAS
PROJEÇÃO POLICÔNICA / Meridiano Central - 51° W. Gr.
1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas
Escala - 1/2.500
ROTA - 04bJANEIRO - 2007
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APÊNDICE H – Modelo de ficha de artefato IDENTIFICAÇÃO Tipo de objeto
Número de ordem
Gênero / Natureza / Classe / Suporte / Técnica
Localização da fotografia na base de dados
PROCEDÊNCIA Nome do Local da observação/colheita
Data da visita
Autoria
Data de produção da peça
Veneração / Devoção / Invocação
Localidade
Município
Estado
País
Tipo de sítio em que foi coletado Santuário Igreja Capela Estátua Cruzeiro Outro
Condições de conservação da peça Boa Regular Ruim
Observações DETALHAMENTO DA PEÇA Dimensões (altura, largura, profundidade, em cm) Descrição (aspecto) Objeto do pedido Inscrições ou relato escrito correspondente Formas de registro para consulta posterior Informantes
SE p. 01
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE01_sn – Estátua de Yemanjá, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004
SE02_sn – Banca de venda de oferendas, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004
SE03_sn – Balaios com flores e oferendas, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004
SE04_C36_Foto18 – Imagem de Yemanjá, à beira-mar, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004
SE05_C37_Foto34– Vista da Praia do Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004
SE06_C37_Foto22– Cena de oferenda nas pedras, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004
SE p. 02
Se07 a SE12 – Seqüência de oferta de presente a Yemanjá, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2000
SE08_D08_Foto13
SE09_D08_Foto04 SE10_D08_Foto05
SE11_D08_Foto06 SE12_D08_Foto07
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 03
SE13_sn – Museu dos Ex-votos da Igreja do Senhor do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
SE14_VS2_7_Foto28 – Voto feito pedindo abstinência de bebida alcoólica, Patos-PB, ago/2006
SE15_VS4_14_Foto19 - Voto feito pedindo um casamento, Ibiqüera-BA, dez/2006
SE16_sn - Apelo protetivo sob a oferta de fotografias 3x4, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
SE17_VS4_21_Foto36a – Apelo protetivo sob a oferta de fitas, São Joaquim do Monte-PE, jan/2007
SE18_sn – Apelo protetivo sob a oferta de manuscritura, Candeias-BA, fev/2004
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 04
SE19_sn – Apelo protetivo sob a oferta de manuscritura, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, fev/2006
SE20_sn – Apelo protetivo sob a oferta de fotografia (com manuscritura no verso), Candeias-BA, fev/2004
SE21_sn – Apelo protetivo sob a oferta de fotografia: manuscritura do verso, Candeias-BA, fev/2004
SE22_VS4_24_Foto14 – Apelo protetivo sob a oferta de pedras, ofertadas numa capelinha, Arapiraca-AL, jan/2007
SE23_VS4_24_Foto15 – Detalhe de SE22 SE24_sn – Voto de renovação, Festa de Yemanjá, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 05
SE25_VS4_15_Foto23 – Voto de renovação, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
SE26_VS4_21_Foto12 – Ex-voto preventivo, sob a oferta de miniatura de construção, Maceió-AL, jan/2007
SE27_VS4_21_Foto17 – Capela de Santa Amélia, Maceió-AL, jan/2007
SE28_VS2_1_Foto09 – Ex-voto penitencial, sob a oferta de uma cruz, carregada pelo devoto até o sítio votivo, São Cristóvão-SE, jul/2006
SE29_VS1_4_Foto11 – Ex-voto penitencial sob a oferta de uma mecha de cabelo, Patos-PB, jan/2004
SE30_VS2_6_Foto08 – Ex-voto penitencial sob a oferta de vestes rituais (mantos), Arara-Solânea-PB, jul/2006
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 06
SE31_VS2_11_Foto14 – Ex-voto, sob a oferta de azulejos, Igreja de N. S. da Boa Viagem, Salvador-BA, ago/2006
SE32_VS2_11_Foto20 – Ex-voto, sob a oferta de azulejos, Igreja de N. S. da Boa Viagem, Salvador-BA, ago/2006
SE33_VS2_1_Foto03 – Ex-voto, sob a oferta de uma réplica de livro, São Cristóvão-SE, jul/2006
SE34_VS2_12_Foto09 – Ex-voto, sob a oferta de uma réplica de aparelho telefônico celular, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, jul/2006
SE35_VS1_3_Foto33 – Ex-voto, sob a oferta de uma cabeça esculpida em madeira, Patos-PB, jan/2004
SE36_VS1_3_Foto35 – Ex-voto, sob a oferta de uma perna/pé esculpido em madeira, Patos-PB, jan/2004
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE37_sn – Ex-voto, sob a forma de fotografia pintada (com manuscritura no verso), Candeias-BA, fev/2004
SE38_sn– Ex-voto, sob a forma de fotografia pintada: manuscritura do verso, Candeias-BA, fev/2004
SE39_VS4_16_Foto29 – Faixa votiva, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
SE40_VS4_16_Foto34 – Faixa votiva, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
SE41_VS4_21_Foto22 – Faixa votiva no Santuário da Virgem dos Pobres, Maceió-AL, jan/2007
SE42_VS4_21_Foto24 – Faixas votivas no Santuário da Virgem dos Pobres, Maceió-AL, jan/2007
SE p. 07
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE43_VS4_24_Foto12 – Três cruzes em beira de estrada, Arapiraca-AL, jan/2007
SE44_VS4_23_Foto27 – Cruz em beira de estrada, entre São Caetano-PE e Lajedo-PE, jan/2007
SE45_VS4_23_Foto31 – Capelinha e cruzeiro em estrada entre São Caetano-PE e Lajedo-PE, jan/2007
SE46_VS4_23_Foto30 – Detalhe de SE45
SE47_VS4_24_Foto08-a – Capelinha em estrada de Bom Conselho-PE, jan/2007
SE48_VS4_24_Foto03 – Detalhe de SE47
SE p. 08
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE49_VS4_24_Foto02 – Interior da capelinha em estrada de Bom Conselho-PE, jan/2007
SE52_sn – RF de partes do corpo: olho esculpido em madeira e pintado, Juazeiro do Norte-CE, jan/2004
SE p. 09
SE50_VS2_7_Foto09 – Capela de Zé Leão, Florânia-RN, ago/2007
SE51_VS1_2_Foto22 – Representações Figuradas (RF) de partes do corpo: cabeças em gesso, São Cristóvão-SE, jan/2004
SE53_VS1_4_Foto09 – RF de partes do corpo: seio em argila, Patos-PB, jan/2004
SE54_VS1_2_Foto26 – RF de partes do corpo: pernas em gesso, São Cristóvão-SE, jan/2004
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE58_VS2_4_Foto26 – RF de miniaturas de construções habitacionais: casas, Santuário de N. S. da Penha, João Pessoa-PB, jul/2006
SE59_VS2_12_Foto35 – RF por metáfora: bolas de gude representando olhos, em oferta votiva a Santa Luzia, Igreja de N. S. do Pilar, Salvador-BA, set/2006
SE p. 10
SE55_sn– RF do corpo humano: boneca em plástico, Candeias-BA, fev/2006
SE56_VS1_3_Foto32 – RF do corpo humano: boneco esculpido em madeira, Patos-PB, jan/2004
SE57_VS1_3_Foto08 – RF de miniaturas de animais: bovinos em cerâmica, Arara-Solânea-PB, jan/2004
SE60_VS4_16_Foto24 – RF por metáfora: pênis em cera representando disfunção erétil, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE61_VS1_2_Foto31 – RF por metáfora: aparelho reprodutor feminino em argila, representando fertilidade, São Cristóvão-SE, jan/2004
SE62_VS4_16_Foto33 – Designações Indiciais da Graça/Milagre (DIGM): aparelhos ortopédicos já utilizados, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
SE63_VS4_15_Foto36 – DIGM: muletas já utilizadas, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
SE p. 11
SE64_sn – DIGM: fotografias, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
SE65_sn - pinturas, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
SE66_sn - pintura sobre papel, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE70_VS1_4_Foto05 – EES: imagens tridimen-sionais de santos e afins ao catolicismo, Patos-PB, jan/2004
SE p. 12
SE67_VS4_15_Foto35 – Expressões Essencialmente Simbólicas (EES): cruzes em madeira, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
SE68_sn – EES: imagens de santos bi e tridimensionais, Candeias-BA, fev/2006
SE69_VS4_14_Foto25 – EES: imagens de santos bi e tridimensionais, Ibiqüera-BA, dez/2006
SE71_sn – Caixa de manuscrituras em papel, Candeias-BA, fev/2006
SE72_sa – Manuscritura em papel, Candeias-BA, fev/2004
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE76_VS1_5_Foto14 – manuscrituras sobre parede, Juazeiro do Norte-CE, jan/2004
SE77_CE-PB_Foto16 – manuscrituras sobre parede, Juazeiro do Norte-CE, jan/2004
SE p. 13
SE73_VS2_3_Foto30 – Manuscritura sobre fita em tecido, Convento de São Félix de Cantalice, Recife-PE, jul/2006
SE74_VS1_4_Foto16 – Manuscritura sobre móvel em madeira, Patos-PB, jan/2004
SE75_VS1_5_Foto28 – Manuscritura (ritual) sobre parede, Juazeiro do Norte-CE, jan/2004
SE78_VS4_25_Foto19 – Entalhe de alto-relevo sobre placa em madeira, diplomas e certificados, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, ago/2006
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 14
Se79 – Gravação em placa de metal, Santuário da Virgem dos Pobres, Maceió-AL, jul/2006
_VS2_1_Foto19Se80 – Impressão informatizada, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, fev/2006
_sn
SE81_sn – Laudos de exames de saúde, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
SE82_sn – Laudos de exames de saúde, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
SE83_sn – Diplomação como vereador, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
SE84_D05_Foto36A – Prece de uma baiana na Lavagem do Bonfim, Salvador-BA, jan/2000
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 15
SE85_VS1_4_Foto15 – Desenho à mão do Parque Religioso da Cruz da Menina, Patos-PB, jan/2004
SE86_VS1_4_Foto01 – Pé recortado em placa de papelão, Patos-PB, jan/2004
SE87_VS4_25_Foto10 – Ex-voto em forma de construção: Igreja do Bonfim, Salvador-BA, jan/2007
SE88_VS1_3_Foto05 – Miniaturas de casas, Arara-Solânea-PB, jan/2004
SE89_VS1_2_Foto30 – Miniatura de casa, em argila, São Cristóvão-SE, jan/2004 SE90_sn – Miniatura de casa, em vidro,
Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 16
SE91_sn – Peças em cera, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, fev/2006
SE92_sn – Peças em cera, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, fev/2006
SE93_sn – Cabeça em argila, Monte Santo-BA, jan/2004
SE94_sn – Corpo em argila, Monte Santo-BA, jan/2004
SE95_VS1_2_Foto20 – Cabeças em argila, São Cristóvão-SE, jan/2004 SE96_VS4_16_Foto28 – Pés calçados, em
argila, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 17
SE97_VS2_6_Foto30 – Peças costuradas em tecido, Guarabira-PB, jul/2006
SE98_VS1_4_Foto03 – Mão costurada em tecido, Patos-PB, jan/2004
SE99_VS2_6_Foto31 – Fotografias reutilizadas, Guarabira-PB, jul/2006
SE100_VS2_6_Foto11 – Fotografias reutilizadas, Arara-Solânea-PB, jul/2006
SE101_VS4_16_Foto09 – Retratos pintados a partir de fotografia, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
S E 1 0 2 _ V S 4 _ 1 4 _ F o t o 1 0 – I m a g e n s bidimensionais de santos católicos, Ibiqüera-BA, dez/2006
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 18
SE103_VS4_22_Foto36 – Imagens bidimensionais de personalidades afins ao catolicismo, Santa Cruz do Capibaribe-PE, jan/2007
SE104_sn – Agradecimentos a conquistas pessoais: troféus e camisas de clubes de futebol, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
SE105_sn – Agradecimentos a conquistas profissionais: insígnias militares, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
SE106_VS1_4_Foto02 – Analógico humano miniaturalizado: cabeça de boneca de plástico, Patos-PB, jan/2004
SE107_sn – Objetos de uso pessoal: instrumentos musicais e relógios, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004
S E 1 0 8 _ V S 2 _ 1 2 _ F o t o 2 5 – I m a g e n s tridimensionais de divindades de cânones não-católicos, Igreja de N. S. do Pilar, Salvador-BA, set/2006
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 19
SE109_VS4_18_Foto26– Imagens tridimensio-nais de divindades de cânones não-católicos, Gruta da Mangabeira, Ituaçu-BA, jan/2007
SE110_VS3_13_Foto28 – Flores ofertadas a Santo Antônio da Barra, Salvador-BA, out/2006
SE111_VS4_15_Foto30 – Velas ofertadas à imagem de Santa Luzia, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
SE112_VS4_18_Foto28 – Oferta de balas e bombons, Gruta da Mangabeira, Ituaçu-BA, jan/2007
SE113_VS1_10_Foto08 – Adornos para fotografias, Candeias-BA, fev/2004
SE114_VS4_18_Foto04 – “Jiquitaia Foto”, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 20
SE116_VS4_15_Foto21 – Fotógrafo em ação, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
SE115_VS4_18_Foto05 – Boi utilizado em fotografias, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007
SE117_sn– Clichê de fotografia instantânea, Candeias-BA, fev/2004
SE118_VS4_14_Foto06 – Altar do Bom Jesus da Lapa, Ibiqüera-BA, dez/2006
SE119_VS2_5_Foto18 – Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itabaiana-PB, jul/2006
SE120_VS2_5_Foto20 – Imagem de Nossa Senhora da Conceição, Itabaiana-PB, jul/2006
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE p. 21
SE121_VS2_5_Foto21 – Fitinhas amarradas aos pés da coluna da imagem de Nossa Senhora da Conceição, Itabaiana-PB, jul/2006
SE122_VS4_20_Foto32 – Cruzeiro em Anadia-AL, jan/2007
SE123_VS2_4_Foto18 – Santuário de São Severino dos Ramos, Paudalho-PE, jul/2006
SE124_VS2_4_Foto18 – Cruzeiro em frente ao Santuário de São Severino dos Ramos, Paudalho-PE, jul/2006
SE125_Ex-voto português (1774)
SE126_Retrato pintado da Menina Francisca
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE127_Retrato do Padre Ibiapina SE128_Retrato do Padre Cicero Romão Batista
SE129_Retrato do Padre João MariaSE130_Fotografia do Padre Zuzinha
(por Antônio Romildo Bezerra)
SE p. 22
APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica
SE131_Fotografia de Irmã Dulce SE132_Fotografia do Frei Damião de Bozzano