Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS LUÍS AMÉRICO SILVA BONFIM O SIGNO VOTIVO CATÓLICO NO NORDESTE ORIENTAL DO BRASIL: MAPEAMENTO E ATUALIDADE (VOLUME I) Salvador 2007

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Esta é uma tese dedicada à caracterização contemporânea da expressão votiva católica no nordeste oriental do Brasil. Para tanto, vale-se de importantes fontes históricas que abordaram o tema (principalmente no século XX) e dentro de uma perspectiva comparativista apresenta possíveis categorias analíticas para a atualidade do fenômeno. Para a constituição da base de dados foi utilizado o método etnográfico, com adesão de recursos fotográficos e cartográficos. Os resultados são expressos em dois volumes: o primeiro apresenta um panorama histórico das relações votivas na região em destaque, além das sínteses comparativas, dos sistemas taxonômicos propostos e de uma Sinopse Estilográfica (SE), que expõe representações das diversas matrizes tipológicas verificadas; o segundo apresenta as Fichas de Inventário de Sítio (FIS), que têm como objetivo documentar descritivamente cada um dos locais considerados neste mapeamento.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

LUÍS AMÉRICO SILVA BONFIM

O SIGNO VOTIVO CATÓLICO NO

NORDESTE ORIENTAL DO BRASIL:

MAPEAMENTO E ATUALIDADE

(VOLUME I)

Salvador

2007

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LUÍS AMÉRICO SILVA BONFIM

O SIGNO VOTIVO CATÓLICO NO

NORDESTE ORIENTAL DO BRASIL:

MAPEAMENTO E ATUALIDADE

(VOLUME I)

Tese de Doutoramento apresentada ao

Programa de Pós-graduação em Ciências

Sociais da Universidade Federal da Bahia –

UFBA, sob orientação do Prof. Dr. Ordep

José Trindade Serra.

Salvador

2007

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Luís Américo Silva Bonfim

O SIGNO VOTIVO CATÓLICO NO NORDESTE ORIENTAL DO

BRASIL: MAPEAMENTO E ATUALIDADE

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Ordep José Trindade Serra (PPGCS/UFBA) (Orientador)

Prof. Dra. Maria Rosário Carvalho (PPGCS/UFBA)

Prof. Dr. George Evergton Sales (PPGH/UFBA)

Prof. Dr. Ronaldo de Salles Senna (UEFS)

Prof. Dr. Sebastião Heber Vieira Costa (FVC)

Salvador

2007

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Aos meus pais Wadinho e Isa, que mais do

que existência, me deram essência

A Thaís Regianni Delavechia Bonfim,

que renova a cada dia a minha fé no

milagre da vida.

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AGRADECIMENTOS

Neste santuário votivo particular, todos os meus agradecimentos serão poucos. A paciência é

um dom valioso para quem oferta e uma dádiva inesquecível para quem recebe! Antes de

tudo, gostaria de agradecer ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Faculdade

de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (especialmente ao

professor Antônio da Silva Câmara), pois só através da sua compreensão e misericordiosa

tolerância esta tese pôde ser concluída.

Agradeço especialmente ao professor Ordep José Trindade Serra, pela orientação, incentivo e

pelas intervenções iluminadoras que contribuíram decisivamente para a concretização deste

projeto.

Sou profundamente grato ao professor Milton Araújo Moura, amigo e entusiasta das primeiras

horas. Aos professores Inaiá Carvalho, Maria Rosário Carvalho, George Evergton Sales e

Sebastião Heber Vieira da Costa, pelas observações sempre oportunas e transformadoras. Ao

professor Ronaldo de Salles Senna. Também às pessoas que dedicaram seu tempo e boa

vontade, seja em depoimentos ou conversas informais, seja abrindo e fechando portas, ou me

conduzindo pelos tantos sítios votivos visitados: Walmary Capiberibe (Congonhas-MG), José

Almeida Lima (São Cristóvão-SE), Ricardo Veriano (Patu-RN), dona Brasília (Candeias-BA),

José Carlos da Silva (Maceió-AL), Juraci Pessoa Silva Santos (Paripueira-AL), José

Gonçalves da Silva (Murici-AL), dona Noíldes (Florânia-RN), padre Eridian Gonçalves

(Tacaratu-PE), Fernanda Germano, Osvaldo Gouveia, Cosma Miranda, Josete Batista Santos

e ao padre André Alexandre dos Passos Filho (Salvador-BA), Teresinha dos Santos Freire

(Milagres-BA), Robson Matos (Ibiqüera-BA), Adelmo Santana e Noêmia Eloi Santana

(Piaçabuçu-AL), José Olímpio da Silva (Zezinho rezador) (Maceió-AL), Maria Auxiliadora

Bezerra Gazetti, Cleide Bezerra e Antônio Romildo Bezerra (Santa Cruz do Capibaribe-PE).

Aos que me prestaram imenso apoio institucional: Regina Caldeira, pela cessão de farto

material bibliográfico; à Fundação Municipal de Cultura, Lazer e Turismo de Congonhas, nas

pessoas de Patrícia Fernandes Monteiro e Ana da Cruz Alcântara Campos Vieira; ao padre

Benedito da Rocha, reitor do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos (Congonhas-MG). Ao

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Centro Cultural São Paulo (CCSP), na pessoa de Vera Lúcia Cardim de Cerqueira, cuja

gentileza e colaboração proporcionou um maior aprofundamento em pontos críticos desta

pesquisa. Ao apoio técnico de Clerivan Mascarenhas (produtor editorial), Damião Santana

(designer), Jorge Carvalho (geógrafo), Vinícius Lima (fotógrafo) e Artur Erlon (designer). Ao

amigo Laércio Vilas-Boas, pela presença e entusiasmo em diversas atividades em campo. A

Simone Maria Rosa Crisóstomo de Souza, Márcia Cirne, Alysson Santos e Anna Pagano

(UCSD/San Diego), pela devoção do seu precioso tempo, colaborando em missões especiais.

A Aura Lago Lopes, pela escuta de sempre. Ao querido amigo Melquisedeque Silva (Melqui),

que me apresentou aos ex-votos de Congonhas-MG, em setembro de 1999.

A todos os amigos que me contagiaram com seu entusiasmo e souberam me proporcionar

momentos de esperança e renovação das forças. Aos colegas que em diversas oportunidades

observaram, criticaram e transformaram esta pesquisa, dividindo as suas mesmas dúvidas e

certezas. Aos parceiros profissionais (diretores, coordenadores, professores e assistentes), pela

compreensão e permanente boa vontade. Aos meus alunos, que com muito bom-humor me

ajudaram a cumprir esta jornada.

Aos meus pais, Waldemiro e Eloísa Bonfim, a Thaís Regianni Delavechia Bonfim, e a toda a

minha família, pela paciência e incentivo infinitos, pela companhia permanente e pela

compreensão das minhas ausências.

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In hoc signo vinces

Da visão de Constantino

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RESUMO

Esta é uma tese dedicada à caracterização contemporânea da expressão votiva católica no

nordeste oriental do Brasil. Para tanto, vale-se de importantes fontes históricas que abordaram

o tema (principalmente no século XX) e dentro de uma perspectiva comparativista apresenta

possíveis categorias analíticas para a atualidade do fenômeno. Para a constituição da base de

dados foi utilizado o método etnográfico, com adesão de recursos fotográficos e cartográficos.

Os resultados são expressos em dois volumes: o primeiro apresenta um panorama histórico

das relações votivas na região em destaque, além das sínteses comparativas, dos sistemas

taxonômicos propostos e de uma Sinopse Estilográfica (SE), que expõe representações das

diversas matrizes tipológicas verificadas; o segundo apresenta as Fichas de Inventário de Sítio

(FIS), que têm como objetivo documentar descritivamente cada um dos locais considerados

neste mapeamento.

Palavras-chave: Expressão votiva católica; promessa; milagre; ex-voto; artes votivas;

Nordeste do Brasil.

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ABSTRACT

This doctoral thesis examines the contemporary characterization of catholic votive expression

in northeastern Brazil. To this end, it utilizes important historical sources that address the

topic (particularly from the twentieth century). Applying a comparativist perspective, it then

suggests analytical categories for understanding catholic votive expression as it exists today.

Data were gathered using ethnographic methods, along with photographic and

spatial/cartographic methods. The results are presented in two volumes. The first offers an

historical panorama of votive relations within the selected region, in addition to a comparative

synthesis of the proposed taxonomies. It also features a Stylistic Synopsis (SE), which

provides representations of the diverse typological matrixes that were found. The second

volume presents the Site Inventory Form (FIS), which documents and describes each of the

sites considered in this ethnographic mapping.

Key words: Catholic votive expression; promise; miracle received; ex-voto; votive arts;

Northeastern Brazil.

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SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...........................................................................................12

Prólogo.....................................................................................................................................12

1.1 Apresentação e fundamentação do problema................................................................14

2 TRAJETÓRIA DAS EXPRESSÕES VOTIVAS NO NORDESTE ORIENTAL

DO BRASIL.............................................................................................................................24

2.1 Um breve panorama histórico.........................................................................................24

2.2 O legado dos principais estudos sobre as práticas votivas no nordeste oriental

do Brasil...................................................................................................................................34

2.3 As trilhas do campo...........................................................................................................43

3 A PERSPECTIVA DO DOM NO CONTEXTO ETNOLÓGICO: TAXONOMIAS

DO FENÔMENO VOTIVO CATÓLICO............................................................................50

3.1 O sistema de prestações simbólicas e a circularidade do dom nas relações votivas

do catolicismo..........................................................................................................................50

3.2 Um Sistema de Prestações Totais: os perfis interacionais instados pela dádiva

votiva e sua institucionalização no grupo social...................................................................59

3.3 Sob o signo da solidariedade: outros estudos taxonômicos...........................................86

3.1.1 Classificação quanto às propriedades sígnicas............................................................88

3.1.2 Classificação quanto às formas expressivas.................................................................91

4 CONFRONTOS E DESCOBERTAS: OS VELHOS E OS NOVOS ESPAÇOS

SAGRADOS E SUAS PARTICULARIDADES.................................................................112

4.1 No rastro da Missão de Pesquisas Folclóricas...............................................................112

4.2 Os “santos populares” de Luís da Câmara Cascudo...................................................121

4.3 Os ex-votos do Senhor do Bonfim, a partir de Clarival do Prado Valladares..........126

4.4 Revisitando Alagoas: Théo Brandão e Alceu Maynard Araújo.................................134

4.5 Contribuições mais recentes à cartografia votiva no nordeste oriental do Brasil....137

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................147

REFERÊNCIAS....................................................................................................................150

ANEXO A – Ex-voto ofertado ao Senhor do Bonfim........................................................157

ANEXO B – Ex-voto ofertado a Nossa Senhora dos Remédios........................................158

APÊNDICE A – Quadro de visitações realizadas..............................................................159

APÊNDICE B – Localização geográfica dos sítios visitados.............................................166

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APÊNDICE C – Rota 01 - janeiro - 2004............................................................................167

APÊNDICE D – Rota 02 - julho/agosto - 2006...................................................................168

APÊNDICE E – Rota 03 - outubro - 2006 e Rota 04a - dezembro - 2006/janeiro -

2007.........................................................................................................................................169

APÊNDICE F – Rota 04b – janeiro – 2007.........................................................................170

APÊNDICE G – Esboço classificatório das formas expressivas dos signos votivos........171

APÊNDICE H – Modelo de Ficha de Artefato...................................................................175

APÊNDICE I – Sinopse Estilográfica.................................................................................176

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Prólogo

“Milagre que fez o Sr. do Bonfim a menor Olívia Baptista Leite Borges que estando desenganada de febre amarela sua mãe implorou ao mesmo senhor foi atendida, 1892”1.

Dor e cura, promessa e milagre. No texto manuscrito de um quadro do final do século XIX

(vide ANEXO A), registra-se a profunda gratidão do devoto que retribui uma graça recebida.

Em tons pastéis, a pintura apresenta uma jovem enferma deitada sobre uma cama, olhar

cansado, corpo semi-coberto com um lençol branco e, sobre este, um lençol vermelho. Num

dos cantos da tela, à esquerda da menina de traços pouco femininos, projeta-se na parede uma

pequena e resplandecente imagem do Senhor do Bonfim, envolta por uma aura. Aos pés da

cama, uma mesinha assenta um copo de vidro e uma colher, ao que parece, sucedendo mais

uma tentativa de medicação. Mas eis que a menina se cura! E sua cura faz surgir o quadro,

testemunho de uma vitória, ainda que parcial, da vida sobre a morte.

Este objeto ofertado ao Senhor do Bonfim é o que se chama de milagre ou ex-voto2. O

advento desta oferta fecha um ciclo transacional que se imagina tão antigo quanto a própria

existência humana. Trata-se de uma expressão moderna da relação entre o frágil mundo dos

homens e o inexorável mundo dos deuses. É uma relação cujo modelo estrutural se mantém

semelhante em diferentes matrizes religiosas, desde a Antigüidade, entre os assírios e gregos

(CASCUDO, 2000, p. 220 e p. 382): há a figura do pedinte, sujeito que perece e se mostra 1Narrativa integrante de um ex-voto pintado, de autor desconhecido, pertencente ao acervo da Igreja do Senhor do Bonfim, Salvador-BA. Óleo sobre tela, 62 x 58 cm, s/d. In: ESTÓRIAS DE DOR ESPERANÇA E FESTA: Ex-votos baianos (Séculos XVIII-XX). Salvador: Museu de Arte da Bahia, 1999. 24p: il. Catálogo de exposição. 2 Comumente toma-se o termo como uma abreviação da expressão latina ex voto suscepto, que significa "por um voto alcançado", ou "em conseqüência de um voto". O dicionário Houaiss (2001, p. 1.294) o indica como um termo relativamente recente na língua portuguesa, cujo primeiro registro se deu em 1873. Segundo o folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo (2000, p. 220), o termo ex-voto é derivado do latim, votum, significando coisa prometida, e completa: “é o que se promete ao santo de devoção para se receber a graça, ou o que se oferece por tê-la alcançado”. Assim, é corrente entre os crentes localizar estas manifestações com o nome de “promessas”, quando apresentadas como um pedido (uma possível expressão do voto), e como “milagre”, designando, de fato, um testemunho de milagre (ibid., p. 382), expressando assim um ex-voto.

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desamparado frente a questões da sua existência, o que o leva a formular pedidos de graças,

que são endereçados a um outro – aquele em quem se acredita lhe poder atender – e cuja

realização se sucede de um agradecimento, um gesto público, em geral, e do

estabelecimento, no agraciado, de um vínculo de confiança.

A oferta votiva, nem sempre apresentada de forma tangível3, é parte decisiva de um elo que

pode se estabelecer em uma única oportunidade, ou pode acompanhar aquele que pede ou que

recebe a benesse (conquanto nem sempre se trate da mesma pessoa) por toda a sua vida. Por

outro lado, o advento de uma dádiva pode se dar mesmo sem que houvesse um pedido por

parte do agraciado, o que pode lhe ensejar uma retribuição ou agradecimento.

Como ilustrou este caso do ex-voto ao Senhor do Bonfim, cuja devoção já caminha para além

de dois séculos e meio, há nos ciclos votivos4 católicos a repetição daquela antiga estrutura

fenomênica: a vicissitude, a devoção, o devoto, o voto (compromissado pela promessa), a

graça (ou milagre) e o ex-voto; o que configura um sistema simbólico dinâmico e vigoroso.

Os crentes (fiéis devotos) falam em milagre, graça, mercê; os estudiosos especulam sobre o

dom e investigam a efetividade de uma suposta intervenção divina. Entre prodígios e favores,

entre a crença e o ceticismo, esta tradição avança pelo tempo e se ajusta às novas realidades,

renovando-se frente a toda sorte de mudanças nos ambientes sócio-culturais onde existe. E é

destes ajustes que se pode constatar uma outra riqueza: a variedade das representações votivas

que expressam os “bens” transacionados. Improvisados ou manufaturados, comprados prontos

ou cuidadosamente preparados, estes artefatos mostram vigorosamente, numa perspectiva

comparativista, os contrastes simbólicos e expressivos entre as diferentes comunidades

católicas pelo mundo afora, comprovando a incrível persistência desta prática secular. Os ex-

votos expõem as influências do imaginário popular, dos sistemas de valores compartilhados,

do impacto das práticas produtivas; revelam parte considerável da vida cultural de um povo.

3 A consagração do voto e, principalmente, a retribuição do ex-voto, podem substituir a representação física (a natureza expressiva material do objeto do pedido ou agradecimento, que se manifesta desde a produção de pequenas peças à construção de grandes templos), por atos, interdições, obrigações, denominações, gestos ou ritos, vindo sempre a apresentar formas e valores litúrgicos dos mais variados. 4 Designarei neste trabalho o termo “votivo”, como amplo referente a tudo aquilo que concerne a estas relações do voto: súplicas, promessas, graças, milagres, oferendas, agradecimentos, devoções. Enfim, ao ciclo simbólico do dar-receber-retribuir dentro do campo religioso católico e suas variantes. Dessa forma, por “artes votivas” estarei considerando não só as manifestações de agradecimento (ex-votos), mas a expressão do compromisso e das formulações de pedidos (votos) e a firmação do vínculo devocional, valorizando as suas diversas dimensões, que resultam em realizações, objetos ou performances.

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As expressões votivas são também uma fala, traduzem desejos e necessidades, expõem

sociabilidades, escondem e revelam preferências. Eis a riqueza sobre a qual se debruça este

trabalho.

1.1 Apresentação e fundamentação do problema

O título desta tese já aponta para o propósito de realizar um estudo antropológico sobre as

atuais condições de existência do fenômeno votivo no nordeste oriental5 do Brasil. Sem a

pretensão de contemplar plenamente as inumeráveis problemáticas suscitadas pelo tema, nem

de considerar, com semelhante plenitude, a riqueza dos seus possíveis vieses teóricos,

proponho através deste texto organizar categoricamente a distribuição espacial e analisar, no

contexto de fato social total, a atualidade do sistema votivo próprio ou derivado do

Catolicismo nesta região imaginária. Para tanto, constituí uma base de dados que será referida

em diferentes momentos deste texto. O recorte geográfico, aparentemente ambicioso na sua

extensão, foi definido em virtude de alguns elementos de ordem empírica, que foram se

modificando ao longo da pesquisa. Creio que vale à pena recobrá-los.

Ao iniciar o curso de doutorado, em março de 2001, elegi como foco central do estudo uma

análise comparativa das características narrativas entre ex-votos pictóricos e fotográficos,

considerando basicamente suas implicações dos processos produtivos e simbólicos. Parecia-

me um tema intrigante a mudança argumentativa (mais ainda, discursiva) gerada pela

transformação dos meios: a pintura expunha claramente uma liberdade criativa do tempo e do

espaço, a fotografia parecia-me deslocada no tempo, aprisionada num único espaço. Residia

neste contraste, entre a síntese analítica da pintura e a análise sintética da fotografia, o

problema inicial. Naquela época, o recorte geográfico delimitava a “sala dos milagres” de um

5 A delimitação do “nordeste oriental” que adotarei aqui é casuística. Em 1942, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estabeleceu uma divisão territorial que delimitou a atual região Nordeste em três microrregiões: o Nordeste Oriental (estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará), o Nordeste Ocidental (Maranhão e Piauí) e o Leste Setentrional (Bahia e Sergipe), numa classificação já superada do ponto de vista da metodologia adotada atualmente pelo Instituto. Portanto, este não é um limite cartográfico. Apenas para efeito de exposição desta tese e independente das convenções oficiais, admitirei como “Nordeste Oriental” uma porção desta grande região, que envolve áreas dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, campo que foi efetivamente observado ao longo dos últimos seis anos, especialmente por apresentarem um considerável volume de estudos prévios sobre o tema votivo católico.

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sítio católico de tradição secular: o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, na cidade de

Congonhas-MG. O atrativo principal para aquele meu interesse era o conjunto de pinturas

votivas (89 peças, no total) que foram inscritas no livro do tombo da então Secretaria do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional6, em 10 de dezembro de 1980.

Não foram necessários muitos meses para que eu descobrisse a complexidade e vastidão do

assunto dos ex-votos como objeto de pesquisa: a exploração do tema – fosse nas observações

em campo, fosse nas conclusões tiradas a partir dos diálogos bibliográficos – revelou-me

outras dimensões até então ocultas. Como é previsível nas fases iniciais de uma pesquisa, o

objeto e o campo pareciam se movimentar incessantemente. Os debates semanais nas

saudosas sessões acadêmicas – momento especial de partilhar com professores e colegas as

descobertas e entraves do desenvolvimento de um estudo que se quer científico –

apresentavam sempre algo de novo: um ângulo pouco visível do problema, uma ocorrência

inusitada do outro lado do país, num tempo mais próximo ou mais distante, um outro enfoque

teórico aparentemente mais ajustado para contextualizar o fenômeno. Tudo se avolumava, e

levava a crer que um estudo sintético sobre a expressão votiva contemporânea brasileira se

configurava como natural evolução deste nosso objeto. Era muito, contudo, para alguns

poucos anos de pesquisa, especialmente quando esta prazerosa empresa precisava dividir

tempo e espaço com numerosas e absorventes atividades profissionais7 – uma vez que desde o

começo do curso optei por não concorrer às bolsas de estudo institucionais.

Tempos depois, no retorno de uma viagem com o objetivo de conhecer centros votivos pelo

interior da região Nordeste, em janeiro de 2004, concluí que aquela área constituía um limite

empírico um tanto exeqüível. Isso se deu na percepção da relativa regularidade nas variantes

das peças votivas católicas locais – já em definitivo consolidadas como, literalmente, o objeto

etnográfico8 desta pesquisa – e de como estas se configuravam paradigmaticamente distintas

em relação às ocorrências similares do Sul-Sudeste do Brasil.

6 Hoje corresponde ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). 7 Naquela época, eu acabara de ingressar na docência superior, assumindo as disciplinas “História da Arte” e “Fotografia” em instituições particulares de ensino. 8 Passei a considerar na emergência votiva (especialmente nos ex-votos) as dimensões estética, teológica, comunicativa e tecnológica, tomando como referência a variação e produção de meios e materiais expressivos ao longo do tempo, além do modo de reconstrução narrativa dos fatos relatados, o que passava a envolver, necessariamente, uma discussão sobre os agentes transformadores destas manifestações.

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A partir de então, busquei um contato maior com fontes de referências acerca dos estudos

votivos no Nordeste brasileiro. Era um assunto que já interessara a alguns pesquisadores –

especialmente até a década de 1970 – dos quais se destacaram Luís Saia9, Clarival do Prado

Valladares10, Alceu Maynard Araújo11, Maria Augusta Machado da Silva12, Luís da Câmara

Cascudo13, Théo Brandão14 e depois Lélia Coelho Frota15 e Marcílio Lins Reinaux16. Não

foram os únicos, certamente, mas foram os que tiveram maior projeção em seus trabalhos,

sendo citados em produções acadêmicas de variadas naturezas. Foram contribuições

fundamentais para o interesse inicial desta pesquisa, mas estava claro que todas elas se

mostravam excessivamente parciais ou desatualizadas, e urgiam por uma revisão. E cuidei de

ir revisitando os contextos destas referências, e de muitas outras mais.

Paralelo à construção deste quadro referencial, a crescente demanda de questões sobre a

vitalidade sócio-antropológica das práticas votivas do Nordeste do Brasil, que a esta altura eu

já designava como uma “sobrevivência do dom”, me levava a direções múltiplas e de

longuíssimos percursos teóricos. Só para se ter uma idéia da dimensão do problema, à época

do Exame de Qualificação – quando ainda se tangencia sutilmente a tessitura das conclusões

da tese – havia a pretensão de apresentar as três dimensões que eu considerava

imprescindíveis à compreensão plena deste nosso objeto: uma relacionada com a sua

aparência/existência (a presença e distribuição espacial, caráter e conteúdo do objeto votivo

dos ex-votos nordestinos), outra inerente à própria essência do dom (motivações fundadoras

das relações votivas, a gênese do milagre e a construção simbólica da sua representação) e por

fim, a dimensão relacionada à sua característica de persistência, já que emergia num território

simbólico disputado por diversas correntes religiosas e entremeado por intensas mudanças nas

9 Cf. SAIA, Luís. Escultura popular brasileira. São Paulo: Edições Gaveta, 1944. 10 Cf. VALLADARES, Clarival do Prado. Riscadores de milagres – um estudo sobre arte genuína. Rio de Janeiro: Superintendência de Difusão Cultural da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, 1967. 11 Cf. ARAÚJO, Alceu Maynard. “Ex-votos e ‘Promessas’” e “Milagres”, in Folclore Nacional, Vol. III, Ritos, Sabença, Linguagem, Artes e Técnicas, pp. 17-29, 2ª ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1967. 12 Cf. SILVA, Maria Augusta Machado da. “Ex-votos brasileiros”, in Revista Cultura, ano I, no 2, abril a junho de 1971, pp. 22-30. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1971 e Ex-votos e orantes no Brasil; leitura museológica. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1981. 13 Cf. CASCUDO, Luís da Câmara. “Religião no povo”, in Superstição no Brasil, 4ª ed., pp. 337-496. São Paulo: Global, 2001. 14 Cf. EX-VOTOS DE ALAGOAS: Museu Théo Brandão. Maceió: Universidade Federal de Alagoas, 1976. (Catálogo). 15 Cf. FROTA, Lélia Coelho. “Promessa e milagre nas representações coletivas de ritual católico, com ênfase sobre as tábuas pintadas de Congonhas do Campo, Minas Gerais”, in Promessa e milagre no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas do Campo, Minas Gerais. Brasília: Fundação Pró-Memória, 1981. 16 Cf. REINAUX, Marcílio Lins. Aspectos artísticos e históricos da estatuária e dos ex-votos do Nordeste. Dissertação de Mestrado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)/Centro de Filosofia e Ciências Humanas/Departamento de História/Mestrado em História, 1988.

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práticas sociais. Era sem dúvida um rol de argumentos um tanto volumoso para o escopo de

uma tese de doutorado. E mais: ainda havia no plano de tese uma série de incoerências e

imprecisões no campo teórico, especialmente com relação ao binômio modos de pensamento

x modos de ação, à combinação prudente do método etnográfico com a análise da estrutura

das relações sócio-culturais, à interpretação das fontes e, principalmente, à percepção clara

desta expressão religiosa como fato social total.

Foram gastos muitos meses remodelando as relações instáveis entre um objeto hipertrofiado e

os limites concretos para a sua resposta conclusiva como texto antropológico. O passar do

tempo revelava que todas aquelas questões esbarravam numa necessidade premente de se

estabelecer, logo de princípio e com muito critério e clareza, onde e como se apresentavam os

pactos votivos na contemporaneidade nordestina, o que já não era tarefa pequena. A bem da

coerência e de um maior aproveitamento deste resultado, fiz cortes providenciais naquele

grande quadro teórico que se ensaiava, considerando nesta tese primeiramente a produção de

uma base de dados – que implica na definição e caracterização do mapa votivo no nordeste

oriental do Brasil, revelando sua natureza e estabelecendo uma comparação com os estudos

ou referências do passado, na perspectiva de atualizá-los, sem prejuízo das considerações

fundamentais acerca das suas mais decisivas particularidades sócio-antropológicas

contemporâneas. As perspectivas que porventura escaparem deste texto serão remetidas para

um minucioso acompanhamento num futuro próximo, desta vez como continuidade a esta tese

que se configura como um marco inicial dos meus estudos no campo da religiosidade popular.

Dessa forma, espero deixar claro que os questionamentos que alimentam o problema aqui

proposto advieram do meu interesse pessoal e ganharam outra dimensão quando

transformados em objeto empírico. Esta mudança (especialmente auxiliada pela banca

examinadora da atividade de Qualificação), bastante lenta, mas progressiva, requalificou o

meu primeiro olhar e remeteu o trabalho a um destino cheio de possíveis percursos teóricos e

metodológicos, alguns naturalmente limitados pela minha percepção de neófito, outros

considerados mais adequados à boa exploração do tema, o que espero ter podido demonstrar

na conclusão desta leitura.

Como o objeto deste estudo é um fenômeno dinâmico e de dispersa localização geográfica, as

fontes foram relativamente acessíveis, mas careceram de uma criteriosa documentação e de

uma apurada apreciação crítica. Tomei como fontes primárias:

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- documentos relativos às atividades em campo empreendidas por pesquisadores,

constituídos, em sua grande maioria, no século XX, muitos compondo coleções públicas e

particulares, disponíveis em bibliotecas e centros culturais;

- a etnografia realizada em centros de devoção espalhados pela região Nordeste do

Brasil e em outras áreas de interesse comparativo. Isto inclui a produção de fichas de

inventário (vide as Fichas de Inventário de Sítio – FIS, no Volume II) e de fotografias e

filmes em vídeo, estes últimos dentro dos critérios teóricos e metodológicos da Antropologia

Visual17;

- coleção de objetos etnográficos, recolhidos ou adquiridos nos locais de devoção

(esculturas, fotografias, miniaturas, etc.), o que inclui os relatos escritos (nem sempre

anexados aos objetos votivos);

- depoimentos de devotos, colhidos diretamente (em visitas a centros votivos) ou,

indiretamente, tomados a partir de registros anteriores de outros pesquisadores, além de

depoimentos de líderes religiosos, gestores públicos e pesquisadores18;

E como fontes secundárias:

- pesquisa bibliográfica na literatura crítica existente sobre o tema das trocas votivas e

sobre os conceitos empregados na base teórica que orientou esta pesquisa;

- acervos iconográficos produzidos por outros autores sobre religiosidade popular,

práticas votivas e movimentos migratórios (especialmente ensaios fotográficos);

- obras literárias e produções artísticas e áudio-visuais inerentes ao tema em questão;

O uso feito da fotografia e da captação de áudio e vídeo facilitou bastante o acesso ao campo,

uma vez que devido à dispersão geográfica dos sítios observados e às grandes distâncias a que

ficam da cidade de Salvador (base desta pesquisa), foi possível recuperar representações,

textos, sons, detalhes de imagens, ambientes, enfim, foi possível revisitar o espaço empírico

17 O problema semântico que ainda domina esta disciplina permanece insolúvel. Há quem considere que a aplicação crítica dos métodos que envolvem a visualidade e os estudos da cultura, conforme fiz nesta pesquisa, se aproxime de uma “Etnografia Visual” (BATESON & MEAD, 1942; PIETTE, 1992,1996; GURAN, 2000). Uma outra corrente oriunda da Comunicação Social reivindica o viés da “Antropologia do Visual”, em especial quando se trata do estudo da comunicação de massa (CANEVACCI, 1990). Preferi pensar em “Antropologia Visual”, por entender que método, base teórica e posicionamento crítico se retroalimentam, fortalecendo, também, a visualidade como um campo natural do estudo da Antropologia. 18 Estes depoimentos, como se verá ao longo do texto, foram tomados dentro de contextos muito distintos, já que foram cedidos por agentes sociais com perspectivas contrastantes frente o fato votivo. Os devotos vivem efetivamente o fato. Líderes religiosos, gestores e pesquisadores, entre si e em relação ao fenômeno, mantêm distâncias críticas distintas.

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19

com relativa praticidade. Vide o Quadro de visitações realizadas, no APÊNDICE A, e a

Localização geográfica dos sítios visitados, no APÊNDICE B.

É importante salientar que as fotografias que integram esta tese sempre foram tomadas dentro

de um contexto documental e arquivístico. Não as constituí como se pautadas fossem para

uma matéria jornalística, nem com o simples objetivo de ilustrar artisticamente o trabalho.

Desde o princípio, as fotografias, como este texto e o segundo volume que o acompanha (as

Fichas de Inventário de Sítio – FIS), tiveram a ambição de ser um documento etnográfico

sintético, situado no tempo e no espaço, reconhecendo assim a importância de se construir

fontes de referência na medida do possível claras e eficientes neste campo do conhecimento.

A delimitação da nossa Sinopse Estilográfica (SE, vide APÊNDICE I) tem como objetivo

expor, com numa bricolage (LÉVI-STRAUSS, 2005, pp. 33-49), a variedade e vigor

inventivo das expressões gratulatórias disponíveis por toda região em estudo. Esta seleção não

foi tarefa das mais fáceis. Após o exame dos variados sítios, cada um com seu amplo

repertório de tipologias (por caracteres expressivos, pelas bases de representação, pelas

ocorrências relatadas), foram desenvolvidos formulários (roteiros de observação) analíticos,

dos quais se geraram os mapas taxonômicos locais e, posteriormente, mapas globais, além das

Fichas de Inventário de Sítios, sínteses de cada local observado. Destas tabulações, foram

escolhidos os exemplares mais representativos de cada caso (já previamente fotografados, por

ocasião de cada visita), levando-se em conta suas propriedades descritivas e seu potencial de

síntese iconográfica e iconológica, assim constituindo a Sinopse Estilográfica (SE).

No decorrer do texto voltarei a considerar outras definições acerca deste corpus documental,

dos métodos de procedimento e do controle das técnicas e instrumentos de pesquisa, bem

como da construção (delimitação e caracterização) e controle do universo amostral.

Devo dizer que não assumi exclusividade com nenhum esquema teórico em particular, apesar

de considerar diferentes perspectivas com um pouco mais de ênfase em alguns momentos no

texto, com o cuidado de não perder o caráter de totalidade do objeto empírico em questão (o

fenômeno votivo). Nesta etapa de exposição deste frutuoso tema, optei por não focalizar

excessivamente em um argumento teórico específico, apesar das tentações, mas deixar o

objeto livre para se expor e estar disponível para futuras intervenções. Os argumentos básicos,

contudo, não puderam fugir às referências inspiradoras e sempre atuais acerca da prática do

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20

trabalho de campo, do tratamento dos dados empíricos e sua transformação em texto

etnográfico (MALINOWSKI, 1978; EVANS-PRITCHARD, 1993; CARVALHO, 2002) e de

perspectivas concorrentes, nas considerações sobre uma “economia moral da reciprocidade”

no contexto do fato social total (MAUSS, 2003, 2005).

Convém relembrar ao leitor a preexistência de satisfatórios estudos sobre os ex-votos no

Brasil. Contudo, como já dito antes, além da permanente impressão de desatualização destas

fontes, uma vez que as mais importantes incursões no tema (especialmente na região Nordeste

do Brasil) foram feitas pelo menos há duas décadas, o fenômeno votivo católico não tem

figurado, exatamente, como um tema central nas pesquisas. Quase sempre aparecem

associados a outro objeto empírico19 ou como comentários dispersos no meio de uma

etnografia ou outro estudo disciplinar, sendo referidos apenas como parte da produção cultural

em questão. Isso acaba por definir uma tendência à parcialidade: não se expõe o fenômeno

votivo como um todo. Ele é sempre abordado por algum aspecto específico, por um viés

analítico por demais localizado. Mesmo os antropólogos, de um modo geral, têm passado ao

largo da síntese da estrutura das relações sociais e das formas de representação do fato votivo

católico. Até se encontram consideráveis contribuições nas adjacências do tema, mas estas

muitas vezes acabam por figurar como boas críticas de arte (já que muito raramente

transcendem a análise particular das peças, também as limitando à condição de resultado, de

produto final de um processo apenas superficialmente explorado) ou exaustivos comentários

em torno dos movimentos migratórios e das relações de poder no campo religioso. As

observações sobre o fato votivo em outras expressões religiosas (notadamente nas

denominações evangélicas e nos cultos de matriz africana) são ainda mais raras. Ao menos

foram até aqui.

Por outro lado, são freqüentes as alusões feitas à emergência dos ex-votos nas artes plásticas,

sejam estes tomados como fonte de inspiração a partir da essência primitiva presente no que

se chama genericamente de “imaginário popular”, seja como referência a experiências

pessoais. Também autores de grande destaque da literatura brasileira já deram um bom cartaz

ao tema das relações votivas: Machado de Assis, com o conto Entre santos20 [1896], Jorge

19 Cf. BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: teoria e metodologia. São Paulo: Metodista, 2004. 20 ASSIS, Machado. “Entre santos”, in Várias Histórias, pp. 23-30. São Paulo: Martin Claret, 2004. 157p.

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21

Amado, com o romance Tenda dos milagres21 [1969] e o dramaturgo Alfredo Dias Gomes,

com a peça O Pagador de promessas22 [1960], este último um texto que expõe uma sempre

atual contenda acerca dos “limites territoriais” nas relações religiosas, um tema polêmico no

Brasil, mais ainda no estado da Bahia.

Após um atento exame da produção precedente, pode-se concluir que, de uma maneira geral,

há uma tendência em se considerar predominantemente as características tangíveis dos

artefatos e visíveis das práticas votivas, pouco havendo aprofundamento em seus sistemas de

relações sociais. Isto, repito, aponta para uma preferência pelo momento de concreção (e

conclusão) do ciclo, não do decorrer do rito religioso em si. É apenas um sintoma da escassez

de trabalhos que considerem nestas mesmas trocas votivas a dimensão teológica e os valores

subjacentes à performance do indivíduo na condição de crente (aspectos emocionais e

psicossociais) nesta demonstração de fé. Frente a esta evidência, creio ser possível afirmar

que os estudos já realizados sobre este tema não deferiram os ciclos votivos na perspectiva de

uma unidade fenomênica integrada e de maior abrangência social. A síntese de tantos vetores

não é, de fato, algo de simples conformação.

É certo que ainda não será nesta nossa contribuição acadêmica que a plenitude das

multidimensões votivas será contemplada. Talvez depois de muitas tentativas consigamos

isso. A salvo, no mínimo, este trabalho irá consolidar um esforço em perceber a unidade do

fato votivo atual. Pretendo dedicar meus próximos anos a ampliar e associar integrativamente

as diversas perspectivas plurais deste tema. Por ora, ficarei com a não menos complexa tarefa

de preparar solidamente a base de dados sobre a qual aquelas produções futuras irão se

debruçar. Sendo assim, faz-se oportuno esclarecer que o posicionamento crítico adotado

neste, que é um estudo no campo da Antropologia, não pretende privilegiar senão a

localização e funcionamento do fato votivo no nordeste oriental do Brasil, numa perspectiva 21 AMADO, Jorge. Tenda dos milagres. 40ª ed. Ilustrações de Jenner Augusto. Rio de Janeiro: Record, 2000. 323p. il. Adaptado para o cinema no ano de 1977, em longa metragem sob a direção de Nélson Pereira dos Santos. Disponível em vídeo (Manchete Vídeo). Adaptado por Aguinaldo Silva e Regina Braga para a televisão no ano de 1985, em minissérie produzida pela Rede Globo de Televisão e dirigida por Paulo Afonso Grisolli, Maurício Farias e Ignácio Coqueiro. 22 GOMES, Alfredo Dias. O pagador de promessas. 39ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. 95p. Peça teatral adaptada para o cinema no ano de 1962, em longa metragem sob a direção de Anselmo Duarte. Recebeu várias premiações no teatro e no cinema, das quais se destaca a Palma de Ouro do Festival de Cannes (França, 1962) como Melhor Longa Metragem, um feito inédito até os nossos dias. Foi indicado ao Oscar® de melhor Filme Estrangeiro. Disponível em DVD (Dynafilmes e Cinedistri, 2005). Adaptado pelo próprio Dias Gomes para a televisão no ano de 1988, em minissérie produzida pela Rede Globo de Televisão e dirigida por Tizuka Yamasaki. Antes já havia sido apresentada como teleteatro inserido no programa Fantástico, também da Rede Globo, em 1974.

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comparativista, reconhecendo, através das suas manifestações e representações, o

engendramento dos ciclos e o sistema de relações sociais implicadas. Não pretendo, enfim,

assumir perspectivas típicas da Teologia, da Psicologia nem da Filosofia, apesar de

reconhecer o risco em tangenciá-las.

Além destas considerações iniciais, a exposição dos argumentos ficou dividida em mais três

capítulos: Em Trajetória das expressões votivas no nordeste oriental do Brasil, apresento um

breve panorama evolutivo das práticas votivas e sua chegada nesta região, considerando as

contribuições analíticas sobre o tema dentro e fora dos meios acadêmicos e como estas

balizaram a construção do mapa referencial aqui adotado.

No terceiro capítulo, A perspectiva do dom no contexto etnológico, apresento os resultados do

trabalho de campo, conjugando-os com a compreensão dos sistemas de relações sociais

implicados. Inicialmente contextualizo o sistema de prestações simbólicas e a circularidade do

dom nas relações votivas do catolicismo, recuperando o papel da dádiva como força motriz

nas relações sociais, à luz das leis da reciprocidade maussiana (MAUSS, 2003, p. 185-314).

Em seguida, caracterizo os perfis devocionais instados nestas relações votivas (as formas de

devoção, como se caracteriza este outro com quem se transaciona e suas relações

institucionais). A seguir, exponho a síntese taxonômica das expressões votivas, esclarecendo

os métodos construtivos e analíticos adotados. Trata-se de um estudo taxonômico geral,

baseado numa síntese de teor iconográfico e iconológico. Em resumo, procuro através da

exposição do universo amostral, criar um panorama matricial o tanto quanto possível claro,

com o intuito de identificar e descrever, na atualidade, onde, para quem, por que e como se

transaciona o dom votivo, levando-se em conta seus processos produtivos e as implicações

que geram.

No quarto capítulo, Confrontos e descobertas: os velhos e os novos espaços sagrados e suas

particularidades, apresento considerações mais focadas nos sítios votivos, antes numa

abordagem comparativa entre os centros que já foram objeto de um estudo mais sistemático

no passado, depois revelando e caracterizando os mais recentes centros devocionais da região,

no intuito de contribuir para a consolidação de uma cartografia votiva do nordeste oriental.

Concluo este trabalho abordando a “persistência” do dom nos milagres nordestinos. A esta

altura, aponto para as questões relativas às particularidades da renovação do culto católico na

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23

região e para uma análise mais ampla das artes votivas no panorama artístico e cultural

brasileiro.

Antes do avanço às próximas etapas desta tese, é prudente informar o leitor de que a

empreitada que aqui se encerra deixa no ar uma certa ansiedade, ao confirmar que muitas

reflexões tiveram de ser desviados para um futuro próximo, uma vez que – seja pelos limites

da capacidade produtiva deste autor, seja pela complexidade das novas problemáticas

descobertas (sempre surgem!), seja pelo bem da unidade e coerência argumentativa que se

pretende numa equilibrada tese – muitos enfoques deixarão lacunas e interrogações. É certo

que equívocos poderão aparecer pelas próximas linhas. Refletirão, contudo, a oportunidade de

aperfeiçoamento e desenvolvimento desta contribuição primicial.

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2 TRAJETÓRIA DAS EXPRESSÕES VOTIVAS NO

NORDESTE ORIENTAL DO BRASIL

E fez-se o templo prodigioso, monumento erguido pela natureza e pela fé, mais alto que as mais altas catedrais da terra. (...) Hoje, quem sobe a extensa via-sacra de três quilômetros de comprimento, em que se erigem, a espaços, vinte e cinco capelas de alvenaria, encerrando painéis dos passos, avalia a constância e a tenacidade do esforço despendido. Euclides da Cunha, Os Sertões [1902].

2.1 Um breve panorama histórico

Conquanto não seja recomendável superar os limites demarcados pelo escopo desta tese,

gostaria de pontuar, no princípio deste segundo capítulo, três ou quatro estações que julgo

fundamentais para a compreensão da origem e desenvolvimento do nosso objeto de pesquisa.

Em primeiro lugar, por este resgate dos fundamentos simbólicos das práticas votivas do

catolicismo parecer uma medida crucial para o entendimento da sua eficácia contemporânea.

Em seguida, por acreditar que, nos termos de um breviário estritamente pontual, podemos

determinar os cortes que constituíram as rupturas que serão os pontos de partida para futuros e

mais decisivos argumentos.

Não seria temerário pensar que as práticas votivas existem desde que existe o Homem.

Tampouco considerar que, desde os tempos imemoriais da Humanidade, estas práticas

seguem atreladas a um poderoso apelo estético. Ainda que sob controvérsias, as lições de

História da Arte indicam que boa parte das pinturas parietais e das estatuetas em pedra, típicas

do período Paleolítico Superior, foi produzida com intenção votiva23.

23 Foi-se o tempo em que havia um consenso a respeito do caráter mágico da arte da chamada Pré-História. Autores respeitáveis da histografia e da crítica de arte – JANSON (1996), HOVING (2000) – têm constantemente questionado os argumentos que sobrepõem o valor místico ao artístico: cavalos e bisões não eram exatamente divindades ou símbolos que a “humanidade primitiva queria emular” (HOVING, ib., p. 28), bem como um suposto culto à fertilidade nem sempre é claro, uma vez que não se faz nas pinturas uma indicação do sexo dos animais. Considera-se hoje que poderiam estar aqueles homens apenas exercitando suas capacidades criativas.

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Em 1890, Sir James George Frazer publica O Ramo de Ouro, aquele que seria o seu mais

célebre estudo. Nesta obra, envolve as mais arcaicas práticas votivas dentro de uma lei de

similaridade, distinguindo-as como uma espécie de magia simpática. Na sua concepção, a

chamada magia imitativa permite que o semelhante produza o semelhante: “modelos de

peixes asseguram uma boa pesca, e a enfermidade pode ser curada por meio de oferendas

votivas que retratem a parte do corpo que está doente como se estivesse sã” (FRAZER, 1982,

p. 37). Eis a exata medida do que é proposto nesta expressão moderna ensejada pelas trocas

votivas: a representação daquilo que falta como meio expressivo em prol da sua obtenção.

Creio ser imprudente considerar propriedades mágicas, no sentido estrito do termo, às formas

contemporâneas das trocas votivas, sobretudo no Catolicismo. Contudo, não se pode ocultar a

ainda intensa força vital desta lei de similaridade, que guarda da sua origem o mesmo apelo

homeopático.

Na Grécia e Roma Antigas era costume se entregar oferendas em agradecimento aos

médicos24. Este agradecimento, normalmente sob a forma de placas ou tábuas votivas, refletia

ainda uma visão turva sobre a origem das doenças e das curas. A adoração ao grego Asclépio

(herói homérico e semideus da Medicina) e ao seu correspondente romano, Esculápio, era a

forma de se obter uma intervenção divina para os males da saúde. No Templo de Esculápio,

pessoas depositavam tábuas votivas, objetos e modelos das partes do seu corpo, pedindo ou

agradecendo curas (McKEEVER, 1998, p. 85-95). Aos poucos, as ações sanitárias e curativas

foram se tornando um ofício independente das relações religiosas, especialmente após as

intervenções de Hipócrates (460-356 a.C.), que “rompe com as lendas e superstições

sacerdotais dos Asclepíades” (TANCO, 2003, p. 123) e continua, até hoje, sendo considerado

o “pai” da Medicina. Mas independente dos avanços das ciências médicas, as transações com

um Outro25 (imaginário ou não) não cessariam por ali.

A mesma Roma da Antigüidade foi berço de uma notável página na história das trocas

votivas, que gostaria de lembrar sucintamente: o episódio da conversão de Constantino I, o

24 Em artigo publicado em meio eletrônico, o sociólogo português Luís Graça (2000), conta que o poder médico na Grécia de meados do primeiro milênio antes de Cristo era uma espécie de poder mágico-religioso, que se baseava na crença de que a cura da doença, embora operada por forças divinas, exigia uma intervenção de um medium, dotado de dom ou carisma. Resgata, inclusive, que o termo terapeuta vem do grego (therapeutés), significando originalmente “o que cuida, servidor ou orador de um deus”. 25 Ao considerar o termo Outro quero apenas destacar a expectativa e a projeção criadas pelo sujeito votivo na direção de um outro sujeito, que lhe é ideativamente superior e do qual se espera uma intervenção salvadora, seja este uma divindade constituída canonicamente ou não.

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26

Grande26. Filho de Flávia Júlia Helena (247-c.327 d.C.), cristã convertida, Constantino

convenceu-se de que devia sua improvável vitória sobre o rebelde Maxêncio à intervenção do

Deus cristão e, em agradecimento à proteção da Santa Cruz, o imperador teria decidido

conceder liberdade de culto à cristandade no ano seguinte, através do Edito de Milão,

encerrando uma perseguição de quase trezentos anos. Naquele mesmo ano (313 d.C.),

Constantino reformulou a sua famosa Basílica (310-320 d.C., obra iniciada por Maxêncio),

construindo uma entrada principal (em substituição às tradicionais entradas laterais) e

transformando o que seria um enorme edifício público num novo modelo de edificação

religiosa (JANSON & JANSON, 1996, p. 88-96). Dois anos depois, erigiu um arco triunfal

com seu nome bem no centro de Roma, celebrando a esplendorosa vitória na batalha contra

Maxêncio. No passar dos séculos outra dádiva lhe foi atribuída: a canonização de sua mãe –

tornada Santa Helena – num reconhecimento à obra empreendida enquanto viva pela

conservação da fé cristã.

O que constatamos no resumo desta célebre passagem é a presença viva do dom, num ciclo

prestativo dinâmico e de proporções gigantescas. Dons, em verdade, e em muitas direções. A

narrativa da conversão de Constantino ilustra, com muita clareza, o esquema maussiano do

dar-receber-retribuir (MAUSS, 2003, p, 185-314), neste caso, sob a forma de confiança-

sucesso-fidelização. Existia para Constantino uma vicissitude: a incerteza da batalha que viria,

o temor pela derrota e um conseqüente sofrimento, a possibilidade iminente de perda e

fracasso. A inspiração recebida por ele foi um sinal. Convicto da sua eficácia, apresenta

publicamente um pacto de fé, dá um voto de confiança firmando um compromisso místico na

adoção do sinal da cruz. E é pela fé que julga ter sido vitorioso. Em gratidão, reconhece o

poder milagroso da divina cruz e permite (e incentiva) que este se espalhe por todo território

sob o seu domínio.

Não se sabe, ao certo, se Constantino se tornou cristão no calor destes episódios. É comum

encontrar notas que apontam sua conversão para perto de sua morte, décadas depois. Tudo

isso, contudo, soa pouco importante neste momento. O fato é que ainda sob sua liderança foi 26 Conta a tradição que, às vésperas da batalha contra Maxêncio pelo controle de Roma, em 27 de outubro de 312 d.C., o imperador vira no céu uma cruz em chamas com o escrito In hoc signo vinces (Com este sinal vencerás). Iluminado por aquela mensagem, ordenara o imperador que o monograma de Cristo fosse fixado nos lábaros e estandartes do seu exército, especialmente para enfrentar o inimigo. Naquela época a tropa do usurpador Maxêncio (que dominara a Itália e a África e buscava unificar o domínio ocidental) era mais numerosa e destra: totalizava quase 180.000 homens, contra pouco mais de 100.000 de Constantino (GIBBON, 1989, p. 178). Mesmo assim, o iluminado príncipe saiu vitorioso, após uma acirrada batalha na Ponte Milviana, da qual Maxêncio não sobrevivera.

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proibida a prática punitiva da crucificação (o suplício da cruz) na vastidão do Império

Romano, o que indica uma salvaguarda do símbolo da sua máxima vitória. Com ele o

Cristianismo fincou as bases para se tornar, pouco depois, a religião oficial dos romanos, sob

o governo de Teodósio I (385 d.C.).

Assim, o Cristianismo transita de religião perseguida a religião de Estado. Este caráter

epopéico da virada cristã no mundo ocidental não seria capaz de lhe garantir uma sobrevida

de estabilidade e sem ameaças à sua continuidade. A consolidação do credo cristão na Europa,

especialmente na Idade Média, não foi tarefa das mais fáceis, já que as intensas lutas pelo

poder modificavam freqüentemente o mapa político-cultural da região. Contudo, em muitas

áreas do continente europeu a presença cristã resistiu às inumeráveis investidas contrárias.

Com o desembarque dos romanos em Ampúrias (218 a.C.), a Península Ibérica também

cresceu romanizada. Dividida administrativamente em três províncias, após as Guerras

Cantábricas (69 d.C.) – Bética, Lusitânia e Tarragona – a região conheceu na presença

daquele colonizador, num primeiro momento, o panteão greco-romano27 e, posteriormente, o

Cristianismo. A invasão dos povos bárbaros no século V (vândalos, suevos, alanos e depois os

visigodos) não chegou a ameaçar severamente a vitalidade do sentimento cristão na região,

apesar da renovada presença de um outro tipo de paganismo (germânico). Nova invasão à

Península viria no século VIII (711 d.C.), desta vez sob a sanha muçulmana, que a partir de

vários ataques berberes, permanecera no território Ibérico por quase sete séculos. Mesmo sob

a influência de outro sistema religioso, algumas áreas cristãs resistiram no extremo oeste

europeu, especialmente nas Astúrias, mais ao norte da Península, de onde surgiu

gradativamente a Reconquista Cristã. Com a independência do Reino de Leão, em 1139,

nasce o Reino de Portugal, tornado independente em 1143 e sacramentado em 1179 pela bula

Manifestis probatum, emitida pelo Papa Alexandre III, que tornava Portugal tributário da

Santa Sé, a sede do bispado da então poderosa e prestigiada Igreja Católica. Em 1492, com a

tomada de Granada pelos Reis Católicos – no que futuramente seria o unificado Reino de

Espanha – os islâmicos são definitivamente desbancados da Península Ibérica, marcando o

desfecho da Reconquista. A unidade do Cristianismo ficou comprometida por todo este

período na região, mas resistiu como sistema religioso e moral. 27 Dentre outros sentidos, o Cristianismo, após se consolidar como poder religioso oficial, refere-se à tradição do panteão greco-romano como Paganismo. Neste caso, define-o como um culto politeísta de caráter idolátrico, com forte ligação com a natureza. Por extensão, designava assim também a toda conduta religiosa que se opunha ao batismo cristão, e que tornava-se, desta forma, digna de perseguição.

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Na passagem para o século XV, Portugal e Espanha já eram nações independentes e

bravamente lançadas ao Oceano Atlântico, em busca da expansão de seus mercados e, talvez

ainda sob o espírito das Cruzadas, em busca também da difusão da cristandade. E nesta

expansão ultramarina, Portugal aporta no Brasil, insuspeitamente batizado de Terra de Vera

Cruz, depois Terra de Santa Cruz28.

Setores da moderna historiografia brasileira têm considerado mais agudamente a primazia

deste objetivo religioso. Ainda em fins dos anos de 1940, Thales de Azevedo ressalta em seu

Povoamento da Cidade do Salvador que para Portugal a navegação era um imperativo

geográfico e econômico, então posto a serviço da criação de um império que deveria ser, a um

só tempo, base da existência nacional e a maior testemunha da fé cristã nos tempos modernos

(AZEVEDO, 1969, p. 31). Portugal já era uma nação poderosa, e tinha planos ambiciosos.

Independente dos intentos comerciais portugueses, este sentido de ampliação da influência

cristã transmutaria-se posteriormente na idéia de missão, especificamente empenhada na

salvação de almas (VAINFAS, 2000, p. 08), inicialmente das almas dos que aqui já se

encontravam.

Assim, em 1549 chegam os primeiros jesuítas, dispostos a transformar índios em cristãos. E a

Companhia de Jesus não teria uma tarefa simples: de princípio, os interesses dos religiosos

concorriam com os interesses mercantis que surgiam paralelamente. Os primeiros colonos,

ávidos para tornar o gentio em mão-de-obra escrava, colaboravam para o decreto de um triste

destino ao indígena brasileiro: a submissão a um novo senhor, fosse este o Nosso Senhor

Jesus Cristo ou um inconveniente e temível visitante para suas terras.

O nordeste do Brasil foi o berço da colonização, tendo as regiões de Pernambuco e do

Recôncavo da Bahia desenvolvido uma lavoura de cana-de-açúcar, construída em torno dos

engenhos, unidades econômicas privadas de complexa gestão. Toda a organização político-

social se orientava no sentido de garantir ao senhor-de-engenho o exercício pleno do seu

poder sobre suas terras, agregados e dependentes (ANDRADE, Manuel, 2005, p. 93). Gilberto

Freyre (2002, p. 91-92) destaca que foi justamente a iniciativa particular portuguesa a parte 28 Henrique Matos (2001, p. 27) informa que, segundo alguns autores, dom Manuel mudou o nome de Terra de Vera Cruz em Terra de Santa Cruz convicto de que a designação “Vera Cruz” (ou verdadeira cruz) só seria aplicável à chamada “cruz de Mamelar”, urna com relíquia de sua propriedade, que continha uma lasca da “verdadeira” cruz em que Cristo morrera, supostamente descoberta por Santa Helena, em 335.

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mais efetiva na colonização do Brasil, mais até do que o próprio Estado. Seria ela a promotora

da mistura de raças, da agricultura latifundiária e do desenvolvimento de grande e estável

colônia agrícola nos trópicos, com um modelo de família rural ou semi-rural, de caráter

patriarcal e aristocrático, cujo domínio só seria comparável ao da Igreja Católica (ib.).

Portanto, além do assédio da indústria açucareira pela mão-de-obra cativa, havia a natural

resistência do gentio aos novos conceitos religiosos. Sob a iniciativa do padre José de

Anchieta29, a mensagem cristã fora adaptada à linguagem local, buscando uma assimilação

dos fatos bíblicos pelos povos nativos. Vainfas (2000, p. 16) considera também que este

catolicismo ensinado e dramatizado em “língua geral” mormente pudesse ter sua eficácia com

os culumins (crianças). Entre os adultos, tal método trazia o grande risco de ser assimilado à

moda Tupi. De fato, as Santidades confirmaram esta ameaça, garantindo, especialmente em

parte do Recôncavo baiano, farta ocupação para a Visitação do Santo Ofício, em 1591.

De uma forma geral, o Cristianismo implantado no Brasil trouxe forte marca do catolicismo

português de extração medieval: a providência divina, a interseção poderosa dos santos e o

caráter laical do culto, com suas devoções e manifestações externas (MATOS, 2001, p. 45).

Em outra oportunidade, Thales de Azevedo (2002, p. 36) afirmou que o catolicismo brasileiro

herdou da cultura portuguesa certa brandura, tolerância e maleabilidade, talvez possibilitando

o fato de que muito do que se assimilou coletivamente foi compartilhado fora dos círculos da

formalidade. E completa, dizendo que este culto católico se manifesta também por meio de

promessas propiciatórias, com oferendas materiais ou “sacrifícios” aos santos para que

atendam as súplicas dos seus devotos (ib.). Certamente Azevedo referia-se às transações

votivas, que chegaram de Portugal, literalmente, a bordo das primeiras caravelas que

cruzaram o Oceano Atlântico.

Numa exposição realizada no Museu de Arte da Bahia, em Salvador, entre abril e junho de

1999, foram apresentadas 57 pinturas votivas portuguesas que datavam de 1656 a 1894.

Comemorativa dos quinhentos anos dos Descobrimentos portugueses, a mostra remetia à

bravura dos grandes viajantes e descobridores, que se lançando em venturosa missão, corriam 29 Considerado hoje o “apóstolo do Brasil”, o padre José de Anchieta (1534-1597) foi ordenado sacerdote em Salvador, em 1565. Já no século XVII teve seu processo de canonização aberto na Santa Sé, tornando-se venerável em 10 de agosto de 1786. Somente em 1875, por iniciativa de Dom Vital Oliveira, bispo de Olinda-PE, o seu processo de beatificação teve continuidade. Foi declarado beato pelo papa João Paulo II, em 22 de junho de 1980, que destacou suas atividades pastorais em prol da conversão cristã dos índios brasileiros (LIRA, 2006, p. 46-47).

Page 30: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

30

o sério risco de não conseguir iniciar outra vida neste novo destino, ou mesmo sequer retornar

para o conforto dos seus lares na Europa. As pinturas expostas remetiam, predominantemente,

aos problemas encontrados na travessia: tormentas, tempestades, temporais, tufões,

naufrágios, saques, seqüestros. Enfocavam também vicissitudes em terra firme, especialmente

doenças e “perigos de vida”. Eram obras feitas sob três técnicas: óleo (sobre tela, madeira,

folha de flandres e cobre), aquarela (sobre papel) e têmpera (sobre papel). Apresentavam

ainda uma estrutura formal constante, com a presença da divindade (cercada por uma aura)

variando entre os cantos superiores direito e esquerdo, um relato manuscrito no quarto ou no

quinto horizontal inferior da tela e a representação das cenas ocupando o restante da área, algo

entre 40 e 60% do plano total (vide a reprodução fotográfica de um destes quadros no

APÊNDICE I – Sinopse Estilográfica, sob o número 125 – SE125, como doravante irei

designar as remissões à base iconográfica desta tese).

As narrativas clamavam principalmente por Jesus Cristo e por Nossa Senhora (sob variados

títulos). Menos de uma dezena delas se dirigiam a outros santos. Em especial, duas citavam

São Gonçalo de Amarante, santo de origem portuguesa. Os relatos manuscritos seguiam

também um modelo: “Mercê/milagre30 que fez _________ [nome do santo] a _________

[nome do agraciado] que _________ [descrição do fato, com citação do local e data]”. São

notáveis as incorreções gramaticais em alguns destes relatos, o que indica sua construção fora

dos meios mais cultos.

Esta foi a expressão inicial de oferta gratulatória que os brasileiros conheceram pela

influência da cultura religiosa portuguesa. E foi, como veremos, um modelo que aqui se

ampliou criativamente para outras formas expressivas. Em texto integrante do catálogo da

referida exposição, Joaquim Oliveira Caetano (1998, p. 13-19) destaca o problema da

produção artística religiosa de Portugal nos séculos XVI e XVII, com especial atenção para as

pinturas votivas. Numa crítica à baixa qualidade técnica da chamada “pintura popular”,

aponta os dois valores de aderência que são suscitados pelas imagens: a aderência estética e a

aderência devocional. De um lado, a qualidade artística, do outro a resultante da eficácia

demonstrada da imagem como intermediadora entre o crente e a divindade. Se esta dicotomia

30 Segundo aquela amostra, o termo mercê era mais utilizado nas pinturas que datavam do século XVII, até meados do século XVIII, não aparecendo em pinturas do século XIX. Já o termo milagre aparecia nas telas do século XVIII e se repetia por todo o século XIX. No campo empírico, do que foi possível ver de ex-votos originais do século XX e deste princípio do século XXI, não registrei ainda o termo mercê, sendo as expressões milagre ou graça as mais utilizadas pelos devotos.

Page 31: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

31

não chegou a se tornar um tema de considerações tão inflamadas na Crítica da arte colonial

brasileira, certamente se constitui como um ingrediente instigante para envolvermos nesta

nossa observação.

Normalmente se associa este período das artes do Brasil e da Europa aos novos paradigmas

impostos pela Reforma Tridentina (1545-1563). A confirmação do culto às imagens pela

Igreja Católica – um dos principais pontos de oposição dos reformistas protestantes – abriu

um vasto espaço de renovação para as artes visuais. Em Portugal isso incorreu na proliferação

de artistas, nem sempre de notável talento. No Brasil, colônia germinal, a consolidação do

Cristianismo dependia necessariamente do aporte do sistema visual, uma vez que já se

reconhecia as barreiras da linguagem e a discrepância intelectual dos que aqui se

encontravam. De todo modo, mais imperativo do que a destreza dos artistas na construção

icônica das imagens religiosas de consumo local, estava a necessidade de assimilação das

imagens mentais do catolicismo. Os primeiros artistas no Brasil eram religiosos, a maioria

deles jesuítas, como os freis pintores Manuel Álvares, Manuel Sanches e Belchior Paulo,

todos atuando no século XVI, seguidos pelo frei Agostinho da Piedade, notável escultor. Por

isso a arte religiosa brasileira, sobretudo neste seu alvorecer, teve um caráter didático. Por

outro lado, foi ganhando, com o passar do tempo, um sentido mais popular, profano em certo

sentido, livremente interpretado pelos homens do povo, paulatinamente conduzidos ao ofício

artístico pela via dos feitos religiosos.

Tudo indica que esta primazia na chegada contribuiu para a popularização da pintura como

principal revelação ex-votiva no Brasil. Maria Augusta Machado da Silva relata que a

primeira notícia sobre pinturas ex-votivas em terras brasileiras foi dada pelo Frei Agostinho

de Santa Maria31, referindo-se ao santuário de Nossa Senhora da Peña de Jacarepaguá, no Rio

de Janeiro, que tem registros anteriores a 1664 (SILVA, 1981, p. 51). Contudo, as povoações

que iniciaram a ocupação pelo litoral puderam traduzir com notável fervor devocional –

especialmente depois do segundo século da colonização – uma outra forma genuína de

agradecimento: a construção de templos em louvor a santos católicos, guardiões quase sempre

associados às temerosas condições de travessia do Atlântico e às difíceis condições de vida no

Brasil dos primeiros tempos, como se pode confirmar no Recôncavo baiano. 31 “(...) todos vão a impetrar da Senhora o remédio de seus trabalhos e necessidades, & as paredes d’aquella casa estão dando testemunho de suas maravilhas, nas memórias que se vêem pender, como são mortalhas, QUADROS & muitos outros signaes de cera e outros desta qualidade estão pegoando o grande poder da Rainha dos Anjos” (in SILVA, 1981, p. 51).

Page 32: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

32

Data de meados do século XVIII um curioso testemunho votivo sobre as prodigiosas

intervenções divinas aos que vinham tentar vida nova no além-mar português: três grandes

painéis de azulejo em torno do altar-mor da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem (vide a

Ficha de Inventário de Sítio número 01, no VOLUME II – FIS02, como doravante irei

designar as remissões à base de dados etnográficos desta tese), na cidade de Salvador,

primeira capital do Brasil. Doados como ex-votos entre 1743/46 (SCT-BA, 2000), agradecem

a intercessão divina que fez Nossa Senhora a Bernardo da Costa e Antônio Dias, ao salvar a

comitiva do primeiro de um embate com quatro naus de mouros em meio a um grande

temporal, em 1726, e ao interceder igualmente sobre o segundo, num outro embate contra

duas naus mouras, também em 1726, além de tê-lo salvado de uma queda ao mar, em 1731.

As pinturas chegaram em meados dos setecentos, mas quase trinta anos antes, em 1712, lá já

estava a venerável figura de Nossa Senhora da Boa Viagem, levada pelos franciscanos (ib.) e

devidamente abrigada na sua igreja, anexada de um hospício. A poucas centenas de metros

dali ainda repousa a igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat (FIS03), na Ponta do Humaitá,

com o mar da Baía-de-Todos-os-Santos batendo às suas portas. E do mesmo modo a capital

baiana também clamou pela mercê salvadora de Nossa Senhora da Penha32 e do Nosso Senhor

Bom Jesus do Bonfim33, cujos oragos foram estabelecidos nos arredores do bairro da Boa

Viagem, e confirmam, pelas denominações, o apego dos habitantes dos nossos primeiros

tempos à intervenção divina para bem chegar, bem permanecer e bem partir (desta terra e

32 Como também nos litorais de Vitória-ES (1570), João Pessoa-PB (1763), Rio de Janeiro-RJ (1728) e mesmo defronte à cidade de Salvador (em localidade homônima na extremidade oeste da Ilha de Itaparica) há templos dedicados a Nossa Senhora da Penha. A penha representava a sinalização natural salvadora dos náufragos e dos que pereciam no mar: a rocha saliente que se avistava de longe e para onde se guiavam as embarcações. É uma devoção de origem espanhola, trazida ao Brasil pelos portugueses. No Rio de Janeiro, a origem ao culto contraria a motivação marítima, com uma lenda que relata a intercessão de Nossa Senhora na salvação de um senhor de engenho quando atacado por uma cobra, na subida de uma colina, onde hoje se localiza a igreja mariana, considerada uma das mais requisitadas na cidade do Rio de Janeiro (MEGALE, 2003, p. 40). 33 O termo “bom fim” define um rito de passagem: a boa morte, o “bem morrer”. No Brasil de antanho, a partida ideal para o mundo dos mortos, especialmente entre os mais abastados, deveria contemplar o passante não apenas dos indispensáveis sacramentos cristãos (comunhão, penitência e extrema-unção), mas de uma assistência solidária de todos os seus entes mais próximos. João José Reis acrescenta que “a boa morte significava que o fim não chegaria de surpresa para o indivíduo, sem que ele prestasse conta aos que ficavam e também os instruísse sobre como dispor de seu cadáver, de sua alma e de seus bens terrenos” (REIS, 1991, p. 92). O “bom fim” era garantia de distância do inferno. E com fé no Nosso Senhor do Bonfim, foi trazida de Portugal para a Bahia, em 1745, uma imagem-reprodução de Cristo crucificado diretamente da Igreja de Setúbal, pelas mãos do Capitão-de-Mar-e-Guerra Teodósio Rodrigues de Faria. O culto iniciou-se na Igreja da Penha (VALLADARES, 1967, p. 38), sendo nove anos depois conduzido para a igreja do alto da colina de Itapagipe (construída como uma oferta votiva), onde se encontra até hoje. Para Valladares, a característica mais relevante para a evocação ao Senhor do Bonfim “é a de socorrer nas angústias da morte próxima, nos perigos e na beirada das grandes frustrações”, sendo chamado de “nosso Pai”, “o Poderoso”, “o meu Senhor”, “o meu bom Senhor” (ib., p. 18).

Page 33: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

33

desta vida!). A presença dessas construções logo na entrada da cidade vem a confirmar o

antigo ditado português que sentenciava “se queres aprender a orar, entra no mar” (RISÉRIO,

2004, p. 63).

A atualidade destas devoções na cidade de Salvador aponta para circunstâncias variadas. No

caso de Nossa Senhora da Boa Viagem talvez o painel de azulejos seja ainda hoje a mais

visível referência às práticas votivas. Não obstante a grande movimentação nos festejos da

procissão marítima de Bom Jesus dos Navegantes, no dia 1º de janeiro – que se inicia e se

encerra naquela igreja e é seguida de uma festa de largo, outrora muito prestigiada – não se

verifica ali a presença de oblações recentes. Isto não indica, contudo, um enfraquecimento das

relações devocionais ou mesmo votivas. Ainda que seja um acontecimento de forte tradição

católica, a festa de Bom Jesus dos Navegantes – cuja devoção, segundo Pierre Verger (1999,

p. 76), foi instituída pelos capitães e pilotos dos navios que faziam o tráfego da Costa da

África – divide a preferência dos fiéis baianos com a não menos famosa festa de Yemanjá,

comemorada no dia 02 de fevereiro, data em que também se comemora Nossa Senhora dos

Navegantes e Nossa Senhora das Candeias34. É certo que a movimentação de ofertas votivas é

nitidamente mais volumosa e diversificada na praia do Rio Vermelho, onde a festa de

Yemanjá exibe uma autêntica cerimônia popular de origem afro-brasileira, tornando quase

imperceptível a presença católica, que apesar da proximidade, não celebra missas neste dia na

Igreja de Santana, localizada ao lado da casa dos pescadores, local de onde saem os balaios

com os presentes para serem ofertados à “Rainha do Mar” (SE01 a SE12).

O culto ao Senhor do Bonfim (FIS02) é que conhece um processo de sincretismo religioso

bem mais intenso. Dono da mais famosa e prestigiada “sala dos milagres” da cidade de

Salvador, tem na sua festa o ponto alto do encontro entre as práticas católicas e as dos cultos

de origem africana, já que o Senhor do Bonfim é sincretizado com Oxalá, divindade da

criação (VERGER, 1999, p. 79). O que se vê na Igreja é um fervor religioso que permanece

vivo pelo ano todo, há mais de dois séculos e meio. Sua tradição votiva permanece tão forte

que sobre a sala dos milagres se instala um organizado museu de ex-votos (SE13), onde se

encontra peças tão antigas quanto a própria devoção.

34 Pierre Verger afirma ainda que, no Brasil, Yemanjá é sincretizada com Nossa Senhora da Imaculada Conceição, festejada no dia 08 de dezembro, mas na Bahia se faz uma abstração ao sincretismo que liga Oxum a Nossa Senhora das Candeias, o que pra ele confirma que as associações sincréticas entre os deuses africanos e os santos da Igreja Católica não são de uma rigidez e rigor absolutos (VERGER, 1997, p. 192).

Page 34: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

34

Por outro lado, a igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, uma devoção de origem

espanhola, é outra que já teve um movimento votivo muito mais intenso. Localizada em ponto

estratégico na Baía-de-Todos-os-Santos, tem à sua frente um farol que ainda hoje orienta os

navegadores. Luiz Mott (1993, p. 15-16) lembra as palavras de Agostinho de Santa Maria35,

ao descrever a vitalidade religiosa naquele templo mariano de outrora. Lá foi depositado um

quadro que relata, em português arcaico, outra mercê miraculosa de Nossa Senhora (vide

ANEXO B). Datado de 1749, expõe um agradecimento de Agostinho Pereira da Silva à

Virgem Nossa Senhora dos Remédios por uma série de benesses, desde o restabelecimento de

sua saúde até sua sobrevivência em emboscadas e ataques de animais. Hoje esta pintura

encontra-se no acervo do Museu do Mosteiro de São Bento36, e como na igreja de Nossa

Senhora da Boa Viagem, já não há mais sinais vigorosos e volumosos das tradicionais

oblações. O que pude observar foram duas situações curiosas ali, na Ponta do Humaitá: na

primeira, a presença de chaves (com ou sem chaveiros) depositadas aos pés de uma réplica da

imagem de São Pedro Arrependido37; a segunda, a oferta freqüente de alimentos lançados ao

mar, nas pedras em frente à igreja, numa prática ofertiva comum dos cultos afro-brasileiros.

Após esta sucinta reconstituição do trajeto das práticas gratulatórias do catolicismo até o

Brasil, acredito que já é possível considerar o histórico de pesquisa destas relações votivas no

nordeste oriental, bem como esclarecer de que modo seus dados resultantes foram apropriados

e transformados num mapa referencial fundamental para a concretização deste estudo.

2.2 O legado dos principais estudos sobre as práticas votivas no nordeste

oriental do Brasil

35 “não só neste dia, mas em todo o decurso do ano, é frequentado o santuário desta Senhora com romarias e novenas, e ali se ve pender muitos quadros que lhe oferecem os que escapam dos naufrágios ou de perigosas enfermidades” (SANTA MARIA in MOTT, 1993, p. 15-16). 36 Como foram os religiosos da Ordem de São Bento os principais divulgadores da devoção a Nossa Senhora do Monte Serrat no Brasil (MOTT, 1993, p. 15), parece natural a sua responsabilidade na guarda das relíquias marianas. A própria Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat é um dos dois mosteiros beneditinos na cidade de Salvador-BA. 37 A escultura de “São Pedro Arrependido” é atribuída ao frei Agostinho da Piedade, apesar da contestação de alguns estudiosos, por conta da descontinuidade que apresenta ao conjunto de sua obra (LEITE, 1979, p. 111-113).

Page 35: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

35

Uma das razões que concorreram para a eleição do recorte geográfico desta tese foi o fato de

ser relativamente farta a documentação sobre a tradição votiva católica no Nordeste do Brasil.

Alguns estudos, uns mais outros menos sistemáticos, já foram realizados sobre esta temática,

a maioria deles em meados do Século XX. Os primeiros contatos que mantive com essas

fontes revelaram o inevitável efeito do tempo. Procurei observá-las com o cuidado de

reelaborar seus indicativos, dentro da perspectiva de uma etnografia histórica. A tarefa se

iniciou com a abertura de uma base de dados sobre os ex-votos do Nordeste, relacionando

cidades, devoções e formas de devoção, artefatos produzidos e o perfil dos pesquisadores e

suas estratégias de abordagem, tudo isso a partir de fontes bibliográficas, documentários

fotográficos e videográficos e de relatos publicados em meios alheios aos rigores acadêmicos

(internet, por exemplo). Esta etapa do trabalho revelou um entrave reincidente: a maioria

daqueles dados iniciais era por demais econômica na caracterização do percurso metodológico

adotado nas observações. Não se tratava, na maioria das vezes, de trabalhos etnográficos

propriamente ditos, mas de observações e coletas mais ou menos livres, seguidas de uma

tentativa de organização do material. Muitas informações eram pulverizadas, desencontradas

ou imprecisas na caracterização do tempo e do espaço. Nem sempre havia exatidão na

localização das coletas de objetos, por exemplo; ou então não se expressava claramente o tipo

de sítio devocional ou a invocação religiosa correspondente. Posso comparar esta etapa da

pesquisa à montagem de um quebra-cabeça, quando se desconhece o número total de peças e

a imagem que se pretende formar.

Daqui em diante, apresentarei como foi feito o traçado dos mapas destas principais referências

históricas e geográficas, comentando a natureza e conteúdo das fontes e suas mais relevantes

colaborações. Vale a ressalva de que apenas apontarei as contribuições que serviram de base

para a criação da malha indicial da minha observação, deixando para os próximos capítulos a

crítica sobre o contraste destes dados no passado e no presente.

O ponto de partida rumo à constituição deste repertório histórico-referencial se deu ainda no

ano de 2001 – quando o foco da pesquisa se voltava especificamente para o santuário mineiro

de Bom Jesus de Matosinhos – a partir da leitura de um breve estudo de autoria da

antropóloga Lélia Coelho Frota: Promessa e milagre no Santuário do Bom Jesus de

Matosinhos, Congonhas do Campo, Minas Gerais38 (1981). Trata-se de um texto curto, um

38 O texto integra um catálogo publicado pelo então Ministério da Educação e Cultura quando do tombamento pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de um conjunto de ex-votos depositados à devoção do Bom Jesus

Page 36: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

36

dos primeiros trabalhos que destacaram os impactos da mudança tecnológica sobre as formas

de representação dos ex-votos no Brasil. Na seção “Milagres esculpidos, modelados,

recortados & outros”, a autora apresenta um retrospecto de importantes estudos nacionais

sobre os ex-votos, relacionando o estado daquelas peças contemporâneas mineiras (de

produção seriada) com o antigo feitio artesanal. Já na seção “Tempo e espaço na

representação do sagrado”, Frota cita Henri Hubert e Marcel Mauss, situando-os na discussão

do “religioso” e do “sagrado”. Causa surpresa notar a presença do autor do Ensaio sobre a

dádiva e d’As Técnicas do corpo não estar diretamente associada às discussões acerca dos

sistemas de prestações simbólicas (já que falava de graças e promessas) ou mesmo das

questões do corpo. Certamente era outra a proposta daquela breve introdução aos ex-votos

mineiros. Descobri ali um valioso guia de referência, pois pela primeira vez, tomei

conhecimento dos estudos semelhantes realizados por Luís da Câmara Cascudo, Luís Saia,

Clarival do Prado Valladares, Veríssimo de Mello e Gilka Correia de Oliveira.

A proximidade e até certa familiaridade39 com a devoção ao Senhor do Bonfim, na capital

baiana, foram fatores determinantes para o despertar do meu interesse sobre a leitura dos ex-

votos feita por Clarival do Prado Valladares. Em seu livro Riscadores de milagres: um estudo

sobre arte genuína (VALLADARES, 1967), um dos mais interessantes estudos brasileiros

dedicados ao assunto, o historiador e crítico de arte nos deixa um notável inventário das “salas

dos milagres” da Igreja do Bonfim, analisando, com muita objetividade e critério, quase 150

peças votivas de diversas tipologias, fruto de duas incursões ao lugar, a primeira entre 1939-

40 e a outra entre 1960-6140. Além disso, o livro apresenta generosas fontes históricas sobre

as práticas votivas no mundo ocidental e um pequeno estudo acerca da “arte cemiterial

popular” da capital baiana – o que, futuramente, se tornaria um amplo e exaustivo tratado

acerca das artes funerárias brasileiras41. Vale menção sua vasta e preciosa obra sobre a

de Matosinhos: 89 pinturas realizadas do século XVIII ao século XX. O sítio já era tombado nacionalmente desde 1939. Em 1985 o Santuário foi tombado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Patrimônio Cultural da Humanidade. 39 A Festa do Senhor do Bonfim (a Lavagem do Bonfim) já havia sido objeto de pesquisa acadêmica, entre os anos de 1998 e 2000, por ocasião da minha atividade de mestrado (BONFIM, 2000). O trabalho versava sobre a contribuição da obra fotográfica de Pierre Verger na construção da identidade cultural baiana, e produzi, num contexto comparativo (de correspondência biunívoca) com as imagens de Verger (1990), um documentário fotográfico da festa. 40 Apesar do considerável intervalo entre as duas visitas, o autor não revela conclusões sobre algum tipo de ação do tempo sobre as peças e expressões votivas observadas. Tampouco se aprofunda em direção a uma análise das relações religiosas. Seu enfoque é meramente voltado para a crítica de arte. 41 Cf. VALLADARES, C. P. Arte e sociedade nos cemitérios brasileiros. Um estudo da arte cemiterial ocorrida no Brasil desde as sepulturas de igrejas e as catacumbas de ordens e confrarias até as necrópoles secularizadas. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. 2v.

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37

produção artística do catolicismo brasileiro, em especial na região Nordeste, que documenta e

valoriza, indistintamente, as inspirações de origens erudita e popular.

Não se passou muito tempo e surgiu o interesse em conhecer melhor o legado da Missão de

Pesquisas Folclóricas. Organizada em 1938 pelo escritor Mário de Andrade, então

responsável pelo Departamento de Cultura do Município de São Paulo, a Missão tinha como

objetivo recolher documentos, textos, indumentárias, filmes e fotografias que pudessem

esclarecer sobre o folclore musical, inicialmente nas regiões Nordeste e Norte do Brasil (SEF,

2004: 06-07). A metodologia empregada pelo grupo42 foi fruto da promoção, pelo

Departamento, de um curso inédito em terras brasileiras: “Instruções Práticas Para Pesquisa

de Antropologia Física e Cultural”, ministrado por Dina Lévi-Strauss, que veio ao Brasil com

seu marido, Claude Lévi-Strauss, então um jovem bacharel em Direito, assumindo a cadeira

de Sociologia na recém-criada Universidade de São Paulo (USP). Juntos, organizaram a

Sociedade de Etnografia e Folclore (SEF), considerada a primeira organização coletiva desse

gênero criada no Brasil. Mário de Andrade, um crítico e incentivador da autêntica cultura

brasileira, mostrava-se, à época, muito preocupado com a situação do patrimônio cultural

brasileiro. Sensibilizado pela urgente necessidade de mudança nas posturas, afirmou certa vez

que

A Etnografia brasileira vai mal. Faz-se necessário que ela tome imediatamente uma orientação prática baseada em normas severamente científicas. Nós não precisamos de teóricos, os teóricos virão a seu tempo. Nós precisamos de moços pesquisadores, que vão à casa do povo recolher com seriedade e de maneira completa o que esse povo guarda e rapidamente esquece, desnorteado pelo progresso invasor (ANDRADE, 1936)43.

É certo que muitas de suas atitudes foram decisivas para a formação de uma consciência de

preservação no Brasil. O anteprojeto para a criação do Serviço do Patrimônio Artístico

Nacional (SPAN, que depois se tornou SPHAN – Secretaria do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional – e hoje corresponde ao IPHAN) é prova disso. Esse interesse pelos temas

da chamada “cultura popular” era um reflexo do fortalecimento da atitude nacionalista

assimilada por toda a geração “antropofágica” da Semana de Arte Moderna de 1922, que tinha

Mário como baluarte. Sob este efeito, parte dos artistas e dos intelectuais brasileiros

42 A Missão foi formada por Luís Saia (na época estudante de engenharia e arquitetura e chefe da missão), Martin Braunwieser (músico e maestro), Benedicto Pacheco (técnico de gravação) e Antônio Ladeira (auxiliar geral). 43 Manterei, em todas as citações, a grafia tal como se apresenta nas fontes consultadas, sem atualização ou correção ortográfica e gramatical.

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38

encantava-se com a espontaneidade e vigor da chamada “arte ingênua”, “primitiva”,

posteriormente categorizada, ainda que sob protestos, como arte naïf44. Assim, ainda que não

houvesse um consenso na época sobre a função estruturante e integrativa do “popular” na

consciência daquela moderna nação brasileira, camadas mais sensíveis da nossa

intelectualidade passavam a valorizar os temas do povo.

Foi em meados do primeiro semestre do ano de 2004 que tive uma visão mais nítida da obra

da Missão, através de uma publicação do Centro Cultural São Paulo (CCSP): Acervo de

pesquisas folclóricas de Mário de Andrade: 1935-1938 (2000). Mais adiante, obtive

gentilmente do CCSP as fotocópias do Catálogo ilustrado do Museu Folclórico (1950) e do

livro Escultura popular brasileira (1944), de autoria de Luís Saia, o chefe da comitiva e um

dos alunos do citado curso de Etnografia. Estavam claras, nesta outra obra, duas referências

fundamentais de como e onde existiam práticas votivas em pelo menos dois estados da região

Nordeste (Pernambuco e Paraíba), pelos quais a Missão passara de fevereiro a julho de 1938.

A coleta de objetos etnográficos pelo grupo foi numerosa e diversificada. Foram recolhidos

instrumentos musicais, ferramentas de trabalho, artes decorativas, roupas e tecidos, ex-votos e

objetos litúrgicos de diferentes orientações religiosas (especialmente dos cultos de matriz

africana, já reprimidos e perseguidos logo quando da instalação do Estado Novo, em fins de

1937). Isso sem se falar das centenas de horas de gravação em áudio de cantigas e dos

inúmeros filmes documentais tomados em muitas localidades45. O fato de aquela pesquisa

estar focada, desde o início, em outros temas (cantos e danças), fez com que a atenção aos ex-

votos fosse secundária nas rotinas de trabalho. E Saia confirma:

Pessoalmente me interessava estudar, nos momentos de folga, tudo quanto fosse coisa popular de valor artístico ou documentário, especialmente arquitetura. Desde logo me larguei à prática aventurosa de espiar, anotar, fotar casas velhas, capelas, arquitetura popular. Conquanto esperasse encontrar muita pintura e escultura populares, devo confessar que nem eu nem os que me informaram antes e durante a viagem sabiam nada acerca da tradição viva do milagre de madeira. O encontro deste material devi-o de certo modo ao acaso, e sua pesquisa sòmente pode ser sistematizada depois de alguns indispensáveis contactos iniciais (SAIA, 1944, p. 09).

44 Há correntes na arte contemporânea que consideram o naïf não exatamente a autêntica produção desvinculada da tradição erudita convencional, frutuosa das camadas sem acesso à academia, mas o resultado da apreensão deste estilo dito “primitivo” e “ingênuo” por artistas do meio acadêmico, uma espécie de maneirismo. É a categoria de artistas que Clarival do Prado Valladares (1967, p. 18) denomina de primitivistas. 45 No ano de 2006 o CCSP, junto com a Secretaria Municipal de Cultura e o SESC-São Paulo, lançou uma série de seis CD’s contendo parte dos registros fonográficos tomados pela Missão.

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39

Mas mesmo não ocupando lugar central na expedição46, o que pude encontrar sobre os ex-

votos nos documentos acessados foi iluminador e estimulante para os planos desta tese. Uma

vez dispondo daquelas referências, foi iniciado um reconhecimento e localização cartográfica

dos centros de coleta citados, buscando constituir um mapa e estabelecer as vias de

deslocamento entre eles. Imediatamente me deparei com outro problema que seria freqüente a

partir daquele caso: a dinâmica demográfica nestes quase setenta anos que nos afastavam

transformou vilarejos em cidades, reorganizou a delimitação de municípios, substituiu

topônimos. Fez-se necessário, então, tabular cada lugar citado e o que se relatava como

artefato coletado ou expressão observada, evidentemente levando em conta apenas aquilo que

estava associado às práticas votivas. Lancei mão do auxílio valioso de buscas pela internet,

simplesmente à guisa de confirmação da atualidade dos lugares e da efetividade das práticas

religiosas, e vale admitir que, como fonte de referência, este é um recurso fundamental para a

construção de quadros sinóticos que precedem atividades em campo. O balanço preliminar

dos dados sobre as coletas da Missão resultou no seguinte quadro:

Estado Cidade Localidade/ sítio

Culto observado/ citado

Artefatos coletados

Cruzeiro da Serra da Gameleira Cruzeiro Milagre (escultura

em madeira) Tacaratu

Capela de N. S. dos Navegantes

Nossa Senhora dos Navegantes

Milagre (imagem de barro com base de madeira)

Santa Quitéria Capela no povoado de Freixeiras

Santa Quitéria das Freixeiras

Milagre (escultura em madeira)

Pernambuco

Meirim (também Mirim)

Capela de Santo Antônio Santo Antônio Milagre (escultura

em madeira)

João Pessoa Cruzeiro da Penha Nossa Senhora da Penha/Virgem da Penha

Milagre (escultura fotografia, pintura)

Itabaiana Cruzeiro Maria de Melo Cruzeiro Milagre (escultura

em madeira) Cruzeiro do Monte Tabor Cruzeiro Milagre (escultura

em madeira) Alagoa Grande Cruzeiro do Engenho Macaíba Cruzeiro Milagre (escultura

em madeira)

Areia Cruzeiro de Chã (o) do Jardim Cruzeiro Milagre (escultura

em madeira)

Paraíba

Patos Cruzeiro da Menina Menina Francisca Milagre (escultura

em madeira) Quadro 1: Síntese das referências votivas na Missão de Pesquisas Folclóricas, 1938. Fonte: SAIA (1944), CATÁLOGO ILUSTRADO DO MUSEU FOLCLÓRICO (1950), CCSP (2000).

46 A coleta votiva só se iniciou na então cidade de Meirim (ou Mirim, hoje Ibimirim) no sertão do Moxotó, em Pernambuco, quando já estavam avançados na rota.

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40

A partir deste indicativo, concluí que houve, por parte de Saia e sua equipe, uma concentração

na coleta de peças escultóricas, especialmente em madeira. Contudo, não temos como saber se

foram escolhas seletivas ou se refletiam o caráter predominante daqueles sítios observados.

Segundo os dados da Missão, pinturas e fotografias só são incluídas em João Pessoa, única

capital de estado na região onde se realizou coletas de objetos votivos católicos47. Os

documentos e relatos do grupo não esclarecem suficientemente sobre a constatação da

existência de outros tipos de objetos depositados nos cruzeiros, capelas e igrejas, o que não

nos credencia a afirmar ou duvidar da existência de variedades, até porque as fotografias

tomadas pelo grupo na época focaram-se em objetos, não exatamente na documentação das

vistas gerais dos lugares.

Além destas localidades que foram efetivamente visitadas, Saia declara ter conhecimento de

outras devoções do Nordeste, pelas quais não passou com a Missão, localizadas em Paudalho-

PE (culto a São Severino dos Ramos), Salvador-BA (Senhor do Bonfim) e Juazeiro do Norte-

CE (Padre Cícero, morto quatro anos antes, mas já envolvido em grande comoção

devocional). Por outro lado, cidades como Sousa e Pombal, no estado da Paraíba, são

freqüentemente (e de forma imprecisa, diga-se) citadas dentro do alcance das coletas votivas

(especificamente) da Missão, mas não há registros que comprovem a observação de devoções,

sítios nem objetos catalogados nelas ou nos seus arredores, naquela mesma oportunidade.

Incorporado em igual propósito de valorização da cultura brasileira, um contemporâneo de

Mário de Andrade, o potiguar Luís da Câmara Cascudo, teve nas devoções populares um de

seus muitos focos de pesquisa. Não chegou a dedicar uma obra específica a este nosso tema,

mas sempre o mencionou com muita distinção. Conhecido pela generalidade dos seus

conhecimentos acerca do dito “popular”, aclamado como folclorista, Câmara Cascudo

apresentou boas pistas em Religião no povo (2001) [1974]. Numa das seções mais

interessantes, “O povo faz seu santo” (CASCUDO, pp.419-424), discorre uma breve listagem

das devoções não-canônicas de sua época (muitas descritas por informantes), destacando o

caráter miraculoso de cada um dos perfis indicados. Esta foi mais uma fonte decisiva para o

mapa de referências que se construía. Concentrei, a partir de então, a atenção em torno dos

casos localizados dentro do alcance espacial desta pesquisa. Cascudo revelou: o menino 47 Ainda hoje é possível notar uma nítida diferença entre o perfil das salas votivas com maior ou menor contato com os grandes centros: há um peso maior de peças de fabricação seriada (industrializadas) ou de maior requinte manufaturado tanto quanto maior o contato com as grandes cidades (não necessariamente capitais de estado), em contraste com a vocação artesanal e de acabamento mais rústico das salas mais distantes.

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41

Petrúcio (Maceió-AL), Dom Vital (Recife-PE), a menina Maria de Lourdes (João Pessoa-

PB), a Menina Francisca (Patos-PB), Padre João Maria (Natal-RN), Santa Damasinha

(Damásia Francisca Pereira, Angicos-RN), Madre Vasconcelos (Fortaleza-CE), o Menino

Vaqueiro (Ipu-CE), Padre Cícero (Nordeste) e o Padre Ibiapina (pelo “norte” do Brasil).

Os casos da Menina Francisca e do Padre Cícero, foram também referidos pela Missão de

Pesquisas Folclóricas (1938), o que atestava, quase quarenta anos depois, a sua vitalidade.

Em outro capítulo, “Santos tradicionais do Brasil” (CASCUDO, pp. 440-445), o autor faz um

comparativo do prestígio popular das duas categorias48, contribuindo ainda mais no

mapeamento dos cultos votivos que aqui apreciamos.

Especialmente por estas indicações, Câmara Cascudo é sempre citado em muitos trabalhos

acadêmicos que tratam sobre as devoções não-canônicas. Contudo, nem sempre aquelas

referências que ele apontou continuam vivas – para o desapontamento dos seus leitores de

segunda mão, que vivas ainda o consideram – como comprovarei no Capítulo 4.

Numa visita à cidade do Recife, por ocasião da XXIV Reunião Brasileira de Antropologia

(RBA), em junho de 2004, fiz uma busca sobre o tema dos ex-votos e das devoções populares

do catolicismo em algumas bibliotecas, como a da Fundação Joaquim Nabuco e outras da

Universidade Federal de Pernambuco. Encontrei algumas obras que foram igualmente

importantes na construção deste mapa de ocorrências. A primeira foi um catálogo do Museu

Théo Brandão de Antropologia e Folclore, denominado Ex-votos de Alagoas (1976). Trata-se

da reprodução fotográfica de vinte peças coletadas pelo médico e folclorista Théo Brandão e

48 A definição dos limites classificatórios entre devoções canônicas e o não-canônicas, dentro do fenômeno religioso católico, não é tão simples como pode parecer. De antemão, santos canônicos seriam aqueles legitimados pela Santa Sé: “Reconhecendo cabalmente esta comunhão de todo o Corpo Místico de Jesus Cristo, a Igreja terrestre, desde os primórdios da religião cristã, venerou com grande piedade a memória dos defuntos e, ‘porque é um pensamento santo e salutar rezar pelos defuntos para que sejam perdoados de seus pecados’ (2 Mac 12,46), também ofereceu sufrágios em favor deles. Os Apóstolos, porém, e os mártires de Cristo, que com a efusão de seu sangue deram o testemunho supremo de fé e caridade, a Igreja sempre acreditou estarem mais intimamente unidos conosco em Cristo, venerou-os juntamente com a Bem-aventurada Virgem Maria e os santos Anjos com especial afeto e implorou-lhes piedosamente o auxílio da intercessão. A estes acrescentaram-se logo outros que imitaram mais de perto a virgindade e a pobreza de Cristo; e, por fim, os demais que, pelo exercício notório das virtudes cristãs e pelos carismas divinos, se recomendavam à piedosa devoção e imitação dos fiéis” (LG, 50; Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, de 21 de novembro de 1964, 2000). Os ditos santos não-canônicos, por oposição, são aqueles “consagrados pela confiança popular (...) para que representassem diante de Deus as misérias e as esperanças anônimas (...) instituindo uma procuradoria permanente em suprema entrância celestial” (CASCUDO, 2001, p.424). Contudo, é possível encontrar numerosos casos no nordeste brasileiro em que a veneração de “personalidades carismáticas” conta com insuspeitável tolerância e boa-vontade por parte das Dioceses, sejam em igrejas, capelas, centros devocionais particulares ou mesmo em cemitérios. Dessa forma, a categoria dos “santos irregulares”, referenciada por Cascudo, continua vivamente presente e dispersa por todo Brasil, muitas vezes ganhando mais visibilidade que os santos canônicos – para os mais puristas, os únicos e verdadeiros Santos.

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por Luiz Sávio de Almeida, em cidades próximas da capital alagoana. Apesar de não indicar

com muito rigor as devoções correspondentes (uma omissão lastimável...), o catálogo pôde

agregar a esta lista as seguintes localidades: Maceió (Igreja de Bom Jesus dos Martírios, no

centro da cidade e Capela de Santa Amélia, no Alto da Santa Cruz, no então bairro de

Bebedouro, hoje Santa Amélia), Paripueira (Igreja de Santo Amaro, no então um vilarejo

pertencente ao município de Barra de Santo Antônio), Anadia (Cruzeiro Verde), Coruripe

(Cruzeiro), Usina Bititinga (Santa Cruz) e Flexeiras (Engenho Prazeres). Era uma

colaboração no mínimo curiosa, pois estes nunca foram centros votivos de apelo nacional,

dificilmente sendo citados mais além das divisas alagoanas. O lamentável fato da Missão de

1938 não ter passado pelo estado de Alagoas certamente nos privou de uma possível atenção a

estas manifestações.

A outra obra que mereceu destaque foi uma dissertação defendida no Mestrado em História da

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e depositada na sua biblioteca central, de

autoria de Marcílio Lins Reinaux: Aspectos artísticos e históricos da estatuária e dos ex-votos

do Nordeste (1988). O texto propõe a análise das condições de criação (e consumo) de objetos

escultóricos, como a estatuária sacra e os ex-votos, no Nordeste do Brasil. Apresenta,

contudo, altos e baixos, numa lógica confusa, cuja coesão textual é prejudicada especialmente

por conta da indefinição de um foco: a estatuária sacra e as artes votivas disputam o centro

dos argumentos, deixando uma impressão de superficialidade nos dois temas. Isto se agrava

pelo fato de que há, ao longo do texto, uma série de informações etnográficas pouco precisas,

muitas vezes não verificadas in loco49, além da ligação pouco sensível e sucessível entre os

capítulos. O autor não chega a lançar um olhar suficientemente amplo sobre a região Nordeste

(às vezes demasiado estereotipada na sua caracterização humana), conforme propõe no título

do trabalho, mas apresenta algumas novas pistas e confirma algumas das nossas evidências: o

legado da Missão, o culto em São João-PE (a Santa Quitéria das Freixeiras), em Paudalho (a

São Severino dos Ramos), em Juazeiro do Norte (a Padre Cícero), em Bom Jesus da Lapa-

BA. Contudo, sua grande contribuição foi a menção pioneira aos crescentes cultos em torno

do Frei Damião de Bozzano (quando este ainda estava vivo e cuja presença devocional não

tinha um locus definido, já estando esparsa por todo o Nordeste do Brasil) e ao Padre 49 O autor, por exemplo, cita as cidades de Sousa e Pombal (na Paraíba) como tendo sido fonte de coletas escultóricas por parte da Missão, o que não é confirmado (pp. 77 e 83); fala em “Senhor do Bonfim” (na Bahia, e distintamente da cidade de Salvador) sem esclarecer se a referência é à cidade do interior baiano ou à devoção histórica da capital (pp. 58 e 77); também se refere a São Francisco do Canidé [sic] como se fosse na Bahia (nunca foi), sem apontá-lo ao certo como o culto a São Francisco das Chagas de Canindé (no Ceará), ou à cidade de Canindé de São Francisco, no estado de Sergipe (p. 77).

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Zuzinha (morto em 1983, mas já de fervorosa devoção), na cidade de Santa Cruz do

Capibaribe-PE. O trabalho de Reinaux contribui também com um breve resgate histórico da

relação imagem-idolatria e com uma abordagem sobre os problemas da iconoclastia dentro do

Catolicismo, apresentando também alguns reveladores depoimentos de devotos e de artesãos,

abordando, por fim, de forma pioneira, o ato de colecionar (quando cita uma longa lista de

coleções e colecionadores) no contexto das artes votivas. O que falta em aprofundamento no

campo das relações teológicas (devocionais), sobra em análises da história e da sociologia da

arte popular nordestina, inclusive relacionando-a com aspectos da criação artística erudita (a

escultura helênica).

Ainda como fonte extraída das bibliotecas pernambucanas, destaco mais dois autores: o

primeiro, Alceu Maynard Araújo, trouxe nos textos “Ex-votos e ‘Promessas’” e “Milagres”

(ARAÚJO, 1967), a citação de mais duas localidades alagoanas com notável vigor de práticas

votivas: a Capela da Santa Cruz do Cigano, em Piaçabuçu e a Igreja de Nossa Senhora Mãe

dos Homens, na cidade de Feliz Deserto, ambas no litoral sul do estado. Além disso, elaborou

categorias classificativas bastante instigantes, que foram efetivamente testadas na nossa

observação. Por fim, outras duas colaborações de Maria Augusta Machado da Silva, que no

artigo “Ex-votos brasileiros” (SILVA, 1971) e no livro “Ex-votos e orantes no Brasil” (1981),

se não acrescentou novas localidades dentro da cartografia de referência50, apresentou dados

históricos e critérios classificatórios (e críticos) igualmente instigantes.

De posse destas referências51, que foram se associando a outras citações isoladas em

diferentes momentos da pesquisa (cada vez mais avolumando a base de dados e alterando sua

consistência e reconfigurando cada conclusão parcial), fundamentei a limitação do recorte

empírico e junto a isso fui definindo as estratégias teóricas e metodológicas a serem adotadas,

a escolha das técnicas e instrumentos e, principalmente, avaliando a eficácia das ferramentas

de registro e controle das informações colhidas em observações etnográficas.

2.3 As trilhas do campo

50 O primeiro trabalho (1971) é focado em igrejas do estado do Rio de Janeiro, o segundo (1981), constitui-se mais como um tratado de caráter museológico sobre o tema. 51 Algumas outras obras foram consultadas, ainda que agregando dados menos decisivos (CUNHA, 2003 [1902]; SANTOS, 2002; VELLOSO, 2000; LIMA, 1998;).

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Conforme já pontuei, a construção deste mapa preliminar de referências foi alimentada por

informações muitas vezes desencontradas, o que me consumiu muito tempo buscando

confirmações, e assim ampliando o espectro de variedades. Dessa forma, o que era para ser

uma listagem de dados visando uma breve planificação temática, foi se aprofundando

rizomaticamente e ganhando, com o passar dos meses, um caráter de inventário etnográfico,

que pelo teor comparativista, tornava-se cada vez mais exigente de uma dedicação exclusiva.

Além dos estudos que apontei em 2.2, fui agregando muitas outras citações isoladas de sítios

votivos por toda a região Nordeste do Brasil, no litoral e no interior. Boa parte daquelas

localidades jamais havia sido apreciada num contexto de pesquisa acadêmica – consideração

que ouvi repetidas vezes in loco, dos meus informantes. O controle dessas informações foi

paulatinamente organizado através de quadros sinóticos e da cotação geográfica dos pontos

em mapas da região, visando planejar um esquema de tráfego.

Desde meados do ano de 2001 iniciei as incursões ao campo52. No total percorri, só de

automóvel, algo em torno de 13.000km nestes últimos cinco anos. As localidades mais

próximas da cidade de Salvador foram visitadas em diversas oportunidades53. Às mais

distantes, as visitas se deram em missões um tanto quanto breves, respondendo a roteiros

longos, com acessos muitas vezes hostis (o estado de conservação das estradas nem sempre

foi bom, além da condição de isolamento e risco de segurança de muitos sítios) e grande

limitação de tempo e dinheiro, já que não dispus de auxílios financeiros na pesquisa, que

também não foi, por todo este período, uma atividade exclusiva. Mesmo assim, cada local foi

visitado cumprindo uma série de critérios de observação e documentação previamente

estruturados, o que tornou válida cada uma das oportunidades de aproximação empírica.

52 Movido pela meta inicial da pesquisa, estive no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas-MG em setembro de 1999 e abril de 2000, depois, em outras duas oportunidades: junho e setembro de 2001. Em janeiro de 2003 realizei, em caráter de missão fotográfica, uma viagem a países da região andina (Bolívia, Peru e Chile). Na oportunidade, me chamaram a atenção a volumosa presença de cruzes e capelinhas em beiras de estradas (especialmente na Bolívia) e a ausência de objetos votivos nos moldes que aqui observava. Em uma visita ao Santuário de “Nuestra Señora de Copacabana”, às margens do Lago Titikaka, observei uma grande e movimentada sala de velas, mas nem dentro do templo, nem nos seus arredores (bancas de venda de artigos religiosos) encontrei oblações similares às que estava estudando, não obstante o reconhecido vigor de sua tradição devocional e seu poder milagreiro. Contudo, tenho conhecimento de manifestações votivas como as nossas na Argentina (os casos da “Difunta Correia”, Juana Figueroa, Gilda e tantos outros) e no México, país famoso pela comercialização internacional de pinturas votivas dos séculos XIX e XX. 53 Os sítios localizados nos entornos do Recôncavo baiano e na cidade de São Cristóvão-SE, foram observados mais de uma vez por ano.

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A primeira dessas observações de longo alcance aconteceu em janeiro de 200454, ainda antes

da consolidação dos marcos empíricos deste trabalho. Não dispunha, naquela oportunidade,

de mais do que algumas notas superficiais a respeito das cidades visitadas pela Missão de

Pesquisas Folclóricas, uma vez que ainda não havia tido acesso às publicações oficiais do

CCSP. Além das cidades visitadas pelo grupo, em 1938, acrescentei ao plano de observação

alguns dos mais notórios centros de peregrinação da região Nordeste, não contemplados

naquela rota, a exemplo de Juazeiro do Norte-CE (Padre Cícero), Monte Santo-BA (Santa

Cruz) e São Cristóvão-SE (Senhor dos Passos). Durante pouco mais de uma semana,

percorremos de carro o interior dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba

e parte do Rio Grande do Norte e do Ceará55 (vide mapa deste roteiro no APÊNDICE C).

Aquela fôra a primeira grande incursão ao campo, e o foco sobre o objeto empírico (e

principalmente, o que fazer dele) ainda era muito pouco nítido. Em cada localidade visitada

procedi apenas à observação direta, com o preenchimento de caderno de campo e o registro

fotográfico e videográfico das localidades, gravando, em alguns momentos, depoimentos de

informantes (devotos, zeladores de templos, lideranças religiosas). Eventualmente, esboçava

croquis e recolhia alguns objetos etnográficos (amostras de peças votivas).

Um balanço desta primeira incursão pela região indica muitos pontos positivos, mas algumas

falhas de planejamento. Por não haver constituído um conhecimento mais profundo sobre o

trabalho da Missão, perdi a chance de efetuar observações mais incisivas e conseqüentemente

mais proveitosas no longo prazo. Por outro lado, o desconhecimento e a natural ausência de

uma crítica dirigida a estes elementos não me impediram de exercitar uma observação

etnográfica mais intuitiva e de certa forma mais livre de parte das prenoções. No fundo, o meu

maior objetivo naquela primeira viagem era conhecer melhor alguns centros votivos e as

práticas de devoção, além de perceber em que medida estas interferiam nas demais relações

sócio-culturais locais. Naquele momento não me perecia relevante estabelecer uma distinção

ou um juízo de valor entre as manifestações votivas originadas de cultos canônicos ou não-

canônicos. Desde o princípio sempre estive muito mais atento às expressões de fé como um

todo. O fato é que o produto daquela etapa inicial de trabalho foi esclarecedor de novas

54 Parti de Salvador-BA no dia 16 de janeiro, acompanhado por Laércio Vilas-Boas, estudante do curso de Produção Editorial e notável entusiasta da prática fotográfica. 55 Rota: Salvador (BA), São Cristóvão (SE), Garanhuns e Caruaru (PE), Campina Grande, Itabaiana, Alagoa Grande, Areia, Arara, Solânea, Patos, Pombal e Sousa (PB), Patu (RN), Juazeiro do Norte (CE), Monte Santo e Candeias (BA).

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46

problemáticas que fizeram crescer a estrutura conceitual desta pesquisa. Foi a primeira vez

que constatei de perto as relações não tão amistosas entre o Catolicismo e outras orientações

religiosas – cristãs ou não. Foi ali que também atentei, e definitivamente, para o fato de que o

Catolicismo não é uno. Suas expressões são várias e muitas vezes controversas. Ainda que de

forma difusa, foi possível traçar um panorama inicial da atualidade do fenômeno votivo

católico pelo sertão nordestino, matéria-prima para tudo o que viria a seguir.

O retorno aos livros e aos esquemas conceituais foi vigoroso. As perspectivas de diálogo e

novas conexões entre fenômeno e teoria, entre método e visão de mundo se enriqueceram

plenamente. Às vezes de forma arriscada, principalmente pela minha deveras inconveniente

predisposição a não descartar com facilidade as emergentes possibilidades explicativas dos

fatos votivos. Fui também procedendo a outras observações na cidade de Salvador e nos seus

entornos, verificando a efetividade das antigas documentações. A escrita da tese já se iniciava,

e ia ganhando um tom mais etnográfico, apesar da unidade do problema das trocas votivas

parecer cada vez mais conciso e ao mesmo tempo escorregadio, dada a sua natureza dinâmica

e invasiva de diversos campos da vida social e cultural.

Após o Exame de Qualificação e de ouvir muitas sugestões (santas sugestões!) da banca

examinadora, retomei as verificações em campo numa outra oportunidade. Desta vez nos

meses de julho e agosto de 2006. Diferente daquela viagem de dois anos antes, parti sozinho e

convicto da vocação empírica desta etapa do trabalho. Estava munido de um roteiro mais

amplo e mais bem definido, fruto da compilação das rotas apontadas na seção anterior, além

de ter objetivos e métodos mais claros e pontuais. Não se tratava mais de uma observação

curiosa e informal, como na primeira vez, mas da tentativa de ampliação do espectro amostral

e da simultânea tarefa de pôr à prova evidências que já se solidificavam dentro dos quadros

conceituais sob os quais eu pensava a existência do fato votivo.

Nesta segunda viagem, também de automóvel56 (vide mapa no APÊNDICE D), creio que

cheguei a termos muito mais satisfatórios. Além de cumprir plenamente a cobertura

geográfica inicialmente planejada, consegui rever o estado atual das fontes de referência que

56 Rota: Salvador (BA), São Cristóvão e Aracaju (SE), Maceió, Paripueira, Flexeiras e Murici (AL), São João, Garanhuns, Recife, Ipojuca e Paudalho (PE), João Pessoa, Itabaiana, Campina Grande, Lagoa Seca, Alagoa Nova, Arara, Solânea e Guarabira (PB), Natal, Angicos, Assu, Florânia, Carnaúba dos Dantas (RN), Patos (PB), Solidão, Arcoverde, Pesqueira, Poção e Tacaratu (PE), Paulo Afonso, Santa Brígida, Candeias, Itaparica e Salvador (BA).

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inspiraram este recorte, e a partir deste cruzamento pude chegar a conclusões mais

esclarecedoras, inclusive superando, aos poucos, a razão etnográfica por uma síntese

etnológica. Em cada localidade visitada procedi à observação direta, com o preenchimento

das seguintes fichas: i) Ficha de Sítio (com o objetivo de descrever o espaço e suas

peculiaridades), ii) Ficha de Classificação da Tipologia das Fontes (remetida à categorização

das bases expressivas), iii) Ficha de Classificação das Ocorrências (remetida à categorização

do que se relata como motivo de transação) e iv) Ficha de Artefato (que visava inventariar

algum exemplar votivo de caráter relevante, a integrar a Sinopse Estilográfica) (vide

APÊNDICE H). A estes procedimentos foram associados o uso de os recursos áudio-visuais

(tomadas fotográficas e videográficas, gravações de entrevistas com informantes, produção de

croquis), o preenchimento de cadernetas e diário de campo e novamente o eventual

recolhimento de objetos etnográficos (amostras de peças votivas). Assim, o foco desta

incursão esteve voltado para as sutilezas das formas de devoção, para a localização espacial e

a descrição da constituição dos lugares sagrados, para a demarcação das tipologias das

expressões votivas e para a classificação das ocorrências relatadas, tudo isso visando

responder a questionamentos específicos, como se verá a seguir.

No retorno, iniciei a tabulação do material, organizando as Fichas de Inventário de Sítio (FIS),

documento sintético, que utilizo no VOLUME II desta tese, correspondente a cada sítio

visitado, compilando o conteúdo de todas as fichas preenchidas. Junto a isso, avancei na

estruturação e escrita do texto, o que incluiu a escolha e formatação dos apêndices e anexos.

A terceira e a quarta visita aos sítios nordestinos (vide mapas no APÊNDICE E e no

APÊNDICE F) se deu ainda no final do ano de 2006, nos meses de outubro e dezembro, e nos

primeiros dias de janeiro de 2007. Desta vez, aproveitando-me de um período de recesso

docente e pleno na intenção de enriquecer ao máximo a base de dados, ampliando os pontos

visitados no mapa, dirigi a observação para sítios que foram preteridos ao longo da pesquisa,

fosse pela distância ou dificuldade de acesso, fosse pelo desencontro em visita anterior, além

de contemplar as referências de descoberta mais recente57. Utilizei os mesmos procedimentos

práticos, com breves aprimoramentos nas fichas de observação. Foi notável perceber como o

aumento da intimidade com a unidade da pesquisa torna as tarefas práticas de campo

57 Rota: Salvador, Milagres, Ibiqüera, Bom Jesus da Lapa e Ituaçu (BA), Penedo, Piaçabuçu, Feliz Deserto, Coruripe, Anadia e Maceió (AL), São Joaquim do Monte, Santa Cruz do Capibaribe e Paudalho (PE), Salvador (BA).

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aparentemente mais claras e refinadas, como o senso de totalidade passa a estar mais ativo do

que a ansiedade colecionadora. É também notável o risco que se passa a correr quando se

pensa que tudo pode repousar sobre relativo domínio.

Ao final desta última observação, de posse de um vasto corpus documental e de muitas

conclusões que só na montagem deste mosaico final foi possível aflorar, veio a missão de

formatar e integrar harmoniosamente os dados complementares. Esta, sem dúvida, é uma das

etapas mais trabalhosas. Contudo, consolida prazerosamente a tarefa de contar uma história. É

recompensador para qualquer pesquisador corresponder fenômenos e compreensão teórica,

tornar particularidades em generalizações, passear pelos signos da cultura e atar imagens e

conceitos. Colhi dados durante todo o trabalho, mas só nesta etapa final pude manipular com

mais segurança os ingredientes de preparo desta tese. No caldeirão de imagens fotográficas,

tomadas em vídeo, ex-votos empoeirados, centenas de fichas descritivas, sons das falas

hesitantes de informantes desconfiados e de tantas falas emocionadas – perfeitas dádivas –

coisas duras e frias entravam em ebulição e iam se diluindo num caldo fervilhante, se

homogeneizando e ganhando liga. Proporcionava, assim, uma ligação com a realidade social

dos fatos, com os anseios dos grupos, expressos nos seus códigos internos, com a dinâmica

dos sujeitos de fé, que também têm vontade própria, aqueles que fogem das vistas vez por

outra, rivalizando e forjando estruturas de poder, se ocultando em redes solidárias ou sob o

disfarce de um signo votivo.

Nunca foi fácil estabelecer uma noção suficientemente clara entre as instituições, as pessoas e

as coisas. Lembro que ao me encontrar “cientificamente” pela primeira vez com o tema dos

ex-votos, quase uma década atrás, não podia imaginar que o volume de informações e a

complexidade da rede de significados e influências envolvidos neste tema pudessem ser de tão

difícil controle. O caminhar até aqui foi muitas vezes rico em indefinições. Não foram poucas

as ocasiões em que um amontoado de fotografias e de objetos em apodrecimento em meio às

tantas salas de milagres parecia produzir um incessante ruído, confuso e insuportável. Na

solidão daquelas salas, estavam muitas vozes a ecoar clamores, outras a sussurrar histórias

cheias de dor, desejo e gratidão. Mesmo quando organizadas como se num museu, eram

espaços sempre ruidosamente tensos, despertando um sentimento de inquietude e certo pavor

aos olhos deste visitante. Que desordem! Salas (às vezes cruzeiros, às vezes túmulos) que se

mostravam como verdadeiros tratados escatológicos. Posso assegurar que o que encontramos

ao vislumbrar os ditos “ex-votos” é apenas a “ponta de um iceberg”, um saudável sinal difuso

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49

e nem sempre preciso não só de contos da vida e da morte, mas da essência moral das

sociedades que os cultivam. Signos votivos são instituições, pessoas e coisas. Julgá-los fora

desta tríade pode ser uma operação fadada ao equívoco!

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50

3. A PERSPECTIVA DO DOM NO CONTEXTO

ETNOLÓGICO: TAXONOMIAS DO FENÔMENO VOTIVO

CATÓLICO

Trata-se, no fundo, de misturas. Misturam-se as almas nas coisas, misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as vidas, e assim as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera e se misturam: o que é precisamente o contrato e a troca. Marcel Mauss, Ensaio sobre a dádiva [1925].

3.1 O sistema de prestações simbólicas e a circularidade do dom nas

relações votivas do catolicismo

Marcel Mauss apresentou no Ensaio sobre a dádiva – forma e razão da troca nas sociedades

arcaicas [1925] (MAUSS, 2003, pp. 183-314), um de seus mais repercutidos trabalhos, onde

expunha a elaboração de uma “teoria geral da obrigação”, desenvolvida a partir de sua

observação nas chamadas sociedades primitivas. Neste estudo, que compreendeu áreas da

Polinésia, Melanésia e Noroeste americano, Mauss argumentou sobre as condições que

fundam e estruturam o modelo de troca aplicáveis não apenas a aquelas comunidades, mas até

problematicamente eficientes em boa parte das relações de troca das sociedades

contemporâneas. Independente das mudanças nas formas de interação e nos fenômenos

sociais, aquele estatuto apontado por Mauss permanece como referência primária quando o

assunto é um sistema de relações prestativas. Como todo bom esquema geral, é capaz de

enquadrar o cerne de muitos casos particulares, inclusive o que estamos abordando nesta tese.

Ao se questionar sobre “qual é a regra de direito e de interesse que, nas sociedades de tipo

atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuído”

(MAUSS, 2003, p. 188) ou sobre qual força é essa que “existe na coisa dada que faz que o

donatário a retribua” (ib.), o autor apresenta a espinha dorsal do problema das relações de

trocas simbólicas. É de fato intrigante perceber o magnetismo que parece conduzir o fluxo de

posses que envolve parte considerável das relações de troca. Mauss pontua que os atos de

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51

presentear são apenas teoricamente voluntários, cercados que são de uma velada

obrigatoriedade de retribuição. A certa altura, apresenta um revelador argumento do

informante Tamati Ranaipiri ao este se referir à tradição maori: o de que as coisas dadas

contêm um espírito, o hau, uma força que orienta um bem dado (taonga) a retornar ao seu

doador, ainda que sob outra forma (MAUSS, 2003, p. 197-198). Este acaba por tornar-se um

código compartilhado não simplesmente no nível da individualidade, mas coletivamente. Daí

surge o que Mauss denomina de sistema de prestações totais, que consiste numa adesão

coletiva dos clãs aos acordos prestativos. Contrata-se por todos e por tudo que se possui,

mediante a figura emblemática do chefe. O potlatch é um exemplo deste regime de trocas

aparentemente desinteressado, mas carregado de expectativas. A manifestação do potlatch –

um sistema de prestações totais do tipo agonístico – contém, via de regra, os princípios da

rivalidade e do antagonismo, manifestáveis no enfrentamento entre chefes e na destruição de

riquezas suntuárias.

Uma figura considerável neste esquema do dar-receber-retribuir é a dinâmica da coisa

recebida. É este fato da coisa dada não ser inerte que traz ao doador uma ascendência sobre o

donatário: acaba por criar um estado de direito pela retribuição ao presente dado. Este dar

imputa uma obrigação de receber, e a conseqüente obrigação de retribuir.

A essência desta “teoria geral da obrigação” formulada por Marcel Mauss parece ter uma

correspondência aguda com as relações votivas verificadas no catolicismo do nordeste do

Brasil. Apesar de reconhecer a dificuldade de se expor um esquema abstrato relativamente

completo e eficaz que possa contemplar um sistema de trocas votivas, permita-me o leitor

retomar o prólogo desta tese: o percurso da promessa e seu pagamento descrito no ex-voto

ofertado ao Senhor do Bonfim (vide ANEXO A). O que temos naquele objeto votivo é uma

forma de síntese da teoria geral maussiana. Um indivíduo imputa um Outro, não

necessariamente um Santo – no sentido oficial dos cânones católicos – como o Senhor do

Bonfim, mas mesmo um ente comum tornado extra-ordinário58), com um pacto, formalizado

ou não, e do qual espera uma “retribuição”, uma graça a si ofertada. A consecução deste

anseio, a obtenção do seu dom, investe de ascendência aquele que o outorga, implicando em

uma necessidade de retribuição, cuja emergência consolidaria o ciclo votivo. Talvez este 58 Não pretendo submeter o uso que farei dos termos ordinário e extra-ordinário à noção sistemática de excepcionalidade construída por Émile Durkheim (1996). Mesmo reconhecendo que pode haver uma correspondência em situações específicas, faço uso destas expressões dentro da exclusiva demanda deste trabalho.

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resumido caso possa, ainda que parcialmente, sintetizar em linhas muito gerais, os atos de dar,

receber e retribuir sobre os quais escrevo. Falo de parcialidade porque variantes no nosso

sistema são comuns, o que comprova sua flexibilidade. Além disso, não estou certo de que as

relações votivas existam exclusivamente motivadas pela perspectiva da obtenção do dom.

Voltarei a esses pontos em instantes.

Numa região como o Nordeste do Brasil, com a predominância histórica de sociedades de

base rural, a tradição católica ainda exerce uma forte influência no modo de viver e de pensar.

Não obstante o irreversível processo de transformação sócio-cultural, certas instituições como

a Igreja ainda têm um peso muito grande na formação dos valores. Certamente menos do que

num passado não muito distante, mas a religiosidade católica (nas suas mais variadas

expressões) ainda se apresenta como um sistema moral muito influente. Talvez por isso, o

hábito de consagrar promessas ainda esteja em pleno vigor, disseminado por populações de

toda a região. O homem nordestino nasce e cresce cercado por estas práticas, que não parecem

ter grandes dificuldades em se perpetuar. As condições climáticas e geográficas e a

desigualdade econômica, por outro lado, trazem à população do interior nordestino outras

lutas particulares. Euclides da Cunha imortalizou a expressão de que “o sertanejo é, antes de

tudo, um forte” (CUNHA, 2003, p. 115). Forte porque esperançoso? A esperança em dias

melhores, no milagre da chuva, no milagre da multiplicação. Sempre se espera por um

milagre. No litoral, onde se localizam as maiores cidades da região, o êxodo rural e a falta de

planejamento e de políticas sociais ajustadas criam um cenário onde o pleno desenvolvimento

humano parece um sonho distante, cada vez mais massacrado pela concentração de renda,

recursos e privilégios. Só um milagre! Uma dádiva divina. Pois o tempo milagroso prometido

pelo homem tarda a chegar. E o indivíduo que é crente vai construindo, intuitivamente, seus

milagres, suas possibilidades de salvação, cujas dádivas são obra de um divino instado,

propiciado, nascido relacionalmente. O que não significa, contrastivamente, que esta teia de

relações seja conseqüência da formulação consciente (por parte destes indivíduos de fé) de um

esquema fenomênico votivo, de caráter utilitário. “Fazer o divino” implica, simplesmente, em

se estabelecer uma associação de reverência e respeito, em localizar, no próprio universo

imaginário (que é particular e é também construído socialmente), este Outro (ou Outros)

capaz de tornar a adversidade em esperança. Mas isto já não depende unicamente das

orientações e do crivo das instituições religiosas oficiais, da Igreja Universal, muito embora

nela estejam os palcos onde se encenam boa parte dos dramas devocionais. E é assim que se

troca, que se instala, nas diversas comunidades espalhadas por toda região, no litoral ou no

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sertão, nas vilas ou nas metrópoles, os vínculos de fé, os laços votivos, num modelo funcional

que sempre combina o sujeito social e o sistema de valores que o cerca.

As razões que movem este homem de fé a consagrar uma promessa são variadas. A

observação dos diversos sítios votivos que visitei pelo nordeste oriental do Brasil me leva a

crer que os pactos são firmados não apenas clamando pelas necessidades de garantia da

sobrevivência, pela recuperação da saúde ou pela extinção da dor física ou da dor que se sente

com o coração, como os relatos mais antigos podem fazer sugerir. Hoje em dia, além destas

mesmas buscas, o indivíduo projeta suas conquistas pessoais, seus anseios de prosperidade

(especialmente dentro do grupo), a efetivação da sua liberdade, a sua distinção. O medo e a

dúvida ainda surgem como importantes motivadores práticos, mas não são mais os exclusivos.

A fuga da morte parece ser buscada não apenas pelo instinto individual de preservação da

vida, mas, sobretudo, pela defesa da sobrevida do indivíduo no grupo.

Assim, uma relação votiva não surge do vazio. Ela é estabelecida quando se espera uma

intervenção sobre algo que está muito além das possibilidades de realização daquele que

perece. Ao contrário do que afirmou Alceu Maynard Araújo (1967, p. 18), a promessa não é

uma “fórmula mágica”. Ela está mais para um “contrato” a reger a cessão de uma dádiva, um

voto de fé e confiança. A expressão deste “fazer uma promessa” é determinada de acordo com

o íntimo de cada indivíduo crente. Pode ser um compromisso público, ou não participado

coletivamente. Pode ganhar forma concreta, ou apenas repousar como idéia. Pode surgir como

palavra, ou existir sob o mais profundo silêncio. Talvez por esta característica, não seja tão

simples o controle etnográfico das categorias do “dar” votivo. A promessa é a desencadeadora

do ciclo, mas isto não quer dizer que esta seja a única forma deste ciclo ser aberto. Muitas

vezes a graça pode surgir mesmo antes do pedido, surpreendo aquele que a recebe. E quando

este a recebe torna-se devedor, passa a ser donatário de um dom que deve ser retribuído. Isso

prova que a dádiva votiva impõe uma ascendência, sua emergência pode constranger por seu

inevitável vínculo prestativo.

Malinowski (1978, p. 82-83), ao estudar o kula, apresenta uma categorização dos presentes,

segundo sua função dentro do ciclo prestativo. Inspirado nesta sutiliza, creio ser possível

estabelecer, além daquela provisória função de voto, graça e ex-voto, outras formas

intermediárias de ofertas votivas.

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Sobre este propósito são escassos os trabalhos que se aprofundaram. Tive conhecimento

apenas da tentativa pouco precisa de Alceu Maynard Araújo (1967), que destacou quatro

categorias intermediárias entre as “promessas” e os “milagres”: os ex-votos protetivos (que

visam uma proteção ao ofertante, seja de uma doença, de um perigo ou de tudo que seja uma

ameaça); os ex-votos produtivos (ofertas visando angariar óbolos para festejos religiosos

específicos); os ex-votos preventivos (premunitórios, são ofertas que antecedem o ex-voto de

desobriga) e os ex-votos sacrificiais ou imateriais sacrificiais (ofertas que envolvem a

imolação de animais ou sacrifícios pessoais). Esta classificação não me satisfez plenamente,

tendo sido apenas parcialmente operacional e digna de pequenos ajustes visando o aumento da

sua funcionalidade. Levando-a em conta, e deixando claro o caráter analítico proposto,

permito-me expor uma outra ordem, segundo a qual conduzirei o raciocínio deste trabalho:

i) Voto: oferta ou gesto que formaliza o compromisso, a “oferta de solicitação” ou o

“dom de abertura”, conforme sugeriu Malinowski (1978). A “promessa”, em linguagem

popular (SE14 e SE15);

ii) Apelo protetivo: oferta ou gesto que solicita uma proteção. É comumente chamado

de “presente” ou “lembrança”. Não tem o mesmo valor contratual do voto ou do ex-voto, pois

não implica na consagração de uma promessa e sua conseqüente retribuição. Expressa

simplesmente uma sensibilidade devocional, por exemplo, a deposição de fotografias em

3x4cm59 (SE16) ou de fitinhas e medidas (SE17); manuscrituras solicitando paz espiritual,

abstinência de vícios ou boa sorte (SE18 a SE21); pedras que representam orações em cruzes

e capelinhas (SE22 e SE23);

iii) Voto de renovação: oferta ou gesto intermediário, que renova o voto e assim o

compromisso prestativo, por exemplo, visitas periódicas (individuais ou em grupo) a eventos

ou aos centros votivos onde se estabelece o vínculo (SE24), com a realização de preces

(SE25);

59 Muitos devotos já me declararam que o motivo de terem depositado suas fotografias em 3x4cm é poderem ser identificados em seus apelos. A possibilidade de personalização proporcionada pela fotografia, em contraste com um suposto anonimato ensejado pelas peças escultóricas tridimensionais, será objeto de discussão na seção 3.3.

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iv) Graça/mercê/prodígio/portento: é a mais esperada expressão do contra-dom.

Resultante da suposta intervenção do outro (ente extra-ordinário) que proporciona a

realização ou atendimento daquilo que se enseja; o próprio êxito solicitado;

v) Ex-voto preventivo: oferta ou gesto intermediário que antecede o ex-voto de

desobriga, oferecido após o agraciamento, por exemplo, a oferta de miniatura de uma

construção, quando sua realização final não é imediata ou é remota (SE26 e SE27);

vi) Ex-voto penitencial: gesto de desobriga cuja função é promover uma reparação no

estado moral do crente através do cumprimento de penalizações ou sacrifícios pessoais60. Em

profundidade, trata-se mais do que um gesto de desobriga (podendo inclusive ser

acompanhado de uma oblação), que pode ensejar um ritual pela retribuição do dom, que tem

como objetivo fazer reforçar no crente uma sensibilidade religiosa (SE28 a SE30). Voltarei a

considerar outras particularidades desta categoria na seção 3.2;

vii) Ex-voto propriamente dito: oferta ou gesto de desobriga, do fechamento do ciclo

contratual. O “milagre”, em linguagem popular, é aquele voto inicial que retorna ao Outro,

que circula e cumpre o ciclo da dádiva (SE31 a SE38). Segundo o raciocínio maussiano, a

oferta derradeira de um ex-voto seria motivada pelo hau, princípio que sacramenta o caráter

dinâmico do dom61.

60 Este é um assunto muito delicado quando se fala em retribuições votivas. Conforme elaboraram Hubert & Mauss (2005, p. 151) “o sacrifício é um ato religioso que, pela consagração de uma vítima, modifica o estado moral da pessoa que o realiza ou de certos objetos pelos quais se interessa”. Eles ainda consideraram como “sacrifícios pessoais” aqueles em que a personalidade do sacrificante é diretamente afetada pelo sacrifício. Neste nosso caso, do sacrifício pessoal, o sacrificante “é a origem e o fim do rito, o ato começa e acaba com ele” (ibid., p. 196), não envolvendo necessariamente a presença de “vítimas expiatórias”. A despeito da classificação de Araújo (1976, p. 29), preferi diferenciar e afastar bastante esta categoria do “ex-voto penitencial” da do “ex-voto sacrificial” ou “imaterial sacrificial” que ele apresenta. Em primeiro lugar, porque proponho ser esta uma classificação segundo a função sintática do ex-voto no ciclo votivo, não importando muito o índice de tangibilidade do dom; em segundo, por não associar às práticas votivas católicas (pelo menos até onde me foi possível observar) a imolação de seres vivos. O próprio Araújo limita estas práticas “no candomblé e no Toré” (ibid). Por fim, ainda que pudéssemos considerar esta prática sacrificial expiatória, ela não se encontra exatamente dentro dos limites da auto-penitência e do “sacrifício pessoal” a que estou me referindo. 61 Essa noção dinâmica do hau pareceu-me esclarecedora em alguns casos votivos: supondo que a doença retira algo de um indivíduo (sua saúde, energia vital ou integridade física), os artifícios votivos de que lança mão, as ofertas dadas no pacto votivo, visam a restituição do seu hau. Note o leitor que licencio subversivamente a noção de hau não como uma força emergente de uma relação a partir de algo dado, e que precisa voltar, mas de algo retirado, e que precisa ser restituído. “No fundo, é o hau que quer voltar ao lugar de seu nascimento, ao santuário da floresta e do clã e ao proprietário” (MAUSS, 2003, p. 199). O corpo doente funciona como um santuário que foi violado e que espera de volta aquilo que lhe foi subtraído. Então o indivíduo apela para um terceiro, um Outro tornado extra-ordinário, ofertando-lhe aquilo que lhe falta – talvez dentro daquela mesma “lei de similaridade” exposta por Frazer (1982) – o que poderá fazer, através da circulação do seu taonga, o retorno do

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É evidente que as categorias analíticas que apresentei contemplam exclusivamente uma

estação na condição crônica entre a expressão da promessa e seu pagamento. Certamente não

são reconhecidas pelos devotos dentro dessa mesma lógica, nem deve respeitar essa

hierarquia. O fato é que o dom não é inerte na sua função sintática, tampouco nas suas formas

analíticas. Outras bases classificatórias concomitantes a estas serão expostas nas próximas

seções.

Ao contrário dos casos observados por Mauss, creio não ser possível afirmar que, a rigor, se

implica neste nosso caso um “estado de direito”, ainda que tratemos de um “contrato” e que

quando se fale em promessa, a remissão ao seu pagamento seja imediata. Temos aqui um

problema relacionado às sanções da retribuição. Na ausência de um “estatuto” que delibere

sobre um princípio de equivalência, cabe a este sujeito de fé – o consagrador da promessa e

proponente do vínculo – no íntimo do seu contexto pessoal, estipular uma medida

compensatória. Não há, neste contrato, nenhum tipo de sanção formal ao não cumprimento do

compromisso, para ambas as partes. A promessa não agraciada talvez implique na insistência

do pedido ou na sua desistência, ao menos por esta via. À promessa não cumprida não há

outra forma de constrangimento além da vigilância da consciência individual ou dos outros

membros do grupo, a depender do conhecimento que possam ter do pacto. Em O pagador de

promessas, Dias Gomes expõe uma fala do personagem Zé-do-Burro, que talvez dimensione,

ainda que ilustrativamente, este senso de comprometimento do sujeito com o pacto firmado:

Não, nesse negócio de milagres é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: – Ah, você é o Zé-do-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo (GOMES, 2004, p. 14).

É certo dizer que a sanção se estabelece dentro dos limites da honra. Creio que se é possível

pensar as trocas votivas nos termos de uma “teoria geral da obrigação”, as questões relativas à

sanção podem vir a ocupar um outro lugar esquemático, talvez mais adentro do “sistema de

prestações totais” que integra do que no âmbito do trato intersubjetivo indivíduo-Outro, até

porque não se trata de pessoas gozando das mesmas condições ontológicas. Contudo, talvez

este mesmo homem de fé possa intuir quando a sua oferta agrada, quando se “aferrolha” o seu hau. E esta pode ser a essência motriz de toda e qualquer oferta votiva: o anseio pelo complemento de um vazio.

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acordo. O navegador Amyr Klink já expôs um testemunho um pouco afastado do nosso caso,

pela ausência de referências católicas, mas com a mesma eficácia decisiva do ciclo:

Pendurado na alavanca interna da bomba de água, junto à minha cama, balançava um pedaço de carne de órix defumada, presente do Günther e que eu guardava para comer em alguma ocasião especial. Olhei para a carne e achei, não sei por que razão, que deveria devolvê-la ao mar. Joguei-a na água, como se fosse uma oferenda devolvida. E, a partir desse instante, o mar acalmou-se e o tempo melhorou. Superstições à parte, tenho certeza de que a carne de órix foi bem recebida (KLINK, 1995, p. 87).

O ensaio de Marcel Mauss também fala a respeito do princípio do antagonismo e da

rivalidade entre as tribos, onde a usura e a destruição de riquezas suntuárias são sinais de

distinção. Dentro daquele mesmo campo intersubjetivo a que me referi mais acima, este é um

princípio que se expressa de formas muitos sutis nas relações votivas do catolicismo. Ainda

que não haja uma circunstância explícita de emulação entre os homens de fé, ou mesmo na

relação indivíduo-Outro, há demonstrações que se aproximam da noção deste princípio de

antagonismo e rivalidade. No lugar da “destruição das riquezas suntuárias”, ofertas e

construções: uma “produção de relíquias suntuárias”. Isso explica a existência de memoriais,

santuários e igrejas cobertos de requinte e luxo, muitas vezes encravados num mar de

pobreza. É a suntuosidade que se doa, mas que não se destrói. Que se desapega. Talvez este

seja o termo que, reversamente, mais se aproxima daquele sentido perdulário dos potlatch:

desapego. A destruição simbólica desta riqueza também se expressa na forma de um sacrifício

pessoal. Se com a destruição o índio do Noroeste americano se eleva, com a privação este

nosso homem de fé se eleva também. Que não se confunda esta associação ao sacrifício

pessoal como uma forma de auto-destruição, não é o que penso. Creio ser, mormente, uma

forma de retribuição por meio de provações. No lugar da riqueza destruída, o sacrifício

pessoal empregado: quanto maior a provação (ou privação), mais se reveste moralmente o

gesto votivo. O desapego de hábitos e de coisas é uma forma de por em cheque o valor do que

é da dimensão material, daquilo que se opõe ao mundo espiritual. E esta torna-se não apenas

uma ação de desprendimento, mas de libertação e de reverência62! Isto pode acarretar no

62 Em certa sessão acadêmica, o professor Evergton Sales (UFBA/PPGH) levantou dúvidas sobre a conduta de evangélicos convertidos do Catolicismo ou dos Cultos Afro-brasileiros, que com freqüência depositavam suas antigas imagens de santos em salas votivas de toda região Nordeste: que iconoclastia era aquela que não destruía as imagens? Seria isso um sinal da possibilidade de retorno ao seio católico? Talvez sim, talvez não. É possível que a noção de destruição simplesmente não lhes caiba. Ou que soe como um gesto ofensivo, uma emulação inconveniente e arriscada com o antigo “deus”. É possível que, mesmo convertidos, guardem o sentido da doação de “riquezas”. E talvez, sim – por percebê-las como riquezas e assim preservá-las, inclusive com a própria privação pessoal do objeto – demonstrem que os laços não foram definitivamente cortados.

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sujeito um aumento na experiência de religiosidade e uma distinção social. Não duvido que as

origens deste ato possam estar também ancoradas na herança da penitência cristã.

Creio que esta seja uma fórmula mais ou menos coerente de se associar a noção de sacrifício

ao ciclo do dom votivo, dois domínios que têm um convívio bastante complexo. Como já

afirmaram Hubert & Mauss, nem sempre é possível “distinguir o sacrifício destes fatos mal

definidos aos quais convém o nome de oferendas” (2005, p. 149). E completam:

Com efeito, não há oferenda onde o objeto consagrado não se interponha igualmente entre o deus e o ofertante e onde este último não seja afetado pela consagração. Mas se todo o sacrifício é, com efeito, uma oblação, há oblações de espécies diferentes. Às vezes, o objeto consagrado é simplesmente apresentado como um ex-voto; a consagração pode destiná-lo ao serviço do deus, mas ela não altera sua natureza pelo simples fato de fazê-lo passar para o domínio religioso: as das primícias que eram somente levadas ao templo aí permaneciam intactas e pertenciam aos sacerdotes (ibid.).

Após o que argumentei acima, não tenho dúvida de que a natureza do crente se modifique nas

suas práticas penitenciais, ao contrário da natureza dos objetos ofertados. Isso nos faz concluir

que o “sacrifício” ao qual nos referimos, aquele que se verifica nas relações votivas católicas,

não é o mesmo sacrifício ao qual normalmente remete a literatura clássica da Antropologia.

Parece óbvia a figura do interesse impulsionando o sujeito nas trocas votivas. Contudo, é

crescente a minha convicção de que este não é o único propósito envolvido nessa trama. Não

se trata de minimizar o fato de que as relações não sejam necessariamente livres e gratuitas,

conforme apregoou Mauss. Ele próprio revelou outra chave que pode nos servir de forma

muito mais vigorosa: a comunhão. Dar é comungar! Neste nosso caso não há apenas interesse

na cura ou na conquista, há um convite abrangente e contagiante ao compartilhamento, à

comunhão, à compaixão. Há uma interação de subjetividades, entre pessoas. Entre pessoa

ordinária e pessoa extra-ordinária. Entre pessoa individual e pessoa moral. Os indivíduos de

um mesmo grupo se comunicam entre si via metáforas. Confessam publicamente suas dores e

anseios. Comungam uma experiência de esperança. Uma “sala dos milagres” é efetivamente

uma sala de integração social, um espaço de solidariedade mútua e anônima. Por isso, este ato

de fé (a oferta votiva) não é necessariamente utilitário, mas é, em grande medida, societário.

Se o suicídio é um gesto pessoal deliberado de desistência da vida em grupo, a promessa é um

gesto pessoal deliberado que clama a permanência, a integração e a pertinência ao grupo. É

uma atitude radical pela conservação da vida.

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A noção de reciprocidade maussiana destaca a circulação, a circulação de algo com valor

agregado. Nas trocas votivas não se agrega apenas a satisfação e a obtenção de bens, mas se

agregam pessoas, que desenvolvem outras relações e outros sistemas de valores. Não há

apenas uma circulação do agregável, mas uma circulação agregante.

3.2 Um Sistema de Prestações Totais: os perfis interacionais instados pela

dádiva votiva e sua institucionalização no grupo social

Na seção anterior apresentei o que posso considerar a primeira instância da constituição moral

do sistema votivo: o estabelecimento do vínculo entre indivíduo-Outro. O esquema

devocional conforme apresentamos é um tipo de representação coletiva que engendra um

sistema de prestações totais que vai muito além desta primeira posição. Pela sua natureza

solidária, só pode existir em grupos onde estejam estabelecidos códigos de valores

compartilhados. A instituição da pessoa moral – aqui entendido como o agente representativo

desencadeador dos vínculos solidários – pode assumir dimensões variadas, com funções

bastante distintas, chegando, em alguns, casos a propiciar uma complexa rede de influências

sociais. Na primeira instância referida, o sujeito extra-ordinário, para o qual se projetam as

práticas devocionais, assume um papel relacional moralizante, por constranger em diferentes

medidas o sujeito ordinário que com ele transaciona, afetando seu comportamento,

inicialmente no âmbito individual, podendo vir a provocar influências no grupo. Parece ficar

claro que há uma relação de influências mútuas, provocada pelo estabelecimento de uma

autoridade moral (o sujeito extra-ordinário) instada por um sujeito ordinário. Não se pode

falar em uma “adesão solidária” desta autoridade moral, já que se trata de uma outra

qualidade de “pessoa”, mas seu referente funciona, em termos efetivos, como pessoa “viva”,

cuja presença simbólica é capaz de mover aquele que o institui.

Com certa urgência, gostaria de estabelecer uma distinção entre as dimensões que o papel de

pessoa moral pode assumir no quadro referencial das relações votivas. Ao se criar o vínculo

fundamental no sistema de dons – a simbiose indivíduo-Outro – tem-se um elo entre pessoa

ordinária e pessoa extra-ordinária: dois status que existem numa lógica dialética. Tomaremos,

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nesta tese, apenas a perspectiva da pessoa ordinária – do sujeito social, este que estamos

chamando de indivíduo. Observando os dois loci estabelecidos na relação votiva, pode-se

constatar a origem de uma série de constrangimentos que envolvem o sujeito social em ações

solidárias, em torno das quais o instituto da dádiva faz emergir suas instituições.

Dando seqüência à análise fenomênica do sistema votivo, focarei agora as outras dimensões

pelas quais se institui a pessoa moral. Creio que a segunda instância deste efeito solidário

esteja circunscrita não muito distante da primeira. Ela nasce da presença de um terceiro ente

no vínculo indivíduo-Outro. Conforme já citei em oportunidade anterior, nem sempre o

compromisso do pagamento da promessa é atribuído a quem a consagra. Outrem pode herdar

um compromisso, com todos os ônus previamente “contratados”. Isso só acontece,

evidentemente, porque um membro do grupo funcionou como agente desencadeador, como

pessoa moral que passou a responder não pela sua condição de individualidade, mas como

representante de sua categoria social (família, classe profissional, igreja, etc.). Essa

transmissão da obrigação da promessa não garante seu efetivo pagamento, dado pela adesão

do atribuído (que assim corroboraria para a preservação das práticas devocionais), nem a

conseqüente preservação dos valores de coesão social, mas é um passo decisivo para a

propagação do vínculo de fé, através do reforço nos laços de dependência interpessoal. É,

efetivamente, algo que se dá num plano intersubjetivo.

Nesta mesma dimensão intersubjetiva também se pode verificar a manifestação de outras

formas de sociabilidade, como os ritos sociais. É sabido que às praticas rituais se atribui a

qualidade de recriar a identidade do grupo, de renovar seu senso de solidariedade e sua

autoconsciência, além do compromisso com seus próprios símbolos. E como também

sabemos, são muitos os ritos que envolvem a experiência devocional, não cabendo nesta tese

uma abordagem mais ampla e detalhada de suas variantes. Apenas irei me referir,

pontualmente, a algumas das práticas rituais que estejam mais implicadas com as redes de

compromisso social instadas nos fatos votivos.

Gostaria de fazer algumas ilações ao nosso objeto empírico a partir da noção de rito de

passagem. Conforme expus em 3.1, o pagamento de uma promessa é, via de regra, o ato que

“aferrolha” o vínculo votivo. Ainda que só em termos abstratos e não-absolutos possamos

tecer o raciocínio que se segue, o que temos na emergência da categoria “retribuição” – na

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61

perspectiva do pagamento da promessa – é a manifestação das três fases típicas de um rito de

passagem descritas por Van Gennep e mais sistematizadas por Victor Turner (1974).

Na chamada fase da separação, o comportamento simbólico que significa o afastamento do

indivíduo de um estado anterior pode se verificar de diferentes formas. Tentar listar o imenso

leque de possibilidades de representação desta separação neste nosso caso seria, no mínimo,

temerário. Contudo, o que me parece essencial é a possibilidade de generalizar que os

critérios desta separação são ensejados pelo próprio sujeito, implicando ou não em

interdições e/ou obrigações, deslocamento geográfico ou simplesmente numa condição de

reclusão.

Sobre a segunda fase, a liminaridade, caracterizada pela ambigüidade das características do

sujeito ritual, creio ser possível alinhar algumas circunstâncias mais específicas. O ato

penitencial individual, no seu sentido literal (dado, por exemplo, no cumprimento de

penalizações ou sacrifícios pessoais), retira o sujeito votivo de sua condição ordinária, de sua

segurança ontológica do espaço e do tempo, sendo capaz de lhe proporcionar uma profunda

experiência de deslocamento da realidade em que vive, muitas vezes, inclusive, aguçando sua

sensibilidade religiosa. Os fenômenos liminares propriamente ditos envolvem o cumprimento

de obrigações prescritas, item ausente nas práticas votivas do catolicismo. Por este caráter

não-obrigatório, é mais adequado referi-los como liminóides ou quase-liminares, o que

também contempla a experiência do sujeito de fé nas peregrinações e romarias, formas de

interação não-estruturadas que correspondem às communitas. Turner sugere que a

liminaridade implica numa revisão das posições estruturais de uma sociedade, a partir do

momento em que, quando em communitas, os papéis sociais perdem seu valor hierárquico,

homogeneizando os sujeitos dentro de outra lógica valorativa. Assim, os rituais que o ensejam

podem gerar espaços de igualdade, onde os papéis sociais fixos podem ser transcendidos63.

Na terceira fase, a agregação, consuma-se o ritual de passagem. No caso votivo, na ausência

de normas que reestruturem o sujeito ritual no grupo, a agregação não implica

necessariamente numa mudança de status, mas na agregação de valor moral a este sujeito,

63 “O ritual permite que um grupo e seus indivíduos desempenhem e vivenciem papéis que compensam ou complementam o status social de rotina, não apenas no sentido de comportamentos idealizados, mas no sentido de momentos de licenciosidade e atividades antiestruturais” (PADEN, 2001, p. 72).

Page 62: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

62

pretensamente “purificado”, dentro da sua comunidade. Pode investi-lo de prestígio ou

distinção.

Considerando apenas a dimensão conceitual da concreção do vínculo votivo como um rito de

passagem (notadamente na categoria dos “ex-votos penitenciais”) e recobrando todo o seu

percurso fenomênico, podemos concluir que o contexto da prescrição “moralizante” parece ter

ficado limitado – do mesmo modo como o já citado princípio de equivalência da

reciprocidade do dom – ao arbítrio e ao bom senso do sujeito ritual implicado. Os ritos podem

ser compartilhados, mas parecem poucas as estruturas normativas que impõem algum tipo de

conformidade às práticas deste sujeito, ao menos sob o aspecto comparativo com outros casos

mais ilustres de ritos de passagem dentro da literatura antropológica. Entretanto, há uma

condição que desempenha o mais decisivo dos papéis estruturantes no sistema devocional em

questão. Pierre Sanchis já afirmara que os ritos, de uma forma geral, são condições

excepcionais da “irrupção” do sagrado (SANCHIS, 2003, p.45). E é esta noção de sagrado64,

apesar de muito relativa no caso das relações votivas, quem institui as pessoas morais e quem

institucionaliza as crenças. Sustento que é justamente a noção de sagrado o mais eficaz

elemento estruturante do nosso sistema. Vejamos por quê.

A terceira instância da instituição de pessoas morais é justamente aquela que envolve a

transformação de pessoas ordinárias em pessoas extra-ordinárias, com esta projeção envolvida

num contexto de sacralidade. Trata-se de um assunto complexo e de extensão aparentemente

apavorante, mas tentarei ser objetivo.

O instituto da pessoa moral é elemento integrante de qualquer grupo que se possa considerar

como social. Ao nos referirmos às práticas votivas próprias ou derivadas do Catolicismo no

Brasil, não ignoramos, seguramente, os sistemas religiosos autóctones, que construíram suas

experiências solidárias muito antes da chegada do colonizador português. Ao se tratar da

atualidade do panorama das práticas devocionais católicas exclusivamente no nordeste

oriental do Brasil, ainda se pode perceber a presença, um tanto quanto aculturada e já sem

tanta vitalidade, dos sistemas pré-cabralinos. Não me aterei a eles nesta oportunidade.

64 Tratarei o assunto da sacralidade sob o termo “noção de sagrado”, já deixando subentendido que esta é uma categoria construída de formas diferentes em diferentes estratos do sistema votivo.

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63

Ao longo dos últimos seis anos, após a tarefa nunca satisfatoriamente cumprida de gerar o

mapeamento e uma base de dados sobre o fenômeno votivo nesta região do Brasil, pude

observar interessantes experiências de construção do sagrado, principalmente como fato

moral. Há de se considerar a influência portuguesa, que como já expus em 2.1, trouxe um

sistema religioso estruturado, pronto para tornar-se um projeto civilizatório. A Igreja Católica,

contudo, nunca teve facilidade em garantir a plena adesão coletiva de seus dogmas: uma

inevitável “interpretação popular” sempre foi assunto cioso pela Grande Igreja. No prefácio

de reedição de uma famosa obra de Thales de Azevedo, Eduardo Hoornaert (2002) já dizia:

Se é verdade que o povo brasileiro, exceto um pequeno círculo de fiéis, não liga muito para as coisas da igreja e mesmo assim se considera católico no sentido pleno, isso não se deve a alguma negatividade, mas deve ser encarado de forma positiva. Corresponde à vida vivida, é verdadeiro e por conseguinte deve ser respeitado e positivamente avaliado. Na sua imensa maioria, a população brasileira é católica “sem Igreja”, escapa à Igreja. De forma lapidar: muito santo pouco sacramento, muita reza pouca missa, muita devoção pouco pecado, muita capela pouca igreja. Um catolicismo antes epicurista que estóico, antes “dionisíaco”’ que “apolíneo” (HOORNAERT in AZEVEDO, 2002, p. 13).

Uma declaração que afirma, ao contrário do que se pode crer num primeiro instante, que estas

não chegam a ser, exatamente, forças antagônicas; antes são complementares. A versão da

cristandade que aportou no Brasil trouxe um modelo devocional já experimentado e

autorizado, baseado na veneração de santos, que desde os primeiros tempos ganharam um

lugar simbólico na ordem cultural que aqui se conformou65. Aos ritos religiosos, a Igreja

agregava agudamente o tributo de estabelecer os limites entre o que era comum e o que se

desejava sagrado. Todos sabem que os santos um dia foram pessoas comuns, depois

transformadas em pessoas incomuns, que “pelo exercício notório das virtudes cristãs e pelos

carismas divinos, se recomendavam à piedosa devoção e imitação dos fiéis”66. Era (e ainda é)

a Santa Sé a entidade definidora de quem seriam as pessoas ordinárias a serem transformadas

em pessoas extra-ordinárias, como prefiro as atribuir neste estudo. “Piedosa devoção e

imitação dos fiéis”: nesta recomendação oficial, extraída da Constituição Dogmática LG

(2000), aprovada em 1964, a Igreja reafirma que conta com a efetividade do sentimento de

solidariedade para a ampliação e conversão do seu rebanho. Ao acreditar no poder de 65 Na mesma obra a que me referi, Thales de Azevedo inseriu em nota sobre as funções terapêuticas oriundas das crenças encontradas entre os indígenas ou importadas com os escravos africanos e fundidas ao dogma católico: “ O culto dos santos, da maneira como o entende a mentalidade popular, tem o mesmo sentido terapêutico; o que se procura dos santos não são as doutrinas que esposaram e ensinaram, os exemplos de virtude que deixaram ou as lições de método de apostolado, mas o poder de curar, de resolver problemas psicológicos, econômicos, sociais dos seus devotos” (AZEVEDO, 2002, p. 60). 66 Vide nota 47.

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64

constrangimento desta figura simbólica, a transforma em pessoa moral: aos santos foi dada a

“responsabilidade” de influenciar os sistemas de valores, tornando-os aptos a conformar

condutas. O que vemos é a criação institucional de um ente social meramente simbólico,

capaz de impor condicionamentos a partir de metáforas sociais (suas próprias histórias

pessoais, de martírio, dedicação ou desapego), agregando pessoas e grupos dentro de um ideal

religioso.

Acontece que os vínculos solidários podem não ser interpretados pelas sociedades exatamente

dentro das determinações normativas desejadas pela Igreja. A estrutura das redes solidárias e

o papel de pessoa moral que foram propostos pela Igreja Católica no Brasil (prescritos na

exemplar história de vida dos santos e na vigilância didática de suas autoridades religiosas)

talvez não tenham sido suficientes para atender à ânsia e à liberdade criativa das populações

locais ao apelo do e ao extra-ordinário e à noção de sagrado, não estrita ao campo religioso,

mas como força moral.

Por todo Brasil, historicamente e muitas vezes à margem das orientações eclesiais, o

fenômeno da construção da pessoa moral no sujeito extra-ordinário, o outro votivo, vem se

tornando cada dia mais numeroso, e creio que pode dar pistas decisivas para o entendimento

da função social desempenhada pela Igreja Católica na atualidade. Principalmente no século

XX, foi abundante a veneração dos ditos “santos populares”. Os sinônimos são variados:

“santos não-canônicos”, “santos irregulares”, “personalidades carismáticas”. Inicialmente me

pareceu que esta era uma categoria analítica homogênea, mas a emersão de perfis devocionais

demonstra motivações muito específicas e desiguais entre si, mantendo uma proximidade

maior ou menor com o modelo e os critérios originados pela matriz católica.

A proposta de caracterizar, nesta tese, os perfis devocionais e sua distribuição no espaço

nordestino seria previsivelmente complexa. Esta complexidade adviria principalmente da

dificuldade em se definir uma visão do fenômeno que fosse eqüidistante dos fundamentos

eclesiásticos e das práticas populares. Já era sabido que esta antinomia é uma marca do

catolicismo brasileiro, mas a bem do melhor proveito deste estudo, tentei considerar

igualmente as duas influências, estabelecendo para ambas a mesma validade. Como pontuei

anteriormente, uma análise das mais importantes fontes de referência do passado indica a

predominância de figuras devocionais canonizadas pelo Catolicismo, seguidas do culto à

Page 65: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

65

Santa Cruz (através dos cruzeiros), com ocorrências muito esparsas de devoções espontâneas

elevadas informalmente a uma condição de culto semelhante à dos santos regulares católicos.

Gostaria de antecipar, providencialmente, alguns resultados do trabalho etnológico, expondo a

classificação dos perfis devocionais no nordeste oriental do Brasil, para depois retomar os

comentários sobre a “assimilação popular” das mensagens de solidariedade e das experiências

de sacralidade vividas em diversos setores e grupos da região. Os critérios adotados na

classificação que se seguirá tiveram como objetivo caracterizar exclusivamente os tipos ideais

(no sentido weberiano) do Outro votivo, da pessoa moral extra-ordinária. Não correspondem

a categorias êmicas, conscientemente situadas pelos sujeitos de fé envolvidos na trama: nem

das instituições eclesiais, nem dos devotos. Também gostaria de esclarecer que as categorias

expostas não foram formuladas à luz da Teologia, nem pretende se impor como tal.

Representam sim, uma tentativa de localização do interventor miraculoso no imaginário social

a partir da herança do parâmetro regular do catolicismo, como me pareceu mais conveniente

do ponto de vista argumentativo. Ademais, a citação das devoções que se seguirá nesta etapa

têm apenas uma função referencial, sendo submetidas a crítica mais detida no capítulo 4.

Inicialmente achei possível considerar as devoções católicas sendo simplesmente classificadas

dentro de dois universos: o culto canônico e o culto não-canônico. A primeira categoria ainda

pôde, de fato, representar a maior parte das ocorrências que pude observar, expondo inclusive

uma ordem hierárquica bastante definida. A segunda, contudo, não tardou a demonstrar sua

fragilidade conceitual, já que os casos que não se encaixavam como cultos católicos

canônicos revelavam propriedades muito mais extensas e diversas entre si do que as previstas

na simples acomodação de sua exclusão daquele primeiro grupo. Ou seja, não se pode

raciocinar, rigorosamente, a partir de um critério de classificação simplesmente entre

canônico ou não-canônico, mas de manifestações que podem surgir de dentro da instituição

católica oficial e de manifestações que surgem de fora deste âmbito, mas lhe são derivadas a

partir da similaridade do modelo devocional que incita, se aproximando gradativamente de

uma adesão oficializante. Levando-se em conta o caráter institucional de onde se origina,

achei por bem definir duas categorias de partida: a de devoções de origem eclesiástica e a de

devoções de origem popular, estando ambas ligadas ao modelo católico.

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66

Após esta operação preliminar, ficou mais clara a formulação de uma tipologia devocional,

agora sim, dentro da escala de um índice canônico67 de referência católica. Este índice

considerou a efetividade de quatro grandes tipos ideais do outro votivo, segundo seu

posicionamento devocional: o tipo canônico (constituído por figuras dogmaticamente

reconhecidas pela Santa Sé – os Santos regulares), o tipo transcanônico (constituído por

devoções que estabelecem uma correspondência direta entre dois cânones religiosos, a

exemplo da relação sincrética entre o Catolicismo e os cultos de matriz africana, como o

Candomblé e a Umbanda), o tipo proto-canônico (que situa as venerações com canonização

já reivindicada ou em vias de reivindicação na Santa Sé) e o tipo não-canônico propriamente

dito (que define as venerações a entes instados como extra-ordinários estritamente pela

iniciativa popular, cuja trajetória de vida não é necessariamente vinculada ao meio religioso,

mas pode vir a ser).

A classificação que adotei aqui supera a dicotomia apontada por Câmara Cascudo em “O

povo faz seu Santo” (2001, p. 419-424). Não seria pretensioso afirmar que é possível estar,

com este trabalho, atualizando a lupa cascudiana. Isto se faz possível graças ao fato de que,

nenhum daqueles “santos irregulares” citados por ele em 1974 se encontrava, como hoje, com

processos de beatificação abertos perante o Vaticano. É um quadro circunstancial e histórico

distinto, que conduz forçosamente à atribuição de critérios analíticos distintos. Ademais,

como bem tratou o célebre folclorista no Prefacial da obra reunida que incluiu o artigo citado,

“o critério não é o registro, mas a tentativa de elucidação das origens” (Ib., p. 11). No nosso

caso a confiabilidade do registro é requisito basilar, inclusive através da elucidação das

origens. Assim, em razão deste caráter dinâmico que o Outro votivo pode ter, as posições que

ocupam no esquema não são definitivas. Os tipos devocionais podem ser pensados como

instâncias referenciais fixas, mas o caráter de seus ocupantes, não.

O Quadro 2 representa o esquema analítico adotado para posicionar os diversos níveis de

consagração devocional e prescreve um modelo sintético dos tipos ideais observados no

trabalho de campo, realizado ao longo dos últimos anos pelo nordeste oriental do Brasil:

67 Tomo aqui de empréstimo a referência do Índice de Etnograficidade proposto por Jean-Pierre Olivier de Sardan (1994), que se refere a abordagens interpretativas que tornam a imagem de cunho etnográfico mais ou menos válida a partir do sentido de fidedignidade que guarda em relação a seu referente.

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67

Quadro 2: Esquema analítico de classificação das tipologias devocionais, 2006.

Fonte: Trabalho etnológico do autor.

Pode o leitor se questionar sobre o isolamento da figura de Deus no sistema, e é sobre este

ponto que gostaria de apresentar algumas considerações – reiterando a ausência de pretensões

de cunho Teológico – antes de comentar mais detalhadamente sobre os quatro grandes grupos

de perfis devocionais.

Do mesmo modo que relatou Câmara Cascudo (2001, p. 350), não tive notícias de culto

(votivo, especificamente) prestado pelo povo a Deus (ou Deus Pai, o Padre Eterno, o Pai do

Céu). Detentor dos “segredos impenetráveis da Sabedoria Altíssima” (ib.), a intangível figura

do Deus Criador não é diretamente instada no ciclo das relações votivas. “Pede-se” muito a

Deus, mas normalmente não se contrata com Ele. Contudo, apesar de não ser mencionado

como uma personalidade, como um ente relacional, é em torno da figura de Deus que se

configura todo este sistema de crenças.

No Cristianismo (especialmente no Catolicismo) a imagem de Deus-Pai isolado foi

substituída por uma Trindade Sagrada, formada por Pai, Filho e Espírito Santo, à qual se

acrescentou a figura da Mãe Divina, que especialmente depois do Concílio do Vaticano II

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68

(1962-1966) passou a estar associada não só a Cristo, mas “à própria missão messiânica do

Filho, expressa a raiz de sua ligação com toda a humanidade a ser salva” (CED-CNBB, 2005,

p. 37). Eneida Dutra Gaspar (2000) reforça o partido de que os povos da Península Ibérica e

da Itália definiram sua noção de Catolicismo apoiados por uma experiência religiosa anterior

(nascida na Era Paleolítica), fundada nas forças da natureza – o que poderia caracterizar a

presença de resquícios de uma herança idolátrica, minimamente com uma tendência a

projeções de cunho mais personalista. Já levantei, em oportunidade anterior, esta provável

descendência mágica das trocas votivas, que modernizada e reinterpretada pelas civilizações,

ganha um caráter mais estruturado, mas não rompe definitivamente com a essência

estruturante primordial. Somado a isso, Marcel Mauss já dissera que eram os deuses um dos

primeiros grupos de seres com os quais os homens tiveram de estabelecer contrato, que

justamente com eles era mais necessário intercambiar e mais perigoso não intercambiar e,

inversamente, mais fácil e seguro estabelecer transações (MAUSS, 2003, p. 206). Talvez

pudéssemos corresponder estes “deuses” a que Mauss se referia aos santos que estamos

observando, tendo-a assim como a única possibilidade dentro da lógica monoteísta do

Cristianismo.

Talvez à luz desta experiência das populações que consolidaram o Catolicismo no mundo

ocidental, as duas últimas figuras da Santíssima Trindade (o Filho e o Espírito Santo) e a

piedade Mariana foram sendo reinterpretadas como fiéis intercessoras perante o Pai,

abundantes que são de misericórdia.

Esta hipótese, no entanto, não é suficientemente satisfatória para justificar a ausência de um

status específico para Deus no sistema votivo. Esta é, em verdade, uma ausência presente,

uma vez que é acessível a qualquer observador interessado a constatação de Sua presença

nominativa, que pode ser expressa por meio verbal, evocada em preces e pedidos, escritos ou

falados.

Destaco algumas raras oportunidades em que, dentro ou fora das “salas dos milagres”, houve

algum tipo de menção a Deus. Na primeira delas, na sala votiva do Santuário de Bom Jesus da

Lapa, no estado da Bahia, o devoto Nilton Rebouças oferece uma faixa em vinil (banner)

manuscrita (SE39), em cores e com a seguinte inscrição:

SENHOR BOM

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69

JESUS DA LAPA

EU NILTON REBOUÇAS

VENHO DE MUITO

LONGE E COM MUITA

FÉ PARA LHÉ (sic) VISITAR

A 8 VEZES

EU AGRADEÇO A DEUS

POR TODAS ESTAS

OPORTUNIDADES.

ASS. NILTON REBOUÇAS

S.P. 12/02/05

No ano anterior já havia o mesmo devoto apresentado outra faixa (SE40), com as mesmas

características tipológicas. E dizia:

SENHOR BOM JESUS

DA LAPA EU NILTON

REBOUÇAS VENHO DE MUITO LONGE

LHE VISITAR PELA 7ª VEZ COM O MESMO

AMOR E PRAZER. OBRIGADO POR TODAS ESTAS

OPORTUNIDADES E ATÉ O ANO QUE VEM

ASS. NILTON REBOUÇAS 13/02/04

Curiosamente o mesmo devoto cita Deus em apenas uma duas faixas. Em outros dois casos,

observados no Santuário da Virgem dos Pobres, em Maceió-AL, duas faixas em tecido

recolocam Deus na expressão dos agradecimentos. Na primeira, anônima (SE41), o devoto

relata:

AGRADEÇO PRIMEIRAMENTE A DEUS

E A NOSSA SRA VIRGEM DOS POBRES

PELAS GRAÇAS ALCANÇADAS NO ANO DE 2006

Na segunda, assinada por Lad Jackson (SE42), tem-se:

AGRADEÇO A DEUS E A

VIRGEM DOS POBRES

PELA GRAÇA ALCANÇADA

QUEM AGRADECE É

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70

LAD JACKSON

Se por um lado estes relatos votivos podem ser muito pouco esclarecedores quanto à

indicação do objeto que movimentou os devotos à consagração do pacto, por outro deixam

claro que a menção a Deus é criteriosa e designativa de um locus excepcional. Talvez estes

indícios confirmem a suposição de que Deus é um elemento não figurado, mas discretamente

presente em todo o sistema, numa posição hierárquica absoluta, mas virtual. É, efetivamente,

uma presença u-tópica dentro da rede contratual das transações votivas.

Esta ausência, não obstante, define todo o sistema, caracterizando-se como uma ausência

ordenadora. É possível acreditar que todos os sujeitos que estabelecem um vínculo votivo são

tementes a Deus, e em última instância a Ele recorrem ou d’Ele são donatários: fala-se que a

vida é um dom, o maior dos dons... “um dom de Deus!”. No entanto, não é com Deus que os

pactos se firmam diretamente. Sua “ausência” dá sentido a todo o arranjo funcional que cria

um sistema lógico e harmônico, pleno em si, já que, entendido como Criador, contém e está

contido em tudo.

Além do mais, as representações da Santíssima Trindade são variadas, vão desde o anicônico

puro (não figurado, não dado aos olhos), até as representações semi-icônicas e as icônicas. A

existência de Deus é anicônica e estamos falando de um sistema de relações que nasceu

marcado pela força do ícone como elemento de representação. É, portanto, natural que o

dinamismo das práticas religiosas tenha assimilado outras formas de representação, onde toda

a figuração icônica é tributária de uma referência muito maior, não necessariamente

figurativa.

Dessa forma, acredito que a presença de Deus revela-se não estrutural, mas funcionalmente,

regendo a nossa taxonomia. O que está em questão neste estudo é a forma como se estabelece

uma escala valorativa a partir e em torno de um sentido católico, uma espécie de índice de

canonicidade, que no Quadro 2 se expressa num dégradé, esmaecendo sua verve de

oficialidade, mas não perdendo a ligação com um Outro maior que e presente em todos os

Outros.

Voltando à análise do Quadro 2, no extremo do tipo canônico situa-se o perfil do Santo

Cristo, segunda pessoa da Santíssima Trindade e a representação mais próxima do Criador,

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distinto como intercessor da mais elevada referência. De uma forma geral a devoção ao Santo

Cristo é presente em todo nordeste oriental, na zona litorânea e no interior, com seu culto

reservado às basílicas e às mais tradicionais igrejas, mas é comum, especialmente na Bahia,

sua veneração em grutas, que são, literalmente, santuários naturais. A referência à gruta vem

de dois momentos marcantes na vida de Cristo: seu nascimento e seu sepultamento.

O culto devocional de característica votiva ao Santo Cristo foi efetivamente observado nas

seguintes localidades:

Salvador-BA (Senhor do Bonfim) (FIS02);

Ibiqüera-BA (Bom Jesus da Lapa) (FIS29);

Ituaçu-BA (Sagrado Coração de Jesus, na Gruta das Mangabeiras) (FIS30);

Bom Jesus da Lapa-BA (Bom Jesus da Lapa) (FIS22);

São Cristóvão-SE (Bom Jesus dos Passos) (FIS31);

Maceió-AL (Bom Jesus dos Martírios) (FIS15);

Ipojuca-PE (Santo Cristo) (FIS32);

Num segundo nível do perfil canônico, situo o culto à Santa Cruz, símbolo do martírio de

Cristo, portanto uma derivação do primeiro perfil. Com veneração legitimada pelo Segundo

Concílio Ecumênico de Nicéia (787), o culto à Santa Cruz é dos mais tradicionais e visíveis

pelo Nordeste do Brasil. Segundo a CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A

DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS (2003, p. 115), na fé cristã, a Cruz é expressão do

triunfo sobre o poder das trevas. Só que nem sempre as cruzes ou cruzeiros evocam

literalmente o “projeto salvífico de Deus” (ib.), como a Igreja poderia desejar. Luís Saia já

havia apontado que na ocasião da Missão de Pesquisas Folclóricas foram basicamente os

“cruzeiros” os alimentadores das suas coletas de ex-votos. Naquela época, os chamados

“cruzeiros de acontecimentos” (normalmente memorando fatos trágicos) predominavam,

espalhando-se por toda parte e concorrendo com os cruzeiros levantados em morros, que

comemoravam o centenário das suas cidades (SAIA, 1944, p. 10). Hoje em dia, uma viagem

rodoviária pelas vias federais, estaduais ou vicinais especialmente no Nordeste, revela a

atualização funcional daquelas expressões de fé e respeito, não exatamente sinalizando a

presença da mensagem cristã, mas quase sempre como um signo de valor mais próximo do

uso popular, demarcando espaços que foram palcos de trágicos acidentes automobilísticos – o

típico “acontecimento” na atualidade, quase que com exclusividade (SE43 a SE49).

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72

Diferente das outras expressões de devoção, as cruzes e cruzeiros não são entes com

personalidade, contudo, são capazes de solidarizar sujeitos no grupo, a partir da ação de

alguma pessoa moral que a estabelece num determinado lugar. A cruz é um signo que

semioticamente supera esta sua natureza de representação mais elementar (icônica) e se torna

uma imagem carregada de significados e de simbologias. Continuam exprimindo um triunfo

sobre o poder das trevas, especialmente quando se considera que as circunstâncias que

ocasionam as tragédias rodoviárias ceifam vidas repentinamente, em geral privando aquele

que parte do cumprimento dos últimos sacramentos cristãos. É o tipo de morte que deixa para

as testemunhas a responsabilidade pelo bom descanso daqueles que se foram; a

responsabilidade para que, na passagem pelo purgatório, os infortunados tenham um

sofrimento menor. Assim as cruzes cumprem um papel solidário na relação do indivíduo com

o que não mais goza desta mesma condição. Então se erguem as cruzes, que em muitos casos

se transformam em cruzeiros e até em pequenas capelas, que pela sua emergência, renovam os

laços de intersubjetividade, preservando a consagração da hora que todos um dia terão. Dita a

tradição que cada pedra assentada aos pés ou sobre a cruz representa uma prece oferecida à

alma dos respectivos mortos que representa. Estas pedras se enquadram naquela categoria de

“apelo protetivo”, citada em 3.1. Não são votos nem ex-votos, necessariamente. Cada pedra

simboliza a oferta que veio da terra e que à terra retorna, renovando a um só tempo, as leis

naturais e as leis sociais.

Esta é a forma de culto à Santa Cruz mais livremente interpretada pela população. Por outro

lado, podem se apresentar também sob versões dogmáticas, como na Capela da Santa Cruz,

em Monte Santo-BA (FIS26) e no Cruzeiro do Centro de Visitação Bíblica de Poção-PE

(FIS33), que serão revistas no capítulo 4.

Na terceira expressão de tipo canônico, surge o perfil devocional mariano. Talvez se possa

afirmar com alguma segurança que é sobre a devoção de Nossa Senhora que mais

numerosamente se verificam as relações votivas por todo nordeste oriental do Brasil. Admito

a classificação de Macca & Almeida (2003, p. 26-28), segundo os quais a veneração a Maria

se dá dentro de três possibilidades de títulos, de diferentes origens:

i. Títulos litúrgicos: baseados em fatos ou passagens da vida da Santa. Podem

também estar associados aos dogmas reconhecidos pela Grande Igreja – Nossa

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Senhora da Imaculada Conceição, Nossa Senhora da Assunção, Nossa Senhora da

Glória, Nossa Senhora das Dores, Sagrado Coração de Maria.

ii. Títulos populares: dados conforme as necessidades e as aflições dos devotos –

Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Boa Viagem, Nossa Senhora do

Bom Parto (ou da Expectação, ou do Ó), Nossa Senhora da Cabeça, Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro.

iii. Títulos históricos: relacionados às aparições da Santa ou à descoberta de suas

imagens milagrosas – Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa

Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora de Copacabana, Nossa Senhora Aparecida.

Observei o culto mariano, estritamente pelo seu caráter votivo, dogmático ou livremente

apropriado, nas seguintes localidades:

Salvador-BA (Nossa Senhora da Boa Viagem) (FIS01);

Salvador-BA (Nossa Senhora do Monte Serrat) (FIS03);

Salvador-BA (Nossa Senhora da Imaculada Conceição da Praia) (FIS34);

Candeias-BA (Nossa Senhora das Candeias) (FIS28);

Milagres-BA (Nossa Senhora de Brotas) (FIS35);

Feliz Deserto-AL (Nossa Senhora Mãe dos Homens) (FIS19);

Maceió-AL (Nossa Senhora da Cabeça) (FIS15);

Maceió-AL (Virgem dos Pobres) (FIS36);

Pesqueira-PE (Nossa Senhora das Graças) (FIS39);

Solidão-PE (Nossa Senhora de Lourdes) (FIS38);

Tacaratu-PE (Nossa Senhora da Saúde) (FIS05);

João Pessoa-PB (Nossa Senhora da Penha) (FIS06);

Lagoa Seca-PB (Virgem dos Pobres) (FIS37);

Sousa-PB (Nossa Senhora de Lourdes) (FIS08);

Patu-RN (Nossa Senhora dos Impossíveis) (FIS40);

Ainda que sem visitação, confirmei devoções marianas de cunho votivo em:

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74

Recife-PE (Nossa Senhora da Imaculada Conceição, no Morro da Conceição e na

Capela do Parque da Jaqueira);

Florânia-RN (Nossa Senhora Menina);

Carnaúba dos Dantas-RN (Nossa Senhora das Vitórias);

A quarta categoria de devoção votiva do tipo canônico é o perfil ocupado pelos santos

regulares, cuja veneração também pode ser verificada sob a regência da Igreja ou em livre

apropriação popular (não institucionalmente). Foram observados:

Salvador-BA (Santa Luzia) (FIS41);

Salvador-BA (Santa Bárbara) (FIS44);

Maceió-AL (Santa Amélia) (FIS16);

São João-PE (Santa Quitéria das Freixeiras) (FIS04);

Salvador-BA (Santo Antônio da Barra) (FIS42);

Salvador-BA (São Cosme e São Damião) (FIS45);

Salvador-BA (São Roque e São Lázaro) (FIS43);

Paripueira-AL (Santo Amaro de Paripueira) (FIS17);

Recife-PE (São Clemente) (FIS12);

Recife-PE (Santo Antônio) (FIS12);

Paudalho-PE (São Severino dos Ramos) (SE123 e SE124);

Apesar da impossibilidade de verificação in loco, confirmei a efetividade de outras práticas

devocionais similares em:

Carnaúba dos Dantas-RN (Santa Rita de Cássia);

Fortaleza-CE (Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus);

Canindé-CE (São Francisco das Chagas de Canindé);

A segunda categoria no índice de canonicidade é a do tipo transcanônico, que envolve a

analogia do Outro votivo em dois cânones religiosos distintos. Notadamente expressiva na

relação catolicismo x cultos afro-brasileiros, é uma tipologia que se estende em

simultaneidade com os perfis do tipo canônico. As devoções que se enquadravam mais

tipicamente na noção de signo votivo sobre a qual se dedica este estudo emergiram quase que

exclusivamente na região do Recôncavo baiano. Associações observadas:

Page 75: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

75

Salvador-BA (Senhor do Bonfim x Oxalá) (FIS02);

Salvador-BA (São Roque x Omolu) (FIS43);

Salvador-BA (São Lázaro x Obaluaê) (FIS43);

Salvador-BA (Santa Bárbara x Iansã) (FIS44);

Salvador-BA (Nossa Senhora da Imaculada Conceição/Nossa Senhora dos Navegantes

x Yemanjá);

Salvador-BA (São Cosme e São Damião x Ibeji) (FIS45);

Candeias-BA (Nossa Senhora das Candeias x Oxum) (FIS28);

O terceiro tipo devocional, o protocanônico, é o de mais recente emergência no Brasil e se

apresenta com um notável dinamismo, sendo, em verdade, uma categoria de transição entre o

culto devocional popular e o culto sistematizado pelo meio eclesiástico. Retomarei, em

instantes, as conseqüências sociológicas desta condição dinâmica ensejada por esta tipologia.

Seus perfis devocionais são determinados dentro de uma escala valorativa estabelecida pela

Santa Sé. Em seu livro Candidatos ao altar, José Luís Lira (2006) apresenta o quadro

contemporâneo dos processos de beatificação/canonização com pedidos de nihil obstat (nada

obsta) requeridos na Comissão para as Causas dos Santos, no Vaticano. É uma das raras

publicações que, além de posicionar e expor uma breve nota biográfica dos envolvidos nos 54

processos nacionais, esclarece, de forma objetiva, a atual legislação e as instâncias

progressivas rumo à consagração definitiva do candidato. Contudo, não limito a presente

categoria tipológica (protocanônica) nestes critérios: aqui, além dos perfis estabelecidos pelo

Vaticano, a saber, Servo de Deus, Venerável e Beato, incluo também os “Candidatos

consagrados pela devoção popular”. Cabe um esclarecimento. Exclusivamente no nordeste

oriental do Brasil, a trajetória histórica das “pessoas extra-ordinárias”, interventores

miraculosos perante a população, que partem do status da devoção popular (não-canônica),

para o status de candidato oficial (protocanônico), aponta para a seleção de personalidades

oriundas da própria Igreja, ou seja, de religiosos. Àqueles que apresentavam o mesmo clamor

popular (a quem se atribui a mesma distinção interventora), mas não estavam formalmente

associados à vida religiosa católica, preferi considerar dentro do perfil de “personalidades

carismáticas”, na tipologia não-canônica, que virá a seguir. Assim, o perfil suplementar

envolve personalidades cuja veneração evidencia um caminho natural para a abertura de

futuros processos de canonização.

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76

Lira (2006, p. 36-37) esclarece que segundo a legislação atual, a abertura das causas parte dos

bispos diocesanos, da sede ou do local onde viveram os candidatos à beatificação e

canonização. Na etapa seguinte, quando da liberação do nihil obstat pela Congregação das

Causas dos Santos, o candidato recebe o título de “Servo de Deus”, o que significa que a

Igreja assumiu oficialmente o julgamento da causa. A seguir, é necessária a comprovação das

virtudes, ou do martírio do candidato. No caso das virtudes elabora-se o Decreto da

Heroicidade das Virtudes e o Servo de Deus recebe o título de Venerável. Para o caso de

martírio, quando este se comprova, é feito o Decreto Sobre o Martírio e o servo de Deus

recebe do mesmo modo o título de Venerável. Neste último caso, dispensa-se o milagre e se

autoriza a beatificação do mártir.

O processo da Beatificação é aberto após a verificação do primeiro milagre, no caso da

eleição por virtudes (não-mártir). Assim, o candidato passa a gozar de culto nas dioceses onde

viveu e morreu e, quando religioso, em sua congregação. O processo final, da Canonização, é

aberto após a comprovação de um milagre do beato e só pode ser declarado exclusivamente

pelo Papa, após a comprovação de um segundo milagre, o que inscreve, definitivamente, o

nome do santo na lista da Igreja Universal, podendo ter culto prestado em toda a Terra (LIRA,

2006). No Brasil, apenas a Madre Paulina (Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus)

goza desta condição, tendo sido a primeira santa canonizada do Brasil, ainda que fosse de

naturalidade italiana.

Por tudo isso, os perfis protocanônicos ficaram divididos em quatro: Candidatos consagrados

pela devoção popular, Servos de Deus, Veneráveis e Beatos. Atualmente o Brasil conta com

alguns Beatos (também chamados de bem-aventurados) – a exemplo do Padre José de

Anchieta (22/06/1980) e do Frei Antônio Galvão68 (25/10/1998) – mas nenhum deles com

registro de presença votiva na região deste estudo69. Com relação ao perfil de Veneráveis, há

no Nordeste do Brasil uma personalidade marcante, mas ainda com discreta devoção: o caso

da Venerável Irmã Lindalva Justo de Oliveira70, cujo Decreto Sobre o Martírio foi publicado

68 Foi anunciado em fevereiro de 2007 que no mês de maio deste ano, quando da visita do Papa Bento XVI ao Brasil, o Frei Antônio de Sant’Ana Galvão será canonizado. 69 Há um caso de beatificação na região Nordeste do Brasil: o dos sacerdotes André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e mais 27 leigos, os “Mártires de Natal”, que foram trucidados por soldados holandeses e índios, no dia 16 de julho de 1645, durante uma missa. No entanto, não verifiquei um culto votivo de maior expressividade. 70 Irmã Lindalva era Filha de Caridade de São Vicente de Paulo e foi enviada, em missão, ao Abrigo Dom Pedro II, em Salvador-BA, para se dedicar a cuidar de idosos. Na sexta-feira santa do ano de 1993, enquanto preparava bandeja para servir café da manhã aos idosos, foi assassinada com 44 facadas por um interno, que já a havia

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77

em 16 de dezembro de 2006. Contudo, não verifiquei signos votivos expressivos, nem mesmo

um centro devocional dedicado a ela, seja na capital baiana (Abrigo Dom Pedro II, local de

sua morte), seja na sua cidade natal, Assu-RN.

Os centros dedicados aos Servos de Deus, contudo, apresentam-se muito numerosamente no

nordeste oriental. Eis os principais candidatos, com os respectivos sítios observados:

Dom Vital (protocolo nihil obstat no 1981) (Recife-PE, Igreja Basílica da Penha,

Túmulo e Museu) (FIS12);

Padre Ibiapina (nihil obstat em 18/02/1992) (entre os municípios de Arara e Solânea-

PB, Santuário da Santa Fé do Padre Ibiapina. Culto espalhado por toda região

nordeste, mas sem outros centros votivos de maior expressão) (FIS10);

Irmã Dulce (nihil obstat em 19/10/1999) (Salvador-BA, Obras Sociais de Irmã Dulce)

(FIS46);

Frei Damião de Bozzano (nihil obstat em 06/07/2002) (Recife-PE, Convento de São

Félix de Cantalice, Túmulo) (FIS23); (Guarabira-PB, Memorial) (FIS24); São

Joaquim do Monte-PE, Santuário e Estátua) (FIS25); (Sousa-PB, Estátua) (FIS09);

Padre João Maria (nihil obstat em 13/05/2005) (Natal-RN, Praça Padre João Maria)

(FIS11);

O quarto perfil protocanônico é o dos “Candidatos consagrados pela devoção popular”, culto

dinâmico pela sua situação de extremo limiar entre o popular e o oficialmente

institucionalizado. Tive a possibilidade de verificar, ao menos, três venerações expressivas:

Padre Cícero Romão Batista71 (Juazeiro do Norte-CE, Serra do Horto, e com culto

espalhado por toda região Nordeste) (FIS21);

Padre Zuzinha (Santa Cruz do Capibaribe-PE, Túmulo no Cemitério São Judas Tadeu

e Estátua na Praça Padre Zuzinha) (FIS20);

Padre Zé Coutinho (João Pessoa-PB, Túmulo no Cemitério da Boa Sentença) (FIS14);

assediado (LIRA, 2006, p. 161). Pela dispensa da comprovação do primeiro milagre, espera-se que Irmã Lindalva seja beatificada até o final do ano de 2007. 71 A presença do Padre Cícero neste perfil se dá pelo fato de que ainda se tenta a sua reabilitação histórico-eclesial perante o Vaticano, uma vez que quando da sua morte estava condenado pela Santa Sé, acusado de promover embustes e gerar fanatismo – a partir do fenômeno da hóstia que se transformou em sangue e incitou a crença popular num milagre. Esse afastamento não permite a abertura de um processo de canonização.

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78

Por fim, vejamos a constituição do último tipo devocional, o não-canônico, que define os

“santos populares” propriamente ditos. Como nos outros casos, apresenta perfis específicos.

Como na classificação dos “Servos de Deus” adotada pelo Vaticano, considerei aspectos

classificatórios relacionados às virtudes e aos martírios na história de vida dos evocados. No

primeiro deles, de caráter virtuoso, as “Personalidades carismáticas” emergem como pessoas

que tiveram uma trajetória marcada por práticas de caridade e/ou intervenções tidas como

miraculosas (taumaturgos), ainda em vida. Observei manifestações votivas consideráveis em

torno de:

“Beato” Pedro Batista (Santa Brígida-BA, Memorial e Praça) (FIS47);

Madrinha Dodô72 (Santa Brígida-BA, Memorial e Praça) (FIS47);

Irmão Venceslau (Itaparica-BA, Fonte dos Milagres) (FIS48);

Além destes, soube também de manifestações votivas relacionadas às pessoas de Zé Vigário

(Santa Brígida-BA) e a Maria Nilza Fonseca (Mãezinha/Santinha, no Santuário de Nossa

Senhora das Graças, Itaberaba-BA), que ainda não cheguei a observar.

O outro perfil envolve os mártires – adultos ou crianças vitimados em situações trágicas que

provocaram grande comoção social e que após a morte se lhe atribuíram intervenções

miraculosas. Na categoria de “vítimas inocentes”, exclusivamente limitado a menores, pude

observar um grande número de cultos de caráter votivo, a maioria deles cemiteriais:

Menino Petrúcio (Maceió-AL, túmulo no Cemitério de São José) (FIS13);

Menina Sem Nome (Recife-PE, túmulo no Cemitério de Santo Amaro) (FIS27);

Alfredinho (Recife-PE, túmulo no Cemitério de Santo Amaro) (FIS27);

Maria de Lourdes (João Pessoa-PB, túmulo no Cemitério da Boa Sentença) (FIS14);

Menina Francisca (Patos-PB, Parque Religioso da Cruz da Menina) (FIS07);

Na categoria dos adultos martirizados, observei ao menos três casos relevantes: o de um

cigano assassinado em Piaçabuçu-AL, em cujo local se afixou uma cruz e, posteriormente, se

construiu uma capela (Capela da Santa Cruz do Cigano, FIS18), o de Zé Leão, assassinado 72 Devota que, segundo o relato popular, fôra ajudante de Padre Cícero, seguindo posteriormente para Santa Brígida, para servir a Pedro Batista. Ao que se fala, era conhecida no Ceará como “Mãe Dodô”, mas a possível associação confusa que esta denominação poderia criar com as conhecidas “mães-de-santo” dos cultos afro-brasileiros, especificamente na Bahia, deve ter conduzido à opção pelo termo “Madrinha Dodô”.

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numa emboscada em Florânia-RN, e em cujo local se erigiu cruz e capela, e o caso da Escrava

Anastácia, cultuada em um oratório nos fundos da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos

Pretos, em Salvador-BA (FIS44). Apesar de não ter tido a oportunidade de observar in loco,

confirmei a ocorrência de manifestações votivas em três cultos cemiteriais, todos no estado do

Rio Grande do Norte: ao cantor Carlos Alexandre e ao bandido João Baracho, no Cemitério

do Bom Pastor, em Natal, e ao cangaceiro Jararaca, do bando de Lampião, impiedosamente

sacrificado pela população de Mossoró, cujo túmulo é local de culto no Cemitério de São

Sebastião. É oportuno esclarecer que não se deve envolver nesta categoria as oblações e

práticas de fé observadas em cruzes, cruzeiros e capelinhas – mais próximas ou mais afastadas

das estradas – que não encerram, necessariamente, relações votivas strictu senso, mas

manifestações de fé solidárias, muitas vezes relacionadas ao zelo do que se chama comumente

de “almas do purgatório”. O limite decisivo entre os dois casos é o fato de que no primeiro as

cruzes representam a memória de uma personalidade identificada, sobre a qual são atribuídas

intervenções miraculosas, já no segundo, o constrangimento se dá, na esmagadora maioria dos

casos a alguém anônimo e destituído de dotes milagreiros73.

A partir da apresentação deste esboço classificatório das tipologias e perfis devocionais,

gostaria de retornar ao ponto da constituição do código moral das relações votivas. Relembro

que uma primeira instância envolveu os vínculos entre indivíduo-Outro votivo, do ponto de

vista do compromisso contratual. Em uma segunda estação, situei o ensejo do vínculo

solidário a partir da ação sobre um indivíduo de um constrangimento imposto por um próximo

semelhante, que funcionava como pessoa moral (o caso da transferência da responsabilidade

entre pedido e cumprimento da promessa). Considerei como uma terceira instância aquela que

envolve a transformação de pessoas ordinárias em pessoas extra-ordinárias, conforme já

afirmei, com esta projeção envolvida num contexto de sacralidade. Após expor os perfis

devocionais observáveis na contemporaneidade do nordeste oriental, creio que podemos

chegar a algumas conclusões. A primeira delas é que, como em nenhum outro tempo, as

populações estão livres para construir seus próprios vínculos de religiosidade, independente

do crivo ou cumplicidade da autoridade católica. Em seguida, que esta construção revela, em

muitos casos, a emergência de uma sociabilidade e de um sentimento de solidariedade que

impressiona pela sua força, alcance e similaridade, ao longo de toda área observada neste

estudo. Por fim, que talvez seja este vigoroso apelo popular – antes social do que estritamente

73 É comum se ouvir na região que ao se passar por uma cruz deve-se ofertar uma oração e depositar uma pedra para que o morto “não venha atrás”.

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religioso – que pode garantir a renovação das práticas e conseqüentemente das relações

religiosas em torno do Catolicismo que, especialmente nos últimos anos, vai incorporando de

forma gradativa elementos da devoção popular e garantindo, ao menos neste setor específico,

sua conservação institucional.

Parece-me que estes argumentos são suficientes para que se possa acreditar que os “santos”

funcionam, efetivamente, como pessoas morais. Senão vejamos. Acabamos de verificar a

constituição dos tipos e perfis devocionais. A partir do modelo histórico adotado pela Igreja

Católica (que formulou o tipo canônico), o caso específico do tipo não-canônico – pela sua

natureza, de livre interpretação da ortodoxia – apresenta um modelo evocativo que parte das

mesmas circunstâncias antagônicas, exacerbando o apelo persuasivo: a aderência imitativa

pelo aspecto, digamos positivo (das virtudes vividas em grau heróico), ou a aderência piedosa,

pelo aspecto negativo (do martírio a que o sujeito foi submetido). De um modo ou de outro,

vínculos de intersubjetividade são formados, em diversas direções e sentidos.

Se por um lado se pode imaginar no grupo social uma eficácia mais ou menos previsível do

modelo “didático”, ensejado pela suposta imitação do exemplo virtuoso, por outro, a

solidariedade suscitada pelos dramas e pelas tramas intersubjetivas dentro do grupo – que

forjam o próprio grupo – surpreendem pela sua imprevisibilidade. Falei há pouco sobre o

hábito popular de se orar e ofertar oblações em memória das chamadas “almas do purgatório”,

entes muitas vezes, se não anônimos, desconhecidos, que despertam no sujeito de fé uma

atitude de adesão pelo seu bom descanso74. Ainda que vividas dentro do grupo, acredito que

estas sejam mobilizações mais de cunho pessoal do que coletivo. No caso das venerações

post-mortem, especialmente no perfil não-canônico dos “mártires”, as mobilizações parecem

funcionar como uma espécie de esforço póstumo e coletivo – conscientemente ou não – pelo

ressarcimento da honra perdida por outrem no grupo, numa reparação social de uma

circunstância trágica ensejada socialmente ou de um crime se não executado, permitido pelo

grupo. É como se pairasse um sentimento de culpa nas consciências coletivas. Vejamos

brevemente os casos típicos das devoções a Jararaca, a Zé Leão e à Menina Sem Nome:

cultuados como santos, em cemitérios ou capelas, se estão distantes da possibilidade de

74 “É particularmente importante celebrar pelos defuntos, cujas almas se encontram no Purgatório à espera do feliz dia de poderem ver a Deus face a face. Rezar pelos defuntos é um dever de caridade para com eles” (IL, n. 53).

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canonização, já gozam perante a população de uma inquestionável autoridade quando o

assunto é o poder de intervenções miraculosas.

Segundo informações no web site oficial da Prefeitura Municipal de Mossoró (2006), Jararaca

(José Leite de Santana) era cangaceiro do bando de Lampião e fez parte da tentativa de

invasão desta cidade, em 13 de junho de 1927. A prosperidade econômica local da época

atraiu o bando, que após seqüestrar o coronel Antônio Gurgel, prática então comum, fez uma

série de pedidos para poupar a invasão da cidade. Contudo, o prefeito Rodolfo Fernandes de

Oliveira não aceitara a imposição e contando com soldados e com a parte da população que

não partira em retirada, resolve enfrentar o bando. Após horas de combate, a população

entrincheirada resiste ao ataque e vê o grupo de cangaceiros se retirar75. Dois, no entanto, são

abatidos: Colchete, que queda morto, e Jararaca, que é baleado com tiros nas costas e na

perna. Uma das versões de sua morte conta que depois de cinco dias aprisionado, tendo

inclusive concedido entrevista ao jornalista Lauro da Escóssia, para o jornal O Mossoroense76,

fôra Jararaca “justiçado” por um grupo de soldados – resignado, mas não rendido – pagando

“com a própria vida os crimes praticados na sua caminhada sangrenta. Em seu túmulo, no

cemitério de Mossoró, ardem velas em intenção de sua alma, que pela crendice popular ‘obra

milagres’” (MAIA, 2004).

A narrativa sobre Zé Leão, em Florânia-RN, também apresenta muitas versões diferentes.

Entre tantas, ouvi uma que dizia tratar-se de um forasteiro vindo da Paraíba, que acumulou

riqueza na região à custa de roubo de gado e apropriação de terras. Bem aparentado e sempre

montado num belo cavalo branco, tinha a preferência das moças da cidade. Pelas rivalidades

conquistadas, conta-se que foi emboscado nos arredores da cidade por grandes proprietários

da região, em 20 de janeiro de 1887: cortaram-lhe as pernas e lhe atiraram numa fogueira, da

qual pulava para fora insistentemente, sendo novamente reconduzido, resistindo à morte até

não mais poder. Um dos assassinos, arrependido, voltara dias depois e fincara uma cruz no

local do martírio, logo atraindo a atenção da população, que começou a atribuir milagres ao

finado Zé Leão. Tive a oportunidade de visitar a cruz e a capela que se erigiu depois (SE50).

Conversei com devotos que comprovaram que, passados cento e vinte anos do martírio, a

75 Por este ato de resistência, Mossoró ostenta até hoje o título de “Cidade Invicta”, tendo muitos logradouros a relembrar o feito heróico. 76 O Mossoroense, no 844, ano XXVI, edição de 19 de junho de 1927.

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referência de José Leão segue firme no imaginário popular da cidade que ficou conhecida

como “terra do mata e queima”.

Já o caso da Menina Sem Nome (FIS27) choca duplamente. Com aproximadamente oito anos

de idade, foi encontrada morta por um pescador na Praia do Pina, na cidade do Recife-PE, em

22 de junho de 1970. Com marcas de estupro, o corpo a criança passou dias à espera do

reclame dos parentes, já que o caso havia sido noticiado amplamente pela imprensa. Só que

ninguém se apresentou e a menina foi sepultada como indigente, em cova comum. Como em

muitos outros casos, conta-se que meses após o sepultamento o túmulo foi reaberto, para a

realização de outro enterro, e o corpo da criança permanecia intacto. Hoje a Menina Sem

Nome é dona de um dos mais visitados túmulos do Cemitério de Santo Amaro, na capital

pernambucana, distinta por sua ação milagreira perante setores da população.

Estes são três casos extremos da gênese dos “santos populares”. Trato como extremos porque

carregam consigo um valor devocional puro, fruto do relacionamento direto entre crente e

experiência religiosa. Mas no âmbito do grupo, não considero apenas esta dimensão. Nos três

casos sucintamente comentados, há um elemento em comum: um movimento solidário

aparentemente ensejado pela perspectiva da obtenção de uma graça ou um milagre, mas

denunciador de uma espécie de reparação coletiva da honra violada. Talvez esta “reparação”

surja porque a causa de suas mortes contraria o ideal de coesão social. Não foram mortes

punitivas, no sentido do direito repressivo, mas mortes arbitrárias, que deixam no ar uma

incômoda noção de desequilíbrio moral, de baixa solidariedade. Esta emergência

indenizatória é, sem dúvida, uma elaborada forma de dádiva social, um tipo de dádiva que não

se retribui, mas se restitui, uma dádiva que vem de uma dívida.

Ao que tudo indica, assim como a punição deve ser proporcionalmente exemplar ao ato

daquele que atenta contra a coesão do grupo (isso efetivamente não aconteceu em nenhum dos

três casos, todos impunes), aqueles que foram ameaçados ou violentamente afetados pelo

corpo social devem ser recompensados, a qualquer tempo, a fim de se proteger a coesão do

grupo. Esta forma espontânea de reparação manifesta aparentemente um reconhecimento

(coletivo, talvez até inconsciente – não no sentido psicanalítico) da honra que brota do

sentimento natural e de um senso gregário mais profundo e não necessariamente de uma

ordem jurídico-institucional estabelecida.

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Dessa forma, ao se tornar uma prática que conta com a adesão (neste caso, piedosa) de novos

indivíduos, torna-se outra matriz de coesão social, fazendo crescer novas formas de

solidariedade, em escalas diferenciadas: ao mesmo tempo em que é uma aderência, é uma

forma de penitência, de expurgação de culpa. Aquele indivíduo, que deixara de ser pessoa

ordinária, tornara-se pessoa extra-ordinária, ao ser alçado ao lugar de interventor miraculoso,

funcionando como um tipo de pessoa moral, passando a estar investido socialmente de uma

autoridade normativa, mesmo que portador de uma missão que lhe foi dada ao largo do seu

arbítrio (à sua revelia). Mesmo que alheio ao quadro matricial ortodoxo que engendrou o

modelo devocional que assim se seguiu.

O que temos, enfim, é conformação quase que espontânea de um instituto moral – mais um

instituto moral – que se torna um fato social total ao ser assimilado institucionalmente. Talvez

este modelo cíclico calcado na personalização fosse improvável algumas décadas atrás: a

Igreja normalmente pensou o sagrado como uma categoria vertical, de movimento ortodoxo e

descendente. Dessa forma, do ponto de vista institucional, o locus sacrum sempre foi

necessariamente instado dentro dos limites preferenciais da Grande Igreja. Só que a categoria

empírica do sagrado também se manifesta em espaços “profanos” sacralizados, conforme

demonstraram os três casos que citei acima.

Esta interpretação popular do catolicismo constrói novas formas de culto. Um culto que é obra

do agir individual, impulsionado por pessoas ordinárias, com efeito de pessoas morais, é algo

que subverte a própria ortodoxia, sem necessariamente negá-la. É obra do anônimo, deste

crente que construiu sua crença quase sozinho, é fruto não só dos laços de família e da

tradição, mas do próprio caráter, em certa medida instintivo, de preservação da coesão social.

E isso não implica necessariamente num afastamento irreversível da ortodoxia – nem tanto

por conta do crente, mas da própria ortodoxia.

De um modo geral, os documentos oficiais elaborados pela Santa Sé, pela Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e por outras congregações pastorais recomendam aos

“irmãos do episcopado” uma atitude cautelosa no trato com os fenômenos de aparições, curas

ou outras experiências tidas (especialmente pelos fiéis) como sobrenaturais77. É clara a

77 Cf. COMISSÃO EPISCOPAL DE DOUTRINA (CED-CNBB), Aparições e revelações particulares. São Paulo, Paulinas, 2005 e CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, Diretório sobre piedade popular e liturgia: Princípios e orientações. São Paulo, Paulinas,

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postura de tolerância da Igreja e seu magistério, que se num primeiro instante precisa manter

firme uma outra forma de coesão em torno de seus dogmas, num segundo momento reconhece

nas práticas de piedade popular uma dimensão pastoral bastante proveitosa, já que podem

ocasionar reais processos de conversão e de seguimento de Cristo (CED-CNBB, 2005, p. 49).

Na prática, a autoridade da Igreja não garante a verdade destas experiências sobrenaturais,

contudo, não impede que se acredite nelas (ib., p. 56).

Mais anteriormente me referi aos casos não-canônicos como extremos da gênese dos “santos

populares”. Talvez sejam exemplos típicos daquilo a que os “irmãos do episcopado” – parte

do corpo de especialistas religiosos, conforme cunhou Bourdieu (2001) – devam dispensar

uma atitude cautelosa. Cautelosa, porém não excludente. O esboço esquemático que elaborei

para expressar o índice canônico pode dar uma justa medida da evolução do trabalho

religioso (ib.) contemporâneo, não só no nordeste oriental, mas em todo Brasil: o

relativamente recente perfil dos protocanônicos parece apontar para um movimento de

racionalização que, dando “ouvidos” à expressão popular, transforma gradativamente a

produção simbólica anônima e coletiva – desde sua origem já moralizante, positiva ou

negativamente – em novas fontes cultuais sob o domínio, ou ao menos com a partilha, da

Grande Igreja. Trata-se de apenas uma (entre tantas outras) forma atual de apropriação de

discursos do “popular” tornado como fonte de renovação eclesiástica, processo que se tornou

ainda mais avivado depois do Concílio Ecumênico do Vaticano II (1962-1965).

Podemos também observar o caso dos santuários, lugar central no culto católico. Nesses

espaços, a relação entre o indivíduo e o Outro divinizado é direta, a Igreja não funciona

decisivamente como intermediária. Historicamente o santuário é um lugar tornado sagrado

inicialmente pela aclamação popular, sendo posteriormente apropriado pela Igreja: uma

montanha, uma gruta – vide os casos dos cultos a Bom Jesus da Lapa (FIS29) e ao Sagrado

Coração de Jesus, na Gruta da Mangabeira (FIS30), ambos na Bahia. Segundo o Código de

Direito Canônico, “sob o nome de santuário, entende-se a igreja ou outro lugar sagrado, aonde

os fiéis em grande número, por algum motivo especial de piedade, fazem peregrinações, com

a aprovação do Ordinário local” (cân. 1230, in PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A

PASTORAL DOS IMIGRANTES E ITINERANTES, 1999, p. 05). Dois pontos a se destacar:

em primeiro lugar, a ressalva no texto de que não é um espaço circunscrito exclusivamente

2003 e também PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES, O Santuário: Memória, presença e profecia do Deus vivo. São Paulo, Paulinas, 1999.

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nos limites territoriais e simbólicos da igreja; depois, a submissão a um “Ordinário local”,

agente especializado incumbido de regular o culto e, conseqüentemente, campos de força,

vetores de poder simbólico.

Conclusivamente, o que se verifica é um processo de especialização na institucionalização do

culto. Especialização porque o culto em si já estava institucionalizado, já se configurava como

fato moral nos grupos de onde brotou. As práticas votivas contemporâneas ensejam, dessa

forma, uma nova divisão social do trabalho religioso. Vejamos o caso da Diocese de

Guarabira, no estado da Paraíba. Sediada no município homônimo, com uma população de

52.775 habitantes78, o que não falta é trabalho para os agentes especializados locais: sob sua

responsabilidade, se mobilizam, num raio de menos de cem quilômetros ao menos dois

grandes centros devocionais dedicados a protocanônicos: o “Memorial Frei Damião” (FIS24),

um dos muitos espaços devocionais a ele dedicados na região e o “Santuário da Santa Fé do

Padre Ibiapina” (FIS10) – religioso que, ainda no século XIX, abriu o histórico de padres

missionários, influenciando o padre Cícero Romão Batista e mesmo o frei Damião de

Bozzano. É a Diocese de Guarabira a autora da causa do seu processo de canonização. Esta

aglutinação não parece ser obra do acaso. Há um poder simbólico nas relações religiosas. Um

poder que parece confirmar a lógica da divisão entre produtores e consumidores do trabalho

religioso, que neste caso envolve a uma relação de troca especial: os consumidores num

primeiro momento elaboram um “produto bruto”, que é reformatado pelos “produtores”

(agentes especializados), e depois retorna aos “consumidores” como “produto elaborado”.

Não deixa de ser um ciclo de reciprocidades. O que ocorre efetivamente nesta reelaboração, é

a redistribuição do sistema de forças, com um fortalecimento da Igreja Católica, que passa a

ter um papel mais vigoroso de controle local. E isso parece ter uma justificativa plausível.

Não é um controle que se reforça simplesmente pela “institucionalização regular” do que era

irregularmente institucionalizado, mas um controle que se reforça pela legitimação do poder

simbólico dos próprios perfis devocionais cultuados: os santos já consagrados pela Igreja

Católica são universais, pertencem a toda Humanidade; os “santos” locais são particulares,

estão identificados diretamente com a história de vida da população, já que, a exemplo do Frei

Damião de Bozzano, há gerações que tiveram a oportunidade de desfrutar do seu convívio, de

tê-lo num mesmo ambiente, de tocá-lo. E isso faz uma diferença significativa. Mas não se

trata de qualquer “santo” local. O perfil que caracterizei como não-canônico, por exemplo,

78 Estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2005.

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86

não conta com o mesmo empenho produtivo da Igreja, talvez porque não legitimem a ela

própria – como instituição – numa mesma intensidade que os protocanônicos, que como já

vimos, na região nordeste são expressivamente oriundos da Igreja Católica, seus agentes

especializados.

Portanto, tudo isso parece apontar para a conformação de um sistema de prestações totais em

torno do fato votivo: troca-se tudo, em todos os níveis. O indivíduo (ordinário) troca com um

Outro (extra-ordinário), e este instituto elementar da troca influencia mutuamente outros

indivíduos no grupo, que estabelecem novas relações de intersubjetividade em diferentes

níveis ontológicos, sempre dentro de um sentido separado do cotidiano, de um senso de

sacralidade. Partindo dos sistemas de troca tradicionais, os crentes reelaboram novos perfis

devocionais, que contrastam com os modelos ortodoxos (supra-ordinários), que tentam, por

sua vez, integrar e deter um relativo domínio sobre o sistema que passa a se configurar. Os

signos votivos, portanto, apresentam-se como metáforas de uma disputa dentro do campo

simbólico: para se falar de dependência, fala-se de fé. Voltarei a considerar outros aspectos

transacionados neste sistema de prestações totais na conclusão deste trabalho.

3.3 Sob o signo da solidariedade: outros estudos taxonômicos

Nesta terceira e última seção trago com mais força a noção de signo votivo. Não filio esse

termo nem o uso que dele farei exclusivamente à semiótica peirceana – isto estaria muito além

das nossas atuais possibilidades, dentro dos limites desta tese, vistas as variadas dimensões

significativas oferecidas pelo fato votivo total, já expressas em 3.1 e 3.2. Contudo, tomo a

Teoria dos Signos como referência em alguns instantes, eficaz que nos é em muitos de seus

fundamentos. Ao me referir, logo no título da tese, ao “signo votivo” no nordeste oriental do

Brasil, considero a amplitude significativa do termo, tratando também este tipo de signo como

“algo que se apresenta à mente” (SANTAELLA, 2002, p. 07). É grande o repertório do que se

pode assumir como signo votivo: seja na condição de representação concreta, seja como idéia,

prática ou mesmo relação. Seja na função de palavra e/ou de coisa, seja pela sua dimensão

estruturante ou pelo seu caráter estruturado. Reconheço todas as possibilidades de ser do

signo votivo. Contudo, não sei se seria possível me apropriar de todas elas. Portanto, esta

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87

seção não tratará de “classificar” semioticamente as diversas dimensões, direções e sentidos

do signo votivo, mas de contextualizar, quando for o caso, modelos classificatórios

específicos. A vitalidade do termo, entretanto, será conservada.

A tarefa de propor a criação de esquemas abstratos para expressar categorias classificatórias

de signos numa síntese de comunidades distintas é, no mínimo, de risco eminente. Mesmo

assim, a Antropologia tem provado que, ao mesmo tempo, não há outra via. Os papéis

simultaneamente desempenhados como conceito (idéia, significado) e como indicativo

(imagem, significante) deste nosso objeto (o signo) tornam a percepção do fato votivo mais

nebulosa, uma vez que este não se apresenta numa única dimensão compreensiva. Isso faz

com que as generalizações tornem-se uma operação um tanto delicada, caso não sejam feitas

se considerando, em palavras de Malinowski79, “a simplificação da variedade e a

multiplicidade dos fatos” (in DURHAM, 1986, p. 146).

A dimensão conceitual do signo votivo foi abordada nas duas seções anteriores. Nesta terceira

parte irei especificamente à consideração do caráter significante, no poder do imagético deste

signo.

Como já afirmei em outra oportunidade, a tema dos “ex-votos” já fora alvo de outros estudos

no Brasil, alguns marcados pela ênfase na localização espacial, outros mais interessados em

propor análises no campo artístico ou museológico. Em nenhum dos muitos estudos

consultados pude encontrar sistemas de classificação suficientemente satisfatórios: ou se

restringiam a coleções muito particulares, de extensão e variedade limitadas80, ou

consideravam poucos aspectos igualmente limitados de significação81. Não acredito que esta

tese terá um caráter reformulador ou corretivo dos pontos sensíveis das produções passadas,

mas existe uma grande intenção de apresentar um resultado que se ainda não a contento, seja

pelo menos agregador das lições positivas espalhadas pelos estudos anteriores.

Há algumas questões de método que valem ser ressaltadas. Conforme já esclareci no Capítulo

1, a observação a cada sítio votivo gerou a elaboração de um corpus referencial localizado,

79 MALINOWSKI, Bronislaw. Baloma: the spirits of the death in the Trobriand Islands (excerto). In: ____. Magic, science and religion: and other essays. Introdução de Robert Redfield. New York, Doubleday, 1954. Seção VIII, p. 237-254. 80 Cf. SAIA (1944), VALLADARES (1967) e SILVA (1971). 81 Cf. ARAÚJO (1967) e SILVA (1981).

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88

baseado nas fontes que se apresentavam no instante das visitas e em observações ou citações

anteriores, corpus este que levado à análise classificatória possibilitou a produção de

taxonomias tipológicas gerais. O critério mais decisivo foi considerar, em princípio, toda e

qualquer manifestação que pudesse conter alguma forma de significado votivo: material ou

imaterial, individual ou coletiva, de raiz ortodoxa ou popular, pura ou manipulada. Qualquer

coisa poderia ser signo, a depender da posição lógica que viesse a ocupar no sistema de

interpretações. Operaram como limites do ilimitável, dessa forma. Há de se considerar

também os limites interpretativos deste autor, que não são infalíveis nem se propõem como

definitivos, mas neste caso, definidores do próprio resultado.

A síntese do trabalho de campo revelou algumas possibilidades de redução de esboços

classificatórios sobre os signos votivos, em diferentes tipologias. A primeira apresentei na

seção 3.1, caracterizando as sete possíveis funções crônicas da oferta votiva, a seguir, na

seção 3.2, expus uma possível classificação de tipos e perfis devocionais. O primeiro quadro

esteve voltado para a percepção da função da oferta dentro de uma referência de tempo

cíclico, com começo, meio e fim. O segundo quadro deu conta de elaborar os status que são

estabelecidos pelos diferentes setores envolvidos no fenômeno religioso em questão.

Partindo daquelas sete estações crônicas e sem confiável método para definir com exatidão o

posicionamento temporal de cada “coisa observada” no ciclo, duas outras formas de

classificação dos signos votivos foram definidas: quanto às propriedades sígnicas e quanto às

formas expressivas. Irei inicialmente expor cada uma delas separadamente, não considerando

suas áreas de tangência ou interseção. A elaboração dessas duas categorias foi conseqüente da

aplicação de um método crítico indutivo, que partiu da análise do conjunto de observações

específicas, gerando regras gerais cuja validade foi testada ao longo de toda a produção do

trabalho. Consistiu, no fundo, de uma espécie de “autópsia” sobre as formas de expressão

votiva, de um trabalho hermenêutico passível de todos os riscos que tal operação pode prever.

3.3.1 Classificação quanto às propriedades sígnicas

Esta primeira abordagem classificatória parte das lições fundamentais da Semiótica. Levando

em conta o princípio básico de que signo é algo que se apresenta à mente, considerei como

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signo votivo cada forma possível de oblação e/ou de atitude pessoal ou coletiva implicada

numa relação de troca com as características factíveis do nosso campo de especulação82. Os

signos votivos são “objetos imediatos” de determinados “objetos dinâmicos”, aos quais eles

são submetidos a correspondentes, ou seja, são veículos ideativos. Assim, os “objetos

dinâmicos” tendem a ser estáveis, ao passo que os “objetos imediatos” podem variar

absurdamente, dentro de certas propriedades inerentes aos signos. Trata-se como “objeto do

signo” aquilo que ele (o signo) representa, indica ou a que se refere. No nosso caso “objeto do

signo” são as motivações (vicissitudes, anseios, necessidades, desejos, entre outras categorias

que ainda serão discriminadas) que fundam o pacto entre indivíduo-outro e que são expressas

de acordo com as conveniências e possibilidades deste sujeito em transação. Por

“interpretante do signo” entende-se o efeito que o signo irá provocar em um possível

intérprete. Creio que nas seções 3.1 e 3.2 não pude esconder a preferência em acreditar que os

signos votivos são capazes de provocar algo que vai muito mais além de uma comunicação

direta e inequívoca entre indivíduos: provoca vínculos solidários, por todas as razões e em

todos os níveis que já expus. Permanecerei com esta preferência, ainda que reconheça que

outros entendimentos são possíveis83.

Postos estes critérios fundamentais, considerei inicialmente as três categorias do signo

elaboradas por Peirce (2006) [1868], de acordo com o tipo de representação: a de semelhança,

a de correspondência de fato e a de convencionalidade das leis. Partindo dessa noção triádica,

defini três as categorias de representação do signo votivo que foram adotadas neste estudo:

representações figuradas, designações indiciais da graça/milagre e expressões

essencialmente simbólicas. Tais categorias não são excludentes entre si, uma vez que os seus

fundamentos podem ser sobrepostos.

A primeira categoria, das representações figuradas, foi definida pelo valor de representação

icônica do signo votivo, baseada na referência visual a fundamentos comuns que denotam

semelhança entre os objetos imediato e dinâmico. Ou seja, nela considerei os “objetos

imediatos” estritamente pela sua funcionalidade descritiva, pelo uso expressivo que fazem da

representação por semelhança a partir de um determinado “objeto dinâmico”. Como

representações figuradas, considerei além do nível imagético (similaridade pela aparência), o

82 Para usar as confusas categorias do Patrimônio Cultural: manifestações “tangíveis” e “intangíveis”. 83 Cf., novamente, BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: teoria e metodologia. São Paulo: Metodista, 2004.

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nível de diagrama (similaridade entre as relações internas dos dois objetos em questão) e o

nível metafórico (similaridade significativa).

Por representações figuradas de nível imagético defini as formas de expressão votivas que

guardavam relação de semelhança com, por exemplo, partes do corpo humano (SE51 a

SE54), ou com o corpo como um todo (SE55 e SE56), também as miniaturas de animais

(SE57) ou de construções habitacionais ou religiosas (SE58), e até as fotografias em 3x4

quando utilizadas na função de apelo protetivo (SE16).

Por representações figuradas em nível de diagrama considerei a ocorrência da oferta votiva

sob a forma de exames de saúde expressos em imagem, por exemplo, radiografias e

eletrocardiogramas.

Por representações figuradas em nível de metáfora considerei a dimensão que certas

representações similares ganham ao extrapolar sua mera presença imagética, por exemplo, a

cabeça em madeira representando um problema psíquico (SE35), bolas de gude representando

olhos (SE59) ou a representação de genitálias e aparelhos reprodutivos (SE60 e SE61) em

referência à fertilidade ou vigor sexual.

A segunda categoria, formada pelas designações indiciais da graça/milagre, foi definida pela

capacidade de contextualização e correspondência de um determinado fato por um objeto

votivo, numa referência a fundamentos comuns e a correlatos. Ou seja, o tipo ideal desta

categoria é expresso pelo signo votivo que, no seu aspecto existencial, aponta para um outro

pré-existente (normalmente um fenômeno), do qual se torna parte, confirmando-o: as oblações

antropomórficas in natura (SE29), os aparelhos ortopédicos ofertados como ex-voto, após a

recuperação da saúde (SE62 e SE63), o vestido de noiva que agradece o casamento. Em

alguns casos são os chamados “objetos testemunhos do milagre”, por serem, com efeito,

“objetos imediatos” do fato. Em outros já não podem ser considerados assim. Santaella (2002,

p. 19) afirma que o objeto imediato do índice é a maneira como o índice é capaz de indicar

aquele outro existente, seu objeto dinâmico, com o qual ele mantém uma conexão existencial.

Isso faz com que as fotografias (no sentido de papel impresso), por exemplo, cumpram uma

função indicial, mas não sejam, a rigor, “objetos imediatos” dos “objetos dinâmicos” que

referem: estes imediatos estão circunscritos no recorte específico apresentado através da

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91

fotografia (SE64). Assim também se procede com certas expressões do desenho e a pintura,

via de regra (SE65 e SE66).

Por fim, a terceira categoria, das expressões essencialmente simbólicas. Esta foi definida pela

expressão do signo votivo a partir do conjunto de características convencionadas

coletivamente, imputadas, referentes a um fundamento, a um correlato e a um interpretante.

Ou seja, as expressões votivas essencialmente simbólicas são aquelas que se manifestam na

variação sobre os modos de expressão do “objeto dinâmico”: elas são “objetos imediatos” que

extrapolam ideativamente as correspondências imagéticas diretas, representando, no seu

recorte particular, variados recortes particulares do “objeto dinâmico”, com grande poder

sugestivo. Por exemplo: ex-votos penitenciais como cruzes (SE28 e SE67), a oferta votiva de

imagens de santos (SE68 a SE70) ou mesmo a queima de fogos em agradecimento ou júbilo.

Este esboço classificatório contém as três dimensões possíveis para a dotação significativa das

formas votivas: trata-se essencialmente de um esquema abstrato, muito útil em certa medida.

Estas três dimensões não implicam em exclusividade, o que torna ainda mais temerário

acreditar que, desconhecendo as motivações que levaram à emergência do objeto ou ato

ofertivo, seja possível efetivar tabulações indiscutivelmente eficientes. Do ponto de vista da

confiabilidade do método científico e na especificidade da presente tese, esta desponta como

uma limitação da própria Semiótica, que não parece dispor de suficientes meios mais

incisivos e decisivos no fenômeno total, mesmo quando da aplicação das Teorias da

Significação, da Objetivação ou da Interpretação: estaciona-se no âmbito representativo.

Acontece que o signo votivo tem ainda algumas outras dimensões.

3.3.2 Classificação quanto às formas expressivas

Este segundo esboço classificatório baseou-se exclusivamente nas inferências oriundas do

trabalho de campo. Como já exposto, o meu interesse pelo tema das relações votivas teve

início na avaliação dos contrastes entre a produção seriada e a produção tradicional, de base

artesanal, lançando, logo de início, uma preocupação no que se referia à caracterização das

tipologias do objeto votivo, especialmente num sentido comparativista. Portanto, a atenção a

essa dimensão “existencial” dos signos votivos sempre foi um foco ativo do trabalho, já que

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se configurava como uma necessidade interna. Isso não significa, por outro lado, que a

percepção destas categorias formais tenha sido tarefa das mais simples: a pouca precisão e a

ambigüidade de boa parte das categorias adotadas sempre estiveram presentes, o que fez com

que o esquema fosse periodicamente sendo revisto e ajustado a termos mais coerentes, até se

chegar num ponto satisfatório.

Contribuíram para a consolidação deste esboço, ainda que de forma bastante pontual, os

estudos de Clarival do Prado Valladares (1967) e de Maria Augusta Machado da Silva (1981).

Falando-se mais amplamente do ponto de vista metodológico, segui algumas recomendações

sugeridas por Boris Kossoy (2001) na especificidade dos estudos iconográficos,

especialmente no trato com as fontes (no nosso caso, as expressões votivas).

O Esboço classificatório das formas expressivas dos signos votivos (vide APÊNDICE G) foi

elaborado dentro do método indutivo, partindo da observação dos “signos resultantes” (os

“objetos imediatos”). Estes “signos resultantes” foram sendo identificados e classificados

inicialmente em mapas locais (em cada sítio votivo), sendo depois ampliados dentro de

esquemas gerais, resultando num desdobramento em cinco níveis, a saber: forma de

expressão, morfologia, processo expressivo utilizado, caráter expressivo e signo resultante.

Gostaria de comentar detalhadamente cada um deles, desta vez numa ordem reversa, partindo

do geral para o específico. O primeiro nível, que definiu a forma de expressão, dividiu-se em

dois sistemas: a forma de expressão verbal e a forma de expressão não-verbal.

A) Forma de expressão verbal: considerei, nesta primeira grande categoria, as formas

expressivas derivadas do uso da palavra, classificando-as, num segundo nível, nas

morfologias escrita ou falada.

A.1) Morfologia escrita: classifiquei as ocorrências a partir do processo expressivo

utilizado, nas categorias manuscritura a tinta, gravação direta por meio mecânico,

gravação ou colagem indireta por meio mecânico e adaptação ou ressignificação:

A.1.1) Processo expressivo de manuscritura a tinta: no caso do caráter

expressivo bidimensional, considerei os signos resultantes expressos em

manuscrituras sobre papel (pautado ou não, soltos ou integrados a outros

objetos votivos) (SE71 e SE72); manuscrituras sobre verso de fotografia

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(SE21-22 e SE37-38); manuscrituras sobre fita de tecido (SE73), placa de

madeira, metal ou plástico (SE74); manuscrituras sobre vinil (SE39 e

SE40) ou manuscrituras em parede (SE75 a SE77). No caso do caráter

expressivo tridimensional, considerei os signos resultantes expressos em

manuscrituras diretamente registradas sobre objeto votivo tridimensional;

A.1.2) Processo expressivo de gravação direta por meio mecânico: no

caráter expressivo bidimensional considerei os signos resultantes das

gravações em alto ou baixo relevo sobre placa em pedra, metal, acrílico,

madeira e cerâmica (SE78 e SE79). No caráter expressivo tridimensional

considerei os signos resultantes sob a forma de gravação em alto ou baixo

relevo diretamente aplicadas sobre objeto votivo tridimensional;

A.1.3) Processo expressivo de gravação ou colagem indireta por meio

mecânico: no caráter expressivo bidimensional considerei os seguintes

signos resultantes: datilografia sobre papel (SE33); impressão em processo

tipográfico sobre papel; impressão em processo serigráfico sobre papel,

tecido ou vinil; impressão em processo off set sobre papel; impressão em

processo informatizado (matricial, jato de tinta ou laser) sobre papel

(SE80) e colagem em processo de plotagem (sign) sobre vinil. No caso do

caráter expressivo tridimensional considerei os signos resultantes em

impressão em processo serigráfico sobre objeto votivo tridimensional e a

colagem em processo de plotagem eletrônica (sign) sobre objeto votivo

tridimensional. Tanto na dimensão bidimensional quanto na tridimensional

as ocorrências do processo expressivo de gravação ou colagem indireta por

meio mecânico são bastante raras;

A.1.4) Processo expressivo baseado em adaptação ou ressignificação: nesta

última categoria da morfologia escrita, considerei basicamente expressões de

caráter bidimensional, nos seguintes signos resultantes: oferta de

documentos pessoais (em original ou fotocópia: RG, Cadastro de Pessoa

Física – CPF – Título de Eleitor, Carteira Nacional de Habilitação, Carteira

de Trabalho, crachá funcional, entre outros); resultados e laudos de exames

de saúde (SE81 e SE82); registros de conquistas na vida pessoal (convites

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de aniversário, formatura e casamento, por exemplo); registros de

conquistas na vida acadêmica (boletins escolares, certificados e diplomas de

conclusão de curso, por exemplo) (SE78); registros de conquistas

profissionais (certificados e diplomas de investiduras a cargos de fé pública,

como diplomação para vereador, por exemplo) (SE83); registros de

passamento (santinhos de morte, de missa comemorativa de 7 e de 30 dias,

de missa de um ano, por exemplo); santinhos e cartazes de campanha

política; recortes de notícias veiculadas em jornais e revistas; cartazes de

divulgação de eventos e orações dedicadas a santos. Não constatei

expressões similares de caráter tridimensional;

A.2) Morfologia falada: classifiquei as ocorrências a partir de duas origens

expressivas, como expressão do indivíduo e como expressão do grupo:

A.2.1) Expressão do indivíduo: as expressões silenciosamente declaradas

consistiram nas preces, ocorrência fartamente observada nos diversos

centros votivos (SE84). As expressões publicamente declaradas

caracterizam-se pela intenção de demonstração pública da devoção,

expressando-se na atribuição de onomásticos (topônimos e nomes de

batismo ou cognomes) e dos depoimentos em público (muito comuns nas

épocas de romaria, através das transmissões de programas por rádios locais,

normalmente em Amplitude Modulada – AM);

A.2.2) Expressão do grupo: também foi dividida em expressões

silenciosamente declaradas (preces coletivas, compartilhadas em silêncio) e

em expressões publicamente declaradas (atribuição de onomásticos –

topônimos e cognomes – e preces e cânticos entoados em grupo);

B) Forma de expressão não-verbal: este segundo grande grupo foi baseado naquelas formas

expressivas que prescindiam o uso da palavra. Estabeleci as morfologias em representações

figurativas inorgânicas, representações figurativas orgânicas e representações não

figurativas:

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B.1) Morfologia representação figurativa inorgânica: foi definida a partir das

ocorrências cujas propriedades sígnicas se aproximavam das representações

figuradas, cuja base expressiva era constituída de material em estado estável,

normalmente transformado pelo homem. A partir do processo expressivo utilizado

foi classificada em manufatura especialmente construída, não-manufatura

especialmente construída e adaptação ou ressignificação:

B.1.1) Processo expressivo manufatura especialmente construída: no caráter

bidimensional, envolveu todos os objetos votivos construídos especialmente

para o fim transacional: desenhos (sobre papel, placa de madeira, tecido,

placa metálica, emoldurados ou não) (SE85); pinturas (sobre papel, isopor,

madeira, tecido, cerâmica, vidro, placa metálica, emolduradas ou não)

(SE65 e SE66); gravuras (sobre papel, tecido, placa de madeira, placa

metálica, pedra, emolduradas ou não); esculturas em alto ou baixo relevo

(sobre placa de madeira ou placa de metal) e peças votivas recortadas (de

placas de papel ou papelão, isopor, madeira, pedra, plástico, acrílico ou

metal) (SE86). No caráter tridimensional considerei as construções ou

intervenções reparadoras em santuários, igrejas, capelas, oratórios, estátuas,

bustos, jazigos, cruzeiros, entre outros ambientes (SE87); as miniaturas de

construções habitacionais ou religiosas (em papel ou papelão, isopor,

madeira, material argiloso, vidro ou pedra) (SE58, SE88 e SE90);

esculturas de partes do corpo ou corpo inteiro (em madeira, pedra ou

isopor) (SE35, SE36, SE52 e SE56); objetos votivos moldados (em cera,

material argiloso, gesso, borracha, plástico ou metal) (SE51, SE54, SE91 e

SE92); objetos votivos modelados (em material argiloso) (SE93 a SE96);

objetos votivos costurados (em tecido ou fibra vegetal) (SE97 e SE98) e

objetos de uso penitencial (vestes feitas sob medida, coroas de espinhos,

cruzes em madeira, entre outras expressões) (SE28 e SE30);

B.1.2) Processo expressivo não-manufatura especialmente construída: no

caráter bidimensional considerei as fotografias tomadas originalmente com

o objetivo de designação indicial da graça ou milagre, ou seja, as fotografias

que não são fruto de reaproveitamento, mas que emergem da necessidade

narrativa e esclarecedora do dom (fotografias em cor ou em preto-e-branco,

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ampliadas, instantâneas ou geradas em negativo, de processamento

tradicional ou montada e tratada digitalmente, emolduradas ou não). Não

registrei expressões similares de caráter tridimensional;

B.1.3) Processo expressivo baseado em adaptação ou ressignificação: nesta

última categoria pude encontrar signos votivos de caráter bi e

tridimensional. Como o título já indica, consiste da utilização expressiva de

objetos que tinham originalmente outra função, sendo criativamente

interpretados e adaptados pelos devotos como objetos votivos. Em

bidimensionais considerei as fotografias reaproveitadas ofertadas pelos

devotos (especialmente como apelos protetivos, nos formatos 2x2 e 3x4)

(SE16, SE99 e SE100); retratos pintados à mão a partir de fotografia (os

tradicionais retratos pintados fotográficos) (SE101); resultados de exames

de saúde (radiografias, ultrassonografias e outros exames essencialmente por

imagem); imagens e lembranças de santos católicos (gravuras de santos,

emolduradas ou não) (SE102); imagens de divindades de cânones não-

católicos (gravuras, especialmente das religiões de matriz africana) e

imagens de personalidades afins ao catolicismo (papas, “santos populares”

ou perfis protocanônicos e não-canônicos) (SE103) ou de personalidades

públicas (políticos e artistas). As expressões de caráter tridimensional são

diversas e numerosas neste caso: registros de conquistas pessoais (troféus,

vestidos de noiva, por exemplo) (SE104); registros de conquistas

profissionais (uniformes militares ou de times de futebol, raquetes de tênis,

por exemplo) (SE104 e SE105); registros de êxitos acadêmicos (livros e

cadernos); analógicos humanos miniaturalizados (bonecas em plástico,

tecido ou cerâmica) (SE55 e SE106); miniaturas de animais domésticos ou

de criação (sobretudo bovinos, eqüinos e caninos, em cerâmica ou em

plástico) (SE57); objetos de uso terapêutico (cadeira de rodas, aparelhos

ortopédicos, bengalas, muletas, óculos, lentes de contato, aparelhos

ortodônticos, moldes de gesso, entre muitos outros) (SE62 e SE63); objetos

de uso litúrgico (terços e escapulários, principalmente); objetos utilitários de

uso pessoal ou profissional (roupas, calçados, chapéus, réplicas de aparelho

telefônico celular, capacetes de motociclista, volantes de automóveis,

bicicletas, instrumentos musicais, moedas, notas de dinheiro antigas, chaves,

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por exemplo) (SE34 e SE107); materiais de construção (telhas, blocos e

tijolos, azulejos e lajotas); imagens e lembranças de santos católicos

(policromadas, normalmente de fabricação seriada) (SE68 a SE70); imagens

de personalidades afins ao catolicismo (nas mesmas circunstâncias que as

expressões de caráter bidimensional); imagens de divindades de cânones

não-católicos (idem) (SE108 e SE109) e flores ornamentais em plástico,

entre outras expressões;

B.2) Morfologia representação figurativa orgânica: foi definida a partir do

processo expressivo de apresentação in natura, normalmente sem sofrer

interferências por parte do doador: de caráter expressivo antropomórfico, quando o

doador oferta parte do próprio corpo como testemunho de sacrifício pessoal,

graça ou milagre (ossos, unhas, dentes, mechas de cabelo e de barba, biópsias)

(SE29); de caráter expressivo zoomórfico, quando se oferta um animal vivo ou

partes do corpo de um animal (chifres, cascos, ossadas, pele) como testemunho de

um portento, ou, por fim, de caráter expressivo fitomórfico, baseado em ofertas

vegetais colhidas na natureza (flores em buquês ou coroas, ramos e galhos de

vegetais) (SE110);

B.3) Morfologia representação não-figurativa: esta categoria foi definida

essencialmente por expressões de caráter simbólico, sob duas formas: de cunho

individual e de vivência compartilhada:

B.3.1) Expressão de cunho individual: englobou a oferta de oblatos, como

velas (SE111), fitas e medidas (SE17), pedras (SE23), cortes de tecido e

doces (balas e bombons) (SE112) e performances rituais individuais,

baseadas em penitências envolvendo interdições e/ou obrigações para o fiel

(sacrifícios pessoais, baseados em abstinências, interdições ou obrigações ou

visitas periódicas a lugares sagrados, por exemplo);

B.3.2) Expressão de vivência compartilhada: também englobou a oferta de

oblatos (ritos comensais e doação de dinheiro em espécie para fim de

caridade ou do bem da coletividade) e performances rituais (participação

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em ritos coletivos – romarias e peregrinações, júbilos, quermesses – e

queima de fogos);

Aparentemente cada um destes três grupos de forma de expressão não-verbal guarda uma

relação de correspondência direta com os três grupos classificatórios apontados em 3.3.1

(representações figuradas, designações indicativas da graça/milagre e expressões

essencialmente simbólicas). Apenas aparentemente. A dinâmica interpretativa do ato ou

objeto votivo por parte dos devotos não permitiria um alinhamento tão rígido: usa-se e abusa-

se, ainda que intuitivamente, das múltiplas capacidades expressivas do signo, deslocando-o e

enriquecendo-o, não nos dando espaço para especular além das classificações tipológicas

ideais. Por isso, por mais que saibamos que o presente esboço classificatório seja apenas um

indicativo parcial e abstrato do complexo fenômeno observado – desejoso pela planificação

dos registros votivos, por sua natureza, um universo particular muito mais intensamente

dinâmico e abstrato – o tomaremos, doravante, como fonte primária de referência, uma vez

que a observação a ele dirigida é criteriosa e consciente da sua relatividade fenomênica.

A partir das observações realizadas, gostaria de apontar algumas conclusões fundadas na

análise sistemática não só deste quadro geral, mas das particularidades de cada uma das

expressões locais incluída neste estudo, valendo a referência cruzada com as funções crônicas

da oferta votiva e as propriedades sígnicas que assumem, ambas argumentadas mais

anteriormente.

De um modo geral, os sítios votivos do nordeste oriental do Brasil apresentam tendências

muito claras no que diz respeito à predominância de certas formas expressivas dos signos

votivos:

1. É comum em quase todos os sítios do nordeste oriental do Brasil (vide as Fichas de

Inventário de Sítio, FIS) a presença de manuscrituras a tinta sobre papel. Estas manuscrituras

em muito poucos casos são relatos de graças ou milagres, mas predominam como apelos

protetivos – pedidos de proteção pessoal, de sucesso no campo profissional, na vida amorosa

e principalmente no sentido da espiritualidade, já que é comum ler apelos de paz e

tranqüilidade para o pedinte ou para entes próximos. Em resumo, o signo votivo expresso

num manuscrito em papel não implica num contrato votivo típico, conforme exposto na seção

3.1, mas se configura como uma forma especial de vínculo, baseada na fé, que pode evoluir

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99

para um voto ou emergir como agradecimento (ex-voto), mas não guarda necessariamente esta

prerrogativa;

2. Em geral os manuscritos em versos de fotografia, especialmente nas fotografias em

3x4 – também freqüentemente configuradas como apelos protetivos – e nas pequenas

ampliações com retratos pessoais, trazem apenas o nome do devoto, muito raramente

elucidando melhor as motivações de sua emergência no ciclo votivo;

3. O processo de gravação direta por meio mecânico imputa aos signos votivos um

padrão discursivo que dificilmente revela as motivações dos vínculos (vide o caso típico do

Santuário da Virgem dos Pobres, em Maceió-AL, FIS36). Normalmente na função de ex-

votos, as placas votivas limitam-se a agradecer “graças alcançadas”84, ou “uma graça

concedida”, ou mesmo “a cura de...”. Talvez por se caracterizar como uma mensagem curta, o

relato em si fica em segundo plano, deixando sobressair-se exclusivamente o ato público de

agradecimento, que é a essência do contra-dom;

4. Já pontuei que os processos de gravação ou colagem indireta por meio mecânico são

um tanto quanto raros. Quando se os verifica, ocorrem a partir da datilografia sobre papel ou

da impressão em processo informatizado (por impressoras domésticas), normalmente

recortando-se e colando-se o “relato” sobre um objeto votivo. É difícil encontrar amostras

avulsas desse tipo. As impressões em processo tipográfico ou off set se tornaram muito

comuns nos últimos anos, especialmente em torno das figuras de Santo Expedito e São Judas

Tadeu. Contudo, pelo aspecto seriado e pela proposta do alcance em massa (as tiragens são

em milhares de unidades, para compensar o custo de impressão), circulam muitas vezes muito

distantes dos centros votivos atribuídos aos santos de evocação, abrindo a prerrogativa de uma

comunicação pop85, em oposição ao conceito de folkcomunicação elaborado por Beltrão

(2004) e fundada na relativização do espaço – a exploração do conceito de não-lugar (AUGÉ,

1994) votivo – com uma audiência massificada;

84 O termo “graça alcançada” na maioria das vezes me parece inapropriado: se a graça é uma dádiva, ela é dada, concedida. Só implicaria em alcançá-la aquele ato que pudesse construí-la, talvez como resultado do esforço particular do fiel. Ora, se todo processo votivo se funda na dádiva, na dinâmica da coisa dada, recebida e retribuída, os termos “alcançar” ou “obter” parecem substituir a intervenção divina pelo mérito pessoal, excluindo a função do outro votivo. É, sem dúvida, um contra-senso. Talvez em poucos casos onde se implica o sacrifício pessoal essa expressão pudesse ter efeito. No geral, creio que se falar em agradecimento pela “graça concedida” seja mais esclarecedor e fidedigno do funcionamento do sistema votivo. 85 Não obstante o desgaste do termo, tomo-o na acepção que o caracteriza como produto da cultura de massa, pós-industrial, baseado na seriação e na simplificação da mensagem e generalização da forma.

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100

5. As adaptações ou ressignificações da forma de expressão verbal escrita apontam

para duas circunstâncias crônicas no ciclo votivo: vezes aparecem como apelos protetivos,

vezes despontam como ex-votos. Podemos acreditar que a fotocópia de uma Carteira Nacional

de Habilitação (CNH) expresse o agradecimento daquele que obteve a sua “carteira de

motorista”, o que pode significar uma nova perspectiva profissional, ou mesmo uma conquista

pessoal. Da mesma forma observamos os crachás funcionais, orgulhosamente ofertados (e

identificados) como o agradecimento pela conquista do emprego. E assim se verifica também

os exames de saúde, que atestam o alívio perante um risco iminente à integridade física do

agraciado. Esses tipos de registros demonstram a gratidão por aquilo que já se obteve,

independente de terem sido fruto de uma promessa, de terem cumprido o típico ciclo votivo.

São diferentes, entretanto, de certas oblações que delimitam muito claramente um apelo

protetivo: um registro de passamento, como um santinho de morte ou de missa de sétimo dia,

deixam muito claro que se pede algo. Pede-se a proteção divina para o bom descanso. No

mínimo, se pode pensar que tais oblações funcionam não dentro de uma lei de similaridade,

como normalmente se pode pensar as ofertas votivas, mas de uma lei de contato

(contigüidade), lembrando Frazer: “o contato com a relíquia de um santo, parte de seu corpo

ou sua roupa, curará ou ajudará o devoto como se o próprio santo o fizesse” (FRAZER, 1982,

p. 42). Pretende-se que o ente querido, expresso por um índice (santinho ou mesmo uma

fotografia), em contato não com uma relíquia, exatamente, mas num espaço sagrado,

permaneça em contato permanente com o santo de devoção, seu protetor. Ao menos esta

tende a ser a intenção do ente querido que assim o coloque;

6. A forma de expressão verbal falada manifesta-se dentro de uma dinâmica muitas

vezes de difícil compreensão. Nem sempre são claras as áreas de delimitação do que é uma

expressão estritamente individual para o que é uma expressão do grupo. As preces são um

ponto de corte típico. Podem ser constatadas como uma prática silenciosa e individual (como

pude observar em quase todos os sítios visitados) ou pode ser vista em orações coletivas, em

voz alta e em ação de graças. As preces compartilhadas em silêncio são mais raras, mas pude

observar em algumas localidades. Conheci dois casos particularmente notáveis de atribuição

particular de onomástico. No primeiro deles, na cidade de Florânia-RN, uma senhora de nome

Noíldes relatou ter batizado a filha como “Maria das Graças” em virtude de uma promessa

feita a Nossa Senhora das Graças (uma das devoções locais, cujo santuário não cheguei a

visitar), pedindo que uma imperfeição ortopédica da criança recém-nascida fosse curada. E

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foi. Em poucos dias o pezinho do bebê diminuía a arqueadura para dentro, e se desenvolvia

conforme a normalidade. Em outro caso, destaco a história de “Zezinho rezador”, homem

humilde que tomou para si a preservação do culto a Santa Amélia, em Maceió-AL (FIS16).

Emocionado ao relembrar o passado de “excessos e sangue”, Zezinho se converteu há oito

anos como devoto de Santa Amélia86. Desde então tomou a postura de um verdadeiro

sacerdote local, celebrando “rezas” (cântico de ofícios e benzeduras a quem necessitar),

assimilando assim o cognome de “rezador”. A relação com a santa mudou sua vida e seu

nome. De relações pouco amáveis com a Arquidiocese de Maceió e com os párocos locais,

Zezinho reestruturou e ampliou a capela e fez renovar-se um culto – citado por Théo Brandão

no final da década de 1960 – que estava prestes a desaparecer.

7. No campo das formas de expressão não-verbais inicialmente destaco a

presença paradigmática da fotografia. Fôra exatamente este o mote inicial do meu interesse

pelo tema. A fotografia traz, de fato, algo de diferente em relação aos registros expressivos

pictóricos? Sua emergência acarreta algum tipo de alteração substancial no campo das trocas

votivas? Cheguei a pensar ainda no princípio desta pesquisa, que o uso da fotografia

implicava num empobrecimento das narrativas sobre a graça ou milagre. Esta, na verdade, era

uma hipótese de partida: parecia-me nítida uma perda descritiva e criativa na passagem de um

meio manual de registro visual (a pintura) para o uso de um recurso técnico supostamente

mais seletivo e objetivista (a fotografia). Enquanto as pinturas apresentavam, além do fato em

descrição, uma rica interferência do imaginário dos seus autores (artistas de ofício ou não), as

fotografias pareciam carregar uma inegável dose de padronização do resultado final87. Além

disso, havia a impressão de que boa parte da riqueza “etnográfica” das pinturas era substituída

pelos registros posados e distantes da fotografia. Contudo, foram suposições que não

resistiram por muito tempo. Padrões sempre houve, e não seria privilégio da técnica

fotográfica (vide os estilemas das pinturas portuguesas que apontei na seção 2.1). Em verdade 86 Conta-se, entre várias versões diferentes, que uma moça (Amélia) e sua filha foram assassinadas na antiga Chã de Bebedouro, bairro de Maceió-AL, ermo à época, enquanto se dirigiam à casa de um parente. Passados alguns dias do desaparecimento, os corpos foram encontrados, exalando cheiro de flores em lugar de um estado de decomposição. Esta narrativa existe há 108 anos. 87 São muitos os modelos estéticos repetidos no universo das representações votivas fotografadas, mas destaco um, em particular. Ao redor dos templos e santuários é comum encontrar fotógrafos paramentados com fundos coloridos, roupas, acessórios e móveis para maior conforto e melhor apresentação visual dos seus modelos de ocasião. Não apenas os “lambe-lambes”, nem os usuários de câmeras instantâneas, mas até sofisticados adeptos da fotografia digital, estes fotógrafos dirigem seus fotografados, conhecedores que são da breve utilidade que terão estas fotografias junto aos altares e salas de milagres. Na cidade de Candeias-BA, como em Bom Jesus da Lapa-BA ou Juazeiro do Norte-CE, há nos arredores dos templos estúdios improvisados com cavalinhos-de-pau apropriados para as crianças, que podem se enfeitar também com um colete e um chapéu. Para os adultos, um fundo com uma pintura tosca da imagem dos santos ou uma paisagem bucólica (vide SE113 a 117).

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toda forma de expressão votiva se enquadra em padrões mais ou menos estabelecidos, estando

sua grande riqueza presente na forma sutil como se procedem as suas variações.

Não se sustentou o argumento de que, se comparada à pintura, a capacidade de síntese de

tempo e espaço da fotografia era necessariamente mais pobre. Se por um lado recursos mais

evasivos de representação visual – como a pintura – podem proporcionar uma interpretação

mais livre da descrição do ambiente sócio-cultural, por outro, o registro fotográfico,

independente da riqueza interpretativa que também pode proporcionar, se fortalece como

“prova” do ambiente sócio-cultural exatamente pelo motivo oposto: por ser uma técnica em

tese menos evasiva do que a pintura, a fotografia tende a conservar aspectos mais próximos

daquilo que o olho vê, em lugar daquilo que a mente imagina, isso se considerando

especificamente as particularidades da fotografia nos círculos votivos – situação muito

distinta do uso da fotografia no campo artístico. Tende, que fique bem claro. Não significa

que sua ocorrência encerre sempre esta regra ideal. Nunca vi uma seqüência fotográfica numa

sala dos milagres, isso leva a crer que o aspecto sincrônico possível nas pinturas (de, por

exemplo, relatar o começo, meio e fim dos fatos) continua improvável na fotografia, ainda

descritiva de um único espaço num único instante de tempo. Definitivamente, creio que isso

não chega a implicar em um empobrecimento, nem estético, nem narrativo.

A função indicial de ambas as técnicas se mantém, mesmo com a mudança dos meios de

representação. A fotografia confirma, em linguagem hodierna, aquela mesma certeza

libertadora do mal que já se encontrava nas tradicionais expressões pictóricas. Tudo leva a

crer que é uma mudança apenas aparente, pois a função essencial se mantém: muda-se o tema,

ou a forma narrativa, mas a motivação última permanece.

Porém duas faltas se há de lamentar. A primeira é o sumiço da “divindade” evocada na

fotografia. Talvez este seja o ponto mais sentido na mudança de um suporte para o outro. As

resplandecentes imagens de Jesus Cristo, Nossa Senhora ou de outros santos católicos, marca

mais mística das pinturas votivas, perdeu seu lugar na fotografia, por natureza uma forma de

registro do mundo concreto. Nunca cheguei ao ponto de associar esta ausência a algum tipo

de iconoclastia, mas já ouvi, sem dar muita atenção, outros colegas insistirem nesta evidência,

provocada pelas religiões pentecostais e neopentecostais. Não parece fazer sentido, pois se

falta uma imagem icônica da divindade, sua imagem simbólica não poderia ser mais forte na

ocorrência do índice fotográfico como objeto votivo. A segunda falta é a do próprio relato,

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que na pintura ocupava lugar de destaque e na fotografia, quando ocorre, vai parar no verso da

imagem, privando uma associação mais direta entre imagem e fato. É a perda de dois pontos

neurais que fortaleciam as representações visuais como importante objeto da expressão

popular. Neste sentido, não há como deixar de admitir um prejuízo.

No entanto, há fotografias e fotografias: por isso vale insistir na ressalva das múltiplas

funcionalidades do registro fotográfico dentro do sistema votivo. A imagem fotográfica pode

funcionar como apelo protetivo ou como uma espécie de “lembrança” ao santo de devoção

(especialmente quando utilizada desde o formato 3x4cm, até em ampliações simples,

normalmente em imagens reaproveitadas, apresentando retratos posados ou registros em

circunstâncias convalescentes). Também pode funcionar como ex-voto, num registro

fotográfico em geral mais elaborado no sentido da construção do cenário – se retornando a

lugares referentes à vicissitude ou incluindo objetos designativos da graça ou milagre, por

exemplo – caracterizando um ambiente especialmente construído.

8. Ainda falando das formas de expressão não-verbais, são notáveis as peças

manufaturadas especialmente construídas (em série ou não), sobretudo as que são analógicos

anatômicos do corpo humano, em geral tridimensionais. Neste caso os impactos da produção

industrial são ainda mais notáveis, especialmente por contrastarem entre localidades que ainda

apresentam forte vocação artesanal. Na cidade de São Cristóvão-SE, o principal espaço votivo

é a Igreja de Nossa Senhora do Carmo – o Carmo Menor – onde se cultua o Senhor dos

Passos (FIS31). Há nesta igreja uma caprichosa sala de milagres, onde funciona um

organizado museu, mantido pela irmandade fundadora do culto. Ao contrário do que acontece

na maioria dos sítios votivos do nordeste oriental do Brasil, não há um predomínio da

fotografia nesta sala (ainda que estas apareçam em número expressivo, quase sempre

emolduradas), mas de inúmeros objetos de feitio artesanal, especialmente em madeira (partes

do corpo, nem sempre construídas com maestria: pernas, em geral da panturrilha até a sola

dos pés; cabeças, que incluem pescoço; braços; mãos, quase sempre incluindo o antebraço),

além de peças diversas moldadas em gesso e cera e modeladas em argila. Em síntese, o sítio

de São Cristóvão tem uma vocação predominantemente artesanal. Segundo José Almeida,

membro da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo e responsável pelo Museu, é no período

da festa que os fiéis da região trazem maiores quantidades de peças (quase sempre de

madeira, gesso e argila). Mesmo com o volume crescente de fotografias, ainda há um sem

número de devotos que, sem acesso ou atração por este recurso e sem condições de

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comprar peças prontas feitas por artesãos88 (pré-moldadas ou não), recorrem à própria

produção dos seus ex-votos: “eles já visualizam as peças na natureza, trazendo objetos mais

rústicos”, sinaliza Almeida. Estes novos depósitos normalmente são alojados no primeiro

andar do museu, já que no seu pavimento térreo as peças ficam em exposição permanente.

Um quadro de hibridismo se exacerba em Juazeiro do Norte-CE, no culto ao Padre Cícero

(FIS21). Fincada no Vale do Cariri, a cidade tem quase 215.000 habitantes, mas recebe

anualmente um fluxo de centenas de milhares de romeiros. No comércio em torno da Serra do

Horto pude encontrar um grande número de barracas vendendo ex-votos prontos,

principalmente de partes do corpo humano (cabeças, olhos, braços, mãos, pernas e pés) em

madeira, nitidamente talhadas à mão. Fui surpreendido ao encontrar à venda imagens

tridimensionais do Padre Cícero feitas em borracha, à prova de choque ou quedas, muito mais

duráveis que as tradicionais imagens santas em gesso ou cerâmica. Visualmente mostravam-

se perfeitas, já que a nova tecnologia possibilita excelente modelagem e proporciona a

aplicação de cores muito mais vivas e permanentes. Em última análise, demonstram mais um

passo dado no sentido da submissão de toda a produção material da religiosidade a recursos

técnicos mais racionalizados e com cada vez menos interferência manual por parte de seus

fabricantes. Vale ressaltar que toda esta produção do santo em borracha é local, podendo-se

expandir esta tecnologia por todo o Brasil, a partir de encomendas para qualquer tipo de

devoção. É sem dúvida uma ameaça ao futuro dos tradicionais restauradores de imagens

sacras.

9. Outra categoria que merece destaque nas formas de expressão não-verbais é a da

adaptação ou ressignificação. Sem dúvida, esta é a categoria predominante no panorama das

representações votivas no nordeste oriental do Brasil. Praticamente em todos os sítios

visitados a maioria das ocorrências (em termos absolutos, quantitativos e em termos relativos,

qualitativos), fossem bidimensionais ou tridimensionais, se enquadrou aqui. Isso,

necessariamente, pode significar muitas coisas. Envolvendo boa parte das fotografias que me

referi no item 8 (exceto aquelas tomadas originalmente com o objetivo de ser artigo votivo),

acrescenta-se a deposição dos retratos pintados à mão a partir de fotografias89, dos resultados

88 José Almeida se referiu a um senhor chamado Adalberto, que é um dos poucos artesãos que ainda preparam ex-votos de madeira sob encomenda na região. 89 Esta técnica vem encontrando dificuldades de renovação, sendo muito raro encontrar estúdios especializados na região. Tomei conhecimento que no estado do Ceará ainda há um núcleo em atividade. O advento da

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de exames por imagem – radiografias, ultrassonografias, ecografias, entre outros. Abundam os

analógicos humanos tridimensionais, as bonecas em plástico, apropriadas da função lúdica

infantil. Seja de corpo inteiro, seja em partes (cabeças, braços e pernas), sempre se pode

encontrar em numerosas amostras. Do mesmo modo observamos os analógicos de animais

domésticos ou de criação, especialmente os bovinos. Vale a ressalva de que jamais encontrei

menção sobre alguma ocorrência de animal “sagrado”, de poderes curativos ou de

intervenções miraculosas atribuídas a animais. A quantidade de objetos de uso terapêutico

também impressiona. Cadeira de rodas, muletas, bengalas, aparelhos ortopédicos, moldes de

gesso, óculos, lentes de contato, aparelhos ortodônticos. Sua oferta indica uma cura, seu

descarte significa uma inutilidade para o devoto, dali em diante.

Contudo, os mais freqüentes são os signos votivos compostos por imagens de santos

católicos, e em escala decrescente, as imagens de personalidades afins ao catolicismo e as

imagens de divindades de cânones não-católicos. Tem-se aqui um ponto sensível e nebuloso.

Já comentei, em outra oportunidade do texto, o argumento de que as numerosas imagens de

santos, especialmente os que estabelecem relação sincrética com os cultos de matriz africana

(vide a freqüência de menções a Santa Bárbara, São Roque, São Lázaro, São Jorge e aos

Santos Cosme e Damião, nas FIS do VOLUME II) podem significar uma devolução

respeitosa da criatura ao criador, se não uma suposta ruptura provisória de um acordo de

fidelidade. Não especularei sobre isso, já que me interessa apenas relembrar estas

possibilidades. É operacionalmente complexo descobrir como, por quem e porque aquelas

imagens foram parar ali. Percebi que a versão de ruptura respeitosa é válida em alguns locais,

mas percebi também que muitas imagens, bi ou tridimensionais, são ofertadas simplesmente

como um presente, uma lembrança de um fiel ao seu santo de devoção, ainda que seja um

regalo que remeta a outro santo. Em alguns casos, como no culto ao Bom Jesus da Lapa na

Gruta da Lapinha, em Ibiqüera-BA (FIS29), há um predomínio absoluto destas imagens. É

curioso constatar que nem no altar principal, nem em nenhum outro espaço da gruta, existe

uma imagem em destaque do Bom Jesus. O altar principal ostenta, sim, uma grande imagem

de Nossa Senhora Aparecida (SE118).

10. Por fim, gostaria de destacar algumas conclusões sobre as formas de expressão

não-verbais a partir de suas representações não-figurativas. Há dois tipos de oblatos que

fotografia digital, que lentamente começa a ocupar as salas dos milagres (notadamente em Bom Jesus da Lapa-BA) tem contribuído para uma certa desvalorização desta tradicional modalidade de representação visual.

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estão presentes em quase todos os casos observados: as velas e as flores (naturais ou

artificiais). As velas fazem uma referência ao fogo (transcendência) e à luz (felicidade), o que

visto de um ponto de vista litúrgico relaciona-se “com a novidade da vida pascal e com a

claridade da luz de Cristo (...) representa o Cristo ressuscitado, vencedor das trevas da morte,

sol que não tem ocaso, luz que ilumina o mundo” (BUYST, 1998, p. 41-42). As velas trazem,

portanto, um sinal de alegria e fé, um voto de solidariedade. “Acender velas para Deus, para

os santos, é expressar nosso amor e pedir sua proteção” (ib., p. 46). Creio que a presença das

velas nos cultos votivos seja uma das marcas mais longevas da tradição cristã primitiva.

Já as flores, se não contam com o mesmo respaldo litúrgico, ao menos são distintas como um

ornamento presente em quase todas as celebrações católicas, das mais festivas (batizados e

casamentos) às mais dolorosas (velórios e enterros). As flores podem representar muitas

coisas: a beleza, a fragilidade da vida, um sinal de apreço, um pedido de desculpas, júbilos.

Sua presença nos ambientes votivos também tem um rico caráter simbólico, cuja motivação

emergencial é sempre de caráter íntimo, dificilmente circunscrito no “objeto resultante”.

Há também uma manifestação não-figurativa que merece destaque: a oferta de alimentos em

ritos comensais. Na Bahia, há uma tradição oriunda da relação entre o catolicismo e os cultos

de matriz africana: o caruru de São Cosme e São Damião90, que em todo dia 27 de setembro

movimenta principalmente o Recôncavo Baiano. Sobre esta festa, Ordep Serra escreveu:

Sincretizados com os ibeji, estes santos são concebidos como gêmeos e meninos. Seus devotos em Salvador e no Recôncavo da Bahia, costumam propiciá-los oferecendo em sua homenagem um banquete em que as crianças têm a primazia, e onde o prato principal é o caruru, um creme de quiabos (que na ocasião deve ser feito bem viscoso, com muita baba)91. Depois de servidos, os garotos e garotas cantam em roda certos sambas, a que os adultos apenas assistem sem participar (SERRA, 1999, p. 115).

Neste ano de 2006 acompanhei as festividades a partir da Igreja Matriz dos Santos Cosme e

Damião (FIS45), localizada no bairro da Liberdade. Conversei com o jovem pároco André

Alexandre dos Passos Filho, que fez questão de deixar bem clara a postura pastoral adotada

pela paróquia, que não aproxima o tradicional rito gastronômico das práticas cristãs. Ou seja,

no bairro de maior concentração da população afro-descendente em Salvador, a igreja

90 Na Bahia é comum a referência a “São Cosme e Damião”. 91 “Na dita festa, o caruru não é servido sozinho: constitui a iguaria básica, a que se associam muitas outras, combinadas no mesmo prato: vatapá, feijão de omolocô, xinxim de galinha, feijão preto, abará, acarajé, acaçá, roletes de cana e pedaços de rapadura, banana frita, pipocas” (nota do autor).

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dedicada aos Santos Cosme e Damião, cuja relação sincrética é das mais fortes na Bahia,

procura manter-se distante das práticas de assimilação. Não se proíbe a iniciativa particular

em se oferecer o caruru, mas ao que me foi informado, as ofertas comensais não têm lugar na

igreja: segundo o padre (que também é afro-descendente) as promessas são pagas através de

missas, sem se revelar necessariamente a motivação do pedido. Por fim, relatou que se tolera

a tradicional prática gastronômica, tentando “evangelizar”, chamar o outro para a realidade

cristã. Tudo indica que o rigor imposto pelo espaço “oficial” dedicado ao culto dos santos

gêmeos tende a mantê-lo cada vez mais no âmbito doméstico, onde pode se desenvolver e se

realizar com plenitude. Este trânsito entre o eclesiástico e o popular, aparentemente livre por

parte dos fiéis, é uma prática comum quando se trata de devoção a perfis transcanônicos,

principalmente na Bahia. É, por outro lado, um exemplo de culto votivo não-localizado,

disperso pelos lares e espaços públicos, mas atrofiado no espaço religioso oficial. Um tanto

diferente do que se pode verificar nas relações devocionais Senhor do Bonfim/Oxalá e São

Lázaro e São Roque/Obaluaê e Omolu (FIS02 e FIS43).

Já havia me referido, na seção 2.1, ao caso das ofertas votivas de alimentos jogadas ao mar na

Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat (FIS03). Constatei a oferta de doces (balas e

bombons) apenas no culto ao Sagrado Coração de Jesus, na Gruta da Mangabeira, Ituaçu-BA

(FIS30), apesar de saber que esta é a forma mais corriqueira de oferta aos Santos Cosme e

Damião. Sobre os dois primeiros casos (dos santos gêmeos e de Nossa Senhora do Monte

Serrat), paira a influência da associação entre dois cânones religiosos, o que não caracteriza,

propriamente, este tipo de oferta como uma prática típica do catolicismo. Fora do estado da

Bahia não constatei a presença da oferta de alimentos (nem como oblato nem como rito

comensal) em nenhum caso.

11. Concluindo este capítulo, gostaria de tecer algumas considerações, numa

abordagem mais ampla, sobre o caráter estético e os efeitos da produção seriada sobre as

representações votivas. Não se pode pensar que a história das peças votivas, especialmente as

tridimensionais (analógicas do corpo humano, por exemplo) sempre foi marcada por uma

espécie de produção artesanal de subsistência. Desde a Idade Média, havia nos entornos das

catedrais e igrejas da Europa ocidental um agitado comércio de cera, matéria-prima para a

fabricação de velas e de peças votivas moldadas, num processo de seriação rudimentar. Já

observamos que, no caso da pintura, modelos estéticos sempre pautaram o fervor criativo dos

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“riscadores de milagres”, o que também se verificou na fotografia. Todas estas trazem formas

diferentes de padronização, ou na expressão da forma, ou na expressão da mensagem.

No caso das peças tridimensionais que aparecem como analogias do corpo humano, o ponto

de corte inicial está na distinção do que foi efetivamente talhado, moldado ou modelado pelo

próprio devoto ou daquilo que foi comprado pronto. O segundo ponto de corte deste caso,

oportunizado com mais força no início do Século XX, é se o processo produtivo de base

seriada é em pequena ou grande escala, sem que isso implicasse necessariamente em sinais de

desaparecimento do primeiro processo, de construção autônoma da peça tridimensional.

As expressões pictóricas, que Maria Augusta Machado da Silva (1981) intitula como “ex-

votos cênicos”, conheceram também no Século XX a concorrência de uma técnica expressiva

baseada na seriação: a fotografia, uma relação que já fôra abordada contrastivamente no item

7.

Um célebre estudo de Walter Benjamin abre-se na sua primeira seção com a afirmação de que

“mesmo por princípio, a obra de arte foi sempre suscetível de reprodução”, pontuando que as

“técnicas de reprodução, entretanto, são um fenômeno inteiramente novo, que nasceu e se

desenvolveu no curso da história, por etapas sucessivas, separadas por longos intervalos, mas

num ritmo cada vez mais rápido” (BENJAMIN, 1978, p. 210). As expressões votivas não são,

necessariamente, uma expressão artística, stricto sensu, muito embora boa parte dos registros

e dos artefatos produzidos denuncie a intenção contemplativa proposta por seus autores. Pois

sem considerar os objetos votivos como emanações artísticas na sua causa, mas tomando

parte destes registros como objetos de valor artístico no seu efeito, apresento, ainda que de

forma breve, algumas observações acerca das conseqüências das técnicas de reprodutibilidade

da imagem nas representações votivas.

Creio que temos dois casos paradigmáticos de mudança, encerrados, inicialmente, nos

contrastes entre objeto tridimensional de manufatura artesanal x objeto tridimensional de

fabricação seriada (que podem se valer das mesmas matérias primas) e em seguida nas formas

narrativas bidimensionais, no contraste entre desenho/pintura x fotografia.

No caso bidimensional, os problemas da reprodutibilidade não podem considerar o critério

qualitativo, aquele que levaria em conta o caráter da composição: achar que a fotografia

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impõe determinados modelos de enquadramento, como a predominância de planos médios, ou

a opção intuitiva pelo plongée92, ou mesmo a nulidade do segundo plano nas tomadas à meia-

luz93. Não é exatamente a repetição dos “vícios” que marcam esta noção. A essência da

referida obra de Benjamin gira em torno da perda da autenticidade quando do surgimento das

operações de reprodução técnica: o hic et nunc, a unicidade de sua presença no próprio local

onde o objeto de valor artístico se encontra: “O que faz com que uma coisa seja autêntica é

tudo o que ela contém de originalmente transmissível, desde sua duração material até seu

poder de testemunho histórico” (BENJAMIN, 1978, p. 213). Estes desaparecimentos, segundo

o autor, implicam numa perda da sua aura: “única aparição de uma realidade longínqua, por

mais próxima que ela possa estar” (ib., p. 216). É, pois, uma questão de valor indicial: vão

desaparecendo, pouco a pouco, as marcas da tradição. Aquilo que fôra ocorrência única

(popular, mas particularizada), passa a ser reduzida e agrupada como fenômeno de massa.

Tudo leva a crer que as expressões “cênicas” votivas utilizaram o desenho e a pintura

basicamente por estes serem, durante muito tempo, os únicos recursos disponíveis para

expressar narrativas visuais. O surgimento da fotografia contemplou um outro processo, de

uma eficácia midiática que as salas dos milagres já demonstraram ser, no mínimo, igual, ao

menos do ponto de vista da satisfação dos sujeitos de fé que as utilizam. Mesmo em

localidades menos desenvolvidas, desde meados do Século XX, os desenhos e pinturas foram

sendo gradativamente substituídos pela fotografia. Hoje em dia pude constatar que são

verdadeiras raridades: quando são encontradas, são ofertas antigas. Há de se considerar as

mudanças de gerações, que assimilam as condições técnicas e expressivas contemporâneas, o

que parece vir acontecendo sem maiores conflitos, neste caso.

O que se coloca em questão não é a característica de reprodutibilidade da técnica fotográfica

aplicada, em si. A cópia usada como objeto votivo (independente da sua função crônica –

como apelo protetivo ou como ex-voto) é normalmente uma peça “única”, gerada a partir de

um negativo, normalmente retirada de um álbum e dificilmente recopiada. No caso das peças

tridimensionais a aura pode ser entendida como uma única marca personalizada que não 92 Termo oriundo da fotografia cinematográfica, que se refere ao tipo de enquadramento em que a câmera posiciona-se acima da tomada, proporcionando uma visão de cima para baixo. É uma espécie de vício da fotografia amadora, especialmente quando adultos fotografam crianças ou pessoas sentadas ou deitadas, o que acaba por sugerir uma condição de inferioridade ao fotografado. 93 Neste outro caso é mais do que comum se encontrar fotografias, normalmente retratos posados, tomadas à noite ou em ambiente mal iluminado, que forçam o uso do flash eletrônico, que pelo seu tipo de funcionamento automático, corta a emissão luminosa quando se retorna um reflexo de luz do primeiro plano. A conseqüência é o tema mais próximo bem iluminado e as áreas mais distantes em subexposição.

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110

encontra seu lugar no novo modelo. O uso da fotografia liberta as mãos dos antigos autores

dos objetos votivos “cênicos”. De “riscadores de milagres” surgem os “registradores de

milagres”, milagres estes que do ponto de vista narrativo esbarram em obstáculos antes

desconhecidos: o sumiço da divindade (uma das riquezas místicas da pintura ou do desenho),

da expressão verbal (riqueza vernacular) e da nova condição de relatividade do tempo e do

espaço. No caso das peças tridimensionais as mãos não se libertam propriamente, mas a

criatividade expressiva se aprisiona: há uma diminuição drástica da variabilidade das formas.

Neste caso, o hic et nunc da peça talhada à mão cede espaço para uma peça feita em grande

escala, que perde seu potencial áurico, dado pela exclusividade do objeto ou até, em alguns

casos, pela perda do contato direto com o miraculado (quando estes são os autores das peças

votivas). Se a imagem fotográfica é quase sempre anacrônica e u-tópica em relação ao fato

que quer relatar (particularmente quando se trata de fotografia adaptada ou ressignificada, ou

seja, tirada de um contexto qualquer), as peças tridimensionais de fabricação serial tendem a

perder o traço personalista e a unicidade. Eis aí as mais graves marcas da perda da aura.

Não creio que haja um empobrecimento nas funções votivas, mas acredito que, tanto no caso

bidimensional quanto no tridimensional, as técnicas de reprodutibilidade contribuem para um

afastamento, uma perda de contato, entre devoto e objeto votivo (e conseqüentemente, do fato

votivo relatado, cada vez mais oculto nas simplificações). Não aposto num prejuízo do

aspecto religioso, mas parece inegável um comprometimento (não me surpreenderá, se um dia

for entendido como enriquecedor) dos processos comunicativos. Naturalmente que no

conjunto de uma “sala dos milagres” (ou similar) esta mudança paradigmática pode implicar,

em geral, num gradativo afastamento das autênticas formas de expressão, em privilégio das

sutilezas das formas de pensamento: uma tendência ao encolhimento da variedade criativa do

material (notadamente nestes nossos casos específicos de expressões bi e tridimensionais)

para uma complexidade, um incremento simbólico da variedade criativa do ideal. Por menos

que desejemos forçar uma aproximação entre as manifestações votivas e as manifestações

artísticas, como se fossem ambas inapelavelmente de uma mesma natureza, fica evidente que

ambas se submeteram, no Século XX, aos efeitos substitutivos da primazia do simbólico sobre

o icônico.

E as mudanças não devem parar por aí. Já constatei que a mesma técnica fotográfica vem

incorporando outros recursos criativos que certamente irão provocar novos ajustes: a

interferência de recursos de edição digital (via informática, disponíveis em computadores

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111

pessoais), o que pode possibilitar “desenhar e pintar” sobre a imagem fotográfica. É curioso

ver que o mesmo avanço tecnológico que foi capaz de rarear os desenhos e pinturas das salas

dos milagres esteja sendo capaz de trazê-los de volta, com a promessa de integrar, em termos

definitivos, os três paradigmas da imagem (SANTAELLA, 1998, pp. 303-315): o pré-

fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico.

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4 CONFRONTOS E DESCOBERTAS: OS VELHOS E OS

NOVOS ESPAÇOS SAGRADOS E SUAS

PARTICULARIDADES

Le testimonianze votive dell'arte e della pietà popolari siano conservate in modo visibile e custodite con sicurezza nei santuari o in luoghi adiacenti (CIC, can 1234, §2)94.

Confirmando o que disse na seção 2.2, boa parte das referências empíricas desta tese foi

oriunda de estudos especializados no tema, realizados no passado. Um dos objetivos desta

pesquisa foi proceder a uma análise comparativista entre aquelas circunstâncias documentadas

e sua expressão contemporânea, propondo regras e esquemas classificatórios que auxiliem na

compreensão do fenômeno votivo. Neste último capítulo exporei o exame contrastivo das

principais fontes que foram tomadas como referência prévia: as coletas da Missão de

Pesquisas Folclóricas (sob a liderança de Luís Saia), as citações (especialmente sobre cultos

não-canônicos) de Luís da Câmara Cascudo, as coletas de Théo Brandão, as referências

pontuais de Alceu Maynard Araújo, Marcílio Lins Reinaux e José Xavier dos Santos, além de

contribuições menores, e os centros e expressões votivas que, apesar de ainda não terem

contado com estudo especializado, constituem a atualidade do fenômeno votivo no nordeste

oriental do Brasil.

4.1 No rastro da Missão de Pesquisas Folclóricas

As coletas votivas feitas pela Missão de Pesquisas Folclóricas têm uma natureza especial.

Inicialmente não estavam na pauta de observações que o grupo deveria proceder: o próprio

Luís Saia já declarara em Escultura popular brasileira (1944) que fôra surpreendido pelo

“milagre de madeira”. Depois, provavelmente por conta dos ajustes em proveito do objeto

94 Codex Iuris Canonici / Codici di Diritti Canonico / Código de Direito Canônico, cân. 1234, § 2.

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empírico de última hora, os sítios votivos observados pela Missão, ao contrário das expressões

de cantos e danças, não se configuravam necessariamente como os mais expressivos da região

na época: os grandes centros sobre os quais incidiram as coletas acabaram sendo os cruzeiros

e capelas, quando topados na rota já prevista.

Apesar de termos tido acesso a publicações e catalogações do Centro Cultural São Paulo

(CCSP), atual mantenedor do acervo recolhido em 1938, não foi possível o exame,

especialmente, de dois documentos mais reveladores da localização dos sítios e dos critérios

utilizados nas coletas: trata-se de dois catálogos de exposição intitulados Ex-votos do

Nordeste, lançados em 196595 e em 197796. Empreitada para um futuro próximo, creio poder

encontrar nestas raras publicações a elucidação de pontos relativos às opções da Missão que

ainda carecem de melhor esclarecimento, como por exemplo, se havia (e por que havia) uma

preferência pela escultura em madeira (especialmente as peças que representavam cabeças);

ou em que seqüência as cidades foram visitadas ao longo dos meses, já que as datações das

cadernetas de campo nem sempre parecem lineares97. Dessa forma, à guisa de exposição, a

apresentação dos resultados que se seguirá tomou como princípio a lógica de progressão

geográfica nos sítios votivos que ofereceram material de coleta para a equipe, localizados nos

estados de Pernambuco e da Paraíba, nesta ordem.

Inicio com a Capela de Santa Quitéria das Freixeiras (FIS04) localizada no distrito de

Freixeiras, município de São João-PE, e que, ironicamente, sequer foi visitada pela Missão.

Ocorre que as peças votivas componentes do atual acervo, oito no total, foram recolhidas pelo

artista plástico pernambucano Lula Cardoso Ayres98, sendo posteriormente entregues a Luís

Saia, que em 04 de julho de 1946 fez a doação ao Museu da Discoteca Pública de São Paulo.

Sob os cuidados de Oneyda Alvarenga os “objetos etnográficos” foram incluídos no Acervo

95 Ex-votos do Nordeste. Catálogo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Texto de José Geraldo Vieira, Luís Saia e Giuseppe Baccaro. Rio de Janeiro, 1965. 96 Ex-votos do Nordeste. Catálogo da Galeria Camargo Arte, São Paulo. Texto de Clarival do Prado Valladares. São Paulo, 1977. 97 A certa altura da pesquisa cheguei a especular sobre a semelhança entre os caminhos tomados pelo grupo paulista e a trilha das missões do Padre Ibiapina, que fundou pelo interior da região Nordeste (especialmente neste que chamamos de “nordeste oriental”) muitas casas de caridade. Mas a suposição de que poderia haver relação entre os dois casos não foi muito longe. Um exame dos deslocamentos feitos pelo Padre Ibiapina e dos rumos da Missão nos faz concluir que ambos passaram por vias semelhantes, de fato (a diferença entre os percursos foi de aproximadamente 75 anos), mas não há evidências na documentação de 1938 que alimentem mais esta impressão. Muito provavelmente fizeram uso das vias de acesso possíveis, cada um no seu tempo. 98 Luiz Gonzaga Cardoso Ayres (*26/09/1910, Rio Formoso-PE, †30/06/1987, Recife-PE). Filho de um usineiro (Usina Cacau), o artista plástico vanguardista percorreu o interior do estado de Pernambuco entre 1937 e 1944, estudando as festas populares.

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de Pesquisas Folclóricas, com numeração de 757 a 764 (CCSP, 2000, p. 288-289). Tratava-se

de peças esculpidas em madeira (bustos e cabeças), entre 11 e 21cm de altura, eventualmente

sofrendo interferências a tinta no detalhamento dos olhos e boca ou cortes e incisões

expressivas de detalhes nos cabelos ou no rosto.

Conforme já comentei em outra oportunidade, pairam dúvidas sobre os critérios de seleção

das peças que formam o acervo da Missão. No caso de “Santa Quitéria” é natural pensarmos

que a doação feita por um artista plástico de vanguarda muito provavelmente ressoaria a sua

preferência pela expressão escultórica (ainda hoje com incrível poder de encantamento sobre

a classe artística). Dessa forma, a nossa observação in loco, em julho de 2006, considerou a

contemporaneidade das expressões similares às documentadas, mas valorizou também todas

as outras formas votivas que se apresentaram. Segundo as fichas integrantes do CATÁLOGO

ILUSTRADO DO MUSEU FOLCLÓRICO (1950), que tive acesso à fotocópia, as peças em

madeira do sítio de “Santa Quitéria” ainda encontram, mais de 60 anos depois, exemplares

com a mesma configuração: esculturas em madeira de elevado poder expressivo, carregadas

de detalhes descritivos bastante particulares de seus autores.

Parte do prédio da Capela é em taipa, forma de construção arcaica na região Nordeste, mas

que no caso de Freixeiras resiste bravamente à ação do tempo. A casa impressiona pelo

volume de deposições votivas, que ocupam quase todo o espaço interno disponível. Conta-se

que é uma devoção particular que já dura mais de trezentos anos, mas que só agora estabelece

com a Igreja Católica (a Diocese de Garanhuns) entendimentos no sentido de tornar as

práticas próximas do meio eclesiástico. Impressiona também uma espécie de “reserva”, na

parte dos fundos, onde se amontoam objetos de oferta mais antiga. No geral, são milhares de

peças em madeira, jogadas em cercados, apodrecendo e sendo devoradas pelo cupim e pela

umidade, condição presente em todo sítio.

A observação que fiz à Capela de Santa Quitéria das Freixeiras me deixou certo de que a

multiplicidade de expressões votivas tornaria complexa qualquer tarefa de recolher objetos

visando a composição de um acervo. Pode-se encontrar com relativa facilidade não apenas

esculturas em madeira de notável mérito artístico, mas retratos desenhados à mão

especialmente dedicados ao gesto votivo e muitos retratos pintados a partir de fotografias,

todos estes testemunhos não só de “graças alcançadas”, mas de um processo criativo que vem

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115

sendo vorazmente substituído por expressões pré-fabricadas (peças moldadas em gesso ou

borracha) ou de produção indireta (como a fotografia).

Há ainda outras particularidades na Capela de Santa Quitéria das Freixeiras. É um sítio que

apresenta, comparativamente, poucas ofertas de imagens de santos (bi ou tridimensionais) e

onde não se vê com a abundância corriqueira as manuscrituras em papel. Fica uma impressão

de que o relativo isolamento deste centro devocional contribui diretamente para a manutenção

da natureza mais tradicional de suas ofertas votivas.

Segundo Luís Saia os primeiros contatos com os “milagres em madeira” foram feitos em

Meirim, pequena vila do sertão pernambucano, localizando uma peça votiva bem atrás do

altar de uma capelinha, num núcleo remanescente indígena. Meu retorno a esta região,

também em agosto de 2006, não foi dos mais fáceis. Pra começar, é inteiramente impossível

localizar nos mapas atuais alguma cidade no estado de Pernambuco com o nome de Meirim.

Mesmo em buscas na internet o termo aparecia sempre como um sobrenome de família ou

como o nome de um rio, no estado de Pernambuco. Nenhuma outra menção referente a

povoação ou cidade. Pois no deslocamento de Arcoverde para Tacaratu, passei pela cidade de

Ibimirim, no sertão do Moxotó, onde parei para um abastecimento de combustível.

Conversando com pessoas da cidade descobri que o município de Ibimirim, já houvera se

chamado Cancalacozinho, depois Meirim, Mirim e, finalmente, Ibimirim. Grande descoberta!

Contudo, a procura pela “Capela de Santo Antônio”, que surpreendera Saia, não resultou em

êxito. A pequena cidade não guarda traços de tradições votivas, nem na referência histórica,

nem em expressões atuais.

Na mesma tarde, segui para a cidade de Tacaratu, ainda em solo pernambucano, sem ter um

conhecimento exato dos locais onde foram colhidos os objetos votivos. Como de costume,

visitei primeiro a igreja matriz, no caso o Santuário de Nossa Senhora da Saúde (FIS05). Fui

recebido pelo padre Eridian Gonçalves, que recém assumira a paróquia e jamais ouvira falar

da presença da Missão de Pesquisas Folclóricas pela cidade, em verdade ele e todas as

pessoas consultadas durante toda a minha permanência no local. A igreja, que depois descobri

que ainda estava em construção em março de 1938, impressiona pelas linhas neo-góticas e

pelo colorido interior proporcionado pelos longos vitrais. Na sala do sino (sala do coro)

encontrei três caixas com objetos votivos amontoados, residuais da festa da padroeira, que

acontece de 23 de janeiro a 02 de fevereiro: na primeira, peças em madeira e em cera (pernas,

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predominantemente) e nas outras duas, roupas e vestes penitenciais (mantos negros), além de

várias mechas de cabelo.

Soube pelo padre que havia um cruzeiro numa serra próxima, onde eram mais freqüentes as

ofertas votivas. Pelo avançado da hora e na ausência de um guia acompanhante, não pude

visitar o local. Dias depois, de volta a Salvador, tive acesso às fotocópias de alguns catálogos

do CCSP, que confirmavam exatamente o que eu acabara de perder: o Cruzeiro da Serra da

Gameleira como ponto mais importante de coleta na região.

Segundo os dados do CCSP (2000) e do CATÁLOGO (1950), as coletas consistiram em

quinze “milagres” em madeira (predominantemente cabeças), entre 5,5 e 18,2cm, com

incisões e entalhes nos olhos, nariz e boca, com raras peças riscadas ou pintadas, numerados

no Acervo de Pesquisas Folclóricas de 564 a 577, além da peça 616. São amostras dos

esquemas técnicos que Luís Saia classificaria como “Nariz-eixo” e/ou como “olho em baixo

relevo” (SAIA, 1944, p. 18).

O fato é que, o exame comparativo entre as peças inventariadas e as encontradas na igreja em

2006 não guardam semelhanças consideráveis. O que pude encontrar construído em madeira

não contemplou sequer uma ocorrência de “cabeça”, elemento quase exclusivo (14 peças) nas

recolhas de 1938. Isso pode não servir de parâmetro, já que se trata da observação de um

outro sítio. É uma questão a ser solucionada numa visita posterior, juntamente com a

observação da Capela de Nossa Senhora dos Navegantes, citada por Saia, mas sem a

associação de objetos votivos.

Foi na Paraíba que se avolumou a recolha votiva da Missão. Iniciando pela cidade de João

Pessoa, capital do estado, o então “Cruzeiro da Penha” revelou algumas particularidades que

só seriam observadas ali: a presença de fotografias e pinturas, além das habituais esculturas de

cabeça, que tanto pareciam impressionar a equipe. Estão catalogadas também no CCSP doze

peças, sendo cinco esculturas (todas de cabeças, pintadas em cores vivas, sem prejuízo dos

entalhes e incisões), quatro pinturas (todas com destaque para planos que vão desde apenas a

cabeça até o máximo na cintura, datadas entre 1902 e 1933) e três fotografias, numeradas de

617 a 628 no Acervo de Pesquisas Folclóricas.

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Ao visitar o “Santuário de Nossa Senhora da Penha” (FIS06), a poucos quilômetros do

extremo oriental brasileiro, fiquei impressionado com a quantidade e variedade das formas

expressivas. Encontram-se signos votivos de quase todas as formas e propriedades que pude

classificar. Creio ter sido este, dentre todos os locais observados nesta pesquisa, o que mais se

aproximou do esgotamento dos esquemas de registros tipológicos. Talvez a equipe paulista

tenha se surpreendido pela mesma impressão entre os meses de março e maio de 1938.

Certamente a presença da fotografia naquela época dificilmente seria constatada fora de um

grande centro urbano (e vale lembrar que, entre todas as cidades, João Pessoa foi a única

capital de estado visitada pela Missão que contribuiu com objetos votivos). Foi também a

única onde se coletou pinturas e fotografias.

Não se pode afirmar, após uma visita atual na “casa dos milagres”99 do Santuário, que haja o

predomínio de um tipo específico de forma expressiva: são relativamente semelhantes as

quantidades de fotografias, miniaturas de casas, imagens de santos (bi e tridimensionais) e

peças do vestuário. Estas incidências pontuam com igualdade as três categorias de

propriedades sígnicas possíveis: representações figuradas (casas em miniatura), designações

indiciais da graça/milagre (fotografias e peças do vestuário, muitas vezes utilizadas como

objetos de uso penitencial) e expressões essencialmente simbólicas (as imagens de santos, que

normalmente não possibilitam uma atribuição de sentido além da dada pelo devoto, seja como

lembrança, seja na função de “devolução”, ou mesmo ofertada como ex-voto, literalmente), o

que só reforça a riqueza expressiva do local.

Penetrar no interior do estado da Paraíba, ainda hoje, é garantia de encontrar, de forma

numerosamente desigual, cruzes, cruzeiros e capelinhas de beira de estrada: não se compara a

presença não raro desconfortável de tantas destas manifestações com nenhum outro estado da

região. Aparecem às vezes em intervalos menores do que duzentos metros, às vezes solitárias,

às vezes resgatando a memória de duas, três pessoas ceifadas normalmente por desastres

rodoviários. Já nos referimos ao papel social que estas cruzes (e suas derivações)

desempenham, cujas existências podem ser tomadas como um forte indício de que as relações

morais e de coesão social se renovam abundantemente, ao menos dentro de pequenos núcleos

populacionais que circundam estes fatos votivos. No entanto, não creio ser possível

99 A “casa dos milagres” deste santuário foi fundada em 22 de novembro de 1953, o que talvez possa explicar a referência ao “Cruzeiro da Penha”, feita pela Missão em 1938. O Santuário, dedicado a Nossa Senhora da Penha, existe desde 1763.

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generalizar que o povo paraibano tem um senso de coesão social tão diferenciado dos outros

estados nordestinos.

No mês de maio de 1938 a Missão passara por Itabaiana, cidade do agreste paraibano. No

então “Cruzeiro Maria de Melo”, coletaram 17 peças em madeira, muitas pintadas, todas com

entalhes. Foram sete peças de corpo inteiro (algumas com trajes adaptados em tecido) e dez

cabeças, entre 11,5 e 22,8cm. No Acervo do CCSP, receberam numeração entre 629 e 645.

Visitei esta cidade em duas oportunidades, a primeira em janeiro de 2004, retornando em

julho de 2006. Em ambas as visitas não localizei nem o tal cruzeiro nem outro algum na

pequena cidade, nem mesmo a sua lembrança, por parte dos mais velhos. O único templo

católico local, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição (SE119 a SE121), o

máximo que encontrei da presença de relações votivas foi na estátua da Virgem, ao lado da

igreja, que apresentava muitas fitinhas coloridas amarradas na coluna de sustentação da

imagem, além dos restos recentes de cera de velas. Duas tardes inteiras pela cidade e seus

arredores e ninguém ouvira falar de algum cruzeiro, capela ou local onde se ofertavam

“promessas” e “milagres”.

O prosseguimento da rota nos leva à cidade de Alagoa Grande, na região do brejo paraibano,

próxima de Campina Grande. Nesta localidade a Missão recolheu peças em dois sítios: o

Cruzeiro do Monte Tabor (12 peças, numeradas de 604 a 615) e o Engenho Macaíba (3 peças,

numeradas de 646 a 648). Como de habitual, predominaram as representações de cabeças

(entre 9 e 34cm de altura), depois bustos e peças de corpo inteiro. Esta foi uma cidade que

visitei em janeiro de 2004, após enfrentar péssimas estradas e descer um declive dos mais

arriscados, já que é uma região serrana. Numa manhã de domingo cheguei à igreja de Nossa

Senhora da Boa Viagem, templo católico mais importante da cidade, onde fui recebido pelo

padre Assis. A nossa conversa foi curta mas muito esclarecedora. O padre disse desconhecer a

existência de práticas votivas nas redondezas, em igrejas ou em cruzeiros, mas falou bastante

sobre a luta para manter viva a fé católica frente às persuasivas correntes evangélicas,

numerosas naquela pequena cidade. Ele comentou sobre as tentativas frustradas de tentar unir,

em cerimônias ecumênicas as diferentes manifestações cristãs locais, mas não deixou de

afirmar que a corrente evangélica não chegava a desestruturar os movimentos jovens dentro

da sua igreja. Por fim, confirmou a existência de expressões religiosas afro-brasileiras, mas

declarou que estas são discretas e praticamente não aparecem no cenário religioso local. Em

certo ponto da nossa rápida conversa cheguei a pensar que o padre Assis poderia estar

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preferindo ocultar, através da negativa sobre as práticas votivas, a força das práticas populares

dentro da sua paróquia. Mas ele acabou por me surpreender, indicando dois centros votivos de

alta distinção, que até então eram do meu desconhecimento: o Santuário da Santa Fé do Padre

Ibiapina, localizado no município de Solânea, quase no limite com o pequeno município de

Arara, a 50 km dali e o Parque Religioso da Cruz da Menina, localizado na cidade de Patos-

PB, um pouco mais distante, justamente onde a Missão estivera em 1938.

Antes da minha saída, padre Assis fez questão de afirmar que na cidade de Areia, outro ponto

visitado pelo grupo paulista, também não havia traços de ex-votos, algo que pude confirmar

instantes depois. Lá estive ainda no mesmo dia, e debaixo de fina chuva, consultei pessoas de

diversas idades, no que pude constatar que, de fato, não havia sinais de práticas votivas na

cidade. Mais uma vez pude notar a força das igrejas evangélicas, que parecem despertar nos

seus fiéis uma forte rejeição a tudo que se aproxime do universo católico, especialmente do

culto aos santos: ao perguntar pela localização de uma igreja católica a duas senhoras que se

protegiam da chuva, recebi como resposta que elas “eram ‘cristãs’ e que não sabiam das

coisas católicas”. A Missão chegara em Areia em maio de 1938, especificamente no Cruzeiro

de Chã do Jardim, local não mais ativo em janeiro de 2004. Lá recolhera 12 peças em madeira

(cabeças), algumas pintadas, entre 7,2 e 20,2cm. No Acervo do CCSP as peças receberam

numeração entre 649 e 660.

No dia seguinte cheguei à cidade de Patos-PB, motivado pela indicação do Padre Assis.

Certamente o hoje “Parque Religioso da Cruz da Menina” (FIS07) – em abril de 1938 apenas

referido como “Cruzeiro da Menina” – foi o centro devocional que mais deve ter sensibilizado

a equipe da Missão, pois nele foi feita a coleta mais numerosa: 18 peças. Como em todos os

outros casos, foram recolhidas predominantemente cabeças, com pinturas e entalhes que

intuitivamente definiam a fisionomia de cada face, todas entre 5,8 e 24,5cm de altura. Na base

de dados do CCSP estão numeradas de 586 a 603. A evolução de “Cruzeiro da Menina” para

“Parque Religioso da Cruz da Menina” demonstra o quanto esta devoção cresceu nos últimos

70 anos. Seu início deu-se ainda na década de 1920, quando após sofrer um espancamento

pela madrasta, a menina Francisca (SE126) foi esquartejada e enterrada nos arredores da

cidade. Dias depois seus os restos mortais foram encontrados no antigo Sítio Trapiá, e uma

cruz foi construída no local. Segundo Antônio Américo de Medeiros (s/d, p. 05), a primeira

promessa foi paga em 1924, por um homem curado de um problema cardíaco. Desde então a

crença nos poderes miraculosos da Menina Francisca se expandiu por toda região Nordeste,

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120

caracterizando tipicamente uma circunstância solidária já expressa na seção 3.2.

O Parque tem um projeto moderno e parece ter sido projetado para ser um espaço de pleno

desenvolvimento do turismo religioso. É uma situação curiosa, pois a Diocese de Patos ainda

se mantém numa distância considerável, por tratar-se de um culto não-canônico. Não

encontrei, ao longo de todo tempo dedicado a esta pesquisa, nenhuma menção no sentido da

abertura de um processo de canonização da Menina Francisca. Isto parece não fazer diferença

para os seus fiéis, que se não contam com a adesão do ordinário religioso, contam com um

apoio dos poderes públicos, que através do governo estado e da prefeitura municipal,

colaboraram para a construção do Parque, visando a atração de turistas movidos pela fé. E

parece ser mesmo esta a vocação do lugar: há romarias, mas o perfil de visitante parece se

aproximar mais do turista religioso do que do romeiro, distinção já sistematizada a contento

por Carlos Alberto Steil (2003).

Atraído pela citação da cidade na rota da Missão, e sem confirmação de melhores referências,

em janeiro de 2004 visitei também a cidade de Sousa-PB. Meses após a minha visita soube

que, de fato, o grupo paulista passara pela cidade, mas não recolhera objetos votivos nas

redondezas. Mas a minha viagem não fora em vão: encontrei em Sousa, cidade marcada pela

arquitetura art-déco sertaneja, dois sítios votivos de considerável interesse: o Santuário de

Nossa Senhora de Lourdes (FIS08) e uma estátua construída em homenagem ao frei Damião

de Bozzano (FIS09), que esteve presente na sua inauguração, em 1976.

A estátua do frei Damião de Bozzano localiza-se já fora da zona urbana de Sousa. Do alto de

uma colina, com cerca de sete metros de altura, a imagem mira a cidade e o Vale dos

Dinossauros, importante ponto de atração turística local. Assentada sobre treze degraus e

ocupando um espaço de aproximadamente 40m2, a vista que se tem é de uma natureza ainda

intocada, com muitos tons de verde. Não havia, por ocasião da visita, um espaço privilegiado

para as ofertas votivas. Encontrei muitas peças em madeira (algumas articuladas, de notável

valor artístico) e barro cozido jogadas ao chão, sem muito critério expositivo. O espaço era

cuidado por dois idosos, o casal Waldemar Ribeiro da Silva e sua esposa Josina Alves

Ribeiro, que depositavam muita fé na promessa da construção de um santuário no local. A

motivação deste santuário tem origem numa luta que a cidade ainda não iniciou: o “resgate”

dos restos mortais do frei, que na época da inauguração da estátua (1976) declarara que

gostaria de ser enterrado ali.

Page 121: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

121

Já o Santuário de Nossa Senhora de Lourdes foi fundado na década de 1930, época da

construção do Açude Público São Gonçalo, que o margeia. Trata-se de uma gruta de pedra,

com uma imagem de Nossa Senhora protegida por um portão de metal. Encontrei muitos

objetos votivos em madeira, bem ao gosto da coleta da Missão: cabeças entalhadas e com

interferências em pintura, partes do corpo e peças de corpo inteiro. Também encontrei muitos

objetos em barro cozido e costurados em tecido, o que confirma indubitavelmente a vocação

local do ex-voto artesanal. Como na estátua do Frei Damião, vi pouquíssimas fotografias e

quase nenhum objeto de feitio industrial.

Em síntese, a observação comparativa dos sítios e peças votivas associadas à Missão de

Pesquisas Folclóricas nos permite afirmar que aquelas expressões específicas registradas em

cruzeiros praticamente inexistem na atualidade, excetuando-se dois casos particulares: o

Cruzeiro da Penha (hoje Santuário de Nossa Senhora da Penha), em João Pessoa-PB, e o

Cruzeiro da Menina (hoje Parque Religioso da Cruz da Menina), em Patos-PB. Todos os

outros casos foram desaparecendo com o passar do tempo. Outro ponto que merece destaque

diz respeito às formas expressivas: cabeças em madeira ainda são abundantes dentro dos

limites percorridos pela Missão. Acredito que o mesmo vigor artístico que interessou Luís

Saia ainda possa ser encontrado, não obstante o avanço irreversível de formas expressivas de

caráter industrializado. Não creio ser possível atribuir o desaparecimento dos cruzeiros

simplesmente à coexistência de outras orientações religiosas que, inclusive, reprimem o culto

a imagens ou a representações icônicas. Voltarei a abordar este fenômeno da extinção da

manifestação votiva em algumas áreas do Nordeste nas Considerações Finais desta tese.

4.2 Os “santos populares” de Luís da Câmara Cascudo

Numa de suas mais célebres obras – Religião no povo [1974] – Luís da Câmara Cascudo

aborda em “O povo faz seu santo” a adesão popular ao que chama de “santos regionais,

irregulares iconicamente mas consagrados pela confiança popular” (CASCUDO, 2001, p.

422) e faz uma lista notável, que tivemos o cuidado de revisitar. O folclorista potiguar começa

com uma menção ao Padre Ibiapina:

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122

Pelo Norte do Brasil recordo o Padre Ibiapina (José Antônio Pereira Ibiapina, 1806-1883), professor de Direito Natural da Academia de Olinda, Juiz de Direito, Deputado-Geral, advogado, ordenando-se, recusando ser Vigário-Geral de Pernambuco preferindo cumprir a vocação missionária pelo Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, fundando e mantendo Casas de Caridade, igrejas, recolhimentos, escolas (ib.).

Na opinião do historiador Eduardo Hoornaert, a autoridade do Padre Ibiapina fez que ele se

tornasse modelo para duas outras grandes figuras religiosas de forte irradiação por todo o

Nordeste: o padre Cícero Romão Batista, de Juazeiro do Norte-CE, e o beato Antônio

Conselheiro, de Quixeramobim-CE (HOORNAERT, 2006, p. 07-08). Não seria um excesso

incluirmos o nome do frei Damião de Bozzano neste rol.

A atualidade da devoção ao Padre Ibiapina (SE127), hoje Servo de Deus perante a Santa Sé

(portanto migrando da condição de não-canônico para a de protocanônico), mantém-se

vigorosamente por parte considerável da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. O sítio votivo

mais expressivo é o Santuário da Santa Fé do Padre Ibiapina (FIS10), no município de

Solânea-PB100. Foram duas as oportunidades em que visitei o local: a primeira delas em

janeiro de 2004, depois, em julho de 2006. Em quase dois anos e meio o que pude constatar

foi um aumento considerável no investimento do local como centro de turismo religioso, do

mesmo modo que pude verificar no Parque da Cruz da Menina, em Patos-PB. Diferente deste

outro caso, a Santa Fé é um espaço eclesiástico, já que a figura devocional do Padre Ibiapina

goza da condição de Servo de Deus, fortalecendo na Diocese de Guarabira a expectativa de

uma breve beatificação, algo que já era ansiosamente esperado desde a minha última visita.

Na Santa Fé há uma “Casa dos Milagres” de construção simples, mas muito bem organizada,

que dispõe as ofertas votivas dentro de classificações tipológicas bastante coerentes, o que

denota uma preocupação com o poder carismático e persuasivo que os miraculados podem

exercer sobre os visitantes. Ao contrário do observado em Sousa-PB ou mesmo em Santa

Quitéria das Freixeiras (São João-PE), o caráter da oferta votiva ao Padre Ibiapina não é

essencialmente artesanal. São abundantes as peças manufaturadas, mas estas dividem

equilibradamente o espaço com as peças de origem industrial: há muitas fotografias e

100 Territorialmente a Santa Fé, fundada em 1866, localiza-se no município de Solânea, a poucos metros do limite com o município de Arara, cuja sede está muito mais próxima do Santuário. Por isso é comum referir a Santa Fé ao município de Arara, até mesmo nos documentos que circulam pelo Vaticano.

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123

miniaturas de animais de criação (sobretudo bois), o que revela um equilíbrio entre a tradição

rural e a urbana.

Contudo, a presença física da devoção ao Padre Ibiapina no nordeste oriental é muito pontual.

Não encontrei outro sítio votivo de maior relevância dedicado a ele, como acontece com a

figura do frei Damião de Bozzano, por exemplo, cuja devoção se estabelece geograficamente

com muito mais vigor. Concordo com o padre Gaspar Rafael, da Diocese de Guarabira,

quando este afirma que o afastamento no tempo torna a figura do Padre Ibiapina um pouco

menos prestigiada, e assim mais distante do apelo popular, se comparada com a lembrança

ainda viva do Padre Cícero ou do Frei Damião.

Na seqüência, Câmara Cascudo refere Dom Vital,

Vital Maria Gonçalves Cavalcanti de Oliveira, 1844-1878, capuchinho, Bispo de Olinda, pregador, enfrentando a Maçonaria toda-poderosa em defesa da autoridade diocesana, processado, condenado, anistiado, Atanásio brasileiro e com projeção, popular que o dizia ‘santo’ logo depois do falecimento em Paris (CASCUDO, 2001, p. 422).

O culto votivo a Dom Vital é ainda mais localizado: seu túmulo encontra-se na Igreja Basílica

da Penha, no Cais de Santa Rita, centro do Recife-PE (FIS12). Visitei esta igreja em julho de

2006, tendo observado apenas algumas placas votivas em mármore, expressando “graças

alcançadas”. Outros nichos locais, contudo, mostraram-se muito mais movimentados, a

exemplo do dedicado a São Clemente (repleto de objetos votivos de diferentes tipologias) e o

de Santo Antônio, cujos apelos ou agradecimentos por encontros amorosos ganhavam a forma

de manuscrituras nas paredes do arredor, sobrepondo assinaturas e destacando-o entre os

demais. Dom Vital atualmente também se encontra na condição de Servo de Deus,

diferentemente da época da publicação desta obra de Câmara Cascudo.

Outro religioso referido como “santo popular” foi o Padre João Maria (SE129), assim

referido: “vigário de Natal, apóstolo da caridade, incansável, abnegado inesgotável. Vivo,

narravam seus milagres terapêuticos. O busto em bronze é centro de devoção pública, diária,

infatigável, coberto de ex-votos” (CASCUDO, 2001, p. 422). De fato. Na Praça Padre João

Maria, no centro da cidade de Natal, permanece incólume a imagem do padre taumaturgo,

também Servo de Deus (FIS11). Tive acesso ao Livro de Registro de Causas Alcançadas,

aberto em março de 2005, onde predominam os relatos de curas terapêuticas: graves

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124

enfermidades (tumores, nódulos e cistos), deficiência de órgãos internos, inflamações,

infecções e ulcerações, doenças infecto-contagiosas, febres, paralisia física, problemas do

parto, reumatismos, traumatismos e dores diversas, além da recuperação de cirurgias. Na base

do busto, muitos apelos protetivos, sob a forma de fitinhas coloridas. Não vi muitos “ex-

votos” propriamente ditos, mas prefiro avaliar a força devocional do religioso a partir dos

registros de cura lançados no Livro.

Outro religioso citado por Câmara Cascudo foi o padre Cícero Romão Batista:

Vigário do Ceará, que tudo lhe deve, suspenso de ordens por divulgar intervenção divina numa familiar, é o mais impressionante motivo humano de atração cultural e de inspiração na literatura popular, canonizado pelo Nordeste, túmulo com milhares de peregrinos, infinitas “graças” publicadas (CASCUDO, 2001, p. 422-423).

É de fato impressionante a presença devocional do Padre Cícero (SE128) no Nordeste do

Brasil. Na maioria das “salas dos milagres” que visitei pude encontrar sua imagem ofertada

por devotos. A cidade de Juazeiro do Norte-CE, visitada em janeiro de 2004, vive em função

do seu culto, este sim, sem filiação com a Santa Sé, já que, pela condição de religioso

suspenso das ordens, o processo de beatificação não pôde ser aberto. Atualmente muitas

lideranças católicas brasileiras trabalham para a reversão da penalidade, desejando incluir,

definitivamente, o padre na categoria que chamamos de “protocanônicos”. Na visita à Serra

do Horto (FIS21), pude comprovar a particularidade deste caso. Não obstante a distância

tomada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a população se mobiliza e

junto com a Fundação Educativa Salesiana Padre Cícero, constrói a Igreja do Bom Jesus do

Horto (supostamente um sonho não realizado do Padre), através da articulação dos “Afilhados

do Padre Cícero”. Independente dos impasses internos e externos sobre a história de vida do

religioso cearense e sua pertinência como ente extra-ordinário, a fé popular continua alçando

o padre à condição de devoção mais expressiva da região, capaz de movimentar anualmente

centenas de milhares de pessoas vindas de todos os cantos do país. Creio ser possível afirmar

que fora do modelo canônico, a devoção ao Padre Cícero é a mais importante e influente no

Brasil. No Museu Vivo do Padre Cícero, na “casa dos milagres”, na sua antiga residência no

centro da cidade, ou mesmo aos pés da estátua de 25 metros no topo da Serra do Horto, pode-

se encontrar registros abundantes de sua ação milagrosa: esculturas em madeira, peças votivas

moldadas em cera ou modeladas em barro, quadros, fotografias, peças de roupas, objetos

diversos.

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125

Ainda sem uma infra-estrutura apropriada para o turismo religioso, do ponto de vista da

profissionalização dos diversos setores, a cidade de Juazeiro do Norte é uma das que mais

atrai romeiros, peregrinos e turistas no Brasil. Até a década de 1990 não se poderia falar em

modelos de desenvolvimento para o receptivo turístico de cunho religioso. Com o crescimento

de outras devoções pelo Nordeste, que planejam a demanda e investem em infra-estrutura –

como nos casos dos centros religiosos das cidades de Guarabira, Patos e Arara/Solânea, todas

no estado da Paraíba – a situação de Juazeiro do Norte ressalta a necessidade de ações

urgentes no campo do planejamento urbano e nas políticas de ação social, já que o ambiente

em torno dos centros de devoção da cidade transmite a impressão de desordem e desconforto,

com ruas estreitas e de serviços precários, ao contrário dos três outros centros paraibanos.

Voltando às menções feitas por Câmara Cascudo, visitei a cidade de Angicos-RN, em busca

da devoção a “Santa Damasinha”: “Damásia Francisca Pereira, morta em 1843 pelo marido,

Francisco Lopes. Durante o enterro, os sinos da Matriz dobraram a finados sem auxílio

humano” (CASCUDO, 2001, p. 423). Apesar da busca insistente, não encontrei um espaço

votivo dedicado à “santa”. Na realidade, poucos na cidade sabiam de algo relacionado a ela,

que já fora, décadas atrás, lembrada em peças teatrais locais, talvez mais como uma lenda do

que como um perfil devocional dentro dos moldes que estamos estudando. Por tudo isso,

concluo por uma descontinuidade daquilo que pode já ter sido expressivo no passado. E como

já vimos, este não foi o único caso desse tipo constatado na região.

Os três últimos casos mencionados por Câmara Cascudo têm um ponto em comum: a devoção

a vítimas inocentes. No primeiro deles, que também foi referido pela Missão de Pesquisas

Folclóricas, temos a Menina Francisca, à qual se dedica o Parque Religioso da Cruz da

Menina (FIS07). Segundo o autor, “a menina Francisca, pretinha, desprotegida, morreu em

1930 de maus tratos da patroa. O cadáver fora atirado aos urubus. Santa dos mais humildes

numa confiança inabalável” (ib., p. 424). Há algumas incongruências neste relato cascudiano.

Em primeiro lugar, a Menina morreu em 10 de outubro de 1923. Em segundo, não consta que

fosse “pretinha” (SE126): suas representações sempre a caracterizam como uma menina de

cabelos lisos, à altura do ombro. De todo modo, o culto à Menina Francisca continua

crescendo, sem aparente incômodo com a sua condição de “santa popular”.

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126

Envolvido em menor comoção, mas não menos expressivo, surge a figura do Menino

Petrúcio, cujo túmulo (FIS13), no Cemitério São José, em Maceió-AL, é local de permanente

apelo. Visitei o local em duas oportunidades, entre julho de 2006 e janeiro de 2007. Em

ambas, encontrei algumas dezenas de objetos depositados num jazigo que contrasta dos

demais ao redor, seja pela relativa suntuosidade, seja pela freqüência em que é visitado e que

se lhe ofertam oblatos. Segundo Câmara Cascudo, Petrúcio Correia faleceu de tifo, aos oito

anos de idade, em 1938, com “impressionante precocidade religiosa e criativa” (ib., p. 423).

Por fim, relacionamos o caso da menina Maria de Lourdes, em João Pessoa-PB, que “à volta

dos 12 anos, sucumbiu nas sevícias policiais. No Cemitério da Boa Sentença sua sepultura

ilumina-se de velas constantes, flores, gratos ex-votos” (CASCUDO, 2001, p. 424). Tal e

qual. Ao visitar este cemitério, em julho de 2006, pude visualizar exatamente esta descrição

fita por Câmara Cascudo. O que encontrei foi um túmulo com muitas miniaturas de casas,

fitinhas coloridas e terços, além de flores e velas. A estátua de uma menina, bem ao lado da

sepultura, impressiona pela espontaneidade. No entanto, esta não é a única personalidade com

culto naquele cemitério: pude confirmar a presença de oferta votiva (uma placa em mármore)

no túmulo do Padre Zé Coutinho. Segundo funcionários, sempre são depositadas peças

tridimensionais e placas em agradecimento ao religioso, que não chega a ter o mesmo apelo

dos outros casos similares que já chegamos a analisar.

De um modo geral, os perfis apontados por Luís da Câmara Cascudo em 1974 se mantêm em

plena vitalidade, confirmando que, independente das possibilidades de renovação, as

devoções “irregulares” tradicionais ou ascendem à condição de regularidade (sendo aos

poucos acatadas pelo autoridade católica maior), ou se conservam sem grandes conflitos

institucionais na sua condição de não-oficialidade. Em nenhum dos casos constatei algum tipo

de repressão ou retaliação por parte dos ordinários oficiais. Creio que bases motivacionais

desta espécie de “política de boa vizinhança” já foi suficientemente esclarecida na seção 3.2.

4.3 Os ex-votos do Senhor do Bonfim, a partir de Clarival do Prado

Valladares

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127

A presença votiva do Senhor do Bonfim é uma das mais antigas do Brasil (a devoção já tem

mais de duzentos e cinqüenta anos), mas impressiona o seu vigor contemporâneo. Foram

considerados muitos casos no recorte desta pesquisa (observei quase 70 sítios votivos), mas

um dos que possui citações mais antigas é o do Senhor do Bonfim, na capital baiana, com sua

tradicional Igreja Basílica (FIS02). Em seu Diário da viagem ao norte do Brasil, Dom Pedro

II declara no dia 28 de outubro de 1859:

Pouco depois das 6 da manhã saímos para o Bonfim; o caminho já é muito bonito, tendo belas casas e jardins, e antes de lá chegar passa-se o Dendêzeiro, bela alamêda de palmeiras dendês. Da igreja, colocada sobre um teso, para o qual conduz uma bem lançada calçada, goza-se de vista soberba (...) Há uma casa curiosa tôda cheia, de alto a baixo, de quadros de milagres e ex-votos (DOM PEDRO II, 1959, pp. 147-148).

Já Moema Parente Augel, na obra Visitantes estrangeiros na Bahia oitocentista, apresenta

outra impressão da “sala dos milagres”, registrada no século XIX (entre 1855 e 1859), desta

vez de Francisco Michelena y Rójas101:

pelo prodigioso número de moldes de cera representando todos os membros do corpo humano, e pelos quadros de pinturas extravagantes, pode-se deduzir logo o estado de superstição em que se acha a imensa maioria da população (MICHELENA Y RÓJAS, in AUGEL, 1980, p. 164).

São percepções distintas do mesmo evento, em épocas muito próximas. Se, por um lado, Dom

Pedro II destaca a beleza do local e a inusitada presença da “sala dos milagres”, Francisco

Michelena y Rójas não desconsidera os mesmos atributos, mas parece depreciar a eficácia

sócio-cultural das práticas votivas.

Pelo valor artístico ou pelo valor religioso, as práticas votivas dedicadas ao Senhor Bom Jesus

do Bonfim são essencialmente distintas da maioria do que se pode encontrar pelo nordeste

oriental. A começar pelo caráter transcanônico da devoção: Senhor do Bonfim é sincretizado

com Oxalá102, o que faz com que as matrizes religiosas católica e afro-brasileira

(especialmente o Candomblé) criem uma simbiose de harmonia poucas vezes verificada em

101 MICHELENA Y RÓJAS, Francisco, Exploración oficial por la primera vez desde el norte de la America del Sur siempre por rios… Viaje a Rio de Janeiro desde Belen en el Gran Pará, por el Atlántico, tocando en las capitales de las principales provincias de imperio en los años de 1855 hasta 1859… Publicado bajo los auspicios de gobierno de los Estados Unidos de Venezuela. Bruselas, A. Lacroix, Verboeckhoven y C., 1867. 102 Segundo Pierre Verger, “sem outra razão aparente senão a de ter ele, nesta cidade, um enorme prestígio e inspirar fervorosa devoção aos habitantes de todas as categorias sociais” (VERGER, 1997, p. 259). Verger afirma ainda que a Lavagem é uma aproximação com outra festa de origem africana: as “Águas de Oxalá”.

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qualquer outro lugar do país. A Lavagem do Bonfim é uma prova indiscutível disso, o Museu

de Ex-votos e a tradicional “sala dos milagres” são outras.

A Lavagem do Bonfim é considerada a mais importante das festas de largo da cidade de

Salvador-BA. No inicio, as novenas em homenagem ao Senhor do Bonfim eram feitas na

Semana Santa, mas a partir de 1773 passaram a ser feitas com data móvel (sempre no mês de

janeiro). O ciclo eclesiástico consiste num novenário que se encerra no segundo domingo

após o a Epifania (Dia de Reis). A comemoração começou com a característica dos arraiás

portugueses, sendo depois o Senhor do Bonfim sincretizado com Oxalá, mudando o estilo da

festa. Segundo Clarival do Prado Valladares

a decorrência desse sincretismo foi a ‘lavagem do Bonfim’ proibida pelo Arcebispo D. Luis Antonio dos Santos, em 1889, porém retomada em diferentes datas, ou no mínimo reconduzida, tanto quanto permitida (1967, p. 40).

A Lavagem do Bonfim é atribuída à promessa de um devoto, um soldado sobrevivente da

Guerra do Paraguai. Acredita-se que este ritual teve origem nos tempos em que os escravos

eram obrigados a levar água para lavar as escadarias da Basílica para a festa dos seus

senhores, desde esta época um agradecimento do povo às graças concedidas pelo Senhor do

Bonfim. Considera-se o ano de 1804 como o da primeira lavagem oficial. A festa realiza-se

no Largo do Bonfim, bem em frente à igreja, no alto da Colina Sagrada, na última quinta-feira

antes do final do novenário e é marcada pela lavagem da escadaria e do adro da igreja por

baianas vestidas a caráter, trazendo na cabeça água de cheiro (muito disputada entre os fiéis)

para lavar o chão da igreja e flores para enfeitar o altar (vide página de fotografias na FIS02).

O cortejo parte ainda pela manhã da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia e vai até

o Bonfim, arrastando multidões num percurso de aproximadamente oito quilômetros.

Historicamente, uma presença certa nesta caminhada é a de autoridades civis e militares,

artistas e personalidades da cidade de Salvador e da Bahia.

Até a década de 1950 as baianas tinham acesso ao interior do templo, onde o chão era lavado

“com energia e entusiasmo” (VERGER, 1990, p. 11), até que as autoridades eclesiásticas

limitaram a lavagem apenas ao adro da Igreja. Desde o ano de 1998 a Arquidiocese de

Salvador separou as comemorações do Bonfim das festas organizadas pelos grandes

empreendedores da moderna indústria cultural baiana. Blocos e entidades carnavalescas

organizavam festas paralelas nos arredores do percurso religioso, desviando o interesse do

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129

público mais jovem pelo rito cristão e de certa forma desvirtuando a data festiva, com uma

oportunista possibilidade de receita, que de forma alguma não retornava à fonte motivadora

católica. O que se pode concluir desta medida de caráter reparador, quase dez anos depois, é

que a Lavagem do Bonfim voltou a ser o centro das atenções no dia, atraindo pessoas que

normalmente não se integravam à festa, seja pela dificuldade de acesso, seja pelo desinteresse

despertado pela concorrência de outros eventos. A graça da relação entre o “sagrado” e o

“profano” se mantém vigorosamente viva, espalhada por todas as partes, dentro e fora da

igreja, nas barracas de comidas e bebidas, na malandragem dos vendedores ambulantes, nas

danças sensuais e na vestimenta dos fiéis que ocupam toda a Colina Sagrada. Tudo se mistura:

a devoção católica expressa pela “fitinha do Bonfim” e a tradição afro-brasileira, presente nos

patuás e figas, que disputam o mesmo espaço dos tabuleiros de venda de artigos religiosos. É

a mistura que se vê também na “Sala dos Milagres” e no Museu dos Ex-votos, já há algum

tempo interditado para reforma.

Na obra Riscadores de milagres, Clarival do Prado Valladares apresenta um estudo

essencialmente relacionado à crítica de arte, interessado na “manifestação estética do artista

primitivo103” (VALLADARES, 1967, p. 18) e dando uma inédita visibilidade aos ex-votos do

Senhor do Bonfim. O autor é cauteloso ao tomar distância das avaliações de ordem religiosa

(intentando libertar os ex-votos de “outras atribuições”), e deixa claro que sua seleção levou

em conta as peças que mais o “impressionaram, por uma qualidade artística ou por alguma

razão de ordem científica” (ib., p. 15). Portanto, o arrazoado que tomei como referência é

importante pela caracterização das formas expressivas, observadas em duas oportunidades:

1939/1940 e 1960/1961.

Sem uma preocupação mais sistemática do ponto de vista taxonômico, Valladares criou

inicialmente um sistema classificatório regido pelo tipo de material utilizado:

103 O termo “artista primitivo” é definido por Valladares como “aquele que produz ou constrói, objetos de qualidade ou de causalidade artística para o consumo implícito ao seu meio sócio-cultural (...) Primitivo significa, neste ensaio, o artista genuíno desprovido da habilitação e do discernimento, exigidos pela civilização, no reparo dos objetos destinados ao consumo e ao deleite dos estratos sociais elevados” (VALLADARES, p. 18). Talvez hoje em dia se possa considerar estas definições um tanto quanto etnocêntricas, mas são capazes, ao menos, de determinar sistemas de valores sociais que ainda não conseguimos superar completamente na atualidade. Por isso elas ainda fazem sentido.

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i. Ex-votos em cêra, madeira e ourivesaria (o autor destaca que os ex-votos de cera

representam basicamente partes do corpo e quanto aos de madeira, “por cujo valor

escultórico ganham cobiça, poucos restam104”);

ii. Ex-votos de objetos e pertences ao próprio fato de o milagre (radiografias,

fotografias, objetos como uma agulha de costura, restos de embarcações);

iii. Ex-votos em desenho e pintura (de suportes e técnicas diversas, nos quais ressalta

a intenção narrativa);

Cada uma destas categorias é ilustrada por relatos verbais correspondentes a cada expressão

típica, sobre os quais o autor procede a uma análise discursiva, em alguns casos amparado

pela reprodução fotográfica da peça em consideração. Valladares considera que, “num certo

sentido, poderia denominar muitos dêsses ex-votos simplesmente de correspondência com o

Senhor do Bonfim” (ib., p. 17), ressaltando a “existência humana que se dá ao Senhor do

Bonfim, no modo como é tratado nas dedicatórias, cartas e rogos” (ib., p. 33).

De um modo geral, as 148 peças analisadas por Valladares estabelecem uma relação entre

suas expressões verbais e não verbais, com um foco bastante dirigido para a crítica das

motivações sociais (contexto sócio-cultural da peça, do autor da peça e do

ofertante/milagrado), considerando as condições de produção, distribuição e consumo. É certo

que sua contribuição nos serviu de inspiração e fonte de referência. Valladares não chegou a

centrar suas forças no desenvolvimento de uma epistemologia dedicada ao objeto em estudo.

Mesmo assim foi capaz de produzir o conjunto de conclusões mais completo que tive a

oportunidade de conhecer, entre todos os colaboradores que foram citados nesta tese.

O sistema classificatório que ele adota preliminarmente mescla a função crônica da oferta

(presentes e ex-votos propriamente ditos, por exemplo), as formas expressivas da oferta

votiva (bases tipológicas) e suas propriedades de expressão sígnica (valor icônico, indicial ou

simbólico). Procurei estabelecer estas distinções, conforme já expus em na seção 3.3. 104 De fato, nos idos dos anos de 1940 a 1960, muitos artistas plásticos baianos (num fenômeno de ressonância nacional) lançaram-se pelo interior do estado e da região Nordeste, buscando os originais ex-votos esculpidos em madeira, cuja “espontaneidade” despertava nos primitivistas uma ação inspiradora: vide o trabalho dos artistas plásticos baianos Sante Scaldaferri (1988), Carybé (Hector Páride Bernabó), Mirabeau Sampaio, Jenner Augusto, Farnese de Andrade, Antônio Maia, Aderson Medeiros, Mário Cravo Júnior, Mário Cravo Neto e do escultor Agnaldo dos Santos – todos produzindo quando não na Bahia, na região Nordeste do Brasil.

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Quanto ao panorama de diversidades que apresentou no livro, posso afirmar que quase 70

anos depois esta é uma característica que só se reforça. O Museu dos Ex-votos ostenta uma

reserva técnica sem similar em toda a região Nordeste. A relativamente pequena “sala dos

milagres”, na nave direita da igreja, encanta por alinhar testemunhos recentes com outros

muito antigos, por não estabelecer distinções valorativas entre o que é exclusivamente

católico e o que é de motivação sincrética e por ser um espaço público e extremamente

acessível às deposições votivas.

A fé no Senhor do Bonfim torna sua “sala dos milagres” muito mais extensa do que a limitada

no interior da igreja. De dia ou de noite, a Colina Sagrada é sempre um espaço de expressão

de pedidos e agradecimentos, riquíssimo palco de performances pessoais, lugar que dilui

definitivamente o rigor e a tangibilidade do que se pensa como sagrado. A fé no Senhor do

Bonfim é um autêntico signo do patrimônio cultural baiano, acima de qualquer outra forma de

classificação normativa.

4.4 Revisitando Alagoas: Théo Brandão e Alceu Maynard Araújo

As expressões votivas no estado de Alagoas seriam desconhecidas, não fosse a notável

iniciativa do médico e folclorista Théo Brandão (Theotônio Vilela Brandão, 1907-1981). Seu

interesse pela cultura popular fundiu-se com o gosto pela medicina, resultando em estudos

sobre a “medicina folclórica”. Em 1975 doou à Universidade Federal de Alagoas (UFAL) sua

coleção sobre cultura popular, que constituiu a célula inicial para a fundação, no mesmo ano,

do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore.

Foi a partir de um catálogo deste museu (EX-VOTOS DE ALAGOAS, 1976) que tomei

contato com as recolhas votivas realizadas por ele e por Luiz Sávio de Almeida, cuja seleção e

identificação do acervo ficaram a cargo do professor Fernando Lobo. O catálogo apresentava

a reprodução fotográfica de vinte peças, exclusivamente coletadas em cidades do estado de

Alagoas, na faixa litorânea e na zona da mata, totalizando sete sítios. Visitei o Museu em

julho de 2006, um palacete à beira-mar que impressiona pela beleza arquitetônica e excelente

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infra-estrutura. Obtive a confirmação de muitas das questões que precisava elucidar antes de

visitar parte dos sítios votivos descritos no catálogo. Mesmo assim, as coletas que no passado

foram efetuadas em cruzeiros, especificamente, não puderam ser localizadas a contento.

A primeira das visitações que fiz foi à Igreja de Bom Jesus dos Martírios (FIS15), localizada

no centro de Maceió. Foram duas oportunidades de visita, na verdade. Estavam referidas no

catálogo três peças representando cabeças, duas em gesso e uma em cera, recolhidas em 1967

e em 1974. Na primeira vez que observei o sítio, em julho de 2006, encontrei a igreja com boa

movimentação, mas apenas uma forma de manifestação votiva considerável: um caixote de

vidro com dezenas e dezenas de cabeças, todas ofertadas a Nossa Senhora da Cabeça. Eram

peças de madeira, plástico, cera e argila, em tamanhos e cores variadas. Algumas

apresentavam entalhes, outras recebiam rabiscos definindo nariz, olhos e boca. Umas poucas

fotografias e algumas manuscrituras a tinta somavam-se às ofertas. Na segunda observação,

em janeiro de 2007, confirmei o vigor da devoção a Nossa Senhora e encontrei um caixote

semelhante logo na entrada da igreja, desta vez com peças em madeira, representando partes

do corpo humano, que pela aparência, deviam existir já há muitas décadas. De fato: a igreja

acabara de recuperar, dentro de um quartinho localizado debaixo da escada de acesso ao sino,

uma caixa repleta de objetos votivos em madeira dedicados ao Bom Jesus, muitos deles em

estado de apodrecimento. Os que se puderam recuperar foram limpos e passaram a fazer parte

da recente e ainda improvisada exposição. Saí da igreja com a impressão de que já passara da

hora de suas expressões votivas (que ali se manifestam há muitas décadas) ganharem um

espaço próprio, valorizando a tradição religiosa que a casa ostenta.

O segundo sítio relacionado com as coletas de Théo Brandão foi localizado ainda no Museu,

pela informação do curador José Carlos da Silva: eram duas peças em madeira, que o catálogo

situava em “Alto da Santa Cruz – Bebedouro”, local que hoje corresponde à Capela de Santa

Amélia (FIS16), no bairro que passou a levar o nome da santa, num desmembramento da

antiga Chã de Bebedouro. Depois de uma primeira visita frustrada, em que a capela

encontrava-se fechada, retornei em janeiro de 2007, desta vez conseguindo explorar o

universo das relações votivas que se estabeleciam no lugar. Na subseção 3.2.2 teci algumas

considerações acerca de como esta devoção vem sendo conduzida hoje em dia, que vale

recobrar: a capela de Santa Amélia é local de um culto particular, atualmente conduzido por

José Olímpio da Silva, o Zezinho rezador. A igreja católica mantém-se afastada das atividades

devocionais realizadas no local, que nos últimos anos, por conta da dedicação de Zezinho,

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133

vem se mantendo ativa e renovada, incorporando elementos do catolicismo popular (rezas e

benzeduras). Na época em que Théo Brandão coletou as duas peças que integram o acervo do

Museu, em 1966, havia apenas uma cruz sinalizando o local onde Amélia e sua filha

(assimiladas a Santa Amélia e sua filha, Santa Luísa) teriam sido mortas (vide nota 86). Hoje

o mesmo local comporta uma pista dupla de asfalto que é essencial na ligação dos bairros do

norte e do sul da capital Maceió. A Capela de Santa Amélia, construída na década de 1970,

está a menos de dez metros desta pista. Soube por um morador local que o cruzeiro, que hoje

situa-se bem defronte à capela, localizava-se originalmente no outro lado da rua, tendo sido

transferido, há poucos anos, para o local onde se encontra agora.

Se em 1966 foram recolhidas peças (uma perna/pé e um antebraço/mão em madeira)

diretamente expostas às intempéries, hoje em dia as ofertas votivas são encontradas protegidas

das ações da natureza. Num quartinho na parte de trás da capela pude encontrar uma pequena,

mas caprichosamente organizada “sala dos milagres”, com muitas peças em madeira,

similares às verificadas no Museu, mas muitas imagens de santos e fitinhas coloridas

(caracterizando apelos protetivos, ofertados sob a forma de “presentes” ou “lembranças”),

além de peças em plástico (reaproveitadas de bonecas) e peças costuradas em tecido, ambas

representando partes do corpo humano.

Ao sul de Maceió, visitei a cidade de Coruripe, numa busca vã por um certo “Cruzeiro”,

conforme descrevia o catálogo do Museu. Nada encontrei na cidade com correspondente

função na atualidade, como já imaginava ainda antes de chegar à localidade. Em Anadia,

cidade situada na zona da mata, em meio a infindáveis quilômetros de canaviais, busquei pelo

“Cruzeiro Verde”, mas o máximo que encontrei foi uma cruz na parte periférica da pequena

cidade (SE122), que segundo relato dos moradores mais velhos, não era utilizada como sítio

votivo.

Ainda mais ao sul do estado, visitei as cidades de Piaçabuçu e Feliz Deserto, referidas por

Alceu Maynard Araújo (1967). Piaçabuçu é uma pequena cidade na foz do rio São Francisco,

que junto com Penedo, ainda guarda orgulhosamente na lembrança a visita de Dom Pedro II,

em 1859. O Imperador, na oportunidade, esteve na Igreja Matriz da cidade, que encontrei

fechada, mas segundo moradores, era também local de ofertas votivas (fato não constatado

por Araújo quando da sua visita, na década de 1960) . O que de fato me atraiu à região foi um

relato feito por aquele autor:

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134

Na estrada que leva a Feliz deserto, na santa-cruz do Cigano, recolhemos ex-votos de cerâmica, de madeira, de pano, de cêra, flores de papel, fitas, desenhos, pinturas e mechas de cabelo. Há uma abundância de cabeças de madeira (ARAÚJO, 1967, p. 27).

Se em meados da década de 1960 o que se encontrava no local era uma cruz, em janeiro de

2007 encontrei uma pequena construção, a Capela da Santa Cruz do Cigano (FIS18),

localizada na saída da cidade de Piaçabuçu. Trata-se de uma obra erigida dentro de uma

chácara particular, cujo acesso pode ser pela pista de asfalto que liga Piaçabuçu a Feliz

Deserto, ou por uma estrada de areia, do lado oposto, antiga ligação entre essas duas cidades.

Segundo relatos da população local, a cruz foi construída para devoção de um cigano morto

por outro companheiro supostamente numa briga durante um almoço, há mais de 70 anos. Da

cruz se construiu uma capela, que foi consolidando, com o passar do tempo, um culto

doméstico, cuidadosamente mantido por Emanuel Santana Neto, morto em 2006. Apesar de

pouco se saber sobre o “cigano”, o local até o ano da morte de seo Emanuel foi uma

tradicional parada na romaria da festa de Nossa Senhora Mãe dos Homens, cuja festa acontece

em 31 de dezembro, com movimentações que se iniciam desde o mês de outubro.

Anteriormente havia grande movimento entre esses meses, mas esta passagem está fadada a

se encerrar no local, já que com a morte do patrono a viúva e os outros familiares não

pretendem assumir a continuidade da festa.

A observação no interior da capela não chegou a confirmar a fartura anotada por Araújo:

encontrei um pequeno e bem cuidado altar com imagens tridimensionais de santos, algumas

poucas fotografias emolduradas e afixadas numa parede, muitas fitas coloridas e poucas peças

tridimensionais, em madeira, argila e tecido costurado, sempre representando partes do corpo

humano.

Talvez na época da sua visita, quando o lugar de culto ficava à margem da passagem principal

entre as duas cidades, Alceu Araújo tenha encontrado manifestações votivas mais numerosas,

por conta de haver uma devoção com vigor diferenciado. Hoje em dia a capela fica nos fundos

de uma propriedade particular, que preserva a via original, de areia, mas quase não há mais

movimento por ali. Se o lugar até recentemente servia mais como pousada do que como um

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135

santuário propriamente dito, com a morte do patrono e a recusa da família pela renovação das

práticas, a tendência é imaginar que este caso não resistirá por muito mais tempo.

Na Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Feliz Deserto-AL (FIS19)

confirmei, quarenta anos depois, a existência de manifestações votivas, conforme relatara

Alceu Maynard Araújo. Cheguei duas semanas depois da tradicional festa, imaginando

encontrar uma fartura de expressões votivas. Mas não as encontrei assim. O que pude

verificar foi uma pequena coleção de ofertas recentes, colocadas sobre uma mesa, ao lado do

altar principal da igreja. Não eram mais do que quinze peças tridimensionais (em madeira,

argila e tecido costurado) representando partes do corpo humano, algumas fotografias e um

grande número de peças de roupas, muitas utilizadas em manifestações penitenciais.

Seguindo para o norte e retornando ao litoral, fui até a cidade de Paripueira (antigo distrito de

Barra de Santo Antônio), onde localiza-se a Igreja de Santo Amaro de Paripueira (FIS17).

Trata-se de um templo religioso situado a poucos metros do mar, testemunha de uma brisa

suave e permanente. Foi a região que inspirou José Lins do Rego (1995) a escrever, no ano de

1939, o romance Riacho Doce. Encontrei a igreja fechada, mas consegui localizar a zeladora,

dona Juraci Santos, que me possibilitou observar calmamente a recém reformada “sala dos

milagres”. Ali foram recolhidas 11 das 20 peças que compunham o catálogo (quase todas de

madeira, representando cabeças, perna e pé e coração, apenas uma peça em barro), entre 1966

e 1974. Mais uma vez constatei que o perfil das expressões votivas, comparativamente,

mantinha-se com muita semelhança: encontrei muitas peças tridimensionais, que

predominavam neste sítio. Em madeira, cera, argila, costurados em tecido ou de plástico,

cabeças, braços e pernas eram abundantes. Encontrei poucas fotografias e ainda menos

manuscrituras a tinta sobre papel. Era evidente a vocação daquele templo ao objeto votivo

tridimensional.

As últimas menções feitas por Théo Brandão eram referentes a duas localidades na zona da

mata, também ao norte de Maceió: a primeira localizava-se no município de Flexeiras, onde o

folclorista recolhera uma peça votiva em 1963, num cruzeiro localizado no “Engenho

Prazeres”. A segunda era a “Usina Bititinga”, onde na “Santa Cruz” fora recolhida outra peça

votiva, em 1962. Eu já imaginava que seria uma busca um bocado árdua, pois o tal engenho e

a usina (baseado nas buscas preliminares) já não existiam há bastante tempo, ao menos com

estes nomes.

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136

Ao chegar à pequena cidade de Flexeiras, exercitei uma estratégia que vinha funcionando bem

nas observações anteriores, especialmente quando eram em locais de referência menos

notória: buscar informações com pessoas mais idosas. O problema dos topônimos antigos e o

peso da tradição que os mais velhos conhecem sustentavam o critério, e vinha surtindo bom

efeito. Acabei abordando um grupo de senhores que estavam à espera de transporte, ainda na

entrada da cidade. Nenhum deles confirmou a existência dos lugares que eu estava à procura,

alguns desconheciam, outros afirmaram sua extinção. Também não indicaram nenhuma

similaridade de manifestação votiva contemporânea pelas redondezas. Continuei a circular

pela cidade, em busca de mais e melhores detalhes. Encontrei José Gonçalves da Silva, de 68

anos, ex-colhedor de cana que afirmou que o Engenho e a Usina foram desfeitos, mas que ele

já trabalhara por lá, décadas atrás. Também confirmou a existência de práticas devocionais

fervorosas em outrora, mas sem continuidade no presente.

Numa carona de percurso não muito longo, pude conversar com o velho lavrador, que me

expôs com muita satisfação sua versão da vida religiosa local. Seo José, que já atuara como

colhedor de cana até no Recôncavo Baiano, apontou a “Usina Bititinga” como uma grande e

próspera empresa, com muitos engenhos, inclusive o “Engenho Prazeres”, se espalhando por

vários municípios da zona da mata alagoana105. Por questões trabalhistas, em meados da

década de 1980, a Usina entrou num processo de falência, como muitas outras da região. Foi

se esvaziando com o tempo, deixando o negócio açucareiro de ser do interesse da família e

acabou como um lugar abandonado, testemunha viva das mudanças que as estruturas e

relações de trabalho poderiam acarretar aos tradicionais “senhores de engenho”. Seo José

ainda enfatizava o desinteresse dos herdeiros pelo negócio, quando da morte do patriarca,

pontuando como a “juventude” é capaz de se apegar ao que é ruim, à bebida, à farra, em

prejuízo dos bens de família. Para ele, só o que se encontra hoje em dia naquela região é

“sem-terra, resto de usina e bois. Não existe mais respeito e nem religião!”. Foi

impressionante, a quantidade de assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra

(MST) que vimos às margens da rodovia que trafegávamos, ainda que aquele fosse um

percurso de menos de 50 km. Seo José também não deixou de enfatizar sua insatisfação ao se 105 Isso explicava a minha dificuldade em localizar na atualidade estes dois sítios referidos por Théo Brandão: em se tratando de uma grande propriedade privada, com vida social própria (como tradicionalmente eram os engenhos nordestinos) e dispersa em diversas unidades comunitárias, a Usina Bititinga se esparramava por pelo menos três municípios, que nos últimos anos sofreram alterações em seus limites, tendo sido possível encontrar, por exemplo, a localização da Usina atribuída aos municípios de Messias, Murici e Flexeiras, em diferentes fontes.

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137

referir às igrejas evangélicas que se multiplicam naquela área. Ele atribuiu aos evangélicos o

enfraquecimento dos cultos católicos na região. Lembrei do que ouvi, quase três anos antes,

do zelador da igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Itabaiana-PB: que ali “os

evangélicos não deixam a santa em paz, eles cultuam Cristo, mas não respeitam sua mãe”...

Lembrei do que me foi alertado no Exame de Qualificação, sobre as dificuldades de

renovação de certas práticas católicas pelo Brasil. Lembrei que o campo estava vivo. Seo José

seguiu seu caminho, deixando-me um depoimento que com muita clareza apresentou as

chaves explicativas de muitos outros casos semelhantes de descontinuidade devocional por

toda a região Nordeste do Brasil.

As contribuições de Théo Brandão e Alceu Maynard Araújo são relativamente recentes, mas

como vimos, o ambiente daquelas práticas votivas sofreu muitas mudanças nos últimos anos,

algumas que podem ameaçar a permanência das práticas, outras que comprovam sua extinção.

Como pesquisador interessado nas expressões populares de cultura, fica clara a preferência de

Théo Brandão pelas peças de feitio artesanal, o que faz com que o acervo que compõe o

Museu não seja uma amostra fiel do universo dos objetos votivos alagoanos entre 1962 e

1974. É certo que a fotografia, a pintura e outras formas reaproveitadas também ocupavam

lugar representativo nos sítios devocionais e nas cruzes e cruzeiros espalhados por todo

estado. Falta, contudo, registros que exponham este panorama de diversidade dentro as

manifestações votivas católicas naquele tempo e espaço.

4.5 Contribuições mais recentes à cartografia votiva no nordeste oriental do

Brasil

Nesta última seção apresentarei a síntese das observações que foram realizadas sobre

documentações históricas menos sistemáticas, do ponto de vista da descrição das práticas

votivas, e sobre centros e fenômenos votivos que ainda não foram tratados nas condições de

análise, documentação e interpretação que proponho nesta tese. Apenas por uma questão de

objetividade expositiva, apresentarei os próximos casos partindo do índice de canonicidade

que propus na seção 3.2. Mais detalhes sobre os casos relatados poderão ser consultados nas

respectivas Fichas de Inventário de Sítio (FIS).

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138

Inicio, portanto, relacionando o culto ao Santo Cristo, perfil devocional dos mais tradicionais

no Brasil. Destaco a vitalidade do culto ao Senhor dos Passos (FIS31), em São Cristóvão-SE.

Trata-se de mais um espaço devocional que desde o princípio do Século XIX expressa a fé do

povo sergipano, mantendo até a atualidade, no claustro da Igreja da Ordem Terceira de Nossa

Senhora do Carmo (o Carmo Menor) o Museu do Ex-voto de Sergipe, que rivaliza com o

Museu dos Ex-votos do Senhor do Bonfim (Salvador-BA) pela antigüidade e valor

representativo de suas peças. A Procissão do Senhor dos Passos, realizada anualmente no

segundo final de semana da quaresma, é o ponto alto das deposições votivas, atraindo pessoas

do estado de Sergipe e de outras localidades da região Nordeste, em discreta romaria.

Visitei o Museu do Ex-voto de Sergipe por diversas vezes nos últimos anos. O espaço

destaca-se pela ambiência única, ocupando um claustro e o pavimento superior com uma

coleção de formas expressivas notável pela extensão e variedade. Destaca-se a enorme

quantidade de peças tridimensionais em madeira, seguidas pelas peças modeladas em material

argiloso e pelas moldadas em gesso e cera, revelando as ofertas mais tradicionais. Por outro

lado, são numerosas as fotografias e os objetos adaptados ou ressignificados. O espectro

matricial dos ex-votos de São Cristóvão106 é comparável ao da Igreja do Senhor do Bonfim

(Salvador-BA), ao do Santuário de Bom Jesus da Lapa (BA) e ao do Santuário de Nossa

Senhora da Penha (João Pessoa-PB).

Outro centro votivo de longa tradição histórica localiza-se no estado de Pernambuco, o

Santuário do Senhor Santo Cristo de Ipojuca (FIS32). Trata-se de uma sala dos milagres que,

se não apresenta um volume considerável de objetos votivos, apresenta o mesmo equilíbrio

verificado no caso citado acima, entre as ofertas de tradição rural (peças esculpidas em

madeira) e as de produção pós-industrial (fotografias). É um sítio votivo de visibilidade

discreta, limitado à devoção pernambucana.

De alcance muito mais expressivo, projeta-se o Santuário de Bom Jesus da Lapa (FIS22),

construído dentro das grutas do Morro do Bom Jesus, na margem direita do médio vale do rio

São Francisco, no oeste da Bahia. É um dos mais encantadores sítios votivos que tive a

106 Quando visitei a cidade pela última vez, em julho de 2006, havia uma enorme expectativa quanto ao lançamento da sua candidatura para o tombamento pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Patrimônio Cultural da Humanidade.

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139

oportunidade de visitar. O Santuário foi fundado em 1691, pelo eremita Francisco de

Mendonça Mar, que depois de consolidar o espaço e atrair romarias, foi tornado padre. É um

caso típico de construção espontânea de espaço sagrado que é posteriormente assimilado pela

Igreja.

Apesar da majestosa obra da natureza, enriquecida pela ação do homem, o que mais

impressiona no Santuário são as expressões votivas: não são comparáveis o volume,

antigüidade, variedade e criatividade do que se pode encontrar nas muitas áreas de deposição

votiva. Mais do que em qualquer outro lugar, o choque entre a tradição e a modernidade salta

aos olhos: observamos facilmente os cada vez mais raros retratos pintados à mão, a partir de

fotografias, ao lado de impressões fotográficas editadas em computador, fundindo pessoas,

paisagens e palavras a partir do recurso da informática; encontramos notáveis peças

esculpidas em madeira – capazes de despertar a mesma cobiça nos artistas plásticos, relatada

por Valladares (1967) – ao lado de famosas bonecas de produção industrial, vestidas com a

vaidade típica das mulheres dos grandes centros.

A devoção ao Bom Jesus da Lapa movimenta fiéis de todo o Brasil, com área de abrangência

mais expressiva entre os estados da Bahia e de Minas Gerais (STEIL, 1996, p. 59-61). O

Santuário é mantido desde 1956 pelos Missionários Redentoristas da Bahia, especialistas na

administração de espaços desta natureza. Sua ação se fez visível no aumento considerável não

só de romeiros, mas de turistas com interesse religioso. A vigilância sobre o patrimônio que

cuidam também é muito grande: não se permite que nada saia do Santuário, especialmente das

numerosas salas dos milagres.

Mas esta não é a única devoção a Bom Jesus da Lapa no estado da Bahia. No município de

Ibiqüera, na Chapada Diamantina, visitei a Gruta da Lapinha (FIS29), outro orago do mesmo

Bom Jesus. Não encontrei menção prévia sobre este sítio votivo, caracterizado pela oferta

abundante de imagens de santos, bi e tridimensionais. Ao contrário da gruta do médio São

Francisco, a presença católica no local acontece apenas na época da romaria, quando padres

são convidados a celebrar missas. Em situação diferenciada encontra-se a Gruta da

Mangabeira (FIS30), no município de Ituaçu, na Chapada Sul do estado da Bahia. Lá, o culto

ao Sagrado Coração de Jesus é conduzido pela Igreja Católica, que construiu altar e estruturou

um Santuário dentro das galerias. A imagem votiva do Sagrado Coração fica uns 100 metros

adentro da gruta, marcada pela grande umidade e lamentável sensação de abandono. O acervo

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de ofertas é muito particular: não recebe um tratamento expositivo especial. As peças votivas

(predominantemente imagens de santos) são amontoadas em cima e embaixo de prateleiras de

pedra. A impressão de que não é um ambiente dos mais agradáveis é reforçada pela

precariedade da iluminação local.

A derivação ao culto do Santo Cristo é expressa pelo culto à Santa Cruz. Em Monte Santo, no

semi-árido baiano, encontrei a Capela de Santa Cruz (FIS26), santuário que é o ponto de

chegada de uma Via-Crucis, com 25 capelinhas espalhadas numa subida íngreme de quase 3

km, distinguida por Euclides da Cunha, em 1897, como um “templo prodigioso, monumento

erguido pela natureza e pela fé, mais alto que as mais altas catedrais da terra” (CUNHA,

2003a, p. 141). Suas referências em Os Sertões e em Canudos – diário de uma expedição

(2003b) limitaram-se à descrição topográfica e ao espanto com o “fanatismo” religioso que

erigiu aquele lugar, nada aprofundando sobre as práticas votivas, que na sua atualidade fazem

da Capela um dos mais movimentados sítios religiosos do Nordeste do Brasil. O aspecto da

sala dos milagres da Capela revela o peso que a produção artesanal ainda exerce nas práticas

produtivas locais: há um predomínio absoluto das peças tridimensionais em madeira,

representando partes do corpo humano e de objetos de uso penitencial (vestes e cruzes em

madeira, especialmente). No entanto, o mais impactante na minha experiência de subida da

“Santa Cruz” foi observar centenas de objetos votivos destruídos ao longo da trilha: ex-votos

em madeira alimentando fogueiras ou apodrecendo sob os efeitos da chuva e do sol. Tal

constatação expõe duas realidades: a primeira, problemática em qualquer centro votivo,

relaciona-se com o trato que se deve dar a um volume cada vez maior de objetos depositados,

já que os espaços são exíguos, mas as demandas ofertivas não. Depois, a certeza de que, ao

menos aos olhos dos que descartam os “lotes” de peças (normalmente os “agentes

especializados”), o ciclo existencial do objeto votivo deu-se por completo ao chegar e estar

exposto, ainda que temporariamente, nos locais de devoção.

Em Pernambuco, visitei o “Cruzeiro de Poção”, que se intitula como Centro de Instrução

Bíblico Visual (FIS33). Na cidade de Poção, no sertão pernambucano, passagens bíblicas são

contadas através de peças escultóricas tridimensionais, de notável expressão dramática. Lá

encontrei uma movimentada área dedicada às “promessas e milagres”, com variadas

manifestações votivas organizadas segundo a tipologia, em prateleiras especialmente

construídas.

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141

O culto mariano, sem dúvida, ainda é o mais expressivo nas práticas votivas por todo o

Nordeste do Brasil. Adiciono aqui mais alguns casos, além dos já argumentados nas seções

anteriores. Começo considerando o Santuário de Nossa Senhora das Candeias (FIS28), no

Recôncavo Baiano. Ao longo dos últimos anos a “sala dos milagres” do santuário passou por

grandes mudanças, do ponto da vista de sua organização. Nas minhas visitas até fevereiro de

2004, encontrei na “sala” um misto de centro votivo e de depósito de serviços gerais do

Santuário. Além do desconforto e do mau-cheiro permanente do local, os tradicionais

testemunhos das intercessões de Nossa Senhora eram amontoados num espaço apertado e

pouco convidativo. Dois anos depois, em fevereiro de 2006, encontrei um ambiente renovado,

com paredes pintadas, instalação de novas prateleiras e as peças organizadas segundo sua

tipologia. A “sala dos milagres” do Santuário de Nossa Senhora das Candeias apresenta

características muito particulares quando se trata de suas peças votivas. É um local que

impressiona pela quantidade de imagens de santos católicos, que, como já vimos, pode

sinalizar muitas tendências diferentes. São também abundantes as ofertas de objetos de uso

terapêutico, notadamente aparelhos ortopédicos. Manuscritos a tinta são fartos, bem como

fotografias, algumas marcadas pela presença de relatos manuscritos no verso. Em verdade

estes últimos objetos votivos constituem-se como um dos mais interessantes disponíveis nesta

devoção.

Em Salvador-BA, pude observar três casos especiais de devoção dentro de oragos marianos

que não constituíam Nossa Senhora como a principal personalidade votiva: a Igreja de Nossa

Senhora da Conceição da Praia (FIS34), cuja sala dos milagres apresenta um volume

marcantemente maior de ofertas votivas a outros santos, a Igreja de Nossa Senhora do Pilar

(FIS41), local de culto de Santa Luzia e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos

(FIS44), ponto de referência para o culto de Santa Bárbara ou da Escrava Anastácia.

Acompanhei por dois anos a Festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia, mas em

nenhuma destas oportunidades verifiquei práticas votivas expressivas durante as celebrações.

Indo na direção do interior do estado da Bahia, observei a cidade de Milagres, onde se

encontra a Igreja de Nossa Senhora de Brotas (FIS35). É uma devoção não muito antiga, que

conta com uma sala dos milagres pequena, mas que pela quantidade de peças ofertadas, atesta

o prestígio miraculoso da Santa na região. Encontram-se ali muitas peças tridimensionais em

madeira, seguidas de numerosas fotografias e de outros tipos de oblações, entre as quais

destaco um número considerável de caixas de remédio vazias, testemunhando uma espécie de

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libertação da doença. À beira da BR-116, Milagres é um importante ponto de parada

rodoviária, o que expõe a cidade a pessoas de todo o país, especialmente os motoristas, que

contam com uma capela dedicada a São Cristóvão, seu padroeiro.

Fora da Bahia encontrei uma versão de culto mariano que parece se expandir: a devoção em

torno da Virgem dos Pobres de Banneux. Seu principal sítio votivo encontra-se em Maceió-

AL, num Santuário (FIS36) marcado pela predominância absoluta de objetos votivos de

natureza verbal: placas pintadas, gravadas e/ou esculpidas em metal, plástico, mármore e

outros materiais. São pouquíssimas as peças que fogem deste modelo. Em Lagoa Seca-PB, há

um Monumento (FIS37) dedicado à Virgem, uma espécie de oratório, que aos domingos

costuma ser muito visitado. Ali encontrei poucas peças votivas. Também tive a oportunidade

de encontrar outro oratório dedicado à Virgem dos Pobres defronte à Igreja de Santo Amaro

de Paripueira (FIS17), em Alagoas, neste caso construído como ex-voto, por um pai que

reencontrou um filho que se perdera da família num surto em decorrência de um transtorno

psiquiátrico.

Em Pesqueira-PE visitei o Santuário de Nossa Senhora das Graças (FIS39), situado no distrito

de Cimbres, com vista panorâmica para a cidade. Ali encontrei poucas peças votivas, todas

elas dentro da gruta onde fica a imagem de Nossa Senhora. Ainda em Pernambuco, na

pequena cidade de Solidão observei o Santuário de Nossa Senhora de Lourdes (FIS48),

também construído dentro de uma gruta. Encontrei peças votivas em dois lugares diferentes:

atrás de um altar e num nicho construído numa capelinha anexa. Em ambos os casos era

predominante a presença de peças tridimensionais em madeira, representando partes do corpo

humano.

Em Patu-RN localiza-se o Santuário de Nossa Senhora dos Impossíveis (FIS40), que em

janeiro de 2004 ostentava uma “sala dos milagres” bastante interessante, marcada por

soluções estéticas criativas no trato expositivo das peças votivas: fotografias penduradas em

varais, peças tridimensionais afixadas nas paredes, a partir de categorias tipológicas.

Do culto votivo aos santos propriamente ditos, destaco em Salvador-BA a presença marcante

de Santa Luzia, na Igreja de Nossa Senhora do Pilar (FIS41), cuja festa, em 13 de dezembro,

foi assim referida por Pierre Verger: “Esta festa atrai à Igreja do Pilar, na cidade baixa, as

pessoas que sofrem da vista e mesmo os cegos, que vêm passar em seus olhos, neste dia, a

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água cujas virtudes são tidas por milagrosas” (VERGER, 1999, p. 74). A igreja encontra-se

em estado de abandono, inclusive estando com a nave principal fechada para celebrações. Em

outubro de 2006 observei a famosa fonte milagrosa de Santa Luzia e o altar improvisado onde

eram depositadas as ofertas votivas a ela dedicadas. Como se poderia prever, a temática das

vistas era predominante: óculos, lentes de contato e até bolas de gude representando os olhos

(SE59).

Ainda em Salvador-BA, vale menção a Igreja de Santo Antônio da Barra (FIS42), localizada

em bairro nobre e caracterizada pela ocorrência volumosa de miniatura de casas e pela

presença de chaves, remetendo a uma noção de lar, natural quando se trata do “santo

casamenteiro”. As representações votivas também incluem fotografias (principalmente de

casamentos), muitas imagens de santos e uma enorme quantidade de flores, normalmente

doadas após as celebrações em que a igreja é ornamentada.

Quando se trata de perfis devocionais transcanônicos, o estado da Bahia assume a

exclusividade no que pude observar por toda a região Nordeste. Já falamos de alguns casos,

aos quais acrescento o interessante Santuário de São Lázaro e São Roque (FIS43) e as

devoções paralelas que ocorrem na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (FIS44),

ambas em Salvador-BA.

O Santuário de São Lázaro e São Roque, como a Igreja do Senhor do Bonfim, é marcado por

um convívio harmonioso entre as tradições católicas e afro-brasileiras107. Na “sala dos

milagres”, há um predomínio das peças tridimensionais em cera, muitas acompanhadas por

relatos manuscritos, que revelam, não em poucas vezes, agradecimentos simultâneos a São

Lázaro/Obaluaê e São Roque/Omolu. Próximo ao veleiro, na parte de fora da igreja, é comum

encontrar cestos de pipoca, oferenda dedicada às duas divindades africanas presentes no

templo. Omolu e Obaluaê são representações em idades diferentes de um mesmo orixá –

quando jovem e quando velho, respectivamente. São evocados para a proteção de dores,

doenças e outros tipos de sofrimento, tendo a segunda-feira como o dia consagrado à sua

devoção, quando a igreja se enche de pessoas em busca do tradicional “banho de pipoca”.

107 Também administrada pelos Missionários Redentoristas da Bahia, mensalmente o Santuário promove uma “missa afro” (toda primeira segunda-feira domes, às 18h).

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Na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (FIS44) quem se destaca é a devoção a

Santa Bárbara, festejada no dia 04 de dezembro. Sincretizada com Iansã, seu dia de festa é

marcado pela presença da cor vermelha espalhada por todos os cantos. Segundo os

informantes que fazem parte da irmandade, as ofertas votivas a Santa Bárbara consistem da

realização de missas e de ritos comensais coletivos. Por todo nordeste oriental encontrei

imagens de Santa Bárbara, fosse em peças tridimensionais, fosse em quadros. Sua lembrança

nos sítios votivos da região é comparável apenas a Santa Luzia, São Jorge a aos santos Cosme

e Damião. Nos fundos da igreja há um oratório dedicado à Escrava Anastácia, com discretas

oblações, mas com um movimento intenso de fiéis que vêm persignar-se e lhe dedicar

orações.

Saindo do perfil canônico, podemos observar três personalidades religiosas bastante

expressivas: Irmã Dulce, Frei Damião de Bozzano e Padre Zuzinha, as duas últimas apontadas

por Marcílio Lins Reinaux, em 1988, como potenciais perfis devocionais nordestinos.

Se nos escritos de Reinaux já se constatava o poder de contágio da presença devocional do

Frei Damião, nove anos antes da sua morte, o que se verifica na atualidade é um apreço que

tem uma força comparável apenas ao Padre Cícero Romão Batista. A evocação do Frei

Damião (SE132) está fundamentalmente concentrada nos estados da Paraíba e de

Pernambuco, onde além de dois centros votivos em cada, sua imagem em estatuetas e

fotografias se espalha em quase todos os centros votivos que pude observar. Nos outros

estados sua presença é bastante mais discreta. A prova disso é que o Servo de Deus não tem

um sítio votivo que se possa considerar como basilar. Ao contrário do Padre Cícero (cuja base

devocional localiza-se na cidade de Juazeiro do Norte-CE), a lembrança do frei Damião está

espalhada pela região em diferentes ambientes, dos quais destaco quatro: o Convento de São

Félix de Cantalice (FIS23), em Recife-PE (onde repousam seus restos mortais); o Memorial

Frei Damião (FIS24), em Guarabira-PB (onde se construiu uma estátua de 22 metros de

altura); o Santuário do Frei Damião (FIS25), em São Joaquim do Monte-PE (que também

conta com uma estátua na praça da Igreja Matriz) e em outra estátua (FIS09), desta vez na

cidade de Sousa-PB.

Influenciado pelas práticas missionárias do Padre Ibiapina e do Padre Cícero, do qual era

devoto, Frei Damião também construiu obras de caridade por todo o estado de Pernambuco e

da Paraíba. Desde 1949 a Paróquia de Alagoa Grande já tratava o religioso como “Incansável

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Missionário da Paraíba”, conforme se pode ler numa “Lembrança das Missões de Frei

Damião”. Talvez isso explique porque ele é lembrado com tanta força e por tantos lugares ao

mesmo tempo.

Do ponto de vista das manifestações votivas, já se pode considerar que a população projeta no

Frei o mesmo prestígio atribuído ao padre cearense. Em todos os quatro sítios que citei pude

observar a presença marcante das ofertas votivas. Contudo, destaco o Memorial (FIS24) e o

Santuário (FIS25) como os mais movimentados. Em ambos, a quantidade e diversidade de

peças apontam para um quadro de plena eficácia da ação milagreira do Servo de Deus.

Em comoção popular menor na região, encontramos o caso do Padre Zuzinha (SE130), assim

apresentado por Marcílio Lins Reinaux: “Outro local que já começa a ter romaria é Santa

Cruz do Capibaribe, após a construção de um monumento do Padre Zuzinha, pároco por

quarenta anos do Município, prefeito e protetor dos beatos e devotos” (REINAUX, 1988, p.

77). A romaria ainda é discreta, mas a “sala dos milagres” que é incorporada à capela onde se

localiza seu túmulo (FIS20), no Cemitério São Judas Tadeu, não deixa dúvidas sobre o

prestígio devocional do Padre. Mesmo assim, ainda não há na cidade uma movimentação mais

decisiva em torno da abertura do processo de canonização do religioso, que, da mesma forma

que o Padre Cícero, ainda não pode ser considerado, a rigor, como um protocanônico.

É diferente a situação de Irmã Dulce (SE131), “mãe dos pobres”, como era chamada em

Salvador-BA. A base da sua devoção é a sede das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID) (FIS46),

que recebe diariamente, especialmente nas proximidades do túmulo da religiosa, muitas

ofertas votivas. Segundo o assessor de Memória e Cultura da OSID, Osvaldo Gouveia, há um

projeto futuro de se criar um Memorial, que já prevê um espaço privilegiado para a exposição

das ofertas votivas. Serva de Deus, Irmã Dulce já conta com um longo relato de graças

alcançadas atribuídas a ela e documentadas pelo Centro de Memória e Cultura das OSID.

Por fim, gostaria de destacar dois casos não-canônicos que se mantêm firmes como

interventores populares. O primeiro deles é o de Pedro Batista, que na cidade de Santa

Brígida-BA é lembrado por um bem cuidado Memorial (FIS47). No Museu a ele dedicado,

pude encontrar, em cuidadosa exposição, uma considerável diversidade de expressões votivas,

de fotografias a esculturas em madeira, de santinhos de campanha política a pedras ofertadas

junto com orações. Do lado de fora, na Praça que leva o nome do taumaturgo, observei

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também muitas fitas coloridas e peças esculpidas em madeira, não só na sua estátua, mas

também nas imagens da Madrinha Dodô e do Padre Cícero.

Na localidade de Porto do Santo, em Itaparica-BA, localiza-se a Fonte dos Milagres do Irmão

Venceslau (FIS48), santuário natural onde se pode encontrar uma pequena capela, local de

guarda das poucas ofertas votivas. O taumaturgo, que curou sua cegueira com aquelas águas,

nasceu e morreu no mesmo dia, tal como São Venceslau. A Prefeitura Municipal de Itaparica

transformou recentemente a área em zona de proteção ambiental. O que pude encontrar, na

visita que fiz em agosto de 2006, foi um sítio com poucas deposições votivas, mas com

muitos fragmentos de imagens de santos e de divindades de outros cânones religiosos,

espalhados por toda a extensão do terreno.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, o signo votivo católico no nordeste oriental do Brasil parece manter a sua

vitalidade e credibilidade perante a população, dispersa por todo o recorte geográfico que

tomamos como referência. A certa altura desta tese, estruturei as idéias dentro de um esquema

que considerava três instâncias fundamentais na trama votiva: a dúvida, a dádiva e a dívida.

No exame de Qualificação fui alertado sobre o risco de se falar em “dúvida”. Referia-me, em

verdade, ao estado de incerteza que as vicissitudes e os desejos irrealizados são capazes de

despertar no sujeito de fé. Mas a interpretação que lhe foi dada foi bem outra: “não há lugar

para dúvidas na trama votiva! Há, sim, uma certeza da eficácia do ciclo”, conforme pudemos

constatar. E uma certeza que, de uma forma geral, se renova sem maiores dificuldades. É uma

renovação que não vem apenas pela adesão tímida das gerações mais jovens. Renovam-se

também os perfis devocionais. Os “santos” de hoje não são os mesmos de um século atrás, são

pessoas que muitas vezes circularam pelo mesmo ambiente que boa parte dos fiéis.

Neste sentido, há alguns pontos que reconheço que ainda devem ser aprofundados com certa

urgência. Por exemplo: que ciclos mantêm a “juventude” dentro dos princípios de coesão

social em torno das práticas e relações votivas? Como estes fenômenos proporcionam uma

renovação? Como se alimentam no sentido da solidariedade e da preservação do grupo? Quais

as perspectivas de “sobrevivência” e quais as ameaças potenciais?

A certa altura cheguei a crer que o avanço do culto evangélico pela região seria capaz de

reprimir a preservação da tradição votiva. Mas não foi isso o que constatei, depois de observar

quase setenta sítios votivos. O “sumiço” das práticas votivas em certas localidades do

Nordeste deve-se mais à fragilidade das relações solidárias, a uma incapacidade de renovação

dos grupos, do que à pressão exercida pela conversão evangélica. O que verifiquei é que,

nestes casos, não há uma negação, mas uma ruptura de universos valorativos.

Desta forma, tudo leva a crer que é o enfraquecimento do poder persuasivo das “pessoas

morais” quem mais pode ameaçar a continuidade dos ritos. Mas esta hipótese está mais para

uma exceção do que para a regra geral: o que se verifica é justamente o contrário. As práticas

têm se renovado, e expus uma possibilidade explicativa para esta renovação na seção 3.2.

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Por tudo isso, acho difícil acreditar que se possa falar em algum tipo de crise nas práticas

católicas populares, especificamente no particular das relações votivas, já que os grupos, de

forma genérica, têm se renovado pelo próprio vigor das práticas, salvo em algumas poucas

áreas. E também contam com a oportuna intervenção da Igreja, que sabe tirar proveito do

clamor popular (já maturado, principalmente) e estruturar (-se em) novos “mitos”, em novas

histórias de vida exemplares. Os cultos proto-canônicos são uma prova desta atitude

renovadora da Igreja, que nasce e se consolida a partir dos cultos votivos populares,

alimentando, seja por que razão for, as veias da instituição ortodoxa.

Findo esta tese certo de que foi dado um primeiro e decisivo passo para o que pretendo dentro

dos estudos da religiosidade popular. Tenho plena consciência de que muitos pontos podem

ainda parecer obscuros ao leitor. Alguns são obscuros para mim também. O fato é que, no

seguimento da proposta de apresentar um mapeamento e um panorama da atualidade do

fenômeno votivo no nordeste oriental do Brasil, fui forçado a recolher muitas discussões, que

serão retomadas em um futuro próximo. Reforço a postura que assumi ainda nas primeiras

seções deste trabalho: antes de poder lançar um olhar mais refinado aos outros possíveis

vieses teóricos deste nosso problema, era fundamental criar um esquema classificatório, sobre

o qual todas as especulações seguintes poderiam ser projetadas. Ainda há muito o que se

contextualizar dentro da Teoria da Dádiva; da Teoria Psicanalítica por outro lado, poderia

proporcionar outras percepções do nosso sujeito de fé (especialmente a linha lacaniana, que

ao referir objeto, desejo e necessidade, poderia iluminar boa parte dos vínculos de fé, na

perspectiva do sujeito, ao menos); da Teoria da Psicologia Analítica junguiana, por outro

lado, poderia abrir a perspectiva da percepção da unidade na diversidade formal das

manifestações votivas, via análise do “inconsciente coletivo”; da Antropologia Estrutural

poderia ser muito útil como método, através da analogia com o estudo dos mitos –

notadamente por via da bricolage – oferecendo, no exame dos relatos votivos, a possibilidade

de desvelar uma nova dimensão narrativa do fenômeno); da Antropologia Visual, capaz de,

através do exame dos artefatos, traçar um panorama dos sistemas simbólicos operadores nas

diversas comunidades produtoras observadas, além de como os artefatos podem ser

assimilados fora do seu âmbito simbólico referencial; e da Semiótica, apenas para situar

algumas das mais instigantes perspectivas.

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Por outro lado, folgo em corresponder a uma expectativa levantada por Clarival do Prado

Valladares a respeito da especial riqueza plástica dos ex-votos escultóricos do sertão:

Não nos foi possível estabelecer a “carta geográfica” de sua distribuição no Nordeste, onde é mais expressivo e constante, e isto seria um trabalho recomendável, a fim de se conhecer a área brasileira dotada dêste tipo de manifestação arcaica (VALLADARES, 1967, p. 17).

Na certeza de que ainda há muito que ser feito, eis aqui a minha primeira contribuição.

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Page 157: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

ANEXO A – Ex-voto pintado ofertado ao Senhor do Bonfim

.

Inscrição:

Dados Técnicos:

“Milagre que fez o Sr. do Bonfim a menor Olívia Baptista Leite Borges que estando

desenganada de febre amarela sua mãe implorou ao mesmo senhor foi atendida, 1892”.

Óleo sobre tela, 62 x 58 cm, s/d.

Fonte: Acervo da Igreja do Senhor do Bonfim, Salvador-BA

Page 158: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

ANEXO B – Ex-voto pintado ofertado a Nossa Senhora dos Remédios

Inscrição:

Dados Técnicos:

“Prodigiosas mercês e milagres que tem feito a Virgem Nossa Senhora dos Remédios a seu devotoAgostinho Pereira

da Silva assim em secular como depois de ser sacerdote. Saindo de sua terra a cidade de Lamego para se embarcar

para o Brasil, se encomendou a mesma senhora em uma capelinha que fica logo fora da cidade e chegando as minas

se meteu no sertão a buscar fortuna e nele foi mordido de uma cobre e acometido de duas medonhas e no mesmo

sertão esteve morto a fome a sede e outros camaradas sem esperança de vida e depois escapou de ser morto que a

traição o quiseram matar os paulistas e por estes e muitos mais sucessos prometeu a sua santíssima patrona a Senhora

dos Remédios de entrar no Seminário de Belém para servir no estado sacerdotal e depois de ser sacerdote, estando já

desenganado de que morria em uma grande enfermidade sem se poder ter em pé só encostado em uma muleta com

uma grande chaga em uma perna a Senhora dos Remédios lhe deu saúde e para memória mandou aqui por este painel

no ano de 1749”.

Óleo sobre tela, 110 x 130 cm, 1749.

Fonte: Acervo do Mosteiro de São Bento, Salvador-BA.

Page 159: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

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2007

Ig

reja

C

anôn

ico

Cul

to m

aria

no

Alc

eu M

ayna

rd A

raúj

o (1

967)

23

a 3

0 de

dez

embr

o 31

de

deze

mbr

o (p

roci

ssão

)

AL

Cor

urip

e C

ruze

iro

- -

06/0

1/20

07

Cru

zeiro

N

ão-c

anôn

ico

“Alm

as d

o pu

rgat

ório

” Th

éo B

rand

ão (1

976)

-

AL

Ana

dia

Cru

zeiro

Ver

de

- C

ruze

iro

06/0

1/20

07

Cru

zeiro

N

ão-c

anôn

ico

“Alm

as d

o pu

rgat

ório

” Th

éo B

rand

ão (1

976)

-

Cap

ela

de S

anta

Am

élia

(a

ntig

o A

lto d

a Sa

nta

Cru

z, B

ebed

ouro

, hoj

e Sa

nta

Am

élia

)

Sant

a A

mél

ia (e

Sa

nta

Luí

sa)

Cap

ela

07/0

1/20

07

Cap

ela

Can

ônic

o nã

o re

gula

r Sa

nta

cató

lica

Théo

Bra

ndão

(197

6)

-

Sant

uário

da

Virg

em d

os

Pobr

es (S

ítio

Bet

ânia

, M

anga

beira

s)

Vir

gem

dos

Po

bres

Sa

ntuá

rio

07/0

1/20

07

25/0

7/20

06

Sant

uário

C

anôn

ico

Cul

to m

aria

no

- 3º

dom

ingo

de

outu

bro

Bom

Jes

us d

os

Mar

tírio

s Ig

reja

07

/01/

2007

25

/07/

2006

Ig

reja

C

anôn

ico

Sant

o C

rist

o Th

éo B

rand

ão (1

976)

-

Igre

ja d

o B

om Je

sus d

os

Mar

tírio

s (C

entro

) N

ossa

Sen

hora

da

Cab

eça

Alta

r 07

/01/

2007

25

/07/

2006

Igre

ja

Can

ônic

o C

ulto

mar

iano

Th

éo B

rand

ão (1

976)

01

de

agos

to

AL

Mac

eió

Cem

itério

de

São

José

(o

u C

emité

rio d

o C

aju)

(P

rado

)

Men

ino

/Anj

o Pe

trúc

io

Petrú

cio

Cor

reia

*

1930

(?)

† 24

/04/

1938

Túm

ulo

do M

enin

o Pe

trúci

o 07

/01/

2007

25

/07/

2006

Cem

itério

N

ão-c

anôn

ico

Már

tir (v

ítim

a in

ocen

te)

Luís

da

Câm

ara

Cas

cudo

(200

1)

24 d

e ab

ril (m

orte

)

02 d

e no

vem

bro

(fin

ados

)

Page 162: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

A

PÊN

DIC

E A

– Q

uadr

o de

vis

itaçõ

es r

ealiz

adas

M

useu

Thé

o B

rand

ão d

e A

ntro

polo

gia

e Fo

lclo

re

(Cen

tro)

- Sa

la d

os e

x-vo

tos

25/0

7/20

06M

useu

-

- Th

éo B

rand

ão (1

976)

-

AL

Pari

puei

ra

Igre

ja d

e Sa

nto

Am

aro

de

Parip

ueira

Sant

o A

mar

o (P

adro

eiro

da

cida

de)

Igre

ja

26/0

7/20

06

Igre

ja

Can

ônic

o Sa

nto

cató

lico

Théo

Bra

ndão

(197

6)

06 a

15

de ja

neiro

AL

- Fle

xeir

as

(Eng

enho

dos

Pr

azer

es)

- M

uric

i (U

sina

B

ititin

ga)

Enge

nho

dos P

raze

res

(Fle

xeira

s)

Usi

na B

ititin

ga, S

anta

C

ruz

(Mur

ici)

- C

ruze

iros

26/0

7/20

06

Cru

zeiro

s ex

tinto

s N

ão-c

anôn

icos

-

Théo

Bra

ndão

(197

6)

-

PE

São

João

Sant

uário

de

Sant

a Q

uité

ria d

as F

reix

eira

s Sa

nta

Qui

téri

a da

s Fre

ixei

ras

Sant

uário

26

/07/

2006

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o nã

o re

gula

r Sa

nta

cató

lica

Luís

Sai

a (1

944)

07 d

e se

tem

bro

(dia

da

sant

a)

M

eses

de

outu

bro

e no

vem

bro

PE

Gar

anhu

ns

Sant

uário

da

Mãe

Rai

nha

Mãe

Rai

nha

e V

ence

dora

, Trê

s V

ezes

A

dmir

ável

, de

Scho

enst

att

Sant

uário

26

/07/

2006

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o C

ulto

mar

iano

-

-

PE

São

Joaq

uim

do

Mon

te

Sant

uário

e E

stát

ua d

e Fr

ei D

amiã

o

Frei

Dam

ião

de

Boz

zano

Pi

o G

iann

otti

* 05

/11/

1898

25/0

5/19

97

Sant

uário

e E

stát

ua,

esta

na

praç

a da

ig

reja

mat

riz

07/0

1/20

07

Sant

uário

e

Está

tua

Prot

ocan

ônic

o Se

rvo

de D

eus

- 28

de

agos

to (d

ia d

o ro

mei

ro)

PE

Sant

a C

ruz

do

Cap

ibar

ibe

Mon

umen

to d

o Pa

dre

Zuzi

nha

Padr

e Z

uzin

ha

José

Per

eira

de

Ass

unçã

o *

04/1

905

† 05

/10/

1983

Mon

umen

to

08/0

1/20

07

Mon

umen

to

Não

-can

ônic

o Pe

rson

alid

ade

cari

smát

ica

Mar

cílio

Lin

s Rei

naux

(1

988)

05

de

outu

bro

(rom

aria

)

Fund

ação

Joaq

uim

N

abuc

o -

Bib

liote

ca

16/0

6/20

04

Cen

tro

cultu

ral

- -

Lélia

Coe

lho

Frot

a (1

981)

-

Bib

liote

cas d

a U

FPE

- B

iblio

teca

s 16

/06/

2004

B

iblio

teca

s -

- -

-

PE

Rec

ife

Mor

ro d

a C

once

ição

(C

asa

Am

arel

a)

Nos

sa S

enho

ra

da C

once

ição

Sa

ntuá

rio

27/0

7/20

06

Sant

uário

C

anôn

ico

Cul

to m

aria

no

- 01

a 0

8 de

dez

embr

o

Page 163: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

A

PÊN

DIC

E A

– Q

uadr

o de

vis

itaçõ

es r

ealiz

adas

Men

ina-

Sem

-N

ome

Túm

ulo

da M

enin

a Se

m-n

ome

27/0

7/20

06

Cem

itério

N

ão-c

anôn

ico

Már

tir

(Víti

ma

inoc

ente

)Jo

sé X

avie

r dos

San

tos

(200

2)

02 d

e no

vem

bro

(fin

ados

) C

emité

rio d

e Sa

nto

Am

aro

(Sen

hor B

om

Jesu

s da

Red

ençã

o)

(San

to A

mar

o)

Alfr

edin

ho

Túm

ulo

de

Alfr

edin

ho

27/0

7/20

06

Cem

itério

N

ão-c

anôn

ico

Már

tir

(Víti

ma

inoc

ente

)-

02 d

e no

vem

bro

(fin

ados

)

Dom

Vita

l V

ital M

aria

G

onça

lves

de

Oliv

eira

*

27/1

1/18

44

† 04

/07/

1878

Túm

ulo

de D

om V

ital

(ant

igo

bisp

o de

O

linda

-PE)

27

/07/

2006

Ig

reja

B

asíli

ca

Prot

ocan

ônic

o Se

rvo

de D

eus

Luís

da

Câm

ara

Cas

cudo

(200

1)

-

Sant

o A

ntôn

io

Alta

r de

San

to

Ant

ônio

27

/07/

2006

Ig

reja

B

asíli

ca

Can

ônic

o Sa

nto

cató

lico

- 13

de

junh

o

Bas

ílica

de

Nos

sa

Senh

ora

da P

enha

(P

raça

Dom

Vita

l, Sã

o Jo

sé, C

entro

)

São

Cle

men

te

Nic

ho d

e Sã

o C

lem

ente

27

/07/

2006

Ig

reja

B

asíli

ca

Can

ônic

o Sa

nto

cató

lico

- 23

de

nove

mbr

o

Con

vent

o de

São

Fél

ix

(Pin

a)

Frei

Dam

ião

de

Boz

zano

Pi

o G

iann

otti

* 05

/11/

1898

25/0

5/19

97

Túm

ulo

de F

rei

Dam

ião

de B

ozza

no

28/0

7/20

06

Con

vent

o Pr

otoc

anôn

ico

Serv

o de

Deu

s -

-

PE

Ipoj

uca

Sant

uário

do

Senh

or

Sant

o C

risto

de

Ipoj

uca

Sant

o C

rist

o

Sant

uário

do

Senh

or

Sant

o C

risto

e

Con

vent

o de

San

to

Ant

ônio

28/0

7/20

06

Sant

uário

e

conv

ento

C

anôn

ico

Sant

o C

rist

o -

23 a

31

de d

ezem

bro

(nov

ena)

a 1

9 d

e ja

neiro

dom

ingo

de

outu

bro

(fes

ta

dos r

omei

ros)

PE

Pau

D’A

lho

Sant

uário

de

São

Seve

rino

dos R

amos

. Ig

reja

de

Nos

sa S

enho

ra

da L

uz

São

Seve

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dos

R

amos

A

pena

s o in

terio

r da

igre

ja

08/0

1/20

07

28/0

7/20

06

Sant

uário

C

anôn

ico

não

regu

lar

Sant

o ca

tólic

o -

Sete

mbr

o a

jane

iro

PE

Solid

ão

Sant

uário

de

Nos

sa

Senh

ora

de L

ourd

es

Nos

sa S

enho

ra

de L

ourd

es

Sant

uário

01

/08/

2006

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o C

ulto

mar

iano

-

11 d

e fe

vere

iro (d

ia d

a Sa

nta)

3ª se

man

a de

out

ubro

(r

omar

ia)

PE

Pesq

ueir

a

Sant

uário

de

Nos

sa

Senh

ora

das G

raça

s (S

erra

San

ta, S

ítio

da

Gua

rda,

Dis

trito

de

Cim

bres

)

Nos

sa S

enho

ra

das G

raça

s Sa

ntuá

rio

02/0

8/20

06

Sant

uário

C

anôn

ico

Cul

to m

aria

no

-

06 d

e ag

osto

27 d

e no

vem

bro

(dia

da

Sant

a)

PE

Poçã

o

Cen

tro d

e In

stru

ção

Bíb

lico

Vis

ual C

ruze

iro

de P

oção

Cru

zeir

o de

Po

ção

Cen

tro

02/0

8/20

06

Cen

tro d

e In

stru

ção

Bíb

lica

Can

ônic

o Sa

nta

Cru

z -

-

Page 164: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

A

PÊN

DIC

E A

– Q

uadr

o de

vis

itaçõ

es r

ealiz

adas

PE

Tac

arat

u

Sant

uário

de

Nos

sa

Senh

ora

da S

aúde

Nos

sa S

enho

ra

da S

aúde

(P

adro

eira

) Ig

reja

02

/08/

2006

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o C

ulto

mar

iano

Lu

ís S

aia

(194

4)

23 d

e ja

neiro

a 0

2 de

fe

vere

iro

20

de

abril

(dia

da

Sant

a)

Mar

ia d

e L

ourd

es (S

ilva)

mul

o de

Mar

ia d

e Lo

urde

s 29

/07/

2006

C

emité

rio

Não

-can

ônic

o M

ártir

(V

ítim

a in

ocen

te)

Luís

da

Câm

ara

Cas

cudo

(200

1)

02 d

e no

vem

bro

(fin

ados

) C

emité

rio S

enho

r da

Boa

Se

nten

ça (V

arad

ouro

) Pa

dre

Cou

tinho

mul

o do

Pad

re Z

é C

outin

ho

29/0

7/20

06

Cem

itério

N

ão-c

anôn

ico

Pers

onal

idad

e ca

rism

átic

a -

02 d

e no

vem

bro

(fin

ados

) PB

Jo

ão P

esso

a Sa

ntuá

rio d

e N

ossa

Se

nhor

a da

Pen

ha

Nos

sa S

enho

ra

da P

enha

Ig

reja

e S

antu

ário

29

/07/

2006

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o C

ulto

mar

iano

Lu

ís S

aia

(194

4)

-

PB

Itab

aian

a

Igre

ja d

e N

ossa

Sen

hora

da

Con

ceiç

ão

Nos

sa S

enho

ra

da C

once

ição

Des

tino

igno

rado

. Pe

rgun

tei p

elo

Cru

zeiro

na

2ª id

a,

mas

nin

guém

co

nhec

ia

29/0

7/20

06

17/0

1/20

04

Igre

ja

Can

ônic

o C

ulto

mar

iano

Lu

ís S

aia

(194

4)

Cru

zeiro

s vot

ivos

são

desc

onhe

cido

s na

cida

de

PB

Lag

oa S

eca

Mon

umen

to à

Virg

em

dos P

obre

s V

irge

m d

os

Pobr

es

Sant

uário

30

/07/

2006

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o C

ulto

mar

iano

-

3º d

omin

go d

e ou

tubr

o

PB

Ala

goa

Gra

nde

Igre

ja d

e N

ossa

Sen

hora

da

Boa

Via

gem

-

Cas

a do

pár

oco,

Pa

dre

Ass

is

18/0

1/20

04

Igre

ja

- -

Luís

Sai

a (1

944)

N

ão h

á si

nais

de

prát

icas

vo

tivas

na

mic

ro-r

egiã

o

PB

Ala

goa

Nov

a

Cru

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e C

apel

a de

N

ossa

Sen

hora

do

Soco

rro

Nos

sa S

enho

ra

do S

ocor

ro

Cru

zeiro

e c

apel

a 30

/07/

2006

C

ruze

iro e

ca

pela

C

anôn

ico

Cul

to m

aria

no

Luís

Sai

a (1

944)

-

PB

Ara

ra /

Solâ

nea

Sant

uário

da

Sant

a Fé

do

Padr

e Ib

iapi

na

Padr

e Ib

iapi

na

José

Ant

ônio

Pe

reira

Ibia

pina

, de

pois

(185

3)

José

Ant

ônio

M

aria

Ibia

pina

*

05/0

8/18

06

† 19

/02/

1883

Sant

uário

30

/07/

2006

18

/01/

2004

Sa

ntuá

rio

Prot

ocan

ônic

o Se

rvo

de D

eus

Luís

da

Câm

ara

Cas

cudo

(200

1)

-

PB

Gua

rabi

ra

Mem

oria

l de

Frei

D

amiã

o

Frei

Dam

ião

de

Boz

zano

Pi

o G

iann

otti

* 05

/11/

1898

25/0

5/19

97

Mus

eu, s

ala

dos

mila

gres

(sal

a da

s pr

omes

sas)

30

/07/

2006

M

emor

ial

Prot

ocan

ônic

o Se

rvo

de D

eus

- -

PB

Pato

s

Parq

ue R

elig

ioso

Cru

z da

M

enin

a

Men

ina

Fran

cisc

a †

10/1

0/19

23

Sant

uário

(Sal

a do

s M

ilagr

es, C

apel

a)

01/0

8/20

06

19/0

1/20

04

Parq

ue

Rel

igio

so

Não

-can

ônic

o M

ártir

(v

ítim

a in

ocen

te)

Luís

Sai

a (1

944)

, Luí

s da

Câm

ara

Cas

cudo

(2

001)

-

Page 165: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

A

PÊN

DIC

E A

– Q

uadr

o de

vis

itaçõ

es r

ealiz

adas

Está

tua

de F

rei D

amiã

o

Frei

Dam

ião

de

Boz

zano

Pi

o G

iann

otti

* 05

/11/

1898

25/0

5/19

97

Está

tua

20/0

1/20

04

Está

tua

Prot

ocan

ônic

o Se

rvo

de D

eus

- -

PB

Sous

a Sa

ntuá

rio d

e N

ossa

Se

nhor

a de

Lou

rdes

(D

istri

to d

e Sã

o G

onça

lo)

Nos

sa S

enho

ra

de L

ourd

es

Sant

uário

20

/01/

2004

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o nã

o re

gula

r C

ulto

mar

iano

-

11 d

e fe

vere

iro (d

ia d

a Sa

nta)

RN

Nat

al

Praç

a Pa

dre

João

Mar

ia

Padr

e Jo

ão

Mar

ia

João

Mar

ia

Cav

alca

nti d

e B

rito

* 23

/06/

1848

16/1

0190

5

Bus

to

31/0

7/20

06

Bus

to

Prot

ocan

ônic

o Se

rvo

de D

eus

Luís

da

Câm

ara

Cas

cudo

(200

1)

-

RN

Ang

icos

A

ngic

os-R

N

Sant

a D

amas

inha

D

amás

ia

Fran

cisc

a Pe

reira

1843

Pers

onal

idad

e po

uco

conh

ecid

a na

cid

ade

31/0

7/20

06

- N

ão-c

anôn

ico

Már

tir

Luís

da

Câm

ara

Cas

cudo

(200

1)

-

RN

Flor

ânia

Cap

ela

da C

ruz

de Z

é Le

ão

Leã

o †

20/0

1/18

87

Cap

ela

fech

ada

31/0

7/20

06

Cru

z e

cape

la

Não

-can

ônic

o M

ártir

Fu

ndaç

ão H

élio

Gal

vão

-

RN

Patu

Sant

uário

de

Nos

sa

Senh

ora

dos I

mpo

ssív

eis

(Alto

da

Serr

a do

Lim

a)

Nos

sa S

enho

ra

dos I

mpo

ssív

eis

Sant

uário

, sal

a do

s ex

-vot

os, m

useu

19

/01/

2004

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o C

ulto

mar

iano

lia C

oelh

o Fr

ota

(198

1)

01 d

e ja

neiro

(rom

aria

)

21 d

e no

vem

bro

(Fes

ta d

o Li

ma)

CE

Juaz

eiro

do

Nor

te

Ser

ra d

o H

orto

Padr

e C

ícer

o C

ícer

o R

omão

B

atis

ta

* 24

/03/

1844

20/0

7/19

34

Sant

o Se

pulc

ro,

Está

tua,

Mus

eu,

Mem

oria

l e C

asa

dos

Mila

gres

20 e

21

/01/

2004

M

emor

ial e

Sa

ntuá

rio

Não

-can

ônic

o Pe

rson

alid

ade

cari

smát

ica

Luís

da

Câm

ara

Cas

cudo

(200

1)

24 d

e m

arço

(nas

cim

ento

) 20

de

julh

o (m

orte

)

01 d

e no

vem

bro

(dia

do

rom

eiro

)

02 d

e no

vem

bro

(rom

aria

)

MG

Con

gonh

as

Sant

uário

de

Bom

Jesu

s de

Mat

osin

hos

Bom

Jes

us d

e M

atos

inho

s

Sant

uário

(com

sala

do

s mila

gres

) e

Jubi

leu

do B

om Je

sus

de M

atos

inho

s

06- 0

9/20

0104

/200

0 10

/09/

1999

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o Sa

nto

Cri

sto

- 07

a 1

4 de

sete

mbr

o

Bol

ívia

Cop

acab

ana

Sant

uário

de

Nos

sa

Senh

ora

de C

opac

aban

a N

ossa

Sen

hora

de

Cop

acab

ana

Sant

uário

23

/01/

2003

Sa

ntuá

rio

Can

ônic

o C

ulto

mar

iano

-

02 d

e fe

vere

iro

Page 166: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

BAHIA

SERGIPE

ALAGOAS

PERNAMBUCO

PARAÍBA

RIO GRANDEDO NORTE

CEARÁ

PIAUÍ

MARANHÃO

CAMPINAGRANDE

AREIA

SOLÂNEAPOMBAL

PATU

SOUSA

JUAZEIRODO NORTE

MONTESANTO

OCEANOATLÂNTICO

LEGENDA

SÍTIOS VOTIVOS

PROJEÇÃO POLICÔNICA / Meridiano Central - 51° W. Gr.

1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas

Escala - 1/2.500

APÊNDICE B - Localização geográfica

dos sítios visitados

ITAPARICA

ALAGOANOVA

ITABAIANA

SOLÂNEAARARA

PATOS

SÃO JOÃO

SÃOCRISTOVÃO

SALVADOR

CANDEIAS

ARACAJU

MACEIÓ

PARIPUEIRAMURICI

FLEXEIRAS

IPOJUCA

RECIFE

JOÃOPESSOA

LAGOASECA

GUARABIRA

CARNAUBADOS DANTAS

FLORÂNIA

ANGICOSASSU

SOLIDÃO

IBIMIRIM

POÇÃO

PESQUEIRA

TACARATU

SANTABRÍGIDA

ITAPARICA

IBIQUERA

ITUAÇU

BOM JESUSDA LAPA

MILAGRES

ANADIA

SÃO JOAQUIM

PAUDALHO

PIAÇABUÇU

FELIZ DESERTO

CORURIPE

GARANHUNS

DO MONTE

SANTA CRUZDO CAPIBARIBE

Page 167: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

BAHIA

SERGIPE

ALAGOAS

PERNAMBUCO

PARAÍBA

RIO GRANDEDO NORTE

CEARÁ

PIAUÍ

MARANHÃO

CARUARU

CAMPINAGRANDE

ALAGOAGRANDE

ITABAIANA

AREIA

SOLÂNEAARARA

PATOS

POMBAL

PATU

SOUSA

JUAZEIRODO NORTE

GARANHUNS

SÃO

MONTE

CRISTOVÃO

SANTO

SALVADOR

CANDEIAS

OCEANOATLÂNTICO

LEGENDA

SÍTIOS VOTIVOS

CIDADES DE APOIO

RODOVIAS / ESTRADAS

PROJEÇÃO POLICÔNICA / Meridiano Central - 51° W. Gr.

1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas

Escala - 1/2.500

APÊNDICE C - ROTA - 01

JANEIRO - 2004

ITAPARICA

Page 168: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

BAHIA

SERGIPE

ALAGOAS

PERNAMBUCO

PARAÍBA

RIO GRANDEDO NORTE

CEARÁ

PIAUÍ

MARANHÃO

CARUARU

CAMPINAGRANDE

ALAGOANOVA

ITABAIANA

SOLÂNEAARARA

PATOS

SÃO JOÃO

SÃOCRISTOVÃO

SALVADOR

CANDEIAS

ARACAJU

MACEIÓ

PARIPUEIRAMURICI

FLEXEIRAS

IPOJUCA

RECIFE

PAUDALHO

JOÃOPESSOA

LAGOASECA

GUARABIRA

CARNAUBADOS DANTAS

FLORÂNIA

ANGICOSASSU

SOLIDÃO

IBIMIRIM

ARCOVERDE

POÇÃO

PESQUEIRA

TACARATU

PAULOAFONSO

SANTABRÍGIDA

OCEANOATLÂNTICO

LEGENDA

SÍTIOS VOTIVOS

CIDADES DE APOIO

RODOVIAS / ESTRADAS

PROJEÇÃO POLICÔNICA / Meridiano Central - 51° W. Gr.

1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas

Escala - 1/2.500

APÊNDICE D - ROTA - 02

JULHO/AGOSTO - 2006

ITAPARICA

Page 169: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

BAHIA

SERGIPE

ALAGOAS

PERNAMBUCO

PARAÍBA

RIO GRANDEDO NORTE

CEARÁ

PIAUÍ

MARANHÃO

SALVADOR

OCEANOATLÂNTICO

IBIQUERA

SANTANAFEIRA DE

ITABERABA

ITUAÇU

LENÇÓIS

BOM JESUSDA LAPA

LEGENDA

SÍTIOS VOTIVOS

CIDADES DE APOIO

RODOVIAS / ESTRADAS

PROJEÇÃO POLICÔNICA / Meridiano Central - 51° W. Gr.

1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas

Escala - 1/2.500

ROTA - 04aDEZEMBRO - 2006JANEIRO - 2007

ITAPARICA

ROTA - 03OUTUBRO - 2006

MILAGRES

APÊNDICE E -

Page 170: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

BAHIA

SERGIPE

ALAGOAS

PERNAMBUCO

PARAÍBA

RIO GRANDEDO NORTE

CEARÁ

PIAUÍ

CARUARU

SALVADOR

ARACAJU

MACEIÓ

ANADIA

SÃO JOAQUIM

PAUDALHO

OCEANOATLÂNTICO

PENEDO

PIAÇABUÇU

FELIZ DESERTO

CORURIPE

ARAPIRACA

GARANHUNS

DO MONTE

SANTA CRUZDO CAPIBARIBE

LEGENDA

SÍTIOS VOTIVOS

CIDADES DE APOIO

RODOVIAS / ESTRADAS

PROJEÇÃO POLICÔNICA / Meridiano Central - 51° W. Gr.

1cm = 25km - Fonte: Guia 4 Rodas

Escala - 1/2.500

ROTA - 04bJANEIRO - 2007

ITAPARICA

APÊNDICE F -

Page 171: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

APÊ

ND

ICE

G –

Esb

oço

clas

sific

atór

io d

as fo

rmas

exp

ress

ivas

dos

sign

os v

otiv

os

Form

a de

ex

pres

são

Mor

folo

gia

Proc

esso

exp

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ivo

utili

zado

C

arát

er e

xpre

ssiv

o Si

gno

resu

ltant

e

Bid

imen

sion

al

- Man

uscr

ito so

bre

pape

l, pa

utad

o ou

não

- M

anus

crito

sobr

e ve

rso

de fo

togr

afia

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anus

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em

fita

de

teci

do, p

laca

de

mad

eira

, m

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ou

plás

tico

- Man

uscr

ito so

bre

vini

l - M

anus

crito

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par

ede

a) M

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critu

ra a

tint

a

Trid

imen

sion

al

- Man

uscr

ito so

bre

obje

to v

otiv

o tri

dim

ensi

onal

Bid

imen

sion

al

- Gra

vaçã

o em

alto

ou

baix

o re

levo

sobr

e pl

aca

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pedr

a, m

etal

, acr

ílico

, mad

eira

, cer

âmic

a b)

Gra

vaçã

o di

reta

por

mei

o m

ecân

ico

Trid

imen

sion

al

- Gra

vaçã

o em

alto

ou

baix

o re

levo

sobr

e ob

jeto

vo

tivo

tridi

men

sion

al

Bid

imen

sion

al

(avu

lso

ou a

plic

ado

sobr

e ob

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vot

ivo

tridi

men

sion

al)

- Dat

ilogr

afia

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e pa

pel

- Im

pres

são

em p

roce

sso

tipog

ráfic

o so

bre

pape

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mpr

essã

o em

pro

cess

o se

rigrá

fico

sobr

e pa

pel,

teci

do o

u vi

nil

- Im

pres

são

em p

roce

sso

off s

et so

bre

pape

l - I

mpr

essã

o em

pro

cess

o in

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atiz

ado

(mat

ricia

l, ja

to d

e tin

ta o

u la

ser)

sobr

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pel

- Col

agem

em

pro

cess

o de

plo

tage

m e

letrô

nica

(s

ign)

sobr

e vi

nil

c) G

rava

ção

ou c

olag

em in

dire

ta

por m

eio

mec

ânic

o

Trid

imen

sion

al

- Im

pres

são

em p

roce

sso

serig

ráfic

o so

bre

obje

to

votiv

o tri

dim

ensi

onal

- C

olag

em e

m p

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sso

de p

lota

gem

ele

trôni

ca

(sig

n) so

bre

obje

to v

otiv

o tri

dim

ensi

onal

Ver

bal

Escr

ito

d) A

dapt

ação

ou

ress

igni

ficaç

ão

Bid

imen

sion

al

- Doc

umen

tos p

esso

ais,

em o

rigin

al o

u có

pia:

C

arte

ira d

e Id

entid

ade/

Reg

istro

Ger

al (R

G),

Cad

astro

de

Pess

oa F

ísic

a (C

PF),

Títu

lo d

e El

eito

r, C

arte

ira N

acio

nal d

e H

abili

taçã

o (C

NH

), C

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ira

Prof

issi

onal

, cra

chá

func

iona

l (p.

e.)

- Res

ulta

dos e

laud

os d

e ex

ames

de

saúd

e - R

egis

tros d

e co

nqui

stas

na

vida

pes

soal

: con

vite

s

Page 172: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

de a

nive

rsár

io, f

orm

atur

a e

de c

asam

ento

(p.e

.) - R

egis

tros d

e co

nqui

stas

na

vida

aca

dêm

ica:

bo

letin

s esc

olar

es, c

ertif

icad

os e

dip

lom

as d

e co

nclu

são

de c

urso

s (p.

e.)

- Reg

istro

s de

conq

uist

as p

rofis

sion

ais:

cer

tific

ados

e

dipl

omas

de

inve

stid

uras

a c

argo

s de

fé p

úblic

a (p

.e.)

- Reg

istro

s de

pass

amen

to: s

antin

hos d

e m

orte

, de

sant

inho

s de

mis

sa c

omem

orat

iva

de 7

e 3

0 di

as, d

e m

issa

de

um a

no (p

.e.)

- San

tinho

s e c

arta

zes d

e ca

mpa

nha

polít

ica

- Rec

orte

s de

notíc

ias v

eicu

lada

s em

jorn

ais e

re

vist

as

- Car

taze

s de

divu

lgaç

ão d

e ev

ento

s - O

raçõ

es d

edic

adas

a sa

ntos

Trid

imen

sion

al

Não

regi

stra

do n

o tra

balh

o de

cam

po

Sile

ncio

sam

ente

de

clar

ada

- Pre

ces

a) E

xpre

ssão

do

indi

vídu

o Pu

blic

amen

te d

ecla

rada

- A

tribu

ição

par

ticul

ar d

e on

omás

ticos

(top

ônim

os e

no

mes

de

batis

mo

ou c

ogno

mes

) - D

epoi

men

tos e

m p

úblic

o Si

lenc

iosa

men

te

decl

arad

a - P

rece

s com

parti

lhad

as e

m si

lênc

io

Fala

do

b) E

xpre

ssão

do

grup

o Pu

blic

amen

te d

ecla

rada

- A

tribu

ição

col

etiv

a de

ono

más

ticos

(top

ônim

os e

co

gnom

es)

- Pre

ces e

cân

ticos

ent

oado

s em

gru

po

Não

-ver

bal

Rep

rese

ntaç

ão

figur

ativ

a in

orgâ

nica

a)

Man

ufat

ura

espe

cial

men

te

cons

truíd

a B

idim

ensi

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- Des

enho

sobr

e pa

pel,

plac

a de

mad

eira

, tec

ido,

pl

aca

met

álic

a, e

mol

dura

do o

u nã

o - P

intu

ra so

bre

pape

l, is

opor

, mad

eira

, tec

ido,

ce

râm

ica,

vid

ro, p

laca

met

álic

a, e

mol

dura

da o

u nã

o - G

ravu

ra so

bre

pape

l, te

cido

, pla

ca d

e m

adei

ra,

plac

a m

etál

ica,

ped

ra, e

mol

dura

da o

u nã

o - E

scul

tura

em

alto

ou

baix

o re

levo

, sob

re p

laca

de

mad

eira

ou

plac

a de

met

al (p

rata

, zin

co, c

obre

, ent

re

outro

s)

- Peç

a re

corta

da d

e pl

aca

de p

apel

ou

pape

lão,

is

opor

, mad

eira

, ped

ra, p

lást

ico,

acr

ílico

ou

met

al

Page 173: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

Trid

imen

sion

al

- Con

stru

ção

ou in

terv

ençã

o re

para

dora

em

sa

ntuá

rios,

igre

jas,

cape

las,

orat

ório

s, es

tátu

as,

bust

os, j

azig

os, c

ruze

iros (

p.e.

) - M

inia

tura

de

cons

truçõ

es h

abita

cion

ais o

u re

ligio

sas e

m p

apel

ou

pape

lão,

isop

or, m

adei

ra,

mat

eria

l arg

iloso

, vid

ro, p

edra

- E

scul

tura

em

mad

eira

, ped

ra o

u is

opor

- O

bjet

o m

olda

do e

m c

era,

mat

eria

l arg

iloso

, ges

so,

borr

acha

, plá

stic

o ou

met

al

- Obj

eto

mod

elad

o em

mat

eria

l arg

iloso

- O

bjet

o co

stur

ado

em te

cido

ou

fibra

s nat

urai

s - O

bjet

os d

e us

o pe

nite

ncia

l: ve

stes

(tún

icas

, m

anta

s), c

oroa

s de

espi

nhos

, cru

zes e

m m

adei

ra

(p.e

.)

Bid

imen

sion

al

- Fot

ogra

fia, e

m c

or o

u em

pre

to-e

-bra

nco,

em

2x2

, 3x

4 ou

am

plia

da, e

mol

dura

da o

u nã

o - F

otog

rafia

mon

tada

e tr

atad

a di

gita

lmen

te,

impr

essa

em

pro

cess

o in

form

atiz

ado,

em

oldu

rada

ou

não

b) N

ão-m

anuf

atur

a es

peci

alm

ente

co

nstru

ída

Trid

imen

sion

al

Não

regi

stra

do n

o tra

balh

o de

cam

po

Bid

imen

sion

al

- Fot

ogra

fia, e

m c

or o

u em

pre

to-e

-bra

nco,

em

2x2

, 3x

4 ou

am

plia

da, e

mol

dura

da o

u nã

o

- Ret

rato

pin

tado

à m

ão a

par

tir d

e fo

togr

afia

- R

esul

tado

s de

exam

es d

e sa

úde

(rad

iogr

afia

s e

outro

s exa

mes

por

imag

em)

- Im

agen

s e le

mbr

ança

s de

sant

os c

atól

icos

- I

mag

ens d

e di

vind

ades

de

câno

nes n

ão-c

atól

icos

- I

mag

ens d

e pe

rson

alid

ades

afin

s ao

cato

licis

mo

ou

de p

erso

nalid

ades

púb

licas

c) A

dapt

ação

ou

ress

igni

ficaç

ão

Trid

imen

sion

al

- Reg

istro

s de

conq

uist

as p

esso

ais:

trof

éus e

m

edal

has,

vest

ido

de n

oiva

(p.e

.) - R

egis

tros d

e co

nqui

stas

pro

fissi

onai

s: u

nifo

rmes

de

tim

es d

e fu

tebo

l, ra

quet

e de

têni

s (p.

e.)

- Reg

istro

s de

conq

uist

as a

cadê

mic

as: l

ivro

s e

cade

rnos

(p.e

.) - A

naló

gico

s hum

anos

min

iatu

raliz

ados

: bon

ecas

em

plá

stic

o, te

cido

ou

cerâ

mic

a

Page 174: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

- Min

iatu

ras d

e an

imai

s dom

éstic

os o

u de

cria

ção

(bov

inos

, eqü

inos

, can

inos

, fel

inos

) em

cer

âmic

a ou

em

plá

stic

o - O

bjet

os d

e us

o te

rapê

utic

o: c

adei

ra d

e ro

das,

apar

elho

s orto

pédi

cos,

beng

alas

, mul

etas

, ócu

los,

lent

es d

e co

ntat

o, a

pare

lhos

orto

dônt

icos

(p.e

.) - O

bjet

os d

e us

o lit

úrgi

co: t

erço

s, es

capu

lário

s (p.

e.)

- Obj

etos

util

itário

s de

uso

pess

oal o

u pr

ofis

sion

al:

roup

as, c

alça

dos,

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Page 175: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

APÊNDICE H – Modelo de ficha de artefato IDENTIFICAÇÃO Tipo de objeto

Número de ordem

Gênero / Natureza / Classe / Suporte / Técnica

Localização da fotografia na base de dados

PROCEDÊNCIA Nome do Local da observação/colheita

Data da visita

Autoria

Data de produção da peça

Veneração / Devoção / Invocação

Localidade

Município

Estado

País

Tipo de sítio em que foi coletado Santuário Igreja Capela Estátua Cruzeiro Outro

Condições de conservação da peça Boa Regular Ruim

Observações DETALHAMENTO DA PEÇA Dimensões (altura, largura, profundidade, em cm) Descrição (aspecto) Objeto do pedido Inscrições ou relato escrito correspondente Formas de registro para consulta posterior Informantes

Page 176: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 01

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

SE01_sn – Estátua de Yemanjá, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004

SE02_sn – Banca de venda de oferendas, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004

SE03_sn – Balaios com flores e oferendas, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004

SE04_C36_Foto18 – Imagem de Yemanjá, à beira-mar, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004

SE05_C37_Foto34– Vista da Praia do Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004

SE06_C37_Foto22– Cena de oferenda nas pedras, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004

Page 177: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 02

Se07 a SE12 – Seqüência de oferta de presente a Yemanjá, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2000

SE08_D08_Foto13

SE09_D08_Foto04 SE10_D08_Foto05

SE11_D08_Foto06 SE12_D08_Foto07

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 178: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 03

SE13_sn – Museu dos Ex-votos da Igreja do Senhor do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

SE14_VS2_7_Foto28 – Voto feito pedindo abstinência de bebida alcoólica, Patos-PB, ago/2006

SE15_VS4_14_Foto19 - Voto feito pedindo um casamento, Ibiqüera-BA, dez/2006

SE16_sn - Apelo protetivo sob a oferta de fotografias 3x4, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

SE17_VS4_21_Foto36a – Apelo protetivo sob a oferta de fitas, São Joaquim do Monte-PE, jan/2007

SE18_sn – Apelo protetivo sob a oferta de manuscritura, Candeias-BA, fev/2004

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 179: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 04

SE19_sn – Apelo protetivo sob a oferta de manuscritura, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, fev/2006

SE20_sn – Apelo protetivo sob a oferta de fotografia (com manuscritura no verso), Candeias-BA, fev/2004

SE21_sn – Apelo protetivo sob a oferta de fotografia: manuscritura do verso, Candeias-BA, fev/2004

SE22_VS4_24_Foto14 – Apelo protetivo sob a oferta de pedras, ofertadas numa capelinha, Arapiraca-AL, jan/2007

SE23_VS4_24_Foto15 – Detalhe de SE22 SE24_sn – Voto de renovação, Festa de Yemanjá, Rio Vermelho, Salvador-BA, fev/2004

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 180: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 05

SE25_VS4_15_Foto23 – Voto de renovação, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

SE26_VS4_21_Foto12 – Ex-voto preventivo, sob a oferta de miniatura de construção, Maceió-AL, jan/2007

SE27_VS4_21_Foto17 – Capela de Santa Amélia, Maceió-AL, jan/2007

SE28_VS2_1_Foto09 – Ex-voto penitencial, sob a oferta de uma cruz, carregada pelo devoto até o sítio votivo, São Cristóvão-SE, jul/2006

SE29_VS1_4_Foto11 – Ex-voto penitencial sob a oferta de uma mecha de cabelo, Patos-PB, jan/2004

SE30_VS2_6_Foto08 – Ex-voto penitencial sob a oferta de vestes rituais (mantos), Arara-Solânea-PB, jul/2006

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 181: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 06

SE31_VS2_11_Foto14 – Ex-voto, sob a oferta de azulejos, Igreja de N. S. da Boa Viagem, Salvador-BA, ago/2006

SE32_VS2_11_Foto20 – Ex-voto, sob a oferta de azulejos, Igreja de N. S. da Boa Viagem, Salvador-BA, ago/2006

SE33_VS2_1_Foto03 – Ex-voto, sob a oferta de uma réplica de livro, São Cristóvão-SE, jul/2006

SE34_VS2_12_Foto09 – Ex-voto, sob a oferta de uma réplica de aparelho telefônico celular, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, jul/2006

SE35_VS1_3_Foto33 – Ex-voto, sob a oferta de uma cabeça esculpida em madeira, Patos-PB, jan/2004

SE36_VS1_3_Foto35 – Ex-voto, sob a oferta de uma perna/pé esculpido em madeira, Patos-PB, jan/2004

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 182: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE37_sn – Ex-voto, sob a forma de fotografia pintada (com manuscritura no verso), Candeias-BA, fev/2004

SE38_sn– Ex-voto, sob a forma de fotografia pintada: manuscritura do verso, Candeias-BA, fev/2004

SE39_VS4_16_Foto29 – Faixa votiva, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

SE40_VS4_16_Foto34 – Faixa votiva, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

SE41_VS4_21_Foto22 – Faixa votiva no Santuário da Virgem dos Pobres, Maceió-AL, jan/2007

SE42_VS4_21_Foto24 – Faixas votivas no Santuário da Virgem dos Pobres, Maceió-AL, jan/2007

SE p. 07

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 183: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE43_VS4_24_Foto12 – Três cruzes em beira de estrada, Arapiraca-AL, jan/2007

SE44_VS4_23_Foto27 – Cruz em beira de estrada, entre São Caetano-PE e Lajedo-PE, jan/2007

SE45_VS4_23_Foto31 – Capelinha e cruzeiro em estrada entre São Caetano-PE e Lajedo-PE, jan/2007

SE46_VS4_23_Foto30 – Detalhe de SE45

SE47_VS4_24_Foto08-a – Capelinha em estrada de Bom Conselho-PE, jan/2007

SE48_VS4_24_Foto03 – Detalhe de SE47

SE p. 08

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 184: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE49_VS4_24_Foto02 – Interior da capelinha em estrada de Bom Conselho-PE, jan/2007

SE52_sn – RF de partes do corpo: olho esculpido em madeira e pintado, Juazeiro do Norte-CE, jan/2004

SE p. 09

SE50_VS2_7_Foto09 – Capela de Zé Leão, Florânia-RN, ago/2007

SE51_VS1_2_Foto22 – Representações Figuradas (RF) de partes do corpo: cabeças em gesso, São Cristóvão-SE, jan/2004

SE53_VS1_4_Foto09 – RF de partes do corpo: seio em argila, Patos-PB, jan/2004

SE54_VS1_2_Foto26 – RF de partes do corpo: pernas em gesso, São Cristóvão-SE, jan/2004

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 185: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE58_VS2_4_Foto26 – RF de miniaturas de construções habitacionais: casas, Santuário de N. S. da Penha, João Pessoa-PB, jul/2006

SE59_VS2_12_Foto35 – RF por metáfora: bolas de gude representando olhos, em oferta votiva a Santa Luzia, Igreja de N. S. do Pilar, Salvador-BA, set/2006

SE p. 10

SE55_sn– RF do corpo humano: boneca em plástico, Candeias-BA, fev/2006

SE56_VS1_3_Foto32 – RF do corpo humano: boneco esculpido em madeira, Patos-PB, jan/2004

SE57_VS1_3_Foto08 – RF de miniaturas de animais: bovinos em cerâmica, Arara-Solânea-PB, jan/2004

SE60_VS4_16_Foto24 – RF por metáfora: pênis em cera representando disfunção erétil, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 186: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE61_VS1_2_Foto31 – RF por metáfora: aparelho reprodutor feminino em argila, representando fertilidade, São Cristóvão-SE, jan/2004

SE62_VS4_16_Foto33 – Designações Indiciais da Graça/Milagre (DIGM): aparelhos ortopédicos já utilizados, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

SE63_VS4_15_Foto36 – DIGM: muletas já utilizadas, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

SE p. 11

SE64_sn – DIGM: fotografias, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

SE65_sn - pinturas, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

SE66_sn - pintura sobre papel, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 187: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE70_VS1_4_Foto05 – EES: imagens tridimen-sionais de santos e afins ao catolicismo, Patos-PB, jan/2004

SE p. 12

SE67_VS4_15_Foto35 – Expressões Essencialmente Simbólicas (EES): cruzes em madeira, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

SE68_sn – EES: imagens de santos bi e tridimensionais, Candeias-BA, fev/2006

SE69_VS4_14_Foto25 – EES: imagens de santos bi e tridimensionais, Ibiqüera-BA, dez/2006

SE71_sn – Caixa de manuscrituras em papel, Candeias-BA, fev/2006

SE72_sa – Manuscritura em papel, Candeias-BA, fev/2004

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 188: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE76_VS1_5_Foto14 – manuscrituras sobre parede, Juazeiro do Norte-CE, jan/2004

SE77_CE-PB_Foto16 – manuscrituras sobre parede, Juazeiro do Norte-CE, jan/2004

SE p. 13

SE73_VS2_3_Foto30 – Manuscritura sobre fita em tecido, Convento de São Félix de Cantalice, Recife-PE, jul/2006

SE74_VS1_4_Foto16 – Manuscritura sobre móvel em madeira, Patos-PB, jan/2004

SE75_VS1_5_Foto28 – Manuscritura (ritual) sobre parede, Juazeiro do Norte-CE, jan/2004

SE78_VS4_25_Foto19 – Entalhe de alto-relevo sobre placa em madeira, diplomas e certificados, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, ago/2006

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 189: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 14

Se79 – Gravação em placa de metal, Santuário da Virgem dos Pobres, Maceió-AL, jul/2006

_VS2_1_Foto19Se80 – Impressão informatizada, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, fev/2006

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SE81_sn – Laudos de exames de saúde, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

SE82_sn – Laudos de exames de saúde, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

SE83_sn – Diplomação como vereador, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

SE84_D05_Foto36A – Prece de uma baiana na Lavagem do Bonfim, Salvador-BA, jan/2000

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 190: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 15

SE85_VS1_4_Foto15 – Desenho à mão do Parque Religioso da Cruz da Menina, Patos-PB, jan/2004

SE86_VS1_4_Foto01 – Pé recortado em placa de papelão, Patos-PB, jan/2004

SE87_VS4_25_Foto10 – Ex-voto em forma de construção: Igreja do Bonfim, Salvador-BA, jan/2007

SE88_VS1_3_Foto05 – Miniaturas de casas, Arara-Solânea-PB, jan/2004

SE89_VS1_2_Foto30 – Miniatura de casa, em argila, São Cristóvão-SE, jan/2004 SE90_sn – Miniatura de casa, em vidro,

Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 191: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 16

SE91_sn – Peças em cera, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, fev/2006

SE92_sn – Peças em cera, Santuário de São Roque e São Lázaro, Salvador-BA, fev/2006

SE93_sn – Cabeça em argila, Monte Santo-BA, jan/2004

SE94_sn – Corpo em argila, Monte Santo-BA, jan/2004

SE95_VS1_2_Foto20 – Cabeças em argila, São Cristóvão-SE, jan/2004 SE96_VS4_16_Foto28 – Pés calçados, em

argila, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 192: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 17

SE97_VS2_6_Foto30 – Peças costuradas em tecido, Guarabira-PB, jul/2006

SE98_VS1_4_Foto03 – Mão costurada em tecido, Patos-PB, jan/2004

SE99_VS2_6_Foto31 – Fotografias reutilizadas, Guarabira-PB, jul/2006

SE100_VS2_6_Foto11 – Fotografias reutilizadas, Arara-Solânea-PB, jul/2006

SE101_VS4_16_Foto09 – Retratos pintados a partir de fotografia, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

S E 1 0 2 _ V S 4 _ 1 4 _ F o t o 1 0 – I m a g e n s bidimensionais de santos católicos, Ibiqüera-BA, dez/2006

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 193: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 18

SE103_VS4_22_Foto36 – Imagens bidimensionais de personalidades afins ao catolicismo, Santa Cruz do Capibaribe-PE, jan/2007

SE104_sn – Agradecimentos a conquistas pessoais: troféus e camisas de clubes de futebol, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

SE105_sn – Agradecimentos a conquistas profissionais: insígnias militares, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

SE106_VS1_4_Foto02 – Analógico humano miniaturalizado: cabeça de boneca de plástico, Patos-PB, jan/2004

SE107_sn – Objetos de uso pessoal: instrumentos musicais e relógios, Igreja do Bonfim, Salvador-BA, set/2004

S E 1 0 8 _ V S 2 _ 1 2 _ F o t o 2 5 – I m a g e n s tridimensionais de divindades de cânones não-católicos, Igreja de N. S. do Pilar, Salvador-BA, set/2006

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 194: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 19

SE109_VS4_18_Foto26– Imagens tridimensio-nais de divindades de cânones não-católicos, Gruta da Mangabeira, Ituaçu-BA, jan/2007

SE110_VS3_13_Foto28 – Flores ofertadas a Santo Antônio da Barra, Salvador-BA, out/2006

SE111_VS4_15_Foto30 – Velas ofertadas à imagem de Santa Luzia, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

SE112_VS4_18_Foto28 – Oferta de balas e bombons, Gruta da Mangabeira, Ituaçu-BA, jan/2007

SE113_VS1_10_Foto08 – Adornos para fotografias, Candeias-BA, fev/2004

SE114_VS4_18_Foto04 – “Jiquitaia Foto”, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 195: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 20

SE116_VS4_15_Foto21 – Fotógrafo em ação, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

SE115_VS4_18_Foto05 – Boi utilizado em fotografias, Bom Jesus da Lapa-BA, jan/2007

SE117_sn– Clichê de fotografia instantânea, Candeias-BA, fev/2004

SE118_VS4_14_Foto06 – Altar do Bom Jesus da Lapa, Ibiqüera-BA, dez/2006

SE119_VS2_5_Foto18 – Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itabaiana-PB, jul/2006

SE120_VS2_5_Foto20 – Imagem de Nossa Senhora da Conceição, Itabaiana-PB, jul/2006

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 196: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE p. 21

SE121_VS2_5_Foto21 – Fitinhas amarradas aos pés da coluna da imagem de Nossa Senhora da Conceição, Itabaiana-PB, jul/2006

SE122_VS4_20_Foto32 – Cruzeiro em Anadia-AL, jan/2007

SE123_VS2_4_Foto18 – Santuário de São Severino dos Ramos, Paudalho-PE, jul/2006

SE124_VS2_4_Foto18 – Cruzeiro em frente ao Santuário de São Severino dos Ramos, Paudalho-PE, jul/2006

SE125_Ex-voto português (1774)

SE126_Retrato pintado da Menina Francisca

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

Page 197: Tese de Doutorado em Ciências Sociais de Luís Américo Silva Bonfim - Volume 1

SE127_Retrato do Padre Ibiapina SE128_Retrato do Padre Cicero Romão Batista

SE129_Retrato do Padre João MariaSE130_Fotografia do Padre Zuzinha

(por Antônio Romildo Bezerra)

SE p. 22

APÊNDICE I - Sinopse Estilográfica

SE131_Fotografia de Irmã Dulce SE132_Fotografia do Frei Damião de Bozzano