TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO – UFMAT - CUIABÁ - MT PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E
MATEMÁTICA– PPGECEM DOUTORADO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA, da Rede
Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC - POLO BELÉM DO PARÁ – UFPA
TESE DE DOUTORADO
LUSITONIA DA SILVA LEITE
SENTIDOS E SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS À FORMAÇÃO DOCENTE:
Um Estudo das Manifestações Expressas por Professores Formadores e Licenciandos
em Matemática
Belém-PA
2016
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LUSITONIA DA SILVA LEITE
SENTIDOS E SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS À FORMAÇÃO DOCENTE:
Um Estudo das Manifestações Expressas por Professores Formadores e Licenciandos
em Matemática
Orientadora: Profa. Dra. Rosália Maria Ribeiro de Aragão
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática – PPGECEM, da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC, Polo Acadêmico - UFPA - Belém - Pará, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Educação em Ciências e Matemática.
Belém-PA
2016
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LUSITONIA DA SILVA LEITE
TESE DE DOUTORADO
SENTIDOS E SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS À FORMAÇÃO DOCENTE:
Um Estudo das Manifestações Expressas por Professores Formadores e Licenciandos
em Matemática
Orientadora: Profa. Dra. Rosália Maria Ribeiro de Aragão
Tese Aprovada em: 11/04/2016
Comissão Avaliadora:
____________________________________________________________________ Profa. Dra. Rosália Maria Ribeiro de Aragão – Presidente
Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC Universidade Ceuma -UNICEUMA – Orientadora
_____________________________________________________________________ Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves
Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC Universidade Federal do Pará – UFPA- Belém - PA - Examinador interno
_____________________________________________________________________ Profa. Dra. Marisa Rosâni Abreu da Silveira
Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC Universidade Federal do Pará – UFPA- Belém - PA - Examinadora interna
___________________________________________________________________ Prof. Dr. Neivaldo Oliveira Silva
Universidade Estadual do Pará - UEPA – Belém - PA - Examinador externo
___________________________________________________________________ Prof. Dr. Jackson Costa Pinheiro
Universidade Federal do Pará – UFPA- Belém - PA - Examinador externo
Belém-Pará 2016
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DEDICATÓRIA
A
Marcos
Marluzio
e Mariluse por um sem-número de razões!
Um obrigado carinhoso.
Do primeiro, esposa; dos dois últimos, Mãe
A
Luís (in memória), meu pai! Que saudade! E minha MÃE Antonia,
que ao debilitar-se no avançar da idade, me aguarda para dela cuidar
Lusitonia
Aos Sujeitos da pesquisa,
pares e co-pares de longa caminhada. Sem as suas contribuições essa pesquisa não seria a mesma.
Obrigada pela confiança depositada
Profa. Lusitonia
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O horizonte das possibilidades
As pesquisas educacionais não são feitas para dizer à escola e aos professores o que fazer, porque fazer e como fazer,
mas para entendê-la e contribuir na construção desse objeto maior chamado educação.
Lopes
TODO jardim começa com um sonho de amor. Antes que qualquer árvore seja plantada, ou qualquer lago seja construído é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem jardim por dentro, não planta jardim por fora. E nem passeia por ele [...]
Rubem Alves
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Cruzando o oceano da ilusão, sem medo.
Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos deslizar em paz nas ondas de nascimento e morte.
Navegando no barco da compaixão, cruzamos o oceano da ilusão, com um sorriso, sem medo.
Thich Nhat Hanh
Não sou professora, não sou aluna:
sou um caminhante.
Da estrada, colho dúvidas e lições,
em cada esquina, encontro dor e esperança,
de toda chegada faço nova partida;
força e fraqueza, medo e coragem
são companheiros de viagem.
Minha escola é o caminho:
vela e revela mistérios,
pergunta e responde segredos,
dá e recebe tesouros,
busca e esconde horizontes.
No ato de caminhar,
sou um aprendiz, sou um sábio!
Aprendo e ensino, ensino e aprendo!
Dos pés em marcha é que vem a luz;
com mãos solidárias é que se abrem veredas.
O coração ferido é fonte de esperança;
a alma que sofre abre asas e voa;
o fundo do poço é o começo da subida.
Estou a caminho, sempre a caminho!
Sou um peregrino de fé!
Gonçalves
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AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente à fé que tenho em uma força superior, que me move, fortalece e ilumina a minha capacidade de superar fragilidades, apreensões e deficiências, próprias do ser humano, e que me ampara e inspira a não desistir de minhas convicções. À minha família, pelo apoio e compreensão, especialmente nos momentos em que mesmo estando presente em espaços/tempos comuns, pelo empreendimento pessoal que um trabalho de pesquisa requer do pesquisador, muito me fiz ausente. À professora Dra. Rosália Aragão, orientadora dessa pesquisa, pelo seu jeito de ser gente, palavras de orientação e tantas outras que não consegui colocar nesse trabalho, mas que demonstram a sua busca pela completude, segundo ela inalcançável, mas as já alcançada e compartilhada em sua trajetória nesse Programa de formação de professores, certamente continuarão produzindo efeito em mim; obrigada pela acolhida generosa, confiança, escuta experiente, em especial, pela paciência e compreensão diante de minha ausência não planejada, mas necessária no momento em que me senti sobremaneira fragilizada para prosseguir a composição desse trabalho. Aos demais professores do Programa REAMEC pelos momentos de aprendizagem e crescimento intelectual propiciados no decorrer do Curso. Aos professores e licenciandos, sujeitos dessa pesquisa, pela confiança e partilha de saberes, sem os quais esse trabalho não seria possível. Meu muito obrigado! Aos colegas de Doutorado, pela amizade, convivência e partilha nos momentos em que estivemos juntos, especialmente Eliane Pedrosa, grande amiga de todas as horas. Não me parece ser possível enumerar todos aqueles com quem me acho em dívida. Meu débito principal é para com todos(as) aqueles(as) que, de algum modo se fazem presente neste trabalho de pesquisa. Então, para todos e todas digo o seguinte:
Minhas conquistas não são fruto só de minhas vontades e esforços, são construções que muito têm da vontade e esforço de pessoas com quem divido meu espaço/tempo de vida, e de tantas outras que nem sei quem são, mas em parte sei o que pensam e o que fazem, porque expressam nos trabalhos que publicam a justificada preocupação com o tema de minha pesquisa, desde que o expressivo desenvolvimento quantitativo de inserção na escola brasileira alcançou taxas de matrícula que se aproximam da universalização, porém, deixando em aberto a questão da qualidade do ensino e, ato contínuo, pautou o “novo” desafio a ser enfrentado: a qualidade da formação de professores, em todos os níveis de ensino. Desta maneira, minhas vitórias também são vitórias de cada uma das pessoas que comigo dialogam nesse trabalho.
Por tudo, a todas e a todos! Obrigada pela partilha de saberes!
Carinhosamente,
Lu
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SUMÁRIO p.
Resumo
Abstract
MEMÓRIAS E REFLEXÕES: o texto constituído na/da experiência................ 12
EXPLICITANDO OS NEXOS QUE POSSIBILITRAM A INVESTIGAÇÃO: o encontro da pesquisadora com o objeto de pesquisa........... 28
SITUANDO A PESQUISA: explicitando o cenário de investigação e o aporte teórico-metodológicos assumidos........................................................................... 42
Cenário de Investigação.................................................................................... 42
Os Sujeitos da Pesquisa..................................................................................... 42
Seleção dos Sujeitos da Pesquisa...................................................................... 42
Os sujeitos da Pesquisa e o que Dizem de Si ................................................... 43
Fundamentos Teóricos Metodológicos............................................................. 47
Pesquisa Narrativa............................................................................................. 49
Entrevista Semiestruturada............................................................................... 53
Grupo focal....................................................................................................... 54
Análise Textual Discursiva............................................................................... 55
PROCEDIMETODOLÓGICO: um percurso de idas e vindas..................... 59
A construção dos Dados Empíricos................................................................... 59
Aproximação à análise dos dados empíricos.................................................... 63
DIALOGANDO COM OS DADOS.................................................................. 68
CENÁRIO DA CONDIÇÃO DOCENTE E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: limites e possibilidades que permeiam o dia-a-dia da licenciatura em matemática....................................................................................
70
SABERES ESPECÍFICOS, PEDAGÓGICOS E DA EXPERIÊNCIA: sentidos e significados das práticas e ações significativas no processo de ser e fazer professor.........................................................................................................
118
MAIS ALGUMAS PALAVRAS, FINAIS, MAS NÃO CONCLUSIVAS
161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 177
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RESUMO
O atual processo de formação de docentes, no Brasil, é organizado a partir de políticas públicas específicas, expressas em leis e documentos diretivos. A proposta é promover formação/educação/ensino/aprendizagem de qualidade. Mas os esforços empreendidos não se coadunam com os resultados esperados. O que se vêm constatando são enormes lacunas entre as proposições diretivas, ideológicas, filosóficas e metodológicas, imprimindo fosso entre a consolidação da formação “ideal” e a realidade concreta na qual os professores desenvolvem as suas ações, em todos os níveis de ensino. Em parte, essa dissonância vem se alargando por falta de intervenção das políticas púbicas, ainda que os resultados das pesquisas atinentes a essa área de estudo, apontem que a formação de professores é um dos mecanismos mais importantes para o desenvolvimento de competências docentes, considerado principal responsável pela formação do sujeito global. Por esse prisma os cursos de formação de docentes têm a função de desenvolver habilidades e capacidades formativas que permitam aos professores empreenderem ações que resultem em ensino de qualidade; formação que alarguem conhecimentos e habilidades, atitudes e valores a possibilitar aos futuros professores, continuamente irem construindo seus saberes e fazeres docentes, a partir das necessidades e desafios que o ofício de ser professor, como prática social, lhes coloca no cotidianamente. Nesse sentido, é de interesse desse estudo querer saber, entre formadores e licenciandos em matemática, o que pensam, o que fazem, porque fazem o que fazem, e como percebem suas ações formativas no contexto de suas práticas cotidianas no curso de formação inicial que desenvolvem. Mediante tais intenções, emergiu a questão pesquisa: quais sentidos e significados se expressam nas manifestações de professores formadores de professores e licenciandos, em relação às suas percepções experienciais de formação docente inicial em matemática? Deste questionamento adveio o objeto de investigação: percepções sobre experiências de formação inicial docente, expressas em manifestações de professores e licenciandos de um curso de licenciatura em matemática, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) – CESBA- Balsas/MA, constituindo-se o lócus dessa investigação. Constituíram-se sujeitos dessa pesquisa três professores de matemática, uma professora das disciplinas pedagógicas e cinco licenciandos do Curso citado. Metodologicamente a opção foi pela abordagem narrativa. Para a coleta dos dados empíricos, com os professores formadores, a técnica utilizada foi a entrevista semiestruturada e com os licenciandos, grupo focal. Os dados foram analisados sob o prisma qualitativo da análise textual discursiva. Os resultados da pesquisa destacam que a ação de formar e se formar para ensinar remetem a complexas questões que circundam o espaço institucional, apontando que entre as condições de trabalho oferecidas e o que se espera das práticas e ações dos professores formadores e futuros professores, existem complexas relações que fragmentam os nexos entre as crenças e valores científicos, epistemológicos e pedagógicos dos sujeitos envolvidos no processo de formação e o que de fato pede ser feito na realidade concreta, imprimindo instabilidades aos formadores e licenciandos quanto a “ser”, “querer ser” e “poder ser”, as quais remetem ao chamamento da razão: (a) se não houver consciência da gravidade dos problemas educacionais brasileiros, tomada de atitude positivas em relação a eles, compromisso e responsabilidade para com o bem comum, tanto por parte das políticas públicas, quanto dos professores que efetivamente realizam o ensino, os problemas de base da educação brasileira não serão atenuados, menos ainda resolvidos; (b) os saberes específicos, pedagógicos, experienciais e sócios culturais são indispensáveis para o exercício da docência, mas a formação requerida exige senso de cuidado e atitude flexível por parte do educador, sem descaracterizar os saberes científicos.
Palavras-chave: Licenciatura em matemática. Professor Formador. Percepções docentes.
Pesquisa narrativa. Análise Textual Discursiva.
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ABSTRACT The current process of teacher education in Brazil is organized from specific public policies expressed in laws and governing documents. The proposal is to promote training education teaching learning quality. But the efforts are not consistent with the expected results. What has been observed is a huge gap among the ideological, philosophical and methodological propositions, reinforcing the gap between the consolidation of ideal teachers’ education and the concrete reality in which teachers develop their actions at all levels of education. In part, this dissonance is due to the lack of public policies intervention. Still, the researches’ results, regarding this field of study, point out that teacher training education is one of the most important mechanisms for the development of teaching skills and that it is considered the main responsible for the global individual formation. From this perspective, the teacher training education courses are meant to develop skills and abilities that allow teachers to undertake actions that result in education quality; this teacher education course can broaden their knowledge and skills, their attitudes and their values enabling future teachers to continually build their knowledge and teaching practices from the needs and challenges that the profession of being a teacher – as a social practice – imposes them day by day. Therefore, it is of interest of this study to know, between professors and undergraduates in mathematics, what they think, what they do, why they do what they do, and how they perceive their academic actions in their daily practices context – in their initial teaching course. Based on it, the question of this research study is: which senses and meanings do the professors and undergraduate math students’ express on their demonstrations/actions in relation to their experience perceptions of initial teacher education course in math? From this questioning, this research object is: the perceptions of initial teacher training teaching experiences, expressed in educator professors and a math undergraduate course students in the State University of Maranhão (UEMA) - CESBA- Balsas / MA. Three math professors, a pedagogy professor and five undergraduate math students were part of this research. The narrative approach was used for the methodology. For the empirical data collection – with the professors – the technique used was the semi-structured interview and with the undergraduate students, focal group. The data were analyzed by a discursive textual analysis qualitative view. The results of this research show that the action of being a teacher educator and being a future teacher educator bring up complex issues that surround the institutional space. These issues point out that among the working conditions offered and what is expected from the professors and future teachers’ practices are complex relations. These relations break up the nexuses among the scientific, epistemological and pedagogical beliefs and values from the ones involved in the training teaching process and what actually is expected from them in a real context. It brings instability to professors and to future teachers in relation to what they “are”, what they "want to be" and what they “can be”. It calls attention for the facts: (a) if there is no awareness for the Brazilian serious educational problems, for the positive attitude towards them and for the commitment and responsibility towards the common good – both by the public policies and the teachers who actually do the teaching – the basic problems of Brazilian education will not be reduced; not to say, solved; (b) the specific, educational, experiential and social cultural knowledge is essential for the teaching practices, but the required teacher training course demands careful judgment and flexible attitude on the part of the teacher towards the students – both in the social and cultural issues as in the ones related to the nature of taught scientific knowledge. Keywords: Mathematics degree. Educator professor. Teachers’ perceptions. Narrative research. Textual Analysis Discourse.
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MEMÓRIAS E REFLEXÕES: o texto constituído na/da experiência Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com os outros, acho que nem se misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância [...] Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de recente data. O senhor sabe; e se sabe, me entende.
Guimarães Rosa
A partir da reflexão de Guimarães Rosa (1995), inicio a escritura desse trabalho,
recorrendo a uma pergunta de fundo que faço a mim mesma: como apresentar uma tese
que tem como tema sentidos e significados atribuídos à formação docente,
articulando-o a Manifestações Expressas por Professores Formadores e Licenciandos
em Matemática?
É nesse tom, de quem tem mais pergunta que resposta, que me proponho1a
perfazer esta longa caminhada, compondo e buscando os sentidos e significados do que
é difícil de ser contado. Porém, para não parecer coisa de rasa importância, busco
alinhavar o texto numa certa ordem, na vagareza que requer a composição de um
trabalho de pesquisa qualitativa, dirigindo-me ao encontro do desejo com a
possibilidade de realizá-lo, com a mesma incerteza do viajante que acaba de dizer: sou
um caminhante. Da estrada colho dúvidas e lições, em cada esquina, encontro dor e
esperança. De toda chegada faço nova partida; força e fraqueza, medo e coragem são
companheiros de viagem (GONÇALVES, 2002, s/p).
É desse lugar incerto, anunciado por Gonçalves (2002), que me dirijo a escrever
esse trabalho, orientando-me no percurso sem a preocupação imediata com o produto
final, pois compreendo que esta foi uma trajetória que exigiu itinerância do ir vir,
próprios de quem realiza pesquisa qualitativa. Desse modo, abrindo trilhas para seguir a
viagem, pré-anuncio fragilidades de longes e recentes datas, apoiando-me na força e 1Sempre que o verbo apresentar-se na primeira pessoa do singular, a informação diz respeito a uma ação pessoal. Nas demais situações o verbo aparecerá na terceira pessoa do plural, considero que a produção de um trabalho de pesquisa nunca é individual, pois além dos exaustivos esforços meu e de minha orientadora, contou com a contribuição de colegas de doutorado e de professores do programa - REAMEC- em dois seminários de pesquisa, com banca composta por três Doutores, para cada seminário; além das contribuições da banca qualificadora.
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fraqueza, dor e esperança, medo e coragem, fazendo desses substantivos próprios da
natureza humana, companheiros de viagem.
Das horas antigas me valho das lembranças para trazer à tona, sobretudo,
aspectos da formação acadêmica que permeia a minha vida pessoal e profissional; das
recentes horas, recorro à resiliência em busca de atitude heurística, lucidez, rigorosidade
e autenticidade, pertinentes ao ato de pesquisar, visto que esta não é uma trajetória
simples, por isso tive que me organizar metodologicamente. E, para ter sucesso nessa
caminhada assumo a pesquisa qualitativa na modalidade narrativa, porque como
esclarece Minayo (2000, p. 21), a pesquisa qualitativa narrativa responde a questões
muito peculiares. Ela trabalha com o universo dos sentidos e significados, dos motivos,
das aspirações, das crenças, valores e atitudes.
Talvez, para entender tais aspectos ou princípios seja preciso compreender que
eles dizem respeito a convicções, que estão submersos às concepções que se tem sobre o
trabalho que se realiza. Portanto, essas questões são do meu interesse, por isso mesmo
as anuncio no escopo do tema e desenvolvimento desta investigação.
Nessa direção, percebo que o conhecimento construído na experiência, se dá nas
relações estabelecidas em dimensões de tempo e espaço de longe e recente datas. Desse
modo, os saberes e fazeres da cotidianidade do profissional professor, situado na sua
experiência de formar e se formar professor, se imbrica com os limites do “seu eu” com
o “eu dos outros”. É nesse viver do presente, enraizado em realizações/inquietações de
longas datas, que as projeções futuras são arquitetadas. Nesse sentido, o experienciado
se desdobra em ações no tempo presente, se articula com o que somos e projetamos ser,
justamente porque o passado não é algo estático, fixo e imutável. Antes, o presente
reconstrói de um modo novo o seu próprio passado, cujo testemunho lhe é balizar
(MINAYO, 2006, p. 45).
Dito isto, retomo aspectos significativos das horas antigas, para dizer que a vida
da gente, se refletida sob os dizeres de Guimarães Rosa (1995, em epígrafe), leva a
constatar que as nossas lembranças, se olhadas de relance ao modo de um balancê, os
trechos, uns com os outros, parecem não se misturarem. Contudo, esses mesmos
trechos, quando refletidos ao modo de um (re)viver, levam a perceber que o tempo
presente é apenas a ponta do iceberg. O vivido, o que está submerso, a parte maior
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desse bloco denso de trechos empetrechados, é o que nos move no tempo presente a
empreender nossas buscas, sempre tateando antigos questionamentos e, a partir deles,
trazendo à tona novas inquietações.
Desta maneira, o passado e o presente, inexoravelmente, são dois aspectos
indissociáveis das experiências profissionais e pessoais de qualquer profissional, os
quais me permitiram percorrer, o “caminho da desalienação” – abertura de consciência.
Vejo-me como pessoa em construção enquanto construo a obra que escolhi como
profissão – ser professora de matemática.
Nesta autoreflexão que me permito fazer, cataliso diferentes matizes. Percebo,
então, o quanto é próprio de o professor envolver-se com a educação, com o ensino e
com a aprendizagem; envolver-se em interlocuções com os colegas professores, com os
discentes, com a comunidade educativa, seus pares, localizadas em diferentes instâncias
(coordenação, administração, família, etc), as quais envolvidas com o mesmo fazer –
aprender e ensinar, aprender a ensinar, a orientar, a educar..., assumem desafios no
confronto com a realidade multifacetada, carregando dentro de si o outro como
interlocutor. Deste modo, ao buscar relações compreensivas entre a profissão de ser
professor(a) de matemática e os desafios lançados àquele(a) em relação a esta – que é
ensiná-la de modo que os alunos a compreendam para situá-la na vida – recorro às
lembranças do tempo vivido e em vivência, e dou-me contar do seguinte:
Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, a nossa disposição (BOSI, 1995, p. 32-62).
Sobre os materiais que estão à disposição, para construir as imagens e ideia de
hoje (BOSI, 1995), acredito que a escrita é um deles, posto que escrever ajuda a refletir
sobre o que acontece e nos acontece (BENJAMIN, 1994). Ao escrever, organizamos,
desorganizamos, refletimos, analisamos, reorganizamos, construímos, com imagens e
ideias de hoje as experiências do passado. Essa construção é um fazer complexo de
complexus: porque é tecido junto (MORIN, 2000, p. 45) às ideias de outros, que
colocam à nossa disposição as suas feituras.
Assim, ao escrever sobre nossas experiências, estas deixam de ser a reprodução
tradutória do que fizemos, até porque o tempo já outros, e de fato a experiência ganha
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papel de destaque por não é mais simplesmente experiência, mas aprendizado,
justamente porque na autobiografia subjacente às histórias vivenciadas, reluz o modo de
pensar, perceber, interpretar e compreender a realidade na dinamicidade dos
acontecimentos, como diz (MORIN, 2000).
São efetivamente a tessitura e tecido dos acontecimentos, ações, interações,
retroações, determinações e acasos, que constituem a argamassa da experiência e, ao
escrever sobre ela, narramos uma nova/outra experiência, construindo e reconstruindo
as relações passadas, presentes e, com elas, projeções futuras. Estas refletem percepções
sobre o tempo da ação, nas quais prevalece o olhar do presente (BENJAMIN, 1994),
outro olhar por sinal. Nessa perspectiva, falar e escrever sobre a experiência torna-se
reviver o experienciado. Contudo, isso não se dá tal qual ocorreu, pois ao ser narrada,
dita, falada, a experiência já perdeu sua aura2, uma vez que é passível de ser
interpretada por outros, de acordo com sua visão, percepção, interpretação
(BENJAMIM, 1994).
Desse modo, na tessitura das lembranças do tempo vivido, que revelam o
contexto de formação e atuação docente, se faz o sentido do que acontece, o qual nasce
dos acontecimentos e revelam os significados que atribuímos às nossas experiências
(BENJAMIM, 1994), e à nossa trajetória de escolarização/formação. Isso implica
compreender que ensinamos não só o que planejamos, ou o que pensamos que sabemos,
mas também o que somos, e o que somos e o que achamos que sabemos, tem ligação
direta com o que experienciamos, pessoal e profissionalmente (NÓVOA, 1995). Nesse
sentido, apoiada e dialogando com esses aspectos subjetivos da condição e natureza
humana, que permeiam e direcionam as ações, que paralisam e instigam a prosseguir
defendendo proposições, transformo a seguir, a experiência vivenciada ao longo dos
anos, em texto.
Minhas reminiscências implicam formas de dizer num constante diálogo entre as
lembranças do vivido e as experiências formativas e autoformativas - sobre minha
2Benjamin (1994, p. 171), diz que a aura da experiência, o sentimento, a emoção, a atitude diante da experiência de quem a viveu/vive é única e isso não se pode fazer com que os outros vivenciem. Compara experiência à obra de arte autêntica, o seu valor e reconhecimento é a sua unicidade, é a alma do autor da obra que transposta para ela na sua criação. A experiência é única e intransferível, mas pode ser contada - o que dá a si mesma o reconhecimento, aprendizado sobre a natureza do ser humano e da sociedade, com certa função didática, pois é a arte de contar o vivido, como a obra de arte que pode ser reproduzida e interpretada.
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formação - que até recente data, recaia apenas sobre as dificuldades dos alunos em
aprender matemática e não dos professores em não saberem ensinar essa ciência. Talvez
esta forma de pensamento encontre berço esplêndido no meu processo de formação
docente que, quase sem ressalvas, se pautou na racionalidade técnica, porque essa era a
única maneira de ensinar na época. Formação esta, caracterizada como imitação de
modelos, tecnicamente elaborados para ser “passado aos alunos”. O pressuposto dessa
concepção é o de que a realidade do ensino é imutável e os alunos também o são
(PIMENTA E LIMA, 2005/2006).
Nessa perspectiva, o ensino apresentava/apresenta-se como um conjunto de
algoritmos que, em termos análogos, visava/visa o fechamento do devedor com o
credor. Discussões? Questionamentos? Não havia. Nesses termos, o ensino fica
reduzido ao aspecto prático, ao exercício técnico, que não possibilita a compreensão do
processo de ensino em seu todo. O que estava posto era, supostamente o “certo”.
Naquela época eu tinha a certeza ingênua de que o conhecimento era verdadeiro, linear
e acumulativo, apenas. Atualmente, compreendo que o processo de ensino é amplo,
complexo e inclui situações específicas de treino e até de imitação, mas não pode a este
se limitar.
Assim, ainda que não tivesse consciência de minhas discordâncias desse modo
de conceber o ensino, desde que iniciei minha trajetória como professora de matemática
(1986), ensiná-la foi a questão que me desafiou numa dimensão quádrupla:
i) Questionava-me porque a maioria absoluta dos alunos não
demonstrava/demonstra afinidade a essa ciência, e eu entendia que por
isso mesmo não a aprendiam/aprendem;
ii) ii)segundo, porque eu nunca deixei de questionar sobre o porquê das
dificuldades que eles sentiam/sentem e eu não era/sou capaz de fazê-los
alterar a visão em relação a isso;
iii) iii) interrogo-me constantemente acerca de minha atuação e de como ela
era/é vista por meus alunos e colegas de profissão e;
iv) iv) talvez imbuída do que Severino (2006) define de otimismo ingênuo,
mantive a crença de que a matemática, por ser uma ciência propiciadora
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de senso lógico aos que se dedicam a estudá-la, geraria amplas
possibilidades de transformações sociais, por isso os alunos teriam de se
interessar em apreendê-la. Mas como vai acontecer isso, eu me
perguntava/pergunto, se um percentual significativo de alunos não
aprende a matemática que nós, os professores de matemática, os
ensinamos?
Reavaliando o tempo vivido, percebo que de forma sobremaneira simplista, eu e
meus pares defendíamos a ideia de que mudanças na forma de conceber o ensino de
matemática e a importância que a matemática tem para a vida das pessoas pudessem
ocorrer naturalmente como consequência de nos percebermos em dificuldades,
comparando-nos, comparando esse com aquele ou outro aluno; discutindo sobre nossas
práticas à luz da própria prática, à margem de qualquer fundamentação teórica que nos
permitisse compreender o fenômeno da não aprendizagem em matemática e sair das
amarras do estabelecido. Assim, em função do saber implícito, que Severino (2006)
chama de praticismo vazio e inconsequente, porque constituído à parte da teoria,
imaginava redirecionar constantemente a ação pedagógica em termos significativos. Na
verdade sem sair dos mesmos padrões estabelecidos de longas datas, acreditava poder
crescer e ampliar horizontes em termos de conhecimentos e práticas mais elaboradas, e
em consequência ensinar com êxito. Isto é, fazer o aluno aprender matemática, ainda
que não entendesse o processo pelo qual se construía/constrói esse saber.
Vivi esse praticismo por muito tempo. Contudo, passei a compreender não ser
possível avaliar e mudar práticas pedagógicas à luz, simplesmente, dessa mesma
prática. Se fosse assim simplesmente, a maioria absoluta dos professores e professoras
desse país, que desenvolvessem processos semelhantes, necessariamente, também
evoluiriam das práticas tidas como tecnicistas tradicionais no sentido positivista, para
práticas emancipadoras, num sentido freiriano; ou, à semelhança do que expressa a
Educação Matemática, no âmbito das explicitações feitas por D’Ambrosio (1996, 2005),
entre outros; ou ainda, às ideias de mudanças de paradigmas, anunciadas e assumidas
por Santos (1989, 2000), ou até de complexidade e diversidade explicitadas
frequentemente por Edgar Morin (2000, 2002, 2007), entre outros.
Verdadeiramente, não compreendia que a complexidade da educação como
prática social não permite tratá-la como fenômeno universal abstrato isolado, mas
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imerso em um sistema educacional que antes de tudo é social, desenvolvido ao longo de
um tempo histórico não determinado, mas influenciado pela historicidade de cada uma
dessas instâncias. Não compreendia que a organização curricular propiciadora de
compreensão para além da técnica imitativa, parte da análise do real com o recurso das
teorias e de práticas pedagógicas emergidas das necessidades do contexto situado.
Assim, comparando “meu eu de longas datas” com “meu eu de recentes datas”,
sei que tenho muito a compreender porque como ser humano sempre está aprendendo.
Contudo, consigo constatar a existência de abismos em termos conceituais,
metodológicos e práticos, filosóficos e epistemológicos, em relação ao que pensava com
aquilo que penso e busco praticar em termos de ensino e aprendizagem da matemática.
Em contrapartida, é possível argumentar que o quadro enunciado anteriormente,
em termos de mudanças de pensamento e de prática efetiva no contexto mesmo de sala
de aula, não é tão simples quanto parece à primeira vista. Sempre “há pedras no meio do
caminho”. Contudo, para além de enumerar ou citar as “pedras”, é preciso buscar nelas
os sentidos e significados que se expressam como ato da experiência, para entendê-las e
vislumbrar compreender a divisória entre as “pedras que há no meio do caminho” e o
“caminho das pedras”, como disse Carlos Drummond de Andrade, isto é, acreditar, não
se acomodar e buscar caminhos possíveis, exequíveis.
Na direção de explicitar o que me fez pensar diferente do que pensava e trilhar o
“caminho das pedras” sem desprezar as “pedras do meio do caminho”, perfaço o
percurso de minha trajetória de formação docente, a qual me possibilitou ter clareza dos
meus enganos/erros e, por meio da qual, mudei a direção de minhas inquietações: das
dificuldades dos alunos em aprender matemática para buscar compreender em que
concerne os limites e possibilidades de o professor ensinar essa ciência e os alunos a
compreendê-la.
Nessa direção, indico como início desta minha trajetória de formação docente, o
último período de minha graduação em Ciências, habilitação Matemática (1999). No
referido período, houve o que posso chamar de “disparador de outra visão”, adquirida a
partir do que vivenciei quando tive acesso a leituras diversas3, as quais se direcionavam
3Carraher (1988, 1999), Freire (1997, 1996, 1993, 1992), Libâneo (1994), Rosa Neto (1987), Nérici (1988), Carvalho (1994), Guelli (1998), Lungarzo (1993), Hoffmann (1998), Luckesi (1995, 1996), entre outros.
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ao meu trabalho de conclusão da graduação4, para o qual, por ser de meu interesse,
empreendi leituras sobre a história da Matemática, métodos e técnicas de ensino,
problemática da aprendizagem da Matemática, caracterizada pelos autores citados em
nota, como disciplina estranha e longe da realidade dos alunos. Também, da rigidez e
falta de finalidade da avaliação, impostas por professores imersos em um sistema
educativo que vinha imprimindo cada vez mais a racionalidade técnica5 de cunho
bancário, portanto alienador.
As consequências dessas práticas, segundo Libâneo (1994), continuavam
avolumando-se as dificuldades de aprendizagem em Matemática, tornando-se fato,
evasão e reprovação escolar, dando forma e concretude às mazelas pelas quais a escola
se via e ainda se vê imersa na atualidade. A literatura a qual me refiro, de modo geral,
defendia/defende os materiais concretos como recursos didáticos a serem utilizados
pelos professores, os quais favoreceriam ao ensino por parte dos professores e
aprendizagem das ciências por parte dos alunos, inclusive da matemática.
Esses referenciais balizaram, então, meu trabalho de conclusão de curso (1999),
e, por extensão, mais dúvidas e questionamentos que respostas, posto que ao utilizar os
referidos materiais em sala de aula, os resultados em termos de aprendizagem por parte
dos alunos não eram significativos. Esse desapontamento me levou a diversos
questionamentos: se os alunos têm dificuldades de aprender matemática, de onde se
originam essas dificuldades? Porque persistem as dificuldades, se além da minha
intervenção, seria inato ao próprio aluno, como ser humano que é, assumir atitude
resiliente frente aos desafios que lhes são impostos?
Diante desses dilemas, nos primeiros anos deste século estive cercada de
questionamentos, tensões e preocupações conflituosas enquanto trabalhava a disciplina
matemática, na época, no ensino fundamental e médio. Levei essas dúvidas e esses
questionamentos para o Mestrado6, onde encontrei um ambiente profícuo em
4Meu trabalho de graduação teve como título: Dificuldades de aprendizagem em matemática de alunos de 5ª a 8ª série em duas escolas públicas estaduais (1999). 5O paradigma da racionalidade técnica neoliberal na formação e prática do professor tem suas origens “na concepção epistemológica da prática herdada do positivismo, que prevaleceu ao longo de todo o século XX”, a qual contribuía/contribui para reprodução do mundo do trabalho no que diz respeito a sua “estrutura verticalizada e rigidamente hierarquizada”, no aspecto estritamente técnico e pouco criativo do trabalho (PÉREZ GÓMEZ, 1995, p.96.). 6Mestrado em Educação em Ciências e Matemática – Universidade Federal de Goiás-UFG (2007-2009).
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conhecimentos e preocupações incessantes dos professores, com o ensino e a
aprendizagem de modo geral, das ciências em particular e da matemática em específico.
As leituras realizadas nesse período conduziram minha imaginação para várias
direções. Contudo, o que me impulsionou a buscar o mestrado foi a necessidade de
compreender como lidar com o ensino e a aprendizagem da matemática, em “termos
práticos”. Questionava-me, pois, sobre como articular aqueles conhecimentos, tão
vastos, complexos e importantes, relacioná-los à Matemática e fazê-los chegar aos
alunos.
Diante e mediante estes e outros questionamentos que fazia a meus pares e a
mim mesma, a partir de interlocuções diversas, tanto nas aulas do Mestrado quanto no
Grupo de Estudos do qual participava, percebi o quanto meus atos e minha aproximação
àquele arcabouço de conhecimentos ainda não tinha me afastado dos reflexos da minha
trajetória escolar positivista, a qual corroborava com uma visão de conhecimento
independente do homem, pois este, na minha percepção apenas “o descobria”.
Em meio a tantas leituras e poucas respostas às minhas questões de base –
dificuldades dos alunos em aprender matemática -, em um impulso de inquietude, decidi
procurar o coordenador do curso de mestrado e me dirigi a ele dizendo o seguinte: “Sei
o quanto te preocupas com o sucesso desse Programa e com o nosso por consequência,
mas até agora7 não estou conseguindo conectar o que estou aprendendo com o que eu vi
fazer aqui. Minha preocupação é com o ensino da matemática e com a aprendizagem
dos alunos. Então lhe pergunto: como é que eu vou articular esses conhecimentos, tão
vastos e importantes, que eu estou aprendendo, relacioná-los à Matemática e fazê-los
chegar aos alunos?”
Minha pergunta parece não tê-lo assustado. Ao contrário, simplesmente me
olhou, moveu a poltrona na qual estava sentado em direção a uma prateleira semivazia,
apanhou dois livros e os entregou-me dizendo: “leia estes livros, nessa ordem, não que a
ordem importe, mas é interessante que seja assim. Se achares estes interessantes te
7Há cinco meses haviam iniciado as aulas. Cursávamos as disciplinas: Educação em Ciências e Matemática, discutia-se os paradigmas epistemológicos de Thomas Kuhn, Popper e o anarquismos epistemológico de Paul Feyerabend e Educação Ambiental. Essa se aproximava pouco mais do que eu podia entender na época.
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passo um terceiro. Depois, se tu quiseres, podemos conversar um pouco mais sobre esse
seu assunto, que julgo importantíssimo”.
Os dois primeiros livros eram Etnomatemática: Elo entre as tradições e a
modernidade (D’AMBROSIO, 2005) e Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1992).
Nessa ordem, iniciei a leitura e não tinha vontade de parar. Logo na introdução da
primeira leitura, entre outros conceitos, o autor define etnomatemática, como um
programa embebido de ética, focalizada na recuperação da dignidade cultural do ser
humano, violentada pela exclusão social, estabelecida pela sociedade dominante,
inclusive e, principalmente, pelo sistema escolar (D’AMBROSIO, 2005, p. 9).
A definição de etnomatemática, explicitada por D’Ambrosio me causou
estranhamento e inquietação, posto que tal conceito ia de encontro às minhas crenças
em relação aos valores da escola. Igualmente estranhei, quando o autor define trinômio
do segundo grau, entre outros. Aquelas proposições de leitura me incomodaram
profundamente. Soaram para mim como discriminação, era como roubar do pobre o
direito de ter acesso ao mesmo conhecimento que os ricos têm; de ter acesso aos
mesmos conteúdos que as pessoas bem sucedidas tinham. Era como se a proposição
dele fosse de desconstruir, destruir, argumentativamente, o que tinha construído durante
toda minha vida. Aquela sensação só passou depois que estive na UNESP de Rio Claro,
São Paulo, por ocasião de um curso, em que me encontrei com Ubiratan D’Ambrosio.
Ao Conversar com ele sobre o mal estar que me causara aquela leitura. Apontei
alguns pontos e citei alguns exemplos que me incomodaram. Ele, evidentemente, ouviu
minhas reclamações ingênuas e, cuidadosamente foi explicando ponto a ponto, ideia a
ideia, experiência a experiência. Contextualizou o tal trinômio do segundo grau que me
causou tanta indignação, com uma clareza tão elucidativa que pareceu a coisa mais
simples do mundo.
O fato é que em mais ou menos quarenta minutos ele me convenceu. Esta é a
palavra representativa dos meus enganos que, logo entendi terem suas bases fundadas
na falta de formação docente permeada por princípios filosóficos e epistemológicos, e
que essa carência formativa vinha gerando graves consequências práticas na minha vida
profissional.
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Quanto ao segundo livro, já convencida das minhas “carências teóricas”, – tanto
específicas quanto didático-pedagógicas, também por tratar-se de uma leitura voltada
para as questões que tanto me desequilibrou na primeira leitura - os oprimidos, os
diferentes, os analfabetos, os sem competência - quando o li já estava mais accessível às
mudanças, principalmente pela diferença estabelecida entre o professor e o educador
matemático, que se distinguiam pela forma como um e outro apresentavam,
pedagogicamente, a matemática aos alunos. Enfim, o envolvimento com as ideias
explicitadas por Freire propiciou-me prazer, mas tocaram em “feridas” que eu não sabia
que as possuía. Tal leitura representou para mim um “parto doloroso”, de “libertação” e
“compreensão da contradição”, a divisória entre práticas libertadoras e opressoras.
Sobre a terceira obra, trata-se de Cartografias do Trabalho Docente: professor(a)
pesquisador(a), organizada por Geraldi (1998). É uma coletânea de artigos de diversos
autores, entre eles, Reflexões sobre uma prática docente situada: Buscando novas
perspectivas para a formação de professores, produção teórica dos professores Tadeu
Oliver Gonçalves e Terezinha Valin Gonçalves (1998), ambos docentes da UFPA.
Esses autores, fundamentados em Shulmam (1993), apresentam três categorias
de conhecimentos e três formas de sua representação ao ensinar. Concluem dizendo que
sintonizar a teoria à prática, junto com a pesquisa e a formação contínua, é o grande
desafio da formação de professores. Desafio este que ainda se configura como lacuna na
nossa formação de professores.
Ao ler o referido artigo e os demais da coletânea, lembro-me o questionamento
que me fiz: Como é que eu nunca ouvi falar dessas coisas? E como é que eu nunca ouvi
falar dessas pessoas8 que sabem o que se passa na minha realidade educacional, a ponto
de apontarem possíveis alternativas para a formação e trabalho docente da minha
realidade? A sensação era de contentamento, desolamento e estranheza, eu não
pertencia àquele mundo, mas me enxergava nele.
Atualmente me vejo, por vezes, ao lado dessas pessoas e de tantas outras de
mesmo nível e experiência, manifestando, pessoalmente, contribuições relevantes,
inclusive a essa pesquisa; outros/outras professorando, orientando, coordenando,
inclusive esse Programa de Doutorado, como é o caso da professora Terezinha Valin
8Ao todo, a obra consta de 11 artigos e 16 autores.
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Gonçalves. Eis a palavra escrita no passado que se realiza no tempo presente, diria
Chauí (1992, p. 64), fenomenologicamente. O futuro é o passado em preparação, disse
Pierre Dac (1893 -1975, s/p.), narrativamente.
Não vou resenhar a obra Cartografia do Trabalho Docente, nem muitas outras
que tive acesso a partir dela, mas afirmo ser esta coletânea importante para a formação
de professores em qualquer fase de sua formação, inicial ou contínua, ainda nos dias
atuais9; pelas reflexões, advertências e, principalmente, por desvelar o lugar comum de
apregoar que as mazelas do ensino são apenas resultado da incompetência dos docentes.
Esse livro se contrapõe a essas supostas verdades, com estudos que refletem e buscam
compreender a formação e o trabalho docente sob a ótica de outras perspectivas, a de
que somos, de modo geral, quando nos tornamos professores – o que vivenciamos
enquanto nos formamos. A coletânea aponta os formadores de professores e a
ineficiência das políticas públicas, como co-responsáveis pelas distorcidas e ineficazes
práticas docentes, ainda não superadas, nesse país.
A mim, coube refletir sobre a problemática apontada, que me causou impacto,
inquietação e grande alívio, porque encontrei naquelas leituras as primeiras indicações
de alguns co-responsáveis pelas mazelas relativas às questões que me afligiam/afligem
em relação ao ensino de matemática e aprendizagem dessa ciência pelos estudantes.
Compreendi que o conhecimento científico e a interpretação do contexto com nossos
pares, a partir de estudos teóricos e reflexão sobre a prática, são os pilares básicos para a
formação docente necessária, uma vez que esses espaços de formação possibilitam aos
futuros professores e ao professores veteranos, reflexão sobre os saberes necessários
para atuação profissional.
Equivalentes a estas indicações, outras leituras significativas foram realizadas
nesse período, cito estas porque foram elas as primeiras a me impactarem. Umas
provocando angústia, Vida e morte do(a) educador(a)10 que havia dentro de mim.
Outras, de maneira quase imperceptível a princípio, germinando novos olhares,
9Em 30 de abril de 2014, Dario Fiorentini, autor de um artigo da referida coletânea, proferiu palestra em rede nacional pela web, a convite alunos de pós graduação da UESC e IAT, organizadores do Projeto de Extensão, e ministrantes do curso “Perspectivas para a Formação de Professores”, de acesso era livre via web.Cf. https://plus.google.com/hangouts/onair/watch?hid=AP36tYe1Ow2nNKPCE. 10O Educador: Vida e Morte (BRANDÃO, 1992). É interessante visitar essa obra de 22 anos atrás, é se educando, se transformando e formando para a cidadania, que o velho educador, morre! Do contrário, ele continua só alienando, quando não matando.
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instigando em mim o ato de refletir sobre minhas ações, desencadeadas nas práticas
educativas que desenvolvia/desenvolvo. Outras ainda, enfocando dúvidas... A “certeza
da dúvida”...
Muitas dúvidas permaneceram/permanecem, como permaneceram/permanecem
a curiosidade, a inquietude, a necessidade da busca, das quais adveio/advém a essência
desse trabalho, dentro das limitações próprias.
Concomitantemente a essas leituras ocorriam as discussões em que eu me
envolvia com os pares de mestrado e com estudantes de outras áreas (pedagogia, letras,
filosofia, psicologia, fenomenologia, etc.) no grupo de estudos e pesquisa – NUPEC11.
Do mesmo modo que as leituras anteriormente citadas, estas provocavam em mim
instabilidades, especialmente as experiências que vivenciei com a área de humanas que,
nas discussões a partir de textos que íamos lendo, instigavam-me a olhar o mundo à
minha volta buscando ligações, (re)ligações entre o saber acadêmico e a realidade
cotidiana.
Sobretudo compreender que não há um caminho, uma fórmula mágica para se
conduzir o ensino, seja qual for a natureza do conhecimento em questão; compreender
que todo formador/professor precisa questionar-se, interrogar-se sobre o trabalho que
realiza, conhecer melhor o que foi formativo em sua própria história de vida e de
formação, para conduzir a formação de outros (MINAYO, 2000).
Contudo, ainda seduzida pelo ensino com materiais concretos, proposto nas
leituras em que me envolvi no final da graduação, empreendi minha dissertação de
mestrado: A expressão da Compreensão de Alunos com Dificuldades de Aprendizagem
em Matemática ao Trabalhar com o Material Cuisenaire12 (LEITE, 2009).
No percurso de composição da pesquisa referenciada, me envolvi, ainda, com
abordagens de ensino, visão de mundo e de conhecimentos diversos. Entre esses, as
11NUPEC - Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências (Universidade Federal de Goiás-Goiânia) que, entre outros objetivos, se propõe: Estabelecer vínculos duradouros entre a Universidade e as escolas do Ensino Fundamental e Médio; Estudar e discutir, em conjunto, conceitos científicos presentes em temas de relevância social com o intuito de promover um ensino de ciências contextualizado; Aproximar o professor do Ensino Básico dos conhecimentos produzidos pela pesquisa em Educação em Ciências; Apoiar os professores do Ensino Básico nas suas atividades pedagógicas; Produzir pesquisas conjuntas em educação a partir da problematização da profissão docente. http://nupec.quimica.ufg.br. 12Material concreto estruturado, elaborado para fins de realizar atividades matemáticas, sobre as quatro operações fundamentais (MÀRQUEZ, 1964, p. 29).
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proposições da Educação Matemática (história da matemática, análise de erro e escrita
no ensino da matemática, etnomatemática, modelagem matemática, resolução de
problemas, jogos, etc.) 13.
Tais proposições apontam para o ensino que inclui, respeita a diversidade
cultural, valoriza o diálogo e assegura direitos sociais plenos, como o direito à
expressão, à valorização do que pensam e sabem os alunos, colhe e acolhe talentos
(FIORENTINI E CRISTOVÃO, 2006); para a formação de seres humanos capazes de
inventar e (re)inventar estratégias, apreender conhecimentos que foram e vêm sendo
elaborados e sistematizados historicamente pelo homem, para compreender a realidade
em que se situa e nela atuar de forma crítica, científica, emancipadora, por isso mesmo
politicamente transformadora (D’AMBROSIO, 2005); para a formação do professor
numa visão complexa14, em que as estratégias utilizadas em suas ações se manifestam
nas situações aleatórias que se tornam intencionais, ação aberta, evolutiva, propiciadora
de aprendizagens; enfrentam o imprevisto, ensinam a aprender com erros, exigindo
competência, iniciativa, decisão e reflexão.
Parafraseando os dizeres de Morin (2000, p. 32), os métodos utilizados na ação
explicitada se constituem em atividade pensante do sujeito vivo, não abstrato. Um
sujeito capaz de aprender, inventar e criar sobre e durante o seu caminho um modo
único de agir e valorizar suas experiências.
Ao investir esforços em descrever esse preâmbulo de minha trajetória de
formação docente, percebi que os conhecimentos adquiridos nessa trajetória não
advieram de atitudes espontâneas, mas de determinação, esforço físico, intelectual,
emocional, financeiro e apoio incondicional de minha família. Condições básicas que
muitas vezes, por razões diversas, faltam à maioria dos professores desse país. Além
disso, vale ressaltar que a maioria dos professores de nosso país, advém de modelos de
formação domesticador, acrítico, antireflexivo, de caráter absolutista, talvez porque
assim os professores formadores foram formados.
13Dessas abordagens de ensino em Educação Matemática emergiu o meu primeiro projeto de pesquisa, que foi um projeto elaborado para fundar um grupo de estudo na minha IES. 14Do modo como expõe Morin (2000, p. 56): complexus: o que é tecido junto.
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Contudo, apesar de nossa formação ser desenvolvida no âmbito de práticas
formativas racionalistas positivistas, nos moldes do pensamento cartesiano, validado e
praticado, principalmente a partir do século XIX, é possível inventar e reinventar outros
modos de lidar com o fazer educativo institucional, mas não há possibilidade de essa
transformação ocorrer de forma espontânea ou sem profundo entendimento do
conhecimento específico e de suas bases filosóficas e epistemológicas (FIORENTINI E
CRISTOVÃO, 2006; D’AMBROSIO, 2005; DELIZOICOV, ANGOTTI,
PERNAMBUCO, 2002).
Diante dessas proposições, a formação de futuros professores de matemática,
evidenciada pelas pesquisas mais atentas às questões atinentes à educação e ao ensino
para o tempo hodierno, apontam para a necessária superação do distanciamento entre
conhecimento/ciência/educação, formação/teoria/prática, pensamento/reflexão/ação, o
que implica, segundo estudos, projetar formação docente não mais baseada na
racionalidade técnica, em que professores e alunos são considerados meros executores
de decisões alheias (DELIZOICOV, ANGOTTI, PERNANBUCO, 2002, p. 13).
Na acepção colocada, a transformação da prática docente do professor, decorre
da ampliação de fundamentos teóricos específicos, didático-pedagógico e análise crítica
sobre a prática desenvolvida. Assim, as transformações das práticas docentes se
efetivarão se o professor colocar-se como protagonista de sua prática, o que implica
ampliar sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula e a de escola como
um todo, o que pressupõe ampliar os conhecimentos teóricos os analisando
criticamente, sobre o conhecimento científico e sobre a realidade em que professores e
alunos desenvolvem suas experiências (DELIZOICOV, ANGOTTI, PERNAMBUCO,
2002, p. 24).
A fim de mapear os múltiplos sentidos e significados que propiciou a nova/outra
visão que me apropriei sobre o ensino e aprendizagem da matemática, propiciada a
partir reflexões indicativas de que o ato de fazer pesquisa não é neutro, exige que o
pesquisador seja um sujeito indagador, inquieto e inquiridor, o que no meu
entendimento, é também formador e aponta para uma formação crítica, do sujeito que se
vê, se questiona e questiona aos outros em sua própria itinerância de formação, ao modo
de síntese das memórias e reflexões expressas, elaborei o esquema apresentado na
figura abaixo:
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Fonte: Figura elaborada pela pesquisadora
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EXPLICITANDO OS NEXOS QUE POSSIBILITARAM A INVESTIGAÇÃO: o encontro da pesquisadora com o objeto de pesquisa
No ato de caminhar, sou um aprendiz. Aprendo e ensino, ensino e aprendo! Dos pés em marcha é que vem a luz;
Com mãos solidárias é que se abrem veredas. O coração ferido é fonte de esperança;
A alma que sofre abre asas e voa; O fundo do poço é o começo da subida.
Estou a caminho, sempre a caminho!
Gonçalves
Em função da concepção de ensino e de aprendizagem em que me vi imersa
após o percurso anteriormente dissertado, e os questionamentos que fazia a mim
mesma, de volta às minhas atividades profissionais, por vezes, me senti meio deslocada.
Sem saber como utilizar os conhecimentos elaborados, percebi que havia expectativa de
meus pares (professores e alunos), a respeito do que eu tinha aprendido. Mas a minha
sensação era de um ambiente escorregadio, tanto que preferia apoiar-me mais nos
consensos que nos dissensos. Cautelosa, fui me aproximando das discussões e tomando
conhecimento da situação em que se encontrava o curso de licenciatura em matemática.
Esvaziado. Muitos alunos se evadiram, outros haviam migrado para outros cursos.
Em conversas informais com os colegas professores do curso, estes me foram
relatando que nos dois anos anteriores15, das seleções/vestibulares que tinham sido
realizadas, os poucos candidatos aprovados esperavam outra seleção para formar nova
turma. A realidade posta não parecia causar estranheza nem ser motivo de preocupação
por parte desses professores. Suas falas não indicavam qualquer preocupação com a
existência de uma inexplicável e preocupante contradição: i) o curso de licenciatura em
matemática esvaziado e as Escolas de Ensino Fundamental e Ensino Médio, onde eu e
eles - professores de matemática - trabalhávamos/trabalhamos, enfrentando dificuldades
para compor o quadro de professor de matemática, em função do déficit de docentes na
área.
Ao reproduzir aquela paisagem desoladora em minha mente, ficava pensando: O
que está acontecendo com o curso de licenciatura em matemática? Em que bases 15Anos de 2007-2009, quando estive afastava para o mestrado.
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teórico-metodológicas e epistemológicas estão sendo elaborados os testes de
vestibulares para selecionar os futuros licenciandos? Quais as expectativas e atitudes
dos professores em relação à continuação do curso? E o ensino de matemática, como
está sendo desenvolvido? O que têm a dizer os professores formadores de professores e
licenciandos sobre formação docente que se desenvolvem nesse curso?
Na expectativa de que manifestassem indicadores sobre o que estavam
aprendendo na formação em curso e as práticas desenvolvidas no contexto da formação
que ali se desenvolvia tentei me aproximar de alguns alunos. Por longas horas, fossem
antes de iniciar ou ao findar as aulas, ficávamos conversando ao redor de uma mesa
redonda localizada no pátio externo da IES. Porém, sobre o curso, a grande preocupação
deles era apenas em relação às notas e disciplinas que estavam “devendo”.
Em especial, citavam disciplinas de matemática (cálculo) e física, que estavam
entre as suas maiores preocupações. Mas não se manifestavam em relação aos
conteúdos, sobre a importância deles, com relação aos professores diante do ensino que
desenvolviam; suas aprendizagens, experiências, expectativas em relação à profissão
docente. Era como se houvesse um contrato didático fundado sob um prisma do
silêncio. Sentiam-se orgulhosos por serem alunos daquele curso, posto que, ao vê deles,
“não é fácil ser aluno de universidade pública”, diziam, automaticamente16.
Por seu caráter implícito, aquele contexto mostrou-se para mim como se
houvesse algo a ser dito, mas, ao mesmo tempo, como se nada devesse ser manifestado.
As revelações explicitadas, outras tantas silenciadas naquele segundo semestre17 me
levaram a refletir, e a interrogar sobre o seguinte:
i) Quais sentidos e significados os professores e licenciandos da
licenciatura em matemática atribuíam ao ensino e a aprendizagem que
desenvolviam;
ii) As percepções que tinham em relação ao saber fazer docente deles e dos
licenciandos;
16 O que para mim não era/não é novidade, visto que até então, a universidade pública avançou muito em relação à questão da inserção das classes menos favorecida financeiramente, que é o caso dos alunos que optam pela licenciatura, mas ainda não deu conta de absorver a demanda de alunos que a procuram em seus processos de seleção. 17 Segundo semestre de 2010.
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iii) Principais preocupações em relação aos desafios em termos de atuação
deles e dos licenciandos (futuros professores) em suas práticas docentes e
própria permanência do curso.
iv) Havia consciência sobre essas questões? Ou tudo estava ocorrendo,
acontecendo ao modo do conhecimento implícito18? Diante da minha
curiosidade, interesse, no silêncio de quem se cala para não correr riscos,
eu transitava entre ler a realidade e a expectativa de um devir.
Em meio a essas reflexões percebi então, que diante do “novo olhar” em relação
à formação de professores da qual tinha me apropriado, precisava aprofundar
conhecimento e buscar elucidar/compreender os questionamentos que me fazia;
envolver-me com o curso de licenciatura em matemática, com os professores que nela
atuavam/atuam e com os futuros professores que ali estavam se formando. Persegui esse
itinerário e, cautelosamente, receei intervir abruptamente, e ao invés de gerar
aproximações às minhas crenças e concepções, provocar aversão, distanciamento.
Contudo, fui percebendo certa curiosidade de ambos, sempre que eu apontava a
Educação Matemática como uma abordagem de ensino da matemática diferenciada; um
movimento que, em essência, compartilha referenciais teóricos que têm como propósito
orientar professores a melhorarem a qualidade das suas práticas e, por extensão do
ensino, para que haja aprendizagem em matemática, por considerar essa ciência como
criação humana estratégica, desenvolvida no interior de contextos naturais, o que não a
impediu de torná-la epistemologicamente científica.
Na direção colocada, cito, por exemplo, um evento local, denominado SEMANA
DAS LICENCIATURAS: discutindo a formação docente no seu espaço de formação.
Nesse evento, encerrei uma fala que a mim foi concedida, dizendo: A Educação
Matemática é uma abordagem que aponta para uma formação docente em matemática
numa visão de acolhimento, de olhar os fenômenos físicos, psíquicos e sociais por
múltiplos ângulos, nos quais aspectos filosóficos e epistemológicos fundamentam as
tramas metodológicas das práticas pedagógicas, e os conceitos científicos visam
18Segundo Moraes (2000, p. 161), os conhecimentos implícitos correspondem a conjuntos de conceitos e relações entre conceitos; mas diferentemente das teorias científicas, que são constituídas essencialmente por elementos cognitivos, as teorias implícitas constituem redes de elementos conceituais, sensoriais e afetivos, resultantes de abstrações primárias das vivências das pessoas em sua interação com o meio e com os outros sujeitos.
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formação docente que ultrapassem os limitem do raciocínio unifocal, em busca de
raciocínio complexo-multifocal, implicando, a meu vê, estimular o “eu” do outro
(formando-licenciando) a pensar, refletir, agir e reagir na perspectiva de desenvolver o
exercício de se colocar no lugar do outro (alunos) como ser em construção (LEITE,
2009; BICUDO, 2006; D’AMBROSÍO, 2005).
Decorreram dessa minha fala muitos comentários positivos, outros nem tanto,
mas o fato é que ela gerou curiosidades, de alunos e também de colegas professores,
solicitando maiores esclarecimentos sobre o que havia dito. Entre os ditos e não ditos
sobre o assunto, o fato é que, naquele momento eu já anunciava aos meus pares (os
professores) e estudantes da licenciatura, a elaboração de um projeto19 de estudo a ser
desenvolvido por todos nós. O projeto se constituía na proposição de desenvolver
atividades de extensão, intentando promover discussões sobre conteúdos matemáticos
embasadas em textos20 que destacam práticas de ensino e aprendizagem no âmbito das
Tendências pedagógicas de Ensino de Matemática21.
Nessa perspectiva, os encontros22 se propunham a levantar questionamentos que
nos levassem a refletir sobre as questões citadas anteriormente em relação ao curso,
incluso, nossas próprias práticas; pretendia nesse espaço de formação, promover
reflexões buscando aproximar, ou seja, sintonizar a teoria à prática, junto com a
pesquisa e a formação contínua, como apontam Gonçalves e Gonçalves, (1998, p.56).
Considerei também, no alcance das proposições de Fiorentini e Cristovão, (2006, p.
135), que a relação teoria-prática, quer seja ela ou não estabelecida com abordagens de
ensino diferenciadas, quando permeadas por leituras teóricas, individuais ou coletivas
e que permitam ao professor refletir sobre a própria prática pedagógica, são tão
formativas quanto os cursos que fazemos desde o início de nossa carreira de professor.
19O referido projeto configurava-se com grupo de estudos/ensino, pesquisa e extensão. O público a quem se destinaria era professores de matemática da Educação Básica e alunos da licenciatura em matemática. Sua finalidade era/é propiciar formação continuada a partir de estudos e reflexões sobre temas emergidos de inquietações dos componentes do grupo. 20Entre os textos que vinha selecionando para iniciar as discussões, cito: SMOLE, K. C. S.; DINIZ, M. I. Comunicando em Matemática: instrumento de ensino e aprendizagem, 2001. POWEL, A. B. Captando, Examinando e Reagindo ao pensamento Matemático. Boletim GEPEM. n. 39, set. 2001. A partir desses dois textos, esperava-se que o grupo pudesse sugerir as leituras seguintes, porque a estratégia era levá-los a pesquisar. 21História da matemática, análise de erro e escrita no ensino da matemática, etnomatemática, modelagem matemática, resolução de problemas, jogos lúdicos. 22 Os encontros seriam doze a serem realizados em um semestre.
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Nas proposições anunciadas, o referido projeto não chegou a ser desenvolvido,
mas nesse ensejo e com esse projeto me envolvi a seleção do Doutorado e, ao apresentá-
lo à minha orientadora, no primeiro encontro de orientação, o consideramos frágil, nas
seguintes proposições: Qual a possibilidade que eu teria de reunir os professores e
licenciandos juntos, por um período suficiente para levantar dados empíricos, a partir de
leituras e discussões de textos? O que me levava a acreditar que estando juntos,
professores formadores e licenciandos, e sabendo eles da finalidade dos encontros, iam
se sentir à vontade para expressarem manifestações que apontassem para o que eu
buscava compreender?
Diante dos questionamentos, ao modo de uma retrospecção dos passos trilhados,
percebi que, reiteradamente, no decorrer de toda minha trajetória profissional vinha
sendo meu constante exercício, questionar e me questionar sobre as dificuldades dos
alunos em aprender matemática. Contudo, o que vinha me inquietando aproximava-me
de outra visão, a de que os professores também têm dificuldades de ensinar esse saber,
implicando pressupor que há dificuldades, também, em formar professores para ensinar
esse componente curricular.
Mediante estas e outras reflexões, me dei conta de que tinha assumido outro
olhar, que se deslocara das dificuldades de aprendizagens dos alunos para o lugar que
me vejo atualmente, uma professora profundamente interessada em compreender para
intervir positivamente na formação de profissionais para atuar na sala de aula, uma vez
que as dificuldades dos alunos em aprender matemática podem advir, em grande
mediada, das dificuldades dos professores em ensinar esse saber. E estas, das
dificuldades dos formadores de professores em prepará-los para intervir positivamente,
frente ao desafio que perdura - ensinar matemática de modo que os alunos aprendam -
independentemente das diferenças sociais e culturais que possuam. É desse lugar
também, que vinha/venho constantemente me interrogando: Quem se quer e precisa
formar? Para que fins? Com quais compromissos sociais? Sob que qualidade de ensino
se falava?
Diante desse consenso, em que excluo o curso de formação de professores como
intervenção planejada a priori, e advindo desta o material empírico que seria utilizado
na composição de minha tese, mas mantenho o objeto de investigação, me dei conta de
que a escolha de um objeto de pesquisa qualitativa não é independente da pessoa que o
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escolhe. Antes, este é um processo de imbricação que traz consigo crenças pré-
concebidas, processos de desconstruções, construções e rupturas pelas quais passa o
pesquisador do início ao final do seu processo de investigação (MORES; GALIAZZI,
2006).
No alcance dessa outra perspectiva, norteia a presente pesquisa com a seguinte
questão: Quais sentidos e significados se expressam nas manifestações de
professores formadores e licenciandos, em relação às suas percepções experiências
de formação docente inicial em matemática?
Com esse questionamento aspiro situar-me em uma teia de relações expressivas
e interativas, que me propiciem perfazer essa trajetória investigativa com lucidez e
alteridade23, na perspectiva de uma visão heurística24, assentada na humildade, que
busca com o interrogado, não somente apreendê-lo de forma estrita ou abrangente, mas
também pensar, refletir e propor alternativas para corrigir ou atenuar possíveis
distorções, equívocos, que possam emergir da realidade existente (ARAGÃO, 2013,
Notas de Orientação).
Nessa perspectiva, a teia de relações expressivas a que me refiro é intencional e
essa intencionalidade diz respeito ao seguinte:
À intenção significativa em mim, como também no ouvinte que a encontra ao me escutar ou dizer, mesmo que deva em seguida frutificar-se em pensamentos, no momento presente é apenas um vazio determinado a ser preenchido pelas palavras – quero dizer sobre aquilo que é ou será dito pelo sujeito que diz de si, do que faz, do que pensa, do que quer, do que não quer, enfim, da palavra expressa pela linguagem daquele que diz de si, do que faz, do seu projetar-se (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 134).
Sobre sentidos e significados, vale lembrar que eles sempre se expressam pela
percepção e, na perspectiva colocada no questionamento, o foco se direciona para a
linguagem, que é uma das formas de expressão humana de produzir sentido. A
linguagem é o modo pelo qual o sujeito falante adquire e expressa sentido sobre aquilo
que percebe. A fala ou a enunciação é o modo de expressão, manifestada pela reflexão
sobre experiências vivenciadas (ARAGÃO, 2005). Desta maneira, refletindo sobre
experiências vivenciadas, se busca o sentido do que nos acontece. Nas palavras de
23Concepção que parte do pressuposto de que todo homem social interage e interdepende do outro (HOUAISS, 2009, p. 87). 24Arte de inventar, descobrir. Ciência que tem como objeto fazer descoberta (HOUAISS, 2009, p. 387).
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Merleau-Ponty (2006, p. 346). o pensamento mediado pela reflexão não é exterior à
expressão falada, tampouco existe antes que ela se concretize, sejam em palavras,
gestos ou sons. É a expressão do sentido que gera o significado para nós
Os significados são, pois, produções históricas e sociais do sujeito humano. São
eles que permitem a comunicação, entendida como socialização das experiências.
Nesses termos, o sentido remete ao geral, às ideias coletivas. É um todo complexo,
fluído e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é
apenas uma das zonas de sentido, a mais estável e precisa possível (AGUIAR, 2006, p.
12), que gera a singularidade do sujeito, historicamente constituída (ARAGÃO, 2015,
Notas de Orientação).
Nesses termos, no caso dessa pesquisa, o sentido se direciona para o que é
fundamental do fenômeno, à sua essência, que é sempre complexa, fluída, importante,
porque a busca só tem significado para quem nela encontra sentido. Portanto,
corroborando com a reflexão de Heidegger (2005, p. 233. Grifo do autor), a busca de
sentido é um caminho sempre intencional. Nós é que buscamos o sentido naquilo que é
buscado, inquirido, intencionado, cabe-nos refletir sobre os aspectos da intenção e
encontrar no intencionado o significado do que se busca.
Nos termos colocados pelos autores, o significado está diretamente relacionado à
percepção, com o que faz sentido para o sujeito que busca. Cabe refletir e compreender
o significado do que é revelado pela percepção daquele que usa a expressão por
intermédio da linguagem, para dizer o que percebe (HEIDEGGER, 2005, p. 165).
Nessa prospecção, a fala é a expressão da percepção, o sentido está enraizado na fala,
e a fala torna-se existência exterior do sentido que se expressa por meio dos
significados expressos pela compreensão de mundo, sempre na relação com o outro
(MERLEAU-PONTY, 2006, p. 200-247). Para este autor, compreender é experimentar
o acordo entre aquilo que acreditamos ter valor (sentido) e aquilo que é dado
(significado), entre a intenção, que são as ideias (sentido) e a efetivação, que são as
possibilidades (significado).
Essa possibilidade de reconstrução de significados e a crença no homem como
ser que é parte da história e nela se faz quando constrói sua historicidade, interagindo e
agindo com seus pares, situado contextualmente, tentando compreendê-lo para
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transformá-lo e ser transformado com ele, é que me faz acreditar que é possível partir
dos sentidos e significados expressos nas manifestações de professores formadores e
licenciandos, para buscar compreender e interpretar as suas manifestações, que se
expressa pela fala ao narrarem percepções das experiências de formação docente inicial
em matemática.
Buscando esclarecer a questão colocada, evidencio algumas perspectivas, no
sentido de analisar e interpretar para compreender manifestações das percepções
expressas pelos sujeitos, sobre suas práticas de formação docentes e discentes
vivenciadas no curso de licenciatura em matemática, a saber:
É intenção saber, entre formadores e licenciandos, o que pensam, o que
fazem e porque fazem o que fazem, e como percebem suas ações formativas no
contexto de suas práticas cotidianas do curso de formação inicial que
desenvolvem.
A clareza que se expressa em tais intenções de pesquisa confluem para
ideias/palavras/manifestações reveladoras de crenças, atitudes, valores, interesse,
sentimentos, compromissos, posicionamentos, expectativas, preocupações e
aspirações25, implicando confluência para as percepções das ações vivenciadas pelos
sujeitos da experiência, no âmbito da formação inicial docente que desenvolvem.
As crenças, atitudes e valores aos quais se faz referência nesse trabalho, dizem
respeito ao que os sujeitos da experiência pensam, porque e para que pensam o que
pensam, o que conflui para os dizeres de Gómez e Chacón (2003, p. 62), quando dizem
o seguinte: As crenças, atitudes e valores são as “verdades” pessoais incontestáveis
que cada um tem, derivadas da experiência, que têm um forte componente afetivo e
avaliativo intrínsecos aos seus modo de pensar. Em relação aos mesmos termos Vila e
Callejo (2006, p. 48-49) sintetizam dizendo o seguinte:
As crenças são um tipo de conhecimento subjetivo referente a um conteúdo específico sobre o qual versam, têm um forte componente cognitivo que predomina sobre o afetivo e estão ligadas a situações. Embora tenham um
25Crenças e valores e atitudes, “as pessoas e a sociedade são movidas em função de suas Crenças, Atitudes e Valores, concebidos, subliminarmente ou não, no dia-a-dia através de ações e processos educacionais em diversos campos de atuação, até mesmo em programas e propagandas de TV, nos quais sempre se ressaltam a importância destes conceitos e os efeitos que possam causar nas atividades desenvolvidas individual ou grupalmente (C.f: ROKEACH, Milton. Crenças, atitudes e valores. Rio de Janeiro: Editora Interciência,1981).
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alto grau de estabilidade, pode evoluir graças ao confronto com experiências que podem desestabilizá-las: as crenças vão sendo constituídas e transformadas ao longo de toda vida.
Nesse sentido, as crenças se revertem em valores e dão suporte à identidade dos
sujeitos da experiência. Desta maneira, o sentimento acerca de quem somos e do que
fazemos, nosso senso de identidade organiza nossas crenças, capacidades e
comportamentos em sistema múltiplo, associados a diversos valores e crenças
essenciais. Estes, por sua vez, se apoiam e se sustentam em habilidades e capacidades
historicamente constituídas por serem necessárias para manifestar
determinados valores e crenças nos contextos em que se atua.
Nos grupos, organizações e sistemas sociais, os valores e as crenças
assumidos formam um tipo de moldura imaterial que contorna toda a interação das
pessoas em torno do trabalho que desenvolvem (BOLÍVAR, 2002). Os valores e
as crenças, e por conseqüência as atitudes a eles relacionados determinam a maneira
como as ações dos sujeitos se interrelacionam. Nesse amalgamar de comunicações e
inter-relações, as ações são interpretadas e a elas atribuem-se sentido e significado.
Desta maneira, os valores e as crenças compartilhados, unem e mantém as experiências
em torno de objetivos comuns em uma dada realidade.
Ao apropriar-se da realidade, domesticando-a, o ser humano aprende. Por isso,
em toda experiência existe um quociente forte de sofrimento e luta. Nesse sentido, a
experiência resulta do encontro com o mundo, num vai-e-vem incessante, encontro que
permite construir e também destruir representações e ideias diferentes acerca da
realidade.
O conhecimento emerge daí, da abertura, despojamento e engajamento de ideias
feitas e em construção permanente. Então, fechar-se à experiência é negar o
questionamento, à chance de enriquecimento e revela atitude dogmática e
fundamentalista, portanto manifesta um saber que não sub-siste nem re-siste em contato
com a realidade experimentada.
No âmbito de tais ideias há questões a serem colocadas, por exemplo: qual é a
compreensão que se expressa sobre a relação entre a formação docente inicial, a
qualidade dessa formação e a qualidade de ensino na educação Básica na realidade que
se busca conhecer? As práticas formativas atuais nas licenciaturas – relativas a
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formador, formandos e ações institucionais - vislumbram o paradigma da simples
integração ou da inclusão? As bases da formação docente que se desenvolvem
consideram a importância das teorias implícitas ou epistemologia da experiência26ou
ambas concebidas cientificamente?
Não é intenção responder essas questões, a título de questão de pesquisa, posto
que elas não o são. Contudo, as interações que se estabelecem em meio à diversidade de
conexões intersubjetivas, que permeiam e se interligam no processo de formação
docente inicial de licenciandos, indiscutivelmente remetem a tais questões. Qualquer
formação docente é suportada pelas ideologias dos sujeitos que a desenvolvem, por isso
deve ser considerada como processo dialógico permeado e consubstanciado por
aspectos versados em atos individuais e coletivos. Individual porque é a ação do sujeito
que se interessa, conhece, apreende e tem a intenção de tudo isso o fazer. Social porque
está mediado e muitas vezes limitado por condições consubstanciadas pelo entorno
social destes sujeitos (GALIAZZI, 2000, p. 149 - 151).
Nesse sentido, a formação inicial de professores de matemática em uma visão
individual e social (coletiva), que se queira epistemologicamente científica (não
enclausurada sob a égide de uma epistemologia científica academista), pautada na
epistemologia da experiência, que vise a compreensão da prática pedagógica, amparada
por reflexões teórica e prática sobre o contexto dessa experiência (por isso científica),
impõe ao formador colocar-se a par das demandas atuais sobre integração (inserção) e
inclusão, o que implica e reivindica do formador e do licenciando pensar sobre o ensino
e os modos de tratá-lo e, logicamente, sobre a aprendizagem dos alunos das escolas
básica, que é o fim maior do ensino (DINIZ-PEREIRA, 2014).
Nesses termos, a diversidade teórico-metodológica e epistemológica que
configura o contexto formativo, e que em grande medida leva a responder os
questionamentos anteriormente colocados, posto que de algum modo está/deve está
subjacente, implícito ou explicitamente, nas manifestações dos sujeitos dessa pesquisa,
converge para o que Moraes (2000, p. 121) denomina unidade múltipla de ideias, que
são as crenças, valores, interesse, intenções, reflexões, sentimentos, posicionamentos,
expectativas, preocupações, aspirações e atitudes. Estes aspectos são considerados 26DINIZ-PEREIRA (2014, p. 56) esclarece que “epistemologia da experiência” diz respeito aos conhecimentos e saberes sobre a docência, produzidos por meio da experiência, reflexões individuais e/ou coletivas que são feitas sobre experiências, mas quando fundamentadas, são científicas.
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relevantes e abrangentes, uma vez que o modo como o professor/formador/formando
assumem tais unidades múltiplas de ideias, podem influenciar positivo ou
negativamente as suas ações no processo de formação desenvolvem.
Vale ressaltar que, a denominação unidades múltiplas de ideias assumida por
Moraes (2000, p. 121), Aragão (2011, p. 23) concebe como jogo de crenças, e conhecê-
las, segundo esta pesquisadora, implica uma forma de conhecimento que se centra em
um processo de auto-inserção na história do outro como uma forma de conhecer essa
história, essa experiência e, ao mesmo tempo, como uma maneira de dar voz ao outro
para ouvi-los e compreender suas posições. Em outros termos, as unidades múltiplas de
ideias ou jogo de crenças, identificadas por Moraes (2000) e Aragão (2011) é
identificado por Auarek, Nunes e Paula (2014, p. 123), como um processo que facilita a
aproximação do pesquisador às opiniões, ideias, experiências, prática e ações dos
sujeitos a partir das suas próprias percepções.
Deste modo, as unidades múltiplas de ideias, ou jogos de crenças, nos termos
defendidos pelos autores citados, tal como são assumidas nessa pesquisa – não são
objetivos em si mesmos, mas aspirações que se possa capturá-las a partir das
manifestações expressas pelos sujeitos da pesquisa. Nesse sentido, apontar os objetivos
diretivos colocados anteriormente, não implica dizer que se desconsiderem
manifestações outras, ou seja, outros vieses que possam vir a emergir nas manifestações
expressas pelos sujeitos e que possam contribuir com o alargamento da discussão, desde
que se apresentem significativos em relação ao fenômeno que ora investigo. Isso
implica dizer, que tanto dados empíricos quanto teorias têm a finalidade de contribuir
para a elucidação do fenômeno sob investigação e não determiná-lo aprioristicamente.
Tendo como base essa compreensão, busco com esta pesquisa, primordialmente,
aguçar processos de constante reflexão crítica, mediada e intermediada por
interlocuções teórico-epistemológicas científicas (ARAGÃO, 2013, notas de
orientação), que tratem do fenômeno ora em investigação - percepções sobre
experiências de formação inicial docente, expressas em manifestações de
professores e licenciandos de um curso de licenciatura em matemática -
constituindo-se nesses termos, meu objeto de investigação.
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Sobre manifestações expressas a partir de percepções de uma ou mais pessoas
em situações investigativas, Bicudo (2006) infere27 que a percepção é o processo pelo
qual as pessoas tomam conhecimento de si, dos outros e do mundo à sua volta. O que
significa compreender que aquilo que duas ou mais pessoas comunicam é determinado
pela percepção que elas têm de si mesmas e do ambiente que as rodeia. Nesse sentido,
as informações manifestadas por alguém expressam as percepções de cada um sobre o
contexto em que estão envolvidas, isto é, as suas experiências. Nessa perspectiva a
autora citada diz o seguinte:
O processo perceptivo e a expressão do percebido, expresso pela linguagem é uma ferramenta fundamental nos relacionamentos, pois aguça a interpretação de sentidos interiores e significados exteriores. Provoca reflexões críticas gerando nas pessoas a necessidade de reavaliarem suas próprias crenças, valores, atitudes e interesses, apoiando-se na justificativa, como mecanismo de preservação da qualidade de vida e da sua identidade humana, apontando o que fazem, para que fazem, e porque fazem o que fazem (BICUDO, 2006, p.57).
Considerando as premissas explicitadas sobre o fenômeno em investigação, as
crenças, valores, atitudes e interesses sobre o ensino e aprendizagem relativa à formação
docente inicial, sobretudo a interlocução com a diversidade teórica metodológica e
epistemológica necessárias para empreender e compreender o desenvolvimento
processual de fazer pesquisa no âmbito educacional, a tese a ser defendida mediante
interpretações e relações compreensivas entre teorizações diversas e o material empírico
construído pelas manifestações expressas pelos sujeitos dessa pesquisa, é a seguinte:
A formação docente inicial em matemática deve/precisa se alicerçar em
princípios científicos, epistemológicos e pedagógicos, que privilegiem o
conhecimento do conteúdo matemático, contextualizando-o e articulando-o
criticamente com uma visão de mundo dinâmico, histórico, diverso, incerto,
holístico28, tendo por base aspectos filosóficos e práticas metodológicas que
envolvam o estudante com sua aprendizagem e esta com o contexto, de modo que
aquele atribua sentido e significado às suas ações.
A tese anunciada se ampara e tem por base o conhecimento científico, sobretudo
matemático e os modos de tratá-lo, uma atividade humana como tantas outras, sob a
27Inferir no sentido de concluir algo, a partir do exame dos fatos e de raciocínio. 28Ao considerar-se o “Conhecimento multidimensional não se pretende dar todas as informações, antes, põe em foco o todo levando em consideração as partes e suas inter-relações” (MORIM, 2007, p. 177).
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consciência de que nenhum saber “cai do céu”, ele é construído e reconstruído
historicamente, a partir do contexto das experiências humanas, mediante interações e
esforços individuais e coletivos. Esses esforços e interações individuais e coletivas, de
desenvolvimento da matemática, levaram tempo, dedicação e sacrifício, incluindo
estudos, experimentos, rigor e convencimento pelo argumento crítico analítico desses
contextos. Diante desses aspectos, questiono: O ensino da matemática, leva em conta
esses aspectos? O professor de matemática é formado sob o prisma dessa visão de
construção de conhecimento matemático?
É bom lembrar que a base para esse entendimento de construção do
conhecimento científico, envolve visão de mundo dinâmico, histórico, diverso, incerto e
holístico, muitas vezes ausentes nos cursos de formação inicial docente. Eis o cerne da
epistemologia do professor de matemática, que é assentada no contexto da experiência e
a ela subjaz aspectos filosóficos e práticas metodológicas constituídas a partir de amplo
esforço de contextualizar as ações mesmas, como indivíduos e como sociedade para a
construção da cidadania (D’AMBROSIO, 1996, p. 9).
Em relação aos aspectos filosóficos, estes fundamentam ou deveriam
fundamentar tramas metodológicas, práticas e conceitos utilizados na formação
acadêmica docente inicial, posto que a ciência sem esse lastro, não pode operar
significativamente (BICUDO, 2005, p. 152). Quanto aos princípios científicos,
epistemológicos e pedagógicos ou ainda, aporte teórico metodológico científico, que
amparam a tese formulada, estes se expressam no modo de refletir sobre o
processo/percurso de aprendizagem inicial e contínua de professores, seja na pesquisa,
no grupo, na e para a sala de aula. Isso implica conceber que no campo formativo, a
teoria figura como referência; no campo metodológico como concepção de ensino e de
aprendizagem, em que cada professor constrói seu modelo, seu perfil próprio de ser
professor.
Perfil que não deve ser estático, antes dinâmico na medida do realizável, e a
prática pedagógica em constante formulação, reformulação, construção, desconstrução e
reconstrução, exequível. Nesse processo, o papel das teorias é o de iluminar e oferecer
instrumentos para análise e investigação das práxis. Nas palavras de Pimenta e Limas,
tal análise e investigação devem ser um processo de luta do professor que se assume
com protagonista de sua própria história de educador. Nas palavras das autoras, tal
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dinâmica processual precisam de sustentação que permitam questionar as práticas
institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias em
questionamento, uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da
realidade (2005/2006, p. 12).
Nessa mesma perspectiva seguem as proposições dessa pesquisa, implicando
atitude de construir, desconstruir e reconstruir, posto que qualquer conhecimento é
aproximado, isto é, provisório, nunca pronto e acabado (MINAYO, 2000, 2013). Essa
construção/desconstrução/reconstrução, assumida nesse trabalho como processo
contínuo, implica sair da zona de conforto, assumir a itinerância de busca que, para não
cair no engano da análise individual, o processo será suportado por fundamentação
teórica metodológica atinente ao objeto de pesquisa. Questão.
Nestes termos, o caminho a ser trilado abstém-se do pensamento verticalizado e
seletivo ao extremo, que em nada contribui com a pesquisa qualitativa, pois o foco
desse tipo de pensamento é resolver o problema o mais rápido possível sem preocupar-
se com o processo. Ao contrário, ser capaz de mudar é ser capaz de ser flexível. Nesse
sentido, o foco é o pensamento horizontal abrangente (lato) e agregador, que entre
outras coisas, evidencia-se pela criatividade, abstração e imaginação articulada, visando
o processo e não o produto. Este tipo de pensamento agregador funciona como um radar
que busca detectar a presença de novas ideias e possibilidades de intervenção para
solução ou atenuação de problemas, sem, no entanto, rotulá-los. Assim, uma teia de
relações em torno do objeto de investigação será construída, apoiadas em ideias
expressivas de orientação. Outras, ainda, expressas por teóricos que tratem de temas
diversos, mas que convergem e sustentam as interpretações do material empírico,
utilizados na constituição da pesquisa.
Quanto aos resultados, o foco será destacar aspectos significativos atribuídos à
formação inicial docente, manifestados por professores formadores e licenciandos de
um curso de Licenciatura em Matemática. Tal forma de articulação proposta implica,
então, fazer um complexo exercício de meta-análise, o qual, ainda que sejam múltiplas e
subjetivas as manifestações expressas pelos sujeitos da pesquisa. Mas, acredito que a
análise dos dados permitirá apontar aspectos relevantes em relação às práticas docentes
do profissional professor, que se preocupa, se interessa e se dedica ao trabalho de ensino
que realiza.
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SITUANDO A PESQUISA: explicitando o cenário de investigação e o aporte teórico-
metodológico assumidos
Lá onde há uma situação, há um horizonte suscetível
de se retrair ou de se alargar.
Ricoeur
Nesta seção apresento o cenário de investigação; os sujeitos da pesquisa, as
estratégias de seleção desses sujeitos e o que dizem de si; os fundamentos teóricos
metodológicos; a pesquisa narrativa, as técnicas de produção do material empírico –
entrevista semiestruturada, Grupo focal – e os procedimentos de análise dos dados –
análise textual discursiva.
Cenário de Investigação
O Cenário de Investigação desta pesquisa é o Curso de Licenciatura em
Matemática da Universidade Estadual do Maranhão, localizado na cidade de Balsas-
MA.
Os sujeitos da Pesquisa
Participam dessa pesquisa como sujeitos, quatro professores e cinco
licenciandos. Os primeiros são três professores de matemática e uma professora das
disciplinas pedagógicas. Os segundos são cinco licenciandos do último período do curso
de licenciatura em Matemática. Ambos, professores e licenciandos, desenvolvem suas
atividades de/na formação docente inicial em matemática, no Centro de Estudos
Superiores da referida Universidade.
Seleção dos Sujeitos da Pesquisa
Para selecionar os sujeitos da pesquisa construí as estratégias de seleção que se
deu em duas perspectivas:
a) Seleção dos professores formadores – duas estratégias
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• Estratégia 1 - Seleção dos professores de matemática em efetivo exercício
profissional no curso investigado. Com esse critério foram selecionados três
professores de matemática29.
• Estratégia 2 - Seleção de uma professora das disciplinas pedagógicas, indicada
pelos professores formadores e licenciandos, os quais a identificaram como a
professora responsável pelo encontro do licenciando com a pessoa do professor,
uma vez que segundo eles, ela foi responsável pela formação pedagógica dos
licenciandos, nos termos que regem as Diretrizes Curriculares para a formação
de professores da Educação Básica, ou seja, I - 400 (quatrocentas) horas de
prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso; II - 400
(quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da
segunda metade do curso (BRASIL, Resolução 2/ 2002).
b) Seleção dos licenciandos – uma estratégia
• Estratégia 1 – por indicação dos professores formadores, que adotaram como
critério, serem os alunos indicados “bons alunos” do curso.30
Realizado o processo de seleção dos sujeitos da pesquisa (quatro professores
formadores e cinco licenciandos), atribuo-lhes designações fictícias para assegurar-lhes
o direito ao anonimato (MINAYO, 2013). Assim, para os professores formadores, os
nomes fictícios dos sujeitos da pesquisa, são: Luri, Frans, Cris e Vani; para os
licenciandos, os seus fictícios nomes, são: Jocy, July, Jack, Marlon e Milka.
Os sujeitos da pesquisa e o que dizem de si
Luri, Frans, Cris e Vani são professores efetivos do Centro de Ensino Superior
de Balsas e da rede Estadual em Ensino Médio. Até se efetivarem nessa modalidade de
ensino foram professores do ensino fundamental por alguns anos. Os três primeiros são
29Ressalto que, nesse centro de ensino da referida IES, há no total, seis professores no departamento de matemática, contudo, três deles estão de licença para estudos. 30Questionados sobre o que seria ser bom aluno do curso, explicaram que o termo é “força de expressão”, em função da disponibilidade desses alunos para participar dos encontros. Esclareceram a questão da disponibilidade dos alunos indicados dizendo que quatro, dos nove alunos que compunha a turma, estavam em atraso com as atividades do TCC (Trabalho de Conclusão do Curso) e relatórios finais de estágio.
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professores formadores de professores em nível de licenciatura há mais de dez anos e a
última há mais de cinco anos, ambos na referida IES.
• Luri, além de licenciada em matemática (UEMA-1999) e especialista em
Matemática e Estatística (UFLA31-2001) é mestre em matemática pura, pela
UNICAMP - SP (2011). Sobre si e o trabalho que realiza na IES diz o seguinte:
Sou uma professora preocupada. Fiz o concurso para ser professora de Geometria, mas se termina dando aula de outras disciplinas, sempre na área das exatas, porque a carência de professor é grande, e agora depois do mestrado estou me envolvendo com o estágio, esse é um problema que se arrasta há anos, não me sinto confortável porque não sou habilita para realizar essa função, mas tive que me envolver devido à situação de falta de professores. Sou realizada em minha profissão. Sinto-me bem fazendo o que faço. Penso em prosseguir estudando, continuar melhorando, e me comprometer cada vez mais com a formação de professores (LURI, Entrevista).
• Frans é licenciado em Matemática (UEMA-1999) e especialista em Matemática
e Estatística (UFLA-2001). Foi professor do Ensino Fundamental e é professor
do Ensino Médio na Rede Pública. Fez concurso nessa IES para ensinar
Estatística. Em relação a si diz:
Despertei muito cedo para o conhecimento, fiz outras coisas. Mas, cedo descobri que meu lugar é na Educação – professor de matemática. Aqui, fiz licenciatura, depois o concurso para ser professor. Em função da falta de professor, além de estatística, transito das exatas à história da matemática, onde não perco de vista a filosofia dessa ciência. Ainda jovem tive três professores que me chamaram a atenção, pelo conhecimento que apresentavam ter, pela segurança e compromisso com que trabalhavam. Também pela forma como conduziam seus ensinamentos, conhecimento. Passei a admirá-los e me espelhar neles. E foi daí que me interessei pelo magistério. Cheguei até a cursar outras faculdades, engenharia, por exemplo, cursei até 70%, e vi que minha afinidade com ela não era suficiente para definir a carreira que eu queria, não tive aquela, aquele prazer que uma profissão requer de um profissional comprometido. Via que, em cada aluno, nem que ele não queira, ainda que ele não saiba, ele carrega consigo um pouco de cada um de seus professores. Eu via isso claramente, então decidi, vou ser professor e deixar um pouco de mim em cada aluno, sempre acreditando que dá para transformar, se não a todos, mas pelo menos a muitos se transforma sim, pela educação, pelo conhecimento. Sempre olho para frente e acredito que este mundo, a educação, o ensino, enfim, tudo pode ser melhor, e cada um de nós tem esta responsabilidade – melhorar o nosso entorno, causar transformações. Tanto o professor como o cidadão, sempre pensei assim. Esse pensamento me levou a ingressar na docência e nela permaneço sempre pensando assim, inspirado ali naqueles professores (FRANS, Entrevista).
31UFLA- Universidade Federal de Larvas - Minas Gerais.
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• Cris, licenciado em Matemática (UEMA – 2000), especialista em Matemática e
Estatística (UFLA-2003), é mestre em matemática pura, pela UNESP - Rio
Claro-SP (2013). É professor do Ensino Médio na Rede pública, fez concurso
nessa IES para ensinar Geometria. Sobre si declara o seguinte:
Nessa caminhada, sempre com matemática, desenho geométrico, também outras disciplinas na área, mas sempre matemática. Eu não era professor e nem pensava em ser, nem do Ensino Fundamental nem Médio. Trabalhava na EMATER. Fiz licenciatura aqui mesmo. Quando terminei a licenciatura surgiu a oportunidade do concurso, eu fiz e passei. Também fiz o concurso para o Ensino Médio e passei. Optei por ser professor porque gosto. Agora trabalho no Ensino Médio estadual e UEMA. Envolvo-me com esta profissão acreditando que a partir dela é possível transformar, mas não é assim, tão dado. Nada é dado, tem de se comprometer, apesar dos grandes obstáculos, daqui e de lá (escola), continuo acreditando que é possível melhorar o ensino (CRIS, Entrevista).
• Vani fez duas licenciaturas, em Pedagogia e Letras, ambas nessa IES – UEMA-
Balsas. É especialista em Docência do Ensino Superior, pela Universidade
Cândido Mendes e mestre em Educação, pela UFT32. Sobre suas convicções,
assim se expressa:
Não me vejo como uma professora que está pronta, menos ainda que vou conseguir preparar suficientemente os meus alunos. Mas como uma professora em construção, tento ampliar a cada dia minhas possibilidades de aprender a ensinar. Eu vou aprendendo, reformulando a minha prática à medida que vou vivendo cada experiência. Sempre fui uma professora apaixonada pelo o que faço. Agora, estou no Ensino Médio estadual, e desde 2003, como professora de nível superior contratada, ministrando aulas nos programas especiais dessa IES. Primeiro, PROCAD, depois PQD (Programa de Qualificação docente), a partir de 2009, com a minha efetivação é que eu fiquei nos cursos de letras e matemática, com a parte das disciplinas pedagógicas, mais especificamente, com estágio supervisionado e as práticas de ensino. Mas não me sinto confortável como professora de estágio na licenciatura de matemática, não sei matemática e isso me sufoca porque sei que não oriento bem, nem os planos, que inclui a parte teórica sobre a disciplina e nem a prática. Sinto que não contribuo como deveria. A parte das reflexões tudo bem. Mas, as práticas com a matemática ficam comprometidas, isso me entristece [...] (VANI, Entrevista. Grifo nosso).
Jocy, July, Jack, Marlon e Milka, são alunos do último período do curso de
licenciatura em matemática, já estão exercendo a docência desde o início do ano (2013),
como professores contratados, ou seja, iniciaram a docência, antes mesmo de
terminarem o curso.
32 UFT – Universidade Federal do Tocantins.
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• Jocy iniciou a docência em uma escola particular de referência nacional em nível médio, sobre si diz o seguinte:
Desde que iniciei a graduação sabia que queria ser professor de matemática, e essa ideia não mudou e não vai mudar. Agora sei que estou no caminho certo, tenho convicção de que quero ser professor de matemática, mas não quero ser professor do ensino fundamental, os alunos brincam muito porque muitos vão para a escola não para estudar, mas para fazer outras coisas como brincar e conversar com os amigos. Esse é um grande problema presente nas salas do fundamental. O professor se envolve mais com esses aspectos do que com o ensino de fato. Não quero isso para mim (JOCY, G. Focal).
• July iniciou a docência em uma escola particular do ensino fundamental, mas
diz que as escolas públicas onde realizou o estágio foi o grande aprendizado que
ela teve na licenciatura. Sobre si, diz o seguinte:
De matemática, os conteúdos, me sinto segura, mas vou continuar estudando, é preciso. Sobre ensinar aprendi muito no estágio porque associava aqui e lá. Acho que tenho muito a aprender para contribuir com a aprendizagem dos alunos. Sinto que tenho de investir muito em estudos para além da matemática, a realidade das escolas públicas exige que se saiba muito mais que matemática, mas penso que posso contribuir, porque senti uma facilidade em me envolver com os alunos, a confiança deles. Depois, no final do estágio, senti que gosto de ensinar, de me envolver com a escola, com os alunos, com ensino. Sinto-me realizada em vê que há muitos alunos aprendendo (JULY, G. Focal).
• Jack fez o vestibular para cursar matemática porque sempre teve fascínio por
esta disciplina, e gostava de observar seu pai ser hábil no trato com os números.
No ensino médio sempre se deu bem com a matemática. Em relação si e suas
aspirações profissionais, assim se expressa:
Gosto da matemática, de trabalhar com ela e não encontrei dificuldades para cursar a licenciatura até que tive de fazer o estágio e trabalhar no contrato. Lá vi que ser professor não é para mim. Não pelo trabalho com o ensino, planejamento e até dificuldades dos alunos em aprender matemática, mas porque senti que os alunos pensam que se aprende matemática sem estudá-la para além das aulas, sem prestar atenção, sem compromisso, só na brincadeira. Daí pensei! Isso não é para mim. Fiz o concurso dos correios e passei. Vou trabalhar lá, por enquanto, mas gosto de dar aulas, de ensinar e estou fazendo o curso com o compromisso de uma pessoa que acredita no poder de transformação pela educação, agora os alunos têm que saber que estudar exige compromisso, força de vontade (JACK, G. Focal).
• Marlon iniciou suas atividades na docência, nos primeiros anos do Ensino
Fundamental. Sobre si se expressa com os seguintes termos:
Não é fácil ser professor. Talvez seja a profissão mais difícil que existe, porque para se ser um bom professor é preciso que os alunos aprendam o que o professor ensina, mas aprender não depende só da aula que o professor dá, depende de toda uma conjuntura que se estende desde a família até a filosofia
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da escola. Mas diante de tudo isso eu ponho como principal o esforço individual de cada um e isso está meio confuso na cabeça dos alunos, eles pensam que podem aprender só porque vêm para a escola. Mas sigo firme e espero mudar um pouco desse pensamento, buscar aprender cada vez mais para poder ensinar outras pessoas a aprender. Tenho esse pensamento em mente (MARLON, G. Focal).
Milka desenvolve as suas atividades de início na carreira docente, na educação
infantil em uma escola particular, sobre suas aspirações para exercer o magistério diz o
seguinte:
Não vou dizer que sou uma professora sem defeitos, mas minha visão é de que o professor é uma pessoa que precisa estudar muito, não só a disciplina que ensina, mas outras coisas como a condição social dos alunos, para poder entender e mudar um pouco a mentalidade dos alunos, porque eles são como são, isso está claro para mim, senão vou sofrer demais. As realidades por onde passei no estágio e no contrato, são bem diferentes do jardim de infância onde trabalho já algum tempo. Então, vou seguir sendo professora e vou continuar estudando, principalmente para entender os processos de aprendizagem e a matemática possível para essa aprendizagem. Acredito que muitos alunos podem ir além do que estão aprendendo (MILKA, G. Focal).
Fundamentos teóricos metodológicos
Pela própria natureza do fenômeno em investigação, assumo a atitude de excluir
qualquer pretensão de encontrar uma lei ou ordem capaz de predizer ou controlar os
eventos presentes, medir ou fracionar, controlar e prever realidades. Antes, porém,
inicio explicitando o percurso que possibilitou buscar fundamentos teórico-
metodológicos, os quais propiciaram situar a pesquisa no contexto qualitativo, como
modo de aproximar-me do universo das percepções/manifestações expressas pelos
sujeitos, atinente aos sentidos e significados que atribuem às suas ações de formação
docente inicial em matemática.
As reflexões empreendidas no percurso de desenvolvimento desse estudo
possibilitaram aproximação e definição dos passos metodológicos assumidos.
Considerei para esse avanço na condução da investigação, questão norteadora, objeto e
intenções de pesquisa (Fazenda (2001), o que exigiu de mim um plano rigoroso de
leituras sobre as seguintes áreas de saberes:
i) Questões filosóficas e epistemológicas ligadas a metodologia de
condução da pesquisa qualitativa, construção do material empírico e
processo de análise do material empírico;
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ii) Contribuições teóricas no âmbito da formação docente inicial, que
permitisse avançar na leitura criteriosa e interpretação dos dados
empíricos.
A partir dos estudos desenvolvidos nessa fase da pesquisa33, houve o
esclarecimento de que o referencial teórico - seja referente ao objeto de pesquisa,
metodológico ou de condução da pesquisa qualitativa - não deve ser escolhido a priori.
Nas palavras de Fazenda (2001, p. 32), a condução e fundamentação teórica da
pesquisa qualitativa só poderão ser resolvidas levando-se em conta o objeto e os
objetivos de pesquisa.
Em meio a esses esclarecimentos, foquei a questão e o objeto de pesquisa, e na
itinerância da busca tive acesso a várias perspectivas metodológicas qualitativas, e a
diversos métodos/técnicas de construção de material empírico. Contudo, sem
compreender serem esses “os melhores” ou “os mais rigorosos” processos
metodológicos, mas por identificá-los atinentes ao meu objeto de investigação,
identifico e assumo os seguintes passos metodológicos:
• Pesquisa Narrativa - como metodologia de pesquisa, nas proposições
apresentadas por Aragão (2005); Bruner (2008); Souza (2006), Bolivar
(2002), Fenstermacher (1997), Connely; Clandinin (1995);
• Entrevista Semiestruturada e Grupo Focal – como técnicas de construção
do material empírico, sob a ótica do que propõem Gatti (2005), Powell e
Single (1996) e;
• Análise Textual Discursiva - como processo de análise do material
empírico, no alcance das orientações de Moraes e Galiazzi (2006) e
Moraes (2004), entre outros.
Pesquisa Narrativa
Em termos gerais, a pesquisa qualitativa se apoia em depoimentos orais ou
escritos. Depoimentos são narrativas que, perpassadas por interpretações, apóiam 33Entremeados por intervenções de orientação
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compreensões que, por sua vez, deixam à mostra ou nos permitem atribuir significados
a aspectos do objeto que focamos, permitindo uma relação mais intensa entre os
sujeitos da investigação, e o pesquisador (AUAREK; NUNES; PAULA, 2014, p. 121).
Nos termos citado, se insere a pesquisa narrativa, expressa como um processo
inovador de se fazer pesquisa em educação, utilizada com maior frequência a partir de
1970, quando se passa das instâncias positivistas, as quais se interessam em quantificar,
reconhecer e situar os objetos sob a ótica do absolutismo, para perspectivas
interpretativas, que possibilitam adentrar em um campo subjetivo dos sujeitos da
pesquisa. Assim, pelo processo da pesquisa narrativa o pesquisador busca compreender
as ações que conferem sentido e significado aos sujeitos (CONNELY; CLANDININ,
1990), que implicam habilidade física e intelectual em termos de certa versatilidade
para olhar (e ver) como também para dizer, por parte de quem investiga (ARAGÃO,
2005, p. 25).
Nessa perspectiva, vale ressaltar o seguinte:
• A pesquisa narrativa configura-se como modalidade de investigação no âmbito
das pesquisas qualitativas, interessando para esse modo de pesquisar, os aspectos
qualitativos mais que os quantitativos (BOLÍVAR, 2002);
• No âmbito da pesquisa educacional, as narrativas desempenham papel
importante, uma vez que os textos narrados ou relatados expressam crenças,
expectativas e condição docente, por isso são propícios para se buscar entender
o que dizem os sujeitos, sobre os sentidos que eles atribuem às situações do/no
contexto que vivenciam (SOUZA, 2006, p. 136);
• Uma das contribuições realmente valiosas da pesquisa narrativa em educação é a
revelação das intenções e das crenças dos professores, a partir de suas
manifestações expressas em interações com seus pares (FENSTERMACHER,
1997, p. 79), o que implica dizer que a partir das narrativas se começa a entender
as razões do narrador para com as suas ações;
• As ações, na investigação narrativa, são reveladas nos modos de pensar e agir
dos sujeitos, o que implica a expressão de seus valores, seus compromissos, suas
opções, seus desejos e vontade, seu conhecimento, seus esquemas teóricos de
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leitura do mundo, seus modos de ensinar, de se relacionar com os alunos, de
planejar e desenvolver seus cursos, e se realiza nas práticas, que são as formas
de educar que ocorrem em diferentes contextos institucionalizados,
configurando a cultura e a tradição das instituições nas quais se encontram os
atores da experiência, sendo por elas determinados e elas determinando
(SACRISTÁN, 1999, p. 45-72). Assim, se a intenção é compreender para
intervir positivamente nas instituições com a contribuição das teorias, é preciso
compreender a imbricação entre sujeitos e instituições, ação e prática. Essa
tradição integra o conteúdo e o método da educação (SACRISTÁN, 1999), que
em síntese compõem o currículo;
• A estrutura da prática institucional obedece a múltiplos determinantes, tendo sua
justificação em parâmetros organizativos, tradições metodológicas,
possibilidades reais de os professores atuarem conforme as condições físicas
existentes (ZABALA, 1998). Assim, somos encorajados a compreender as
crenças e valores expressos nas ações desenvolvidas no âmbito de uma
instituição a partir do que é dito pelos sujeitos que as vivencia. Isso implica
considerar a singularidade dos sujeitos, para caracterizar uma época e/ou
fenômeno da vida social expressos em ações plurais, singulares ou polissêmicas.
Desse modo, a pesquisa narrativa não se preocupa com o conhecimento
generalizado dos sujeitos, pois o que expressa um indivíduo pode ou não ser
similar à visão de outro desse mesmo contexto. O que realmente importa para a
pesquisa narrativa são as experiências singulares vividas pelos entrevistados e os
sentidos singulares que expressam sobre suas experiências (BOLÍVAR, 2002).
Nessa perspectiva, as crenças operam juntamente com os valores para dar
sentido, significado e motivação às experiências vivenciadas, e senso prospectivo para
reformular e empreender novas/outras ações.
Por esse prisma, a investigação narrativa facilita a aproximação à opinião, às
ideias, às crenças e valores, às experiências e às práticas dos professores a partir das
suas próprias percepções (AUAREK; NUNES; PAULA, 2014, p. 127), posto que a
pesquisa narrativa focaliza vozes expressas em ideias/palavras que explicitam as
experiências vivenciadas pelos sujeitos, as quais expressam, efetivamente, as ações que
realizam. Imerso a qualquer atividade realizada pela ação humana, seja pessoal ou
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profissional, há crenças e valores, ideias e proposições que refletem a própria identidade
daquele que realiza tais ações, ainda que nem sempre as crenças e valores estejam no
nível consciente. Assim, outro aspecto singular da pesquisa narrativa é que ela sempre
traz uma segunda possibilidade na escuta.
A primeira é o que dizem os sujeitos sobre o roteiro de pesquisa conduzido pelo
pesquisador, sujeito da escuta.
A outra, que pode ser mais surpreendente, é o que os sujeitos/entrevistados
trazem sobre o que eles consideram significativo em suas experiências, que são fatos e
inquietações pessoais que escapam ao roteiro pensado pelo pesquisador/sujeito da
escuta, mas que se evidenciam porque fazem partes de um conjunto de ideias, crenças,
valores e atitudes que refletem tanto as posições que o narrador assume diante das
decisões, quanto o modo como realiza as ações relativas a tais decisões (AUAREK;
NUNES; PAULA, 2014, p. 120 -125).
A esse amalgamar de considerações/explicações em relação à pesquisa narrativa,
Aragão (2005, p. 23) ressalta o seguinte:
Ao começarmos um processo de investigação narrativa, torna-se particularmente importante que todos os participantes tenham voz dentro da relação colaborativa. Para que isso possa efetivar-se é preciso que se assuma um jogo de crenças, de valores, quer dizer, é preciso supor uma forma de trabalhar no interior de uma relação que exige conhecimento articulado de uma relação na qual aquele que conhece está pessoalmente unido ao conhecido.
Assim, a pesquisa qualitativa na investigação narrativa emerge como modo de
explicitar percepções expressas nas vozes dos sujeitos situados em experiências
vivenciais, que se expressa como um modo autêntico de explicitar sentidos singulares,
que também medeia a própria experiência e, assim, a construção social desses sujeitos
(CONNELY; CLANDININ, 1995, p. 19). Nessa perspectiva, a narrativa é uma forma
de construir a realidade, reitera Bruner (2008, p. 89).
Para esses autores, a narrativa, com a qual se busca compreender as ações
humanas, as intenções que lhes conferem sentido e significado, é uma abordagem
profícua para quem toma informações relatadas e busca reflexivamente interpretá-las,
compreendê-las e explicitá-las interpretativamente, configurando-se, estes aspectos, o
foco central da investigação narrativa (SOUZA, 2006; ARAGÃO, 2005; BOLIVAR,
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2002; CONNELY; CLANDININ, 1990, 1995). Ademais, as orientações metodológicas
nessa perspectiva de investigação, entre outros aspectos, anunciam relevantes
contribuições da pesquisa narrativa como método de pesquisa e de formação, de modo
que essa dimensão dupla dessa modalidade de pesquisa se configura justamente na
medida em que:
Como investigação, a pesquisa narrativa se vincula à produção de conhecimentos experienciais dos sujeitos adultos em formação. [...] como formação porque parte do princípio de que o sujeito toma consciência de si e de suas aprendizagens experienciais quando vive, simultaneamente, os papéis de ator e investigador da sua própria história. (SOUZA, 2006, p.26).
A formação ocorre porque ao narrar, o narrador é um ser em formação e, a um
só tempo, formador. Assim, a essência da experiência e da aprendizagem humana se
entrelaça pelas vivências percorridas e comunicadas uns aos outros em suas
historicidades (BOLIVAR, 2002).
Considerando as particularidades anunciadas, a minha imersão no processo de
pesquisa de campo esteve sempre carregada de cuidado e atentividade, em função da
necessidade de definir seletivamente os principais focos de observação, embasando as
diretrizes da pesquisa semiestruturada, coadunando-se às intenções do próprio estudo.
Contudo, reconheço que esses cuidados não foram e não podem ser suficientes para
pressupor ‘neutralidade’ na observação informal, nem no percurso da pesquisa formal,
uma vez que concebo a pesquisa qualitativa como um movimento dinâmico, no qual
pesquisador e objeto de pesquisa não se separam, por não ser possível assumir
‘neutralidade do pesquisador’, ou isenção na relação sujeito objeto de pesquisa. Nessa
direção, Aragão (2005. p. 31) orienta com os seguintes termos:
O pesquisador busca conhecer, porque tem objetivos previamente definidos e o entrevistado decide participar porque tem alguma motivação para isso. Mas aqui, a voz do pesquisador não procura ser a que categoriza, a que molda, mas a que organiza, expõe, interpreta, discute, buscando contrapontos à prática efetivada e evidenciada nas vozes dos participantes, em literaturas várias sobre as práticas similares e sobre princípios teóricos que as sustentam.
Ademais, do mesmo modo que é imprescindível assumir a questão da não
neutralidade, é fundamental assumir a objetividade em relação ao objeto de pesquisa,
em que subjetividade e objetividade do pesquisador se interpõem como contrapontos
dessa relação de cumplicidade. Portanto, é essencial assumir relação intersubjetiva,
nesse movimento processual de se constituir como investigador.
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53
Entrevista semiestruturada
Com os professores a constituição dos dados empíricos ocorreu por meio da entrevista
semiestruturada34, a qual é um importante instrumento de coleta de informações, porque
os entrevistados são convidados a falar livremente sobre assunto ou assuntos sem se
limitarem a respostas irrefletidas.
Mas vale lembrar que a entrevista semiestruturada pode conter perguntas abertas
ou fechadas, ou apenas tópicos abertos. No caso dessa pesquisa a opção foi por tópicos
abertos. A intenção foi propiciar liberdade aos entrevistados, uma vez que a partir de
narrativas discorridas livremente é possível o entrevistado aprofundar reflexões sobre o
assunto em questão (MINAYO, 2013; MANZINI, 1997). Desse modo, a entrevista pode
foi construída como um encontro social, cujas características, entre outras, são a
empatia, a intuição e a imaginação; ocorrendo na entrevista envolvimento mútua de
percepções, sentimentos, emoções (BICUDO; MARTINS, 2006, p. 73). Esse
envolvimento foi propiciado, considero, pela intervenção natural, a partir de um
conjunto de direções previamente projetadas para esse fim, um roteiro diretivo, segundo
o que sugerem Powell e Single, (1996), o qual teve as seguintes funções:
• Intensificar a possibilidade de o entrevistado não ser interrompido e se perder na
manifestação de sua narrativa;
• A interação da entrevistadora/moderadora evitando que este perca o foco,
porém, atentando ao cuidado de saber a hora de intervir e retomar o foco se este
se esvair.
Para os autores citados, este tipo de entrevista é uma importante ferramenta
de coleta de informações em pesquisas qualitativas, a qual pode mobilizar a produção
de relatos narrativos, posto que o entrevistado envolve-se profundamente com as
questões abordadas, uma vez que esse tipo de entrevista privilegia e respeita a linha de
raciocínio e fluxo natural do diálogo, para que entrevistador e entrevistado sintam-se
parte de uma mesma experiência. Isto quer dizer que o assunto deve ser de
34Ressalto que a opção pelas duas técnicas de coleta de dados se deu porque houve indisponibilidade de tempo de reunirem-se professores e licenciandos ao mesmo tempo nos encontros Grupo Focal, fato comunicado pelos professores no primeiro encontro do Grupo Focal.
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conhecimento de ambas as partes, para que a conversa flua em tom de confluência,
confiança e afinidade mútua.
Nesses termos, as entrevistas tiveram um roteiro planejado, semiestruturado,
de forma a possibilitar aos professores seguirem livremente as narrativas, possibilitando
a eles discorrer livremente sobre os temas em questão sem se prenderem unicamente à
indagação formulada. Foram longas as ‘nossas conversas’, feitas em quatro encontros
sociais – comigo e um deles de cada vez, em que estiveram presentes a empatia, a
intuição e a imaginação (BICUDO & MARTINS, 2006).
Nesses encontros sociais, falamos cuidadosamente sobre a trajetória da
universidade, inquietações, angústias, satisfações, condição docente e práticas
pedagógicas que cada professor realiza no ensino que desenvolve, sem, contudo,
aterem-se a especificidades. Antes, a proposta era de escutar os sujeitos, dando atenção
não somente aos fatos que relatavam, mas aos sentidos, aos sentimentos explicitados
nas falas, aos significados e às interpretações que eles próprios iam conferindo ao que
vivenciam no trabalho que realizam. Tudo ocorreu como interlocutores que se
entendem e não se negam a assumir seus erros, acertos, fragilidades e frustrações,
certamente porque habitamos o mesmo mundo - o mundo da educação. Nos dizeres de
Bicudo; Martins (2005, p. 65), o real vivido e pensado foi percebido num ato
intencional; houve uma penetração mútua de percepções; a imaginação do
entrevistador pode fluir do mesmo modo que pode fluir a dos entrevistados.
Nessa linha de aproximação, acolhimento e doação, as entrevistas
semiestruturadas foram realizadas com os professores, gravadas em áudio e transcritas
logo após terem sido realizadas, constituindo-se, o material empírico desse seguimento.
Grupo Focal
Com os alunos a constituição dos dados empíricos ocorreu por meio da técnica
do Grupo Focal, a qual, no âmbito das abordagens qualitativas, vem sendo cada vez
mais utilizada como técnica de pesquisa de campo.
Essa técnica considera que a escolha das questões a serem discutidas depende do
problema da pesquisa, do escopo teórico em que ele se situa, e para quê se realiza o
trabalho, ou seja, os objetivos do estudo, e a concepção teórico-metodológica do
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pesquisador, bem como a familiaridade de ambas as partes sobre o assunto (GATTI,
2005; POWELL & SINGLE, 1996).
Tomando como referência estes e outros esclarecimentos mencionados pelos
autores citados, tornou-se claro que a questão, a intenção e objeto de pesquisa são os
referenciais balizares para a tomada de decisão de quais pessoas devem ser convidadas a
participar do grupo de discussão, isto é, o assunto deve dizer respeito a ambas as partes
– pesquisador e sujeitos da pesquisa. Em outros termos, ligados à questão, intenções e
objeto de pesquisa, é preciso considerar o que entrevistado e entrevistador sabem sobre
o conjunto social visado, uma vez que algum traço comum entre os participantes e o
pesquisador deverá existir, estando isso na base do trabalho com o grupo focal, já que,
se há um grupo de discussão, deve haver interesses comuns aos componentes do grupo
(GATTI, 2005, p. 18).
Nestes termos, dizem os autores referidos, se a decisão é pela pesquisa com
Grupo Focal o pesquisador deve ter interesse não somente no que as pessoas pensam e
expressam, mas também em como elas pensam e porque pensam o que pensam, o que
sinaliza para as experiências pessoais e coletivas como excelentes fontes de pesquisa
qualitativa (POWELL & SINGLE, 1996; GATTI, 2005).
Para a realização desse trabalho situo minhas ações de pesquisa com o grupo de
licenciandos, no âmbito dessas orientações, intencionando capturar as manifestações
expressivas de suas percepções, relativas ao percurso de suas vivências, no âmbito da
formação inicial docente em matemática. Assim é que, debruçada sobre essa perspectiva
de pesquisa me situo no contexto dos sujeitos que dão vida, sentido e significado a esta
pesquisa, compreendendo que é no diálogo do pesquisador com os sujeitos de sua
pesquisa, que se descobre o sentido da objetividade, que é humanamente realizável e
cientificamente significativo (BICUDO & MARTINS,2005, p. 84).
Análise Textual Discursiva
Para a análise dos dados empíricos, os procedimentos adotados foi a Análise
Textual Discursiva (ATD), na perspectiva apontada por Moraes e Galiazzi (2006) e
Moraes (2004). Para esses autores, a ATD trabalha com o discurso produzido pela
linguagem no intuito de desvelar o significado que ela tem para o sujeito e que se revela
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ao pesquisador pela interpretação dos discursos produzidos. Nesse sentido o desvelado
no discurso dos sujeitos não pode separar-se deste, uma vez que foi ele quem o
produziu; nem do pesquisador que o interpreta, uma vez que a interpretação deve ser
coerente com o que foi dito pelos sujeitos produtores do discurso.
Nesse sentido, essa abordagem de análise de dados é o meio pelo qual se busca
apoio sob duas perspectiva: de um lado, na interpretação do significado a ser atribuído
aos discursos produzidos; de outro, nas condições de produção de outro texto que
considere essa interpretação como relevante e significativa para o objeto de estudo em
questão. Nessa dinâmica de considerar o discurso, a interpretação dos discursos e o
processo do qual emerge nova/outra compreensão gerando novos texto, diz-se que esse
é um processo auto-organizado. Assim, a auto-organização de construção de
compreensão do significado do discurso narrativo, emerge a partir de uma sequência
recursiva de três componentes procedimentais de tratamento e interpretação dos dados
empíricos, quais sejam:
i) desmontagens dos textos do ‘corpus’35- denominado unitarização – que
implica ler e examinar os textos em seus detalhes, fragmentando-os no sentido de
atingir unidades constituintes, enunciados referentes ao fenômeno estudado;
ii) estabelecimento de relações entre os fragmentos de textos – denominado de
categorização – que envolve construir relações entre as unidades de base, combinando-
as e classificando-as, reunindo esses elementos unitários na identificação de elementos
que convergem ou divergem entre si, resultando dessas duas (unitarização e
categorização) primeiras ações de interpretação, um sistema de categorias;
iii) Captando o novo emergente – é uma nova compreensão – esta realizada por
sucessivas leituras e releituras do ‘corpus’ e sua relação com as categorias já apontadas
na categorização.
O movimento de análise do ‘corpus’, realizada em torno desses três elementos
da ATD são denominados pelos autores, como um ciclo recursivo, o qual possibilita ao
interpretador do ‘corpus’, atribuir-lhes sentido e significado, que os autores citados
35O ‘Corpus’ da Análise Textual Discursiva, é constituído essencialmente de produções textuais. São produções linguísticas, sejam textos já existentes, sejam discursos narrativos recolhidos em grupos de discussões, seja ainda, material colhido em entrevistas, observações ou diário de campo (MORAES & GALIAZZI, 2006, p. 16), o que é o caso dessa pesquisa.
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chamam de processo auto-organizado. Nesse último processo da ATD, o ciclo da
análise se completa pela intensa impregnação do investigador nos materiais da análise,
desencadeada nos três passos anteriores, possibilitando a este, emergência de uma
compreensão renovada do todo. Emergem desse último amalgamar de ideias, advindas
do esforço de explicitar a compreensão do interpretado que se apresenta como produção
de sentidos e significados do ‘corpus’- o(s)meta-texto(s) (MORAES & GALIAZZI,
2006, p. 11-17).
Na tentativa de síntese, se é que isso é possível, pode-se resumir o processo
inicial da ATD em três momentos distintos:
i) fragmentação ou desconstrução dos textos e codificação das unidades de
análise ou unidades de sentido - unitarização - que advém da interpretação feita pela
leitura e releitura, desmontagem e montagem dos textos, e atribuição de significado aos
mesmos, considerando o objeto de estudo e as teorias que o fundamentam;
ii) reescrita de cada unidade de análise, de modo que assuma significado o mais
próximo possível do que foi dito pelos sujeitos – impregnação – que requer um
envolvimento intenso do pesquisador com as informações do ‘corpus’, efetuada pela
reinterpretação de cada unidade de análise emergida do momento anterior. É nessa fase
que as unidades de significados podem se desdobrar em muitas outras, chamadas
categorização – processo de comparação das unidades construídas anteriormente,
aspecto central de uma Análise Textual Discursiva;
iii) atribuição de um nome ou título para cada unidade assim produzida –
caracterizando-se assim, síntese do compreendido.
Tal processo exige a impregnação do pesquisador, que se envolve física,
emocional e intelectualmente com os desdobramentos do fenômeno pesquisado, desde o
primeiro contato com os sujeitos da pesquisa. Depois, com as transcrições, leituras e
releituras, montagem e desmontagem do ‘corpus’ - unitarização e categorização - que
apontam a unidades significativas. Esse processo é descrito por Moraes e Galiazzi
(2006, p. 113) com as seguintes palavras:
Na unitarização, os textos, corpus são separados em unidades de significado. Estas unidades por si mesmas podem gerar outros conjuntos de unidades oriundas da interlocução empírica, da interlocução teórica e das interpretações feitas pelo pesquisador. Neste movimento de interpretação do significado atribuído pelo autor exercita-se a apropriação das palavras de
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outras vozes para compreender melhor o texto. Depois da realização desta unitarização, que precisa ser feita com intensidade e profundidade, passa-se a fazer a articulação de significados semelhantes em um processo denominado de categorização. Neste processo reúnem-se as unidades de significado semelhantes, podendo gerar vários níveis de categorias de análise.
A Análise Textual Discursiva, entendida como processo integrado de
apreender, comunicar e intervir em discursos (MORAES; GALIAZZI, 2006, p. 111),
tem no exercício da escrita seu fundamento enquanto ferramenta mediadora na
produção de significados e, por isso, em processos recursivos, a análise se desloca do
empírico para a abstração teórica, que só pode ser alcançada se o pesquisador fizer um
movimento intenso de interpretação e produção de argumentos. Este processo todo gera
o que é denominado de meta-texto analítico, que irá compor os textos finais da
discussão interlocutiva entre o material empírico, a interpretação do pesquisador e a
teoria que a sustenta. Nesses termos advertem os autores: a análise textual discursiva
constitui processo recursivo continuado para maior qualificação do que foi produzido,
ele é um constante ir e vir, agrupar e desagrupar, construir e desconstruir (MORAES;
GALIAZZI, 2006, p. 113).
Do exposto, entendo que as unidades de significado, categorias de convergência
ou categorias de análise serão tópicos a serem discutidos nesta pesquisa à luz da
compreensão da pesquisadora, que se utilizará da interpretação feita em função do
fenômeno que investiga e de leituras teóricas pertinentes a este para construir metas-
texto. Nesse momento tem-se a presença do discurso construído pelas pesquisadoras -
orientanda e orientadora -, pelos sujeitos da pesquisa e autores estudados, a fim de
explicitar os sentidos e significados expressos nos discursos dos sujeitos, pela análise
rigorosa do material empírico. Contudo, o rigor da análise do conteúdo constituinte
deste ‘corpus’ não pressupõe interpretação única, posto que, certamente, outros podem
encontrar outras significações (MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 17).
Assumidos os fundamentos teóricos metodológicos para a condução da pesquisa,
que se mostra em termos de tessitura intertextual, passo a sistematizar os procedimentos
de construção do material empírico, compreendendo que a organização e análise de
dados na pesquisa narrativa é um processo complexo que exige do pesquisador
impregnação aos dados empíricos.
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: um percurso de idas e vindas
O real não está na saída nem na chegada,
ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
Guimarães Rosa
O detalhamento que apresento nesta seção não intenciona cumprir apenas as
formalidades de descrever a metodologia de um trabalho de pesquisa, isto é, selecionar
informantes, realizar entrevistas, empreender discussões em grupo, transcrever
narrativas e entrevistas semiestruturada, gravadas em áudio e/ou vídeo, realizando
apenas uma descrição superficial da ação. O que define o empreendimento nessa seção é
o tipo de esforço intelectual e experiencial que ela representa, em torno do qual procuro
organizar o percurso e, no interior dele, seus percalços e as formas de construção desse
processo.
A construção dos dados empíricos
Para a produção dos dados empíricos, aproximo-me da instituição e comunico
aos responsáveis imediatos do curso de licenciatura em matemática, minha intenção de
desenvolver a pesquisa com os professores da licenciatura em matemática e
licenciandos dessa licenciatura. Senti-me acolhida por todos e envolvo-me no contexto
da universidade com olhar de pesquisadora.
Nos dizeres de Bicudo e Martins (2006, p. 45) Ocupo-me com o processo e fico
atenta ao significado que as pessoas dão às coisas e à vida, às suas ações e à formação
docente que desenvolvem como um todo.
Com olhar de pesquisadora, familiarizo-me com a instituição, observo seu
movimento em termos de funcionamento; participo de reuniões de docentes, momento
em que a diretora do Centro de Estudos Superiores diz: esse centro já não é mais como
era antes, hoje temos grandes problemas com falta de espaço até para alocar os alunos
em sala de aula (Diário de Campo). Nesse ambiente familiar e profícuo em detalhes,
entro em contato com os licenciandos e professores, quando expus para eles que a
técnica de coleta de dados se daria a partir da técnica Grupo Focal, por se tratar de uma
técnica que reúne um grupo pessoas para discutir sobre determinado assunto de
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interesse de ambas a partes, no caso a formação docente em matemática que
desenvolviam.
Ainda nesse primeiro contato, informalmente, tive acesso a críticas e elogios dos
mais diversos; as suas movimentações se davam em torno das atividades que
realizavam, às suas indagações, especificidades e modos de ver e conceber a docência36,
de certo modo, movidos pela ansiedade, pois era o último período da graduação para
aquela turma.
Por mais dois encontros informais estive na instituição e, com olhar atento,
percebi como os professores se envolviam com os alunos e vice versa; com os trabalhos
burocráticos, preocupação com avaliações, trabalhos avaliativos e de conclusão de
curso; como desenvolviam as suas atividades e se envolviam com elas; observo as
relações e inter-relações deles uns com os outros, com a secretaria, com a instituição.
Nunca tinha me dado conta de tantos detalhes envolvidos na cotidianidade de uma
instituição de ensino, e nestes o envolvimento dos sujeitos que a constituem; desse
contato, originou-se também, um caderno de anotações, o qual denomino “Diário de
Campo”, onde anotei uma imensidão de detalhes percebidos, os quais se constituem,
também, material empírico precioso.
Dessa inserção ao lócus de investigação, emergiram a definição dos momentos
pontuais de produção de dados empíricos, definidos para ocorrer em sete encontros,
aproximadamente de quinze em quinze dias na medida do possível, de agosto a
dezembro de 2013. Esse fato, que se deu em função do calendário de atividades da
instituição, ocasionou a indisponibilidade de os professores se reunirem em um mesmo
espaço de tempo em sete momentos distintos, professores e licenciando para
realizarmos os encontros. Diante do fato, que só fiquei sabendo no primeiro encontro
com o Grupo Focal, optamos (eu e a orientadora) por realizar a pesquisa utilizando duas
técnicas de coleta de dados, quais sejam: Entrevista semiestruturada e Grupo Focal.
Assim:
• Com os professores – foi utilizada a entrevista semiestruturada em
espaços e tempo diferenciado, de acordo com a disponibilidade de tempo
36Embora não seja fácil estabelecer os limites entre a professora e a pesquisadora, tento manter-me como pesquisadora e não como professora, penso, e anoto tudo.
![Page 61: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/61.jpg)
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de cada deles. As entrevistas duraram em média quatro horas cada. As
narrativas foram gravadas em áudio, para posterior transcrição.
• Com os licenciandos – foi utilizada a técnica do Grupo Focal. Os
encontros tiveram duração média de duas horas cada e foram igualmente
gravados em áudio, para posterior transcrição.
Para realizar a coleta do material empírico, fundamentada na bibliografia a
respeito do processo assumido, considero a natureza qualitativa investigativa e o
contexto em que a pesquisa foi realizada, último período do curso de licenciatura em
matemática.
No ensejo, não tive dúvidas de que os sujeitos da pesquisa encontravam-se aptos
a expressarem manifestações expressivas sobre a formação inicial docente que
vivenciavam, com a espontaneidade e autenticidade que a pesquisa narrativa requer.
Assim, tendo o ambiente natural como fonte de dados e o pesquisador como seu
principal instrumento, ocupo-me com o processo e fico atenta ao significado que as
pessoas dão às coisas, à vida e ao trabalho que realizam (MARTINS & BICUDO,
2006, p. 86).
Nessa perspectiva, elaborei duas propostas de coleta de dados: uma para a
entrevista semiestruturada e outra para o Grupo Focal, as quais foram realizadas
paralelamente. Com os professores nos reunimos de acordo com a disponibilidade de
tempo deles e as entrevista foram realizadas individualmente. No inicio da entrevista
falaram de si, das suas crenças e convicções em relação à instituição e exercício da
docência.
Nas intervenções que eu fazia os instigava a falar sobre quais saberes
consideram mais importantes na formação inicial dos licenciandos, quais práticas
formativas eram desenvolvidas por eles; quais eram mais significativas para a formação
dos licenciandos e quais as principais dificuldades enfrentadas no decorrer do processo
formativo.
No caso dos cinco licenciandos, estes se reuniram comigo em uma sala na IES,
em sete encontros distintos, os quais tiveram duração média de duas horas cada. Nessa
etapa da pesquisa, especialmente no primeiro encontro, confesso que minha primeira
![Page 62: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/62.jpg)
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preocupação foi reiterar as informações dadas aos sujeitos sobre o que, e porque
estávamos realizando os referidos encontros, procurando dissipar qualquer desconfiança
quanto ao uso dos dados.
No primeiro encontro formal, as atividades desenvolvidas foram basicamente os
esclarecimentos sobre os objetivos, apresentação do grupo e dinâmica de condução dos
encontros que, em síntese se daria a partir de uma indagação sobre a formação que
desenvolviam e, a partir desta, deflagrava-se o processo de relato de experiência
vivenciado no curso, ao modo de uma conversa em que todos podiam e deviam
manifestar as suas percepções sobre a formação docentes em curso.
As indagações levantadas por mim, de modo geral, seguiu as mesma diretrizes
de condução da entrevista feita com os professores, ou seja, falar de si, no primeiro
momento; identificar quais saberes considerava importantes para a sua formação;
práticas formativas que foram significativas para o exercício docente em sala de aula na
Educação Básica; pontos positivos e negativos vivenciados no decorrer do curso;
dificuldades enfrentadas no decorrer do processo formativo, incluso os referentes à
experiência que tiveram com as práticas que desenvolveram na escola.
Confesso que os encontros ocorreram salutarmente; a participação deles foi
intensa e em certos momentos tive que estabelecer critério para que se manifestassem
um por vez, levantar a mão, por exemplo; os assuntos não se limitaram às indagações
iniciais, mas quando o assunto se desvencilhava dos interesses da pesquisa, intervinha
de modo a retomar ao ponto de interesse.
Desse modo, o trabalho de produção do material empírico teve como eixo
diretivo as intenções de pesquisa, ou seja: saber o que pensavam; o que faziam e
porque faziam o que faziam; suas percepções sobre suas práticas no âmbito das
atividades formativas que desenvolviam. A direção das discussões visou catalisar
aspectos significativos das manifestações narrativas expressos pelos sujeitos da pesquisa
que apontassem para o objeto de estudo, ou seja, percepções sobre experiências de
formação inicial docente, expressas em manifestações de professores e licenciandos
de um curso de licenciatura em matemática
Com o protocolo de observação, denominado por mim de ‘Diário de Campo’ há
registros de informações das mais diversas, sobre as atividades docentes e interações
![Page 63: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/63.jpg)
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que caracterizam o cotidiano dos sujeitos na instituição, anotadas por mim sem usar
categorias predefinidas, as quais foram analisadas levando em consideração o que
expressaram em termos de suas percepções sobre a formação inicial docente e
convergiram para o objeto de estudo em análise.
Aproximação à análise dos dados empíricos
Na minha prática docente e no meu discurso, o verbo compreender e os
substantivos ensino e aprendizagem, foram tomando sentidos e significados diferentes.
Através do diálogo, e muitas vezes de conflitos, confrontos e avanços, que quase
sempre se resolviam ou se esclareciam em novas indagações, busquei em vão, a
possibilidade da ‘verdade’. Descobri, não muito cedo que a tal ‘verdade’ não é fixa ou
imutável, mas dinâmica, configurando-se em permanente construção na história da
humanidade, como ciclo natural da vida biológica.
Pensando nessa minha trajetória existencial de busca/mudança, percebi que o
movimento em torno de um objeto de pesquisa não é diferente. Ou seja, não há
possibilidades de interpretações, verdades e conclusões únicas. Na busca dessas
dimensões de provisoriedade e subjetividade inerente ao ato de pesquisar, me veio a
clareza de que a fase da análise de dados empíricos constitui-se em momento de grande
importância para o pesquisador. Confesso que este foi um momento de grande
preocupação e esforço intelectual da minha parte, sob pelo menos dois aspectos:
i) Por um lado, porque no âmbito da pesquisa qualitativa não há abordagem de
análise que aponte caminho pré-definido para se analisar dados empíricos.
Entendo que isso seria colocar a pesquisa nos moldes reducionistas
unilaterais, o que não é o caso dessa pesquisa. Então, certa do incerto, parto
para a interpretação me orientando na leitura e releitura dos dados empíricos,
na questão e nos objetivos de pesquisa, buscando neles os sentidos e
significados que vão se explicitando pelas interpretações que vou me
permitindo fazer deles. Essa reflexão me possibilita constatar não ser este um
ato neutro nem espontâneo, mas situado no âmbito de meu campo de visão
como sujeito político e, por isso mesmo com ideologias próprias.
Entendimento que possibilitou fazer escolha, referenciando-me em teóricos
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que tratam de aspectos atinentes ao fenômeno que investigo e dos quais
compartilho de suas ideias.
ii) Por outro lado, porque as realidades investigadas, como esta, não são dadas
prontas para serem descritas e interpretadas. Estas são sempre incertas e
instáveis, precisam de tratamento especial para ser interpretadas e
explicitadas, e de visão abrangente do pesquisador sob pelo menos três
aspectos:
a) situar sua pesquisa no contexto em que está inserida, compreendendo que é a
partir desse contexto que os sentidos e significados do fenômeno investigado,
em termos situados e abrangentes em relação a outros contextos, se mostram;
b) situá-la à luz de teorias que tratem da pesquisa em foco, considerando que as
escolhas feitas pelo pesquisador apontam suas perspectivas de interpretar a
realidade, mas existem outras possibilidades e outros poderiam fazer outras
escolhas;
c) compreender e se comprometer com a tessitura de sua pesquisa lembrando-se
de que as ideias e as teorias não refletem, apenas traduzem a realidade, a partir
da interpretação do pesquisador (MORAES, 2004, p. 119).
Diante dessa compreensão mais ampla, entendi porque esta fase da pesquisa, a
interpretação ou análise de dados, se apresentou para mim como um momento de
perplexidade, talvez por ter me dado conta da extrema riqueza do material empírico
coletado37 e do meu compromisso de utilizá-lo para compreender o contexto em que
estou inserida, explicitá-lo e construir a partir dele, com ele e para além dele, relações
compreensivas capazes de contribuir com a pesquisa educacional no âmbito da
formação inicial docente de professores de matemática.
Diferentemente da perplexidade primeira que me levara à ação, quando produzi
as etapas anteriores da pesquisa, compreendi porque me senti, de certa forma,
37Diante dos dados empíricos questionei-me: meu objeto de estudo é a formação inicial docente ou a Educação Básica? As manifestações dos sujeitos transitam da Educação Básica à formação continuada de professores formadores dos professores. Isso me paralisou por um bom tempo. Encontrei ressonância à questão, em Gonçalves (2005), que diz ser contraditório formar professores para Educação Básica sem ter experiência nessa modalidade de ensino, sendo esta uma dificuldade pela qual sua IES vinha/vem passando.
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“paralisada”. Tinha diante de mim as transcrições das entrevistas gravadas e, além do
‘corpus’, um caderno de campo com registros dos mais diversos. Então, diante da
complexa tarefa de analisar e discutir uma imensidão de dados empíricos, compreendi
que teria recortá-los, de fazer escolhas, e de situá-los perante o fenômeno em
investigação. Por onde começar então?
Retomo, então, o caminho percorrido, observo as orientações sobre Pesquisa
Narrativa e Análise Textual Discursiva e, orientada, reinicio pela leitura de cada
entrevista, para envolver-me em cada discurso e captar neles os sentidos e significados
que os dados expressavam. Familiarizo-me com os textos, com os longos discursos que
exigiram, já no início desse outro contato, leituras e releituras cuidadosas, criteriosas.
Considero o sentido das falas dos sujeitos como um todo e vou à busca de sentido e
significado naquelas falas tão amplas.
O que dizem para mim aqueles sujeitos situados em um tempo e espaço, que me
parecia tão familiar e ao mesmo tempo estranho. Destaco em cada entrevista, períodos
com cores diferentes, marcas do discurso nas quais determino e assinalo as unidades
múltiplas de idéias (Moraes, 2000, p. 121), ou jogo de crenças (Aragão, 2011, p. 23),
discriminações percebidas por mim, a partir das interpretações que vinha fazendo.
Talvez por uma limitação própria, nessa fase da análise senti ter perdido o foco da
pesquisa. Desorientada, suspendi as interpretações ou explicações, qualquer tentativa de
análise prévia.
Retomei meu plano de leituras. Agora, não mais só sobre análise de dados, mas,
primordialmente sobre meu objeto de estudo. Redirecionada, retomo o ‘corpus’,
aprofundo sistematicamente com rigor, a desconstrução e construção dos textos.
Codifico as unidades identificadas, chego então, à unitarização. Atribuo-lhes
denominações segundo minha percepção, e as identifico como unidades de significado.
Examino estas unidades significativas, em constante ir e vir nas leituras e releituras.
Desconstruo, construo, desagrupo, agrupo, reagrupo e as reescrevo de acordo com as
minhas interpretações. Considero que seja essa atitude resiliente do pesquisador frente
aos dados de sua pesquisa que Moraes e Galiazzi (2006) atribuem a denominação de
impregnação do pesquisador aos dados de sua pesquisa.
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A partir dessa imersão aos dados empíricos, com intensidade e profundidade,
passo a fazer articulação de convergências e divergências dos relatos, as quais atribuo
designações de unidades de significado. Emergiram desse processo as denominadas
categorias de análise ou categorização.
Empreendi sucessivas leituras e releituras do ‘corpus’ resultante da
categorização, relacionei-as com as categorias já apontadas, chegando ao que os autores
mencionados denominam novo emergente – é uma nova compreensão do ‘corpus’ no
processo de análise – esta, realizada por auto-organização das categorias ou sentidos
que os discursos dos sujeitos iam fazendo para mim.
A partir do essencial de cada discurso, identifiquei algumas palavras e/ou frases
que considerei marcantes para o fenômeno que investigo, não só pelo sentido e
significado que cada palavra exerce no interior das frases, mas pelas relações existentes
entre elas. A essa síntese interpretativa, que representam crenças, valores, aspirações e
inquietações, ensejadas no âmbitos das práticas e ações desenvolvidas pelos sujeitos da
pesquisa, as identifico como representativas das ideias/palavras/percepção que
expressam, o que pensam, o que fazem e porque fazem o que fazem e como percebem
suas ações formativas no contexto de suas práticas cotidianas no curso de formação
inicial que desenvolvem.
A esse amalgamar de significações integrei outras unidades de significados
foram, emergidas das análises das anotações do Diário de Campo. Ampliando-se,
assim, a síntese provisória inicial, que acredito plena de sentidos e significados, se
comparada à compreensão inicial. Considerei que a partir da síntese constituída era
possível apontar os grandes temas, tópicos ou novo emergente, gerados da auto-
organização do ‘corpus’, com os quais, constituir-se-iam os eixos de análises, a serem
discutidos nesse trabalho, à luz das teorias atinentes à pesquisa.
Assim, entendi que as percepções expressas pelos sujeitos da pesquisa remetem
aos desafios e possibilidades e aos saberes específicos, pedagógicos e da experiência,
com os quais, os sujeitos da pesquisa convivem no dia-a-dia da Licenciatura em
Matemática. Resumir estas unidades Múltiplas de ideias ou jogos de crenças, em duas
seções analíticas, por compreender que essas ênfases se configuram em fluxos analítico
convergentes para múltiplas relações de sentidos e significados narrativos expressam
![Page 67: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/67.jpg)
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nas percepções manifestadas, e que dizem respeito ao fenômeno em investigação, quais
sejam:
CENÁRIO DA CONDIÇÃO DOCENTE E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
limites e possibilidades que permeiam o dia-a-dia da Licenciatura em Matemática
Para essa seção de análise incluo múltiplos aspectos ideacionais ou jogo de
crenças que confluem e se movimentam em torno de diferentes relações de sentidos e
significados, que convergem e se confrontam em torno dos limites e possibilidades em
termos pessoais, profissionais e institucionais, exigindo dos sujeitos da pesquisa,
resiliência frente aos aspectos limitadores das práticas formativas que desenvolvem.
SABERES ESPECÍFICOS, PEDAGÓGICOS E DA EXPERIÊNCIA: sentidos e
significados das práticas e ações no processo de constituição do ser e se fazer professor
Para essa seção analítica convergem crenças, aspirações, inquietações, conflitos,
descrenças e valores pessoais e profissionais indicando diferentes sentidos e
significados em torno de processos que afluem para prática e ações formativas que são
desenvolvidas com intenções exitosas.
Porém, com indicativos de lacunas identificadas pelos próprios sujeitos da
pesquisa como falta de investimento em formação contínua dos professores formadores,
avanço que recentemente a instituição vem propiciando; atitudes e valores que remetem
a conhecimentos essenciais à formação docente, por apontar para saberes específicos,
pedagógicos e da experiência como sendo a base epistemológica, que se traduzem em
perspectivas de mudança de pensamento e atitudes em relação a profissão docente
científica.
A partir dessa organização desenvolvo as nomeadas seções de análises,
buscando inserir na discussão dos dados, perspectivas de narrativas convergentes e
divergentes, que por vezes se imbricam no processo de construção de sentidos e
significados que os sujeitos atribuem às ações que desenvolvem no contexto da
formação que oferecem.
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DIALOGANDO COM OS DADOS
Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita, são
inúteis ambos. Os curiosos terão prazer em descobrir interpretações,
indagações, considerações, confrontando discussões, obras e dados.
Para quem me rejeita, trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já
não aceitou.
Mário de Andrade
Sigo tateando, pois sei que não pode existir nenhum vocabulário que
transmita em palavras o peso das obscuras alusões que pairam sobre as
coisas.
Ítalo Calvino
Prossigo lentamente, pois já sei que Lá onde há uma situação, há um horizonte suscetível de se retrair ou de se alargar. A proposta é o
alargamento da questão em discussão
Ricoeur
Antes de iniciar a análise dos dados nomeados para esta discussão analítica,
ocorre-me dizer que, quando li e reli as manifestações que serão discutidas na primeira
seção de análise, sejam as expressas pelos professores ou pelos licenciandos, correu-me
em diversos momentos não discuti-las. Vi-me quase na iminência de excluí-las da
análise, posto ter me ocorrido que elas não iriam contribuir com as discussões sobre o
foco desta pesquisa – percepções sobre experiências de formação inicial docente,
expressas em manifestações de professores e licenciandos de um curso de
licenciatura em matemática. Nesse momento suspendi as análises e aprofundei os
estudos. No retorno, decidi incluí-las pelos seguintes motivos:
i) Por um lado dei-me conta de que no âmbito da formação inicial docente
coexistem múltiplos fatores que se interpõem a ela, limitando as ações dos
sujeitos que a ela se dirigem, mas existem, também, sobremaneira relevante, o
potencial interno inerente aos sujeitos da experiência, capaz, se assim se
dispuserem, de romper com o instituído. O que implica dizer que no contexto
existem muitos fatores que limitam ações que se dispõem a interferir nele, mas
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tais motivos não podem sobrepor-se a perspectivas ideacionais de intervenção
positivas na realidade, como expressam os sujeitos desta pesquisa;
ii) Por outro, inspirando-me nas palavras de Freire, compreendi que omitir essas
falas, que expressam a realidade histórica dos sujeitos da pesquisa, seria em
grande medida, escapar à responsabilidade ética do mover-(me) no mundo,
como disse Freire (1996, p. 19);
iii) Mais ainda, seria não assumir a posição de quem luta para não ser apenas
objeto, mas sujeito também da História, como alerta Freire (1996, p.19 - 54.
Grifo do autor), o que não é o caso.
Reorganizada, horizontes ampliando, retomei as análises e, a partir das
manifestações expressas em palavras/ideias, ocorreram múltiplos olhares sobre alguns
condicionantes que se interpõem à formação inicial docente, posto ter percebido que as
narrativas manifestadas pelos sujeitos da pesquisa expressam com clareza as
fragilidades próprias e adversas em relação à formação que desenvolvem. Contudo, essa
é a realidade percebida e manifestada, e a realidade é sempre importante e não se deve
jamais definir por fronteiras as coisas importantes (MORIN, 2005, p. 73). Essa ideia de
Morin instiga a afirmar que não há fronteira clara que estabeleça o limite entre as
possibilidades de intervenção e os condicionantes interpostos ao contexto onde os
sujeitos desenvolvem as suas práticas e ações.
Desta maneira, como presença consciente no mundo não se pode escapar à
responsabilidade ética de mover-se no mundo e buscar compreender e intervir na
realidade em que se vive e atua como profissional, da qual e para a qual somos co-
responsáveis, implicando reconhecer que somos seres condicionados, mas não
determinados. A história de cada um é tempo de possibilidade e não de determinismo.
Assim, reiterando as palavras de Freire:
Que o futuro permita-me reiterar, é problemático e não inexorável. Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História (1996, p. 19 - 54. Grifo do autor).
Nessa perspectiva, entre vozes e palavras/ideias/manifestações e as interlocuções
teóricas atinentes ao objeto em investigação, eis a discussão dos dados.
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CENÁRIO DA CONDIÇÃO DOCENTE E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
limites e possibilidades que permeiam o dia-a-dia da Licenciatura em Matemática.
A partir dos dados empíricos, capturados em entrevistas semiestruturada,
discussões em Grupo Focal e anotações em Diário de Campo, prospecto imbuir-me de
fundamentação teórica e inspiração ideacionais que possibilite lidar com a complexa
natureza das narrativas, que expressam a realidade contextual dos sujeitos da pesquisa.
Desse modo, a perspectiva é estabelecer diálogo interativo de sentidos e
significados - interpretações-teorias, teorias-interpretações e os próprios discursos
manifestados - considerados expressão das percepções manifestas pelos sujeitos –
outros/outras que, ao incluí-los no meu diálogo sou capaz de colocá-lo no mundo e de
me ver limitado por ele. A percepção manifesta a qual me refiro diz respeito ao que
pensam, perceber, vivem e é abarcada pelo campo de visão dos sujeitos da pesquisa.
Nessa perspectiva Merleau-Ponty (2006, p. 169), contribui com os seguintes dizeres:
A percepção do outro reside primeiro no fato de que tudo o que pode valer como ser a meus olhos, só ocorre tendo acesso, diretamente ou não, a meu campo de visão, aparecendo no balançê de minhas experiências, entrando em meu mundo, o que quer dizer que tudo o que é verdadeiro é meu, mas também que tudo que é meu é verdadeiro intencionalmente e reivindica como seu testemunho não apenas eu mesmo no que tenho de limitado, mas também o outro nas suas limitações.
Em consonância com a compreensão de diálogo, que possibilita incluir o outro
nas nossas limitações, busco ter acesso aos sentidos e significados expressos em
ideias/palavras/manifestações narradas pelos sujeitos da pesquisa e que a eles e a mim
fizeram sentido e explicitaram significados sobre o objeto em estudo. Unidades
significativas que povoam o contexto da formação inicial docente em matemática, as
quais reivindicam atitude heurística para discutir os dados percorrendo (des)cominhos
em busca de obter acesso a múltiplas relações de sentidos e significados manifestados.
Outro sim, definir balizares de interlocução que propiciem explicitar o fenômeno
em estudo que, em síntese, representam sentidos e significados ensejados em torno de
expectativas acalentadas no bojo das experiências vivenciadas, fazendo emergir
pensamento reflexivo que percorre caminhos construídos e desconstruídos e se revertem
em alteridade.
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No âmbito da discussão, adquire centralidade e relevância a formação que os
sujeitos desenvolvem, ao perceberem os limites e as possibilidades, interagindo e
interdependendo com/do outro.
Nessa dinâmica de interdependência entre limites e possibilidades, das narrativas
emergem crenças e valores em movimento, que coexistem em linhas de força
estruturantes, evidenciando um contexto marcado por aspirações, inquietações e
desejos, que se conflituam entre “ser”, “dever ser” e “poder ser” o formador que a
complexa contemporaneidade exige.
Imbricados a todos esses anseios, em termos ideacionais, emergem percepções
que trazem a singularidade de cada sujeito ao se envolver com o que faz e se perceber
como sujeito que ocupa a posição de co-responsável pelas mudanças e, por isso, tem a
responsabilidade de intervir na realidade contextual.
Do mesmo modo, estabelecem certo consenso de que a formação continuada
para os professores formadores, melhores condições de trabalho e o reconhecimento
social do lugar e da importância do professor para o desenvolvimento social e condições
de crescimento humano, são condições básicas para que haja formação inicial desejável
e interesse dos jovens pela docência.
Dentre estas perspectivas de análise, inicio nomeando uma narrativa que
evidencia uma reflexão feita em relação à importância da formação continuada para o
professor formador:
Quando penso em formação, em estudo, a primeira síntese que faço, é em relação ao que experimentei. A maior dificuldade foi compreender como as coisas são diferentes. Parece até que o Brasil é outro. Eu nunca tinha pensado nisso, meus estudos fez isso comigo. É outra visão que se adquire, é uma outra realidade que se deseja. Em temos de dificuldades, de estrutura, de condições de trabalho e até de estudar mesmo. De olhar o aluno, os seus limites, as suas carências e as suas capacidades, sem descaracterizar o ensino e aprendizagem do conhecimento específico e outros, claro. Tenho claro tudo isso, mas só muito recente isso mexeu comigo, e não é fácil saber nem por onde começar (CRIS, Entrevista).
O professor encontra na experiência vivenciada, em estudos que realizou, o
conhecimento como processo de crescimento pessoal e profissional. Amplia sua visão
de mundo e de conhecimento, explicitada sob a égide da comparação, as diferentes
realidades em um mesmo Brasil.
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Relaciona fatos e contextos distintos, inserindo em seu discurso a percepção de
que vivenciou acontecimentos e práticas que, ao relacioná-las à sua realidade,
sutilmente estabelece uma crítica. Refere-se a outra visão de mundo da qual se
apropriou, sem no entanto, perder de vista a preocupação para a qual direciona as suas
ações – o aluno em formação – com os seus limites e possibilidades.
Essa manifestação de Cris, revela, também, multiplicidade e movimento
(MORIN, 2000), transitando entre a realidade contextual e o almejado em âmbito
global; entre a concepção de instituição que adquiriu, porque a vivenciou, e o que lhe é
possível oferecer aos licenciandos enquanto formador, expressando a sua condição
docente de considerar a realidade sócio histórica em que está inserido – olhar o seu
aluno como ser de possibilidade, sem, contudo, descaracterizar o conhecimento
científico, reconhecendo as limitações existentes.
É possível perceber, na mesma perspectiva, a preocupação de Cris em relação a
não saber por onde começar, dado que a visão que adquiriu ainda está em situação de
desequilíbrio, por ser uma visão recente e porque concebe o fazer docente como uma
prática complexa e multifacetada, preparação para o futuro em perspectiva.
Sobre essa questão de os docentes se sentirem instáveis diante dos desafios a que
se vêm imersos, Imbernón (2015, p. 11) esclarece o seguinte:
Somente podemos contemplar a educação em uma perspectiva de futuro. Embora seja realizada no presente, sempre dará seus frutos não hoje, mas no futuro, em um momento que estará mais ou menos próximo do presente. Essa condição tem que nos importar, precisamente por isso, porque educar/formar é fazer algo pelo “dia de amanhã”, que é dos outros que nos seguirão. A educação é uma atividade que realizamos porque acreditamos na promessa de que o futuro se realizará, o que esperamos que seja melhor.
Essa condição expressa por Imbernón (2015), evidenciada como preocupação na
manifestação de Cris, tem que importar, porque tem se tornado cada vez mais evidente
que o futuro está oculto atrás dos homens que o fazem (IMBERNÓN, 2015, p.12).
Nesses termos, é possível inferir que, se nada é feito hoje, pouco ou nada se
pode esperar para o futuro, o que justifica a preocupação de Cris (Entrevista) ao dizer
que tem claro a dimensão dos problemas que o desafia, mas só muito recente isso
mexeu com ele, e não é fácil saber por onde começar.
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Há na narrativa de Cris, preocupação que evidencia reflexão feita em relação à
importância da formação continuada para o professor formador, o que o faz sentir-se
responsável e, de certa forma culpado, pelo seu limitado campo de visão em relação à
questão da formação do professor formador de professores, o que se reveste em
limitação para com a formação de futuros professores.
Ao discutir o lugar e a importância da formação do professor formador para a
formação do licenciando, Gonçalves (2005, p. 20) chama atenção para a falta de
reflexão em termo desta questão, porque limitada e descontextualizada sendo a
formação do formador e as atividades que desenvolve no seu trabalho diário, limitada
ou ausente será a reflexão deste em torno das atividades que desenvolve nos cursos de
licenciaturas, no momento em que ocorre a formação dos licenciandos, por não
considerar o contexto onde ocorre a formação e na qual irá atuar o futuro professor. O
autor toma como base o trabalho de Alves (2004), para afirmar como sendo este um
ponto nevrálgico e uma das causas da formação deficiente de professores para os
vários níveis de ensino. Nesse cenário, os licenciandos, quando passam a atuar na
docência, experimentam a sensação de que a formação docente de que estão imbuídos
não responde às demandas sociais, para as quais formam formados.
Contudo, como os professores formadores, sujeito desse estudo, também são
professores do ensino básico, é possível identificar que o olhar atento de Cris o permite
demonstrar novas relações no processo de ensino e aprendizagem a partir da formação
recente que o propiciou abarcar outras perspectivas para a formação docente que
desenvolve e, a partir dela, adveio a preocupação com o lugar do aluno -
comportamentos pouco freqüentes no ensino e na vida, assim advertem Martins e
Bicudo (2006, p. 86). A um só tempo, retoma o seu lugar de professor e expressa o
reconhecimento de que não pode haver confusão entre a sensibilidade de compreender
as limitações do aluno na sua realidade social e sua responsabilidade para com o ensino
e aprendizagem dos conhecimentos científicos.
Na mesma direção da fala de Cris, Frans se expressa e diz o seguinte:
Entender o aluno, os problemas dele? Sim, é preciso. Mas ficar nisso, é um atraso. Lá na escola está cheio disso, vê-se isso todo dia. Saber o conhecimento específico e saber transformá-lo em um saber ensinável, para que eles não caiam em modismos sem fundamento, essa é a perspectiva da formação que oferecemos (FRANS, Anotação do diário de campo).
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Ao concluir essa fala, Frans faz longo comentário a respeito da qualidade do
ensino. Reporta-se às pesquisas que denunciam a falta de compromisso das políticas
públicas brasileiras e dos professores para com a educação em todas as modalidades de
ensino. Em tom arrebatador diz:
A educação é um caos, o ensino uma precariedade. Pesquisas mostram que entre 40 (quarenta) países, o Brasil é o penúltimo em qualidade do ensino e valorização do professor, só perde para a Indonésia. Nesse quadro todo, o Maranhão é penúltimo lugar no ranking nacional. Só perde para o Rio Grande do Norte, lastimável, não é? (FRANS, Entrevista).
Esclarecendo o que talvez já esteja esclarecido, Frans reporta-se aos noticiários
propagados pela mídia nacional, quando se referem a várias pesquisas que denunciam a
falta de qualidade da educação brasileira, entre elas cita:
i) G138 Educação, quando a mídia televisiva anunciara que: Em pesquisa de
2012, o Brasil é penúltimo lugar em ranking global de educação que
comparou 40 países levando em conta a qualidade do ensino, qualidade
e valorização de professores, dentre outros fatores. Só está à frente da
Indonésia, assim diz a pesquisa;
ii) Em outra pesquisa realizada pela Economist Intelligence Unit (EIU)-Person
(2014), esta concluiu que o Brasil aparece na 38ª posição do ranking, na
frente de México e Indonésia – um avanço de um lugar, na comparação
com a edição de 201239;
iii) Em nenhuma das etapas avaliadas pelo MEC a Rede Estadual de Ensino
público alcançou média satisfatória. A pontuação alcançada pelos alunos no
final do Ensino Médio (242,2) é inferior ao que seria satisfatório para os
anos finais do Ensino Fundamental (300) (INEP, 2012); em qualidade do
ensino, o Maranhão ocupa penúltimo lugar no ranking nacional (IDEB,
201440;
38Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/11/121127_educacao_ranking_eiu_jp. Acesso em: 12/05/2015. 39As duas pesquisas (2012 e 2014) foi realizada pela Economist Intelligence Unit (EIU) –Person. Empresa britânica que faz pesquisa na área da educação. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/05/140508_brasil_educacao_ranking_dg. acesso: 17/05/2015). 40Em um ranking nacional,o maranhão é penúltimo lugar nas pesquisas sobre qualidade do ensino (Disponível em:http://tribunadonorte.com.br/noticia/ensino-ma-dio-no-rn-fica-em-penaoltimo-lugar-no-ranking-do-ideb.http://g1.globo.com/educacao/noticia. Acesso em: 20/03/2015).
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iv) O governo do estado do Maranhão reconhece que os alunos saem da
educação básica com nível de aprendizagem em língua portuguesa e
matemática insuficiente até para o ensino fundamental (SEDUC, 2014, p.8).
Em meio às suas explicações sobre esses fatos e as possíveis implicações de onde
eles advêm, Frans também se manifesta e diz:
Em uma época de eleição nos prometeram um prédio, investimentos em recursos didáticos aqui. Agora recentemente, esteve uma equipe aqui e disse: não deixe de fazer nada pensando que vai haver alguma construção, investimento em alguma coisa por aqui, não vai. Não há como investir nisso, pelo menos por enquanto. Eu pergunto: é possível conviver com tanto descaso, por tanto tempo e não ficar descrente? São 19 (dezenove) anos. Não tem sentido isso, ou tem? As pesquisas mostram a realidade e as providências são rasteiras, para não dizer inexistentes. Isso é ter compromisso com a educação, com ensino? Não é. É uma questão de correspondência biunívoca, se a formação do professor não tem qualidade, do ensino dela decorrente não se pode esperar outra coisa (FRANS, Entrevista).
Nesse clima de amplas e recorrentes reflexões, as manifestações fluíam, a
margem de diálogo se ampliava, transparecendo o inconformismo, a inquietação, o
sentimento de impotência. Sentimentos estes que, veladamente se mostram em muitos
outros discursos de professores desse país (FIORENTINI, 2003). Nesse sentido, ressalto
que o conhecimento das informações ou dos dados analisados isoladamente ou em
recortes/frases pequenas, é insuficiente para que se compreenda o sentido de narrativas
relatadas, o que impossibilitaria compreender as diferentes realidades em que ocorre a
formação do professor e a atentividade e sensibilidade dos formadores de professores
em perceber a complexa problemática que interpela e interfere negativamente na
estabilidade emocional do professor.
Desse modo, é preciso situar as informações e os dados em seu contexto para
que adquiram sentido. Para ter sentido, a palavra necessita do texto, que é o próprio
contexto, e o texto necessita do contexto no qual se enuncia (MORIN, 2006, p. 36).
Diante desses dizeres de Morin, é possível perceber claramente o que significa a
expressão: o global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a
ele, de modo inter-retroativo ou organizacional. Analogamente, implica dizer que é
intrínseca a relação entre a formação do formador e a formação dela decorrente.
Assim, é possível afirmar que a primeira compreensão de formação, como lócus
de interações humanas, deve ser um espaço de troca, de sociabilidade, de conflitos e
tensões, de acordos e articulações e ao mesmo tempo de produção de conhecimento de
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ambas as partes – professores formadores e licenciando – em que cada um precisa
analisar a situação global para entender a local, e a local interpretar os acontecimentos
sociais em termos amplos.
Sobre os discursos de seus pares, na vivência do cotidiano na escola e na
universidade, em um tom de coexistência em um mesmo mundo, Luri se expressa e diz
o seguinte: essa falta de qualidade do ensino é algo assustador e motivo de sofrimento
de muitos professores que vestem a camisa pelo lado direito e se comprometem com a
educação, o ensino,e também com a própria profissão (LURI, Entrevista). Sobre essa
percepção de Luri, Frans, também se manifesta e diz:
Na escola, amontoam gente nas salas dizendo que estão incluindo, mas sabem que na verdade estão só inserindo, isso é tirar a oportunidade de muitos que ainda não descobriram o valor do conhecimento. Isso é devastador para o professor que se preocupa com essa questão. Os próprios alunos, sem consciência porque não se tratam dessas questões na escola, acham um horror o professor que exige que eles estudem e esta vertente de pensamento tem platéia garantida por grande maioria da sociedade. Aqui chegam alunos quase analfabetos, não é só em matemática não, é em tudo; e olha que já passaram por uma seleção. Mas não será esta a proposta? Disfarçada apenas para enganar ainda mais a população e levá-la a desvalorizar cada vez mais o professor? (FRNS, Entrevista)
Sob a influência da relação que estabelecem entre a qualidade do ensino na
educação básica, o desinteresse dos jovens pela docência e a desvalorização social do
professor, Frans e Luri fazem crítica assumida por sua condição de professores do
ensino básico e superior, denunciando um sistema público ineficiente e um ensino
descaracterizado pelo próprio sistema que o promove, e a um só tempo o avalia e
reavalia, sem que nenhuma providência seja tomada para reverter a situação indesejada.
Nesse sentido, FRANS (entrevista), assim se expressa:
Isso é tirar a oportunidade de muitos que ainda não descobriram o valor do conhecimento, por que está muito claro que o professor não tem condições de atender 35 a 45 alunos em uma aulade 50mim e isso se repetir em um só turno de trabalho de 20 horas, em quatro ou cinco salas distintas.
As manifestação, de Luri e Frans enfatizam o (des)compromisso do sistema
público de ensino, e de docentes que não percebem a importância do lugar que ocupam,
não aprovando a incapacidade dos professores de lidar com as situações reais presente
na escola, onde afinal se imbricam todos os conhecimentos tratados no currículo. Desse
modo, na reflexão que explicitam narrativamente, denunciando as práticas
desenvolvidas nas escolas como um fazer de conta. Nesse sentido, Cris também se
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manifesta e diz: Entender o aluno sim. Mas ficar nisso, é um atraso. Lá na escola está
cheio disso, vê-se isso todo dia e nada é feito para romper com essa visão afunilada, de
certificar sem qualificar (CRIS, Entrevistas).
Estas manifestações são representativas de um entendimento da condição
docente presente no lócus de formação do docente que irá atuar na escola básica, as
quais manifestam a situação de crise em que o professor formador se vê imerso. Isso
conduz a inferir que a centralidade cada vez mais “no que e para que” os professores são
formados, fica comprometida; no processo de formar o docente para fazer com que o
ensino de qualidade aconteça na escola básica, traz para o professor formador o desafio
de romper com práticas instituídas pela própria sociedade ao longo do tempo. Eles
percebem a dificuldade em formar para as novas demandas; de romper com estruturas
arraigadas dos que concebem que a simples certificação é suficiente para mudar a
realidade historicamente construída.
Daí ser pertinente afirmar que os sujeitos dessa pesquisa não estão só atentos
para o que presenciam em seu entorno, eles estão envolvidos físico e intelectualmente
com o que estão fazendo; assumem posições e expressam suas crenças sobre o contexto
em que estão inseridos; fazem uma leitura regida no âmbito da formação que oferecem,
usando sempre os termos preocupação, buscar, correr atrás; expressam consciência que
atribui sentido e significado à posição que assumem diante do trabalho de formação
docente que realizam.
Transitando da universidade à escola, da escola à universidade, por ser estes os
lugares onde desenvolvem as suas atividades docentes, esses professores refutam o
cotidiano da escola que vai preparando o aluno para a alienação - exclusão certificada –
assunto este, tratado por muitas pesquisas como reflexo de concepções de ensino
milenares de caráter medieval - aquelas que consideram e conduzem o processo de
ensino e aprendizagem linearmente, sem considerar o que o aluno pensa ou conhece, e,
por isso mesmo, em muitas práticas docentes, dogmaticamente, o conhecimento é
concebido como verdade universal que permanece como uma espécie de
correspondência termo a termo (ARAGÃO, 2005, p. 47).
Para essa visão restrita de ensino, insistentemente denunciada por Aragão (2005)
e muitas outras pesquisas, é preciso haver mudanças, mas é preciso que haja, também,
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condições de trabalho, por que a educação do futuro é constituída no presente, e esta,
segundo Tedesco (2015, p. 33), deve garantir o seguinte:
A igualdade individual das oportunidades. Isso nos obriga a refletir sobre a formação dos sujeitos, sobre o próprio modelo educacional e sobre o lugar que tal modelo outorga aos indivíduos, a seus projetos, à sua vida social e à sua singularidade, independentemente de seus desempenhos cognitivos ou da sua condição social
Desta maneira, em termos ideacionais e relacionais aos dizeres de Aragão (2005)
e Tedesco (2015), sobre as práticas docentes insistentemente exercidas em termos de
ensino, é preciso haver mudanças urgentes, mas é sobremaneira importante que haja
transformação na maneira de conceber o trabalho do professor, as condições em que
esse trabalha vem sendo realizado para que se possa vislumbrar mudanças no contexto
sócio-cultural em que essa formação é realizada e, por conseqüência, o ensino e a
aprendizagem dos alunos, porque não é possível que se acredite que mudando somente
o ensino, a realidade vá mudar. Não! É preciso compreender a natureza do
conhecimento matemático sistematizado, complexo, entrelaçado, porque logicamente
estruturado, motivo pelo qual, sem estudo por parte dos alunos a aprendizagem se torna
cada vez menos realizável.
Se analisarmos as declarações de Frans, quando retrata a realidade que vivencia,
se reportando ao contingente de alunos atendidos por um só professor e por turno de
trabalho, como ele manifesta na narrativa seguinte, é possível depreender que tal
situação verdadeiramente limita as condições de o professor encontrar fôlego para
aspirar perspectivas positivas em relação à sua prática docente, senão vejamos o que
diz Frans:
Consideremos um professor que ensina matemática para cinco primeiros anos do ensino médio, cinco vezes três aulas, são 15 aulas por semana, que é o exigido como carga horária de 20h semanais. Veja só, em 20 horas de trabalho tem-se 20x60 mim é igual a 1200 min. 35 alunos vezes 5 (salas), tem-se 175 alunos por turno. 1200min dividido por 175 alunos, tem-se 6, 8 (6mim e 8s) para o atendimento semanal por aluno. Some-se a isso, planejamento e preparação de aula, trabalhos para elaborar e corrigir, burocracia a cumprir. Essa é uma matemática que se precisa fazer. Ou não? Há formação que dê conta disso? (FRANS, Anotação de Diário de Campo).
Para esta narrativa de Frans, sigo com os esclarecimentos já colocados por
Aragão (2005) e Tedesco (2015), amplio acrescentando que ao se identificar tais
situações, as quais são determinantes porque limitadoras da ação docente, por ter
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colocado o docente em momentos “críticos e de crítica” sobre si e os outros, é preciso,
no momento da formação discuti-los porque se pode inferir que as competências e
habilidades do professor, diante da realidade expressa, a qual de acordo com diversas
pesquisas não é exclusiva desse contexto, vai muito além da ideia de dominar conteúdos
específicos; entrar em uma sala de aula e ministrar aulas sem analisar e avaliar com
acuidade a realidade, como buscou/busca fazer acreditar os curso de formação de
professores que se vêm desenvolvendo ao longo dos tempos.
Desse modo, não há atalhos para rodeios, a universidade, instituição formadora
de professores, e a escola, responsável pelo o ensino básico, devem caminhar em
interação contínua; rever as suas estruturas organizacionais e práticas, o que nas
palavras de Imbernón (2015, p. 23), significa potencializar e criar novas abordagens
didáticas, novas atitudes e formas de ação para não cair no marasmo da alienação pelo
ativismo insistente a que se vê imersa.
No sentido de mudar, de acreditar na possibilidade de melhorar a formação de
professores para aspirar ensino de qualidade, há aspirações ideacionais nas falas do
sujeito, expressas nos seguintes termos:
Nós precisamos avançar. Olhar a formação dos nossos futuros professores pensando em um ensino desejável lá para a escola. Contudo, o que se percebe é que a cultura da prevalência do ensino é muito grande, aqui e lá, e até mesmo aceita sem questionamentos, porque as condições não favorecem (VANI, Entrevista).
Essa fala de Vani é o reconhecimento de que as práticas em relação ao ensino
têm de mudar, “aqui e lá”, ou seja, a universidade e a escola têm que mudar,
primordialmente em relação ao que Vani declara: prevalência do ensino é uma
constante nas instituição. O que implica reiterar o que as pesquisas apontam como
práticas conservadoras de ensino, nas quais o aluno é visto como mero receptor de
saberes passados por seus professores – por não considerar o que o aluno sabe e nem o
contexto em que ele vive.
Assim, entre idas e vindas, o diálogo entre pesquisadora e sujeitos da pesquisa,
transita entre vários aspectos das experiências vivenciadas. Nesse amálgama de
ideias/palavras surge a concepção de universidade como um lugar onde se constituem as
transformações mais profundas, pelo conhecimento, pela consciência dos sujeitos
envolvidos no processo de formação, o que seria a universidade desejável.
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A universidade é uma instituição que, por si só, não vai mudar ninguém, quem tem de mudar são as pessoas. O futuro professor tem de ouvir as pessoas interessadas com a educação, com o ensino. Ouvir os professores e ir mudando aquela postura de aceitar tudo sem nada questionar, sem nada fazer. Seguindo um rumo menos trivial, vendo a Universidade como um lugar de mudanças pelo conhecimento (VANI, Entrevista).
Desta maneira, pode-se inferir que as manifestações construídas reflexivamente
e expressa por estes interlocutores, expressa saberes vivenciais e, como qualquer outro
tipo de saber de intervenção social, exige dentre outros aspectos, que o professor torne-
se agente das próprias mudanças, uma vez que a mudança é uma constituição interna
que a formação acadêmica por si só não é suficiente.
A atividade docente é uma prática social complexa que combina atitudes, expectativas, visões de mundo, habilidades e conhecimento condicionados pelas diferentes histórias de vida dos professores situados em um contexto. É, também, altamente influenciada pela cultura das instituições onde se realiza. Desse modo, a prática docente é, portanto, um lócus de formação e produção de saberes coletivas e pessoais (VEIGA; D’ VILA, 2012, p. 34).
Em termos de saberes adquiridos no confronto entre a prática, as condições
efetivas de trabalho e as exigências concretas à profissão docente, os interlocutores
dessa pesquisa estão, continuamente, no decorrer de toda interação que requer uma
pesquisa nos modos da pesquisa narrativa, produzindo formulações, pondo em cheque
conhecimentos tácitos, pessoais e não sistematizados.
Tais ações expressam esforço intelectual e ex-posição de si e da prática que
assumem como saberes construídos no percurso da formação e própria experiência que
se realiza vivência como profissional, se reconhecendo nas suas fragilidades. Sobretudo,
quando explicitam os matizes de suas experiências no âmbito das atividades que
desenvolvem. Daí ser possível afirmar que os professores possuem um conhecimento
vivido (prático), que cada um é capaz de transferir de uma situação para outra, mas
que é dificilmente transmissível a outrem, por isso cada um constrói o seu
conhecimento emergente da sua experiência pedagógica (NÓVOA, 2012, p. 36).
No âmbito dessa discussão faz-se necessário distinguir a diferença entre vivência
e experiência. Resumo dizendo que experiência é o modo como interiorizamos a
realidade, é a forma que encontramos para situar as nossas ações no mundo junto com
os outros. Assim entendida, a experiência deve, pois, ser distinguida da vivência. A
vivência é a situação psicológica, as disposições dos sentimentos que a experiência
produz na subjetividade do sujeito humano. São as emoções e valorações que
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antecedem, acompanham ou se seguem à experiência dos objetos que se fazem
presentes no interior da psique humana.
Desse modo, vivência não é sinônimo de experiência. Ela é conseqüência e
resultado da experiência subjetiva humana. Ela pertence ao fenômeno total da
experiência, mas este é mais amplo e profundo do que aquela, a vivência é o ser e está
no mundo. A experiência é o modo como nos situamos no mundo e o mundo em nós,
então, ela possui o caráter de horizonte. Horizonte é uma ótica que permite ver os
objetos, um focal que ilumina a realidade e permite descobrir os distintos objetos que
emergem da experiência. Nomeá-los, ordená-los no rigor sistemático, epistemológico.
Nesses termos, o saber docente é um amálgama, mais ou menos coerente, de
saberes oriundos da formação profissional, saberes das disciplinas, dos currículos e da
experiência (GIL-PÉREZ; CARVALHO, 2006, p. 29) no qual o pensamento e a
compreensão são os grandes fatores de desenvolvimento pessoal, social e institucional,
fundamental à compreensão (ALARCÃO, 2005, p. (16), mas todo esse amálgama de
saberes emerge da vivência que reside na experiência. Nesse sentido, a compreensão é
entendida como a capacidade de perceber os objetos, as pessoas; analisar os
acontecimentos, as ações que desenvolve e as relações que entre todos se estabelecem
(GIL-PÉREZ; CARVALHO, 2006, p. 20)
Com base nesse fluxo de ideias/crenças, unidades múltiplas de ideias
(MORAES, 2000, p. 121) ou jogo de crenças (ARAGÃO, 2011, p. 23), expressos nas
teorias e discursos ideacionais relevantes, em termos abrangentes são relativamente
partilhados, entre as possibilidades e os limites que se estabelecem nas diferenças e
semelhanças de crenças, valores e interesses, que se juntam sem se misturarem, aos
variados sentidos e significados que professores e licenciandos atribuem à formação que
desenvolvem.
Esse complexo amalgamar de convergências e divergências de percepções, de
saberes construídos e expressos, que aspiram e assumem o olhar de ver tudo ligado a
tudo (MORIN, 2007); de olhar e enxergar (vê) (ARAGÃO, 2005) o diverso na
unicidade e o único nodiverso (MORIN, 2002, 2007), resulta de experiências
vivenciadas em interações construídas e manifestadas segundo um ponto de vista de
querer compreender e, a um só tempo intervir. A um só tempo, reconhecer-se limitado,
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referenciando-se ao passado - São 19 (dezenove) anos e nada é feito (FRANS, Entrevista)
-, que volta a fazer sentido no tempo presente, porque o olhar é voltado para a
construção de outro futuro, aspirado sob o prisma da nova visão de mundo construída –
a de que é preciso ter as condições favoráveis para que a formação inicial docente
ocorra, tendo em vista a melhoria da qualidade da ação docente no processo de ensino
e de aprendizagem em qualquer área de conhecimento ou curso de formação
profissional (ARAGÃO, 2002, p.11). Nesse sentido, fica evidente a tendência de
inferirem a ideia de que a atitude do formador precisa mudar; a instituição precisa
mudar a forma de atuação em relação ao Centro de formação, porque ao papel do
professor formador são impostas novas e acrescidas exigências, pois as
competências e habilidades requeridas ao professor que se precisa formar vão
além da sala de aula e das atividades direcionadas exclusivamente à atividade de
ensinar conteúdos.
No sentido de expressar essa via de acesso que vê tudo ligado a tudo, ao que
acreditam e explicitam no envolvimento com a formação que desenvolvem, há um
recorte de uma manifestação de Luri, capturado em anotação do diário de campo que
fornece indícios de concepção como pré-condição da experiência para promover
formação exitosa (ARAGÃO, 2005), visão aberta sobre o que seja formar docentes; ela
trabalha com a percepção de formação para o compromisso e envolvimento estratégico.
Nós aqui somos poucos, mas fazemos o que podemos. Até quando estamos envolvidos em estudos, como quando fazíamos o mestrado, ficávamos em São Luis dois meses e nas férias em Campinas, mas quando estávamos aqui era trabalhando e dando o melhor para que a Universidade continuasse funcionando e os alunos não ficassem devendo as disciplinas, porque a falta de professor é grande. Sempre buscando estratégias para que os nossos alunos se envolvessem com a sua formação e no futuro possam ter boas práticas. Práticas que represente diferenciação em relação ao que é comum presenciarmos hoje – falta de compromisso com a aprendizagem - isso de alunos e também de professores. É preciso formar para o comprometimento (LURI, Anotações do diário de campo).
Os termos e expressões - sempre buscando, dando o melhor de si, formar
para o compromisso (LURI, Entrevista), são características reveladas em muitas outras
falas dos professores e licenciandos, todas com a entonação de quem enxerga os limites
e se agarra às possibilidades próprias, assumindo responsabilidades como forma de dar
exemplo e fazer fluir e disseminar os valores que assumem, colocando em evidência a
importância do comprometimento, da busca, do engajar-se com o que faz, assumir
responsabilidades. Trazem essas concepções explicitando o que pensam, dando a
![Page 83: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/83.jpg)
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entender que acreditam ser possível novas perspectivas de formação docente; formação
que forme para o compromisso com o ensino e a aprendizagem dos alunos; percepção
que o futuro professor deve envolver-se com responsabilidade e ter consciência do
trabalho importante que irá desenvolver.
A ideia revelada aponta que essa perspectiva de olhar o ensino sob o prisma da
responsabilidade e compromisso e de que deve ser propiciada desde a formação inicial,
sempre buscando estratégias para que os licenciandos se envolvam com a formação que
desenvolvem e no futuro possam desenvolver práticas docentes que representem
diferenciação em relação ao que é comum presenciar – falta de compromisso com a
aprendizagem - isso de alunos e também de professores (LURI, Anotações do diário de
campo).
Para além da ênfase na falta de compromisso com a aprendizagem, dizem que
na Universidade têm carências inaceitáveis, capaz de implicar negativamente em
formação completa. Nesse sentido, assim anuncia esse recorte narrativo:
Recursos, laboratório, biblioteca atualizada, não tem. Então eu penso que a Universidade tem de ter visão mais aberta, ampla. Ver as instituições fora, analisar as carências nossa e buscar atualizar. A limitação na estrutura limita uma formação mais completa. Isso é falta de compromisso (JOCY, G. Focal).
Esta fala, analisada isoladamente nos faz suspeitar que Jocy esteja sem
motivação para com a sua formação. Nada! Assim como as narrativas de Cris,
Frans,Vani e Luri, Jocy expressa a ideia de movimento e multiplicidade, aquela em que
o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional, inserido
em uma sociedade que comporta as dimensões histórica, econômicas, sociológica,
religiosa (MORIN, 2006, p. 38). Nesse contexto de expressão manifestada, pode-se
dizer que Jocy enxerga os limites estruturais da sua instituição, se posiciona e aponta
caminhos possíveis para ela, idealizando uma reflexão que se movimenta em torno do
global – as relações entre o todo e as partes, multiplicidade, movimento, aspectos
recorrente na sociedade emergente (MORIN, 2006, p. 38).
Visão mais aberta, ampla. Ver as instituições fora, analisar as carências e
buscar atualizar (JOCY, G. Focal). Este relato expressa, também, a ideia de consciência
sobre a realidade e visão de aspirações ensejadas como fator de transformação, numa
relação de trabalho/formação que refuta o paradigma instituído historicamente - o de
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que a formação docente pode ocorrer sob quaisquer condições - geradas pelo descaso
das políticas públicas, que não propiciam ambiente favorável nos parâmetros exigidos,
em vista de perspectivas que aspirem qualidade do trabalho formativo.
Essa limitação desestabilizadora das ações dos sujeitos imprime a sensação de
impotência, sob o ponto de vista de se lançarem, efetivamente, na insegurança
assumida e na esperança do esperar (FREIRE, 2005, p. 45), acalentada por longos
anos, que os impedem de aspirarem novos pressupostos para o trabalho que realizam.
Contudo, segundo Gonçalves (2007), esses aspectos não são de todo determinante para
que se deixe de oferecer uma formação desejável, porque ao seu modo de ver, para a
formação de professores não precisa haver finalidade formativa, desde que haja
intervenção e envolvimento afetivo e emocional daquele e do licenciando com o seu
processo de formação.
Nos termos apontados por Gonçalves (2007), sobre a intervenção, a afetividade e
a reflexão sobre as atitudes do professor frente a seus alunos, em qualquer nível de
formação Cris (entrevista) diz que sempre buscar estratégias para que os alunos se
envolvam com a sua formação e no futuro possam ter boas práticas, pensando na
aprendizagem dos alunos.
Esse é um olhar de quem se envolve emocional e afetivamente com o trabalho
que realiza. Embora diga que há esforço pessoal para se colocar sempre à disposição da
instituição (o que é um dever!), demonstra que no espaço acadêmico em que atua, há
muitas incertezas e instabilidade em relação às condições de trabalhos, em diversos
âmbitos, mas não nega o seu envolvimento, apontando possíveis alternativas, senão
solucionadoras dos problemas, pelo menos minimizadoras das limitações a que se veem
imersos, atitudes próprias de quem reconhece os limites, mas não se condiciona a eles.
Desta maneira, essa atitude de se envolver física, emocional e afetivamente,
comprometendo-se com a formação que oferece, difere, sem comparação, da esperança
do esperar, que implica inércia, comodismo, paralisação. Nesses termos, para o ponto de
vista crítico assumido, o ato da esperança do esperançar manifestado, narrativamente,
parece corroborar com os seguintes termos:
Não quero dizer, porém, que, porque esperançoso, atribua à minha esperança o poder de transformar a realidade e, assim convencido, parto para o embate sem levar em consideração os dados concretos, materiais, afirmando que
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minha esperança basta. Minha esperança é necessária, mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos de esperança crítica, como o peixe necessita da água despoluída (FREIRE, 1992, p. 10).
No sentido expressado pelos dois últimos autores citados, ponho em evidência
duas manifestações, de Cris e Luri, as quais representam o envolvimento com a
formação que realizam e os desafios que enfrentam no contexto em que atuam.
Nada é fácil por aqui, até para se participar de um evento é muito difícil, é oneroso financeiramente e desgastante fisicamente. Tudo é longe, mas temos alunos que antes de terminar a licenciatura já cursava especialização e já fazia seleção para mestrado, tudo isso têm que sair daqui e não é fácil (CRIS, entrevista).
Lembras daquela fala que diz que a universidade tinha de ter Visão mais
aberta, ampla. Ver as instituições fora, analisar as carências nossa e buscar atualizar?
Essa fala é do licenciando a quem se refere Luri, o licenciando Jocy, declaração de
quem está envolvida de fato com a formação que oferece. No presente, esse aluno faz
mestrado na UERJ (Universidade estadual do Rio de Janeiro), assim diz Cris
(Anotações em diário de Campo). Orgulhosos, Luri e Cris trazem em suas
manifestações referências ao sucesso do aluno/licenciando que antes de terminar a
licenciatura, já se propunha a ingressar em estudos mais avançados – mestrado. Para
eles, esse fato implica se reconhecerem como formadores na esperança de transformar a
realidade, também afirmarem as suas proposições sobre o trabalho que desenvolvem.
É dessa esperança do esperançar, movimentar-se, almejar, interessar-se pelo
outro (FREIRE, 1992), que os sujeitos dessa pesquisa falam.
Só agora muito recentemente têm aparecido pessoas para dar satisfação sobre os rumos da Universidade. A visão deles é que a UEMA cresceu de modo errado, que se tem de fechar cursos, comportar menos alunos. Nós não concordamos com isso, acho que o redirecionamento tem que ser para avançar e não retroagir. Moramos em uma região muito isolada, então, estamos lutando por melhores condições de estudo, de trabalho, de formação e não vamos ficar quietos. É preciso ter compromisso para enxergar essa nossa lógica. É preciso convencer as pessoas sobre os nossos interesses, que não são só para nós. Nós estamos saindo, mas é para os outros que virão depois de nós (JACK, G. Focal).
No cerne das tensões explicitadas nas narrativas, percebe-se que os sujeitos
ensaiam, abrem trilhas, criticam, experimentam, ousam, sofrem em suas vidas, na sua
condição existencial. Assumem a docência/discência imbuídos de convicções capazes
de fazer sínteses provisórias, estabelecendo nexos entre os limites que estão
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vivenciando e a possibilidade de neles interferir. Nesse sentido podemos dizer que estão
expressando a certeza de que o crescimento pela educação é um investimento coletivo e
só faz sentido quando atinge o maior número de pessoas possível (FIORENTINI, 2003,
p. 19).
Os problemas temos muitos, faltas sem precedentes, isso é verdade e estamos lutando por melhores condições. Somos nós que temos de lutar, não concordando com tudo isso. Senão, o que será de nós e dos nossos futuros professores? É o ensino? Que é uma negação? Por isso, temos de acreditar que somos capazes de interferir e mudar a realidade, acreditar em nós mesmos e na formação que oferecemos como fator de mudança. Não é fácil mudar a realidade, porque não depende só de nós. Depende de muita gente e em muitos deles não podemos chegar, ou é muito difícil ser, pelo menos ouvido por eles (VANI, Anotação do diário de campo).
Não sei se foi a necessidade de falar, a opção metodológica de pesquisa adotada
ou a confiança entre pessoas que habitam o mesmo mundo – o mundo da educação – ou,
possivelmente ambas. O fato é que o diálogo fluiu entre pesquisadora e sujeitos da
pesquisa (MARTINS; BICUDO, 2006), e os sujeitos se propuseram e ex-puseram as
suas experiências de formador/formando, os limites e possibilidades a que estão
expostos em termos institucionais, por isso mesmo, profissionais - afirmando,
discordando, sugerindo, questionando, denunciando omissões e falta de compromisso –
característica de quem se coloca em posições politicamente ideologizadas sob o prisma
do paradigma de quem tem consciência do poder transformador das atitudes positivas,
assumidas a título individual e coletivo - no presente. Expressam ponte para estabelecer
relação entre a discussão ensejada sobre a realidade concreta e a reflexão crítica como
agente e instrumento articulador de estratégias de intervenção (D’Ambrosio, 2005).
Desta maneira, é possível dizer que estes sujeitos afirmam que é preciso assumir
responsabilidades e se comprometer com a preparação de novas bases de formação
menos fragmentada, porque são as novas gerações que vão organizar a educação do
futuro. Nessa perspectiva é recorrente pensar em intervir na realidade em termos
imediatos, ainda que não saibamos o que fazer em um futuro que se mostra, como diz
D’Ambrosio, (2005, p. 40), com fatos que ainda estão no âmbito da ficção, na maioria
dos casos, apenas como fonte de interesse desejável. Mas que vão, rapidamente,
transformando a realidade. Nesse contexto as posições que assumimos são
fundamentais para a educação que se deseja construir.
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Sobre a questão de propor e expor as suas experiências concretas de
formador/formando, Larrosa (2004, p.161) diz que a pesquisa narrativa tem essa
característica. Os sujeitos se revelam com a maior naturalidade pelo seguinte:
O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto. Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição ( maneira de pôr-nos), nem a o-posição ( maneira de opor-nos), nem a pro-posição ( maneira de propor-nos), mas a exposição, nossa maneira de ex-por-nos, com tudo que isso tem de vulnerabilidade e de risco ( grifo nosso).
A hipótese sobre a qual se apóia as citadas manifestações, consiste e permite
perceber que elas expressam crenças, aspirações, limitações e inquietações. Veja-se
que as falas não negam as lacunas e faltas advindas da situação estrutural em que
vivenciam no trabalho que realizam. Eles se ex-põem e se o-põem, quando reconhecem
as carências institucionais; e se põem quando se colocam como sujeito da esperança do
esperançar, sugerindo, questionando e se colocando como veículo de intervenção na
realidade concreta. O que implica o desafio que temos adiante, o de preservar as
condições sobre as quais se baseia nosso reconhecimento de que agimos como pessoas
autônomas, como autores responsáveis por nossa história e nossa vida, e daqueles que
com nossas ações se possa transformar (TEDESCO, 2015, p. 27).
Sustentar convicções como estas, desenvolvendo ações de vínculo entre
educação/ensino e sociedade, estará definido pela ideia ou pelo ideal da esperança do
esperançar, que é almejar, sonhar, buscar, agir, se interessar, se movimentar.
Esperançar consiste na certeza de alcançar objetivos, por mais elevados que sejam, é o
contrário da esperança do esperar, que é colocar-se em posição de ansiedade, de
dúvidas da crítica alienada, esperando passivamente sem nada fazer nem mesmo aquilo
que poderia ser feito (FREIRE, 1992, p. 123).
Reiteradamente, os discursos manifestados remetem às expressões de mudança e
esperança, todavia, Freire (1992, 1996) esclarece que a mudança é algo mais estático
que a esperança, porque aquela anda lado a lado com estabilidade, uma vez que já
adquiriu outra forma - a forma da mudança, do que não é mais o que era. A esperança não!
Esperança é luta, movimento, interesse. Ela flui no diálogo entre as situações reais e o
sujeito que nelas atuam (FREIRE, 1992. p. 124).
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Desse modo, a esperança e a mudança, respectivamente, são substantivos que
significam dinamismo e estatismo41. Contudo, ambas representam visões de quem cultiva a
alteridade; aquela, constitutiva do caráter de busca, da ação, do interesse – esperançar; esta,
constitutiva da estrutura social mais geral, a qual não poderá ser mudada sem o esperançar
coletivo (FREIRE, 1992, pp. 9-14). O sujeito do esperançar, que atua na realidade se
predispondo a mudá-la, a qual mudando sempre estará, permanecerá na esperança
mesmo a tendo mudado, com o desejo de novamente mudá-la. Desse modo, o desejo da
mudança torna-se infinito, e o sujeito da esperança do esperançar, será um sujeito
sempre inquieto (FREIRE, 1992, pp. 23-35).
Penso que no início da licenciatura se tem que ter um curso ou um tempo estudando a matemática básica, porque quando chegamos aqui temos muitas dificuldades, se não fosse a compreensão e o interesse dos professores por nós, ninguém terminaria o curso. Lá no fundamental e no médio não se sabe bem o que quer, o que queriam. Ficava lá, é aquela coisa, para ter o certificado e dizer que tem o ensino médio. Agora não, quem vai fazer um curso de licenciatura já sabe o que quer, ou pelo menos assumir isso. Então, eu acho que ajudaria muito, muito mesmo, porque muita gente tem dificuldade e não sabe nem por onde começar. Nós avançamos muito, mas poderia ter avançado mais (MARLON, G. Focal ).
No ir e vir, avançando e retomando o ponto de partida (percepções sobre o
ensino fundamental e médio, nesse caso), os relatos manifestados demonstram o valor
da experiência e a compreensão explicitada por ela em momentos de interações, quando
essa compreensão é expressa em situações nas quais se busca refletir sobre o que nos
interessa.
Nesses temos, ora questionando, emergindo desse questionamento o desejo da
mudança; ora se dando conta de que o tempo não volta, ao modo de negar a experiência
vivenciada no passado, há a partir da negação da experiência em julgamento,
perspectivas de se moverem em direção a novos objetivos.
Nos dizeres de Gonçalves (2007, p. 150), esses são saberes ímpares,
impregnados da ação e dela inseparáveis. Nesses termos, coloca-se em realce a
importância da experiência e do diálogo sobre ela, ao fazer com que os sujeitos da
experiência do diálogo se entranhem uns nas histórias dos outros para explicar os seus
41No sentido de que Freire (1992, p. 11) e Houaiss (2009, p. 830) definem, estatismo é substantivo masculino, qualidade, condição ou estado de estático, certa imobilidade, inércia, o que difere do estatismo que significa substantivo2 masculino, sistema que o Estado participa nas atividades econômicas do país, atuando como empresário em setores da produção industrial e de serviços (HOUAISS, 2009, p. 830).
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interesses e as suas limitações, bem como as suas aspirações. Talvez esse modo de
refletir e encontrar sentido e significado nas lembranças vivenciadas, ainda que elas se
direcionem de alguma maneira para características de atitudes pouco relevantes no
tempo presente para si e para os outros, seja o que Tedesco (2015, p. 31) denomina de
pensamento ampliado pelo diálogo, que permite distanciar-se de si mesmo para se
colocar no lugar do outro, não apenas para conhecê-lo ou entendê-lo melhor, mas para
conhecer a si mesmo mais profundamente.
Nessa perspectiva, vejamos o que Merleau-Ponty (2006, p. 474) diz quando se
reporta à experiência do diálogo como fonte propiciadora de busca de sentido e
significado; quando o diálogo emerge tendo como ponto de partida a reflexão sobre
interesses comuns entre os sujeitos do diálogo que buscam se compreender para
compreender os outros.
A experiência do diálogo constitui-se um terreno comum entre outrem e mim, meu pensamento e o seu formam um só tecido, meus ditos e aqueles do interlocutor são reclamados pelo estado da discussão, eles se inserem em uma operação comum da qual nem um de nós é o criador. Existe ali um ser e agora outrem não é mais para mim um simples comportamento em meu campo transcendental, aliás, nem reciprocidade perfeita, nossas perspectivas escorregam uma na outra, nós coexistimos através de um mesmo mundo, aquele que diz respeito aos interesses comuns.
Não sei se os sujeitos dessa pesquisa têm consciência do conceito de diálogo,
experiência, mudança e esperança, postos pelos interlocutores citados como referências
teóricas, o fato é que eles sempre dizem que têm esperança, que querem mudanças,
modificar, melhorar, querem ter outras experiências, se colocando como sujeito do
esperançar, experienciando a experiência do diálogo.
No sentido do termo esperançar vale ressaltar a manifestação de Marlon (G.
Focal), quando ele diz que a Universidade não prioriza de maneira igualitária, se
comparar centro e o interior. Tudo isso é descaso e a gente sente e sofre com isso.
Estenderam a Universidade, mas não se comprometeram com essa extensão. É preciso
compromisso sim, senão nada feito. Na mesma perspectiva, a manifestação de Jocy (G.
Focal) merece ênfase igualmente, quando ele diz que a visão deles é que a UEMA
cresceu de modo errado, que se tem de fechar cursos, comportar menos alunos.
Quando você vê essa visão, se fica pensando: qual que é mesmo o propósito destas
pessoas que pensam a universidade? Falta de compromisso, isso sim.
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Corroborando com a fala de Marlon e Jocy, Milka se expressa e revela, entre
outras posições que assume, a sua concepção de universidade.
Não concordo com isso de faltar tanta coisa aqui, eu vejo a Universidade como uma coisa maior. Como um lugar de transformação, onde as coisas têm que mudar, vê as necessidades dos cursos e da formação dos alunos e tomar providência, para melhorar a qualidade da formação e o ensino lá na escola (MILKA, Entrevista).
A palavra compromisso é recorrente nos discursos desses
professores/licenciandos. Algumas vezes aparecem de forma inflamada, outras,
veemente, mas nunca apaziguada. Percebe-se nestas falas uma força impetuosa que, ao
mesmo tempo em que questionam refutando a realidade concreta, expressam em
entonação convicta, as suas crenças; o que querem e o que não querem. Melhorar a
qualidade da formação para o ensino melhorar lá na escola. Vê a universidade como
um lugar de transformação. Mudar a qualidade da formação para melhorar o ensino lá
na escola (Milka, G. Focal).
Justificam as suas crenças e as suas posições com o ímpeto de quem não temem
a correr riscos, romper com o instituído ideologicamente, mudar comportamentos
instaurados, sofrer pressões. Antes não falávamos nada, baixávamos os olhos quando
chegava alguém e ficava falaciando. Agora não. Falam, mas também ouvem.
Cobranças, a verdade. Corremos o risco de nossas cobranças não serem vistas com
bons olhos, mas falamos (JULY, Anotações do diário de campo).
Agora está chegando laboratórios de enfermagem, só de enfermagem, que é o curso mais novo, e os outros cursos de 18, 19 anos? É assim, sem compromisso. Os primeiros cursos desse Centro foram letras e matemática. Não tem um laboratório de matemática até hoje. Isso prova o descaso para com os alunos, os futuros professores. Que professores queremos ter? Como é que os alunos vão se interessar por um curso assim, sem uma estrutura decente. Isso nos descaracteriza e o curso também, em muito, e quem perde somos nós e o curso. Por isso o curso está esvaziado do jeito que está. É falta de consciência sobre o que querem para os rumos da educação. Isso não tem sentido já que dizem tanto que a educação precisa de qualidade porque é importante. Que importância é essa? (JACK, G. Focal).
Sobre a perspectiva expressa pelos sujeitos dessa investigação, reiteradamente,
as pesquisas mais atentas à questão da formação do professor, apontam que para o
mundo atual, pós-moderno, globalizado, imediatista, fortemente influenciado pelas
políticas neoliberais, a melhoria da qualidade da formação docente está articulada
diretamente com a necessária valorização e condições para o exercício da docência,
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configurando-se esses aspectos como compromisso político-social, traduzidos,
efetivamente, pela valorização e condições concretas de formação, oferecidas em
âmbito institucional (DINIZ-PERIERA, 2014; AUAREK, NUNES, PAULA, 2014;
LEITE, 2009; SEVERINO, 2006, entre outros).
Nestes termos, pode-se afirmar que esta falta de compromisso das políticas
públicas e de muitos profissionais para com a educação e o ensino, de modo geral,
prejudica os cursos de formação docente, os docentes e a própria profissão, e isso
continua ocorrendo por que, como assinala Gonçalves (2005, p. 20), na cultura da
formação do professor, os diversos segmentos responsáveis pela qualidade do ensino
acabam por não assumir a responsabilidade pelo que vem acontecendo na educação de
nosso país. No entanto, seguindo a mesma linha de pensamento, ensejada no âmbito da
formação do professor formador de sua instituição, que é pública, Gonçalves (2005, p.
20) ainda esclarece a sua afirmação nos seguintes termos:
Isso não quer dizer, contudo, que estamos afirmando ser o formador de professores único responsável pela qualidade da formação do licenciandos. Certamente, este professor também é fruto de uma cultura de formação profissional ultrapassada e se existe algo/alguém que mereça crítica contundente é essa cultura justamente porque tem sido preservada ou mantida acriticamente por nós, como formadores de professores.
Analisando as considerações explicitadas por Gonçalves (2005) e ampliando a
discussão em termos das manifestações dos sujeitos a pesquisa, é possível dizer que a
falta de crítica nos discursos professorais sobre a situação das dificuldades enfrentadas
amplamente pelos docentes brasileiros em todos os âmbitos do ensino, não é mais o
caso, pelo menos é o que mostra os excertos manifestados pelos interlocutores dessa
pesquisa.
Parece que a visão dos professores sobre a problemática instaurada no âmbito do
sistema educacional brasileiro vem se ampliando, tanto em termos de pesquisas que
discutem essas questões, quanto nos discursos dos professores. As falas dos sujeitos
dessa pesquisa demonstram essa tendência, porque eles criticam veemente a falta de
condições de trabalho, tanto em termos de estrutura física, quanto em relação a falta de
recursos didáticos básicos, necessários para realizar o trabalho de formação docente,
como é o caso de laboratório de informática, livros e outros aspectos, que seriam,
segundo eles, de fundamental importância para os cursos de licenciatura. Um desses
casos referenciados é o reduzido número de bolsas direcionadas aos cursos de
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licenciatura, como expressa July (Entrevista): Hoje quem tem bolsas de incentivo são os
cursos de agronomia e informática, porque são os cursos considerados importantes
pela política do governo. Para os licenciando fica o resto, quando fica. Isso é
considerar importante a formação do professor? O ensino? A educação?É uma
injustiça, isso sim.
A reflexão de July, inspira a afirmar que pouco ou quase nada têm sido feito,
efetivamente, no sentido de solucionar ou pelo menos dirimir os problemas relativos ao
ensino e, em função dessa ausência de atentividade em relação ao ensino, a deriva se
encontra a formação de professores, porque os alunos que chegam nas IES para cursar
licenciatura (os poucos que se interessam por esses cursos), de modo geral, são alunos
das escolas públicas. Os quais, além de adentrarem à universidade com conhecimentos
sistematizados restritos, em função da baixa qualidade de ensino no ensino básico, têm
de trabalhar ao mesmo tempo em que estudam.
As implicações dessa realidade refletem diretamente na qualidade da formação,
pela restrita dedicação ao curso e, às vezes desistências, uma vez que a partir da metade
do curso têm de exercer a prática no contra turno em que estuda. O que, de modo geral,
impossibilita a conciliação entre trabalho e estudo. Essa é, em síntese, o que expressa
muitas narrativas dos sujeitos dessa pesquisa, também expressa em diversas pesquisas
que discutem questões relativas à formação inicial dos futuros docentes.
Desse modo, estamos caminhando sobre limite circular, ou seja, a chance de
avanços é limitada, em função de toda uma conjuntura histórica/social/cultural. Não se
têm percebido ou dado a perceber que, de fato, todos estão imbuídos da convicção de
que na nova conjuntura, no âmbito de um sistema da complexidade que vem se
tornando o sistema de ensino brasileiro, no qual somente alguns poucos são incluídos e
na maioria das vezes por meios particulares, a responsabilidade é de todos e não de
alguns poucos que sempre estiveram à margem das tomadas de decisões – os
professores e os menos favorecidos financeiramente – com poucas exceções, se é que
elas existem, posto que nesse jogo o dado viciado não conta.
Na minha experiência no estágio, percebi que os professores do fundamental menor são fraquinhos em matemática, eles não tiveram formação em matemática. Então, queriam era que nós ensinássemos para eles. Como é que os alunos vão aprender se os professores não sabem? Eu diria que a única solução seria colocar professores preparados no fundamental menor, mas esses conseguem outras colocações e não vão para essas séries. Então, fica
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assim. Sem muita saída para a melhoria do ensino da matemática, e o fundamental menor é a base, ou não é? (JOCY, G. Focal)
O depoimento analisado explicita tendência recorrente entre os sujeitos, em
mobilizar suas histórias de vida/formação, percepção da realidade concreta para, a partir
delas, refletir sobre problemas que compartilham no dia-a-dia da licenciatura em
matemática. Em outros termos, porém convergindo para aspectos ideacionais e
relacionais, senão iguais, expressam posições de quem vive a realidade indesejada no
comando da situação; gente que reflete e argumenta, se posicionando diante da
realidade e apontando sugestões de como atenuar o problemas inerentes a má qualidade
do ensino; moldam-se à realidade concreta no que convém, pois não se negam a
acreditar em mudanças e ter visão que os movem olhando para frente aproveitando as
oportunidades com o possível que têm.
Tudo indica que a instituição passará por reformulações e mudará para melhor, eu prefiro acreditar nisso. O que se tem feito é cobrar, reivindicar e esperar por ações mais concretas. É preciso acreditar e também ir fazendo bom uso do que se tem. Nós temos bons professores e de certa forma algumas condições nesse sentido. Queria eu ter sido capaz de aprender tudo que nos foi ensinado, orientado. Queria eu ter conseguido ler todos os livros que nos foram referenciados, tinha ampliado muito meus conhecimentos, para além do que ampliei. Talvez entendido mais sobre essa questão da descaracterização do trabalho do professor, tão falada e que eu não consigo entender, mas pouca gente quer ser professor (JACK, G. Focal).
Acreditar que a sua instituição vai mudar e concebem seus professores como
bons, porque fazem uso dos recursos de que dispõem; ser orientado a estudar/buscar ter
acesso a livros como fonte de conhecimento, faz Jack considerar a falta de condições
efetivas de trabalho (como é o caso de faltar biblioteca e até salas de aulas, como nos
dizem alguns relatos), fato de importância, senão menor, o utiliza como arranjo para
reverter os limites vivenciados em possibilidades, agarrando-se a estas para se afastar do
lamento por não ter as condições necessárias, reconhecidamente importantes por ele em
outras falas.
Esse olhar, que considera o que é positivo sem omitir os fatores negativos com
os quais convive, dando sentido e significado à formação que desenvolve, só é possível
para quem assume senso crítico e convicção que aspira ser mais, posição ideológica
definida; filosofia de vida que encara a realidade de cabeça erguida, de quem sabe o que
quer e porque quer o que quer.
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No sentido de explicitar a expressão descaracterização do trabalho do
professor, mencionada por Jack (G. Focal), trago contribuições de Imbernón (2011, pp.
24-45), quando tece longa discussão sobre esse assunto, o que, nomeadamente ele o
chama de situações perturbadoras da formação profissional docente, que constituem
enormes contradições, desestabilizadora e descaracterizadoras do profissional da
docência.
No entanto, diz o autor, isso não o impede de o professor agir segundo as suas
crenças e valores, porque embora estejam sujeitos a pessoas que não participam da
ação profissional docente, - a própria condição de comandar a formação de outras
pessoas, imbuído da convicção de que pode causar transformações para a direção em
que acredita, o faz assumir a posição de romper com tradições enraizadas
historicamente, as que continuam concebendo o professor apenas como um sujeito
apaziguador, que assume a docência por dom vocacional despido de interesses mais
amplos, como questionar necessárias condições de trabalho digno, como todo
profissional, e tudo que envolve o inaceitável, que leva à descaracterização do
profissional da docência, como se o professor fosse um ser da menor importância na
conjuntura social.
O autor referido ressalta ainda que, ao se dar conta, conscientemente dos
imensos desafios nos quais a que se vê imerso, o professor envolve-se consigo mesmo e
com os outros, na maioria das vezes veladamente, em lugares de lutas e conflitos, para
construir a sua maneira de ser e estar na profissão, complementa Nóvoa (1997, p. 34),
ao tratar da constituição da identidade profissional do docente como sendo uma
conquista do profissional, mas que precisar ser uma perspectiva da própria instituição
em que o profissional atua.
Não sendo valorizado socialmente, por desempenhar uma profissão
desvalorizada historicamente (péssimos salários, sociedade inculta), dispondo de
restritas condições de trabalho (justificadamente pode se dizer precárias), o docente,
quando imbuído da consciência de sua necessária importância, compromete-se com o
trabalho que faz, se envolvendo em defesa das crenças e valores que assume e, desta
maneira, apropria-se de convicções próprias e de seus pares e, a partir desse
comprometimento, passa a expressar a seguinte atitude:
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A acreditar em si, em sua capacidade de está acima dos desafios, em seu poder transformador, a ponto de não se curvar diante de ideologias impositoras, que se estabelecem sob a égide de discursos que se configuram, apenas como ideário controlador, porque as condições de trabalho, as estruturas hierárquicas, e o próprio modo de conceber o professor, o descaracteriza. Em meio a tudo isso, a aquisição de conhecimentos por parte do professor está muito ligada à prática profissional e condicionada pela organização e estrutura da instituição educacional em que esta prática é exercida (IMBERNÓN, 2011, p. 23).
Só si fala em qualidade de ensino e com razão, mas como é que querem isso se
não investem na qualidade de formação dos professores?(JOCY, G. Focal). O professor
vai utilizar laboratório de informática, se não aprendeu fazer isso na universidade por
não ter laboratório em condições adequada?(MILKA, G. Focal). E como é que querem
compromisso dos professores com a aprendizagem dos alunos se esse compromisso não
é demonstrado com a nossa formação, só mesmo os professores que também são uns
sofredores? (MARLON, G. Focal). Torna-se contraditório, se for ter isso como base,
não quer mesmo ser professor (JOCY, G. Focal). Ainda dizem que o professor é um
profissional importante. Depois só ficam medindo, avaliando os alunos e fazendo
estatística, que apontam resultados péssimos. E providências, nada. Que importância é
essa?(JACK, G. Focal). Sempre disse nas nossas discussões no estágio. É como se o
professor tivesse assim, tipo uma máscara milagrosa. Vai ser professor tem que fazer
milagre (JULY, G. Focal).
Analiso a realidade e me pergunto: quais são os alunos que passam nos melhores concursos? Quais são as escolas que ocupam os melhores ranques no ENEM, na Prova Brasil, ENAD? As escolas em melhores posições oferecem condições de trabalho. Os professores são os qualificados, não os diplomados, apenas. Os alunos são os que estudam. Sair dessa lógica é apenas analisar a realidade e comungar com ela, sem interferir em nada. Não comungo com essa ideia (FRANS, Anotação do diário de campo).
Levando em conta estes aspectos importantes ressaltados nos diversos
questionamentos feitos por Jocy, Milka, Marlon, Jack, July e Frans, quando questionam
sobre a complexidade em que se vê imerso o sistema público de ensino, se percebe o
elevado nível de reflexão propiciada pelos questionamentos que fazem no âmbito da
discussão em que se envolveram nas discussões do Grupo Focal. Nesse sentido, vale
ressaltar o que Imbernón (2011. p. 15) diz sobre o elevado grau de reflexão que as
discussões em grupo propiciaram.
A capacidade reflexiva em grupo, como processo coletivo para regular as ações, os juízos e as decisões sobre o que é discutido por esse grupo, deve ser perseguido no sentido de romper com o instituído, convivendo com ele, já que o mundo que nos cerca tornou-se cada vez mais complexo, cheio de
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dúvidas, faltas, falta de certeza, e também de excessos de faltas e de incerteza da certeza. Por isso as divergências nos diversos âmbitos são aspectos consubstanciais com os quais o profissional da educação deve conviver, mas nem tudo de pronto aceite.
Na direção apontada por Imbernón, as pesquisas mais atentas às questões
relacionadas à formação docente, concluem que há certo consenso entre os
pesquisadores, de que não é difícil perceber que a formação de professores é um dos
mecanismos mais importantes para o desenvolvimento de competências docentes
(ARAGÃO, 2005; BORGES, 2013; LEITE, 2009; FIORENTINI, 2003; DELIZOICOV,
ANGOTTI, PERNAMBUCO, 2002, entre outros), porque diferentemente de outras
profissões, a docência é considerada pela sociedade pós-industrial, a principal
responsável pela formação do sujeito global, necessitando, para isso, desenvolver
habilidades e capacidades que permitam a sobrevivência das sociedades na era da
informação e da comunicação (FIORENTINI, 2003, p. 10).
A problemática apontada por esses estudiosos compõe, sem dúvida, aspectos
importantes do matiz deste sistema complexo, a educação - imerso nele a indesejada
falta de qualidade do ensino - e não é falta de reflexão sobre o tema, porque
historicamente, isso é enfatizada pelas pesquisas mais atentas a essa problemática. No
entanto, para alcance da qualidade do ensino, necessário se faz investir esforços na
qualificação da formação dos professores e, para o alcance dessa última proposição,
ações efetivas e não pontuais devem ser priorizadas por parte das políticas públicas em
todos os continentes (IMBERNÓN, 2011; SOUSA, DINIZ-PEREIRA, OLIVEIRA,
2014).
Contudo, ainda que seja possível identificar essa centralidade de consensos, em
termos de pesquisas publicadas desde muito tempo, e de discursos eloquentes figurado
de boa fé (FIORENTINI, 2003) - por ser/dever ser, e estar a qualidade da formação do
docente diretamente ligada ao ensino de qualidade, o que em caso positivo se reverteria
em mudanças profundas no âmbito social, essa perspectiva não se configura, porque não
se têm investido esforços e recursos suficientes, nem nas condições de trabalho, nem na
formação dos formadores de professores e menos ainda na formação inicial docente
(IBERNÓN, 2011, 2014 ; FIORENTINI, 2003).
Contribuem ainda para essa feição indesejável, discursos entusiastas que, em
certa medida, terminam identificando os professores como únicos responsáveis pela
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qualidade do ensino (GONÇALVES, 2006); além disso, propostas legislativas
(BRASIL, 1988; 1996) e campanhas motivacionais pontuais, que anunciam a
valorização e a importância do professor como uma forma de mascarar a realidade
(BORGES, 2013); propostas estas que, na maioria das vezes, não passam de engodo,
porque facilmente se identificam a precariedade de condições efetivas para que a
formação docente ocorra, especialmente, nas universidades públicas brasileiras, que
ainda são melhores se comparadas às escolas públicas de educação básica (BORGES,
2013; FIORENTINI, 2003; DELIZOICOV, ANGOTTI, PERNAMBUCO, 2002, entre
outros).
Sobre a valorização do professor e condições efetivas para que a formação
docente necessária ocorra, muitos pesquisadores enfatizam também que, historicamente
a realidade é marcada por muitos discursos, legislações e atitudes contraditórias, pois os
discursos são apenas para justificar intenções que se valem delas próprios para acentuar
a necessidade de professores capacitados para atender a sociedade emergente. Contudo,
o propagado em larga escala, na verdade, visam apenas interesses particulares e
individuais, longe de ter caráter que vise o bem comum. A partir dessa lógica racional,
historicamente estabelecida e perpetuada como via de acesso ao poder hegemônico,
Fiorentini (2003, p. 10) diz o seguinte:
Ao mesmo tempo em que os professores são concebidos e valorizados, seja como os principais catalisadores dessa sociedade emergente, seja como contrapontos para responder pela qualidade de seu trabalho, são, eles próprios, as primeiras vítimas desse sistema, pois os governos neoliberais atendendo a uma política de justificativas e enxugamento das despesas, têm diminuído substancialmente os gastos com a educação pública, reduzindo ainda mais os salários e as condições de produção do trabalho docente.
É sob essa tensão de relações complexas e contraditórias, que a formação e o
trabalho docente vêm sendo desenvolvidos nas escolas e em muitas Universidades
públicas do nosso país. Em diversos aspectos, as manifestações expressas pelos sujeitos
dessa investigação, sinalizam para carências, faltas vivenciadas por eles que terminam
por comprometer o trabalho que realizam. Estas carências, as quais concebem
desafiadoras, segundo suas percepções, comprometem a formação do professor em
termos amplos e específicos. Isso implica questionar: se os recursos didático-
pedagógicos não são utilizados na IES, enquanto instituição formadora (projetores,
livros, laboratório de informática e laboratório de matemática), como os futuros
professores aprenderão a utilizá-los?
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A problemática discutida é expressa pelos sujeitos reiteradamente. Eles
demonstram preocupação e se envolvem pessoal e financeiramente com a aquisição de
recursos para realizar suas atividades de formação, se negando a aceitar o condicionante
da falta de recursos como fato natural. Nesse sentido, Cris diz o seguinte:
Tudo que se precisa em termos de material didático, de livros, se tem que comprar por via particular, o que é possível. Lá fora você vê a dimensão que tomou o conhecimento e também as buscas. Cada vez mais se vê os estudantes buscarem, as bibliotecas com livros novos e velhos, laboratórios, isso diferencia, não é? Temos de lutar por isso, precisamos, não é? É assim que fazemos o que fazemos, não tem outro jeito, a realidade é esta e não podemos fugir, é isso, é enfrentar e correr atrás de melhores condições, para realizar uma formação cada vez mais condizente com as necessidades dos novos tempos (CRIS, Entrevista).
A interação da fala de Cris com os dizeres dos pesquisadores citados conduzem
o diálogo no sentido do que dizem Clandinin e Connelly (2011, p. 24), quando destacam
que como professores, ao refletirmos sobre as nossas experiências nos formamos, e
quando compartilhamos essas experiências formamos, posto que, refletimos e levamos
outros a refletirem sobre o que nos acontece. Desse modo, a atenção voltada para a
experiência e o pensamento sobre o que aconteceu ou acontece, ou gostaríamos que
acontecesse, é parte do que os educadores fazem nas suas experiências do dia-a-dia -
isso implica formação permanente para nós e para com os quais compartilhamos
nossas aprendizagens (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 24).
Nesse sentido é possível afirmar que a reflexão ensejada nas narrativas sobre a
formação que é oferecida implicou formação, uma vez que a vivência no cotidiano da
formação, na concretude do trabalho que desenvolvem, é ponte para CRIS refletir sobre
a experiência que vivenciou como estudante e relacioná-la ao que vivencia como
profissional da docência, pondo em questão, nesse caso, duas realidades diferentes de
um mesmo Brasil.
Embora distante em termos de espaço geográfico, ele toma a experiência vivida
como ponto de partida para dar sentido à sua realidade, e explicitar o significado do que
percebe, mostrando seu comprometimento com o que faz; perseverança e preocupação
com a formação que oferece, reconhece que a falta de condições de trabalho os limita e
o deixa sem palavras para explicar a realidade. É assim que fazemos o que fazemos, não
tem outro jeito, a realidade é esta e não podemos fugir, é isso, é enfrentar e correr
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atrás de melhores condições, para realizar uma formação cada vez mais condizente
com as necessidades dos novos tempos (CRIS, Entrevista).
Esta realidade manifestada por Cris, em relação aos desafios estruturais que
enfrenta para desenvolver a formação docente inicial, que como prática o forma
enquanto forma, é comentada em várias pesquisas como o fenômeno das carências
estruturais das Universidades Públicas, que se revertem, atualmente, em uma das
precarizações do trabalho docente, advindas, principalmente, após a nova Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (BRASIL, 1996) quando, visando atingir
metas de expansão universitária em relação à formação de professores, evidenciadas
nessa Lei como obrigação das Políticas Públicas, as quais iniciaram por ampliar a oferta
de cursos de licenciaturas sem projeto sustentável que visasse a qualidade da formação,
uma vez que consideraram apenas a demanda inicial, que era formar professores que
não eram habilitados em graduação mas que já atuavam nas redes de ensino, não houve
preocupação com a demanda posterior, como processo de inclusão devido ao processo
de democratização do ensino expresso na legislação (PARENTE, VALE, MATTOS,
2015; BORGES, 2013; GATI, BARRETO, ANDRÉ, 2011; IMBERNÓN, 2006, 2011).
As ideias e discussões, postas em evidencias pelos autores citados, apresentam-
se recorrente nos debates entre professores em todos os níveis de ensino, e
reiteradamente nas manifestações dos sujeitos dessa pesquisa, que se percebem em
dificuldades, o que contribuir para a pouca motivação dos jovens em ter interesse em
ingressar ou permanecer na docência. No caso dos sujeitos dessa pesquisa, que embora
adotem filosofia da perseverança, esperança, buscando equacionar os problemas com os
quais têm de lidar diariamente, a questão da desistência dos alunos do curso ou da
docência em si, é motivo de preocupação, porque não parece fácil entender o porquê a
profissão docente tornou-se pouco atrativa, a ponto de alunos manifestarem
explicitamente que a docência não lhes causa interesse. Nesse sentido, vejamos o que
diz a seguinte fala:
Há uma grande parcela de alunos que desiste, esse é outro problema que nos aflige. Os alunos que desistem nunca é por causa do curso em si, mas por questões que não podemos interferir, é por escolha deles. Eu sempre quero saber e escuto os problemas deles. A busca de facilidade fora da docência os leva a seguir outros rumos. Outros decidem que não querem ser professor e pronto, principalmente quando começam a ir para as escolas e vêem a realidade. Outros terminam o curso, cumprem o cronograma, etapas do curso, mas não querem ser professor, e já se dirigem para outros campos, fazem concursos para outras profissões. Começa-se uma turma com 16, 20 alunos e
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termina com 9 ou até menos, e ainda ficam uns para concluir depois, porque dão prioridade a outras atividades. Uns trancam a matrícula e vão trabalhar. Bolsas de incentivo ao estudo são pouquíssimas. Tudo isso é problema e nós temos de equacioná-los, sempre buscando acertar, priorizando a aprendizagem deles e a nossa para lidar com os desafios e aprender com eles ainda mais (LURI, Entrevista).
Essa imagem da pouca atratividade que a docência exerce sobre jovens e os
licenciandos já em curso de formação foi expressa por Jack, na seção Situando a
Pesquisa, especificamente no item: os sujeitos e o que dizem de si, também percebida e
expressa por Vani, nos seguintes termos:
Eles desistem porque a docência não lhes é favorável; ser professor é lidar com problemas sérios; com a falta de valorização e não é valorizada porque se estigmatizam todo dia que o professor é incompetente, não sabe fazer o trabalho para o qual se preparou, não é pelo curso em si. Não é pelo o salário em si, é pela descaracterização da docência, a vulnerabilidade (VANI, Entrevista).
Contudo, apesar da recorrência nas falas sobre os problemas que enfrentam; da
percepção sobre a pouca valorização social da figura do professor como profissional
importante e necessário, Vani expressa que todos esses problemas não os abatem. Desse
modo, é possível perceber nas narrativas de Luri e Vani, crenças inabaláveis, atribuindo
a elas mesmas a capacidade de superar os desafios, a partir da crença inabalável na
capacidade transformadora que a educação pede exercer sobre as pessoas.
Mas será que é possível propiciar transformação de vulto, em âmbito social pela
educação só porque alguns poucos professores acreditam e se propõem a perseguir essa
itinerância?
Para esse questionamento, Buarque, (1994) traz algumas contribuições. Segundo
ele, só acreditar na movimentação de poucos, não dá conta de promover transformações
que provoquem visibilidade sustentável em âmbito social. É preciso observar as
tendências em termos de interferências sociais, organizacionais e governamentais, mas
a universidade deverá ser o campo desta luta, se a comunidade aceitar o gosto pela
aventura e viver a grande paixão que representa enfrentar as dificuldades e desafios,
que são a razão de ser de uma instituição voltada para fazer avançar o pensamento
crítico (BUARQUE, 1994, p. 19).
A ideia apontada por Buarque é não cair no engano de que o envolvimento de
poucos nesse processo pode causar transformações que por si só, e acreditar que essas
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ideias/ações se sustentem. Os avanços sobre as questões educacionais atingirão
resultados amplos e significativos, se a causa for assumida por todos, mas há uma
liderança que deve se evidenciar de antemão – as políticas públicas a partir das
instituições que põem em evidência prática os direcionamentos das referidas políticas
públicas. No mesmo sentido expresso por Buarque, vejamos o que diz a seguinte
reflexão:
Negar o movimento social, histórico e cultural de constituição de cada sujeito, do processo de constituição desse sujeito e do movimento de formação do professor e da formação que ele oferece não é isolado do restante da vida. Ao contrário, está imerso nas práticas sociais e culturais exercidas nesse contexto (FIORENTINI; CASTRO, 2003, p.124).
Se o contexto maior não propicia a formação desejável, porque na ação
educativa estão envolvidas amplas e complexas questões, motivos de interesse diversos
que não estão sob o domínio daqueles que estão, de perto e efetivamente, envolvidos
nas questões decisórias e relevantes para com a educação, se têm que ampliar as
discussões, as reflexões, as ações, para o âmbito coletivo.
É preciso refletir intensamente sobre questões sérias como é o caso do
desinteresse dos jovens pela profissão docente; dos alunos pelos estudos desenvolvidos
nas instituições de ensino, como apontam inúmeras pesquisas. Porque, nesse último
caso, se é só por falta de aulas atrativas, contextualizadas, como muito é dito, porque
então, os alunos vivem nas redes sociais, muitas vezes até se dispersando das aulas, e
não seguem as orientações dos professores para acessarem sítios como
maismatemática.com, onde se encontram vídeos excelentes sobre qualquer conteúdo de
matemática, que podem ser acessados gratuitamente?
Estas são questões vivas, concretas que permeiam o campo de atuação docente,
carecem de amplas discussões nos locos de formação docente. A discussão propicie ao
licenciando refletir sobre estas questões de fundo, os instigando a buscar saber dos
alunos os motivos da aversão em relação à matemática; o tempo que dedicam ao estudo
dessa ciência. E porque se absorveu a ideia de que estudar é algo dado.
No âmbito desse embate, é preciso por em evidência o seguinte questionamento:
Até que ponto é possível aprender qualquer conhecimento científico sem que haja
esforço pessoal?
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Por outro prisma, várias pesquisas apontam a escassez de professores em vários
países da América Latina, entre eles o Brasil, especialmente na área das ciências, posto
que nessas áreas, há vários campos mais atrativos e valorizados que a docência, como é
o caso das engenharias e informática (GATI, BARRETO, ANDRÉ, 2011, IMBERNÓN,
2006); indicam que cotidianamente, quem é professor nos cursos de Licenciaturas,
principalmente na área das ciências, constata que a profissão docente é um ofício que
não tem despertado muito interesse na juventude atual (BORGES, 2013); da mesma
forma que ocorre com os cursistas, acontece com muitos professores, especialmente os
candidatos a professores da Educação Básica, que abandonam o ofício e migram para
outras profissões (PARENTE, VALE, MATTOS, 2015).
Tecendo comentário sobre a falta de condições estruturais para que se
desenvolva a formação docente desejável e isso termina por demandar reduzida
visibilidade aos cursos e pouca atratividade aos jovens, Borges (2011) diz que a grande
maioria dos cursos de licenciatura apresenta fragilidades estruturais sem precedentes.
Nota-se que governo tem investido em novos cursos de licenciatura nos projetos de expansão das universidades federais e feito o chamamento para que o mesmo ocorra nas universidades estaduais. Contudo, tais cursos são organizados de modo Meio Improvisado e com poucos recursos para mantê-los, o que acaba aproximando tal formação dos cursos de licenciatura oferecidos em pequenas faculdades, sem grandes preocupações com a qualidade de ensino e, portanto, com pouca qualidade na formação dos professores (BORGES, 2013, pp. 101-102).
Ao relatar a sua experiência como pesquisadora e formadora de professores em
nível de doutorado, mestrado e licenciatura, essa autora diz que vem realizando
pesquisas nas diversas modalidades de ensino, inclusive junto a escolas da Educação
Básica, e tem constatado que após o processo de expansão da Educação Básica, em
paralelo o da universidade (embora em menor proporção), tem percebido que nos
últimos anos, o profissional da docência se encontra em situação de verdadeira
dificuldade. Em termos resumidos ela se expressa dizendo o seguinte:
i) Historicamente, o professor não tem reconhecimento social nem valorização
profissional; ultimamente não é respeitado pelos pais dos alunos e em diversos
casos nem por seus pares; além de ensinar para um contingente de aluno
diversificado social e psicologicamente, tem o desafio de lidar com classes
lotadas, com alunos que representam grande diversidade cultural e escassa base
de conhecimentos sistematizados;
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iii) O professor tem de fazer papel de assistente social, psicólogo, médico,
enfermeiro, pai, conselheiro; tem de estudar todos os dias para preparar
aulas, fazer cursos constantemente na tentativa de encontrar sentido para o
seu trabalho;
iv) O professor tem de publicar, participar de reuniões; planejar, participar
ativamente da construção do Projeto Político Pedagógico da escola, do
Conselho de Classe; das festas da escola até com fins de angariar recursos
para pequenas necessidades;
v) O professor tem de planejar aula, leva trabalhos para corrigir e diários para
preencher virtualmente em casa, porque na escola o sistema virtual não
funciona e; se o aluno não aprende, e isso pode acontecer por múltiplos
fatores, o primeiro a receber a culpa é o professor (BORGES, 2013, p. 102-
104).
A centralidade dessas discussões apontadas por Borges (2011) é recorrente nos
debates entre professores nas escolas e nas IES, e isso pode sim contribuir para a pouca
motivação de licenciandos em permanecer na docência. Nessa perspectiva, é possível
afirmar que a formação do professor, inicial/continuada, assume um papel que
transcende ao ensino, mas que a ele se reveste. Em relação a esse aspecto, Nóvoa (1995,
p.28-29) afirma o seguinte:
A mudança educacional depende dos professores e da sua formação. Depende, também, da transformação das práticas pedagógicas na sala de aula. Mas, hoje em dia, nenhuma inovação pode passar ao lado de uma mudança em nível das organizações institucionais de formação e escolares e do seus funcionamentos. Por isso, falar de formação de professores é falar de investimentos educativos em projetos amplos, na instituição formadora e na escola.
Nesse aspecto, a reflexão sobre os aspectos negativos que são evidenciados nas
narrativas dos sujeitos e nas pesquisas referenciadas, não têm caráter específico de
atenuar ou resolver o problema pela crítica em si. Até porque essa não é função da
pesquisa em educação. Porém, é possível dizer que eles estão atentos, pois demonstram
auto-reflexão que se expressam como insatisfação e, ao mesmo tempo, como auto-
responsabilização a ser assumida pelos docentes e discentes diante dos desafios que
enfrentam, porque eles precisam encontrar ânimo e determinismo para continuar
acreditando que é possível propiciar alternativas capazes de atenuar as situações de
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dificuldades em que se vêem imersos, perante o ensino/formação que desenvolvem.
Expressa, também, o reconhecimento de que, o que faz falta à instituição em temos de
condições físico-estruturais e didáticos, descaracteriza a formação e a própria
instituição, a impedindo de se evidenciar perante eles próprios e à sociedade. Eu vejo a
diferença é quando eu olho a Unibalsas42, uma Universidade particular, com uma
estrutura de dar inveja, até tela virtual tem, com professores trazidos de fora pagando
os melhores salários (JOCY, Entrevista).
Apesar de identificar as limitações e, a partir delas o sentimento de inferioridade,
o desejo de se evidenciar socialmente, comparando o seu espaço institucional com outro
que parece ser o desejável, a fala explicita evidência que valoriza e dá importância a
seus professores. Não que isso de professor de fora faça a diferença, nós temos bons
professores (JOCY, Entrevista).
Esta é uma manifestação carregada de afetividade, que considera a formação
como exercício da atividade que caracteriza o trabalho do professor como práxis social,
a que se realiza independentemente das circunstâncias estruturais, mas com vista a
transformá-las; uma reflexão questionadora na prospecção de romper com o
estabelecido, que aponta para aspectos filosóficos – uma vez que questiona e reflete,
percebendo nexo entre diferentes realidades em um mesmo contexto e; epistemológico -
posto estabelecer a diferença entre as crenças e verdades – diferenças estruturais entre
instituições - e a diferenciação que estabelece entre tais condições e o conhecimento
despendido pela atuação do professor que o forma, contextualizando e conceituando os
aspectos envolvidos na discussão.
No sentido da fala de Jocy, Gonçalves (2005, p. 26) diz o seguinte:
Os alunos da rede privada de ensino, além da situação econômica e social favorável, encontram, geralmente, docentes mais qualificados ou motivados. Há, contudo, fatores decisivos para que isso corra que se situam (1) nas melhores condições de trabalho e, principalmente, (2) na remuneração salarial diferenciada paga pelo sistema particular de ensino.
Nesse sentido, analisando as supostas inovações estruturais das instituições e
currículo da formação de professores no Brasil, postas pela LDB 9394/96, as diversas
42Unibalsas é uma Universidade particular que se originou e funciona em Balsas - MA, com estrutura física de primeiro mundo. Nela funcionam os cursos: Direito, Sistema de Informação, Administração, Agronegócio, Ciências contábeis, Produção Publicitária, Gestão Publicitária e Pedagogia – para a terceira idade. Seu proprietário é agricultor (soja) e um empresário, representante da empresa John Dee (Máquinas agrícolas).
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Resoluções (BRASIL, CNE/CP 1/2002; e Diretrizes complementares (BRASIL,
CNE/CP 2/2002), Gatti e Barreto (2009) ponderam e dizem que qualquer proposta de
inovação ou esforço institucional interno, esbarra na representação tradicional e nos
interesses instituídos, uma vez que é possível verificar, notadamente, que as políticas e
as práticas desenvolvidas pelo sistema educacional brasileiro em termos amplo,
encontram-se orientadas pelos valores “neoliberais”, isto é, a ideia de consumismo
desmedido, impresso a partir da ideia de facilitação, imediatismo, instantâneo.
Esses preceitos não combinam com a ideia de formação pelo conhecimento
sistematizado, logicamente organizado. A possibilidade de absorver esse conhecimento
historicamente constituído, vai de encontro como aos preceitos de uma sociedade
capitalista, excludente e seletiva, que dificulta a implementação de formatos
educacionais diferenciados e em longo prazo, os quais trariam avanços qualitativos para
o ensino, inclusive aos cursos de formação de professores. O mote da questão emerge
de reflexões aprofundadas sobre o trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas, se se
levar em conta o sistema instituído socialmente.
Nesse sentido, vale ressaltar a seguinte reflexão:
Se, por um lado, apresentam discursos democráticos e includente, defendendo a democratização do acesso à escola; por outro, organizam-se sistemas duais de ensino: uma escola propedêutica para a elite – que garante o acesso dos alunos ao conhecimento científico qualificado e, portanto, o alcance dos cursos de graduação mais concorridos e que assegurem maior status social; e uma escola técnica profissionalizante para a maioria que pertence à classe menos abastada, com possibilidade de acesso aos cursos de graduação de menor status social, dentre estes, os cursos de Licenciatura, que formam professores para a educação básica, e que vão atuar nas escolas de ensino básico (GATTI; BARRETO, 2009, p. 85).
Outro fator dificultador, segundo os autores citados, é a mentalidade e
representações nas instituições, vigentes, ainda nos dias atuais, entre os formadores de
professores, que se acham impregnados pela conformação e aceitação da situação, que
historicamente se instituiu; também, deve-se considerar a tensão entre acadêmicos,
tecnólogos e educadores, em que a questão do racionalismo e do enciclopedismo se
opõe às intencionalidades e finalidades humanísticas.
Referindo-se às finalidades humanísticas que deve ter a educação, Severino
(2001) diz que o ensino verdadeiramente inclusivo é aquele que contribui com os
recursos simbólicos. O autor define recursos simbólicos como elementos susceptíveis de
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evocar significados para as pessoas darem sentido ao contexto em que trabalham;
reforçar os valores que a organização deve criar para orientar as decisões e ações de seu
conjunto de elementos culturais integrante, definidos como missão, visão, crenças,
valores e princípios que são considerados importante, necessário, bons e desejáveis.
Nesse sentido, é dificil não concordar com o conceito dado pelo autor à
expressão ‘recursos simbólicos’, quando afirma que a educação verdadeiramente
inclusiva é aquela que contribui com os recursos simbólicos do conhecimento para
garantir a todos e todas a fruição dos bens sociais e o direito da participação social,
mediados por direitos objetivos. Só desta maneira, a educação constrói a cidadania e
legitima a inserção dos indivíduos socialmente (SEVERINO, 2001, p. 90).
Assim, é possível afirmar que as manifestações discutidas até então, expressam
indicação de que sua formação propiciou reflexão capaz de analisar, criticar e refletir
sobre práticas docentes, que aspiram transformação das prática escolares, melhorar a
qualidade do ensino pela inovação, o que segundo Gonçalves (2006), apoiando-se em
Imbernón (1995), afirma ser a formação desejável, mas pelas indicações empreendidas,
distantes de serem alcançadas.
Ademais, é bom ressaltar que a qualidade da formação de professores e em
grande medida do ensino de modo geral, especialmente em matemática, não se
encerram no âmbito das políticas públicas, porque há nesse âmbito, um substrato
conceitual cultural, historicamente arraigado. Nesse sentido, os sujeitos dessa pesquisa
se manifestam, e trazem à tona discussos pré-concebidos em relação à essa ciência, os
quais, por extensão, são atribuídos ao professor de matemática, a ponto de esse afirmar
que as crenças pejorativas em relação à matemática trazem sérias implicações à
formação inicial docente.
Essas crenças pejorativas em relação à matemática prejudicam a formação deles, porque até desconstruir isso, já se passaram muito tempo. Desconstruir o que eles trazem de lá (escola), essas ideias de que não são capazes de aprender matemática porque é difícil, e construir outra ideia, é um desafio tão grande que às vezes penso não ser possível mudar isso. Isso vem de lá, lá se vive isso, o que não ajuda em nada na pré-disposição para aprender matemática. O ideal é que se mudassem essas crenças lá. Mas lá é que é difícil desconstruir isso, a demanda é muito maior, e se vai cansando, e as condições de trabalho ainda se tornam piores por causa da demanda e em função dessa demanda, o grande contingente de professores de origens diversas de formação (CRIS, anotações diário de campo).
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A imagem da Matemática como “saber difícil” de ser apreendido está sempre
rodeada de crenças que se vêm passando de geração em geração, fortalecendo a
concepção de seu “caráter imutável”, “matemática é difícil”, “matemática é para
poucos”. A partir das crenças em relação a tais aspectos da matemática, surgem rótulos
difundidos dentro e fora da escola que vão ganhando cada vez mais consenso de que a
matemática é mesmo difícil, os quais prejudicam o processo de construção dos saberes
matemáticos em ambientes escolares em todos os níveis de ensino (PAIS, 2002). Esses
rótulos, uma vez pré-concebidos, tendencia que se olhe a matemática por esse prisma. E
como diz Silveira, (2002, p. 1. Grifo da autora): A justificativa que a comunidade
escolar dá a esta “incapacidade” do aluno para com esta área do conhecimento é que
“matemática é difícil” e o senso comum confere-lhe o aval.
Segundo Callejo e Vila, essas crenças sobre a matemática difícil. Dificuldades
de os alunos aprenderem matemática foram instituídas e pré-construídas ao longo do
tempo, quando a escola ainda era para poucos, mas permanece como arcabouço cultural,
e a escola, nas suas diversas instâncias, não conseguem se desvencilhar do mau hábito
de ensinar matemática como se ensina nos tempos que não se caracteriza como o atual.
A esse respeito os autores assim se expressam:
Visões construídas ao longo do tempo em torno da matemática; são uma forma de conhecimento pessoal e subjetivo, que está mais profunda e fortemente arraigado que uma opinião; constroem-se por meio de experiências, informações, percepções, etc. e delas se desprendem algumas práticas. As crenças gozam de uma certa estabilidade, mas são dinâmicas, já que a experiência ou contraste com outras podem modificá-las; estão, pois, submetidas à evolução e à mudança (2006, p. 44).
Se as crenças são visões construídas por meio de experiências, informações,
percepções, e dela se desprendem algumas práticas, como dizem Callejo e Vila (2006,
p. 44), então, tem-se que mudar as práticas em relação a essa ciência. Como as práticas
em relação ao ensino da matemática são desenvolvidas na escola, ainda que crenças
possam advir do meio social onde a escola está inserida, outras crenças em relação à
matemática têm que ser constituídas na escola, posto que é nesse espaço de construção
de saber e maneira de ser e de aprender, posto que essas crenças têm de ser
desconstruídas. Cris está atento a esse fato quando diz: O ideal é que se mudassem essas
crenças lá, de matemática difícil. Isso vem de lá, lá se vive isso, o que não ajuda em
nada na pré-disposição para aprender matemática (CRIS, Entrevista).
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Contudo, é tido que o ideal é que se mudasse. Esse aspecto da fala demonstra
certa negatividade, se dando conta de que mudar as crenças pré-concebidas em relação à
matemática não é uma tarefa fácil. Explica a sua fala dizendo que lá (escola) é que é
difícil desconstruir isso, a demanda é muito maior, e se vai cansando, e as condições de
trabalho ainda se tornam piores por causa da demanda e em função dessa demanda, o
grande contingente de professores de origens diversas de formação (CRIS, Entrevista).
Do exposto, é possível afirmar que as crenças constituídas pelos estudantes
definirão o sentido e significado que darão à matemática, bem como sua motivação para
aprender essa ciência. Essas crenças, é bom lembrar, também se fazem presente,
sobremaneira, na atitude assumida por muitos professores, definidas pelo modo como
esse expõe a matemática ao aluno.
Segundo Chacón (2003), há três formas diferentes de o professor conceber a
matemática e a partir delas ele delimitará sua metodologia de trabalho pedagógico, o
que influenciará na aprendizagem dos alunos:
i) A matemática como uma ferramenta, caracterizada pela concepção de
matemática pronta e acabada, a serviço de um técnico que a irá utilizar a partir de
fórmulas prontas;
ii) A matemática como conhecimento estático – em função do qual nada pode ser
mudado e nem reformulado, tudo é pré-anunciado axiomaticamente;
iii) A matemática é dinâmica, uma área da criação humana em contínua
expansão (CHACÓN, 2003), que considera o contexto e o aluno como ser pensante;
capaz de criar e recriar possibilidades de aprendizagem.
Desse modo, a visão/crença/concepção que o professor possui a respeito da
matemática não influenciará somente suas aulas, mas também seus alunos, que por
análise prévia passará a ver e conceber a matemática negativamente e a si próprio
incapaz de apreendê-la. O que se torna uma tarefa nada fácil reverter a situação de
dificuldade pré-estabelecida, como diz CRIS (entrevista): desconstruir o que eles
trazem de lá, essas ideias de que não são capazes de aprender matemática porque é
difícil, e construir outra ideia, não é nada fácil.
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“Não é nada fácil”, a história tem dito isso, mas é consensual entre
pesquisadores e a prática que vimos desenvolvendo, elas confirmam essas tendências de
dificuldades dos alunos de aceitar/gostar/interessarem-se pela matemática, mas apontam
também, que necessário se faz modificar as crenças e as atitudes do professor em
relação ao conhecimento matemático que apresenta aos alunos. Essa mudança faz-se
imprescindível, porque ao modificar a forma como o conhecimento é exposto aos
alunos, as crenças e atitudes destes em relação àquele são modificadas também, tanto
em relação à matemática como em relação ao professor de matemática.
Há forte crença de que, se o professor sinaliza que o aluno vá ao livro ou o professor olha no livro para resolver qualquer problema, assunto de matemática, é porque não sabe. É porque está inseguro. É porque não domina o conteúdo. Isso é terrível. Os licenciandos precisam está preparados para enfrentar isso. Desconstruir isso quando eles chegam aqui, não é nada fácil, mas é preciso. Da mesma forma eles têm de desconstruir isso lá, na escola. Nossa formação, aqui, visa os conteúdos e isso também. Isso é desestimulador porque os alunos têm a ideia de que não precisa estudar, o professor é quem tem de botar tudo na cabeça deles como se ensinar matemática ou aprender matemática fosse um objeto que se põe lá dentro da cabeça e não uma atividade que se vai construindo, com leituras, com esforço, dedicação, pré-disposição para isso, pensando no problema, fazendo uma representação real dele, se ocupando em pensar (LURI, Anotações diário de campo).
Tomo como ponto de análise para essa manifestação de Luri, a palavra
desconstruir e a ideia de que não é preciso estudar. Essa fala expressa que ensinar essa
ciência não significa apenas mudar os modos de ver e conceber o sujeito da
aprendizagem. Significa ter visão ampla sobre os processos de ensino, ou adotar
posições filosóficas, epistemológicas, políticas e ideológicas claras e determinadas em
relação ao que está posto, principalmente para mudar crenças pré-construídas; entender-
se como ser histórico, e perguntar-se sobre suas intencionalidades. Os licenciandos
precisam está preparados para enfrentar isso. Da mesma forma eles têm de
desconstruir isso lá, na escola. Nossa formação visa os conteúdos e isso também
(LURI, Entrevista).
Ser professor é um grande desafio. Porque já tem as crenças sobre a matemática, que se reverte para o professor. Depois, os resultados não são bons, por todo esse pré-conceito contra a matemática e o professor de matemática, essa imagem do professor de matemática e da matemática precisa mudar, o quanto antes. Se você diz que é professor de matemática, observe a reação: Ou te acham um gênio, ou apavorante, ou o mais inteligente, ou aquele que exerce poder, ou tudo isso junto, ou nem diz nada, mas a expressão diz tudo (FANS, Entrevista).
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Esses relatos narrativos expressos por Cris, Luri e Frans dizem que eles não
fogem a luta, movem-se com seu grupo social, indicando que é preciso mudar os modos
de tratamento para com a matemática escolar; apontam crenças em formar para a
desconstrução de crenças e valores nada favoráveis à aprendizagem matemática por
parte dos alunos. O que é diferente de simplesmente discutir, informar, polemizar, ou
assinalar um ponto de vista. É ter uma permanente frente de luta, assumir conflitos pelo
alcance que possam ter suas ações, não apenas na própria história individual, mas pelo
que possam significar na sua esfera humana de ser professor pensando no futuro –
construir a educação pensando no bem comum a partir do sujeito que informa e forma,
para atuar assumindo outras perspectivas e ensino.
Porém, dizem que não é fácil romper com o instituído, posto que ao assumir que
é professor de matemática, observe a reação: Ou te acham um gênio, ou apavorante, ou
a mais inteligente, ou aquele que exerce poder, ou tudo isso junto, ou nem diz nada,
mas a expressão diz tudo (FANS, Entrevista).
Para Silveira (2002, p. 6), os efeitos do discurso pré-construído é que oferecem a
dimensão do hiper conceito à matemática. Em suas palavras:
Não é o discurso em si que oferece este hiper conceito à matemática, porque ele é relativo à memória, já que está disperso em todas as falas, em todos os lugares de significação e por sua vez escondem-se nas relações entre os sujeitos, alunos e professor. Estes lugares de significação dados à matemática interferem na relação entre o sujeito que ensina e o sujeito que aprende. A ruptura destes significados é impossibilitada, pois os efeitos do discurso pré-construído estão apagados pela pedagogização da matemática, a qual fica mediando o acesso aos saberes que constituem o discurso matemática, e o aluno, mesmo excluído do discurso pré-construído, acaba por sofrer as conseqüências dos seus efeitos.
Desse modo, em relação à matemática, torna-se essencial mudar práticas
arraigadas, as quais atribuem a esta ciência caráter ideal, platônico, para o qual as ideias
matemáticas estão acima do sensível, do real, do concreto, do possível de ser
apreendido. Destarte, além de todos os males que causam ao aluno e à sua
aprendizagem, a concepção que o professor tem sobre a matemática que ensina, são
transferidas para os alunos que conseguem sobressair-se no aprendizado dessa ciência e
isso assegura que as crenças pejorativas em relação à matemática não se modifiquem.
Certamente é preciso estudar. Sem o estudo, dedicação, interesse, é possível que
ninguém aprenda matemática nem qualquer outro conhecimento cientifico, posto que o
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conhecimento sistematizado, entre os quais, o matemático, é uma produção humana e
foi adquirindo forma, estrutura organizacional e lógica, ao longo de muitos séculos.
Contudo, para Gonçalves (2006, p. 25):
As universidades (públicas) pela ação dos seus formadores de professores, há décadas têm uma dívida para com a sociedade no que diz respeito à formação e ao desenvolvimento profissional da educação para o magistério do EFM43, de modo a atender às necessidades do sistema de ensino, em especial do sistema público.
Frequentemente os cursos de formação dos professores não têm conseguido
contemplar as competências e habilidades necessárias à formação de professores para
atuar, nos termos requeridos pela demanda emergente no contexto social atual, a qual
advém das camadas menos favorecida financeiramente, e esses alunos pouco ou nada
contam com o apoio familiar, até porque, a esperança dessas famílias é totalmente
depositada nos professores de seus filhos. Por esse viés, vêm os efeitos mais imediatos,
porque além das condições econômicas e sociais desfavoráveis, as escolas não
propiciam acesso às condições, aos diversos e variados materiais e equipamentos
didáticos e tecnológicos, instrutivos e culturais, tais como livros, revistas,
computadores e outros equipamentos eletrônicos (GONÇALVES, 2006, p. 26).
Lembremos, pelo o que vem sendo dito nas interlocuções, em temos de pesquisa
e manifestações dos sujeitos, há dificuldades nas IES públicas em propiciar as
condições desejáveis para que a formação docente necessária ocorra, o que acaba por
convergir a diferentes e convergentes polos – falta de formação desejável na IES,
prática docente ineficiente/inadequada, converge para falta de qualidade de ensino nas
escolas públicas brasileiras - onde se encontram os carentes, financeira e culturalmente.
Mas, nas palavras de Medeiros:
O problema é que: o que aí está? Isso abrange a escola (e a universidade) com um ensino tradicional que precisa ser interrogado; a escola (e a universidade em grande proporção) está inserida em uma sociedade que está enferma, indigente de valores humanos, carente de novos valores e cuja organização também precisa ser questionada (2005, p. 36).
Sobre o questionamento diante da sociedade enferma, as pré-concepções diante
de um sistema que não se move a favor das necessidades sociais premente, matemática
43A sigla EFM – Ensino Fundamental e Médio, é esclarecida por Gonçalves (2002, p. 18).
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sem sentido, desprovida de significado, os pré-construídos, tal como expresso nas
citações e na fala de Frans, Marlon diz o seguinte:
Quando digo que sou aluno do curso de matemática da UEMA, logo vêm os suspiros, aquela atitude de achar ou o máximo ou o bicho papão. É difícil lidar com tudo isso e ainda se sair bem, principalmente com alunos que ainda estão aprendendo por vê os outros dizerem as coisas, ouvindo aqui, ali (MARLON, G. Focal).
Essas crenças de que o professor é o que sabe de tudo, pode descartar o aporte
teórico, livro, a consulta, é fruto do que o aluno pensa em relação ao o que é saber, que
para ele é ser dono da palavra, sem de ninguém e de nada depender. Sabemos, contudo,
que a imagem da matemática está sempre envolta em crenças que passam de geração em
geração, fortalecendo seu caráter de exatidão, que se reverte em crenças e valores
deturpados para a pessoa do professor.
Corroborando com tais aspectos, surgem rótulos difundidos dentro e fora da
escola que vão ganhando cada vez mais impulso, prejudicando o processo de construção
dos saberes matemáticos em ambientes escolares e, por extensão, atingindo a auto-
estima de muitos professores dessa área.
Os efeitos dos discursos pré-concebidos em relação à matemática, e por extensão
ao professor de matemática, como revelam as manifestações de Frans, Luri, Cris e
Marlon, deixa o professor de matemática em dificuldades. Esse assunto é discutido por
Silveira (2002), em um tom de irreverência. Ela reporta-se aos tempos, concepções
matemáticas pitagórica e platônica (ambos viveram no séc. VI a.C), os quais deixaram o
seu legado em relação à matemática.
Platão, envolvido em práticas matemáticas e crenças religiosas, em todas as
coisas do mundo, punha em evidência o número. Por conseguinte, quem descobrisse a
estrutura numérica das coisas alcançaria a purificação da alma, unidade harmônica,
sustentada pela proporção matemática. Isso quer dizer que a matemática era o centro de
todas as coisas e quem a dominasse exercia poder sobre os demais, de vida e de morte,
já que a harmonia e purificação da alma era proporcional uma em relação à outra
(SADOVSKY, 2013; SILVEIRA, 2002).
Pitágoras se configurava como o centro das atividades matemáticas da época,
guiara e inspirara o seu desenvolvimento, asseverando que negociantes e guerreiros da
época precisavam aprender a arte dos números, ou não saberiam dispor e conduzir suas
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tropas. Essas são questões relevantes para se pensar o ensino da matemática porque a
tempos se assumiu outros prismas para o ensino dessa ciência. Nos dizeres de Aragão
(2005, p. 123), essas são questões importantes,
Porque a demanda que, hoje, se coloca é pela formação de cidadãos pensantes, criativos, que possam posicionar-se de maneira crítica diante da realidade e conquistar autonomia de ser, de estar e de saber. São esses os objetivos centrais citados nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que foram recomendados e supostamente assumidos pelo ensino fundamental e médio das escolas públicas.
O diálogo toma a forma de troca das apreensões subjetivas, das formas íntimas
de percepção desse conjunto de ideias, formas, símbolos e relações entre ideias e
símbolos que se expressam na matemática. Aquela que contempla práticas de ensino
geradoras de compreensão; que buscam formar cidadãos pensantes, criativos, que
possam posicionar-se de maneira crítica diante da realidade e conquistar autonomia de
ser, de estar e de saber, assim diz Aragão (2005, p. 123). Nessa perspectiva, a
matemática torna-se para o aluno e para o professor, a expressão da compreensão. Para
aquele, a aprendizagem torna-se geradora de aprendizagem, ele encontra seus sentidos e
significados por sentir-se sujeito de sua aprendizagem; para estes, o processo de ensinar
o possibilitará reorganizar as suas estratégias de intervenção.
De fato, todo aparato de que se vem falando, quando contemplado em ações
geradoras de compreensão torna-se tal como expresso na manifestação de Vani:
A satisfação é com todos, mais ainda, em ver que tem alunos que chegam aqui com pavor da matemática e depois crescem, perdem o medo da matemática, falam e ouvem, identificam seus objetivos e avançam olhando para frente e descobrindo que matemática é uma criação humana, uma ciência que lida com a lógica pertinente a problemas da vida real, não é bicho papão (VANI, Entrevista).
A partir da fala de Vani, percebe-se que incluir o diálogo nas práticas de ensino,
leva à conquista da autonomia de ser, de estar e de saber, outra maneira de vê o ensino,
aquela que além de ter em vista a compreensão, visa também a percepção de que é
preciso assumir atitude quanto ao ouvir e ao falar, na qual é tão importante o que pensa
ou fala o aluno quanto o que pensa ou fala o professor. Ademais, vale ressaltar: Isso só é
possível se ambas as partes estiverem disponíveis ao diálogo. Isso só é possível se o
aluno quiser compreender e se o professor possuir conhecimento do que ensina e deseja
que o aluno compreenda (MEDEIROS, 2005, p. 31).
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Nos dizeres de Aragão (2005, p. 124), para desejar que o aluno aprenda é preciso
ser tocado profissionalmente, e para ser tocado em termos profissionais é preciso
certamente desenvolver sensibilidade de escuta – que é sobremaneira facilitada pela
prática da pesquisa narrativa – de forma tal que possam ser reveladas e captadas as
belezas e os encantos da obra do ensino da matemática. Contudo, adverte essa autora:
Não é, pois, uma resistência opositiva, mas refletida, quando se compreende o papel do educador que reconhece as condições sociais, políticas opositivas, mas refletida, quando se compreende o papel do educador que reconhece as condições sociais políticas e históricas na qual a Educação se insere. Por isso, esta ‘obra’, então, exige releitura e não reprodução (ARAGÃO, 2005, p. 125).
Nesses termos, é necessário perspectiva de ensino que inicie o aluno na
produção do conhecimento matemático, permitindo-lhe ser sujeito de sua ação pelo
diálogo, orientação, indicação de caminhos possíveis para tornar-se independente frente
à possibilidade de ele encontrar seus próprios caminhos para aprender matemática,
independente de, necessariamente, precisar de um professor para guiar seus passos ou
lhes dizer o que tem, e quando tem de estudar, já que no tempo de que dispõe a escola,
não seria mesmo possível responder a todas as perguntas e dúvidas dos alunos, menos
ainda acompanhá-lo passo a passo.
O estudo me mostrou isso, a principal mudança foi compreender isso, acordar e vê que muita coisa no ensino mudou, o aluno tem de se tornar independente, ele tem que buscar. O professor só o guia, o orientador. Está acontecendo isso lá fora e a Universidade aqui é carente dessa visão. Oferecemos o que temos, mas estamos nos empenhando, buscando acertar com o que temos e também, lutando por coisas que não temos, como espaço físico e professores para o centro, com visão mais ampliada, nesse sentido. É isso. (CRIS, Entrevista).
Diante desse outro paradigma, expresso por Cris, o que concebe a aprendizagem
como processo guiado pela orientação, o aluno como ser de possibilidades, aquele que
para se tornar independente, ele tem que buscar. O professor é o guia, o orientador
(Cris, Entrevista), pressupondo que se a finalidade do ensino mudou, o professor tem
que mudar seu modo de agir e conceber o ensino, declarando que os estudos que
realizou, lhes mostraram isso (Cris, Entrevista).
Assim, é possível identificar na narrativa, características de compromisso ético-
político profissional guiado pela compreensão que catalisa a construção de um novo
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modo de ser professor. Aquele que apreende para si o significado do que seja ensinar,
conduzido por meio do diálogo e da escuta atenta.
Nesses termos, o lugar do diálogo e da escuta incide decididamente nos espaços
de interações formador/licenciandos/alunos, nas trocas das apreensões subjetivas, nas
formas íntimas de percepções das Unidades Múltiplas de Ideias (MORAES, 2000, p.
121) ou Jogo de Crenças (ARAGÃO, 2011, p. 23), que cada um vem expressando em
seus discursos; interesses, inquietações, valores, formas, símbolos e relações entre
ideias e símbolos, representações da realidade, que se expressam no tocante ao
entendimento do que seja matemática - uma criação humana, uma ciência que lida com
a lógica pertinente a problemas da vida real.
Vani e Cris estão expressando as suas crenças/concepções/percepções sobre a
matemática, justificadamente coerente com as discussões mais atentas em relação ao
conhecimento matemático que se espera ser ensinado no tempo atual. De outro modo,
entusiastas, com visão ampliada a partir dos estudos que realizou recentemente, Cris
(Entrevista) não se afasta da realidade contextual, assume e diz que a universidade, na
qual desenvolve as suas atividades de formação, é carente dessa visão.
A lógica da discussão estabelecida em torno das manifestações de Cris e Vani, e
vice-versa, encontra respaldo teórico nas palavras de Gonçalves (2005, p.39-40),
quando ele diz o seguinte:
É preciso que tenhamos, como formadores de professores, a clareza de objetivo do que seja formar o futuro profissional professor, no curso do processo de formação, assumindo o mais próximo possível o que ele terá de enfrentar, como docente. Para tanto, é preciso considerar os mais diferentes contextos, os mais variados desafios que nos últimos anos vêm sendo colocados pela sociedade ao sistema escolar e, por conseguinte, ao professor. Até porque, a sociedade atual nos exige uma escola dinâmica, exploratória, voltada para a necessidade de se formar cidadão que seja suficientemente competente para se desenvolver com autonomia e discernimento, quer como profissional quer como um cidadão crítico.
O viés intencional apontado na citação diz que posicionar-se diante dos fatos
condizentes com o lugar e posição que o professor ocupa, converge para o que Freire
denomina de tomada de posição, ou seja, lutar para ser sujeito e não apenas objeto da
história (FREIRE, 1996, p. 54). Além disso, ainda que mudanças não dependam
somente dos sujeitos envolvidos nas situações perturbadoras de precarização do ensino,
eles demonstram reconhecê-las e não aceitá-las de pronto, se propondo a intervir.
![Page 116: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/116.jpg)
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Sendo assim, se predispõem a interferir na/com a prática social, historicamente
construída na formação em curso, explicitando que têm consciência da precariedade em
que ocorre a formação docente, mas se pré-dispondo a superar os limites, agarrando-se
às próprias capacidades internas de superação dos desafios. Contudo, é possível
perceber a dificuldade em que se encontra o sistema educacional brasileiro, mas ainda
assim seguem trilhas possíveis, se dando conta de que uma das tarefas do educador ou
educadora, através da análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades,
não importam os obstáculos (FREIRE, 1992, 11).
Desse modo, cabe à comunidade universitária não esquecer que sua grande
aventura está em inventar-se para ser um instrumento de ruptura, de invenção de um
pensamento que os permita conviver com o presente e construir o futuro (BUARQUE,
1994, p. 18). Do mesmo modo que as referências anteriores, Imbernón (2009, p. 25)
contribui para essa discussão adverte nos seguintes termos:
Em definitivo, o futuro requererá um professorado e uma formação inicial e permanente muito diferente, pois a educação e o ensino (e a sociedade que a envolve) serão muito diferentes. Paradoxalmente, a formação tem, por um lado, que se submeter aos desígnios desse novo ensino e, por outro, deve exercer ao mesmo tempo a crítica diante das contradições do próprio sistema educativo e do sistema social.
Na esteira das ideias, ensejadas em torno dos discursos manifestados pelos
sujeitos da pesquisa, interpretados e discutidos, à luz das teorias que estudam o tema
formação de professores, é possível inferir que as manifestações postas em foco de
análise, são saberes, crenças e valores docentes importantíssimos e necessários, quando
se põe em foco de discussão a formação inicial de professores.
Nos termos colocados, tanto ao que se refere aos desafios e possibilidades
inerentes aos intervenientes que permeiam e interferem no contexto onde a formação
ocorre, quanto aos vieses práticos experienciais vivenciados pelos sujeitos, por
demonstrar que eles estão imersos, atentos e buscando modos de intervir na realidade, e
conscientes da responsabilidade pela própria formação.
Eles expressam essa consciência em manifestações que apontam para a
necessidade de se romper com o instituído, as ‘situações limites’; as situações que os
limita nas ações docentes que desenvolvem, se dirigindo à negação e superação do que
![Page 117: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/117.jpg)
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está posto, veemente refutado por eles; também quando questionam e refutam a
realidade que os limita no desenvolvimento da formação docente que oferecem.
Desta maneira, expressando síntese sobre essa primeira sessão de análise, é
possível perceber que as discussões empreendidas, reportaram e possibilitaram entender
parte da teia que permeia a trama consubstanciada por condicionantes que se interpõem
à formação inicial docente, enfatizadas por estudiosos das questões educacionais como
situações que descaracterizam os profissionais da docência, os deixando em dificuldade
e limitados para desenvolverem ações formativas que visem atender as exigências atuais
requeridas a esse profissional.
Do mesmo modo, as manifestações expressas pelos sujeitos dessa pesquisa,
quando refletem sobre as circunstâncias estruturais e ideacionais externas à formação
inicial docente desenvolvida por eles, que para além de uma classificação ou
caracterização de traços unificadores, longe de ser determinante, envolvem aspectos
gerais e específicos que influenciam negativamente na qualidade do ensino em todos os
níveis e modalidades, implicando desinteresse dos jovens por essa profissão e
preocupação dos sujeitos em intervir positivamente na realidade concreta.
![Page 118: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/118.jpg)
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SABERES ESPECÍFICOS, PEDAGÓGICOS E DA EXPERIÊNCIA: sentidos e
significados das práticas e ações de formação no processo de constituição do ser e se
fazer professor
Tudo se decide na consciência do acto. No equilíbrio e sensatez. Na aceitação de que a (auto) leitura, mesmo partilhada, não constitui uma verdade mais certa do que as outras leituras. Não se trata de uma mera descrição de factos, mas de um esforço de construção (e de reconstrução) dos itinerários passados. É uma história que nós contamos a nós mesmos e aos outros. O que se diz é tão importante como o que fica por dizer. O como se diz revela uma escolha, sem inocências, do que se quer falar e do que se quer calar.
Nóvoa
Em um trabalho de pesquisa, é sempre difícil iniciar uma nova seção de análise,
especialmente quando se anuncia um tema com os termos iniciais - saberes
Específicos, Pedagógicos e da Experiência - pelo menos por dois motivos:
i) primeiro, parece não existir saberes docentes que não estejam imersos ou
imbricados no âmbito desses três termos. Então, ou não se diz nada ou a discussão
passaria por delongue difícil de ser contemplado em um só trabalho de pesquisa;
ii) segundo, essas três dimensões de saberes docentes são amplamente discutidas
por muitos pesquisadores da área da educação, entre os quais estão, com exceção de
dois ou três, os interlocutores teóricos referenciados nesse trabalho, o que se tornaria
mais enriquecedor para o leitor interessado nos assuntos, ir direto às fontes originárias.
Contudo, há algo no tema da seção de análise, que pode afastar o leitor curioso e
aqueles que se vêm na obrigação de ler o trabalho - os componentes da banca
examinadora – da simples contemplação de meras descrições conceituais de fatos ou
atos que caracterize tais saberes, os termos: sentidos e significados das práticas e ações
de formação no processo de constituição do ser e se fazer professor.
O complemento do título remete ao entendimento de que a atenção para com as
discussões dos dados que serão nomeados para esta seção de análise, voltar-se-ão para
as manifestações que expressem compreensão em relação às ações e práticas
desenvolvidas no âmbito do processo de formação docente, os quais fazem sentido e
expressam significados diferenciados para os sujeitos envolvidos no processo de
constituição do ser e se fazer professor.
![Page 119: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/119.jpg)
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Nesse sentido, os saberes revelados tornam-se um amalgamar de
ideias/crenças/atitudes expressas, e não um tema a ser discutido termo a termo.
No âmbito dessas ideias/palavras/manifestações, busco apoio e clareza na
investigação narrativa, que consiste em fazer inteligíveis nossas ações para nós mesmos
e para os outros (ARAGÃO, 2005, p. 128). Assim, a direção a ser seguida será a de
considerar que os discursos narrativos dos sujeitos da pesquisa são imprescindíveis para
compreender os aspectos envolvidos nas práticas e ações formativas, que foram
significativas no processo de constituição do “ser e se fazer professor” no curso em
investigação.
Nessa perspectiva, a direção das discussões que serão empreendidas nessa seção
de análise não se constitui mera descrição de factos, mas de um esforço de construção e
reconstrução dos itinerários passados, e o que se diz é tão importante como o que fica
por dizer. O como se diz revela uma escolha, sem inocência, do que se quer falar e do
que se quer calar (NÓVOA, 2001, s/p). Corroborando com os dizeres do autor, é
possível considerar que quando se pensa e fala sobre o que se faz/fez ocorre uma
reflexão que, ao modo de um reviver as ações realizadas, estas revelam práticas
formativas para quem fala e para quem se interessa em ouvir, compreender e interpretar
tais falas.
Sacristán (1999), no âmbito das discussões que desenvolve sobre os sentidos e
significados das práticas e ações de formação e atuação dos agentes educacionais
formadores e em formação nos seus contextos de atuação, estabelece distinções entre
“prática” e “ação”, conferindo à “prática” uma dimensão coletiva cultural e, à “ação”,
uma dimensão mais individual. Contudo, diz o autor, o campo da ação por ser aleatório
e incerto, impõe reflexão sobre a complexidade inerente a ela, já a prática sempre
permeada por saberes científicos e epistemológicos - constituídos no percurso da
formação e das experiências vivenciadas - refere-se aos processos de construção de vida
e atuação docente do professor.
Portanto, a reflexão deve ser sobre as práticas realizadas a partir das ações, as
quais estabelecem os nexos entre o trabalho docente e a produção existencial e material
dos sujeitos levando em conta a sociedade na qual vivem.
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Nesta acepção, diferentes estruturas de racionalidades se fazem presente em
torno da formação de professores, uma vez que as práticas e ações docências variam de
acordo com as diferentes abordagens teóricas assumidas por cada formador.
Nessa perspectiva, é possível inferir que assumir-se formador e aprendiz de um
ofício complexo como é o ato de ensinar, implica compreender que das práticas e ações
docentes, emergem diversos adjetivos que classificam e designam a figura/imagem do
professor de acordo com as práticas e ações assumidas para desenvolver a formação.
Nesse sentido, Garcia esclarece propondo a seguinte reflexão:
Podemos observar numerosas e desejáveis, e por vezes contraditórias imagens do professor: eficaz, competente, técnico, pessoal, profissional, sujeito que toma decisões, investigador, sujeito que reflete, etc. é, sem dúvida, evidente que cada uma destas diferentes concepções do que deve ser o professor vai influenciar de modo determinante os conteúdos, métodos e estratégias para formar os professores (GARCIA, 1999, p. 30).
Para as finalidades deste trabalho, as práticas formativas são entendidas, como
atividades desenvolvidas no percurso da formação, que possibilitaram aos sujeitos
formadores e em formação, a construção de saberes importantes para o exercício da
docência. Nesse sentido, as práticas formativas são as formas como o currículo é
traduzido no dia-a-dia da formação do professor e, portanto, envolvem tanto aspectos
coletivos quanto individuais relacionados às práticas e ações, saberes, crenças, valores,
motivações e desejos compartilhados no percurso de formação.
Assim, sob diferentes perspectivas, a partir da reflexão manifesta, os sujeitos da
pesquisa identificam algumas práticas e ações que fizeram sentido e foram formativas
para eles, eis algumas delas:
i) Eu senti que os eventos na área da matemática são poucos, mas os
poucos que tiveram foram interessantes para nossa formação,
discussões, palestra esclarecedoras, falas de incentivo e esclarecimento
sobre o que é ser docente, e outros conhecimentos importantes (JOCY,
G. Focal).
ii) O momento em que apresentamos os projetos que realizamos na escola,
as pesquisas que fizemos, foi outro momento muito interessante. Com
esses trabalhos, os folders, que aprendemos a montar projetos,
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objetivos, isso nos ajudou quando fomos para a escola (MILKA, G.
Focal).
iii) As discussões em sala de aula, quando chegávamos da escola, foram
muito importantes. Tinha coisa que não sabíamos o que fazer, ou se
tinha feito certo, não é só do conteúdo que falo, é da relação da aula
com o conteúdo, o planejamento e aprendizagem dos alunos
(MARLON, G. Focal).
iv) Outra coisa que ajudou muito foi a troca de experiência, porque cada um
fazia do seu jeito, aí quando discutíamos o que tínhamos feito, eu falava,
outro falava, aí se percebia a forma que podia dá mais certo, então eu
considero que a troca de experiência foi proveitosa (JULY, G. Focal).
v) As situações do dia-a-dia, como planejar uma intervenção para que os
alunos entendessem o conteúdo, tudo isso eu achei muito positivo,
porque me deu segurança em sala de aula (JACK, G. Focal).
Os projetos que eles desenvolveram na escola e as discussões aqui. Penso que para além das aulas nas disciplinas, foi o que gerou mais aprendizado para eles e para mim, porque tínhamos de planejar e eles iam para a escola. De volta discutíamos e replanejávamos e assim se ia e voltava, líamos, discutíamos, pensava, refletia, é um processo longo, mas vale a pena (VANI, Entrevista).
Assim como em várias outras narrativas manifestadas, os sujeitos consideram
fundamentais as discussões e interações em sala de aula; a troca de experiências com os
colegas; a atuação competente de alguns professores ao orientá-los, que não mediam
esforços para apresentar os conteúdos de forma clara, os relacionado a fatos ou
assuntos contextuais, que ocorriam na escola. Exemplos de como devíamos agir diante
de situações que não diz respeito ao conteúdo, como as conversas e dispersões dos
alunos (JUCY, G. Focal).
A perspectiva manifesta considera que o ensino deve ser regido por
interlocuções que reflita sobre as situações do dia a dia, pressupondo estudo, pesquisa,
discussões e reflexões acerca dos fundamentos e concepções do curso e das disciplinas
que o compõe.
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Essa participação favorece que os futuros professores conheçam mais sobre seu
objeto de trabalho em seus aspectos práticos e pedagógicos, se distanciando das práticas
corriqueiras de ensino, aquelas em os docentes falam e os discentes apenas escutam
(ARAGÃO, 2011), levando cada um a se comprometer com a dinâmica que emerge em
torno da sua formação. Assim, ao debruçar-me sobre esses excertos para analisá-los,
compreendi como as narrativas constituem-se em elementos esclarecedores de situações
vivenciadas, as quais revelam um processo/produto situado e único, revelador do ‘eu’
de cada um, intermediado na sua relação com o ‘outro’ mediante a complexidade do
contexto em que ambos (inter)agem.
Estas primeiras manifestações, nomeadas para introduzir esta seção de análise,
revelam certa cumplicidade, com maior ou menor ênfase, abordam o processo em
relação às práticas e ações que desenvolviam, apontando os nexos de ligação entre a
essência das atividades que desenvolviam e a formação que se constituía no processo
vivenciado por eles, evidenciando-se a possibilidade de estabelece relações no
movimento da teoria/prática. Momentos em que liam, discutiam, refletiam e
replanejavam, tudo isso associado a perspectiva de se reverter em prática de ensino.
Descobrindo aprendizagens em potencial, desenvolvimento de aprendizagem
profissional e acesso à racionalidade do professor que está por vir, racionalidade
reflexiva, multidimensional e impregnada de aspirações, que supõe uma relação
dialética entre pensamento e ação, vivência e experiência (LARROSA, 2004).
Desse modo, as manifestações acima são significativas em vários aspectos, os
quais chamam a atenção por demonstrar sensibilidade carregada de preocupação, de
busca de alternativas que se dirigem a promover da forma menos traumática possível, o
encontro dos futuros professores com o lócus de ensino onde iam atuar.
Há nas manifestações dos sujeitos, certa dose de afetividade, carregada de
preocupação e reflexão sobre o que faziam, com perspectivas de formação de
professores que se diferencia em termo de orientação e interlocução entre pensamento
teórico e ação no sentido da práxis, refletindo e implicando reflexos das discussões em
que se envolviam; momentos em que percebiam a possibilidade de acertar e de errar;
considerar as situações do dia a dia e a experiência posta a público pelo outro para
planejar e observar se o aluno aprendia ou não, expressando um conhecimento formal e
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um conhecimento do cotidiano, na provisoriedade e multiplicidade da construção do
conhecimento (MORIN, 2002), para se fazer professor. Percebe-se nestas narrativas que
há cumplicidade. Os relatos não se excluem, mas se somam em processo de imbricação
por afinidade e cumplicidade.
Acresço a esses aspectos, a dimensão do saber sensível, vinculado à experiência,
dando a ideia de que a reflexão sobre as práticas e ações prescindia e permeava as
atividades docentes que desenvolviam. O que segundo D’Ávila e Sonneville (2012, p.
34), abre a possibilidade de críticas e incentiva a construção de novos paradigmas
para o ensino. Esse tipo de conhecimento que reflete o que os sujeitos da pesquisa
dizem dos saberes que vão desenvolvendo com a experiência, talvez porque
diferentemente do que apontam muitas pesquisas, eles (formadores e licenciandos)
vivenciam o ensino nos contextos para os quais formam e são formados (IES e escolas).
Nesse sentido, eles mencionam a importância da relação deles com os alunos em
sala de aula com o conteúdo de ensino, o planejamento e aprendizagem dos alunos;
discussões, palestra esclarecedoras; falas de incentivo e esclarecimento sobre o que é ser
docente; projetos que desenvolviam; troca de experiências com os colegas e
atentividade para com as ações exitosas narradas pelos colegas.
A partir desses aspectos formativos evidenciados, é possível inferir que há
sensibilidade e envolvimento emocional suficiente para oferecer aos sujeitos envolvidos
na experiência de formar e se formar, embasamento teórico-pedagógico e envolvimento
pessoal e profissional capazes de promover formação que propicia a superação das
práticas usuais de formação de professores. Nesse sentido, parece fazer sentido o que
Gonçalves (2007, p. 50. Grifo do autor) diz em relação à formação de professores.
Nem precisa haver finalidade formativa para o professor. Desde que este participe, se envolvendo de fato, haverá lucros ou ganhos para seu desenvolvimento profissional e pessoal. Eu procurava me envolver e intervir, objetivando ajudar pedagogicamente os alunos, refletir sobre minhas atitudes e também sobre a de meus alunos, fazendo com que houvesse envolvimento emocional e afetivo, pois já entendia que o estabelecimento de uma relação de afetividade e de respeito com os alunos provoca uma ação capaz de ‘promover educação’.
Nos termos apontados por Gonçalves (2007), sobre a intervenção, o
envolvimento emocional, afetivo e a reflexão sobre as atitudes do professor formador
frente aos professores que forma, Luri (entrevista) diz sempre ter buscando estratégias
![Page 124: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/124.jpg)
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para que os alunos se envolvessem com a sua formação e no futuro possam ter boas
práticas.
Em seus comentários após essa fala, Luri diz que uma das maiores preocupações
deles, como formadores de professores para atuar no ensino básico, é gerar expectativa
de os licenciandos desenvolverem estratégias e estilos de atuação em que nas
observações que fazia de suas práticas, quando eles simulavam apresentações de aula,
os levassem a uma conduta de analisar as práticas uns dos outros e dele próprio, com a
finalidade de refletir sobre as ações e atitudes assumidas em relação aos conteúdos de
ensino. Levam em conta a autonomia, a responsabilidade com o andamento da aula e
com o ensino do conteúdo nomeado para a aula; tomada de decisão frente aos
imprevistos e o cuidado com a comunicação, isso em âmbito coletivo e individual.
Na mesma perspectiva, em tom de quem se preocupa com a formação que
oferece, Cris (Entrevista) se manifesta e diz o seguinte:
O professor de Matemática tem que mostrar caminhos, tem que orientar e mostrar possibilidades de os licenciandos se sentirem seguros no memento em que estiverem atuando em sala de aula, mas tem que saber o conhecimento específico e não se envolver com receitas prontas.
Diante dessa última manifestação, é preciso considerar as orientações de
Imbernón (2000, pp. 85 - 87), quando diz que a formação de professor transcende o
ensino que pretende uma simples apropriação de técnica de conhecimentos científicos,
pedagógicos e didáticos. A grande questão consiste em adaptar a formação à
diversidade dos sujeitos que convivem nas instituições educativas, e o êxito nos
resultados dependerá em grande medida da capacidade de agir autonomamente, tanto
por parte dos professores como da comunidade e dos alunos e alunas sujeitos desse
processo (p. 85).
O alerta expresso na citação referenciada leva a entender que não basta apontar o
caminho como diz Cris (Entrevista), dizer o que deve ser feito ou não, indicar estratégia
e levar a entender que há um caminho pré-anunciado e esse é o caminho a ser seguido
porque é o certo, e passa sempre pelo conhecimento específico. Mas antes, priorizar
espaços de participação e reflexão que impliquem momentos de formação, em que cada
um encontra o seu modo de agir e conviver com as incertezas, buscando fórmulas
educativas diversas que não causem segregação, nem alienação (BEHRENS, 2000).
![Page 125: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/125.jpg)
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Assim, é possível inferir que as práticas de formação docentes devem priorizar a
reflexão sobre/para a ação, que levem os sujeitos a experienciar os seus desacertos e
encontrar os seus próprios modos de criar estratégias para atuar de forma autônoma e
consciente, considerando os conhecimentos científicos específicos e pedagógicos e o
contexto onde esse processo vai ocorrer (MORIN, 2015).
Com base nesses dizeres, pode-se entender o lugar de incertezas em que os
professores formadores assumem no processo de formar professores para atuar no
ensino básico, uma vez que têm de ser capazes de considerar todas as variáveis que
intervêm nas suas ações. Estas podem se reverter em prol ou em contraposição às
práticas desejáveis para a nova conjunção social, em que o equilíbrio, muitas vezes
advém das situações turbulentas, incertas e com ar de desajustes (MORIN, 2007).
Desse modo, a atividade docente de formar exige o entendimento de que o seu
fazer é uma prática social complexa que combina atitudes, crenças e valores,
expectativas, visões de mundo, habilidades e conhecimentos que priorizem os aspectos
contextuais nas diferentes histórias de vida dos professores que formam. E formação
teórica epistemológica que sustentem suas cresças, valores e atitudes.
Ainda assim, é possível inferir que o seu saber e saber fazer não é algo que se
aprende o concebendo de fora para dentro, ou seja, cumprindo ditames prescritos, mas
uma atividade que se desenvolve no seio do fazer, mobilizando, construindo e
reconstruindo diversos tipos de práticas. Saberes que refletem a interconexão
interveniente da teoria associada à prática e prática decorrente de uma teoria
(MEDEIROS, 2005).
Nas investigações recentes sobre formação de professores se têm destacado
como elementos principais para a docência, as relações entre o ensino, a interiorização
de conteúdos, modos de agir e as aprendizagens constitutivas e constituídas nesse
processo (LIBÂNEO, 2012).
Nessa perspectiva, a atividades de ensino em torno da formação de professores,
requer a compreensão entre um conjunto de saberes e práticas que envolvem conteúdos
específicos, os métodos e os saberes pedagógicos próprios da profissão do professor, os
quais, segundo Zabala (1994, p. 64), constituem o domínio teórico e prático, que
![Page 126: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/126.jpg)
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precisa se associar aos saberes da experiência, os quais mobilizam ações que vai
conjugando, a cada situação, o desejável, o possível e o conveniente.
Entre o possível e o conveniente, o domínio teórico e prático associados aos
saberes da experiência é o ponto de incursão no universo daqueles que são responsáveis
pela formação de professores, os quais propiciam vislumbrar o ensino como atividade
que caracteriza o trabalho de futuros docentes, e considerá-lo como práxis social, o
situando como uma atividade que se realiza em diferentes espaços da sociedade.
Mais que isso, é preciso considerar as diferentes instâncias, espaços e aspectos
da formação, que podem propiciar os nexos entre formação acadêmica e ensino escolar,
trabalho docente e produção existencial e material dos sujeitos e da sociedade em que
vivem. Bem como, os nexos entre suas áreas de atuação específica e conhecimentos
pedagógicos, posto que entre formação humana de si mesmos e dos demais, sobretudo
como se relacionam as diferentes componentes do currículo acadêmico, é preciso ter em
mente que a educação é uma atividade exclusiva do homem. Ela ocorre entres seres
humanos, com dupla e simultânea finalidade, em que ao mesmo tempo em que insere os
novos humanos na sociedade existente, constrói-os em sua subjetividade (PIMENTA;
ANASTASIOU, 2002, p. 19).
Diante e a partir dessa reflexão, ensejada depois de muito ler e reler as narrativas
dos sujeitos dessa pesquisa, que revelam ao olhar investigativo, o que eles fazem,
porque fazem e o que percebem e pensam acerca do que fazem, inspira-me citar
algumas das manifestações referentes ao conteúdo específico, no caso o matemático, o
qual, para eles, é fundamental e sem ele não é possível pensar em ser professor porque
eles são a base para se pensar em outros saberes, como saber transformar o
conhecimento em um jeito que o aluno possa entender (JULY, G. Focal).
As disciplinas específicas nem vou falar, porque isso é o mínimo que um
professor tem que saber. Agora saber transformar os conteúdos matemáticos puros em
conteúdos de ensino, isso é muito importante e necessário (JOCY, G. Focal).
De outro modo, Luri, (Entrevista) se manifesta a esse respeito e diz que a base é
o conhecimento específico, então, é preciso dominar com propriedade o conhecimento
específico, e para transformar esse conhecimento é preciso ter estratégia pedagógica,
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então é importante o conhecimento pedagógico, mas há exageros nessas teorias
didáticas.
O professor tem que ter a formação específica dos cálculos, geometria analítica é fundamental, por exemplo, a geometria analítica que eles estudam na universidade é mais avançada do que a que eles vão ensinar, mas isso é importantíssimo, porque se ele souber apenas a geometria analítica que ele vai ensinar não dá, é muito pouco, então ele deverá ter toda essa visão, os cálculos, as equações diferenciais, ordinárias (...) ter também essa formação didática, da parte pedagógica (CRIS, Entrevista).
O princípio de tudo é o conhecimento específico. O pedagógico também é importante, mas sem o específico não há como ter o pedagógico em relação a ele. Logicamente, uma boa fundamentação teórico-pedagógica vai possibilitar ao professor se expressar melhor, transformar o conhecimento específico em uma forma mais fácil de o aluno entender. Levar isso para o contexto. Então, tem de ter o conhecimento específico e o pedagógico que é característico da docência (FRANS, Entrevista).
Como nestas, em outras manifestações é possível identificar certa convergência
de entendimento sobre a importância e necessidade de que haja domínio dos saberes
específicos e imbricados a estes dos saberes pedagógicos.
Verdadeiramente, parece haver clareza de que imbricado ao domínio da
especificidade os conhecimentos pedagógicos é que irão configurar as ações de um
professor capaz de nomear objetos de ensino (conteúdo), organizá-los e gerir os
processos de ensino para que haja aprendizagem dos alunos na escola; mas há, também,
a consideração velada, de que o conhecimento pedagógico é apenas um complemento, é
trabalhado de forma exagerada, e não um saber essencial que tem como princípio de sua
existência aproximar o docente iniciante com o futuro campo profissional.
Não é que esse entendimento não seja anunciado, e às vezes até enfatizado, mas,
especialmente no início das entrevistas, é possível identificar que o domínio do
conteúdo específico exerce certo fascínio nos discursos dos professores de matemática,
possíveis de ser identificado nas manifestações de Luri, Cris e Frans, em que se percebe
que há certa divergência, desconforto e confrontos velados em relação ao que Luri
chama de exagero das teorias pedagógicas, o que na visão de Vani (Entrevista) torna-se
uma questão complexa nos cursos das exatas, porque dificultam a aproximação e a
inserção dos licenciandos em práticas essenciais para a formação deles.
Há grandes desafios a serem superados. O curso de matemática, teoricamente, trabalha com disciplinas exatas e as práticas e a didática são disciplinas pedagógicas, às vezes consideradas intrusas para a área. Então, eu chego no 5º período com a didática, e os alunos já ficaram dois anos
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trabalhando com as exatas, sem qualquer interlocução com estas disciplinas. Então quebrar esta barreira, sair da rotina da concentração de ficar simplesmente calculando no caderno e ir para as discussões pedagógicas, teóricas, com autores pedagógicos que até então eles desconhecem, é um grande desafio.
Corroborando com a manifestação de Vani, os licenciandos expressam que há
certo preconceito com relação às disciplinas pedagógicas, o de se acharem que elas
exageram em relação a leituras, discussões e orientação sobre as questões didáticas de
ensino, e que no início do contato com essas disciplinas (didática e prática de ensino),
eles tiveram muitas dificuldades de ficarem discutindo sobre os textos que eram
nomeados para serem lidos, e às vezes, apresentados.
Contudo, no conjunto das suas manifestações é possível identificar afirmações
que leva a perceber que à medida que avançavam no curso iam reconhecendo a
importância das disciplinas pedagógicas para a formação em curso, como mostram as
falas seguintes:
i) Na verdade nós fomos acostumados a raciocinar a partir de números e
quando tivemos contato com textos que só têm palavras, ficamos perdidos, mas
reagimos e isso ajudou muito, na nossa atuação na sala de aula (JULY, G. Focal).
ii) No início foi difícil entender que as disciplinas tidas pedagógicas eram
importantes, nem só as disciplinas ‘didática e prática de ensino’, mas filosofia,
sociologia, história da matemática e outros, mas depois percebemos que elas foram
fundamentais para entender e agir na sala de aula (JOCY, G. Focal).
Como July e Jocy, Milka (G. Focal) também se expressa e diz que didática é
uma disciplina muito importante porque traz essa questão da postura do professor, da
relação professor aluno, que são temas polêmicos, porque não depende tanto só do que
você aprende, mas depende mesmo das situações que aparecem na realidade.
Defendendo o ponto de vista em relação à importância das disciplinas
pedagógicas para o curso de formação de professores. Vani argumenta e diz que não é
possível se acreditar que o conhecimento específico possa ser privilegiado em
detrimento do conhecimento pedagógico, porque no seu modo de vê:
Eles estão de igual para igual, não se pode conceber um professor que não leva em conta o entendimento do conteúdo pelo aluno, e se o aluno não
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entende tem de mudar o modo de apresentar o conteúdo, é isso que chamo de saber pedagógico, é saber dinamizar o conteúdo (VANI, Entrevista).
Nas narrativas nomeadas, entre outras tantas que deixaram de ser citadas, os
sujeitos reiteram aspectos que se constituem como tendências de concepções
convergentes e divergentes, nem tanto em relação à importância e necessidade de terem
conhecimentos específicos e pedagógicas necessários à docência em matemática, mas
em relação aos exageros, com que são enfatizadas essas disciplinas.
Para Vani, professora das disciplinas pedagógicas, há exagero na imersão dos
licenciandos em práticas de cálculo, sem que haja nenhuma reflexão sobre eles. E,
segundo Luri, Frans e Cris, há exageros nas leituras e discussões em torno das questões
didáticas.
Contudo, os licenciandos conferem valor e importância a tais conhecimentos,
não só à didática e prática de ensino, mas também a filosofia e sociologia e história da
matemática. Na sequência de suas narrativas é possível constatar que eles nomeiam
outras disciplinas, inclusive matemática, que foram fundamentais para a formação deles.
Mas imerso ao discurso narrativo fica claro que a aceitação da dinâmica processual em
torno da qual se imbrica a coexistência entre especificidade e pedagogia, não foi um
processo rápido e nem fácil para eles.
Segundo Libâneo (2012) a questão da falta de consenso e aproximação entre os
professores formadores das disciplinas específicas e pedagógicas, é um embate levado a
cabo ao longo do tempo, e a formação de professores tem padecido dessa falta de
diálogo entre as duas instâncias, essenciais para formação de professores, segundo ele,
especialmente na área das exatas, por não se entenderem que esses são momentos da
formação que, embora distintos, se completam e precisam se imbricar.
Em síntese, o autor esclarece dizendo que os saberes didático-pedagógicos
implicam o saber-fazer, mas se considerarmos que o nuclear do problema didático é o
conhecimento específico e modos de conhecer referidos a sujeitos e ações concretas,
então eles não podem ser reduzidos a dispositivos e procedimentos (p. 60).
Tecendo considerações sobre estas explicações, o autor esclarece que os
conhecimentos pedagógicos, objeto de estudo da didática, abrem caminho para o futuro
professor compreender que o ensino de qualidade será aquele que resulte em qualidade
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formativa; que faça acontecer o ensino e aprendizagem do objeto de ensino; que ensinar
é organizar intencionalmente as condições para sua realização, de modo que se
desenvolva o exercício da crítica para a transformação das condições sociais vigentes,
com vista a superar as desigualdades e gerar a emancipação humana.
Em termos específicos, assim diz esse autor:
Didáticas (gerais e especificas), assim como as Metodologias, envolvem teoria enquanto um sistema relativamente autônomo de conhecimentos produzidos na lógica dos conceitos. A lógica objetiva dos fenômenos e processos da realidade envolvem a prática como a atividade humana real, efetiva, base da ação recíproca que mantém com a teoria. É evidente que quando falo de prática não estou me restringindo à prática de ensino apenas, mas também à prática social em todas as suas implicações com o processo educativo escolar (LIBÂNEO, 2002, p. 30).
Na continuação de suas argumentações, esse autor delonga explicações sobre
esse assunto e termina por afirmar que é preciso haver diálogo entre as diversas
instâncias, especificidade e didática, prática de ensino e outras tantas disciplinas, mas
todas devem ter em vista o questionamento sobre a realidade, que são assuntos
filosóficos e sociológicos que a educação matemática vem se preocupando em estudar e
relacioná-los às concepções de ensino e aprendizagem dos professores, isso no âmbito
específico e didático pedagógico.
Ou seja, segundo esse autor, não deve haver distanciamento nem valorização de
um saber, em detrimento do outro. Contudo, especificamente a didática, segundo esse
autor, deve ocupa-se dos saberes referentes à aprendizagem e ao ensino, em conexão
direta com o ensino das disciplinas específicas e daquelas que questionam a realidade e
os próprios modos de conceber o ensino, porque durante muito tempo permaneceu a
concepção de uma didática válida igualmente para todas as disciplinas, expressada na
teoria do passo a passos formais de ensino, mas em oposição a essa orientação há a
tendência de consolidação na busca da unidade entre uma teoria geral do ensino e as
metodologias específicas, expressas nas didáticas específicas (p. 53).
No âmbito das discussões sobre didática geral e didática específica, Pais (2002)
faz referências às expressões Educação Matemática e Didática da Matemática.
Segundo ele, no contexto brasileiro pode-se dizer que a didática da matemática é uma
das tendências da grande área de educação matemática, cujo objeto de estudo é a
elaboração de conceitos e teorias que sejam compatíveis com a especificidade do saber
escolar matemático, procurando manter fortes vínculos com a formação de conceitos
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matemáticos e práticas de ensino, tanto em nível experimental da prática pedagógica,
como no âmbito teórico da pesquisa voltada para o ensino (p. 11).
Entretanto, afirma o autor, um dos problemas do ensino de conteúdos
matemáticos se insere no âmbito do distanciamento entre o conteúdo abordado, a
realidade do aluno e as origens do conhecimento em questão, ou seja, entre o ensino da
matemática, a história da matemática e a conexão destes com a realidade dos alunos.
Desse modo, considerando as argumentações de Pais (2002) é possível afirmar
que a apresentação axiomática da matemática parece simplificar o ensino, uma vez que
os conteúdos são articulados em uma seqüência rígida, em que toda nova definição
depende das anteriores, todo teorema exige que já esteja aceito certo número de
axiomas e demonstradas as proposições e postulados das quais ele depende.
De certa forma, me parece que talvez por ser a axiomática euclidiana o modelo
para o ensino de matemática levado a cabo por tantos séculos, desde o século XVI, esse
tipo de apresentação é considerado pelo professor como o mais fácil de ser abordado,
pois lhe dá a sensação do “dever cumprido”. Assim, expor os conteúdos matemáticos no
formato de um saber pronto e acabado, sem nenhuma relação com o processo de sua
constituição, empodera o professor o tornando dono do saber.
No entanto, segundo D’Ambrosio (1996), muitas vezes esse professor esquece
que Euclides organizou os ensinamentos de sua época e que apresentações desse tipo
sempre são feitas aposteriori, depois que um determinado conhecimento já foi
trabalhado sob vários enfoques, e por esse processo não ter sido considerado ao longo
da história ensino, transformou-se em um saber a ser ensinado no seu formato
sofisticado, motivo pelo qual não cabe discussão, argumentação.
Brousseau (1986) critica a apresentação axiomática da matemática, explicitando
que ela esconde completamente a história desses saberes, isto é, a sucessão de
dificuldades e questões que provocaram aparição dos conceitos matemáticos
fundamentais, seu uso para colocar novos problemas, a usurpação de técnicas e de
questões nascidas do progresso de outros setores (p. 36. Tradução nossa). Estes
procedimentos não são exclusivos da Matemática, pois, para qualquer saber a ser
ensinado, há uma transformação que procura adequá-lo à compreensão daqueles aos
quais vai ser apresentado.
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Pimenta e Almeida (2014) esclarecem que a dinâmica da relação teoria-prática,
conhecimento específico e modos de tratá-los, é fruto do viés teórico que o professor
formador assume sobre a importância e finalidade da formação de professores, pois
para que haja aproximação real dos licenciandos com o futuro campo profissional é
preciso que especificidade e pedagogia, no âmbito da universidade e instituições de
ensino básico, levem os futuros professores às seguintes atitudes:
Levantar dados, observem a prática de profissionais mais experientes, reflitam, analisem, conceituem, busquem articular as teorias estudadas com as situações práticas, procurem articular os vários elementos que estão percebendo na realidade observada de modo que avancem no seu desenvolvimento pessoal e na constituição dos estilos de atuação. Esse é o movimento que lhes permite, com o apoio das referências teóricas estudadas e das discussões realizadas em sala, buscar refletir criticamente sobre a realidade, interpretar o que observam e, então, formular referências mais gerais para a prática futura (p. 29).
Com base nesses argumentos se pode inferir que sendo o ensino e a
aprendizagem dos alunos nas escolas e dos futuros professores na universidade, o
objetivo da formação de professores, quer seja no âmbito da especificidade ou das
disciplinas pedagógicas, nas suas diversas nomenclaturas (matemática, didática geral,
didática da matemática e educação matemática, prática de ensino, etc), resguardada a
especificidade de cada uma, deve ser a interação, integração e interdependência entre
ambas as disciplinas, uma complementando a outra, no que se refere aos modos de
tratar os conteúdos e relacioná-los teoricamente na prática. Esse entendimento implica
que se pergunte: que matemática há na física, na biologia, na química, na geografia?
Para quais fins e objetivos esse conhecimento matemático se faz presente nessas
ciências?
Diante de tais questionamentos, entre tantos outros que se poderia enumerar, a
formação docente caracteriza-se como mediação entre professores formadores, os
estudantes em curso de formação docente e os professores das escolas, em uma
correlação de interlocução de saberes, que devem ser expressos didaticamente.
Ademais, o bom domínio do conteúdo específico constitui-se, também, a partir de um
ponto de vista didático, como algo fundamental (GIL-PEREZ; CARVALHO, 2006, p.
25).
Desse modo, o conhecimento pedagógico é imprescindível, não porque contenha
diretrizes concretas e válidas para "hoje e amanhã", mas porque permite realizar uma
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autêntica análise crítica da cultura pedagógica, o que facilita ao professor debruçar-se
sobre as dificuldades concretas de seu trabalho, bem como a superá-las de maneira
criadora (PIMENTA, 2002, p. 11).
Sobre o ponto de vista expresso pelos autores citados, vale lembrar que os
próprios licenciandos são sensíveis a esse domínio da matéria específica e didático-
pedagógico, segundo eles, expresso nas práticas dos professores formadores que os
formam, uma vez que ao serem questionados a respeito das principais práticas e ações
formativas em relação às disciplinas que contribuíram para a formação docente deles e o
exercício da docência na prática, destacaram o seguinte:
As disciplinas, fundamentação para o ensino de matemática e ensino de ciências, em que, dentro da universidade, nós tivemos que simular situações de sala de aula que envolvesse as diversas ciências, inclusive a matemática, e levar para a escola, esse aprendizado foi muito importante porque nos deram essa noção, mostraram em textos, várias situações e a formas mais adequadas e científicas de se lidar com a ciência e com os alunos, a aprendizagem deles (JOCY, G. Focal).
Essas simulações envolviam trabalhar assuntos com aplicabilidade desde a aula tradicional, a aula com material didático, apresentando aplicabilidade. Isso foi na sequência de uma disciplina de didática, que também foi importante. Então, eu achei que foi um momento bom, porque logo após a didática veio esta disciplina que se colocou em prática o que tínhamos visto na didática e o aprendizado com essas disciplinas ajudou muito quando atuamos na escola (JACK, G. Focal).
Realmente, essas disciplinas, foram as disciplinas que mais inovaram, que mais apresentaram coisas que tem tudo a ver com as questões lá da escola mesmo. Porque, uma das maiores problemática da escola é a falta de bom relacionamento da matéria com saberes que os alunos entendem, para que eles entendam os conteúdos matemática, eu me preocupo com isso (MARLON, G. Focal).
Foram muitas as disciplinas, achei muito importante, também, a história da matemática. Com essa disciplina tivemos uma visão geral da história não só da matemática. Você vai conhecer aquela área que você trabalha, porque também não é só cálculo, os meninos precisam entender de onde veio e quando veio. Toda disciplina tem sua história e é muito importante você conhecer a história da ciência que você trabalha, por aí se vê que nada foi inventado assim, do nada. O princípio não foi o que está aí (MARLON, G. Focal).
As aplicações da matemática advêm lá da sua história, como surgiu, porque surgiu, onde surgiu. Então, essas foram as disciplinas que mais inovaram, que mais nos levaram a pensar sobre o nosso trabalho lá na sala de aula. As outras foram importantes porque nos fundamentaram na matemática, e isso é preciso, mas isso é o mínimo que se espera de um curso de licenciatura em matemática, e de um professor de matemática ( MILKA, G. Focal).
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As narrativas de Jocy, Jack, Marlon e Milka, põem em evidência e leva a
perceber que as práticas e ações desenvolvidas em torno das disciplinas, específicas e
pedagógicas, os levaram a incorporar modos de ação, nos quais as situações didáticas
concretas adquiriram sentido e significado para eles.
Com efeito, eles mencionam a importância que as disciplinas exerceram para
que eles estabelecessem a relação da teoria com a prática, a partir de simulações
envolvendo diversas ciências, trabalhando a aplicabilidade, lendo textos, refletindo
sobre as questões de ensino na/para a escola, o que para eles se caracterizou como forma
adequada e científica de lidar com a ciência e com os alunos (JACK, G. Focal).
Ao fazerem correlações entre as leituras que faziam e a prática exercida em sala
de aula, é possível inferir que houve envolvimento, comprometimento e dedicação nesse
processo formativo, imprimindo a ligação entre aspectos teóricos, interiorização da
experiência manifesta em saberes, teorias científicas, valores, atitudes, técnicas, práticas
e ações.
Nesse processo de pensar sobre as experiências vivenciadas no percurso da
formação, em termos dos aspectos disciplinares, eles relatam o que faziam e porque
faziam o que faziam e como perceberam as ações de formação que desenvolviam,
imprimindo as correlações entre saberes específicos, pedagógicos e experienciais.
Assim, ao modo de um rever as experiências vivenciadas, eles vão relatando as
disciplinas, as práticas e ações envolvidas no decurso de desenvolvimento das
disciplinas que propiciaram sentido e significado para a formação deles.
Outra disciplina que deu um embasamento legal para trabalhar a matemática no ensino médio foi a introdução à Álgebra, não a álgebra linear. É uma disciplina que trata das estruturas algébricas, que você começa a trabalhar desde as técnicas de demonstração de curvados e às vezes não se utiliza isso no ensino básico achando que não cabe ali, mas cabe e facilita o entendimento de muitos conteúdos não só para resolver, mas para entender, interpretar e mostrar técnicas de resolução muito legais. Os alunos ficam de olhos arregalados, olhando para os artifícios que se pode criar, eu senti que foi muito produtivo (JOCY, G. Focal).
As percepções expressas levam a compreender a necessidade de se cultivar relações pedagógicas profícuas entre aprendizagem e prazer, ensino e acolhimento, conteúdo e realidade, tal como na manifestação de Jocy (Entrevista), ao referenciar o
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olhar atento dos alunos quando ele abordava o conteúdo matemático, utilizando-se dos conhecimentos apropriados por ele a partir da disciplina introdução à Álgebra.
Essa compreensão revela sua percepção sobre o cerne da aprendizagem – o interesse do aluno – despertado pela intencionalidade de buscar estratégia relacionando o que aprendeu na IES com a prática em sala de aula. Ou seja, relacionamento teoria e prática. Essa relação significa mudança de percepção da realidade na qual o professor atua. Para esta compreensão expressa por Jocy, encontro respaldo nas contribuições de Oliveira (2008), a partir de dois questionamentos que ela faz sobre as práticas de formação de professores:
i) As práticas de formação dos professores são formações práticas?
ii) As formações práticas são práticas de formação? (p. 2).
Os questionamentos de Oliveira (2008) trazem à tona uma questão premente, ou seja, refletir sobre as possibilidades da relação teoria e prática, sob o alerta de que o entendimento dessa questão precisa necessariamente levar em consideração o seguinte: O peso de analisar o ensinar e o aprender dentro de um contexto cultural não se restringe ao que se passa no ambiente de formação, mas está no relacionamento e no movimento do significado social do que é vivido dentro e fora desse espaço (OLIVEIRA, 2008, p. 2).
Correlacionando as narrativas dos sujeitos da pesquisa à contribuição teoria de Oliveira (2008), é possível afirmar que houve uma prática de formação e uma formação prática, posto que há nas narrativas expressas, esclarecimentos de que houve aprendizado pedagógico e teórico-reflexivo entre a formação desenvolvida na IES e a prática desenvolvida na escola, explicitando que é comum não se utilizarem dos conhecimentos da referida disciplina no ensino básico achando que não cabe ali, mas cabe e facilita o entendimento de muitos conteúdos não só para resolver, mas para entender, interpretar e mostrar técnicas de resolução (JOCY, G. Focal).
Em continuidade, as narrativas revelam diversos aspectos, segundo eles, importantes para alcançar os objetivos de saber se colocar como professor frente aos alunos e conteúdos de ensino, denominado por eles perfil do professor frente ao ensino:
i) A relação professor aluno e;
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ii) A tendência de conceberem que o sentido do ensino atual está em fazer com que o aluno observe, pesquise em diversas fontes, questione, falem sobre o assunto e registre para aprender.
Corrobora com esse pensamento as seguintes narrativas:
i) Eu acho que o aluno falando sobre a solução de um problema que ele fez,
aprende muita coisa. Fiz isso e deu resultado, eles se envolveram, eu senti
(JULY, G. Focal).
ii) Explanar o conteúdo e resolução de exercício é importante, mas o mais
importante para a formação deles foi que sempre abrimos espaço para que eles
falassem, apresentasse, refletisse e escrevessem sobre o que tinham ou não
entendido (JULY, LURI, Entrevista).
No sentido expresso é possível considerar que o contexto da licenciatura em análise propiciou momento de prática de formação e formação prática, em que é considerado a ideia de movimento, a qual não se restringiu apenas ao ambiente de formação, mas significou relacionamento, interação e diálogo entre o ambiente de formação e de atuação (OLIVEIRA, 2008).
Outro aspecto positivo apontado pela manifestação é o fato de considerarem os momentos das práticas na escola para os levarem a conceber o contexto escolar como um lugar onde a prática docente é assumida como mediação, em que o aluno pode e deve pensar, escrever e falar sobre o processo que realizou ao realizar uma atividade.
Assim, depreende-se que a relação teoria prática ocorreu, na qual o professor supera a visão de ensino que considera o professor como dono da palavra/saber, o que para Jack (G. Focal), antes das aulas práticas só existia idealmente, como conhecimento teórico, porque se falava, mas não se tinha a experiência da prática real, não era possível agir e mudar nada.
Nesse sentido, pode se inferir que o desenvolvimento da ação pedagógica, na perspectiva da unidade teoria/prática, tem como ponto de partida e de chegada a prática social exercida no campo de ação - na escola - que segundo Severino (2000, p. 31), é um processo que acontece porque o homem é uma entidade natural histórica, determinado pelas condições objetivas de existência, ao mesmo tempo em que atua sobre elas mediante seu agir prático e intencionado.
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Desta maneira, longe de permanecer enquadrado nos limites formais de concepção a-histórica e a-crítica acerca do sentido e significado da ação docente, é preciso articular saberes específicos, pedagógicos e da experiência, capazes de propiciar aos futuros professores saberes privilegiados que integrem os saberes sobre e para a escola, às questões teóricas de formação vivenciada na IES.
Nessa perspectiva, a formação de professores pode ser entendida como um processo de construção de saberes docentes que ocorre em diferentes espaços educativos (ARAGÃO, 2012), dentre os quais, onde o professor atua/atuará, pode tornar-se um espaço privilegiado e rico em diversidade, como problemas a serem analisados, interpretados, compreendidos e mesmo superados. Assim, a escola se coloca como espaço favorecedor da compreensão a respeito da profissionalidade docente, que segundo Sacristán (1999, p. 64), pode ser entendida como sendo a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor.
Essas relações implicam mudança de percepção da realidade na qual o futuro professor irá atuar. Superação da visão ingênua da realidade a concebendo como um lugar estático, passando a entendê-la na sua complexidade, em sua dimensão histórica social e cultural. Desse modo, o elemento nuclear da prática docente é a aprendizagem, mas a atividade de ensino é inseparável do processo educativo que visa aprendizagem, e educar implica múltiplas relações, as quais exigem saberes experienciais, teorias científicas, valores, atitudes, técnicas e práticas ligadas à adequação da instrução sistematizadas às capacidades de aprender, que envolve o contexto em que as práticas e ações são desenvolvidas.
Nesse sentido, Jocy (G. Focal) se expressa e diz que as disciplinas filosofia e sociologia os fizeram levantar questionamentos interessantes sobre a realidade social, especialmente ao que se referia aos contextos escolares, onde cada um tinha de encontrar argumentos próprios para os seus dilemas, que não é só seu como professor é também social, como a realidade dos alunos. Isso foi um passo importante para ampliar a visão restrita de pensar apenas no ensino. Não, ensinar depende também de para quem se ensina e da história desse menino.
Esse olhar que vê o ensino ligado à realidade do aluno na sua historicidade, expresso por Jocy, inspira perceber que é preciso descobrir as formas de ensinar, não é uma técnica, não é um método de ensino, mas as formas de aprender, o aluno precisa
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aprender a aprender, a descobri-se co-responsável pelo seu aprendizado, o que implica conhecer o que se ensina e quem se ensina (LIBÂNEO, 2012).
O caráter intencional do ensino implica considerar que o professor precisa trabalhar visando objetivos específicos e para além destes, considerar os aspectos sociais que precisam interligar ao objeto de ensino – os conteúdos – mas que também atinge a subjetividade dos alunos, de modo que é preciso mobilizar conhecimentos teóricos e experienciais, para aprender a lidar com as diferentes realidades imersas no contexto em que se atua; a cuidar das formas de relacionamentos que se estabelecem na relação ensino/aprendizagem, professor aluno, a partir daquilo que toca o professor; que lhe é familiar, o entranha, mas também o que lhe é estranho (ALARÇÃO, 2005).
As disciplinas específicas nos ensinaram a especificidade da matemática e um pouco da relação dela com as outras ciências, biologia, física e até química. O estágio ensinou um pouco disso, pensar e argumentar, escrever, entrar na escola sabendo que é possível entender a dinâmica da relação ensino, aprendizagem e dificuldades sociais. Os meninos podem aprender, as estratégias precisam contemplar os conteúdos de forma a transformá-los em interesse deles. A experiência é outro aprendizado do dia a dia, só a prática vai dizendo o caminho a tomar (MARLON, Entrevista).
Todo não é possível, tem de continuar estudando, mas a gente se sente mais seguro, um treino, uma simulação, uma orientação, um planejamento, uma leitura, as discussões, e a prática na escola. Foi muito legal, porque agora, quando acontece alguma coisa na escola, não todas, eu me lembro do assunto, situação que foi discutido e simulado aqui, planeja e leva para lá. Isso eu acho que é a chamada relação teoria prática. A gente estuda um caso, um assunto, e lá na prática, algo parecido acontece. Aí já se fica atento para essa tal relação professor aluno, ela é complicada, nós discutimos muito isso, os princípios educativos. Eu senti que isso também foi muito positivo, nos ajudou a lidar com os alunos (JULY, G. Focal).
As narrativas de Marlon e July revelam aspectos significativos para a formação
docente, como a ênfase na relação da matemática com outras ciências; a importância
que atribuem ao estágio por tê-los conduzido a pensar sobre suas atitudes e ações no
exercício prático na escola; a ideia de que é preciso continuar estudando; planejar e re-
planejar para poder intervir.
No meu entendimento estas são falas que evidenciam o envolvimento do
licenciando com a sua formação, na perspectiva da construção da autonomia do fazer
docente, capaz de criar e recriar estratégias de ensino, com o intuito de intervir; produzir
conhecimento e refletir sobre sua prática, desencadeando processo de autoanálise em
que percebe não só a necessidade de cumprir cronogramas, mas a constituição de um
projeto profissional.
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Neste contexto de discussões, contribui os dizeres de Alarcão (2005, p. 26),
quando ela explicita que em uma sociedade que aprende e se desenvolve, ser professor
é ser eterno aprendente, mais que isso, é se assumir como aprendente ao longo da vida,
como um ser que observa o mundo e se observa a si, se questiona e procura atribuir
sentido aos objetos, aos acontecimentos e às interações, tem de se convencer de que
tem de ir à procura do saber, buscar ajuda nos livros, nas discussões, nas conversas, no
pensamento, na profissão.
Diante dessas considerações, ponho em destaque duas ênfases colocadas por
July, já manifestos em outras narrativas - os termos princípios educativos e a relação
professor aluno - por isso chama a atenção, uma vez que eles dizem ser esta uma
questão preocupante na atualidade, principalmente para os professores iniciantes como
eles, pelo fato de lhes faltar a experiência para lidar com tal questão.
Ressalto, que para discutir o termo princípios educativos, se tem que atentar para
vários aspectos, entre eles questões ligadas à legislação, como LDB, Diretrizes
Curriculares para o Ensino e Formação de professores, Constituição Federal e outros
tantos documentos oficiais, nos quais estão impressos vários e distintos termos
referenciando-se a princípios educativos, como igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber e tantos outros.
Contudo, ressalto não ser esta a direção a ser discutida, porque ao analisar a
seqüência das narrativas de July e de outras que manifestaram essa preocupação, para o
uso dos termos princípios da educação, educativo, a conotação dada por eles se
relaciona à relação professor aluno, exercida no contexto da atividade docente, mediante
o ato de ensino, ensinar, de educação, educar, educativo.
Para a interpretação dos referidos termos, contribui os esclarecimentos de
Libâneo (1994, p. 56), quando diz que educação, educar, educativo, do latim educare, é
conduzir de um estado a outro, é modificar numa certa direção o que é suscetível de
educação. Esse autor, ao aprofundar reflexão sobre as práticas, ações, crenças e valores
educativos que movem o fazer dos professores que desenvolvem atividades de educação
em instituição de ensino, argumenta o seguinte:
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O ato pedagógico pode ser, então definido como uma atividade sistemática de interação entre seres sociais tanto no nível do intrapessoal como no nível de influência do meio, interação esta que se configura numa ação exercida sobre os sujeitos ou grupos de sujeitos visando provocar neles mudanças tão eficazes que os tornem elementos ativos desta própria ação exercida. Presumem-se aí, a interligação de três princípios educativos, elementos fundamentais para gerir o ensino: um agente (alguém, um grupo, etc.), uma mensagem transmitida (conteúdos, métodos, habilidades) e um educando (aluno, grupo de alunos, uma geração) (LIBÂNEO, 1994, p.56).
Considerando as ideias explicitadas na citação, é possível inferir que as práticas
educativas ou princípios educativos relativos a interação/relação professor aluno, não
pode e não deve ser algo estático e unidirecional, em que a evidência está somente nas
questões relativas ao ensino e a aprendizagem dos conteúdos disciplinares, uma vez que
no âmbito dessa relação, há um agente, no caso o professor; uma mensagem a ser
transmitida, que são os objetos de ensino e modos de ensiná-los; e os educandos, os
alunos, normalmente considerados como o sujeito da escuta.
Então, explicita o referido autor, que é dever do formador de professores
evidenciar e propor reflexões amplas e aprofundadas, sobres o fato de que a sala de aula
não é apenas um lugar para se tratar conteúdos teóricos. Um lugar onde só o professor
fala. Não, o professor precisa ser também um sujeito da escuta.
De outro modo, Borges (2013) diz que nesse movimento, contornado e
contornando as relações intra e interpessoal, é importante perceber e entender que em
toda aula, seja qual for o objetivo a que vise, há que se considerar que a relação
estabelecida entre professores e alunos, em qualquer nível de ensino, constitui o cerne
do processo pedagógico, porque o fim dessa relação é gerar aprendizagens em ambas as
partes.
No sentido explicitado por Borges (2013), não é impossível desvincular a
realidade escolar da realidade de mundo vivenciada por ambas as partes, uma vez que
essa relação é uma ‘via de mão dupla’, pois ambos podem ensinar e aprender através
das experiências vivenciadas por cada um.
Contudo, no contexto atual, no qual se inserem múltiplas relações estabelecidas
a partir de modos de pensamento e ações diversos, o ponto de partida para esta
interação, são as relações dialógicas, que para Bicudo (2005) geram consensos
democráticos em torno das discussões que são empreendidas. E o mais importante,
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segundo a autora, esses podem se tornar momentos de grandes aprendizagem para a
vida toda.
Sendo assim, a saída viável para a relação professor aluno, são as mesmas
válidas para quaisquer relações interpessoais, ou seja, o diálogo, o qual possibilita
relação de respeito mútuo; entendimento de que fazer parte de um grupo diverso como é
o contexto escolar, há de existir, e que se conheçam e respeitem as normas que regem as
condutas aceitas nos mais variados âmbitos, como o social, o cultural e o político
(SADOVSKY, 2013), para os quais se direcionam as práticas e ações de âmbito
educacional. Corrobora com os esclarecimentos de Sadovsky, a seguinte explicação:
O diálogo propicia o respeito mútuo, a valorização de cada pessoa, independentemente de sua origem social, etnia, religião, sexo, opinião, em poder revelar seus conhecimentos, expressar sentimentos e emoções, admitir dúvidas sem ter medo de ser ridicularizado (BICUDO, 2005, p. 54).
Além disso, argumenta esta última autora, privilegiar o diálogo na relação
professor aluno significa abolir a supervalorização da centralidade do saber nas ações
do professor e passividade dos alunos. Esta concepção deve ser redirecionada, porque
tal atitude de preponderância dos professores sobre os alunos dificulta a comunicação e
as relações - entre professores e alunos e a própria gestão da matéria e das salas de aula,
- ou seja, o diálogo entre professor e aluno torna-se fundamental na mediação dos
conhecimentos, mas é uma proposta que afasta a ideia de autoritarismo de um em
relação aos outros, o que implica afastar ambos – professor e alunos – da crença de que
há um que comanda e outros que são comandados, obedecem, excluindo o direito das
diversas formas de expressão.
Contudo, ressalta a autora, o professor deve envolver-se na mediação do ensino
com a aprendizagem pelo diálogo, mas não se limitar à simples troca de
ideias/informações, pois essa relação incide sobre o processo de ensino-aprendizagem,
em que o aluno precisa apreender o objeto de ensino em questão.
Para Freire (2005) só é possível uma prática educativa dialógica por parte dos
educadores, se estes acreditarem no diálogo como um fenômeno humano capaz de
mobilizar o refletir e o agir dos homens e mulheres. Para compreender melhor essa
prática dialógica, Freire argumenta que o diálogo tem poder arrebatador, porque é uma
exigência existencial do homem. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir
e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não
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pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco
tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas por ambos (FREIRE, 2005, p.
91).
Assim, quanto mais o professor compreender a dimensão do diálogo como
atitude necessária à atividade docente, maiores serão as conquistas na relação professor
aluno. Ademais, como diz Frans (Entrevista):
Nunca se está totalmente preparado, é preciso buscar, ir atrás de saberes complementares, nos livros, nas palestras, faz uma pesquisa, dedica um tempo para isso, mas se está em dificuldade imediata, procure orientação com os mais experientes. Aqui formamos na especificidade matemática, mas para a diversidade de lá, então a relação professor aluno é um tema que discutimos, mas para isso não há saber único, cada um constrói o seu.
Fundamentando a narrativa de Frans, Alarcão (2005) diz que a formação
acadêmica é importante, mas cada professor, já no exercício da profissão ou em fase de
inserção, deve continuar estudando a sua especificidade e maneiras de tratá-la frente aos
alunos, mas só isso não basta, é preciso se envolver determinadamente com o que faz,
assumindo uma posição de reconstrução, mudança em seu saber fazer, imprimindo a sua
maneira de ser e exercer a profissão. No sentido expresso por Alarcão, há uma narrativa
de Vani que corrobora com algumas contribuições importantes para o fenômeno em
investigação, quais sejam:
Qualquer conhecimento também tem de ser entendido nesse sentido, ele não é pronto, não é acabado, mas ele é provisório e cheio de incertezas, uma verdade de hoje pode não ser a verdade de amanhã. Em tese, entendo que se eu pegava o livro e ia buscar algo semelhante na realidade para dar um exemplo. Hoje eu pego a realidade e busco no livro modos de interpretá-la. Assim também é a relação professor-aluno. Então eu procuro trabalhar com eles nesse sentido (VANI, entrevista).
A tarefa de lidar com a incerteza, o inesperado e os imprevistos, requer uma
atitude estratégica (MORIN, 2007). São as estratégias que cada um cria para lidar com
as incertezas que o permite modificar as suas ações – e também as expectativas de
certezas – elaboradas ao longo do tempo.
Resumidamente, inspirada nas contribuições de Morin (2007), cito duas frases
dele que retratam o revés que o desequilíbrio em relação às certezas pode causar, ou
seja: O esperado não se cumpre, e ao inesperado um deus abre caminho (p. 10). Deve-
se esperar o inesperado. E, quando o inesperado se manifesta, é preciso que sejamos
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capazes de rever nossas teorias e idéias, e não deixar o fato novo entrar a fórceps em
uma teoria incapaz de acolhê-lo (p. 11).
Penso que, analogamente às ideias de incertezas explicitadas por Morim, se pode
correlacionar à ideia das relações professor aluno e teoria/prática expressa por Vani,
quando ela diz que se antes pegava o livro e ia buscar algo semelhante na realidade
para dar um exemplo. Hoje eu pego a realidade e busco no livro modos de interpretá-
la.
Tal analogia implicar dizer que para se ter a capacidade de rever idéias, teorias e
concepções, se faz necessário assumir a racionalidade, e não o racionalismo. É preciso
ser capaz de aprender por adaptação. O que implica compreender que o aprendizado por
adaptação é aquele que muda estruturas de percepção e, em consequência, o
comportamento, atitudes e valores, portanto, as práticas e ações exercidas pelas pessoas,
no caso, os professores. O que, por sua vez, os torna adaptáveis às mudanças, isto é,
resilientes.
Desta maneira, a prática educativa como experiência humana, jamais pode ser
entendida como um fazer frio, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os
sonhos devam ser reprimidos por uma espécie de ditadura racionalista. Nem tampouco
jamais compreendi a prática educativa como uma experiência a que faltasse rigor em
que se gera a necessária disciplina moral intelectual (FREIRE, 1996, p. 146).
Assim pensando, a racionalidade pressupõe atitude diferente diante do
conhecimento e das relações interpessoais em que se vivencia no contexto das práticas e
ações docentes, passando a considerá-las não mais como verdade capaz de explicar toda
e qualquer situação observada.
Tal entendimento supõe que se busquem novo conhecimento e novas formas de
interação, a partir da relação entre as explicações existentes e os dados novos que a
realidade impõe e que são percebidos pelo olhar atento do docente, na medida em que
vai se envolvendo e se comprometendo com o trabalho que realiza. Essa situação de
insegurança, descobertas e questionamentos da realidade e envolvimento com o que faz,
é descrita pelos sujeitos nas seguintes narrativas:
Até parece que tudo foi fácil, como a gente vem dizendo. Não foi assim. No início das observações na escola e até nas aulas práticas, eu não sabia analisar
![Page 144: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/144.jpg)
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nem entendia o que eu via. No meio daquela inquietação dos alunos, das chamadas de atenção dos professores, da diretora, aquela movimentação entre uma aula e outra, na hora da merenda, que teve dia que faltou e causou reclamação dos alunos, eu me senti perdido, incapaz de me vê no comando de uma sala de aula. No outro dia não tinha vontade de ir para a escola, mas fui, e assim segui em frente e hoje em dia me sinto bem mais seguro, já estou envolvido. Esse foi um processo que todos nós passamos, os que não conseguiram superar desistiram do curso (JOCY, G. Focal).
É, aprendemos na escola a vê e escutar, a enxergar coisas que antes não víamos, esse foi um passo muito importante, porque ajuda a perceber a dinâmica da escola com outro olhar. É muita gente no mesmo espaço. Então, buscar a sintonia com o outro, os alunos, os professores e a própria dinâmica da escola, do grupo e das outras pessoas é muito importante. Até chegar a entender isso, não foi fácil. Muitas discussões aqui foram preciso para compreender a dinâmica dessa relação com a escola, ensinar, aprender, refletir e até inventar estratégias para sair das situações difíceis (JACK, G. Focal).
Estas narrativas, se comparadas às discutidas anteriormente, revelam o que
ocorre no processo de ensino, de aprendizagem, de formação, de ampliação de visão, de
percepção sobre o que aconteceu em uma determinada trajetória de encontros e
desencontros que, no final das contas, gera a singularidade e particularidade dos
sujeitos, situando-os em sua pluralidade e polissemia.
Nesse caso, expressam o então distanciamento entre o que era aprendido na
universidade e a verdadeira realidade imersa no contexto escolar no início da formação
docente, e o mais importante é que eles ao narrarem as suas experiências formativas,
conseguem perceber os avanços conquistados, as mudanças que tiveram de adotar em
suas formas de conceber o conhecimento, para poder perceber o que foi formador para
si.
As percepções expressas revelam a mudança de enfoque em relação à escola ao
serem inseridos no contexto prático da docência, em que observam a trajetória
vivenciada e conseguem perceber o quanto avançaram, ao considerarem os obstáculos
que tiveram de superar para assumir a docência se envolvendo comprometidamente com
o que faziam.
Parece que mediante as situações impactantes, novas e distantes do que
pensavam ter aprendido sobre a escola, no decorrer das atividades desenvolvidas na
IES, os fizeram fazer opção, descobrir ou não se a escola era/é o seu lugar.
![Page 145: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/145.jpg)
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Nesse sentido, Pimenta e Almeida (2014, p. 35) trazem a seguinte contribuição:
compreender a escola em seu cotidiano é condição para qualquer projeto de
intervenção, pois o ato de ensinar requer um trabalho específico e reflexão mais ampla
sobre a ação pedagógica que ali se desenvolve. Isso implica entender que a formação
inicial deverá desenvolver componentes formativos, tais como: o científico específico, o
psicopedagógico e o cultural (GONÇALVES, 2006; FIORENTINE, 2003; MOURA,
2001) e, para além destes – o prático – a prática desenvolvida no exercício da profissão
docente, que envolve a reflexão sobre a prática e sobre o contexto de atuação
(IMBERNÓN, 2011).
Saberes estes que se configuram como uma maneira de compreender a profissão
de ensinar. Assim, na especificidade – o conhecimento científico específico tem a
finalidade de preparar o futuro professor para ter conhecimento da(s) disciplina(s) que
vai lidar; o psicopedagógico diz respeito aos conhecimentos teóricos, práticos e
tecnológicos das ciências da educação, os quais devem ser utilizados ou aplicados para
desenvolver o conhecimento específico no exercício da docência e; o cultural e prático,
devem levar o futuro professor a converter-se em agente possuidor de uma cultura geral
– conhecimento do meio onde exercerá a docência – pondo em prática estudos e
reflexões sobre a prática, que o leve, além de conhecer a realidade educativa, adequá-los
às bases curriculares da sua especificidade ou contexto onde exercerá a profissão.
As explicitações acima desenvolvidas levam a perceber o desafio que se impõe
aos formadores de professores, de entenderem a necessidade de que haja estreita
interação entre os distintos componentes, assumidos e desenvolvidos pelos formadores
de professores na IES, em estreita conexão com as instituições de ensino, o que impõem
aos formadores, além de trabalhar em parceria colaborativa entre eles na IES, inserir a
escola como um laboratório vivo de construção de saberes docentes, mas as relações
não podem ser hierarquizadas, em que uns fazem na escola, e outros, isoladamente,
determinam o que e como os licenciando irão desenvolver o trabalho naquele contexto
(FIORENTINI, 2003).
Essa perspectiva de formação docente, em parte, parece ser uma lacuna a ser
preenchida no desenvolvimento do curso em estudo, porque segundo Vani, um dos
desafios que têm de superar, mas que ainda não conseguiram êxito nesse sentido. Há
certo consenso de que é importante a presença de um professor das disciplinas
![Page 146: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/146.jpg)
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específicas, juntamente com o professor das disciplinas pedagógicas acompanhando o
planejamento e desenvolvimento das aulas práticas nas escolas (VANI, Entrevista).
Isto porque, segundo ela, os professores das questões pedagógicas não compreendem as
questões relativas ao desenvolvimento dos conteúdos matemáticos nos seus aspectos
teóricos específicos, e isso dificulta a orientação das intervenções dos licenciandos na
escola, no que diz respeito às formas de apresentação dos conteúdos específicos aos
alunos.
Corroborando com a preocupação manifestada por Vani, vejamos o que diz as
seguintes narrativas:
Nós avançamos, mas poderíamos ter avançado mais, a professora mesmo dizia que não sabia matemática. Então, no sentido de apontar caminhos para o ensino da matemática, a contribuição dela foi pouca, só mesmo nas estratégias, que ao chegarmos aqui não faltava assunto para discutir experiência. E nas discussões nós aprendemos muito. Também, não ficou assim solto, porque quando tivemos algum problema em preparar as aulas ou alguma falta de metodologia os professores de matemática, aqui (IES), nos orientavam (JOCY, G. Focal).
Outra coisa que ajudou muito foi os relatórios que fizemos, porque nos ensinaram um pouco a escrever porque tínhamos de buscar em textos a interlocução para o que tinha acontecido lá(na escola) e refletir sobre as aulas que tínhamos dado, refazendo as estratégias, preparando, planejando, re-planejando, e aí tinha que estudar os conteúdos matemáticos para encaixar no desenvolvimento da aula. Tudo isso foi aprendizado, que nos leva a dizer, hoje, que há muito a ser aprendido, mas também aprendemos muito, temos consciência do nosso trabalho e de que os professores ajudaram, mas não assim, na mesma hora, o caminho foi longo. Na escola, nas práticas de sala de aula, desenvolvemos muitos projetos que deu resultado, como foi dito, mas os professores da sala saiam e nos deixavam sozinhos, viajavam e nós assumíamos as aulas, isso não foi bom, especialmente no início da nossa prática, porque tínhamos dificuldade em controlar os alunos, como em um projeto com jogos, aí cadê o professor para nós ajudar? (MARLON, G. Focal).
As considerações manifestadas nas narrativas de Vani, Jocy e Marlon, de modo
geral, trazem elementos significativos para formação de professores, como as
discussões sobre as experiências; a reflexão propiciada pela leitura de textos; refazerem
estratégias planejando e re-planejando; a orientação dos professores formadores de
matemática, quando lhes faltava estratégias para ensinar os conteúdos matemáticos;
estudo dos conteúdos matemáticos para encaixá-los no desenvolvimento das práticas.
Todos esses aspectos, entre outros, como reconhecer que precisa continuar
estudando, são imprescindíveis para a formação inicial de professores. Contudo, a
preocupação de Vani, em associar os conhecimentos pedagógicos aos conhecimentos
![Page 147: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/147.jpg)
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específicos, aspecto também manifestado por Jocy, caracterizam-se como uma lacuna
do curso.
Outro aspecto que chama a atenção é a referência feita por Marlon às saídas, às
viagens dos professores da escola, os deixando no comando da sala de aula no início da
inserção deles na escola, evidencia falta de interação entre os docentes das diferentes
instâncias de formação docente (especificidade e pedagogia) e os professores da escola,
denuncia que não houve o que as pesquisas denominam de reflexão partilhada, isto é,
socialização de saberes possibilitada por meio da interação entre professores da IES,
da escola e licenciandos, perdendo a chance de contribuir para a ampliação da
comunicação entre a universidade e a escola (PIMENTA E ALMEIDA, 2014).
Em outros termos, Buarque (1994, p. 134) explica esse distanciamento entre
escola e universidade dizendo do seguinte: a prisão epistemológica de cada
departamento na universidade inviabiliza o contato com o real, a compreensão dos
problemas educacionais no campo do ensino. Só através do enfoque interativo, será
possível o entendimento do real e a participação no processo de transformação social,
que se espera da universidade.
Assim, como atividade de intervenção partilhada, que é a grande questão
colocada aos professores do ensino básico e aos formadores de professores das IES, na
atualidade (BORGES, 2013; GONÇALVES, 2006; FIORENTINI, 2003; DENIZ-
PEREIRA, 2002; entre outros), é possível perceber fragilidades de atividades
colaborativas/partilhadas que propiciasse aos licenciandos a possibilidade de confronto
entre os estudos teóricos e as orientações dos professores formadores na IES, com os
saberes pertinentes às ações e práticas desenvolvidas pelos professores na escola; que os
levassem a compreender a dinâmica entre a proposta de intervenção deles na escola
(formadores e licenciandos) e a imbricação desses saberes com os interesses do grupo
(professores formadores, licenciandos e professores da escola) envolvido no trabalho
prático de ensino.
No caso, aos professores da escola parece não ter havido o esclarecimento, por
parte dos formadores da IES, de que a escola é um espaço impar de produção de saberes
docentes, onde se devem propiciar situações de interlocução, cooperação e diálogo,
entre pares, e não, a configuração da formação prática inicial como prestação de serviço,
![Page 148: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/148.jpg)
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explicitada quando é manifestado que os professores titulares da sala na escola
ausentavam-se da sala, o que para eles (licenciandos), não foi bom, especialmente no
início da nossa prática, porque tínhamos dificuldades em controlar os alunos, como em
um projeto com jogos, aí cadê o professor para ajudar controlar?(MARLON, G.
Focal).
Do ponto de vista legal, consultando o Parecer CNE/CP n. 09/2001, se pode
observar que há indicação de que a formação prática docente inicial seja realizada nas
escolas de ensino básico, em classes de professores experientes nessa modalidade de
ensino, aos quais, sendo professores regentes, titulares da classe, é atribuída a
responsabilidade de avaliarem as aulas práticas dos licenciandos, o que se configura
mais uma contradição, porque como podem avaliar, se estão ausentes.
Contudo, segundo Rios (2010), Pimenta e Almeida (2014), senão em sua
totalidade, em grande parte, elas têm constatado em suas pesquisas que a participação
de professores experientes das escolas de educação básica na formação de novos
docentes é feita voluntariamente e com acréscimo de trabalho a eles, e que pouco, ou
quase nada tem sido feito para dirimir tal situação. Mas, atualmente, no Brasil, o
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) favorece com
incentivo financeiro a colaboração desses professores da Educação Básica na formação
inicial dos professores. Porém, esclarecem as autoras, essa é uma política muito recente
que precisa ser consolidada e ampliada (PIMENTA; ALMEIDA, 2014, p. 73).
Ou seja, as narrativas voltam à falta de condições de trabalho. Mas nesse caso,
há, no meu ponto de vista, falta de compromisso do professor da escola básica, porque o
licenciando está na escola básica para construir saberes e habilidades práticas; para se
apropriar de atitudes e valores que o favoreça em sua atuação profissional e o
tempo/espaço que ocupa em situação de formação, é do professor regente, então não se
justifica sua ausência nesses momentos.
A percepção dessas fragilidades leva a constatar a necessidade de que IES e
escolas cada vez mais se aproximem e se envolvam nos processos formativos como
instâncias mediadoras entre conhecimento científico e seres humanos em
desenvolvimento. Esse pensamento vincula-se a perspectiva de formação inicial docente
como uma responsabilidade com as novas gerações, pois como diz Benjamin (1994), o
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futuro é o presente em preparação. Isso implica compreender que é no decorrer da
graduação, no caso a licenciatura em matemática, que o licenciando começa a construir
as suas crenças, valores, atitudes, competências e habilidades que formam o
profissional, o qual logo atuará na escola como docente.
Então, os exemplos constatados no cotidiano escolar, por ocasião da formação
prática, são tão formativos quanto os conhecimentos teóricos específicos e
metodológicos. Assim, é possível conceber a formação inicial docente, no âmbito da
prática docente, como um campo de conhecimento que envolve estudos, análise,
problematização da realidade, reflexão e proposições de solução para o ensinar e o
aprender, mas todos esses movimentos estão imersos e se coadunam às práticas
institucionais. E se elas não imprimem co-responsabilidade de todos os envolvidos no
processo formativo, a formação docente inicial, que por natureza é complexa e
desafiadora, tende a se fragilizar.
Outro aspecto evidenciado pelos sujeitos e que chama a atenção, porque aponta
para esse olhar que considera a formação inicial docente como um fenômeno complexo
e desafiador, é a convicção de que a produção de saberes essenciais à docência se dê a
partir da pesquisa. Essa perspectiva é explicitada em diversas manifestações:
Hoje não acredito em formação de professores sem estudos teóricos e reflexão profunda sobre os problemas que enfrentamos lá na escola. Então, isso leva a levantar questionamentos, e aí sem pesquisa não dá, porque o problema do ensino e da aprendizagem é uma questão social e não só de vontade dos professores e até mesmo dos alunos. Então, a falta desse entendimento nos limita em muito, e só a partir do estudo de questões problemas se podem ir clareando as questões desafiadoras (VANI, Entrevista).
Na mesma perspectiva do recorte narrativo de Vani, quando diz que não acredita
em formação de professores sem estudos teóricos e reflexão sobre o estudo realizado,
que já se configura com uma itinerância de pesquisa – o que representa uma fala
significativa em relação às bases necessárias para o exercício da docência - Vani
delonga comentários sobre os aspectos estruturais da instituição para dizer que há
dificuldades de inserir a pesquisa na formação de professores em função das carências
estruturais, como falta de livros, espaços.., mas se percebendo repetitiva, porque já se
havia falado muito sobre esse assunto, retoma, então, o raciocínio sobre a importância
da pesquisa para a constituição de saberes essenciais à docência, como levantar
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questionamentos sobre os problemas do contexto escolar e sobre a própria formação em
curso.
Reconhece e diz que a instituição, nesse sentido da adoção da pesquisa como
princípio formativo, deixa a desejar, mas vem dando passos importantes, propiciando
formação continuada aos professores formadores, em nível de mestrado e doutorado.
A Universidade deixa a desejar, mas vem dando passos recentes importantes. Até pouquíssimo tempo, não tinha pesquisa, aqui, e posso dizer que não tem extensão. Há exceções, mínimas e muito recentes, não se vê os resultados ainda. Espero que isso, agora vá mudar com as formações continuadas que vêm ocorrendo, se concretizando em nível de mestrado e doutorado. Estudar dá outra visão, outros desejos, outras aspirações e também outras crenças (VANI, Entrevista).
Com a mesma expressividade de Vani, quando reconhece a importância da
pesquisa e dos estudos contínuos dos professores formadores, Luri se manifesta e
relaciona o ensino com pesquisa a um tipo de estudo, trazendo como via de acesso a
formação docente possibilitada pelos estudos em níveis de mestrado e doutorado que
vêm realizando; chega a dizer, com satisfação, que no seu departamento de matemática,
dos seis professores, dois continuam no nível da especialização; um em nível de
mestrado, outros três, um já terminou e dois estão em fase de doutoramento. Esses
estudos irão demandar que a formação de professores ocorra através da pesquisa
(LURI, Anotações Diário de Campo).
Em tom de expectativa de um por vir, observa que sem essa prospecção de
formação para o formador de professor, é difícil inserir o licenciando na pesquisa, posto
que o professor deve se propor a inovar/aperfeiçoar-se, tanto no que diz respeito a
cursos, quando em termos de produção, mas sem formação nesses níveis, pouco se pode
esperar de avanços para a formação inicial dos futuros professores nesse sentido, já que
nem ele sabe pesquisar e diferir pesquisa profissional da pesquisa relacionada ao ensino.
Com a mesma expressividade, porém atenta ao contexto complexo em que
desenvolve a formação de docente em estudo, Vani (Entrevista) assim se expressa: Só o
nível de formação do professor formador não significa que já se tenha por certo que a
formação terá como fio condutor a pesquisa, e que por si só se reverta em qualidade da
formação inicial dos futuros professores, mas sem esses estudos fica difícil, senão
impossível. Explica o seu raciocínio dizendo que sem os estudos continuados do
professor formador, este estaria em igual nível do licenciando, posto que estes antes de
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terminar a licenciatura, estão buscando especialização. Em termos específicos, ela assim
se expressa:
Esse é um problema prático que temos de superar. As pesquisas aqui não existem, não tem pesquisa. A formação em si, requer que o aluno pesquise, comente sobre o que compreendeu e veja no que isso pode ser importante para o seu trabalho. Para saber pensar bem, é preciso refletir profundamente sobre o que está dito, mas trabalhar com pesquisa demanda autonomia e tempo. Autonomia é saber o que é pesquisa e só sabe o que é pesquisa quem pesquisa, não temos pesquisa. Agora está se iniciando esse movimento, os estudos continuados dos professores da IES, que vai levar a isso. Em âmbito maior, a pesquisa requer dinheiro, tempo e dedicação. Se não há condições de trabalho para isso, não avançamos no campo da pesquisa, infelizmente (LURI, Entrevista).
Se reportando ao dia-dia na escola e IES, às reuniões e discussões sobre
trabalhos de conclusão de cursos dos graduandos, Cris não disfarça, toca na questão da
importância da pesquisa para a formação inicial docente, demonstrando ser esta uma
vertente das atividades da instituição que deixa a desejar e que muito tem a mudar,
senão vejamos:
Falam-se muito em pesquisa. Nada, pesquisa sem profundidade, sem uma reflexão fundada em algum pensamento profundo, não é pesquisa, é informação, apenas. Estamos conscientes disso, agora, só agora. De qualquer forma é importante o aluno buscar conhecer, mas não só ficar nisso, informação, informação, isso tem na rua, em qualquer revista de fofoca. Não, a universidade cuida da informação em outro âmbito, o da análise e saber se posicionar. Conhecer e saber o que vai fazer com o conhecimento (CRIS, Entrevista).
As narrativas nomeadas apontam para aspectos significativos e fundamentais
para a formação de professores, a incursão do licenciando no universo escolar a partir
de uma proposição orientada para a pesquisa. Não pesquisa profissional, mas a pesquisa
em que o licenciando inicia levantando questões problemas. Segundo diversas pesquisas
(SACRISTÁN, 1999; PIMENTA, ANSTASIOU, 2002; FIORENTINI, 2003; DENIZ-
PEREIRA, 2014; POMENTA, 2014; entre outros), uma das maiores lacunas da
formação inicial de professores é conduzir os licenciandos a perceberem, questionar e
buscar respostas fundamentadas para os problemas que dificultam o ensino e a
aprendizagem nos espaços escolares. Ou seja, há uma ação, mas não há uma reflexão
científica sobre ela, nem sobre as quais os licenciandos possam alargar suas
compreensões conceituais a respeito de como ensinar e aprender sob configurações
adversas, como se apresentam os contextos educativos atuais, em que os problemas de
aprendizagem se apresentam exclusivamente como um desafio do ensino em si.
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Nesse sentido, há uma narrativa de Vani que identifica essa perspectiva de
formação docente, quando ela diz que não acredita em formação de professores sem
estudos teóricos e reflexão profunda sobre os problemas que enfrentamos lá na escola,
sem pesquisa não dá (VANI, Entrevista), deixando claro que tem consciência da lacuna
existente no processo formativo que desenvolve.
Em outra manifestação ela se mostra confiante, esperançosa, acredita na nova
visão dos professores formadores, em adotar a pesquisa no âmbito da formação inicial
de professores, propiciadas pela intervenção formativa que a instituição possibilitou/está
possibilitando aos formadores.
Analisando as narrativas na totalidade, a percepção que se tem é que os
professores acordaram de profundo sono, e ao despertar, se dão conta de que estão
vivendo outra realidade sem sair do lugar. Sempre esperançosos, se agarram à nova
visão que adquiriram com os estudos que realizaram, procurando apoiar-se em novas
aspirações para a formação que desenvolvem. Espero que isso agora vá mudar com as
formações continuadas que vêm ocorrendo, se concretizando em nível de mestrado e
doutorado. Estudar dá outra visão, outros desejos, outras aspirações e também outras
crenças (VANI, Entrevista).
Luri considera problemático não se inserir a pesquisa como perspectiva de
formação, se mostrando disposta a mudar o rumo do trabalho que realiza, inserindo a
pesquisa como método de ensino. Reconhece que a formação em si, requer que o aluno
pesquise, comente sobre o que compreendeu e veja no que isso pode ser importante
para o seu trabalho. Acrescendo comentando que para saber pensar bem, é preciso
refletir profundamente sobre o que está sendo dito, assim diz Luri, (Entrevista).
De outro modo, diz que para se fazer pesquisa é preciso ter autonomia e
condições favoráveis. A autonomia a que se refere, ela explica dizendo: não adianta
pensar em trabalhar com pesquisa se não são dadas as condições, tanto de tempo para
estudar e planejar os passos a ser dados, quanto de interlocuções com outras pessoas
que também fazem pesquisas e formam professores, os recursos nesse sentido, são
poucos (LURI, Diário de Campo).
Borges (2013, p. 105) diz que esse problema de se terem eximido os centros
universitários interioranos da obrigação do ensino associado à pesquisa e extensão,
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ocorreu do mesmo modo que foram sendo estabelecidos, por força da lei (LDB,
9394/96), os seus funcionamentos sem estruturas básicas. Sobre o assunto ela assim se
expressa:
A nova LDB n seu Art. 4º; II – centros universitários.estabelece a distinção entre universidades de pesquisa e universidades de ensino. Pois, dentre as inúmeras IES do país, apenas as universidades – que para merecerem esse nome deverão cumprir exigências precisas definidas por lei – terão obrigação constitucional de promover a associação das atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. Então, por força da lei, instituem-se “universidades de ensino”, que serão todas as formas de organização universitárias ou de Educação Superior... que não terão, ainda, efetivas condições para desenvolver atividades de pesquisa em grau significativos, pelas limitações que possuem. (BRASIL.
Pelo sim ou pelo não, o que se pode afirmar é que as tendências de ensino das
últimas décadas apontam para a importância do ensino pela/com a pesquisa,. Nesse
sentido BEHRENS (2003, p.61) diz o seguinte:
O ensino com pesquisa pode provocar a superação da reprodução, para a produção do conhecimento, com autonomia, espírito crítico e investigativo. Considera o aluno e o professor como pesquisadores e produtores dos seus próprios conhecimentos.
Nos termos colocado por esse autor, a pesquisa gera bons resultados para o
ensino, desde que o professor assuma postura de um orientador e organizador da
construção do conhecimento, ou seja, mediador e orientador das atividades e
aprendizagens; que ele passe da prática conservadora e reprodutivista para as ações que
permitem fortalecer o trabalho coletivo, a manifestação co-responsável do aluno e a
crítica significativa.
Deste modo, sinaliza esse autor, o docente instiga a construção do conhecimento
com autonomia, reflexão e parceria. Por sua vez, o aluno torna-se sujeito na produção
científica e no seu próprio desenvolvimento cognitivo e intelectual, o que favorece a
articulação dos vários elementos que estão percebendo na realidade observada, o que
propicia a reflexão, análise, conceituação dos fatos da realidade, levantamento de dados.
Demo (2005, p. 2-5), se referindo à formação do educador professor, diz que do
ponto de vista da inovação, formar pela pesquisa trata-se do conhecimento crítico e
criativo, mas educar pela pesquisa exige que o profissional da educação seja
pesquisador. Então, não é possível formar professores sem ser pesquisador, como bem
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disseram Vani e Luri, anteriormente. Nesse sentido, a contribuição de Demo (2005, p.
5) diz o seguinte:
Educar pela pesquisa tem como condição essencial primeira que o profissional da educação seja pesquisador, ou seja, maneje a pesquisa como princípio científico e educativo e a tenha como atitude cotidiana. Não é o caso fazer dele um pesquisador “profissional”, sobretudo na Educação Básica, já que não a cultiva em si, mas como instrumento principal do processo educativo. Não se busca um “profissional da pesquisa”, mas um profissional da educação pela pesquisa.
Nos termos colocados por Demo (2005), o professor da educação básica precisa
investir esforços em pesquisa como princípio educativo; deve assumir a atitude de um
orientador e organizador da construção do conhecimento; levar o seu aluno a se assumir
como um ser que observa o mundo e se observa a si mesmo, se questiona e procura
atribuir sentido e significado aos conhecimentos que lhes são apresentados. Aos
acontecimentos e às interações, pois a sala de aula, em qualquer instância de ensino e
aprendizagem, deixou de ser um espaço onde se transmitem conhecimentos, passando a
ser um espaço onde se procura e onde se produz conhecimento (DEMO, 2005, p. 9).
Deste modo, assumir a pesquisa como instrumento principal do processo
educativo significa levar o aluno a buscar, conhecer e aprender autonomamente, o que
implica inferir que do mesmo modo se constitua o professor.
Para Alarcão (2005), a aprendizagem é um modo de gradualmente se ir
compreendendo melhor o mundo em que se vive e de saber melhor utilizar os
conhecimentos adquiridos ao longo da vida para nele agir. Contudo, para a autora, uma
boa parte das competências e habilidades exigidas das pessoas na atualidade, é difícil de
serem ensinadas, mas tem que ser desenvolvidas. Então, o caminho viável é o ensino
pela pesquisa, a qual propicia a emancipação dos próprios sujeitos na mediação
educativa.
Segundo a autora referenciada, essa condução leva o aluno a aprender a ser
aluno, a ser co-responsável pela sua aprendizagem, passar a depender menos dos
professores, a serem autodeterminados, a terem consciência do seu próprio progresso, a
fazer as suas próprias escolhas e decidir o que é importante para a construção do
conhecimento que é essencial para sua formação.
As aprendizagens na sociedade emergente terão de desenvolver-se de uma forma mais ativa, responsável e experienciada ou experiencial, as quais
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façam apelo a atitudes mais autônomas, dialogantes e colaborativas em uma dinâmica de investigação, de descoberta e de construção de saberes alicerçada em projetos de reflexão e pesquisa, baseada em uma ideia de cultura transversal que venha ao encontro da interseção dos saberes, dos conhecimentos, da ação e da vida (ALARÇÃO, 2005, p. 27).
Considerando as discussões dos autores, não é possível duvidar da importância
da inserção da pesquisa nos cursos de formação de professor; nem da necessária
alteração dos processos de aprendizagem, implicando uma nova organização da escola,
da universidade, das instituições de ensino, com tempos e lugares diferenciados, não só
para estar em aulas de grandes grupos, mas também para trabalhar em pequenos grupos
ou isoladamente, com acesso facilitado tanto a livros e revistas quanto a computadores...
(ARAGÃO, 2005).
Desse modo, pesquisa como caminho metodológico de desenvolvimento da
formação inicial coloca-se como método de formação dos futuros professores e se
traduz, de um lado, pela mobilização de questionamentos que o permita a ampliação e
análise dos contextos onde a formação prática se realiza; por outro, a possibilidade de o
futuro professor desenvolver habilidades investigativas a partir das situações
vivenciadas, elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender e
problematizar as situações que observam e vivenciam no campo de formação prática.
O investimento na ideia de formar pela pesquisa, argumento que essa prática de
formação favorece ainda que o futuro professor consiga compreender a importância de
se transpor as compreensões estancadas nos limites das várias disciplinas, articulando-
as com os interesses e necessidades dos alunos, o que é essencial para a constituição de
práticas pedagógicas realmente formadoras (PIMENTA, ALMEIDA, 2014, p. 32).
Ademais, se no decorrer da formação, o futuro professor não exerce a pesquisa como
princípio formativo, como irá levar os seus alunos a exercê-lo como principio
educativo?
Alarção (2005), referenciando-se a três estudos de pesquisa-ação realizados por
orientandos seus, diz que os resultados das pesquisas mostram: não é fácil, nem para os
formadores, nem para os futuros professores, e nem para os alunos na escola, de
repente pensar e agir desta maneira, utilizar a pesquisa como principio formativo, mas
os resultados mostram que é possível e reconfortante quando se abem trilhas nesse
sentido (ALARÇÃO, 2005, p. 28).
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Retomando as narrativas de Vani, Luri e Cris, parecem expressar a sensação de
que têm consciência dessa inerente dificuldade apontada por Alarcão, não ser fácil
ensinar a partir da prática da pesquisa, posto ser um trabalho que exige tempo e
dedicação em estudos e planejamentos, mas reconhecem a importância e necessidade da
pesquisa ser inserida na formação de professores, o que representa um olhar
perspectival, aquele que busca assumir desafios para ser mais, fazer mais.
Cris, entre outras coisas importantes sobre a importância da pesquisa para a
formação de professores, diz que a universidade cuida da informação em outro âmbito,
o da análise e saber se posicionar e saber o que vai fazer com o conhecimento (CRIS,
Entrevista).
Mas, reconhecendo a lacuna na formação, em termos de pesquisa, tenta explicar,
argumentar e questionar da seguinte maneira: pesquisa e extensão aqui ainda não têm
pelo menos como gostaríamos. Isso reflete onde? Na formação do professor e, lógico
no ensino, lá onde os problemas são ainda maiores, porque a demanda e os problemas
são desestimulantes (CRIS, entrevista).
Frans, em tom de desabafo, critica a falta de entendimento por parte dos
professores formadores, do que seja ensinar pela pesquisa e a finalidade desse ensino:
Há professores que cobram trabalhos dos alunos. Os alunos copiam como já falei anteriormente, porque vêm viciados nisso e romper com isso é tão difícil quanto aceitar isso. Eu não aceito. E ninguém está interessado em investir em pesquisas educacionais não, atropelam a vida do professor em todas as dimensões. Pelo menos aqui vivemos esta situação de total descaso e dificuldades sem precedentes. Se eu pudesse, deixava tudo que é burocracia e só me envolvia com o ensino. Não se tem tempo de inventar nada (FRANS, entrevista).
Estas falas, que se podem delongar comentários sobre elas, por si só já não
deixam dúvidas sobre as crenças, valores e aspirações que os sujeitos assumem.
Concebe a importância da pesquisa como método de ensino, mas se vale de inúmeros
argumentos para se eximir de fazer a sua parte. Tem razão quando condena ‘o faz de
conta’ de alguns professores que aceitam ‘cópias’ como se fosse de autoria dos alunos.
Mas será que o papel do formador é só condenar. Ele não explicita o que faz para
reverter a situação, e no final diz que devido ao excesso de burocracia, não se tem tempo
de inventar nada.
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Cris insinua que existe a pesquisa, mas não da maneira que gostaria. Também
não explica como gostaria que fosse.Talvez essa falta de esclarecimento tenha sido uma
falha da pesquisadora por não tê-lo instigado a esclarecer a questão.
Mas os licenciando têm demonstrados que, senão na dimensão da pesquisa
profissional, há falas que deixam transparecer que a pesquisa, nos moldes anunciados
pelos autores citados, pesquisas como princípio educativo, método de ensino, existe,
senão vejamos:
Eu fui participar de uma jornada da matemática em São Luís, apresentei um trabalho que fizemos aqui, o painel está ali no departamento. Então, esse trabalho foi um projeto que fizemos com a finalidade de tentar motivar os alunos do último ano do fundamental e atrair, também, os alunos do ensino médio para que eles gostassem da matemática. Falamos muito sobre esse projeto, lemos muita coisa para montá-lo e aplicá-lo na escola. Depois, aqui, era aquela coisa, tinha de falar, de dá o parecer, explicar tudo. O que deu certo e o que não deu. Teve alguns resultados bons e outros não. Então, tinha de repensar, reformular, e assim ia, estudando os textos e refletindo até, assumir no que tinha errado, e o que precisava fazer (JOCY, G. Focal).
Veja-se que a fala de Jocy aponta para os princípios educativos expostos pelos
autores citados, quando se posiciona e assume-se como mediador, orientador e
organizador da construção do conhecimento. Teve alguns resultados bons e outros não.
Então, tinha de repensar, reformular, e assim ia estudando os textos e refletindo até,
assumir no que tinha errado, e o que precisava fazer (JOCY, G. Focal).
No sentido de síntese sobre os recortes de narrativas analisadas, é possível
perceber que estas são manifestações de professores(as)/licenciando(as) que estão
atentos(as), ligados(as) à realidade, refletindo sobre ela, e sabem codificá-la e
decodificá-la, mostrando entendimento e cumplicidade que se possa esperar da
intervenção pedagógica, tendo de repensar, reformular as ações que desenvolvem.
Mostram-se conscientes do compromisso e responsabilidade que deve assumir o
professor formador e o licenciando como futuro professor, demonstrando visão
impregnada de anseios.
Têm atitude alerta para o mundo e para a formação que oferecem/desenvolvem,
manifestando que não é simplesmente no campo das ideias que se travam as grandes
lutas, mas também na práxis - união ativa entre teoria e prática, mediadas pelo diálogo.
Nesse sentido, é possível dizer que o ensino pela/com a pesquisa é propiciador desse
leque associativo da teoria e prática – o que, segundo (FREIRE, 2005, p.97),
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impressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista à base dos
quais se constituirá o conteúdo programático da educação dialógica.
Nós precisamos avançar, o que se percebe é que a cultura da prevalência do ensino é muito grande, e até mesmo aceita sem questionamentos. Pesquisar dar trabalho e exige reflexão. Mas ninguém ensina melhor que a pesquisa direcionada, aquela em que o sujeito tem de se movimentar intelectualmente para enxergar o que está submerso nos problemas e até saber o que ele não quer, o que deve ou não acreditar (VANI, Entrevista).
A prevalência do ensino é muito grande, assim diz Vani. Esse tem sido/vem
sendo um dos grandes equívocos praticados pela maioria dos professores desse país, por
ser recorrente na maioria das práticas de ensino, a qual cria empecilho para a
aprendizagem dos alunos, posto que a prevalência do ensino não propicia que os
alunos se expressem, se manifeste, busque estratégias próprias, aprenda a partir do erro
e co-responsabilize-se pelo seu aprendizado. Nesse caso, não é possível adotar o ensino
pela pesquisa, porque bancário e sem sentido, o passo a passo fornecido pelo professor é
a estrada real. Contudo, contrapondo-se a essa forma de ensino é preciso lembrar o que
Freire(1997, p. 135) diz sobre o que seja ensinar: Ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o inteligido. É nesse sentido que se impõe a mim escutar o educando em suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória. E ao escutá-lo, aprendo a falar com ele.
A advertência de Freire (1997) leva a compreender que o ensino deve propiciar
que o aluno compreenda o que está sendo proposto para que ele aprenda, não lhes
fornecendo o passo a passo, mas o instigando a se por e expor diante das situações de
aprendizagem. A questão do ensino é fazer inteligir, ou seja, fazer perceber, entender,
compreender, inquirir, aprender.
Nessa perspectiva, a partir das análises e discussões desenvolvidas, é possível
perceber que as práticas desenvolvidas no âmbito da formação inicial de professores em
estudo, foram capazes de levar os sujeitos a questionar a si mesmos e aos outros; de
apontar o que foi e o que não foi formativo para si no percurso da formação, de por e
expor o que faziam, o que queriam e o que não queriam e como percebiam o
conhecimento de que dispunham e aquele de que precisavam para resolver as suas
dificuldades a que se viam imersos.
Apontaram a pesquisa como princípio educativo, reconstrutivo da realidade,
como possibilidade de ensino e de aprendizagem; evidenciaram formalização dos
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saberes que correspondem à prática do ofício docente e a mobilização desses saberes em
contextos escolares, em situações específicas de ensino no exercício profissional;
mencionaram necessidades da formação continua como um exercício contínuo; as
experiências formativas capazes apropriar-se de sentidos e significados das práticas e
ações de formação no processo de sua constituição de se fazer e ser professor.
Nessa perspectiva, o constituir e se constituir professor aponta para o processo
de autonomia e profissionalidade docente, que implicitamente se apresentou imersa nas
narrativas dos sujeitos dessa pesquisa. Nesse sentido resgato a concepção de
desenvolvimento profissional defendida por Garcia (1995), que apresenta coerência e
fundamenta os argumentos anteriores, posto que para esse autor, a formação de
professores é um continuum, ideia que implica forte interrelação entre a formação
inicial e a formação permanente dos professores.
Ele defende que o conceito de desenvolvimento profissional dos docentes rompe
com posturas tradicionais, valorizando o contexto em que o professor se insere, bem
como a organização institucional, compromissando professor e instituição com a ação
educativa. Neste sentido, contribui, também, a seguinte concepção de profissionalidade:
A profissionalidade está em permanente construção, mas precisa ser reconhecida pelo docente para que este construa, com autonomia, sua identidade profissional; para que, consciente de sua prática, possa consolidar saberes e saberes-fazeres diante do contexto sociocultural em que está inserido como profissional, e de produções teóricas que sustentem seus pontos de vista. A profissionalidade ganha concretude no ato de ensinar, e a ação docente é validada pelo saber ensinar (PIMENTEL; PONTUSCHKA, 2014, p. 74).
Desse modo, falar da ação de formar alguém para ensinar, é falar de um ser
profissional comprometido ética e profissionalmente, que precisar ter o domínio de se
recriar e criar situações amplas de ensino em cada ato pedagógico, o que implica dizer
que o grande desafio para os cursos de formação de professores vai ser orientar o
licenciando no sentido de que estes ajudem os seus alunos na escola, a desenvolver a
sua autonomia, para também criar e si recriar, capazes de confrontar ideias e práticas, de
ouvir o outro, mas também de ouvir a si próprio e de se auto-criticar.
Para finalizar essa seção de análise, insta-me depreender que as interlocuções
teóricas estabelecidas em torno das narrativas expressas pelos sujeitos e o comentários
interpretativos delas decorrentes, possibilitam inferir que a acepção que fica abalada é a
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de que ensinar é transmitir conhecimento e ser professor é apenas apropriar-se de
conhecimentos teórico-específicos ou teórico-metodológicos.
Além disso, as proposições discutidas abrem caminho para se compreender que
o ensino de qualidade será aquele que resulte da qualidade formativa dos futuros
professores, a qual impõe a necessidade de orientação esclarecedora sobre vários
aspectos, entre eles, o fortalecimento de parcerias com o meio escolar e de criação de
espaços, para que formadores e outros atores, os próprios licenciandos e os professores
regentes, possam planejar e atuar coletivamente em projetos de formação que incluam
ambos nas discussões. Projetos que se dirijam à superação e à negação do dado,
aceitação dócil e passiva do que está aí, implicando dessa forma uma postura decidida
frente ao mundo (FREIRE, 1992, p. 206).
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MAIS ALGUMAS PALAVRAS, FINAIS, MAS NÃO CONCLUSIVAS
Anima-me perceber que as pessoas em geral, e os professores em particular, são capazes de viver nos limites, submetidos à lógica predominante nos processos sociais e educativos, navegando na fronteira das práticas que ficam às margens. Talvez daí possa sair uma explicação para seus silêncios. Quem sabe são eles uma possibilidade de esperança. Mencionar inovação, num contexto tão adverso, é fazer uma profissão de fé que envolve a nossa condição de humanidade e a possibilidade de transformar os silêncios em possibilidades.
Cunha
Ao realizar as considerações finais deste trabalho, que não esgotam o assunto,
por isso não são conclusivas, reavivo as lembranças de quando o iniciei esta pesquisa e
percebo que nessa trajetória que percorremos juntos: pesquisadora, sujeitos da pesquisa
a partir de suas narrativas; e a orientadora, arrisco dizer que é possível perceber que a
pesquisa com narrativas facilita a aproximação às crenças, valores, ideias, às
experiências reveladoras das práticas e ações que os sujeitos desenvolvem, explicitada a
partir de suas próprias percepções.
Percepções expressas, que dizem quem os sujeitos são, o que fazem, porque
fazem o que fazem e como percebem as ações que desenvolvem. Abre-se aí uma
contribuição da narrativa, não só para o campo da pesquisa, mas também para os
processos de formação com/dos docentes, uma vez que as manifestações põem à baila
várias dimensões de que os professores são constituídos: a sociabilidade, a linguagem,
os princípios morais e éticos, a pluralidade de ideias e de experiências vivenciadas, os
desejos, as aspirações, as suas crenças, os seus valores, projetos e ações, além dos
conhecimentos teóricos, práticos e tácitos, os quais, por si só já consubstanciam tramas
experienciais que mostram o valor da vivência ensejando experiência, o que para mim
revela uma das contribuições desse estudo.
Comecei este trabalho com a intenção de tentar responder uma questão
formulada por mim mesma: quais sentidos e significados se expressam nas
manifestações de professores formadores e licenciandos, em relação às suas
percepções experienciais de formação docente inicial em matemática? Desse
questionamento, por ser do meu interesse, delineei as seguintes proposições de pesquisa:
saber, entre professores formadores e licenciandos em matemática, o que
pensavam, o que faziam e porque faziam o que faziam, e qual percepção tinham de
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suas ações formativas no contexto de suas práticas cotidianas no curso de
formação inicial que desenvolviam.
Do amalgama entre questionamento e intenções de pesquisa, emergiu meu
objeto de pesquisa, qual seja: percepções sobre experiências de formação inicial
docente, expressas em manifestações de professores e licenciandos de um curso de
licenciatura em matemática.
Diante de tais delineamentos de caminhos a ser seguido nomeei sujeitos e lócus
de pesquisa. Percorri (des)caminhos diante das ideias que lancei. Deixei-os falar, pus-
me a ouvi-los. Depois, na tentativa de interpretar as suas falas e discuti-las à luz de
outras falas, ao retomar as discussões realizadas mediante o que falaram, sinto-me como
se os estivesse diminuindo. Sem conseguir abarcar tudo o que narraram sobre o que
faziam, porque faziam e como percebiam as suas ações de formação.
Assim, mediante a produção que elaborei, sinto-me temerosa em contê-los na
estreiteza de formulações conclusivas e limitadoras. Contudo, posso afirma que diante
das ideias que lancei, o percurso propiciou-me misturar, confrontar, construir e
desconstruir uma profusão de excertos narrativos construídos pelos sujeitos e capturas
por mim a partir do ato impar que me propiciou desenvolver discussões sobre o que nos
interessava naquele momento – a formação inicial docente em matemática.
Atos e fatos expressos nas suas falas que não são ideologicamente neutras. A
não neutralidade se expressa, entre outros aspectos, porque as narrativas refletem a
visão de formação docente ancorada em proposições e projeções que, para além da
formação que oferecem/desenvolvem, focalizam o contexto para o qual essa
formação é dirigida. Julgo ser esta outra contribuição desse trabalho, os sujeitos
buscam na formação que desenvolvem respostas refletidas para os problemas do ensino
no contexto em que atuam.
Do lugar complexo e multifacetado em que se encontram os sujeitos, a
licenciatura estudada mostra ser um lócus de sonho, interesses e prospecções lançadas
por eles como possibilidade de novas/outras motivações, as quais me possibilitaram
compreender que naqueles outros aspectos do professor que não são as soluções da sala
de aula, o professor formador/em formação, buscam na experiência cotidiana ser
inteiramente homens e mulheres, praticantes não só de particularidades do “eu” mas,
![Page 163: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/163.jpg)
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através delas, o que há de mais elevado no humano genérico – a preservação e o
desenvolvimento do patrimônio da humanidade – do qual fazem parte e para o qual
desenvolvem as suas ações.
Concretizam essas responsabilidades se assumindo enquanto incompletos e se
comprometendo com o outro – o sujeito em formação, eles mesmos se assumem
inconclusos na formação que desenvolvem – em um processo de aprofundamento de
consciência, praticando, entre outras coisas, as chamadas virtudes da verdade. Assumem
suas fragilidades e compromissos com o trabalho que realizam, percebem (dis)sintonia
na formação que oferecem, buscam soluções – sujeitos determinados em constante
processo de transformação.
Refletidamente, os sujeitos da pesquisa se dão conta de que em uma época social
complexa e confusa como a que vive o sistema educacional brasileiro, diria eu como o
que vivemos de modo geral; de despersonalização individual e coletiva; de relações
humanas caracterizadas pelo poder de uns sobre outros; e de percepção de realidade
muitas vezes falseada ideologicamente, humanizar-se e formar para a humanização,
representa desafio.
Mas como disse o sempre surpreendente Guimarães Rosa, “O animal satisfeito
dorme”. E se dorme deve está sossegado e o sossego é inimigo da inquietude. Do
ímpeto inquieto do humano genérico. Desse ponto me vem à mente a advertência
preciosa do professor Mario Sergio Cortella, tal qual ele sempre profere em suas
palestras: “A satisfação não deixa margem para a continuidade, a satisfação conclui,
encerra”. Assim ela acalma, limita, amortece.
Talvez por serem seres inquietos, distantes da zona de conforto limitadora que é,
os sujeitos desta pesquisa se movem em direção a horizontes inspiradores de
continuidades. Desse modo, frente aos desafios que lhes são impostos, eles não deixam
margem para consolo. No balancê das ações que desenvolvem eles se movem em
direção ao confronto com a realidade dada, eles se põem e se ex-põem. Estes são
aspectos que marcam e interferem positivamente na complexidade do território/processo
de formação docente que aspirei compreender a partir do objeto de pesquisa que aspirei
estudar para compreender.
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Entre sínteses e análises, limites e possibilidades, continuidades e rupturas, é
possível perceber que há na formação desenvolvida, movimento auto-organizativo,
como tempo e espaço de sonhos e esperança. Também de desencantos, mas há
autodeterminação em que são construídas condições para o desenvolvimento do pensar
docente crítico e reflexivo, epistemologicamente científico. Ademais, se há a
inquietação, é possível de haver ação, ainda que os passos a serem dados não se
mostrem claros. Aliás, como falou o mesmo Guimarães Rosa, “não convém fazer
escândalo de começo; só aos poucos é que o escuro é claro”
Ao refletir sobre as frases poéticas que inspiram parafrasear os termos
“satisfação” e “inquietação”, a análise das narrativas permite perceber que os sujeitos da
pesquisa não estão inteiramente à mercê das circunstâncias socioculturais e históricas
nas quais se vê imersos, apesar de sofrerem por se sentirem limitados por elas. Contudo,
sobremaneira resilientes, buscam se apoiar em ideais intencionais com o fim de
interferir em um sistema que, frequentemente não visa o bem comum. Sentem-se em
uma profissão desvalorizada, mas a concebe importante, essencial para a humanidade,
porque transformadora de uma sociedade que aspiram poder ser diferente, exatamente a
partir da educação. Por isso, cultivam perseverança profissional diferenciada.
Têm uma consciência intencionada, através da qual compreendem a realidade e
a possibilidade de nela intervir. Consciência atribuidora de sentido e significado às
ações que desenvolvem e, através dela, tem a possibilidade de se descobrirem e se
posicionarem frente ao mundo, escolhendo como realizar as suas ações frente à
formação que desenvolvem.
Mediante tais circunstâncias, os sujeitos da pesquisa expressam valores sobre a
própria capacidade de equacionar as adversidades que os limitam mas não os impedem
de aspirar horizontes mais promissores; assumem (des)crenças por se verem imersos em
situações limitantes, mas esperançosos defendem que o compromisso com o ensino e a
aprendizagem dos alunos é uma atitude indispensável ao profissional da docência;
enxergam as possibilidades como fonte de inspiração, ainda que as inquietações os
deixem, muitas vezes, no âmbito da esperança acalentada de longa data. Sente-se
limitados, mas não condicionados aos aspectos circunstanciais da falta...
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Buscam mudar a realidade contextual, se referindo às instâncias superiores como
co-responsáveis pelos descasos institucionais. Acreditam que a mudança no contexto
advém da conscientização gerada pela análise crítica da realidade concreta, implicando
compreender que sem interesse, compromisso, envolvimento pessoal e coletivo,
conhecimento específico e pedagógico que propicie fazer uma análise crítica e
interventiva das/nas situações amplas e específicas em relação a formação docente
e à qualidade do ensino, não é possível intervenção propiciadora de novas/outras
atitudes em relação à qualidade da educação institucionalizada. O que se tornaria
ideário pensar em inclusão dos financeiramente menos favorecidos, pelo conhecimento
científico, como muito se propaga.
Desta maneira, é possível dizer que estes sujeitos afirmam que é preciso
assumir responsabilidades e se comprometer com a preparação de novas bases de
formação menos fragmentada, porque são as novas gerações que vão organizar a
educação do futuro.
Diante dos desafios do/ou emergido no contexto da prática formadora, são
impulsionados a criar possibilidades que os permitam potencializar as suas ações
frente à formação docente que desenvolvem; reconhecem sem aceitar, que os desafios
aos quais se referem terminam se interpondo e, quase por conseqüência, limitando o
trabalho de formação docente que realizam.
Contudo, cientes das fragilidades próprias e adversas, percebem os desafios, se
envolvem com eles e acreditam que há condicionantes sim, mas eles não são
determinantes no processo formativo que desenvolvem. De outro modo, é possível
afirmar que suas capacidades internas propiciam seduzir o grupo envolvido no processo
de formação a defender suas crenças e interesses, valorizando as situações prática de
ensino/aprendizagem de matemática na universidade, conectando-se aos desafios
presentes na escola, para onde dirigem as suas atenções.
No contexto estudado é possível notar certo “cansaço” e falta de “fé”
(descrença) nos sistemas educativos formais, em função da crescente irrelevância dos
problemas educacionais nas preocupações das políticas públicas nacionais, ou na nula
presença que seus problemas têm nos meios de formação de opinião pública, que gera
desvirtuamento da relevância dos professores como homens e mulheres que têm como
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missão a disseminação da cultura científica, implicando o seu desaparecimento como
figuras sociais prestigiadas, gerada pela falta de nexo entre o que é propagado e a
realidade de fato.
Assim, ressalto a busca de sentido na experiência do ser e tornar-se professor,
como o centro de energia desses professores, cujo núcleo se forma no comprometimento
e na responsabilidade para com o outro. Percorrem (des)caminho em busca da auto-
realização, se engajam com o que fazem, cada qual à sua maneira, conforme determina
a história pessoal e cultural vivida por cada um deles. Deste modo, importa considerar
que eles se expuseram e se puseram, também demonstraram fazer opções sucessivas, as
quais vão marcando suas trajetórias, e a maneira como fazem essas opções os
diferencia.
Os sentidos e significados expressos nas manifestações dos professores
formadores e licenciandos do curso em estudo, indicam, para além dos aspectos já
evidenciados o de que o grande desafio é direcionar esforços no sentido de
promoverem espaços de discussões que evidenciem as necessidades reais do curso,
pondo ênfase nos possíveis modos de atenuá-las.
O desafio que se apresenta a IES é o de continuar promovendo formação
continuada aos professores formadores; organizar seus cursos com base numa
perspectiva emancipadora, na qual os sujeitos envolvidos no processo de formação,
imbuídos de suas convicções e aspirações de âmbito formativo, sejam considerados
partícipes do processo de constituição das tomadas de decisões. Aos sujeitos envolvidos
nesse processo, cabe entender que nada é dado, mas conquistado, em processos de
buscas coletivas, processo pelo qual o elemento propiciador é o diálogo.
Nesse sentido, é possível afirmar que estamos diante do desafio de construir uma
sociedade na qual existam níveis mais altos de adesão, coesão, compromisso,
consciência e responsabilidade, tanto intra quanto intergeracional44, com fortes
chamamentos para o senso de justiça e comprometimento com as adversidades
emergentes nos contextos escolares; processo em que se valorize e propicie condições
favoráveis de desenvolvimento das ações dos sujeitos envolvidos com a formação do
44Intrageracional –Articulações entre relações em uma mesma geração. Intergeracional – relações entre diferentes gerações na contemporaneidade (Tedesco, 2015).
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cidadão, uma vez que a maior instituição formadora de opinião que se pode mencionar
é, deveria ser – o sistema educacional de ensino.
Sendo assim, resta pensar e refletir sobre as situações limitadoras e agir em
clima de esperança e de confiança, porque a grande questão consiste em saber se a meta
de construir estratégias diferenciadas para gerir as situações de dificuldades, em um
contexto tão adverso, que exige fazer profissão de fé (luta) para enfrentar as tendências
de omissão, terá força suficiente para gerar os níveis de adesão necessários para
transformar os limites em possibilidades.
Nessa perspectiva, é preciso refletir para compreender se as tarefas dos
educadores e educadoras, diante dos limites próprios e das externas situações
limitadoras do trabalho que desenvolvem, para além das quais se acha o inédito viável45,
se dirigem, então, à superação e à negação da realidade – agindo coletivamente – contra
a aceitação dócil e passiva do que está aí, implicando dessa forma, tomada de decisão
frente à realidade contextual.
Considerando essa via de acesso, é possível afirmar que o contexto estudado na
sua origem e ao longo da caminhada, carrega o ônus da falta de iniciativas
institucionais, que possibilitaria aos sujeitos envolvidos no processo de formação, a
navegarem para além das margens estabelecidas historicamente. Contudo, para que isso
ocorra é preciso que os sujeitos se dêem conta de que formas alternativas de
conhecimento geram práticas alternativas de mudar a realidade e vice versa.
A percepção sobre essa via de acesso precisa perpassar o conceito de
subjetividade, que constitui o grande mediador entre conhecimento e práticas. Nesse
sentido, é preciso discutir, questionar e refletir para compreender, pois o que foi
percebido como condições limitadoras exigem reconfiguração de saberes e ações que
favoreçam o reconhecimento da necessidade de transformar as próprias práticas para
atuar no contexto - interagindo coletivamente.
45 Na perspectiva anunciada por Freire, quando diz que o “inédito viável” é uma coisa inédita na realidade, ainda não claramente conhecida e vivida, mas sonhada e quando se torna um “percebido destacado” pelos que pensam utopicamente, esses sabem, que o problema não é mais um sonho, que ele pode se tronar realidade (1992, p. 6).
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O reconhecimento de que outra grande questão consiste em gerir relações sociais
interativas entre pares e sociedade, que contemplem esforços coletivos em prol das
mudanças desejadas, em ambos os contextos - IES e escolas de ensino básico.
No âmbito das práticas e ações desenvolvidas no contexto da licenciatura
estudada os sentidos e significados expressos revelam a ideia de que as atitudes do
professor formador precisam mudar em relação ao ensino que oferece, especialmente,
ao que se refere às disciplinas específicas relacionadas ao cálculo – pelo fato de as
conceberem como conhecimento estanque.
A instituição precisa mudar em relação ao Centro de formação, porque as
circunstâncias são outras, ao papel do professor formador são impostas novas e
acrescidas exigências, pois as competências e habilidades requeridas do professor
que se precisa formar se alargam para além da sala de aula e das atividades
direcionadas, exclusivamente à atividade de ensinar conteúdos.
Estas características reveladas em muitas falas dos sujeitos dessa pesquisa
retratam entonação de quem enxerga os limites e se agarra às possibilidades, assumindo
responsabilidades como forma de dar exemplo e fazer fluir e disseminar valores que
assumem comprometidamente, engajados com o que fazem. Trazem essas concepções
explicitando o que pensam, expressando ser possível novas perspectivas de formação
docente; formação para o compromisso com o ensino e a aprendizagem dos alunos;
percepção de que o futuro professor deve envolver-se responsavelmente com o ensino e
a aprendizagem dos alunos e ter consciência do trabalho importante que desenvolvem/
irão desenvolver.
Apontam, ainda, a perspectiva de olhar o ensino sob o prisma da
responsabilidade e compromisso. Atitudes que devem ser desenvolvidas/propiciadas
desde a formação inicial e continuar ao longo da vida, em termos pessoais e
profissionais. Tais convicções se movimentam em torno de busca de estratégias que
propiciem aos sujeitos da/em formação se envolverem com a própria formação que
desenvolvem e no futuro possam ter práticas docentes que representem diferenciação
em relação ao que é comum presenciar – falta de compromisso com a aprendizagem -
isso de alunos e também de professores.
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Para além da ênfase na falta de compromisso com a aprendizagem, dizem que na
Universidade têm carências inaceitáveis, capaz de implicar negativamente na formação
desejável para o tempo hodierno, como falta de laboratório, biblioteca atualizada, entre
outros; ou seja, a falta de compromisso das políticas públicas e de muitos profissionais
para com a educação e o ensino, de modo geral, prejudica os cursos de formação
docente, os docentes e a própria profissão.
As percepções expressas levam a compreender a necessidade de se cultivar
relações pedagógicas profícuas entre aprendizagem e prazer, ensino e acolhimento,
conteúdo e realidade, despertado pela intencionalidade de se buscarem estratégias,
relacionando o que aprendeu na IES com a prática em sala de aula. Ou seja, relacionar
teoria e prática. Essa relação significa mudança de percepção da realidade na qual o
professor atua/irá atuar, na qual o nexo entre o aprender e o aprender a ensinar
dentro de diferentes contextos, exige compreender e relacionar o que se aprende no
ambiente de formação, com o significado que essa formação possa ter dentro e fora
desse espaço.
Considerando esse sentido para a formação, é possível perceber que houve uma
prática de formação e uma formação prática, posto que há nas narrativas expressas,
indícios esclarecedores de que houve aprendizado pedagógico e teórico-reflexivo entre
a formação desenvolvida na IES e a prática desenvolvida na escola.
Do mesmo modo, é possível identificar certa convergência de entendimento
sobre a importância e necessidade de que haja domínio dos saberes específicos e
imbricados a estes os saberes pedagógicos. Na verdade parece haver clareza de que o
professor capaz de nomear objetos de ensino (conteúdo), organizá-los e gerir os esses
conteúdos (saber pedagógico), deve ser capaz de compreender que imbricado ao
domínio da especificidade, os conhecimentos pedagógicos é que irão configurar as
ações processuais de ensino, para que haja aprendizagem dos alunos na escola.
Mas há, também, a consideração velada, a de que o conhecimento pedagógico é
apenas um complemento, é trabalhado de forma exagerada, e não representa um saber
essencial que tem como princípio de sua existência aproximar o docente iniciante com o
futuro campo profissional e nele saber atuar pedagogicamente.
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A análise da literatura reitera que a formação de professores constitui-se em área
de conhecimento, de investigação e de propostas de intervenção profissional em favor
do ensino, da aprendizagem, da escola e, também, em favor do desenvolvimento das
pessoas. Não se trata, então, de formar simples repetidores de informações, de
conteúdos ou de técnicas adquiridas no ambiente intelectualizado da universidade.
Trata-se de preparar profissionais para realizar a crítica, a reflexão e a proposição de um
estilo de ensino que, de fato, promova a aprendizagem; o acesso ao patrimônio cultural
da humanidade e, finalmente, o desenvolvimento de sujeitos na sua subjetividade e
cidadania.
Assim, as propostas de cursos de formação de professores devem ser orientadas
pelo paradigma da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o que para os
sujeitos desta pesquisa ainda é uma aspiração.
A prática pedagógica nas escolas ocupou papel importante, uma vez que ela
representou para os licenciandos o ponto de partida para sistematizar novos
conceitos sobre o que tinham aprendido na IES; compreender e decodificar a
realidade vivenciada enquanto sujeitos da docência. Isso significou para eles um
movimento de análise e tomada de decisões em processo, beneficiando-os no trabalho
coletivo, como espaço e objeto de questionamento sempre mediado por discussões
respaldadas em teorias. Assim, a prática pedagógica constituiu-se um processo de
investigação/explicação de uma determinada realidade educacional e pedagógica, as
quais propiciaram habilidade de refletir sobre a organização do trabalho pedagógico
para ser desenvolvido na escola, tendo no cerne dessa organização a problematização,
compreensão e sistematização de intervenção, as quais eles designam de projetos de
aula.
É importante ressaltar que os sujeitos da pesquisa, especialmente os
licenciandos, consideram o estágio supervisionado, entendido por eles como prática na
escola, um momento de integração entre teoria e prática, em que a relação teoria-
prática se apresentou para eles como o encontro do licenciando com o professor de
matemática que eles não conheciam.
Evidenciam essa perspectiva quando relataram as discussões em que se
envolviam com os colegas e professores na IES, momentos de interlocução que
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estabeleciam entre as discussões e os textos que liam e as disciplinas que lhes
propiciaram maior aproximação às situações práticas de sala de aula.
Revelaram ainda, aprofundamento dos aspectos epistemológicos e históricos,
quando evidenciaram a importância que há em se conhecer os objetivos e finalidades
das disciplinas específicas, pedagógicas, filosófica, sociológicas e histórica, articulados
com conteúdos mais abrangentes da historicidade desses saberes, como a história da
matemática, entre outros.
De certa forma esses aspectos retratam os objetivos da formação; a seleção dos
conteúdos de formação com a criação de diferentes tempos e espaços de vivência; as
relações entre professores formadores, licenciandos e professores da escola básica; a
dinâmica da sala de aula, onde exerceram atividades docentes de formação prática; e da
IES, onde discutiam e refletiam sobre aspectos consubstanciados nas aprendizagens que
iam se apropriando e direcionando as suas atenções para o ensino básico.
Desse modo, é possível afirmar que a investigação aponta que as práticas
pedagógicas produzidas pelos licenciandos, nessa etapa de suas vidas, são constituídas
por discursos produzidos a partir de saberes e experiências vivenciadas por eles no
decorrer da formação inicial em estudo. Nesse sentido, os discursos, ao produzirem
práticas sociais, também produziram subjetividades, em que os saberes, aos quais os
licenciandos foram expostos na escola ou na universidade, possibilitaram que os
mesmos trouxessem para si experiências positivas.
O estudo aponta para a necessidade de que, nos cursos de formação de
professores, haja interlocução mais profícua entre formadores, licenciando e professores
das escolas. Isto é, IES e escolas. A ideia é que eles interajam e estabeleçam meta de co-
responsabilização de ambas as partes – professores formadores, licenciando e
professores regentes da escola. O passo a ser dado é a aproximação da IES à escola de
ensino básico, pois só nesse âmbito se efetivará a tão aspirada formação pela pesquisa, e
a IES desenvolverá as três dimensões, para as quais tem responsabilidade – o ensino, a
pesquisa e a extensão.
Assim, a formação dos licenciandos implica práticas formativas que trabalhe
dialeticamente as relações existentes entre os saberes disciplinares – os quais dizem
respeito à especificidade – no caso desse estudo – os conhecimentos matemáticos; os
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pedagógicos - que tratam dos modos de ensinar a especificidade; e os saberes da
experiência - que englobam uma imensidão de saberes, entre eles, o manejo de sala de
aula e muito do que se expressa como relação professor-aluno. Esse amalgama de
saberes, constituídos ao longo da vida do professor, resultará no desenvolvimento
profissional, que implica na constituição da identidade profissional do professor.
Para além da especificidade, as atividades que mais contribuíram para a
formação docente dos licenciando, foram as leituras, as discussões, os seminários, as
simulações de aulas e a prática na escola básica. As disciplinas de formação pedagógica,
no início do curso foram consideradas pelos licenciandos como “utópicas”, “distantes
da realidade” e “muito teóricas”.
Contudo, à medida que iniciou a prática nas escolas, estas assumiram posição de
destaque, sendo considerada por eles como indispensáveis para o exercício da docência,
posto propiciar espaço para a reflexão, para a crítica e para o desenvolvimento da
consciência profissional que aponta para a relação intrínseca entre teoria e prática. Além
de despertá-los para a dimensão relacional, isto é, a relação professor-aluno, que
segundo eles foi pouco contemplada no curso.
Apesar das dificuldades estruturais da IES, emergiram do estudo vários aspectos
contributivos para a formação inicial, para que ela seja o lócus privilegiado de
elaboração de saberes propiciadores do desenvolvimento da identidade profissional,
como orientação das formas de atuação docente e inserção na profissão. Trata-se de um
espaço coletivo, prenhe de uma diversidade de experiências profissionais que contribuiu
para a formação, uma vez que os professores formadores também exercem a docência
na escola básica, o que propicia relações permeadas de cumplicidade. Implicando,
diferentes modos de ser e estar na profissão, como espaço da dúvida, da insegurança e
incertezas, do questionamento, atitudes típicas de quem está aberto a mudanças.
Além do que já foi dito, a formação oferecida constitui-se em um espaço
propício para o desenvolvimento da pesquisa, considerada aqui como base para a
formação de professores, uma vez que se identifica nas narrativas, a prática da reflexão
sobre a educação, docência, processo de ensino e aprendizagem, modo como assumem
as maneiras próprias de atuar, consciência sobre a responsabilidade profissional voltada
para o exercício da docência ética e comprometida com a melhoria da qualidade do
![Page 173: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/173.jpg)
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ensino. E ainda, o fato de as principais práticas formativas apontadas pelos licenciandos
estarem relacionadas às atividades desenvolvidas coletivamente, num processo de
interlocução entre licenciandos e professores formadores.
Sobremaneira importante foi a percepção apontar que a melhoria da formação
dos futuros professores matemáticos demanda, em relação a atitude de alguns
professores, revisão das concepções e das práticas dos professores formadores em
matemática (pura), pois embora digam que a relação teoria prática é importante, pouco
se evidenciaram essas práticas, a não ser a título de orientação, mas não de efetivação.
Nesse caso, os formadores matemáticos precisam voltar mais a atenção para os
saberes pedagógicos, especificamente os relacionados à matemática. Essa se apresenta
uma das lacunas do curso, a professora das disciplinas pedagógica não domina o
conhecimento matemático, o que segundo ela e os licenciandos, trás implicações
negativas para o desenvolvimento das aulas práticas na escola, porque os saberes
pedagógicos são trabalhados por quem não sabe matemática, o que requeria parceria
entre professores das disciplinas especificas e pedagógicas, aspecto que não foi
contemplando na formação.
Outra lacuna, talvez relacionada diretamente à anterior, é o fato de que a relação
teoria prática não deveria acontecer, exclusivamente no espaço da prática de formação
(seja na escola ou na IES) em algumas disciplinas, como foi manifestado que ocorre, e
sim em todas as disciplinas do curso. Nesse sentido o curso apresenta fragilidades, uma
vez que as narrativas deixam transparecer que há dificuldades nesse sentido,
especialmente quando tratam das disciplinas específicas relacionadas ao cálculo. Ou
seja, aos conhecimentos especificamente matemáticos. É possível perceber que a prática
de formação articula esse processo, mas faz essa articulação de maneira isolada, sob o
prisma, muitas vezes, da orientação verbal, como deixa transparece nas narrativas. O
que não é uma prática no sentido real, mas uma indicação abstrata.
Tais saberes devem guardar relação estreita com as necessidades dos alunos na
escola e devem ser orientados com a situação profissional real de atuação do professor,
no sentido de contribuir para que os licenciandos desmistifiquem as práticas prescritivas
e que aprendam a recorrer à teoria para fundamentar a organização de sua prática
![Page 174: TESE DE DOUTORADO LUSITONIA DA SILVA LEITE SENTIDOS E ... · Cruzando o oceano da ilusão, sem medo. Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação, podemos](https://reader033.fdocumentos.com/reader033/viewer/2022041501/5e22007690cbcb6feb044b61/html5/thumbnails/174.jpg)
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docente, com liberdade e segurança profissional, criando maneiras próprias de ser
professor.
Dada a complexidade do objeto de estudo, certamente haverá outros modos de
pensar, que possibilitarão continuar a olhar a reflexão sobre a formação inicial de
professores de matemática, a partir de diversos ângulos, apresentando diferentes formas
de intervenção.
Minha defesa é por uma formação docente inicial em matemática que
deve/precisa se alicerçar em princípios científicos, epistemológicos e pedagógicos,
que privilegiem o conhecimento do conteúdo matemático, contextualizando-o e
articulando-o criticamente com uma visão de mundo dinâmico, histórico, diverso,
incerto, holístico, tendo por base aspectos filosóficos e práticas metodológicas que
envolvam o estudante com sua aprendizagem e esta com o contexto, de modo que
aquele atribua sentido e significado às suas ações, o que acredito ter sido possível
constatar essas proposições de formação nas narrativas dos sujeitos da pesquisa.
Para além dessas proposições, constatei que as manifestações expressam valores
éticos que realmente contribuem para a construção de uma sociedade melhor, mais
democrática e humanamente necessária aos professores em seu percurso profissional.
Os aspectos evidenciados nesse estudo podem constituir-se em referenciais
importantes para o desenvolvimento de formação de professores de matemática, que
visem emancipação de professores e alunos, na medida em que eles próprios
encontraram o seu caminho, definindo os seus próprios objetivos, tentando alcançá-los;
também alargaram a capacidade cognitiva e metacognitiva, na medida em que foram
capazes de se questionar e questionar aos outros; de perceber o que foi formativo para
si, identificando o conhecimento de que dispunha e aquele de que precisam para atenuar
as dificuldades do ensino da matemática que eles perceberam está presente nas escolas.
No sentido de alargar as contribuições que esse trabalho pode suscitar, retomo
algumas proposições conclusivas de uma pesquisa que realizei, na qual apresento
algumas indicações, que se assumidas como itinerário de ensino, pode alterar
significativamente as práticas, ações e atitudes de professores que pretendem ajudar a
desenvolver em si e nos seus alunos, a capacidade de identificar os sentidos e
significados do ensino e da aprendizagem, os encarando como processo ativo, não
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limitando os alunos, apenas, a realizar tarefas que lhes são propostas prescritivamente,
especialmente ao professor de matemática, que historicamente trabalha com o
conhecimento matemático fechado em si mesmo, sem a preocupação de formar novo
homem com a intermediação desse conhecimento, o que se configura como uma
itinerância a ser focalizada pelos cursos de formação de professores.
Assim, ao professor que se propuser ensinar de modo que os seus alunos
aprendam a apreender os conhecimentos matemáticos, a mim parece ser relevante
imbuir-se das seguintes capacidades e habilidades:
i) dominar com “lucidez” e “leveza” o conhecimento matemático específico, sua
pedagogia, filosofia e epistemologia;
ii) ser auscultador, dando voz e ouvindo ao que os alunos têm a dizer, além de
conceder-lhes tempo para que pensem, se interroguem, se expressem e busquem
procedimentos próprios para entender o que lhes é proposto que aprendam;
iii) salvaguardar-se de alteridade pedagógica heurística, amparada por aposte
teórico metodológico científico, em diferentes teorias das diversas áreas do
conhecimento;
iv) escolher recurso didático apropriado para o conteúdo matemático que vai
trabalhar, lembrando-se de que o material nomeado e as estratégias de ensino são meios
e não fins em si mesmos;
v) compreender que a utilização de recurso didático deve ser feita em vista do
quê, quando e a quem ensinar, posto que a intervenção é função do professor e não do
material em si;
vi) as dificuldades de aprendizagens em qualquer área de conhecimento,
especialmente em matemática, se não diagnosticadas como distúrbio patológico, advém
da falta de acompanhamento extra escolar e, principalmente, de intervenção pedagógica
quando se percebe que o aluno não mais atribui sentido e significado ao que está sendo
ensinado;
vii) todo professor deve ser epistemólogo de si próprio, que implica exercer
olhar crítico e questionador sobre sua prática e ter conhecimento da natureza e fins do
conhecimento científico que ensina (LEITE, 2009, p. 181-186).
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Acrescento a estes contributos as seguintes proposições: se quisermos que os
futuros professores assumam esse modo de formar e se formar enquanto professores,
nessa mesma perspectiva eles devem ser formados, percebendo que o conhecimento
matemático e, portanto, seu ensino, só encontra sentido se a matemática ensinada fizer
sentido para quem ensina e para quem esse ensino é dirigido.
Daí se pode prospectar o tipo de formação que os cursos de formação de
professores precisam desenvolver. Devem conceber que o ato de ministrar aulas difere
do ato de ensinar. Ensinar é proporcionar condições para que os alunos construam seu
próprio conhecimento a partir da intervenção do professor. Dar aulas é ficar expondo
conteúdos, induzindo os alunos a repetirem sem nada pensar.
Finalizo esse trabalho deixando em aberto várias possibilidades de
aprofundamento de discussões e interlocuções: sobre o ensino, a aprendizagem,
dificuldades de aprendizagem em matemática, modos de tratar esse conhecimento em
termos de ensino que vise aprendizagem, entre outros aspectos importantes para a
formação de professores de matemática que, por limitação própria, não foram discutido
neste estudo.
Mas, em síntese se pode inferir que não é possível mudar o ensino, sem antes
mudar as mentes que ensinam. Isso implica dizer, que não é possível fazer uma reflexão
sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem. O homem deve ser o
sujeito de sua própria educação (FREIRE, 1979, p. 27). Portanto, ensiná-lo a aprender
autonomamente, é o grande desafio que nos impõem. Sem dúvida, ninguém pode buscar
na exclusividade, individualmente. Esta busca solitária poderia traduzir-se em um ter
mais, que é uma forma de ser menos. Esta busca deve ser feita com outros seres que
também procuram ser mais e em comunhão com outras consciências (p. 29).
Quanto a mim, posso afirmar que muito aprendi no percurso de realização desse
estudo e que empreender esforços no sentido de (re)delinear e por em prática o projeto
de ensino, pesquisa e extensão, anunciado no segundo capítulo deste trabalho de
pesquisa, pois entendo que estes são três aspectos ou fundamentos que definem a
identidade da universidade e dos quais, como professora dessa instituição, não devo
fugir.
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