Tese - Dispensa - Direcionamento - Irregularidade

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Diga-se, de início, que, embora a entidade interessada tenha se incumbido de empreender pesquisa mercadológica a respeito do objeto da contratação (fls 34/53), tendo, também, comprovado a contento o recebimento/execução do objeto contratual mediante termo circunstanciado assinado pelas partes (fls 96, 343, 381, 384, 405), assim como, igualmente, tendo procedido à comprovação da regularidade fiscal da contratada para com as Fazendas Federal, Municipal e Estadual, verifica-se, in casu, que o procedimento licitatório em comento não está – ainda que analisado do ponto de vista meramente formal –de acordo com o disposto na Lei 8.666/93, mormente em relação ao que prevê o seu art. 24, XIII. Assim, a despeito das regularidades procedimentais acima pontuadas, o aspecto crucial da presente matéria reside exatamente no seguinte aspecto: Observa-se, in casu, claramente, a incidência de um fator subjetivo, e não objetivo, para a caracterização da alegada necessidade de dispensa enfatizada ao longo do procedimento em análise, vez que se identifica que a gestora em questão, por desídia, gerou a hipotética situação de urgência na contratação dos serviços, que poderia muito bem ter sido licitado anteriormente ante a reconhecida preexistência da necessidade administrativa. É possível se verificar, ainda, que o primeiro dos Pareceres lavrados pela Procuradoria Jurídica da interessada informou, à fl. 69, acerca da necessidade de dispensa de licitação com base unicamente no teor do art. 24, XIII da Lei 8.666/93. Entretanto, quando instigada por despacho exarado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE/RN) acerca da necessidade de realização de certame em razão da existência de flagrante competitividade (fl. 74), a Procuradoria do IPERN, por meio, agora, do seu segundo Parecer (fl. 77),

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Diga-se, de início, que, embora a entidade interessada tenha se incumbido de empreender pesquisa mercadológica a respeito do objeto da contratação (fls 34/53), tendo, também, comprovado a contento o recebimento/execução do objeto contratual mediante termo circunstanciado assinado pelas partes (fls 96, 343, 381, 384, 405), assim como, igualmente, tendo procedido à comprovação da regularidade fiscal da contratada para com as Fazendas Federal, Municipal e Estadual, verifica-se, in casu, que o procedimento licitatório em comento não está – ainda que analisado do ponto de vista meramente formal –de acordo com o disposto na Lei 8.666/93, mormente em relação ao que prevê o seu art. 24, XIII.

Assim, a despeito das regularidades procedimentais acima pontuadas, o aspecto crucial da presente matéria reside exatamente no seguinte aspecto:

Observa-se, in casu, claramente, a incidência de um fator subjetivo, e não objetivo, para a caracterização da alegada necessidade de dispensa enfatizada ao longo do procedimento em análise, vez que se identifica que a gestora em questão, por desídia, gerou a hipotética situação de urgência na contratação dos serviços, que poderia muito bem ter sido licitado anteriormente ante a reconhecida preexistência da necessidade administrativa.

É possível se verificar, ainda, que o primeiro dos Pareceres lavrados pela Procuradoria Jurídica da interessada informou, à fl. 69, acerca da necessidade de dispensa de licitação com base unicamente no teor do art. 24, XIII da Lei 8.666/93. Entretanto, quando instigada por despacho exarado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE/RN) acerca da necessidade de realização de certame em razão da existência de flagrante competitividade (fl. 74), a Procuradoria do IPERN, por meio, agora, do seu segundo Parecer (fl. 77), inseriu elemento novo, de “urgência”, como forma de justificar/fortalecer a opção pela contratação direta anteriormente embasada no art. 24, XIII da Lei 8.666/93, de modo que se pode perceber, mediante tais documentos, o esforço da contratante em formalizar contrato especificamente com a COPPETEC.

Aliás, em face da mencionada “preexistência da necessidade administrativa”, ressalte-se a obrigação da gestora em questão em observar fielmente os ditames da Constituição Federal e da Lei de Licitações, vez que, certamente, os serviços em comento – pela natureza que ostentam – não teriam o condão de elidir a necessidade de realização do certame licitatório, ainda mais pela via da dispensa.

Além do mais, ressalte-se também a flagrante existência de competitividade na contratação em comento – detectada até mesmo pela própria PGE/RN em seu despacho (fl. 74) –, devidamente comprovada ao longo do procedimento em cotejo mediante simplesmente o interesse difuso externado por outras empresas em relação ao objeto contratual.

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Dito isto, é importe que se tenha sempre em vistas o fato da Constituição Federal ter acolhido a presunção absoluta de que a realização de licitação prévia aos contratos administrativos produz a melhor contratação, porquanto assegura maior vantagem à Administração Pública, vez que mantida a observância de princípios como o da isonomia e impessoalidade.

Contudo, o art. 37, inciso XXI, da CF, limita essa presunção, na medida em que admite a contratação direta sem a realização do certame nas hipóteses ressaltadas na legislação. Por sua vez, o art. 24 da Lei nº 8.666 de 1993, apresenta um rol de hipóteses em que a licitação pode ser dispensada, afigurando-se uma exceção à regra geral da obrigatoriedade de licitar.

Não obstante, avive-se, ainda, que a contratação direta não é sinônimo de contratação informal, de sorte que não pode a Administração contratar quem quiser, sem as devidas formalidades, exigindo-se procedimento de justificação, previsto no art. 26 da Lei nº 8.666 de 1993.

Nesse sentido, Marçal Justen Filho aduz que os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação envolvem um “procedimento especial e simplificado para seleção do contrato mais vantajoso para a Administração Pública. Há uma série ordenada de atos, colimando selecionar a melhor proposta e o contratante mais adequado”. A propósito, existem diversos acórdãos do TCU, dentre os quais se destaca:

REPRESENTAÇÃO. CONTRATAÇÃO DIRETA IRREGULAR. INSTRUÇÃO DE PROCESSO DE DISPENSA, INEXIGIBILIDADE E RETARDAMENTO. PROCEDIMENTO DE PESQUISA DE PREÇO. MULTA. DETERMINAÇÕES.Deve ser observada a necessidade de instruir o processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento com a razão da escolha do fornecedor, a justificativa de preço e o documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados, atentando-se ainda para o cumprimento do princípio da motivação dos atos administrativos. (Acórdão n. 127/2007 – TCU – 2ª Câmara)

Nesse contexto, é correto anotar que todo processo de dispensa e de inexigibilidade de licitação deve ser instruído com a caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; razão da escolha do fornecedor ou executante; justificativa do preço; e o documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens são alocados.

A contratação direta, sem a presença dos requisitos acima mencionados, e sem a devida justificação, contraria o ordenamento, e poderá caracterizar crime definido no art. 89 da Lei 8.666/93.

Com efeito, levando-se em conta os requisitos acima delineados, e volvendo-se novamente à realidade que se pode extrair dos autos, podemos verificar facilmente que não restou satisfatoriamente caracterizada a alegada “inquestionável

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reputação ético-profissional” suscitada pela Presidente do IPERN à fl. 78 em relação à contratada, que pudesse, portanto, legitimar a contratação direta informada no processo, até mesmo porque existe presunção nos autos acerca, também, da idoneidade, capacidade e reputação ético-profissional ostentada pelas demais empresas que tiveram a oportunidade, ainda que informalmente, de apresentar suas propostas à interessada (fls. 43/53).

Além do mais, cotejando os autos, denotamos também que a entidade interessada, sempre sob a batuta da gestora Sandra Maria Garcia de Oliveira, se negligenciou em alargar o espectro de empresas interessadas, ouvindo, portanto, potenciais propostas ofertadas por outras firmas atuantes no segmento da contratada, que pudessem contribuir para uma contratação menos onerosa e mais efetiva para os cofres públicos.

Diante destes fatores, é importante ressaltar que a discricionariedade do administrador não pode ser usada para a inclusão de “procedimentos” ou “rotinas administrativas” que sejam aptas à restrição do espectro de potenciais contratantes e, conseqüentemente, da competitividade que deve existir no transcorrer do certame licitatório. Por isso mesmo, o modus operandi utilizado pela licitante – chancelado por sua Presidente – se mostra, do modo em que apresentado, totalmente injustificado, vez que contribuiu decisivamente para o total direcionamento do certame, que culminou na contratação da COPPETEC.

Tal conduta, por certo, configura irregularidade que deverá ser prontamente repelida por esta Corte de Contas.

Portanto, ao invés de gerar uma economia aos cofres públicos, a conduta patrocinada pela gestora do IPERN pode, até mesmo, ter causado prejuízo financeiro ao erário do Estado, em razão das decisões que foram tomadas em prol da dispensa licitatória. A postura em foco – mormente em relação ao indício de “direcionamento” da licitação – deve ser enquadrada como ato de improbidade administrativa, consoante previsão do art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:(...)VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; 

Nesse sentido, seria interessante alertar aos nossos jurisdicionados que, quando da realização de licitações, revisem suas práticas (a praxe administrativa), atentando para aquilo que preconiza a Lei 8.666/93 e a CF/88, sob pena de atuarem em descompasso com o ordenamento jurídico vigente e serem responsabilizados, recaindo até mesmo nas previsões descritas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).

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Portanto, vale reiterar que, ainda que a instituição contratada possuísse os requisitos exigidos pela Lei de Licitações para a contratação direta, a gestora pública haveria de proceder sempre com cautela e diligência, a fim de melhor otimizar a aplicação dos recursos públicos.

Entender de forma diversa seria abrir precedente permissivo para que a instituição contratada atue no mercado de prestação de serviços gozando do privilégio de não se submeter à realização de licitação prévia aos contratos administrativos, isto é, livre da concorrência com outros prestadores de serviço, cuja capacitação seja similar.

Este vem sendo, inclusive, o entendimento desta Diretoria de Administração Indireta, reiterado por esta Egrégia Corte, que fulmina com veemência qualquer hipótese de favorecimento e direcionamento contratual, dos quais, na frieza dos fatos, muitos representam verdadeira burla à exigência e à regularidade formal prevista para a licitação.

Esta prática de contratar, com suposto amparo na dispensa de licitação, ou por arremedos de procedimentos licitatórios, prestadores de serviços os mais diversos, é conduta que, por mais intolerável que seja, vem ocorrendo com certa frequência Brasil adentro e, como não poderia deixar de ser, também nos rincões do estado do Rio Grande do Norte.

Por outro lado, este Tribunal de Contas, avesso a tais comportamentos e sempre vigilante na guarida dos bens públicos postos sob seu crivo, vem cumprindo seu mister, penalizando os responsáveis e suscitando o ressarcimento aos cofres públicos dos valores indevidamente pagos.

Por fim, causa estranheza também o fato da contratada ter autorizado, sem qualquer justificativa plausível, a renovação do contrato em questão 12 (doze) meses após a sua assinatura inaugural, fato que vai totalmente de encontro à própria tese sustentada pela Presidência da interessada à fl. 78, de que, em relação à celebração do contrato de origem, existia “um elemento a mais de urgência para efetuar a imediata contratação”.

Certamente, ao invés de ter procedido com a renovação do contrato em tela – que restou formalizado, já em sua origem, irregularmente – deveria a gestora em questão ter empreendido esforços em prol da realização do certame licitatório, em consonância, agora, com as novas regras governamentais1 mencionadas ao longo do seu parecer.

Assim, por qualquer dos lados que se enxergue a motivação exarada pela gestora em questão em relação aos fundamentos eleitos para a dispensa licitatória, veremos que a mesma carece de qualquer subsistência ou veracidade, vez que possui inúmeras incongruências materiais e contradições factuais.

Portanto, salvo melhor juízo, não parece que a situação em apreço – mesmo diante dos documentos já colacionados ao processo – se subsuma à hipótese que autoriza a

1 Portaria n. 083/2009, do Ministério da Previdência Social.

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contratação de instituição nos moldes acima delineados, motivo pelo qual sugere-se pela decretação da irregularidade da matéria.