Tese Doutorado corrigida

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA TELMA ELITA JULIANO VALENTE CINEMA E MAGIA: EFEITOS ESPECIAIS – DE MÉLIÈS A FANTASIA 2000 SÃO PAULO 2005

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

TELMA ELITA JULIANO VALENTE

CINEMA E MAGIA: EFEITOS ESPECIAIS – DE MÉLIÈS A FANTASIA 2000

SÃO PAULO 2005

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TELMA ELITA JULIANO VALENTE

CINEMA E MAGIA: EFEITOS ESPECIAIS – DE MÉLIÈS A FANTASIA 2000

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Comunicação e Semiótica: Processos de criação nas mídias, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Giselle Beiguelman

SÃO PAULO 2005

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TELMA ELITA JULIANO VALENTE

CINEMA E MAGIA: EFEITOS ESPECIAIS – DE MÉLIÈS A FANTASIA 2000 Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Comunicação e Semiótica: Processos de criação nas mídias, sob orientação da Profª. Drª Giselle Beiguelman.

COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________

___________________________

___________________________

___________________________

___________________________

São Paulo, 12 de maio de 2005

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Para Lívia: Que nasceu e cresceu junto com esta tese

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Agradecimentos

A orientadora Giselle Beiguelman, pela interlocução. A Eduardo Beu, pelo acesso a material audiovisual raro.

A Filipe Salles, por ter disponibilizado documento videográfico. A Show Vídeo de Vitória-ES, pelas consultas aos catálogos e ao acervo videográfico.

A Gilson Sarmento, pela interlocução e incentivo. A Gorete Dadalto, pelo apoio e estímulo.

A minha famíla, por me amar incondicionalmente. Ao meu marido Fábio, pelo amor, compreensão e paciência para suportar minhas ausências.

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RESUMO

O presente trabalho aborda três instâncias da evolução do cinema, a saber, o cinema dos

primórdios, o cinema de animação e o cinema comercial contemporâneo, tendo como foco de

observação o uso dos efeitos especiais. O objetivo central deste estudo é examinar de que

forma a utilização de efeitos especiais promove uma articulação entre esses três momentos da

história do cinema. Para essa investigação estabelecemos um corpus de quatro filmes,

Viagem à Lua, Georges Méliès (1902), Matrix, The Wachowski Brothers (1999), Fantasia,

Ben Shapsteen (1940) e Fantasia 2000, James Algar/Gaetan Brizzi (2000), os dois primeiros

representando filmes de ficção científica e os dois últimos, filmes de animação. Esse trabalho

privilegia, ainda, os momentos de montagem e edição desses filmes para um exame mais

aprofundado. Dessa maneira, a comparação entre os dois exemplares de cada gênero

cinematográfico permite observar que os efeitos especiais oferecem uma linha de

continuidade regular entre o alvorecer do cinema e o cinema dos dias de hoje. Feita essa

observação, essa pesquisa avança para um estudo comparado entre o cinema dos primórdios e

o cinema comercial da contemporaneidade, a partir do hibridismo na feitura dos filmes, a

espetacularização neles presente e a verossimilhança percebida na impressão de realidade

provocada por ambos os gêneros de filme. Numa outra direção, fica claro que a inserção de

suportes informáticos no cinema de animação marca uma distinção entre um momento de

produção artesanal e outro já sintonizado com a tecnologia computacional; tal percepção

orienta esse trabalho para um estudo comparado entre o cinema de animação tradicional e o

cinema de animação digital, concluindo que o surgimento de novas tecnologias acabou por

ensejar ao cinema de animação, dito artesanal, a oportunidade de uma parceria expressiva e

altamente profícua com essas tecnologias.

Palavras-chaves: Efeitos Especiais, Animação, Indústria do Entretenimento, Cultura de Massas

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ABSTRACT

The present work examines three moments of the evolution of cinema, the first developments,

animation, and the contemporary comercial cinema. The focus of the proposed critical

examination is supplied by the use cinema made of special effects. The main objective of this

study is to examine if and how the use of special effects acts as a unifying element among

these three moments of cinema history. Four films compose the corpus of this study: Voyage

to the Moon, by George Méliès (1902), Matrix, by the Wachowski Brothers (1999),

Fantasia, by Ben Shapsteen (1940) and Fantasia 2000, by James Algar and Gaetan Brizzi

(2000). The first two major representatives of science fiction films, and the last two

representative of animation films. The analysis of all four films focuses mainly on the editing

stages. The comparison of the two films of each the genre separately facilitates the perception

that special effects have, indeed, provided an historical continuum between the rise of cinema

and contemporary cinema. Once this is established, the author presents a comparative study

between early cinema and the commercial cinema of today using as parameters the

hybridization of techniques in movie-making, spectacle and verisimilitude. Examining further

venues, this work shows that the use of digital techniques by animation films establishes

distinctive frontier between artisan production and that of computer animation. This

perception, then, orients this work toward a comparative study between tradicional animation

films and digital animation films, concluding that new technologies have, in fact, provided the

so-called artisan animation films with venues of partnership with digital technology that are

highly creative and profitable.

Key words: special effects, film animation, entertainment industry, mass culture

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LISTA DE FIGURAS

Figura 2.1 - Viagem à Lua – Reunião....................................................................... 45

Figura 2.2 - Viagem à Lua – Prof. Barbenfouillis ................................................... 45

Figura 2.3 - Viagem à Lua – Confecção .................................................................. 46

Figura 2.4 - Viagem à Lua - Astrônomos ................................................................ 46

Figura 2.5 - Viagem à Lua – Projétil ....................................................................... 46

Figura 2.6 - Viagem à Lua – Entrada ...................................................................... 46

Figura 2.7 - Viagem à Lua – Assistentes ................................................................ 46

Figura 2.8 - Viagem à Lua – Canhão ....................................................................... 46

Figura 2.9 - Viagem à Lua – Arremesso .................................................................. 47

Figura 2.10 - Viagem à Lua – Alvo ........................................................................... 47

Figura 2.11 - Viagem à Lua – Lua ............................................................................. 47

Figura 2.12 - Viagem à Lua – Chegada ..................................................................... 47

Figura 2.13 - Viagem à Lua - Horizonte .................................................................... 47

Figura 2.14 - Viagem à Lua – Sono ........................................................................... 47

Figura 2.15 - Viagem à Lua – Sonho ......................................................................... 48

Figura 2.16 - Viagem à Lua – Estrelas ...................................................................... 48

Figura 2.17 - Viagem à Lua – Tempestade ................................................................ 48

Figura 2.18 - Viagem à Lua – Abrigo ........................................................................ 48

Figura 2.19 - Viagem à Lua – Cratera ....................................................................... 48

Figura 2.20 - Viagem à Lua – Explosão... ................................................................. 48

Figura 2.21 - Viagem à Lua – Criaturas .................................................................... 49

Figura 2.22 - Viagem à Lua – Captura.. .................................................................... 49

Figura 2.23 - Viagem à Lua – Rei ............................................................................. 49

Figura 2.24 - Viagem à Lua – Desintegração ............................................................ 49

Figura 2.25 - Viagem à Lua – Confusão .................................................................... 49

Figura 2.26 - Viagem à Lua – Fuga ........................................................................... 49

Figura 2.27 - Viagem à Lua – Luta ............................................................................ 50

Figura 2.28 - Viagem à Lua – Âncora ....................................................................... 50

Figura 2.29 - Viagem à Lua – Penhasco .................................................................... 50

Figura 2.30 - Viagem à Lua – Oceano ....................................................................... 50

Figura 2.31 - Viagem à Lua - Terra ........................................................................... 50

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LISTA DE TABELAS

Tabela 2.1 - Obras de Méliès .................................................................................... 36

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SUMÁRIO

1 Introdução ...................................................................................................... 11

PARTE I ......................................................................................................... 13

2 O Cinema dos Primórdios ............................................................................. 14

2.1 Apresentação .................................................................................................... 16

2.2 Percurso Inicial................................................................................................. 18

2.3 Pequena História das imagens animadas.......................................................... 20

2.4 O cinematógrafo Lumière................................................................................. 26

2.5 George Mélies................................................................................................... 29

2.6 A carreira cinematográfica de Mélies............................................................... 31

2.7 Principais obras................................................................................................. 33

2.8 Considerações especiais................................................................................... 37

2.9 A estética de Méliès.......................................................................................... 40

2.10 Um blockbuster dos primórdios: Viagem à Lua .............................................. 43

2.11 Contribuições de Méliès ao cinema do século XX........................................... 51

3 O Cinema Comercial da Contemporaneidade ............................................ 54

3.1 Apresentação..................................................................................................... 56

3.2 De volta para o futuro....................................................................................... 57

3.3 Luz, câmara, ação............................................................................................. 58

3.4 Stand by............................................................................................................ 59

3.5 Efeitos especiais ou trucagens.......................................................................... 60

3.6 Efeitos especiais: por uma exemplificação....................................................... 69

3.7 Enter the Matrix............................................................................................... 75

3.8 “A Colher não existe” ...................................................................................... 77

3.9 The bullet time.................................................................................................. 81

4 Estudo Comparado: Cinema dos Primórdios e Cinema da

Contemporaneidade ...................................................................................... 85

4.1 Apresentação......................................................... 87

4.2 Do Hibridismo no cinema................................................................. 88

4.3 Da Espetacularização ................................................................................... 98

4.4 Da Verossimilhança ........................................................................................ 105

PARTE II ........................................................................................................ 111

5 Cinema de Animação ..................................................................................... 112

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5.1 Apresentação..................................................................................................... 113

5.2 Considerações iniciais ..................................................................................... 115

5.3 Os pioneiros...................................................................................................... 117

5.4 Breve panorama do cinema de animação no mundo........................................ 118

5.5 O cinema de animação americano: uma retrospectiva..................................... 120

5.6 Os grandes estúdios ......................................................................................... 121

5.7 A UPA (United Production of America) ......................................................... 122

5.8 A entrada da computação gráfica .................................................................... 123

5.9 O império Disney.............................................................................................. 123

5.10 Fantasia 1940.................................................................................................... 125

5.11 Fantasia 2000.................................................................................................... 130

5.12 Considerações finais......................................................................................... 142

6 Conclusão ........................................................................................................ 144

Referências ..................................................................................................... 146

Bibliografia ..................................................................................................... 150

Sites Consultados............................................................................................ 155

Filmografia Consultada.................................................................................. 157

A Anexo A – Tipologia dos Efeitos Especiais .................................................. 161

B Anexo B – Uma linha do tempo das produções Disney .............................. 165

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1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa aborda três instâncias temporais da evolução do cinema, a saber, o

cinema dos primórdios, o cinema de animação e o cinema comercial da contemporaneidade.

Nesses três momentos da expressão fílmica interessa-nos o denominador comum presente na

realização de seus filmes: os efeitos especiais. Pensar de que forma a utilização de efeitos

especiais promove uma articulação entre esses três períodos da história do cinema constitui-se

na questão central desse estudo.

Para delimitarmos nosso campo de trabalho estabelecemos um corpus de quatro filmes

representantes dos momentos citados acima. São eles:

- Viagem à Lua (Georges Méliès, 1902);

- Fantasia (Bem Sharpsteen, 1940);

- Matrix (The Wachowski Brothers, 1999);

- Fantasia 2000 (James Algar/Gaetan Brizzi, 2000)

Nessa seleção encontram-se os filmes que incorporaram de forma mais inovadora a

utilização de efeitos especiais, de acordo com as especificidades de cada gênero e com o

contexto histórico-cultural no qual estão contidos.

Enquadram-se aí, principalmente, as produções da indústria hollywoodiana, seja essa

voltada para o cinema convencional ou de animação. Observa-se que foram confrontadas

produções pertencentes ao mesmo gênero. É o caso do primeiro e do terceiro filmes, trabalhos

de ficção científica, do segundo e último, filmes de animação.

Recortou-se, em meio às etapas da realização cinematográfica, o momento de pós-

produção (montagem/edição) como porção privilegiada por essa pesquisa. Os filmes serão

considerados numa perspectiva de um momento antes da tecnologia digital e depois da

disseminação dessa prática.

Num primeiro olhar para os períodos escolhidos percebemos que o emprego de efeitos

especiais traça uma linha de aproximação entre o alvorecer do cinema e o praticado nos dias

de hoje. Uma análise mais atenta permitiu-nos construir identidades entre esses dois

momentos. Dentre os aspectos que pontuam uma relação de semelhança entre o cinema dos

primórdios e o cinema comercial da contemporaneidade estão:

- hibridismo: presente na feitura dos filmes;

- espetacularização: constatada no produto-filme;

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- verossimilhança: observada na impressão de realidade de ambos;

Numa outra direção, ao nos debruçarmos sobre o cinema de animação, notamos que o

uso de efeitos especiais inaugura uma via de investigação inerente ao próprio período. Ou

seja, descobrimos que existe um “divisor de águas” no desenvolvimento do cinema de

animação. Referimo-nos à inserção de suportes informáticos. Essa marca uma distinção entre

um momento de realização artesanal e outro já sintonizado com a tecnologia computacional.

Dessa forma, a apresentação do cinema de animação tradicional em comparação com o

cinema de animação digital sustentará o estudo dessa parte do trabalho.

Pelo exposto até o momento, nota-se que nossa pesquisa contemplará dois estudos

comparativos, ou seja, investigaremos o cinema dos primórdios em consonância com o

cinema comercial da contemporaneidade, bem como o cinema de animação de realização

artesanal em diálogo com o que assimilou tecnologia digital caracterizando, assim, um

trabalho estruturado em duas partes. Na parte I teremos o desenvolvimento do primeiro estudo

comparado mencionado acima, já na parte II abordaremos o cinema de animação. Dessa

forma, seguiremos uma ordem temporal flexível.

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PARTE I

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O CINEMA DOS PRIMÓRDIOS

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Se as histórias do cinema são todas arbitrárias, podemos obviamente contar histórias, de modo a tentar resgatar experiências que foram marginalizadas e traçar uma linha de evolução que permita rever o cinema sob outros ângulos.

(MACHADO, 1997, p. 153)

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2.1 - APRESENTAÇÃO

Trata-se da parte do trabalho de pesquisa que abordará os primórdios do cinema por

meio da obra de Georges Méliès. Os efeitos especiais observados no trabalho desse cineasta

constituem-se na espinha dorsal deste estudo. Entenda-se por isso uma análise dos vários

procedimentos técnicos adotados por esse realizador desde as primeiras utilizações de algum

aparato tecnológico. Dessa forma, recorta-se, em meio às etapas da realização

cinematográfica, o momento de pós-produção (montagem) como porção privilegiada por esta

pesquisa.

O ponto máximo desta etapa do trabalho será a análise do filme Viagem à Lua (1902),

obra-referência deste autor. A partir daí, iniciaremos nossa construção das semelhanças entre

o cinema dos primórdios com o cinema comercial da contemporaneidade, questão que será

desenvolvida posteriormente.

Iniciamos esse capítulo com a contextualização do período escolhido para estudo, o

final do século XIX, apresentando os fatos mais marcantes daquele momento histórico, do

ponto de vista político-econômico e principalmente científico-cultural. Apresentamos, em

linhas gerais, os princípios que nortearam essa que foi a última época na civilização ocidental

a acreditar no que estava por vir, a ter confiança no futuro. Traçamos, ainda, uma linha tênue

entre a sociedade do século XIX e a do século XX.

Como pressuposto teórico inicial, trabalhamos o conceito de arte e técnica, que logo se

desdobrou em magia e ciência. Essa dicotomia esteve presente durante todo o século XIX e

foi um fator determinante para este estudo.

Apresentamos uma breve história das imagens animadas, por meio de um resumo dos

principais inventos que foram desenvolvidos desde o século XVII, com destaque para a

lanterna mágica, até a criação do cinematógrafo. Em meio a essa retrospectiva, enfocamos o

par ilusão/realidade, que marcaria definitivamente a história do cinema.

Falamos sucintamente da contribuição dada pelos irmãos Lumières, por serem

apontados pela historiografia tradicional como o contraponto ao trabalho desenvolvido pelo

cineasta Georges Méliès. Detivemo-nos, principalmente, no aspecto documental/realista

privilegiado pelos Lumières, já que esse seria o ponto transgredido por Méliès.

O estudo feito sobre Georges Méliès considerou dados biográficos do cineasta,

enfatizando sua vocação para a magia, sua descoberta do cinema, com a apresentação de suas

principais obras, bem como a revelação de alguns de seus truques mais famosos.

Por fim, concentramos nossa investigação sobre a obra de Méliès nos itens:

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- estética;

- um blockbuster dos primórdios;

- contribuições de Méliès ao cinema comercial da contemporaneidade.

No desenvolvimento desses pontos, aproveitamos para introduzir algumas questões

que serão tratadas posteriormente, mas que têm o seu aporte teórico nesta parte da pesquisa.

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2.2 - PERCURSO INICIAL

São Paulo (2002). Renoir. Rodin. Cézanne. Toulousse-Lautrec. Por onde quer que se

ande, esbarra-se em telas, esculturas, gravuras, objetos ornamentais. São fotografias épicas,

adereços, peças decorativas...São uma pequena mostra, de fato, uma mostra de 175 obras

cuidadosamente selecionadas. Na verdade, trata-se de um resgate de uma atmosfera de

euforia, de alegria, de loucura, de efervescência; de decadência e de luxo ao mesmo tempo.

Foram anos tão celebrados, tão decantados que deixaram na boca o gosto agridoce da

nostalgia.

Dobra-se uma esquina e lá estão as porcelanas de Henri Berge e Emile Gallé,

fundadores da Escola de Nancy e criadores do estilo art noveau. Mais à frente, depara-se com

as máscaras e vasos de Jean Joseph Carriès, ou com as pratarias de Gustave Keller, com os

cristais de René Lalique. Há também Tiffany, Van der Velde, além da coleção do célebre

marchand Ambroise Vollard.

Na pior das hipóteses, podem-se apreciar as imagens de Sarah Bernhardt, artista da

Comèdie Française, nas obras de Toulousse-Lautrec e Georges Clairin. Enfim, o gosto pelo

conforto, o prazer da beleza e a exatidão dos sentidos, que pautaram as atitudes de uma

burguesia próspera e florescente, que se achava no auge de seu poder e riqueza, foram

recuperados pelo curador Gilles Chazal.

Quem visitou a exposição Paris 1900 no Masp, de agosto a outubro de 2002, pôde ver

obras preciosas do acervo do Petit Palais, que viajavam pela primeira vez para a América

Latina. Em meio às várias telas, também pôde vislumbrar o Grand Palais, prédio de estilo

neoclássico, que foi erguido para abrigar a Exposição Universal de 1900, além da torre Eiffel,

levantada pouco antes da famosa exposição, que desponta nesse cenário.

Esse recorte do fim do século XIX apresenta uma Paris que já era uma magnífica

cidade reurbanizada pelo barão Haussmann, prefeito eleito por Napoleão III. Seus moradores

divertiam-se com a chegada da luz elétrica, do automóvel, do telefone e de outras conquistas

da vida moderna. No entanto, essa rigorosa seleção das representações artístico-culturais do

final do século XIX não menciona um invento que provocou profundas mudanças na

percepção do homem, no apagar das luzes do século XIX.1

Paris (1880-1914). Na Belle Époque, as coisas andavam na velocidade do trem a

vapor. E isso era muito para a época. Cafés. Teatros. Ruas enfeitadas de gente. O clima

daqueles dias pairava no ar. Este, um pouco “poluído” com resíduos do Iluminismo do século

1 Disponível em: < http://www.veja.abril.com.br/vejasp/070802/exposição.html >. Acesso em maio 2003

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XVIII, que passavam a se mesclar com as primeiras partículas do Modernismo. Uma

combinação inusitada. Razão, objetividade, ciência, progresso de um lado; surgindo num

canto, emoção, subjetividade, magia. Em meio a essas dicotomias, a sociedade chacoalhada

nos seus princípios, valores e ideais.

Uma verdadeira revolução estava em curso. No entanto, tamanha rapidez com que o

mundo rodava não era plenamente sentida pelos indivíduos da época. As pessoas estavam um

tanto quanto aturdidas com tantas mudanças. Afinal, o homem agora podia voar, viajar nas

profundezas dos oceanos, andar sobre as rodas do automóvel. O progresso, o olhar para o

futuro, a ansiedade provocada por um novo século que se aproximava surtiram um efeito

paralisante nessa sociedade, um verdadeiro choque no saber e na sensibilidade do homem

ainda mal adaptado ao ritmo e às novas condições da vida moderna.2

Mas não é isso mesmo que acontece quando viajamos de trem? A impressão que

temos é que não estamos nos movendo, o mundo à nossa volta é que está. Não é essa a

sensação que temos hoje, ao viajar de avião? Tal qual o homem do século XIX, estaríamos

igualmente presos à altíssima velocidade com que o mundo ao nosso redor se modifica, num

misto de deslumbrados e aterrorizados? Haveria um ponto de aproximação entre a sociedade

do final do século XIX e a do começo do século XXI?

No decorrer do século XIX, a paisagem do lado de fora da janela do trem mudou

diversas vezes. Houve guerras para consolidar o imperialismo colonial, disputa entre a

burguesia industrial e as instâncias emergentes do proletariado, eventos de relevo político-

social etc.

Mas o recorte que nos interessa é o dos progressos científico-tecnológicos e culturais.

Estamos nos referindo à criação do cinematógrafo Lumière (1895), dos raios Roentgen

(1895), do radium (1898), do telégrafo sem fio (1899), da teoria dos quanta de Max Planck

(1900), da publicação de A Interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud (1900), entre

outros (COSTA, 1989, p. 46).

Todos esses inventos evidenciam a evolução técnica vivida pela sociedade do século

XIX. No entanto, o termo “técnica” está sendo empregado aqui na acepção dada pelos gregos

à palavra téchne, de onde deriva o termo tecnologia. Eles referiam-se a toda e qualquer prática

produtiva abrangendo, inclusive à produção artística. Os gregos não faziam qualquer distinção

entre arte e técnica. Esse pressuposto atravessou boa parte da história da cultura ocidental até

pelo menos o Renascimento (DUFRENNE, 1980, p. 165 apud, MACHADO, 1996, p. 24). O

2 Disponível em: < http://www.veja.abril.com.br/vejasp/070802/exposição.html >. Acesso em maio 2003

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divórcio do par arte e técnica nasce com o Romantismo (segunda metade do século XIX).

Este qualifica a técnica como mecânica e objetiva, estando em geral a serviço do poder;

enquanto a arte diz respeito à vida interior, à subjetividade do homem (MUNFORD, 1952,

apud, MACHADO, 1996, p. 27).

Apesar de a separação entre arte e técnica estar em curso, num período de transição,

não é de espantar a convivência entre instâncias aparentemente contraditórias. Especialmente

se considerarmos um momento histórico tão complexo como o que fez a passagem do final do

século XIX para o início do século XX. Na verdade, a dupla arte/técnica é o pano de fundo de

um outro casamento em crise, ou seja, do conflito entre magia e ciência. Esta foi

particularmente marcada por situações que, paulatinamente, trouxeram à tona o conflito

mencionado anteriormente.

As investigações de cunho científico do século XIX muitas vezes acabavam por

revelar um componente que contrariava todas as orientações dadas pelo método rigoroso da

ciência. Isso pode ser verificado, principalmente, nos estudos feitos sobre a produção do

movimento, que redundaram em análises sobre a composição da imagem. Muitos estudiosos,

perseguindo a idéia da investigação do movimento, acabaram por descobrir os fundamentos

da criação das imagens animadas.

Foi um longo processo que resultou na criação do cinematógrafo. De todas as

descobertas que marcaram o século XIX, a que melhor encarnou o conflito entre arte e

técnica, ou melhor, da magia com a ciência, foi esse ancestral que conhecemos hoje por

cinema - criação que modificou profundamente o modo de percepção do mundo das gerações

posteriores (FURTADO, 1999, p. 130).

2.3 - PEQUENA HISTÓRIA DAS IMAGENS ANIMADAS

A fim de conhecermos um pouco dessa história, teremos, inicialmente, que retroceder

até o século XV (isso para não voltarmos muito no tempo), pois muito antes do século XIX,

as imagens animadas já povoavam o imaginário das pessoas, cientistas ou não. Veremos que

Leonardo Da Vinci (1452-1519) criou seu princípio da câmara escura, enunciado no Codex

Atlanticus, já contendo referências ao relevo e à cor. No século XVI, o físico italiano

Giambattista Della Porta (1535-1615), com base no enunciado de Da Vinci, construiu a

câmara escura (BILHARINHO, 1996, p. 55).

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Já o jesuíta alemão Athanasius Kirscher (1601-1680), no século XVII, inventou a

lanterna mágica, placa de vidro pintada, que deriva e é uma inversão da câmera escura.

Enquanto na câmara as imagens eram projetadas de dentro para fora, na lanterna o eram de

fora para dentro (BILHARINHO, 1996, p. 55). A lanterna mágica foi, antes de tudo, uma

diversão caseira. Mas a criação de fontes de luz artificiais poderosas a levaram aos palcos,

onde – associada a espelhos e vidros móveis – se descobriu o alcance pedagógico da imagem

projetada (TOULET, 1988, p. 54). Esse invento proporcionou momentos de lazer e medo ao

mesmo tempo em seus espectadores. A aparição “miraculosa” de imagens em movimento

provocava sensações de todas as ordens. Ao fascínio daquela projeção fantástica somava-se o

temor do desconhecido, ou daquilo que a mente dos leigos não sabia explicar (GUNNING,

1996, p. 28). A lanterna mágica influenciaria fortemente os outros aparelhos que se ocuparam

com a produção da imagem em movimento. Entre eles, estaria o cinematógrafo, precursor do

cinema.

O físico belga Robertson, no século XVIII, valendo-se da câmara escura de Della

Porta e da lanterna mágica de Kirscher, criou o fantascópio e com isso os espetáculos de

fantasmagoria (BILHARINHO, 1996, p. 55). O propósito de Robertson era científico, mas era

inevitável, nas apresentações feitas do invento, as reações de espanto diante dos espectros de

luz.

Nota-se, em meio a essas experiências, que não é apenas a ciência que comparece, mas

também algo que é da ordem do lúdico, do imaginário, do reino da magia. No ensaio Pequena

história da fotografia (1931), Walter Benjamin afirma que a diferença entre a técnica e a

magia é uma variável totalmente histórica (BENJAMIN, 1985, p. 95).

Tom Gunning (1996, p. 27), em seu trabalho sobre cinema e história, confirma essa

miscigenação da magia com a ciência. Ele esclarece:

Esta extraordinária confluência de uma antiga tradição de mágica imagística e de um nascente iluminismo científico oscila entre um desejo de produzir maravilhas taumatúrgicas e um interesse igualmente recente em dissolver a mistificação supersticiosa de charlatães através das demonstrações da ciência. Apesar de o Iluminismo ter contribuído com um propósito científico e um método para estes experimentos, é muitas vezes difícil separar um senso de maravilha ingênuo de uma admiração culta pelas demonstrações das leis da natureza. A lanterna mágica (assim como os instrumentos óticos primitivos que preocupavam os estudiosos do século XVII, tais como o espelho catrópico e a câmera escura) deriva da tradição da Mágica natural, uma intersecção entre antigas tradições ocultas e o novo espírito da Renascença recente e do Iluminismo nascente.

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Gunning (1996, p. 29) é ainda mais explícito quando afirma:

Os fornecedores de ilusões mágicas aprenderam que atribuir seus truques a processos científicos explicáveis não os fazia menos impressionantes, pois a ilusão visual ainda se punha diante do espectador, por mais desmistificada que fosse pelo conhecimento racional.

No século XIX, podem ser encontrados os inventos que continham um grau maior de

sofisticação com relação à produção de imagens animadas. É elevado o número de

instrumentos produzidos no período. Apresentamos abaixo alguns casos, em diversos países,

que merecem destaque devido à contribuição dada. São eles:

1. Taumatrópio

É um simples disco de papelão contendo na face e no verso dois desenhos, que se

superpõem aos nossos olhos quando os fazemos girar rapidamente. Trata-se de uma

sobreimpressão que obedecia a certa lógica e cujos assuntos eram simples. Foi criado por

Fitton e Doutor Paris em 1825 (SADOUL, 1946, p. 9 e 15).

2. Fenacistocópio ou Fenaquisticópio

Criado pelo belga Joseph Plateau (1801-1883), a palavra é formada do grego phenax-

akos, enganador, e skopein, examinar. Ele é constituído de dois discos de papelão. Num deles,

estão desenhadas as diferentes fases de um mesmo movimento. O outro tem fendas, que são

feitas de maneira tão regular quanto as imagens. Fazendo girar os dois discos, tem-se a

impressão de ver o movimento acontecer e repetir-se (FOIRET, 1995, p. 27).

Plateau foi um dos primeiros cientistas a estudar a persistência retiniana da imagem.

Consiste no processo de formação de imagens, que acontece no fundo de nosso olho sobre

uma camada sensível chamada retina. Ela envia a “mensagem visual” ao nosso cérebro, por

intermédio do nervo óptico. A retina segrega uma substância, a “púrpura retiniana”, a qual é

como “decomposta” pela luz, mas se regenera num intervalo de tempo de 1/12 de segundo.

Nessas condições, se olharmos imagens que desfilam a um ritmo superior a esse intervalo,

teremos a impressão de que elas se sucedem ininterruptamente. Isso explica, por exemplo, por

que, ao olharmos um objeto iluminado e depois fecharmos nossos olhos, durante uma fração

de segundos, continuamos a “enxergar” o objeto (FOIRET, 1995, p. 28).

Page 24: Tese Doutorado corrigida

23

3. Estroboscópio

O austríaco Simon Von Stampfer (1792-1864) criou um método semelhante ao

aparelho de Plateau. Esse aparelho projeta um raio luminoso do mesmo modo que a lâmpada,

mas a luz é escondida por um disco - o obturador – o qual passa girando diante da objetiva em

intervalos fixos. Permite “ver” em estado fixo um movimento demasiadamente rápido para ser

percebido a olho nu (FOIRET, 1995, p. 29).

4. Zootrópico

O britânico Willliam George Horner (1786-1837) construiu esse invento a partir do

fenaquisticópio, mas já apresentando certos avanços. Era uma espécie de cilindro que girava

em torno de um eixo vertical. Na parte superior do cilindro, foram abertas fendas

eqüidistantes e os desenhos eram agrupados em uma fita colocada na parte inferior, ficando

cada desenho em correspondência com o intervalo de duas fendas consecutivas. 3

5. Câmeras

Edwards Muybridge (1830-1904), inglês emigrado para os Estados Unidos, fotógrafo

de renome, iniciou, em 1872, seus estudos sobre a locomoção animal fotografando cavalos.

Usando a mesma técnica, estudou outros animais alinhando 12 depois 24 e 40 aparelhos

fotográficos munidos de obturadores eletromagnéticos. Projetando esses instantâneos, ele

reconstituiu o movimento. Em seguida, Muybridge dedicou-se à análise dos movimentos do

corpo humano (TOULET, 1988, p. 31).

6. Revólver Astronômico

O francês P.J. Janssen construiu esse revólver fotografando, praticamente sem solução

de continuidade, um eclipse do Sol (BILHARINHO, 1996, p. 56).

7. Fuzil Fotográfico

Étienne Jules Marey (1830-1904), célebre fisiologista francês, estudou o movimento

dos animais, o que o levou a interessar-se pela fotografia. Inventou a cronofotografia, ou

seja, diversas tomadas de um mesmo movimento, de acordo com um tempo rigorosamente

preciso. Para captar o vôo dos pássaros, criou, em 1882, um fuzil fotográfico com o qual

obteve doze imagens numa placa circular.

Aperfeiçoou seu sistema construindo um chronophotographe de película. Diante de

um fundo negro, fez passar homens de branco fotografando-os, depois homens vestidos de

preto com linhas brancas, obtendo, assim, uma tradução gráfica da composição do

3 Disponível em: < http://www.eba.ufmg.br/midiarte/quadroaquadro >. Acesso em out. 2002

Page 25: Tese Doutorado corrigida

24

movimento. Ao contrário de Muybridge, Marey não se preocupou com a reconstituição do

movimento. Baseou o seu aparelho no revólver de Janssen, registrando imagens com 1/12 de

segundo (TOULET,1988, p. 33).

8. Fuzil Fotográfico

Aperfeiçoado na Grã-Bretanha pelo francês L. A. Auguste Leprince (1842-1890) que

utilizou, pela primeira vez, película perfurada (BILHARINHO, 1996, p. 54-57).

9. Praxinoscópio

Criação do francês Émile Reynaud (1844-1918). Permite assistir a pequenas cenas de

maneira agradável por meio de um dispositivo que comporta um espelho central facetado, o

que elimina toda impressão de movimentos bruscos. Seu aparelho reproduz um movimento

inteiramente fiel à realidade. Em 1889, Reynaud aperfeiçoou seu invento. Ele registrou uma

nova patente de um teatro óptico. Esse aparelho já não repete as mesmas poses a cada volta,

mas pode, pelo contrário, encadear uma variedade quase infinita de cenas. Um sistema de tiras

flexíveis tornou isso possível. O espectador não é obrigado a ficar olhando num espelho, pois

Reynaud mandou projetar suas criações numa tela transparente, ou numa parede branca

(FOIRET, 1995, p. 33-35).

10. Kinetoscope

Criado em 1891 pelo inglês William Kenedy Laurie Dickison, um colaborador de

Thomas Alva Edison, consiste numa grande caixa de madeira com uma ocular pela qual se vê

uma cena animada gravada num filme em loop. É um aparelho de visão individual, que não

permite a projeção numa tela. Além desse aparelho, Edison encarregou seu assistente de criar

um aparelho para o registro de imagens, denominado Kinetograph. (TOULET, 1988, p. 35). A

veia criativa de Edison já havia inventado o telégrafo, a lâmpada incandescente e o fonógrafo,

portanto ele não poderia ficar de fora dessa corrida pela produção de máquinas que

apresentassem as imagens animadas. No entanto, Edison concebeu seu aparelho como um

fonógrafo óptico. Embora tenha logo abandonado essa primeira versão da máquina, a

reprodução das imagens permaneceria ligada, em seu espírito à dos sons (TOULET, 1988, p.

46).

Também percebemos, nos aparelhos do século XIX algo que não pertence

exclusivamente ao reino ciência. É COSTA (1989, p. 53) quem anuncia:

Como distinguir nas pesquisas da ‘cronofotografia’ sobre a análise do movimento animal e humano o que pertence a uma instância de objetivação

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25

científica e aquilo que pertence ao imaginário ou ao inconsciente dos pesquisadores?

Finalmente, recorremos novamente a Tom Gunning (1996, p. 37) para verificar como

o realismo defendido pela ciência é fendido pela idéia da ilusão do movimento. Ele reafirma a

sua posição dizendo:

Essas análises fotográficas poderiam ser adaptadas a uma série de brinquedos visuais que tinham reproduzido o movimento desde 1830, incluindo o fenaquistiscópio, o zootrópio e o praxinoscópio de Reynaud. Todos esses dispositivos visuais tinham se aproveitado de descobertas sobre a fisiologia da visão (e especialmente na possibilidade de enganar o olho fazendo-o ver coisas que não existiam, como na ilusão de profundidade do estereoscópio) para produzirem a ilusão do movimento.

Começamos a perceber com Gunning que o termo magia cede espaço a outro, ilusão.

A presença desse termo revela, em seu bojo, a sua contrapartida: o termo realidade. Na

verdade, o par ilusão/realidade esteve sempre presente no desenvolvimento dos aparelhos que,

por fim, foram os responsáveis pela criação das imagens animadas. A fisiologia do olho

humano, que possui um mecanismo que nos prega uma peça (a persistência retiniana) –

fundamento da maioria dos inventos – é a prova cabal dessa afirmação. Ao mesmo tempo em

que, ao rodar o taumatrópio, a realidade nos diz que o pássaro está dentro da gaiola, essa

“evidência” não passa de um “erro” do nosso olho. Muitos cientistas debruçaram-se sobre a

questão ilusão/realidade em seus estudos sobre o movimento. Outros, que não

compartilhavam dessas preocupações científicas, usaram esse expediente com a intenção

declarada de divertir as massas, maravilhando-as com as imagens que apareciam diante dos

seus olhos. Podemos constatar isso na citação feita num jornal do século XIX que Tom

Gunning nos apresenta: O Sr. Marey tinha um fim científico em vista, ele aplicou-se à pesquisa na fisiologia e na física [...] Examinar seus filmes num zootrópio é extremamente instrutivo e interessante, mas não é divertido. O Sr. Edison, por outro lado, deseja divertir, não sendo para ele a ciência um fim, mas um meio (MANNONI, apud, GUNNING, 1996, p. 38).

A partir de Edison, os fornecedores de entretenimento científico multiplicam-se. O

jogo ilusão/realidade marcará todas as tentativas que se seguirão de produção de imagens

animadas. Essa questão torna-se mais evidente quando esse processo chega ao seu ápice.

Estamos falando da criação do cinematógrafo.

Page 27: Tese Doutorado corrigida

26

2.4 - O CINEMATÓGRAFO LUMIÈRE

Desde o nascimento da sétima arte se entrevia todos os seus desenvolvimentos futuros. As primeiras câmeras – incluindo os primeiros projetores, simples caixas de madeira munidas de uma objetiva e de uma manivela, já continham, além disso, todas as possibilidades técnicas que permitiriam a elaboração da linguagem cinematográfica (DESLANDES, 1966, p. 281, apud, CESARINO, 1994, p. 42).

O dia 28 de dezembro de 1895 entrou para a história como o do nascimento do

cinema, que recebeu, inicialmente, o nome de cinematógrafo. Na verdade, como vimos, essa

data marca o surgimento oficial dessa arte. Muito antes do ano de 1895, diversas experiências

já apresentavam, mesmo timidamente, as imagens animadas. Arlindo Machado (1997, p. 9-

10) chama esse período de pré-cinemas. A trajetória do cinema começa a ser contada a partir

da história de dois irmãos.

A família Lumière já dominava o mercado da indústria fotográfica na França, quando

os irmãos Auguste e Louis desenvolveram o cinematógrafo. Era um aparelho prático, leve,

pouco volumoso, que servia tanto para a filmagem quanto para a projeção de imagem.

Funcionava a dezesseis imagens por segundo. Utilizava o filme criado por Edison, uma fita de

celulóide de 35mm de largura. A única diferença é que a película do kinetoscope compreendia

quatro perfurações laterais regulares por imagem, enquanto o filme Lumière comportava

apenas um furo de cada lado do fotograma (TOULET, 1988, p. 40). Os Lumières inovaram

não apenas na praticidade oferecida pelo aparelho, mas, principalmente, na capacidade de ele

registrar e projetar imagens.

Desde junho de 1895, começaram a ser realizadas as projeções cinematográficas do

novo aparelho. Nessa ocasião, elas aconteceram no congresso das sociedades francesas, uma

reunião científica renomada, em Lyon. Mas a exibição que entrou para a história das imagens

animadas ocorreu no dia 28 de dezembro de 1895, no subsolo do Grand Café, no nº 14 do

Boulevard des Capucines. Foi uma sessão pública que contou com uma tela, uma centena de

cadeiras e um aparelho de projeção em cima de uma escadinha. Cobrava-se a entrada de 1

franco. Apenas 33 espectadores estavam presentes nessa primeira exibição (FOIRET, 1988, p.

16-17).

O filme A Chegada do Trem à Estação de La Ciotat tinha a duração de cinqüenta

segundos. Mas, mesmo nesse pequeno intervalo de tempo, as imagens de um trem vindo em

direção a uma platéia desavisada provocaram um alvoroço e até correria da parte de alguns,

Page 28: Tese Doutorado corrigida

27

que acreditavam estar prestes a serem atropelados por um trem. O programa de vinte minutos

incluía ainda mais dez filmes que tinham sido feitos no período.

Os primeiros filmes dos Lumières demonstravam a herança fotográfica que possuíam.

Eram filmes de simples constituição, ou seja, de um só plano, diante dos quais as pessoas e

objetos desfilavam, como se fossem fotografias animadas. Os motivos apresentados nessas

produções eram domésticos ou situações ocorridas na fábrica da família, na maioria das vezes.

Seus personagens eram os membros da família Lumière ou seus operários. A vertente

realista/documentarista - também fruto da fotografia - podia ser facilmente identificada nessas

produções (SADOUL, 1946, p. 20).

Alguns exemplos desse estilo são os filmes: Le Charpentier (O Carpinteiro), Le

Forgeron (O Ferreiro), La Démolition d’un Mur (A Demolição de uma Parede) todos

inspirados na atividade comercial dos irmãos. Também são exemplares os filmes: Le

Déjeuner de Bébé (O Almoço do Bebê), Le Bocal de Poissons Rouges (O Aquário de

Peixes Vermelhos), Querelle Enfantine (Briga de Criança), Baignade en Mer (Banho de

Mar), La Partie d’Ecarté (A Partida de Ecarté), La Partie de Tric-Trac (A Partida de

Gamão), La Pêche à la Crevette (Pesca de Camarões), que retratam cenas da vida familiar,

entre outros (SADOUL, 1946, p. 20).

Os irmãos Lumières, ao contrário de outros realizadores, rejeitaram os recursos do

teatro. Não adotaram a encenação em suas produções. Seguiram uma linha mais próxima do

que hoje denominamos documentário. Esforçaram-se para retratar as chamadas atualidades,

reportagens que abordavam eventos de importância política, científica ou social. Como

exemplos, temos os filmes: Le Débarquement des Congressistes (O Desembarque dos

Congressistas), no qual foram filmados os membros de um congresso de Fotografia, ou Le

Couronnement du Tsar Nicolas II (Coroação do Czar Nicolau II) (SADOUL, 1946, p. 22-

23).

Os cinegrafistas dos Lumières foram muito importantes para o sucesso do

cinematógrafo. Atuavam também como projecionistas, além de revelarem os filmes. Inovaram

a “técnica” cinematográfica ao criarem as primeiras montagens. Dessa forma, fizeram com

que os filmes Lumière evoluíssem de uma estrutura simples e resumida (filmes de apenas um

minuto) para uma constituição mais sofisticada e duradoura. Um exemplo disso foi a série de

quatro filmes-relâmpago sobre a vida dos bombeiros: Sortie de la Pompe (Saída do Carro),

Mise en Batterie (Tomada de Posição), Attaque du Feu (Ataque do Fogo) e Sauvetage

(Salvamento) que foram reunidos num só (SADOUL, 1946, p. 23).

Page 29: Tese Doutorado corrigida

28

Deve-se aos cinegrafistas Lumières a criação das primeiras trucagens. O filme La

Démolition d’un Mur (A Demolição de uma Parede), em 1896, era projetado às avessas.

Por um processo já empregado nos zootrópios, a parede parecia reconstituir-se bruscamente e

erguer-se de uma nuvem de poeira. Também o primeiro travelling foi criação de um técnico,

Promio, quando ele estava em Veneza. Para dar movimento à câmera, pensou em colocá-la

numa superfície móvel, como num barco, trem, balão, por exemplo (SADOUL, 1946, p. 24-

25).

Por dezoito meses, o cinematógrafo Lumière encantou platéias, a despeito do

descrédito de seus próprios inventores, que não apostavam no futuro da sua invenção. Os

irmãos Lumières encaravam seu cinematógrafo como uma novidade que em breve não

provocaria mais nenhum interesse no público. Portanto, trataram de explorar ao máximo o

potencial da máquina na curta existência que tinham imaginado para ela. Para isso criaram um

sistema de venda/distribuição de filmes acoplado a uma assistência técnica de exibição (na

figura de seus operadores) que se mostrou muito eficiente e levou o cinematógrafo a várias

partes do mundo.

Depois desse período, como havia sido previsto, o público já não se entusiasmava

mais com aquele tipo de imagens animadas. Nesse ínterim, um outro personagem entra em

cena. Ele vai desenvolver um trabalho na direção oposta ao realizado pelos irmãos Lumières.

Com isso, inaugurará uma outra vertente para o cinema.

Esse olhar retrospectivo mostra-nos que, mesmo no trabalho dos irmãos Lumières, que

era mais centrado numa perspectiva realista, vislumbramos a mistura ilusão/realidade.

Dizemos isso, pois o registro das atualidades filmadas, por exemplo, só era possível devido ao

funcionamento do aparelho que, por sua vez, era baseado num “erro” do olho humano (a

persistência retiniana). Verificamos, que, nos primórdios do cinema, suas origens não levam a

um denominador comum, mas a um emaranhado de fatores que misturam razão e

sensibilidade (GUNNING, 1996, p. 26).

O conflito arte/técnica/magia/ciência/ilusão/realidade não terá uma solução imediata e

trará conseqüências para as tentativas futuras. De fato, essa volta ao passado ajuda-nos a

perceber as semelhanças existentes entre o cinema praticado no século XX e o desenvolvido

no século XIX. O historiador Tom Gunning (1996, p. 24) nos autoriza a pensar dessa maneira:

Não pretendo fazer profecias duvidosas tentando prever o segundo século do cinema. Em lugar disso, reivindico o privilégio retrospectivo do historiador de indicar que o presente aparentemente caótico do cinema lembra em muitos aspectos suas origens de um século atrás.

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29

Traçar um paralelo entre o cinema do século XX e o do século XIX constitui-se no

papel principal deste trabalho. Em meio a tantas possibilidades para abordar essa articulação,

optamos pela ponta mais visível desse iceberg: os efeitos especiais. Para isso, passaremos a

apresentar a figura mais importante e desencadeadora desse processo: Georges Méliès.

2.5 - GEORGES MÉLIÈS

Méliès estabeleceu assim as bases do relacionamento entre cinema e magia. Do Teatro Robert-Houdin à Industrial Light and Magic de George Lucas há uma nítida reta (LABAKI, 1996, p. 373).

Ao lado dos irmãos Lumières, aparece o nome de Georges Méliès como figura

importante, que marcou os primórdios do cinema. Esse personagem entrou para a história

como sendo o “pai dos efeitos especiais”. Na verdade, ele foi o representante mais expressivo

de uma vertente cinematográfica que iniciou o cinema na sua vocação artística.

Nascido em Paris, em 1861, Méliès veio de uma família abastada de industriais da área

de calçados. Não se interessou em dar prosseguimento aos negócios do pai, embora tenha

feito uma rápida incursão em suas fábricas daquele. Nessa ocasião, já demonstrou seu talento

para o desenho e confecção de artefatos. Dominaria ainda a pintura, a escultura e o manejo de

marionetes.

Um momento crucial na vida de Méliès foi a sua estada em Londres. Com o pretexto

de aperfeiçoar o seu inglês, para poder gerenciar a instalação de uma sucursal da família

naquela cidade, ele se dirigiu à Capital britânica aos 21 anos. Lá Méliès conheceu o teatro de

magia, muito em voga na época. Segundo o próprio Méliès, narrando suas memórias em

terceira pessoa, “[...] essa freqüência assídua o tornou em pouco tempo um grande amante da

arte da magia” (ROBINSON, 1993, p. 5, apud, LABAKI, 1996, p. 367).

Os mágicos Maskelyne e Cooke, os “ilusionistas reais”, que se exibiam no Égyptian

Hall em Piccadily, logo se tornaram os favoritos de Méliès. Seus espetáculos englobavam de

truques de magia a esquetes cômicos ou mesmo dramáticos, que logo seriam usados por

Méliès. Essa dupla constituiu-se numa forte influência ao trabalho de mágico que Méliès

desenvolveria anos mais tarde (LABAKI, 1996, p. 366).

Empenhado no estudo da prestidigitação, Méliés, ao cabo de aproximadamente três

anos, tornou-se um mestre na arte da ilusão. Voltou a Paris e lá passou a freqüentar o Teatro

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30

de Ilusões criado pelo taumaturgo Robert-Houdin. Encantado com essa arte e exercitando-a

continuamente, Méliès logo começa a dar os seus shows, primeiro em salas de visitas, depois

no Museu Grévin e na Galeria Vivienne.

Sua paixão pela mágica faz com que Méliès compre, em 1888, o Teatro Robert-

Houdin. Em 1891, um de seus números atinge grande sucesso: em O Decapitado

Recalcitrante, um homem não pára de falar mesmo com a cabeça cortada. É o triunfo do

estilo que Méliès batizou de “Cenas burlescas” – em tudo devedoras de Maskelyne e Cooke

(LABAKI, 1996, p. 367).

Além dos teatros de magia, conviviam e competiam entre si as feéries, os vaudevilles,

os circos, as feiras de atrações, parques de diversões e salões de curiosidades. Os espetáculos

mesclavam os mais diversos tipos de atrações. Robert C. Allen relata-nos, como exemplo, um

show onde havia - em seqüência – um ato de acrobacia de animais, uma comédia pastelão,

uma declamação de poesia, um tenor irlandês, placas de lanterna mágica sobre a África

selvagem, um time de acrobatas europeus e um pequeno número dramático de vinte minutos

encenado por um casal de estrelas da Broadway (ALLEN, apud, COSTA, 1994, p. 22).

Ciente da concorrência, Méliès diversificava os seus shows apresentando, ao final,

sessões de lanterna mágica, que misturavam, assim, projeções de vistas exóticas com cenas

cômicas pintadas à mão. Nessas exibições eram apresentados ao público diferentes efeitos:

neve caindo, dia e noite, carros, trens e barcos se movimentando. Também eram usadas

fusões. Chama a atenção a criação e utilização desses “efeitos especiais” já nesse início.

Dessa forma, percebemos que Méliès já estava bastante familiarizado com espetáculos de

projeção, também chamados entretenimentos de tela (screen entertainments) por Charles

Musser (LABAKI, 1996, p. 368). Outro traço que se insinuou logo cedo foi sua veia cômica,

que o acompanharia em quase todas as produções.

Sete anos depois de se estabelecer, já com sua carreira de mágico consolidada, um

episódio marcaria definitivamente a vida de Méliès. Vizinho de prédio de Antoine Lumière,

foi convidado por ele para assistir à sessão inaugural do invento dos seus filhos: o

cinematógrafo. Maravilhado com o que viu, Méliès saiu da exibição convencido de que

deveria ingressar nessa prática. Tentou comprar uma câmera-projetor dos Lumières, mas não

teve sucesso.

Em abril de 1896, Méliès comprou do inventor inglês Robert William Paul um

projetor chamado Bioscope, que permitia exibir filmes do Kinetoscope Edison. Com técnicos,

estudou a invenção e adaptou uma câmera que, batizada como kinetograph, ganhava patente

em setembro de 1896 (LABAKI, 1996, p. 368).

Page 32: Tese Doutorado corrigida

31

2.6 - A CARREIRA CINEMATOGRÁFICA DE MÉLIÈS

No curto período em que fez filmes (1896-1912), Méliès lançou o cinema no seu rumo

teatral espetacular (SADOUL, 1946, p. 26). Sua experiência no teatro e na arte da magia foi

incorporada aos seus filmes e pôde ser sentida em praticamente todas as suas produções. Seu

gênio criativo fazia dele cenógrafo, ator, produtor, diretor, distribuidor dos próprios filmes.

Mas o início de sua carreira cinematográfica lembrava a produção “realista” de Lumière:

Partie d’Ecarté (Partida de Écarté), Scénes de Rue (Cenas de Rua), L’Arroseur Arrosé

(O Jardineiro Regado), L’Arrivée du Train (Chegada do Trem), Sortie d’Usine (Saída

da Fábrica), Forgerons (Ferreiros), Bains de Mer (Banhos de Mar), Scénes Enfantines

(Cenas Infantis), etc. Os filmes Danses Serpentines (Danças Sinuosas) ou Dessinateurs

Express (Desenhistas Expressos) copiavam Edison. Nada é original nos oitenta primeiros

filmes que Méliès realiza em 1896, nem mesmo os números de prestidigitação, em filmes sem

trucagens: antes dele, Lumière filmara o ilusionista Trewey e Démeny filmara o

prestidigitador Reynaly (SADOUL, 1946, p. 28).

Foi um incidente ocorrido em 1896 que transformou Méliès no gênio dos efeitos

especiais (que na época recebia o nome de trucagens). Ele estava filmando na Place de

l’Opera, quando o filme ficou preso na câmera. Méliès parou de filmar para desenroscar a

película, voltando a filmar em seguida. Mais tarde, ao projetar as imagens captadas, percebeu

que, no lugar do ônibus que focara, estava um carro fúnebre. Homens tinham se transformado

em mulheres. Méliès entendeu, com isso que, acidentalmente, havia descoberto uma maneira

de fazer “mágica” no cinema. Na verdade, o acaso o fez descobrir o truque de substituição

com a parada da câmera, mágica e cinema se encontram, assim, na obra de Georges Méliès

(TOULET, 1988, p. 61).

Jacques Malthête (1984, p. 174) pensou diferentemente dessa autora. Observou que as

trucagens dos filmes de Méliès envolviam um engenhoso trabalho de montagem (corte e

colagem de negativos) e que, a rigor, o cineasta jamais produziu seus truques apenas por

“parada para substituição” Sem o recurso da montagem, disse o autor, Méliès jamais

conseguiria coordenar os movimentos tão bem como aparecem nos seus filmes. Os pontos de

referência de início e fim da trucagem, a manutenção do ritmo, da “naturalidade” da ação que

estava sendo desenvolvida não poderia ter sido obtida por acaso. Méliés, com medo de

imitações, teria inventado essa versão para despistar seus plagiadores (MACHADO, 1997, p.

93).

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32

De qualquer forma, essa descoberta fará com que o trabalho de Méliès tome um rumo

totalmente diferente do seguido pelos irmãos Lumières. Ele “supera” essa influência realista e

envereda pela via do cômico, do grotesco, da pantomima, do fantástico, do sobrenatural

provocando uma cisão entre as produções realizadas na época. Estréia, assim, o que mais

tarde seria reconhecida como a vertente artística do cinema. Dessa maneira, Méliès recuperou

uma tradição de magia, ilusão, surrealismo - iniciada no século XVII com a lanterna mágica -

(para não retrocedermos demais) e a instaurou, primeiramente, na sua obra, para depois deixá-

la como um legado para a história do cinema.

O primeiro filme que empregou essa técnica foi L’Escamotage d’une Dame

(Escamoteação de uma Senhora), em outubro de 1896. Nessa fita, uma senhora sentada

numa cadeira desaparece “aos olhos do público” como por milagre, ou melhor, num passe de

mágica. No Teatro Robert Houdin, tal desaparecimento necessitava de maquinaria e alçapões.

Não se podia filmar esse truque no palco; a luz artificial utilizada pelos fotógrafos desde o fim

do Segundo Império era de emprego difícil no cinema. Nessa época, os filmes de Méliès eram

filmados ao ar livre. Estendia-se um pano de fundo sobre um muro de jardim. Não existindo

alçapão para o desaparecimento, Méliès interrompeu a filmagem por um instante, enquanto a

senhora saiu do campo de filmagem. Na projeção, sua cadeira pareceu ficar instantaneamente

vazia, sem que o prestidigitador tenha precisado estender o clássico véu preto (SADOUL,

1946, p. 29).

Em 1897, Georges Méliès construiu um estúdio no jardim de sua mansão, em

Montreuil. Sua estrutura em vidro permitia a utilização máxima da luz solar, ao invés de

utilizar a lâmpada incandescente de Edison. Era composto de um palco cuja maquinaria era a

réplica da do teatro Robert-Houdin. Nesse estúdio, foram produzidos mais de 500 títulos,

entre 1897 e 1913, pela companhia fundada por Méliès, a Star Film.(dados obtidos no

documentário As Viagens Imaginárias de Méliès, 1978)

Méliés notabilizou-se pelos filmes de trucagens, mas produziu trabalhos nos mais

variados estilos: atualidades reconstituídas, filmes históricos, dramas, comédias, contos de

fada, ficção científica, documentários até mesmo filmes publicitários. Mas o destaque de sua

obra ficou por conta das alegorias, inspiradas nas operetas e nos espetáculos do Châtelet.

Com Méliès, a “fotografia espírita” transformou-se na sobreimpressão. Ele utilizou

também a fotografia compósita, a dupla exposição ou a exposição múltipla, a ”máscara” ou a

magia negra, segundo a antiga gíria dos estúdios. Méliès foi também o primeiro a adaptar ao

cinema as maquetes (já em uso nos teatros ou circos) (SADOUL, 1946, p. 29).

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33

As dissoving views realizadas nos espetáculos de lanterna mágica inspiraram-lhe as

fusões, que encadeiam os quadros obtidos por aberturas e fechamentos do diafragma. Esses

diferentes truques foram realizados durante a tomada e reajustados depois por cortes e

colagens do negativo. Esses processos especificamente cinematográficos não fizeram seu

autor esquecer as trucagens teatrais: alçapões, manequins, pirotecnia, ilusão de óptica,

cenários articulados, trilhos, guinchos e cabos ainda têm seu papel (TOULET, 1988, p. 68).

2.7 - PRINCIPAIS OBRAS A carreira cinematográfica de Méliés incluiu mais de 500 filmes. Muito dessa

produção se perdeu ou a nós chegou apenas como fotografias que ilustram determinadas

passagens. Apresentaremos, a seguir uma pequena, mas significativa parte da sua obra.

Tentamos categorizar essas produções a fim de dar uma amostra da versatilidade de Méliès.

Agrupamos os trabalhos desse cineasta numa ordem cronológica flexível, pois a datação de

muitos dos seus filmes é incerta.

1. L’Explosion du Cuirassé “Maine” Em Rade de la Havane (Explosão do

Encouraçado Maine Ancorado em Havana, 1898)

Nesse filme, Méliès realizou o que na época era chamado de “atualidades

reconstituídas”. Ou seja, o autor baseou sua produção num acontecimento real, o episódio que

desencadeou a guerra hispano-americana, que dá nome ao filme. Nessa ocasião, o cineasta

experimentou a “função realista” do cinema, embora seja uma reconstituição, fato que Méliès

nunca ignorou ou ocultou de seu público.

A série consagrada ao Maine durava apenas cinco minutos. Sua atração maior era uma

vista submarina filmada através de um aquário onde nadavam peixes de verdade e flutuavam

algas (SADOUL, 1946, p. 33).

2. L’Affaire Dreyfus (O Caso Dreyfus)

Mais uma atualidade reconstituída filmada por Méliès. Foi o primeiro filme longo

encenado, cuja projeção durava quase um quarto de hora. A história versa sobre o processo de

Rennes, com implicações políticas, cuja defesa Méliès assumiu ao incluir cenas que

inocentavam o acusado, como a degradação sofrida e o encontro com a esposa. Para essa

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34

produção, Méliès copiou, para determinados episódios, fotografias autênticas. No restante,

seguiu o estilo que já estava sendo utilizado para as atualidades reconstituídas acrescentando

uma novidade: o flash back. Apresentou os acontecimentos pelo ano de 1894 e desenrolou a

ação até 1896. Vê-se que, mesmo quando trabalhava num plano mais realista da imagem, no

caso do documentário, já demonstrava uma vocação para interferir na realidade, por meio da

manipulação do tempo passado e presente (SADOUL, 1946, p. 34).

3. Le Royaume des Fées (O Reino das Fadas)

Produção de 1903, esse é o primeiro filme de Méliès com mais de 300m de

comprimento, ou seja, quinze minutos de duração. Esse trabalho reflete a incursão de Méliès

pelo reino dos contos de fada. Foi inspirado na estória da Bela Adormecida: a princesa

Azurine fica noiva do príncipe Bel Azor diante das fadas, mas esquece de convidar a bruxa,

que manda raptar a princesa. Bel Azor, partindo à sua procura, naufraga e encontra-se no

reino de Netuno. Consegue matar a bruxa e libertar Azurine, com quem se casa. Fato raro

naquela época, essa produção - interpretada pelo próprio Méliès e Bleuette Bernon - incluiu

uma cena externa, rodada no jardim de Montreuil, com um cavalo de verdade (TOULET,

1988, p. 67).

4. Le Raid Paris-Monte Carlo em Deux Heures (O Certame Paris-Montecarlo em

Duas Horas)

Esse filme, realizado em 1905, é uma encomenda do teatro Folies-Bergére. Nele

figuravam vários artistas como: Fernande Albany, o gigante Antoni, o anão Little Tich, o

cantor Fragson, o ator Galipaux, assim como o diretor da casa, Victor de Cottens. Célebre por

seus desastres de automóvel, Leopoldo II, rei da Bélgica, aposta que é capaz de efetuar o

certame Paris-Montecarlo em duas horas, o que consegue após várias peripécias. Possui

quatro episódios: O Rei Leopoldo Parte diante da Ópera, Uma Descida Rápida, A

Escalada dos Alpes de Automóvel, Os Viajantes em Dijon (TOULET, 1988, p. 65).

5. Peças de grande espetáculo

Méliès transformou em filmes clássicos do teatro e da literatura tais como: Jeanne

d’Arc ( Joana D’Arc - duração de um quarto de hora, 1900), Le Revê de Noel (O Sonho de

Noel), Le Petit Chaperon Rouge (O Chapeuzinho Vermelho), Barbe-Bleue (Barba Azul -

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1901), Robinson Crusoe (Robinson Crusoe), Gulliver (Gulliver). Neste último, empregou

o grande primeiro plano, mas apenas para exprimir o gigantismo, por meio de uma trucagem.

Em Barbe-Bleue, uma chave minúscula é um acessório indispensável. Como Méliès não

empregou o grande primeiro plano, resolveu fazer a chave do tamanho de uma frigideira, de

modo que ela pudesse ser percebida pelo espectador (SADOUL, 1946, p. 35).

6. Filmes de pequena metragem apresentados como números de mágica

Entre as fitas mais célebres ou melhores, devem ser citadas: Le Laboratoire de

Méphistophèles (O Laboratório de Mefistófeles), L’Auberge Ensorcelée (O Albergue

Enfeitiçado), Magie Diabolique de Georges Méliès (Magia Diabólica de Georges Méliès),

Pygmalion et Galatée (Pigmalião e Galatéia), La Caverne Maudite (A Caverna Maldita

– sobreimpressão), L’Homme de Tête ou Les Quatre Têtes Embarassantes (O Homem de

Cabeças ou As Quatro Cabeças Incômodas – cabeças vivas cortadas, em sobreimpressão

contra fundo preto), Le Christ Marchant sur les Eaux (Cristo Caminhando sobre as

Águas), L’Homme Protée (O Homem Proteu), L’Homme-Orchestre (O Homem-

Orquestra - 1900), Le Livre Magique (O Livro Mágico), Le Brahmane et le Papilon (O

Brâmane e a Borboleta), L’Homme à la Tête de Caoutchouc (O Homem da Cabeça de

Borracha - 1902), La Danseuse Microscopique (A Dançarina Microscópica), Le

Mélomane (O Melômano – 1903)), Le Cake-Walk Infernal (Dança Infernal - 1903). Esses

filmes são por vezes mais completos e perfeitos que os filmes longos, nos quais, não obstante

a precisão mecânica, a ação e o ritmo às vezes esmorecem (SADOUL, 1946, p. 37).

7. Óperas e óperas cômicas

No momento do seu apogeu, Georges Méliès acentuou ainda mais a sua fórmula de

“teatro cinematografado”. São alguns exemplos desse tipo de produção: Fausto, A Danação

de Fausto, O Barbeiro de Sevilha, A Lenda de Rip Van Vinckle – 1905 (SADOUL, 1946,

p. 41).

8. Filmes que misturam realismo com o fantástico

Jack, le Ramoneur (Jack, o Limpa-Chaminés), Deux Cent Mille Lieues sous les

Mers (Duzentas Mil Léguas Submarinas - 1907), L’Ange de Noël (O Anjo do Natal), Les

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Incendiaires (Os Incendiários - 1906), que se chamava A História de um Crime

(SADOUL, 1946, p. 42).

9. Filmes do final da carreira

Méliès realizou uma grande produção já no final de sua carreira La Conquête du Pôle

(A Conquista do Pólo), no qual mostrou todo seu talento para a confecção de artefatos com a

da construção de um autômato gigante. Fez também uma nova versão de Cendrillon (A Gata

Borralheira), Le Voyage de la Famille Bourrichon (A Viagem da Família Bourrichon) e

o medíocre Hallucinations du Baron de Münchhausen (Alucinações do Barão de

Münchhausen) todos referentes ao ano de 1912 (SADOUL, 1946, p. 42).

1. Obras de Méliès numa ordem cronológica mais definida4 Tabela 2.1 –Obras de Méliès

Ano Obras de Méliès 1899 L' Impresioniste Fin de-Siecle - O Impressionista do Fim de Século 1899 Le Chevalier Mystérieux - O Cavalheiro Misterioso 1899 Le Diable au Convent - O Diabo num Convento 1900 Le Deshabillage Impossible - O Desnudo Impossível 1901 La Fountaine Sacrée - A Fonte Sagrada 1901 Le Voyages de Gulliver á Lilliput - As Viagens de Gulliver à Lilliput 1901 Le Temple de la Magie - O Tempo da Magia 1902 L'Oeuf Magique Prolifique - O Novo Mágico Prolífico 1902 Le-Mouche - O Homem Mosca 1903 La Lanterne Magique - A Lanterna Mágica 1903 L'Oracle de Delphes - O Oráculo de Delphos 1903 The Wireless Photography - A Máquina Fotográfica Maluca 1904 The Untamable Whiskers - Os Bigodes Indomáveis 1904 Le Coffre Enchanté - O Cofre Encantado 1904 Le Reve du Maîtré de Ballet - O Sonho do Maestro de Ballet 1904 La Sirène - A Sereia 1904 Le Voyage à Travers l’Impossible - A Viagem através do Impossível 1905 Le Tripot Clandestin – O Passageiro Clandestino 1905 Lês Caries Vivantes – As Cartas Vivas 1905 Lê Diable Noir – O Diabo Negro 1905 The Black Imp – O Capetinha Travesso 1905 Lês Palais dês Mille et une Nuits – O Palácio das Mil e Uma Noites 1905 The Scheming Gambbles Paradise – O Paraíso dos Jogadores Trapaceiros 1906 Lês Quat’ Cent Farces du Diable – As Travessuras do Diabo 1906 La Fée Carabosse – A Fada Malvada

4 Disponível em: < http://www.cinemania.com.mx/filmografias/georges_melies.html >. Acesso em junho 2003.

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1906 The Mysterious Retort – O Laboratório Maluco 1907 The Enchanted Cedan Chair – A Liteira Encantada 1907 The Eclipse - the Courtship of the Sun and Moon – O Eclipse – o Namoro do

Sol com a Lua 1907 Salan en Prison – Satã na Prisão 1907 Good Glue Sticks – A Supercola 1907 The Hilarious Posters – Os Cartazes Hilariantes 1907 Le Tunnel saus la Manche – O Canal da Mancha 1908 L’Avare – O Avarento 1909 Les Illusions Fantaisistes – As Ilusões Fantasiosas

2.8 - CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS

Interessa-nos, particularmente, o trabalho de Méliès nos seus filmes de truques de

magia, pois é quando ele emprega os efeitos especiais que o consagraram. O raciocínio para a

compreensão do seu procedimento é apontado por Jacques Malthête. Diz o teórico: “Não há

trucagem sem colagem, nem colagem sem montagem” (documentário: O Mundo Mágico de

Méliès, 1985)

Citaremos alguns exemplos já mencionados, especificando as técnicas empregadas.

Destacaremos, principalmente, as montagens baseadas no recortar e colar negativos, no

rebobinamento da película, como as fusões, sobreimpressões, superposições, que permitiram a

criação de metamorfoses tais como: desaparições, aparições, explosões, encolhimentos,

alongamentos, multiplicações de partes ou do todo etc.

• L’Impresioniste Fin de Siecle (O Impressionista do Final de Século - 1899)

Esse filme reforça a hipótese defendida por Jacques Malthête de que Méliès não

utiliza, na verdade, apenas o “truque de parada com substituição”. Essa curta estória apresenta

um número de mágica, protagonizado pelo próprio Méliès, que se transforma numa bailarina

ao pular de uma mesa. Da mesma forma, a bailarina volta a ser Méliès quando é feito o

processo inverso, ou seja, quando sobe na mesa. A precisão dos movimentos e a perfeita

manutenção do ritmo da ação não nos permitem pensar que o efeito foi obtido apenas por

parada e substituição. Sem uma montagem baseada num corte acertado e numa colagem sutil

– exatamente no meio dos dois pulos para a metamorfose – essa transformação não surtiria o

efeito constatado por nós (dados obtidos no documentário citado acima).

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• Les Cartes Vivantes (As Cartas Vivas - 1904)

O mágico Méliès, dessa vez, traz para o público um número no qual cartas de baralho

se transformam nas figuras que representam. Assim temos o mago diante de uma carta

gigante, cuja figura é de uma dama de copas. Ao proferir as palavras mágicas, vemos o

desenho se transformar em uma mulher, ou melhor, na referida dama estampada na carta. A

reversão também é mostrada para o público. No passo seguinte, o mesmo processo acontece

agora com uma figura masculina. Para finalizar o número, é o próprio Mélies quem salta da

carta e se revela por trás daquela roupa de rei de paus. Paralelamente, o mago Méliès

desaparece. Em seguida, o “rei” mergulha na carta de baralho de onde veio e desaparece em

pleno ar.

Temos aí a utilização de fusões, sobreimpressões e superposições do filme. Como o

fundo preto não impressiona a película, a câmera filma uma vez o personagem de Méliès em

um cenário com um grande quadro com fundo preto. A película é rebobinada e, na segunda

vez, filma com o fundo preto o mesmo personagem na frente de um pedaço do cenário, onde

posição e dimensão equivalem às do fundo preto da tomada anterior. Uma vez impressionado,

o fundo preto restituirá a imagem do ator que aparece duplicado. Para as fusões e

sobreimpressões, a película é rebobinada várias vezes para a tomada seguinte (dados do

documentário citado).

• L’Equilibre Impossible (O Equilíbrio Impossível – 1902)

Nesse filme, observamos o efeito da multiplicação do corpo e cabeça de Méliès. Trata-

se de um número de equilíbrio formado por equilibristas, o próprio Méliès, que vão se

multiplicando e assumindo posições cada vez mais arriscadas para a lei da gravidade. Dessa

forma, Méliès suporta dois sósias sobre seus ombros. Temos a mesma técnica aplicada no

filme anterior, ou seja, superposições e sobreimpressões com rebobinamento da película

(dados do documentário citado).

• L’Homme Orchestre (O Homem Orquestra - 1900)

Como o próprio nome diz, nesse filme, Méliès, por meio do seu truque de

multiplicação, copia a si mesmo formando uma orquestra. A cada novo Méliès outros

instrumentos vão surgindo. Novamente é a técnica da sobreimpressão que entra em

cena(documentário citado).

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• L’Homme à la Tête de Caoutchouc (O Homem da Cabeça de Borracha –

1902)

Méliès brinca com o tamanho de sua cabeça nessa curta estória que utiliza o efeito de

expansão da cabeça do cineasta. Para obter esse resultado, o protagonista se fecha numa caixa

coberta de veludo preto posta diante de um fundo também preto. A caixa avança para o

aparelho em trilhos inclinados, para que o pescoço cortado coincida constantemente com o

tampo da mesa (TOULET, 1988, p. 63).

• Le Melômane (O Melômano - 1903)

Esse é considerado um dos trabalhos de efeitos especiais mais sofisticados de Méliès.

É a história de um homem que brinca com a própria cabeça. Num pedaço de partitura, entre

claves de sol e notas musicais, Méliès - mais uma vez protagonista da ação – é uma mistura de

maestro/mágico, que acrescenta sua cabeça à escritura musical. O desenhista Granville deu às

notas musicais a forma de um corpo. Méliès mistura essas duas visões para compôr um

número de um virtuosismo impressionante (dados obtidos no documentário já citado).

Sob um fundo preto, cinco fios telegráficos atravessam o alto da imagem. Um

professor de canto, que era Méliès, joga uma clave de sol nos fios, onde fica presa: primeira

colagem depois de interromper a filmagem e pôr a clave de sol nos fios. Nisso, o professor

desenha uma clave de sol com olhos, nariz e boca, indicando que desenhou sua própria face.

Ele lança a varinha nos fios para ser a barra de compasso. Mais uma colagem. Aqui começa a

fascinante arte de Méliès.

O melômano fica de frente, embaixo dos fios. Segura sua cabeça e começa a tirá-la

dos ombros. Dessa vez, no meio da imagem, uma colagem indica o truque. Méliès segura

agora uma cabeça postiça de papel machê. Cobre sua própria cabeça com uma carapuça preta,

que se confunde com o fundo preto do cenário. A colagem permite que Méliès jogue a cabeça

para a pauta. Quando a cabeça postiça toca o fio telegráfico, outra colagem exibe a verdadeira

cabeça de Méliès. Sob um fundo totalmente preto, Méliés sobe num andaime preto vestindo

uma capa preta. Sua cabeça substitui em sobreposição a cabeça postiça, que fica nos fios

enquanto reaparece a cabeça verdadeira de Méliès. Mais uma colagem para emendar as

imagens depois de tirar a carapuça preta. Méliès dá um passo para a direita observando com

atenção as marcas no chão. Repete a mesma operação para as notas seguintes. Seis cabeças de

Méliès aparecem quando já foi filmada a ação dos personagens no chão. Enquanto as seis

notas estavam presentes, a mesma película passou sete vezes pela câmera.

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Nesse filme de cinqüenta metros, podem ser verificadas trinta colagens para essa

montagem com efeitos especiais. A julgar pela estrutura arcaica das câmeras da época,

percebemos que a precisão de Méliès era impressionante. Ele marcava seus pontos de

referência, rebobinava a película e contava quantas vezes girava a manivela para saber o

ponto exato. Fez isso sete vezes nessa produção (depoimento de Jacques Malthête no

documentário já citado).

2.9 - A ESTÉTICA DE MÈLIÉS

Ao tomarmos contato com a obra de Georges Méliès, experimentamos diversas

sensações, mas, sem dúvida, o que capturou nossa emoção foi o traço de genialidade presente

nos seus filmes. Essa percepção se tornou ainda mais evidente quando nos dedicamos a

estudar a sua vida. Essa opinião pode não ser compartilhada por muitos. Na verdade, tamanho

brilhantismo passou incólume durante muitas décadas de pesquisas sobre cinema. Só

recentemente, mediante a chamada nova historiografia cinematográfica, é que foi restituído o

mérito ao período em que Méliès desenvolveu sua carreira.

Entre os estudiosos representantes desse movimento, encontra-se o pesquisador Tom

Gunning, um dos seus expoentes mais importantes que, nas últimas duas décadas, vem

rediscutindo e revalorizando o antes chamado “cinema primitivo” (LABAKI, 1996, p. 365).

Nessa linha também devemos mencionar a contribuição dada por Flávia Cesarino Costa no

seu trabalho O Primeiro Cinema: espetáculo, narração, domesticação (1994), que

rebatizou o cinema dos primórdios de Primeiro Cinema, extirpando o ranço pejorativo que

havia sido atribuído para esse período da história do cinema. Tom Gunning dividiu o período

correspondente ao Primeiro Cinema em duas etapas: 1895-1906, em que a primazia é do

cinema documental, seguida pelo filme de trucagem; e de 1906-1915, período que representa

a narrativização do cinema (LABAKI, 1996, p. 369).

Ao nos debruçarmos sobre o tema Méliès, foi difícil não ficarmos fascinados pela sua

versatilidade. Afinal, ele foi uma figura que demonstrou talento igual para a pintura, a

escultura, o desenho, a confecção de artefatos etc. Seu ritmo de trabalho era igualmente

impressionante. Trabalhava mais de doze horas por dia para poder criar e construir seus

cenários, dirigir e atuar nos seus filmes, revelar e montar suas produções, vender e administrar

seu trabalho e ainda acompanhar as apresentações do seu Teatro Robert-Houdin. Redigia os

textos que eram lidos por um “conferencista” para auxiliar a compreensão das histórias

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estampadas nas telas (prática comum numa época de cinema mudo). Coloria a mão suas

películas, reunindo as qualidades de artista/artesão e homem de negócios.

Méliès foi, antes de tudo, um criador de ilusões. No teatro ou no cinema, o seu

propósito explícito sempre foi o de burlar a realidade. Nem mesmo quando seus filmes eram

baseados em fatos reais, Méliès deixava passar a oportunidade de transgredir esse real. Nessas

ocasiões, assumia que as chamadas atualidades reconstituídas não passavam de encenações,

portanto o invólucro do real já havia sido fendido, ao contrário do que faziam outros

produtores, que tinham a pretensão de “vender gato por lebre”.

Essa vocação para a magia, o lúdico, o fantástico, fez com que Méliès fosse visto,

durante muito tempo, como o extremo oposto de seus contemporâneos documentaristas: os

irmãos Lumières. Na verdade, trata-se de uma outra forma de apresentar o filme. Gunning

disse que “[...] é possível integrá-los numa concepção que vê o cinema menos como um jeito

de contar histórias do que como um meio de apresentar uma série de vistas para o público”

(GUNNING, 1996, p. 57, apud, LABAKI, 1996, p. 370). Uma vista exótica da China, um

flagrante histórico de um presidente ou um número de mágica seriam assim

cinematograficamente equivalentes, ao utilizarem uma mesma estratégia de abordagem do

público (LABAKI, 1996, p. 370).

Os filmes de Méliès não têm um compromisso com a verdade dos fatos, nem mesmo

no que diz respeito às leis da gravidade. Dribla com grande desenvoltura e nenhuma timidez a

verossimilhança, como só aqueles que têm a convicção do seu papel são capazes de fazer.

Caso contrário, não apresentaria em Voyage à Travers l’Impossible (Viagem através do

Impossível) aventureiros sobrevivendo a uma atmosfera de 3.000 graus de calor. Como se

não bastasse esse “absurdo”, os mesmos personagens, logo em seguida, conseguem escapar

ilesos de um processo de congelamento em outro momento do referido filme. Já em Voyage

dans la Lune (Viagem à Lua) revela-nos a sua visão desse astro, recobrindo-o com uma

vegetação tropical exuberante. Atribui à Lua feições humanas, conferindo-lhe um rosto, fato

que se repetirá em outros filmes que abordarem o espaço sideral.

Em suas histórias ninguém morre e os personagens raramente saem feridos, a não ser

os vilões. Constrói sua noção de justiça e cria uma nova lógica para a apresentação dos

acontecimentos. Da mesma forma, o moral da história é uma prerrogativa dele como

diretor/protagonista da ação. Sua veia cômica é latente na maioria de seus trabalhos. Mas

trata-se de um humor ingênuo, que às vezes beira o pastelão (SADOUL, 1946, p. 22).

Seu tempo não confere com o do relógio, mas sim com o intervalo necessário para

chocar, assustar, provocar, impressionar, introduzir o fantástico, divertir o público. Mesmo o

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encadeamento das ações segue o ritmo que a imaginação de Méliès arquitetou. Nesse caso, o

início nem sempre se dá pelo começo. Não se preocupa com a linearidade dos fatos, nem fica

preso à obrigatoriedade de contar histórias, opções que lhe custarão caro quando o cinema

incorporar essas práticas. Pagou por isso o preço do ostracismo (SADOUL, 1946, p. 22).

Privilegia o espectador, pois trabalha sempre com a frontalidade. Adota como “plano”,

a posição chamada de “o cavalheiro da platéia”, admitindo apenas um ponto de vista para a

sua câmera sempre fixa. Toda a ação deveria se desenvolver dentro daquele recorte. No

entanto, não tem pudores com os detalhes ou pessoas que vazem por esse quadrado estático,

nem por isso adota uma outra postura de filmagem. A esse respeito, Gunning afirma que “[...]

a manutenção de um ponto de vista único se relaciona mais a um particular modo de

interpelação do público do que a formas de abordagem do público passivas ou primitivas”

(LABAKI, 1996, p. 370).

Outro historiador, Charles Musser, acrescenta que a famosa “frontalidade” do filme de

Méliès deve tanto à tradição do teatro mágico quanto à dos espetáculos de projeção, tipo

lanterna mágica e cartões estereoscópicos. Pierre Jenn, por sua vez, foi além, mostrando como

a unidade de ponto de vista dá a ilusão de uma unidade de tempo teatral quando, na verdade, o

truque da substituição rompe essa unidade e cria uma síntese cinematográfica de tempo

(LABAKI, 1996, p. 370).

A compreensão da complexidade da obra de Méliès torna-se mais fácil quando

recorremos ao conceito de cinema de atração definido por Tom Gunning. Segundo o

pesquisador, nesse cinema, temos o tipo de filme que “[...] está mais interessado em

assombrar a audiência, estimulá-la, despertar a sua curiosidade, até mesmo chocá-la, em vez

de criar uma história ou mundo fictício. Ao invés de narrativo, é um cinema

‘exibicionista’[...]” Ao redefinir o cinema dos primórdios dessa maneira, Gunning derruba o

preconceito que existia com relação a esse período da história do cinema. Isso era devido à

comparação que se fazia com os primeiros filmes e os trabalhos de Griffith, por exemplo, que

se constituíram num padrão para o cinema clássico com a da introdução da narratividade. Os

filmes realizados entre 1895-1906 não tinham como objetivo principal o relato linear dos

acontecimentos (GUNNING, 1996, p. 115, apud, LABAKI, 1996, p. 370).

Méliès caracteriza-se como um representante exemplar do cinema de atração. No já

citado filme Les Cartes Vivantes (As Cartas Vivas – 1905), Méliès, representando um

mágico, dirigi-se ao público várias vezes. Ele pergunta à sua “platéia cinematográfica” se está

dando para enxergar a carta de baralho que está mostrando e demonstra que será difícil ouvir

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nossa hipotética resposta. Por meio de seus gestos, ele nos promete uma surpresa, antes de

iniciar seu número.

Ao chamar a atenção do espectador de forma explícita e direta, Méliès formula o projeto básico do primeiro cinema: espantar, mostrar uma novidade, exibindo junto às capacidades mágicas do cinema. Deixando aberta a ligação entre o mundo do espectador e a atmosfera exibicionista do mundo mostrado na tela, os primeiros filmes vão permitir que a própria montagem esteja a serviço do espetáculo e não da narrativa, e se mostre, por isso, explicitamente. Apesar de explícita, porém, a montagem dos primeiros filmes não foi vista como tal por inserir-se numa concepção de autonomia do quadro. Os primeiros filmes privilegiaram uma outra continuidade. Não aquela entre planos, mas a continuidade do enquadramento (COSTA, 1994, p. 109). O conceito narrativo de montagem privilegiou, na historiografia tradicional, a junção de planos tomados de pontos de vista diferentes. Neste sentido os ‘tricks films’, com suas paradas para substituição, múltiplas sobreimpressões e recorrentes fusões, acabaram não sendo entendidos como montagens. O detalhado trabalho de corte, colagem, rebobinamento múltiplo da película para as várias sobreimpressões, o uso de máscaras, tudo isso passou despercebido, seja porque os filmes não tinham preocupação narrativa, seja porque sua unidade de ponto de vista impediu que se enxergasse montagens onde se mantinha o enquadramento. (COSTA, 1994, p. 109).

A montagem constitui-se no ponto nevrálgico da produção de Méliès. Sem ela os

truques que o elegeram o “pai dos efeitos especiais” não seriam possíveis. Embora, para o

padrão do cinema clássico, esse termo não possa ser empregado para definir a meticulosa

operação de corte e colagem de Méliès, os estudos mais recentes têm comprovado o seu valor.

Trata-se, no entanto, de um outro tipo de montagem, que não se baseia na apresentação de

pontos de vista diferentes – como foi mencionado acima – mas em enquadramentos

diferentes. A habilidade manual e a convivência constante com o risco de se romper a película

a cada nova sobreimpressão, por exemplo, nos dão uma pálida idéia de quão sofisticada era a

montagem desenvolvida por Méliès.

2.10 - UM BLOCKBUSTER DOS PRIMÓRDIOS: VIAGEM À LUA

Em 1902, Méliès produziu esse que entraria para a história do cinema como o seu

filme mais conhecido. O sucesso foi tão estrondoso que despertou a atenção dos plagiadores e

“piratas” da época, que o copiaram e comercializaram à revelia de Méliès. Dessa forma, nos

braços da contravenção, Voyage dans la Lune foi exibido para além das fronteiras da França

(dados obtidos no documentário: As Viagens Imaginárias de Méliès).

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Foi a produção mais cara de Méliès, 10 mil francos aproximadamente, quantia que

hoje seria equivalente aos investimentos feitos pela indústria de Hollywood para os seus

campeões de bilheteria. Inicialmente, o retorno financeiro parecia muito improvável, pois os

exibidores não concordaram com o alto preço cobrado por Méliés para a sua apresentação.

Esse fato o fez desesperar-se e exibir seu filme – gratuitamente – nas feiras, confiante no furor

que a produção causaria. Seu raciocínio estava correto. A recepção do público das feiras foi

tão positiva que, em pouco tempo, as salas de exibição de filmes na época abriram as portas

para essa ficção científica.

Méliès esmerou-se no planejamento da maquinaria necessária para as cenas, na criação

de efeitos mecânicos e ópticos, bem como no desenho dos trajes dos “vilões”, que foram

confeccionados com material especial para dar o ar futurista que a história pedia. Mas que

fique bem entendido, não estamos falando de roupas brilhantes espaciais como as que vemos

nos filmes do gênero hoje em dia. Seus “heróis”, por exemplo, vestiam-se com roupas comuns

e até um guarda-chuva compunha o figurino do protagonista, estrelado por Méliès.

Contou com as participações de artistas de circo e de musicais, pois os artistas de

teatro se recusavam a trabalhar no cinema, considerado, no período, como um meio “menor”.

Sendo assim, estrelaram esse filme nomes como o de Bleinette Bernon (cantora), como a lua

crescente; Delpierre, Farjaux, Kelm, Brunnet, nos papéis masculinos; acrobatas do Folies-

Bergére, como os selenitas; meninas do ballet do Chatêlet, como estrelas da constelação etc.

Muito antes de existir a competição espacial entre Estados Unidos e a ex-União

Soviética, chamada “Guerra nas Estrelas”, Méliès já lançava o Homem à Lua. Voyage dans

la Lune foi o primeiro filme de ficção científica da história do cinema. Baseado no livro de

Júlio Verne, Da Terra à Lua e também no romance de H. G. Wells, Os Primeiros Homens

na Lua, demorou um mês para ser produzido, resultando em 260 metros de filme, números

mencionados apenas para termos uma vaga idéia do que representou essa produção para a

época (SADOUL, 1946, p. 25).

Méliès adotava como metodologia de trabalho a elaboração de story board, ou seja,

desenhava cena por cena o que seria filmado posteriormente, em vez de escrever um roteiro

propriamente dito. Dispensava também as anotações técnicas. Não temos informação se ele

procedeu dessa forma nesse filme. Nossa dúvida justifica-se pelo fato de Voyage dans la

Lune ser um filme com um traço narrativo muito marcante. A narratividade impõe certas

condições, entre elas, um roteiro mais definido. Essa não era uma característica dos filmes do

período, muito menos das produções de Méliès.

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45

Essa experiência com a narração talvez explique o sucesso do filme com as platéias

das feiras e salas de exibição. Da mesma forma, talvez esteja aí o motivo da boa receptividade

desse filme até mesmo pelo espectador dos dias de hoje. De qualquer maneira, há

depoimentos de Porter (documentário citado), por exemplo, declarando ter sido Voyage dans

la Lune um modelo para eles, realizadores, num momento em que não sabiam mais para onde

ir. Mais tarde, o cinema enveredaria pelo caminho da narrativização, tornando-se um meio

“contador de histórias” por excelência. Já Méliès, contrariando as expectativas da época,

ficaria à margem desse processo – que também implicava uma industrialização da produção -

decretando assim o seu fim.

Passaremos a descrever, a seguir, utilizando fotos, essa história que começa com a

aventura de seis astrônomos: Barbenfouillis (coordenador da equipe), Micromegas,

Nostradamus, Alcofribas, Parafaraganamus na primeira expedição francesa à Lua, com direito

à foguete de lançamento em forma de bala de canhão, o próprio como mecanismo injetor,

alienígenas meio humanos, meio crustáceos (os selenitas), sem contar com a famosa

aterrissagem na Lua, acertando em cheio o “olho” desse astro:

Uma reunião da sociedade astronômica francesa começa enquanto seis

astrônomos recebem telescópios de seus assistentes. O professor Barbenfouillis

(à esquerda), explica seu plano para uma viagem à Lua. Após muito debate, o

plano é aprovado

Fig. 2.1 – Viagem à Lua: Reunião Fig. 2.2 – Viagem à Lua: Prof. Babenfouillis

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46

O trabalho começa na confecção do projétil ao qual deve ser ateado fogo de

um canhão enorme. Os astrônomos prestam atenção à fabricação do canhão

do telhado.

Fig. 2.3 – Viagem à Lua: Confecção Fig. 2.4 – Viagem à Lua: Astrônomos

O trabalho foi terminado no projétil e os astrônomos entram.

Fig. 2.5 – Viagem à Lua: Projétil Fig. 2.6 – Viagem à Lua: Entrada

Os assistentes carregam o projétil no canhão.

Fig. 2.7 – Viagem à Lua: Assistentes Fig. 2.8 – Viagem à Lua: Canhão

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47

Pronto, Alvo, Fogo !

Fig. 2.9 – Viagem à Lua: Arremesso Fig. 2.10 – Viagem à Lua: Alvo

O projeto alcança a Lua e os astrônomos começam a aventura.

Fig. 2.11 – Viagem à Lua: Lua Fig. 2.12 – Viagem à Lua: Chegada

Começa a Parte II

Os astrônomos apreciam o surgimento da Terra no horizonte e decidem ir

dormir após a longa viagem.

Fig. 2.13 – Viagem à Lua: Horizonte Fig. 2.14 – Viagem à Lua: Sono

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O sonho dos astrônomos. Sete estrelas vivas e outros corpos celestes.

Fig. 2.15 – Viagem à Lua: Sonho Fig. 2.16 – Viagem à Lua: Estrelas

Uma tempestade de neve começa e os astrônomos procuram abrigo dentro de

uma cratera. Encontram cogumelos gigantes. Ficam espantados quando o

Professor aponta seu guarda-chuva para um cogumelo e ele começa a crescer!

Fig. 2.17 – Viagem à Lua: Tempestade Fig. 2.18 – Viagem à Lua: Abrigo

Os astrônomos são surpreendidos por uma criatura estranha, que ataca o

grupo. O professor bate com o seu guarda-chuva nela, que explode virando pó.

Fig. 2.19 – Viagem à Lua: Cratera Fig. 2.20 – Viagem à Lua: Explosão

Page 50: Tese Doutorado corrigida

49

Os astrônomos são atacados por um bando de criaturas da lua e capturados!

Fig. 2.21 – Viagem à Lua: Criaturas Fig. 2.22 – Viagem à Lua: Captura

Começa a Parte III

Os astrônomos são levados até o rei dos Selenitas, mas, num gesto heróico, o

Professor se joga sobre o rei, aponta seu guarda-chuva para ele e o desintegra.

Fig. 2.23 – Viagem à Lua: Rei Fig. 2.24 – Viagem à Lua: Desintegração

Os astrônomos escapam na confusão e fogem em direção à nave

Fig. 2.25 – Viagem à Lua: Confusão Fig. 2.26 – Viagem à Lua: Fuga

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50

O Professor luta com um selenita enquanto os outros astrônomos entram na

nave. Para retornar à Terra, o Professor retira a âncora e inclina a nave para

baixo do penhasco.

Fig. 2.27 – Viagem à Lua: Luta Fig. 2.28 – Viagem à Lua: Âncora

A nave cai na Terra com o Professor e um selenita pendurados nela. A nave

mergulha no oceano e vai ao fundo.

Fig. 2.29 – Viagem à Lua: Penhasco Fig. 2.30 – Viagem à Lua: Oceano

O ar que existia dentro da nave faz com que ela seja içada até à superfície. Lá,

um navio reboca a nave e os astrônomos são recebidos como heróis

Fig. 2.31 – Viagem à Lua: Terra FIM

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51

2.11 – CONTRIBUIÇÕES DE MÉLIÈS AO CINEMA DO SÉCULO XX

Tom Gunning felizmente tem sido dos primeiros a reconhecer que a separação radical entre ‘cinema de atração’ e cinema narrativo precisa ser revista. Em geral, tem feito essas declarações quando se refere à presença de elementos desse ‘cinema de atrações’ inclusive na produção cinematográfica contemporânea. ‘O sistema de atrações permanece como uma parte essencial do cinema popular, naquilo que pode ser chamado o cinema de efeitos de Spielberg-Lucas-Coppola’ (GUNNING, 1996, p. 61, apud, LABAKI, 1996, p. 373). Comentamos as atualidades reconstituídas porque sua existência evidencia aquilo que consideramos como o traço definidor dos primeiros filmes, sejam eles ficções, reconstituições ou registros de fatos reais: o hibridismo e as referências intertextuais (COSTA, 1994, p. 130).

Pela fala desses dois autores, destacamos os pontos que mais aproximam o cinema de

Méliès e o praticado pelo realizador contemporâneo. Partindo do princípio do cinema de

atração, localizamos, de imediato, as produções hollywoodianas, particularmente, as que se

utilizam de recursos da informática, que encarnam a essência de espetáculo propagada no

primeiro cinema do início do século passado.

Esses filmes possuem um rigor técnico indiscutível, que contribui para que o seu

acabamento, para que a sua “forma” seja impecável. É um cinema que existe para ser visto,

admirado, contemplado. Hollywood chega ao ponto, às vezes, de ser negligente com o

conteúdo dessas fitas. Não são raros os momentos em que o público comparece às salas de

cinema para maravilhar-se com o show de efeitos especiais. São tantas explosões, evoluções

no mar, no céu ou na Terra, transformações fantásticas, que a possibilidade de um roteiro bem

estruturado, de uma direção mais preocupada em despertar nossa sensibilidade e inteligência

não é levada tão a sério (REVISTA SET, 1989).

Manovich (2002, p. 193) esclarece:

Em 1979, a Lucasfilm, companhia de George Lucas, organizou uma divisão de pesquisa de animação computadorizada. Essa divisão empregou os melhores especialistas em computação para que eles produzissem animações para uso em efeitos especiais. A pesquisa para os efeitos especiais em filmes como Star Trek II: The Wrath of Khan (Nicholas Meyer, 1982) e Return of the Jedi (Richard Marquand, 1983) permitiram o desenvolvimento de algoritmos importantes que passaram a ser amplamente usados.

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O público de hoje está ávido por novas experiências sensoriais, assim como estava o

do nascente século XX. Quer fascinar-se com o exótico, quer ser desafiado com a

apresentação de uma outra lógica, de algo que desnorteie os seus sentidos, que lhe tire o chão

debaixo dos seus pés. A indústria americana copiou, com isso, a fórmula de encantar as

multidões por meio da magia do espetáculo. Adotou, para isso, entre outros, o recurso dos

efeitos especiais, da mesma forma que Méliès, no início do século passado (REVISTA SET,

1989).

Dotado de uma personalidade visionária, Méliès produziu Voyage dans la Lune, seu

filme mais famoso, em 1902. Décadas depois, muitos filmes abordariam o tema da conquista

do espaço pelo homem. Implicações políticas à parte, o início da utilização dos efeitos

especiais no cinema se deu, coincidentemente, por uma ficção científica que explorava o tema

das viagens espaciais: Star Wars (Guerra nas Estrelas) de George Lucas, em 1977.

Os efeitos especiais fendem a chamada realidade e nos transportam para uma outra

dimensão. Segundo Cristiane Freitas (2000, p. 26), o efeito especial é, portanto, o meio pelo

qual o impossível e o mágico se tornam visíveis, participando regularmente do processo de

formação das identidades fílmicas. Freitas (2002, p. 28) acrescenta: Méliès com seus truques

de crescimento exagerado, multiplicações, encolhimentos, mutilações estava, intuitivamente

lançando as bases do morphing. Muitas produções hollywoodianas perderiam seu impacto junto ao público se fossem privadas desses efeitos de distorção, decomposição e transfiguração experimentados, primeiramente, por Méliès. A título de ilustração, gostaríamos de citar o exemplo das simulações de imagens, que produzem no espectador um processo chamado de “imersão”. Este é obtido por certos dispositivos como a projeção de imagens “anamórficas” sobre uma tela gigante ou hemisférica muito presentes em shoppings e parques de diversão. Esse tipo de espetáculo é herdeiro da fantasmagoria, que já era destaque no século XIX e que associava os dispositivos da projeção aos efeitos do roteiro teatral (FREITAS, 2000, p. 29).

Da mesma forma, gostaríamos de lembrar o segundo ponto identificado pelos autores

citados - o hibridismo e as referências intertextuais – apenas para lançar luzes sobre essa

questão que será abordada posteriormente.

O cinema de Méliès, bem como de outros realizadores do primeiro cinema, constitui-

se como essencialmente híbrido. A recorrência constante ao teatro, de mágica

particularmente, ao desenho, à pintura, à literatura, à fotografia torna a intertextualidade

bastante evidente.

Já o cinema do século XX, por meio da incorporação de elementos da “linguagem” do

vídeo, juntamente com a utilização de suportes informáticos, transforma-se num híbrido

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53

permeado pelas tecnologias/linguagens que surgiram a partir da segunda metade do século

passado. Voltaremos nesse ponto quando enfocarmos o cinema contemporâneo.

Por fim, resta dizer que Méliès - com toda a sua genialidade – foi atropelado pelo

curso da história. Arlindo Machado (1997, p. 85) esclarece:

Conforme avança a primeira década do século, as fantasias, os delírios, as extravagâncias dos primeiros filmes entram em declínio e são aos poucos substituídos por um outro tipo de espetáculo, mais doméstico, preocupado com a verossimilhança dos eventos, seriamente empenhado em se converter no ‘espelho’ do mundo para refletir a vida num nível superior da contemplação. O naturalismo começa a se impor então como uma espécie de ideologia da representação: supõe-se que a experiência humana só ganha credibilidade na medida em que a sua simulação na tela se dá em ‘condições naturais’, a fábula legitimada pela mimese

(MACHADO, 1997, p. 85).

Méliès pode ter sido ultrapassado pelas exigências do emergente cinema do início do

século XX. No entanto, continua “em cartaz”, mesmo desempenhando um papel secundário,

no cinema da contemporaneidade, com a capacidade de despertar em nós uma nova emoção,

de provocar um outro olhar, de proporcionar uma experiência diferente cada vez que o

assistimos. Nesse sentido, apresentamos um trecho do depoimento dado por Paolo Cherchi

Usai (As Viagens Imaginárias de Méliès, 1978). Ele pergunta: “O que distingue Méliès de

outros realizadores que também utilizaram trucagens, como os estúdios de Pathé, por

exemplo? O fato de Méliès ser irrepetível. Podemos assistir ao mesmo filme centenas de

vezes, que este vai sempre nos impressionar como se fosse a primeira exibição, vai conservar

o frescor da primeira vez.”

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54

O CINEMA COMERCIAL DA CONTEMPORANEIDADE

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55

(...) sobre o impacto das novas tecnologias no cinema contemporâneo, no sentido de mostrar que elas reativam antigas questões quanto à representação cinematográfica e que, apesar das transformações na maneira de fazer e de ver os filmes, a essência como foi concebido o espetáculo continua intacta (FREITAS, 2000, p. 26).

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56

3.1 -. APRESENTAÇÃO

Trata-se da parte do trabalho que enfocará o cinema comercial da contemporaneidade.

Esse período, ainda em andamento, será abordado nos seus aspectos principais, tendo em vista

os pontos de aproximação com o cinema dos primórdios.

Iniciamos essa parte com a transição do século XIX para o século XX. Uma

contextualização do século em questão fez-se necessária, assim como uma rápida explanação

sobre o cinema dos dias de hoje.

Nesse capítulo aprofundamos os estudos sobre os efeitos especiais. Um olhar

retrospectivo esclareceu sobre as primeiras utilizações de efeitos especiais. Uma revisão

bibliográfica encarregou-se de apontar as diferentes visões dos autores sobre os termos efeitos

especiais e trucagens. Da mesma forma, vários conceitos de efeitos especiais foram

apresentados.

Para por fim à polêmica terminológica, uma definição quanto ao uso generalizado do

termo efeitos especiais foi estabelecida, bem como um conceito de efeitos especiais foi

cunhado por nós.

Além disso, consta nesse capítulo uma exemplificação dos principais efeitos especiais

utilizados em produções que foram sucesso de público e/ou de crítica. Por fim, uma tipologia

dos efeitos especiais aparece como Anexo A .

Após esse estudo preliminar sobre os efeitos especiais debruçamo-nos sobre a análise

do filme Matrix (Larry e Andy Wachowski, 1999), obra escolhida por nós como representante

do cinema comercial da contemporaneidade. Uma apresentação geral dessa produção serviu

de pano de fundo para um detalhamento dos efeitos especiais inaugurados por essa fita.

Restou-nos, então, a discussão em torno das semelhanças entre o cinema dos

primórdios e o cinema da contemporaneidade. Este estudo comparado baseou-se, como

destacado na parte inicial desse estudo, em três aspectos principais, a saber:

• hibridismo: presente na feitura dos filmes;

• espetacularização: constatada no produto filme;

• verossimilhança: observada na impressão de realidade de ambos;

A construção dessas identidades fílmicas constituiu-se na conclusão do nosso trabalho.

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3.2 - DE VOLTA PARA O FUTURO Carro. Carmim. Cabelo curto. Chanel. Chaplin. Charles on. t

i.

.

.

. ,

i

Crash. Empire State Building. Eliot Ness. Ella Fitzgerald. Edith Piaf. “E o vento levou”. Segunda Guerra Mundial. Salário mín mo. Superman. Stálin. Spray SS Frank Lloyd Wright. Francis Crick. Fórmula 1. Fibra óptica. Fotocópia. Bossa Nova. Betty Friedan. Berlim Ocidental Berlim Oriental. Beatles. Petróleo. Proveta. Pedro Almodóvar. “Perfume de mulher”. Papa. Aids. Atari. “Ata-me”. Anistia Internacional. “A Rosa Púrpura do Cairo”. Guerra do Golfo.Grunge.

Globalização.Genoma Games. Velocidade. Diversidade. DVD. Terrorismo. Consumismo. Cinema. Internet. Celular. Coca-Cola.

No túnel do tempo que nos levou do século XIX ao século XX os acontecimentos se

sucederam num turbilhão. Saímos do “século da razão” para atravessarmos um outro, ainda

inominável. Esse foi o século da rapidez, do compacto, do descartável Na verdade nossa

viagem só deveria terminar no século XXI. No entanto, uma atmosfera sujeita às chuvas e

trovoadas nos fez parar por aqui. Chegamos à estação (não mais de trem, mas espacial),

onde “o céu é o limite...” E para nos deixar nas nuvens nada melhor do que uma cultura

reg da pelo visual, ou melhor, pelo audiovisual. Imagens e sons articulados arbitrariamente

causam-nos diferentes efeitos, mas com certeza, todos eles são especiais.

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3.3 - LUZ, CÂMERA, AÇÃO

Apesar de o estacionamento estar garantido, a pressa define o ritmo a ser seguido. O

destino final não chega sem que tenhamos que vencer um mar de gente se avolumando sobre

nós. É um desfile descompassado de jovens e crianças, saias e gravatas, bolsas e carrinhos de

bebê. No caminho ainda dá tempo de sentir o cheiro quente da pipoca amanteigada e de

arregalar os olhos frente ao “copo médio” de refrigerante.

Uma voz metálica anuncia, do outro lado do vidro, as atrações que estão disponíveis.

Ingressos em mãos, resta-nos correr por rampas e escadas até encontrarmos a nossa sala. Não

somos os primeiros, nem os últimos, mas nossos lugares favoritos ainda estão desocupados.

Logo em seguida as luzes se apagam. Melhor, assim podemos desfrutar mais das

poltronas acolchoadas, já que estamos num espaço que incorpora o conceito arquitetônico de

conforto de ambientes. A sala rapidamente é invadida por um som que só um isolamento

acústico impecável é capaz de produzir. A visão é de longo alcance, como tem que ser num

sistema Kinoplex.

Bem diferente do modesto porão do Grand Café, pomposamente chamado por sua

extravagante decoração de Salon Indien onde – em meio às mesas de refeições e espetáculos

de vaudeville – improvisou-se um projetor em cima de uma escadinha para extasiar, com as

imagens de um trem em movimento, a platéia de 35 pessoas; ao invés das multidões que

lotam as salas dos cinemas dos shoppings de hoje (GUIDI, 1991, p. 93 apud, TOLEDO, 2000,

p. 9).

Após trechos de estórias desconexas, finalmente nos entregamos a uma narrativa que

se estenderá por, no mínimo, duas horas. Este momento deliberado de imersão começa nos

olhos, que varrem a tela da direita para a esquerda, de cima para baixo, não necessariamente

nessa ordem. Passa pelos ouvidos, que vibram com o aumento inesperado dos decibéis.

Estende-se à pele, que se arrepia a cada ângulo apresentado. Concomitantemente a essas

emoções, pulsa um coração abastecido de adrenalina.

No alto comando dessas operações, no entanto, reina um cérebro que filtra

sentimentos, referências e paradigmas. Ele brinca de esconde-esconde quando aceita/não

aceita a magia vinda de imagens que aparecem/desaparecem da tela, encolhem/esticam,

explodem/reconstituem-se num jogo de verdade/mentira. Ele participa tanto do show de

pirotecnia, quanto da direção primorosa do enredo.

Na cadeira, acompanhamos atentos ao desenrolar da ação. E tome ação. O ritmo é

acelerado. As cenas são fragmentadas. A modéstia foi deixada totalmente à parte nas

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produções assistidas. Às vezes buscamos apenas sensações novas. Muitas vezes queremos

mais conteúdo do que forma. Seja como for, acabamos sempre capturados pela impressão de

realidade do cinema. Como bons espectadores que somos rimos, choramos, nos

assustamos...Conservamos o frescor do fascínio pelas imagens em movimento. Tal qual o

homem do século XIX, permanecemos fiéis ao espetáculo cinematográfico.

3.4 - STAND BY

O cinema, nos dias de hoje, é ação – mas também pode ser contemplação. Conserva

momentos de pura tradição linear, porém permite produções que redimensionam a questão

temporal. É digital, embora encontremos muito do “velho” analógico por aí, seja por

economia, ou por nostalgia. Admite um dogma, ou melhor, 95 dogmas5. É americano, bem

como indiano, japonês, brasileiro...É internet, é vídeo-game. É multifacetado. É híbrido,

portanto, difícil de ser definido em poucas linhas.

Caberia a nós, nesse momento, apresentá-lo nos seus vários perfis. No entanto, a

diversidade presente no cinema da contemporaneidade inibe nossa iniciativa. Ao mesmo

tempo, o percurso investigativo escolhido por nós aponta para um cinema específico: o

cinema hollywoodiano. Um cinema voltado para o espetáculo, baseado freqüentemente em

histórias suficientemente simples que permitem escolhas claras a cada reviravolta da narrativa

(FREITAS, 2002, p. 29).

Atualmente, esse cinema confunde-se com a adoção de um procedimento técnico.

Estamos nos referindo à utilização de efeitos especiais. Exaustivamente empregados nas

filmagens da indústria americana, eles são personagens bastante conhecidos do público em

geral. Essa prática, que já virou rotina nos estúdios californianos, ganhou notoriedade há 30

anos.

O uso de suportes informáticos na produção cinematográfica iniciou-se nos anos 70

com o filme Star War (George Lucas, 1977) e Contatos Imediatos do Terceito Grau

(Steven Spielberg, 1977); sem esquecer de 2001: Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick,

5 “A partir de um manifesto elaborado em 1995, por um grupo de cineastas dinamarqueses, impulsionados por Lars von Trier, o Dogma 95 apresenta dez preceitos com o objetivo de regular a atitude dos cineastas (não importando de qual país eles venham) no momento da filmagem. Sob o plano técnico, o manifesto prega a proibição de toda forma de artifício e de jogo com o espaço-tempo (o filme deve se passar aqui e agora); no plano artístico, o movimento é a favor do abandono da noção de autor, o cineasta sendo visto não como o criador de uma obra, mas como o criador de uma seqüência de instantes, tendo cada um deles mais importância que a sua totalidade” ( FREITAS, 2002, p. 32).

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1968) (COSTA, 1989, p. 202). De lá para cá, seu uso tem se intensificado. Isso se deve a

diversos fatores, entre eles:

• barateamento dos custos: por meio dos efeitos especiais cenários, que gastariam

parte significativa do orçamento previsto para a produção, podem ser criados. Uma

multidão composta por figurantes pode ser introduzida no contexto do filme; só

para mencionarmos alguns exemplos;

• viabilidade de cenas: muitas das idéias previstas nos roteiros da atualidade não

poderiam ser executadas sem contar com os efeitos especiais. Transformações de

um estado físico para outro tais como: congelamentos, desintegrações, explosões,

derretimentos, enrugamentos, encolhimentos e muitas outras situações só são

possíveis devido à utilização de efeitos especiais;

• acabamento dado às imagens: o uso de efeitos especiais permite um “refinamento”

das imagens obtidas. É possível corrigir defeitos, problemas técnicos, enfim,

proceder a uma lapidação da imagem a ponto de deixá-la próxima da perfeição

(HOME PC, 1996).

A indústria cinematográfica hollywoodiana tem optado por esse expediente, muito

mais do que as produções euro-asiáticas. A razão para isso parece evidente. Já que o cinema

norte-americano tem interesses fortemente comerciais, nada melhor do que lançar mão de

recursos que vão facilitar a obtenção do lucro desejado com as suas produções. Mas os

aspectos mercadológicos não resumem tudo o que há para dizer sobre os efeitos especiais.

3.5 - EFEITOS ESPECIAIS OU TRUCAGENS? Já estávamos acostumados com as histórias em quadrinhos, com a televisão, com o

vídeo e até o computador parecia-nos mais familiar quando o cinema e os novos efeitos que

foram acrescentados a ele entraram nessa história. Hoje são chamados de efeitos especiais,

mas nem sempre receberam essa denominação. Da mesma forma, esses são considerados

estreantes nesse enredo, mas essa narrativa começou há muito tempo atrás com um visionário

chamado Méliès e suas trucagens. Grande parte desse filme já foi visto no período anterior,

que teve seu momento mais marcante quando aconteceu uma Viagem à Lua.

De lá para cá, outras mágicas foram realizadas. Novos mágicos entraram para o show.

Uma pequena recente história das imagens modificadas foi construída. No entanto, há que se

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dizer que efeitos especiais são muito mais do que pirotecnia hollywoodiana. Ou seja, o papel

que desempenham na realização de um filme vai além da função de simples moldura do filme.

Logo de início uma questão se coloca. Qual a denominação, afinal, que devemos

empregar: trucagens ou efeitos especiais?

Antonio Costa (1989, p. 202) apresenta-nos o pensamento de alguns autores, que ora

estabelecem uma distinção entre os termos trucagens e efeitos especiais, ora nem sequer

mencionam o problema. Logo percebemos que essa variação terminológica configura-se

como uma evolução da linguagem do cinema.

Antes, porém, esse autor faz uma observação bastante relevante a respeito dessa

discussão: Deve-se destacar que caiu em desuso o antiquado termo ‘trucagens’, que evoca os tempos de Méliès e as maravilhas fúteis e surpreendentes oferecidas aos espectadores das feiras, passando a ter maior sucesso o futurista ‘efeitos especiais’, mais adequado para se referir à alta tecnologia

(COSTA, 1989, p. 202).

Não se trata apenas de uma distinção lexical. O termo trucagem, no passado, adquiriu,

em alguns momentos, uma conotação negativa. Falamos no caso do ator Alan Ladd, que

interpretou Shane em Os Brutos também Amam (1953). Era obrigado a representar sobre

“invisíveis” banquinhos para ocultar a sua baixa estatura (COSTA, 1989, p. 204). Por esse e

outros exemplos encontrados, parece-nos que o termo trucagem foi mais empregado para

expressar situações ilusórias, para “enganar” o público.

Já o termo efeitos especiais é definido por alguns glossários como técnicas,

tecnológicas ou não, que ajudam no realismo de imagens, que dificilmente se realizariam com

o mesmo sucesso, se fossem feitas da maneira tradicional. Essa e outras definições observadas

apontam para uma utilização do termo em situações em que se pretende “falar a verdade” para

o público. No entanto, esse conceito de verossimilhança tem que ser revisto, pois estamos

falando de um realismo de imagens que nos apresentam, por exemplo, pessoas voando, ou

atravessando paredes.

Entre os autores citados, COSTA (1989) menciona rapidamente o glossário

cinematográfico de Grazzini (1982). Para esse autor não está codificada uma distinção entre

trucagens e efeitos especiais, “se bem que – acrescenta o autor – esses últimos exijam um

sistema mais complexo de fantasia e das inovações tecnológicas”.

Autores como Farassino propõem sutis distinções:

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Trucagens e efeitos especiais não são noções homólogas porque se colocam em dois níveis diversos da existência do filme. A trucagem é o que produz o efeito especial. A trucagem existe, mas não se vê. O efeito especial, ao contrário, como espetáculo, é visto e deve ser visto. Se a trucagem não pode fazer o espetáculo, o efeito especial é espetáculo por excelência e deixa indecifrável a relação com o que existe, com a realidade (1980, p. 201apud, COSTA, 1989, p. 202-203).

A diferenciação apresentada por Farassino interessa-nos para as argüições que faremos

posteriormente sobre a espetacularização presente no cinema da contemporaneidade, bem

como no cinema dos primórdios.

Há autores como Brosnan (1976, p. 9 apud, COSTA, 1989, p. 203) que estabelecem

uma diferenciação entre os efeitos especiais e os efeitos fotográficos especiais. Os primeiros

são propriamente efeitos físicos e mecânicos e, acrescenta Brosnan, há casos em que o

trabalho de um especialista de efeitos não tem nada a ver com as trucagens e a ilusão, “como

quando explode realmente um edifício ou manda-se um trem ponte abaixo” (1976, p. 9 apud,

COSTA, 1989, p. 203).

Costa tenta elucidar essa questão apelando para as diferentes conotações que os dois

termos podem apresentar. Já foi dito anteriormente como as trucagens, utilizadas no passado,

redundaram numa solução “enganosa” para o espectador e por isso adquiriram uma conotação

negativa. Sobre os efeitos especiais ele complementa:

O termo ‘efeitos especiais’ revelou-se mais adequado ao papel cada vez mais importante que as técnicas de filmagem e de manipulação da imagem assumiram no cinema contemporâneo, sobretudo depois que os investimentos em tecnologia começaram a consumir uma boa parte do orçamento total de um filme e desde que as tradicionais técnicas cinematográficas foram integradas ou substituídas pelas eletrônicas (COSTA , 1989, p. 204).

Mas é Metz quem enriquece essa discussão quando, não apenas assume o termo

trucagem, como apresenta uma classificação das trucagens. Acrescentamos a visão desse

autor, devido à relevância das implicações apontadas por ele, ou seja, devido à apresentação

de um olhar diferenciado para o termo trucagens, que não havia sido percebido pelos autores

mencionados ou por outros que não foram considerados nesse momento; haja vista a

classificação minuciosa instituída por ele. No campo da produção, Metz distingue os “truques

pró-fílmicos” das “trucagens cinematográficas”.

Convencionando que a “pró-fílmico” atribui-se o significado de “tudo o que é

colocado diante da câmera para que ela o“tome”, Metz define como pró-fílmico aqueles

truques que intervêm antes do ato de filmar. Por exemplo: a substituição do ator por um

figurante ou por um manequim, ou o uso de expedientes como alçapões, engenhos para fazer

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um ator voar etc (METZ, 1972, p. 274-76 apud, COSTA, 1989, p. 204). Alguns

procedimentos de Méliès estariam encaixados nessa categoria, se adotássemos essa

classificação. Vê-se que essa categoria corresponde, grosso modo, ao que Brosnan define

como efeitos físicos ou mecânicos (COSTA, 1989, p. 204).

Metz propõe uma outra classificação, dessa vez tendo em vista a maneira pela qual as

trucagens são percebidas pelo espectador (regimes perceptivos da trucagem). Ele define três

tipos: trucagens imperceptíveis, trucagens invisíveis, mas perceptíveis, trucagens visíveis

(COSTA 1989, p. 205).

São imperceptíveis as trucagens que “funcionam” somente com a condição de que o

espectador não se dê conta de nada. Por exemplo: o uso de um figurante para substituir um

ator (METZ, 1972, p. 278 apud, COSTA, 1989, p. 205). São invisíveis, mas perceptíveis as

trucagens a respeito das quais o espectador não sabe onde estão e em que ponto do texto

fílmico intervenham, mas percebe a sua existência. É o caso do “homem invisível” (METZ,

1972, p. 278 apud, COSTA, 1989, p. 206). Já as trucagens visíveis são aquelas que são não

apenas claramente identificadas como tais (como é o caso do flou, do ritmo acelerado, do

ritmo lento, da sobreimpressão, da fusão), mas apresentadas e percebidas como manipulações

explícitas da imagem (METZ, 1972, p. 278 apud, COSTA, 1989, p. 206).

As considerações de Metz citadas acima tocam em pontos delicados da teoria

cinematográfica. Estamos nos referindo à questão da reprodução, ou seja, do cinema como

meio produtor de duplos - portanto – de “cópia” da realidade, que é colocada em xeque pela

possibilidade da simulação. Falamos ainda da evolução da linguagem cinematográfica

impulsionada pela evolução técnica proporcionada pelos efeitos especiais – como é o caso de

algumas trucagens visíveis que se tornaram efetiva conduta gramatical e sintática (como por

exemplo, o flou ou imagem desfocada, que surgiu como truque, mas que já está incorporada à

linguagem cinematográfica). Voltaremos a esses aspectos posteriormente.

COSTA (1989) faz uma observação lexical, baseado nos estudiosos dos gêneros

literários ou cinematográficos (como PRÉDAL, 1970 e TODOROV, 1970), que dá margem a

um outro tipo de classificação, dessa vez para os efeitos especiais. Ele sugere que essa

expressão possui um correspondente antitético: efeitos ordinários. Segundo o autor, “a

representação (simulação) de certos eventos pode ocorrer mediante um procedimento

ordinário ou extraordinário em relação à natureza do evento e à modalidade de visualização”

(COSTA, 1989, p. 207).

Podemos chamar de ordinários os eventos que entram no âmbito das leis naturais conhecidas e das possibilidades técnico-científicas que são

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patrimônio comum da humanidade; extraordinários os que transgridem uma e outras ou ambas. Em geral, os efeitos especiais foram usados exatamente para tornar representáveis eventos deste tipo. Contudo será necessário destacar que os limites entre ordinário e extraordinário foram sendo modificados em conseqüência do progresso técnico-científico (COSTA, 1989, p. 207-208).

Os efeitos especiais podem simular eventos ordinários e extraordinários apresentados por sua vez através da simulação de modalidades de visão ordinárias e extraordinárias, cujos limites também são móveis e variam com a variação da competência visual do espectador. Um critério para definir o extraordinário e o ordinário nesse campo pode ser o da compatibilidade com o código de expectativas do espectador, ou seja, com aqueles que são os seus hábitos perceptivos e que podem coincidir com as convenções de representação realista, mas também com aqueles que se estabilizaram nos gêneros não realistas (COSTA, 1989, p. 208).

Por fim, Costa menciona um ensaio de Todorov Introduction à la Litératur

Fantastique) sobre a literatura fantástica. Segundo esse autor, a essência do fantástico

consiste na hesitação do leitor (que dura todo o tempo da leitura) entre uma explicação natural

e uma explicação sobrenatural dos eventos extraordinários de que o texto o faz participar

(TODOROV, 1970 apud, COSTA, 1989, p. 211).

A partir daí Costa postula que:

A teoria da ‘hesitação’ de Todorov poderia ser alargada ao cinema fantástico, mas nos oferece também a pista para identificar na ‘hesitação’ a propriedade fundamental dos efeitos especiais. Frente a esses o prazer do espectador se nutre da incerteza de atribuir o fascínio ao extraordinário universo em que é mergulhado ou ao extraordinário mecanismo que o simula (1989, p. 211-212).

Como podemos observar, a questão terminológica que lançamos anteriormente possui

diversas opiniões. Algumas são divergentes, mas acreditamos que elas são, no seu todo,

complementares. Nessas tentativas de lançar luzes sobre essa discussão, muitos conceitos de

efeitos especiais foram apresentados. Acrescentaremos, ainda, a visão de mais uma

pesquisadora.

Cristiane Freitas (FAMECOS, 2002, p. 26-33) afirma que:

O efeito especial é, portanto, o meio pelo qual o impossível e o mágico se tornam visíveis, participando regularmente do processo de formação das identidades fílmicas.

Reapresentamos o pensamento dessa autora (já mencionado quando abordamos o

cinema dos primórdios) por julgá-lo relevante para esse esforço de constituição de uma

conceituação para o termo efeitos especiais, bem como para a solução desse debate.

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65

A posição da mídia a respeito desse tema também foi levada em consideração por nós.

Segundo Marco Aurélio Sanchez:

Os efeitos especiais hoje têm esses dois papéis no cinema. O de tornar o irreal possível e o de tornar o real mais real ainda (MUNDO MIX MAGAZINE, 2000).

Resta-nos enfrentar esse problema, encerrando-o com a nossa proposição a respeito

dessa questão, bem como cabe nesse momento a nossa definição para o termo efeitos

especiais. Sendo assim, esclarecemos que adotaremos o termo efeitos especiais tanto para o

cinema dos primórdios, representado pela obra de Georges Méliès, quanto para o cinema da

contemporaneidade – presente no trabalho dos irmãosWachowiskis.

Nossa escolha levou em conta dois fatores principais. Primeiramente, consideramos o

desuso do termo trucagens. Nossa pesquisa pretende contribuir positivamente para a evolução

do cinema com um novo olhar sobre o uso dos efeitos especiais. Soaria anacrônica uma

postura que adotasse o termo trucagens para as produções realizadas nos dias de hoje.

Por outro lado, se empregássemos o termo trucagens estritamente para o cinema dos

primórdios, correríamos o risco de cristalizar um preconceito, já que a utilização desse termo

no passado, na maioria das vezes, teve um caráter pejorativo. Dessa forma, não faríamos jus

ao talento de Georges Méliès. Discordamos dos autores que consideram ingênuos e primitivos

os procedimentos desse cineasta. É justamente a falta de tecnologia de ponta o que torna a

delicada tarefa de montagem realizada por Méliès (apresentada em detalhes anteriormente)

um exemplo da mais sofisticada das artes. Suas múltiplas sobreimpressões para aparições,

desaparições, transformações de estado físico etc feitas manualmente e sempre na iminência

da película se romper constituem-se em exemplos de arrojo tecnológico.

Daí referir-se aos seus truques - cenográficos, fotográficos, ou puramente

cinematográficos – como efeitos especiais - é dar um tratamento “contemporâneo” ao cinema

dos primórdios. É também o estabelecimento de uma ponta de aproximação entre o cinema da

contemporaneidade e o cinema dos primórdios.

Outra razão para nossa opção pelo termo efeitos especiais é a implicação que essa

denominação possui com o caráter de espetáculo presente no cinema. Por efeitos especiais

entendemos, normalmente, um show de imagens e sons. Todos os esforços (e recursos) são

empregados no sentido de maravilhar o espectador de cinema.

Dessa forma, descobrimos no cinema da contemporaneidade mais um traço em

comum com o cinema dos primórdios, já que as produções de Méliès primavam por ser o

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espetáculo por excelência. A versatilidade, a eficácia, e os resultados obtidos com a utilização

de suportes informáticos configuram-se como os truques de mágica do século XX.

Uma vez estabelecida a utilização do termo efeitos especiais, tanto para os

procedimentos e técnicas de simulação de imagem do cinema dos primórdios, quanto para os

do cinema da contemporaneidade apresentaremos nossa definição para essa expressão.

Alertamos, no entanto, para o fato de nosso conceito atender aos propósitos dessa pesquisa, ou

seja, essa conceituação é mais um espaço de defesa da relação de semelhança que existe entre

o cinema dos primórdios e o cinema da contemporaneidade percebida pelo uso de efeitos

especiais. Além disso, queremos destacar que consultamos, mas não adotamos os conceitos

apresentados pelos autores citados por Costa (1989), ou mesmo os mencionados por esse

autor, a despeito de concordamos com muitas das idéias anunciadas.

Isso posto, declaramos que consideramos os efeitos especiais o nível mais sensível de

hibridização das mídias. Devemos entender o termo hibridização ou hibridismo como o

processo de convergência de várias formas de linguagem para dar origem a uma outra

linguagem. Contudo, a adoção deste conceito exige a abertura de um parêntese para a

apresentação do pensamento de dois autores.

Segundo Clayton Antônio S. da Silva, no texto Um olhar sobre o cinema eletrônico:6

O cinema produzido na segunda metade do século XX é um cinema antesde tudo produzido sob o crivo de diversas técnicas e tecnologias, em especial, a tecnologia de caráter eletrônico, primeiramente analógica, em seguida digital. Quando não ‘materializada’ especificamente nos suportes digitais, a imagem do cinema digital é transposta a este suporte através do processo de digitalização de imagens, transformando ou não o seu correspondente original fotoquímico ou videográfico, alterando ou mantendo a sua constituição primária. Outra possibilidade seria um cinema híbrido composto por imagens de diversos suportes de produção e ‘costuradas’ através de suportes digitais. Quase inumeráveis, as possibilidades de manipulação das imagens por parte de seus produtores, surgidas com o advento da computação gráfica, passam a desafiar não somente pela diversidade do novo, quanto pela mescla com o já tradicional, no momento em que esta mesma imagem flerta com os suportes mais antigos de constituição das imagens.

Complementando a visão do autor citado acima, transcrevemos parte da entrevista

concedida pelo pesquisador Pedro Nunes: O cinema eletrônico é exatamente esse cinema expandido cujo espaço de articulação das representações funciona como um lugar apropriado para as conjunções de diferentes suportes tecnológicos, ou mesmo se apresenta como espaço semiótico de intersecções de linguagens diversas. Esse cinema híbrido, andrógino ou mesmo expandido, faz renascer das cinzas o cinema mais tradicional, que se apóia unicamente em uma base fotoquímica, dando lugar a um tipo de cinema que estabelece uma atitude vampiresca com os

6 Disponível em: < http://www.decos.ufal.br/multireferencial/textos1e.htm >. Acesso em out. 2004.

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novíssimos suportes de base eletrônica e digital, como também efetua um giro no sentido oposto, dialogando com suportes expressivos que antecedem ao cinema como a própria fotografia, a pintura, a literatura, a dança, a gestualidade etc. Assim, o cinema eletrônico, entendido enquanto um sistema de construção simbólica, se caracteriza por esse diálogo que trava com as tecnologias contemporâneas, seja na etapa de planejamento do filme, treinamento de atores, elaboração de roteiro eletrônico, gravação, pré-visualização de montagem, incorporação da eletrônica na narrativa alterando a própria textura da imagem fílmica, ou mesmo, encontrando um novo espaço de veiculação por circuitos caseiros, cabos ou transmissões por satélite. Então, o cinema ao beber de forma parcial ou total nessas novidades tecnológicas, torna-se muito mais impuro e muito mais maleável em seus diferentes momentos de planejamento, produção, pós-produção e circulação, tenha ele uma estruturação estética ou não.7

Como podemos observar, o hibridismo no cinema está em curso desde a segunda

metade do século XX. Santaella (2003, p.15-16) esclarece: Por volta do início dos anos 80, começaram a se intensificar cada vez mais os casamentos e misturas entre linguagens e meios, misturas essas que funcionam como um multiplicador de mídias. Estas produzem mensagens híbridas como se pode encontrar, por exemplo, nos suplementos literários ou culturais especializados de jornais e revistas, nas revistas de cultura, no radiojornal, telejornal etc. A proliferação midiática, provocada pelo surgimento de meios cujas mensagens tendem para a segmentação e diversificação, e a hibridização das mensagens, provocada pela mistura entre meios, foram sincrônicas aos acalorados debates dos anos 80 sobre a pós-modernidade.

Pensamos que a hibridização das mídias atingiu o seu ponto máximo com a

consolidação da utilização dos efeitos especiais. Com isso, nossa definição de efeitos

especiais traz no seu bojo discussões sobre o estatuto da linguagem cinematográfica.

Consultamos ainda outros autores que mencionam o processo de hibridismo no meio

audiovisual. Bernadette Lyra (2002, p. 54) considera o cinema um híbrido polêmico, a

começar pela divergência entre os irmãos Lumières e Georges Méliès marcada por uma

aproximação da magia por este e da ciência por aqueles.

Júlio Plaza (1987, p. 13) apresenta-nos um conceito ampliado de hibridismo. Segundo

ele, No movimento constante de superposição de tecnologias sobre tecnologias, temos vários efeitos, sendo um deles a hibridização de meios, códigos e linguagens que se justapõem e combinam, produzindo a Intermídia e a Multimídia.

Continuamos a citar o autor que nos acrescenta as seguintes explicações:

Já vimos com McLuhan como a hibridização ou encontro de dois ou mais meios constitui um momento de revelação do qual nasce a forma nova. Assim, o processo de hibridização nos permite fazer os meios dialogarem.

7 Disponível em: < http://www.decos.ufal.br/multireferencial/textos/entrevista2ahtm >. Acesso em out. 2004.

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Diana Domingues (1993, p. 37) esclarece-nos sobre seu processo de criação

mencionando procedimentos de hibridismo da imagem eletrônica:

Durante o processamento, manipulo imagens gravadas nas fitas magnéticas por cenas gravadas em externas ou estúdio como também misturo imagens pré-existentes, fotografias, imagens reproduzidas em livros, revistas, utilizo outras cenas pré-gravadas, imagens de televisão, numa total hibridização de códigos e linguagens.

Santaella (2003, p. 135) define as artes híbridas e apresenta algumas razões para o

processo da hibridização: Há muitas artes que são híbridas pela própria natureza: teatro, ópera, performance são as mais evidentes. Híbridas, neste contexto, significa linguagens e meios que se misturam, compondo um todo mesclado e interconectado de sistemas de signos que se juntam par formar uma sintaxe integrada. São muitas as razões para esse fenômeno da hibridização, entre as quais devem estar incluídas as misturas de materiais, suportes e meios, disponíveis aos artistas e propiciadas pela sobreposição crescente e sincronização conseqüente das culturas artesanal, industrial-mecânica, industrial-eletrônica e teinformática.

Notamos nas citações acima que a aplicação do termo hibridismo acontece nas trocas

entre tecnologias, códigos e linguagens diversas que comparecem para compor o quadro

audiovisual.

Com isso, pretendemos resgatar, no cinema de Méliès, precursor de uma miscigenação

das mídias – uma prática que se tornaria o fundamento do cinema da contemporaneidade.

Demonstraremos como algumas das “inovações” da realização cinematográfica

contemporânea têm raízes no cinema dito “primitivo” de Georges Méliès.

O desenvolvimento desse aspecto, juntamente com outras implicações que aparecem

de forma indissociável, constituem-se o prato de resistência desse trabalho. Contudo, maiores

esclarecimentos sobre os efeitos especiais fazem-se necessários antes de penetrarmos no

âmago dessa pesquisa.

No tópico seguinte, apresentaremos informações complementares sobre os efeitos

especiais, tais como os tipos mais usados e como são obtidos. Com isso, nosso conceito sobre

efeitos especiais ficará mais acessível. Um estudo exploratório sobre efeitos especiais, que

resultou numa tipologia e numa categorização dos mesmos, é apresentado no final do

trabalho, na parte referente aos anexos.

Isso posto, compreenderemos que, embora a referência à tecnologia computacional

seja primordial para o entendimento do hibridismo no cinema a partir da utilização de efeitos

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especiais, ela não resume tudo o que há nessa relação. Caso contrário, não poderíamos usar o

termo efeitos especiais para o cinema de Méliès. Por fim, veremos como a adoção desse

conceito constitui-se em mais uma evidência da semelhança existente entre o cinema dos

primórdios e o cinema comercial da contemporaneidade.

3.6 - EFEITOS ESPECIAIS: POR UMA EXEMPLIFICAÇÃO

Para completar nossa explanação sobre os efeitos especiais apresentaremos alguns dos

principais efeitos e sua aplicação em filmes já consagrados pelo público e/ou pela crítica. Mas

do que um inventário de técnicas, mostraremos o avesso multifacetado desses efeitos.

Sempre que pensamos em efeitos especiais, imaginamos que por trás daquelas

evoluções fantásticas existe um número infinito de softwares de tratamento de imagem de

última geração. De fato, a tecnologia computacional estendeu ao máximo os limites da

utilização de efeitos, de forma a transformar o impossível em algo muito provável de ser

realizado. Mas nem só de tecnologia digital vivem os efeitos especiais.

Muitos dos efeitos estampados nas telas são obtidos por meio de técnicas que fazem

jus a mais pura tradição artesanal. Referimo-nos à criação de miniaturas, à confecção de

bonecos, de criaturas, de matte paintings (pinturas de cena), de maquetes etc. A produção

desses efeitos envolve noções básicas de desenho (artístico e técnico), pintura e escultura.

Conhecimento e habilidades artísticas são requisitos essenciais nessa hora.8

O desenho (artístico e técnico) está nos bastidores da maioria dos efeitos especiais. Por

meio dele é possível realizar esboços, projetar luz e sombra, criar perspectiva e elaborar

composições que sejam condizentes com o propósito do filme. O desenho técnico, por

exemplo, é importante para os projetos de maquetes e miniaturas.

O domínio de algumas técnicas de pintura, como a da aguada, pintura em papel na

qual a tinta (em aquarela, gauche ou nankin) é diluída com água a fim de se obter cores suaves

e quase transparentes - é fundamental para a criação de storyboards, de desenhos de produção

e pinturas de cenário. Já o uso de aerógrafo (um aparelho que produz um jato de ar, que tem a

função de um pincel) é utilizado na pintura de esculturas de bonecos e roupas de borracha em

tamanho natural. Há ainda as pinturas com tinta acrílica (para desenhos de produção e matte

paintings), pintura em vidro (para algumas matte paintings) e pintura em gesso.

A confecção de diversas texturas como poros da pele humana, veias, dobras, linhas de

rugas, peles de animais (como dinossauros e lagartos) ou ainda cabelos, olhos, dentes, placas 8 Disponível em: < http://www.geocities.com/themsfx/msfx.htm >. Acesso em out. 2004.

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e/ou couraças de animais são obtidos por meio de técnicas de escultura. Da mesma forma são

produzidos os bonecos de massinha e partes do corpo humano ou de animais como cabeças,

asas etc. Para essas esculturas são usados diversos materiais como argila, pedra, madeira,

isopor, porcelana fria ou biscuit.

As esculturas de maquetes enquadram-se nas esculturas de pequeno porte utilizadas na

pré-visualização e estágios conceituais no projeto de personagens. Elas também ajudam na

criação de personagens digitais 3D, servem como referência quando se trabalha com criação

digital.

A seguir, apresentaremos com mais detalhes alguns dos efeitos citados acima que

envolvem processos artesanais na sua realização.

1. Modelo. Miniatura. Maquete

Modelo é uma réplica de algum cenário ou veículo que precisa apenas ser semelhante

a um objeto que se queira representar. O modelo não desempenha as funções do objeto,

apenas se parece com ele. Pode ser em tamanho natural, em tamanho ampliado ou em

tamanho reduzido. Os modelos em tamanho reduzido são menores que o objeto que se quer

representar, portanto, eles são miniaturas.9

No filme Independence Day (Roland Emmerich, 1996) temos um exemplo de

miniatura. Trata-se da cena em que a nave aparece perto dos atores na área 51. Nesse caso, foi

construído um modelo em escala 1:1 com 18m de envergadura.10

Maquete é uma miniatura que foi criada apenas para visualizar um objeto que será

construído e não para ser semelhante a ele. Na construção de uma maquete não há a

preocupação com a representação dos detalhes do objeto, pois o interesse não é o de produzir

uma cópia exata do objeto. Reproduz-se a forma e as cores do original para que se possa

verificar como será quando pronto.11

As miniaturas são usadas principalmente para:

- cenas caras. Muitas cenas ficam mais baratas se forem usadas miniaturas. Foi isso o

que aconteceu no filme Exterminador do Futuro I (James Cameron, 1984) quando um

caminhão-tanque explode com o exterminador dentro;

- cenas difíceis ou mesmo impossíveis. No filme Independence Day naves

alienígenas destroem a Casa Branca e o Empire State. Como é impossível destruí-los, a

9 Disponível em : < http://www.geocities.com/themsfx/msfx.htm >. Acesso em out. 2004. 10 Ibidem. 11 Ibidem.

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melhor solução foi construir miniaturas e então destruí-las. No filme Vingador do futuro

(Paul Verhoeven, 1990) uma das cenas mais impressionantes é aquela em que é mostrada uma

paisagem marciana futurista. Para conseguí-la foram usadas miniaturas, já que não se conhece

o cenário de Marte;

- cenas perigosas. No filme Twister (Jan de Bont, 1996) um violento tornado

arremessa pelos ares um enorme caminhão-tanque, que depois cai e explode. Devido ao

perigo evidente representado pela cena foram usadas réplicas. Para isso, os especialistas em

efeitos especiais construíram um modelo de caminhão-tanque do tamanho de um original. No

entanto, usaram materiais muito mais leves.12

Há que se considerar um conceito importante na construção de modelos ou miniaturas:

a escala utilizada. Ela define a relação do tamanho do modelo ou miniatura com o objeto que

se quer representar. Uma escala pode ser natural, de ampliação e de redução. Um modelo

construído na escala natural tem o mesmo tamanho do objeto representado. Ou seja, foi

utilizada a escala 1:1. Um modelo construído 10 vezes maior que o objeto original será

representado por 10:1. Agora se um modelo é construído 10 vezes menor que o objeto

representado fala-se que é uma miniatura em escala 1:10.13

As miniaturas aplicam-se a diversas situações. Ou seja, podemos ter miniaturas de

diversos tipos:

- de cenários: representam as paisagens naturais (montanhas, florestas, geleiras etc) e

as paisagens artificiais (cidades, prédios, casas, monumentos etc);

- de veículos: representam as naves espaciais, helicópteros, carros, trens, submarinos,

navios, motos e demais veículos.14

2. Titeragem

É a arte de manipular bonecos, também conhecidos como títeres. Um boneco pode ser

uma réplica de um humano, animal, criatura ou outro personagem, feito para se mover e “ser

trazido à vida” pelas manipulações de um titereiro.15

A titeragem oferece a vantagem de poder criar personagens inusitados e com atuação

ao vivo, enquanto estão sendo filmados com os atores reais, fato que não acontece com a

animação (seja tradicional, quadro-a-quadro ou digital). A titeragem tradicional compreende

as técnicas de: fantoche, marionete, bonecos de vara e performance.16

12 Disponível em: < http://www.geocities.com/themsfx/msfx.htm > . Acesso em out. 2004. 13 Ibidem. 14 Ibidem. 15 Ibidem. 16 Ibidem.

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Os fantoches também são conhecidos como bonecos de mão. Nesse tipo, a mão do

titereiro está dentro do boneco e é a única ou principal coisa que faz o boneco se mover.

A marionete, ou boneco de corda, é qualquer um dos vários tipos de bonecos

manipulados por meio de cordas. O titereiro fica posicionado acima do boneco. O boneco de

vara é sustentado e controlado por varas ou hastes, que podem ser de madeira, plástico ou

metal leve. Pode ser tanto um simples objeto preso numa vara, como também ser constituído

por mecanismos com várias varas para movimentar braços e pernas. Essa técnica foi utilizada

para manipular um boneco “extraterrestre” no filme Independence Day.17

Já na performance, o titereiro “veste” o corpo do boneco, ou seja, a maior parte do

corpo do titereiro (ou o corpo todo) participa dos movimentos do títere. No filme Alien: a

Ressurreição (Jean-Pierre Jeunet, 1997) a roupa e a máscara do alien são usados pelo

performista Tow Woodruf Jr, da ADI (Amalgamated Dynamic Incorporated).18

Existe ainda o bunraku, uma forma de titeragem tradicional japonesa na qual um

boneco grande e elaborado (120 a 150cm de altura) é manipulado de corpo inteiro na frente

do público. No filme Star Wars – Episódio I: a Ameaça Fantasma (George Lucas, 1999)

essa técnica foi utilizada para dar vida ao robô C3PO. No filme A Conquista do Pólo (1912)

Georges Méliès construiu o maior boneco visto nos seus filmes utilizando uma técnica

semelhante.19

A titeragem avançada recebe o nome de animatrônica. Nesse caso são usados bonecos

eletrônicos e mecânicos animados. Para programar a seqüência de tons que determinam a

seqüência dos movimentos, os programadores usam joysticks e um sistema primitivo de

captura de movimento. Assim, o programador faz os movimentos e um dispositivo traduz os

mesmos em impulsos sonoros gravados em uma fita. Quando a fita magnética é colocada para

“rodar”, os circuitos eletrônicos convertem os impulsos sonoros em movimentos acionando

pistões pneumáticos, hidráulicos e solenóides. Como exemplo disso temos o raptor do filme

Parque dos Dinossauros (Steven Spielberg, 1993).20

3. Objetos de cena

Objetos de cena em inglês são conhecidos como props, que é uma abreviatura para

properties. Essa categoria de efeitos especiais é bastante abrangente. Sendo assim, serão

apresentados alguns exemplos dessa utilização numa produção que foi aclamada pelo público: 17 Disponível em: < http://www.geocities.com/themsfx/msfx.htm > . Acesso em out. 2004. 18 Ibidem. 19 Ibidem. 20 Ibidem.

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Star Wars Episódio I: a Ameaça Fantasma. Nesse filme os objetos de cena foram criados a

partir de elementos do cotidiano, que ganharam uma função muito diferente da que foi

projetada para eles inicialmente. Ou seja, muitos dos efeitos citados abaixo surgiram de

soluções simples, porém bastante inusitada.21

No filme mencionado acima o comunicador do personagem Qui-Gon Jinn (Liam

Neeson) foi criado tendo como molde um aparelho de depilar feminino. Foram adicionados

detalhes para dar a impressão de um comunicador, como parafusos, arruelas, bicos de

encanamento etc. Esse mesmo personagem utilizava em seu cinto cápsulas com a finalidade

de reservar alimentos especiais. Essas foram criadas a partir de tampas de caneta com a parte

de baixo fechada.22

O filme citado acima mostra uma paisagem do planeta Naboo com grandes cascatas.

Na verdade elas foram feitas de sal comum. Para obtê-las uma pá, que derramava sal

lentamente, foi filmada em estúdio com fundo todo preto e bem iluminado. Depois, por

composição digital, o fundo preto foi removido e colocado em seu lugar um fundo da

montanha, que na verdade era uma pintura (matte painting).

Ainda em Star Wars Episódio I: a Ameaça Fantasma uma multidão levantava-se

agitada e eufórica para o início da corrida dos Pod Racers. Para fazer esta cena, a ILM

(Industrial Light & Magic) de George Lucas, fez uso de cerca de 700 cotonetes pintados nas

mais variadas cores, representando as pessoas. Esses foram colocados um a um em uma tela

(semelhante àquelas de peneirar areia) e movimentados por baixo com jato de ar para parecer

que a multidão se movimentava. 23

4. Maquiagem

Esse é um dos mais tradicionais efeitos especiais responsável pela caracterização de

personagem. Como vimos anteriormente, Méliès fez muito uso da maquiagem. Nos anos 20-

30 esse efeito ajudou a compôr os excessos e a “carregar” as expressões dos personagens no

Expressionismo alemão. Ainda nos anos 30, notamos a utilização da maquiagem no filme

Frankenstein (James Whale, 1931). O artista de maquiagem Jack Pierce criou o personagem

monstruoso vivido pelo ator Boris Karloff com enchimentos de algodão e aplicação de

colódio, uma espécie de plástico líquido.24

21 Disponível em: < http://www.geocities.com/themsfx/msfx.htm >. Acesso em out. 2004. 22 Ibidem. 23 Ibidem. 24 Ibidem.

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Em Tootsie (Sidney Pollack, 1982) o ator Dustin Hoffman submeteu-se a uma

transformação radical para encarnar a personagem Dorothy Michaels. Para a mudança de sexo

e alteração de peso a equipe de maquiagem tratou de depilar pêlos da mão e da sobrancelha do

ator, que também foram clareadas. Adicionar grandes unhas falsas. Implantar 3 pares de cílios

postiços em cada pálpebra, um em cima do outro. Além da utilização de adesivos especiais

para puxar e esticar a pele. O visual feminino ficou completo com a colocação de dentes

falsos, busto de silicone e enchimentos para desenhar a cintura da personagem.25

O meticuloso trabalho de maquiagem foi reconhecido no filme Amadeus (Milos

Forman). Deu o prêmio de melhor maquiagem, de 1984, ao maquiador Dick Smith. Ele foi o

responsável pelo envelhecimento do ator Murray Abraham para interpretar Salieri. Esse

compositor e rival de Mozart perseguiu-o até o fim da vida. Ou seja, o ator teve que ser

envelhecido até aparentar os 80 anos de Salieri.26

Como podemos observar, através da maquiagem peças como: cabelos, dentes, olhos,

lentes, carecas podem ser criadas. Muitas delas utilizam técnicas comuns às da categoria

acessórios. Para finalizar, a maquiagem também pode ser usada para simular ferimentos tais

como: escoriações, cortes, feridas, queimaduras, bolhas, hematomas, cicatrizes, ferimentos de

bala entre outros; além de anatomia humana ou animal.

5. Figurino

A escolha do figurino é primordial para estabelecer a personalidade e o desempenho

do personagem. Esse efeito é particularmente importante para a caracterização de criaturas

e/ou super heróis. Para o primeiro caso temos como exemplo as vestes de gorila

confeccionadas para o filme Nas Montanhas do Gorila (Michael Apted, 1988). As

dimensões do corpo do ator que interpretou o gorila foram adaptadas para se adequarem aos

padrões anatômicos da criatura. Enchimentos colocados debaixo da veste foram usados para

simular a musculatura do animal. Além disso, extensões mecânicas colaboraram para a

movimentação de braços e pernas do gorila superiores em tamanho aos membros do ator.27

Para o segundo caso, temos o filme Spawn – O Soldado do Inferno (Mark Dippé,

1997) que exigiu uma ação mais complexa da parte da equipe encarregada do vestuário do

protagonista do titulo do filme. O estilo de super herói dos quadrinhos exige um tipo físico

mais avantajado, com uma musculatura mais definida para dar uma idéia de poderes especiais.

25 Disponível em : < http://www.geocities.com/themsfx/msfx.htm >. Acesso em out. 2004. 26 Ibidem. 27 Ibidem.

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Sendo assim, foi feito um molde em gesso do corpo inteiro do ator. Em seguida, gerou-se uma

cópia do corpo do ator, em gesso ou fibra óptica, a partir do molde inicial. A roupa foi

esculpida sobre essa cópia usando-se argila à base de óleo. O próximo passo foi a confecção

de um molde em espuma de látex da escultura pronta da roupa. Para pintá-la foi utilizado um

aerógrafo para aplicar tinta à base de borracha ou uma mistura de tinta acrílica com adesivo

cirúrgico.28

Após essa apresentação dos efeitos especiais de realização artesanal, iniciaremos a

análise do filme escolhido como representante do cinema comercia da contemporaneidade. O

ponto máximo de nosso estudo sobre Matrix será a explicação dos efeitos especiais

desenvolvidos para essa produção. Nesse sentido, muitos procedimentos citados nessa etapa

inicial serão retomados num outro fraseado.

3.7 - ENTER THE MATRIX

The Matrix (The Wachowskis Brothers), primeiro filme de uma trilogia, foi exibido

em 1999. No entanto, a revolução engendrada por essa produção teve início no ano de 1997 –

quando começaram os preparativos para as filmagens. Dessa fase preliminar constou um

árduo treinamento para o aprendizado de lutas marciais, jiu-jtsu particularmente. Nada de

dublês conhecedores dessa luta. Para isso, os astros principais dessa película – leia-se Keanu

Reeves, Laurence Fishburne e Carrie-Anne Moss - submeteram-se às lições do experiente

mestre Yuen Wo Ping, especialista nesse tipo de atividade para os filmes de Hollywood.

Foram quatro meses de muita dedicação e sacrifícios para suportar o desgaste provocado

pelos golpes e pelas amarras de sustentação.

Era o começo das exigências de uma direção que sabia exatamente o que queria dos

seus atores e técnicos. Larry e Andy Wachowski decidiram com firmeza cada ângulo filmado,

cada entonação de voz, cada detalhe do figurino. Acompanharam com olhar atento a

confecção da maioria dos objetos necessários para a realização do filme. Traduziram suas

orientações para a equipe criando um detalhado e sofisticado storyboard. Além disso, não

foram raras as vezes em que representaram as cenas que seriam filmadas para o elenco ter

uma idéia exata do que tinham em mente.

Nada mal para diretores estreantes, que tiveram que convencer Hollywood de seu

talento, a fim de que os estúdios da Warner Bros. desembolsassem os 70 milhões de dólares

28 Disponível em: < http://www.geocities.com/themfsx/msfx.htm >. Acesso em out. 2004.

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para a produção da fita. Para isso, os irmãos Wachowskis dirigiram anteriormente Bound -

Ligadas pelo Desejo (1996) - filme que funcionou como cartão de visita da atuação da dupla.

Satisfeitos com a performance dos Wachowskis na produção citada acima, os estúdios

decidiram apostar na realização de Matrix, embora o desejo dos irmãos fosse a produção de

uma trilogia.

Fim dos treinamentos em Burbank-Califórnia, a equipe rumou para a Austrália – onde

foram feitas as filmagens – atitude usual em Hollywood para baratear custos. Em Sidney, um

estúdio novo em folha e uma equipe muito profissional aguardavam o início dos trabalhos.

Havia chegado a hora também para o designer de produção Owen Patterson e sua equipe. Um

detalhado processo de confecção dos cenários, adereços e objetos de cena que seriam usados

no desenvolvimento da história consumiria os próximos meses.

Durante as filmagens, técnicos e diretores quebraram a cabeça diversas vezes para

encontrar a solução perfeita para realizar determinadas tomadas. Foi o caso da seqüência da

abordagem feita por helicóptero. Esse exigiu uma réplica em tamanho natural e hélices

acrescentadas através de efeitos especiais. Trabalho maior deu a explosão da fachada de vidro

do prédio cercado pelo referido helicóptero. As ordens dos diretores eram para uma explosão

que estilhaçasse os vidros fazendo movimentos circulares. Meses de pesquisa sobre

resistência de materiais, vidros especiais etc foram necessários para alguns segundos de

espetáculo.

O mesmo aconteceu com as cenas do interrogatório de Morpheus, interrompido na

história por jatos de água acionados automaticamente por um mecanismo de controle de

incêndio. A equipe de produção teve que pensar na logística de muitos litros de água surgindo

num ambiente repleto de fios dos equipamentos usados para a filmagem. Tudo para atender a

uma exigência e insistência dos diretores que era: água, muita água.

Depois de 25 semanas juntos a equipe chegou ao fim das filmagens. O empenho de

atores, técnicos – em especial o de Bill Pope, diretor de fotografia, de Joel Silver, produtor

executivo, sem contar com o dos próprios diretores – foi recompensado com a finalização de

uma obra que mobilizou corações e mentes plenamente. Começava, então, o trabalho de uma

outra equipe: a de pós-produção. Nela estavam incluídos os montadores, o supervisor de

efeitos especiais, John Gaeta, supervisor de edição de som, Dane Davis, supervisor musical,

Jason Bentley, editor, Peter Byck, responsáveis pelo nascimento do filme propriamente dito.

Segundo informações do making of do filme intitulado Os Segredos da Produção

(Josh Orek, 2001) essa etapa da produção de Matrix foi a principal responsável pelo êxito

alcançado pelo filme, pois nesse momento entraram em cena os efeitos especiais. Devido à

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complexidade desses, o trabalho foi realizado pela equipe da Warner e parte dele foi

terceirizado pelas melhores empresas do gênero, leia-se Manex, AnimaLogic, Digital

Domain, ILM entre outras. O resultado desse esforço pôde ser conferido na tela e nas

expressões de um público que nunca tinha visto nada igual. As críticas da imprensa

especializada, ávida por rotular a produção, trataram de conferir ao filme o título de divisor de

águas da história do cinema. Ou seja, passou a considerar a existência de dois momentos do

cinema: antes de Matrix e depois de Matrix. Mas afinal, o que é a matrix?

3.8 - “A COLHER NÃO EXISTE”

O ano é 1999. Ou será 2197? Thomas Anderson trabalha numa renomada empresa de

software. Nas horas vagas ele é um hacker que comercializa “drogas digitais” (paraísos

artificiais). No intervalo entre uma atividade e outra ele tenta, sem sucesso, dormir. É

atormentado por uma pergunta que não quer calar: o que é a matrix? Sua busca faz com que

experimente situações inusitadas, que o projetam para uma vida paralela. Confusão instalada,

no final de cada devaneio ele tem necessidade de perguntar a si mesmo: isso é sonho ou

realidade?

As coisas se explicam/complicam quando ele encontra Trinity, uma mulher que age

como se o conhecesse profundamente, a ponto de dizer-lhe que seu nome verdadeiro é Neo.

Além disso, ela promete ter a resposta para a sua pergunta. No entanto, para saber a verdade,

Neo terá que se encontrar com Morpheus – um líder da resistência.

Antes desse encontro tão esperado, Neo vê-se, de repente, perseguido por homens

estranhos no seu ambiente de trabalho. É avisado do perigo pelo próprio Morpheus que, numa

espécie de onipresença telefônica, orienta-o a fugir dos inimigos. Porém, Neo não consegue

seguir os passos ditados por Morpheus. Acaba preso e interrogado pelos “agentes”.

Essa experiência constrangedora chega ao ápice quando os estranhos homens revelam-

se seres diferentes dos humanos, capazes de – por exemplo – “apagar” a boca de Neo para

impedí-lo de falar. Ou pior, quando instalam uma mistura de circuito/verme no interior de

Neo pelo seu umbigo. Mas tudo pareceu ter sido um sonho ruim, pois quando Neo voltou a si

estava na sua cama, empapado de pavor.

Ele mal tinha se recuperado do seu “pesadelo” quando um novo encontro com Trinity

revelou terem sido verdadeiros os instantes de horror ora imaginados. O verme extraído de

seu umbigo por um estranho objeto não passava de um mecanismo de localização e controle.

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Estarrecido e confuso Neo queria mais do que nunca saber a resposta para sua pergunta.

Assim, estava pronto para conhecer Morpheus.

O diálogo esclarecedor não se deu, porém, antes de Neo fazer a sua opção. Ou seja,

antes dele decidir se queria tomar a pílula vermelha (e saber a verdade sobre tudo), ou a pílula

azul (e permanecer na ilusão total). Decisão difícil e irreversível, que resultou no triunfo da

verdade.

Finalmente Neo entendeu tudo o que se passava. O ano era 2197. O mundo não era o

que aparentava – um ambiente cheio de vida, de cor, de sabor. No deserto do real, Neo soube

que, num passado distante, as máquinas criadas a partir dos fundamentos da inteligência

artificial dominaram e escravizaram os humanos. Esses passaram a ser “cultivados” em

casulos apenas para fornecer a energia necessária à sobrevivência do sistema. Enquanto

“amadurecem” nessa prisão especial, as mentes dos humanos ficam “livres” para viverem

uma realidade criada por um programa de computador. O que recebe o nome de real, é apenas

uma simulação do mesmo, uma ilusão.

Para manter a ordem nesse universo, programas de computador sofisticados – os

agentes – são colocados em circulação para vigiar e eliminar qualquer resistência. Daí a busca

por Morpheus, líder de um pequeno grupo que conseguiu escapar da matrix, que luta para

libertar os outros humanos. Essa missão inglória tornar-se-á vitoriosa quando aparecer o

“escolhido”, o humano que terá o poder de vencer as máquinas e de destruir a matrix. Para

surpresa de Neo, “o salvador” é ele.

Desse momento em diante, a vida de Neo se resumirá a tentar concretizar essa

profecia. Essa batalha será ganha, mas não sem que antes ele enfrente muitos obstáculos e

questionamentos.

Acima descrevemos um trecho de mais uma das muitas produções de ficção científica

realizadas pela Warner Bros. Mas como explicar, então, o sucesso alcançado por Matrix?

Antes de creditarmos tal popularidade ao ineditismo dos efeitos especiais desse filme,

queremos apontar outros fatores coadjuvantes dessa “fama”.

Matrix espelha com precisão muitos dos valores da sociedade do século XX/XXI:

O filme denuncia uma desconfiança ambivalente em relação ao clima virtual em que se concentra a sociedade, porque o filme é, ao mesmo tempo, um produto de alta qualidade do gênero. Fazendo um elogio às teorias do simulacro de Jean Baudrillard, Matrix mostra o real como uma utopia. Mesmo que isso pareça um paradoxo, já que nos coloca de alguma maneira diante de uma tentativa de escapar do simulacro pelo simulacro, a ilusão é alcançada, pois consiste em uma força para criar relações (FREITAS, 2002, p. 31).

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Espelhos, ou melhor, reflexos não faltam ao filme. Neles a figura de Neo está refletida

na maioria das vezes. É o caso da imagem dele no retrovisor da moto de Trinity, quando Neo

é levado pelos agentes para ser interrogado. O mesmo acontece quando ele espera para ser

recebido pelo oráculo. A colher que o menino segura também reflete o rosto de Neo. A

fachada espelhada do prédio onde Morpheus era mantido prisioneiro duplica a imagem do

helicóptero que viria resgatá-lo. Aí está a função dos espelhos da fita, apresentar uma

duplicidade.

Essa “sutileza dos reflexos” faz parte da estratégia dos irmãos Wachowskis, também

roteiristas do filme, para introduzir os conceitos filosóficos que enriquecem a trama. A dupla

de diretores, por sinal, além de sua aversão à imprensa, é conhecida como leitora voraz de

todo tipo de literatura, de quadrinhos a tratados de filosofia. Sendo assim, não é de se espantar

que Matrix esteja recheada de tais preceitos.

Logo no início, o filme já diz a que veio. Isso para aqueles que conseguiram ler o

título do “livro-esconderijo” de Neo, quando este recebe um cliente à noite. Simulacros e

Simulação, de Jean Baudrillard, dá o pontapé inicial na questão do duplo – realidade/ilusão –

que será discutida na película. Um tema também presente na Semiótica de diversas correntes,

bem como na Lingüística.

As sociedades do século XX e a do jovem século XXI talvez não estejam imersas num

poderoso e sofisticado programa de software controlado por igualmente poderosas máquinas,

apesar das experiências com inteligência artificial caminharem a passos largos. Mas a

tecnologia desenvolvida até o momento é suficiente para que a duplicidade (ilusão/realidade)

mencionada pela fita já faça parte do cotidiano delas. Afinal, parafraseando Baudrillard,

vivemos o reinado dos simulacros e simulações.

Se interpretarmos os conceitos de Baudrillard como imagens que representam imagens

e não mais uma realidade primeira, ou ainda, imagens que passam a inventar e determinar o

que chamamos de realidade (simulacros); imagens sem o suporte de uma realidade anterior,

realidade potencial, virtual (não atual) para o termo simulação, perceberemos esse estado de

coisas em diversas instâncias da existência humana.

Um exemplo simples disso é dado pela medicina. Suas técnicas cada vez mais eficazes

de cirurgia plástica, aliadas à muitos litros de silicone, permitem construir o corpo perfeito,

desejo incontido de uma sociedade que valoriza a aparência acima de tudo. Em nome da

vaidade, vale esculpir bocas, seios, quadris...”fabricar” praticamente qualquer parte do corpo a

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fim de que esse assuma a forma ideal; a partir de então, ele será visto como o corpo

verdadeiro.

A indústria alimentícia, com os aromatizantes colocados na fabricação de certos

gêneros alimentícios, também segue falsificando a “realidade ingerida” por nós. As empresas

de vestuário não ficam atrás, se considerarmos as peles sintéticas de animais. Esses são os

casos em que podemos pensar se levarmos em conta um nível mais raso do nosso cotidiano.

No entanto, numa sociedade complexa como a nossa, os conceitos de simulacro e

simulação são mais apropriados para tentar explicar o comportamento de indivíduos que têm

suas relações mediadas por imagens sob formas peculiares como a publicidade e propaganda,

o consumo direto. No livro já citado, Baudrillard discutia as implicações de uma sociedade

sob o domínio dos meios de comunicação de massa.

O resultado disso é que, guardadas as devidas proporções, tal qual Matrix, vivemos a

ilusão de que vivemos a realidade. Assim como no filme existe a opção de tomarmos a pílula

vermelha – e sabermos a verdade sobre o universo – ou tomarmos a pílula azul, para

permanecermos num estado de alienação permanente, “a tecnologia que cria o mundo digital

permite as pessoas serem o que quiserem ser, do jeito que imaginaram e possibilita que elas

exponham suas idéias representadas por um avatar” (segundo o Prof. Dr. Márcio Serolli Pinto,

da PUC-RJ).

É o próprio Baudrillard quem esclarece a esse respeito em entrevista dada à Revista

Época, cujo trecho transcrevemos abaixo: E: Como o senhor explica a espetacularização da realidade? B: Os signos evoluíram, tomaram conta do mundo e hoje o dominam. Os sistemas de signos operam no

lugar dos objetos e progridem exponencialmente em representações cada vez mais complexas. O objeto é o discurso que promove intercâmbios virtuais incontroláveis, para além do objeto. No começo da minha carreira intelectual, nos anos 60, escrevi um ensaio intitulado ‘A Economia política do Signo’, a indústria do espetáculo ainda engatinhava e os signos cumpriam a função simples de substituir objetos reais. Analisei o papel do valor dos signos nas trocas humanas. Atualmente, cada signo está se transformando em um objeto em si mesmo e materializando o fetiche, virou valor de uso e troca a um só tempo. Os signos estão criando novas estruturas diferenciais que ultrapassam qualquer conhecimento atual. Ainda não sabemos onde isso vai dar. 29

É curioso notar a utilização da expressão espetacularização da realidade. Essa nos faz

lembrar dos efeitos especiais, promotores de uma impressão de realidade. Nessa mesma

entrevista Baudrillard afirma que “nunca o cinema pediu tanto para ser visto e não para que se

acredite nele”. Nesse ponto pensamos existir uma clara referência aos efeitos especiais. Dessa

forma, Baudrillard – que viu Matrix e não gostou – abre caminho para que falemos dos

protagonistas do sucesso de Matrix. A seguir, os efeitos especiais de Matrix.

29 Disponível em: < http://www.editora.globo.com/epoca/edic/260/mx264.htm > . Acesso em out. 2004.

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3.9 - THE BULLET TIME

Falar de “Matrix” é falar de bullet time. “Este efeito é basicamente o domínio da

mente sobre a matrix no momento em que vemos o tempo na velocidade da luz ou do som.”

(John Gaeta, supervisor de efeitos especiais de Matrix, em depoimento para o making of já

mencionado).

Na verdade, esse efeito de “tempo de bala” consiste na desaceleração da ação até o

ponto em que se possa ver, por exemplo, a deformação provocada por uma bala na atmosfera.

Ao mesmo tempo, uma câmera acompanha a ação, dando uma volta de 360 graus ao redor

dela. O especialista John Gaeta e sua equipe da companhia Manex criaram os 400 efeitos

computadorizados presentes em Matrix com essa técnica peculiar.

Primeiramente, por meio de filmagem tradicional e aperfeiçoamento no computador, a

cena é reproduzida numa velocidade ultra lenta. Esse processo permite, por exemplo, a cena

de abertura vivida por Trinity, que surpreende os guardas com pulos excepcionais. Ao mesmo

tempo, 120 câmeras fotográficas dispostas numa espiral ao redor do objeto filmado tiram,

cada uma delas, uma still (fotografia de cena). Com o conjunto de stills reproduzido a uma

velocidade de 12.000 quadros por segundo (uma película roda normalmente a 24 quadros por

segundo), os projéteis não são apenas vistos em câmera lenta, mas também em 360º graus. 30

Bullet time foi o primeiro efeito de Matrix a ser produzido, iniciado em 1996, e uma

das últimas quatro tomadas realizadas. Muitas pequenas peças do roteiro foram inventadas

para dar sentido a esse efeito, já que – embora o bullet time fosse um obstáculo técnico,

conceitualmente, o “nó na madeira”, como afirma John Gaeta, estava no cenário da realidade -

que era a parte mais bizarra da película – porque era o lugar onde horrendas criaturas

biomecânicas viviam e governavam, escravizando a humanidade.

Este efeito especial, que foi a grande vedete de Matrix, ilustra o nível de

desenvolvimento atingido pelos suportes informáticos para a realização cinematográfica. Não

por acaso ele foi extremamente plagiado por outras produções como filmes, comerciais e

programas de televisão. È o caso de Perdidos no Espaço (Stephen Hopkins, 1998), Gigolô

(Mike Mitchell, 1999), Wing Commander (Chris Roberts, 1999), O Confronto (James

Wong, 2001), Como Cães e Gatos (Lawrence Guterman, 2001). Na televisão as séries

Witchblade e Fastlane são exemplos conhecidos dessse plágio. Alguns comerciais da marca

de roupas GAP fizeram uso deste recurso. Até mesmo um personagem de animação, a 30 Disponível em: < http://www.cipage.site.uol.com.br/matrix/bullet.htm >. Acesso em out. 2004.

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princesa Fiona do filme Shrek (Andrew Adamson e Vicky Jenson, 2001) exibe golpes

obtidos com o emprego deste efeito no referido filme, só para mencionarmos alguns

exemplos.

Além do bullet time, outros efeitos especiais ou até mesmo uma associação dos

mesmos foi arranjada para a realização de cenas complexas. Falamos da cena do helicóptero

pilotado por Trinity e Neo para resgatar Morfeus do interrogatório dos agentes. Nesse caso

houve uma combinação de miniaturas, atores, ação de dublês e imagens digitais para atender à

solicitação dos diretores, ou seja, fazer com que os vidros do prédio onde estava Morfeus

explodisse fazendo movimentos circulares.

Depois de três meses de pesquisa de materiais para determinar o tipo de vidro que

seria usado, foram criados círculos concêntricos atrás do vidro com cargas explosivas

detonadas em seqüência. Foi construída uma vidraça quadrada de 7,5m com janelas em

escalas. Além disso, havia ainda a confecção do helicóptero, que seguiu uma escala de 1:4.

para depois ser montado numa grua comprida. Já as hélices foram inseridas posteriormente

por meio de efeitos de computação gráfica. O uso do computador também pode ser observado

na construção dos cenários virtuais e na textura criada para os casulos – local onde os

humanos são “cultivados” - bem como para as criaturas encarregadas dos mesmos.

No entanto, nem só de suportes informáticos vivem os efeitos especiais de Matrix. O

estilo visual dessa produção resultou do emprego de recursos bastante tradicionais do meio

cinematográfico, como objetos de cena, vestuário, maquiagem entre outros. A equipe de

produção tinha como tarefa estabelecer visualmente a diferença entre a matrix e a realidade,

demarcar esses dois mundos de forma discreta e onipresente.

Sendo assim, na matrix tudo é levemente decadente, monolítico e com grades, como

uma máquina faria. Nota-se isso na sala de interrogatório e no escritório do governo que

possuem grades nas paredes, no assoalho e até no forro. Tons de verde permeiam todos os

ambientes do sistema artificial..

Já no Nab, a nave Nabucodonosor, o destaque foi dado para os seres humanos que

habitavam o veículo. Para isso foram usadas lentes mais longas a fim de que o fundo ficasse

desfocado, com os humanos em primeiro plano. Além disso, as roupas dos personagens são

simplórias. A maquiagem é mais natural, o cabelo é mais desarrumado, ou seja, eles são

menos produzidos. Tudo isso envolto em tons azulados (com exceção do painel de controle do

personagem Tank) para representar um mundo muito mais “feito a mão”, o mundo real (dados

obtidos no documentário já citado).

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O figurino criado para Matrix exigiu muita pesquisa e eficiência da parte da equipe de

produção. Afinal, as roupas tinham que ser pensadas para as diversas situações previstas no

roteiro. Assim, deveriam ser providenciadas as vestes para as cenas de lutas marciais. Havia

também as que poderiam ficar de cabeça para baixo, as usadas sobre amarras, armaduras,

explosivos, as que abrigariam armas, entre outras possibilidades.

Além do aspecto funcional, a escolha do figurino também definiria a personalidade

dos personagens. Para Trinity, por exemplo, protagonista feminina que tinha mais pele à

mostra, havia uma diferença entre o preto brilhante da roupa e a pele. Foram feitos muitos

testes com tecidos para que Trinity parecesse uma mancha de mercúrio ou de óleo (dados do

documentário já citado).

Para Neo, especificamente para a cena da entrada no saguão do prédio do

interrogatório, foi pensada uma roupa que pudesse esconder as muitas armas que ele

carregaria. Além disso, a vestimenta teria que conferir ao personagem um ar de pistoleiro do

velho oeste (dados do documentário já citado).

Para verificarmos a utilização de objetos de cena como efeitos especiais, devemos

observar a caracterização feita para a nave Nabucodonosor. O roteiro pedia uma nave velha,

“gasta”, mantida em funcionamento graças aos esforços dos seus tripulantes (dados do

documentário mencionado anteriormente). Sendo assim, as entranhas do veículo foram

deixadas à mostra, ao invés de escondê-las atrás de moldes de plástico como os que são vistos

em muitas naves espaciais. No Nab havia fios verdes e azuis, representando artérias e veias,

uma espécie de tecido vivo num ectoesqueleto de aço, uma menção à união homem-máquina.

Para as cadeiras utilizadas pelos personagens para se conectarem à matrix, foram compradas

várias cadeiras de dentista da década de 30(dados do documentário mencionado).

Outro momento que exigiu um esforço redobrado para a criação dos efeitos especiais,

foi o do final do interrogatório de Morfeus, quando jatos de água são acionados por

dispositivos de controle de incêndio. Na seqüência, havia um tiroteio iniciado por Neo de

dentro do helicóptero. Para a água abundante foram embutidos 350 bicos pneumáticos no teto.

A água que saia dos esguichos precisava ser higiênica, pois atingiria 100 pessoas que estavam

trabalhando no set, sem contar que também deveria ser aquecida. Já para os tiros que

atingiriam os vidros do prédio, o único modo de quebrar as vidraças sem ferir os atores era

bombardeá-las com centenas de zarabatanas que atiravam areia (dados do documentário já

mencionado).

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Encerramos, nesse ponto, nosso estudo preliminar sobre os efeitos especiais. Das

informações apresentadas, retemos um conceito ampliado para o termo efeitos especiais. Ou

seja, concluímos que essa expressão não se restringe à aplicação de suportes informáticos para

a realização cinematográfica, embora essa seja a utilização mais corriqueira desses efeitos

realizada pelo cinema da contemporaneidade. A seguir, apresentaremos outras implicações

desencadeadas pelo emprego dos efeitos especiais tanto no cinema dos primórdios, quanto no

cinema comercial da contemporaneidade.

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ESTUDO COMPARADO:

CINEMA DOS PRIMÓRDIOS E CINEMA COMERCIAL DA CONTEMPORANEIDADE

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(...) quanto mais fundo eu mergulhava no intrincado de formas e procedimentos das atuais mídias eletrônicas e digitais, mais claramente podia verificar que grande parte desses recursos retomava, recuperava ou fazia ecoar atitudes retóricas e tecnológicas já antes experimentadas nas formas pré-cinematográficas e no cinema dos primeiros tempos, ou seja, no cinema anterior à hegemonia do modelo narrativo que se impôs a partir de Griffith(...) (MACHADO, 1997, p. 9).

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4.1 - APRESENTAÇÃO

Após uma etapa preliminar sobre os efeitos especiais, daremos início ao nosso estudo

comparado do cinema dos primórdios com o cinema comercial da contemporaneidade. Essa

abordagem será feita tendo em vista três aspectos, que revelaram ser os pontos de

aproximação entre o alvorecer do cinema e o período atual. Dessa forma, a diretriz deste

trabalho será dada pelos tópicos já citados (hibridismo, espetacularização, verossimilhança).

Na verdade, os aspectos citados acima se estruturam de forma interdependente. No

entanto, optamos por uma abordagem particularizada a fim de conferir maior clareza a esse

estudo comparado.

No item Do Hibridismo apontamos, inicialmente, o trabalho de Georges Méliès e a

inauguração do hibridismo no cinema realizado por esse autor. Destacamos, especialmente, a

importação de elementos do teatro e da fotografia para a obra do referido autor. Com isso,

reapresentamos alguns de seus filmes onde esse procedimento é mais evidente. Na seqüência,

transportamo-nos para o cinema da contemporaneidade. Esse momento da realização

cinematográfica retoma o hibridismo dos primórdios através do diálogo do cinema com a

televisão, o vídeo e mais recentemente, os suportes informáticos. O filme Matrix (The

Wachowski Brothers, 1999) foi escolhido como exemplar dessa postura híbrida no cinema da

contemporaneidade. Um estudo comparado dos procedimentos de hibridismo presentes nesse

filme com os apresentados na obra de Méliès encerra esse tópico.

No item Da Espetacularização estabelecemos uma relação dessa característica -

presente tanto no cinema dos primórdios, quanto no cinema da contemporaneidade - com o

conceito de “cinema de atrações”, de Tom Gunning. Esclarecemos como se dá o processo de

espetacularização e, principalmente, explicamos como os efeitos especiais atuam como

agentes nesse mecanismo. Na esteira dessa proposição principal, também mencionamos a

relação da evolução tecnológica com a evolução da linguagem do cinema.

No item Da Verossimilhança apresentamos essa questão como um traço distintivo da

evolução dos efeitos especiais. Discutimos como a qualidade similar à própria vida percebida

no cinema dos primórdios difere ontologicamente da observada no cinema da

contemporaneidade. Da mesma forma, apontamos para uma valorização da estrutura narrativa

pelo cinema da contemporaneidade, em oposição a uma atitude de indiferença a mesma

presente no cinema dos primórdios. Por fim, mostramos como a utilização dos efeitos

especiais pelo cinema da contemporaneidade cria uma relação com o conceito de

hiperrealismo.

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A constatação de semelhanças e oposições, continuidades e rupturas no cinema dos

primórdios e no cinema da contemporaneidade, bem como as implicações advindas dessas

ocorrências encerram nosso estudo comparado.

4.2 - DO HIBRIDISMO NO CINEMA

O percurso de Georges Méliès em direção à realização cinematográfica explica as

invenções geniais desse cineasta. Uma vocação para as artes aliada a uma personalidade

inquieta contribuíram para sua atividade cinematográfica. Afinal, sua veia artística já havia se

revelado quando ainda trabalhava nas fábricas da família. O design desenvolvido para os

calçados Méliès distinguiu-se do produzido pela concorrência e foi “eternizado” em alguns de

seus filmes, que apresentavam sapatos, botas ... voando. Da mesma forma, a habilidade para a

mecânica e construção de artefatos já podia ser notada quando ele estava às voltas com os

negócios da família. Qualidades que lhe seriam muito úteis quando da realização de seus

filmes mais engenhosos.

A pintura e a poesia encantaram esse personagem da história do cinema, que chegou a

pensar seriamente em se tornar um artista plástico. Mas logo foi tomado de assalto pela

fotografia, depois pelo teatro e então pelo teatro de mágica... Assim, de paixão em paixão,

Méliès adquiria uma formação eclética necessária para consolidar aquela que se revelaria

como sua verdadeira vocação: o cinema. Fim das paixões efêmeras, Méliès descobre, nas

representações cinematográficas, um amor maduro. Mas as várias experiências artísticas

vivenciadas formaram camadas e esse efeito residual forjou o artista versátil que se

notabilizou no cinema.

No cenário das produções artístico-culturais vemos, comumente, vida e obra de

diversos artistas-produtores assumirem uma forma simbiótica. Essa premissa torna-se mais

verdadeira quando pensamos em Georges Méliès. Essa mistura de desenhista-pintor-poeta-

fotógrafo-mágico receberia, atualmente, o nome genérico de artista multimídia. Na verdade,

Méliès foi múltiplo na sua formação, na sua atuação nas atividades cinematográficas - já que

era ator, produtor, diretor, montador, distribuidor de seus filmes – na participação nos filmes

(freqüentemente vemos Méliès duplicados, multiplicados em seus filmes).

Dessa forma, acreditamos que essa mistura de aptidão artística natural com

curiosidade pessoal e dedicação às várias manifestações da arte foi relevante para que Méliès

introduzisse no cinema dos primórdios uma característica que se tornaria muito presente no

cinema da contemporaneidade. Estamos falando do hibridismo no cinema.

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Uma discussão sobre o termo hibridismo já foi realizada anteriormente. No entanto,

convém mencionarmos que estamos nos referindo a um processo de convergência de várias

formas de linguagem para dar origem a uma outra linguagem.

No cinema idealizado por Méliès o hibridismo surge de forma mais evidente nos

efeitos especiais criados por esse cineasta. Vale lembrar o conceito de efeitos especiais,

cunhado por nós, que foi apresentado nas preliminares deste capítulo: o nível mais sensível de

hibridização das mídias. Ainda, é importante destacar que por efeitos especiais estamos

considerando desde a utilização pioneira de algum aparato tecnológico, passando por efeitos

mecânicos, fotográficos até suportes informáticos.

Para produzir suas aparições, desaparições, explosões, multiplicações... Méliès

recorreu a várias técnicas e linguagens. É o próprio Méliès quem assume essa metodologia de

trabalho: Mesclando todo tipo de técnica eu podia tornar visível o sobrenatural, o imaginário e compôr quadros que desnorteassem o espectador mais perspicaz (Documentário: O Mundo Mágico de Méliès)

Em meio a muitas linguagens artísticas presentes na obra de Méliès destacamos

especialmente a adaptação para o cinema de recursos do teatro e da fotografia. Para Furtado:

A incorporação da matriz teatral no trabalho de Méliès desconcerta o comprometimento do cinema com a imitação do real, na medida em que introduz no filme a ostentação, o simulacro e o artifício da representação dramática. (1999, p. 128)

São inúmeras as marcas do teatro nos efeitos especiais desenvolvidos por Méliès. A

começar pela construção do seu estúdio cinematográfico na propriedade de Montreuil. Este

não foi o primeiro da história do cinema, mas foi o mais completo. Merece destaque o projeto

desta obra, que inspirou os estúdios californianos que se ergueriam décadas depois. Pensamos

que, com essa iniciativa, Méliès tenha sido o criador do aparato cinematográfico (de

apparatus, termo latino usado pela crítica anglo-americana para traduzir a expressão

dispositif. In: SCHWARTZ: 2004, p. 358). As informações contidas no documentário O

Mundo Mágico de Méliès, que serão relatadas a seguir, nos autorizam a pensar dessa

maneira.

Para sua empreitada Méliès partiu de um galpão envidraçado, em 1897, que foi

transformado até 1900. Seu estúdio foi uma união de um laboratório de fotografia em grande

escala com o palco de teatro. O resultado foi uma edificação de 16m de comprimento por 6m

de largura – por sinal – as dimensões do teatro Robert Houdin.

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90

Para driblar a falta de luminosidade para as filmagens em estúdio nos meses de

inverno, bem como as altas taxas cobradas por Edison para a utilização de sua luz

incandescente, Méliès projetou uma estrutura metálica com teto envidraçado para receber a

luz solar.

Parte do teto era de vidro fosco e a outra parte de vidro comum. No verão, quando o

sol batia nos cenários por entre as vidraças, as sombras marcavam a tela ao fundo. Para evitar

isso, Méliès instalou janelas móveis cobertas de papel manteiga. Eram acionadas por fios que

se abriam e fechavam num piscar de olhos.

As obras foram realizadas por etapas. Primeiramente o lado norte do galpão ganhou

um palco plano com o piso em tábua corrida. A partir de 1898 o palco é adaptado para

filmagens fantásticas. Méliès manda cavar um poço debaixo do palco com alçapões, trapas,

mastros e tampas que sobem e descem para mudanças de tomadas, aparecimentos ou

desaparecimentos de divindades ou demônios nos filmes feéricos.

Esta atitude foi providencial para a realização de Fausto no Inferno (1903). Nesta fita

vemos Fausto-Méliès descendo para o inferno com sua vítima. Este mergulho nas profundezas

do reino do mal só foi possível graças a um mecanismo que baixava e içava o personagem no

poço construído anteriormente.

Em 1899 foram erguidas passarelas metálicas em cima do palco para que os

maquinistas pudessem acionar tambores, cabos e sarilhos para o vôo dos coches, anjos e

fadas. Esta nova aquisição viabilizou as filmagens de Le Royaume des Fées (O Reino das

Fadas, 1903). Nesta produção – com tomadas submarinhas de escafandristas ou divindades

através de um aquário que continha peixes vivos – as passarelas foram utilizadas para a

travessia das nadadoras presentes na história.

Em 1900 o lado sul foi prolongado e surgiu um alpendre onde o operador poderia

manusear a película no escuro. Este novo espaço também permitiu um recuo maior da câmera

e ampliou o campo de visão.

Do lado leste do estúdio um grande galpão serviu para marcenaria e pintura dos

cenários. Méliès utilizava tons de cinza na elaboração desses porque a película, na época, não

era sensível a todas as cores. Como os quadros tomavam cada vez mais importância, foram

construídos, de cada lado do palco, bastidores com armazéns para os cenários.

Nas cenas com muita figuração, técnicos e atores ficavam nos bastidores, longe do

alcance da câmera. As portas em vis-à-vis permitiam a travessia de um longo cortejo que se

formava fora do estúdio, atravessava a cena e saia pela porta em frente. Isso pode ser visto no

desfile do exército no filme Jeanne d’Arc (Joana D’Arc, 1900).

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91

Esse estúdio permitiu que Méliès inovasse nas filmagens e efeitos especiais com a

câmera vertical. Com esse aparato foi possível prender a câmera em uma das passarelas acima

do palco. Este artifício fez com que o cenário pudesse ser visto “deitado” no chão do estúdio.

Com isso, as cenas ganharam maior dinamismo. Podia-se, por exemplo, filmar um

personagem avançando por um cenário horizontal e parecendo capaz de acrobacias incríveis.

O espírito perfeccionista de Méliès dotou-o do traquejo necessário para manejar todos

os acessórios do palco, bem como para determinar o posicionamento da câmera em cada

filmagem. Seu rigor profissional chegava ao ponto de utilizar um metrônomo ou piano para

garantir o ritmo das cenas.

No filme Les Quat’cent Farces du Diable (As Travessuras do Diabo, 1906) a

influência do teatro pode ser notada na solução encontrada pelo cineasta para compor uma das

travessuras anunciadas no título do filme. Uma tela pintada puxada de baixo para cima dá a

impressão de uma queda vertiginosa. Esta filmagem também contou com uma sobreposição

em um rolo vertical para um espetáculo em Chatelet.

Outro efeito especial, que veio do teatro, muito utilizado por Méliès foi a maquiagem.

Já apontamos a utilização deste recurso como efeito especial quando apresentamos exemplos

dos mesmos no início deste capítulo. Como o cineasta atuava na maioria de seus filmes

representando personagens tão diversos quanto um paxá, um demônio, um faquir, um bruxo

entre outros, Méliès tratava de ficar irreconhecível. Daí a maquiagem carregada, juntamente

com outros acessórios, disfarçarem a presença constante do autor em seus filmes. Em Le Roi

du Maquillage (O Rei da Maquiagem, 1904) essa prática é desnudada ao público, que

assiste às explícitas transformações de Méliès.

“Eu também realizava metamorfoses com superposição em fundo preto ou partes pretas separadas no cenário” (Documentário já citado).

Com essa afirmação Méliès assume sua recorrência à fotografia para a produção de

seus efeitos especiais. O filme L’ Equilibre Impossible (O Equilíbrio Impossível, 1902)

ilustra esse uso com superposições seguidas de sobreimpressões com rebobinamento da

película.

Como o fundo preto não impressiona a película, a câmera filma uma vez o

personagem de Méliès em cenário com um grande quadro com fundo preto. A película é

rebobinada e, na segunda vez, filma-se com fundo preto o mesmo personagem na frente de

um pedaço de cenário com posições e dimensões equivalentes às do fundo preto da tomada

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92

anterior. Uma vez impressionado, o fundo preto restituirá a imagem do ator que aparecerá

duplicada. Esse efeito permitiu que Méliès multiplicasse o próprio corpo.

Essa técnica é repetida em L’Homme à Tête de Caoutchouc (O Homem da Cabeça

de Borracha, 1902). No filme, Méliès está vestido de preto representando sobre um fundo

preto. Apenas seu rosto é iluminado e registrado pelo filme. Este é, então, rebobinado e usado

novamente para filmar o resto da ação. Devidamente sincronizadas as duas imagens se

fundirão no final. A dupla exposição permitiu que Méliès contracenasse com ele mesmo nesta

produção, bem como tivesse parte do seu corpo reproduzida.

Além da presença de elementos da fotografia e do teatro na sua obra, Méliès

aproveitou o seu talento para a confecção de artefatos na construção de um dos maiores

autômatos vistos em suas produções. Estamos nos referindo ao filme La Conquête du Pôle

(A Conquista do Pólo, 1912).

Ele utilizou técnicas de carpintaria e cabeças de bonecos para a criação de um efeito de

decapitação em Um Crime Desesperado (1906). Lançou mão de uma das descobertas mais

recentes do século XIX, a eletricidade, para aumentar os seus efeitos ópticos. Desenhou as

roupas exibidas em suas produções e por vezes recorreu a acessórios do teatro Robert Houdin

para a caracterização de seus personagens.

Méliès fez uso de miniaturas nas suas produções. Este efeito especial pode ser

conferido no filme Le Royaume des Fées (O Reino das Fadas, 1903). Assim, o cineasta

pôde fazer navios navegarem em bacias que serviam de oceano. Da mesma forma, Méliès

utilizou modelos de barcos para reconstituir as batalhas navais da guerra entre Grécia e

Turquia, em 1897; bem como um modelo para mostrar o afundamento do navio Maine na baía

de Havana, na guerra entre Estados Unidos e Espanha, em 1898 (TOLEDO, 2000, p. 16).

Por fim, resta dizer das referências intertextuais na obra de Méliès. Falamos da opção

de transpôr para o cinema peças célebres da literatura. Foi o caso dos filmes Voyage dans la

Lune (1902), Le Royaume des Fées (O Reino das Fadas, 1903), Le Petit Chaperon Rouge

(O Chapeuzinho Vermelho), Barbe-Bleue (Barba Azul, 1901), Robinson Crusoe,

Gulliver, Deux Cent Mille Lieues sous lês Mers (Duzentas Mil Léguas Submarinas,

1907), Cendrillon (A Gata Borralheira, 1912), Le Voyage de la Famile Bourrichon (A

Viagem da Família Bourrichon, 1912) e Hallucinatons du Baron de Münchausen (As

Alucinações do Barão de Münchausen, 1912).

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Décadas depois da genialidade de Méliès, o cinema sofreria muitas transformações, ou

melhor, mutações como prefere chamar Nunes (1996). Este autor analisa a realização

cinematográfica face às novas tecnologias. Com isso, Nunes desenvolve um estudo do cinema

contemplando aspectos como roteiro, produção e principalmente, montagem/edição frente ao

novo cenário vivido pelas produções audiovisuais contemporâneas.

Nunes estabelece dois tipos de mutações para as mudanças ocorridas na representação

cinematográfica. As mutações de caráter endógeno dizem respeito às transformações de

natureza técnica. Ou seja, são aquelas que promovem um ganho qualitativo de ordem externa.

Nesta classificação enquadram-se todos os aperfeiçoamentos técnicos experimentados pelo

cinema desde o surgimento do cinematógrafo, passando pela inserção de som à película, pela

captação da cor pela câmera, pelos inventos relacionados ao processo de refinamento das

projeções e filmagem (como o cinerama, 70mm, cinemascope) entre outros (NUNES, 1996, p.

21-23).

As mutações exógenas concretizam-se quando o cinema dialoga com suportes de base

eletrônica como a televisão, o vídeo e as tecnologias informatizadas de última geração

conectadas através de redes que se unem no ciberespaço. Dessa forma, o cinema passa a

incorporar elementos, procedimentos dessas linguagens em todas as instâncias - do

planejamento à pós-produção – evidenciando, assim, seu estado de impureza (NUNES, 1996,

p. 24-25).

Do pensamento do estudioso citado acima destacamos o seu conceito de mutações

exógenas, pois acreditamos que ele aponta para uma volta do cinema da contemporaneidade

às suas origens. Nesse giro dado pelas produções contemporâneas ocorre o encontro – na

outra ponta do tempo – com o cinema de Georges Méliès. O ponto de contato entre esses dois

momentos da representação cinematográfica é o hibridismo, realizado por Méliès e presente

no “estado de impureza” do cinema na atualidade.

(...) O caso mais gritante é, evidentemente, a obra de Georges Méliès, que antecipa em quase 100 anos o uso de inserções de imagens no quadro, a permanente metamorfose das figuras e toda a iconografia híbrida e múltipla que hoje celebramos nos filmes e vídeos de autores absolutamente contemporâneos como Nam June Paik, Zbigniew Rybcynski e Peter Greenway (...) (MACHADO, 1997, p. 10). Méliès adapta seu conhecimento de teatro ao cinema. Constrói cenários para seus filmes de forma a nos dar uma sensação de multi-camadas e de profundidade de campo, conceitos retomados pelo cinema contemporâneo. A noção de multi-camadas, por exemplo, encontra-se plenamente desenvolvida em filmes (como os de Peter Greenaway), que utilizam efeitos digitais que,

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por sua vez, permitem abrir janelas na imagem com múltiplas ações desenvolvendo-se simultaneamente (MOURÃO, 1998, p. 24).

A assimilação da eletrônica pelo cinema já podia ser observada, ainda que de forma

lenta, nas produções realizadas no início dos anos 70 (MACHADO, 1997, p. 213). O

contexto em que esse hibridismo ressurgiu teve como pano de fundo a crise vivida pelo

cinema com a chegada da televisão e posteriormente do vídeo. Na seqüência, foram os

recursos provenientes da informática que promoveram uma recuperação do “espírito

cinematográfico”. Ou seja, essa metamorfose junto a outros suportes teve uma componente

existencial muito intensa. Tratava-se de mudar para não desaparecer.

Contudo, num curto período de tempo, o hibridismo, que retornou ao cinema como

medida emergencial, transformou-se num procedimento indispensável para a prática

cinematográfica, particularmente, para as produções hollywoodianas.

A aproximação do cinema com a televisão (principalmente na Europa) faz com que se inicie o diálogo com o vídeo (eletrônica). O vídeo introduz novos métodos, tanto de produção quanto de expressão. O vídeo reformula a relação espaço-temporal, favorece a não linearidade, as incrustações de imagens, agiliza a captação, a imagem se reproduz imediatamente, em tempo ‘real’ Estamos nos encaminhando para um novo momento no qual a idéia de interatividade está fortemente presente. Há um novo olhar constituído através da televisão, do videogame, da internet, do CD-ROM (DVD-ROM). Outras histórias terão que ser contadas, outras estruturas formais e narrativas estão surgindo para atender a esse novo olhar. As novas tecnologias permitem ao cinema tender para a abstração, no momento em que é possível a manipulação da imagem que permite romper o figurativismo, desvinculando-a da realidade objetiva e externa. Tudo que o imaginário elaborar é permitido (MOURÃO, 2001, p. 52).

A autora aponta para uma revolução que está em curso desde os anos 60 e que

encontra seu ponto máximo na união do cinema com as tecnologias de ponta. Como vemos, o

hibridismo volta ao cinema com nova roupagem e inaugura mais um momento de ruptura na

realização cinematográfica.

Ao que tudo indica, o universo do cinema deverá ficar marcado, durante ainda algum tempo, por uma total heterogeneidade, por uma impureza de materiais e por uma confusão de procedimentos, até que, a partir da destilação da desordem atual, surja uma nova forma de cinema, no sentido expandido de ‘arte do movimento’ (MACHADO, 1997, p. 211).

Dentre os vários filmes que ilustram essa influência, destacamos Matrix (The

Wachowski Brothers, 1999) para discutirmos essa questão. Tal qual ocorre nas produções de

Méliès, os efeitos especiais utilizados em Matrix são exemplares do hibridismo presente no

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cinema da contemporaneidade. Na verdade, o filme coroou de êxito uma prática iniciada pelo

cinema americano tempos atrás. Falamos da inserção de suportes informáticos na produção

cinematográfica.

O cinema americano embarca nessa “nova ordem do audiovisual” à sua maneira, ou

seja, preocupando-se mais com as implicações comerciais desse processo do que com as

novas possibilidades de linguagem que se anunciam; embora, em alguns momentos, uma

medida não exclua a outra. Este foi o caso de Matrix.

Falar dos efeitos especiais deste blockbuster é falar de bullet time. A fotografia em

tempo de bala é uma técnica de animação para a decomposição de imagens usando atores em

vez de desenhos, com a ajuda de computadores e de mais de 100 câmeras fotográficas fixas.

Com esse recurso, Neo, personagem de Keanue Reeves, consegue manipular o tempo.

Enquanto a ação se desenrola, o tempo é desacelerado a ponto de vermos a trajetória das balas

numa espécie de câmera lenta. Nesse ínterim, “o escolhido” desvia-se das balas, controlando a

gravidade; ação que é mostrada pelas câmeras num giro de 360°.

A originalidade tão decantada do bullet time, no entanto, é uma meia verdade. Esta

técnica computacional está ancorada num conceito que remonta às primeiras experiências

para o estudo do movimento. Estamos falando do trabalho realizado por Edward Muybridge

(1830-1904) sobre a locomoção animal. Este fotógrafo pesquisou o movimento de cavalos

posicionando 12 depois 24 e por fim 40 aparelhos fotográficos munidos de obturadores

eletromagnéticos, que disparavam à passagem dos animais registrando seus movimentos.

Projetando esses instantâneos, Muybridge reconstituiu a trajetória dos cavalos (TOULET,

1988, p. 31). As 120 câmeras fotográficas incluídas por John Gaeta, supervisor de efeitos

especiais de Matrix, para a confecção do bullet time denunciam sua herança ancestral.

A utilização de softwares sofisticados para a confecção dos efeitos especiais de Matrix

ilustra com maestria a união do cinema com a informática. Eleva à enésima potência a noção

de espetáculo contida no cinema hollywoodiano através dos “truques de mágica”

possibilitados pelo computador. Transgride o conceito de verossimilhança instituído pelo

cinema clássico com a apresentação de situações surreais, como as citadas acima. Convida a

imaginação a realizar o impossível.

Além da presença da informática, elementos dos quadrinhos e do videogame migraram

para Matrix e ajudaram a “temperar” ainda mais essa “salada” de linguagens. A linguagem

dos quadrinhos, por sinal, é velha conhecida dos irmãos Wachowskis, que fizeram sua estréia

no mundo do entretenimento produzindo histórias para esse veículo.

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O contato inicial com os comics marcaria definitivamente a carreira da dupla de

diretores. Essa influência pode ser conferida nos cenários de Matrix. Estes foram pensados

como histórias em quadrinhos para depois serem filmados. Isto pode ser vislumbrado nos

enquadramentos do filme que lembram, em tudo, o recorte dos quadrinhos.

O storyboard, roteiro imagético utilizado comumente para auxiliar o trabalho de

filmagem (uma elaboração muito próxima dos quadrinhos) - foi desenvolvido com um

preciosismo sem precedentes tornando-se quase que um subproduto do filme. Outra

“participação especial” dos quadrinhos em Matrix foi a entrada de artistas de graphic novels,

como Geof Darrow, para desenhar cenas, aparelhos – os casulos nos quais os seres humanos

ficam retidos – e até mesmo personagens exóticos, como as sentinelas, que depois receberam

um tratamento digital (SUPERINTERESSANTE, 2003, p. 45).

A proximidade de Matrix com os quadrinhos também pode ser sentida fora das telas.

Tanto é verdade, que os irmãos Wachowskis – através de sua editora, Burlyman

Entertainment - publicaram histórias em quadrinhos baseadas no filme. Os primeiros títulos

da editora foram Doc Frankenstein, criada por Steve Skroce (que fez o storyboard dos filmes

da trilogia) e Geof Darrow (designer da cinessérie) e Shaolin Cowboy, um antigo projeto de

Darrow. 31

Os animes – desenhos animados em estilo japonês, como O Fantasma do Futuro e

Akira – deram o toque de videogame ao referido filme. A ação e a plasticidade dos games

podem ser verificadas nos cenários apocalípticos da fita (SUPERINTERESSANTE, 2003, p.

45). Além disso, paralelamente ao segundo filme da trilogia, Matrix Reloaded (2003) foi

lançado o videogame Enter the Matrix, que é também uma continuação do filme. Pela

primeira vez o jogo e o filme foram feitos juntos, como se fossem uma coisa só. Os atores,

diretores, produtores, coreógrafos, sem falar dos cenários do videogame são os mesmos do

segundo filme (SUPERINTERESSANTE, 2003, p. 39).

Além da miscigenação de linguagens promovida pelos quadrinhos e pelo videogame,

existem muitas referências intertextuais no sucesso alcançado por Matrix. A começar pela

literatura.

Do livro Neuromancer, de William Gibson, uma das obras célebres da literatura

cyberpunk, são “copiados” os ciborgues, que se conectam a uma outra realidade por um plug

na nuca. Também estão lá os hackers fazendo papel de heróis. Temos ainda a referência a

Lewis Carrol, autor de Alice no País das Maravilhas. A pílula vermelha, o coelho branco, o

31 Disponível em: < http://www.matrixbrasil.com.br/forum Acesso em out. 2004.

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espelho que se liquefaz e muitas frases ditas por Morpheus são algumas das citações da obra

de Carrol na fita.

A filosofia também foi visitada para compor Matrix. A história do filme se assemelha

a idéia de Platão expressa no mito da caverna; temas de outros pensadores, como os

apresentados na obra de Jean Baudrillard, também comparecem em Matrix.

Até mesmo da religião foram extraídas idéias, princípios e citações literais, como a

dos evangelhos apócrifos (textos religiosos atribuídos aos apóstolos e seguidores de Cristo),

cujas frases foram colocadas na boca de Morpheus. Já Neo encarna o papel de “messias” da

humanidade e ressuscita no final do filme, tal qual aparece na tradição cristã. As religiões

orientais também são lembradas na produção, já que o caminho para a iluminação anunciado

na história é semelhante ao pregado por Buda.

Existem ainda referências ao próprio cinema, ou melhor, aos filmes de artes marciais

dos anos 70. A predileção dos diretores por essa filmografia é flagrante na inserção de lutas de

jiu-jitsu com precisão de movimentos. Os efeitos em que os atores ficam presos no ar por

arames vieram também das produções dos anos 70.

Percebemos, com isso, que o hibridismo inaugurado por Méliès nos primórdios do

cinema foi relevante para a constituição da linguagem cinematográfica, que aparece na obra

desse precursor de forma incipiente. O hibridismo retomado pelo cinema da

contemporaneidade, por sua vez, questiona o estatuto da linguagem de cinema.

Assim, fica cada vez mais difícil falar em cinema stricto sensu ou mesmo em vídeo stricto sensu, quando os meios se imbricam uns nos outros e se influenciam mutuamente, a ponto de, muitas vezes, tornar-se impossível classificar um trabalho em categorias como cinema, vídeo, televisão, computação gráfica ou seja lá o que for. Talvez seja melhor falar simplesmente de cinema, no sentido expandido de kínema-émato+ gráphein, ou seja, a ‘arte do movimento’ (MACHADO, 1997, p. 216).

De Méliès até os dias de hoje o cinema foi essencialmente artesanal para depois

experimentar os recursos da imagem eletrônica e em seguida se tornar digital. Essa

transformação, que põe em xeque a própria essência do cinema, como aponta Arlindo

Machado, caminha para mudanças ainda mais radicais. Referimo-nos a inserção do digital até

mesmo nas salas de exibição, que – em algumas cidades brasileiras – já substituíram o

projetor tradicional pelo digital, o que significa a supressão da película como elemento

primordial da realização cinematográfica. As conseqüências dessa troca e de outras mudanças

já relatadas só poderão ser conferidas com o passar do tempo.

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(...) Na atração exercida pelo modelo de representação encontrado no cinema dito ‘das origens’, talvez esteja o fato de este parecer ir de encontro ao espírito de nossa época e aos paradigmas do questionamento moderno da narrativa (....) (REVISTA IMAGEM, 1994, p. 113).

4.3 -. DA ESPETACULARIZAÇÃO

Uma tempestade de neve começa e os astrônomos procuram abrigo dentro de uma

cratera. Encontram cogumelos gigantes. Ficam espantados quando o Prof. aponta seu

guarda-chuva para um cogumelo e ele começa a crescer.

Os astrônomos são surpreendidos por uma criatura estranha. Ela ataca o grupo. O

Prof. bate com seu guarda-chuva nela, que explode virando poeira.

Os astrônomos são atacados por um bando de criaturas da lua e capturados. São

levados até o rei dos Selenitas, mas num gesto heróico, o Prof. se joga sobre o rei, aponta seu

guarda-chuva para ele e o desintegra.32

Encurralada por policiais numa sala fechada, Trinity pula, pára no ar e derruba dois

homens com um único chute.

No momento em que alcança a cobertura do prédio onde Morpheus está preso, Neo se

vê frente a frente com o agente Jones. No primeiro sinal dos seus poderes singulares, o

Predestinado desvia como um contorcionista dos projéteis e sai apenas arranhado.

Depois de salvar Morpheus e Trinity da queda do helicóptero, Neo assiste ao choque

da aeronave contra o prédio em questão, um impacto que desestrutura a edificação como

uma gelatina gigante e termina numa explosão de estilhaços.33

Acima apresentamos fragmentos dos filmes Viagem à Lua (Georges Méliès, 1902) e

Matrix (The Wachowski Brothers, 1999) escolhidos como objetos de estudo do cinema dos

primórdios e do cinema da contemporaneidade respectivamente. Em comum, os trechos

selecionados têm o mérito de serem exemplares da atuação dos efeitos especiais no processo

de espetacularização do cinema.

O termo espetacularização remete ao conceito de “cinema de atrações”, de Tom

Gunning. 32 Disponível em: < http://www.geocities.com/SoHo/9094/STEA9.html Acesso em set. 2004. 33 Disponível em: < http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=1314 Acesso em set. 2004.

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Defino ‘atração’ como aquilo que estimula a curiosidade visual, desperta ou cria excitação, espanto ou assombro. É algo em si inusitado, fascinante ou poderoso, que atrai a atenção da audiência (1995, p. 114).

Dessa forma, os efeitos especiais – tais como o crescimento exagerado, as explosões,

as desintegrações, entre outros - criados pelo elaborado trabalho de montagem de Méliès, bem

como as habilidades especiais proporcionadas aos protagonistas de Matrix pelo bullet time,

enquadram-se com exatidão na definição citada.

Sobre a obra de Méliès podemos dizer que:

(...) o que Méliès inventou, efetivamente, foi o espetáculo cinematográfico como é conhecido ainda hoje. Sua condição de grande mágico e ilusionista fez com que ele buscasse uma nova concepção de filmes, todos eles construídos a partir de efeitos especiais, baseados em ilusões de ótica e que eram impossíveis de realizar no palco do teatro. Pessoas e objetos desapareciam subitamente ou eram multiplicadas, diminuídas ou aumentadas. Novas relações espaciais e temporais eram possíveis, exclusivamente, à narrativa cinematográfica. Para Georges Méliès, a história era um mero argumento para a utilização de efeitos que impressionavam o público, oferecendo uma nova experiência sensorial, através do cinema. Talvez por isto, com o aumento da produção e a concorrência, Méliès não tenha conseguido acompanhar as mudanças rápidas da indústria cinematográfica que começava a se desenvolver na década de 10 (SILVA, 2001, p. 44).

O pensamento de Silva explica como se deu o processo de espetacularização no

cinema de Méliès e de que forma ele coincide com a noção de “cinema de atrações” de

Gunning.

Por outro lado, Cristiane Freitas (2002) inclui nessa abordagem o cinema da

contemporaneidade, estabelecendo um vínculo entre este e o cinema dos primórdios. Com

isso, apresenta importante argumento para nossa construção de uma identidade entre o cinema

dos primórdios e o da contemporaneidade. Diz a autora:

Méliès concebia o cinema como um parque de diversões em que o ilusionismo típico dos diferentes tipos de truques encantava tanto crianças como adultos. Hollywood seguiu os passos do pai da trucagem, permitindo aos espectadores sentirem o prazer da imagem, mas também da técnica e dos instrumentos cinematográficos (2002, p. 28).

Sob a aura dos efeitos especiais, o computador recorre à mágica para proporcionar todo tipo de sensação no espectador (2002, p. 27).

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O processo de espetacularização, tanto no cinema dos primórdios quanto no da

contemporaneidade, trabalha com as emoções do espectador, apela aos sentidos da platéia e

fornece-lhe a adrenalina desejada. Isto fica claro na citação acima, que refere-se a um

sentimento de prazer vindo da imagem.

Neste ponto, julgamos conveniente voltarmos ao conceito de Gunning. Ele esclarece

ainda mais sobre seu “cinema de atrações”:

Quando falo do cinema de atrações estou em parte dizendo que, historicamente, o cinema vem desse entretenimento popular tradicional e não está, em sua origem, interessado primeiramente em ilusão realista. Está mais interessado em assombrar a audiência, estimulá-la, despertar sua curiosidade, até mesmo chocá-la, em vez de criar uma história ou um mundo fictício (1995, p. 115).

É interessante notar que esse “perfil de atrações” é ancestral. Pode ser observado em

situações que descrevem inventos anteriores ao surgimento do cinematógrafo. É o caso da

experiência de uma jornalista de São Francisco, de pseudônimo Alice Rix, em 1857, com a

lanterna mágica:

Lembrei-me de repente de um esquecido medo infantil do espetáculo de lanterna mágica. A sala de show na escuridão, a pálida planície branca estendendo-se até o desconhecido mundo das sombras. Tudo bem chama-la de lençol, dizer que este estava esticado entre inocentes e familiares portas dobráveis; apesar disso, ele separava o conhecido e o seguro do misterioso além onde sombras horríveis viviam e moviam-se com assustadora rapidez, sem fazer nenhum barulho. E estas eram sempre horríveis, não importa quão grotescamente divertida fosse a forma que assumissem, e elas me seguiam até o berço durante horas, ficando em meu coração e em minha alma pela negra noite adentro. E algumas vezes nem a luz da manhã podia espantá-las. E hoje parece que elas resistem aos anos.34

Para elucidar seu conceito de “cinema de atrações”, Tom Gunning revisitou as

primeiras exibições do cinematógrafo e apresentou uma outra versão para o mito fundador do

espectador de cinema. Aos tradicionais relatos de espectadores fugindo estarrecidos de um

trem que vinha em sua direção no Salon Indien do Grand Café, Gunning contrapõe a idéia de

uma audiência um tanto quanto espantada, porém incrédula.

Não podemos simplesmente engolir inteira a imagem de um espectador ingênuo, cujas reações à imagem são as de simples crença e pânico. Precisamos digerí-la. O impacto das primeiras projeções não pode ser explicado por um modelo mecanicista de um espectador ingênuo que, num estado psicótico temporário, confunde imagem e realidade (GUNNING, 1983, p. 53).

34 Disponível em; < http://www.contracampo.he.com.br/39/fantasmagoria5.htm >. Acesso em set. 2004.

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101

Como explicar, então, uma espécie de terror que tomou conta dos primeiros

espectadores, já que não se tratava de uma reação de medo infantil? O autor aponta para a

necessidade de contextualizar historicamente esse acontecimento.

A projeção das primeiras imagens em movimento coincidiu com o auge de um período de intenso desenvolvimento dos entretenimentos visuais, tradição cujo realismo era muitíssimo valorizado por seus efeitos fantásticos. É preciso reconhecer tal tradição e refletir sobre seu papel na virada do século (1989, p. 33).

Gunning situa o teatro de Méliès nesse contexto e sinaliza com a resposta à pergunta

feita acima:

Na virada do século, essa tradição usava a mais avançada tecnologia (como luz elétrica focalizada e elaborada maquinaria de palco) para produzir encenações de milagres. A aparente transcendência das leis do universo material no teatro de mágicas define a natureza dialética de suas ilusões: a tarefa das ilusões encenadas no século XIX consistia em tornar visível algo que poderia não existir, em conduzir o jogo das aparências de modo a confundir as expectativas da lógica e da experiência. A platéia a que este teatro se dirigia era composta não por caipiras simplórios e grosseiros, mas por sofisticados citadinos em busca de prazer, perfeitamente cientes de que estavam vendo as mais modernas técnicas do ofício teatral: o teatro de Méliès é inconcebível sem o declínio generalizado da crença no maravilhoso, que forneceu a base de um contexto racional. O teatro de mágicas operava de forma a tornar visível o que era impossível de acreditar. Seu poder visual consistia num jogo de ‘trompe l’oeil’ de dar e retirar, numa vontade obsessiva de testar os limites da refutação intelectual – Eu sei, mas mesmo assim, vejo (1989, p. 33).

As colocações feitas acima confirmam a hipótese do espectador incrédulo, ou seja, de

uma audiência culta, que não acredita piamente em tudo o que vê, não toma a ilusão por

realidade, no entanto, impressiona-se com as possibilidades do teatro de mágicas de Méliès,

ensaio genial da vocação cinematográfica deste artista. O trecho mencionado deixa bem claro

que “as artes ilusionistas do século XIX exploravam sua essência inacreditável, mantendo

deliberadamente o foco no fato de que eram apenas ilusões” (GUNNING, 1989, p. 34).

Essa idéia é reforçada por um procedimento adotado pelos irmãos Lumiéres nas

primeiras projeções. Eles apresentavam as imagens como fotografias congeladas, criando uma

espécie de desapontamento geral na platéia, que estava ali reunida pela promessa de

presenciar a imagem em movimento. Logo, a decepção cederia lugar a um deslumbramento

quando o trem, antes estático, começasse a vir de encontro à platéia, revelando, assim, que

tudo não passara de uma estratégia para capturar a atenção do espectador. Dessa forma,

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102

descortinava-se a ilusão, sem deixar espaço para que a realidade se manifestasse (GUNNING,

1989, p. 34).

Por fim, devemos mencionar o fato das exibições serem mediadas pelas explicações de

um narrador, já que estamos falando do cinema mudo. A atuação desse personagem,

esclarecendo detalhes das imagens em movimento, afasta de vez a possibilidade do espectador

do cinema das origens tomar por realidade o que era apenas ilusão.

As conclusões apresentadas acima tornam mais premente a resposta à pergunta feita

anteriormente. Como explicar, então, uma espécie de terror que tomou conta dos primeiros

espectadores?

Quem deixa o observador atônito é a natureza inacreditável da própria ilusão. O que é exposto diante da platéia não é tanto o avanço iminente do trem, mas a força do aparato cinematográfico. Ou, para dizê-lo melhor, um demonstra a outra. O espanto deriva mais precisamente da metamorfose mágica do que da aparente reprodução da realidade. (...) A sensação de impacto do público é produzida menos por uma crença ingênua de que estão sendo ameaçados por uma locomotiva de fato do que pela inacreditável transformação que ocorre diante de seus olhos, paralela às mais formidáveis maravilhas do teatro de mágicas (GUNNING, 1989, p. 34).

Parece-nos que é próprio da imagem, seja ela representada pelos filmes de Méliès, ou

pelas projeções de lanterna mágica, essa capacidade de provocar prazer e medo ao mesmo

tempo. O fato é que esse traço se manteve com o passar dos tempos e resultou numa

componente importante do cinema da contemporaneidade, especialmente no cinema

americano.

Neste momento entram em cena os efeitos especiais, que potencializaram o que já era

característico da imagem. Os efeitos especiais, portanto, resgatam o entusiasmo e o frescor

das primeiras imagens engendrando no espectador uma relação sinestésica dada pelo emprego

de tecnologia de ponta.

O cinema de Hollywood encontrou no estilo de filmes de efeitos especiais o espaço de comunhão da técnica com o espectador, um meio de restaurar por um tempo o imaginário do impossível, da ressurreição, do corpo instável e da conquista tecnológica (FREITAS, 2002, p. 28).

Julgamos conveniente reapresentar o pensamento de um autor já citado anteriormente,

quando da tentativa de esclarecimento sobre o emprego do termo trucagens ou efeitos

especiais (2.5), pois ele faz menção a esse caráter de espetáculo dado pelos efeitos especiais

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103

nas argumentações utilizadas para a discussão lexical que desenvolve. Ainda, o estudioso

ratifica as conclusões mencionadas acima. Sendo assim, Costa declara que:

A teoria da ‘hesitação’ de Todorov poderia ser alargada ao cinema fantástico, mas nos oferece também a pista para identificar na “hesitação” a propriedade fundamental dos efeitos especiais. Frente a esses o prazer do espectador se nutre da incerteza de atribuir o fascínio ao extraordinário universo em que é mergulhado ou ao extraordinário mecanismo que o simula (1989, p. 211-212).

A visão de Mourão complementa nossa discussão sobre o processo de

espetacularização. Diz a autora:

Há um fascínio nas atuais produções do cinema industrial de Hollywood em exibir os efeitos especiais como um atrativo para o espectador. O cinema continua procurando formas de chamar o seu público às salas de exibição como a melhor alternativa para a televisão, o vídeo, o laser-disc. Hollywood percebeu rapidamente como os efeitos especiais poderiam auxiliar a produção cinematográfica do ponto de vista de oferecer algo novo para o espectador fazendo, assim, com que ele voltasse para a s salas de cinema. Assim, surgem as grandes produções, com imagens de grande dimensão repletas de efeitos e truques proporcionados pelos mais variados softwares, acompanhadas de trilhas sonoras sofisticadíssimas e que constituem um atrativo tal qual as novidades tecnológicas trazidas pelos filmes de Georges Méliès no cinema dos primeiros tempos. A necessidade de chamar a atenção para a própria forma, o efeitos pelo efeito, essa exuberância da forma que se quer mostrar enquanto forma, pode ser caracterizado como um neo-barroquismo, ou se preferirmos, um Neo-Maneirismo. Talvez, após todo um período de construção classista, estejamos novamente chegando à outra volta da curva, uma retomada onde tudo parece se referir ao já visto e onde a imperfeição acaba tendo lugar novamente ao lado do tecnicamente perfeito, o caricato ao lado do apolíneo. Mistura de estilos, a forma significando-se enquanto forma, muitas vezes sem necessidade do conteúdo, o meio sendo a mensagem: Neo-Maneirismo (1998, p. 17).

Na verdade, tanto o cinema dos primórdios, quanto o cinema da contemporaneidade

reproduzem nas telas valores e princípios antes forjados pelas sociedades do século XIX e

pela do nascente século XX, bem como pela do final do referido século e a do jovem século

XXI. O final do século XIX viu surgir o homem moderno, que conquistara a condição de

sujeito de massa, consumidor de bens culturais (PANZENHAGEN, 2001, p. 53).

O guia Cassel de Paris, de 1884, confirmava que muitos visitantes da capital francesa esperavam se divertir. Paris, no último terço do século XIX, havia se transformado no centro europeu da florescente indústria do entretenimento. Mas mais importante do que o prazer, talvez, o guia prometia que ‘há sempre algo para ser visto’. A vida em Paris, pretendo mostrar aqui, tornou-se fortemente identificada com o espetáculo. A vida real vivenciada como um show, mas, ao mesmo tempo, os shows tornavam-se cada vez mais parecidos com a vida (SCHWARTZ, 2004, p. 337).

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A autora acima citada mostra uma Paris ávida pelo espetáculo. Este podia ser visto,

principalmente, no necrotério de Paris, nos museus de cera (como o Musée Grévin) e nos

panoramas. A curiosidade mórbida do público parisiense, percebida pela freqüência do

mesmo ao morgue, ilustra com brilhantismo o desejo de olhar, que tanto permeou a cultura

parisiense do fim do século XIX (SCWARTZ, 2004, p. 340).

Atualmente:

As novas formas de representação correspondem a uma nova relação do ser humano com a realidade. O pensamento contemporâneo está moldado por uma complexidade que o diferencia radicalmente da estrutura de pensamento linear dominante antes da revolução tecnológica A evolução da informática e o avanço das telecomunicações determinam uma mudança radical nas relações do homem com seu próprio mundo e, conseqüentemente, consigo mesmo. É necessário estabelecer novos padrões de discussão de conhecimento (MOURÃO, 2001, p. 49).

A necessidade de maravilhar-se diante do desconhecido, no entanto, permanece:

(...) O olhar está em todo o lugar e em nenhum lugar da ‘sociedade do espetáculo’; surte, assim, uma relação completamente nova com a imagem cinematográfica, e nela o espectador simplesmente explora e canibaliza a obra de arte criada exatamente para esse propósito com uma apropriação aleatória – mas altamente visual – de seus vários ‘bônus de prazer’ (...) (JAMESON, 1995, p. 222 apud, PANZENHAGE, 2001, p. 5).

Pelo exposto até o momento, acreditamos que demos mais um passo na direção da

construção de um paralelo entre o cinema dos primórdios e o cinema da contemporaneidade.

Por fim, reafirmamos que a espetacularização do cinema promovida pelos efeitos

especiais vem corroborar a relação tecnologia e linguagem cinematográfica que se estabeleceu

desde o nascimento do cinema.

Segundo Silva:

É possível portanto, perceber que na evolução do ‘século do cinema’ existem relações estreitas entre o avanço tecnológico e o domínio da linguagem. Mais do que isso, observa-se que as formas narrativas e as construções estéticas, assim como os conteúdos, ampliam-se à medida que evolui a tecnologia do próprio cinema. A cor, o som, lentes mais precisas, películas mais ou menos sensíveis, câmeras e gravadores de som mais ou menos portáteis, com novos recursos eletrônicos, assim como artefatos de iluminação mais controláveis e equipamentos desenvolvidos para o posicionamento e a movimentação das câmeras. Tudo isso, somado às novas possibilidades da própria engenharia da produção, incluindo cenários, figurinos, objetos, efeitos especiais, transformaram de maneira irreversível o fazer cinematográfico, ao longo do século XX ampliando radicalmente as fronteiras da representação pela imagem em movimento (2001, p. 43).

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4.4 - DA VEROSSIMILHANÇA

De um lado temos a tela exibindo desaparecimentos de pessoas. Aparições de outras.

Crescimento repentino de cogumelos. Multiplicação de cabeça. Ou seja, alguns resultados

obtidos pelo uso de efeitos especiais por Georges Méliès. De outro, temos o público que

acompanha com olhar atento essas evoluções do espaço-tempo. Diante da “mágica”

apresentada nessas exibições – que torna visível o que era impossível de acreditar – a platéia

experimenta sentimentos contraditórios do tipo: “Eu sei, mas mesmo assim vejo...”

(GUNNING, 1989, p. 33).

Na verdade, o espectador do século XIX estava há tempos familiarizado com a ilusão

realista. Mencionamos, anteriormente, uma pequena história das imagens animadas, que

confirma essa familiaridade desde a criação da lanterna mágica, no século XVII. Dessa

retrospectiva, vale retomar os espetáculos de fantasmagoria de Robertson. Neles a ilusão era

repisada por esse físico belga, que se desesperava para demonstrar seu propósito científico.

No entanto, nas apresentações do invento, as reações de espanto diante dos espectros de luz

eram inevitáveis (BILHARINHO, 1996, p. 55).

No fim do século XVIII, as exposições universais - vitrines do desenvolvimento

tecnológico alcançado pelos países europeus – são o cenário para a apresentação dos

panoramas, uma das várias atrações visuais representadas nessas feiras. A maioria delas se

resumia a métodos de ilusionismo utilizando imagens, fotográficas ou não, para simular

viagens no tempo e no espaço. Era o que os contemporâneos chamavam de espetáculo total ou

ultrarealista (...) (COSTA, 1994, p. 12-13).

Existiam várias modalidades de panoramas. Os estacionários, como o próprio nome

diz, eram formados por imagens – pinturas detalhadas, que reproduziam paisagens de terras

distantes – estáticas. Bem como os panoramas animados, que acrescentavam o movimento,

sendo divididos em dois tipos: o stereorama e o mareorama (COSTA, 1994, p. 14).

O Mareorama era ainda mais sofisticado. Estava construído num prédio de 40m de altura, onde cabiam 1500 pessoas. Sua atração era a simulação de uma viagem também pelo Mediterrâneo, entre Marselha e Constantinopla. Os espectadores entravam numa cabine simulada de navio, diante da qual uma imensa tela de 15m de altura mostrava uma paisagem pintada. Atores vestidos de marinheiros e eventuais músicos e dançarinos recebiam os passageiros. Enquanto isso, uma equipe escondida trabalhava para movimentar a cabine dos passageiros simulando oscilações marítimas. Desenrolavam lentamente os 1000m de comprimento da tela fazendo desfilar a paisagem e controlavam os efeitos de luz – que variavam conforme a hora do dia que estava sendo representada. Movimentavam ainda uma plataforma coberta de algas marinhas, para criar a ilusão (olfativa!) de uma brisa marítima.

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Os exemplos acima evidenciam que o espectador do século XIX estava ciente da

ilusão realista, mas mesmo assim, ansiava por essas experiências e maravilhava-se com a

engenhosidade necessária para criá-las. A citação abaixo nos autoriza a pensar dessa maneira.

Um crítico observou que Poilpot havia sido ‘bem-sucedido em reconstituir cenas da vida a bordo nos mínimos detalhes com fidelidade surpreendente... O artista alcançou completamente esse objetivo; mesclou realidade e ficção de tal modo que nós praticamente somos enganados’ (SCHWARTZ, 2004, p. 355).

Partindo dessa premissa, pretendemos mostrar que a questão da verossimilhança é um

traço distintivo da evolução dos efeitos especiais. Antes porém, teremos que rever o próprio

conceito de verossimilhança. Afinal, não podemos nos esquecer de que estamos falando de

um realismo de imagens que nos apresentam, por exemplo, pessoas voando, ou atravessando

paredes. O estudo de Schwartz é esclarecedor a este respeito, uma vez que apresenta as muitas

implicações da qualidade similar à própria vida presente nos entretenimentos visuais do

século XIX.

Os panoramas e dioramas vêm sendo discutidos com freqüência como invenções tecnológicas do início do século XIX que podem ser entendidas como antecedentes do cinema. Em particular, os estudiosos têm chamado a atenção para o modo como os panoramas e dioramas manipularam a visão para transportar os espectadores no tempo e no espaço por meio da ilusão da representação realista. Em vez de simplesmente limitar a discussão dos panoramas e entretenimentos similares ao momento de sua invenção no início do século XIX, quero mostrar o modo pelo qual os panoramas, assim como os museus de cera, floresceram nas décadas de 1880 e 1890 ao procurar capturar e reapresentar uma versão já familiar da realidade – a realidade na qual a vida era capturada pelo movimento. O realismo do panorama baseou-se na noção de que, para captar vida, uma exposição tinha que reproduzí-la como uma experiência corporal e não meramente visual (SCHWARTZ, 2004, p. 352).

Para muitos observadores do fin-de-siècle, os parisienses demonstravam um novo e bem marcado gosto pela realidade. Ao ir além dos limites do realismo e do ilusionismo procurei mostrar que seu gosto pelo real estava assentado na indistinção da vida e da arte – no modo como a realidade era transformada em espetáculo (como no necrotério) ao mesmo tempo em que os espetáculos eram obsessivamente realistas. A realidade, no entanto, era constituída e definida de modo complexo. O estudo das observações da época indica que, como em qualquer aparato tecnológico, o efeito-realidade também residia na capacidade dos espectadores de fazer conexões entre os espetáculos que viam e as narrativas familiares da imprensa que já conheciam (SCHWARTZ, 2004, p. 357).

O cinema surge neste contexto como uma atividade marginal e acessória. Inicialmente,

teve que concorrer com outras atrações, como os panoramas e dioramas, até alcançar o

reconhecimento do público (COSTA, 1994, p. 15).

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Ao examinar práticas que coexistiram com os momentos iniciais do cinema, minha hipótese é de que este terminou por ser mais do que apenas uma de uma série de novas invenções, porque incorporou muitos elementos que já podiam ser encontrados em diversos aspectos da chamada vida moderna (SCHWARTZ, 2004, p. 338).

Dessa forma, o cinema de efeitos especiais de Georges Méliès desenvolveu-se dentro

desse contexto de constituição de uma noção de realidade especial e complexa, que mescla

vida e arte. Uma das conseqüências deste fato, a espetacularização no cinema de Méliès, já foi

apresentada anteriormente. Resta-nos observar como Méliès trabalhou com o efeito-realidade

nas suas produções, tendo em vista o caminho percorrido pelos entretenimentos visuais que

antecederam o surgimento do cinema.

Manovich (2002, p. 187-9) comenta:

Os primeiros filmes expressavam seu realismo por meio de excessivas representações de profundidade do espaço, obtidas através de todos os meios possíveis: profundidade de foco, imagens em movimento, composições visuais que enfatizavam o efeito da perspectiva linear. Assim posto, o efeito realista no cinema sugere ser uma constante numa equação com poucas variáveis que mudam historicamente e têm igual peso (...) As primeiras imagens cinematográficas anunciam seu realismo através de uma profusão de imagens em movimento e do uso de profundidade de foco; mais tarde esses dispositivos desaparecem e outros dispositivos, tais como a lógica ficcional, os personagens dotados de psicologia complexa, a relação coerente do espaço-tempo da narrativa, assumem esse papel.

Manovich (2002, p. 187-8) apresenta o pensamento de vários autores sobre o realismo das imagens:

(...) Por sua vez, Bazin baseia sua idéia da forma realista no pensamento utópico mitológico. Para ele, o realismo é encontrado no espaço entre a realidade e um espectador transcendental. Comoli vê o realismo como um efeito produzido entre a imagem e o observador histórico, efeito esse continuamente sustentado ideologicamente e determinado pela adição e substituição de tecnologias e técnicas cinemáticas. Bordwell e Staiger localizam o realismo dentro do discurso institucional das indústrias de filme sugerindo que o realismo é uma ferramenta racional e pragmática da competição industrial. Ao defenderem a posição de que o cinema é uma indústria como outra qualquer, Bordwell e Staiger atribuem as mudanças na tecnologia cinemática a fatores partilhados com todas as indústrias modernas – eficiência, produção diferenciada e manutenção do padrão de qualidade.

A tecnologia dos efeitos especiais tem transformado os modos de fazer filmes e tem

mudado a percepção estética da audiência. Quanto mais a tecnologia se desenvolve, mas a

realidade pode ser representada de formas variadas. Já apontamos várias semelhanças entre o

cinema dos primórdios e o da contemporaneidade, contudo a noção de realidade apresentada

por eles e suas visões da tecnologia parecem sustentar direções opostas ((RYU, 2004, p. 2).

Segundo Ryu:

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Os efeitos especiais do cinema dos primórdios mostram eventos fisicamente reais, falam sobre referências reais e um mundo real apresentado em frente da câmera, apesar do fato de serem exibidos como mágica. Os recursos oriundos da computação gráfica utilizados para a criação dos efeitos especiais no cinema da contemporaneidade desenham uma realidade artificial usada para aumentar a ‘realidade perceptiva’. A realidade das imagens digitais resulta de programas específicos de computador (como o rendering), que não têm como referência o mundo real (2004, p. 2 e 9). Ainda que os filmes de efeitos especiais dos primórdios e os filmes de efeitos de Hollywood tenham o objetivo comum de proporcionar prazer para a audiência, as características das realidades criadas pelos efeitos de um e de outro são opostas em termos de existência de referência no mundo real, isto é, diferem ontologicamente (2004, p. 2).

Manovich (2002, p. 196) confirma a afirmação acima: (...) Em resumo, as diferenças entre o realismo cinemático e o sintético começam no nível ontológico. O novo realismo é parcial e irregular, e não analógico e uniforme.

O conceito de simulação cunhado por Baudrillard no livro Simulacros e Simulação,

1991, mencionado por nós quando da apresentação de Matrix, lança luzes sobre a questão da

hiperrealidade:

Baudrillard propõe que a simulação é a geração de modelos de um real sem uma origem na realidade. Ele argumenta que a representação mimética da realidade desaparece na simulação. Hoje, a era da simulação promove uma liquidação de toda referencialidade. Como conseqüência disso, temos que a realidade dos efeitos digitais tem uma característica de hiperrealidade, porque não há referência no mundo real (BAUDRLLARD, 1991 apud, RYU, 2004, p. 10).

MOURÃO complementa a conclusão extraída acima:

Toda esta sofisticação de recursos está aliada a um extremo refinamento na nitidez da imagem e do som. Cada vez mais temos imagens e sons cuja nitidez e fidelidade de reprodução chegam a um nível quase hiperbólico do realismo: um hiperrealismo. Este muitas vezes satisfaz-se na exuberância da forma, do requinte plástico, do efeito pelo efeito. E efeito em todos os sentidos, inclusive, os efeitos especiais (1998, p. 17).

As imagens e sons digitais, quando submetidos ao princípio de analogia, não passam de cópia de imagens e sons já captados, portanto simulações desvestidas de qualquer ruído, totalmente limpas; sua realidade está nelas mesmas, de forma ‘pura’. A procura pelo uso das imagens e sons digitais em tempo real nos leva ao conceito de realidade virtual. Não nos contentamos mais com a ‘impressão de realidade’ ou com o ‘reflexo do real’, queremos estar dentro da própria realidade (2001, p. 49-50).

Manovich (2002, p. 202) também aponta para o aspecto hiperreal da imagem:

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A imagem sintética está livre das limitações da visão da câmera e do ser humano. Ela pode ter uma resolução ilimitada e um nível ilimitado de detalhes. Está livre do efeito de profundidade de campo, esta inevitável conseqüência das lentes e, assim, tudo fica em foco. Está livre também de granulação, uma camada de ‘ruído’ criada pelo filme de celulóide e pela percepção humana. Suas cores são mais intensas e suas linhas finas têm a simplicidade da geometria. Do ponto de vista da visão humana, isto é hiperreal. Permanece, no entanto, completamente realista.

Outro ponto de discussão na consideração da verossimilhança presente no cinema dos

primórdios e no cinema da contemporaneidade, diz respeito à valorização da estrutura

narrativa. Com isso, entra em cena uma variável histórica, já que a instituição do cinema

narrativo se dá, oficialmente, com David Griffith e a inauguração do cinema clássico.

A estética e as funções de realidade geradas pelos efeitos especiais são um tanto quanto diferentes entre os filmes dos primórdios e os recentes sucessos de Hollywood. As cenas de mágica e os truques simples dos filmes dos primórdios servem para alienar as audiências da narrativa, contudo, os efeitos digitais representados em Matrix funcionam como um catalisador da empatia perfeita (RYU, 2204, p. 3). Gunning declara que o cinema de atrações é a habilidade do filme de prender a atenção da audiência em virtude dos efeitos visuais. Em outras palavras, é um estilo de entretenimento sem fazer questão da empatia da audiência através da narrativa, ao invés disso, foca-se no fazer da máquina cinematográfica e no espetáculo tecnológico. Então, a tecnologia ela mesma, operacionalizada através da câmera, é mais atrativa que os temas principais gerados pela narrativa e pela história. (GUNNING, 1994, p. 190 apud, RYU, 2004, p. 5).

Ironicamente, Viagem à Lua (1902), apontado por historiadores – como Georges

Sadoul – como o filme mais importante de Méliès (SADOUL, 1948) é uma exceção à regra

estabelecida para o cinema de atrações.

A razão de Viagem à Lua ser freqüentemente referido como um dos mais importantes filmes de Méliès não se deve somente aos truques e efeitos habilmente apresentados, mas sim, à magnífica síntese de narrativa e truques percebida na película, apesar do próprio autor ter desvalorizado a narrativa do filme (RYU, 2004, p. 7-8).

Pelo exposto até o momento, pensamos que o cinema de efeitos especiais dos

primórdios revela-se mais “real” do que o cinema de efeitos especiais da contemporaneidade.

Isto, inicialmente, soa como uma contradição, já que é sabido que Méliès desenvolveu uma

estética oposta ao projeto documentarista levado adiante pelos irmãos Lumières. No entanto,

torna-se uma conclusão possível e coerente com as explanações feitas sobre a verossimilhança

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percebida no cinema das origens e no realizado por Hollywood. Ainda, pensamos que a

inserção da narrativa obedeceu ao desenvolvimento tecnológico que estava em curso, que

resultaria na consolidação da industrialização do cinema. Caminho que foi rejeitado por

Méliès e que culminou com a sua derrocada.

Abaixo, as considerações de Mourão apontam para essa direção:

As novas tecnologias permitem ao cinema retomar a discussão de conceitos que surgiram no seu início, quando o cinema ainda não era predominantemente ficção narrativa. Era científico, documental e experimental. Mesmo quando começa a incorporar a ficção, o faz de maneira atrativa, mostrativa, de apresentação. A ponto dos experimentalistas terem visto no cinema das origens um campo propício para estudar o metacinema. Pouco a pouco estabeleceu-se no cinema a necessidade de passar a narrar histórias verossímeis. Ainda enquanto mudo, o cinema se constituía como um vasto campo de experimentação. Com o surgimento do sonoro e a sincronização de sons, a verossimilhança se impõe, redirecionando o cinema para uma teatralização da interpretação (1998, p. 51).

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PARTE II

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CINEMA DE ANIMAÇÃO

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5.1 - APRESENTAÇÃO

Trata-se da parte da pesquisa, que enfocará o cinema de animação, particularmente, a

animação cinematográfica realizada pelos Estúdios Disney – por meio das obras Fantasia, de

1940, e Fantasia 2000. Dessa forma, investigaremos a utilização dos efeitos especiais nessas

produções antes da utilização de tecnologia digital e depois da disseminação da mesma.

Nosso percurso de pesquisa aponta para o cinema de animação como uma parada

obrigatória, tendo em vista o desenvolvimento alcançado por esse cinema por meio do uso de

efeitos especiais

O cinema de animação vem escrevendo um capítulo à parte da história do cinema.

Desde o seu surgimento, 1877, esse gênero de produção cinematográfica tem apresentado

particularidades que o distinguem e o destacam em meio às realizações tradicionais

(FALCÃO, 1996, p. 9).

Originariamente, sua técnica artesanal constituiu-se na sua dianteira e na sua

retaguarda ao mesmo tempo. À beleza e graciosidade das imagens obtidas por meio do talento

manual dos artistas da animação opunha-se a crescente valorização dos processos industriais,

que aceleraram o ritmo de produção do cinema convencional, deixando o cinema de animação

para trás (FALCÃO, 1996, p. 9).

Essa situação foi particularmente acirrada quando da introdução do som no cinema.

Para fins de uma melhor sincronização de imagem e som, padronizou-se a utilização de 24

quadros por segundo, ao invés dos 16 utilizados anteriormente, para a produção da ilusão de

movimento. Com isso, exigiu-se de uma prática que prima pela paciência e tempo

empregados na criação de imagens, a produção de oito desenhos a mais (TASSARA, 1996, p.

21).

No entanto, com o passar do tempo, algumas inovações técnicas chegaram também

para o cinema de animação. Aliando-se esse fato à persistência e dedicação de alguns

realizadores, entendemos como o cinema de animação sobreviveu frente à arrancada dada

pelo cinema convencional (TASSARA, 1996, p.21).

Essa situação começaria a mudar com a introdução de suportes informáticos na

produção de animações, já no final dos anos 60. Assim, além da habilidade manual dos seus

criadores, o cinema de animação passou a contar com um aliado precioso. Em pouco tempo,

essa inserção do computador – que começou timidamente – tornou-se preponderante para esse

gênero de produção. A partir de meados dos anos 80, a utilização de recursos de computação

gráfica nos trabalhos de animação tornou-se imprescindível (D’ELIA, 1996, p. 172).

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As descobertas, as inovações tecnológicas assumiram um ritmo intenso. O tempo de

obsolescência de uma ferramenta da informática para a sua versão mais nova foi se tornando

cada vez menor.

Esses fatores foram os principais responsáveis por uma nova fase do cinema de

animação. Tantos progressos fizeram com que essa modalidade de cinema voltasse a brilhar

ao lado e, não raras vezes, à frente do cinema tradicional. Haja vista o filme A Bela e a Fera

(Jean Cocteau, 1991), que concorreu ao Oscar de melhor filme, em 1992, ao lado de outros

gêneros do cinema tradicional. Foi a primeira vez que um filme de animação competiu ao

lado de filmes feitos para o público adulto e foi premiado com o OSCAR. Esse fato fez com

que a Academia de Cinema de Hollywood criasse uma categoria especial para premiar filmes

de animação, que não mais concorreriam com os filmes do cinema tradicional. Desde 1981, a

Academia não criava uma nova categoria de premiação. Nesse ano foram criados prêmios

especiais para maquiagem e tecnologia utilizada.35

A seguir, apresentaremos um pouco dessa história, que se inicia em 1892, com a

criação do praxinoscópio. Prosseguiremos com um breve panorama do cinema de animação

no mundo, até chegarmos no cinema de animação americano. Nesse ponto, nossas atenções

voltar-se-ão para a construção do Império Disney - até encontrarmos nossos objetos de estudo

- os filmes Fantasia, de 1940 e Fantasia 2000. Por fim, uma linha do tempo das produções

Disney pode ser consultada no Anexo B.

35 Disponível em: < http://www.cosmo.com.br/crianca/materiais/001007fiqueligado.shtm >. Acesso em ago. 2003.

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5.2 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Para começar essa explanação é necessário traçar uma diferença conceitual entre

animação e cinema de animação. No primeiro caso, o conceito cobre qualquer técnica que

vise reproduzir a ilusão do movimento. Desde os flip-books - animação simples feita através

de sucessivos desenhos aplicados às bordas exteriores de um bloco de folhas encadernado -

até os anúncios luminosos animados. O segundo caso refere-se especificamente ao emprego

das técnicas cinematográficas com esse mesmo objetivo, um caso especial de animação

(TASSARA, 1996:14).

Durante algum tempo, o cinema de animação foi considerado o primo pobre do

cinema tradicional. Caracterizado pela produção de desenhos animados, coube-lhe ainda a

pecha de ser coisa de criança. Na verdade, trata-se de uma arte sofisticada, complexa - já que

mistura várias linguagens artísticas tais como a música, a pintura, o desenho e a literatura – e

abstrata, pois é capaz de representar, com poucos traços, a intenção de vida de objetos,

animais, seres fantásticos etc (FALCÃO, 1996, p. 8).

Sua origem remonta à segunda metade do século XIX. Surgiu antes do chamado

cinema tradicional, graças à Émile Reynaud, criador do praxinoscópio, em 1877. Já falamos

desse invento na primeira parte do nosso trabalho, mas acrescentaremos mais algumas

informações, a fim de apresentarmos com mais detalhes a descoberta desse tipo muito

especial de cinema.

A aptidão para as ciências já era notável em Émile Reynaud, ao que se somou uma

curiosidade e um empenho em confeccionar artefatos que fossem capazes de reproduzir o

movimento. Dessa forma, Reynaud ocupou-se da fabricação de brinquedos ópticos aliando a

essa prática seu talento para o desenho (TOULET, 1988, p. 69).

Ele partiu da idéia de Joseph Plateau, criador do fenaquisticópio (já abordado na

primeira parte do trabalho), substituindo as fendas do disco por vidros, a fim de aumentar a

luminosidade. Ele próprio desenhava as fitas de imagens e organizava a comercialização de

seu aparelho, cujo sucesso foi imediato. Depois o aperfeiçoou, criando um praxinoscope

teatro e um praxinoscope de projeção acoplado a uma lanterna mágica (TOULET, 1988, p.

70).

Em 1889, seu Teatro Óptico estava pronto. Seu princípio era o de um praxinoscope de

projeção, mas ele utilizava uma película, cujo comprimento não era limitado, enrolada num

carretel e que avançava mediante uma engrenagem que encaixava em furos. Suas três

primeiras fitas lhe custaram três anos de trabalho, nos quais passou pintando, imagem por

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116

imagem, num suporte gelatinoso, as pantomimas luminosas: Un Bon Bock, Le Clown et ses

Chiens e Pauvre Pierrot (TOULET, 1988, p. 70).

Esse espetáculo ganhou as multidões do Museu Grévin a partir de 1892. No entanto, o

processo extremamente artesanal de produção dos desenhos, somado à fragilidade do

material, que ocasionalmente resultava em perdas de partes de filmes, tornou o hábil trabalho

de Reynaud uma atividade morosa. Esse foi o principal motivo de sua derrocada frente aos

progressos feitos por Edison, com seu kinetoscope, bem como pelos irmãos Lumières, com o

cinematógrafo (TOULET, 1988, p. 71).

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117

5.3 - OS PIONEIROS

Os primórdios do cinema de animação incluem os nomes de alguns pioneiros, como o

de James Stuart Blackton. Inglês, emigrado para os Estados Unidos, Blackton entrou para o

cinema por acaso. Jornalista e desenhista do Evening World de Nova York, foi encarregado

de fazer uma entrevista com Thomas Edison, em 1896. Esse propôs que a conversa fosse no

seu estúdio, onde Blackton poderia fazer o seu retrato diante da câmera. O jornalista

encantou-se com o novo invento de Edison e pouco tempo depois fundou, com Albert E.

Smith, o Vitagraph – que se tornaria um dos estúdios mais importantes da sua época

(TASSARA, 1996, p. 16).

Em 1906 Blackton decide retomar o seu talento para o desenho e inicia sua carreira no

cinema de animação produzindo o filme Humorous of Funny Faces. Tratava-se de um

desenho que apresentava uma mão, que desenhava num quadro negro os rostos de um homem

e de uma mulher. Quando a mão saia de cena, os rostos adquiriam vida, mexendo os olhos. Na

volta da mão, as faces eram apagadas e no quadro negro apareciam novos desenhos

(TOULET, 1988, p. 72). Em The Magic Fountain Pen (1907), Blackton contava a história de

uma caneta que escrevia sozinha (TASSARA, 1996, p. 17).

As trucagens também aparecem no nascedouro do cinema de animação. Segundo de

Chomon, espanhol que leva o processo de colorização de filmes para a Espanha, vai para a

França, a convite da produtora Pathé, construindo lá uma câmera especialmente adaptada para

as trucagens. Num galpão de vidro da firma, instala um andaime que lhe permite filmar, na

vertical, desenhos postos em cima de um tabuleiro: nasce a tituladora. Por seu trabalho

impecável, foi considerado um dos operadores mais hábeis de seu tempo (TOULET, 1988, p.

73).

A história do cinema de animação menciona uma polêmica quanto ao verdadeiro pai

do desenho animado. Alguns historiadores atribuem a Emile Cohl, nascido em Paris, em

1857, a verdadeira paternidade. Um dado importante de ser citado é que Cohl era amigo de

Méliès, que provavelmente o influenciou na adoção do cinema como carreira. O período de

sua maior produtividade estendeu-se de 1906 a 1912, durante o qual realizou filmes notáveis

como: Fantasmagoria (seu primeiro filme, com cerca de dois minutos), Joyeux Microbes,

Drâme chez les Fantoches (1908) e tantos outros, ultrapassando uma centena de filmes,

todos de curta duração (TASSARA, 1996, p. 18).

Não poderia ficar de fora o nome de Winsor McCay, autor dos famosos Gertie, a

Trained Dinosaur (1909) e Little Nemo (1911). Temos ainda a lembrança do nome de Earl

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118

Hurd. Ele introduziu, em 1914, o emprego de folhas transparentes (celulóides, também

conhecidos como acetatos). Essa utilização permitiu uma maior desenvoltura por parte dos

animadores para confeccionarem seus desenhos, já que antes os mesmos eram feitos em papel

opaco. Tal inovação fez com que a narrativa do desenho animado ganhasse novas dimensões

(TASSARA, 1996, p. 19).

5.4 - BREVE PANORAMA DO CINEMA DE ANIMAÇÃO NO MUNDO

A França teve um papel importante no desenvolvimento do cinema de animação no

mundo. Merecem destaque os nomes de Héctor Hoppin e Anthony Gross, autores do filme La

Joie de Vivre (1934) além de outros realizadores competentes como: Mimma Indelli, René

Clément, Paul Grimault entre outros. Um tempo depois, em 1973, o nome de René Laloux

ficaria associado à criação do longa-metragem La Planète Sauvage (O Planeta Selvagem)

(TASSARA, 1996, p. 21).

O russo Alexander Alexeieff iniciou sua carreira cinematográfica, na verdade, na

França. Juntamente com sua companheira, Claire Parker, ele desenvolveu uma técnica

conhecida como “tela de alfinetes”. Essa consistia numa prancha repleta de minúsculos

orifícios, cada qual atravessado por um pino. Esses pinos eram dispostos de tal maneira que

podiam ser empurrados para dentro ou para fora da prancha, produzindo uma sombra mais ou

menos alongada sobre ela. Com esse tipo de regulagem, tornava-se possível criar uma vasta

gama de cinza que, por sua vez, definia os sofisticados desenhos, em branco e preto, que a

dupla animava, quadro a quadro. Alguns filmes que utilizaram essa técnica: Une Nuit sur le

Mont Chauve (Uma Noite no Monte Calvo, 1933), En Passant (1943) e The Nose (1963)

(TASSARA, 1996, p. 21).

Da Alemanha vem o primeiro nome feminino no cinema de animação, Lotte Reiniger.

Ela usou de forma sofisticada a antiga técnica de silhueta utilizada nas sombras chinesas.

Algumas de suas obras mais conhecidas: Prinz Achmed (As Aventuras do Príncipe

Achmed, 1926), Aventure du Docteur Dolittle (1928) e A la Chasse de la Fortune (1930)

(TASSARA, 1996, p. 22).

Outro realizador alemão que devemos mencionar é Oskar Fischinger. Ele desenvolveu

um estilo bastante experimental, o que pode ser observado pelos elementos da pop art e arte

abstrata que ele levou para o cinema. Não só a imagem, mas também o som foram frutos de

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119

suas experiências. Destacou-se com os trabalhos: Wax Experiments (1921-1923), Spirale

(1925) e Komposition in Blau (1934) (TASSARA, 1996, p. 23).

Da Inglaterra vem o nome de Walter R. Booth, que realizou The Hand of the Artist

(1906), considerado o primeiro desenho animado inglês. Temos também os nomes de Harry

Furniss e Lancelot Speed, que realizaram seus trabalhos pouco antes da I Guerra. Tempos

depois o destaque seria o nome de John Halas e de George Dunning com o seu revolucionário

longa-metragem Yelow Submarine (Submarino Amarelo, 1968) (TASSARA, 1996. p. 30).

Na Suécia devemos mencionar o nome de Victor Bergdahl; na Suíça aparecem os

nomes de Lortac e Cave; na Dinamarca deve ser lembrado o nome de Robert Storm-Petersen;

na Bélgia temos Victor Van Hamme. Na Espanha, o já citado Segundo de Chomon, que é

considerado o realizador do primeiro longa-metragem em desenho animado, com o filme La

Guerra e il Sogno di Momi (1908 e 1912), realizado em parceria com Giovanni Pastore

(TASSARA, 1996, p. 30).

Da Itália surgem os nomes de Zambonelli e Presepi. Já a animação de fantoches tem

em Cesare Antamoro uma referência pelo seu longa-metragem Pinocchio, de 1911. Nos anos

70 surgiriam os nomes da dupla Giulio Giannini e Emanuele Luzzati, além de Bruno Bozzetto

e Osvaldo Cavandoli (TASSARA, 1996, p. 31).

No Canadá, em 1941, John Grierson criava o National Film Board, que seria

considerado um dos maiores estúdios de animação do mundo devido, principalmente, à

atuação de Norman McLaren. Ele foi considerado um dos animadores mais completos do

mundo, experimentou quase todas as técnicas existentes na sua época e foi responsável pela

criação de muitas outras (TASSARA, 1996, p. 29).

No leste europeu destacamos a antiga União Soviética e os nomes de Dziga Vertov e

Lucanus Cervus. Na Tchecoslováquia temos o inovador Jiri Trnka e seus colegas Josef Lada,

Zdenek Miler, Josef Kapek. Da Polônia vêm os nomes de Jan Lenica, Walerian Borowczyk e

Piotr Kamler. Na Iugoslávia o destaque fica por conta de Dusan Vukotic e Nedeliko Dragic.

Na Romênia temos Íon Popesco-Gopo. Por fim, da Hungria vêm os nomes de Zsolt Richly,

Jozsef Gemes, Sandor Reisenbüchler e Peter Szoboszlay (TASSARA, 1996, p. 28).

O pós-guerra marcou a presença do Oriente nesse cenário. O Japão rapidamente

ganhou destaque no mundo com seus animadores Yoji Kuri, Isao Takahata e Kimio Yabuki.

Depois viria Osamu Tezuka, em 1963 e em 1985 Renzo Kinoshita. Na América Latina, Cuba

conseguiu avanços importantes no cinema de animação, alcançando notoriedade pelas suas

produções. (TASSARA,1996, p. 19-20).

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5.5 - O CINEMA DE ANIMAÇÃO AMERICANO: UMA RETROSPECTIVA

O ano de 1919 marcou o cinema de animação americano com a criação de um

personagem que faz sucesso até os dias de hoje: o Gato Félix. Pat Sullivan e Otto Messmer

foram os autores desse personagem que foi considerado um dos mais consistentes e

duradouros do cinema (NAZÁRIO, 1996, p. 39).

Mas uma parceria histórica ainda estava por vir. Ela aconteceu quando Walt Disney e

Ub Iwerks começaram a trabalhar – esse momento coincidiu com o surgimento dos estúdios

Disney, em 1922 (NAZÁRIO, 1996, p. 39).

Ub Iwerks foi um realizador tão talentoso, que aos 28 anos de idade já abria seu

próprio estúdio, onde pôde dar vida ao personagem Flip, o sapo. Assinou um contrato com a

MGM (Metro Goldwyin Mayer) para a qual criou a série ComiColor, cujo destaque era o

desenho Humpty Dumpty – uma história de um casal de ovos que tem seu romance

interrompido por um ovo podre. Mas a consagração de Iwerks veio com o desenho O

Alfinetomem/Na Terra dos Balões. Essa era a estória de um casal de balões que enfrenta seu

inimigo, o monstruoso alfineteiro, que persegue as criaturas infladas (NAZÁRIO, 1996, p.

39).

O talento de Iwerks implementou a técnica cinematográfica de animação com a

criação da câmera multiplana, além de ter desenvolvido um grande número de efeitos

especiais. Nos estúdios Disney, Iwerks contribuiu com o incremento das técnicas de fusão de

desenho animado com ação ao vivo, abrindo o caminho para a animação tridimensional

(NAZÁRIO, 1996, p. 39-40).

Uma dupla notabilizou-se no cinema de animação americano antes do surgimento dos

grandes estúdios, são os irmãos Fleischers. Max Fleischer trabalhou nos estúdios de John

Bray, onde pôde criar o personagem Koko, o palhaço, que nasceu de um tinteiro. Fundou com

seu irmão Dave Fleischer, em 1921, a Out of the Inkwell Films, produzindo centenas de

desenhos até o final da década (NAZÁRIO, 1996, p. 41).

Em 1929, a dupla funda os Estúdios Fleischer para produzir desenhos animados que

seriam distribuídos pela Paramount Pictures. Nos anos 30, o sucesso dos irmãos é

surpreendente, chegando a produzir dezoito desenhos animados por ano, com uma qualidade

técnica surpreendente (NAZÁRIO, 1996, p. 41).

No entanto, o que distinguiu o trabalho dos Fleischers foi a animação do marinheiro

Popeye, personagem criado por Elzie Segar, que vendeu os direitos de utilização do desenho

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121

para a dupla. Outra personagem que destacou o trabalho dos Fleischers foi Betty Boop, que

sacudiu o moral e os bons costumes da época (NAZÁRIO, 1996, p. 42).

Resta ainda mencionarmos a série Color Classics, dos irmãos Fleischers, produzida

por Adolph Zukor, nos anos 30. A obra-prima O Canto dos Pássaros e por fim o longa-

metragem As Viagens de Gulliver, uma adaptação livre do romance de Jonathan Swift, de

1939, completam a lista de criações geniais dos irmãos (NAZÁRIO, 1996, p. 43).

5.6 -. OS GRANDES ESTÚDIOS

Os grandes estúdios americanos também abraçaram o cinema de animação. Destacam-

se entre eles: a Metro Goldwyin Mayer (MGM), a Warner Brothers, a Universal e a

Paramount. Em comum eles tiveram a tônica dada aos desenhos, que ainda pode ser

observada nos dias de hoje, principalmente nas reprises feitas pela televisão. Referimo-nos às

perseguições constantes entre animais, que se declaram arquiinimigos e passam os dias

arquitetando planos para a captura da vítima ou tentando escapar do seu vilão. A dicotomia

bem/mal está fortemente estruturada com uma divisão muito clara entre os que “são do bem“

de um lado e os que “são do mal” do outro (NAZÁRIO, 1996, p. 46).

O moral da história é: o mal sempre perde no final. As narrativas premiam as vítimas

com alternativas de fuga que beiram o fantástico ou com a proteção de animais maiores. Já os

maus vêem os seus planos mirabolantes fracassarem e são surpreendidos por situações

totalmente inusitadas. São destruídos e rapidamente reconstituídos num mundo de faz-de-

conta onde o lema é: ninguém morre de verdade. Essa estratégia de produção atrai

principalmente a criança, que se identifica com esse esquema de perseguição, já que também

se sente uma vítima num mundo cercado por adultos (NAZÁRIO, 1996, p. 45).

Exemplo clássico do estilo citado acima é a dupla mais famosa do cartoon: o gato

Tom e o rato Jerry, criados também por uma dupla, William Hanna e Joseph Barbera, que

durante quinze anos estiveram encarregados dessa animação na MGM (NAZÁRIO, 1996, p.

48).

Outros personagens igualmente conhecidos, que “personificaram” o espírito que

imperou na produção dos desenhos animados dos grandes estúdios são: Pernalonga (Bugs

Bunny), Patolino (Daffy Duck), Gaguinho (Porky Pig), Hortolino Trocaletras (Elmer Fudd),

Piu Piu (Tweety Pie), Frajola (Sylvester), Pierre, le Pew (Pepe, le Pew), Ligeirinho (Seed

González), Bip Bip (The Road Runner), Coiote (Wile E. Coyote) entre outros (NAZÀRIO,

1996, p. 50).

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Pernalonga e Patolino foram criados por Tex Avery, que encarnava um animador de

um estilo muito especial. Avery não se contentou em produzir apenas para crianças, embora o

sucesso dos personagens citados acima. Explorou situações de extrema violência e erotismo

no seu trabalho, como foi o caso de Um Dia no Zoológico (NAZÁRIO, 1996, p. 53).

A produção de desenho animado, na verdade, é ainda mais coletiva do que a do

cinema tradicional. Apesar da paternidade assumida por alguns realizadores, a confecção de

personagens que alcançaram a fama atravessando décadas e encantando gerações contou com

muitos desenhistas e profissionais diversos. É o caso de Charles Jones, marinheiro, retratista,

animador de marionetes e artista publicitário, que trabalhou com Ub Iwerks, Charles Mintz,

Walter Lantz e Walt Disney (NAZÁRIO, 1996, p. 54).

Jones participou da produção de todos os personagens citados acima, mas colaborou

especialmente com a produção de Pernalonga. Na verdade, quando dirigiu o filme Os Cães

na Casa do Coelho Mágico já estava antecipando o que seria, mais tarde, o famoso coelho.

Mas Pernalonga passaria ainda pelas mãos de quatorze animadores entre os anos de 1940 e

1969, quando, então, a Warner fecharia o seu setor de animação (NAZÁRIO, 1996, p. 54).

5.7 - A UPA (UNITED PRODUCTIONS OF AMERICA)

Em 1945, um grupo de artistas dissidentes dos Estúdios Disney tentou inovar o cenário

da animação americana. Para isso, animadores como Saul Bass, Robert Cannon, John Hubley,

Pete Burness e Art Babitt, liderados por Stephen Bosustow, adotaram um traço mais

simplificado e menos perfeccionista do que o estilo que era preconizado pelos Estúdios

Disney. Criaram a UPA (United Productions of America) cuja produção incluiu desenhos de

temática adulta e personagens exóticos. Foram exemplos disso o menino Gerald McBoing-

Boing, de Robert Cannon, que troveja e apita em vez de falar ou Mr. Magoo, de Pete Burness,

um velhote extremamente míope, que se mete nas maiores confusões e consegue sair ileso

(NAZÁRIO, 1996, p. 58).

Mais tarde, Ralph Bakshi levaria ao extremo essa tentativa de “quebrar o traço bem

comportado” de Disney. Trouxe para o cinema o estilo underground - inaugurado nos

quadrinhos por Robert Crumb - adaptando seu personagem Fritz, o gato para o desenho

animado. Esse era um verdadeiro representante do submundo com seu ar indolente e sua

ausência de valores morais. Além disso, Bakshi levou às telas a saga de J. R. Tolkien, O

Senhor dos Anéis, experimentando mesclar animação com personagens humanos

(NAZÁRIO, 1996, p. 60-61).

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123

5.8 - A ENTRADA DA COMPUTAÇÃO GRÁFICA

No final dos anos 60 a animação americana começa a sofrer a influência de um

instrumento que paulatinamente penetraria em todas as atividades de produção, em todas as

partes do mundo: o computador.

Nas primeiras experiências de uso do computador cada imagem precisava ser gerada a

traço e papel, com o auxílio de lentíssimos plotters. Depois, essas imagens que compunham as

seqüências animadas precisavam ser filmadas quadro a quadro por câmeras convencionais.

Mais tarde foi desenvolvida uma técnica que permitia que as imagens fossem geradas nos

monitores colocados diante de uma câmera. No momento em que uma imagem se completava,

o próprio computador acionava a câmera, comandando o registro das imagens na película.

Atualmente, tudo se faz digitalmente na máquina e só se transferem as imagens para a

película (ou fita magnética) quando desejado (TASSARA, 1996, p. 33).

Os primeiros a trabalhar com o computador foram John Whitney e seus filhos, James e

John Jr. Eles desenvolveram uma espécie de máquina analógica para animar padrões

geométricos. Dessa forma produziram diversas obras, entre elas podemos citar: Lapislazul

(1966), Mandala (1966), Permutações (1967), Matrix (1971) etc. Outros nomes que devem

ser mencionados são os de: Peter Foldes, que realizou as primeiras experiências figurativas de

animação eletrônica com os trabalhos Metadata e Fome (1971); Keneth Knowlton, com

colaboração de Lílian Schwartz, desenvolveu a primeira linguagem de máquina especializada

em animação – o Beflix (TASSARA, 1996, p. 34).

Atualmente parece não haver limite para a inserção da computação gráfica nos

processos de criação de desenhos animados. As técnicas estão cada vez mais sofisticadas. O

cinema, de uma forma geral, passou por muitas transformações, a maioria devido à utilização

de tecnologia de ponta, nas últimas décadas. Mas o cinema de animação vem se destacando

nessa área e passou a correr lado a lado com o cinema tradicional, recuperando uma posição

que possuía nos primórdios da descoberta desse gênero. A mão hábil, porém lenta, do

animador viu no computador um forte aliado (D’ELIA, 1996, p. 170).

5.9 - O IMPÉRIO DISNEY

O cinema de animação americano atingiu o grau de desenvolvimento atual, em grande

parte, devido à atuação de um homem: Walt Disney. A personalidade criativa e

empreendedora de Disney faz com que, ao falar do homem, confunda-se a vida com a obra

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edificada. Falar de Disney é apontar a trajetória da construção de um império, que vem

resistindo ao tempo e encantando multidões (TASSARA, 1996, p. 56).

Nascido em Chicago, em 1901, desde a sua infância Disney já demonstrava ter talento

para o desenho. Sua carreira foi iniciada em Kansas City, para onde foi depois de voltar da

guerra (TASSARA, 1996, p. 57).

Em 1920, criou e comercializou seus primeiros animados originais. Logo depois,

aperfeiçoou um novo método de combinar animação e filmagem. Parte, em 1923, para

Hollywood para tentar a sorte, sem contrato com os estúdios de lá, com pouco dinheiro no

bolso. Em 1925, Disney casou-se, tendo depois duas filhas (TASSARA, 1996, p. 57).

Um ano marcante na vida de Disney foi o de 1928, quando criou o personagem

Mickey Mouse e um desenho animado sem som: Plane Crazy. Pouco tempo depois o som

chegava ao cinema e rapidamente foi incorporado à animação. Atento às inovações da época,

Disney incorporou o som a seu Mickey. Sendo assim, Steamboat Willie, fez sua estréia como

o primeiro desenho animado com som sincronizado do mundo, no Colony Theater, em Nova

York, em 18 de novembro de 1928 (TASSARA, 1996, p. 56).

Disney prosseguiu com sua produção acompanhando os progressos técnicos e

assimilando-os no seu trabalho. Foi assim que o technicolor foi inserido em animações

durante a produção de Silly Simphonies (1935). 36

A dedicação e o empenho de Disney foram premiados, pela primeira vez, em 1932,

quando o filme Flowers and Trees ganhou o primeiro dos 32 prêmios Oscar que Disney

receberia em sua vida. No final desse mesmo ano, outro sucesso ganhava as telas do Carthay

Circle Theater, em Los Angeles. Branca de Neve e os Sete Anões inaugurou a lista dos

muitos longas-metragens animados que seriam produzidos por Disney.37

Nos cinco anos seguintes Walt Disney finalizou clássicos animados como: Pinóquio,

Fantasia, Dumbo e Bambi. Disney deu entrada na década de 40 ensaiando os primeiros

passos para a constituição do seu império. O estúdio de Burbank estava pronto. Seu quadro de

funcionários foi ampliado e passou a contar com mais de mil artistas, animadores, roteiristas,

técnicos etc. Era o começo de uma lista de 81 produções que seriam lançadas pelos Estúdios

ao longo da vida de Disney.38

Em 1954 Disney abriu mais uma frente para seus desenhos animados. Passou o

produzir para a TV, o que projetaria ainda mais os seus filmes e garantiria uma audiência que

36 Disponível em: < http://www.disney.com.br >. Acesso em julho 2003. 37 Ibidem. 38 Ibidem.

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atravessaria gerações. Em 1955, deu outro passo arrojado, ampliando seu leque de produções,

com a inauguração da Disneyland.39

Foi um dos primeiros a oferecer uma programação colorida com seu Wonderful

World of Color, no ano de 1961. Em 1965, voltou sua atenção para o problema da qualidade

de vida urbana na América. Assim, criou um novo mundo de entretenimento que incluiu

parque de diversões, centro de hotéis, resorts e seu protótipo experimental: comunidade de

amanhã.40

Em 1971 a Walt Disney World abriu ao público. Dez anos depois foi a vez do Epcot

Center. Esses dois empreendimentos foram feitos sem a presença de Disney, que havia

falecido em 1966. Encerrou-se assim, uma carreira de mais de 950 honras e citações de todas

as nações do mundo, incluindo 48 prêmios da Academia e 7 Emmys.41

5.10 - FANTASIA 1940

Esta foi uma produção sui generis dos Estúdios Disney. Ao contrário dos filmes

realizados até então, Disney privilegiou o público adulto nesse trabalho. Segundo Salles

(2002, p. 45) esse é um filme pioneiro e corajoso do ponto de vista estético, uma vez que

Disney já havia firmado um determinado padrão narrativo e moral por meio dos contos de

fadas. Em Fantasia ousadia pode ser sentida, principalmente, na transgressão da relação

imagem e som.

A utilização da música sempre foi uma constante nos trabalhos dos Estúdios Disney. A

trilha sonora propriamente dita pressupõe a subordinação da música à ação dramática da

imagem. No entanto, o que vemos nesse filme é a música como foco narrativo sem

estabelecer um ciclo de seqüências ligadas a algum fio condutor, a não ser à própria música. É

Salles (2002, p. 45) quem informa que Fantasia apresenta experiências abstratas muito

próximas do conceito de Visual Music (música visual) criado por Oskar Fischinger, além de

dar forma a expressividades heterodoxas no tratamento da imagem animada.

Do ponto de vista comercial, esse foi um projeto bastante ambicioso, tendo sido o

filme mais caro que os Estúdios Disney já produziram. Envolveu centenas de técnicos,

ilustradores, animadores, músicos e um enorme aparato de equipamentos moderníssimos,

inclusive tendo patrocinado pesquisas concernentes ao som no cinema em conjunto com a

39 Disponível em: < http://www.disney.com.br >. Acesso em julho 2003. 40 Ibidem. 41 Ibidem.

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Bell & Howell e a RCA. Foi o primeiro som estereofônico simulado do cinema (SALLES,

2002, p. 46).

Em termos de roteiro, a idéia de Fantasia nasceu do desejo de Disney de resgatar a

popularidade de Mickey, já que outros personagens – como o Pato Donald – estavam

disputando a atenção do público. Aliado a esse propósito, havia ainda a intenção de explorar a

música de uma forma mais complexa, ou seja, excluir os diálogos e as tradicionais

onomatopéias. Dessa forma, no filme não haveria nenhum som que não fosse música

(SALLES, 2002, p.46).

A opção mais apropriada para esse projeto de desenho musical foi a peça O Aprendiz

de Feiticeiro, poema sinfônico que Paul Dukas escreveu sobre um conto de Goethe. Esse

conta a estória de um aprendiz que, na ausência do seu mestre, toma emprestado seu chapéu

mágico. Sem saber lidar com tanto poder, esse jovem envolve-se em confusões só

solucionadas com a volta do mestre.

Para o papel do jovem feiticeiro foi escalado um Mickey aprimorado plasticamente. O

desenho dos seus olhos foi modificado radicalmente, ganhou mais contornos. Suas pupilas

foram diminuídas com o objetivo de torná-lo mais simpático. A equipe produtora do filme não

poupou esforços para que a fita fosse um sucesso absoluto (SALLES, 2002, p. 47).

Uma atenção especial foi dada à música, que ficou a cargo de um dos mais famosos

maestros em exercício na época nos Estados Unidos, o inglês Leopold Stokowski. Esse já

estava familiarizado com o sistema de trabalho hollywoodiano, pois já atuara como ator em

Cem Homens e uma Garota (Henry Koster, 1937), além de ser contratado da Paramount

para orquestrar e reger música para filmes (SALLES, 2002, p. 47).

Stokowski iniciara contatos com Oskar Fischinger na época do convite de Disney para

trabalhar em Fantasia. Simpatizante da Visual Music de Fischinger, percebeu a grandiosidade

do projeto proposto pelos Estúdios e convenceu Disney a incluir Fischinger nessa empreitada.

Tudo parecia estar providenciado para que os trabalhos fossem iniciados quando Roy

Disney, irmão de Walt e encarregado das finanças, ponderou sobre o alto custo desse curta-

metragem e seu pouco provável retorno. Ao que Walt respondeu com a idéia de um longa-

metragem, um filme concerto (SALLES, 2002, p. 47).

Foi então chamado para participar da produção Deems Taylor compositor,

comentarista de rádio e um dos principais musicólogos dos Estados Unidos. Ele e Stokowski

foram encarregados de escolher as seqüências musicais que fariam parte de Fantasia. Depois

de muito estudo, chegaram a uma conclusão que mesclava uma intenção de vanguarda, ou

seja, utilizar músicas clássicas pouco conhecidas do público em geral – com um apelo

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comercial, músicas já assimiladas pela maioria das pessoas. Essa seleção resumiu-se a oito

peças:

1. Tocata & Fuga em Ré menor, Johann Sebastian Bach, BWV 565, arranjo orquestral

de Stokowski;

2. Suíte Quebra-Nozes op.71a, Piotr llitch Tchaikovsky, contendo 6 danças originais do

balé (seleção das peças do próprio Stokowski);

3. O Aprendiz de Feiticeiro, Paul Dukas, com pequeno arranjo na orquestração e nas

repetições, pelo próprio Stokowski;

4. Sinfonia nº6 em Fá Maior op.68 Pastoral, Ludwwig van Beethoven, com cortes

profundos nos ritornelos e até exclusão de seções inteiras, reduzindo sua duração

original à metade;

5. A Sagração da Primavera, Igor Stravinsky, com profundas modificações na estrutura

da obra original ;

6. Dança das Horas, Almicare Ponchielli, com suaves alterações na instrumentação;

7. Noite no Monte Calvo, Modest Mussorgsky, com alterações drásticas na orquestração

e na estrutura da peça, cujo final foi emendado com a peça posterior;

8. Ave Maria, Franz Schubert

Todas as alterações foram feitas pessoalmente por Stokowski (SALLES, 2002, p. 48).

Na verdade, as oito seqüências de Fantasia devem ser entendidas de acordo com o

tipo de música que anunciam e/ou representam. É o próprio narrrador, no início do filme,

quem esclarece a respeito do que o público vai assistir, ou melhor, ouvir. Ele menciona três

tipos de música: a que conta uma estória com um roteiro definido, a que sugere uma estória,

mas não possui um roteiro definido e por fim, a que não conta uma estória, nem possui um

roteiro definido (a música em si mesma). Essa delimitação segue o conceito de música

programática, ou seja, música que tinha um “enredo” extra-musical mais ou menos

explicitado pelo compositor, prática freqüente num determinado período da história da música

(SALLES, 2002, 49).

O primeiro tipo trata de músicas que foram escritas propositadamente para descrever

uma ação narrativa completa e por isso, além de já possuírem um caráter descritivo, estão

imbuídas de contornos melódicos e estruturas formais propícias à associação imagética

natural que elas mesmas propõem. É o caso do Aprendiz de Feiticeiro, Noite no Monte

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128

Calvo e Dança das horas. As animações baseadas nessas músicas seguem rigorosamente os

programas descritivos propostos originalmente pelo compositor (SALLES, 2002, p. 49).

O segundo tipo, onde temos obras como Sinfonia Pastoral, Suíte Quebra-Nozes, A

Sagração da Primavera as animações seguem propostas narrativas muito diversas daquelas

pensadas por seus autores. Mesmo no caso da Sagração e do Quebra-Nozes, que são ballets

e possuem um argumento narrativo, esse é quase que completamente ignorado em seu sentido

literal. No segundo tipo a idéia está apenas sugerida, dando aos animadores a incumbência de

completar com imagens, com uma determinada sugestão de narrativa (SALLES, 2002, p. 49).

Quanto ao terceiro tipo, “música absoluta”, onde se encaixam a primeira e a última

seqüências do filme, ou seja, A Tocata e Fuga em Ré Menor e a Ave Maria, os animadores

aí enfrentaram um grave inconveniente, não existia, até então, nenhum paradigma visual que

pudesse ser usado como parâmetro ou ponto de partida para desenhar sobre a música. A

“música absoluta” tem uma afinidade muito maior com imagens abstratas, exatamente o que

Fischinger fazia em seus filmes (SALLES, 2002, p. 50).

A proposta de Fantasia foi um exercício estimulante para a equipe de produção de

Disney. Se para a seqüência que engloba as músicas que contam uma estória definida os

desenhistas tiveram que se ater ao “enredo” esboçado pelos compositores, no segundo tipo de

música a imaginação já pôde comparecer com mais força. Aos animadores coube a tarefa de

equilibrar as sugestões dadas pelos autores nas obras, com interpretações particulares de

homens dos anos 40. Essa mescla tinha que “soar verossímil”, como se para sons dissonantes

e bárbaros da Sagração da Primavera, só existisse a possibilidade visual de dinossauros se

arrastando nos primórdios da Terra. É essa a exata impressão que temos ao assistir a peça na

pele desses animais pré-históricos. Até mesmo a lógica “o bem sempre triunfa no final”,

presente nas produções Disney, cedeu lugar a um realismo de feras - que existiram no

princípio do mundo - externando toda a sua fúria (SALLES, 2002,p. 51).

Da mesma forma, os artistas que trabalharam na seqüência da Sinfonia Pastoral

conseguiram nos convencer de que só poderíamos assistir cenas da mitologia da Grécia

Antiga, a partir dos acordes desenvolvidos por Beethoven. Mesmo a “licença poética” dada

por Disney para a utilização de cores - que resultou em céu amarelo, árvore roxa, montanha

lilás – não causou nenhum estranhamento para com esse ambiente etéreo. Isso prova a

harmonia entre os paradigmas obtidos pelos realizadores, ou seja, entre sugestão e

interpretação (SALLES, 2002, p. 51).

Já o terceiro tipo de música exigiu um cuidado redobrado de Disney e seus

colaboradores, a ponto de chamarem à cena a figura de Oskar Fischinger, que ficou

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129

encarregado de toda seção referente à Tocata e Fuga. Seus princípios de Visual Music foram

colocados à prova, já que se tratava de uma produção Disney. Empenhado em fazer o melhor,

mas entediado com as pressões impostas pelos Estúdios, Fischinger acaba abandonando a

equipe. Todavia, seu trabalho foi aproveitado pelos desenhistas de Disney que, depois de dado

o pontapé inicial, adaptaram as abstrações projetadas por Fischinger ao padrão Disney de

animação (SALLES, 2002, p. 52).

Os acordes imponentes de Tocata e Fuga foram escolhidos para a abertura de

Fantasia. Se Bach, ao compor essa obra, pensava em louvar a Deus, Disney pretendia deixar

claro para o público, desde o início, a proposta arrojada de Fantasia apresentando-lhe um

mundo de abstração quase que total (SALLES, 2002, p. 53).

Da mesma forma, Disney planejou um final inusitado para os espectadores. À

atmosfera demoníaca sugerida pela peça Noite no Monte Calvo, de Mussorgski, contrapôs a

serenidade e a esperança restauradas pela Ave Maria, de Schubert. Esse fim teve um caráter

mais conceitual – através da construção da antítese musical – do que apoteótico (SALLES,

2002, p. 53).

Desse modo, Fantasia estreou a 13 de novembro de 1940. A personalidade detalhista

de Disney fez com que ele investisse alguns milhares de dólares no sistema de som dos

cinemas de Nova York e Los Angeles, que foram escolhidos para a estréia do filme. Sua

exibição, a princípio, deveria ser constante, de modo que as gerações seguintes pudessem

contemplar essa obra-prima. Mas a incompreensão da crítica e a decepção do público,

acostumado com os contos de fada anteriormente exibidos, levaram ao insucesso da fita. Isso

sem contar o fracasso financeiro, já que os custos da produção superaram em muito o público

pagante (SALLES, 2002, p. 54).

Fantasia não obteve os louros esperados na época. Foi um filme muito além do seu

tempo, que só teve seu mérito reconhecido 30 anos depois de seu lançamento. Mas entrou

para a história do cinema de animação como um clássico.

O filme ‘Fantasia’ pode ser definido como uma ‘enciclopédia’ do desenho animado, pois todos os elementos que constituem a arte da animação em papel estão presentes, desde layout, backgrounds, estória, até a própria música e a cor. Todos esses elementos são utilizados com extrema maestria, indo aos limites dos recursos técnicos que dispomos até hoje, mas sem ajuda de nenhum computador (SALLES, 2002, p. 59-60).

Apesar de não ter utilizado recurso algum de computação gráfica, impossível para a

época, o tratamento dado ao som - a seriedade com que as experimentações com a linguagem

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130

sonora foram conduzidas, a investigação em torno da questão musical, o empenho em

desenvolver a mais alta qualidade sonora foram o principal legado de Fantasia e o que

consagrou-o como imprescindível para o desenvolvimento do cinema de animação.

Sua proposta original de subverter os cânones da animação cinematográfica, por

meio de uma nova proposição de imagem e som, surpreende até hoje pela engenhosidade e

impetuosidade.

O filme atravessou o tempo maravilhando gerações e gerações com suas imagens

fantásticas. A perfeição técnica obtida numa época de recursos tecnológicos escassos continua

intrigando os que acostumaram-se com as facilidades da produção de imagem por meio dos

suportes informáticos. Sua sofisticação continua despertando nossa atenção, convida para o

exercício de nossa reflexão e sensibilidade.

Quem melhor define a importância de Fantasia para a história do cinema é Roy

Disney. “Para mim, Fantasia é um marco porque justificou tudo o que veio depois. Mostrou

que esse veículo (cinema) não está para brincadeira. Mostrou que esse veículo é arte.”42

5.11 – FANTASIA 2000 O sonho de Walt Disney esperou 60 anos para se concretizar. Esse foi o intervalo entre

o filme Fantasia, de 1940, e Fantasia 2000. A proposta inicial de transformar Fantasia numa

peça contínua, ou seja, de relançar a fita todos os anos com acréscimos referentes aos

elementos das novas versões, foi intimidada pelo fracasso de público e de crítica obtido pela

versão de 1940.

Ao filme Fantasia 2000 coube a responsabilidade de superar o de 1940, que o tempo

se encarregou de transformar num clássico da animação. Para realizar essa tarefa a equipe da

Disney tinha como aliado um sofisticadíssimo aparato tecnológico, com as mais recentes

ferramentas da computação gráfica, a seu dispor. Dessa forma, corresponder às expectativas

do público e da crítica parecia uma meta com grandes chances de ser atingida.

Foi assim que Fantasia 2000 foi lançada nos cinemas no ano em que se iniciava um

novo milênio. Sua composição incluiu 8 segmentos:

1. - Sinfonia nº 5, de Ludwig van Beethoven;

2. - Pinheiros de Roma, de Ottorino Respighi;

42 Trecho retirado do documentário: Fantasia: the Making of a Masterpiece, de Robert Heath, 1990.

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3. - Rapsódia em Azul, de George Gershwin;

4. - A Bailarina e o Soldado, de Dmitri Shostakovich;

5. - O Carnaval dos Animais, de Camille Saint-Saëns;

6. - O Aprendiz de Feiticeiro, de Paul Dukas;

7. - Pompa e Circunstância, de Sir Edward Elgar;

8. - O Pássaro de Fogo, de Igor Stravinsky

A situação criada pela produção de um filme, 60 anos depois, que teve como objetivo

ser a continuação ou a superação da sua versão original, torna, muitas vezes, a comparação

entre as peças inevitável. Isso pode ser observado já no primeiro segmento. A escolha da

Sinfonia nº 5, de Beethoven, com seus acordes imponentes, conferiu um ar de grandiosidade,

majestade, solenidade ao início do filme, mas ao mesmo tempo, lembrou-nos do começo de

Fantasia, de 1940. O famoso início da obra de Beethoven tem uma correspondência com a

Tocata e Fuga em Ré Menor, de Bach. A magnitude de Beethoven só poderia ser equiparada

com a sublime intenção de Bach de compor para Deus.43

Ambas as peças são apropriadas para o impacto desejado para uma abertura de um

filme. Mas as semelhanças não param por aí. Novamente foi utilizada a figura de um

narrador, que anuncia uma circunstância já conhecida do público. Ele diz algo como “nesse

filme existem três tipos de música. Música que conta uma estória definida com um roteiro

definido. Música que não conta uma estória específica, mas apresenta uma série de imagens

mais ou menos definidas. Música absoluta, ou seja, que simplesmente é música.”

Lembramos, mais uma vez, da tipologia música programática apresentada pela história

da música. Na verdade, um nome oficial para o que o narrador define como música que não

conta uma história específica, mas apresenta uma série de imagens mais ou menos definidas.

Beethoven, por várias vezes, produziu obras que foram enquadradas dentro da

classificação citada acima. Chama-nos a atenção o fato de sua sinfonia ter sido interpretada

pelos animadores da Disney como música absoluta, ou dentro do conceito de Visual Music. O

tratamento dado à composição de Beethoven também pode ser constatado no filme de 40,

igualmente no primeiro segmento daquela fita, ou seja, na obra de Bach.

Como já foi dito, por Visual Music devemos entender o máximo de abstração para as

imagens que acompanham a música. Isso pôde ser observado na música de Bach. No entanto,

43 Disponível em: < http://www.cinemagia.hpg.com.br/fantasia_2000.htm >. Acesso em ago. 2003.

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percebemos que o mesmo não aconteceu de forma plena com a obra de Beethoven. Talvez

pela herança de música programática, presente várias vezes nas composições do autor.

O fato é que a Sinfonia nº 5 presenteia-nos com fantásticas explosões de imagens e

sons, mas também conduz nossa imaginação para uma fauna de triângulos-borboletas, em

determinados momentos, triângulos-morcegos, em outros. A utilização freqüente dessa figura

geométrica corta o fluxo da livre associação de idéias. Em vez disso são apresentadas

sugestões de imagens.

Esse foi um dos mais trabalhosos segmentos do filme. Teve várias versões

desenvolvidas até a equipe se decidir pela que chegou às telas. Seu diretor, Pixote Hunt,

contou com os animadores Wayne Carlisi e Raul Garcia. Precisou de dois anos para

desenvolver esse trecho, do storyboard até sua finalização. Tinha em mente uma batalha entre

o bem e o mal, tema recorrente nas produções Disney. Percebia um pouco de melodia, mas

muito poder nessa composição de Beethoven. Construiu, então, um confronto entre essas

forças inimigas. Para isso tentou uma inovação, uma aproximação de texturas em cor pastel

na tradicional animação “feita a mão”, com alguns efeitos gerados por computador.44

A utilização do pastel exigiu um esforço redobrado da equipe. “Se você tocá-lo,

espirrar nele, ou for um leigo sobre isso o desenho se desintegra. Cada background (fundo de

cena) fotografado seria destruído devido à placa de vidro que desce sobre o desenho, fixando-

o para a fotografia”, esclarece Hunt.45 Assim as forças do bem foram representadas pelos tons

claros e as do mal pelos tons escuros. A música de Beethoven foi reduzida de sete para três

minutos para não correr o risco de cansar a platéia.

Dessa forma, a equipe de Disney manteve-se fiel, ou quase, à proposta verificada na

versão anterior. Ou seja, proporcionar ao público uma abertura “conceitual”, a fim de que esse

percebesse, logo de início, que se tratava de um tipo especial de animação. Há que se

reconhecer a coragem da equipe Disney ao escolher as quatro notas mais famosas da história

da música para uma seqüência de imagens abstratas.46

No segundo segmento do filme temos a peça Pinheiros de Roma, de Ottorino

Respighi. À interpretação mais óbvia da obra de Respighi - na forma de quadros de uma

paisagem campestre - contrapô-se um inusitado e deslumbrante espetáculo de baleias. Essas

têm como pano de fundo uma atmosfera polar desenhada por gigantescos blocos de gelo. A

44 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fbeth.htm > Acesso em ago. 2003. 45 Ibidem. 46 Ibidem.

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frieza dos icebergs foi quebrada por um céu de um azul escuro, mas iluminado por estrelas

faiscantes.

O porte avantajado das jubartes foi amenizado pela graciosidade com que se movem

pelo mar e pelo ar. Essa seqüência de Fantasia 2000 surpreende pelo surrealismo incrustado

num balé inacreditável de baleias no céu e pássaros no mar. Essa tranqüilidade só é suspensa

quando um filhote de baleia, num divertido pega-pega com uns pássaros, fica preso embaixo

d’água sob blocos de gelo que se desprenderam da superfície. Vislumbrado pelo cardume do

lado de fora do gelo, os sentimentos do pequeno são expressados pelas notas melancólicas do

trecho da peça de Respighi em execução.

Como se trata de um universo fantástico, uma saída inesperada foi providenciada para

que o filhote pudesse retornar aos seus. Feito isso, reinicia-se o balé de baleias pelo céu, dessa

vez iluminado pela luz de uma potente super nova.

Essa animação tridimensional teve a direção de Hendel Butoy, a direção de arte de

Dean Gordon e William Perkins. Contou com os animadores: Linda Bel, Darrin Butts, Darko

César, Sasha Dorogov, Sergei Kouchnerov, Andréa Losch, Tereza Martin , Branko

Mihanovic, William Revinos, William Wright.47

A equipe teve contato com especialistas em baleias, que esclareceram a respeito da

anatomia e locomoção desses animais. A animação dos seres aquáticos foi feita usando as

mais recentes ferramentas de computação, enquanto os efeitos subaquáticos foram feitos

inteiramente a mão (animação tradicional). Os olhos e sobrancelhas das baleias foram

desenhados de forma tradicional para dar mais expressão aos personagens. David Bossert,

supervisor de efeitos visuais do filme explica: “nós ressucitamos algumas velhas técnicas que

foram usadas no Fantasia, de 1940 e fomos capazes de recriá-las utilizando novas

ferramentas no computador”. 48

O terceiro segmento de Fantasia 2000 é o mais “atípico”. Foi a primeira vez que um

ambiente totalmente urbano foi abordado numa proposta, que pretendia ser a continuidade de

Fantasia, de 1940. Acostumada com paisagens exuberantes, reinos de fadas, roteiros

fantásticos ou apenas com explosões de cores, formas e tamanhos, a platéia foi surpreendida

com uma temática social embalada por um ritmo de jazz. Foi essa a interpretação dada pelos

animadores da Disney para a Rapsódia em Azul, de George Gershwin.49

47 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fresp.htm > Acesso em ago. 2003. 48 Ibidem.. 49 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fgersh.htm > Acesso em ago. 2003.

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Essa impressionante seqüência tem como roteiro a história de quatro personagens. O

primeiro deles é um operário da construção civil, que em meio à dura rotina do seu trabalho,

acalenta o sonho de ser músico. O segundo é um desempregado, que já não alimenta muitas

esperanças de conseguir um emprego. A manchete do jornal, que estrategicamente cai do

caminhão, anuncia o que esse personagem já havia insinuado: emprego escasso. Aqui um

parêntese é necessário. O “toque” social apresentado nesse segmento não é uma constante nas

produções Disney. No entanto, a “ruptura” verificada aqui surte um efeito de conciliação e

não de separação como poderíamos pensar.50

O terceiro personagem é uma garotinha muito desengonçada, que não consegue se

destacar nas atividades artísticas as quais se dedica. Não obtém uma boa performance na aula

de balé, nem na de canto ou na de piano, muito menos na de natação. Fica, assim, sob o julgo

de uma babá, que a arrasta de aula em aula. Seu sonho é voltar logo para junto dos pais, que a

amam como ela é.

O último personagem é um marido oprimido pela esposa. O dinheiro farto, em tempos

difíceis, parece não interessar a esse senhor que se encanta com a música, com a dança e

possui, ele mesmo, o desejo secreto de ser artista. Esse sonho é constantemente desfeito pela

esposa de personalidade dominante, que se orienta por ideais mais pragmáticos.

As histórias desses personagens entrelaçam-se de uma forma tão brilhante quanto à

música que as acompanha. Num determinado momento da música, um “surto” de efeitos em

cadeia invade a vida de um e resolve o problema do outro personagem. Essa reviravolta só

tem fim quando todos os sonhos dos personagens são realizados. O andamento da música

torna-se alegre, empolgante, coroando de êxito esse final.51

A ficha técnica de Rapsódia em Azul é extensa, portanto, vamos nos limitar a

algumas funções mais importantes. Eric Goldberg é o seu roteirista e diretor geral. Além dele,

temos sua esposa, Susan McKinsey Goldberg, como diretora de arte. Para a música temos

Bruce Broughton como maestro e supervisor. Para consultor artístico foi chamado Al

Hirschfeld. Para os efeitos visuais: Mauro Maressa. O time de animadores está assim

representado: Tim Allen, James Baker, Jared Beckstrand, Nancy Beiman, Jerry Yu Ching,

Andreas Deja, Robert Espanto Domingo, Brian Ferguson, Douglas Frankel, Thomas Gately,

David Hancock, Sang-Jin Kim, Bert Klein, Joe Oh, Jamie Oliff, Mark Pudleiner, Michael

50 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fgersh.htm >. Acesso em ago. 2003.. 51 Ibidem.

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Show, Marc Smith, Chad Stewart, Michael Stocker, Andréas Wessel-Therhorn, Theresa

Wiseman, Anthony Ho Wong, Ellen Woodbury, Phil Young.52

Temos que enfatizar a presença marcante de Al Hirshfeld, legendário caricaturista

americano, nessa produção. O diretor Eric Goldberg, profundo admirador desse artista,

prestou-lhe uma homenagem nessa fita através da adoção de seu estilo linear para as imagens

vistas na tela.53

Rapsódia em Azul, que inicialmente seria um curta-metragem de animação

experimental, foi inserido em Fantasia 2000 por decisão de Roy Disney e Don Ernest.

Goldberg supervisionou o storyboard da seqüência inteira de pouco mais de doze minutos.

Além disso, o diretor fez questão de incluir um personagem, cuja aparição foi muito breve,

fisicamente semelhante ao músico George Gershwing, para fazer uma referência ou

reverência a esse músico.54

O quarto segmento de Fantasia retrata a estória do soldado e da bailarina, tema da

peça The Steadfast tin Soldier, de Dmitri Shostakovich (Piano Concerto nº 2, Allegro, Opus

102). À meia-noite, os brinquedos infantis ganham vida e saem de suas caixas. Numa dessas

saídas um valente soldado de chumbo vislumbra os graciosos passos de balé da elegante

bailarina. Ele encanta-se com ela e fica ainda mais fascinado quando pensa que a bailarina

tem apenas uma perna como ele. Ao sair da posição de dança, que criava essa ilusão, a

bailarina revela ter duas pernas. O soldado logo se entristece por ter cometido um engano. No

entanto, já havia conquistado a bailarina, que o chama para perto de si.

Uma grande afeição começa a surgir entre eles, que passam a se encontrar toda vez

que o relógio bate, à noite, as doze badaladas. O que o casal não sabia é que alguém os

observava, às escondidas, com ar de reprovação. Era o Jack-in-the-Box, uma espécie de

pierrot de molas, guardado dentro de uma caixa. Seu corpo se resume à sua grande cabeça,

revestida com um gorro, aos pequenos braços e à base de mola.

Enciumado das atenções que a bailarina passa a dispensar ao soldado, o pierrot

transforma-se no vilão dessa estória, que tudo faz até que consegue separar o casal. Um golpe

inesperado do adversário joga o soldado de chumbo para fora e faz com que ele vá parar no

esgoto. Lá, o soldado encontra outros vilões, representados pelos grandes ratos, habitantes

daquele submundo.

52 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fgersh.htm >. Acesso em ago. 2003. 53 Ibidem. 54 Ibidem.

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Mas essa é uma estória com final feliz, ao contrário do conto de Hans Christian

Andersen, que inspirou esse episódio. Providencialmente, o soldado de chumbo é engolido

por um peixe. Esse é pescado e levado até a cidade. Vai parar na casa onde habitava o soldado

de chumbo. Ao dar entrada nessa residência, um empregado vê o brinquedo cair da boca do

peixe. Pega-o e recoloca-o na caixa de brinquedos. Ao dar meia noite, a bailarina, que andava

triste com o sumiço do soldado, tem uma grata surpresa ao vê-lo de volta. Ao contrário do

Jack-in-the-Box, que investe novamente contra o soldadinho ao encontrá-lo. Dessa vez o

soldado foi mais astuto. Numa manobra calculista, o herói da peça faz com que o pierrot caia

da mesa diretamente para uma fornalha, que o destrói totalmente. O casal, então, pôde ser

feliz para sempre.

No conto de Andersen, o soldado seria atirado ao fogo, para onde iria logo em seguida

a bailarina, a fim de acompanhá-lo nesse destino infeliz. No entanto, a equipe Disney achou a

versão original muito assustadora para o público infantil, que certamente veria o filme. Além

disso, o final da obra de Shostakovich convida para um desfecho feliz, ao contrário da história

de Andersen.55

Na verdade, essa estória seria um longa-metragem de animação nos anos 40, mas os

produtores ficaram com medo de uma rejeição, devido ao seu conteúdo aterrorizador. No

entanto, o diretor Hendel Butoy juntamente com Roy Disney e Tom Schumacher foram até a

Biblioteca de Pesquisa de Animação do estúdio para resgatar os esboços originais feito nos

anos 40. As imagens do filme foram fotografadas e sincronizadas com a música atual.56

Do ponto de vista da direção de arte, Butoy e o diretor de arte Mike Humphries

projetaram o segmento com um toque antigo em termos de humor e cor. Imagens geradas por

computador foram usadas para criar os três personagens principais. Butoy esclarece:

Uma das nossas intenções foi não fazer a animação parecer gerada por computador, mas queríamos que tivesse a qualidade de uma imagem 3D. Entre Steve Goldberg e o time técnico surgiu um programa chamado ‘segue-pensamento’. Por exemplo, o animador criaria a performance da bailarina e o computador ajudaria a mover a roupa e o cabelo em resposta às ações do personagem.57

Esse filme representa a primeira vez que os personagens principais foram concluídos

como elementos de computação gráfica. Um dos grandes desafios da produção foi fazer com

que a parte digital ficasse ajustada com todos os outros componentes feitos a mão. A equipe

55 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fshot.htm > Acesso em ago. 2003. 56 Ibidem. 57 Ibidem.

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de animadores inclui os nomes de : Tim Allen, Doug Bennett, Eamonn Butler, Darrin Butts,

Sandro Cleuzo, Steve Hunter, Ron Husband, Mark Kausler, Sang-Jin Kim, David Kuhn, Roy

Meurin, Gregory G. Miller, Neil Richmond, Jason Ryan, Henry Sato Jr.58

O quinto segmento, Carnaval dos Animais, foi baseado na música de Camille Saint-

Saëns. Como o título anuncia, a interpretação dessa obra pelos animadores de Disney resultou

num engraçado balé de flamingos. A coreografia das aves ganha um ar cômico pela presença

de um iô-iô, que incomoda o grupo, manipulado por um dos membros, que insiste em se

ocupar do tal objeto. Por fim, a ave consegue se livrar dos companheiros “estraga- prazeres” e

pode, finalmente, usufruir do seu brinquedo em paz.

Essa é a seqüência mais curta de Fantasia 2000. Segundo seu diretor, Eric Goldberg, a

idéia para a animação surgiu de uma velha questão:“o que aconteceria se você desse um iô-iô

para um grupo de flamingos?” O fato do comportamento desses animais ter se baseado em

mecanismos de imitação, ou seja, um gesto de um membro é logo seguido pelos demais,

inspirou a equipe de produção a introduzir um “elemento surpresa” nesse cenário. Esse é

representado por um flamingo rebelde, que tenta demarcar seu espaço seguindo suas próprias

regras. Sua atitude inclui a brincadeira com um iô-iô, que incomoda o resto do bando.59

Esse jogo de ”esconde-esconde”, “pega-pega” é marcado pela utilização precisa de

cores, que conferem mais personalidade às aves. Além disso, a paleta de cores marca o humor

das situações vividas pelo grupo. Susan McKinsey Goldberg, diretora de arte e esposa de Eric,

explica como foi realizada a utilização cromática:

Nós esperávamos um visual inspirado numa camisa havaiana, uma paleta tropical brilhante. Nós realmente esperávamos algo que parecesse incrivelmente feito a mão. Para cada frame do filme pintamos a mão sete ou oito camadas de aquarela, usando uma tinta gráfica especial utilizada, primeiramente, em ilustração. As aquarelas presentes nos backgrounds são as mesmas que os impressionistas franceses usaram no fim do século dezoito. Eles tinham um rico sentimento e uma matiz que nos deu densidade e uma serenidade que esperávamos. Para ‘Carnaval dos Animais’ pintamos a mão três mil desenhos. No fim, toda a animação dos personagens e os backgrounds foram pintados a mão por um time de seis aquarelistas. 60

O sexto segmento traz de volta a famosa seqüência do filme de 1940, O Aprendiz de

Feiticeiro, baseado na obra de Paul Dukas. A animação é exatamente a mesma, nem um

frame foi acrescentado ou suprimido da versão original.

O trabalho de restauração dessa animação começou muito antes, quando essa foi

relançada nos cinemas nos anos 80. Dessa forma, sua inserção em Fantasia 2000 é mais uma 58 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fshot.htm >. Acesso em ago. 2003. 59 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fsaint.htm > Acesso em ago. 2003. 60 Ibidem.

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homenagem à produção de 40, que foi injustamente desprestigiada pelo público do seu

tempo.61

Novos avanços na tecnologia digital tornaram possível dar a essa seqüência o mais

alto nível de qualidade. A Cinesite - subsidiária da Kodak - supervisionou a restauração do

conteúdo visual. O produtor, Don Ernest, explica o processo:

Nós tivemos que limpar o filme e a trilha digitalmente para que se ajustasse ao visual e ao som dos novos segmentos. Colocamos o filme original no computador e trabalhamos frame por frame para remover a poeira, sujeira e artefatos que nunca pensávamos que estariam por lá. Para a trilha sonora fomos à Sony, em Nova York e usamos o sistema de propriedade deles. A trilha foi quebrada em 256 partes. Nós poderíamos ir a cada uma das partes e tirar ruídos estranhos, restaurando a música antes e depois da área particularmente ferida. Desse modo, não teríamos como pegar o maravilhoso espectro do som junto com uma área específica com problema. 62

O sétimo segmento traz a obra Pompa e Circunstância, de Sir Edward Elgar

(Marchas 1, 2, 3 e 4) com a participação do The Chicago Symphony Chorus, apresentando a

soprano Kathleen Battle.

A leitura da obra de Elgar feita pelos animadores da Disney resultou num episódio à

altura do título da peça. Nada melhor do que a representação da passagem bíblica do dilúvio

para consagrar acordes tão retumbantes. No entanto, o clima solene e majestoso dessa história

ganha contornos de humor através da presença de um personagem muito especial. Referimo-

nos ao Pato Donald, figura que nos anos 40 chegou a ameaçar a popularidade de Mickey.63

Ele é o encarregado de Noé para agregar os vários casais de animais, que seriam

salvos da grande inundação, para depois repovoarem a Terra. Tarefa de grande

responsabilidade, exigia um cuidado redobrado da parte do seu executor. Mas esse não

parecia encará-la dessa forma, ou então não seria encontrado descansando numa rede por um

Noé já impaciente com a sua negligência.

Para Donald também foi previsto um par, a pata Margarida. Mas o final feliz não

chegaria tão facilmente para eles. Antes, Donald teria que cumprir a sua missão junto a Deus.

Inicia-se o dilúvio. Os animais seguem em fila dupla para o interior da arca. Essa

marcha coincide com os trechos de “pompa” da música indicada no título. São alguns

segundos de travessia marcados por um clima de respeito que a “circunstância” exige.

Mas nem tudo é perfeito. O que Donald não sabia é que sua querida Margarida ficara

para trás. Pelo menos foi o que ele imaginou, quando não a viu dentro da arca, mas avistou a 61 Disponível em: < http://www.animagic.hpg.ig.com.br/fdukas.htm > Acesso em ago. 2003. 62 Ibidem. 63 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/felgar.htm > Acesso em ago. 2003.

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139

casa onde moravam sendo destruída por uma onda gigantesca. O que ele não sabia é que

Margarida já estava dentro desse transporte, embora não estivesse à vista dele.

Da mesma forma, a pata também se enganou e pensou que seu par não tinha

conseguido se salvar. Essa sucessão de mal-entendidos sustenta a trama durante boa parte da

animação, tornando a espera pelo término do dilúvio menos monótona.

Finalmente, a volta da pomba com o ramo de oliveira no bico anuncia que já existe

terra firme para abrigá-los. O que é reforçado pelo “encalhe” da arca no topo de um morro.

Felizes, os animais correm para a parte externa da arca e logo em seguida para fora do

transporte. Mas essa saída novamente é pontuada pelos trechos de “pompa” da música de

Elgar.

Tanta alegria só não transparece no rosto do casal de patos, ainda enganados pelos

seus sentidos e crentes de que haviam perdido um ao outro. O reencontro acontece de forma

tão casual, quanto foram os desencontros vividos até a chegada no novo lar. Só então o final

pôde ser feliz para todos.

Pompa e Circunstância foi dirigida por Francis Glebas. Teve Daniel Cooper como

diretor de arte e Tim Allen como supervisor de animação dos personagens Donald e

Margardia. No time de animadores estavam nomes como: Doug Bennett, Tim George, Mark

Kausler, Sang-Jin Kim, Roy Meurin, Gregory G. Miller. A proposta da equipe Disney era dar

uma chance ao pato Donald de ocupar um lugar de destaque, outrora reservado ao rato

Mickey.64

Em função disso, o filme tem várias formas que lembram a figura do “pato”. A casa de

Donald lembra um ovo num ninho. A arca parece o corpo de um pato e vários outros toques

relacionados ao pato aparecem durante o segmento.65

O gigantesco dilúvio foi criado nos computadores da Disney de modo a parecer uma

pintura impressionista em movimento. Além disso, as gotas de chuva foram filmadas em live-

action e depois adicionadas ao desenho (mesma técnica utilizada no segmento Sagração da

Primavera, do filme Fantasia original).66

Uma das curiosidades do filme é que Mickey e Minnie aparecem no final do

segmento. Logo após o dilúvio, os animais correm para a parte superior da arca. Um olhar

64 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/felgar.htm >. Acesso em ago. 2003. 65 Ibidem. 66 Ibidem.

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140

mais atento vai perceber que Mickey e Minnie estão de mãos dadas junto das outras duplas de

animais. 67

Resta dizer que o tratamento musical contou com o trabalho do músico Peter

Schickele. É ele quem anuncia:

Muitas pessoas não fazem idéia que Pompa e Circunstância é uma composição de cinco marchas. Nós decidimos pegar partes de quatro dessas marchas e então juntar segmentos de diferentes marchas para criar algo que ajudasse na continuidade da estória. A música encaixou-se com a linha da estória e possui uma ampla extensão de emoção do que apenas um marcha famosa poderia ter. Acrescentamos também um coral no fim da seqüência. Foi decidido que teríamos uma soprano cantando sobre a melodia na última vez que se ouve a marcha. Nós tomamos a liberdade de colocar uma linha musical com uma flauta piccolo próxima do fim da primeira parte da marcha, quando um grupo de pássaros estão voando. Eu fiz também uma pequena porção de tímpanos, que Elgar nunca teria feito.68

O oitavo e último segmento apresenta-nos o Pássaro de Fogo, de Igor Stravinsky.

Novamente as comparações com a versão original, de 1940, são inevitáveis. Mais uma vez, a

escolha da música para encerramento do filme recaiu sobre o compositor russo.

A interpretação da peça de Stravinsky começa com a aparição de um cenário gelado.

Mal podemos enxergar a floresta em meio a uma persistente neblina e a uma espessa camada

de neve, que revela apenas alguns pedaços de árvores. No entanto, a figura de um alce nessa

atmosfera glacial é bastante nítida. Logo veremos que a presença desse animal é fundamental

para o desenvolvimento da estória.

Da imersão do seu focinho numa superfície aquosa surge um ser mágico. Pequeno de

estatura, seu corpo nu é muito claro, parece mesmo ser constituído de água, tal a fluidez que

os seus longos cabelos apresenta. Une-se ao alce e juntos vão espalhando vida, cor, luz e

alegria àquele ambiente inóspito.

A paisagem destruída pelo frio foi renascendo à passagem do pequeno ser montado no

seu fiel alce. A natureza renasce exuberante, transbordando felicidade, onde antes só existia

desolação.

Tudo corria bem até que o ser mágico depara-se com algo de difícil identificação, mas

que aparentemente não tinha mais vida. Ao tocá-lo, no entanto, o pequenino trouxe à vida

uma presença maléfica: o pássaro de fogo. Tem início, então, uma perseguição implacável,

uma luta entre o bem – representado pela entidade clara – e o mal, na figura daquele grande

pássaro flamejante.

O efeito devastador das chamas mudou rapidamente a paisagem ora reconstruída. Em

pouco tempo, tudo voltou a ser como antes. Onde havia cor, agora existe o negro ou o cinza 67 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/felgar.htm >. Acesso em ago. 2003. 68 Ibidem.

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da vegetação queimada. Nada de luz, muito menos de alegria. Quanto à vida, voltou a ser uma

sobrevida, ao menos para aquela floresta. Quanto ao ser encantado, vida nenhuma lhe sobrou

ao final.

Ao menos é o que pensamos inicialmente. Logo pressentimos uma esperança no ar. É

que avistamos um sobrevivente, o alce do começo do filme. Ele novamente traz à vida aquele

ser tão pequeno. Esse, muito fraco e triste no começo, vai se fortalecendo ao ver que, de suas

lágrimas caídas na neve, a natureza renasce mais uma vez.

A equipe Disney encerra Fantasia 2000 com sua temática emblemática: a luta do bem

contra o mal. A peça de Stravinsky cai como uma luva para o caso, já que Pássaro de Fogo

trata da questão mítica da vida, morte e renovação. Pela segunda vez, uma antítese é

apresentada à platéia no final de um filme Fantasia.69

A decisão de terminar o filme com um apelo à reflexão, com um clima mais

circunspecto do que esfuziante se repete. O risco de não agradar as pessoas também. Mas já se

passaram 60 anos. A insistência na proposta arrojada de Walt Disney prevalece como se fosse

uma questão de honra. A meta parece ser a de fazer de Fantasia 2000 um tributo ao seu

antecessor, bem como uma chance para público e crítica reconhecerem a genialidade presente

nesse filme. Como na peça de Stravinsky, aos animadores da Disney coube a tarefa de

ressuscitar Fantasia para uma vida eterna.70

A direção desse segmento ficou a cargo dos gêmeos Gaëtan e Paul Brizzi. Esses

também se encarregaram do design do filme. A direção de arte coube a Carl Jones. Entre os

animadores envolvidos temos: Tim Allen, Sandro Cleuzo, David Hancock, Sang Jin Kim,

Gregory G. Miller, Joe Oh, David Zaboski.71

Na criação dos três personagens centrais os diretores usaram uma combinação de

técnicas tradicionais de desenho a mão com ferramentas de computador de última geração.

Anthony de Rosa supervisionou a animação do pequeno ser. Ron Husband, a do alce e John

Pomeroy cuidou de trazer à vida o pássaro de fogo.72

Supervisor de efeitos especiais, o animador Ted Kierscey foi o responsável por

adicionar as camadas, feitas a mão, de fumaça, fogo e a crosta de lava para o personagem

pássaro de fogo. Esse foi totalmente feito a mão, sendo somente colorido no computador.73

69 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fstrav.htm >. Acesso em ago. 2003. 70 Ibidem. 71 Ibidem. 72 Ibidem. 73 Ibidem.

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142

Dave Bosset e seu time de efeitos visuais inovaram no terreno da animação com essa

seqüência. Bosset diz:

Observamos algumas das animações de lava que foram produzidas para a Sagração da Primavera, da versão original de 40, bem como o que foi feito no filme Aladin, de 1992. Mas esperávamos fazer alguma coisa que seria muito diferente do passado. Estudar cenas de filmes reais nos mostrou que existe sempre uma crosta formada na lava como se esfriasse. Incorporamos esse elemento para definir o pássaro de fogo e fazê-lo uma criatura abrasadora. John Pomeroy fez a animação básica do personagem e Ted Kierscey lhe deu vida usando camadas de efeitos de animação feitas a mão para criar uma qualidade de lava. A crosta realmente se tornou o elemento que definiu o personagem e lhe deu a aparência de uma bolha vermelha. O pequeno ser é basicamente um personagem 2D animado por Tony de Rosa, mas para tê-lo completamente combinado com o fundo, nós incorporamos vários elementos 3D gerados por computador. Ele é basicamente composto de 50% de efeitos. Mike Kaschalk foi o animador de computação gráfica para a cena final da peça, que possui mais de um milhão de partículas, para dar-lhe um aspecto de uma pintura ligeiramente em movimento.74

5.12 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A expansão da utilização da informática nos últimos 20 anos afetou a produção do

cinema de animação. Alguns processos mecânicos e repetitivos foram simplificados,

especialmente o acabamento das imagens. Céu D’Elia (1996, p. 171-172) distingue três tipos

básicos de utilização de computadores em animação:

a) Por meio da digitalização de imagens e movimentos já existentes, o computador é utilizado como um ‘polidor de imagem’. Ele é usado não paara gerar movimento, mas para melhorar o acabamento de uma imagem já captada ou para adicionar efeitos. A técnica de acetatos foi em grande parte substituída pela finalização digital, onde o desenho a lápis feito manualmente é digitalizado por meio de um scanner, e aí, por meio de ferramentas eletrônicas, colorido e aplicado em cenário. Podem-se adicionar detalhes em um movimento pré-capturado, como bocas que falam em sincronia com a voz sobre a imagem de um gato real e produzir-se um gato que fala, ou outro animal qualquer. Tradicionalmente esse tipo de efeito era realizado com a optical printing (impressora ótica), que reunia filmes diferentes em um mesmo negativo. Hoje esse tipo de colagem pode ser realizada digitalmente, com um acabamento de melhor qualidade e com mais recursos para correção de fotografia e cor;

b) As imagens são captadas estáticas em duas dimensões (digitalizadas) ou desenhadas no próprio computador de forma plana (síntese em duas dimensões) e, a partir da digitalização, programadas para gerar movimento. É a chamada animação 2D;

c) A síntese em três dimensões é a criação de modelos tridimensionais matemáticos (modelagem) com a memória do computador, seguida da animação destes modelos, que podem ser vistos de todos os ângulos, receberem cor e textura e ser iluminados com pontos falsos de luz existentes apenas na memória do computador. O resultado é uma represetação bastante convincente da realidade, mas talvez exageradamente artificial. No princípio, os modelos em movimento não podiam fazer muito mais do que voar para todos os lados e a animação em 3D uma prática muito explorada nas vinhetas de televisão. A evolução desse processo permitiu a animação de personagens com poucos recursos de expressão fácil, dando-lhes uma gama de movimentos quase tão rica quanto a dos desenhos animados clássicos.

74 Disponível em: < http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fstrav.htm >. Acesso em ago. 2003.

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No entanto, esse autor esclarece:

A introdução dos computadores (ou melhor, sintetizadores gráficos) nos filmes de animação facilitou sua produção, permitindo maior utilização de efeitos. No entanto, o virtuosismo e os efeitos deslumbrantes sempre envelhecem com a obra, e o que resta e define a genialidade de um trabalho ainda é sua poesia e capacidade de penetrar o espírito humano (1996, p. 173).

Acreditamos que seja esse o caso dos filmes Fantasia e Fantasia 2000. Ambos foram

construídos com os recursos mais avançados do período. A versão de 1940, obviamente, não

utilizou o suporte informático, mas as experiências feitas com a linguagem sonora, bem como

a plasticidade estampada nas seqüências evidenciam o uso de tecnologia de ponta para a

época. Contudo, os esforços feitos para que essa produção se destacasse, em termos técnicos e

conceituais não foram suficientes. Fantasia chegou cedo demais para o seu tempo. O

reconhecimento do seu mérito viria somente nos anos 70, quando o público e a crítica já

estavam amadurecidos. Pensamos que Fantasia resistiu ao tempo e alcançou seu lugar de

destaque, mesmo tardiamente, em função da poesia presente nessa obra.

A versão de 2000, que contou com os programas mais recentes de tratamento de

imagem, tentou resgatar esse caráter poético. Para isso, lançou mão de recursos digitais, na

maioria das vezes, mas também fez uso de técnicas artesanais (como já foi relatado

anteriormente). Essa mescla de tecnologia põe por terra um pensamento apressado, o de

considerar superiores as produções feitas com suportes informáticos e inferiores as de

realização artesanal. Por causa dessa “mistura tecnológica” não temos condições de atribuir o

sucesso da nova versão ao emprego de procedimentos artesanais ou aos recursos digitais. A

utilização tecnológica desempenhou um papel funcional, ou seja, otimizou a produção dessa

obra. Da mesma forma, os filmes de animação realizados a partir dos anos 80 viram no

computador um facilitador do processo criativo e não como o responsável por ele (D’ELIA,

1996, p. 174).

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144

6. CONCLUSÃO

A presente pesquisa busca estabelecer que os efeitos especiais do cinema, ao contrário

da opinião popular, representam mais que uma mera moldura para os filmes realizados. Ela

propõe, ao contrário, que os efeitos especiais acrescentam valores complexos à expressão

cinemática, afetando-a direta e relevantemente.

O hibridismo presente no cinema de Méliès, por meio da apropriação de elementos da

linguagem plástica, cenográfica e fotográfica encontrou uma correspondência no cinema

comercial da contemporaneidade, especialmente no cinema hollywoodiano, por meio da

miscigenação de códigos, dos meios e das linguagens usados. Além disso, a utilização de

procedimentos artesanais na produção do ilusionismo, verificada tanto no cinema de Méliès

quanto no cinema comercial da contemporaneidade, estabeleceu um novo parâmetro para a

classificação dos efeitos especiais, estendendo o campo dos efeitos especiais para além de um

produto das técnicas oriundas da computação gráfica.

Pôde-se constatar como a preocupação constante de Méliès com a magia fez com que

ele encontrasse, no cinematógrafo, um manancial de truques para a produção de ilusão e como

ele perseguiu, em cada filme realizado, o propósito de desestabilizar o espectador e de retirá-

lo de um estado de indiferença frente ao novo meio, promovendo, assim, a espetacularização

do cinema. A presente investigação constata que o cinema hollywoodiano reproduziu a

fórmula do cinema de atrações inaugurada por Méliès.

O percurso desta pesquisa evidenciou, ainda, como o uso de efeitos especiais

aproximou momentos da evolução do cinema aparentemente distantes entre si, como o cinema

dos primórdios e o cinema comercial da contemporaneidade. O estudo comparado desses dois

momentos da evolução do cinema levado a efeito neste trabalho, apresentou uma relação de

continuidade entre esses dois períodos. Esta constatação confirma o parecer de Cristiane

Freitas (2002), segundo o qual “apesar das transformações na maneira de fazer e de ver os

filmes, a essência como foi concebido o espetáculo cinematográfico continua intacta”

(FREITAS, 2002, p.26). Desta maneira, a conclusão natural é de que as mudanças na

evolução da realização cinematográfica ocorreram estritamente no plano tecnológico, por

meio de um refinamento de técnicas e recursos.

Por outro lado, a discussão em torno da verossimilhança presente nos filmes dos

períodos mencionados apresentou-se como um traço distintivo desses dois momentos

históricos, aparentemente contrariando o objetivo inicial de apontar as semelhanças entre o

cinema dos primórdios e o cinema comercial da contemporaneidade. A evidência, no entanto,

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145

demonstra que a verossimilhança foi um componente comum aos dois recortes, apresentando

diferenças apenas no seu tratamento.

Numa outra direção, o estudo feito na parte II dessa pesquisa confirma a inserção de

tecnologia digital como um divisor de águas do cinema de animação. Apresenta a entrada

desse procedimento como uma medida para garantir a sobrevivência do cinema de animação.

Este fato alavancou esse gênero cinematográfico e o colocou lado a lado com o cinema

tradicional, haja vista a indicação do filme A Bela e a Fera (Jean Cocteau, 1991) ao Oscar de

melhor filme, em 1992. Paralelamente, não percebemos nenhuma desvalorização do cinema

de animação tradicional. Ao contrário, ambas as linhas de animação cinematográfica,

artesanal e tecnológica, convivem lado a lado em harmonia e com mútuo aproveitamento,

como demonstra o filme Fantasia 2000 (James Algar/Gaetan Brizzi, 2000).

Resta dizer que, do diálogo com os autores que orientaram esse trabalho, vislumbram-

se outras questões que tangenciam as discussões já apresentadas:- Se o cinema americano de

efeitos especiais recuperou a fórmula do “cinema de atrações”, bem como muitos dos efeitos

especiais dos primórdios do cinema, qual a contribuição do cinema comercial da

contemporaneidade ao desenvolvimento da realização cinematográfica? Se o hibridismo no

cinema aponta para a convergência de uma mídia única, como ficará o estatuto da imagem

cinematográfica? Com a possibilidade da projeção digital desaparecerão as salas de cinema

tradicionais? E por fim, o espectador do “cinema de atrações” resistirá ao cinema que vem

paulatinamente estabelecendo uma relação mais individualizada com a internet e a mídia

digital (DVD)? As respostas à essas questões, respostas essas de enorme relevância cultural e

econômica só virão com o tempo e com novas investigações.

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Page 156: Tese Doutorado corrigida

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37.http://www.mnemocine.com.br/cinema/somtextos/trilha.htm 38

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39.http://www.jt.estadao.com.br/suplementos/saba/2001/12/01/saba009.html

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41.http://www.interrogacaofilmes.com/textos.asp

42.http://www.urbi.com.br/cinebook/bio.htm

43.http://www.pucsp.br/~cospuc/clm/forum.htm

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45.http://www.orbita.starmedia.com/õutraspalavras/art/7pro.htm

46.http://www.msfxc.hpg.com.br/tite4.htm

47.http://www.members.tripod.co.uk/hcmarques/fantasia.html

48.http://www.trattoria.com/stopmotion/paginas/efeitos.htm

49.http://www.venus.rdc.puc-rio.br/estagio_design/artigo_alexandre%20mattos.pdf

50.http://www.gibinews.blogger.com.br/2003_04_01_archive.html

51.http://www.eba.ufmg.br/midiaarte http://anim.usc.edu

52.http://www.educacopublica.rj.gov.br/jornal/materia.asp?seq=13

53.http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fbeth.htm

54.http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fresp.htm

55.http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fgersh.htm

56.http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fshost.htm

57.http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fsaint.htm

58.http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fdukas.htm

59.http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/felgar.htm

60.http://www.animagic.hpg2.ig.com.br/fstrav.htm

61.http://www.matrixbrasil.com.br/fórum

62.http://www.geocities.com/SoHo/9094/STEA9.html

Page 158: Tese Doutorado corrigida

157

FILMOGRAFIA CONSULTADA

Arrive d’un Train en Gare à la Ciotat (Chegada de um Trem à Estação de La Ciotat – 1895) Société Lumière, França Demolition d’un Mur (Demolição de um Muro – 1896) Société Lumière, França L’Arroseur Arrosé (O Regador Regado – 1895) Société Lumière, França Sortie d’Usine (A Saída da Usina – 1895) Société Lumière, França Sortie d’Usine (A Saída da Usina – 1896) Dirigido por Méliès L’Arroseur Arrosé (O Regador Regado – 1896) Dirigido por Méliès Une Partie de Cartes (Uma Partida de Cartas – 1896) Dirigido por Méliès La Lune a un Mètre (A Lua a um Metro – 1898 Star Film, França Dirigido por Méliès L’Impresioniste Fin de Siecle (O Impressionista do Fim de Século – 1899) Star Film, França Dirigido por Méliès Le Chrysalide et le Papillon (A Crisálida e a Borboleta – 1901) Star Film, França Dirigido por Méliès L’Homme Mouche (O Homem Mosca – 1902) Star Film, França Dirigido por Méliès L’ Equilibre Impossible (O Equilíbrio Impossível – 1902) Star Film, França Dirigido por Méliès Voyage dans la Lune (Viagem à lua – 1902) Star Film, França Dirigido por Méliès

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158

Le Melômane (O Melômano – 1903) Star Film, França Dirigido por Méliès Le Cake Wake Infernal (O Cozinheiro com Problemas – 1903) Star Film, França Dirigido por Méliès Le Chaudron Infernal (O Caldeirão Infernal – 1903) Star Film, França Dirigido por Méliès Le Roi du Maquillage (O Rei da Maquiagem – 1904) Star Film, França Dirigido por Méliès Les Cartes Vivantes (As Cartas Vivas – 1904) Star Film, França Dirigido por Méliès Le Thaumaturge Chinois (O Taumaturgo Chinês – 1904) Star Film, França Dirigido por Méliès Voyage a travers l’Impossible (Viagem através do Impossível – 1904) Star Film, França Dirigido por Méliès The Wonderful Living Fun (O Maravilhoso Leque Encantado – 1904) Star Film, França Dirigido por Méliès The Mermaid (A Sereia – 1904) Star Film, França Dirigido por Méliés The Untamable Whiskers (Bigodes Indomáveis – 1904) Star Film, França Dirigido por Méliès The Cookie in Trouble (O Cozinheiro com Problemas – 1904) Star Film, França Dirigido por Méliès The Black Imp (O Capetinha Travesso – 1905) Star Film, França Dirigido por Méliès

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159

The Enchanted Cedan Chair (A Liteira Encantada – 1905) Star Film, França Dirigido por Méliès The Scheming Gamblers Paradise (O Paraíso dos Jogadores Trapaceiros – 1906) Star Film, França Dirigido por Méliès The Hilarious Posters (Os Cartazes Animados – 1906) Star Film, França Dirigido por Méliès The Msterious Retort (O Laboratório Maluco – 1906) Star Film, França Dirigido por Méliès Good Glue Sticks (A Super Cola – 1906) Star Film, França Dirigido por Méliès Les Quat’ Cent Farces du Diable (As Estripulias do Diabo – 1906) Star Fim, França Dirigido por Méliès The Eclipse: the Courtship of the Sun and Moon (O Eclipse: o Namoro do Sol com a Lua – 1907) Star Film, França Dirigido por Méliès The Wireless Photography (A Máquina Fotográfica Maluca – 1908) Star Film, França Dirigido por Méliès Le Locataire Diabólique (O Locatário Diabólico – 1909) Star Film, França Dirigido por Méliès O Mundo Mágico de Méliès Dirigido por Jacques Mény As Viagens Imaginárias de Méliès (partes I e II, 1978) Dirigido por Patrick Montgomery e Luciano Martinengo Fantasia. Ano: 1940 Direção: Bem Sharpsteen

Fantasia. Ano: 2000 Direção: James Algar/Gaetan Brizzi

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160

Fantasia: the Making of a Masterpiece. Ano: 1990 Direção: Robert Heath Produção: Walt Disney Company Matrix. Ano: 1999. Direção: The Wachowski Brothers. MatrixReloaded. Ano: 2003. Direção: The Wachowski Brothers. Matrix Revolutions. Ano: 2003. Direção: The Wachowski Brothers Matrix the Making of: Os Segredos da Produção. Ano: 2001. Direção: Josh Orek

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161

ANEXO A – TIPOLOGIA DOS EFEITOS ESPECIAIS

Apesar de habitarem o imaginário popular, haja vista o sucesso de público alcançado

pelos filmes que fazem uso deles, pouco foi dito até agora sobre os efeitos especiais. A

escassez de pesquisas sobre este tema torna quase que obrigatória uma explanação a respeito

desses elementos. Dentre os vários pontos obscuros desse assunto, julgamos necessária a

formulação de uma tipologia dos efeitos especiais. Elaboramos, então, uma periodização e

uma categorização dos mesmos. Pretendemos que esta seja uma pequena contribuição para a

disseminação de informação sobre os efeitos especiais.

Avisamos que nossa tentativa de organização do universo dos efeitos especiais

resultou numa amostragem menos sistemática no plano teórico. Nosso objetivo foi realizar um

estudo exploratório desses elementos. Informamos ainda, que nossa tipologia considerou

como efeitos especiais desde a utilização pioneira de algum aparato tecnológico, passando por

efeitos mecânicos (já comentados anteriormente), efeitos fotográficos até o uso de suportes

informáticos. Sendo assim, adotamos critérios mais flexíveis para cumprir essa tarefa.

Procuramos atingir o maior número de filmes possível, mas sabemos que muitos títulos não

foram citados. Uma análise mais rigorosa e mais abrangente de produções que utilizaram

efeitos especiais ficará para uma outra oportunidade.

Para a periodização consideramos os seguintes critérios:

• antigüidade: retrocedemos até a provável primeira aparição do termo efeitos especiais

num filme e seguimos registrando produções pioneiras até chegarmos nas dos dias de

hoje;

• ineditismo: preocupamo-nos com a apresentação de filmes que inauguraram a utilização

de determinados efeitos;

• receptividade do público: achamos pertinente contemplar os filmes que foram grandes

sucessos de público e/ou de crítica (os chamados blockbusters), pois a receptividade do

público interessa-nos para as discussões que realizaremos posteriormente

Os resultados desse mapeamento podem ser conferidos abaixo:

• 1920 – Os departamentos de “truques” passaram a ser comuns nos estúdios de cinema75

• 1926 – What Price Glory (Raoul Walsh). Provável primeira aparição do termo efeitos

especiais (special effects em inglês e abreviado SP-EFX) nos créditos de um filme

(BROSNAN, 1976 apud, COSTA, 1989.); 75 Disponível em: < http://www.cineclick.virgula.terra.com.br/oscar2003/categorias/efeitos_visuais.htm > Acesso em set. 2004.

Page 163: Tese Doutorado corrigida

162

• 1926 – Metrópolis (Fritz Lang). Pela primeira vez é apresentado um robô em um filme.

Comenta-se que ele serviu de inspiração para George Lucas criar o robô C3-PO do filme

Guerra nas Estrelas;

• 1936 – Flash Gordon: o Foguete (Frederick Stephani). Este é o filme original da série

Flash Gordon. Apresentava pela primeira vez várias maravilhas tecnológicas que mais

tarde seriam utilizadas em filmes de ficção científica tais como cintos antigravidade,

armas de raios, armas de laser, espaçonaves etc;

• 1950 – Na década de 50, com o desenvolvimento da indústria, as filmagens começaram a

ser realizadas nos locais onde a história acontecia. Com isso, as oficinas de efeitos visuais

praticamente desapareceram;

• 1951 – Quando o Mundo Colide (Rudolph Mate). Este filme ganhou o Oscar de efeitos

especiais;

• 1951 – O Dia em que a Terra Parou (Robert Wise). Este filme foi o precursor de

Contatos Imediatos de 3º Grau e ET, o Extraterrestre;

• 1951 – Vôo a Marte (Lesley Selander). Primeiro filme de ficção científica feito a cores.

As seqüências em Marte foram filmadas em cinecolor, a duas cores;

• 1952 – Guerra dos Mundos (Byron Haskin). Ganhou o Oscar de efeitos especiais. Foi

baseado no romance de H.G. Wells;

• 1953 – Mulheres-Gatos da Lua (Arthur Hilton). Um dos primeiros filmes feitos em 3D;

• 1953 – Ele Veio do Espaço Exterior (Jack Arnold). É o primeiro filme de ficção

científica com som estéreo;

• 1960 – A Máquina do Tempo (George Pal). Este filme foi adaptado de uma novela de

escritor H.G. Wells de 1895. O filme ganhou o Oscar de efeitos especiais;

• 1964 – Os Primeiros Homens na Lua (Nathan Juran). Este filme foi baseado em uma

novela do escritor H.G. Wells. Ele também destacou-se pelos efeitos especiais criados por

Ray Harryhausen;

• 1968 – 2001: Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick). Um marco da ficção

científica. Foi fiel aos fundamentos da física ao descrever essa aventura no espaço;

• 1969 – Abandonados (John Sturges). Este filme ganhou o Oscar de efeitos especiais;

• 1977 – Guerra nas Estrelas (George Lucas). Vencedor do Oscar de efeitos especiais.

Com este filme o emprego de efeitos especiais se tornaria uma prática constante nas

produções hollywoodianas;

• 1977 – George Lucas funda a Industrial Light & Magic empresa especialista na produção

de efeitos especiais;

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163

• 1977 – Contatos Imediatos do 3º Grau (Steven Spielberg). Juntamente com Contatos

Imediatos inaugura a “era” dos efeitos especiais76; 1982 – Tron: Uma Odisséia

Eletrônica (Steve Lisberger). Ficção científica da Disney que usa, pela primeira vez, a

computação gráfica;

• 1988 – Uma Cilada para Roger Rabbit (Robert Zemeckis). Perfeita interação entre

personagens de desenho animado e atores;

• 1989 – O Segredo do Abismo (James Cameron). Ficção científica em que a criatura de

água foi totalmente criada no computador;

• 1990 – O Vingador do Futuro (Paul Verhoeven). Conquista um público cada vez mais

ávido pelas imagens convincentes dos efeitos especiais;

• 1991 – O Exterminador do Futuro II – O Julgamento Final (James Cameron).

Primeira criatura a interagir de igual para igual com atores de verdade. Primeira utilização

do efeito morphing;

• 1993 – Jurassic Park (Steven Spilberg). Primeiros animais digitalizados;

• 1994 – O Máscara (Charles Russel). Ritmo alucinante com imagens que mais lembram

os desenhos animados;

• 1994 – Forrest Gump (Robert Zemeckis). Efeitos especiais fazem com que Tom Hanks

contracene com o presidente JFK;

• 1995 – Cassiopéia (Clóvis Vieira). Filme nacional que afirma ser o primeiro filme

totalmente digital;

• 1995 – Toy Story I (John Lasseter). Esse filme só não foi totalmente digital por ainda ter

usado, entre seus personagens, bonequinhos de massa;

• 1995 – Gasparzinho (Steven Spielberg). Primeiro personagem totalmente digital a

protagonizar um filme;

• 1995 – Jumanji (Joe Johnston). Desafio de colocar na tela versões digitais de animais que

existem de verdade;

• 1996 – Twister (Jan DeBont). Efeitos digitais que simulam a fúria da natureza;

• 1996 – James e o Pêssego Gigante (Henry Selick). Considerado o segundo “Toy Story”

em termos de sofisticação tecnológica;

• 1996 – As Aventuras de Pinóquio (Steve Barron). Os efeitos especiais também alcançam

as fábulas;

• 1996 – Coração de Dragão (Rob Cohen). Comunhão entre talento e técnica;

76 Disponível em: < http://www.on.br/revista_ed-anterior/marco_2003/noticias/astro_arte/catalogo.htm > Acesso em set. 2004.

Page 165: Tese Doutorado corrigida

164

• 1997 – Titanic (James Cameron). Recorde de número de cenas com toque de informática

(500);

• 1997 – MIB: Homens de Preto (Barry Sonnenfeld). Uma mistura divertida de comédia e

ficção científica;

• 2001 – Monstrons S A (Peter Docter e David Silverman). Agora são eles que temem as

crianças;

• 2001 – O Homem Aranha (Sam Raimi). Fabulosas aventuras do aracnídeo;

• 2001 – Star War – Episódio I: A Ameaça Fantasma (George Lucas). A reedição da

trilogia com sofisticada tecnologia;

• 2002 – Minority Report (Steven Spielberg). Tecnologia e paranormalidade no combate

ao crime.

(REVISTA SET, junho, 1997/REVISTA SUPERINTERESSANTE, junho, 2002)

Como podemos observar da listagem acima, o gênero ficção científica demonstrou ser o mais

apropriado para o emprego de efeitos especiais, mas também os gêneros aventura, fantástico e

horror têm sido brindados com o incremento de efeitos especiais.

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165

ANEXO B – LINHA DO TEMPO DAS PRODUÇÕES DISNEY Anos 20: 1923 – Nasce a The Walt Disney Company; 1927 – Oswald the Lucky Rabbit; 1928 – Estréia de Steamboat Willie; 1929 – Início da série Silly Simphonies; Anos 30: 1930 – Pluto é criado; 1932 – Pateta é criado; 1934 – Pato Donald é criado; 1937 – Branca de Neve e os Sete Anões; Anos 40: 1940 – Pinóquio; 1941 – Dumbo; 1942 – Bambi; 1946 – Canção do Sul; 1948 – Série True Life Adventure; Anos 50: 1950 – “Cinderela”; 1951 – Alice no País das Maravilhas; 1953 – Peter Pan; 1955 – Abertura da Disneyland Califórnia; 1955 – A Dama e o Vagabundo; 1955 – Clube do Mickey é lançado; 1959 – Bela Adormecida; Anos 60: 1961 – 101 Dálmatas; 1961 – Operação Cupido; 1964 – Mary Poppins; 1966 – Winnie the Pooh and the Honey Tree; 1966 – Walt Disney falece; 1967 – Mogli, o Menino-Lobo; Anos 70: 1970 – Aristogatas; 1971 – Inauguração da Walt Disney World Flórida; 1972 – Inauguração d Main Street Eletrical Parade na Disneyland; 1975 – Inauguração do brinquedo Space Mountain – Parques da Flórida e Califórnia;

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1977 – Bernardo e Bianca; 1977 – Meu Amigo, o Dragão; 1977 – Novo clube do Mickey; 1979 – Inauguração do brinquedo Big Thunder Mountain Railroad – Parques da Flórida e Califórnia; Anos 80: 1981 – O Cão e a Raposa; 1982 – Inauguração do Epcot Center, Flórida; 1983 – Inauguração da Tokyo Disneyland; 1983 – Início das transmissões do Disney Channel; 1984 – Ida do desenhista Michael Eisner para a Disney; 1987 – The Disney Store inicia seu trabalho; 1988 – As Novas Aventuras de Winnie, the Pooh; 1989 – A Pequena Sereia; 1989 – Inauguração da Disney/MGM Studios – Flórida; Anos 90: 1991 – A Bela e a Fera; 1992 – Disneyland Paris abre as portas; 1992 – Fantasmic; 1993 – Mickey’s Toontown; 1994 – O Rei Leão; 1994 – A Bela e a Fera estréia na Broadway; 1994 – The Tower of Terror – Flórida; 1995 – Disney Interactive; 1995 – Pocahontas; 1995 – Toy Story I; 1996 – Disney Online; 1996 – 101 Dálmatas (o filme); 1996 – O Corcunda de Notre Dame; 1996 – Rádio Disney; 1996 – James e o Pêssego Gigante; 1997 – Hércules; 1997 – O Rei Leão estréia na Broadway; 1997 – The Wonderful World of Disney; 1998 – Mulan; 1998 – Vida de Inseto; 1998 – Disney Cruise Line; 1998 – Toon Disney; 1999 – Tarzan; 1999 – Toy Story II; 1999 – Mickey Mouseworks; Ano 2000: 2000 – Fantasia 2000; 2000 – Dinossauro;

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2000 – 102 dálmatas; 2001 – A Nova Onda do Imperador; 2001 – Atlantis – O Reino Perdido; 2002 – Monstrons SA; 2002 – Inauguração do Walt Disney Studios, Paris; 2002 – Peter Pan em De Volta à Terra do Nunca; 2002 – Lilo & Stitch; 2003 – Planeta do Tesouro; 2003 – Mogli, o Menino-Lobo II; 2003 – Leitão, o filme; 2003 – Procurando Nemo Observação: A partir de 1991, os Estúdios Disney unem-se à produtora Pixar para a produção

de filmes. Antiga divisão de efeitos especiais de George Lucas, em 1986, a Pixar foi

comprada por Steve Jobs, criador da Apple. A partir daí, destacou-se no cenário da animação

cinematográfica por suas produções e por sua metodologia de trabalho peculiar. Sua

concorrente é a produtora Dreamworks, de propriedade de Steven Spielberg, Jeffrey

Katzenberg e David Giffen, criada em 1994. A seguir, apontamos algumas das produções que,

ao lado das animações Disney, foram aclamadas pelo público e/ou crítica.

Pixar: Curtas-metragens premiados André & Wally B. - 1986. Quando a empresa ainda era de George Lucas; Luxo Jr. – 1986 Inspirado por objetos que os desenhistas têm em seus escritórios; Red’s Dream – 1987 Inovou ao apresentar cenas noturnas, raras no mundo da animação digital; Tin Toy – 1988 Com brinquedos retrós, o primeiro filme com as expressões animadas digitalmente; Knicknack – 1989 Outra experimentação com o universo surrealista do cartoon; Geri’s Game – 1997 História de um velhinho que joga xadrez consigo mesmo. Ganhou o Oscar de melhor curta de animação; For the Birds – 2001

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Retrata pássaros pousados em um fio elétrico. Serviu para o estúdio experimentar a linguagem de cartoon.77

Pixar/Disney: Longas-metragens Toy Story I – 1995 Direção: John Lasseter; Vida de Inseto – 1998 Direção: John Lasseter; Toy Story II – 1999 Direção: John Lasseter; Monstros S/A – 2001 Direção: Peter Docter & David Silverman; Procurando Nemo – 2003 Direção: Andrew Stanton; Dreamworks: Formiguinhaz – 1998 Direção: Eric Darnell e Tom Johnson; O Príncipe do Egito – 1998 Direção: Simon Wells, Brenda Chapman e Steve Hickner; Fuga das Galinhas – 2000 Direção: Peter Lord e Nick Park; Shrek – 2001 Direção: Andrew Adamson e Vicky Jenson; Spirit – 2002 Direção: Kelly Asbury e Lorna Cook Sinbad: A Lenda dos Sete Mares – 2003 Direção: Patrick Gilmore Fox: Anastácia – 1997 Direção: Don Bluth e Gary Goldman

77 “Mágica Digital”. In: SUPERINTERESSANTE, ago, 2002.

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Titan – 2000 Direção: Don Bluth e Gary Goldman A Era do Gelo – 2002 Direção: Chris Wedge; Warner Bros Movies: Space Jam: O Jogo do Século – 1996 Direção: Joe Pytka