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ESTUDO DA ACTIVAO DE NEUTRFILOSHUMANOS PELO NITRATO DE NQUEL

Marisa Andreia Carvalho de Freitas

Orientadora: Professora Doutora Eduarda das Graas Rodrigues Fernandes Co-orientador: Professor Doutor Jos Lus Fontes da Costa Lima

Dissertao apresentada Faculdade de Farmcia da Universidade do Porto para a obteno do grau de Mestre em Qumica Analtica Ambiental

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AGRADECIMENTOS

Na apresentao deste trabalho gostaria de exprimir o meu sincero agradecimento: Professora Doutora Eduarda Fernandes, pela extraordinria ajuda na estruturao e planeamento do trabalho, pelos preciosos conselhos e sugestes dados ao longo de todo este trabalho, pela cuidada reviso do texto, pela cedncia de bibliografia, pela pacincia e disponibilidade sempre presentes a cada pedido de ajuda e acima de tudo, pela amizade demonstrada. Ao Professor Doutor Jos Lus Fontes da Costa Lima, coordenador do Mestrado Europeu em Qumica Analtica Ambiental, pelos valiosos conhecimentos e orientaes transmitidos ao longo do Mestrado, pela ajuda prestada na reviso do presente trabalho, pela bibliografia facultada e pelo apoio, incentivo e confiana sempre demonstrados. Ao Laboratrio de Qumica-Fsica da Faculdade de Farmcia da Universidade do Porto, na pessoa do Professor Doutor Jos Lus Fontes da Costa Lima, por ter proporcionado as condies necessrias realizao deste trabalho. Ao Laboratrio de Toxicologia da Faculdade de Farmcia da Universidade do Porto, na pessoa da Professora Doutora Maria de Lourdes Bastos, pelo acolhimento e pelas condies disponibilizadas para a concretizao deste trabalho. Prof. Doutora Beatriz Porto do Hospital Geral de Santo Antnio, pela sua disponibilidade e preciosa contribuio para a realizao deste trabalho. Ao David Costa e Ana Gomes, a quem manifesto a maior gratido, pela amizade, esprito de camaradagem, incentivo e ajuda prestados durante a elaborao deste trabalho. Aos restantes colegas dos Laboratrios de Qumica-Fsica e Toxicologia da Faculdade de Farmcia do Porto pela forma paciente e simptica com que me acolheram, bem como, pelo bom ambiente de trabalho que proporcionaram, tornando a realizao deste trabalho muito mais gratificante; Aos meus pais e ao David por estarem sempre presentes, pelo carinho, compreenso e confiana em mim tantas vezes depositados;

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Por ltimo, a todos aqueles que com a sua ddiva de sangue, contriburam para a realizao deste trabalho.

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ABREVIATURAS

ABAH- cido 4-aminobenzico hidrazida ADP- Adenosina difosfato ATP- Adenosina trifosfato ATSDR- Agency for Toxic Substances and Disease Registry cNOS- xido ntrico sintetases constitutivas CO3.--Anio radical carbonato DAG- Diacilglicerol DNA- cido desoxirribonucleico DPI- Cloreto de difenilenoiodnio ECF-A- Factor quimiotctico eosinofilico da anafilaxia EDTA- cido etilenodiamino tetra-actico EGTA- Etileno glicol-bis -aminoetil ter H2O2- Perxido de hidrognio HO.- Radical hidroxilo HO2.- Radical hidroperoxilo HOCl- cido hipocloroso HO--Io hidroxilo IARC- International Agency for Research on Cancr IFN- - Interferon

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IgA- Imunoglobina A IgE- Imunoglobina E IgG- Imunoglobina G IL-1 - Interleucina-1 KDa- Quilodalton iNOS- xido ntrico sintetases indutveis.

NO- xido ntrico

NOS- xido ntrico sintetase IP3 - Inositol 1,4,5-trifosfato L-NAME- Cloridrato do ster metlico da N-nitro-L-arginina MPO- Mieloperoxidase NADPH- Nicotinamida adenina dinucletido fosfato (forma reduzida)1

O2- Oxignio singuleto

O2-.- Anio radical superxido ONOO-- Anio peroxinitrito ONOOCO2- Anio nitrosoperoxicarbonato ONOOH- cido peroxinitroso PBS- Soluo salina de tampo fosfato isotnica PKC- Protena quinase C PMA- Acetato de miristato de forbol PMN- Neutrfilos

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RCHO- Aldedo RNS- Espcies reactivas de azoto ROS- Espcies reactivas de oxignio RPE- Ressonncia paramagntica electrnica rpm- Rotaes por minuto SOD- Superxido dismutase TC- Clulas T citotxicas TH- Clulas T auxiliares TNF- - Factor de necrose tumoral TS- Clulas T supressoras u.m.a.- Unidades de massa atmica

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RESUMO

Evidncias crescentes tm indicado que a exposio humana a metais pesados pode desencadear reaces imunolgicas prejudiciais para o hospedeiro. Entre os diversos metais, tem-se demonstrado que o nquel (Ni), na sua forma inica, particularmente capaz de induzir efeitos biolgicos adversos, nomeadamente efeitos alergnicos, pr-inflamatrios e txicos, quer in vivo quer in vitro. Os neutrfilos (leuccitos polimorfonucleares) so os leuccitos mais abundantes da corrente sangunea e participam activamente na defesa inata do hospedeiro. Estas clulas so as primeiras a chegar zona de inflamao, tendo um papel importante no processo inflamatrio e subsequentes danos teciduais. Apesar do interesse actual relacionado com os efeitos pr-inflamatrios do Ni pouco se sabe ainda sobre a interaco dos ies de Ni com os neutrfilos humanos. Assim, o objectivo deste estudo o de implementar e aplicar uma metodologia experimental, in vitro, para avaliar a possvel activao de neutrfilos humanos pelo nitrato de nquel. O primeiro trabalho experimental realizado no mbito da presente dissertao de mestrado visou a implementao de uma metodologia para o isolamento de neutrfilos humanos, pelo mtodo de centrifugao de gradiente de densidade. Neste estudo, utilizaram-se diferentes anticoagulantes no processo de recolha de amostras sanguneas, como o citrato, cido etilenodiamino tetra-actico (EDTA) e heparina, com o objectivo de avaliar a sua influncia na eficcia do isolamento dos neutrfilos, ou seja, na viabilidade celular e nmero de neutrfilos isolados. Constatou-se que existem diferenas significativas relativamente ao nmero de neutrfilos isolados, tendo sido o EDTA o que permitiu um maior nmero de neutrfilos isolados por mL de sangue (1,7106 1,5105 neutrfilos/mL sangue), quando comparado com a heparina e com o citrato (6,6105 1,5104 neutrfilos/mL sangue e 4,6105 9,5104 neutrfilos/mL sangue, respectivamente) (mdia erro padro da mdia). A viabilidade celular dos neutrfilos isolados foi sempre superior a 98%, independentemente do anticoagulante utilizado. No trabalho experimental seguinte, implementou-se uma tcnica de

quimioluminescncia, para avaliar a activao dos neutrfilos isolados, pelo acetato de

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miristato de forbol (PMA). O objectivo foi verificar se a utilizao de diferentes anticoagulantes influencia a resposta dos neutrfilos ao PMA. Verificou-se que a activao dos neutrfilos foi diferente consoante o anticoagulante utilizado durante o isolamento, tendo o EDTA originado um menor grau de activao relativamente ao citrato e heparina. Obteve-se as seguintes percentagens de activao dos neutrfilos, relativamente ao controlo, com EDTA, citrato e heparina: 370 30%, 830 98% e 827 77 %, respectivamente (mdia erro padro da mdia). No terceiro trabalho experimental efectuou-se a quantificao do clcio livre intracelular em neutrfilos isolados de sangue tratado com citrato, EDTA ou heparina. O objectivo deste estudo foi verificar se existiam diferenas nos nveis de clcio intracelulares em neutrfilos tratados com os diferentes anticoagulantes. Constatou-se que a concentrao de clcio livre foi inferior com EDTA (94,4 3,1 nM) quando comparado com citrato e heparina (156,2 28,7 nM e 165,3 14,8 nM, respectivamente) (mdia erro padro da mdia). No quarto trabalho avaliou-se a activao dos neutrfilos humanos pelo nitrato de nquel, utilizando as condies experimentais implementadas anteriormente. Foram testadas vrias concentraes de nitrato de nquel, 3,9; 7,8; 15,6; 31,3; 62,5 e 125 M. Todas levaram a uma activao dos neutrfilos, sendo essa activao dependente da concentrao. Tal como o PMA, tambm o nitrato de nquel levou a uma activao diferente consoante o anticoagulante utilizado durante o isolamento dos neutrfilos. Como exemplo representativo, o nitrato de nquel na concentrao de 125 M originou as seguintes percentagens de activao dos neutrfilos, relativamente ao controlo, com heparina, citrato e EDTA: de 263 28%, 233 29% e 129 10%, respectivamente (mdia erro padro da mdia). No quinto trabalho experimental avaliaram-se os processos envolvidos na gerao de espcies reactivas durante a activao dos neutrfilos pelo nitrato de nquel. Para o efeito, foram realizados estudos com inibidores especficos de enzimas responsveis pela gerao espcies reactivas ou captadores especficos de espcies reactivas, nomeadamente o cloreto de difenilenoiodnio (DPI) [inibidor da nicotinamida adenina dinucletido fosfato oxidase (NADPH oxidase)], cido 4-aminobenzico hidrazida (ABAH) [inibidor da mieloperoxidase (MPO)], tiron [captador do anio radical superxido (O2-.)], catalase [enzima metabolizadora do perxido de hidrognio (H2O2)]

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e manitol [captador do radical hidroxilo (HO.)]. A inibio da activao dos neutrfilos foi independente dos anticoagulantes utilizados no processo de isolamento. Verificou-se que as seguintes espcies reactivas de oxignio (ROS): O2-., H2O2, HO. e cido hipocloroso (HOCl), participam no processo de activao dos neutrfilos e que a NADPH oxidase e a MPO tm um papel preponderante na sua gerao. O envolvimento das espcies reactivas de azoto (RNS) foi testado com a utilizao de cloridrato de ster metlico da n-nitro-L-arginina (L-NAME), inibidor da enzima xido ntrico sintetase (NOS). Os resultados obtidos indicam que a activao dos neutrfilos no foi alterada pelo L-NAME, sugerindo que, nas presentes condies experimentais, o xido ntrico (.NO) e o anio peroxinitrito (ONOO-) no tm uma participao relevante na activao das clulas.

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ABSTRACT

Increasing evidence indicates that human exposure to heavy metals may trigger immunological reactions that may be highly detrimental to the host. Among metals, nickel has been shown to induce adverse biological effects that have cast uncertainty on its safety for use in the body. Nickel ions are the most allergenic and pro-inflammatory metal ions known, and has been shown to elicit toxic effects in vitro and in vivo. Neutrophils (polymorphonuclear leukocytes) are the most abundant leukocytes of the blood and participate actively in the innate host defence response. These are also the first type of cells to arrive at an inflammatory site where they play a major role in the inflammation and subsequent tissue damage. In spite of the interest related to nickel pro-inflammatory effects, little is known concerning the interaction of nickel ions with human neutrophils. Thus, the objective of the present study is to implement a human neutrophil activation assay and use it to evaluate the putative activation of these cells by nickel nitrate. The first experimental work, aimed the implementation of a methodology for the isolation of human neutrophils by the gradient density centrifugation method. In this study, different anticoagulants were used in the blood samples collecting process, namely citrate, ethylene diaminetetracetic acid (EDTA) and heparin, in order to evaluate their influence in the effectiveness of the neutrophils isolation, that is, in the cellular viability and number of isolated neutrophils. Significant differences were observed in the number of isolated neutrophils. The greatest number of isolated neutrophils per mL of blood was obtained for EDTA (1,7106 1,5105 neutrophils/mL blood), when compared with heparin and citrate (6,6105 1,5104 neutrophils/mL blood and 4,6105 9,5104 neutrophils/mL blood, respectively) (mean standard error of the mean). The viability of the isolated neutrophils was always above 98%, independently of the anticoagulant used. In the second experimental work, one chemiluminescence technique was implemented to evaluate the activation of the isolated neutrophils by phorbol myristate acetate (PMA). The aim of this work was to verify if the use of different anticoagulants influences the neutrophils response to PMA. It was verified that the activation of neutrophils was different with citrate, EDTA and heparin. EDTA originated less degree of activation (370 30%) relatively to citrate (830 98%) and heparin (827 77 %). xi

In the thirth experimental work, the intracellular free calcium was quantified in neutrophils isolated from blood trated with citrate, EDTA or heparin. The aim of this study was to verify if there were any differences in the intracellular levels of free calcium in neutrophils treated with different anticoagulants. It was observed that the concentration of free calcium was lower with EDTA (94,4 3,1 nM) when compared with citrate and heparin (156,2 28,7 nM e 165,3 14,8 nM, respectively) (mean standard error of the mean). In the fourth experimental work, it was evaluated the activation of human neutrophils by nickel nitrate, using the previously implemented methodology. Different nickel nitrate concentrations were tested, 3,9; 7,8; 15,6; 31,3; 62,5 e 125 M. It was observed that nickel nitrate activated the neutrophils in a concentration-dependent manner. Similarly to PMA, the nickel nitrate-induced activation, was dependent on the previous use of citrate, EDTA or heparin. As a representative example, the nickel nitrate in the concentration of 125 M originated the following percentages of neutrophils activation, relatively to the control, for citrate, EDTA and heparin: 263 28%, 233 29% e 129 10%, respectively (mean standard error of the mean). In the fifth experimental work, the processes involved in the generation of reactive species during the neutrophils activation by nickel nitrate were evaluated. For this purpose, different studies were performed, involving specific inhibitors of the enzymes reponsible for the generation of reactive species namely diphenyleneiodonium chloride (DPI) [inhibitor of nicotinamide adenine dinucleotide phosphate oxidase (NADPH oxidase)], 4-aminobenzoic acid hydrazide (ABAH) [inhibitor of myeloperoxidase (MPO)] or specific scanvengers of reactive species namely tiron [superoxide radical (O2-.) scavenger], catalase [metbolize enzyme of hydrogen peroxide (H2O2)] and mannitol [hydroxyl radical (HO.)scavenger]. The inhibition of the neutrophils activation was independent of the anticoagulants used in the isolation process. It was verified that the reactive oxygen species (ROS): O2-., H2O2, HO. hypochlorous acid and (HOCl), participate in the neutrophils activation process and that NADPH oxidase and MPO have a preponderant paper in their generation. The envolvement of reactive nitrogen species (RNS) was tested with an inhibitor of oxide nitric sintetase (NOS), the N-nitroL-arginine methyl ester (L-NAME). The results indicate that the neutrophils activation was not modified by the L-NAME, suggesting that, in the present experimental

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conditions, nitric oxide (.NO) and peroxynitrite anion (ONOO-), do not have an important participation in the activation process.

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ndice NDICE

1

INTRODUO GERAL ....................................................................................... 4 1.1 1.2 Consideraes Gerais ....................................................................................... 5 Objectivos do trabalho e estrutura da dissertao ............................................ 6

2

INTRODUO ...................................................................................................... 7 2.1 Nquel............................................................................................................... 8 Abundncia e obteno............................................................................. 8 Principais caractersticas fsico-qumicas................................................. 9 Aplicaes .............................................................................................. 10 Papel Biolgico ...................................................................................... 11 Estudos epidemiolgicos ........................................................................ 15

2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.1.4 2.1.5 2.2

Sangue............................................................................................................ 18 Origem das clulas do sangue ................................................................ 19 Componentes do sangue ......................................................................... 21 Plasma................................................................................................. 21 Glbulos vermelhos............................................................................ 22 Plaquetas............................................................................................. 25 Glbulos Brancos ............................................................................... 27

2.2.1 2.2.2 2.2.2.1 2.2.2.2 2.2.2.3 2.2.2.4 2.3

Espcies reactivas de oxignio e azoto ........................................................ 35

3

MATERIAL E MTODOS ................................................................................. 45 3.1 3.2 3.3 Reagentes ....................................................................................................... 46 Equipamento ................................................................................................. 46 Isolamento de neutrfilos humanos pelo mtodo de centrifugao de

gradiente de densidade............................................................................................. 47

1

ndice 3.3.1 3.3.2 Fundamento do mtodo .......................................................................... 47 Utilizao de EDTA, citrato e heparina como anticoagulantes no

isolamento dos neutrfilos humanos ...................................................................... 49 3.3.3 3.3.4 3.4 Fundamento do mtodo .......................................................................... 49 Procedimento experimental .................................................................... 52

Avaliao da viabilidade celular e clculo do nmero de neutrfilos

isolados....................................................................................................................... 53 3.4.1 3.4.2 3.5 Fundamento do mtodo .......................................................................... 53 Procedimento experimental .................................................................... 53

Avaliao da activao de neutrfilos humanos pelo PMA, com utilizao

de uma tcnica de quimioluminescncia................................................................. 55 3.5.1 3.5.2 3.6 Fundamento da tcnica ........................................................................... 56 Procedimento experimental .................................................................... 58

Quantificao do clcio livre intracelular nos neutrfilos humanos

isolados, com utilizao de uma tcnica de fluorescncia ..................................... 59 3.6.1 3.6.2 3.7 Fundamento da tcnica ........................................................................... 59 Procedimento experimental .................................................................... 61

Avaliao da activao de neutrfilos humanos pelo nitrato de nquel,

com utilizao de uma tcnica de quimioluminescncia ....................................... 62 3.7.1 3.7.2 3.8 Fundamento da tcnica ........................................................................... 62 Procedimento experimental .................................................................... 62

Estudo das espcies reactivas envolvidas no processo de activao dos

neutrfilos, pelo nitrato de nquel, com a utilizao de uma tcnica de quimioluminescncia ................................................................................................ 63 3.8.1 3.8.2 3.8.3 3.9 Fundamento da tcnica ........................................................................... 63 Procedimento experimental .................................................................... 64 Estudos complementares ........................................................................ 65

Anlise estatstica.......................................................................................... 65 2

ndice 4 RESULTADOS ..................................................................................................... 66 4.1 Viabilidade dos neutrfilos humanos isolados a partir de amostras de sangue

tratadas com os anticoagulantes EDTA, citrato e heparina ........................................ 67 4.2 Nmero de neutrfilos humanos isolados a partir de amostras de sangue

tratadas com os anticoagulantes EDTA, citrato e heparina ........................................ 67 4.3 4.4 4.5 4.6 Activao de neutrfilos humanos pelo PMA................................................ 68 Quantificao do clcio livre intracelular nos neutrfilos humanos isolados 69 Activao de neutrfilos humanos pelo nitrato de nquel .............................. 70 Processos envolvidos na gerao de espcies reactivas durante a activao dos

neutrfilos pelo nitrato de nquel................................................................................ 71

5

DISCUSSO ......................................................................................................... 73

6

CONCLUSES FINAIS ...................................................................................... 83

7

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................... 85

3

Introduo geral

1 INTRODUO GERAL

4

Introduo geral

1.1

CONSIDERAES GERAIS

Esta dissertao foi realizada no mbito do Curso de Mestrado em Qumica Analtica e Ambiental. O tema escolhido para a dissertao teve como base geral a preocupao actual sobre o impacto negativo da contaminao ambiental por metais pesados na sade dos organismos, nomeadamente no Homem, estando assim em armonia com os objectivos deste Curso de Mestrado. O metal pesado escolhido para os estudos relacionados com esta dissertao foi o Ni. Devido s suas propriedades fsico-qumicas, o Ni metlico e os seus compostos so muito utilizados na indstria moderna. O elevado consumo dos produtos que contm Ni inevitvel e origina poluio, quer durante a produo, reciclagem e mesmo durante a sua utilizao. A exposio humana ao Ni ocorre principalmente via inalao e ingesto, embora a utilizao de jias que contenham este elemento na sua composio seja tambm um factor importante de exposio pois leva ao desenvolvimento de alergias em aproximadamente 10 a 20% da populao. Estudos epidemiolgicos realizados nas ltimas dcadas a pessoas expostas ocupacionalmente a este elemento, comprovam que os compostos de Ni, excepto o Ni metlico, so pr-inflamatrios e pr-cancergenos em humanos. Apesar do interesse actual relacionado com os efeitos pro-inflamatrios do Ni pouco se sabe ainda sobre a interaco dos ies de Ni com os neutrfilos humanos. Os neutrfilos constituem os leuccitos mais abundantes da corrente sangunea e participam activamente na defesa inata do hospedeiro. Uma vez iniciada a resposta inflamatria, estas clulas so as primeiras a serem recrutadas para os locais afectados, devido sua elevada mobilidade e capacidade fagocitria. Os neutrfilos utilizam mecanismos dependentes e independentes do oxignio para a eficiente destruio de agentes invasores. Os mecanismos independentes do oxignio so a quimiotaxia, fagocitose, desgranulao e libertao de enzimas lticas e pptidos bactericidas. J os dependentes do oxignio incluem a produo de ROS e RNS. A sobre-activao dos neutrfilos, poder levar gerao sustentada de ROS e RNS em nveis elevados, resultando em efeitos deletrios para o organismo. Assim, a metodologia experimental escolhida para avaliar possveis efeitos adversos do Ni envolveu a utilizao de neutrfilos humanos isolados para estudar a sua possvel activao por este metal. 5

Introduo geral 1.2 OBJECTIVOS DO TRABALHO E ESTRUTURA DA DISSERTAO

O objectivo principal deste estudo foi o de implementar e aplicar uma metodologia experimental, in vitro, para avaliar a possvel activao de neutrfilos humanos pelo nitrato de nquel. Para atingir este objectivo dividiu-se o trabalho experimental em vrias fases complementares. A primeira fase visou a implementao de uma metodologia para o isolamento de neutrfilos humanos, pelo mtodo de centrifugao de gradiente de densidade. Na segunda fase implementou-se uma tcnica de quimioluminescncia, para avaliar a activao dos neutrfilos isolados, pelo PMA. Na terceira fase, quantificou-se o clcio livre intracelular dos neutrfilos isolados. Na quarta fase avaliou-se a activao dos neutrfilos humanos pelo nitrato de nquel, bem como os processos envolvidos na gerao de espcies reactivas durante a activao. Em todas as fases do estudo, foram utilizados diferentes anticoagulantes no processo de recolha de amostras sanguneas, nomeadamente o citrato, EDTA e heparina, com o objectivo de avaliar a sua influncia na eficcia do isolamento dos neutrfilos, ou seja, na viabilidade celular e nmero de neutrfilos isolados bem como na sua activao pelo PMA e pelo nitrato de nquel.

Esta dissertao divide-se em 6 captulos. O primeiro, designado Introduo, consiste num enquadramento terico em que se faz uma abordagem s principais caractersticas do nquel. Tambm neste captulo se caracterizam todos os componentes do sangue e a produo de ROS e RNS por algumas clulas de defesa, nomeadamente pelos neutrfilos. No segundo captulo so descritos os Materiais e Mtodos utilizados na fase experimental deste trabalho. Este captulo inclui o fundamento terico das tcnicas utilizadas e os procedimentos experimentais efectuados. Os Resultados obtidos so apresentados num terceiro captulo, a que se segue a Discusso e Concluses no quarto e quinto captulo, respectivamente. Por ltimo so apresentadas as Referncias Bibliogrficas que sustentaram o desenvolvimento do presente trabalho.

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Introduo

2 INTRODUO

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Introduo 2.1 NQUEL

O nquel um elemento qumico de smbolo Ni, nmero atmico 28 (28 protes e 28 electres) e massa atmica 58,7 u.m.a.. temperatura ambiente, o Ni encontra-se no estado slido. um elemento de transio situado no grupo 10 (8 B) da Classificao Peridica dos Elementos (The Merck Index, 2001). O uso do Ni remonta aproximadamente ao sculo IV A.C. geralmente junto com o cobre j que aparece com frequncia em ligas com este metal. Bronzes originrios da actual Sria tm contedos de Ni superiores a 2%. Manuscritos chineses sugerem que o cobre branco era utilizado no Oriente desde 1400-1700 A.C.. Entretanto, a facilidade de confundir as minas de Ni com as de prata induzem a pensar que, na realidade, o uso do Ni foi posterior, a partir do sculo IV A.C. (Soine e Wilson, 1957; Maibach e Menn, 1989; Lide, 1998). Os mineiros de Hartz atribuem ao viejo Nick (o diabo) o motivo pelo qual alguns minerais de cobre no poderiam ser trabalhados. O metal responsvel por isso foi descoberto em 1751 por Axel Frederik Cronstedt, quando tentava extrair cobre da niquelina, o qual denominou o kupfernickel, diabo do cobre (Maibach e Menn, 1989; Soine e Wilson, 1957).

2.1.1

Abundncia e obteno

O Ni existe em abundncia na crosta terrestre, representando 0,01% das rochas gneas. Trata-se, de facto, do vigsimo quarto elemento mais abundante no nosso planeta. Est presente em quase todos meteoritos, juntamente com o ferro (formando as ligas kamacita e taenita) e um dos constituintes fundamentais do ncleo da Terra. Os minrios que possuem Ni na sua composio, mais representativos, so a pentlandite [(Fe, Ni)9S8], a nicolite (NiAs) e a garnierite [3(Mg, Ni)O.2SiO2.2H2O] (The Merck Index, 2001; ATSDR, 2005). As minas de Nova Calednia, Austrlia e Canad produzem actualmente 70% do Ni consumido. Outros produtores so Cuba, Porto Rico, Rssia e China (Lide 1998; Denkhaus e Salnikow, 2002; ATSDR, 2005).

8

Introduo Os processos de extraco do Ni so muito complexos: nas suas fases finais, o NiS obtido ustulado a NiO e o xido reduzido com gs de gua (mistura de CO e H2) (Equao 1) (Soine e Wilson, 1957; The Merck Index, 2001). Equao 1:2NiO (s) + CO (g) + H2 (g) 2Ni (s) + CO2 (g) + H2O (g)

Sendo o metal obtido bastante impuro, pode ser purificado pelo processo de Mond, que se traduz no seguinte equilbrio qumico (Equao 2) (Soine e Wilson, 1957; The Merck Index, 2001):

Equao 2:Ni + 4CO (g) Ni(CO)4 (g)

2.1.2

Principais caractersticas fsico-qumicas

um metal de transio de colorao branco/prateada, condutor de electricidade e calor, dctil e malevel. No pode ser laminado, polido ou forjado facilmente, apresentando certo carcter ferro-magntico. A densidade do Ni 8,90 vezes a densidade da gua a 20C, funde-se a 1453C e entra em ebulio a 2732C (Soine e Wilson, 1957; Lide, 1989; The Index Merck, 2001; ATSDR, 2005). O catio Ni (II) (aq) um cido bastante fraco (pka =10,92), motivo pelo qual se pode obter solues aquosas lmpidas de Ni (II) sem adio de cido. O seu estado de oxidao mais comum +2 podendo apresentar estados de oxidao -1, 0, +1, +3 e +4 em complexos, sendo porm pouco comuns (Gould, 1959; Maibach e Menn, 1989; Denkhaus e Salnikow, 2001; ATSDR, 2005). H muitos compostos de Ni pouco solveis em gua (por exemplo NiCO3, NiC2O4, Ni(CN)2). Uma propriedade notvel do Ni, a sua capacidade de absorver monxido de carbono: 100 g de Ni(CO)4 podem absorver 500-800 mL de monxido de carbono (Denkhaus e Salnikow, 2002).

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IntroduoNa natureza so encontrados 5 istopos estveis: Ni-58, Ni-60, Ni-61, Ni-62 e Ni64, sendo o mais leve o mais abundante (68,27%). Foram caracterizados 18 radioistopos, dos quais os mais estveis so o Ni-59, o Ni-63 e o Ni-56 com tempos de meia-vida de 76000 anos, 100,1 anos e 6,077 dias, respectivamente. Os demais radioistopos com massas atmicas desde 52 u.m.a. (Ni-52) a 74 u.m.a. (Ni-74), apresentam tempo de meia-vida inferior a 60 horas, embora a maioria no alcance os 30 segundos. O Ni tem tambm um estado metaestvel (The Merck Index, 2001; Denkhaus e Salnikow, 2002).

2.1.3

Aplicaes

O Ni puro usado em galvanoplastia, sendo depositado galvanicamente nas superfcies de peas metlicas para lhes conferir resistncia corroso, conferindo-lhes tambm um aspecto bastante liso e brilhante. Cerca de 65% do Ni consumido empregado na fabricao de ao inoxidvel e outros 12% em superligas de nquel. Os restantes 23% so repartidos na produo de outras ligas metlicas, baterias recarregveis, cunhagem de moedas, revestimentos metlicos e fundio (Lide, 1989; The Index Merck, 2001; ATSDR, 2005). A seguir referem-se algumas ligas metlicas fabricadas a partir deste elemento (Lide, 1989; The Index Merck, 2001; ATSDR, 2005): - Alnico (Al, Ni, Fe e Co), ligas para manes permanentes. - Monel (Ni, Cu e algum Fe), so muito resistentes corroso, utilizando-se em motores martimos e indstria qumica. - Nitinol-55 (Ni e Ti), apresenta o fenmeno de memria de forma e usado em robtica. Tambm existe em ligas que apresentam superelasticidade. - Raney, ou o chamado Ni de Raney obtido por tratamento de uma liga de Al e Ni com NaOH (aq), muito utilizado como catalisador de hidrogenaes, como por exemplo, na converso de gorduras insaturadas no comestveis em gorduras alimentares, como a margarina.

10

Introduo 2.1.4 Papel Biolgico

O Ni um elemento essencial para todas as formas de vida. Este metal ocupa o centro activo de sete enzimas microbianas (superxido dismutase (SOD), urease, hiderogenase, CO-desidrogenase e Acetil Coenzima A sintetase, Metil-Coenzima M reductase, glioxalase I e cis-trans isomerase) (Watt e Ludden, 1999). As enzimas que contm Ni no centro activo so vulgares no metabolismo de bactrias anaerbias, como por exemplo, as chamadas bactrias metanognicas, que podem crescer na presena de uma mistura de H2 e CO2, e so sistemas altamente especializados, sendo os nicos organismos capazes de produzir metano (CH4) como produto final do seu metabolismo (Baran, 1995; Watt e Ludden, 1999).

Superxido dismutase

A enzima Ni-superxido dismutase (Ni-SOD) foi isolada em 1996 a partir de duas espcies de Streptomyces. uma protena homotetramrica com 4 subunidades de 13 KDa. O Ni induz a sua expresso, reprime a FeZn-SOD (SOD que contm zinco e ferro) e encontra-se envolvido na maturao de um precursor polipeptdico. Resultados de Ressonncia Paramagntica Electrnica (RPE), indicam que o Ni est no estado Ni (III) e est axialmente coordenado por um ligando de azoto, provavelmente histidina. Estudos recentes revelam que o Ni pode tambm conter um ligando de enxofre presumivelmente um derivado da cistena (Baran, 1995; Ragsdale, 1998; Watt e Ludden, 1999). Esta enzima cataliza a reaco de dismutao do O2-. com formao de H2O2 e O2 (Equao 3).

Equao 3:2H+ + 2O2-. H2O2 + O2

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Introduo Urease

Esta enzima conhecida h mais de 100 anos e foi, historicamente, a primeira enzima obtida sob a forma cristalina (1926). Aps a sua descoberta, a enzima urease foi identificada como uma metaloprotena que contm dois tomos de Ni (II) no seu centro activo, e capaz de catalisar a hidrlise da ureia em CO2 e amnia, acelerando a reaco 1014 vezes (Equao 4). A geometria de coordenao octadrica distorcida e a configurao electrnica do Ni (II) de alto spin. A esfera de coordenao dos tomos de Ni constituda por oxignios e azotos, no contendo enxofre. Esta enzima tem um papel crucial em ruminantes pois permite a utilizao da ureia como fonte de azoto para a sntese de protenas, de acordo com a Equao 4 (Kaim e Schwederski, 1994; Watt e Ludden, 1999).

Equao 4:H2N-CO-NH2 + 2H2O 2NH3 + H2CO3

Hidrogenase

A hidrogenase uma enzima que catalisa a gerao e o consumo de hidrognio gasoso (Equao 5), com a participao de dadores ou aceitadores electrnicos adequados. Esta reaco possui um papel importante durante a fixao de azoto e durante a fermentao de biomassa com a produo de CH4. Tanto os microorganismos aerbios como os anaerbios contm hidrogenases. Por outro lado, o H2 pode ser utilizado como fonte de energia ou aparecer como produto final de processos redutores (Kaim e Schwederski, 1994; Baran, 1995; Ragsadale, 1998). As hidrogenases podem ser classificadas, de um modo geral, em: i) hidrogenases apenas de ferro, tambm conhecidas como Hase [Fe], de ocorrncia rara, no apresentando Ni e contendo dois agregados [4Fe-4S], alm de um agregado de ferro-enxofre, o centro H, considerado ser o centro cataltico. A estrutura deste centro H ainda desconhecida; ii) hidrogenases de Ni e com ferro-enxofre, tambm denominadas Hase [NiFe], sendo de longe as mais comuns e apresentam dois agregados [4Fe-4S], um agregado [3Fe-4S] e um centro

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Introduometlico contendo Ni. Pode ser feita ainda uma sub-diviso dentro desta classe de modo a incluir hidrogenases em que um dos ligandos do nquel uma seleno-cistena (Hase[NiSeFe]). Estas ltimas no possuem um agregado [3Fe-4S] (Baran, 1995; Ragsdale, 1998; Watt e Ludden, 1999). De acordo com Baran (1995), o tomo de Ni das enzimas Hase [NiFe], est coordenado por dois ou trs tomos de enxofre e por dois a quatro tomos de O e N, o que leva a uma coordenao octadrica distorcida. Durante a actividade, o Ni parece variar o seu estado de oxidao entre Ni (III) e Ni (II).

Equao 5:2H+ + 2e H+ + HH2

CO-desidrogenase e Acetil Coenzima A sintetase

Muitas bactrias metanognicas ou acetonognicas, contm uma protena bifuncional com duas subunidades, uma CO-desidrogenase e uma acetil-Coenzima A sintetase. Por sua vez, a bactria fotossinttica prpura Rhodospirillum rubrum, contm apenas uma subunidade com uma CO-desidrogenase, que catalisa somente a oxidao de CO. Esta enzima catalisa a oxidao de CO a CO2 e como se trata de uma reaco reversvel, pode tambm servir para a fixao do CO2 pelas bactrias fotossintticas. A enzima tem um efeito duplo, j que, para alm de catalisar a reduo de CO2 a CO, a sua funo biolgica essencial est associada sntese de acetil coenzima A, actuando conjuntamente com a coenzima A, da denominar-se acetil CoA sintetase. Nas bactrias metanognicas o acetato degrada-se a CH4 e CO2, aparentemente atravs da formao intermdia de CO (Kaim e Schwederski, 1994; Ragsadale, 1998; Watt e Ludden, 1999). Diversos estudos espectroscpios e estruturais sugerem que este sistema contm um centro muito particular de composio Fe3NiS4. Outra possibilidade a existncia de um centro constitudo por [4Fe-4S] acopolado ao Ni atravs de um ligando. Este ltimo parece ter uma esfera de coordenao rica em enxofre (Baran, 1995; Watt e Ludden, 1999).

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Introduo Metil-Coenzima M reductase

Esta enzima utilizada por bactrias metanognicas para gerar CH4 por catlise da reduo da metil-coenzima M, sendo esta a ltima etapa da gerao de CH4 a partir de CO2 (Equao 6). A metil-coenzima M reductase constituda por vrios componentes, indispensveis para a actividade enzimtica. O centro activo propriamente dito est localizado numa protena dimrica formada por vrias subunidades de peso molecular de aproximadamente 300 KDa. Da mesma pode-se isolar uma unidade de baixo peso molecular, factor F-430, a qual contm Ni. A conformao desta enzima permite que o Ni (II) tenha a sua reactividade aumentada e que possa ocorrer a sua reduo (Ni (II)Ni (I)). Por outro lado, diversos estudos espectroscpios sugerem que na protena a coordenao do Ni (II) seria octadrica e a configurao do metal de alto spin (Kaim e Schwederski, 1994; Baran, 1995; Ragsdale, 1998; Watt e Ludden, 1999).

Equao 6:CH3S(CH2)2SO3- + 2e- + 2H+ CH4 + HS(CH2)2SO3-

Glioxalase I

Esta enzima pertence a um sistema de duas enzimas, a glioxalase I e glioxalase II. A glioxalase I, uma metaloprotena tipicamente de zinco, que catalisa a isomerizao de hemitioacetal formado no enzimaticamente atravs da glutationa e -cetoaldedos citotxicos como o metilglioxal. Esta enzima foi isolada da bactria E. coli, e no activada pelo zinco, que o metal nativo nos seres humanos e leveduras. A activao ocorre com Ni (II). Esta foi a primeira glioxalase cujas funes so activadas por um metal diferente do zinco (Clugston et al., 1998; Watt e Ludden, 1999).

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Introduo Isomerase

Esta enzima foi isolada da bactria E. coli, por cromatografia de afinidade com metal imobilizado. uma cis-trans-isomerase que possui uma susposta ligao ao Ni (Watt e Ludden, 1999).

2.1.5

Estudos epidemiolgicos

O Ni pode ser absorvido pelo organismo por inalao (fumo de cigarro), ingesto (alguns alimentos, nomeadamente derivados de plantas, podem conter 1 mg Ni /Kg) e penetrao pela pele (vrias jias, moedas, utenslios diversos contm na sua composio este metal) (Denkhaus e Salnikow, 2002; Kasprzak et al., 2003; Lu et al., 2005), sendo a ltima forma a menos relevante, pois os compostos de Ni ionizados no conseguem penetrar na pele, desde que esta esteja intacta (Denkhaus e Salnikow, 2002). A quantidade de Ni absorvido no sistema gastrointestinal depende das espcies de Ni ingeridas, do contedo total neste elemento e da absoro individual. Contudo, sabe-se que 1 a 2% do Ni ingerido numa dieta normal absorvido, enquanto o resto excretado na urina e fezes (Kasprzak et al., 2003; Silvulka, 2005). Estudos epidemiolgicos realizados nas ltimas dcadas a pessoas expostas ocupacionalmente a este elemento, comprovam que os compostos de Ni, excepto o Ni metlico, so cancergenos em humanos (Denkhaus e Salnikow, 2002; Sivulka, 2005). Tendo em conta que a principal via de exposio ao Ni por inalao, compreensvel que se verifique com maior frequncia cancro nas vias respiratrias e pulmes (International Agency for Research on Cncer (IARC), 1997). Em 1990, o IARC sugeriu que haveria riscos de contrair cancro nas vias respiratrias, quando existia uma exposio a Ni solvel em concentraes superiores a 1 mg/m3 enquanto que a exposio a formas de Ni menos solveis, se poder tolerar concentraes at 10 mg/m3. Todavia, esta organizao no conseguiu definir com confiana as concentraes a partir das quais este elemento se torna efectivamente perigoso (IARC, 1997). Neste momento, existe a preocupao de descobrir sob que forma qumica que

15

Introduoo Ni se torna carcinognico. Ensaios laboratoriais demonstraram que partculas insolveis (menores que 5 m) podem ser fagocitadas por culturas de clulas e formam vacolos intracelulares que geram Ni (II) perto do ncleo. Quanto mais negativa for a carga da superfcie da partcula, mais facilmente fagocitada. Aps a fagocitose, as partculas do interior dos vacolos so rapidamente dissolvidas a pH 4,5 o que leva a um aumento dos nveis intracelulares de Ni. Consequentemente, considerveis quantidades de Ni (II) so libertadas desses vacolos, podendo atingir o ncleo (Figura 1) (Costa et al., 2001; Costa et al., 2002; Lu et al., 2005).

Figura 1. Modelo da fagocitose e dissoluo intracelular de NiS e Ni3S2 cristalinos, NiSamorfo e sais solveis de Ni (adaptado de Costa et al., 2002).

Os caties de Ni (II) podem tambm ser transportados atravs da membrana celular por difuso ou atravs de canais de clcio, sendo contudo processos mais ineficientes e inefectivos quando comparados com a fagocitose (Costa et al., 2001; Costa et al., 2002; Denkhaus e Salnikow, 2002). Foi recentemente descoberto que ies solveis de Ni entram na clula por uma via transportadora de metais divalentes (Costa

et al., 2002), podendo afectar a homeostase do ferro de vrias formas. Pode competircom o ferro para entrar na clula, a nvel extracelular, mas pode tambm competir a nvel intracelular, por exemplo, com enzimas que contenham este metal. Esta competio ocorre devido s semelhanas das estruturas atmicas destes elementos (Davidson et al., 2005).

16

IntroduoAtravs da quantificao directa da concentrao de Ni no interior da clula, foi demonstrado que a exposio das clulas a sais de Ni solveis em gua, resulta em nveis elevados deste elemento no citoplasma e baixos no ncleo, enquanto que uma exposio a Ni3S2 cristalino leva a elevados nveis no ncleo. Esta diferena concordante com a baixa actividade cancergena dos compostos de Ni (II) solveis em gua (NiSO4), quando comparados com os insolveis em gua (Ni3S2, NiS, NiO) (Haber

et al., 2000; Costa et al., 2001, Costa et al., 2002).Aps vrios estudos realizados em animais, concluiu-se que os compostos de Ni so os nicos da classe de cancergenos que induzem cancro no local sujeito exposio e podem ser responsveis por diferentes tipos de cancro (Costa et al., 2001; Denkhaus et

al., 2002; Lu et al., 2005).A produo de ROS est envolvida no mecanismo de toxicidade e carcinogenicidade do Ni. Essa produo pode causar peroxidao lipdica, alteraes no DNA, tais como mutaes em pares de base, rearranjos, deleces, inseres, podendo afectar o sinal de transduco e, consequentemente, ter implicaes irreversveis na sequncia de DNA (Denkhaus e Salnikow, 2002; Cavallo et al., 2003; Chen et al., 2003a, Babu et al., 2006). O Ni tem dois mecanismos de induo de danos oxidativos no DNA. Um deles directo, em que o Ni (II) que entra nas clulas e reage com H2O2, formando um complexo oxo-Ni (IV) ou um complexo Ni (III) perxido, levando produo de outras ROS, nomeadamente HO. (Kawanishi et al., 2002). Segundo Chen

et al. (2003a) o radical HO. pode danificar as bases do DNA, causar quebras nasligaes do DNA e causar ligaes cruzadas DNA-protena. Esta genotoxicidade parece contribuir para o efeito carcinognico deste metal. O outro mecanismo indirecto, provocado por inflamao, o que leva produo de ROS pelas clulas de defesa (neutrfilos e macrfagos). O ONOO- gerado nos tecidos inflamados pode causar danos, inclusive no DNA, nas clulas adjacentes (Kawanishi et al., 2002). Segundo o estudo realizado por Kawanishi et al. (2002), o NiSO4, NiO e Ni3S2 provocam danos indirectos no DNA atravs da inflamao. O Ni3S2 pode provocar tambm danos directos no DNA. Alguns estudos demonstram que existem clulas que desenvolvem mecanismos de resistncia contra o stresse oxidativo provocado pelo Ni, como por exemplo um aumento de cerca de 1,8 vezes de glutationa em clulas expostas a este metal (Denkhaus

et al., 2002). Contudo, outros revelam que a aplicao de Ni a clulas pode danificar os17

Introduomecanismos de defesa antioxidantes, bem como, os mecanismos de reparao do DNA (Lynn et al., 1997; Cavallo et al., 2003). De acordo com Denkhaus e Salnikow (2002), Cavallo et al. (2003), Chen et al. (2003a) e Babu et al. (2006), conclui-se que a exposio das clulas a compostos de Ni induz a produo de ROS, que por sua vez, tm uma forte interferncia nos mecanismos biolgicos da prpria clula, estando directamente envolvidos na carcinogenicidade deste metal. De referir que apesar da carcinogeniciade atribuda ao Ni, o desenvolvimento de cancro em humanos depende de muitos factores, como a extenso do dano no DNA, o sistema de reparao do DNA e dos genes reguladores de sinal.

2.2

SANGUE

O sangue um tecido lquido que circula pelo sistema vascular sanguneo dos animais vertebrados. Num homem adulto representa cerca de 1/12 do peso do seu corpo, o que corresponde a 5-6 L (Tagliasacchi e Carboni, 1997). Trata-se de um tecido conjuntivo especializado, constitudo, em volume, por 45% de clulas sanguneas, tambm designadas como elementos figurados e 55% de plasma sanguneo. As clulas sanguneas so de trs tipos funcionais (Figura 2): (i) hemcias (ou eritrcitos, glbulos vermelhos) que transportam oxignio dos pulmes para os tecidos perifricos; (ii) leuccitos (ou glbulos brancos) que possuem um papel defensivo, destruindo os organismos infectantes como bactrias e vrus, assim como auxiliando na remoo dos tecidos mortos ou lesados; (iii) plaquetas (trombcitos), os quais constituem a primeira linha de defesa contra a leso dos vasos sanguneos, aderindo s solues de continuidade e participando no sistema de coagulao do sangue. O plasma, formado por 90% de gua, meio que facilita a circulao de muitos factores indispensveis de que constitudo (Young e Heath, 2000; Seeley et al., 2001; Gartner e Hiatt, 2003).

18

Introduo

Figura 2. Composio do sangue (adaptado de www.oxfordreference.com).

2.2.1

Origem das clulas do sangue

O tempo de vida limitado das clulas do sangue exige a sua renovao regular, a fim de manter constante a populao de clulas circulantes. O processo pelo qual as clulas sanguneas maduras se desenvolvem a partir de clulas precursoras denominado hematopoese (tambm denominado hemocitopoese ou hemopoeise) (Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003). No incio da gravidez, o embrio retira os alimentos de que precisa das paredes do tero materno. Por volta das trs semanas de gestao, inicia-se a hematopoese no saco vitelino onde se formam pequenas massas celulares, que se vo transformando em agrupamentos sanguneos, designados ilhotas de Wolff. Estas ilhotas desenvolvem-se a partir de hemocitoblastos, os progenitores das clulas hematopoiticas e endoteliais (Kierszenbaum, 2004). As clulas que delimitam o contorno das ilhotas vo originar as paredes dos primeiros vasos sanguneos. Gradualmente, o interior dessas ilhotas vai ficando vazio e as clulas mais internas transformam-se em glbulos vermelhos primitivos. No incio do segundo ms, o sangue j tem glbulos vermelhos, brancos e plaquetas. Os vasos sanguneos e glbulos vermelhos so de origem extra-embrionria, ou seja, fora do embrio. Aps o segundo trimestre, a hematopoese fetal continua no fgado e depois no bao (Kierszenbaum, 2004). Durante o stimo ms de vida intrauterina, inicia-se a fase mielide (de myelos, medula) de produo de sangue, em que a medula ssea (tecido gelatinoso que preenche a cavidade interna dos ossos longos e 19

Introduoesterno) comea a desempenhar o papel de principal estrutura produtora de sangue, e assim permanece durante toda a vida (Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003; Kierszenbaum, 2004). Na altura do nascimento, a medula ssea vermelha o principal local de produo de eritrcitos, o que lhe confere uma cor vermelha profunda, da o nome medula vermelha (Young e Heath, 2000). Como a medula ssea apenas atende s necessidades normais, qualquer demanda maior (por exemplo devido perda excessiva de sangue ou no caso de destruio extensa da medula ssea) pode levar retoma de actividade hemopoitica por parte do fgado e bao (Stevens e Lowe, 1995). No adulto, um volume de cerca de 1,7 L de medula contm 1012 clulas hematopoiticas (Kierszenbaum, 2004). Com o passar dos anos, a maior parte da medula vai perdendo a sua funo, sendo substituda por um tecido gorduroso, passando a ser designada medula amarela. Esta pode ser reactivada se surgir a necessidade de hematopoese aumentada (Young e Heath, 2000). Segundo Seeley et al. (2001), todos os elementos figurados do sangue derivam de uma nica populao de clulas indiferenciadas denominadas hemocitoblastos (Figura 3).

Figura 3. Clulas envolvidas na hematopoese (adaptado de www.msd-brazil.com).

20

IntroduoEssas clulas do origem aos progenitores imediatos dos vrios tipos de clulas do sangue: os proeritroblastos, que originam os eritrcitos; os mieloblastos, que originam os granulcitos; os linfoblastos, que originam os linfciotos; os megacarioblastos que originam as plaquetas.

2.2.2

Componentes do sangue

2.2.2.1 Plasma

Mais de 50% do sangue consiste num lquido de cor amarela plida, que composto por cerca de 91% de gua e 9% de outras substncias, (Tagliasacchi e Carboni, 1997; Seeley et al., 2001), tais como protenas plasmticas, que correspondem a 7%, 0,9% de sais inorgnicos, sendo o restante formado por compostos orgnicos diversos (gases, aminocidos, vitaminas, hormonas e glicose) (Junqueira e Carneiro, 2004). As protenas plasmticas so responsveis por diversas caractersticas biofsicas do plasma, como a densidade, a viscosidade e a presso onctica. As protenas do plasma so de trs tipos principais, a albumina, a globulina e o fibrognio. A albumina representa 58% do total de protenas plasmticas, e como no passa facilmente do sangue para os tecidos, possui a importante funo de manuteno da presso onctica do sangue. Isto possvel porque esta protena extrai gua dos tecidos para os capilares, dificultando, por outro lado, a sua sada dos capilares para os tecidos (Seeley et al., 2001; Gartner e Hiatt, 2003). As globulinas correspondem a 38% das protenas plamticas, funcionando algumas como molculas de transporte e participando outras no sistema de defesa e nos mecanismos de imunidade e alergia. O fibrognio constitui 4% do total de protenas do plasma e fundamental nos fenmenos de coagulao sangunea.

21

Introduo 2.2.2.2 Glbulos vermelhos

Os glbulos vermelhos, tambm designados hemcias ou eritrcitos (erythros, vermelho; kitos, clula), so as clulas maioritrias do sangue (cerca de 700 vezes mais numerosas que os leuccitos e 17 vezes mais que as plaquetas) (Seeley et al., 2001). A quantidade de eritrcitos no sangue varia com o sexo. No homem adulto normal, a sua concentrao de aproximadamente 5,2 milhes de eritrcitos por mL3 de sangue (variando entre 4,2 e 5,8 milhes), enquanto que na mulher normal 4,5 milhes por mL3 (variando entre 3,6 e 5,2 milhes) (Seeley et al., 2001; Junqueira e Carneiro, 2004). Os glbulos vermelhos no se movem activamente. So movidos atravs da circulao pelas foras responsveis pela circulao sangunea. So clulas de forma bicncava, anucleadas, medindo em mdia 7,5 m de dimetro (Junqueira e Carneiro, 2004; Kierszenbaum, 2004), 2 m de espessura na sua regio mais larga e menos de 1

m no centro (Gartner e Hiatt, 2003). A forma bicncava dos eritrcitos favorece aexistncia de uma grande superfcie de difuso, em relao ao seu tamanho e volume, acentuando desse modo a troca de gases. Essa forma, juntamente com a fluidez da membrana plasmtica, permite que o eritrcito se deforme prontamente tornando mais fcil o seu movimento atravs dos pequenos vasos sanguneos (3-4 m), sem que ocorra o rompimento da membrana celular (Young e Heath, 2000; Seeley et al., 2001; Gartner e Hiatt, 2003). Apesar das clulas precursoras dos eritrcitos dentro da medula ssea serem nucleadas, durante o seu desenvolvimento e maturao, expelem, no somente o ncleo, como tambm todos os seus organelos, antes de serem libertadas na circulao sangunea (Gartner e Hiatt, 2003). Esse facto favorece o transporte de oxignio, pois as clulas podem conter maior quantidade de hemoglobina, contribuindo para uma maior eficincia por unidade de volume. Aproximadamente 60% da clula do glbulo vermelho constituda por gua e o restante pelos elementos slidos. Da parte slida, cerca de 90% ocupada por hemoglobina, protena responsvel pela sua cor vermelha. Fazem ainda parte do eritrcito, lpidos, adenosina trifosfato (ATP) e a enzima andrase carbnica (Seeley et al., 2001). Esta enzima, possui a importante funo de catalisar a reaco entre o CO2 e gua dando origem a cido carbnico, que por sua vez, se dissocia formando ies bicarbonato e hidrognio (Equao 7). sob a forma de bicarbonato que grande parte do CO2 transportado para os pulmes onde expelido. A

22

Introduoproduo de ies bicarbonato tambm importante para a regulao do pH do sangue (Seeley et al., 2001; Gartner e Hiatt, 2003).

Equao 7:

CO2 + H2O

H2CO3

H+ + HCO3-

A hemoglobina possui a funo vital de transporte dos gases respiratrios, nomeadamente a distribuio do oxignio pelo organismo. Quimicamente uma molcula bastante complexa, podendo ser dividida em mais de 500 aminocidos. composta por quatro cadeias de protenas e quatro grupos heme. Cada protena, chamada globina, est ligada a um grupo heme. Cada grupo heme uma molcula pigmentada de vermelho contendo um tomo de ferro, sendo este responsvel por manter o oxignio ligado molcula. O corpo humano adulto, normalmente contm cerca de 4 g de ferro, 2/3 dos quais, associados hemoglobina (Seeley et al., 2001). J o dixido de carbono, no se combina com os tomos de ferro, mas liga-se aos grupos amina da molcula globina (Seeley et al., 2001). A configurao qumica da hemoglobina permite um aproveitamento excepcional do oxignio (cada molcula pode transportar quatro molculas de oxignio). Em zonas onde a presso de oxignio alta, como nos pulmes, as molculas de hemoglobina combinam-se com molculas de oxignio, formando a oxi-hemoglobina, cuja colorao vermelho viva. Esta combinao reversvel, e o oxignio transportado por esta protena transferido para os tecidos, onde a presso de oxignio baixa. A combinao de hemoglobina com o dixido de carbono produzido nos tecidos tambm facilmente reversvel quando o sangue chega aos pulmes. Essa combinao designa-se carbamino-hemoglobina, sendo a sua colorao vermelho escura. Contudo, grande parte do CO2 transportada dos tecidos para os pulmes, dissolvida no plasma (Junqueira e Carneiro, 2004). O.NO uma substncia neurotransmissora que tambm pode ser captada pela hemoglobina. Provoca a dilatao dos vasos sanguneos tornando possvel a libertao de mais oxignio e a captao de uma maior quantidade de dixido de carbono pelos eritrcitos presentes nos tecidos do corpo (Gartner e Hiatt, 2003). Com base na sequncia de aminocidos, existem quatro cadeias polipeptdicas humanas normais de hemoglobina do feto, denominadas , , e . Segundo Gartner e Hiatt (2003), a principal hemoglobina do feto, a hemoglobina fetal (HbF) constituda 23

Introduopor duas cadeias e duas cadeias . Representa cerca de 100% da hemoglobina do feto e cerca 80% da hemoglobina do recm-nascido, baixando a sua taxa progressivamente at ao oitavo ms de idade, quando atinge a percentagem encontrada nos adultos (cerca de 1%) (Junqueira e Carneiro, 2004). Este tipo de hemoglobina, tem uma enorme afinidade para o oxignio, e constitui uma adaptao fisiolgica, com a finalidade de extrair mais oxignio da circulao materna da placenta. H dois tipos normais de hemoglobina no adulto, HbA1 (22) e HbA2 (22), sendo esta ltima forma muito mais rara. Num adulto normal a HbA1 representa 97%, a HbA2, cerca de 2% da hemoglobina e os restantes 1% dizem respeito HbF (Gartner e Hiatt, 2003; Junqueira e Carneiro, 2004). A vida mdia das hemcias de 100 a 120 dias (Young e Heath, 2000; Seeley et

al., 2001) e regida, em parte, pela sua capacidade de manter a forma bicncova. medida que as suas protenas, enzimas, componentes da membrana celular e outras estruturas degeneram, os glbulos vermelhos ficam velhos, tornando-se anormais quer na forma, quer na funo. Os eritrcitos tambm ficam sujeitos a sofrer diversos danos durante a circulao pelos vasos. Os glbulos vermelhos anormais, velhos ou alterados so removidos do sangue por macrfagos, localizados principalmente no fgado e bao, mas tambm noutros tecidos linfticos. No interior do macrfago, enzimas lisossmicas iniciam a assimilao da hemoglobina. (Young e Heath, 2000; Seeley et al., 2001), ocorrendo um fraccionamento da globina nos aminocidos que a constituem, muitos dos quais so reutilizados na produo de outras protenas. Os tomos de ferro tambm so libertados para que possam ser reaproveitados. Os grupos heme so convertidos em bilirrubina, que por sua vez, conjugada com o cido glucurnico no fgado e excretada pela blis, sendo convertida em pigmentos por microorganismos intestinais, conferindo s fezes a sua cor caracterstica amarelo-acastanhada. Alguns desses pigmentos so reabsorvidos do intestino e eliminados na urina, dando-lhe uma cor caracterstica (Seeley et al., 2001). Em condies normais, cerca de 2,5 milhes de glbulos vermelhos so destrudos por segundo. Este nmero surpreendente, todavia, representa somente 0,00001% do total de 25 trilies contidos na circulao de um adulto normal. Mais surpreendente ainda, o facto desses 2,5 milhes de glbulos vermelhos serem substitudos pela produo de um nmero igual em cada segundo (Seeley et al., 2001). A quantidade de glbulos vermelhos no sistema circulatrio controlada pelo organismo, de tal forma que um nmero adequado est sempre disponvel para o transporte de oxignio para os

24

Introduotecidos. Qualquer condio que diminua a quantidade de oxignio nos tecidos, tende a aumentar a produo de glbulos vermelhos. A produo de eritrcitos pela medula bastante estimulada por uma protena presente no plasma, denominada eritropoietina (Seeley et al., 2001). A produo de eritrcitos exige a presena de vitamina B12 e um factor da mucosa do estmago, designado factor intrnseco, que se combina com a vitamina B12. Outro componente importante no processo de formao e maturao de eritrcitos o cido flico.

2.2.2.3 Plaquetas

As plaquetas, tambm designadas como trombcitos, so pequenos fragmentos (24 m), anucleados, derivados dos megacarioblastos. Estes so clulas extremamente grandes (com dimetros superiores a 100 m) formadas na medula ssea, que desenvolvem projeces citoplasmticas originando as pr-plaquetas, que por sua vez se fragmentam dando origem s plaquetas. Este um processo que pode levar 10 a 12 dias (Tagliasacchi e Carboni, 1997; Seeley et al., 2001; Kierszenbaum, 2004). Existem entre 250 000 e 400 000 plaquetas por mm3 de sangue, sendo formadas cerca de 30 000 plaquetas por dia/mL de sangue (Gartner e Hiatt, 2003). A estrutura interna das plaquetas bastante complexa. Observadas ao microscpio electrnico, mostram 10 a 15 microtbulos dispostos paralelamente uns aos outros e formando um anel no hialmero (regio perifrica). Na regio central apresentam o granulmero. Os microtbulos contm monmeros de actina e miosina e contribuem para manter a morfologia discide das plaquetas, bem como, para formar alongamentos ou pseudpodes, alm de contrair as plaquetas quando estimuladas pelo aumento de clcio no interior do citoplasma. A contraco desses microfilamentos comprime os organelos e grnulos do citoplasma, fazendo com que o seu contedo passe para o plasma atravs do sistema tubular aberto. Esta disposio permite um aumento da rea de superfcie da plaqueta e facilita a libertao de molculas activas armazenadas nas plaquetas (Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003). O granulmero contm algumas mitocndrias, depsitos de glicognio, peroxissomas e alguns tipos de grnulos (delimitados por membrana): grnulos , grnulos e grnulos (lisossomas), cujas 25

Introduocaractersticas se encontram listadas no Quadro 1. O granulmero tambm contm um sistema de enzimas que possibilita s plaquetas catabolizar o glicognio, consumir oxignio e gerar ATP. As plaquetas so de fundamental importncia nos processos de hemopatia (visa impedir a perda de sangue) e coagulao do sangue. A participao das plaquetas na coagulao do sangue pode ser resumida da forma que se segue (Stevens e Lowe, 1995; Seeley et al., 2001; Gartner e Hiatt, 2003):

Agregao primria: aps uma leso num vaso, ocorre perda do endotlio de revestimento dos vasos, segue-se uma adeso das plaquetas ao colagneo, formando o denominado tampo plaquetrio.

Agregao secundria: as plaquetas do tampo libertam adenosina difosfato (ADP), este um potente indutor da agregao plaquetria, levando a um aumento do nmero de plaquetas.

Coagulao do sangue: quando h uma hemorragia considervel, h necessidade de se formar um cogulo sanguneo, j que este mais consistente e firme do que o tampo plaquetrio. Um cogulo sanguneo uma rede de fibras proteicas filiformes, denominada fibrina, que retm clulas sanguneas, plaquetas e lquido.

Retraco do cogulo: inicialmente o cogulo faz uma grande projeco para o interior do vaso. Entretanto, por aco da actina, miosina e ATP das plaquetas, contrai-se.

Remoo do cogulo: a parede do vaso, protegida pelo cogulo, forma novo tecido, acabando por se restaurar. O cogulo ento removido maioritariamente pela enzima plasmina e tambm por enzimas libertadas pelos lisossomas.

26

Introduo Quadro 1. Caracterizao dos grnulos das plaquetas. Estrutura (Tamanho) ContedoFibrognio, factor de crescimento derivado das Grnulos (300- 500 nm) plaquetas, tromboplastina plaquetria, trombospondina, factores de coagulao. Grnulos (250- 300 nm) Grnulos (lisossomas) (200-250 nm) Clcio, ADP, ATP, serotonina, histamina, pirofosfatase. Enzimas hidrolticas. Facilitam a agregao e a adeso plaquetria, bem como, a vasoconstrio. Auxiliam a reabsoro do cogulo. Facilitam a reparao dos vasos, a agregao plaquetria e a coagulao do sangue.

Funo

ADP: adenosina difosfato; ATP: adenosina trifosfato.

2.2.2.4 Glbulos Brancos

As clulas brancas do sangue (leuccitos) so assim designadas por estarem presentes na camada branca que flutua acima das clulas vermelhas quando o sangue coagula num tubo de ensaio (Stevens e Lowe, 1995). O nmero de leuccitos muito menor do que os glbulos vermelhos, tendo um adulto normal entre 6500 a 10000 glbulos brancos por mm3 de sangue. A principal funo destas clulas proteger o corpo contra microorganismos invasores e remover clulas mortas e corpos estranhos do organismo. Ao contrrio dos eritrcitos, os leuccitos no agem na corrente sangunea, utilizam-na como veculo para o trnsito entre os locais de formao, de armazenamento e de actividade (Gartner e Hiatt, 2003). Estas clulas saem da corrente sangunea e entram nos tecidos por diapedese. Durante este processo, os leuccitos estreitam-se e alongam-se passando entre ou, em alguns casos, atravs das clulas que formam as paredes dos vasos. Os glbulos brancos so tradicionalmente divididos em dois grupos, com base na sua forma nuclear e nos grnulos citoplasmticos: granulcitos (neutrfilos, eosinfilos e basfilos) e os agranulcitos (linfcitos e moncitos). Os 27

Introduogranulcitos so assim designados devido aos seus grnulos secretores citoplasmticos proeminentes, podendo tambm ser denominados clulas mielides, pois so originados na medula ssea. De acordo com o tipo de colorao dos grnulos especficos, distinguem-se trs tipos de granulcitos: neutrfilos, eosinfilos e basfilos. Alm dos grnulos especficos, estas clulas possuem grnulos azurfilos (lisossomas). Tm como caracterstica o facto de possurem um nico ncleo multilobulado (Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003). Os agranulcitos tm forma mais regular e o citoplasma no possui granulaes especficas, podendo apresentar grnulos azurfilos, inespecficos, presentes tambm noutros tipos celulares (Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003).

2.2.2.4.1 Neutrfilos

Os neutrfilos, tambm denominados polimorfonucleares (PMN), so o tipo mais comum de leuccitos no sangue e constituem de 60 a 75% dos glbulos brancos circulantes (Gartner e Hiatt, 2003). Os neutrfilos representam a primeira linha de defesa contra agentes invasores e actuam em consonncia com os linfcitos e macrfagos. Uma vez iniciada a resposta inflamatria, estas clulas so as primeiras a serem recrutadas para os locais afectados, devido sua elevada mobilidade e capacidade fagocitria (Costa et al., 2006). Os neutrfilos normalmente permanecem na circulao durante 10 a 12 horas, migrando em seguida para outros tecidos, onde tm uma vida mdia de cerca de um a dois dias (Jlio, 1999; Seeley et al., 2001). Estas clulas possuem ncleos formados por dois a cinco lbulos (mais frequentemente trs) ligados entre si por finas pontes de cromatina. Nas clulas jovens o ncleo no lobulado e tem forma de um bastonete curvo. Nos neutrfilos de indivduos do sexo feminino, o cromossoma x condensado, ou corpsculo de Barr, existe sob a forma de um apndice pequeno em formato de raquete (Young e Heath, 2000; Junqueira e Carneiro, 2004). O citoplasma dos PMN apresenta trs tipos de granulaes: os grnulos primrios ou azurfilos (lisossomas), os grnulos secundrios e os grnulos tercirios. Os grnulos azurfilos so os primeiros grnulos a aparecer durante a diferenciao dos neutrfilos. Contm hidrolases cidas, tpicas dos lisossomas, e uma quantidade considervel de 28

Introduoagentes microbicidas, inclusive a MPO (Stevens e Lowe, 1995; Young e Heath, 2000). Os grnulos secundrios so especficos dos neutrfilos. Estes grnulos contm e secretam substncias envolvidas na resposta inflamatria aguda, como mediadores inflamatrios e activadores do complemento. Os grnulos tercirios contm enzimas (por exemplo gelatinase que degrada o colagnio lesado) que so secretadas para o ambiente extracelular. Tambm inserem algumas glicoprotenas nas membranas celulares, o que pode promover a adeso celular, e desse modo possivelmente facilitar a fagocitose (Stevens e Lowe, 1995; Young e Heath, 2000). A exposio dos granulcitos a vrios tipos de estmulos induz a activao da actividade celular, nomeadamente a fagocitose. Para chegar a uma rea de infeco, ou leso tecidual, os neutrfilos deixam a circulao aderindo s clulas endoteliais por meio de molculas de adeso expressas em resposta secreo local de citocinas e movem-se atravs do endotlio e da membrana basal. Uma vez no tecido de sustentao, os neutrfilos respondem a factores quimiotticos (quimiotaxinas), libertados pelo tecido lesado e gerados pela interaco dos anticorpos com os antignios na superfcie dos microorganismos, movendo-se para a regio de concentrao mais alta (Stevens e Lowe, 1995; et al., 1995; Young e Heath, 2000). O processo pelo qual os microorganismos ou partculas so recobertos por anticorpos e complemento ou outros factores, sendo ento preparados para o reconhecimento e posterior ingesto pelas clulas fagocticas denomina-se opsonizao. Os anticorpos (imunoglobina G, (IgG), imunoglobina A (IgA) e imunoglobina E (IgE)) tm uma importante capacidade opsonizante. Os PMN tm nas suas membranas receptores para o complemento, os quais tambm facilitam a fagocitose. Os anticorpos podem ser opsonizantes directamente ou atravs da capacidade de activar o sistema complemento (Jlio, 1999). Segundo Young e Heath (2000) os organismos que no geram quimiotaxinas ou que no so opsonizados so portanto relativamente resistentes fagocitose neutroflica e consequentemente altamente patognicos. Como primeira etapa da fagocitose, o organismo circundado por pseudpodes que ento se fundem para englob-lo completamente numa vescula endocitria designada fagossoma. Os lisossomas e outros grnulos citoplasmticos unem-se ao fagossoma, formando o fagolisossoma (Figura 4). Esses grnulos descarregam o seu contedo, expondo o organismo entre outros componentes, a uma mistura potente de enzimas lisossmicas.

29

Introduo

Figura 4. Esquema de fagocitose pelos neutrfilos (adaptado de www.wikipedia.org).

Os PMN utilizam mecanismos dependentes e independentes do oxignio para a eficiente destruio de patognios. Os mecanismos independentes do oxignio so os j referidos quimiotaxia, fagocitose, desgranulao e libertao de enzimas lticas e pptidos bactericidas. J os dependentes do oxignio incluem a produo de ROS e RNS (Quinn e Gauss, 2004; Barreiros et al., 2006; Costa et al., 2006). Tendo executado a sua funo, ocorre a morte dos PMN por um processo designado por apoptose (morte celular programada), permitindo o seu reconhecimento e a consequente retirada pelos macrfagos dos tecidos. evitada, deste modo, a libertao de produtos indesejveis potencialmente txicos dos grnulos para o meio extracelular. Contudo, a morte destas clulas pode resultar na formao de pus, ou seja, a acumulao de leuccitos, bactrias mortas e fluido extracelular (Jlio, 1999; Gartner e Hiatt, 2002).

2.2.2.4.2 BasfilosOs basfilos so os menos comuns dos leuccitos constituindo menos de 1% dos leuccitos no sangue. Os basfilos so caracterizados por grnulos citoplasmticos grandes, que muitas vezes obscurecem o ncleo. So provavelmente os precursores dos mastcitos e so intensamente basfilos (Stevens e Lowe, 1995;Young e Heath, 2000). O basfilo (de 14 a 16 m de dimetro) tem um tamanho intermdio entre o neutrfilo e o eosinfilo, tem um ncleo volumoso, com forma retorcida e irregular, geralmente com o aspecto da letra S (Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003). Os grnulos especficos dos basfilos so metacromticos, medem aproximadamente 0,5 m de 30

Introduodimetro e esto, frequentemente, comprimidos contra a periferia da clula tornando a periferia rugosa caracterstica do basfilo, quando vista ao microscpio ptico (Gartner e Hiatt, 2003). Contm histamina, factores quimiotcticos para eosinfilos e neutrfilos, leucotrienos e heparina, que responsvel pela metacromasia do grnulo (Junqueira e Carneiro, 2004). Os grnulos contm tambm outros mediadores dos processos inflamatrios, por exemplo, a substncia de reaco lenta da anafilaxia (SRS-A) e o

factor quimiotctico eosinoflico da anafilaxia (ECF-A). A principal funo dosbasfilos provavelmente a resposta imunolgica a certos parasitas (Young e Heath, 2000). Os basfilos contm na membrana receptores especficos para o segmento Fc da IgE, que produzida pelos plasmcitos em resposta a uma variedade de antignios ambientais. A ligao de antignios s molculas de IgE na superfcie dos basfilos leva libertao do contedo dos seus grnulos especficos para o espao extracelular (desgranulao). A libertao de histamina e outros mediadores vasoactivos, responsvel pela chamada reaco de hipersensibilidade imediata (anafilctica), caracterstica da rinite alrgica, de algumas formas de asma e de urticria. Os basfilos participam tambm na reaco de hipersensibilidade tardia, que leva a reaco alrgica da pele (Kierrszenbaum, 2004). Os leucotrienos tm efeitos semelhantes histamina, embora com aces mais lentas e mais persistentes. Alm disso, os leucotrienos activam os leuccitos levando-os a migrar para o local do desafio antignico (Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003).

2.2.2.4.3 EosinfilosOs eosinfilos perfazem de 1 a 6% dos leuccitos no sangue circulante. O seu nmero exibe uma variao diurna acentuada, sendo mais numerosos pela manh e menos numerosos tarde (Stevens e Lowe, 1995). Estas clulas tm aproximadamente o mesmo tamanho dos neutrfilos (12 a 17 m de dimetro), o seu ncleo bilobulado e so facilmente identificadas devido presena de granulaes ovides que coram pela eosina (granulaes acidfilas). As microradiografias electrnicas revelam grnulos especficos que apresentam um centro de elevada densidade, assemelhando-se a um cristal, denominado internum, cujo principal componente uma protena bsica, rica em

31

Introduoarginina, que constitui 50% das protenas do grnulo, possuindo tambm enzimas hidrolticas lisossmicas e uma peroxidase diferente da MPO dos neutrfilos. A camada que envolve o internum possui menor densidade, sendo rica em fosfatase cida e designa-se externum. Os grnulos inespecficos so os lisossomas, que contm enzimas hidrolticas semelhantes s encontradas nos neutrfilos. Estas funcionam na destruio de vermes parasitrios e na hidrlise de complexos antignio-anticorpo internalizados pelos eosinfilos (Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003). Os eosinfilos so clulas fagocitrias, com um metabolismo semelhante ao dos neutrfilos, parecendo ser, todavia, menos microbicidas do que estes. No entanto, tm uma afinidade fagocitria particular pelos complexos antignio-anticorpo. Tal como os neutrfilos, os eosinfilos movem-se quimiotaticamente em resposta a produtos bacterianos e componentes do complemento. So atrados preferencialmente por substncias libertadas pelos mastcitos, nomeadamente histamina e o ECF-A, assim como por linfcitos activados. Todos os eosinfilos tm receptores para a IgE que podem ser importantes na destruio dos parasitas e no esto presentes nos neutrfilos (Stevens e Lowe, 1995; Young e Heath, 2000). A fagocitose ocorre da maneira usual, embora, se o objecto for muito grande (por exemplo um parasita), o eosinfilo o elimine libertando o contedo dos seus grnulos para o ambiente externo. Os eosinfilos podem ter um papel na melhoria de certos aspectos das reaces de hipersensibilidade, pois so capazes de neutralizar a histamina e de produzir um factor (inibidor derivado do eosinfilo) que provavelmente composto por prostaglandinas E1 e E2, que se acredita ser capaz de inibir a desgranulao dos mastcitos. Os eosinfilos quando activados inibem substncias vasoactivas (por exemplo o leucotrieno, SRS-A) produzidas pelos mastcitos e basfilos.

2.2.2.4.4 MoncitosOs moncitos constituem cerca de 3 a 8% dos leuccitos e so as maiores clulas do sangue circulante (at 20 m de dimetro) (Young e Heath, 2000). Os moncitos tm o ncleo ovide, em forma de rim, geralmente excntrico, que se cora menos intensamente que o dos outros leuccitos, devido ao arranjo pouco denso da sua 32

Introduocromatina (Junqueira e Carneiro, 2004). O citoplasma possui dois tipos de grnulos, os grnulos azurfilos (lisossomas) que contm fosfatase cida, aril sulfatase e peroxidase, que so anlogos aos grnulos azurfilos dos neutrfilos. O contedo do outro tipo de grnulo no bem conhecido. Numerosos pequenos pseudpodes so visveis nestas clulas, reflectindo a sua habilidade fagocitria e movimentos amebides. Os moncitos so precursores localizados na medula ssea e no sangue dos macrfagos encontrados nos tecidos e rgos linfides, sendo membros de uma mesma unidade funcional o sistema mononuclear fagocitrio. Os moncitos permanecem na circulao durante somente alguns dias, e atravessam, por diapedese, a parede dos capilares e vnulas, migrando para o tecido conjuntivo, onde se diferenciam em macrfagos (Stevens e Lowe, 1995; Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003). Os moncitos respondem presena de material necrtico (necrotaxia), aos microorganismos invasores (quimiotaxia) e inflamao, diferenciando-se em macrfagos que com a sua grande capacidade de fagocitose e o abundante contedo de enzimas hidrolticas, engolfam e destroem os detritos dos tecidos e material estranho, como parte do processo de cura e de restaurao da funo normal. Algumas dessas funes formam parte integrante dos mecanismos imunolgicos, p. ex. a apresentao do antignio e a destruio final do antignio. Nesse caso, a activao dos linfcitos resulta na produo de factores que acentuam a actividade fagocitria dos macrfagos. Em resposta a partculas estranhas de elevadas dimenses, os macrfagos fundem-se uns com os outros, formando clulas gigantes, capazes de fagocitar esse tipo de partculas (Young e Heath, 2000; Gartner e Hiatt, 2003).

2.2.2.4.5 LinfcitosOs linfcitos constituem 20 a 25% da populao total de leuccitos circulantes e so responsveis pelo funcionamento adequado do sistema imunolgico (Gartner e Hiatt, 2003). Esta percentagem varia muito de acordo com a sade do paciente, sendo o seu nmero bastante aumentado no caso de infeces virais. Os linfcitos podem ser subdivididos em trs categorias funcionais: linfcitos B (clulas B), linfcitos T (clulas T) e clulas nulas. Estas categorias so indiferenciadas quando analisadas por microscopia, sendo, no entanto, diferenciveis por tcnicas imunocitoqumicas para deteco de receptores especficos da membrana. Cerca de 80% dos linfcitos 33

Introduocirculantes so clulas T, as clulas B representam 15% e o restante so clulas nulas. Os seus tempos de vida variam de alguns anos no caso das clulas T a alguns meses nas clulas B. Os linfcitos so os leuccitos mais pequenos, medindo geralmente 6 a 8 m de dimetro (Seeley et al., 2001). Contudo, existem cerca de 3% de linfcitos grandes, que podem atingir os 18 m (Junqueira e Carneiro, 2004). Possuem um ncleo esfrico, preenchendo quase toda a clula, deixando o citoplasma com uma pequena rea, abrigando entre outros grnulos, um pequeno nmero de lisossomas. Embora tenham origem na medula ssea, estas clulas migram atravs do sangue at aos tecidos linfticos onde amadurecem e expressam marcadores e receptores de superfcie. As clulas B migram para zonas ainda no identificadas da medula ssea, enquanto que as clulas T migram para o timo (Phipps et al., 1993). Ao contrrio dos outros leuccitos que no retornam ao sangue depois de migrarem para os tecidos, os linfcitos voltam dos tecidos para o sangue circulando continuamente, sendo que a maior parte destas clulas se encontra nos tecidos linfticos: gnglios linfticos, bao, amgdalas e timo (Seeley et al., 2001). Depois de serem estimuladas por um antignio especfico, tanto as clulas B como as T proliferam e diferenciam-se em duas subpopulaes: as clulas de

memria no participam na resposta imunolgica, mas permanecem como parte de umclone com uma memria imunolgica, prontas para montar uma resposta contra uma exposio subsequente a um determinado antignio ou substncia estranha; as clulas

efectoras podem ser classificadas em clulas B e clulas T (e seus subtipos). As clulasB so responsveis pelo sistema imunolgico mediado pelos fluidos do corpo, ou seja, so caracterizadas pela sua capacidade de sintetizar anticorpos, os quais so glicoprotenas destinadas a ligarem-se a antignios especficos. Os anticorpos podem circular no sangue, ou nos fluidos corporais ou permanecer ligados superfcie da clula B onde se comportam como receptores de antignios, activando a clula B quando o antignio apropriado encontrado. As clulas T so responsveis pelo sistema imunolgico mediado por clulas. Diversos subconjuntos de clulas T agem para regular a funo das mesmas e aumentar a produo de anticorpos pelas clulas B. Temos as clulas T auxiliares (TH), que so essenciais para activar outros linfcitos T, linfcitos B, natural killers e macrfagos. As clulas T citotxicas (TC) atacam e destroem as clulas malignas e as infectadas por vrus. As clulas T conhecidas como

clulas T supressoras (TS), operam para evitar ou modificar as funes dos doissistemas. Pensa-se que podem desligar a reaco imunitria especfica quando a mesma j no necessria. Os linfcitos T trabalham principalmente atravs da segregao de 34

Introduomensageiros qumicos potentes, conhecidos como citocinas (linfocinas), que recrutam e activam fagcitos reactivos no-especficos, incluindo componentes da resposta inflamatria e clulas natural killer. As clulas nulas so compostas por duas populaes distintas: clulas tronco que do origem a todos os elementos figurados do sangue e clulas natural killer, matam algumas clulas estranhas e as alteradas por vrus, sem influncia do timo ou de linfcitos T (Phipps et al., 1993; Stevens e Lowe, 1995; Gartner e Hiatt, 2003).

2.3

ESPCIES REACTIVAS DE OXIGNIO E AZOTO

No organismo humano, as ROS e RNS so geradas de forma basal em processos fisiolgicos, verificando-se um aumento da sua produo em vrios processos de agresso ao organismo, nomeadamente em processos inflamatrios, envolvendo macrfagos, neutrfilos e eosinfilos. Estas espcies so de extrema importncia no combate a agentes invasores. No entanto, o seu excesso est associado ao denominado stresse oxidativo, que se pode definir como um desiquilbrio entre espcies proxidantes e antioxidandes a favor das primeiras, num sistema biolgico (Ferreira e Matsubara, 1997; Barreiros e David, 2006; Vieira, 2006). Os alvos maioritrios do stresse oxidativo a nvel celular so a membrana celular (inactivao de enzimas e alteraes do transporte transmembranar), o citoplasma e os seus constituintes (protenas e lpidos) e, fundamentalmente, o DNA do ncleo das clulas eucariticas (mutagnese) (Ferreira e Matsubara, 1997; Barreiros et al., 2006). As doenas cardiovasculares, a carcinognese e o envelhecimento so exemplos representativos de consequncias que decorrem do stresse oxidativo. As ROS, de que so exemplo o O2-., HO., HO2., 1O2, H2O2, HOCl, so derivados de oxignio molecular com actividade redox, apresentando maior reactividade do que este. J as RNS, que englobam o .NO2 ONOO-, ONOOH, N2O3, so derivados do .NO que tambm possuem actividade redox (Cheesman e Slater, 1993; Vieira, 2006). Ambas so constitudas por elementos radicalares e no radicalares. Os radicalares definem-se como qualquer tomo, grupo de tomos ou molcula com um ou mais que um electro desemparelhado ocupando uma rbita externa (Vieira, 2006). O no emparelhamento do 35

Introduoelectro leva a uma elevada instabilidade electrnica, e por esta razo, mesmo tendo um tempo de vida muito curto, apresentam elevada reactividade, pois possuem uma forte tendncia para doar ou receber electres. O O2-., HO. e .NO, so exemplos de radicais (Cheesman e Slater, 1993; Campos e Yoshida, 2004). As espcies no radicalares, como por exemplo H2O2, ONOO- e oxignio singuleto (1O2) tambm apresentam reactividade, mas no possuem um electro desemparelhado na ltima camada, no podendo ser classificadas como radicais (Cheesman e Slater, 1993; Campos e Yoshida, 2004; Vieira, 2006). Sendo os neutrfilos as clulas alvo do presente estudo, interessa referir que estas clulas constituem os leuccitos mais abundantes da corrente sangunea, e participam activamente na resposta inflamatria. Quando os neutrfilos so activados por contacto com estmulos solveis ou por ingesto de materiais estranhos para os fagossomas (fagocitose), estes iniciam um burst respiratrio, com consumo de oxignio molecular, o que resulta na formao de radical superxido (O2.-) atravs da aco da NADPH oxidase (Figura 4) (Babior, 2004; Quinn e Gauss, 2004). A NADPH oxidase situa-se na membrana plasmtica dos neutrfilos e composta por vrias subunidades: a glicoprotena gp91phox e os polipptidos p22phox, p67phox, p47phox e p40phox, todos codificados pelo gene phox (phagocyte oxidase) no cromossoma X. O flavocitrocomo, conhecido como citocromo b558, forma um complexo associado membrana e constitudo por uma molcula de gp91phox e duas molculas de p22phox. Os polipptidos p67phox, p47phox e p40phox encontram-se distribudos no citoplasma (Nixon e McPhail, 1999, Seguchi e Kobayashi, 2002). Tambm fazem parte da NADPH oxidase activada, protenas G de baixo peso molecular (Rac 1 e Rac 2) que se encontram dissociadas da enzima quando esta est inactiva (Quinn e Gauss, 2004; Klebanoff, 2005). Alguns estudos tm demonstrado que o citrocomo b558 pode ser encontrado na membrana dos grnulos especficos (Angosto, 2005), grnulos de gelatinase, e vesculas secretoras de neutrfilos humanos (Borregaard e Cowland, 1997; Seguchi e Kobayashi, 2002) migrando at membrana plasmtica ou membrana dos fagossomas quando se d a activao dos neutrfilos (Seguchi e Kobayashi, 2002; Angosto, 2005). Esta enzima pode ser activada na ausncia de fagossoma, sugerindo que a activao da oxidase pode ocorrer na membrana dos grnulos que contm citocromo b558. A activao da NADPH oxidase leva a uma deslocao das protenas citoslicas at membrana onde se unem s subunidades l existentes, resultando numa oxidase activa (Figura 5).

36

Introduo

Figura 5. Activao do complexo NADPH oxidase. esquerda mostram-se oscomponentes da NADPH oxidase quando a enzima est inactiva. direita representa-se o complexo activo (adaptado de Angosto, 2005).

geralmente aceite que a NADPH oxidase activada quer na membrana plasmtica do PMN, quer na membrana do fagossoma. Quando a produo das ROS resulta da activao na membrana plasmtica, estas so libertadas da clula. Quando a activao se d na membrana do fagossoma, as ROS ficam retidas no seu interior (Dahlgren e Karlsson, 1999; Babior, 2000; Karlsson e Dahlgren, 2002; Quinn e Gauss, 2004). A activao da enzima inicia-se com a fosforilao da subunidade p47phox, que segundo Angosto (2005), o primeiro elemento a interagir com o citocromo b558. Esta subunidade forma um complexo com os componentes citoslicos p67phox e p47phox e responsvel pelo transporte do complexo para a membrana durante a activao (Babior, 2000; Angosto, 2005). A protena quinase C (PKC) responsvel pela fosforilao da subunidade p47phox, sendo portanto essencial para a activao da NADPH oxidase. A PKC, por sua vez, activada pelo diacilglicerol (DAG), produzido pela fosfolipase. A produo do DAG ocorre quando um receptor membranar estimulado por diversos factores tais como o factor C5a do complemento, ou complexos imunolgicos (Nauseef et al., 1991; El Benna et al., 1995; Seguchi e Kobayashi, 2002).

37

IntroduoO O2-. funciona como redutor ou oxidante, solvel em gua e no capaz de permear a membrana celular, atravessando-a via canais aninicos (Hampton et al., 1998). Isoladamente este radical pouco reactivo e, portanto, no altamente citotxico (Campos e Yoshida, 2004; Misso e Thompson, 2005), todavia, tem alguma capacidade para danificar o DNA (Ferreira e Matsubara, 1997; Shackelford et al., 2000). O HO2. a forma protonada do O2-. (Equao 8). mais reactivo que o O2-. e, como no possui carga, atravessa mais facilmente as membranas celulares. Embora a pH fisiolgico a razo [O2-.]/[HO2.] seja elevada (100/1 a pH=6,8 e 1000/1 a pH=7,8), devido s suas caractersticas o HO2. poder ter alguma relevncia se existirem condies propcias sua formao, nomeadamente a diminuio dos valores de pH nos locais de gerao de O2-. (Grey, 2002).

Equao 8:O2-. + H+ HO2.

O O2-., convertido, espontaneamente (Equao 9) ou pela aco da enzima SOD (Equao 10), em H2O2 e O2 (Cheesman e Slater, 1993; Campana et al., 2004).

Equao 9:HO2. + HO2. H2O2 + O2

Equao 10:2O2-. + 2H+ SOD H2O2 + O2

O H2O2 apesar de no ser um radical, pois no tem electres desemparelhados na ltima camada, importante porque participa nas reaces que produzem o radical HO., seja via reaco de Fenton (Equao 11) ou de Haber-Weiss (Equao 12). Pelas reaces apresentadas pode-se constatar o papel relevante dos metais de transio na formao de ROS (Ferreira e Matsubara, 1997; Mladenka et al., 2006). Embora o cobre possa tambm catalisar a reaco de Haber-Weiss, o ferro o metal pesado mais abundante no organismo e est biologicamente mais capacitado para catalisar as

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Introduoreaces de oxidao de biomolculas (Ferreira e Matsubara, 1997). No homem, em condies fisiolgicas, o ferro livre escasso. Quase todo o ferro sequestrado pelas protenas. No plasma encontra-se ligado transferrina, em vrias clulas est fortemente ligado ferritina, nos glbulos vermelhos est firmemente incorporado na hemoglobina e nos msculos est ligado mioglobina (Mladenka et al., 2006). Em situaes de inflamao, o ferro (III) libertado, pois o O2-. tem capacidade de o mobilizar da ferritina (Barbosa et al., 2006), j o H2O2 pode reagir com a membrana eritrocitria e levar libertao de ferro da hemoglobina (Tolando et al., 2000).

Equao 11:Fe (III) + O2-. Fe (II) + O2

H2O2 + Fe (II)Equao 12:O2-. + H2O2 Fe

Fe (III) + HO. + HO-

O2 + HO. + HO-

O H2O2 uma ROS que pode funcionar como agente oxidante ou como agente redutor, embora a sua reactividade seja fraca. O H2O2 parece ser capaz de inactivar algumas enzimas, normalmente por oxidao dos grupos sulfidrilo (-SH) dos locais activos (Halliwell e Gutteridge, 1999). Apesar da sua fraca reactividade, o H2O2 pode ser altamente citotxico, sendo que esta citotoxicidade pode ser aumentada de dez para mil vezes quando em presena de ferro, como ocorre, por exemplo, na hemocromatose transfusional (Ferreira e Matsubara, 1997). As enzimas catalase, glutationa peroxidase e tiorredoxina peroxidase removem o H2O2 das clulas humanas, levando formao de gua (Halliwell e Gutteridge, 1999; Barbosa et al., 2006). O HO. considerado a ROS mais reactiva em sistemas biolgicos. As reaces em que o HO. participa podem ser classificadas em trs tipos principais: adio de hidrognio, remoo de hidrognio e transferncia de electres. Este radical capaz de remover tomos de hidrognio do grupo metileno de cidos gordos polinsaturados, dando incio peroxidao lipdica que pode levar lise da membrana celular (Ferreira e Matsubara, 1997; Campos e Yoshida, 2004). As reaces do HO. com compostos aromticos procedem-se normalmente por adio, como acontece nas reaces com a

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Introduoguanina e timina no DNA. Assim, se o HO. for produzido prximo de DNA, podero ocorrer alteraes das suas bases, levando inactivao ou mutao do DNA (Ferreira e Matsubara, 1997; Hampton et al., 1998; Barreiros et al., 2006). O HO. participa ainda em reaces de transferncia de electres com ies halogeneto, como o caso do io cloreto (Equao 13) bem como com o io nitrito (NO2-) (Equao 14). Da reaco do HO. com o io carbonato (CO32-), resulta um poderoso agente oxidante, o anio radical carbonato (CO3.-) (Equao 15) (Halliwell e Gutteridge, 1999).

Equao 13:

Cl- + HO.Equao 14:NO2- + HO.

Cl. + HO-

NO2