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DECLARAO

Nome: ANA ISABEL MARTINS TEIXEIRA DE MELO Endereo electrnico: [email protected] Telefone: 960188563 / 252921715 Nmero do Bilhete de Identidade: 11273350 Ttulo dissertao: Emoes no perodo escolar: estratgias parentais face expresso

emocional e sintomas de internalizao e externalizao da crianaTese: Mestrado Orientador: Professora Doutora Isabel Soares Ano de concluso: 2005 Mestrado: Mestrado em Psicologia Clnica

1. AUTORIZADA A REPRODUO INTEGRAL DESTA TESE/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

Universidade do Minho, ___/___/______

Assinatura: ________________________________________________

ii

AGRADECIMENTOSUm primeiro agradecimento devido Professora Doutora Isabel Soares por to gentil e prontamente ter aceite orientar-me e por toda a disponibilidade sempre demonstrada. Graa Martins, ao Paulo Melo, Cludia Albergaria e Isabel Vitorino pelo apoio na reviso do texto. Agradeo ainda minha famlia e, em particular, ao meu pai e amigos por todo o suporte com que me brindaram nas alturas mais atarefadas e pela compreenso sempre demonstrada no tempo que no lhes dediquei. Um ltimo agradecimento vai para todas as famlias que aceitaram participar no estudo e para as escolas e professores que colaboraram na recolha de dados e sem cujo auxlio a investigao no teria tido lugar.

iii EMOES NO PERODO ESCOLAR: ESTRATGIAS PARENTAIS FACE EXPRESSO EMOCIONAL E SINTOMAS DE INTERNALIZAO E EXTERNALIZAO DA CRIANA RESUMO O estudo das emoes e a sua relao com o temperamento da criana tem vindo a suscitar o interesse de vrios investigadores, desde h algum tempo, sendo hoje indiscutvel o seu papel central no funcionamento humano, quer adaptativo, quer desajustado. A sua relao com a psicopatologia infantil comea tambm a merecer destaque especial e sobre ela, e sobre o contributo fundamental da socializao das emoes na famlia, que nos debruamos neste trabalho. O estudo da relao das emoes com o ajustamento da criana tem vindo a fornecer contributos importantes para o desenvolvimento de intervenes preventivas em sade mental, que procuram no s desenvolver a competncia emocional das crianas, como desenvolver competncias nos pais para que consigam, mais eficazmente, ajudar as suas crianas a nomear, diferenciar e regular as suas emoes e compreender as emoes dos outros, a favor de um mais equilibrado e ajustado funcionamento intra e interpessoal. O estudo 1 incidiu na avaliao das propriedades psicomtricas de instrumentos de avaliao, j amplamente utilizados na investigao internacional, relativos s reaces parentais face expresso emocional negativa da criana e avaliao de dimenses temperamentais da criana. No mbito deste estudo desenvolveram-se novos instrumentos relativos avaliao das reaces parentais face expresso emocional positiva da criana e avaliao de problemas de comportamento disruptivo. Os resultados relativos s propriedades psicomtricas dos instrumentos so apresentados e discutidos tendo em conta a sua adequao investigao e avaliao de programas de preveno. O estudo 2 foca-se no desenvolvimento emocional da criana em contexto familiar, examinando-se as reaces parentais perante as emoes negativas e positivas da criana, tendo em conta agrupamentos emocionais especficos. Este estudo relacionou as reaces parentais perante distintas emoes positivas e negativas, diferentes dimenses do temperamento e algumas expresses sintomatolgicas da criana. As relaes encontradas sugerem a possibilidade das diferentes emoes negativas terem funes diferenciadas no funcionamento da criana e das emoes positivas poderem estar, igualmente, implicadas no ajustamento do indivduo, tal como as reaces parentais perante as mesmas emoes. Os resultados so discutidos tendo em conta as suas implicaes para a investigao e avaliao de programas de preveno em meio familiar.

iv EMOTIONS DURING CHILDHOOD: PARENTAL COPING WITH CHILDRENS EMOTIONS AND CHILDRENS EXTERNALIZING AND INTERNALIZING SYMPTONSABSTRACT

The study of emotions and its relation with temperament has long started to interest researchers. Nowadays it is accepted that emotions play a central role in human development, either adjusted or pathological. In this work we focus on its relationship with child psychopathology, and the fundamental contribution of the emotions socialization, a field that has been receiving great attention in recent years. The study of the link between emotion and child adjustment has been providing important contributions to the development of prevention programs in mental health that seek not only to promote childrens emotional competence but also to promote parental capability to help children name, differentiate and regulate their emotions, in pursuit of a more adjusted intra and interpersonal functioning. Study 1 attempted to make the adaptation to Portugal of some instruments, largely used in international research on the influence of parental coping with childrens emotion on childrens psychosocial adjustment and temperament, and also of an instrument designed to tap temperament in early childhood. Some new questionnaires were developed to evaluate parental coping with childrens positive emotions, and disruptive behaviour problems. The results regarding the psychometric properties of the instruments are discussed considering their suitability for research and prevention programs evaluation. Study 2 is focused on emotional developmental in family context and examines the relations between parental coping with childrens negative and positive emotions considering specific groups of emotions. This study has related parental reactions to

different categories of positive and negative emotions, several temperamental dimensions and some psychopathological symptoms in children. The relations found suggest that different negative emotions might have distinct functions in child development, and that positive emotions might also be involved in child adjustment, as well as parental reactions to the same emotions. The results are discussed considering their implications for future research and family-based prevention program evaluation.

v

NDICEAgradecimentos Resumo INTRODUO..viii

PARTE

I-

ENQUADRAMENTO

TERICO

E

EMPRICO

DA

PROBLEMTICA DAS EMOES NO PERODO ESCOLAR

CAPITULO 1- Desenvolvimento emocional e (in)adaptao na infncia 1. Teorias das emoes: um primeiro enquadramento..11 2. Caractersticas das emoes negativas e positivas....18 3. Emoes e regulao emocional23 4. Temperamento e emoes..26 5. Marcos do desenvolvimento emocional: desenvolvimento da competncia emocional e papel das emoes no desenvolvimento29 5.1. Desenvolvimento emocional dos 0 aos 12 meses.31 5.2. Desenvolvimento emocional dos 2 aos 5 anos.33 5.3. Desenvolvimento emocional dos 6 aos 12 anos...34 6. Desenvolvimento emocional e psicopatologia na criana...37 6.1. Perturbaes de externalizao, emoes e dificuldades no desenvolvimento emocional.40 6.2. Perturbaes de internalizao, emoes e dificuldades no desenvolvimento emocional.43 7. Sntese final..46

CAPITULO 2- Desenvolvimento emocional das crianas e influncias parentais 1. Introduo....48 2. Temperamento, emoes na famlia e adaptao da criana...50 3. Socializao das emoes: estratgias e reaces parentais face expresso emocional das crianas54 4. Implicaes para a investigao futura e para o tratamento e preveno da psicopatologia..66 5. Sntese final.69

vi PARTE II- INVESTIGAO SOBRE EMOES NO PERODO ESCOLAR: CONTRIBUIO METODOLGICA E ESTUDO DAS ESTRATGIAS PARENTAIS FACE EXPRESSO EMOCIONAL DA CRIANA

CAPTULO 3- Introduo....72

CAPTULO 4- Estudo 1: Contribuio metodolgica 1. Objectivos..74 2. Mtodo...75 2.1. Participantes..75 2.2. Procedimento....76 2.3. Instrumentos.77 3. Resultados82 4. Discusso.96

CAPTULO 5- Estudo 2: Estratgias parentais face expresso emocional da criana, temperamento e sintomas de internalizao e externalizao na criana no perodo escolar. 1. Objectivos.....101 2. Mtodo..102 2.1. Participantes...102 2.2. Procedimento..104 2.3. Instrumentos...104 3. Resultados..108 3.1 Temperamento e sintomatologia da criana.....108 3.2 Estratgias parentais face s emoes negativas, temperamento e sintomatologia da criana .111 3.2.1. Estratgias parentais face a diferentes agrupamentos de emoes negativas, temperamento e sintomas de internalizao e externalizao da criana. ......112 3.3. Estratgias parentais face s emoes positivas, temperamento e sintomas de internalizao e externalizao da

criana118

vii 3.3.1. Estratgias parentais face a diferentes agrupamentos de emoes positivas, temperamento e sintomas de internalizao e externalizao da criana ......120 4. Discusso...126 Referncias Bibliogrficas..141 Anexos...155

Listagem de tabelasTabela 1- Distribuio da amostra de crianas e progenitores por sexo, idades, anos de escolaridade e categoria profissional dos progenitores Tabela 2 -Medianas, mnimos, mximos para relatos dos progenitores nas sub-escalas do CCNES Tabela 3-Soluo factorial final e saturao nos factores do CCNES Tabela 4-Soluo factorial final, saturao nos factores e fidelidade das sub-escalas do QCEP-P Tabela 5 -Medianas, mnimos, mximos para relatos dos progenitores nas sub-escalas do QCEP-P Tabela 6- Soluo factorial final, saturao nos factores e fidelidade das sub-escalas do CBQ-short form Tabela 7 -Medianas, mnimos, mximos para relatos dos progenitores nas sub-escalas do CBQ-short form Tabela 8- Fidelidade das sub-escalas do CBQ-short form: relatos dos progenitores em funo da idade da criana Tabela 9-Soluo factorial, saturao nos factores e ndices fidelidade das escalas da ECD Tabela 10- Medianas, mnimos e mximos para relatos dos progenitores nas sub-escalas da ECD Tabela 11-Soluo factorial final, saturao nos factores e ndices fidelidade das escalas da ERC Tabela 12- Fidelidade do CDI em funo da idade da criana Tabela 13 -Medianas, mnimos, mximos para relatos da criana do CDI em funo da idade Tabela 14-Soluo factorial, saturao nos factores e ndices de fidelidade das escalas da CMAS-R Tabela 15- Fidelidade do CMAS-R em funo da idade da criana Tabela 16 -Medianas, mnimos, mximos para CMAS-R em funo da idade da criana Tabela 17- Distribuio da amostra de crianas e progenitores por sexo, idades, anos de escolaridade e categoria profissional dos progenitores Tabela 18 - Medianas, mnimos e mximos das variveis de temperamento e sintomatologia da criana Tabela 19- Correlaes entre variveis de temperamento e sintomatologia da criana Tabela 20- Medianas, mnimos e mximos das reaces parentais face s emoes negativas expressas pela criana Tabela 21- Correlaes entre as reaces parentais face s emoes negativas, temperamento e sintomatologia da criana Tabela 22- Medianas, mnimos e mximos das reaces parentais face a agrupamentos de emoes negativas expressas pela criana Tabela 23- Ordem mdia das reaces construtivas face a diferentes emoes negativas em funo do sexo dos progenitores Tabela 24- Ordem mdia das reaces construtivas das mes face diferentes emoes negativas Tabela 25- Ordem mdia das reaces negativas das mes face diferentes emoes negativas Tabela 26- Ordem mdia das reaces construtivas dos pais face diferentes emoes negativas Tabela 27- Ordem mdia das reaces negativas dos pais face diferentes emoes negativas Tabela 28- Correlaes entre as reaces parentais face diferentes agrupamentos de emoes negativas, temperamento e sintomas de internalizao e externalizao da criana Tabela 29 - Medianas, mnimos, mximos das respostas parentais face s emoes positivas expressas pela criana Tabela 30- Correlaes entre as respostas parentais face s emoes positivas, temperamento e sintomatologia da criana Tabela 31- Medianas, mnimos e mximos das reaces parentais face a agrupamentos de emoes positivas expressas pela criana Tabela 32- Diferenas nas respostas parentais em funo das emoes positivas expressas pela criana Tabela 33- Correlaes entre respostas parentais face diferentes agrupamentos de emoes positivas e temperamento da criana Tabela 34- Correlaes entre respostas parentais face diferentes agrupamentos de emoes positivas, e sintomas de internalizao e externalizao da criana

Listagem de anexosAnexo 1-CCNES-estudo1

viiiAnexo 2-QCEP P-estudo1 Anexo 3-CBQ-estudo1 Anexo 4-ECD-estudo1 Anexo 5-E R C-estudo 1 Anexo 6- Correlao entre sub-escalas ccnes Anexo 7- Constituio das escalas da emotion regulation checklist conforme proposta dos autores (Shields & Cicchetti, 1995, 1997) Anexo 8- CCNES-estudo2 Anexo 9- QCEP P-estudo 2 Anexo 10- ECD-estudo 2

ix INTRODUO

As emoes apresentam-se como processos centrais no funcionamento humano, ocupando um lugar de destaque como organizadores no desenvolvimento cerebral e em vrios domnios do funcionamento psicolgico e social, influenciando-os e sofrendo influncias de vrias dimenses do desenvolvimento, bem como das diferentes experincias de vida a que o indivduo vai sendo exposto. medida que o ser em desenvolvimento, equipado com uma srie de mecanismos neurolgicos prprogramados, se vai envolvendo em novas experincias e interagindo com os diferentes elementos que constituem o seu universo relacional, os sistemas emocionais vo-se complexificando e criando novas e mais ricas conexes com outros sistemas, como sejam o cognitivo ou o lingustico. Nos ltimos anos, vrios investigadores tm-se dedicado ao estudo do papel das emoes e da regulao emocional no desenvolvimento e ajustamento da criana. Muito embora vrias questes permaneam por responder, tem sido possvel apurar a importncia que a emocionalidade temperamental e a capacidade de regulao emocional assumem em vrias dimenses e facetas do comportamento da criana, inclusivamente no que diz respeito ao desenvolvimento de psicopatologia ou competncia social e emocional. As prticas parentais, relacionadas com a reaco dos pais expresso das emoes negativas da criana tm sido estudadas como forma de melhor se compreender os factores e mecanismos que contribuem para o desenvolvimento destas caractersticas e capacidades. nesta linha de orientao que este trabalho, dividido em duas partes, se insere. Na primeira parte, procura-se reflectir sobre alguns conceitos e formulaes tericas chave acerca do desenvolvimento emocional da criana, em particular na idade escolar, bem como sobre alguns mecanismos de socializao emocional em contexto familiar, com destaque para o papel das estratgias parentais perante a expresso emocional da criana relativamente ao seu ajustamento psicolgico e caractersticas temperamentais. O primeiro captulo dedicado reviso e discusso de alguns conceitos e teorias das emoes, dos principais traos caracterizadores de diferentes emoes positivas e negativas e dos mecanismos de regulao emocional. Aborda-se igualmente a temtica das emoes de um ponto de vista temperamental, para posteriormente se discutirem as principais tarefas do desenvolvimento emocional na infncia. Termina-se o captulo revendo alguns estudos que abordam a relao entre emoes e desenvolvimento emocional e as perturbaes de internalizao e externalizao na criana. O captulo dois dedica-se discusso e reviso de alguns

x estudos que abordam o desenvolvimento emocional em contexto familiar, destacando o papel das reaces parentais expresso emocional da criana e a sua relao com o temperamento e ajustamento da mesma. Aborda-se, igualmente, as implicaes do conhecimento que tem vindo a ser construdo pela comunidade cientfica para a prtica clnica, em particular para o desenvolvimento de intervenes de preveno em sade mental junto de crianas em idade escolar e suas famlias. Na segunda parte, descrevem-se dois estudos empricos, com amostras independentes, que pretendem oferecer alguns contributos para o aprofundamento do conhecimento cientfico sobre o desenvolvimento emocional, da criana em idade escolar, em contexto familiar. Deste modo, no captulo quatro, discutem-se os resultados de um estudo de adaptao, para a populao portuguesa, de instrumentos de avaliao do temperamento e das reaces parentais expresso emocional negativa da criana, pensando-se na sua utilizao em estudos sobre o temperamento e socializao emocional na famlia, bem como na avaliao de programas de interveno preventiva. Discutem-se ainda os resultados e implicaes, para a investigao e prtica, da construo e estudo das propriedades psicomtricas de um novo instrumento de avaliao das estratgias parentais de confronto com a expresso emocional positiva da criana e de um instrumento de avaliao de sintomas externalizadores na criana em idade escolar. O captulo cinco dedicado descrio e discusso dos resultados de um estudo exploratrio acerca da relao entre as estratgias parentais perante as emoes negativas e positivas da criana, bem como das mesmas estratgias ante diferentes agrupamentos emocionais especficos com a emocionalidade temperamental, regulao emocional e sintomas de externalizao e internalizao em idade escolar. Os resultados deste estudo so discutidos atendendo s implicaes para o desenvolvimento de intervenes de preveno em meio familiar e a linhas de orientao para investigaes futuras.

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PARTE I- ENQUADRAMENTO TERICO E EMPRICO DA PROBLEMTICA DAS EMOES NO PERODO ESCOLARCAPTULO 1- DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL E (IN)ADAPTAO NA INFNCIA

1. Teorias das emoes: um primeiro enquadramento

As emoes so alvo do estudo e interesse humano e cientfico desde h longa data, em diferentes reas do saber. A Filosofia, por exemplo, h muito que demonstra interesse no seu estudo (Solomon, 2004; Strongman, 1996) e na definio das suas contribuies para o desenrolar da vida humana e mecanismos de construo do conhecimento. A Antropologia, por seu lado, tem estudado a ligao entre as emoes e a dimenso cultural das sociedades e a Histria tem desenvolvido esforos no sentido de descrever o curso do interesse pelas emoes, enquanto que a sociologia se tem preocupado em perceber a relao entre o funcionamento emocional e a pertena a grupos sociais (Kemper, 2004). Na rea das cincias da vida o papel bsico e adaptativo das emoes no desenvolvimento humano h muito que realado, tendo sido mesmo mencionado por Darwin na formulao da sua teoria da evoluo das espcies (cf. Oatley & Jenkins, 1996). Tambm as neurocincias tm demonstrado um interesse crescente pelas emoes e pelos contributos nicos dos sistemas emocionais na caracterizao do funcionamento humano (e.g. Damsio, 1999, 2003). Deste modo, ao mesmo tempo que o crebro hoje reconhecido como o centro de comandos fundamental das emoes, explicando a sua base fisiolgica, comea a ser tambm consensual que afectado e alterado ao longo do desenvolvimento pelas diferentes experincias e acontecimentos de vida, bem como pelo desenvolvimento emocional do indivduo (Shore, 1994). De facto, no s diferentes reas cerebrais, de que so exemplo vrias zonas do crtex como o pr-frontal ventro-medial, orbitofrontal, anterior cingulado e insular, a amgdala ou o hipocampo (Davidson, 2000) parecem ser responsveis pelas manifestaes emocionais do indivduo, como as emoes, em contrapartida, interferem com o desenvolvimento cerebral, operando como um organizador central (Siegel, 1999, p.4). O desenvolvimento emocional e os circuitos cerebrais das emoes tm sido mesmo

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apontados como mecanismos que evidenciam bastante bem a plasticidade e capacidade de transformao do crebro (Davidson, 2000; Davidson, Jackson & Kalin, 2000). Na psicologia tm sido desenvolvidos vrios modelos das emoes e do desenvolvimento emocional, sendo comum a praticamente todas as teorias actuais o reconhecimento da funo adaptativa das emoes no desenvolvimento humano. Mas a que nos referimos quando falamos de emoes? No dia-a-dia comum ouvirmos as pessoas falarem do que sentem, do que as faz emocionar-se, de como acham que os outros se esto a sentir, de como acordaram com uma sensao estranha, ou de como sentem um n na garganta de que no se conseguem livrar. Estaremos a falar sempre de emoes em todas estas experincias? As emoes so uma rea to central da vida humana e esto to embrenhadas no discurso corrente que todos assumimos saber o que so emoes, sem termos necessidade de as definirmos para nos fazermos entender. Mas se o cidado comum no necessita, na maioria das ocasies, de definir o que uma emoo para comunicar eficazmente, o mesmo no acontece a nvel cientfico, sendo necessrio procurar construir uma plataforma conceptual a partir da qual os investigadores possam discutir os seus estudos. Mesmo assim, e ainda que o papel central das emoes no funcionamento psicolgico humano parea ser assumido por vrios autores, nem sempre a sua definio clara ou consensual, variando consoante o nfase dado pelas diferentes teorias s suas funes especficas e componentes (Fridja, 2004), ao peso de factores genticos, constitucionais, ambientais e relacionais, ou mesmo sua relao com outros sistemas como o cognitivo, lingustico ou motor. Por tudo isto no raro verificar-se alguma confuso terminolgica entre sentimentos e emoes, dois termos que podem significar processos relacionados, mas distintos, e que so frequentemente usados de forma equivalente levando-nos a no sabermos exactamente o que est a ser estudado quando lemos os resultados de um estudo. O estado actual da cincia psicolgica das emoes necessita de encontrar pontos de convergncia e clarificar o seu objecto de estudo de modo a que os conhecimentos adquiridos possam ser integrados num todo coerente. Procuraremos, de seguida, rever algumas das definies oferecidas por alguns dos autores mais proeminentes no campo de estudo das emoes, apresentando as linhas mestras das suas propostas.

Segundo Damsio (2003), o sistema neurobiolgico humano est preparado para lidar com os desafios da adaptao, apetrechando-se com sistemas de diferentes complexidades que so integrados de forma hierrquica. Nos nveis mais primitivos de

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regulao da vida encontramos os processos metablicos, os reflexos bsicos e o funcionamento do sistema imunitrio, para num nvel seguinte podermos falar de comportamentos associados dor e ao prazer e num estdio um pouco mais complexo de motivaes e instintos. Seria em nveis superiores de organizao que encontraramos, por ordem de complexidade, as emoes genunas (Damsio, 2003, p. 28) e os sentimentos. Damsio fala de emoes como aces ou movimentos, muitos deles pblicos, visveis para os outros na medida em que ocorrem na face, na voz, em comportamentos especficos (Ib.). De acordo com esta perspectiva, de fundamento neurobiolgico, uma emoo activada como reaco automtica a um estmulo emocionalmente competente (Ib., p.53) e caracterizada por um conjunto de reaces qumicas e neuronais especficas, o que advoga a favor da teoria das emoes discretas de que falaremos adiante. A activao de uma emoo, tendo como objectivo a preparao do organismo para se adaptar e para atingir nveis de bem-estar satisfatrios, tem consequncias imediatas na alterao do estado corporal e nas estruturas cerebrais a que corresponde. Algumas das componentes das emoes, ou a sua vertente expressiva, so visveis e observveis facilmente a olho nu, enquanto que outras, como as manifestaes psicofisiolgicas, seriam mais difceis de detectar. De acordo com o autor poderamos falar de algumas emoes bsicas como o medo, a raiva, a surpresa, a tristeza, a felicidade ou a averso/repugnncia, caracterizadas por uma programao inata, e de emoes algo mais complexas, designadas de emoes sociais, de que so exemplo a simpatia, o embarao, a vergonha, a culpa, o orgulho, a inveja, a gratido, a admirao e o desprezo. num ltimo nvel superior de organizao que Damsio coloca os sentimentos, definindo-os como a percepo de um certo estado corporal juntamente com a percepo de um certo modo de pensar e de pensamentos com determinados temas (Ib., p. 86). Muitas das perspectivas psicolgicas das emoes apresentam pontos de convergncia com o modelo de Damsio, mas encontramos mais explicitamente outras componentes e a adio de diferentes tonalidades na definio de emoo e, principalmente, das suas funes. O modelo de Gray (1987), de teor mais comportamental, define emoes como estados internos provocados por acontecimentos externos ao organismo, por contingncias. A emoo organizar-se-ia governada por trs sistemas distintos baseados na relao entre estmulos ou reforos positivos e negativos e respostas: o Sistema de Abordagem/Aproximao (com predomnio do estmulo reforador para a recompensa ou no punio), o Sistema de Inibio Comportamental (em que predomina o estmulo

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condicionado para a punio ou no recompensa) e o Sistema de Luta ou Fuga (em que prevalece a punio incondicional ou a no recompensa). Gross (1998), por seu lado, fala-nos de, pelo menos, trs componentes-chave da emoo, designadamente a expresso comportamental, a experincia subjectiva e as respostas fisiolgicas perifricas, componentes estas estudadas em diversos modelos. A componente expressiva das emoes, a que Darwin (1872) reconheceu funes de comunicao social e regulao das experincias emocionais, tem sido atribuda ao funcionamento de regies cerebrais distintas responsveis por diferentes expresses faciais, tidas como universais e assumidas por alguns autores como marcadores importantes da presena e activao de uma emoo (e.g. Keltner & Ekman, 2004). Tambm Silvian Tomkins (1962, 1963), nos anos 60, defendeu que activao das emoes estaria dependente da activao de clulas do sistema nervoso central. O seu modelo defende a existncia de emoes inatas, admitindo, no entanto, influncias do ambiente e do processo de aprendizagem no funcionamento do sistema emocional. Tomkins apontou a existncia de oito emoes bsicas: gozo/alegria, surpresa, perturbao/angstia, raiva, vergonha/humilhao e medo/terror. As emoes variariam de intensidade consoante a fora da taxa de disparo das clulas nervosas. Tomkins falou ainda de quatro tipos de organizaes emocionais, ou teorias do afecto, como lhe chamou (Tomkins, 1962/1963), que definiriam diferenas individuais ao nvel da experincia emocional. As organizaes emocionais monopolistas caracterizar-se-iam pelo domnio de uma emoo sobre as outras, enquanto que nas organizaes intrusivas uma emoo, com menos peso na personalidade do indivduo, emergiria insistentemente em contextos especficos. Indivduos com organizaes competitivas apresentariam uma emoo em constante competio com outra componente, influenciando a leitura da realidade. Por fim, as organizaes integradoras caracterizariam indivduos com uma personalidade equilibrada, em que nenhuma emoo tendia a predominar. A Teoria das Emoes Diferenciais (TED) de Carroll Izard dos modelos de emoes mais proeminentes no campo de investigao psicolgica das emoes, destacando-se por sublinhar o carcter inato das emoes, as suas funes motivacionais bsicas (Izard & Ackerman, 2004; Izard e col. 2002; Izard 2002) e a relao prxima entre emoes e personalidade (Abe & Izard, 1999). Pressupe, semelhana de outros modelos, trs nveis bsicos ou componentes das emoes nomeadamente, uma dimenso neuronal, expressiva e experiencial. De acordo com esta teoria, as emoes so pr-programadas, ainda que sejam admitidas algumas influncias ambientais (Abe & Izard, 1999b), e formam um sistema independente de outros sistemas, como o

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cognitivo. , no entanto, postulado que ao longo do desenvolvimento os diferentes sistemas, ainda que independentes, vo estabelecendo diferentes ligaes entre si. A Teoria das Emoes Diferenciais assume a existncia de vrias emoes bsicas, com caractersticas distintas, defendendo que os sistemas emocionais podem operar de modo independente do processamento cerebral cortical e contribuir para a organizao da percepo, cognio e comportamento (Izard & Ackerman, 2004; Izard e col. 2002). A vertente comunicativa das emoes, nomeadamente as expresses faciais, tambm estudada de forma aprofundada nesta teoria (Sroufe, 1995; Abe & Izard, 1999). De entre as emoes bsicas propostas na TED constam o interesse, a satisfao, a surpresa, a tristeza, a raiva, a averso, o contentamento, o medo, a vergonha e a timidez (Izard, 1972, 1977, 1991), cada uma com efeitos distintos no sistema cognitivo e comportamental (Izard e col. 2002), activadas quer por informao advinda do prprio organismo, ou informao sensorial como a sensao de dor, quer pelas expresses faciais, por acontecimentos neuronais e bioqumicos, como a mudana de temperatura sangunea cerebral, ou ainda por processos cognitivos (Izard & Harris, 1995). Como se v, para esta perspectiva, a activao emocional pode ocorrer de diferentes formas e no est necessariamente dependente da cognio. Posies diferentes apresentam autores de linhas mais cognitivistas como Lazarus (Lazarus, 1991) para os quais a componente de avaliao cognitiva de um estmulo, que desencadeia respostas emocionais, central. Outros, como Fridja, valorizam igualmente a componente avaliativa e definem as emoes como mudanas na tendncia ou prontido para aco (Fridja, 2004, p. 63). Michael Lewis um dos autores que refuta a defesa de emoes inatas destacando, ao invs, os processos desenvolvimentais e a relao entre a diferenciao progressiva de estados emocionais com a maturao dos sistemas neurolgicos, o desenvolvimento cognitivo e com os processos de socializao (Strongman, 1996), bem como o desenvolvimento do self (Saarni, 1999). Para Lewis, quando se fala de emoo tem que se referir um conjunto complexo de acontecimentos desencadeadores, comportamentos, estados e experincias (Lewis, 2004). Segundo o autor, os desencadeadores das emoes correspondem aos estmulos internos e externos capazes de despoletarem mudanas no estado do organismo e, no negando o desempenho de processos automticos, o autor salienta o papel da aprendizagem neste processo, enquanto que os estados emocionais, por seu lado, so apresentados como constelaes de mudanas na actividade somtica e/ou neurofisiolgica (Lewis, 2004, p. 267), alegando-se que so despoletados prioritariamente por processos cognitivos (ainda que

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no seja descartada a possibilidade de os estados emocionais no existirem por si s e de se poder falar antes de processos cognitivos que levam a emoes especficas). De acordo com esta posio, os estados emocionais desenvolvem-se ao longo da vida partindo de uma condio de relativa indiferenciao e de dois estados base, positivo ou negativo, para uma progressiva diferenciao com base na activao emocional, e portanto nas experincias do indivduo. Tambm em relao expresso emocional Lewis salienta o contributo dos processos de socializao, afirmando no poder ser peremptoriamente afirmada uma relao directa entre expresso emocional e emoo experienciada. A terceira grande componente das emoes a que o autor se refere diz respeito experincia emocional. aqui fortemente evidenciado o cunho cognitivo do seu modelo e a nfase na interpretao e avaliao pelo indivduo dos seus estados emocionais e expresses percebidas (Lewis, 2004, p. 272). Segundo Lewis, esta avaliao altamente dependente do sentido de self construdo e dos processos de socializao. Adoptando uma linha clnica desenvolvimental Bowlby (1969, 1973, 1980, 1988) foi dos primeiros a chamar a ateno para o papel relacional e adaptativo das emoes na procura de segurana e na luta pela sobrevivncia do indivduo e a salientar a funo da expresso emocional como mecanismo de regulao das relaes entre o prestador de cuidados e beb, e o seu papel na consequente construo do self e no ajustamento do indivduo. Na sequncia das formulaes de Bowlby, vrios autores tm estudado as emoes privilegiando um enfoque relacional. Para Sroufe, a emoo vista como uma reaco subjectiva a um acontecimento saliente, caracterizada por mudanas fisiolgicas, experienciais e no comportamento aberto (Sroufe, 1995, p. 15) melhor entendida como um processo dinmico e um sistema organizado ao redor de componentes interdependentes que, ao longo do desenvolvimento, vo dando lugar a diferenas individuais na forma de experienciar e abordar as emoes. Privilegiando a referida perspectiva relacional aqui defendido que cada emoo tem um papel prprio e um significado relacional nico. Segundo o autor, que tem estudado aprofundadamente o desenvolvimento emocional nos primeiros anos de vida, as funes das emoes passam pela comunicao com os outros significativos acerca dos estados internos do indivduo, pela promoo de competncias para explorao do meio ambiente e pela preparao do organismo para responder de modo adaptativo em situaes de crise ou emergncia. A noo de emoo, encarada como processo, comum a vrios autores, entre os quais Cole, Martin e Dennis (2004) para quem as emoes, determinadas

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biologicamente, preparam o indivduo para a aco. Os autores partilham algo da posio de Fridja definindo emoes como estados de prontido avaliao-aco (p. 320). Outros modelos, frequentemente apelidados de funcionalistas, salientam igualmente a dimenso relacional e a vertente de interaco do indivduo com o seu ambiente, sublinhando o carcter funcional das emoes nestas transaces. Dispensando a discusso acerca da existncia ou no de emoes bsicas, os tericos funcionalistas atribuem um peso maior dimenso de construo de significado (e.g. Campos, Campos & Barrett, 1989; Campos, Frankel & Camras, 2004; Saarni, Mumme & Campos, 1998). O revestimento funcionalista destas perspectivas advm do seu enfoque na aco e nas consequncias dos estados emocionais (Saarni, Mumme & Campos, 1998) em termos de aco. As emoes, processos que aqui se assumem como estabelecendo ligaes prximas com os sistemas cognitivos, perceptivos e autoregulatrios, so definidas como a tentativa da pessoa ou prontido para estabelecer, manter ou alterar a relao entre a pessoa e o ambiente em questes significativas para essa pessoa (Ib., p. 238). Para estas formulaes os significados que o indivduo atribui aos acontecimentos, intrinsecamente relacionados com os processos emocionais, advm no s dos objectivos da pessoa num determinado momento, mas tambm das sensaes de dor ou prazer experienciadas, das caractersticas da comunicao emocional, das reaces expressivas despoletadas no seio das relaes e ainda das caractersticas de experincias passadas que condicionam o posicionamento do indivduo perante um determinado evento. A posio funcionalista fala ainda da relao entre sentimentos e emoes alegando que os primeiros emergem da avaliao que o indivduo faz das situaes e das emoes, da avaliao dos comandos motores centrais orientados para um objectivo, da avaliao das sensaes corporais e da percepo directa das expresses emocionais na face, voz e gestos dos outros (Ib.). Saarni (1999), baseada em grande parte no trabalho de Lewis e Michalson, descreve cinco componentes essenciais das emoes. Menciona, por um lado, as circunstncias que precedem a experincia de uma emoo, ou se quisermos os desencadeadores emocionais, sublinhando o papel da socializao das emoes neste campo e do contexto especfico em que as emoes so activadas e, por outro, de todas as estruturas de componente biolgica, baseadas nos sentidos ou variveis temperamentais, que operam como receptores emocionais e nos permitem reagir a um determinado estmulo. Para a autora, com base nestas duas primeiras componentes, os desencadeadores e os receptores emocionais, que emergem as mudanas corporais e

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neurofisiolgicas que definem os estados emocionais e do lugar experincia emocional do indivduo, uma componente, de acordo com a autora, mais dependente da linguagem e do desenvolvimento cognitivo. A ltima componente, segundo Saarni, sofre tambm grandes influncias dos processos de socializao e das normas interiorizadas e refere-se expresso e aos diferentes modos de expresso emocional. Numa tentativa de integrar perspectivas aparentemente divergentes acerca da natureza social versus inata das emoes, alguns autores defendem poder falar-se de algumas emoes bsicas inatas, como a felicidade, tristeza, raiva ou medo e de emoes mais complexas, dependentes da cultura e dos processos sociais de construo de significados, como o orgulho, a vergonha, a indignao ou a culpa/remorso (Johnson-Laird & Oatley, 2004). A relao entre emoes bsicas e influncias culturais encontra um bom enquadramento quando se ponderam as circunstncias em que uma emoo bsica activada, um processo, segundo os autores, amplamente dependente da avaliao cognitiva e atribuio de um significado definido nas experincias e interaces sociais. Nesta linha de pensamento, Oatley e Jenkins (1996) propem que a emoo despoletada por uma avaliao consciente ou inconsciente de um acontecimento e que a valncia da emoo despoletada seria definida pela avaliao que o indivduo desenvolve sobre as probabilidades de conseguir alcanar os seus objectivos num determinado momento. A noo de emoo como uma tendncia e estado de prontido para a aco tambm ponderada numa definio de trabalho de emoo que os autores propem, sublinhando que as emoes so experienciadas como estados mentais distintos e que reflectem mudanas corporais, expresses e comportamentos especficos. Aos padres de avaliao e de resposta a um estmulo Jenkins e Oatley (1998, p. 46) chamam esquemas emocionais.

2. Caractersticas das emoes negativas e positivas

O debate acerca das caractersticas das emoes e a procura de definies que desenhem fronteiras claras com outros fenmenos psicolgicos e sociais fez-se acompanhar de vrias tentativas de diferenciar emoes e de clarificar as suas caractersticas, funes e tendncias de aco. Ainda que as diferentes perspectivas variem no peso que atribuem s diferentes componentes emocionais, ao carcter mais inato ou aprendido, interno ou relacional das emoes, relativamente aceite que os

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fenmenos emocionais tm processos de base que explicam a sua emergncia, expresso e funes. H igualmente acordo de que as emoes no tm todas exactamente as mesmas caractersticas e que existem alguns traos distintivos que as permitem categorizar. Procuramos de seguida sintetizar e integrar os contributos das diferentes perspectivas para uma viso mais completa do fenmeno das emoes e uma melhor compreenso de cada grande agrupamento emocional. Neste sentido, apresentaremos de seguida um resumo das caractersticas de algumas das emoes mais estudadas, negativas e positivas, partindo da reviso da literatura e em particular dos contributos de Saarni, Mumme e Campos (1998), Oatley e Jenkins (1996), Izard e col. (2002), Izard e Ackerman (2004), Lewis (2004b) e Rozin e col. (2004). Centramo-nos essencialmente nas funes e objectivos das diferentes emoes, no tipo de aces que tendem a desencadear, na apreciao que o indivduo faz do estmulo com relao ao seu self e no impacto relacional da expresso emocional.

Relativamente s emoes negativas, o medo certamente uma das emoes mais estudadas. O seu objectivo e funo principal parece ser o de proteger a integridade fsica e psicolgica do indivduo motivando-o para se libertar ou fugir de situaes potencialmente ameaadoras. Alguns autores defendem que a activao do medo implica que o self percepcione algum tipo de ameaa. Uma vez activada, a principal tendncia de aco associada a esta emoo parece ser a fuga ou retirada, enquanto que a sua expresso pode despoletar comportamentos de proteco por parte dos outros. Durante a activao do medo o indivduo tende a ter toda a sua ateno concentrada no estmulo ameaador e na necessidade de se proteger, pelo que h um estreitamento ou uma relativa limitao dos processos atencionais e comportamentos do indivduo. Outra das emoes mais estudadas a raiva, cujo grande objectivo parece ser a persecuo de um objectivo atravs da mobilizao de uma grande quantidade de energia e esforos para o alcance desse objectivo. Na raiva h uma tendncia para a aco em frente, um movimento impulsionador no sentido de se conquistar o desejado. comum o indivduo percepcionar algum tipo de obstculo ou entrave persecuo dos seus objectivos para a raiva ser activada. Quando tal acontece, h tendncia para se verificar uma grande activao motora. Embora possa estar associada com a agresso, a raiva est tambm associada ao estabelecimento de uma posio de dominncia numa relao e mesmo preveno de comportamentos agressivos quando funciona como um

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sinal regulador para a forma como as relaes esto a ser estabelecidas, podendo permitir alterar os seus padres de funcionamento. Se a raiva tende a ser uma emoo caracterizada por grande activao motora, a activao da tristeza tende a estar associada a uma inibio e um abrandamento da actividade cognitiva, podendo reflectir-se em retiradas passivas ou estagnao. O objectivo da tristeza pode ser o de assinalar que um objectivo ou um estado que se desejava alcanar no foi atingido, ou funcionar como sinalizador da existncia de algum problema que envolve o indivduo. O self tende a percepcionar algum tipo de fracasso ou impedimento para a activao da tristeza. Esta emoo pode levar o sujeito a avaliar as fontes de problemas, a procurar suporte social e a favorecer o estreitamento das relaes com os outros, na medida em que se podem desencadear nestes comportamentos de ajuda. A tristeza aparenta ser uma emoo chave para o desenvolvimento da capacidade de empatia, provavelmente porque a inibio comportamental e a lentificao que a acompanham favorecem e do espao para que o indivduo se coloque na perspectiva do outro. Outras emoes negativas, como a vergonha, tendem a ter um carcter mais social. A vergonha implica, normalmente, uma avaliao negativa do self de si mesmo e a sua principal funo parece ser a preservao do respeito e apreo do indivduo por si prprio, chamando a ateno para as suas falhas e os pontos em que pode tentar melhorar e evoluir. Esta emoo pode assumir funes relevantes na regulao das relaes e na interiorizao e adopo de padres e normas sociais, na medida em que tende a promover a conformidade social e a aceitao das responsabilidades pelos actos pessoais. Tambm a culpa tem um cariz predominante social, ajudando o indivduo a procurar atingir os padres de comportamento estabelecidos numa relao ou sociedade. A activao desta emoo pode conduzir o indivduo a desenvolver esforos para reparar os seus erros ou desvios dos padres socialmente estabelecidos, a corrigir-se ou desculpar-se perante os outros. A acompanhar a culpa est normalmente a percepo do indivduo de que pode ter cometido um erro ou violado alguma regra importante. Por seu lado, a averso, uma outra emoo negativa, tende a estar na base do afastamento, remetendo o indivduo para longe de objectos ou pessoas potencialmente perigosas. Em termos relacionais e sociais pode contribuir para a manuteno da ordem social. Quando se pensa em emoes positivas, normalmente a alegria ou felicidade, destacam-se de imediato. Estas emoes tendem a favorecer uma maior abertura do

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indivduo s experincias que o rodeiam. Atravs das expresses de alegria as pessoas podem comunicar abertura no relacionamento com os outros e alimentar uma maior aproximao. A alegria, por norma, recompensa os esforos do indivduo e as suas conquistas, facilita a resoluo de problemas e a criatividade e tende a amortecer os efeitos do stress. Relativamente ao interesse, uma outra emoo positiva, a tendncia de aco que se destaca a explorao do ambiente fsico e social que rodeia o indivduo, necessria ao seu desenvolvimento. A activao de processos de ateno selectiva, que caracteriza o interesse, pode direccionar e facilitar a explorao do meio em que o sujeito se encontra ou direccion-lo para outros contextos. O orgulho pode ser considerado uma emoo social positiva que tem como principal objectivo ou funo a manuteno do respeito e valor prprio e que assenta numa avaliao positiva que o indivduo faz de si mesmo. Aquando da sua activao verificam-se tendncias para a elaborao de movimentos voltados para fora do indivduo e o reforo das aces desenvolvidas.

Foram descritas as emoes que tm sido mais estudadas. Podemos dividi-las em emoes negativas e positivas, podendo-se facilmente constatar que o rol das emoes positivas mais restrito do que o das emoes negativas. Na realidade, a investigao tem-se dedicado muito mais ao estudo das emoes negativas que das emoes positivas (Strongman, 1996), ainda que, recentemente, o estudo das emoes positivas tenha sofrido um novo impulso, muito na sequncia dos trabalhos desenvolvimento no campo da Psicologia Positiva (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). Formulaes recentes sobre as caractersticas e funes das emoes positivas tm salientado a inadequao da transposio da leitura utilizada para analisar as emoes negativas para as positivas. O trabalho de Fredrickson (Fredrickson, 2001, 2000; Fredrickson e col. 2000) nesta rea particularmente saliente e significativo. A investigadora defende que quando se fala de tendncias de aco aplicadas s emoes positivas fica-se com a sensao de estas tendncias serem muito mais vagas, difusas e inespecficas do que as das emoes negativas. Repare-se alis na descrio acima elaborada das caractersticas de umas e outras emoes. Fredrickson defende que as emoes positivas so distintas, ainda que complementares, das emoes negativas e que apresentam mesmo manifestaes psicofisiolgicas bastante diferentes,

caracterizando-se, por exemplo, pela falta de reactividade autonmica (Fredrickson e

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col. 2000) que define as emoes negativas ou por uma relao privilegiada com a resilincia-trao do indivduo, em detrimento das emoes negativas que no parecem ter uma relao directa (e.g. Tugade & Fredrickson, 2004). A autora tem vindo a desenvolver um modelo distinto de explicao da actuao das emoes positivas denominado expandir e construir (broaden-and-build, Fredrickson, 2000, 2001), onde inclui o estudo de emoes como a alegria, o interesse, o orgulho, o contentamento ou o amor. Esta teoria postula que as emoes positivas, ainda que tenham traos distintivos entre si parecem ter em comum a capacidade de expandir os repertrios momentneos pensamento-aco das pessoas e construir recursos duradouros, desde recursos fsicos a recursos sociais e psicolgicos (Fredrickson, 2001, p. 219). De modo geral, e ao contrrio das emoes negativas que tendem a restringir os comportamentos das pessoas, direccionando-as para actuaes muito especficas, as emoes positivas teriam a qualidade de alargar a abertura das pessoas s experincias que as rodeiam e a manifestar os seus efeitos a longo prazo, pelo desenvolvimento de competncias e recursos pessoais que fortalecem o indivduo e o preparam para mais eficazmente lidar com os desafios da adaptao. As competncias assim desenvolvidas teriam um carcter duradouro e persistente. Sabendo-se que no desenvolvimento a competncia precoce tende a gerar competncia posterior (Cicchetti & Cohen, 1995, p.6) e assumindo que as emoes positivas facilitam o envolvimento do indivduo em actividades que podem enriquecer os seus recursos pessoais, faz sentido assumirmos a posio da autora e aceitar os efeitos a longo prazo das emoes positivas. Alm disso, Fredrickson tem conseguido reunir dados preliminares de algumas investigaes que suportam o seu modelo e que demonstram que indivduos mais propensos a emoes positivas tendem a ser mais criativos, mais flexveis, resilientes e mais capazes de gerarem mltiplas formas de lidar com um problema e ainda de que as emoes positivas parecem conseguir anular os efeitos das emoes negativas, nomeadamente a nvel cardiovascular (Fredrickson, 2001, 2000; Fredrickson e col. 2000; Tugade & Fredrickson, 2004). Estudos anteriores, nomeadamente o trabalho de Alice Isen a partir dos anos 70, tinham j demonstrado o impacto das emoes positivas na organizao, flexibilidade cognitiva e num processo de tomada de deciso mais capaz (Isen, 2004). Mas a investigao sobre as emoes positivas escassa e est a dar os primeiros passos, pelos que os dados disponveis so ainda limitados.

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3. Emoes e regulao emocional

Falar de emoo e desenvolvimento emocional na criana conduz-nos, quase inevitavelmente, a falar de um conceito muito prximo, ou, segundo alguns, mesmo intrnseco prpria emoo (Hoeskma, Oosterlaan & Shipper, 2004) e largamente abordado na literatura destes ltimos anos: a regulao emocional. Se as emoes so activadas com consequncias no comportamento do indivduo, se so definidas por mudanas nos estados fisiolgicos e nas tendncias de aco, como que so reguladas, direccionadas e moldadas estas manifestaes, e quais as consequncias? Foi um pouco este o trajecto que a investigao percorreu e estas as questes a que procurou responder. Depois de terem comeado a perceber em que consistiam as emoes e quais as suas funes e componentes, os investigadores comearam a questionar-se acerca de como os indivduos geriam as suas emoes e os fenmenos subjacentes. O termo regulao emocional comea a ser utilizado por volta dos anos 80 (Gross, 1999) mas, novamente, se verificou uma grande confuso e excessiva abrangncia de aplicao do conceito, com muitos estudos a dispensarem uma definio clara e precisa do fenmeno que pretendiam estudar (Bridges, Denham & Ganiban, 2004; Cole, Martin & Dennis, 2004). Recentemente, tendo em vista uma maior preciso e clareza dos dados, os investigadores tm feito vrias tentativas de clarificar o conceito e de esclarecer os mecanismos implicados na regulao das emoes. Segundo Koop (1989), pode falar-se de regulao a vrios nveis. Os nveis mais bsicos incluiriam estratgias biologicamente programadas, tpicas da espcie humana. Num segundo nvel, a regulao emocional poderia ser conseguida pelo recurso a estratgias cognitivas bsicas e de aprendizagem essencialmente associativa, para num nvel de complexidade superior se poder falar da utilizao de estratgias de planeamento, orientadas para objectivos e largamente assentes na capacidade de utilizao da linguagem. Para Bridges, Denham e Ganiban (2004) o cerne da regulao emocional est na flexibilidade e capacidade de o indivduo se conseguir ajustar s circunstncias do momento pela modulao das suas emoes e envolve a iniciao ou manuteno de estados emocionais positivos tal como a diminuio dos negativos. Do mesmo modo, autores como Gross (1999) acentuam que a regulao emocional pode envolver a diminuio das emoes negativas em circunstncias em que determinada emoo deixa de ser til, quando activada desnecessariamente por estmulos enganosos ou quando surge conflito entre diferentes tendncias de aco

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despoletadas. Por outro lado, Gross afirma que a regulao emocional tambm til para a activao das emoes ou para aumentar a sua intensidade quando necessrio impulsionar algum comportamento, visto que a emoo funciona como fora activadora da aco, ou ainda quando necessrio substituir experincias emocionais que se revelam desajustadas. De qualquer forma, a regulao emocional parece implicar mudana seja na componente experiencial, comportamental ou nas manifestaes fisiolgicas das emoes. A noo de mudana perpassa vrias definies de regulao emocional. Cole, Martin e Dennis (2004) consideram que est associada a mudanas na natureza da emoo, na sua intensidade e na durao e afirmam poder falar-se de dois tipos de regulao: aquela em que a prpria emoo que est a ser alvo de mudana e aquela em que a emoo parece regular outros processos (cognitivos, comportamentais, relacionais) defendendo que, nesta ltima situao, a emoo no deixa de estar a ser tambm regulada. Relativamente regulao pela emoo, os autores, semelhana de Garber e Dodge (1991), falam de processos de regulao intradomnio (aspectos das emoes que afectam outras componentes das emoes) e interdomnio (quando as respostas emocionais influenciam outros sistemas, como as respostas ou relaes sociais regulando-as). Tambm na regulao da emoo esta distino aplicada, referindo-se ora a mudanas que ocorrem dentro do indivduo ora a mudanas que ocorrem entre indivduos e que contribuem para a regulao das emoes a nvel individual. Para outros autores bem claro que a distino entre emoo e regulao emocional apenas terica e deve ser elaborada somente com o objectivo de facilitar os procedimentos de investigao. Campos, Frankel e Camras (2004) afirmam que emoo e regulao emocional andam de mos dadas e contrariam a posio frequente de perceber a regulao emocional como fenmeno que se segue activao emocional, defendendo, pelo contrrio, que a regulao pode ser concomitante activao emocional ou mesmo preced-la, por exemplo, pelo evitamento ou procura de situaes potencialmente activadoras de emoes, fenmeno designado de nichepicking (Ib. p. 381). A regulao emocional , assim, distinta do controlo das emoes, na medida em que o controlo implica restrio ou inibio e a regulao definida pela modulao (Southam-Gerow & Kendall, 2002; Saarni, Mumme & Campos, 1998). Garber, Braafladt e Zeman (1991) descrevem, numa ptica cognitivista e baseados nas teorias de processamento da informao, uma srie de competncias implicadas num processo de regulao emocional eficaz, nomeadamente o

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reconhecimento da activao de uma emoo e da necessidade de a regular, uma interpretao do que pode ter provocado a activao emocional e a criao de vrias respostas possveis, seguida de uma avaliao da possvel eficcia dessas respostas e por fim da implementao da resposta escolhida, ou tomada de deciso. Neste processo, a regulao pode envolver a utilizao da cognio e o recurso a diversas estratgias centradas no indivduo ou nas relaes e nos outros (Garber, Braafladt & Weiss, 1995). Para Thomson (1994), a regulao das emoes pode ser conseguida de diferentes formas, entre elas a gesto de respostas e comportamentos, a induo de alteraes neurofisiolgicas, a alterao e controlo dos processos atencionais e atribuies cognitivas ou pelo acesso a diferentes recursos de coping. Saarni, Mumme e Campos (1998), salientam o papel das circunstncias contextuais e relacionais e o seu papel regulador das emoes reforando, no s a funo da regulao como condio para um adequado funcionamento social, como o potencial regulador das relaes. Para alm dos contributos da ateno e do temperamento, sublinham ainda a necessidade de se terem em conta as diferentes componentes das emoes (fisiolgica, expressiva, e experincia subjectiva) e enquadram-nas nas dimenses a regular. Recentemente, Eisenberg e Spinrad (2004), numa tentativa de contriburem para a clarificao do conceito de regulao emocional defenderam, tal como outros, a necessidade de se distinguir entre emoo reguladora e emoo regulada. No entanto, afirmam que a noo de regulao emocional deve ser reservada regulao das emoes e no regulao de outros sistemas pelas emoes. Da mesma forma, alegam ser clarificador separar a auto-regulao iniciada pela criana de tentativas de regulao iniciadas externamente criana, por exemplo por um adulto. Uma terceira distino pertinente respeita ao carcter intencional versus o carcter no voluntrio das tentativas de regulao das emoes. Os autores defendem fazer mais sentido falar de regulao emocional enquanto processo intencional e consciente. Parece-nos particularmente elucidativa e completa a definio, que nos guiar doravante, de auto-regulao relacionada com emoes, avanada por estes autores, pelo que terminamos esta breve introduo ao tema com a definio oferecida e que operacionaliza a regulao emocional como o processo de iniciar, evitar, inibir, manter ou modular a ocorrncia, forma, intensidade ou durao de estados de sentimentos internos, fisiolgicos, relacionados com emoes, processos atencionais e/ou concomitantes comportamentais das emoes ao servio de uma adaptao social

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ou biolgica relacionada com o afecto ou atingir objectivos individuais (Eisenberg & Spinrad, 2004, p. 338).

4.Temperamento e emoes

Uma discusso sobre emoes e regulao emocional estaria incompleta se no se abordasse o contributo do temperamento na forma como condiciona ou molda a experincia emocional, a reaco aos estmulos desencadeadores de emoes e a regulao das diferentes componentes das emoes. Os fundamentos mais constitucionais da criana funcionam como uma espcie de alicerces, a partir dos quais a experincia vai sendo construda e o indivduo se vai desenvolvendo, oferecendo tonalidades de base diferentes nas quais as experincias emocionais se diluem. Se esses alicerces podem sofrer remodelaes ao longo da vida, moldam em grande parte a forma das construes que se seguem. As bases constitucionais do indivduo so, pelo menos em parte, responsveis pela natureza das experincias emocionais do indivduo, pela velocidade ou intensidade com que uma emoo activada, pela apresentao da sua expresso fsica e pela capacidade do indivduo em regular eficazmente as suas emoes, pontuando, deste modo, diferenas entre indivduos na tonalidade afectiva e na qualidade e operacionalizao da gesto das emoes, com tradues comportamentais distintas. O temperamento pode ser deste modo entendido como diferenas individuais de base constitucional na reactividade emocional, motora e atencional e autoregulao (Rothbart & Bates, 1998, p. 109). A reactividade do indivduo, includa na definio de temperamento, prende-se com os limiares de activao das emoes e com a natureza e intensidade das respostas, bem como os tempos de recuperao que se lhes seguem (Rothbart, Ahadi & Hershey, 1994). A incluso da reactividade na definio de temperamento, por parte de Rothbart e colaboradores, tem subjacente uma definio abrangente que inclui quer questes muito especficas como a reactividade cardaca, quer componentes mais gerais como a emocionalidade negativa (Rothbart & Putnam, 2002). Falando de emocionalidade, esta componente da personalidade do indivduo parece ter que ver com diferenas de base nos sistemas neuronais que so responsveis pelas emoes negativas e positivas (Derryberry & Rothbart, 2001). Por outro lado, por auto-regulao entende-se os processos relacionados com a regulao da reactividade do indivduo, nomeadamente a

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regulao da ateno e dos comportamentos de aproximao ou afastamento, implicando ainda o controlo inibitrio do comportamento e a capacidade do indivduo se auto-confortar ou acalmar (Derryberry & Rothbart, 2001). Daqui se percebe o papel central do temperamento no estudo das emoes, do desenvolvimento emocional e das diferenas individuais registadas em termos de emocionalidade e regulao emocional. As caractersticas temperamentais da criana so influenciadas por uma enormidade de factores, desde os genticos, que lhe conferem o seu carcter constitucional (Rothbart & Bates, 1998), aos factores de maturao do sistema nervoso central, desenvolvimentais e de aprendizagem. Embora exista uma tendncia para as caractersticas temperamentais serem relativamente estveis ao longo do tempo, de tal modo que diferenas precoces no temperamento podem reflectir-se em diferenas futuras, em termos de desenvolvimento emocional e da personalidade (Derryberry & Rothbart, 2001), h desenvolvimento ao longo do tempo (Rothbart & Putnam, 2002). Sucessivas investigaes nestes ltimos anos procuraram mapear a estrutura do temperamento desde a infncia idade adulta, descortinando uma srie de dimenses fundamentais. O temperamento aparece nestes estudos como estando relacionado com comportamentos de retirada e adaptao mudana, com a irritabilidade do sujeito e os nveis de raiva e frustrao experienciados, bem como com a emocionalidade positiva, os nveis de actividade ou ainda de ateno e persistncia (Rothbart & Bates, 1998). A construo e os estudos desenvolvidos volta do Children Behaviour Questionnaire (CBQ, Rothbart e col., 2001), destinado a estudar variveis de temperamento em crianas entre os 3 e o 7 anos, vieram ajudar a definir uma estrutura do temperamento infantil de crianas em idade pr-escolar e nos primeiros anos de escolaridade, repetidamente validada em estudos independentes, ao mesmo tempo que as investigaes do campo das neurocincias foram apresentando o suporte neurobiolgico das variveis e factores encontrados na investigao mais psicolgica. O CBQ d conta de trs grandes factores de temperamento nas crianas entre os 3 e os 7 anos. Um primeiro factor, que os autores denominam de

impulsividade/extroverso, est muito relacionado com a afectividade positiva e os sistemas de abordagem/aproximao descritos por Gray, enquanto que um segundo factor aparece como mais relacionado com a emocionalidade negativa e um terceiro, de grande importncia, a que os autores chamaram controlo por esforo (Rothbart, Ahadi & Hershey, 1994; Rothbart & Bates, 1998; Derryberry & Rothbart, 2001, Rothbart e col. 2001), com a auto-regulao.

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O primeiro factor, Impulsividade/Extroverso, contm prioritariamente as escalas de abordagem/aproximao, prazer de elevada intensidade, e a contribuio negativa da timidez. Este factor tem ainda relao com a antecipao positiva e riso/sorriso, ou emoes como felicidade (Rothbart e col., 2001) e tende a apresentar alguma estabilidade durante os anos escolares, embora tambm se registem casos de dissociao (Derryberry & Rothbart, 2001). Esta dimenso est muito relacionada com comportamentos de aproximao e abordagem, ou a quantidade de antecipao positiva e excitao relacionada com a expectativa de actividades agradveis (Rothbart, Ahadi & Hershey, 1994, Rothbart, 1996), ainda que a aproximao/abordagem tambm contribua para a emocionalidade negativa e principalmente para a agressividade (Derryberry & Rothbart, 2001). Deste factor fazem ainda parte comportamentos abrangidos na escala riso/sorriso, definida como a quantidade de afecto positivo expresso, como resposta intensidade, taxa, complexidade e incongruncia dos estmulos (Rothbart, 1996). A investigao tem vindo a demonstrar uma associao entre a actividade neuronal do hemisfrio esquerdo em particular do crtex pr-frontal esquerdo e a afectividade positiva e comportamentos de abordagem/aproximao (Derryberry & Rothbart, 2001; Davidson, Jackson & Kalin, 2000). Por seu lado, o factor de Emocionalidade Negativa compreende as escalas de desconforto, medo, raiva/frustrao, tristeza e de forma negativa a capacidade de se acalmar (Derryberry & Rothbart, 2001). uma dimenso muito relacionada com o sistema comportamento de luta ou fuga definido por Gray e que tende a responder a estmulos condicionados que produzem respostas de ansiedade (Derryberry & Rothbart, 2001). A dimenso do medo parece ser particularmente estvel durante os primeiros anos escolares e da adolescncia assumindo funes inibitrias importantes. no crtex pr-frontal direito que se parecem encontrar prioritariamente os circuitos cerebrais associados com comportamentos de retirada e com as emoes negativas (Davidson, Jackson & Kalin, 2000). Uma terceira dimenso chamada de Controlo por Esforo, por contraposio com os processos mais automticos relacionados com a reactividade relacionada com o medo e no voluntrios (Derryberry & Rothbart, 2001), definida pelo controlo inibitrio, focagem da ateno, prazer de baixa intensidade e sensibilidade perceptual (Rothbart e col. 2001). O controlo por esforo pode implicar a capacidade de adiar ou abrandar a actividade motora, suspender ou iniciar uma actividade, direccionar a ateno voluntariamente, ou mesmo ser capaz de baixar o tom de voz (Kochanska, Murray & Harlan, 2000).

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So estes processos regulatrios, para os quais os mecanismos de regulao da ateno contribuem significativamente, que permitem ao indivduo modular e regular a sua reactividade (Rothbart & Bates, 1998). A capacidade de controlo por esforo est largamente dependente do desenvolvimento dos sistemas cerebrais executivos como o sistema atencional anterior, e em particular, a regio anterior cingulada do lbulo frontal que permite controlar o sistema posterior de cariz mais reactivo e as tendncias de aproximao/abordagem, ou ainda de forma mais indirecta a agressividade (Derryberry & Rothbart, 2001; Hoeskma, Oosterlaan & Schipper, 2004). As medidas de tom vagal tm permitido avaliar o funcionamento dos sistemas reactivos e as capacidades autoregulatrias, associadas ao sistema nervoso parassimptico. (Hoeskma, Oosterlaan & Schipper, 2004). O controlo por esforo, em particular da ateno, porque permite mudanas rpidas nas actividades que envolvem reas cerebrais especficas, tem sido apontado como um dos mecanismos responsveis pela plasticidade cerebral (Posner & Rothbart, 2000). Pelo exposto pode-se verificar que a propenso da criana para experienciar determinado tipo de emoo e a capacidade para a regular eficazmente tm um fundo fortemente disposicional que deve ser levado em considerao quando se estudam as emoes nas crianas.

5. Marcos do desenvolvimento emocional: desenvolvimento da competncia emocional e papel das emoes no desenvolvimento.

Aps uma reviso dos conceitos base de emoo e regulao emocional e do contributo das variveis temperamentais, no seu estudo, cabe-nos indagar acerca das tarefas-chave do desenvolvimento emocional normativo e perceber o processo de desenvolvimento emocional ao longo da vida, e em particular, nas crianas em idade escolar. Novamente nos deparamos com modelos que atribuem uma nfase maior a uma ou outra dimenso do desenvolvimento emocional e variam na relao que estabelecem por exemplo entre emoo e cognio. Alguns autores tm sublinhado a centralidade do desenvolvimento emocional no desenvolvimento e organizao do self (e.g. Guidano, 1991) e chamado a ateno para o contributo que esta rea especfica do desenvolvimento oferece na compreenso de outras dimenses do desenvolvimento humano (Sroufe, 1995).

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Campos, Frankel e Camras (2004) defenderam uma abordagem epigentica no desenvolvimento da emoo e da regulao emocional, afirmando que as conquistas desenvolvimentais de uma fase particular da vida do indivduo vo facilitar ou dificultar as prximas. Para os autores, o desenvolvimento emocional influenciado pelas mudanas que ocorrem noutras reas, como a motora ou lingustica e cognitiva, ao mesmo tempo que se constitui fonte de influncia, por exemplo, para o desenvolvimento social e a construo de relaes. Outros autores acrescentam que aquilo que est em causa no desenvolvimento emocional uma maior capacidade de envolvimento e intimidade com os outros, pois o aperfeioamento da capacidade de comunicao de estados emocionais vai contribuindo, significativamente, para a construo de intimidade e porque ao longo do desenvolvimento o indivduo vai sendo aculturado em formas socialmente desejadas de se comportar em relao s emoes (Dunn & Brown, 1994). Tambm as variveis temperamentais parecem desenvolver-se ao longo da vida, sendo possvel registar alteraes na reactividade e na regulao emocional do indivduo, ainda que as maiores transformaes e os principais marcadores de mudana paream verificar-se em idades mais precoces (Rothbart, 1994). Izard e Malatesta (Izard e col., 2002; Ackerman & Izard, 2004, Malatesta, 1990), reforam igualmente os contributos indispensveis do desenvolvimento neurolgico para o desenvolvimento emocional e afirmam, uma vez que defendem a existncia de emoes pr-programadas, independentes das cognies, que aquilo que se desenvolve so, acima de tudo, as interligaes entre o sistema emocional e outros sistemas desenvolvimentais, como o cognitivo, para alm de alteraes no s no tipo de acontecimentos capazes de desencadear emoes, como na expresso das mesmas emoes, ou no desenvolvimento do conhecimento emocional, uma componente que pode beneficiar do desenvolvimento cognitivo e da linguagem. Greenberg e colaboradores (Greenberg, Kusche & Speltz, 1991), por seu lado, prope um modelo ABCD (affective-behavioral-cognitive-dynamic) que, apesar de no ser assumido como uma teoria do desenvolvimento emocional, procura fazer uma leitura de integrao desenvolvimental dinmica das emoes, das manifestaes comportamentais, capacidades lingusticas e comunicacionais para alm da

compreenso cognitiva, na compreenso do desenvolvimento da competncia social e da patologia. Neste modelo, pressupe-se uma ligao prxima entre as crescentes competncias emocionais da criana e o desenvolvimento lingustico e cognitivo que, segundo os seus proponentes, facilita a capacidade de coping das crianas, a gesto que

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faz das emoes, o conhecimento emocional, no sentido em que expande as propriedades comunicacionais das emoes e oferece criana uma maior diversidade de meios e recursos para se poder relacionar eficazmente com os outros, partilhando das experincias dos seus interlocutores e dando a conhecer aos outros o seu mundo interno. Na verdade, alguns dados da investigao sustentam a hiptese de uma relao estreita entre o desenvolvimento lingustico e emocional. Bohnert, Crnic e Lim (2003) constataram, numa amostra com crianas do quarto ano de escolaridade, que nveis maiores de fluncia verbal estavam significativamente associados com uma melhor compreenso emocional e um vocabulrio emocional mais rico. Alguns modelos do desenvolvimento emocional falam da competncia emocional, uma noo que consideramos particularmente interessante. Parece-nos de sublinhar este conceito que, pelo seu carcter integrador, permite no s estabelecer um ponto de encontro entre os diferentes modelos tericos, como abarcar as principais componentes das emoes. Definido por Gross como a capacidade de saber como usar as emoes para uma vantagem plena (Gross, 1998, p. 287) ou por Saarni como referindo-se ao facto de emergimos de um encontro despoletador de emoes com a sensao de termos conseguido o que nos tnhamos proposto fazer (Saarni, p. 3) parece estar relacionada com a evoluo de todas as componentes das emoes, revestindo-se de um carcter relacional que julgamos ser particularmente til, e que nos ir auxiliar na discusso que se seguir, em pontos e captulos posteriores sobre a relao entre emoes, prticas de socializao, psicopatologia e competncia social. Os contributos e implicaes da competncia emocional para o ajustamento psicolgico e social podem ser facilmente compreendidas se pensarmos que est, como Saarni (Ib.) props, intimamente relacionada com a resilincia da criana e a sua percepo de autoeficcia. Procuraremos, de seguida, dar conta dos principais marcos do desenvolvimento emocional at ao incio da adolescncia, ensaiando uma sntese possvel entre os contributos de diferentes perspectivas e investigaes e aprofundando com maior cuidado o perodo dos 6 aos 12 anos.

5.1 Desenvolvimento emocional dos 0 aos 12 meses

possvel detectar-se manifestaes de emoes positivas e negativas e diferenas individuais muito precocemente. O sorriso, por exemplo, aparece poucas

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horas aps o parto. s cinco semanas so j detectveis vocalizaes semelhantes ao riso e aos dois meses so visveis manifestaes de raiva e frustrao no beb (Rothbart, 1994). A confirmar a precocidade do aparecimento das expresses de algumas emoes bsicas, e o possvel carcter inato das emoes bsicas, Abe e Izard (1999) relatam que mais de 95% das expresses faciais apresentadas pelo beb parecem ser de alegria, tristeza e raiva. Os primeiros comportamentos de evitamento, por seu lado, comeam a emergir entre os 4 e os 6 meses e a partir desta altura possvel observar-se comportamentos de aproximao/abordagem relativamente estveis at aos 13 meses (Rothbart, 1994). Tambm a frustrao e o medo parecem revestir-se de alguma estabilidade no primeiro ano de vida. Rothbart (1994) afirma ser possvel detectar por volta dos 4 meses a emergncia da capacidade do beb deslocar a sua ateno de estmulos aversivos, uma competncia embrionria do desenvolvimento posterior do controlo por esforo. pelo final do primeiro ano de vida que se comea a desenvolver o sistema atencional anterior que vai ser largamente responsvel pelo desenvolvimento da capacidade de autoregulao voluntria, ou por esforo (Derryberry & Rothbart, 2001). Na realidade, uma das principais tarefas nestas idades prende-se com o incio da modulao das experincias emocionais (Izard e col., 2002). neste perodo que a criana, atravs da exposio s expresses emocionais dos outros, comea a apreender as relaes existentes entre emoes e comportamento e a ser capaz de se envolver em interaces didicas sincronizadas (Izard e col., 2002). A maior coordenao nas interaces com os adultos prestadores de cuidados contribui para o desenvolvimento da capacidade do beb de se auto-regular e acalmar (Abe & Izard, 1999; Saarni, 1999). Ao mesmo tempo, a emergncia de emoes positivas vai contribuindo fortemente para um saudvel desenvolvimento fsico e mental da criana. medida que as semanas e os meses vo passando, vai emergindo uma maior acuidade na discriminao e reconhecimento de expresses faciais que, juntamente com uma maior preciso nos comportamentos expressivos, cada vez mais bem emparelhados com circunstncias especficas, facilita a comunicao pais-filhos e aproxima-os (Saarni, 1999), o que sustenta a tese defendida por Dunn e Brown (1994) de que o desenvolvimento da intimidade acompanha o desenvolvimento emocional. Componentes de expresses como o sorriso, ou a manifestao de emoes de interesse, tristeza ou raiva alimentam uma das tarefas desenvolvimentais gerais destas idades: a construo de relaes de vinculao (Abe & Izard, 1999).

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Tambm o jogo comea a fazer parte das relaes afectivas mais prximas e nele comea a ser visvel uma capacidade crescente, por parte da criana, de manipular as suas expresses emocionais com o objectivo de regular o comportamento dos adultos, por exemplo, quando finge comear a chorar (Saarni, 1999).

5.2 Desenvolvimento emocional dos 2 aos 5 anos

Aos dois anos, aproximadamente, h um grande aumento da capacidade da criana para nomear emoes. Se aos dois anos a criana parece ser j capaz de usar rtulos emocionais, aos trs comea a falar das experincias emocionais dos outros e aos quatro capaz de perceber que as reaces emocionais podem variar de pessoa para pessoa (Abe & Izard, 1999). O conhecimento emocional fortemente acelerado neste perodo, comeando a estabelecer-se ligaes entre o sistema emocional e cognitivo que facilitam a compreenso dos outros, o estabelecimento de relaes sociais empticas e a internalizao de normas sociais pela observao das expresses faciais das figuras de socializao (Izard e col. 2002). Por volta dos 3 anos a criana tem j conhecimento de todas as emoes bsicas (Ackerman & Izard, 2004; Oatley & Jenkins, 1996) e nesta altura que tendem a aumentar os comportamentos de raiva e de oposio. Enquanto que, para alguns autores, estas emoes facilitam o desenvolvimento de uma maior autonomia e da conscincia de um self autnomo (Abe & Izard, 1999; Dunn & Brown, 1994), para outros, a emergncia de um sentido de self contribui para o aparecimento de expresses emocionais fortes e para o aparecimento das chamadas emoes sociais, como a culpa ou a vergonha (Saarni, 1999). Por esta altura, aproximadamente metade das conversas entre mes e filhos so sobre as causas das emoes e sentimentos (Dunn, Brown e Beardsall, 1991). Um estudo exploratrio longitudinal (Lagattuta & Wellman, 2002) com uma pequena amostra de pais e crianas, entre os 2 aos 5 anos, constatou que o vocabulrio emocional de pais e filhos parecia ser mais rico para emoes negativas do que para emoes positivas, e que pais e filhos tendiam a conversar mais sobre as causas das emoes negativas do que das emoes positivas. De qualquer forma, entre os dois e os cinco anos aumentavam significativamente as conversas entre pais e filhos com contedo emocional. A partir dos dois anos e meio as crianas comeam tambm a ser capazes de simular a sua expresso emocional e a perceber que os outros podem fazer o mesmo, o

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que contribui significativamente para o seu entendimento das relaes sociais (Saarni, 1999), para uma gesto mais eficaz das interaces interpessoais e para a emergncia da capacidade de empatizar com os outros (Ib.) A emergncia das emoes sociais por volta do segundo e terceiro ano de vida (Dunn & Brown, 1994) tende a facilitar a adopo de comportamentos pr-sociais e um melhor ajustamento das aces da criana em concordncia com o que o seu meio social espera dela (Abe & Izard, 1999). No entanto, estas emoes ainda no esto bem interiorizadas e dependem da presena de um adulto ou de outra pessoa por perto para se manifestarem. Segundo a teoria das emoes diferenciais (Ib.) medida que as emoes sociais, com cariz auto-avaliativo, se vo repetindo, a criana vai sendo capaz de estabelecer ligaes mais apuradas entre sentimentos, comportamentos e consequncias das suas aces. As outras emoes bsicas continuam a ser fundamentais e, por exemplo, a alegria tende a promover comportamentos de jogo e a interaco com os pares e a tristeza a aproximao social e suporte emocional. Com o tempo regista-se um progressivo aumento das capacidades de autoregulao da criana, com alguns estudos a apontarem para uma grande acelerao neste processo entre os 18 e 49 meses de idade (Rothbart & Bates, 1998).

5.3 Desenvolvimento emocional dos 6 aos 12 anos

Sabe-se que o temperamento caracterizado por alguma estabilidade durante este perodo e por uma relativa continuidade das caractersticas anteriores, havendo, no entanto, refinamento do sistema atencional anterior e consequentemente da capacidade de auto-regulao da criana (Derryberry & Rothbart, 2001). A entrada na escola assinala um perodo de grandes mudanas. Os padres de comunicao recproca, e em particular uma comunicao aberta com os pais, so de grande importncia para o desenvolvimento da auto-regulao da criana, da avaliao que faz de si mesma e do desenvolvimento de competncias sociais (Cummings, Davies & Campbell, 2000). As grandes tarefas com que as crianas destas idades se defrontam passam pelo desenvolvimento de um sentido de auto-eficcia e de confiana em si mesma, pelo desenvolvimento de relaes de amizade e pela adaptao ao meio escolar (Cummings, Davies & Campbell, 2000). A capacidade de resolver problemas aumenta como consequncia do desenvolvimento dos recursos cognitivos, o que obriga os adultos a alterarem os seus

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padres de comunicao com a criana e adaptarem-se sua crescente autonomia e capacidade de raciocnio mais elaborado (Collins, Harris & Susman, 1995). Estas competncias vo ser essenciais para uma melhor compreenso das regras do mundo social e das interaces com agentes sociais mais diversificados. As crianas passam agora, em geral, mais tempo longe dos pais e participam mais activamente noutros sistemas sociais onde, no s se espera que sejam capazes de manter um relacionamento adequado e pr-social com os pares, como de apresentar resultados em termos de aprendizagem e desempenho acadmico. Por tudo isto, os desafios tambm aumentam bem como a exposio crtica social e fontes de perturbao. imperativo que as crianas desenvolvam estratgias mais diversificadas e eficazes para lidarem com o stress e que desenvolvam competncias para dar conta do aumento de situaes de risco a que esto expostas (Collins, Harris & Susman, 1995). Espera-se que os pais consigam auxiliar a criana a integrar estes novos acontecimentos e a expandir o seu repertrio de estratgias de auto-regulao. Esta tarefa dificultada por um lado, pelo facto de as crianas nestas idades exprimirem menos abertamente as suas emoes, exigirem mais dos pais e se desiludirem mais facilmente com a sua incapacidade de dar resposta a todas as suas necessidades e preocupaes, enquanto que, por outro lado, os pais esto agora tambm um pouco mais afastados e distantes da criana (Collins, Harris & Susman, 1995). Este um perodo-chave para o desenvolvimento do auto-conceito e da percepo de competncia social, muito alimentada pela comparao com os outros. A emergncia de emoes sociais facilita este processo de comparao social e as experincias afectivas contribuem significativamente para a criao de uma imagem de si mesmo (Abe & Izard, 1999). Dadas as novas exigncias sociais, o desenvolvimento da empatia e de comportamentos de cooperao torna-se imperativo. Emoes do foro da internalizao, quando moderadas, podem contribuir para o desenvolvimento da empatia. hoje sabido o papel de emoes como o medo, culpa ou vergonha e da capacidade de controlo por esforo na diminuio da agressividade da criana e no desenvolvimento de comportamentos empticos (e.g. Rothbart, Ahadi & Hershey, 1994; Kochanska e col. 2002; Miller & Janserop de Haar, 1997). Alm do mais, a emergncia de emoes em contexto de relacionamento com os pares e a discusso e comunicao sobre essas emoes podem contribuir largamente para o desenvolvimento da capacidade de tomada de perspectiva social (Abe & Izard, 1999). As mesmas interaces sociais podem despoletar e ser ao mesmo tempo motivadas pela activao de emoes como a alegria ou o interesse.

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exigido s crianas que aprendam a lidar mais eficaz e independentemente com as suas experincias emocionais negativas. Ao contrrio do perodo anterior, as crianas comeam agora a sentir emoes auto-avaliativas ou sociais mesmo na ausncia de uma audincia (Izard e col. 2002), mas a avaliao que fazem dos estmulos pode variar conforme as idades. Por exemplo, a experincia de culpa pode ser desencadeada de forma distinta nas crianas abaixo ou acima dos oito anos. Enquanto que as crianas com oito anos so capazes de sentir culpa, mesmo quando no tm responsabilidade ou poder de controlo sobre os acontecimentos, as crianas mais velhas avaliam a noo de controlabilidade ou incontrolabilidade dos acontecimentos e por isso podem no se sentir culpadas nas mesmas circunstncias que as crianas mais novas (Saarni, 1999). Espera-se que neste perodo desenvolvimental as crianas sejam cada vez mais capazes de controlar e regular a expresso das suas emoes em funo do tipo de interlocutor social. Zeman e Garber (1996), num estudo com crianas entre o 1 e o 5 de escolaridade, relatam que as crianas mais velhas no s tendem a exprimir menos raiva e tristeza, como a controlam mais na presena dos seus pares por esperarem consequncias interpessoais negativas pela expresso livre e aberta das suas emoes. Alm do mais, nestas idades, as expectativas das crianas relativamente ao apoio por parte dos adultos para a gesto de emoes do foro da raiva so baixas (Zeman & Shipman, 1996). Entre os cinco e os sete anos as crianas progridem no sentido de controlar as suas interaces sociais e ir ao encontro dos guies culturais (Saarni, 1997, p. 57) para a expresso emocional, que vo interiorizando, e a serem capazes de adoptar aquilo a que Saarni chamou de cool emotional front (Saarni, 1999, p. 19). As crianas em idade escolar parecem ter internalizado aquilo que a cultura local das emoes e como devem, ou no, expressar ou lidar com as suas emoes de uma forma adaptativa (Saarni, 1997). No entanto, dependem ainda muito do apoio dos agentes de socializao para a regulao das suas emoes e s a partir dos 7 anos que comeam a ser mais independentes. Em situaes de algum controlo percebido as crianas comeam a utilizar estratgias de resoluo de problemas para lidarem com as emoes, mas recorrem ainda ao evitamento e afastamento quando sentem pouco controlo sobre a situao (Saarni, 1999). No perodo escolar, a maioria das crianas capaz de assinalar as estratgias de coping de recurso agressividade como as piores (Saarni, 1997). Num estudo em que se avaliavam as estratgias que as crianas usavam perante uma situao de fracasso na mestria de um jogo, Garber, Braafladt e Weiss (1995)

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verificaram que as crianas at ao 3 ano de escolaridade tendiam a recorrer mais a estratgias de evitamento do que crianas entre o 4 e o 6 ano de escolaridade. Por seu lado, estas recorriam mais a um pedido de auxlio do que as crianas entre o 7 e 8 ano. No perodo do primeiro ciclo do ensino bsico, a regulao da raiva tende a ser percebida pelas crianas como mais difcil do que, por exemplo, a regulao da tristeza (Zeman & Shipman, 1996). medida que os anos vo avanando de encontro ao perodo da adolescncia h um refinamento das competncias emocionais desenvolvidas.

6. Desenvolvimento emocional e psicopatologia da criana

Se as emoes e os sistemas com elas relacionados tm um contributo nico no ajustamento psicolgico e social humano, parecem contribuir tambm para o seu desajustamento. Vrios autores tm estudado e escrito sobre a relao entre emoes e psicopatologia (e.g. Flack Jr. & Laird, 1998) assumindo, pelo menos, alguma funo mediadora das emoes no desenvolvimento de perturbaes psicolgicas (Brown, 2004). Casey e Schlosser (1994) avanaram com vrias possibilidades para a ligao que parece existir entre psicopatologia e emoes, levantando trs grandes hipteses. Por um lado, afirmam que se coloca a possibilidade de as perturbaes psicolgicas poderem, de algum modo, contribuir para certos dfices no desenvolvimento emocional. Por outro, consideram que possvel que dfices no desenvolvimento emocional contribuam para o desenvolvimento das perturbaes, no se excluindo ainda uma terceira possibilidade de, quer os problemas no desenvolvimento da competncia emocional, quer a psicopatologia, serem influenciados por factores comuns. Os dados da investigao nesta rea so ainda escassos e na sua maioria de natureza correlacional, no sendo fcil afirmar-se, com segurana, ligaes e direces de causalidade especficas entre desenvolvimento emocional e desenvolvimento psicopatolgico. Ainda assim a investigao tem avanado e as dificuldades na regulao das emoes tm sido associadas, por exemplo, a problemas de externalizao (Greenberg, Kusche & Speltz, 1991) e alguns autores chegam mesmo a defini-los como perturbaes dos afectos e emoes (Cole & Zhan-Waxler, 1992).

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Centrar-nos-emos, principalmente, na relao entre emoes e sintomatologia internalizadora e externalizadora e variveis com elas relacionadas. consensual que as perturbaes de externalizao incluem sintomatologia agressiva, desregulao comportamental, hiperactividade, desafio e comportamentos anti-sociais (Cicchetti & Toth, 1991; Lopes, 2000) e que as perturbaes de internalizao incluem ansiedade, depresso e perturbaes somticas (Cicchetti & Toth, 1991), com um grande peso das emoes (Jenkins & Oatley, 2000) como o medo ou a tristeza na sua apresentao. So tambm bem conhecidos os custos da psicopatotologia para o indivduo e para a sociedade em geral e a preocupante estabilidade das perturbaes de externalizao (Cole, Teti & Zhahn-Waxler, 2003), um motivo de peso para a rejeio por parte dos pares, que por sua vez pode contribuir para a manuteno dos sintomas. Do mesmo modo, as vulnerabilidades que a sintomatologia depressiva pode criar no desenvolvimento da criana e dos jovens, aumentam o risco de desajustamento futuro (Marujo, 2000). Daqui advm a necessidade de se investigarem os processos emocionais que podem contribuir para o aparecimento ou manuteno destas problemticas. Kring e Bachorowsi (1999) defendem que as emoes desempenham nos indivduos com patologia as mesmas funes que nos indivduos ditos normais, mas que o problema nos primeiros residiria nalgum tipo de comprometimento em determinadas componentes do desenvolvimento emocional, seja na activao, experincia e intensidade ou em modos de expresso e regulao das emoes. Jenkins e Oatley (2000), por seu turno, afirmam que a relao entre psicopatologia e emoes melhor percebida se pensarmos num contnuo de experincias emocionais. Num dos plos do contnuo encontraramos experincias emocionais de curto-prazo ou emoes que so experienciadas e expressas por curtos perodo de tempo. No plo oposto encontraramos a psicopatologia e perturbaes de personalidade que envolveriam experincias e componentes das emoes mais duradouras, que perdurariam por perodos alargados de tempo, embebidas nas formas habituais de funcionamento do indivduo e que incluiriam combinaes complexas de emoes bsicas (Jenkins & Oatley, 2000, p. 463). Os autores defendem a possibilidade de as crianas com sintomatologia poderem apresentar dfices ou enviesamentos no processamento e na avaliao dos estmulos desencadeadores de emoes, uma menor compreenso e conhecimento acerca das suas emoes, ou mesmo problemas na avaliao das consequncias de uma determinada forma de expresso emocional (Oatley & Jenkins, 1996). Oatley e Jenkins (1996) referem, a ttulo de

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exemplo, que as crianas com sintomatologia externalizadora mostram no s uma compreenso menor das suas emoes como tendem a avaliar