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MSP

MESTRADO EM SADE PBLICA

UNIVERSIDADE DO PORTO FACULDADE DE MEDICINA INSTITUTO DE CINCIAS BIOMDICAS ABEL SALAZAR

2009

M Joo Silva Leite Carvalho Pedroso Exposio Ocupacional em Piscinas Cobertas do tipo I e II Porto, 2009

MARIA JOO SILVA LEITE CARVALHO PEDROSO

EXPOSIO OCUPACIONAL EM PISCINAS COBERTAS DO TIPO I E DO TIPO II

Dissertao de candidatura ao grau de Mestre em Sade Pblica, submetida Universidade do Porto.

Orientador Doutora Paula Lima Castro Categoria Professora auxiliar Afiliao Escola Superior de Biotecnologia do Porto Co-orientador Dr. Jos Manuel Rocha Nogueira Categoria Mestre em Sade Pblica Afiliao Departamento de Sade Pblica da ARS Norte, I.P.

Resumo A procura das piscinas para actividades desportivas, recreativas e ou teraputicas tem sofrido um aumento gradual nos ltimos tempos, admitindo-se que a sua utilizao, enquanto actividade fsica regular, constitui uma reconhecida medida de promoo da sade. No entanto, tm sido verificadas deficincias ao nvel da concepo e gesto das piscinas, o que conduz identificao de vrios tipos de perigos associados sua utilizao, nomeadamente fsicos, biolgicos e qumicos. Deve ser sublinhado que estes perigos se reflectem igualmente nos trabalhadores de piscinas, dependendo da actividade profissional desenvolvida. Concretamente, em relao aos perigos qumicos, dados recentes sugerem que a desinfeco da gua com cloro ou produtos clorados pode afectar a sade respiratria, quer de banhistas, quer do pessoal que trabalha na piscina, nomeadamente monitores e professores de natao, devendo esta problemtica ser integrada na rea da sade ocupacional. A estes potenciais perigos em termos de Sade Pblica ope-se uma lacuna em termos da legislao portuguesa, encontrando-se at data, apenas disponveis documentos que no tm fora de lei, e cuja aplicao depende de adeso voluntria, podendo ser apenas utilizados como referncia. Com o presente trabalho pretendeu-se identificar os principais perigos para a sade humana associados exposio ocupacional em piscinas cobertas de um concelho urbano e propor medidas de preveno dos perigos identificados. Para tal, foi realizada uma visita diagnstico s piscinas seleccionadas durante a qual foram caracterizadas as condies de instalao e explorao de piscinas, atravs do recurso a um questionrio (elaborado pela Direco-Geral da Sade). Foi ainda solicitado o acesso aos dados analticos da qualidade da gua das bacias relativos ao perodo compreendido entre 2 de Janeiro de 2006 e 30 de Junho de 2009, com o objectivo de analisar os procedimentos de gesto da qualidade da gua. Para caracterizar a sintomatologia referida pelos trabalhadores, relacionada com o local de trabalho, e conhecer a percepo que os mesmos possuam do ambiente interior foi utilizada uma adaptao do questionrio validado MM040 EA (verso portuguesa), desenvolvido no Medical Center Hospital, em rebro (Sucia), para avaliao da sintomatologia auto-referida e percepo de ambientes interiores. Verificou-se, em termos de procedimentos de monitorizao da qualidade da gua, uma grande disparidade de critrios entre as vrias piscinas (no que se refere periodicidade de colheitas e parmetros analisados), tendo-se considerado que esta desigualdade est associada falta de regulamentao legal nesta matria. Por outro lado, apenas uma piscina tem implementado um Programa externo de controlo da qualidade do ar, o que contribui para que se continue a ignorar qual a situao verificada em termos de grau de exposio das pessoas profissionalmente expostas neste locais. Relativamente ao Risco Intrnseco (RI) associado exposio a agentes qumicos, verificou-se que o grupo profissional no qual esse risco era mais elevado era nos operadores das instalaes de tratamento de gua e tcnicos de manuteno. Esse risco est associado manipulao dos produtos qumicos e s condies de armazenamento desses mesmos produtos.

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Abstract The search for swimming pools for the practice of sports, recreational or therapeutic activities has been gradually increasing in recent years, in recognition of the benefical effects in terms of health promotion associated with its regular use. However, some deficiencies have been perceived related with the conception and management of swimming pools, leading to the identification of hazards of different kinds, namely physical, biological and chemical, related with its use. All these hazards may have consequences in pool workers health, depending on the nature of professional activity. Recent data suggest that the use of chlorine or chlorine products in pool water disinfection may affect respiratory health, not only of bathers, but also of workers, namely swimming monitors and teachers, being considered an occupational health issue. There is an absence of legislation in our country to deal with all these potential hazards to public heath, and only a few directives that lack legal enforcement and are based on voluntary accomplishment are available. The present study aimed to identify the main health hazards related with occupational exposure in indoor swimming pools in an urban council, and to propose preventive measures regarding the identified hazards. An evaluation was performed in each of the selected pools, using a questionnaire created by the national Directorate of Health to characterize structural and functioning conditions. During the inspections we were allowed to get access to the analytical data on water quality of the pool tanks in the period between January 2nd 2006 and June 30 2009, and to evaluate the management procedures regarding pool water quality. In order to characterize the symptoms referred of workers, related with working sections, and to know their perception of indoor working conditions, an adaptation of the validated MM040 EA questionnaire was used (portuguese version). This tool was developped in the Medical Center Hospital, in rebro (Sweden), to evaluate self-referred synmptoms and indoor environments perception. The main conclusions withdrawn from this study include the lack of uniform criteria among the pools regarding water monitoring (especially intervals of water collection and analysed parameters), which may be due to the lack of legal norms. Another finding was that only one pool had implemented an air quality control program, a factor that contributes to the unawareness of indoor air Professional exposure in swimming pools. The Intrinsic Risk (IR) related with chemical products exposure revealed an increased risk in water treatment operators and maintainance technicians. This risk is mainly associated with handling of chemicals and its storage conditions.

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ndice GeralPg. 1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.5.1 1.5.1 A) 1.5.1 B) 1.5.1 C) 1.5.1 D) 1.5.1 E) 1.5.1 F) 1.5.1 G) 1.5.2 1.5.2.1 1.5.2.2 1.5.2.3 1.5.2.4 1.5.3 1.5.3.1 1.5.3.2 A) 1.5.3.2 B) 1.5.3.2 C) 1.5.3.3 1.6 1.6.1 1.6.2 1.6.3 Introduo Perspectiva histrica do uso de piscinas Classificao de piscinas Dicotomia: Utilizao de piscinas enquanto factor de promoo da sade/ local onde se encontram presentes perigos para a sade Enquadramento normativo Perigos Perigos fsicos Superfcies de revestimento e vias de passagem Ambiente trmico Condies de iluminao Sinalizao geral Exposio ao rudo e a vibraes Riscos elctricos Radiaes Perigos biolgicos Doenas em piscinas causadas por agentes biolgicos Vrus Doenas em piscinas causadas por agentes biolgicos Bactrias Doenas em piscinas causadas por agentes biolgicos Protozorios Doenas em piscinas causadas por agentes biolgicos Fungos Perigos qumicos Exposio Vias de exposio Ingesto Vias de exposio Inalao Vias de exposio Contacto drmico Avaliao da exposio Gesto dos perigos Gesto da qualidade da gua Circulao da gua da piscina O circuito de tratamento da gua da piscina 1 1 2 4 6 8 8 9 9 10 10 10 11 11 12 14 15 18 18 18 20 21 21 21 21 21 21 21 28

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1.6.3.1 1.6.3.2 1.6.3.3 1.6.3.4 1.6.3.5 1.6.3.6 1.6.3.6 A) 1.6.3.6 B) 1.6.3.6 C) 1.6.3.6 D) 1.6.3.6 E) 1.6.3.6 F) 1.7 1.7.1 1.7.1.1 1.7.1.2 1.7.1.3 1.7.2 1.7.2.1 1.7.2.2 1.8 1.9 2 2.1 2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.2 2.3 2.3.1 2.3.2 2.4 3

Clarificao Coagulao/ floculao Filtrao Neutralizao Remoo de algas Desinfeco Cloro e seus derivados Dixido de cloro Desinfectantes base de bromo Ozono e radiaes ultra-violeta (UV) Outros desinfectantes Processos electrolticos Sub-produtos da desinfeco Trihalometanos (THMs) Presena de trihalometanos na gua Presena de trihalometanos no ar interior Avaliao da exposio a THMs Cloroaminas Presena de cloroaminas no ar interior Efeitos para a sade resultantes da exposio a cloroaminas Objectivos Importncia dos resultados esperados Materiais e mtodos Fase de concepo Reviso da bibliografia Definio do tipo de estudo Criao da base de dados Identificao e conceptualizao das variveis Recolha de dados Avaliao das condies estruturais e de funcionamento Avaliao da sintomatologia dos trabalhadores Tratamento de dados e apresentao de resultados Resultados

28 29 29 30 30 30 32 37 37 38 39 40 40 42 42 45 45 49 50 51 54 54 55 55 55 56 56 56 56 56 57 58 58

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3.1 3.2 3.2.1 3.2.2 3.3 3.4 3,5 3.5.1 3.5.2 3.5.3 3.6 3.7 4

Caracterizao da amostra Programas de controlo da qualidade da gua e do ar Programas de controlo da qualidade da gua Programas de controlo da qualidade do ar Avaliao das condies estruturais das piscinas Distribuio dos trabalhadores por grupos profissionais e por piscina Identificao de perigos profissionais Identificao de perigos fsicos Identificao de perigos qumicos Identificao de perigos biolgicos Sintomatologia auto-referida pelos trabalhadores Determinao de Risco Intrnseco (RI), por perigos e por grupos profissionais Discusso e Concluses

60 61 62 67 68 69 70 70 72 74 75 77 79

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Lista de TabelasTabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Tabela 9 Tabela 10 Tabela 11 Tabela 12 Tabela 13 Tabela 14 Tabela 15 Tabela 16 Tabela 17 Tabela 18 Tabela 19 Tabela 20 Tabela 21 Tabela 22 Tabela 23 Tabela 24 Tabela 25 Tabela 26 Tabela 27 Tabela 28 Tabela 29 Tabela 30 Classificao das piscinas, de acordo com os vrios critrios de classificao adoptados Agentes biolgicos passveis de encontrar na gua de uma piscina Bactrias de origem no fecal Desinfectantes e sistemas de desinfeco usados nas piscinas e ambientes similares Subprodutos associados aos desinfectantes mais vulgarmente utilizados. Classificao da International Agency of Research on Cancer (IARC) quanto carcinogenicidade Caractersticas das piscinas Tipos de tratamento de gua das piscinas Programas de controlo da qualidade da gua e do ar e controlo da Legionella Nmero e tipo de parmetros microbiolgicos monitorizados, por tanque (2006-2009) Nmero e tipo de parmetros fsico-qumicos monitorizados, por tanque (2006-2009) Nmero e tipo de parmetros microbiolgicos superiores aos Valores de Referncia, por tanque (2006-2009) Nmero e tipo de parmetros fsico-qumicos no conformes relativamente aos Valores Indicativos, por tanque (2006-2009) Caractersticas da nave das piscinas. Caractersticas dos tanques Caractersticas dos lava-ps Distribuio dos trabalhadores por grupos profissionais e por piscina Caractersticas do compartimento de tratamento de gua das piscinas Sinalizao e higienizao das instalaes e equipamentos Caractersticas dos meios de segurana contra incndios Caracterizao das instalaes sociais dos trabalhadores Caractersticas das zonas de armazenagem de produtos qumicos Identificao de factores condicionantes de perigos associados a produtos qumicos Identificao de factores condicionantes de perigos biolgicos Sintomatologia auto-referida por professores, treinadores e monitores Sintomatologia auto-referida por vigilantes Sintomatologia auto-referida por operadores das instalaes de tratamento de gua e tcnicos de manuteno Sintomatologia auto-referida por funcionrios administrativos Sintomatologia auto-referida por funcionrios de limpeza Risco intrnseco (RI) associado a agentes fsicos por grupo profissional, por piscina

Pg.

3 13 17 31 40 42 60 61 62 63 63 64 64 68 68 69 69 70 70 71 71 72 73 74 75 75 76 76 77 77

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Tabela 31 Tabela 32

Risco intrnseco (RI) associado a agentes biolgicos por grupo profissional, por piscina Risco intrnseco (RI) associado a agentes qumicos por grupo profissional, por piscina

78 78

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Lista de Anexos Anexo I Anexo II Anexo III Anexo IV Anexo V Anexo VIDiplomas de publicao mais recente que contemplam disposies aplicveis s piscinas (a ser integradas pelos promotores, projectistas e exploradores de piscinas) Folha de clculo Excel de transcrio das variveis em estudo Identificao e conceptualizao das variveis Questionrio de avaliao das condies higio-sanitrias de instalao e de funcionamento de piscinas, elaborado pela Direco-Geral da Sade Check-list usada para caracterizar a sintomatologia referida pelos trabalhadores, relacionada com o local de trabalho Clculo do Risco Intrnseco (RI) no local de trabalho

A1 A2 A3 A4 A5 A6

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Lista de siglas e abreviaturas ATSDR: Agency for Toxic Substances and Disease Registry EPA: Environmental Protection Agency EUA: Estados Unidos da Amrica HVAC: Heating, ventilation, and air conditioning systems (sistemas de aquecimento, ventilao e ar condicionado) IARC: International Agency for Research on Cancer LSP: Laboratrio de Sade Pblica NIOSH: National Institute for Occupational Safety and Health OMS: Organizao Mundial de Sade Radiao UV: Radiao ultra-violeta THMs: Trihalometanos TTHMs: Trihalometanos totais WHO: World Health Organization

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Definies Acidente fatal situao acidental verificada nas instalaes da piscina, produzindo, directa ou indirectamente, leso corporal em utilizadores ou trabalhadores da piscina de que resulte a morte. Acidente fecal libertao acidental de matria fecal, slida ou lquida, na gua do tanque da piscina ou na zona circundante. Acidente hemorrgico libertao acidental de sangue na gua do tanque da piscina ou na zona circundante. Acidente com vmito libertao acidental de vmito na gua do tanque da piscina ou na zona circundante. Cais rea pedonal, envolvente do tanque da piscina, associada utilizao da piscina propriamente dita, que compreende, nomeadamente, a rea de circulao, e as zonas de entrada e sada. Perigo conjunto de circunstncias que podem conduzir a uma situao indesejvel para a sade. Piscina: uma parte ou um conjunto de construes e instalaes que inclua um ou mais tanques artificiais destinados natao, lazer ou outras prticas relacionadas (tais como recreativas, formativas ou desportivas). Risco para a sade probabilidade de ocorrncia de uma situao habitualmente indesejvel, num determinado perodo de tempo, no implicando necessariamente que possa causar a morte ou ameaar a vida, mas cuja gravidade possa ser expressa em termos de leso orgnica e avaliada como tal. Risco intrnseco: O risco intrnseco (RI) o clculo do risco em potencial (antes de terem sido tomadas as medidas de controlo) e corresponde combinao da probabilidade, da exposio e da gravidade das consequncias/impactes resultantes. Tem uma aplicao preferencial na rea da higiene e segurana no trabalho. Tanque infraestrutura construtiva onde est contida a gua e em que se desenvolvem as actividades aquticas.

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1. INTRODUO 1.1 Perspectiva histrica do uso de piscinas A natao, enquanto actividade organizada, remonta ao ano 2500 A.C. no antigo Egipto, tendo-se desenvolvido posteriormente na Grcia, Roma e Assria. Em Roma e na Grcia a natao integrava a educao de crianas em idade escolar, cabendo aos romanos a iniciativa de construrem as primeiras piscinas separadas dos banhos pblicos. A primeira piscina aquecida foi construda por Gaius Maecenas, de Roma, no sculo I A.C. No entanto, as piscinas apenas se tornaram populares em meados do sculo XIX. Em 1837, seis piscinas interiores dotadas de pranchas de salto foram construdas em Londres. A popularidade da natao, enquanto actividade desportiva, disparou aps os Jogos Olmpicos de 1896, nos quais as provas de natao foram integradas. Em Portugal, as primeiras competies aquticas desenvolveram-se em 1893. Consistiram principalmente em travessias de rios (Tejo, Douro e Lima) e percursos no mar. O primeiro campeonato portugus ocorreu em Outubro de 1906 na bacia do Alfeite (1/2 milha nutica), com saltos, mergulhos e natao infantil. O primeiro jogo de plo aqutico realizou-se em 1913 durante os primeiros Jogos nacionais, organizados pela Sociedade Nacional para a Promoo da Educao Fsica. No Porto, as actividades aquticas desenvolveram-se a partir de 1906 por iniciativa de cidados britnicos residentes na cidade, ligados ao comrcio do vinho do Porto. O desenvolvimento de competies de natao levou criao de entidades promotoras da sua coordenao. A Liga Portuguesa dos Clubes de Natao (LPCN) foi fundada em 1921, e a sua principal delegao estava situada no Porto. Esta organizao veio a filiar-se, mais tarde, na Fdration Internationale de Natation Amateur (FINA). Entretanto, em 1927, uma segunda entidade foi criada a Federao Portuguesa de Natao Amadora (FPNA) que integrava dezasseis clubes. Em 1930 estas duas organizaes nacionais fundiram-se para criarem a actual Federao Portuguesa de Natao (FPN). A utilizao de tanques para a prtica de natao era muito vulgar na dcada de 1920. Em Lisboa devem ser referidos os tanques situados na Casa Pia e no Convento de Mafra, os quais, obviamente, no ofereciam as melhores condies para a prtica. Em 1924, a equipa que participou nos Jogos Olmpicos utilizou o tanque do Palcio do Jardim Colonial para o seu treino. A primeira piscina do Porto foi construda antes de 1923, e ficou conhecida como piscina do Carvalhido. Uma vez que no inclua um circuito de tratamento da gua era apenas usada quando a qualidade da mesma o permitia. Este tanque foi abandonado em 1936. Em 1928, Uma nova piscina foi inaugurada no Spa do Estoril, sendo propriedade de um hotel. Foi apenas em 1930 que uma piscina com condies sanitrias aceitveis abriu em Lisboa. Pertencia ao Sport Algs e Dafundo, e foi pomposamente conhecida como Estdio Nutico. Contabilizando piscinas para uso pblico e privado, Portugal possui actualmente cerca de 60 000 piscinas. A rea per capita estritamente reservada prtica de actividades aquticas situa-se abaixo da de pases vizinhos, tais como Espanha e Frana. No entanto, o desenvolvimento recente na rea das piscinas faz com que a disponibilizao destes1Maria Joo Silva Leite Carvalho Pedroso

servios atinja nveis de qualidade que igualam ou ultrapassam os de outros pases europeus. Na verdade, nos ltimos quarenta anos e no domnio das piscinas pblicas (e em especial das municipais), o desenvolvimento foi notvel. Desde uma oferta inicial de apenas 36 piscinas (das quais 8 cobertas) em 1965, at um total de 680 (360 cobertas) em 2005, distribudas por cerca de 500 instalaes. Na rea do Grande Porto, para um total de 1 522 763 habitantes (Censos de 2001), existem 43 piscinas municipais, a maior parte das quais de construo recente. Compreendem 93 tanques de vrios tipos e dimenses, 90% dos quais so cobertos ou convertveis. Representam no seu conjunto uma rea total de 21 242 m2, o que equivale a um valor de 13,8 m2 de gua para fins recreativos por 1000 habitantes, muito prximo do valor recomendado pela Amateur Swimming Association, do Reino Unido, de 13 m2/1000 habitantes. Entretanto, continua a verificar-se um aumento gradual da procura de piscinas para actividades desportivas, recreativas e teraputicas. No caso da natao, trata-se, como j foi referido, de uma actividade desportiva/ recreativa muito popular, sendo escolhida por indivduos de diferentes faixas etrias. Nos Estados Unidos, por exemplo, a natao o segundo exerccio mais popular, com aproximadamente 339 milhes de visitantes por ano a locais de utilizao de gua para fins recreativos, nos quais se incluem locais com guas desinfectadas, tais como piscinas, parques aquticos e fontes interactivas (CDC, 2009). 1.2 Classificao de piscinas O conceito actual de piscina refere que a mesma corresponde a uma parte ou um conjunto de construes e instalaes que inclua um ou mais tanques artificiais destinados natao, lazer ou outras prticas relacionadas (Pedroso e Nogueira, 2003). Face grande diversidade de usos atribudos s piscinas (tais como recreativas, formativas ou desportivas), tm sido diversas as classificaes propostas. A classificao que se apresenta na Tabela 1 resulta da compilao de propostas formuladas por vrios organismos nacionais (caso do Conselho Nacional de Qualidade) e internacionais (OMS).

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Tabela 1 Classificao das piscinas, de acordo com os vrios critrios de classificao adoptados.Critrio Tipo de piscina Coberta Descoberta (ou ao ar livre) Ambiente ou tipologia Combinada Caractersticas Inclui um ou mais planos de gua para banhos (tanques), integrada numa construo coberta por uma estrutura fixa ou mvel Inclui uma ou mais reas de plano de gua (tanques) para banhos construdas ao ar livre Comporta tanques ao ar livre e tanques cobertos, utilizveis em simultneo Comporta um ou mais tanques artificiais cujos elementos da envolvente ambiental permitam que as actividades se desenvolvam ao ar livre ou em espao coberto, em funo das condies atmosfricas existentes Piscina onde a prtica da natao e as actividades de animao aqutica correlacionadas constituem o objectivo e as funes principais oferecidas (ex. piscinas municipais, piscinas recreativas/lazer, parques aquticos), e cujo uso considerado pblico (NP EN 15288-1 2008) Piscina destinada a proporcionar um servio complementar actividade principal de um empreendimento (ex. piscinas de hotel, piscinas de parques de campismo, piscinas de clubes, piscinas teraputicas), e cujo uso considerado pblico (NP EN 15288-1 2008) Piscina concebida apenas para a famlia do proprietrio/dono/explorador e convidados, incluindo as situaes de aluguer temporrio para uso familiar (NP EN 15288-1 2008) Tanque cujos requisitos geomtricos e construtivos so adequados para a prtica da natao e modalidades derivadas, no mbito do treino e competio desportiva Tanque que apresenta os requisitos morfolgicos e funcionais adequados para as actividades formativas e propeduticas das disciplinas natatrias, para o jogo, o recreio e a manuteno Tanque que preenche os requisitos funcionais e construtivos idneos para a utilizao por crianas at aos 6 anos de idade e dispe de profundidades no superiores a 0,45 m, com o mximo de 0,20 m junto aos bordos Tanque que comporta caractersticas morfolgicas e funcionais que o torna particularmente adequado para o recreio e diverso aqutica, nomeadamente atravs de acessrios ldicos tais como escorregas, cascatas, sistemas de formao de ondas, sistemas de produo de repuxos Tanque que apresenta solues geomtricas e construtivas que combinam caractersticas de diferentes tipologias de tanques Tanque equipado com jactos de ar subaquticos que criam remoinhos Piscina concebida para prestao de cuidados mdicos e de fisioterapia, sob superviso e controlo de pessoas habilitadas para o efeito (sublinhe-se que as piscinas destinadas ao fitness e actividades correlacionadas no so consideradas piscinas teraputicas) Piscina coberta, que utiliza o meio aqutico para a aplicao de tcnicas especficas em programas de preveno e/ou teraputicos. Estes programas podero ser desenvolvidos em piscinas pblicas ou privadas, ou ainda em piscinas teraputicas, e realizados em grupos ou individualmente Fonte: Pedroso e Nogueira (2003)

Convertvel

Piscina de tipo 1 (ou pblica)

Possveis utilizadores Piscina de tipo 2 (ou semi-pblica)

Piscina de tipo 3 (particular)

Tanque desportivo

Tanque de aprendizagem

Tanque infantil ou chapinheiro

Caractersticas morfolgicas e funcionais dos tanques

Tanque de recreio e diverso

Tanque polifuncional ou polivalente Tanque de hidromassagem (jacuzzi)

Tanque teraputico

Piscina de hidroterapia

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1.3 Dicotomia: Utilizao de piscinas enquanto factor de promoo da sade/ local onde so identificveis perigos para a sade Correspondendo s solicitaes das populaes, diversas entidades (pblicas e privadas) tm vindo a colocar este tipo de instalaes disposio das comunidades locais. No entanto, um aspecto que no dever ser negligenciado relaciona-se com o facto de, independentemente de uma actividade fsica regular constituir uma reconhecida medida de promoo da sade, e neste sentido, a natao ser preferida por uma considervel poro da populao, terem surgido dados recentes que sugerem que esta prtica poder ter, em alguns casos, efeitos indesejveis no sistema respiratrio dos banhistas. De facto, por razes bvias de segurana microbiolgica, a gua das piscinas tm que ser sujeita a desinfeco (Barwick et al, 2000). Para efectivar a desinfeco, o procedimento mais comum a clorao recurso ao cloro ou produtos derivados do cloro, como desinfectantes. semelhana do que se verifica com a generalidade das intervenes humanas e tecnolgicas, o uso de cloro (ou de produtos base de cloro) para a desinfeco da gua das bacias pode ter como consequncias alguns efeitos indesejveis, em particular, a formao e consequente presena de compostos no ar, sobretudo, no ar interior de piscinas cobertas e fracamente ventiladas. Os compostos a que se faz referncia, vulgarmente designados como subprodutos da desinfeco, resultam das interaces entre o cloro utilizado para a desinfeco da gua e a matria orgnica presente na gua. Tem-se notado um interesse crescente relativamente aos potenciais efeitos nocivos para o tracto respiratrio resultantes de uma exposio repetida a produtos clorados (Uyan, 2009). Vrios autores chamaram a ateno para os potenciais perigos para o epitlio respiratrio dos sub-produtos da desinfeco em piscinas interiores mal ventiladas (Cotter e Ryan, 2009), referindo que a clorao pode afectar a sade respiratria, quer de banhistas, quer do pessoal que trabalha na piscina, nomeadamente monitores e professores de natao, devendo esta problemtica ser integrada na rea da sade ocupacional (Nemery et al., 2002). De acordo com Bougault et al. (2009), a prevalncia de rinite atpica, asma e hiper-reactividade das vias respiratrias est aumentada em nadadores de alta competio comparativamente com a populao em geral, podendo estes factos estarem relacionados com leso do tecido epitelial das vias respiratrias e aumento da permeabilidade nasal e pulmonar provocados pela exposio aos sub-produtos da desinfeco com cloro em piscinas cobertas. Por outro lado, o potencial dos sub-produtos de desinfeco da gua como causadores de asma em crianas pequenas tem sido explorado em trabalhos de investigao recentes (Weisel et al., 2009; Cotter e Ryan, 2009). Mais estudos em especial no caso da exposio infantil em piscinas cobertas e no desenvolvimento de asma sero necessrios para que seja possvel uma melhor compreenso dos mecanismos relacionados com o desenvolvimento ou o agravamento de alteraes respiratrias em nadadores, de forma a determinar como se poder ajudar a prevenir o desenvolvimento da asma e optimizar a teraputica (Weisel et al., 2009). A realidade que, com o aumento considervel do nmero de piscinas, para alm do problema descrito, tm-se levantado diversas questes, relativamente a:

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Qualidade da gua das bacias (temperatura da gua acima do recomendado; falta ou insuficincia de agente desinfectante e deficincias na renovao da gua, entre outras); Caractersticas estruturais (por exemplo, sadas de emergncia em nmero insuficiente, ausncia de acessibilidade a cidados com mobilidade condicionada, impossibilidade de eliminar a camada superficial da gua directamente para esgoto, ausncia de caleiras para drenagem das guas de lavagem do cais, inadequada ventilao); Condies de funcionamento (nomeadamente, falta de habilitao do pessoal de salvamento formao insuficiente dos responsveis pelo tratamento da gua, nadadores salvadores inexistentes e/ou sem habilitao para tal). Concretamente no que se refere qualidade da gua, esta problemtica no uma realidade exclusivamente nacional cita-se, a ttulo de exemplo, um estudo realizado na Jordnia (Rabi et al., 2007), durante o Vero de 2005, no qual foram investigadas todas as piscinas pblicas activas (85 das 93 existentes) na capital do pas, Am, com o objectivo de verificar o grau de cumprimento das normas existentes. Nessas piscinas foram monitorizados parmetros microbiolgicos (recolha de duas amostras por piscina, em perodos de maior afluncia de banhistas) e tambm parmetros fsico-qumicos da qualidade da gua que eram requeridos nas normas de qualidade nacionais. Os resultados obtidos indicaram, de uma maneira geral, uma fraca conformidade com os padres de qualidade, nomeadamente: parmetros microbiolgicos (56,5%), cloro residual (49,4%), pH (87,7%), temperatura da gua (48,8%), e carga de banhistas (70,6%). Os resultados obtidos tambm indiciaram uma deteriorao da qualidade da gua ao longo do tempo. Para alm disso, uma anlise multivariada (multifactorial) mostrou uma associao estatisticamente significativa entre a contaminao da gua e a hora da colheita, o cloro residual, a temperatura da gua e a carga de banhistas. Os reduzidos ndices de conformidade foram atribudos ausncia ou deficincias ao nvel da desinfeco da gua das bacias, da formao e do treino adequados das equipas de manuteno, de correctas rotinas de manuteno e s falhas na realizao de verificaes peridicas. Noutra perspectiva, importante perceber que a partir da verificao de deficincias ao nvel da concepo e gesto das piscinas, podero ser identificados vrios tipos de perigos associados utilizao destas piscinas, nomeadamente fsicos, biolgicos e qumicos, que sero objecto duma anlise mais detalhada nos captulos seguintes. Embora seja reconhecido que estes perigos so passveis de afectar os banhistas, h que sublinhar que podem igualmente afectar os trabalhadores de piscinas. Um exemplo ilustrativo de perigo qumico para os trabalhadores poder ser o associado manipulao dos produtos qumicos adicionados gua das bacias para prevenir a transmisso de agentes patognicos infecciosos. Estes produtos podem causar leses acidentais em situaes de armazenamento ou manipulao inadequados. Um relatrio publicado em 2009 pelo Centers for Disease Control and Prevention USA (CDC, 2009) reportou 36 eventos de sade relacionados com agentes qumicos em piscinas e que haviam sido comunicados ao New York State Department of Health (NYSDOH) durante o perodo decorrido entre 19832006. Este relatrio inclui ainda uma anlise dos dados recolhidos a nvel nacional entre 1998-2007 do National Electronic Injury Surveillance System (NEISS). A anlise destes dados permitiu estimar, para aquele perodo, uma

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mdia de 4120 visitas por ano (1,5 por 100 000 habitantes) a servios de emergncia por leses associadas a produtos qumicos em piscinas.

1.4 Enquadramento normativo A todas estas situaes (potenciais perigos em termos de Sade Pblica) ope-se uma lacuna em termos da legislao portuguesa, a qual tentou ser suprida pelo Conselho Nacional da Qualidade (CNQ) que aprovou, em 1993, uma Directiva sobre a qualidade da gua das piscinas de uso pblico (Directiva CNQ n. 23/93). No entanto, por se tratar de um documento que no tem fora de lei, a sua aplicao depende de adeso voluntria, podendo ser apenas utilizado como referncia. No cenrio actual est prevista para breve a publicao da norma europeia, aprovada pelo CEN (Comit Europeu de Normalizao) em 2008, e que veio completar o conjunto de normas europeias dedicadas s piscinas que tm vindo a ser produzidas por aquele organismo. Esta nova norma, designada EN 15288, est estruturada nas partes 1 e 2, que abordam, respectivamente, os Requisitos de segurana para a concepo de Piscinas, e os Requisitos de segurana para o funcionamento de Piscinas. Na sequncia da adopo da verso portuguesa (NP EN 15288-1 e NP EN 15288-2) o IPQ prev a anulao, a breve prazo, da Directiva CNQ n 23/93 sobre a Qualidade nas piscinas de uso pblico, que foi, ao longo dos ltimos anos, utilizada como documento guia pelos profissionais e agentes ligados ao sector das piscinas em Portugal (so muitas as disposies semelhantes, (e tambm globalmente insignificantes as diferenas), entre os requisitos previstos na EN 15288-1, e aqueles que tm vigorado atravs da CNQ 23/93). H a referir porm, que a aplicao desta nova norma europeia ir requerer, para a sua compreenso e aplicao efectiva, a consulta obrigatria de outras normas complementares, como as da srie EN 13451 (Swimming pool equipment, em 10 partes), que fixam os requisitos gerais e especficos de segurana para os equipamentos e acessrios das piscinas, tais como: escadas, corrimos, blocos de partida, flutuadores, equipamento de animao, dispositivos de recirculao da gua e instalaes de saltos, entre outros. Estas normas porm, ainda no esto disponveis em verso portuguesa (NP EN), o que as torna de aplicao limitada no pas. Com a efectiva retirada total da Directiva n. CNQ 23/93, as disposies relativas aos sistemas tcnicos, em especial os requisitos relativos s instalaes de tratamento de gua e ao controlo da qualidade da gua, passaro a no ter cobertura normativa, no sendo expectvel, a curto prazo, a disponibilizao de normas harmonizadas e completas numa rea importante para a qualidade das piscinas, como a do tratamento e controlo da qualidade da gua. A diversidade de disposies j consolidadas em legislao e regulamentos sobre essa matria, dispersa por vrios pases, estados e regies autnomas da Europa, para alm de serem muitas vezes defendidas ao abrigo de competncias soberanas dos Estados em matria de sade pblica, entre outras especificidades locais, fazem prever que por muito tempo no se venha a dispor de uma norma de mbito europeu para tal efeito.

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No entanto, as exigncias em termos de qualidade e segurana nas piscinas, no se restringem s questes relacionadas com a qualidade da gua, mas, pelo contrrio, impem uma abordagem integrada que tenha em conta, nos processos de concepo e de explorao das piscinas, vrias vertentes, nomeadamente, a segurana contra riscos de incndio e de pnico ou a segurana no uso e gesto das instalaes de energia e equipamentos tcnicos, aos quais esto associadas medidas de controlo e de eliminao dos riscos potenciais. A legislao portuguesa relativa ao sector da edificao j integra alguns dispositivos legais para o tratamento adequado de grande parte dessas questes. No caso de diplomas mais recentes, so contempladas medidas dirigidas especificamente s piscinas, e cuja verificao de conformidade passa a constituir requisito determinante para o licenciamento ou autorizao de funcionamento. No Anexo 1 so indicados os diplomas de publicao mais recente, e que contemplam disposies aplicveis s piscinas que devero ser integradas pelos promotores, projectistas e exploradores de piscinas. Para alm destes dispositivos legais, devero ainda ser observados nas fases de concepo e explorao destas instalaes requisitos previstos na legislao ou regulamentos de mbito geral relativa a: Locais de trabalho (por ex: para a questo do p-direito livre mnimo; ventilao; pavimentos, paredes e tectos; materiais de revestimento; instalaes sociais para os trabalhadores; zonas de armazenagem;); Infra-estruturas de saneamento bsico (gua para consumo humano, guas residuais e recolha de resduos slidos); Organizao das actividades de segurana, higiene e sade no trabalho. Poder igualmente ser considerada legislao relativa a outras matrias (tais como a aplicvel a higiene alimentar, a espaos de jogos e de recreio, a preveno da doena dos legionrios ou a resduos hospitalares), se na piscina existirem instalaes ou equipamentos especficos (nomeadamente reas de restaurao ou de bebidas, parques infantis ou postos de primeiros socorros). Pelo exposto, considera-se que os dispositivos legais actualmente disponveis que enquadram os processos de concepo e explorao das piscinas sero suficientes e adequados para que as instalaes apresentem melhores padres de qualidade. No entanto, ainda subsistem lacunas no que se refere a alguns aspectos, nomeadamente os relativos qualidade da qualidade da gua. Actualmente, no contexto nacional, s as piscinas que integram os parques aquticos e os empreendimentos tursticos esto abrangidas por regulamentao para esse efeito, atravs do Decreto Regulamentar n. 5/97, de 31 de Maro (que regula o funcionamento dos recintos com diverses aquticas). Para alm disso de referir que as chamadas piscinas de uso teraputico incluem os requisitos de qualidade que devero respeitar e que foram publicados atravs do Aviso n. 9448/2002 (2 Srie), de 29 de Agosto de 2002 (o qual aprovou o Manual de Boas Prticas de Medicina Fsica e de Reabilitao). Uma vez que a avaliao de riscos relacionados com piscinas, de um modo geral, no tem sido feita de forma regular e sistemtica em Portugal em termos de actuao dos servios de sade pblica, torna-se necessrio recorrer a

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documentos de referncia como as Guidelines for Safe Recreational-Water Environments, Volume 2: Swimming Pools, Spas and similar recreational-water environments), publicado pela Organizao Mundial de Sade em 2006. Assim, verifica-se que os aspectos focados, de uma maneira geral, tm sido objecto de ateno por parte das entidades intervenientes e de algumas organizaes (caso do Centers for Disease Control and Prevention CDC, USA). A ocorrncia de acidentes envolvendo os utilizadores das piscinas (e em especial, crianas) tambm suscita grande preocupao, quer por parte do pblico em geral, quer por parte das entidades com responsabilidades na fiscalizao destes recintos. Por oposio, no tem havido correspondente ateno para outras questes, nomeadamente as ligadas higiene, segurana e sade no trabalho (ex. sinistralidade laboral; problemas de contaminao associados qualidade do ar interior das piscinas; vigilncia da sade dos trabalhadores), verificando-se que, actualmente ainda no h uma consciencializao alargada para estas reas. 1.5. - Perigos Os utilizadores de piscinas e os vrios grupos profissionais que a desempenham actividades em diferentes postos de trabalho podero estar sujeitos a diferentes e variados perigos, os quais podem ser classificados nas seguintes categorias: perigos fsicos, perigos biolgicos (relacionados com a exposio a agentes biolgicos) e perigos qumicos (relacionados com a exposio a agentes qumicos). 1.5.1 - Perigos fsicos Uma considervel diversidade de efeitos adversos para a sade (quer dos utilizadores, quer dos trabalhadores) poder estar associada a piscinas, sendo de destacar, pela sua potencial gravidade, os seguintes (WHO, 2000): Afogamento e quase afogamento: O afogamento pode ser definido como a morte devida imerso na gua e traduz-se numa percentagem considervel dos acidentes fatais refira-se que, por exemplo, em 2001 ocorreram 3347 acidentes em piscinas nos EUA, dos quais 17,7% corresponderam a acidentes fatais (Gilchrist e Gotsch, 2004), tendo em 2006, ainda nos EUA, o afogamento sido a segunda causa de morte por leso acidental nos grupos etrios de 1-4, de 5-9 e de 10-14 anos (Office of Statistics and Programming, National Center for Injury Prevention and Control, CDC, 2009). A maior parte dos estudos relativos ocorrncia deste tipo de acidentes em crianas revela que esto maioritariamente relacionados com falhas na vigilncia por parte dos adultos que as acompanhavam (Kemp e Sibert, 1992; DeNicola et al., 1997; Byard e Lipsett, 1999; Ross et al., 2003). Para o caso de adultos, o consumo do lcool um dos factores mais frequentemente associados a este tipo de acidentes (Fenner, 2000). Constitui igualmente motivo de preocupao o afogamento devido a equipamentos que causam suco subaqutica, com reteno de partes do corpo e obrigando a cabea da vtima a permanecer dentro de gua. Alm dos banhistas, so considerado um grupo de risco os trabalhadores cuja especificidade de funes obriga a acederem bacia (caso dos professores de natao). Em situaes de quase afogamento correspondentes a mais de 50% dos acidentes com submerso em crianas com idade inferior a 15 anos (Kemp e Sibert, 1992) o salvamento foi eficaz em evitar a morte. No entanto, em acidentes ocorridos em piscinas que envolveram crianas jovens (at 18 meses de idade) podem persistir sequelas neurolgicas em cerca de 5 a 7% dos casos (Kemp e Sibert, 1991; Ross et al., 2003).8Maria Joo Silva Leite Carvalho Pedroso

Leses graves, entre as quais se destacam (Blanksby et al., 1997; WHO, 2006): Leses traumticas crneo-enceflicas, tendo como principais consequncias (alm do bito) coma, paralisias motoras, alteraes das funes cognitivas, perda de memria, alteraes comportamentais, perdas sensoriais (viso audio, fala), entre outras; Leses traumticas medulares, cujas principais sequelas podero envolver situaes de paraplegia ou tetraplegia. Outras leses, decorrentes de escorregadelas, tropees e quedas. Podero ainda ser reportados outros danos, tais como leses corto-contusas, leses devidas a corrente elctrica (nomeadamente queimaduras, choques elctricos e electrocusso), entre outras. As situaes referidas (e que podero constituir acidentes de lazer ou de trabalho) podero ter na sua origem perigos fsicos associados a deficientes condies estruturais e de funcionamento da piscina, no sendo de negligenciar os eminentemente ligados a factores comportamentais de risco (alcoolismo, desrespeito por regras de segurana, falta de vigilncia, falhas ou imprudncia humana). Seguidamente iro ser abordados os vrios perigos fsicos identificados em piscinas. A) Superfcies de revestimento e vias de passagem Os revestimentos preconizados para paredes e pavimentos devero possuir como caractersticas serem lisos, lavveis, impermeveis, anti-derrapantes e resistentes ao desgaste e ao uso de produtos de higienizao e desinfeco. As zonas de passagem devero encontrar-se desobstrudas (livres de obstculos de qualquer natureza) e sem encharcamentos. No se verificando estas condies, podero ocorrer situaes de queda com consequncias vrias. Estas exigncias relativas aos pavimentos, nomeadamente a necessidade de possuir textura lisa e lavvel, visa tambm possibilitar uma eficiente higienizao dos mesmos, de forma a minimizar os perigos biolgicos que sero discutidos em captulo prprio. B) Ambiente trmico No mbito da qualidade do ambiente interior, o ambiente trmico um dos factores a considerar, sendo os restantes a humidade, a velocidade do ar e a composio qualitativa e quantitativa do ar interior. Um ambiente trmico saudvel o resultado do controlo simultneo destes factores nos postos de trabalho. A temperatura e a renovao do ar so factores relacionados entre si, dado que um influencia o outro por meio da ventilao. De facto, no que se refere ao interior da nave da piscina a ventilao compreende trs funes essenciais: i. Renovao de ar para higienizao ambiente e manuteno da qualidade do ar interior; ii. Absoro da humidade ambiental em excesso, produzida pela evaporao da agua do tanque, banhistas e restantes ocupantes e controlo da humidade relativa ambiente;

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iii. Controlo da temperatura ambiente como veiculo do efeito de arrefecimento ou aquecimento. Uma temperatura excessiva constitui um factor de "stress" para o organismo humano, originando perturbaes fsicas e psicolgicas. Em casos extremos, pode ocorrer, por exemplo, desidratao e/ou elevao da temperatura corporal susceptveis de alterar o comportamento e, em casos graves, culminar em desmaio. A renovao do ar no constitui, s por si, um factor relacionado com a regulao da temperatura, mas influencia tambm a prpria qualidade do ar, conforme ser mais detalhado no captulo referente aos perigos qumicos. C) Condies de iluminao Uma iluminao (intensidade luminosa) no adequada em funo da zona e do tipo de trabalho ou actividade, constitui tambm um dos perigos fsicos a que esto sujeitos os trabalhadores de piscinas, na medida em que uma iluminao deficiente ocasionar dificuldades de viso que tero como consequncia dificuldades nas realizaes das tarefas, fadiga visual, dores de cabea, aumento de erros e, eventualmente, de acidentes de trabalho (Lampi, 1984). Alm de uma intensidade luminosa adequada, a iluminao deve ser o mais uniforme possvel em toda a zona de trabalho; devem ser minimizadas grandes variaes de intensidade de luz entre a zona de trabalho e o ambiente circundante; devem ser evitados encandeamentos directos produzidos quer pela luz natural, quer por fontes de luz artificial e os encandeamentos indirectos em consequncia do reflexo da luz, quer solar, quer artificial, em superfcies reflectoras. D) Sinalizao geral Neste mbito, deve ser prevista a existncia de placas indicadoras em bom estado de conservao, colocadas em locais visveis e que permitam uma correcta interpretao por parte dos utilizadores. Algumas das indicaes obrigatrias sero as proibies e limitaes impostas; localizao da(s) sada(s) de emergncia(s); o acesso s sadas; a profundidade dos tanques, em metros ( importante sinalizar as profundidades dos tanques nas suas bordaduras, de forma visvel e destacada) e ainda a necessidade dos banhistas cumprirem os preceitos higinicos exigidos. Alm disso, junto do telefone para as comunicaes com o exterior e em local bem visvel devero estar expostos os nomes, endereos e telefones dos centros de assistncia hospitalar, servios de ambulncias, de bombeiros e piquetes de emergncia mdica mais prximos. No caso da sinalizao geral no obedecer a estes requisitos podero ocorrer situaes passveis de conduzir a acidentes (nomeadamente queda devida a um desnvel no sinalizado, ou traumatismos nos tanques na sequncia de mergulhos em zonas com falta da indicao de profundidade da gua), para alm de poder ser dificultada uma evacuao ou interveno em caso de emergncia (na falta de sinalizao das vias e sadas de emergncia). Em relao aos trabalhadores, a implementao de um plano de emergncia interno, acerca do qual todos tenham conhecimento e estejam perfeitamente esclarecidos, ser uma medida preventiva que permitir minimizar este tipo de situaes. E) Exposio ao rudo e a vibraes O rudo, para alm de constituir uma causa de incmodo para o trabalhador, pode representar um obstculo s comunicaes verbais e sonoras, dificultando ou impossibilitando a conversao e originando ordens erradas ou m percepo de sinais de perigo, o que pode propiciar a ocorrncia de acidentes. Para alm das situaes focadas10Maria Joo Silva Leite Carvalho Pedroso

implicarem riscos para a sade e a segurana dos trabalhadores, no deve ser negligenciado que nveis elevados de rudo nos locais de trabalho (os quais podero ocorrer em piscinas, por exemplo, nas instalaes tcnicas), podem provocar fadiga adicional do trabalhador e, em casos extremos, trauma acstico e alteraes fisiolgicas extra-auditivas (Prince, 2002; Mahendra Prashanth, 2008). Alm dos efeitos fisiolgicos no indivduo, o rudo pode ser responsvel por perturbaes a nvel psicolgico, as quais podem provocar alteraes de carcter e do comportamento (agressividade, ansiedade, diminuio da ateno, entre outras) e aumentar as tenses a que o trabalhador est sujeito (Melamed et al, 1992). A diminuio destes riscos consegue-se pela limitao das exposies ao rudo, sem prejuzo das disposies aplicveis limitao da emisso sonora. Actualmente, o Decreto-Lei n. 182/2006, de 6 de Setembro, estabelece as normas de proteco em matria de exposio dos trabalhadores aos riscos devidos ao rudo. H ainda a considerar a exposio a vibraes, nomeadamente das produzidas pelos equipamentos das reas de apoio (manuteno de peas, mquinas injectoras de cloro, entre outras), podendo desta exposio resultar efeitos adversos para a sade, tais como problemas osteo-articulares (Bovenzi, 2005). F) Riscos elctricos No caso de no haver uma manuteno cuidada de toda a rede elctrica, evitando a sobrecarga e mltiplas adaptaes elctricas, bem como a utilizao de material elctrico aparentemente danificado ou em mau estado de conservao, podero verificar-se situaes de acidente nos trabalhadores, tais como choques ou queimaduras trmicas e por electrocusso (Greening, 1997). necessrio que se assegure uma adequada manuteno de todas as estruturas de transmisso de energia elctrica e respectivos equipamentos, assim como uma formao para tarefas que impliquem existncia de corrente elctrica, especialmente nas reas afectas piscina que constituem meios hmidos/ ou em que se verificam situaes de encharcamentos. G) Radiaes A exposio a radiaes e em especial s radiaes ultra-violeta (UV) est associada frequncia de piscinas exteriores, nas quais alguns grupos profissionais (casos de vigilantes e de nadadores-salvadores) esto diariamente expostos radiao solar durante vrias horas por dia, constituindo tal prtica um risco elevado de desenvolvimento de cancro da pele (Blum et al., 1998; Geller et al, 2001; O'Riordan et al., 2008) e de cataratas oculares (Maddock et al., 2009). Por esse motivo, tm sido desenvolvidos programas de preveno dirigidos a profissionais e a utilizadores de piscinas exteriores sendo as crianas um dos pblicos-alvo privilegiados que tentam aumentar a percepo do risco e a adopo de comportamentos adequados, tais como a seleco de locais de repouso sombra, o uso de culos e de outros equipamentos de proteco (cremes de proteco solar, bons, chapus e blusas ou camisas) (Geller et al, 2001; Edlich et al, 2004; Escoffery et al, 2008; O'Riordan et al., 2008; Maddock et al., 2009). Em piscinas interiores, os perigos associados exposio a radiao UV so quase inexistentes, excepto em situaes em que esteja instalado na nave da piscina equipamento produtor desse tipo de radiao. Enquadram-se neste caso os filtros de ar de alto dbito, instalados nos tectos e designados de HUVAFs (high-efficiency particulate

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air ultraviolet air filters), que usam a radiao UV pelas suas propriedades de inactivar aerossis contendo agentes biolgicos, tais como bactrias (Kujundzic et al, 2005). 1.5.2 - Perigos biolgicos Os perigos biolgicos traduzem-se nas circunstncias em que se verifica a exposio a agentes biolgicos, podendo da resultar efeitos adversos para a sade dos utilizadores ou dos trabalhadores de piscinas relacionados com a exposio a agentes biolgicos. incontestvel que estes perigos existam numa piscina, quer na gua do(s) tanque(s), quer nas superfcies especialmente do cais da piscina e dos balnerios, pois as condies de temperatura e humidade so favorveis para o rpido desenvolvimento de microrganismos (vrus, fungos, bactrias ou protozorios) e consequente contaminao dos indivduos expostos. A sua proliferao favorecida em situaes em que se verificam elevada afluncia de banhistas, deficincias ou ausncia de tratamento da gua, falhas na renovao da gua e do ar e recurso a materiais que possam servir de substrato para microrganismos (Pedroso e Nogueira, 2003). Focalizando a ateno na contaminao biolgica da gua dos tanques, esta poder ter origens muito diversificadas, mas que se podem agrupar da seguinte forma: banhistas; gua de alimentao da piscina; animais nas imediaes das bacias e poluio atmosfrica (no caso de piscinas descobertas e resultante da deposio de poeiras, folhas, microrganismos, insectos e plen transportados pelo vento). Entre estas, o banhista acaba por ser o principal responsvel pela contaminao do sistema (Beleza et al., 2007) suor, urina, matria fecal, secrees das vias respiratria, produtos de cosmtica, entre outros, so factores que contribuem para a contaminao biolgica (e tambm qumica) da gua. No caso particular das piscinas cobertas, os utilizadores so, praticamente, os nicos responsveis pela contaminao microbiolgica gua e das superfcies. O grau de contaminao com origem nos banhistas depende essencialmente de trs condies: frequncia/ lotao, nvel de higiene e volume de gua no tanque (Beleza et al., 2007). Ainda no que se refere contaminao da gua das bacias, poder-se- distinguir entre contaminao de origem fecal e contaminao de origem no fecal, salientando que, em vrios casos, o risco de doena ou de infeco associado s piscinas tem sido relacionado sobretudo com a contaminao fecal das guas (WHO, 2006). Esta forma de contaminao pode ser devida a: Matria fecal introduzida acidentalmente pelos banhistas numa situao de um acidente fecal, ou quando matria fecal residual presente no corpo dos banhistas contamina a gua da piscina (CDC, 2001a), A origem de gua de alimentao da bacia estar contaminada, Contaminao directa por animais (pssaros ou roedores) no caso de piscinas descobertas. Vrios surtos relacionados com piscinas poderiam ter sido prevenidos ou reduzidos se se tivesse verificado uma boa gesto da piscina. De facto, os acidentes fecais podem ocorrer com alguma frequncia, no entanto, provvel que alguns deles no sejam identificados. Libertaes fecais acidentais na gua da piscina podero conduzir a surtos de

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infeces associadas a vrus, bactrias ou protozorios patognicos de origem fecal; libertaes acidentais de vmito podem ter um efeito semelhante (WHO, 2006). Ao considerar-se a contaminao biolgica das guas das piscinas, h necessidade de focar tambm o caso da possibilidade de contaminao de origem no fecal. Essa contaminao no fecal poder resultar da libertao de matrias orgnicas humanas de origem no fecal na gua da bacia das piscinas pele, saliva, muco, vmito os quais so fontes potenciais de microrganismos patognicos. Os utilizadores que so portadores destes microrganismos patognicos no entricos podem contaminar directamente a gua da piscina ou a superfcie de objectos ou materiais com vrus ou fungos, que podem provocar infeces da pele noutros utilizadores em contacto com a gua ou com os materiais contaminados. Bactrias patognicas oportunistas podem tambm ser libertadas pelos utilizadores e transmitidas atravs das superfcies ou da gua contaminada. Algumas bactrias, em especial de origem no fecal, podem acumular-se em biofilmes e constituir perigo de infeco. H ainda o caso de bactrias aquticas e amebas que podem crescer na gua da piscina, de tanques de hidromassagem, em superfcies hmidas ou em determinados equipamentos (incluindo sistemas de aquecimento, ventilao e ar condicionado os designados sistemas HVAC) (WHO, 2006). A tabela seguinte apresenta os agentes biolgicos passveis de estar presentes na gua de uma piscina, especificando se os agentes biolgicos apresentados so de origem fecal ou de origem no fecal.Tabela 2 Agentes biolgicos passveis de encontrar na gua de uma piscina. TIPO DE AGENTE BIOLGICO ORIGEM DA CONTAMINAO

VRUS

BACTRIAS

PROTOZORIOS PATOGNICOS

FUNGOS

Fecal

Adenovrus Vrus da hepatite A Vrus Norwalk Ecovrus.

Shigella spp Eschechia coli O157 Legionella spp. Pseudomonas aeruginosa Staphylococcus aureus Leptospira interrogans Mycobacterium spp

Giardia Cryptosporidium

No fecal

Molluscipoxvirus Papilloma virus

Naeglaria fowleri Acanthamoeba spp.

Trichophyton spp Epidermophyton floccosum

(Fonte: Pedroso e Nogueira, 2003)

Os indivduos mais expostos a estes perigos so os banhistas, que entram nos tanques e que atravessam a zona de cais e tm acesso aos balnerios. Quanto exposio ocupacional a perigos biolgicos, e em especial aos agentes biolgicos presentes na gua do(s) tanque(s) das piscinas, bvio que o grupo profissional dos professores de natao (cdigo 2.3.5.9.15 da Classificao Nacional das Profisses, 1994) seja o mais visado. No entanto, e uma vez que a exposio pode resultar do contacto com a superfcie de objectos ou materiais contaminados com agentes biolgicos, h que ter em ateno que um maior e mais diversificado nmero de profissionais poder estar exposto (Pedroso, 2005). Entre as doenas associadas exposio a agentes biolgicos atravs da utilizao da gua de

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piscinas, esto includas diversas patologias, tais como conjuntivites, otites, sinusites, gastroenterites, febre faringoconjuntivital, legioneloses, pneumonites, leptospirose, verruga plantar, p de atleta, entre outras, e que se fazem parte do Grupo 5 da Lista das Doenas Profissionais (Pedroso, 2005).

1.5.2.1 - Doenas em piscinas causadas por agentes biolgicos Vrus Embora se reconhea que os vrus constituem uma causa importante de doena com origem em guas destinadas a fins recreativos, subsistem algumas dificuldades em documentar este facto devido grande variedade de doenas que estes podem provocar e s limitaes existentes nos mtodos de deteco laboratorial (Sinclair et al., 2009) Os vrus no se conseguem multiplicar na gua, pelo que a sua presena ser consequncia de uma contaminao. Alguns adenovrus podem ser tambm ser libertados a partir dos olhos e da garganta, sendo responsveis por conjuntivites associadas a piscinas. Embora se reconhea que vrios tipos de vrus possam estar associados com situaes de doena em piscinas, so poucos os surtos documentados com origem na gua de piscinas associados a estes agentes devido maior ocorrncia de casos individuais. Mesmo nos casos em que os surtos so detectados, a evidncia que associe o surto com o contacto com a piscina geralmente circunstancial. No entanto, tm sido documentadas algumas situaes em que o agente etiolgico foi identificado: Adenovrus (DAngelo et al.,1979; Papapetropoulou e Vantarakis, 1998; Gerba e Enriquez, 1997 in Mena et al, 2009); Vrus da hepatite A (Mahoney et al., 1992 ; Sinclair et al., 2009) ; Norovrus (Kappus et al., 1982; Maunula et al, 2004; CDC, 2004 ; Yoder et al., 2004 ; Podewils LJ et al., 2007) de referir que numa recente reviso bibliogrfica efectuada por Sinclair et al (2009), os Norovrus foram consideradas os agentes responsveis pela maioria dos surtos documentados na literatura publicada; Enterovrus (o nico caso de infeco por enterovrus na sequncia de uma exposio a gua de piscinas estava associado com Ecovirus e foi documentado por Kee et al., em 1994). Todas as situaes reportadas foram causadas por vrus de origem fecal e estavam associadas a uma deficiente gesto da qualidade da gua, nomeadamente no que se refere falta ou inadequao da desinfeco. Entre os principais vrus de origem no fecal cuja transmisso pode estar ligada frequncia de piscinas Molluscipoxvirus e Papillomavirus humano (HPV) refira-se que o primeiro causa molluscum contagiosum, uma doena cutnea incua limitada aos seres humanos e que transmitida atravs do contacto directo pessoa-apessoa ou indirectamente atravs do contacto com superfcies contaminadas. Os casos relacionados com a frequncia de piscinas ocorrem habitualmente em adultos, desconhecendo-se a incidncia real. Uma vez que a infeco relativamente incua, suspeita-se que o nmero de casos reportados seja muito inferior ao nmero total. As leses so encontradas mais frequentemente nos braos, parte posterior dos membros inferiores e trax, o que

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aponta para transmisso atravs do contacto fsico com as paredes do tanque, com vedaes ao redor da piscina, com bias ou equipamentos similares levados para o tanque ou com toalhas partilhadas (Castilla et al., 1995). No provvel que se verifique transmisso indirecta atravs da gua das bacias. Apesar de casos associados com tanques de hidromassagem no terem sido reportados, estes no devem ser excludos como via de exposio. Em relao ao Papillomavirus (HPV), este responsvel por uma infeco que ocorre usualmente na superfcie plantar do p, sendo conhecida por verruca plantaris ou veruga plantar. Este vrus extremamente resistente desidratao, pelo que pode permanecer infeccioso durante vrios anos. O perodo de incubao do vrus permanece desconhecido, mas estima-se que varie entre 1 a 20 semanas. A infeco extremamente comum entre crianas e jovens adultos com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos que frequentam piscinas pblicas e tanques de hidromassagem. menos frequente entre adultos, o que parece sugerir que estes adquirem imunidade infeco. Em piscinas, as verrugas plantares so geralmente transmitidas atravs do contacto fsico directo com os pavimentos dos balnerios e vestirios contaminados com fragmentos de pele contaminados (Conklin, 1990; Johnson, 1995). O Papillomavirus no transmitido atravs da gua das bacias ou dos tanques de hidromassagem.

1.5.2.2 - Doenas em piscinas causadas por agentes biolgicos Bactrias De entre as bactrias de origem fecal associadas a doena aps contacto com a gua de piscinas, h a destacar a Shigella. Num surto ocorrido no Iowa, EUA (CDC, 2001b), verificou-se que a piscina, com uma profundidade mxima de 35 cm, era frequentada por crianas muito pequenas e com escassa educao na utilizao de instalaes sanitrias. A piscina no tinha recirculao de gua, nem era desinfectada. Foram registados 69 casos de shigelose, dos quais em 26 houve confirmao laboratorial do agente causal S. sonnei. Julga-se que a transmisso da shigelose ao longo de vrios dias pode ter sido resultado da presena de contaminao por guas residuais e da frequncia de utilizadores com diarreia nos dias subsequentes. Para alm da Shigella, tambm j foram identificados surtos causados por outras as bactrias de origem fecal, sendo de referir pelo risco de doenas graves a E. coli O157 (Brewster et al, 1994; Hildebrand et al., 1996). Relativamente s bactrias de origem no fecal, h a destacar a multiplicidade de microrganismos que podero estar envolvidos (WHO, 2006):

a) Legionella A doena dos Legionrios uma forma grave de pneumonia e tem uma taxa de letalidade de 10-15% em indivduos saudveis (Joseph, 2002). Embora esta pneumonia seja habitualmente pouco frequente na comunidade, o agente causador a Legionella considerado responsvel por 2 a 26% das pneumonias adquiridas na comunidade em pases industrializados (Hawker et al., 2005), tendo sido notificados cerca de 65 casos anualmente, em Portugal, entre 2003 e 2007 (DGS, 2008). Dos 300 casos notificados por ano na Gr-Bretanha, cerca de 12% esto associados a surtos localizados, tendo como origem sistemas de climatizao, embora tambm estejam em causa

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tanques de hidromassagem. (Bohte et al., 1995). A gua usada nesses tanques no rejeitada com regularidade, sendo apenas submetida a desinfeco e recirculao (HPA, 2006).

b) Pseudomonas aeruginosa A Pseudomonas aeruginosa tem sido encontrada em 94 a 100% dos tanques de hidromassagem analisados, em concentraes que variam entre 1 a 2400 UFC/mL (Price e Ahearn, 1988). As concentraes encontradas so resultantes, provavelmente, das elevadas temperaturas verificadas nesses tanques e do arejamento da gua, as quais favorecem o crescimento de P. aeruginosa. Este organismo tem sido mais habitualmente detectado em tanques de hidromassagem quando as concentraes de cloro so inferiores ao recomendado para estes equipamentos (3 ppm ou 3 g/L de cloro residual) (Price e Ahearn, 1988). Surtos de foliculite e de otite por P. aeruginosa tm sido reportados, associados com a utilizao de tanques de hidromassagem (Ratnam et al., 1986) e de piscinas (Mena et al., 2009) que contm aquele microrganismo. A incidncia real de doena associada com P. aeruginosa em piscinas e ambientes similares de difcil determinao, uma vez que os sintomas podem ser ligeiros e auto-limitados e, como tal, a maioria dos pacientes no recorrer a servios mdicos. Nos EUA, Yoder et al. (2004) reportaram vinte surtos de dermatites entre 2000 e 2001 associados com piscinas e tanques de hidromassagem. Em oito desses surtos, a P. aeruginosa foi identificada em amostras de gua ou dos filtros; nos restantes doze surtos, a Pseudomonas foi considerado o agente mais provvel. Entre os factores que contriburam para estes surtos incluam-se uma inadequada manuteno das piscinas e dos tanques de hidromassagem e uma carga de banhistas acima da lotao prevista.

c) Staphylococcus aureus Em relao ao S. aureus, foi relatado por Robinton e Mood (1966) que este microrganismo era libertado por banhistas, independentemente das condies em que efectuada a prtica da natao, podendo esta bactria ser encontrada em filmes superfcie da gua dos tanques. Estirpes da flora humana de Staphylococcus produtores de coagulase foram detectadas em piscinas submetidas a clorao, sendo a sua presena devida a leses cutneas ou a infeces da pele, vias urinrias, olhos, ouvidos e de outras localizaes com origem nos utilizadores das piscinas (Tosti e Volterra, 1988; Falco et al., 1993; Domnech-Snchez et al., 2008). Infeces causadas por S. aureus adquiridos em piscinas podem tornar-se aparentes apenas ao fim de 48 h aps o contacto, tendo alguns autores (Guida et al., 2009) sugerido que as guas recreativas com uma elevada densidade de banhistas apresentam um risco de infeco por S. aureus comparvel ao risco de doena gastrointestinal associada com tomar banho em guas consideradas imprprias devido a poluio de origem fecal. d) Leptospiras Em comparao com outros agentes patognicos, as Leptospiras tm uma baixa resistncia a agentes fsicos e qumicos adversos, incluindo desinfectante. Raramente se encontram na gua abaixo de pH 6,8, e no toleram16Maria Joo Silva Leite Carvalho Pedroso

desidratao ou exposio solar directa (Noguchi, 1918; Broom e Alston, 1948; Weyant et al., 1999). A maioria dos surtos de leptospirose notificados com origem na gua envolveram guas recreativas naturais, embora dois estivessem associados com o uso de piscinas sem desinfeco (Cockburn et al., 1954; de Lima et al., 1990). As fontes provveis de Leptospira foram animais domsticos ou selvagens com acesso s guas implicadas.

e) Micobactrias atpicas As micobactrias atpicas (i.e. aquelas espcies no estritamente patognicas, tais como a M. tuberculosis) so ubquas em ambientes aquticos e proliferam em piscinas e ambientes similares (Leoni et al., 1999). Em piscinas, o M. marinum responsvel por infeces localizadas da pele e dos tecidos moles em pessoas saudveis, que ocorrem habitualmente em zonas de abraso dos cotovelos e joelhos, muitas vezes referidas como granuloma das piscinas. O microrganismo provavelmente passa dos planos laterais da piscina para os banhistas quando entram ou saem dos tanques (Collins et al., 1984). Algumas infeces respiratrias em indivduos saudveis pneumonites de hipersensibilidade e pneumonias associadas com o banho em tanques de hidromassagem tm sido causadas por outras micobactrias atpicas, tais como o M. avium (Embil et al., 1997; Kahana et al., 1997; Grimes et al., 2001; Khoor et al., 2001; Mangione et al., 2001; Cappelluti et al., 2003; Lumb et al., 2004). A tabela 3 indica, de forma resumida, quais as bactrias de origem no fecal encontradas em piscinas e as infeces que lhes esto associadas.

Tabela 3 Bactrias de origem no fecal encontradas em piscinas e suas infeces associadas BACTRIAS DE ORIGEM NO FECAL Legionella spp. Pseudomonas aeruginosa FONTE Aerossis de tanques de hidromassagem e sistemas HVAC Chuveiros com deficiente manuteno ou sistema de gua quente Banhistas em piscinas ou tanques de hidromassagem Superfcies molhadas adjacentes Libertado a partir dos banhistas em superfcies molhadas nas imediaes da piscina e tanques de hidromassagem Aerossis de tanques de hidromassagem e sistemas HVAC. Banhistas gua da piscina contaminada com a urina de animais infectados INFECO/ DOENA Legionelose (duas formas clnicas distintas: Doena dos Legionrios e Febre de Pontiac) Foliculite (tanques hidromassagem) Otite do nadador (piscinas) Granuloma das piscinas Pneumonite de hipersensibilidade de

Mycobacterium spp. Staphylococcus aureus Leptospira spp.

Infeces da pele, olhos e ouvidos Febre ictero-hemorrgica Meningite assptica (Fonte: Adaptado de WHO, 2006)

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1.5.2.3 - Doenas em piscinas causadas por agentes biolgicos Protozorios A Giardia e, em particular, o Cryptosporidium spp. so protozorios de origem fecal associados a surtos de doenas em piscinas e em ambientes similares. Estes dois organismos so semelhantes em vrios aspectos. Apresentam-se na forma de cistos ou oocistos altamente resistentes, tanto a condies ambientais desfavorveis como a desinfectantes, com uma dose infecciosa baixa, sendo libertados em elevadas densidades por indivduos infectados. Tem havido um elevado nmero de surtos de doenas atribudas a estes agentes patognicos (Harter et al., 1984; Porter et al., 1988; Greensmith et al., 1988; CDC, 1990; Joce et al., 1991; Bell et al., 1993; Gray et al., 1994; McAnulty et al., 1994; CDC, 1994; CDC, 2001a; Puech et al., 2001; Galmes et al., 2003), os quais se tm verificado em piscinas desinfectadas com cloro ou com cloro e ozono, quer a sua gesto fosse adequada ou no (CDC, 2001a; CDC, 2001b). Uma anlise de surtos de doena associados a guas recreativas realizada nos EUA para os anos de 2001 e 2002 concluiu que as espcies de Cryptosporidium eram a causa mais frequente de doena gastrointestinal associada a piscinas com gua tratada (Yoder et al., 2004). A maior parte dos surtos de Giardia entre utilizadores de piscinas estiveram relacionados guas de piscina contaminadas por guas residuais, matria fecal libertada acidentalmente ou suspeitas de acidentes fecais (Fournier et al., 2002). 1.5.2.4 Fungos O Epidermophyton floccosum e vrias outras espcies do gnero Trichophyton causam infeces fngicas superficiais do cabelo, unhas ou pele. Uma infeco da pele dos ps, normalmente entre os dedos, referida como tinea pedis ou, mais vulgarmente, como p de atleta (Aho e Hirn, 1981) e apresenta sinais como macerao, fendas e descamao da pele, com prurido intenso. A tinea pedis pode ser transmitida por contacto directo (pessoa a pessoa); em piscinas, no entanto, poder ser transmitida atravs do contacto fsico com superfcies, tais como os pavimentos dos balnerios e dos vestirios, contaminados com fragmentos infectados da pele.

1.5.3 - Perigos qumicos Os perigos qumicos em piscinas esto relacionados com a exposio a substncias qumicas txicas em consequncia da qual podero resultar efeitos adversos para a sade dos utilizadores ou dos trabalhadores. No caso de uma piscina, as substncias qumicas txicas a que se fez referncia podem encontrar-se na gua, no ar interior de piscinas cobertas ou ainda podero ser libertadas acidentalmente, durante o armazenamento ou manipulao de produtos qumicos (nos quais se incluem produtos para o tratamento da gua, produtos de higienizao e limpeza e produtos de manuteno, como por exemplo leos, lubrificantes, tintas, gases para soldaduras, etc.) ou libertadas em resultado de um funcionamento deficiente dos equipamentos. As substncias qumicas txicas presentes na gua das bacias podem ser agrupadas da seguinte forma (WHO; 2006): Provenientes da gua de alimentao da bacia todas as origens de gua contm substncias qumicas, algumas das quais podero ser relevantes em relao segurana das piscinas. A gua proveniente de uma reserva de18Maria Joo Silva Leite Carvalho Pedroso

gua municipal poder conter matria orgnica (tal como cidos hmicos, os quais so precursores dos subprodutos da desinfeco), sub-produtos da desinfeco resultantes de um processo prvio de desinfeco, cal, fosfatos e, no caso de sistemas clorados, monocloroaminas. Se a gua de alimentao da bacia for gua do mar teremos que considerar a presena de elevadas concentraes de bromo. Em determinadas circunstncias, o rado tambm poder estar presente, no caso da origem da gua ser subterrnea. Resultantes do processo de gesto da qualidade da gua das bacias um certo nmero de substncias qumicas utilizadas para o tratamento da gua (entre as quais desinfectantes, correctores de pH, coagulantes, ) so adicionadas gua de entrada nos tanques com o objectivo de serem cumpridos critrios de qualidade da gua. Uma determinada proporo da gua est continuamente a ser submetida a processos de tratamento, os quais incluem geralmente a filtrao (muitas vezes em conjunto com a coagulao), correco de pH e desinfeco. Introduzidas pelos utilizadores da piscina Os compostos de azoto, especialmente a amnia, que so excretados pelos banhistas (por diversas vias: urina, suor, clulas de descamao da pele, sujidade) reagem com o agente desinfectante livre e produzem uma grande variedade de produtos sub-produtos da desinfeco. Tambm h a considerar nesta categoria a contribuio dos produtos de cosmtica, entre os quais os bronzeadores. Sub-produtos da desinfeco (ex: trihalomethanos; cidos haloacticos, cloratos e tricloreto de azoto). A abordagem dos perigos qumicos em piscinas remete para a questo da exposio (quer dos utilizadores, quer dos trabalhadores de piscinas) a substncias qumicas txicas, a qual poder traduzir-se em efeitos adversos para a sade destes dois grupos. Cite-se que, como exemplo da exposio ocupacional, entre as doenas profissionais associadas exposio a agentes qumicos em piscinas, se incluem as seguintes (passveis de, em Portugal, integrar o Grupo 1 e o cdigo 23.01 do Grupo 2 da Lista das Doenas Profissionais, publicada em anexo ao Decreto Regulamentar n. 76/2007, de 17 de Julho, com indicao das patologias que lhes correspondem da Classificao Internacional de Doenas 10 edio (CID-10)): Sintomas respiratrios agudos ou crnicos (tosse, broncospasmo, bronquite qumica aguda, asma profissional) devido a exposio a gases e vapores cdigos J68 e X47 da CID-10 (como por exemplo, os produtos utilizados na desinfeco da gua das piscinas) ou a exposio a outras substncias qumicas nocivas cdigo X49 da CID10 (como por exemplo, os produtos usados para limpeza e desinfeco de superfcies). Outras manifestaes clnicas cdigos T59.4 e T65.8 da CID-10 (referentes, por exemplo, possibilidade de ocorrncia de patologias graves, eventualmente neoplasias, por exposio a sub-produtos de desinfeco da gua das piscinas). Queimaduras.

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1.5.3.1 Exposio O processo de entrada de uma ou mais substncias qumicas no organismo envolve a fase de contacto com a substncia ou mistura (exposio), seguido da entrada propriamente dita dessa substncia para o interior do organismo (atravessando fronteiras, tais como a pele ou mucosas) (US EPA, 1997). A exposio refere-se, ento, ao contacto das substncias qumicas com a fronteira externa do organismo humano (por exemplo, a pele, aberturas da pele como a boca, o nariz ou feridas). As substncias qumicas recebidas na fronteira do organismo podem penetrar atravs de trs barreiras/ vias importantes: Trato gastro-intestinal ingesto; Pulmes via de exposio area ou inalao; Pele contacto drmico. Em qualquer destas barreiras verifica-se uma resistncia transferncia dos produtos qumicos, e para a maior parte dos produtos qumicos, mesmo aps a sua absoro s ocorrem efeitos adversos na sade se a concentrao no organismo exceder um determinado valor mnimo (situao vlida apenas para efeitos no cancergenos). Este pressuposto um meio de gerir e mitigar os riscos. O efeito de um produto qumico na sade diferente, consoante a via de absoro.

1.5.3.2 Vias de exposio A. Ingesto A quantidade de gua ingerida pelos utilizadores da piscina depende de vrios factores, entre os quais a experincia, idade e tipo de actividade. A durao da exposio varia significativamente em diferentes circunstncias; no entanto, para os adultos uma maior exposio ser esperada associada, por exemplo, a nadadores de competio, havendo uma menor taxa de ingesto para o mesmo perodo de tempo no caso de nadadores pouco experientes. A situao relativamente s crianas menos clara e parece no haver disponibilidade de dados que permitam efectuar uma avaliao mais detalhada. Tm sido efectuadas vrias estimativas de possveis quantidades ingeridas de gua durante a prtica da actividade desportiva em piscinas e em ambientes similares, destacando-se um estudo piloto realizado por Evans et al. (2001). Neste estudo recorreu-se a anlises de urina, com recolha de amostras de urina de 24 horas de nadadores que tinham frequentado uma piscina em que a desinfeco foi assegurada por compostos de cloro estabilizado (dicloroisocianurato) e analisadas as concentraes em cianuratos. Todos os intervenientes tinham nadado, embora se desconhecesse a durao do exerccio fsico. No estudo concluiu-se que a ingesto mdia de gua pelas crianas (37 ml) era superior ao dos adultos (16 ml). Para alm disso, a quantidade ingerida pelos adultos do sexo masculino (22 ml) foi superior ingerida pelos adultos do sexo feminino (12 ml); no sexo masculino em geral (45 ml) foi superior quantidade ingerida pelas raparigas (30 ml).

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B. Inalao Os banhistas e os utilizadores das piscinas inalam a partir da atmosfera imediatamente acima da superfcie da gua, e o volume de ar inalado funo da intensidade e da durao do esforo. Os indivduos que utilizam a piscina tambm inalam o ar na rea mais ampla do edifcio onde se insere a piscina. No caso de piscinas descobertas, a concentrao no ar destas substncias qumicas estar consideravelmente diluda. A exposio por inalao estar na sua maior parte associada a substncias volteis que sofrem volatizao a partir da superfcie da gua; no entanto, h ainda a considerar a inalao de aerossis num tanque de hidromassagem, por exemplo. Assume-se normalmente que um adulto inalar aproximadamente 10 m3 de ar durante um perodo de trabalho de 8 horas (WHO, 1999); no entanto, tal depende tambm do esforo fsico despendido. Assim, haver variaes significativas de indivduo para indivduo em funo do nvel do tipo de actividade desenvolvido e do nvel de esforo. Outros factores que controlam esta via de exposio so a concentrao da substncia na gua, propriedades de transferncia de massa, concentrao no ar e tempo passado na vizinhana da piscina. C. Contacto drmico A pele est extensivamente exposta s substncias qumicas presentes na gua da piscina. A extenso da exposio atravs da pele depende de um conjunto de factores, entre os quais o perodo de contacto com a gua, a temperatura da gua, a concentrao da substncia na gua e ainda a rea superficial do corpo exposta e a permeabilidade da pele. Algumas destas substncias podero ter um impacte directo na pele, olhos e membranas mucosas, mas podero tambm atravessar a barreira cutnea e ser absorvidas pelo organismo. Foram sugeridas duas vias para o transporte ao longo do estrato crneo (camada mais perifrica da pele): uma para as substncias lipoflicas e outra para as substncias hidroflicas (Raykar et al., 1988).

1.5.3.3 Avaliao da exposio A avaliao da exposio tem por objectivos identificar as vias de exposio mais relevantes e estimar a quantidade total de contaminantes introduzida por ingesto, inalao e absoro drmica (US EPA, 1997). Atravs da avaliao da exposio pretende-se determinar a natureza e extenso do contacto com a substncia qumica em causa. Mltiplas abordagens podem ser utilizadas na realizao da avaliao da exposio. Normalmente, recorrem-se a tcnicas directas e indirectas, envolvendo respectivamente medies ambientais e medies da exposio individual, em que poder ocorrer o recurso a biomarcadores.

1.6 Gesto dos perigos 1.6.1 Gesto da qualidade da gua Aps terem sido apresentados os potenciais perigos identificveis numa piscina e aos quais esto sujeitos quer os utilizadores, quer os profissionais que a trabalham (dependo, conforme j foi referido, da especificidade das funes

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que desempenham), percebe-se que a optimizao da gesto da qualidade da gua ser determinante para a minimizao de perigos includos nas vrias categorias mencionadas. Por esse motivo, a OMS (WHO, 2000) aponta como principais desafios em termos de gesto da qualidade da gua o controlo da turvao, da qualidade microbiolgica da gua e dos potenciais perigos da formao de subprodutos da desinfeco. Assim, por exemplo, atravs do controlo do parmetro turvao consegue-se no s minimizar o perigo de acidentes fsicos como tambm aumentar a eficincia da desinfeco (etapa de tratamento essencial para a destruio ou remoo de microrganismos). Tal facto explicado, uma vez que as partculas causadores de turvao consomem desinfectante, e para alm disso, tambm envolvem os microrganismos, formando uma carapaa de proteco aco do desinfectante, interferindo no processo. O controlo da turvao poder ser alcanado atravs de processos de tratamento adequados, normalmente com recurso a processos de filtrao e coagulao (etapas do tratamento preconizado para piscinas e que sero discutidas mais adiante neste trabalho). Analisando a problemtica da gesto do risco biolgico em piscinas, explicita-se que esta gesto engloba um conjunto de medidas que pretendem minimizar a proliferao de microrganismos, quer na gua da piscina, quer em superfcies, por forma, a prevenir a transmisso de doenas infecciosas. imperioso que haja uma consciencializao por parte dos promotores de projectos deste tipo de instalaes de que o combate ao desenvolvimento de microrganismos se deve iniciar imediatamente na fase de projecto. Devem, pois ser integradas na concepo das piscinas algumas imposies, como por exemplo, construo de tanques exteriores abrigados dos ventos, proteco da zona de pdescalo por lava-ps, instalao de chuveiros de uso obrigatrio antes de o banhista entrar na zona de p-descalo, desenho da bacia para evitar zonas mortas que sejam inacessveis aos desinfectantes, escoamento da gua de forma uniforme e homognea, nmero de renovaes da gua dependente do tipo de frequentadores e da sua frequncia (Beleza et al, 2007). Por outro lado, durante a explorao da piscina (fase de funcionamento) importante apostar na imposio de um conjunto de regras que contemplem limitar a frequncia, promover a higiene pessoal dos banhistas e de todos os que por motivos profissionais tenham acesso piscina, realizar um bom controlo dos parmetros fsico-qumicos e bacteriolgicos da qualidade da gua e vedar o acesso a todas as pessoas com afeces das vias respiratrias, das mucosas e da pele, bem como, no caso de piscinas descobertas vedar o acesso a animais domsticos (Beleza et al, 2007). Uma das principais medidas de gesto do risco na contaminao de origem fecal centra-se na minimizao dos acidentes fecais, promovendo medidas educacionais dirigidas aos utilizadores das piscinas (quer enquanto banhistas, quer na qualidade de responsveis por crianas pequenas) sobre boas prticas de higiene na utilizao deste tipo de instalaes. Esta abordagem tem-se revelado comprovadamente til para melhorar a qualidade sanitria das piscinas e para reduzir a ocorrncia de acidentes fecais. Mais uma vez se justifica a importncia dos banhistas tomarem um duche antes de aceder gua, de forma a remover no s o suor e resduos de cosmticos e de urina, mas tambm eventuais resduos fecais presentes na pele ou no vesturio. Entre as medidas de gesto do risco biolgico, importante frisar que esto bem identificados procedimentos que devero ser efectuados por rotina, tais como a recirculao da gua, a aplicao de um processo de filtrao seguido de desinfeco, e a manuteno de desinfectante residual, de forma a inactivar os microrganismos que venham a ser22Maria Joo Silva Leite Carvalho Pedroso

introduzidos na bacia (por exemplo, por banhistas). Em sntese, a gua das bacias deve ser filtrada, desinfectada e possuir poder desinfectante residual, garantindo que no seja irritante para os olhos, para a pele ou para as mucosas e no contenha substncias em quantidades susceptveis de constituir danos para a sade dos utilizadores. Em determinadas situaes poder tornar-se indispensvel o recurso a medidas de gesto do risco especficas, por exemplo, na presena de Giardia ou Cryptosporidium, protozorios extremamente resistentes aos processos de desinfeco normais. Neste captulo, para alm das medidas gerais de gesto do risco biolgico, tambm sero mencionadas, caso a caso, as medidas mais adequadas de gesto de risco biolgico. No caso dos vrus, o seu controlo na gua de uma piscina habitualmente efectuado atravs do recurso a um adequado tratamento de desinfeco. Perante episdios em que se verifica uma elevada contaminao da gua devido a acidentes fecais ou libertao de vmitos por indivduos contaminados, os vrus no podero ser efectivamente controlados com dosagens normais de agente desinfectante. A nica medida ajustada, no que se refere a assegurar a proteco da sade pblica nestas condies a interdio do uso da piscina at que os contaminantes estejam inactivados. recomendvel que indivduos com gastroenterites no utilizem piscinas durante o perodo da doena ou, pelo menos, durante uma semana aps o incio da doena, para evitar a sua transmisso (WHO, 2006). Quanto s referidas bactrias de origem fecal, tanto a E. coli O157 como a Shigella spp so prontamente controladas atravs da utilizao do cloro ou de outros agentes desinfectantes, sob condies operacionais ideias. No entanto, no caso de se ter verificado um acidente fecal na bacia ou em tanque de hidromassagem, provvel que esses organismos no sejam instantaneamente eliminados e tero que ser tomadas outras medidas, tais como a evacuao da piscina, para assegurar o tempo de contacto necessrio para que ocorra a desinfeco (WHO, 2006). Ainda considerando a possibilidade de contaminao fecal, h a analisar o caso dos protozorios patognicos Giardia e Cryptosporidium. Os cistos de Giardia e os ocitos de Cryptosporidium, como j foi explicado, so muito resistentes a vrios desinfectantes, incluindo o cloro (Lykins et al., 1990). O Cryptosporidium, por exemplo, (o mais resistente dos dois protozorios ao cloro) requer exposio a concentraes de cloro de 30 mg/l durante 240 minutos (a pH 7 e temperatura de 25C) para ser alcanada uma reduo de 99%, ou seja, um nvel impraticvel. A inactivao de ocitos com cloro superior quando so tambm aplicados ozono, dixido de cloro ou radiaes ultra-violeta (Gregory, 2002). Em comparao com o cloro, o ozono um desinfectante mais efectivo para a inactivao dos cistos de Giardia e ocitos de Cryptosporidium. Os ocitos de Cryptosporidium so sensveis a concentraes de ozono de 5 mg/l, salientando-se que quase 99 % dos ocitos so destrudos aps 1 minuto (a pH=7 e a 25C). Os cistos de Giardia so sensveis a 0,6 mg de ozono por litro, sendo 90% dos cistos inactivados ao fim de 1 minuto (a pH 7 e a 5 C). Uma vez que o ozono no um desinfectante com poder residual, devem ser asseguradas concentraes e tempo suficientes para a inactivao antes da remoo do ozono na gua e retorno da gua ao tanque. As radiaes ultra-violeta (UV) so tambm efectivas na inactivao dos cistos de Giardia e dos ocitos de Cryptosporidium. A eficcia das radiaes UV influenciada pela matria particulada presente na gua e pelo crescimento de biofilmes, pelo que dever ser controlada a turvao e proceder limpeza peridica das lmpadas UV para remover biofilmes e outras substncias passveis de interfiram com a radiao UV. Tal como o ozono, a radiao

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UV no deixa residual de agente desinfectante em soluo, pelo que devem ser usados em combinao com o cloro ou outro desinfectante com poder residual (WHO, 2004). A abordagem mais prtica para eliminar os cistos e ocitos atravs do recurso filtrao. Os ocitos de Cryptosporidium so removidos por filtrao quando a porosidade do filtro inferior a 4 m, enquanto que os cistos de Giardia so removidos por filtros com uma porosidade igual ou menor que 7 m. A maior parte dos surtos de Giardia e de Cryptosporidium entre nadadores tm sido relacionados com piscinas contaminadas com guas residuais, libertaes fecais acidentais ou suspeita deste tipo de acidentes, independentemente de serem observadas boas prticas de manuteno ou de haver nveis adequados de desinfectante. Nestas condies, a piscina dever ser imediatamente encerrada ao pblico, serem removidos os ocitos por esvaziamento do tanque ou por um reforo da filtrao e haver um reforo da desinfeco de todo o volume de gua. Relativamente contaminao de origem no fecal e considerando os vrus de origem no fecal Molluscipoxvirus e Papillomavirus (HPV) os banhistas contaminados so respectivamente a nica e a principal fonte destes microrganismos em piscinas. Assim, nos casos em que se verifique este tipo de contaminao, a melhor medida de gesto do risco sensibilizar o pblico a respeito da doena, da necessidade de usar calado apropriado nos balnerios e vestirios, da importncia de limitar o contacto entre indivduos contaminados e indivduos no contaminados e de recorrer a tratamento mdico. Nestes casos, so de especial importncia a limpeza e controlo regular das superfcies dos equipamentos da piscina. Em casos extremos de infeco por Molluscipoxvirus o pessoal da piscina deve ser treinado para conseguir reconhecer a infeco. Em relao s bactrias de origem no fecal h considerar o caso particular da Legionella. O controlo da Legionella segue os princpios gerais similares aos planos de segurana da gua aplicados s reservas de gua para consumo humano (WHO, 2004). As entidades responsveis pela gesto/ explorao das piscinas devem assegurar a implementao de planos de segurana, devendo estes planos no incidir apenas nas piscinas e nos tanques de hidromassagem mas tambm noutros sistemas tais como em torres de arrefecimento e condensadores evaporativos que possam estar instalados. Uma vez que os planos de segurana estaro limitados s piscinas e que se ignora o factor dose-resposta, devem ser definidas medidas de controlo adequadas e que tenham por base prticas eficazes baseadas na evidncia. Tais medidas deveriam incluir design apropriado, para minimizar a superfcie