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    RITA DE KSSIA KRAMER WANDERLEY

    NEOLOGIA LEXICAL NO JORNALISMO POLTICO:

    as eleies de 2010

    Recife 2012

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    CENTRO DE ARTES E COMUNICAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS E LINGSTICA

    Rita de Kssia Kramer Wanderley

    NEOLOGIA LEXICAL NO JORNALISMO POLTICO:

    as eleies de 2010

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Letras da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Lingustica. Orientadora: Prof Dr Nelly Medeiros de Carvalho

    Recife 2012

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    Aos meus.

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    AGRADECIMENTOS

    s Foras Maiores, por minha vida e pelo privilgio de viv-la encontrando sempre pessoas iluminadas no caminho. CAPES, pela bolsa que me propiciou a realizao deste e de outros trabalhos durante o curso. Ao Programa de Ps-graduao em Letras da UFPE, pelo fomento s participaes em eventos de grande representao para a construo do meu conhecimento acadmico; A minha orientadora Nelly Carvalho, por jamais se contentar em fazer o convencional. A ela pelos anos de trabalho, orientao, confiana, amizade, intensa humanidade e sobretudo pelos momentos de alegria, risos e aprendizado. Obrigada pelo apoio durante a escrita e pela compreenso nos momentos de dificuldade. professora Ieda Maria Alves pela generosidade e enorme gentileza em compartilhar seus conhecimentos, mtodos e trabalhos ainda no publicados. Muito obrigada pela confiana e pela participao na banca examinadora. querida professora Stella Telles pelo apoio, disponibilidade e pelas importantes contribuies com a avaliao do trabalho na banca. Muito obrigada por ter aceitado participar do meu projeto nas condies que se apresentaram. Ao professor Marlos de Barros Pessoa, pelos aportes na leitura atenta e observaes para este trabalho na pr-banca. Ao professor Thiago A. S. Pardo, do Ncleo Interinstitucional de Lingustica Computacional (NILC-USP), pelo suporte em relao ao seletor neolgico e pela gentileza em me ajudar com o uso do software. A Marieta Prata Dias pelo apoio junto busca de informaes na USP. A meu pai, Nelson Wanderley, por ter investido em minha educao e ter estimulado em mim a coragem e a resilincia diante das situaes difceis da vida; pelo amor. minha me, Madmana Kramer, por cuidar de mim nesse momento importante; pela vida, amor e carinho. A Franklin, pelo apoio, pelo amor, pelo ldico na minha existncia. Obrigada pela enorme pacincia durante meu processo de escrita e pela companhia corajosa e quixotesca na busca por uma vida menos ordinria. A Mrcio de Oliveira, pela ajuda e generosidade com a competente traduo.

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    s companheiras do grupo de pesquisa NEHLV: Rebeca Lins, Gabriela Medeiros, Simone Campos, pela amizade e torcida nos anos de trabalho. Aos meus queridos colegas de turma, por serem coautores deste trabalho, com seus debates, observaes e amizade incrveis durante todo o curso (e alm). Especialmente, agradeo a Ludmila Porto, pelos dilogos metodolgicos imprescindveis e elucidativos quando as ideias ainda eram turvas; a Carolina Leal, pelos conselhos em busca da simplicidade no trabalho; a Rafaela Queiroz, amiga e companheira desde a graduao, nos trabalhos e na vida, que me incentivou a entrar na Lingustica. A Evandra Grigoletto e a Judith Hoffnagel, pelo apoio durante o curso e pela competente gesto como coordenadoras do PPGL. Agradeo especialmente a Evandra por sua energia e disposio; pelo apoio como professora, como coordenadora e como amiga. A todos os professores da graduao e da ps-graduao em Letras da UFPE, grandes inspiraes para escolha do meu caminhar acadmico. professora Dilma Luciano, pelo grande incentivo e escuta. Ao querido amigo Jozaas, pela imensa presteza, carinho e competncia. Obrigada por no medir esforos em nos ajudar nessa luta e faz-lo sempre com um grande sorriso! Diva e aos bolsistas do PPGL por estarem sempre dispostos a nos ajudar, com muita competncia. A Clarissa Crisstomo, querida amiga, pelo acesso aos jornais usados na pesquisa. A todos os meus amigos que me acompanham pela vida, dando sentido maior ao meu

    e a verdadeira amizade se confirma nas ausncias. Agradeo especialmente a Marilia Ramos e a Mirela Duarte, por estarem sempre dispostas a ouvir quando precisei conversar sobre o processo de escrita. Sandrinha, por ter me guiado sempre, com carinho de me e incentivo. Aos meus alunos, por me ensinarem a ensinar e a aprender, por representarem o real objetivo de todo estudo.

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    RESUMO

    As eleies presidenciais de outubro de 2010 proporcionaram poltica brasileira momentos de grandes debates e entraves polmicos pelo carter disputado de sua deciso, aps oito anos de aprovao do governo Lula. Esse momento social, atravs do espao jornalstico enquanto mdia de massa, provocou movimentos no apenas sociopolticos, mas refletiu-se tambm no lxico com a criao de neologismos. Como produtos da convergncia entre criao lexical e histria, os neologismos produzidos nessa ocasio so testemunhas das tenses e dos movimentos sociais que foram veiculados linguisticamente por meio da poderosa mdia jornalstica, alm de registrarem a atualizao dos processos de criao de palavras na lngua portuguesa do Brasil. Partindo de um olhar terico que associa a criao lexical a seu carter sociolingustico (GUILBERT, 1975), este trabalho realiza um estudo dos neologismos formais na linguagem da poltica, no perodo de campanha e de eleies em outubro de 2010. Para tanto, foram coletadas trinta e duas edies do caderno Poder da Folha de So Paulo e mais trinta e duas do caderno Poltica do Jornal do Commercio (PE), peridicos de maior difuso nacional e local. Os textos reunidos para a busca de novas palavras correspondem a notcias divulgadas no perodo em que ocorreram as campanhas de primeiro e de segundo turno das eleies at a data do resultado do segundo turno, em que foi oficializada a eleio da atual Presidenta da Repblica Dilma Rousseff, primeira mulher a ocupar o cargo no pas. Utilizamos como recurso metodolgico o extrator neolgico que permite uma deteco semiautomtica de neologismos (ALVES et al, 2006; ALVES, 2010), na primeira etapa de coleta, e a metodologia de corpus de excluso (BOULANGER, 1979b) como critrio definitivo para a seleo das novas palavras. Com as anlises, observamos que a criao de neologismos formais atravs dos processos de derivao foi a mais produtiva, somando 260 palavras (mais de 58% das criaes). Em seguida, o processo de composio aparece com 138 neologismos (31% do total de novas palavras). Os 38 emprstimos lingusticos correspondem a aproximadamente 8,5% das palavras encontradas. Os outros tipos de neologismos formais somam juntos apenas 7 palavras (pouco mais de 1,5%). O estudo das novas palavras nesse perodo eleitoral nos permite observar a materializao, no lxico, do grande movimento e instabilidade ideolgica por que passou o pas. Pela criao lexical, podermos ver emergirem na linguagem as tenses da luta pelo poder, das celeumas ticas e morais da sociedade, das lutas partidrias e das polmicas geradas pelas campanhas eleitorais de 2010.

    Palavras-chave: neologismo, lxico, sociedade, jornalismo poltico.

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    RSUM

    Les lections prsidentielles d'octobre 2010 ont procur la politique brsilienne des dbats importants et des dmls polmiques. La course acharne au pouvoir en est la principale cause, suite huit ans russis de gouvernement Lula. Dans l'espace journalistique des mdias de masse, cet vnement social a notamment provoqu des mouvements sociopolitiques, mais aussi la cration de nologismes. Fruits de la convergence entre cration lexicale et volution historique, les nologismes produits cette occasion sont les tmoins des tensions et des mouvements sociaux qui ont t vhiculs linguistiquement par le moyen du puissant mdia journalistique. Outre cela, ils sont galement le registre vivant de l'actuatisation des processus de cration de mots en langue portugaise du Brsil. A partir d'une dmarche thorique associant la cration lexicale son caractre sociolinguistique (GUILBERT, 1975), nous ralisons dans ce mmoire une tude des nologismes formels dans le langage politicien pendant la campagne lectorale et les lections d'octobre 2010. Pour cela, nous avons collect trente-deux ditions des pages Poder du quotidien Folha de S. Paulo et encore trente-deux des pages Poltica du quotidien Jornal do Commercio (Pernambouc) respectivement les publications les plus diffuses aux niveaux national et local. Les textes rassembls correspondent aux articles publis pendant la campagne du premier et du second tours, jusqu' l'lection effective de la Prsident de la Rpublique, Dilma Rousseff, premire femme la tte du pays. Dans la premire tape de la collecte, nous avons utilis comme outil mthodologique l'extracteur nologique, qui permet un reprage smiautomatique de nologismes (ALVES et al, 2006; ALVES, 2010) et la mthodologie de corpus d'exclusion (BOULANGER, 1979b) comme critre dfinitif pour la slection des nouveaux mots. Pendant les analyses, nous observons que la cration de nologismes formels par processus de drivation a t la plus productive, totalisant 260 mots (plus de 58% des crations). Ensuite, le processus de composition est l'origine de 138 nologismes (31% du total des mots nouveaux). Les trente-huit emprunts linguistiques correspondent environ 8,5% des mots trouvs. Finalement, les autres types de nologismes formels ne totalisent ensemble que 7 mots (un peu plus de 1,5%). L'tude de ces nouveaux mots nous permet de conclure que le pays a subit une instabilit idologique et un grand dynamisme, qui se concrtisaient linguistiquement par le lexique. Ainsi, par la cration lexicale, nous pouvons entrevoir dans la langue l'mergence des tensions de la lutte pour le pouvoir, des querelles thiques et morales au sein de la socit, des luttes entre partis et des polmiques engendres par la campagne lectorale de 2010.

    Mots-cls : nologisme, lexique, socit, journalisme politique.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Esquema de dualidades lngua/fala de Coseriu (1962) .............................. 35 Figura 2 Esquema de interpretao da trplice sistema, norma e fala de Coseriu (1962) .................................................................. 37 Figura 3 Origem da criao lexical ............................................................................ 56 Figura 4 - Esquema da teoria dos conjuntos fluidos .................................................... 82 Figura 5 - Contnuo fala x escrita de Marcuschi (2010, p.41) ...................................... 92 Figura 6 - Metodologia de busca automtica por candidatos a neologismos de Alves et al. 2006 .............................................................. 98

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Procedimentos de criao neolgica de PRUVOST e SABLAYROLLES (2003) ....................................................... 78

    LISTA DE IMAGENS

    Imagem 1 - Interface do software utilizado na seleo dos candidatos a neologismos .............................................................. 99

    Imagem 2 - Arquivo em formato html gerado pelo seletor neolgico .................... 99

    Imagem 3 - Lista dos arquivos gerados pela anlise semiautomtica dos 32 exemplares do JC ............................................ 100

    Imagem 4 - Tabela de registro neolgico aps a conferncia manual em corpus de excluso ............................................................. 101

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Nmero de prefixos encontrados na pesquisa ......................................... 110

    Grfico 2 - Porcentagem dos prefixos encontrados na pesquisa .............................. 111

    Grfico 3 - Palavras formadas com os sufixos .......................................................... 148

    Grfico 4 - Porcentagem das palavras formadas com os sufixos .............................. 149

    Grfico 5 - Porcentagem das formaes compostas ................................................ 190

    Grfico 6 - Porcentagem dos estrangeirismos encontrados quanto a sua origem ................................................................................ 230

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Prefixos encontrados na pesquisa ............................................................. 109 Tabela 2 - Sufixos encontrados na pesquisa .............................................................. 147

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    Schlegel

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    SUMRIO

    INTRODUO ......................................................................................................... 14

    1 A LINGUAGEM EM MOVIMENTO ....................................................................... 21

    1.1 A lngua e a mudana ....................................................................................... 21

    1.2 Os tipos de mudana ......................................................................................... 27

    1.2.1 Mudanas de som ou fontico-fonolgicas ............................................. 27

    1.2.2 Mudana morfolgica ............................................................................... 27

    1.2.3 Mudana sinttica ou gramatical .............................................................. 28

    1.2.4 Mudana semntica ................................................................................. 28

    1.3 Sistema, fala e mudana .................................................................................... 32

    1.3.1 Sistema, norma e fala ............................................................................... 37

    2 NEOLOGIA: A CRIATIVIDADE NO LXICO ............................................................ 41

    2.1 O lxico ............................................................................................................ 42

    2.2 Palavra: conceitos e obstrues ......................................................................... 47

    2.2.1 Breve histrico .......................................................................................... 49

    2.2.2 Definies ................................................................................................. 50

    2.3 Neologia: processo de criao lexical ................................................................ 58

    2.3.1 Neologia no Brasil ..................................................................................... 67

    2.3.2 Tipologia dos neologismos ....................................................................... 69

    2.3.3 As diferentes criatividades lexicais ........................................................... 74

    2.3.2.1 Neologia denominativa ................................................................ 74

    2.3.2.2 Neologia estilstica ....................................................................... 75

    2.3.2.3 Neologia da lngua ....................................................................... 76

    2.3.3 Neologia e sociedade ............................................................................... 77

    2.3.4 Procedimentos de criao neolgica ........................................................ 81

    2.3.5 Neologia e comunicao ........................................................................... 84

    3 DO JORNAL PALAVRA POLTICA ......................................................................... 89

    3.1 Mdia, comunicao e poltica ............................................................................ 89

    3.2 Jornalismo, linguagem e criao ......................................................................... 94

    4 PROCEDIMENTOS DE ANLISE .............................................................................. 99 4.1 Os veculos jornalsticos ..................................................................................... 99

    4.2 As eleies federais 2010 .................................................................................. 100

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    4.3 Mtodo de identificao e registro neolgico ................................................... 101

    4.3.1 Primeira etapa ........................................................................................... 101

    4.3.2 Segunda etapa .......................................................................................... 105

    4.3.3 Terceira etapa ........................................................................................... 106

    5 NEOLOGISMOS FORMAIS NAS ELEIES DE 2010 ................................................. 108

    5.1 Neologismos formais .......................................................................................... 110 5.1.1 Formao por derivao ........................................................................ 111 5.1.1.1 Derivao prefixal ....................................................................... 112

    5.1.1.2 Derivao sufixal ......................................................................... 151

    5.1.1.3 Derivao flexional ..................................................................... 186

    5.1.1.4 Derivao regressiva .................................................................. 187

    5.1.1.5 Derivados de siglas e acronmias ................................................ 188

    5.1.2 Formao por composio ..................................................................... 192

    5.1.2.1 Composio por justaposio .................................................. 195

    5.1.2.1.1 Justaposio substantivo/substantivo ....................... 196

    5.1.2.1.2 Justaposio substantivo/adjetivo ............................. 203

    5.1.2.1.3 Justaposio de substantivo/preposio/substantivo 212

    5.1.2.1.4 Justaposio de adjetivo/adjetivo ............................. 213

    5.1.2.1.5 Justaposio de numeral/substantivo,

    substantivo/numeral ................................................ 216

    5.1.2.1.6 Justaposies com verbos ........................................ 217

    5.1.2.1.7 Composio satrica ................................................. 218

    5.1.2.2 Composio por aglutinao ..................................................... 219

    5.1.2.3 Composio erudita .................................................................. 221

    5.1.2.4 Cruzamento vocabular .............................................................. 223

    5.1.2.5 Composio sintagmtica ......................................................... 226

    5.1.3 Emprstimos lingusticos ....................................................................... 231

    5.1.4 Neologismos fonolgicos ....................................................................... 242

    5.1.4.1 Criaes onomatopaicas ............................................................ 243

    5.1.5 Outros processos ................................................................................... 244

    5.1.5.1 Converso .................................................................................. 244

    5.1.5.2 Grias .......................................................................................... 245

    CONSIDERAES FINAIS ......................................................................................... 247 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 251

  • 14

    INTRODUO

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    INTRODUO

    A mudana lingustica no apenas uma constatao cientfica, tambm fato

    emprico que pode ser observado por qualquer falante no especializado. A lngua muda

    genuinamente e pode-se ver este fenmeno nos falares de indivduos de diferentes

    geraes, classes sociais, lugares. Atravs da criao neolgica, podemos ter acesso a uma

    das manifestaes dessa mudana inerente a toda lngua viva. O sistema lexical faz parte do

    sistema lingustico e est disponvel para que possamos criar e recriar a todo o momento.

    Mas no se cria uma palavra nova sem nenhum propsito ou a partir do nada. Apesar de

    iao lexical se define pela possibilidade de criao de novas unidades

    lexicais em virtude de regras de produo do interior do si

    p.31), Louis Guilbert (1975) assevera que o lxico no se constitui apenas do sistema lexical.

    Ele ligado, sobretudo, ao universo das coisas, dos acontecimentos, aos modos de ver o

    mundo e s prticas da sociedade. O estudo da criao neolgica pressupe a anlise do

    funcionamento do lxico, mas exige tambm anlises sobre os momentos histricos de que

    os neologismos emergem.

    A mdia impressa uma das janelas pelas quais os indivduos tm acesso

    construo de ideias sobre os fatos e os acontecimentos do mundo. A organizao miditica

    constri textos sobre a realidade que se destaca entre os fatos corriqueiros, e assim elege o

    que relevante no debate social. Mas as instncias de comunicao no so organismos

    autnomos, que escrevem de si para si mesmo. Elas trabalham com a informao visando

    um pblico leitor que, enquanto receptores, tambm atuam no processo de construo da

    notcia.

    Fazendo parte da grande mdia impressa, o jornalismo poltico uma rea da mdia

    jornalstica que tem grande importncia no funcionamento social, por ser responsvel pela

    divulgao de informaes que podem mudar a opinio pblica sobre determinados

    polticos, partidos e posies ideolgicas. Esta mdia poderosssima tem a fora de construir

    e desconstruir imagens, eleger e derrotar candidatos. , portanto, elemento decisivo no

    sistema democrtico de qualquer pas, por ser uma das vias de acesso do povo poltica

    vivida entre as paredes das sedes e das salas de votao dos plenrios. Martins (2005) afirma

    que atravs do estudo histrico do jornalismo poltico, pode-se observar que os jornais vm

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    perdendo o carter partidrio. O autor diz que atualmente a grande imprensa tem uma

    maior preocupao em separar o que notcia e o que opinio na cobertura dos fatos da

    poltica, o que nos leva a considerar uma maior heterogeneidade de representaes nos

    jornais. Esse fenmeno concretizado linguisticamente em textos noticiosos; e o lxico tem

    grande papel na busca pela materializao lingustica dos novos acontecimentos em

    momentos polticos de grande fervor, como em campanhas eleitorais.

    Por esta razo, o estudo da neologia lexical no domnio do jornalismo poltico

    demonstra o quanto os acontecimentos, as tenses e os debates de candidatos e ideologias

    partidrias podem reverberar na criao de novas palavras. Os grandes escndalos, os

    eventos de debate entre os candidatos, os projetos partidrios e os acontecimentos

    histricos envolvidos no processo das eleies federais de 2010 deixam sua marca na lngua

    atravs da criao de neologismos, que podem servir como base para o estudo da

    produtividade lexical na linguagem da poltica; mas tambm podem servir como acervo

    memorial de uma poca de grande importncia histrica para o pas.

    A partir dessas discusses, este trabalho pretende estudar o fenmeno da neologia

    lexical atravs da criao de neologismos formais produzidos em um determinado perodo

    de tempo, recortando um evento histrico, social e poltico: as eleies federais brasileiras

    de 2010. Uma vez que as mudanas sociais se realizam linguisticamente, os neologismos

    podem ser tomados como a reverberao dos elementos sociais em jogo nos

    acontecimentos. Com isso, reiteramos a intensa ligao entre histria e lngua no incessante

    processo de mudana pela qual todas elas passam.

    Portanto, o objetivo geral de nosso trabalho consiste no estudo da criao de

    neologismos formais (BIDERMAN, 2001) no jornalismo poltico durante o perodo das

    eleies federais de 2010, para assim podermos reforar a ideia de que lxico e realidade

    esto ligados atravs das relaes entre histria do lxico e histria da sociedade.

    Os objetivos especficos delimitados so: a) levantamento dos termos candidatos a

    neologismos; b) identificao das criaes lexicais com base em um corpus de excluso; c)

    classificao dos itens coletados em categorias neolgicas; d) classificao, organizao e

    estudo dos neologismos a partir do processo de criao de palavras que os originou; e)

    estudo da emergncia dos neologismos formais com nfase nas relaes entre seu

    aparecimento e os acontecimentos histricos e polticos midiatizados no perodo da

    campanha eleitoral; f) indicao dos processos mais produtivos no corpus estudado.

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    No primeiro captulo do trabalho, fazemos uma espcie de estado da arte dos estudos

    sobre a mudana lingustica, em que situamos a nossa perspectiva de anlise diante da

    observao dos fatos da mudana. Ao lado do linguista e filsofo Eugenio Coseriu (1979),

    reafirmamos o porvir da linguagem, pois entendemos que esta instituio nunca est feita,

    mas sempre est a se fazer e a se refazer, tentando se ajustar aos homens enquanto os

    prprios homens tentam se ajustar vida em sociedade. Como base terica, utilizamos

    tambm as importantes reflexes de Faraco (1991), quando ele assume a linguagem como

    realidade heterognea, colocando os analistas da lngua em mudana em uma posio

    relativa diante de seu objeto. Nesse captulo, fazemos ainda consideraes sobre as

    caractersticas e os tipos de mudana lingustica. Alm disso, trabalhamos com a trplice

    Sistema/Norma/Fala proposta por Coseriu (1962) na reviso dos conceitos de lngua e fala da

    teoria de Saussure (2006), pois entendemos que a criao lexical se d inicialmente a partir

    da fala, com base em recursos do sistema, mas sempre profundamente influenciada pela

    norma.

    No segundo captulo, penetramos especificamente nos estudos lexicais com o

    objetivo de delimitar a nossa compreenso do fenmeno neolgico. Inicialmente, realizamos

    consideraes sobre diversas observaes tericas do conceito de lxico. Em seguida,

    realizamos uma breve discusso acerca dos debates tericos em busca da delimitao do

    conceito de palavra, destacando o olhar de diferentes disciplinas da lingustica e

    demonstramos nossa compreenso do que se entende por palavra como unidade lexical. A

    partir dos pressupostos colocados, instauramos discusses tericas sobre o conceito de

    neologia como processo de criao lexical, bem como sobre as relaes entre o conceito de

    neologia e neologismo. Delimitamos os critrios de reconhecimento da unidade neolgica

    atravs de alguns autores que associam a criao lexical mudana social, como Guilbert

    (1975), Pruvost e Sablayrolles (2006), Boulanger (1979b), Barbosa (1996), Cabr (2010),

    Bastuj (1979) etc. Observamos a importncia da criao neolgica no Brasil e estudamos

    algumas propostas para uma tipologia dos neologismos, baseados principalmente em

    Guilbert (1975), Boulanger (1979b) e Sablayrolles (2000). Exploramos em seguida as

    diferentes criatividades lexicais quanto natureza da criao, trabalhadas por Guilbert

    (1975): a neologia denominativa, a neologia estilstica e a neologia da lngua. Tecemos

    consideraes sobre a relao entre neologia e sociedade, com foco nas interferncias

    institucionais e nos critrios de aceitabilidade do neologismo. Utilizamos como base o estudo

  • 18

    dos processos de criao lexical a partir da matriz lexicognica proposta por Pruvost e

    Sablayrolles (2006); Sablayrolles (2011) e por fim realizamos uma reflexo sobre a relao

    entre neologia e comunicao.

    No terceiro captulo, exercitamos uma reflexo sobre as relaes entre mdia,

    sociedade e poder, demonstrando que o mbito miditico vem atuando como espao de

    representao e de persuaso social. Frisamos a importncia do jornalismo poltico no jogo

    de construo das relaes de fora na sociedade, pois est em tenso entre o mundo

    poltico e o compromisso com a informao. Estabelecemos a ligao entre linguagem

    jornalstica e criao lexical, e demonstramos que o jornal espao privilegiado da palavra

    escrita; via de acesso do neologismo futura lexicalizao.

    No captulo quatro, pormenorizamos os passos metodolgicos da pesquisa;

    apresentamos imagens do extrator neolgico e justificamos nossas opes de anlise.

    No quinto captulo, estudamos os procedimentos de criao de neologismos formais

    no perodo delimitado para a pesquisa. Distribumos os itens neologicos pelos processos de

    derivao, composio, emprstimos lingusticos, neologismos fonolgicos e outros. As

    palavras esto enumeradas de acordo com o agrupamento ao qual pertencem.

    Para a realizao do estudo proposto, foram utilizados como fontes de pesquisa dois

    importantes peridicos impressos brasileiros: Folha de S. Paulo (SP) e Jornal do Commercio

    (PE). A escolha do primeiro deve-se ao fato de ser ele uma das principais referncias

    nacionais de notcia, pois o maior jornal em circulao do pas, trazendo sempre um

    contedo que reflete os acontecimentos no mbito nacional. O segundo jornal selecionado

    para o estudo foi escolhido por ser uma publicao do estado de Pernambuco representa a

    linguagem jornalstica do estado de origem deste trabalho e por ser o maior jornal em

    nmero de assinantes do Estado. Ambas as fontes so, respectivamente, de grande

    circulao nacional e local. Optamos por no utilizar revistas polticas em nossa pesquisa por

    necessidade de reduo do corpus e tambm por entendermos que estes veculos tm

    posies ideolgicas e partidrias mais evidentes.

    O mtodo de coleta e anlise utilizado neste trabalho tem raiz nas ideias de

    Boulanger (1979), que elaborou uma ficha de registro neolgico baseada numa verificao

    de excluso em obras lexicogrficas. Porm, antes de realizamos esta etapa, contamos com a

    ajuda de um software desenvolvido pelo Ncleo Interinstitucional de Lingustica

    Computacional da Universidade de So Paulo (USP) em parceria com a professora Dra. Ieda

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    Maria Alves. A equipe desenvolveu em conjunto um Extrator de Neologismos denominado

    SENTER, que auxilia na coleta semiautomtica de candidatos a neologismos formais em

    corpus textuais digitalizados. Por esta razo, necessitamos transpor os textos coletados dos

    jornais impressos para o formato digital .txt, exigido para a leitura no programa. Acessamos

    os textos das trinta e duas edies (do dia 1/10/2010 ao dia 01/11/2010) dos jornais em suas

    verses digitais. Reportamos para o formato digital integralmente trinta e duas edies dos

    cadernos Poltica e Poder, do Jornal do Commercio e da Folha de S. Paulo, respectivamente,

    somando sessenta e quatro arquivos digitais. Os textos acessados online so os mesmos

    publicados nos jornais impressos, no interferindo a mudana de suporte em nossas

    anlises.

    Aps obtermos todos os exemplares dos jornais analisados em formato .txt,

    submetemos cada arquivo anlise do extrator, que tem uma base de dados constituda por

    um corpus de quarenta milhes de palavras, representando quarenta textos em prosa. O

    programa gerou um novo arquivo para cada documento submetido, composto por uma lista

    de candidatos a neologismos, com as referncias de seus contextos enunciativos. Fizemos a

    leitura minuciosa desses documentos e nesta etapa realizou-se a verificao de excluso com

    consulta ao dicionrio Houaiss (2009) e com pesquisa ao Vocabulrio Ortogrfico da Lngua

    Portuguesa (VOLP), edio de 2009. As palavras ausentes nas duas obras lexicogrficas foram

    consideradas neologismos formais e foram registradas em tabelas que especificavam o

    jornal, a data da publicao, a palavra encontrada e todos os contextos de apario. Para a

    anlise, avaliamos os itens lexicais quanto natureza de sua formao morfolgica,

    registrando-os de acordo com seu processo formador: formao por derivao, formao por

    composio, neologismos fonolgicos, emprstimos lingusticos e outros processos. No

    inclumos na pesquisa os termos considerados neologismos sintagmticos, pois seu

    reconhecimento no possvel atravs de nosso primeiro recurso metodolgico, o extrator

    semiautomtico de neologismos. Devido ao tempo dado realizao da pesquisa, no foi

    possvel a consumao de uma segunda leitura do material para que pudessem ser

    encontradas todas as formaes sintagmticas, por isso no subcaptulo 5.1.2.4 trazemos

    apenas alguns exemplos desta categoria para ilustrar nossa discusso.

    Atravs das anlises, tentamos estabelecer as relaes existentes entre as criaes

    formais e os acontecimentos ligados s campanhas eleitorais de 2010, adicionando

    descrio lexicogrfica observaes de natureza contextual e histrica. Alm disso, indicamos

  • 20

    a produtividade dos elementos envolvidos na formao dos neologismos encontrados na

    pesquisa. Os textos francfonos usados como fonte de fundamentao esto traduzidos no

    corpo do texto e quando colocados como citaes diretas acompanham notas com as

    transcries originais.

  • 21

    captulo 1

    LINGUAGEM EM MOVIMENTO

  • 22

    1 LINGUAGEM EM MOVIMENTO

    De fato, a lngua no nunca feita, pela simples razo de que no est nunca feita e sim est sempre a se fazer e a se refazer, ou, dito em outros termos, uma criao

    permanente e uma incessante destruio

    Coseriu

    1.1 A lngua e a mudana

    Todas as lnguas humanas esto a servio da comunicao e da interao social entre

    os seus falantes. Por isso, as lnguas no se constituem apenas em um sistema abstrato de

    signos que representam coisas, processos e atributos; nem mesmo numa organizao linear

    de unidades que formam enunciados. A linguagem humana justamente o que faz o

    humano destacar-se entre as outras categorias de seres viventes, e o uso desse atributo est

    atrelado ao desenvolvimento humano nas diversas sociedades atravs dos tempos e culturas.

    Por estas e outras razes, as lnguas so entidades extremamente fluidas (no

    totalmente); permitem em si diversos tipos de operaes. A mudana lingustica fato

    proveniente desse carter da linguagem e ocorre em qualquer lngua que esteja em

    funcionamento, embora os falantes no sejam, na maioria dos casos, conscientes de que sua

    linguagem est em permanente mudana. Isso acontece do mesmo modo como no

    percebemos o planeta se movimentando a todo minuto ao redor do sol e em torno de si

    mesmo. O que podemos perceber a passagem do dia para a noite e as mudanas de

    estaes, assim como, na lngua, observamos os produtos das alteraes que ocorrem

    paulatinamente.

    Far

    dinmica. As transformaes lingusticas s podem, assim, ser percebidas quando

    observadas atravs do tempo, mesmo que se faa um recorte para a observao do

    fenmeno. Uma das situaes em que os falantes podem notar a mudana quando se

    confrontam com usos de pocas distintas, tanto na fala quanto na escrita, embora a segunda

    seja mais conservadora e nela as mudanas demorem mais tempo para se manifestar.

  • 23

    Chagas (2002) 1. A substncia de que feita a escrita pode ser vista como o primeiro dos

    fatores que a torna mais fixa do ponto de vista da mutabilidade.

    Se a lngua no sofresse alteraes no tempo, ainda estaramos tratando as pessoas

    por Vossa Merc, cuidando de nossos cabelos com creme rinse, assistindo aos reclames da

    televiso, nos transportando pela cidade atravs de tlburis e comeramos um acepipe para

    assistir aos jogos de futebol; as pessoas jovens ainda seriam brotos, as festas seriam

    assustados. No falaramos, portanto, a lngua do modo como falamos hoje.

    O semanticista Stephen Ullmann (1964) valoriza o exame da mudana lingustica,

    pois, segundo ele o que menos resiste mudana so os significados, interesse particular dos

    estudiosos de sua disciplina. O linguista hngaro cita Edward Sapir, que diz:

    A lngua move-se ao longo do tempo, numa corrente que ela prpria constroi. Tem um curso... Nada perfeitamente esttico. Todas as palavras, todos os elementos gramaticais, todas as locues, todos os sons e acentos so configuraes que mudam lentamente, moldadas pelo curso invisvel e impessoal que a vida da lngua. (SAPIR apud ULLMANN, 1964, p. 401)

    Como se v, a mudana no somente fundamental para a sobrevivncia da lngua,

    mas, sobretudo, natura

    por que mudam as lnguas (como se no devessem mudar) parece indicar uma estaticidade

    natural perturbada, e at negada, pelo devir, que se apresenta explicitamente como o

    paradoxo da linguagem (p. 15). Biderman (2001) destaca que uma das grandes

    problemticas da descrio e interpretao do fato lingustico oriunda da intrnseca

    mutabilidade qual a lngua est submetida (p.14). Por essa razo, mesmo um recorte

    sincrnico de um fenmeno lin

    (BIDERMAN, 2001, p. 14).

    Mas no somente atravs do tempo que ocorrem as mudanas. A lngua varia

    tambm de acordo com os locais onde falada, com as classes sociais dos falantes, com os

    meios em que utilizada. O sociolinguista William Labov (1994) acredita que todas as lnguas

    variam e por causa disso que ocorre a mudana. O estudioso pensa ser, pela estreita

    ligao entre variao e mudana, muito difcil estud-las segregadamente.

    Os falantes tambm podem perceber no tempo presente todos esses tipos de

    variaes. O portugus falado no Brasil e em Portugal um exemplo de como uma mesma

    1 Desenvolveremos mais conceitos ligados s especificidades da modalidade oral e escrita e suas implicaes

    na mudana no terceiro captulo desta dissertao.

  • 24

    lngua pode ser falada de modos to diferentes a ponto de at questionarem se ainda

    lngua nica. Na variao entre Brasil e Portugal, identificamos distines tanto nos nveis

    fontico e fonolgico quanto nas escolhas lexicais e em alguns usos sintticos. Ilari & Basso

    (2006) dizem que houve uma poca em que os dialetlogos portugueses trataram o

    portugus brasileiro como dialeto, alguns fillogos insistem na unidade das duas variedades

    e outros linguistas defendem serem lnguas diferentes.

    Tambm notamos variao nos falares do portugus no Brasil, observando a fala das

    diversas regies e dos estados do pas, nos trs nveis de anlise. O territrio nacional foi

    desde o incio de sua histria espao de grandes imigraes e migraes internas, o que fez o

    povo se distribuir de modo heterogneo pelo grande espao disponvel. Assim, surgiram

    diversas variantes regionais que tm sido estudadas por linguistas e registradas em obras

    como dicionrios e atlas lingusticos. Atualmente, h linguistas elaborando atlas dos

    seguintes estados: Acre, Amazonas, Cear, Maranho, Par, Rio Grande do Norte, So Paulo,

    Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco. H tambm um atlas de falares baianos,

    publicado por Nelson Rossi em 1964 (ILARI & BASSO, 2006, p. 173).

    ou dificultem a mu

    fatores lingusticos dizem respeito forma da lngua, vista enquanto sistema de regras. Os

    fatores extralingusticos relacionam-se com o funcionamento da sociedade em que a

    mudana acontece. Segundo Faraco (1991), o linguista Antoine Meillet, no incio do sculo

    XX, foi quem primeiro buscou criar e solidificar uma linha de estudos que procurasse analisar

    as relaes entre a mudana e os fatos da sociedade. Para Meillet (1951, p. 158)

    , pois

    no linear nem homognea, logo as sociedades so heterogneas e essa heterogeneidade

    (FARACO, 1991, p. 98).

    Olhar a lngua como realidade heterognea significa, enquanto

    observadores/analistas, admitir as diversas variedades de seus usos em seus jogos de valores

    sociais, destacando a realidade concreta em que esto situados os indivduos e comunidades

    constituintes de todas as variedades. Tais fenmenos imbricam-se com a histria de cada

    comunidade lingustica; envolvem as condies polticas e sociais de cada poca, mantm

  • 25

    sempre um dilogo com as oportunidades de escolarizao, acesso informao e ao

    conhecimento.

    Ullmann (1964) afirma que a abordagem dos fenmenos da mudana lingustica

    (especialmente no mbito do significado) no foi ignorada mesmo pelos estudiosos da

    Antiguidade. Do contrrio, os escritores gregos e latinos j se interessavam pelas relaes

    entre mudana e realidade, quando estudaram os reflexos da mudana de mentalidade da

    populao nas mudanas de significados das palavras (p. 8). O autor cita exemplos estudados

    por Tulcdides, Marcus Portius Cato, Ccero, Horcio, Aristteles... Observa-se, desse modo,

    que a discusso sobre a mudana lingustica teve na Antiguidade um carter tambm

    filosfico, sendo exploradas de maneira ntima as relaes entre linguagem, sociedade e

    poltica, assim como nos ilustra o trecho escrito por Ccero em seu De Officiis, Livro I, XII:

    Observo tambm isto que aquele que com propriedade devia ter sido chamado perduellis hostis),

    encobrindo assim a fealdade do acto por uma expresso suavizada; porque hostis

    (peregrinus)... O que poder exceder benevolncia tamanha, quando aquele com quem se est em guerra designado por nome to grato? E, no entanto, um longo lapso de tempo deu a esta palavra um sentido mais duro; perdeu de facto o seu

    inimigo sob as apud ULLMANN, 1964, p. 9).

    O trecho reportado, de autoria do poeta, pensador e poltico latino Ccero, mostra sua

    leitura de um fenmeno de mudana semntica, causado certamente por fatores funcionais

    da sociedade, que imprimiram suas marcas na linguagem.

    Lucchesi (2004) afirma que pensar sobre a mudana lingustica levanta uma questo

    fundamental: o que faz um sistema que funciona to bem mudar? O autor assevera

    categoricamente que esta pergunta nos conduz ao liame das relaes que o sistema encerra

    com o social, ou para fatores que concernem ao funcionamento fisiolgico ou da percepo

    Lucchesi (2004) arremata seu

    discurso dizendo que na contradio entre mudana e sistema esto duas matizes intrnsecas

    ao fenmeno lingustico: a dimenso estrutural e a dimenso scio-histrica de toda lngua.

    Segundo Gabas Jr. (2000, p. 81), algumas caractersticas da mudana lingustica so

    responsveis pela sensao de estaticidade que tm os falantes. Estas caractersticas causam

    certo sentimento de equilbrio, responsvel, de certa maneira, por uma sensao de ordem

    no sistema. Faraco (1991, pp. 27-31) tambm enumera as caractersticas da mudana. A lista

  • 26

    abaixo apresenta uma unio das ideias dos dois autores, a saber:

    a) As mudanas so lentas, graduais e contnuas;

    Esta caracterstica depreende-se da propriedade de todas as lnguas mudarem ao logo

    do tempo, invariavelmente. Por causa disso, a mudana contnua, exceto nos casos das

    lnguas mortas, como atualmente o latim. Nesse caso, o desaparecimento de uma

    sociedade faz com que a lngua deixe de ser usada ou mesmo se transforme em outras (como

    a

    principalmente, ininterrupto processo histrico de transformaes do latim que resultou nas

    lamos hoje

    o portugus que, por sua vez, falado aqui no Brasil j no o mesmo falado em Portugal ou

    nos outros pases lusfonos, porque devido a foras da geografia, da histria e da cultura o

    uso da lngua no permanece o mesmo.

    b) As mudanas so parciais, envolvendo apenas partes do sistema lingustico e no

    seu todo;

    Se a mudana contnua, ela no se d abruptamente, da a observao de se dar em

    partes do sistema. O processo de mudana se d atravs de fases intermedirias que,

    segundo Faraco (1991, p. 28), passam pelo momento de coexistncia de duas variantes, pelo

    momento da luta entre as variantes e finalmente pela implementao da variante

    hegemnica e o desaparecimento da menos forte. Ou seja, a mudana lingustica sempre

    passar por perodos de coexistncia, pois o processo gradual e parcial.

    c) As mudanas so relativamente regulares;

    dessa regularidade nas mudanas que surgiram os famosos estudos histricos que

    desenvolveram as genealogias lingusticas e as leis fonticas. Os estudos histricos2 sofrem

    at hoje as consequncias de certas generalizaes cometidas no passado, recebendo muitas

    crticas de outras disciplinas. Como bem observou Faraco (1991), as mudanas so

    relativamente regulares, e no totalmente, de modo que sempre poder haver problemas

    2 Sobre os estudos histricos que marcaram o sculo XIX aqui mencionados, cf. Weedwood (2002), Cmara Jr.

    (2011), Gabas Jr. (2004), Chagas (2002), Weinreich, Labov e Herzog (2006).

  • 27

    No obstante, nas mesmas condies, nos mesmos contextos, no mesmo perodo de tempo,

    quando em processo de mudana , progressiva e

    a lngua ligada histria das sociedades e aos acontecimentos de cada comunidade

    lingustica ponto decisivo na reinterpretao dos estudos histricos, deslocando o interesse

    generalizador para uma tentativa de expressar correspondncias fnicas entre momentos da

    histria de uma lngua. As perspectivas mais recentes de estudo da mudana tm base na

    teoria variacionista e tentam conciliar em um tratamento sistmico os fatores da estrutura

    com os fatos sociais imbricados no problema da mudana. A estes dois polos do-se os

    nomes de encaixamento estrutural e encaixamento social3, de acordo com a teoria

    variacionista de origem laboviana.

    d) As mudanas sofrem uma fora oposta, a da preservao da intercompreenso.

    Como a mudana provoca certa instabilidade no sistema, do ponto de vista

    comunicativo, ela pode provocar problemas na compreenso entre os falantes. por isso

    que existe uma fora conservadora que torna a mudana lenta e gradual; ao mesmo tempo

    causando tambm a coexistencia de variantes, at que se d totalmente o processo de

    mudana. A preservao da intercompreenso atua como elemento desacelerador no

    processo da mudana, pelo princpio da comunicao entre os falantes da lngua. medida

    que a nova variante ganha fora atravs do uso, esse impedimento minimiza-se at

    desaparecer.

    Tomando a fala de Coseriu (1979, p. 31, grifo nosso), entende-

    para continuar funcionando stacamos o termo para que no seja esquecido o

    propsito fundamental tanto da mudana quanto da prpria lngua, seja tomada como

    estrutura ou no. Uma lngua existe apenas porque funciona e muda para funcionar melhor,

    adaptando-se s transformaes pelas quais passam seus falantes, que inevitavelmente

    constituem comunidades organizadas scio-historicamente. Como afirma Faraco (1991, p.

    3 A respeito da teoria do encaixamento, os estudos de Labov (1966) so esclarecedores. Lass (1980) fala de

    estratgia mltipla para mostrar que uma situao lingustica pode mudar em mais de uma direo. Cf. Faraco, 1991, p. 73.

  • 28

    desaparecidas por defeitos internos; no se conhecem lnguas aberrantes nem abortos

    no devem ser vistas como ameaas ou degradaes. normal, portanto, que haja

    mudanas, pois da vitalidade lingustica depende o funcionamento, que sacramenta o uso da

    lngua constituindo a vida em sociedade.

    1.2 Os tipos de mudana

    A lngua pode mudar tanto no que tem de mais fisiolgico (plano dos sons) ou estrutural

    quanto no que tem de mais fluido, nos significados e nos usos. As caractersticas da

    mudana, que j foram explanadas no item anterior, so fundamentais para a compreenso

    de cada um dos tipos de mudana classificados, como veremos a seguir.

    1.2.1 Mudanas de som ou fontico-fonolgicas

    Distinguem-se, no estudo das mudanas do som, a mudana fontica (sons da fala,

    sua produo e qualidade acsticas) e fonolgica (sistema de princpios e relaes que

    organizam a realidade sonora da lngua). Os estudiosos da mudana fontica ocupam-se

    com o estudo das mudanas nas realizaes lingusticas de certos segmentos da palavra. J

    os fonlogos procuram no estudo da mudana alteraes que ocorram no plano nos

    fonemas, enquanto unidades sonoras distintivas, e, portanto, no sistema de relaes dessas

    unidades (FARACO, 1991, p. 21). De acordo com Gabas Jr. (2002), as mudanas no som,

    conhecidas tradicionalmente como metaplamos, podem ser classificadas, quanto sua

    natureza, segundo a perda ou adio de fonemas, assimilao, dissimilao, durao ou

    prolongamento e mettese4.

    1.2.2 Mudana morfolgica

    A mudana morfolgica se d particularmente nas estruturas internas das palavras

    chamadas morfemas. Os morfemas so segmentos constituintes das palavras cujas

    caractersticas definidoras so indicadas pelas seguintes propriedades (KEHDI, 2003, p. 15): i)

    so unidades portadoras de sentido; ii) so elementos recorrentes e de grande produtividade

    na lngua; iii) a ordem desses segmentos rgida, qualquer alterao resulta em formas

    inaceitveis na lngua (ex. amosescrev escrev-a-mos). O estudo da mudana morfolgica 4 O autor frisa que h outras nomenclaturas possveis nesta classificao (Cf. Gabas Jr., 2002, p. 82).

  • 29

    concentra-se tanto nos morfemas como componentes das palavras quanto em seus

    processos de derivao e flexo.

    Faraco (1991, pp. 21-22) cita trs tipos de mudanas que podem ocorrer no plano

    morfolgico, a saber:

    i) As palavras autnomas podem se tornar morfemas derivacionais;

    ii) Sufixos podem desaparecer como morfemas distintos passando a integrar a

    raiz da palavra;

    iii) O sistema flexional da lngua pode mudar.

    Os exemplos desses fenmenos so frteis, sobretudo ao se estudar o processo de

    vulgarizao do latim clssico e na posterior formao das lnguas romnticas.

    1.2.3 Mudana sinttica ou gramatical

    Entendendo a sintaxe como o estudo da organizao das palavras na sentena,

    podemos dizer que o estudo da mudana sinttica ou gramatical ocupa-se da investigao

    das mudanas da ordem dos constituintes no plano da orao ou frase.

    Segundo Gabas Jr. (2002, pp. 88-89), e com ele concorda Faraco (1991), o exemplo

    modelar de mudana no plano gramatical a perda da flexo nominal no latim, o que

    ocasionou a rigidez da ordem das palavras na sentena, como ocorreu no desenvolvimento

    das lnguas romnicas, como o portugus, espanhol, francs, romeno etc. No latim, a ordem

    das palavras na sentena era livre, simplesmente pelo fato de existir o sistema de marcao

    de caso nos nomes constituintes da orao. Com a perda da marcao de caso, passou a ser

    fundamental a ordem dos constituintes na frase, pois o sujeito e objeto passam a ser

    determinados apenas pela sua posio.

    1.2.4 Mudana semntica

    Os estudos da mudana no significado tm foco principalmente no estudo da palavra, da

    investigao dos processos de alteraes de sentido. Os sentidos das palavras podem mudar

    e muito, e isso tem grande relao com a realidade extralingustica das comunidades.

    Podemos citar fenmeno ocorrido com a palavra poubelle que, em francs contemporneo,

    Poubelle era o sobrenome de um prefeito que instituiu a obrigatoriedade

    do uso das lixeiras em vias pblicas, ganhando, assim, o depositrio de lixo o sobrenome do

  • 30

    poltico. Os estudos da mudana semntica com nfase na investigao das razes dos

    significados so representados pela rea da etimologia.

    Faraco (1991, p. 23) diz que existem discusses sobre a relao entre o uso das figuras de

    linguagem (metfora, metonmia, hiprbole, eufemismos etc.) e a mudana de significado,

    uma vez que elas realmente atuam na alterao do significado das palavras.

    Segundo Meillet (1926, pp. 230-271), alguns fatores favorecem a mudana semntica. So

    eles:

    a) A lngua transmite-se de modo descontnuo de uma gerao para outra;

    b) A impreciso do significado a multiplicidade dos aspectos das palavras, a sua

    natureza genrica, a ausncia de fronteiras bem definidas dos termos etc.;

    c) A perda de motivao enquanto uma palavra permanece ligada sua raiz e a

    outros membros da mesma famlia etimolgica, dentro de certos limites, ser

    conservado o seu significado. Se esses laos se quebrarem, o sentido pode

    desenvolver-se e at modificar-se;

    d) A existncia da polissemia introduz na lngua um elemento de flexibilidade uma

    palavra pode adquirir um ou um grande nmero de sentidos novos sem perder

    seu significado original;

    e) As alteraes semnticas podem surgir em contextos ambguos;

    f) A estrutura instvel do vocabulrio.

    Observando os itens enumerados por Meillet (1926), percebemos que fatores de

    diversas ordens atuam na facilitao da ocorrncia da mudana nos significados, desde a

    natureza da lngua (sua mutabilidade intrnseca) ao carter flexvel do lxico, representado

    acima atravs do vocabulrio.

    Stephen Ullmann (1964, pp. 411- 438) discutiu ainda algumas causas da mudana

    semntica, afirmando antes que constituem uma grande variedade5. Dentre elas, escolhe

    trs causas principais, trabalhadas por Meillet (1926), acrescentando s primeiras mais trs.

    Seriam elas as causas lingusticas, causas histricas, causas sociais, causas psicolgicas

    fatores emotivos e tabus -, a influncia estrangeira e a necessidade de um nome novo para

    coisas novas.

    5 Ullmann observa que um dos primeiros semanticistas, R. de La Grasserie, destacou trinta e nove causas para a

    mudana semntica. (Cf. Ullmann, 1964, p. 411)

  • 31

    As causas lingusticas propulsionam mudanas devidas s associaes a que as

    palavras esto sujeitas na fala. Estas associaes geram um processo conhecido como

    contgio6. Elas ocorrem quando o sentido de uma palavra absorve o sentido de outra com a

    qual usada em mesmos contextos.

    As causas histricas preponderam quando a lngua mais conservadora do que a

    civilizao, moral ou materialmente. quando novos elementos da histria surgem ou se

    modificam e palavras antigas so empregadas para designar essas novidades. Isso acontece

    principalmente com algumas categorias: objetos, instituies, ideias novas ou conceitos

    cientficos.

    As causas sociais abordadas por Ullmann (1964) encerram o problema da

    generalizao e especializao de significados. Algumas palavras especializam-se ou

    generalizam-se devido ao uso de grupos sociais especficos (profissionais, religiosos, polticos

    etc.). A exemplo de especializao, citamos a palavra memria, que passou a estar bastante

    ligada ao mbito da informtica, para designar memria de computador. Como

    generalizao, a palavra desovar, que passou a ligar- Desovado

    7.

    As causas psicolgicas associam-se a mudanas que partem de concepes individuais

    e que, de algum modo, generalizam-se e passam ao uso comum. Esse tipo de fenmeno

    muito comum na linguagem da poltica, uma vez que os locutores e suas falas tm um

    grande espao na divulgao miditica. Como exemplo, citamos a palavra cunhada pelo ex-

    presidente da Repblica Lus Incio Lula da Silva, que, na ocasio do perodo eleitoral do ano

    de 2010, utilizou a express -se a um tipo nobre de carne, para

    designar a melhor parte do pr-sal. Durante o perodo de notcias eleitorais, a expresso

    difundiu-se e passou a ser usada em diversos textos jornalsticos e tambm por outros

    polticos.

    A influncia estrangeira traz lngua diversos itens lxicos advindos de outros pases,

    modificando o modo de significar a realidade. No Brasil, como conseqncia disso, as

    promoes agora so off, os cabeleireiros so hair designers, as modelos e manequins so

    6 Ullmann (1964, p. 411) indica que o conceito ficou conhecido a partir de Michel Bral.

    7 O exemplo uma notcia jornalstica retirada do corpus de pesquisa de Carvalho (1983, p. 61).

  • 32

    top models. enorme a lista dos anglicismos na lngua portuguesa8, fruto de um grande

    perodo de hegemonia econmica e cultural dos Estados Unidos.

    A necessidade de um novo nome para novas coisas marcou a histria de nosso pas e

    de nossa lngua. Ao chegarem ao Brasil, os portugueses no possuam nomes para as

    jabuticabas, as pitombas, os guajirus (muito menos havia essas frutas e esses animais no

    alm-mar). Surgiram ali novos nomes e significados para a lngua portuguesa, e ainda mais

    depois da chegada dos diversos povos que aqui habitaram, trazendo os objetos e lampejos

    de sua cultura de origem. Tambm h, contemporaneamente, a grande necessidade de

    nomeao nas reas cientfica e comercial, na primeira para catalogar e categorizar o

    conhecimento e na segunda para dar identidade a empresas e a produtos, que precisam ser

    difundidos e aceitos na sociedade.

    As mudanas fontico-fonolgicas, morfolgicas, sintticas e semnticas, apesar da

    distino classificatria, no acontecem necessariamente de modo segregado. Do contrrio,

    na maioria das vezes essas mudanas acompanham umas as outras, ratificando a

    impossibilidade de se retratar a lngua exatamente como ela em um dado momento do

    tempo. A mudana, portanto, por ser contnua, por acompanhar as mudanas na histria e

    nas sociedades, elevam a lngua concreta condio de lngua real, aquela que realmente

    permite que as pessoas continuem se comunicando, tentando construir novos governos,

    espaos, pensamentos. A mudana permite-nos, enfim, mudar.

    8 interessante ver o estudo que Silva (2010) realiza sobre os emprstimos lingusticos, em que demonstra a

    fora do uso das palavras estrangeiras em face presso poltica nacional que visa o bloqueio do uso de estrangeirismos.

  • 33

    1.3 Sistema, fala e mudana

    A famosa dicotomia saussuriana entre lngua e fala foi muito importante em sua

    poca porque trazia uma novidade tradio de estudos histricos que o precederam. A

    lingustica histrica do sculo XIX preocupava-se com a busca das causas das mudanas

    analogia, e que era, por conseguinte, uma Lingustica do ato indivi

    Barthes (2006, p. 17). Saussure, por sua vez, propunha uma cincia que tivesse como objeto

    os fenmenos da lngua, para ele, sistema de abstraes que existem em potencialidade. A

    iste na coletividade sob a forma duma

    soma de sinais depositados em cada crebro, mais ou menos como um dicionrio cujos

    Da a ideia basilar do estruturalismo que ficou difundida de que a lngua a instituio social

    e sistema e de que a fala o ato individual de atualizao e seleo da lngua.

    Alm das distines entre lngua e fala, outra dicotomia saussuriana que muito

    implica na investigao da mudana lingustica a antinomia sincronia e diacronia. Para

    separando nitidamente o conceito de lngua (sistema) e fala. Sendo assim, o estudo

    sincrnico da lngua, isto , do sistema, permitiria descrever esse sistema, deixando de lado

    tudo o que individual. Essa posio revela uma viso esttica da lngua, como se ela parasse

    de mudar no momento da anlise sincrnica, embora o linguista genebrino admitisse o

    carter dinmi

    todas as partes da lngua esto submetidas mudana; a cada perodo corresponde a uma

    verdade, no o fato de o estruturalista europeu admitir ou no o fato da mudana; as

    discusses em torno de suas ideias esto direcionadas os mtodos gerados por sua teoria.

    Coseriu (1979), em Sincronia, Diacronia e Histria, prope uma reviso dos conceitos

    cunhados por Saussure e faz um exame minucioso das noes de sincronia e diacronia, bem

    como dos conceitos de lngua e fala, pois ambos esto imbricados. Entre todos os objetivos

    do citado trabalho, destacamos alguns que dizem respeito especialmente questo. Coseriu

    (1979, p. 17, grifos nossos) afirma, entre outras assertivas:

    a) Que a pretensa aporia da mudana lingustica no existe seno por um erro de

  • 34

    b) O problema da mudana lingustica no pode bem deve ser colocado em termos causais; c) Que, precisamente, a antinomia sincronia/diacronia no pertence ao plano do objeto, e, sim, ao plano da investigao; no se refere linguagem, mas lingustica; d) Que no h nenhuma contradio a historicidade da lngua implica sua sistematicidade; e) Que, no plano da investigao, a antinomia sincronia/diacronia s pode ser superada na e pela histria.

    Com estas ideias, Coseriu (1979) estreita a rigidez dos conceitos saussurianos,

    reduzindo o abismo entre langue e parole. Afirma, todavia, que de fato a lngua que no

    muda a lngua abstrata. Porm, assegura

    modificasse por si mesma, nem um dic

    (COSERIU, 1979, p. 19). Por isso o autor diz que a lngua no pode ser isolada dos seus

    fatores externos, uma vez que ela s se realiza no falar.

    A observao sincrnica (da lngua esttica) no capaz de, em si, comprovar a

    projeo dum corpo sobre um plano. Com efeito, toda projeo depende diretamente do

    corpo projetado e, contudo, dele difere, uma coisa parte Desse modo, o sincrnico,

    como observou Coseriu (1979), se justifica muito mais no plano da observao do que na

    imagin- seriu (1979, p. 20).

    Todas as mudanas ocorrem no falar concreto, e sendo o estudo sincrnico a

    investigao de uma projeo dessa concretude no pode ser a mudana comprovada

    atravs dele. No obstante, as mudanas, sendo reais, acabam de alguma forma se refletindo

    na diacronia. A atitude positivista durkeheimiana9 herdada por Saussure coloca a lngua em

    um plano distante da realizao, da concretude de seu funcionamento, uso e, portando,

    mudana.

    A lngua um fato social, no sentido mais genuno do terum fato

    social 'entre outros' e 'como outros' (como os sistemas monetrios, por exemplo), pois a linguagem o prprio fundamento de tudo o que social; e, por outro lado, os fatos sociais no so como imaginava Durkeheim. Os fatos sociais no so exteriores aos indivduos, no so extra individuais, mas interindividuais,

    9 Coseriu (1979) desenvolve uma minuciosa argumentao sobre a relao entre o pensamento de Saussure e a

    teoria social de Durkeheim. O autor faz uma reviso das ideias de indivduo e sociedade postuladas por Durkeheim, observando os reflexos disso na teoria de Saussure quando pensa sobre lngua e fala. Segundo o texto, o conceito de lngua de Saussure corresponde ao conceito de fato social de Durkeheim. Cf. Coseriu, 1979, Captulo II.

  • 35

    correspondendo nisso ao modo de ser do homem, que um 'ser com outros'. Na medida em que se reconhece que 'pertence tambm a outros', ou em que se cria com o propsito de que assim resulte o fato social - e, em particular, a lngua - transcende o indivduo, mas no lhe de maneira alguma 'exterior', pois prprio do homem 'sair de si mesmo', transcender a si mesmo como mero indivduo; e a manifestao por excelncia, o modo especfico desse transcender , precisamente, a linguagem. Do mesmo modo, no verdade que o indivduo 'no cria' o fato social; ao contrrio: cria-o continuamente, pois a forma peculiar de 'criar' o fato social , justamente, a participao, assumir e reconhecer como 'prprio' algo que, ao mesmo tempo, se reconhece ser 'tambm dos outros'. (COSERIU, 1979, p.41, grifos do autor).

    A lngua abstrata, objeto da sincronia, elimina da linguagem seu carter heterogneo,

    interindividual, atualizvel pelos falantes que precisam da lngua para se expressar, mas que,

    como o vento no moinho, fazem a lngua funcionar e mudar.

    No obstante, Coseriu (1979, p. 40) assegura que no porque a lngua existe apenas

    no falar que no pode ser estudada com uma objetividade ideal. Isso decorre da escolha feita

    no plano da investigao, no de uma propriedade das lnguas.

    Segundo Biderman (2001, p. 14), a lngua se situa em um eixo temporal atravs do

    qual recebe influncias de muitos fatores extralingusticos e, por consequncia disso, nem

    nos estudos sincrnicos nem nos diacrnicos se podem fazer abstraes de sua

    heterogeneidade, sendo necessrio situar o fenmeno em seu contexto sociolingustico. A

    autora afirma, ainda, que pelo fato de a lngua acompanhar a marcha da histria, na anlise

    de fatos sincrnicos necessrio contar com o concurso da diacronia para compreender os

    desajustes pelos quais o sistema a travessado.

    A lngua assemelha-se a uma pista de corredores onde uns j ultrapassam a barreira de chegada, outros acabam de atingi-la e outros vm chegando. O observador no v apenas a linha de chegada e aqueles que a esto no momento; se ele se interessa pela corrida como tal, acompanhar a competio no seu todo (BIDERMAN, 2001, p. 15).

    No sculo XIX, o pensador cartesiano Humboldt caracteriza a linguagem como

    enegeia e ergon. Por ergon entende-se um produto pronto e acabado e por energeia algo em

    permanente mudana (Cf. BASTUJ, 1979. pp. 12-20). De, Saussure, por sua vez, pode-se

    depreender uma trplice de conceitos sobre lngua, evidenciada por Coseriu (1962, p. 41).

    Assim, a lngua para Saussure i) o acervo lingustico de uma comunidade; ii) a instituio

    social; iii) o sistema funcional.

    Coseriu (1962, cap. 11, 2.2 e 2.3) elabora um quadro esquemtico que dispe as

    dualidades e complementariedades entre lngua e fala nas teorias de Humboldt e Saussure, o

  • 36

    qual poderemos ver ilustrado a seguir (Cf. Biderman, 2001, pp. 15-16):

    Figura 1 Esquema de dualidades lngua/fala de Coseriu (1962)

    Da figura elaborada por Coseriu (1962), podemos observar salientes tanto o carter

    formal da lngua quanto sua face intersubjetiva. A fala, aqui, est colocada como produto da

    ao verbal, ligada ao plano concreto, individual e subjetivo. Vemos, portanto, uma

    equivalncia entre as noes de Saussure e Humbolt, embora haja uma diferena

    taxionmica. A fala, considerada como ato verbal, na leitura horizontal do esquema, diz

    respeito a um registro posterior produo, uma vez que no se pode estudar uma ao

    verbal no momento em que ela acontece. Pode-se ter acesso a gravaes e transcries, mas

    o momento da ao verbal nico e irrepetvel10. Outro modo de se ter acesso ao verbal

    atravs do ato verbal seria o acesso produo escrita de um indivduo, que pode ser

    documento da atividade lingustica desse sujeito (energia), ou como amostra da sua lngua

    (

    podemos dizer que em todo ato verbal existe rgon e energia ou mesmo langue e parole.

    Louis Guilbert11 (1975), na busca de argumentos para explicar a criao neolgica a

    10

    Mikail Bakhtin trabalha com os conceitos de ato e ao enquanto eventos nicos e irrepetveis em seu ensaio Para uma filosofia do ato responsvel. A priori, o texto do pensador russo no se dirige ao mbito da lingustica; ele se prope a desenvolver uma filosofia moral. Esta filosofia deve-se ocupar do mundo concreto da vida, onde ocorre a expresso real e nica do ser, onde os seres tm no somente identidades, mas nomes prprios. Acreditamos em algumas associaes possveis entre o conceito de fala (como ao verbal e como produto) com o que Bakhtin desenvolve sobre os conceitos de ato e ao. Para mais detalhes sobre a referida teoria, cf. BAKHTIN (2010). 11

    Todos os textos aqui reportados de Guilbert (1975) so tradues livres de nossa responsabilidade. Para maior comodidade da leitura, optamos pela disposio dos textos traduzidos no corpo do trabalho. Os trechos originais viro em notas.

    ao verbal produto lingustico

    ato verbal forma lingustica

    individual

    subjetivo

    extra-individual

    intersubjetivo

    Parole (fala) Langue (lngua)

    Energia rgon

    Humboldt

    concreto formal de Saussure

  • 37

    partir do conceito de criatividade, acaba tocando na relao entre lngua abstrata e lngua

    concreta. Segundo o lexiclogo francs, o conceito de criatividade em Saussure repousa na

    dicotomia lngua/fala, sendo a lngua o lugar virtual onde existem elementos disponveis para

    em atos lingusticos tm como origem a massa de locutores. , portanto, uma concepo

    12 (GUILBERT, 1975, p.22). Ele acrescenta

    que, para Saussure, a mudana lingustica resulta da ao divergente da massa falante e do

    tempo.

    O terico tambm cartesiano Noam Chomsky, a partir de seus conceitos de

    competncia e performance, de um ponto de vista mentalista, elimina o aspecto social do

    uso para reter apenas a performance do indivduo ideal. Biderman (2001) assinala que de

    maneira alguma os conceitos de competncia e performance desenvolvidos por Chomsky

    correspondem aos de lngua e fala de Saussure, respectivamente. O conceito de

    competncia, como bem observou Guilbert (1975) no considera o aspecto social, portanto

    culturalmente partilhado, que Saussure destaca em seu conceito de lngua. Biderman (2001)

    resume com muito sucesso as relaes entre os conceitos de Chomsky e Saussure, dizendo

    lngua) e se verifica no sujeito

    atravs do convvio quotidiano e contnuo com atos de fala (performance) de outros

    (BIDERMAN, 2001, p. 17, grifos da autora).

    Esse processo de convvio e interao entre os indivduos na sociedade seria responsvel por

    construir, atravs do tempo, o modelo de lngua da comunidade. Isso constituir um modelo

    na mente de tal indivduo, incorporando os padres de regras e os recursos disponveis no

    sistema lingustico. Todas essas etapas apenas sero possveis a partir da interao entre

    vrias pessoas, que realizam sua co

    processo de incorporao de um sistema lingustico a sua interiorizao e memorizao

    uma resultante tanto na energia como do rgon

    Para Coseriu (1979), a respeito dos conceitos humboldtianos, apenas por ser atividade a

    lngua pode ser tomada ocasionalmente como produto. Sendo assim, a lngua nunca

    propriamente rgon (COSERIU, 1979, p. 43).

    12

    Cf. GUILBERT, 1975, p. 22.

  • 38

    1.3.1 Sistema, norma e fala

    Como alternativa rgida separao entre lngua concreta e sistema lingustico,

    Coseriu (1962, pp.11-13) realizou um estudo que props a reviso da dicotomia

    saussuriana13 a partir de trs noes: sistema, norma e fala (SNF). Para o pensador romeno,

    como observamos no item anterior, a dicotomia no reflete o que de fato acontece na lngua.

    Com o intuito de ilustrar a proposta, o autor elabora o seguinte esboo:

    A B

    C D

    Figura 2 Esquema de interpretao da trplice sistema, norma e fala de Coseriu (1962)

    O conjunto representado pelo retngulo A-B-C-D corresponde fala. A fala

    considerada pelo autor como atividade universal que se realiza por indivduos particulares,

    enquanto membros de comunidades histricas. Sendo assim, a fala compreende trs

    dimenses, o universal, o

    1979, p. 44).

    No segundo retngulo a-b-c-d, localizado no interior da figura representante da fala,

    est ilustrado o que o linguista entende por norma. A norma seria o primeiro nvel de

    abstrao para anlise dos fatos lingusticos, abarcando o que na fala real ou na escrita real

    13

    Coseriu (1979, p. 48) ratifica que sua proposta (SNF) no foi feita para corrigir a antinomia sistema e fala. O ata-se de uma distino entre tipos de estruturas do falar, precisamente, entre estruturas

    a fala b

    c d

    norma

    sistema

  • 39

    representa a repetio de modelos anteriores partilhados pela comunidade. A norma

    constitui a tradio lingustica, continuada atravs da atualizao atravs da fala do conjunto

    de indivduos que representam uma comunidade lingustica. Sendo assim, o sistema

    - - - a totalidade. A norma

    seria a reunio do sistema mais os elementos de atualizao realizados no falar de uma

    comunidade.

    - - -

    eguram o seu funcionamento como

    O sistema ento o conjunto de possibilidades virtuais, um arsenal de possibilidades

    abstratas disponveis para atualizao. Biderman (2001, p. 20) diz que sua ndole, antes que

    imperativa, consultiva. Ele representa o arsenal disponvel ao falante para consulta e no

    para impor.

    Enquanto isso, a norma representa o poder coercitivo da lngua; impe a tradio do

    uso ao indivduo, limita sua liberdade expressiva. A norma representa a conveno social do

    (COSERIU, 1962, p. 98).

    Biderman (2001, p.20) chama a ateno para o fato de existirem dois tipos de norma.

    A norma geral (da sociedade global ou da nao qual pertence a lngua) e tambm um

    diverso arsenal de normas parciais, regionais. O segundo tipo deve-se ao fato j citado no

    primeiro item deste captulo (Cf. 1.1) de que as lnguas sempre variam e por isso mudam. A

    variao desencadeia os diversos tipos de normas regionais ou parciais.

    importante frisar que a mudana ocorre porque existe a fala, ou seja, porque a

    liberdade lingustica existe, apesar das coeres da norma e graas s possibilidades

    oferecidas pelo sistema. Coseriu (1979) consegue expressar esse movimento de maneira

    magistral, e atravs de suas palavras demonstraremos nossa ideia:

    No falar histrico, a lngua j estabelecida termo necessrio da liberdade, mas este termo, enquanto tcnica e material para novos atos livres, mais que

    condio necessria da liberdade. Todo ato de falar, sendo ao mesmo tempo histrico e livre, tem uma extremidade ancorada na sua

    que a lngua e outra extremidade que aponta para uma finalidade significativa indita e que,

    portanto, vai mais longe que a lngua j estabelecida (COSERIU, 1979, p. 44, grifos nossos).

  • 40

    A liberdade social condio para a sobrevivncia das sociedades no mundo

    democrtico, no qual os serem devem sentir o devir como uma possibilidade repousada em

    seu arbtrio, indo e vindo atravs das vias pblicas e privadas conscientes dos seus atributos

    como cidados. No mundo da arte, a liberdade via fulcral para a realizao de obras

    geniais, na msica, na escultura, na pintura, na literatura. E elas so geniais porque

    destacam-se entre as outras; elas emergem dentre uma massa de outras manifestaes, que

    permanecem reproduzindo o normal, o constitudo e consagrado atravs da histria.

    Com a lngua, assim como com a arte e com o social, o indivduo tem em suas mos

    oportunidades de realizar apenas o realizvel, ou o j realizado ou o ainda indito, atravs do

    uso de sua liberdade no falar, no ato genuno pertencente a todos os seres humanos. A

    criao lingustica objeto/testemunha da possibilidade infinita da interveno do humano

    na lngua, mesmo com as coeres prprias das normas sociais, normas artsticas e normas

    lingusticas, sejam gerais ou especficas. A mudana, portanto, permite lngua a criao,

    renovao e inovao, recursos atravs dos quais atualizamos nossa liberdade de criar,

    comunicar e expressar atravs da instituio da linguagem.

  • 41

    captulo 2

    NEOLOGIA: A CRIATIVIDADE NO LXICO

  • 42

    2 NEOLOGIA: A CRIATIVIDADE NO LXICO

    A expresso vocabular humana no sabe ainda, e provavelmente no o saber nunca, conhecer, reconhecer e comunicar tudo quanto

    humanamente experimentvel e sensvel

    Jos Saramago

    Iniciaremos este captulo com uma discusso sobre os conceitos de lxico,

    demonstrando algumas vises tericas sobre o tema. Observaremos que o lxico um

    conjunto virtual que se organiza como sistema, e pode se atualizar, na lngua, em forma de

    lexias ou lexemas; no discurso, em forma de vocbulos; e, nos textos, em forma de palavras.

    Por esse motivo, nos parece pertinente explanar algumas diferentes vises tericas sobre o

    lxico, pois a postura analtica modifica-se a partir do prista terico do qual se observa o

    objeto. Assim, demonstraremos algumas relaes do lxico com o pensamento e com a

    cognio, com a cultura, com a realidade social em que se manifesta atravs das suas

    atualizaes em lexias, vocbulos ou palavras. Trabalharemos em nossa anlise a partir do

    entendimento do lxico como base virtual de expresso da realidade cultural e histrica de

    uma comunidade lingustica, que se atualiza e se realiza nos discursos e no falar dos

    indivduos, com base na norma lingustica e na tradio lexical de cada cultura.

    Nosso estudo da criao lexical se dar a partir de textos noticiosos, por isso

    entendemos a necessidade de serem discutidos aspectos referentes definio da unidade

    palavra, pois este elemento que manifesta a atualizao do lxico nos textos. Tambm nos

    concerne frisar que todo estudo de uma linguagem especfica (como a linguagem do

    jornalismo poltico, aqui) faz com que a anlise do lxico se d atravs da observao do

    vocabulrio, pois se recorta um conjunto especfico de manifestaes lingusticas ligadas a

    uma rea de atividade lingustica e social.

    Dessa forma, na discusso terica, para nos referirmos unidade de anlise do lxico,

    poderemos usar os termos lexia, lexema, vocbulo ou palavra, pois a distino entre eles se

    faz apenas nos nveis e mtodos de anlise, podendo ser usados como sinnimos em

    ocasies que se referem s unidades de estudo do sistema lexical de maneira genrica.

  • 43

    2.1 O lxico

    Por lxico, entendemos o conjunto de palavras existentes e possveis de existirem em

    uma lngua. O lxico de uma lngua o todo capaz de comunicar, representar e modificar os

    significados que passeiam entre os indivduos em sua casa, em seu trabalho at as instncias

    sociais mais complexas, dentro das quais esto em questo as leis, os direitos e o futuro das

    comunidades.

    Vilela (1979) defende que no lxico de uma lngua incluem-se o

    dessa lngua e a sua inventariao (dicionarstica ou lexicogrfica), a competncia lexical do

    falante/ouvinte nativo de uma lngua e (...) o conjunto representativo da realidade

    2011), lxico (do grego lexicon) ou

    Fazendo uma relao entre expresso e pensamento, Garcia (2006) afirma serem as

    palavras do vocabulrio de uma lngua o meio pelo qual possvel revestir as ideias e

    transform-las em pensamento; esta assertiva nos permite interpretar que, segundo o autor,

    s podemos nos expressar e pensar porque existem as palavras. Concordando com a ideia,

    Carvalho (2011) acredita que a aprendizagem e o vocabulrio so interdependentes,

    formando juntos o meio pelo qual se podem ampliar os limites do pensamento.

    Mattoso Cmara Jr., trabalhando com as noes de morfema, diz que esta estrutura

    pode ser de duas naturezas: uma lexical e uma gramatical (Cf. CMARA JR., 2009, pp. 23-24).

    O autor afirma que a natureza lexical do morfema o associa com uma coisa do mundo

    exterior que nos envolve e tem expressividade na lngua. Os morfemas lexicais, assim,

    constituem o cerne do vocbulo, enquanto os morfemas gramaticais tm parte na

    configurao gramatical vocabular, indicando a classe, a conjugao, o gnero, nmero etc.

    Tal ideia reflete os conceitos de forma presa (gramatical) e forma livre (lexical) trabalhados

    pelo estruturalista Leonard Bloomfield.

    Em Histria e estrutura da lngua portuguesa, Cmara Jr. (1979) entende o lxico

    como conjunto de nomes e verbos da lngua, observando a grande importncia dos

    emprstimos lingusticos na lngua portuguesa e afirmando que a histria de nosso lxico

    reflete expressivamente a histria externa de nossa lngua (p.189).

    Segundo Castilho (2010, pp. 109-118), o lxico pode ser visto como um inventrio de

  • 44

    categorias e subcategorias cognitivas e de traos semnticos inerentes. Esse inventrio

    virtual, pr-verbal, e pode ser entendido como um feixe de propriedades de que lanamos

    mo para a criao das palavras, ou seja, para a lexicalizao. Assim, lxico e vocabulrio so

    entidades diferentes: lxico um inventrio pr-verbal; vocabulrio um inventrio ps-

    verbal, um conjunto de produtos concretos, isto , um conjunto de palavras inseridas em

    algum mbito, comunidade, obra literria etc. Nessa perspectiva, poderamos pensar no

    lxico como um conjunto de possibilidades depositadas no sistema da lngua, a espera de

    uma atualizao nos atos de fala, porm ligado aos limites da norma lingustica.

    Enquanto tomamos o lxico como conjunto de unidades existentes e possveis que

    formam a lngua de uma comunidade, entendemos o vocabulrio como a atualizao do

    sistema lexical na realizao, ou seja, no plano do discurso. O lxico, desse modo, estaria no

    domnio da lngua enquanto o vocabulrio se reservaria ao domnio do discurso, embora

    frisemos que os limites no sejam to hermticos como os conceitos sugerem.

    unidades do lxico so os lexemas, enquanto as unidades do discurso so os vocbulos e

    et al, 1973, p. 364). O conjunto de palavras usado por determinada

    comunidade pode ser classificado como vocabulrio, a partir do instante em que o

    pesquisador/linguista traa uma metodologia capaz de sumariar e classificar seus dados.

    Porm, no podemos dizer que esse vocabulrio representa o lxico total da comunidade,

    uma vez que em todo corpus de anlise esto em questo mtodos de seleo que

    inevitavelmente excluiro elementos. por isso que muitos estudiosos frisam a dificuldade

    de estudar o lxico de uma lngua.

    Destarte, existe o lxico efetivo, que abarca as unidades que j foram atualizadas em

    discurso. O lxico efetivo compreende o lxico passivo entendido como as unidades

    decodificadas automaticamente pelo receptor, mas no codificadas automaticamente no

    discurso que emite e o lxico ativo entendido como o conjunto de lexias de codificao

    automtica.

    Carvalho [2010] 14 diz que se devem considerar trs nveis de atualizao em se

    tratando do universo lexical, a saber: (a) o nvel da lngua, cuja unidade a lexia (Pottier) ou

    lexema (Charles Mller); (b) o nvel do discurso, cuja unidade o vocbulo; e (c) o nvel do

    texto, cuja unidade a palavra.

    14

    A referncia citada diz respeito ao material didtico elaborado pela autora, utilizado na disciplina que vem sendo ministrada pela professora no Programa de Ps-graduao em Letras da UFPE.

  • 45

    Henriques (2010) resume, assim, sua ideia de lxico:

    Lxico o conjunto de palavras de uma lngua, tambm chamadas de LEXIAS. As lexias so unidades de caractersticas complexas cuja organizao enunciativa interdependente, ou seja, a sua textualizao no tempo e no espao obedece a certas combinaes (HENRIQUES, 2010, p.13).

    Pode-se observar, a partir das diversas conceituaes dos autores citados, que o

    conceito de lxico tem uma ntima ligao com ao menos dois elementos: a realidade

    extralingustica e a organizao no plano sintagmtico. A palavra lxica distingue-se da

    palavra gramatical justamente pela relao que possui com o exterior da lngua,

    representando15 os seres, os objetos, os processos, os modos de ver e de sentir o mundo, os

    atributos.

    H tambm, atualmente, uma forte linha de anlise lingustica de base sociocognitiva,

    representada aqui por Marcuschi (2004a), que se interessa pelo estudo do lxico com foco

    nas operaes que realizamos com ele para produzirmos sentido. O autor considera o lxico

    o terceiro grande pilar da lngua, ao lado da sintaxe e da fonologia, e toma-o como o nvel de

    um sistema aberto, o lxico permite a entrada e sada de palavras do vocabulrio de uma

    lngua; no obstante, concordamos com Biderman (2001, p.12) quando sustenta que, apesar

    da impossibilidade de se descrever completamente o lxico de uma lngua, pois ele est em

    permanente movimento, o seu estudo no se torna necessariamente impossvel. A autora

    cita Rey-Debove (1970), supondo que o Lxico (conjunto de palavras lxicas) de uma

    civilizao, como o ingls ou o francs, ultrapasse 200 000 lexemas, podendo atingir 500 000

    unidades se forem consideradas as unidades tcnico-cientficas e terminolgicas (BIDERMAN,

    2001, p.12). Estes dados nos mostram a enorme extenso a que pode chegar o arsenal lxico

    de uma lngua, denotando sua estreita relao com o conhecimento humano acerca do

    universo.

    Levamos em considerao, desse modo, a grande instabilidade do lxico, dada sua

    ligao indissocivel ao mundo do conhecimento humano, assim como com a sua histria e

    relaes sociais. No pensamos, porm, que ele seja, como disse Marcuschi (2004a ao

    de seu estudo. Reconhecemos sua vulnerabilidade por seu carter aberto, podendo ser

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    Consideramos aqui a noo de signo lingustico dentro da perspectiva da representao da realidade e no da correspondncia. Admitimos todos os aspectos imbricados na noo de representao.

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    ampliado tanto do ponto de vista individual quanto coletivo. Todavia, acreditamos na

    possibilidade de sistematizar seu estudo, a partir de posies metodolgicas que vm sendo

    h muito tempo desenvolvidos pela lexicologia e lexicografia, de naturezas quantitativa e

    qualitativa.

    Sendo o lxico o conjunto virtual de palavras responsveis por nomear os signos do

    mundo, os seres (substantivos), os processos (verbos) e as propriedades (adjetivos e

    advrbios) so representados por esse arsenal lingustico de todas as lnguas. Sem ele no

    transformaramos ideias em comunicao e, assim, no haveria a construo do

    conhecimento atravs da troca de saberes. A palavra a unidade semntica indecomponvel,

    segundo Ullmann (1964). Se existem unidades gramaticais significantes menores do que a

    palavra, elas no tm significao autnoma. Da, atravs do lxico de uma lngua, pode-se

    perceber muito sobre o funcionamento social e lingustico das comunidades.

    No entendimento de Biderman (1998), inerente aos seres humanos categorizar

    linguisticamente os fenmenos que lhes so conhecidos. Em um segundo momento, a ao

    1998, p. 91), e quando uma mesma lngua tem vrias representaes, o lxico tambm revela

    as diferentes formas dessa lngua registrar as diferentes experi