TeseLuisPauloPiassi-ficçao Cientifica Na Educacao
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ContatosA fico cientfica no ensino de cincias
em um contexto scio cultural
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Universidade de So PauloUniversidade de So PauloUniversidade de So PauloUniversidade de So PauloFaculdade de EducaoFaculdade de EducaoFaculdade de EducaoFaculdade de Educao
ContatosA fico cientfica no ensino de cinciasem um contexto scio culturalLus Paulo de Carvalho PiassiLus Paulo de Carvalho PiassiLus Paulo de Carvalho PiassiLus Paulo de Carvalho Piassi
Tese apresentada Faculdade de Educao daUniversidade de So Paulo para obteno dottulo de Doutor em Educaorea de concentrao: Ensino de Cincias eMatemticaOrientador: Prof. Dr. Maurcio Pietrocola
So Paulo
2007
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FOLHA DE APROVAFOLHA DE APROVAFOLHA DE APROVAFOLHA DE APROVAOOOO
Lus Paulo de Carvalho PiassiContatos: a fico cientfica no ensinode cincias em um contexto scio cultural
Tese apresentada Faculdade de Educaoda Universidade de So Paulo paraobteno do ttulo de Doutor em Educaorea de concentrao: Ensino de Cinciase Matemtica
Aprovado em:
Banca examinadora
Prof. Dr. __________________________________________________________________
Instituio: _____________________________ Assinatura:_________________________
Prof. Dr. __________________________________________________________________
Instituio: _____________________________ Assinatura:_________________________
Prof. Dr. __________________________________________________________________Instituio: _____________________________ Assinatura:_________________________
Prof. Dr. __________________________________________________________________
Instituio: _____________________________ Assinatura:_________________________
Prof. Dr. __________________________________________________________________
Instituio: _____________________________ Assinatura:_________________________
Prof. Dr. __________________________________________________________________
Instituio: _____________________________ Assinatura:_________________________
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DEDICADEDICADEDICADEDICATRIATRIATRIATRIA
A fico cientfica a expresso da esperana de que, no futuro, tudo d
certo e o medo de que tudo possa dar errado. Saber se vamos ou no
conseguir talvez a maior inquietao humana. Tornar a desesperana
em esperana e a esperana em realizao s possvel quando
acreditamos que vale a pena. Dedico este trabalho Eliane, meu amor,
por fazer valer a pena.
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AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS
Ao Maurcio Pietrocola, meu orientador, no apenas por orientar, mas pela amizade e por
acreditar e incentivar um trabalho que fruto da paixo.
Ao Wilton, primeiro por me abduzir para a fico cientfica e depois por ficar
insistentemente me obrigando a escrever o trabalho.
Ao Eugnio Ramos, ao Joo Zanetic e ao Jorge de Almeida, pelos grandes incentivos eidias luminosas na poca da qualificao.
Um agradecimento especial ao Tex, no apenas por me acolher e apoiar em vrios
momentos de minha trajetria na rea de ensino, mas por trazer indicaes que deram rumo
ao trabalho logo em seu incio.
Ao Emerson e ao Rui, pelas ardilosidades.
Aos amigos do Lapef , que me aguentaram e deram muitas idias.
Faculdade de Educao da USP, particularmente aos funcionrios e docentes que sempre
prestativamente me auxiliaram quando foi necessrio.
Finalmente, agradeo a todos os meus alunos que se submeteram alegremente a
experincias estranhas com fico cientfica.
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RESUMORESUMORESUMORESUMOPIASSI, L. P. C. Contatos: A fico cientfica no ensino de cincias em um contexto scioContatos: A fico cientfica no ensino de cincias em um contexto scioContatos: A fico cientfica no ensino de cincias em um contexto scioContatos: A fico cientfica no ensino de cincias em um contexto scioculturalculturalculturalcultural. 2007. 453p. Tese (Doutorado) Faculdade de Educao, Universidade de SoPaulo, So Paulo, 2007.
Este trabalho surgiu de minha experincia pessoal em sala de aula usando fico cientficapara lecionar fsica, astronomia e outros tpicos de cincia. Por aproximadamente quatroanos eu desenvolvi diversas atividades de sala de aula com filmes, romances e contos defico cientfica, empregando-os no apenas para discutir os produtos da cincia conceitos, leis e fenmenos mas tambm os mecanismos da produo do conhecimentocientfico e a relao entre o trabalho da cincia e o contexto social. A partir destasexperincias prticas, investiguei e estudei a respeito da prpria fico cientfica, como umgnero literrio e cinematogrfico e empreendi tambm uma pesquisa sobre as experinciasatuais envolvendo a fico cientfica em sala de aula. Estes estudos auxiliaram-me adesenvolver instrumentos tericos de anlise para lidar com a fico cientfica a partir doponto de vista do professor de cincia. Tais instrumentos so o contedo principal do
presente trabalho. Eles foram desenvolvidos a partir da constatao de que as abordagensmais comuns para a fico cientfica em aulas de cincias eram baseadas em duasestratgias um tanto ingnuas: a identificao dos erros (ou acertos) conceituais de cincianas obras de fico cientfica ou a discusso dos diversos nveis de distoro em relao acincia e aos cientistas reais nelas apresentadas. Assumindo a fico cientfica como umaconstruo empreendida sobre um discurso social a respeito da cincia foi possvel tratartais erros e distores de um outro ponto de vista. Ao invs de distores, podemospensar em determinadas posies ideolgicas sobre a cincia que podemos identificar tantona esfera social como nas obras de fico cientfica. Na maioria das vezes, tais posiespodem ser descritas em termos de polaridades onde cada plo representa crenas oudescrenas em relao aos papis da cincia em nossas vidas. Eu nomeei tal anlise por
plos temticos. Em substituio dicotomia erro/acerto, procurei um critrio de anliseque pudesse descrever os elementos de uma histria de fico cientfica (nomeados aquicomo elementos contrafactuais) no em termos de uma valorao estrita de sua precisocientfica, mas como construtos ficcionais projetados para produzir efeitos literriosespecficos no leitor. Em tal abordagem, a preciso cientfica vista como estando sujeita lgica do discurso literrio e intencionalidade do autor. Aps desenvolver estasferramentas de anlise, retomei minhas experincias anteriores de sala de aula tanto paracolocar a anlise terica em um contexto concreto sobre o qual eu poderia falar comsegurana quanto ao mesmo tempo para apresentar aspectos adicionais no dados douso da fico cientfica em sala de aula. Muitas das atividades de sala de aula descritas sederam antes de eu iniciar este trabalho, assim elas no foram nem uma validao emprica
da teoria nem um processo sistemtico de coleta de dados. Seus papis neste trabalho foramos de ilustrar e desenvolver alguns detalhes da anlise terica e mostrar como esta anlisepode ser realizada para levar a atividades concretas de sala de aula. Adicionalmente,aspectos especficos dos trs gneros (filmes, romances e contos) de fico cientficausados forma discutidos em funo de sua adaptao ao contexto de sala de aula.
Palavras-chave: ensino de cincias, fico cientfica, cinema, literatura, abordagemsociocultural
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ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT
PIASSI, L. P. C. Contacts: Science fiction in science teaching from a sociocultural coContacts: Science fiction in science teaching from a sociocultural coContacts: Science fiction in science teaching from a sociocultural coContacts: Science fiction in science teaching from a sociocultural contextntextntextntext.2007. 453p. Thesis (Doctoral) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, SoPaulo, 2007.
This work arose from my personal classroom experience in using science fiction toteaching Physics, Astronomy and other Science topics. For about four years I developedseveral classroom activities with science fiction films, novels and short stories and I usedthem to discuss not only the products of science concepts, laws and phenomena but alsothe mechanisms of scientific knowledge production and the relationship between sciencework and social context. From these practical experiences, I investigated and studied aboutscience fiction itself, as a literary and cinema genre and I undertook also a research aboutpresent days classroom experiences involving science fiction. These studies helped me todevelop theoretical analysis instruments to deal with science fiction from the Scienceteacher point of view. Such instruments are the present works main content. They were
developed from the realization that most common approaches to science fiction in Scienceclasses were based in two somewhat naive strategies: identifying science conceptual errors(or hits) in science fiction works or discussing the several levels of distortions about realScience and scientists science fiction presented in its stories. Assuming science fiction as afictional construction built over a social discourse about science was possible to treat sucherrors and distortions for another point of view. Instead of distortions we can thinkabout certain ideological positions about Science we can identify both in social sphere andin science fiction works. Most of times, such positions can be described in terms ofpolarities where each one of poles represents beliefs or disbeliefs related to the roles ofScience in our lives. I named such analysis as thematic poles. In substitution to the hit/errordichotomy, I was looking for analysis criteria that could describe the elements of a science
fiction story (named here as counterfactual elements)not in terms of a strict valuation oftheir scientific accuracy, but as fictional constructs intended for producing specific literaryeffects in the reader. In such approach, scientific accuracy is seen as being subjected to theliterary discourse logics and to authors intentionality. After developing these analysistools, I retrieved my previous classroom experiences both to turn theoretical analysis into aconcrete context I could surely speak about and at same time to present additionalaspects of classroom use of science fiction not given in the theoretical development. Mostof described classroom activities occurred before I start this work, so they were neither anempiric validation of the theory nor a systematic data collection process. Their roles in thiswork were illustrate and develop some details of theoretical analysis and show how thisanalysis could be performed to lead to concrete classroom activities. Additionally, specific
aspects of the three used science fiction genres (movies, novels and short stories) werediscussed in view of their adaptation to the classroom context.
Keywords: science teaching, science fiction, cinema, literature, sociocultural approach
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SUMRIOSUMRIOSUMRIOSUMRIO
Introduo.............................................................................................................................17
I Ensino de Cincias: Alegrias e Paixes .......................................................................... 26
1. Respostas? ........................................................................................................................................272. Paixo e cincia na sala de aula........................................................................................................313. O problema do sentido e o sentido dos problemas. ..........................................................................394. A cincia como cultura.....................................................................................................................485. Criatividade e imaginao ................................................................................................................536. Cultura primeira e elaborada ............................................................................................................617. As esferas do conhecimento sistematizado.......................................................................................738. Admirao, espanto, perplexidade....................................................................................................83
II A Fico Cientfica ........................................................................................................ 89
1. As origens.........................................................................................................................................892. O que a fico cientfica?...............................................................................................................933. Os subgneros.................................................................................................................................1054. Os tpicos .......................................................................................................................................1185. A construo do contrafactual na fico cientfica.........................................................................123
III Fico Cientfica e Ensino de Cincias ......................................................................135
1. A FC no ensino formal propostas e pesquisas ......... ........... .......... ........... ........... .......... ........... ....1362. O que a FC tem a oferecer de melhor.............................................................................................1413. Fico versus realidade...................................................................................................................1494. Olhando alm da superfcie ............................................................................................................1595. Fico cientfica e fico de divulgao cientfica ........... .......... ........... .......... ........... .......... ..........1716. Instrumentos para a elaborao de atividades.................................................................................176
IV Os Elementos Contrafactuais ..................................................................................... 181
1. As categorias de elementos contrafactuais .....................................................................................1862. Processos de construo contrafactual e suas possibilidades didticas ..........................................2023. Para alm dos elementos contrafactuais .........................................................................................247
V - Os Plos Temticos......................................................................................................249
1. Cincia: soluo dos problemas humanos? ....................................................................................2522. Cincia: resposta a perguntas humanas?.........................................................................................2583. Os plos temticos..........................................................................................................................2624. Sonhos e pesadelos na fico cientfica..........................................................................................2675. Na sala de aula................................................................................................................................2856. Analisando a dinmica da histria..................................................................................................294
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Interldio metodolgico .....................................................................................................307
VI O Filme na Sala de Aula.............................................................................................317
1. 2001: Uma odissia no espao........................................................................................................3172. Contato ...........................................................................................................................................3323. Primeiro Contato ............................................................................................................................3444. O filme de FC como recurso didtico.............................................................................................359
VII O Romance na Sala de Aula .....................................................................................365
1. Os nufragos do Selene ..................................................................................................................3662. Romances escolhidos pelos alunos.................................................................................................3843. O romance de FC como recurso didtico........................................................................................398
VIII O Conto na Sala de Aula .........................................................................................4071. O segredo........................................................................................................................................4072. Para os pssaros..............................................................................................................................4163. Impactos sociais da tecnologia em contos de FC............................................................................4224. O conto de FC como recurso didtico ............................................................................................436
Consideraes finais...........................................................................................................443
Obras citadas (corpus) ........................................................................................................ 447
Referncias bibliogrficas .................................................................................................. 455
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Introduo
exceo de algum Jlio Verne lido na infncia, eu nunca tinha lido nenhum livro
de fico cientfica at o ano de 2001. Eu gostava de filmes e seriados e, como professor, jhavia pensado em utiliz-los em sala de aula para discutir conceitos fsicos. O primeiro
filme que passei em sala de aula foi Contato de Robert Zemeckis, em 2000, mas sem
grande sistematizao. Leitura, porm, algo a que dedicamos maior esforo e nunca me
passou pela cabea ler sobre monstros espaciais, heris com lasers, naves e tiros. Preferia
me ocupar de uma literatura que tivesse, digamos, contedo. claro que, como professor,
tambm j havia me ocorrido a idia de usar a literatura em sala de aula.
Naquele ano de 2001, porm um amigo insistiu muito para que eu lesse um livrochamado Fundao, de Isaac Asimov. Na verdade, ele j havia insistido muito para eu ler
vrias coisas como o livro Duna, de Frank Herbert, que acabei no lendo na ocasio.
Quanto a Asimov, tive que vencer um certo preconceito, pois j havia visto muitas vezes as
capas dos livros deste autor em livrarias: imensas letras vermelhas, monstros horrorosos,
heris com raios lasers. o tipo de coisa que no me atraa. Dada a insistncia, porm,
resolvi pegar o livro emprestado e comecei a l-lo. No incio no gostei da leitura, fiquei
impressionado como o autor impregnava um futuro milhares de anos frente com os ideais
e limitaes humanas e tcnicas da dcada de 50, poca em que a obra foi escrita. Mas, aos
poucos, fui percebendo a engenhosidade da obra, a presena de elementos muito
interessantes, como por exemplo a psico-histria, uma espcie de mecnica estatstica
aplicada a seres humanos. Como a civilizao galctica descrita no livro tinha trilhes de
habitantes, era possvel prever o comportamento futuro do sistema em termos globais e isso
era o elemento central da histria. No final da leitura eu estava convencido de que se
tratava de uma obra realmente muito interessante.
Interessei-me em ler mais coisas de fico cientfica e ento decidi procurar 2001:
Uma Odissia no Espao, de Arthur C. Clarke, que contava a mesma histria do filme que
eu j conhecia, gostava e havia chegado a usar em minhas aulas. Gostei muito do livro, e
acabei lendo suas continuaes, que formam uma tetralogia. Depois dessa etapa li muitos
livros de Isaac Asimov e de Arthur C. Clarke. Vencendo meus preconceitos, pouco a
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pouco, decidi comear a ler outros autores. Descobri que ao contrrio do que as capas dos
livros davam a entender, raramente se tratava de monstros horrveis, raios lasers e heris
salvando mocinhas indefesas.
Ao final de 2002 eu j havia lido um nmero considervel de obras de fico
cientfica. Minha percepo nesse momento era de que este tipo de obra no s constitua
uma leitura agradvel e interessante, mas tambm trazia questes que eram muito parecidas
com as que eu gostava de abordar em minhas aulas de fsica: o papel da cincia na
sociedade, as possibilidades futuras, a realidade fsica, ou seja, estes temas mais gerais e
filosficos para os quais encontramos pouca leitura adequada faixa etria dos
adolescentes. Alm disso, muitas histrias incorporavam uma intensa discusso e anlise de
fenmenos fsicos, realizada quase sempre de forma tecnicamente competente sem perder ofio de uma leitura agradvel. Diante disso, decidi tentar elaborar alguns projetos de uso da
fico cientfica em sala de aula, empregando tanto a literatura como o cinema.
Na ocasio, eu lecionava fsica no ensino fundamental e no ensino mdio em uma
escola particular onde havia bastante liberdade de testar novas experincias e metodologias
didticas. Preparei, ento para o ano letivo de 2003, um dos mdulos na 8 srie do ensino
fundamental onde desenvolvi contedos de termologia, ondas, mecnica e astronomia em
um nvel puramente fenomenolgico, atravs de experimentos e anlise de situaesdescritas no romance Os nufragos do Selene de Arthur C. Clarke. A cada dia os alunos
liam em casa um trecho do livro que era discutido na aula seguinte. Os alunos gostaram
muito da experincia, a maioria tendo lido avidamente a histria. As discusses de fsica
surgidas foram muito mais profundas do que eu mesmo esperava.
Entusiasmado com o desenrolar do curso eu decidi procurar uma forma de estender
a experincia com fico cientfica para o mdulo seguinte, que ocorreria dois meses
depois. Esperava aproveitar o interesse despertado pela leitura do primeiro livro para
incentiv-los a ler mais coisas. A idia que eu tive foi bastante simples: verifiquei que
dispunha de livros suficientes para emprestar a todos os alunos. Cada um escolheu um livro
para a leitura, com um prazo de dois meses at o incio do mdulo.
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Esse outro mdulo j estava comprometido em meu planejamento com o tema da
conservao da energia, e assim no seria possvel reformular totalmente o planejamento.
Eu no deveria ocupar muitas aulas com a questo dos livros. O que fiz ento foi pedir que
cada aluno fizesse uma resenha de seu livro e levantasse questes que julgasse
interessantes, do ponto de vista da cincia retratada nas histrias. Isso feito, no incio do
mdulo, cada aluno relatou brevemente sua leitura e fizemos algumas discusses calcadas
nas questes por eles elaboradas. Exibi tambm um filme de fico, Primeiro Contato, da
srie Jornada nas Estrelas e levantei algumas questes para debate. Novamente, fiquei
bastante impressionado com o rumo que as aulas tomaram, porque as discusses eram
muito intensas e as questes levavam a outras questes e assim a coisa tomou uma
proporo maior do que eu imaginava. Confesso que fiquei preocupado com a questo da
formalizao, por que era realmente difcil realizar os fechamentos e as snteses naquele
clima vido de discusses.
O sucesso dessas iniciativas me levou a realizar diversas tentativas, com trechos de
filmes, contos e at romances inteiros em outras sries do ensino fundamental e do ensino
mdio, para abordar diversos temas.
No final de 2003, me inscrevi no programa de ps-graduao da FEUSP com um
projeto de pesquisa relacionado avaliao de programas de formao continuada deprofessores na rea de fsica. No primeiro semestre de 2004, apresentei ao grupo de
pesquisa um seminrio sobre a experincia que eu havia realizado com fico cientfica,
que eu iria levar ao SNEF no incio de 2005. Neste momento, eu no s j havia lido uma
quantidade muito maior de livros de fico cientfica, como tambm havia lidos alguns
sobrefico cientfica: crtica, histria, questes literrias e filosficas. Com o seminrio,
pude sistematizar as leituras e as experincias e fundamentar um pouco melhor o trabalho
que eu havia realizado em sala de aula. Ao final do seminrio, meu orientador me sugeriu
que eu fizesse disso o projeto de pesquisa para o doutoramento. A idia me pareceu muito
tentadora, sobretudo porque alm de ser uma experincia ligada minha prtica de sala de
aula, era um tema no qual eu gostaria muito de me aprofundar, independentemente do meu
projeto de pesquisa. Acabei ento acatando alegremente a sugesto de meu orientador.
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Ficava ento a responsabilidade de procurar fundamentaes e tambm de se voltar
prtica do trabalho e verificar de que forma eu poderia obter dados que me permitissem
realizar um trabalho de pesquisa. No final do primeiro semestre de 2004 eu repeti a
experincia de Os Nufragos do Selenecom a nova turma de 8 srie, tendo basicamente o
mesmo resultado do ano anterior. Novamente emprestei livros para os alunos. Desta vez,
porm teria mais tempo para elaborar o planejamento do outro mdulo, uma vez que ele s
ocorreria em novembro. Eu tinha a inteno de aproveitar melhor as questes que os livros
suscitavam, do que no ano anterior.
Faltava, porm, uma questo central. Qual deveria ser o objeto de pesquisa? Minha
reflexo era que, a despeito da influncia do conhecimento cientfico na vida cotidiana de
todos ns, o que se verifica nas aulas de cincia no ensino bsico um contnuo
desinteresse dos estudantes por essa disciplina escolar e pelas questes tradicionalmente
por ela colocadas. Esse fato contrasta com a divulgao cada vez mais acentuada na mdia
de descobertas da fsica e conquistas da tecnologia ligada a ela, como ptica,
microeletrnica e assim por diante. Por que os alunos demonstram vivo interesse pelas
questes apresentadas na mdia e no pelas colocadas em sala de aula?
A influncia da cincia em diversos mbitos da cultura inegvel, mas parece que aescola se vale muito pouco dessa influncia para proporcionar aos alunos o interesse pelas
questes cientficas, a apreenso do conhecimento cientfico e suas repercusses sobre as
preocupaes humanas.
A fico cientfica, por outro lado, parece seguir justamente o caminho do interesse.
Quem assiste ou l fico cientfica, parece ser movido e motivado por questes cientficas
fundamentais que dizem respeito nossa vida e que parecem ficar sempre de fora das aulas
de cincia na escola. Minhas leituras mostravam que a fico cientfica e mesmo outrasmanifestaes artsticas que traziam contedos cientficos surgiam que como resultado do
papel que a cincia e a tecnologia assumiu em nossa sociedade, sobretudo a partir de finais
do sculo XIX. As manifestaes artsticas passarem a incorporar preocupaes ligadas a
temas cientficos, seja a partir de um ponto de vista crtico do progresso cientfico e
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tecnolgico seja a partir de uma admirao pelas conquistas por ele trazidas, mas em ambos
os casos expressando as preocupaes presentes em relao a esses progressos.
A implicao disso que, mais do que mera possibilidade de um recurso didtico
inovador para a sala de aula, a fico cientfica parece trazer consigo a expresso de
concepes em relao a conceitos e leis cientficas, atividade cientfica, natureza da
cincia e sua relao com a sociedade. Como veculo social dessas concepes, a fico
cientfica, em todos os seus desdobramentos, constitui-se uma forma de divulgao de
idias ligadas cincia. No importando se tais idias so precisas ou representam
distores ou simplificaes, o fato que hoje elas constituem um dos principais
mecanismos que ajudam a construir um imaginrio social sobre a cincia.
Nesse sentido percebi que a fico cientfica pode se constituir num elemento
articulador a partir de onde podemos estabelecer vnculos entre os interesses e motivaes
do estudantes em relao a temas cientficos e os contedos programticos de ensino.
Encontrei diversos trabalhos apontando nessa direo, mostrando que a fico
cientfica pode ser empregada em sala de aula como elemento motivador para a discusso
de conceitos e leis cientficas dentro de um contexto que envolve uma reflexo mais ampla
dos processos do fazer cientfico, tanto do ponto de vista das questes internas da cincia
(mtodos, instrumentos, carreira profissional) como das ligaes da cincia com o todo
social (influncias culturais, financiamento, repercusses de descobertas cientficas).
O que parecia faltar, porm, uma anlise terica mais sistemtica da obra de fico
cientfica sob o ponto de vista dos pressupostos da educao cientfica. Em primeiro lugar,
a mim parecia fundamental estabelecer critrios de anlise das obras que permitissem situ-
las no contexto da sala de aula em relao aos diversos objetivos que poderamos ter em
mente ao trabalhar com o contedo. Fundamental seria conseguir vislumbrar caminhossistemticos para a articulao, por um lado dos aspectos conceituais da cincia com o
mbito da compreenso do processo de produo do conhecimento a das relaes scio-
culturais da cincia. Por outro lado, tais discusses nunca poderiam fugir do mbito do
interesse dos alunos deveriam aparece para eles como temas no apenas dignos de
discusso, mas como assuntos interessantes e quem sabe at apaixonantes.
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Uma tal articulao deveria passar portanto, por fundamentos pedaggicos na rea
de educao que nos permitissem entender o contedo escolar de cincia em seu aspecto
scio-cultural e tambm que colocasse o interesse e as preocupaes cultuais dos alunos no
foco da ateno. Foi assim, que parte desta formulao terica foi a partir da perspectiva
pedaggica de Georges Snyders, que como terico da pedagogia prope que a escola deve
ser um espao da passagem da cultura primeira para a cultura elaborada e que a satisfao
cultural seja o centro das preocupaes pedaggicas. Alm disso, Paulo Freire tambm
compareceu, sobretudo por sua articulao mais sistemtica entre o papel do estudante no
processo e a questo de tratar de temas que faam sentido do ponto de vista scio-cultural.
Bronowski foi outro autor a quem recorri, principalmente porque, ao mesmo tempo
em que salienta a cincia como uma manifestao cultural, dedica especial ateno por umlado questo do prazer e do interesse em cincia e por outro da relao da cincia com a
arte, particularmente com a literatura. Do ponto de vista da didtica especfica das cincias,
a principal referncia na rea que parecia articular tais temas era o trabalho de Joo Zanetic,
que desde seu trabalho de doutoramento Fsica tambm cultura (ZANETIC, 1990) vem
defendendo a interconexo inevitvel entre cincia e cultura no mbito escolar.
Com esses fundamentos em mente, o prximo passo seria examinar especificamente
a fico cientfica como expresso literria e cinematogrfica e procurar explorar aspossveis relaes com a cincia e com o ensino e estabelecer as possibilidades de uso em
sala de aula. Com isso procurei concretizar a meta de construir vnculos tericos que
sustentassem a formulao de propostas didticas para a sala de aula, propostas essas que
explorassem os diversos mbitos e possibilidades proporcionados pela fico. Essa anlise
permitiria a adequada seleo de obras a serem utilizadas e a concepo e elaborao de
atividades para a sala de aula a partir de fundamentos mais sistemticos do que a simples
intuio.
O ponto central do trabalho foi, portanto, a construo de tais instrumentos tericos
de anlise, que deveriam abarcar a possibilidade de elaborar atividades que pudessem
estimular o interesse dos alunos a respeito de temas cientficos em trs mbitos:
a)Conceitos, fenmenos e leis cientficas.
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b)Fazer cientfico: mtodos, formas de organizao, lgica cientfica, questes
filosficas, entre outros.
c)Relao entre cincia e sociedade: conseqncias sociais do conhecimento
cientfico, influncias culturais, econmicas e polticas, poltica cientfica, entreoutros.
Para sistematizar estes trs mbitos de preocupao, seria necessrio um exame da
obra de fico mais rigoroso e sistemtico do que uma simples percepo superficial dos
temas que apareciam. Minha experincia de sala de aula havia mostrado que as questes
emergem das obras a partir de diversos caminhos, no entanto eu no dispunha de nenhum
instrumento terico de anlise que me permitisse sistematizar e compreender os fenmenos
que aconteciam ali. Faltava algum instrumento para me dizer algo sobre o contedoe sobreas possveis interpretaesde uma obra, e de como seria possvel situ-la no mbito maior
da relao entre cultura e sociedade entender a obra como um produtocultural que tem
origem na influncia da cincia no mbito da sociedade.
Parece inegvel que a fico cientfica um dos grandes meios da veiculao de
idias a respeito da cincia, seja em filmes, livros, desenhos animados, quadrinhos ou
outras mdias. Hoje em dia expresses como fora gravitacional, campos de fora,
neutrinos, feixes de partculas no so restritas a um pblico com formao cientfica. Ao
contrrio, dado o carter popular dessas manifestaes culturais, tais expresses e idias a
elas ligadas passam a ser incorporadas ao que Snyders (1988) denomina de cultura
primeira.
De que forma poderamos examinar uma obra e verificar de que forma podemos
interpretar os elementos que ela traz luz dos objetivos de ensino. Sabemos que muitas
obras contm erros cientficos barulhos no vcuo do espao, clonagem de seres
humanos que copiam tambm as lembranas, substncias capazes de deixar uma pessoa
invisvel. Seriam mesmo erros? O que eles significam? Ns na sala de aula, com nossos
acertos parecemos menos interessantes do que os erros dos filmes. Como lidar com
isso e evitar abordagens simplistas e superficiais da fico cientfica?
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As questes, porm, no ficam apenas no mbito conceitual. Como encontrar nas
obras as questes relevantes que do origem a posies polticas em relao cincia?
Obras como o famoso Frankensteinde Mary Shelley e todas as suas derivaes parecem
mostrar o cientista como um maluco e manaco? Muitssimas obras parecem dar uma viso
distorcida do que a atividade cientfica e do que a cincia. Sero mesmo distores?
Os erros conceituais e as distores na viso do que a cincia parecem criar
um fosso entre a fico e a cincia verdadeira. Porm, esse ponto de vista totalmente
simplista e ingnuo. Em primeiro lugar porque a noo de erro conceitual em cincia e
sobretudo no mbito do ensino passou a ser examinada com critrios muito diferentes e
menos valorativos, seja pelas pesquisas baseadas no desenvolvimento cognitivo, seja pelas
pesquisas que se preocupam com a histria e o desenvolvimento da cincia e como ele pode(e deve) ser trazido para a sala de aula. Essas ltimas tambm nos mostram como a questo
da viso distorcida tambm deve ser relativizada, na medida das dificuldades em se
estabelecer o que uma viso no distorcida do processo de produo do conhecimento.
Em ambos os casos, a cincia que retratada nas obras de fico deveria ser vista
como um produto cultural que reflete determinadas vises e preocupaes em relao
cincia e que, ao mesmo tempo, obedece a motivaes e leis prprias da manifestao
artstica, da literatura e do cinema, que devem ser minimamente compreendidas para que sepossa aproveitar aquilo que elas podem nos oferecer do ponto de vista didtico.
A formulao terica atacou fundamentalmente estes dois pontos: os erros e as
distores. A identificao de erros substituda por uma anlise estrutural dos
elementos presentes em uma obra de fico cientfica, de suas relaes com o
conhecimento cientfico e, principalmente, das razes de ser que esto por trs de cada tipo
de construo. A partir disso, verificamos suas possibilidades didticas a partir do prprio
processo de construo literria destes elementos. Denominamos esta anlise de
caracterizao dos elementos contrafactuais.
A questo das distores, por outro lado, foi substituda por uma anlise das
posies implicitamente assumidas em uma obra de fico, que na verdade refletem
posies existentes no mbito social e que so manifestadas atravs da literatura e do
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cinema, sempre obedecendo, claro, a convenes e lgicas prprias internas ao gnero. Este
instrumento de anlise foi denominado identificao dos plos temticos.
A partir disso, procurei apontar em direo sala de aula. Em primeiro lugar
procurei articular estes dois instrumentos com a produo das atividades didticas, baseado
em grande medida, no conhecimento emprico que adquiri nas minhas aulas, que desde
ento continuam contando sempre usando aqui e ali, com recursos da fico cientfica.
Finalmente, procurei, a partir de algumas atividades que desenvolvi em sala de aula
nestes anos, aplicar estes instrumentos na anlise das obras que foram empregadas nestas
atividades. Esse processo teve como objetivo, alm de elucidar melhor diversos aspectos da
anlise, apresentar outros aspectos importantes mais ligados sala de aula, mostrar de que
forma eles podem ser articulados ao mbito da sala de aula e, finalmente, mostrar como os
fundamentos levantados na primeira parte do trabalho se fazem presentes no contexto das
atividades.
Alm disso, procurei mostrar as especificidades das trs manifestaes clssicas
da fico cientfica que usei em sala de aula: romances, contos e filmes longas metragem.
Tais diferenas, que podiam (e at deviam) ser ignoradas na construo instrumentos de
anlise, deveriam agora ser salientadas a partir deles, uma vez que o impacto na situao de
aula de cada uma delas completamente diferente, Tanto no que se refere forma, quanto
tambm ao contedo.
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I Ensino de Cincias: Alegrias e Paixes
London, London
Caetano Veloso
I'm wandering round and round, nowhere to go
I'm lonely in London, London is lovely soI cross the streets without fear
Everybody keeps the way clear
I know I know no one here to say helloI know they keep the way clear
I am lonely in London without fearI'm wandering round and round, nowhere to go
While my eyes go looking for flying saucers in the skyWhile my eyes go looking for flying saucers in the sky
Oh Sunday, Monday, Autumn pass by meAnd people hurry on so peacefully
A group approaches a policeman
He seems so pleased to please themIt's good to live, at least, and I agree
He seems so pleased, at least
And it's so good to live in peaceAnd Sunday, Monday, years, and I agree
While my eyes go looking for flying saucers in the sky
While my eyes go looking for flying saucers in the sky
I choose no face to look at, choose no way
I just happen to be here, and it's okGreen grass, blue eyes, grey sky
God bless silent pain and happiness
I came around to say yes, and I say
While my eyes go looking for flying saucers in the sky
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1. Respostas?
Um dia eu estava ouvindo a cano London, London 1 , que Caetano Veloso
comps no exlio, e me chamou a ateno a referncia aos discos voadores presente no
refro. O eu-lrico da msica passeia por Londres, observando o transcorrer dos pequenos
acontecimentos, mas seus olhos se voltam ao cu em busca de discos voadores. Ao mesmo
tempo, tinha diante de mim a foto da minha filha fantasiada de Violet, do filme OsOsOsOs
IncrveisIncrveisIncrveisIncrveis2.... Pensei nessa personagem que produz em torno de si um campo de foras e
consegue ficar invisvel, poderes provavelmente cobiados por muitas e muitas pr-
adolescentes. O que essas produes to dspares tm em comum? De um lado, uma cano
de MPB composta nos anos 70 por um cantor perseguido pela ditadura militar. Do outro
um blockbuster recente da gigante multinacional do cinema de animao, que com suasestratgias de marketing me levou a comprar aquela fantasia. Mas eu vi ali um fio comum,
que talvez um dos pontos-chave desse trabalho: desejos humanos, anseios associados a
uma presena cultural latente da cincia e da tecnologia
Expressando a melancolia e solido nas ruas de Londres, no contexto cotidiano e
corriqueiro da vida, Caetano traz no refro da msica o contraponto do disco-voador que ir
lev-lo no se sabe onde, mas certamente ao desconhecido, ao inusitado, ao novo, para
longe das pequenas coisas do dia a dia. Na imagem do disco voador est estampada no
apenas a solido de uma pessoa, mas a prpria solido da humanidade como gnero e o
desejo de que no estejamos ss no universo. Um anseio que, na potica de uma sociedade
1 Essa cano de Caetano Veloso encontra-se no lbum Caetano Veloso (1971).Compact Disc. Faixa2. Polygram, 1971.
2 Em virtude de as normas tcnicas atualmente em vigor no distinguirem precisamente entrereferncias usadas como base ou fonte para o trabalho e as que so objeto de investigao, muito numerosas
no presente trabalho, decidimos elaborar um ndice parte para estas (seo corpus), em separado daquelas,empregando um formato de referncia que as distingue claramente. Para facilitar leitura do texto, elaboramosum sistema de referncia indexado para as obras, baseado em seu ttulo em portugus grafado em negritonegritonegritonegrito. Nocaso de obras escritas (romances e contos) a referncia pgina, quando necessria, dada entre parntesis ese refere edio aqui listada, como no exemplo: Nufragos do SeleneNufragos do SeleneNufragos do SeleneNufragos do Selene (p. 128). No caso de filmes, areferncia dada em minutos, indicado a partir do incio do filme de acordo com a edio indicada, em DVDou VHS. Por exemplo, a referncia 2001200120012001: Uma Odissia no Espao: Uma Odissia no Espao: Uma Odissia no Espao: Uma Odissia no Espao (min. 23) indica a obra 2001: umaodissia no espao de Stanley Kubrick e se refere ao trecho que se inicia em 23:00 minutos do filme e seencerra a 23:59, na edio de DVD ou VHS indicada no presente ndice.
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tecnolgica como a nossa, representado por um artefato tcnico imaginrio elaborado por
civilizaes culturalmente superiores.
O filme de animao, provavelmente a partir de uma cuidadosa pesquisa de
mercado, expressa em forma de superpoderes desejos perfeitamente cabveis s
personagens associadas a cada pblico: o homem de meia-idade com sua fora e virilidade,
a me moderna com seus poderes elsticos, e a pr-adolescente que quer poder estar
invisvel, longe dos olhares incmodos dos homens maus, dos adultos e tambm criar um
campo de fora que repila essas ameaas. Assim como no disco voador, temos aqui desejos
humanos que encontram em artefatos tcnicos imaginrios a sua satisfao.
Tanto em um caso como em outro temos a presena do inusitado, do maravilhoso ou
do fantstico, de elementos que no constituem o dia-a-dia e nem sequer o real. Ao
contrrio disso, discos voadores e superpoderes so elementos de um mundo puramente
imaginrio. Entretanto, esse imaginrio implcito na idia de sonho realizvel, ainda que
apenas em tese. No se trata assim de um imaginrio puro e simples, mas de algo que
encontra na cultura cientfica seno um respaldo conceitual slido, pelo menos uma
possibilidade terica.
Os conhecimentos cientficos de que dispomos no nos permitem afirmar, por
exemplo, a existncia de seres inteligentes que visitariam a Terra em veculos espaciais,
como os discos-voadores. Porm, a extrapolao de todo o conhecimento cientfico
disponvel no descarta essa possibilidade, ainda que a avaliao da comunidade cientfica
a respeito da probabilidade de um evento como esse ocorrer seja desanimadora para quem
espera encontrar discos voadores no cu. O fato que a cincia de nosso tempo nos induz a
conceber essa possibilidade e, mais do que isso, faz com que a existncia de discos
voadores no seja fruto de pura especulao mgica como a existncia de gnomos ou
vampiros, mas algo racionalmente concebvel e explicvel dentro da estrutura conceitual
lgico-causal da cincia. Um raciocnio similar pode se aplicar perfeitamente a poderes de
invisibilidade e de campos de fora da Violeta Incrvel, por mais que a cincia e a tcnica
atuais nos faam crer que se tratem de possibilidades remotas, ou at mesmo de
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impossibilidades tericas. O fato que a concepo de tais artefatos tem uma clara
influncia da cultura cientfica.
A partir disso, podemos nos perguntar que motivaes tais elementos tecno-
cientficos evocam na msica de Caetano e no desenho da Pixar, e que consideraes de
ordem geral essa anlise pode nos fornecer.
A meno aos discos voadores em London, London remete, como dissemos, a um
contraste entre o cotidiano e o fantstico. A letra da msica nos fala da solido de quem
est na multido. H pessoas por todos os lados e ningum com quem falar, h tantos
lugares e lugar algum para ir. Os eventos cotidianos transcorrem, as pessoas apressadas, o
policial solcito, todas as coisas muito boas, como devem ser, a grama verde, o cu
cinzento, os olhos azuis. Mas o olhar volta-se para o cu em busca de discos voadores. Por
qu? A busca de um novo mundo? Uma fuga do cotidiano? London, London representa,
a nosso ver, uma temtica fundamental da solido no apenas do indivduo humano que
aparece como eu-lrico na cano, mas de todo o gnero humano. E essa inquietude o
motor de uma busca, a busca do outro, da outra humanidade, do outro mundo. O tema
do ubi sunt, ou seja onde esto os outros?, conforme aponta o critico literrio Davi
Arrigucci Jr, recorrente na literatura e representa um tpico que retomado e reinventado
ao longo da histria da produo literria, pergunta que ficou ecoando atravs do tempo(...) para ilustrar-lhe exatamente o papel devastador, a fugacidade do homem e das coisas e
a fragilidade de toda a glria terrena. (ARRIGUCCI JR, 2003, p.217). Aqui, com os discos
voadores e com a cincia contando para ns a respeito da imensido do universo, a
pergunta estamos ss? ganha uma dimenso para alm do indivduo e para alm de um
povo e ou de uma nao, para estender-se para a humanidade como uma entidade em si.
Os discos voadores so assim a representao de um anseio, que a busca do outro,
mas um outro no-humano que ao mesmo tempo humano porque racional e inteligente,
um outro que est fora do nosso gnero, mas que por isso mesmo nos apresenta muitssimas
possibilidades excitantes e assustadoras. Algo que, com propores e caractersticas
distintas, j se deu em outros momentos da histria humana, como na poca das grandes
navegaes, mas que se reveste, em nossa sociedade de base cientfico-tecnolgica, de
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possibilidade imaginvel como real, como um possvel no apenas na imaginao, mas nos
fatos, a ponto de uma sociedade capitalista pragmtica investir em um projeto para a
pesquisa de vida inteligente fora da Terra, como o caso do o SETI3.
A questo que da Senhorita Incrvel algo distinta da que inquieta o transeunte de
Londres. Este est interessado no mais, no alm, satisfeito demais e entediado demais
com o que est dado, com a vida cotidiana que tudo fornece. Quer algo maior, anseia ir
mais longe. A pr-adolescente, por outro lado, dotada de instrumentos que lhe permitem
lidar com a hostilidade do mundo e, de certa forma, suprimir ou atenuar essas ameaas. Os
poderes no s dessa personagem, mas de todos os super-heris dos quadrinhos e do
cinema tm como finalidade vencer o mal, representado pelos viles. A concepo de que
seria possvel se tornar invisvel ou ento criar uma barreira intransponvel a seu redor ,antes de tudo, a idia de que podemos construir instrumentos que nos ajudam a enfrentar as
agruras do mundo.
Claro que a idia de se tornar invisvel mais antiga do que a prpria cincia. Ela
est presente, por exemplo, na mitologia grega, com o capacete do deus Hades que deixa
Perseu invisvel, ajudando-o a matar a Medusa . Ou ento o anel encontrado pelo campons
Giges, na histria contada na Repblica de Plato, que lhe dava a faculdade de ficar
invisvel de acordo com a posio com que era ajustado, (MAGALHES JR. 1973, p. 75).O que estamos falando aqui, no entanto, refere-se a algo diferente. Ao sobrenatural, o
mgico e o mstico sempre foram atribudas possibilidades alm de nossos limites
mundanos, tornar-se imortal, viajar longas distncias instantaneamente, adquirir uma fora
sobre-humana, esses e muitos outros poderes. A novidade aqui ver na cincia uma
possibilidade ao menos terica de tornar realidade todas essas fantasias.
Com o desenvolvimento cientfico e com a influncia que ele adquiriu em nossas
vidas, a fico cientfica passou a ser um dos principais meios de expressar estes desejos de
3Search for Extraterrestrial Intelligence, ou Busca por Inteligncia Extraterrestres. Projeto que utilizainstrumentos e tcnicas radioastronmicas para a deteco de vida inteligente fora da Terra. Para maioresdetalhes, consultar HEIDMANN (1995) ou o websitedo projeto: http://www.seti.org.
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transcendncia humana atravs das possibilidades trazidas pela cincia. A fico cientfica
expressa, atravs de suas pginas escritas e de suas imagens nas telas do cinema e da TV,
muito mais que aventuras espaciais, combates com espadas lasers e monstros feiosos e
bizarros: expressa as preocupaes, medos, desejos e questionamentos humanos frente ao
universo de possibilidades que a cultura tcnico-cientfica de nossos tempos colocou diante
de cada um de ns. Em outras palavras, questes humanas, que as nossas salas de aula
ainda insistem em desvincular do ensino das cincias.
Como professor, a pergunta que eu faria : por que toda essa intensidade de
questionamentos no aparecem na sala de aula? Porque no fazem parte do cotidiano do
ensino de cincias, se so questes to fundamentais, questes humanas que todo mundo se
coloca e todo mundo gostaria de ter a oportunidade de debater? Acreditamos que trazer esseuniverso cultural para a sala de aula um trabalho fundamental. Cabe, portanto, investigar
um pouco melhor esse mbito to pouco abordado nas pesquisas sobre ensino de cincias: a
relao afetivaentre o aluno e a cincia, que o elemento fundamental que perpassa todo
esse trabalho.
2. Paixo e cincia na sala de aula
Richard Feynman, em uma famosa palestra proferida no Brasil afirmou que no se
ensina cincia em nosso pas (FEYNMAN, 2000, p. 243). Desde a dcada de 1950, quando
o criador da eletrodinmica quntica aqui esteve, as discusses sobre o sentido do ensino de
cincias tomaram muitos rumos. Houve projetos de ensino nos anos 60, inicialmente
importados, traduzidos e adaptados. Depois, na dcada de 70, verificou-se a criao de
projetos de ensino brasileiros, a partir da universidade, cujas repercusses foram variadas e,
se no vingaram como programa de ensino de cincias nas salas de aula do pas, deixaram
uma semente, que foram os diversos grupos de pesquisa em educao cientfica que hoje
esto espalhados pelo pas e que permitem que trabalhos como esta tese sejam escritos.
As pesquisas que surgiram da apresentam pelo menos duas vertentes razoavelmente
definidas: os estudos sobre aprendizagem e os estudos sobre os contedos. Claro que
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muitas vezes essas vertentes se confundem e se misturam e assim deve ser. A despeito da
falta de estudos especficos a respeito, parece claro que apesar de todo o esforo de
pesquisa, as poucas propostas renovadoras concretas no Brasil como o projeto de fsica
GREF (1990, 1991, 1993), tiveram um impacto restrito em sala de aula, e embora alguns
de seus possam ser observados em alguns livros didticos (GONALVES E TOSCANO,
2000; SILVA, 2000), no houve influncia efetiva na estrutura curricular desta disciplina.
Em relao a outras disciplinas cientficas no ensino mdio e fundamental, a situao das
proposta renovadoras na sala de aula semelhante ou ainda mais precria. Nem mesmo
diretrizes mais gerais, como os Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2004), que
incorporam algumas das idias surgidas no meio acadmico de pesquisa em ensino,
lograram trazer alteraes significativas para a forma e contedo do que realizado nas
aulas das disciplinas cientficas em todo o pas. A questo de Feynman, portanto, ainda
muito atual.
O que, no entanto, nos chama a ateno no discurso de Feynman a forma como ele
encarava a cincia. H um ponto central a, que a nosso ver tem escapado sistematicamente
tanto s pesquisas voltadas para a aprendizagem como quelas preocupadas com o
contedo e que, no entanto, talvez seja a coisa que mais deveria unir as duas vertentes.
Estamos nos referindo a um ponto fundamental: a paixopaixopaixopaixo. Ou, se preferirem, ao interesse,
ao prazer, vontade espontnea de conhecer, ao entusiasmo com a cincia. Feynman era,
antes de tudo, um apaixonado e qualquer um que tenha lido alguma de suas famosas
lecturesou conhecido algo de sua biografia poder constatar isso de imediato.
Mas onde a paixo aparece na sala de aula? Lecionando fsica durante 15 anos no
ensino mdio, tive algumas boas oportunidades de ver olhos brilharem e de perceber
manifestaes explcitas do mais puro entusiasmo. Mas muitas vezes tambm pude
observar olhares de tdio, sono e indiferena. E no poucas tambm de ouvir adolescentes
dizendo que a fsica uma matria chata.
Estando na docncia no ensino mdio e constantemente em contato com a rea de
pesquisa de ensino de fsica, tive a oportunidade de acompanhar muitas e muitas idias e,
dentro de meus limites e interpretaes, lev-las para a sala de aula, desde os antigos
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projetos, passando por propostas de seqncias construtivistas, de trabalhos que levassem
cuidadosamente em conta as concepes espontneas, da aplicao sistemtica de um
projeto como o GREF (1990, 1991, 1993), e de adaptaes inspiradas na idia central deste
projeto. Tambm lidei com a histria da cincia, tanto com textos originais, como os
dilogos galileanos, com projetos como o Harvard (1978a, 1978b, 1980, 1985) e com livros
de divulgao cientfica. Tambm trabalhei com experimentos os mais variados, dos mais
simples aos mais elaborados, fazendo brinquedos, desmontando aparelhos, realizando
medidas, observaes qualitativas e discusses. Usei o computador, com simulaes, jogos,
pesquisas na internet e grficos em planilhas. Exibi vdeos e filmes, indiquei a leitura de
livros e textos diversos. Em relao ao contedo, abordei tambm fsica moderna,
relatividade, fsica quntica, fsica de partculas elementares, astronomia e cosmologia e
tambm a teoria do caos. No faltaram inclusive muitas aulas sobre questes da cincia em
geral, do fazer cientfico bomba atmica, passando por questes ambientais e vrias
outras coisas que se pode encontrar nos textos das diretrizes curriculares nacionais. E, claro,
fiz tambm muitas coisas tradicionais, tais como exerccios de vestibular.
O que pude constatar que, qualquer que seja a coisa que faamos como
professor, possvel torn-la chata ou legal. Pensemos, ainda como mero exemplo, na
possibilidade de uso de fico cientfica em sala de aula, que o tema deste trabalho. Por
mais que a idia a princpio possa ser interessante, preciso dizer que tambm pode ser
muito chata e que no difcil fazer com que os alunos odeiem no apenas a fsica, mas
tambm a fico cientfica ou qualquer outra coisa que tenha a palavra cientfica no
nome. Isso vale para o uso da fico cientfica assim como para qualquer recurso inovador
que se possa imaginar, entre tantos que aparecem aqui e ali, a fsica no parque de
diverses, a fsica na capoeira, a fsica no vdeo-game, entre tantas outras. Todas elas
podem ser to enfadonhas, to incuas e to vazias quanto passar dezenas de exerccios
com a tradicional formulinha da transformao de graus Celsius para Fahrenheit. Iria atmais longe: alguns alunos podem achar muito mais interessante essa ltima opo,
dependendo do contexto.
A pergunta que deve ficar como uma mesma coisa pode ser interessante ou
detestvel. E acreditamos que parte da resposta est no que Feynman descreve em sua
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experincia educacional. Diz o cientista que perguntou a um estudante: Quando a luz
chega a um ngulo atravs de uma lmina de material com uma determinada espessura, e
um certo ndice N, o que acontece com a luz? (op. cit. p.238). O estudante sabia responder
perfeitamente e at calcular perfeitamente o deslocamento da luz. Porm ignorava como
responder a uma questo prtica ligada a uma aplicao imediata desse mesmo
conhecimento: Se esse livro fosse feito de vidro e eu estivesse olhando atravs dele
alguma coisa, o que aconteceria como a imagem se eu inclinasse o [vidro] 4? (op. cit.
p.239).
A questo que o que parece ser a mesma coisa no realmente a mesma coisa.
Feynman, que no um terico da educao, mas que como professor intui que o maior
problema est na prtica de incentivar a simples memorizao de conceitos. Isso remetetalvez a um ponto chave: o significado dos conceitos, a busca do real entendimento das
coisas. nesse ponto precisaramos ir alm da intuio de professor do mestre Feynman e
recorrer s pesquisas sobre aprendizagem: como realmente ensinar conceitos e no fazer
com que os alunos simplesmente os memorizem. Nosso caminho porm, ser um tanto
distinto, porque no estamos simplesmente preocupados com o aprender bem o conceito.
Em relao satisfao com o conhecimento e com o aprendizado, implcita nas
idias de Feynman, Georges Snyders segue um outro caminho, voltando sua ateno aosignificado de satisfao que o acesso cultura pode proporcionar e ao papel da escola no
acesso dos estudantes a essa satisfao. O pedagogo francs coloca no centro das
preocupaes a questo dos contedos escolares e vincula-os questo da cultura e a seu
papel na satisfao, da alegria e do prazer:
4Aqui houve um lapso de traduo na edio brasileira. Na traduo,glasshavia sido traduzido paracopo, mas o contexto s faz sentido se a traduo for substituda por vidro.
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(...) para dar alegria aos alunos, coloco minha esperana narenovao dos contedos culturais. A fonte de alegria dos alunos, no aprocuro inicialmente do lado dos jogos, nem dos mtodos agradveis, nem dolado das relaes simpticas entre professores e alunos, nem mesmo na regioda autonomia e da escolha: no renuncio a nenhum destes valores, mas contoreencontr-los como conseqncia e no como causas primeiras (SNYDERS,
1988, p.13).
Tais caminhos porm no so de forma alguma incompatveis. A busca do
significado, da compreenso mais profunda do objeto de estudo, no apenas se
compatibiliza com o interesse e a satisfao, mas de certa forma o combustvel um do
outro. Isso coloca no centro da pauta a questo do contedo do ensino de uma forma
indissocivel da forma como esse contedo transmitido. O contedo, de certa forma,
determina o mtodo de ensino e vice-versa: no so elementos estanques que possam ser
justapostos.
Tomemos um exemplo concreto, digamos, o ensino de lentes esfricas, que um
tpico comum no ensino mdio. O professor pode abordar o assunto sem jamais mostrar
uma lente sequer para os alunos. Isso , alis, o mais comum. Ele mostra no quadro negro a
representao esquemtica das lentes e ensina os alunos a fazerem os diagramas que
permitem determinar como ser a imagem, em funo da posio do objeto relativamente
lente e ao seu ponto focal. Tambm pode ensinar o clculo que permite fazer isso e
inclusive discutir sobre instrumentos pticos como microscpios e telescpios. Por outro
lado, ele pode tambm trabalhar o assunto mostrando lentes esfricas didticas para os
alunos. Pode inclusive usar um banco ptico, um kit de estudo de ptica muito comum, ou
ento utilizar lentes de culos usadas, ao invs de um material produzido especialmente
com finalidades didticas. Outros possveis recursos seriam uma simulao de computador,
textos por exemplo sobre a histria da inveno das lentes, material videogrfico e assim
por diante. Enfim, os recursos so inmeros e a cada recurso que se emprega h algo de
diferente no contedo que se veicula, e uma srie de consideraes pode ser feita emrelao aos conhecimentos, habilidades, atitudes e tudo o mais que est sendo desenvolvido
ali, em relao quele tpico especfico.
Assim, cada uma dessas mltiplas possibilidades, mais do que representarem apenas
mtodos distintos para ensinar conceitos, constituem tambm contedos diferentes.
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Trabalhar com um kit diferente de trabalhar com lentes de culos, trabalhar com um texto
histrico diferente de fazer um experimento. E essa diferena no est apenas no mtodo,
mas tambm no contedo, ou seja, naquilo que o aluno est de fato aprendendo. E mesmo
dentro de cada abordagem, h muitas variaes possveis, nfases, formas de expor a
matria, a relao que se estabelece entre o aluno e o material. Cada uma delas traz no s
uma relao distinta com o conhecimento, mas tambm conhecimentos diferentes. No
entanto, normalmente refere-se ao contedo apenas como os conceitos e as relaes a serem
trabalhadas: distncia focal, imagem real e virtual, a identificao e nomenclatura dos tipos
de lentes, a equao de Gauss e assim por diante. Assim, como comentamos, o que parece
ser mesma coisa, ou seja, ensinar lentes esfricas , na verdade, um rtulo para uma
variedade imensa de contedos efetivamente abordados, dependendo do caminho que se
escolha.
O que observamos que muitas vezes se encara o ensino de fsica como a tarefa de
fazer com que o aluno aprenda conceitos e relaes da forma mais completa possvel e que
todas as outras coisas so consideradas apenas como mtodos para facilitar esse
aprendizado.
Se examinarmos os exemplos dados por Feynman veremos que exatamente nas
mltiplas inter-relaes com o contexto que os conceitos podem fazer sentido, dizeremrespeito realidade e mais do que isso, serem interessantes e motivarem a ao do sujeito.
Mas podemos ir alm da relaes conceituais internas da fsica, que onde Feynman
permanece. A lente esfrica no apenas um tpico prosaico da fsica, um instrumento para
o qual se deve conhecer as frmulas, os esquemas e os conceitos relacionados. Ela repleta
de significados, sociais, culturais, tcnicos e cientficos. E tambm de significados prticos,
da vida cotidiana, da prtica social do dia a dia, de conhecer na prtica as propriedades e as
funes das lentes. Elas podem representar grandes anseios humanos, a vontade de ver
mais, melhor e mais longe, de conhecer melhor o mundo, tambm de conquista tcnica e
histrica. O grande passo de Galileu com a luneta no foi sua inveno que afinal no foi
dele e sim a idia de us-la para olhar o cu, que o levou a concluses que transformariam
radicalmente a nossa viso do universo. Mais ainda: ao mesmo tempo, de imaginar
utilidades militares. E a lente est presente na natureza, na crnea e no cristalino dos olhos
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dos animais. Por trs da lente esto conceitos sutis, a formao de imagens, o princpio da
superposio. Est a idia de que grande parte do que sabemos em cincia dependeu um dia
de passar pela tecnologia da lente esfrica. E o domnio do que lente no se d apenas no
mbito das formalizaes abstratas, mas do de perceber a lente como um elemento de um
todo maior.
Evidentemente no estamos com isso advogando aqui um curso de ps-graduao
sobre lentes esfricas que tomasse talvez um ano inteiro, com aspectos histricos, sociais,
tcnicos e tudo o mais, esgotando o assunto lentes em si, at suas ltimas conseqncias.
Estamos falando de significado, no sentido amplo do termo, de perceber cada elemento do
contedo inserido numa rede maior que remete a uma estrutura conceitual mais profunda
no conhecimento, quanto a questes que relacionam a cincia com suas repercusseshumanas.
Talvez a um grande cientista como Feynman importe muito mais a primeira parte,
ou seja, inserir conceitualmente cada elemento numa malha densa de significados internos
estrutura conceitual da cincia e relacionar essa estrutura com os elementos naturais a que
se referem, com seu uso cotidiano e com os fenmenos que ela suscita. E talvez os que
defendem um ensino de cincias mais engajado, voltado para a formao no do cientista
especificamente, mas do cidado em geral, vejam mais interesse nas inter-relaes que sepossa estabelecer no mbito das questes sociais, polticas, econmicas e tcnicas.
De uma forma ou de outra, cabe uma idia mais ampla do que vem a ser contedo e
de como ele se relaciona com aquilo que se deseja atingir, ou seja, os objetivose de como
concretamente esse contedo apresentado em sala de aula, ou seja, os mtodos. Mas ainda
h a questo central a ser desenvolvida: a paixo. Onde ela entra em toda essa discusso de
significado dos contedos? Podemos construir um curso que procure estimular a
curiosidade cientfica e tambm podemos criar um que incorpore a idia da cincia como
construo social e como instrumento para insero na prtica social. E mesmo assim, os
alunos podem no se interessar em nenhum dos casos. Eles podem dizer: l vem de novo
aquele professor falando de bomba atmica, l vem ele falando do Galileu, no agento
mais Galileu. No agento mais olhar para dentro do chuveiro eltrico ou discutir essa
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coisa de relatividade. E podem lanar a pergunta fatal, que amedronta tanto os professores:
para que eu quero saber isso?
O fato que quando h interesse e prazer envolvido ningum se lembra de
perguntar para que serve essa matria. Deveramos esperar isso, claro, em qualquer
disciplina escolar, no apenas nas cincias. Afinal, enquanto um leitor experimentado sabe
que Machado de Assis muito bom, interessante e prazeroso, ouvimos muitos estudantes
dizerem que seus livros so chatos. Como sabemos que tambm so muito interessantes
os estudos da ptica e da Acstica. Mas como chegamos a verificar isso, ns que estamos
do lado de c, que j passamos pelas etapas que nos permite fruir a beleza e a satisfao
trazida por tais conhecimentos? Ou seja, ser que essas coisas so legais por si mesmas
ou tambm pelo processo que nos levou a apreend-las como muito mais do que umamatria escolar a ser decorada e devolvida na prova? Em algum momento, essas coisas
fizeram sentido, adquiriram um significado prprio para ns, nos trouxeram sentimentos de
admirao, de interesse e de vontade de aprender, para que pudssemos voltar nossos
esforos que certamente no foram pequenos para nos apropriar delas. Um adolescente
perfeitamente capaz de ficar horas repetindo atividades complexas para atingir um grau
de perfeio absoluto em alguma atividade, seja ela tocar guitarra, passar uma fase no
vdeo-game ou decorar a letra de uma msica de amor. Seus professores talvez achassem
muito chato e complicado fazer qualquer uma dessas coisas sem sentido, que no
servem para nada.
No entanto, a nosso ver, justamente a que se encontra a chave das questes que
estamos colocando. Como tornar as coisas sem sentido em coisas com sentido. Ou
melhor: como mostrar o sentido que as coisas em si s j carregam consigo e que fizeram
com que pessoas se debruassem muito tempo sobre elas e estabelecessem que so
importantes e dignas de serem conhecidas por todos, a ponto de estarem no programa de
ensino das escolas. Se que isso verdade. E no caso das lentes esfricas e de Machado de
Assis, no temos dvidas de que verdade.
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3. O problema do sentido e o sentido dos problemas.
O trabalho de Snyders lanou bases para uma investigao dos contedos comocultura e da cultura como forma de prazer, como busca de uma realizao por parte do
estudante. Mais do que apenas trazer uma viso crtica, uma instrumentalizao ou
conscientizao os contedos culturais em Snyders so vistos como uma fonte de
satisfao. A motivao da busca do estudante pela compreenso vem dessa satisfao que
a cultura elaborada pode lhe proporcionar. O autor inicia sua exposio descrevendo o que
ele chama de cultura primeira:
H formas de cultura que so adquiridas fora da escola, fora de todaautoformao metdica e teorizada, que no so o fruto do trabalho, doesforo, nem de nenhum plano: nascem da experincia direta da vida, ns aabsorvemos sem perceber; vamos em direo a elas seguindo a inclinao dacuriosidade e dos desejos; eis o que chamarei de cultura primeira(SNYDERS, 1988, p.23).
A noo de cultura primeira fundamental na compreenso da idia de satisfao
cultural que ser desenvolvida. Os elementos culturais que esto presentes
espontaneamente no ambiente dos estudantes ir formar um sistema cultural complexo,
repleto de nuances e de fragmentos provenientes de diversas fontes e extremamente
variveis de acordo com o contexto social. A televiso, o trabalho, os meios de
comunicao, os ambientes que os jovens freqentam, as relaes familiares tudo isso ir
contribuir na formao dessa matriz.
So elementos dessa cultura primeira que fornecem o que Snyders chama de
alegrias simples (op. cit., p. 24). Como exemplo, o autor fornece uma pessoa se
divertindo na gua de uma praia ou piscina, desfrutando um momento de lazer que to
apreciado. Ou ainda o interesse dos jovens em motocicletas, que representam valores como
a liberdade, a vida ao ar livre, a sensualidade e o mundo tcnico, as provas e os desafios.
Essas alegrias simples so, de acordo com Snyders, fontes inegveis de satisfaes
legtimas, e justamente no reconhecimento da importncia dos valores que elas
representam que o autor buscar um caminho de elaborao, em um processo dialtico de
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continuidade e ruptura, partindo dessa cultura primeira, identificando seus valores, mas
tambm seus limites, dados pelo ponto em que ela, por sua prpria natureza, no pode
satisfazer.
Comea ento falando desses limites: a pessoa que se diverte na gua possivelmenteir querer aprender a nadar, a adquirir com a gua uma relao mais hbil, mais sutil e
profunda. Da mesma forma, o motoqueiro pode querer se aprofundar no mbito tcnico da
mecnica e do funcionamento da moto e no mbito social das relaes humanas, dos
cdigos de tica de grupo envolvido em seu uso. Quando isso acontece, as pessoas passam
a procurar a orientao daqueles que so mais experientes, que podem trazer um nvel de
conhecimento a um novo patamar que permita desfrutar satisfaes mais elaboradas. Essas
so, de acordo com Snyders, as alegrias ambiciosas.
As alegrias simples desempenham o papel de trguas, representando um momento
em que se esquece dos problemas do dia-a-dia. Elas esto no lazer, na diverso, nos
prazeres descompromissados. Mas a palavra trgua j embute uma idia de provisrio,
efmero, que por isso mesmo tem um limite, no consegue alcanar nem a profundidade
nem a perenidade das formas mais elaboradas, as alegrias ambiciosas, que esto ligadas
cultura que o autor denomina cultura elaborada, cujas alegrias esto ligadas possibilidade
de guiar a prpria histria, individual e coletiva:
Passado, presente e inovao A cultura para criar o novo, novosmodelos, novas relaes sociais, forma-se tomando o destino nas mos, emuma sociedade onde haja a possibilidade de tomar o destino nas mos, ondevalha a pena compreender o que se passa (SNYDERS, 1988, p. 50).
interessante notar aqui a conexo da cultura elaborada com o novo, com o futuro,
com as possibilidades de transformao dadas pelo contexto presente. Em que medida o
ambiente escolar favorece a reflexo sobre as possibilidades de mudana? E mais: at que
ponto ele ajuda na crena de que a transformao possvel, de que esse um papel a ser
assumido por cada um, ainda que encarado coletivamente? Para Snyders, o papel da escola
proporcionar o acesso cultura elaborada, porque essa cultura que habilita o indivduo
na tarefa transformadora:
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A cultura no uma soma de conhecimentos, um conjunto de obras aadmirar, amar, degustar, mas simultaneamente obras e um modo de vida e aprocura de novos modos de vida; so os modos de vida inovadores quepermitem tirar das obras toda a fora de inovao que elas contm,reciprocamente; apoiando-se nas obras inovadoras que se vai fortificar osnovos modos de vida.
Sem passar pela cultura elaborada, pode-se ser amvel com aquelesque se encontra, esforar-se para aplainar as dificuldades quotidianas. Mastrata-se aqui de outra coisa; a possibilidade de apreender as causasfundamentais da incompreenso, da hostilidade entre os homens e de atac-las (SNYDERS, 1988, p.68).
atravs da cultura elaborada , portanto, que verificamos que os sonhos individuais
so, na verdade, uma expresso individual de sonhos coletivos, compartilhados no s
pelos meus contemporneos, mas pelo gnero humano. No se trata um culto irrealidade,
ao impossvel, mas a uma irrealidade que ganha existncia em si nos anseios coletivos da
humanidade. A partir do contato com a cultura elaborada, o sonho individual adquire uma
dimenso nova, de uma potencialidade latente: quanto mais freqento os sonhos
culturalmente encarnados, menos tenho a temer que meus sonhos venham a confundir
minha realidade (op cit. p. 82).
Se tentarmos situar a cincia dentro dessa lgica, imediatamente sobrevm uma
justaposio entre as mudanas sociais, polticas, culturais e econmicas, imaginadas ou
sonhadas e as possibilidades do conhecimento cientfico ser um fator chave dessasmudanas. Ao mesmo tempo, estamos frente a uma relao dialtica estabelecida pela
dicotomia presente-futuro. O presente, representado pela situao dada, pelas vivncias
imediatas, pelos resultados percebidos de um processo social que se estende at o hoje. O
futuro, imaginado como repleto ao mesmo tempo de possibilidades alvissareiras e
ameaadoras, em tenso com o presente, opondo-se a ele e ao mesmo tempo derivado das
condies que ele coloca. O conhecimento cientfico, que pode ser visto tanto como uma
resposta quanto como uma ameaa aos anseios humanos, vem de encontro ao sentido de
futuro e de transformao do presente.
As possibilidades futuras, implcitas no conhecimento cientfico, portanto, podem
ser encaradas a partir de uma perspectiva pessimista ou de uma viso otimista. Snyders
analisa essas duas vises no contexto da educao escolar. O otimismo , para ele, uma
arma revolucionria:
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A satisfao cultural e por conseguinte a alegria na escola s podemexistir se houver uma outra cultura diferente daquela que se dedica s vidasperdidas, ao culto do insucesso que vai entravar as esperanas e aspossibilidades. O destino da escola age sobre a manifestao de uma culturacapaz de responder expectativa sria de felicidade nos jovens essaexpectativa que eles exploram atravs das formas mltiplas, matizadas de sua
cultura e da nossa: dar um sentido sua vida, encontrar razes para viver(SNYDERS, 1988, p.77).
Aqui Snyders coloca explicitamente a questo das expectativas em relao cultura
e ao seu papel-chave na busca de um sentido, que se s se configura como sentido
justamente porque est vinculado a um sentido de vida. Nesse ponto, Snyders est
apontando para essa questo fundamental, onde ao nosso ver h uma convergncia com as
idias de Paulo Freire. Em um livro dialogado com o filsofo chileno Antonio Faundez,
Freire fala que o sonho sonho porque, realisticamente ancorado no presente concreto,
aponta o futuro, que s se constitui na e pela transformao do presente. (FREIRE e
FAUNDEZ, 1985, p. 71). Para esses autores, o sonho, como constituio de possibilidades
imaginadas, dadas pelo presente, parte fundamental da existncia humana.
A vida humana , entre outras coisas, a criao de sonhos possveis, aluta por realizar, cristalizar esses sonhos possveis, recriar novos sonhospossveis medida que esse sonho possvel de alguma forma escape a suarealizao absoluta (FREIRE e FAUNDEZ, 1985, p. 71).
Essa convergncia que caracteriza duas vises progressistas de pedagogia no ,
evidentemente, obra do acaso, uma vez que aqui a transformao social o foco das
atenes e a escola tem que ter um papel fundamental nesse processo. Portanto, ao falar de
dar sentido aos contedos, no estamos falando apenas de uma motivao, ou de uma
compreenso conceitualno sentido estrito, mas de uma interligao mais profunda com as
expectativas do sujeito em relao vida, ao mundo que o cerca. Os mecanismos atravs
dos quais tais ligaes so construdas que so a chave de uma abordagem da educao
cientfica de um ponto de vista que fuja da burocracia da matria dada e aponte para umaapropriao efetiva do conhecimento como valor cultural que adquire o carter
revolucionrio que tanto Snyders quanto Freire propugnam.
O pensador francs, porm, no descarta o pessimismo, no o coloca como um valor
a ser simplesmente negado. Ao contrrio, ele fala do uso necessrio do pessimismo (op.
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cit. p.75), do bom uso do pessimismo ao mesmo tempo em que alerta sobre o uso
catastrfico do pessimismo (p . 76). Otimismo e pessimismo no se excluem logicamente.
O pessimismo necessrio para se encarar a realidade:
Inicialmente necessrio que devemos atravessar e reatravessar asaflies, as atrocidades do mundo; a satisfao da cultura elaborada s podeprevalecer sobre os prazeres da cultura primeira se ela se pronuncia comconhecimento de causa e desde ento com uma firmeza mais convincente,melhor estabelecida que as pretenses de primeiro lance (SNYDERS, 1988,p.75).
Snyders fala do pessimismo como grito (p. 77), como forma de protesto, como
instrumento para reconhecer e compreender as mazelas, os problemas, as situaes crticas
colocadas pela realidade social, no quer ser acusado de acreditar em Papai Noel (p. 78),
propondo um otimismo ingnuo. O que ele faz contrapor-se associao automtica que
se costuma fazer entre a viso pessimista e perspectiva crtica, sendo assim considerado o
pessimismo como instrumento revolucionrio. Essa contraposio, alis, se inicia desde o
momento em que o autor se prope a escrever uma obra que no apenas valoriza a escola e
a cultura escolar como possibilidade revolucionria, mas que a coloca como resposta aos
anseios humanos mais legtimos, associando-os alegria e satisfao, na medida em que
a via de acesso por excelncia cultura elaborada. Ele mostra como o pessimismo, ao
contrrio, pode servir aos interesses conservadores, na medida em que pode levar a umaviso de beco sem sada, de impossibilidade de mudana.
A questo de dar sentido ao contedo escolar, portanto, est ligada a
posicionamentos assumidos perante o mundo e no a estmulos e motivaes, a associaes
desconexas ou justapostas realidade. Nem sempre o alcance dessa perspectiva levado
em conta, mesmo por autores que propem uma renovao do ensino de cincias atravs da
crtica ao ensino operacionalizado. Carvalho e Gil-Prez (1993), por exemplo, propem o
ensino por resoluo de problemas, criticando a prtica tradicional da resoluo deproblemas no ensino de fsica do nvel mdio, onde na verdade os problemas no so
realmente problemas na medida em que so descontextualizados e, portanto, desprovidos
de sentido para o aluno. Assim, propem a resoluo de problemas como uma tarefa de
pesquisa, definindo etapas, que resumimos aqui:
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a) Considerar o interesse da situao problemtica abordada. (op. cit, p. 98)
b) Estudo qualitativo da situao para limitar e definir de maneira precisa o
problema (p. 99)
c) Emitir hipteses sobre do que pode depender a magnitude buscada e sobre a
forma desta dependncia. (p. 99)
d) Elaborar e explicitar possveis estratgias de resoluo. (p. 101)
e) Elaborar a resoluo verbalizando ao mximo, evitando operativismos carentes
de significao fsica. (p. 102)
f) Analisar os resultados luz das hipteses elaboradas e, em especial, dos casoslimites considerados. (p. 103)
g) Considerar as perspectivas abertas pela pesquisa realizada e conceber novas
situaes a serem pesquisadas. (p. 104)
Essas etapas que, segundo os autores, no constituem um algoritmo que pretenda
guiar passo a passo a atividade dos alunos (op. cit., p. 105), no entanto possuem em si
alguns aspectos implcitos que devem ser destacados nessa busca do sentido do contedo.Em primeiro lugar, pela prpria complexidade e elaborao dos momentos propostos, a
valorizao da resoluo de problemas fsicos como cerne do ensino, voltado para a
compreenso conceitual detalhada e segura dos conceitos cientficos envolvidos em cada
etapa, seu escopo de aplicao, suas limitaes. No nego a fundamental importncia da
compreenso conceitual, entretanto, como discutiremos adiante, preciso tomar um
cuidado especial para no se inverter a ordem das coisas, sujeitando os contedos aos
mtodos de ensino, que o resultado prtico da costumeira identificao que se faz entre
contedo escolar e contedo conceitual. Mas mais importante do que isso, perceber que a
contextualizao em si, que a primeira etapa descrita, est incorporada aqui,
aparentemente, apenas como um elemento de motivao:
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Se se deseja romper com exposies demasiadamente escolares,distanciadas da orientao investigativa que aqui se prope, absolutamentenecessrio evitar que os alunos se vejam submersos no tratamento de umasituao sem ter podido sequer formar uma primeira idia motivadora(CARVALHO E GIL-PREZ, 1993, p. 98).
Para sustentar essa afirmao, podemos em primeiro lugar verificar que na
descrio das demais etapas ou momentos do processo, essa ligao com o que
denominado pelos autores de relaes Cincia/Tecnologia/Sociedade (p. 99) no aparece
como elemento fundamental nem retomado ou referido como integrante do processo.
Alm disso, na prpria descrio dessa etapa motivadora, atribui-se a esses elementos os
papis de proporcionar uma concepo preliminar e favorecer uma atitude mais positiva
para a tarefa. Em outras palavras, o papel da contextualizao subordina-se ao
desenvolvimento de um processo de ensino conceitual, considerado pouco mais que umfornecedor de concepes provisrias, preliminares, que deixa suposto que sero refinadas
e pressupe tambm que o processo em si depende de uma certa quebra de resistncia da
parte do estudante, para a qual a situao motivadora seria empregada como instrumento.
O papel aqui atribudo para as relaes cincia-sociedade parece ser apenas o de
um ponto de partida, um disparador de um processo que passa por uma modalidade de
operacionalizao diferente daquela tradicional, mas ainda assim correndo o risco de ser
desprovida do que estamos chamando de sentido. Isso ocorre na medida em que asmotivaes iniciais forem apresentadas apenas como uma justificativa para um processo
potencialmente longo e complexo que no se reporte e no sujeite sua consecuo a
situaes vividas ou percebidas como culturalmente relevantesem cada etapa, mesmo que
esse processo tenha um carter ldico. As etapas assim propostas ser