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  • P O N T I F C I A U N I V E R S I D A D E C A T L I C A D E S O P A U L O

    PUC-SP

    Maria Paula Salvador Wadt

    Complexidade e auto-eco-organizao:

    implicaes para o professor on-line

    Doutorado em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem

    So Paulo 2009

  • P O N T I F C I A U N I V E R S I D A D E C A T L I C A D E S O P A U L O PUC-SP

    Maria Paula Salvador Wadt

    Complexidade e auto-eco-organizao:

    implicaes para o professor on-line

    Tese apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Doutora em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem, sob orientao da Profa. Dra. Heloisa Collins.

    Doutorado em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem

    So Paulo 2009

  • Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a

    reproduo total ou parcial desta tese por procedimentos

    fotocopiadores ou eletrnicos.

    Assinatura: _________________________ Local e data: __________

  • Banca Examinadora

    ________________________________________

    ________________________________________

    ________________________________________

    ________________________________________

    ________________________________________

  • Profa. Dra. Heloisa Collins,

    pela Fora de Unio.

  • [...] vis unitiva et vis concretiva.

    (So Toms de Aquino)

  • Agradecimentos

    Agradeo Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), pelo apoio financeiro. Mais do que agradecimentos, gostaria de expressar gratido a todos que, direta ou indiretamente, contriburam para a realizao deste trabalho. Agradeo especialmente Profa. Dra. Heloisa Collins, por ser uma voz sagrada em minha vida; Agradeo a todos os professores e integrantes do LAEL, por manterem a qualidade do programa, pelo carinho e ateno, especialmente aos professores Maria Antonieta Alba Celani, Leila Barbara, Maximina Freire, Rosinda Ramos e Tony Berber Sardinha; e Maria Lcia dos Reis e Mrcia Ferreira Martins; Ao Prof. Dr. Frei Gilberto Gorgulho, do Programa de Cincias da Religio, que me ajudou a pensar especialmente sobre o amor, pelos direcionamentos filosficos e por suas prprias aes; s Profas. Leila Barbara, Maria Cndida Moraes, Maximina Freire, Roberta Lombardi Martins, Tas Bressane e Terezinha Sprenger, por indicarem caminhos, por contriburem na lapidao de meus pensamentos e na ampliao de minha perspectiva sobre educao, e pelo apoio em tudo que precisei; Tatiana Higa, por ser um modelo de determinao aliada doura; s colegas e amigas Erisana Victoriano, Solange Gervai e Zlia Cardoso, pelo companheirismo e solidariedade; Aos colegas e amigos do grupo Edulang, do Teachers Links e das aulas com a Profa. Heloisa Collins, por tantas manifestaes de amizade e companheirismo; s amigas Shannon Svaldi e Riyadh Weyersbach, pelas vibraes positivas; Kika Coimbra, pela dedicao, confiana e amizade; e Profa. Dra. Lucila Pesce, pela leitura atenciosa do meu trabalho; Aos inmeros autores que li durante todo o tempo de estudo e que decisivamente contriburam para o direcionamento de minhas ideias; Aos amigos e companheiros que me trazem esperana, especialmente Avedis Simonian Neto, Mnica Wadt Griloni e Luiza Mendes Salvador.

  • Resumo

    Este estudo situa-se na interface da Lingustica Aplicada e da Educao,

    particularmente da Educao a Distncia, e pretende contribuir para a formao

    de professores com perspectiva de atuao no ambiente digital. Para tanto,

    investiga a experincia de alguns professores do curso Teachers Links, realizado

    no mbito do Grupo de Pesquisa Edulang, a fim de descrever os procedimentos

    que eles utilizam no gerenciamento, levando em conta as necessidades

    emergentes. Isso poder oportunizar a professores em formao uma melhor

    compreenso dos processos e aes presentes num ambiente on-line e uma

    tomada de atitudes mais conscientes e adequadas ao ambiente no qual possam

    vir a atuar. O foco da investigao est na compreenso do processo de

    desenvolvimento e produo de textos para as pginas de entrada dos cursos

    (Agendas), que constituem um espao de interao entre o professor e a sala de

    aula virtual, a partir das quais se espera uma atitude responsiva ativa do aluno.

    As pginas de entrada so tambm um espao de replanejamento, que trazem a

    dinmica do processo de ensino-aprendizagem. Primeiramente so investigadas

    as funcionalidades da Agenda e sua estruturao; em segundo lugar, so

    analisadas as relaes que o professor estabelece entre o contedo das Agendas e

    a dinmica processual do curso; e, finalmente, feito um levantamento do tipo

    de influncia que as Agendas tm sobre o ensino e a aprendizagem. A

    fundamentao terica provm da Teoria da Complexidade (MORIN, 1997/2005,

    2005; HOLLAND, 1995), do Pensamento Eco-sistmico (MORAES, 2003a, 2004,

    2005; MORAES e TORRE, 2004) e da Gramtica Sistmico-Funcional (HALLIDAY,

    1978; HALLIDAY e MATTHIESSEN, 1999/2006, 2004). Trata-se de uma

    pesquisa qualitativa etnogrfica de base interpretativa (MOITA LOPES, 1996;

    ESTEBAN, 2003; NUNAN, 1992), orientada pelo paradigma emergente

    (MORAES, 1997; GARCIA, 2003).

    Palavras-chave: educao a distncia; formao de professores; auto-eco-organizao; metafunes da linguagem.

  • Abstract

    This study is on the interface between Applied Linguistics and Education, more

    specifically Distance Education, and has as its main goal offering contributions

    to teacher development, specially to those who wish to work in digital learning

    environments. To do so, it investigates the experience of four teachers in the

    context of Teachers Links, an online course developed within the scope of the

    Edulang research group. The investigation aims at describing the teachers

    procedures concerning course management, considering the emergent needs.

    Such description shall allow a better understanding of the dynamic processes

    and actions that are present in an online teaching environment, and, therefore,

    enable teachers to take proper and more conscious decisions in this context. The

    focus of the investigation is the comprehension of the development and

    production process of the online course entrance pages (Agendas). The Agendas

    constitute an area of interaction between the teacher and the virtual classroom,

    and are meant to foster an active response from the students. They are also

    areas of re-planning which bring to light the dynamics of the teaching learning

    process. First, this study investigates the functions of the Agenda as well as its

    structure; then, it analyses the relations the teachers establish between the

    content in the Agendas and the dynamic processes in the course; and finally, it

    reveals the effects the Agendas have on teaching and learning. The study draws

    on the Theory of Complexity (MORIN, 1997/2005, 2005; HOLLAND, 1995), the

    Ecosystemic Thought (MORAES, 2003a, 2004, 2005; MORAES e TORRE, 2004) and

    Functional Grammar (HALLIDAY, 1978; HALLIDAY e MATTHIESSEN,

    1999/2006, 2004). Concerning the research paradigm, this is a qualitative

    ethnographic interpretive investigation (MOITA LOPES, 1996; ESTEBAN, 2003;

    NUNAN, 1992), supported by the emergent paradigm (MORAES, 1997;

    GARCIA, 2003).

    Keywords: distance education; teachers development; auto-eco-organization; language metafunctions.

  • Sumrio INTRODUO 15 1. FUNDAMENTAO TERICA 22 1.1 LINGUSTICA SISTMICO-FUNCIONAL 25 1.1.1 METAFUNES DA LINGUAGEM 27 1.1.2 PONTOS DE VISTA PARA A EXPLORAO DA GRAMTICA 29 1.1.3 AS TRS LINHAS DE SIGNIFICADO NA ORAO 31 1.1.3.1 Significado como troca 32 1.1.3.2 Significado como representao 36 1.1.3.3 Significado como mensagem 40 1.2 TEORIA DA COMPLEXIDADE 45 1.2.1 PERCURSO DAS IDEIAS QUE CONFIGURAM A TEORIA 46 1.2.2 OS SETE PRINCPIOS 64 1.2.3 PENSAMENTO ECO-SISTMICO 70 1.2.3.1 Organizao, Auto-organizao e Auto-eco-organizao 73 1.2.3.2 O amor como base para uma viso ecossistmica 77 1.2.4 SISTEMA ADAPTATIVO COMPLEXO 86 1.3 ARTICULAES TERICAS 90 2. METODOLOGIA DA PESQUISA 97 2.1 NATUREZA DA PESQUISA 101 2.2 PERGUNTAS DE PESQUISA 106 2.3 CONTEXTO DA PESQUISA 107 2.3.1 A FERRAMENTA DE AUTORIA NA QUAL O CURSO FOI ELABORADO 108 2.3.2 O CURSO TEACHERS LINKS 110 2.3.2.1 O mdulo O Desenvolvimento Profissional e a Sala de Aula 112 2.4 PARTICIPANTES DA PESQUISA 113 2.5 DADOS 115 2.6 PROCEDIMENTOS DE COLETA 118 2.7 PROCEDIMENTOS DE ANLISE 120 3. ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS 125 3.1 INCIO DO PERCURSO DO PROFESSOR 126 3.1.1 FUNES OBSERVADAS E SUAS ESTRUTURAS 132 3.1.2 LINGUAGEM DAS FUNES E DAS ESTRUTURAS 151 3.1.3 RELAES ENTRE AS AGENDAS INICIAIS E O CURSO 191 3.2 FINAL DO PERCURSO DO PROFESSOR 216 3.2.1 FUNES OBSERVADAS E SUAS ESTRUTURAS 224 3.2.2 LINGUAGEM DAS FUNES E DAS ESTRUTURAS 232 3.2.3 RELAES ENTRE AS AGENDAS FINAIS E O CURSO 235 3.3 ASSOCIAO DAS FASES INICIAIS E FINAIS DO PERCURSO DO PROFESSOR 247 CONSIDERAES FINAIS 257 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 262 ANEXOS 270 NDICE REMISSIVO 282

  • Lista de Figuras

    Figura 1 - Holograma - propriedades divisveis____________________________________________50 Figura 2 - Trajetria do sistema de Lorenz (atrator estranho de Lorenz - 1963)___________________58 Figura 3 - Exemplo de fractal natural: brcolis ___________________________________________61 Figura 4 - Trs dimenses de um edifcio em uma planta de arquitetura_________________________94 Figura 5 - Diretrio das Agendas ______________________________________________________119 Figura 6 - Boas-vindas ao aluno na primeira Agenda ______________________________________133 Figura 7 - Primeiro contato do professor com os alunos ____________________________________134 Figura 8 - Explicitao de atraso de alguns alunos no acesso ao curso ________________________135 Figura 9 - Reforo de pedido para realizao de tarefa_____________________________________135 Figura 10 - Reforo para realizao de atividades anteriores ________________________________136 Figura 11 - Orientaes no sentido de minimizar problemas encontrados ______________________136 Figura 12 - "Dica" para acesso s Agendas anteriores _____________________________________136 Figura 13 - Extenso de tempo entre as 1, 2 e 3 Agendas __________________________________138 Figura 14 - Terceira Agenda da professora Sabrina _______________________________________139 Figura 15 - Terceira Agenda da professora Mnica, publicada 21 dias aps a segunda____________140 Figura 16 - Terceira Agenda da professora Patrcia _______________________________________141 Figura 17 - Terceira Agenda da professora Natlia________________________________________142 Figura 18 - Objetivos do curso, apresentado na rea "Dinmica do Curso" _____________________144 Figura 19 - Aluno com dificuldade para encontrar a ferramenta Portflio de Grupos _____________148 Figura 20 - Mensagem indicando dificuldade no Portflio de Grupos__________________________148 Figura 21 - Mensagem indicando contribuio em espao inadequado_________________________149 Figura 22 - Trechos que ilustram a dimenso das relaes nas terceiras Agendas ________________150 Figura 23 - Processos materiais na primeira Agenda ______________________________________154 Figura 24 - Blocos de informao na segunda Agenda _____________________________________158 Figura 25 - Texto da Agenda anterior inalterado e novo texto marcado graficamente _____________163 Figura 26 - Uso de portugus na Agenda D ______________________________________________167 Figura 27 - Indicao para alunos checarem a Agenda anterior ______________________________168 Figura 28 - Indicao para incio das atividades do material nas segundas Agendas______________169 Figura 29 - Agenda fora do padro ____________________________________________________172 Figura 30 - Ttulos utilizados pela professora Natlia na terceira Agenda ______________________174 Figura 31 - Indicao de caminho para chegar ao lugar do tutorial ___________________________175 Figura 32 - Unidade 1 como lugar _____________________________________________________176 Figura 33 - Circunstncias de Locao, de lugar, nas Agendas da professora Natlia_____________177 Figura 34 - Circunstncias de tempo nas terceiras Agendas da professora Patrcia_______________177 Figura 35 - Informao abaixo do ttulo "This weekend" ____________________________________178

  • Figura 36 - Item sob o ttulo "Tasks for this week (our third week) ____________________________179 Figura 37 - Circunstncias de tempo nas terceiras Agendas da professora Sabrina _______________179 Figura 38 - Ttulos que enfocam o tempo ________________________________________________180 Figura 39 - Preocupao com descompasso devido a atrasos de alunos ________________________180 Figura 40 - Foco no tempo e no espao _________________________________________________181 Figura 41 - Calendrio ______________________________________________________________182 Figura 42 - Orao iniciada com elemento circunstancial de lugar ___________________________182 Figura 43 - Especificao do lugar do Portflio de Grupos__________________________________183 Figura 44 - Esclarecimento sobre o calendrio e prazos ____________________________________183 Figura 45 - Processos prioritariamente materiais (professoras Patrcia e Sabrina) _______________184 Figura 46 - Processos materiais, verbais e mentais ________________________________________185 Figura 47 - Processos materiais e mentais em oraes da professora Mnica ___________________187 Figura 48 - Propostas e proposies das professoras nas terceiras Agendas ____________________188 Figura 49 - Transio do portugus para o ingls na Unidade 1 ______________________________194 Figura 50 - Declarao de aluno, feita em portugus ______________________________________195 Figura 51 - Relao de antagonismo entre o grupo e cada aluno individualmente ________________197 Figura 52 - Colocao da professora sobre o Portflio de grupos ____________________________198 Figura 53 - Passo 9 da Unidade 1 _____________________________________________________199 Figura 54 - Primeiras mensagens de cada uma das professoras no frum inicial _________________205 Figura 55 - Terceira Agenda demonstrando incio das atividades _____________________________207 Figura 56 - Princpio retroativo na terceira Agenda _______________________________________212 Figura 57 - Princpio organizacional na terceira Agenda ___________________________________215 Figura 58 - Formao de grupos feita pela professora _____________________________________228 Figura 59 - Dimenso das mdias nas penltimas Agendas __________________________________229 Figura 60 - Dimenso conceitual nas penltimas Agendas __________________________________229 Figura 61 - Mensagens de alunos das quatro professoras analisadas __________________________231 Figura 62 - Oferecimento de informao nas Agendas finais_________________________________233 Figura 63 - Modalidade nas Agendas finais ______________________________________________234 Figura 64 - Sujeito "eu" nas Agendas finais ______________________________________________234 Figura 65 - Passo 3 da Unidade 3 _____________________________________________________239 Figura 66 - Portflio de grupos da primeira turma da professora Sabrina ______________________241 Figura 67 - Portflio de grupos da segunda turma da professora Sabrina ______________________242 Figura 68 - Mensagem inicial da professora nos grupos de sua segunda turma __________________243 Figura 69 - Mensagem da professora Mnica na fase final do curso___________________________246 Figura 70 - Mensagens de alunos sinalizando problemas ___________________________________250

  • Lista de Quadros

    Quadro 1 - Nmero de turmas, fases e perodos___________________________________________120 Quadro 2 - Turmas analisadas, respectivas professoras e quantidade de Agendas ________________123 Quadro 3 - Sistematizao do incio do percurso do professor _______________________________131 Quadro 4 - Paralelismo entre as segundas Agendas________________________________________156 Quadro 5 - Frum inicial na primeira semana ____________________________________________202 Quadro 6 - Dados quantitativos do frum Sntese das estratgias de leitura _____________________207 Quadro 7 - Sistematizao do final do percurso do professor ________________________________223

  • Introduo

    A expanso e a popularizao dos computadores pessoais e sua crescente

    utilizao em ambientes educacionais colocam um novo desafio aos educadores

    que se propem a trabalhar no contexto digital em cursos a distncia veiculados

    pela Internet. Com a nova tecnologia surgem novas formas de comunicao e

    de veiculao de informao que integram um conjunto de procedimentos que

    o professor precisa dominar. Isto especialmente verdadeiro para o professor

    que trabalha com mediao digital, pois sem uma viso adequada dos

    procedimentos, ser difcil perceber os processos e aes presentes no contexto

    on-line e tomar atitudes adequadas ao ambiente educacional em que atua.

    Para que o professor possa fazer escolhas eficazes, importante que ele

    observe elementos que vo alm do visvel e do concreto nas pginas do curso.

    Professores-designers, ou professores acostumados a elaborar seus prprios

    planos de curso, pela prpria natureza da atividade de design de cursos on-line,

    so levados a se conscientizarem dos vrios aspectos envolvidos em um curso,

    como objetivos de ensino, metas que se pretende alcanar, alm de uma viso

    global sobre o mesmo; considerando que no momento de montar um curso os

    objetivos devem estar muito claros e as providncias devem ser tomadas antes

    de cada unidade do curso se iniciar (HIGA, 2008; COLLINS, 2003; VON STAA,

    2003; WADT, 2002; entre outros).

    Com a oferta cada vez maior de cursos on-line1, com o aumento do

    nmero de vagas para cursos de graduao a distncia e com a proporo

    crescente de candidatos inscritos em cursos a distncia, passamos a ter um

    crescimento da demanda de novos professores on-line, que possivelmente, em

    sua grande maioria, no sero necessariamente os designers dos cursos nos quais

    1NaseoAnexos,disponibilizonotciasatuaisquecertificamessainformao,asaber:Atengenharia

    jensinadaadistncia (FolhaOnlineem03mai.2008)Anexo1,UFSCareUnespvooferecergraduao a distncia em 2007 (Folha Online em 01 dez. 2006) Anexo 2, Censo aponta queeducaoadistnciacresceu571%noBrasil(FolhaOnlineem19dez.2007)Anexo3,Sem2005,321cursosforamabertosnopas(FolhaOnlineem01dez.2006)Anexo4.

  • 16I N T R O D U O

    iro atuar como professores. Por serem iniciantes nessa especialidade,

    provavelmente ainda no tiveram a oportunidade de observar a complexidade

    dos elementos de docncia on-line. Essa questo aponta para uma demanda na

    formao de novos profissionais preparados para a atuao como docentes on-

    line, como podemos confirmar em um estudo que discute a formao de

    professores para ambientes digitais, que conclui que faz-se necessrio, em face

    das demandas educacionais, que se conduza um maior nmero de trabalhos

    descrevendo a atuao do professor on-line nos mais diversos contextos e sob as

    mais diversas perspectivas (TAVARES, 2001, no paginado).

    Um outro aspecto que aponta para a necessidade de maior preparao

    dos futuros docentes on-line relaciona-se ao fato de que ainda h carncia de

    orientaes especialmente elaboradas para os professores que atuam em cursos

    a distncia. H tambm carncia de materiais especficos para atuao on-line e,

    nos que esto disponveis, faltam instrues que levem em conta uma reflexo

    sobre a dinmica processual do curso e sobre possveis resolues de

    problemas. Mesmo orientaes que apresentam grande detalhamento do

    material do curso, do uso das ferramentas e da avaliao pretendida, ainda

    apontam para uma situao que se imagina prxima de um ideal, ou seja,

    apresentam uma lista de regras a serem seguidas, que supostamente garantem

    um resultado esperado, como se ao serem seguidas, todas as turmas reagissem

    da mesma forma e consequentemente apresentassem o mesmo resultado,

    considerado satisfatrio. Em estudo apresentado em congresso em abril de

    20042, analisei cursos on-line em busca da presena desses materiais e de

    elementos que apontassem para o apoio ao professor e observei que a figura do

    professor era muito pouco contemplada nos materiais. Posteriormente, em um

    2 Instrues para o professor: uma carncia em cursos via Internet. Apresentado no 14 InPLA

    IntercmbiodePesquisasemLingusticaAplicada.SimpsioA inclusodeprofessoresealunosemambientesdeaprendizagemmediadospelocomputador,coordenadopelasProfas.Dras.MaximinaM.FreireeDeniseBertoliBraga.

    http://www.pucsp.br/pos/lael/inpla/14/caderno/pdf/simposios/s_freire_braga.pdf

  • I N T R O D U O 17

    estudo complementar realizado em 20083, verifiquei que a carncia de material

    especfico para o professor ainda persiste.

    Devido a essa escassez de orientao e ao fato de que ainda h lacuna em

    cursos de graduao para formao de professores on-line, a formao

    especfica para o ensino on-line geralmente acaba sendo iniciada mais

    tardiamente, na ps-graduao. Pode-se pressupor que o professor on-line

    ainda seja considerado, a priori, um profissional que necessita apenas transpor

    seus conhecimentos e experincias do ensino face-a-face para o ambiente on-

    line. Salvo por alguns aspectos representativos de uma atuao eficaz em

    qualquer contexto, e no apenas no on-line, por exemplo, sucesso nas

    aprendizagens, bons relacionamentos entre professores e alunos,

    desenvolvimento da autonomia intelectual (TOSCHI , 2004, p.90), essa ideia de

    transposio, infelizmente, no pode ser eficiente. Pesquisas na rea de

    formao de professor on-line (GERALDINI, 2003; SPRENGER, 2004;

    CARNEIRO, 2005; GERVAI, 2007; entre outras) nos mostram que existe

    necessidade de preparao altamente especializada para a formao desse

    profissional. Ramos e Freire (2001, no paginado), em um estudo sobre a

    passagem do contexto presencial para o virtual, concluem que essa passagem

    pode causar repercusses de vrias naturezas que sinalizam para a

    necessidade de um programa de formao que capacite profissionais a atuar,

    com segurana e de forma eficiente, na nova ambientao.

    Nesta pesquisa, parto de um olhar em consonncia com as teorias de

    apoio, que me levam a enxergar o curso como um sistema vivo, associado a

    diferentes dimenses da vida dos participantes, e que tem um importante

    significado social. O curso on-line visto como um sistema do qual fazem parte

    professores que transitam pelas prticas discursivas do mundo educacional, da

    cultura e da educao. Nesse sentido, se insere num contexto de vida, de

    formao e de ao. Para uma melhor compreenso da multidimensionalidade

    dos fenmenos e das situaes associadas ao ensino no contexto on-line,

    3ManuscritoemAnexo5.

  • 18I N T R O D U O

    importante que o professor possa se conscientizar da dinmica processual do

    curso, que revela ora as partes e ora o todo, e pode possibilitar um melhor

    entendimento das relaes estabelecidas e do processo de construo do

    conhecimento no qual se retomam os objetivos, as estratgias, as relaes, as

    limitaes e as avaliaes.

    Com o intuito de observar esses elementos, para este trabalho elegi como

    objeto de estudo as pginas de entrada (denominadas Agendas) do mdulo O

    Desenvolvimento Profissional e a Sala de Aula, do curso Teachers Links, pois se

    caracterizam como um instrumento de altssimo poder para o professor, j que

    um espao no qual apenas o professor edita textos e imposto ao aluno,

    considerando que a primeira coisa que aparece na entrada do curso e todos

    tm que necessariamente passar por ela. A Agenda foi criada para ser um espao

    de interao entre professor e classe, considerando que toda comunicao entre

    professor e aluno comea na Agenda e essa uma regra fixa do ambiente de

    aprendizagem no qual o curso foi implementado, o TelEduc. No entanto, a

    Agenda construda no processo e neste sentido o professor deve levar em conta

    inmeros elementos que influenciam suas aes e as aes dos alunos no

    momento de sua elaborao, o que a evidencia como um espao complexo que

    integra a multidimensionalidade presente no curso on-line. As aes

    observadas nesta pesquisa originam-se do discurso do professor, constitudo na

    linguagem verbal.

    Este trabalho, portanto, pretende possibilitar um estudo sobre o

    professor e para o professor, focalizando aspectos da complexidade que

    envolvem as aes do professor em cursos on-line.

    Consideremos primeiro, a importncia do professor manter clareza sobre

    os objetivos do curso e as metas intermedirias, ao longo de um processo no

    qual, a cada momento, as informaes aumentam e se desenvolvem de maneira

    interativa e recursiva. O professor deve saber operacionalizar esses objetivos e

    metas que geralmente so descritos em termos abstratos.

  • I N T R O D U O 19

    H uma tendncia natural em se perder a noo do contexto mais amplo

    quando estamos nos concentrando nas pequenas partes, porm essa

    operacionalizao possvel de ser realizada em cada unidade de trabalho, por

    meio de um planejamento que remeta compreenso das diferentes

    ferramentas, dos materiais, dos conceitos veiculados, dos limites e necessidades

    impostos pelas relaes sociais e da integrao entre todos os elementos que

    do a dimenso mais ampla do sistema de negociao.

    Esse quadro de necessidades aponta para a importncia de se tentar

    formular orientaes de ao docente que considerem cuidadosamente a

    necessidade de uma organizao de aes em meio imprevisibilidade inerente

    a sistemas complexos durante o processo de docncia on-line.

    Outro aspecto que justifica este trabalho a combinao terica que uso,

    que configura-se como algo novo. Trabalhos de pesquisadores especialmente

    que lidam com formao de educadores e integrao de mdias para contextos

    on-line ou semi-presenciais, com enfoque na rea da Educao (VALENTE,

    ALMEIDA, 2007), com formao de educadores e processos de interao e

    mediao (HESSEL, PESCE, ALLEGRETTI, 2009; ARAJO, BIASI-

    RODRIGUES, 2005), com experincias de aprendizagem de ensino de lnguas

    na Internet (COLLINS e FERREIRA, 2004; ARAJO, 2007); entre outros, trazem

    contribuies em diversos mbitos e aspectos da educao on-line, porm h

    carncia de trabalhos que combinem as teorias que associo nesta pesquisa, a

    Teoria da Complexidade e a Lingustica Sistmico-Funcional.

    Pesquisas que contribuem para a formao de professores a distncia

    que utilizam a Teoria da Complexidade na Educao so discutidas por Edgard

    Carvalho, Lucila Pesce, Maximina Freire, Pedro Demo, Ricardo Tescarolo.

    Pesquisas que envolvem a Teoria da Complexidade e o Ensino de lnguas so

    discutidas por Vera Menezes, Vilson Leffa. Pesquisas que associam a

    Lingustica Sistmico-Funcional e a Educao on-line so discutidas por

    Caroline Coffin, Heloisa Collins. Quanto associao entre a Lingustica

    Sistmico-Funcional e a Teoria da Complexidade, Matthiessen (2006) apresenta

  • 20I N T R O D U O

    um trabalho no qual observa a linguagem como um sistema adaptativo

    complexo; no entanto, no associa com a Educao a Distncia.

    O trabalho apresentado nesta pesquisa, portanto, se justifica tambm em

    termos tericos, pois construdo a partir de uma viso de cursos on-line como

    sistema adaptativo complexo, sob o ponto de vista da Complexidade com

    enfoque no Pensamento Eco-Sistmico e interpretado a partir da Lingustica

    Sistmico Funcional.

    Esta pesquisa visa a refletir sobre aes organizacionais, a partir da

    forma como elas podem aparecer nas pginas de entrada de um curso, e

    pretende trazer tona quais so os aspectos do curso nos quais o professor

    pode se apoiar para poder resolver problemas de imprevisibilidade, que sero

    expressados na Agenda. Nesse sentido, os objetivos da pesquisa so:

    Descrever e analisar a funo das Agendas no desenvolvimento das aes organizacionais do curso, ou seja, no gerenciamento

    feito por professores atuando em um curso de formao

    continuada e na atualizao do planejamento docente decorrente

    das necessidades emergentes; e, luz desses resultados,

    Sugerir orientaes de ao docente que possam beneficiar o professor no planejamento de suas aes durante o processo de

    docncia on-line, propondo orientaes que contemplem a

    imprevisibilidade inerente a sistemas complexos.

    Os resultados da pesquisa pretendem ser uma contribuio para

    processos de formao de professor. Para isso, o trabalho ser conduzido a

    partir das seguintes perguntas de pesquisa:

    1. Que funes podem ser observadas nas Agendas analisadas?

    2. Como essas funes se estruturam nessas Agendas?

    3. Qual a linguagem que materializa essas funes e essa estrutura?

    4. Qual a relao entre o que est dito nas Agendas e o que acontece

    no curso?

  • I N T R O D U O 21

    Com vistas a atingir os objetivos propostos, o trabalho apresentado e

    organizado em trs captulos: 1. Fundamentao terica; 2. Metodologia e 3.

    Anlise e discusso dos resultados, seguidos de algumas consideraes finais.

    O captulo da fundamentao terica subdividido em trs partes, sendo

    as duas primeiras partes dedicadas s teorias fundantes do trabalho, a

    Lingustica Sistmico-Funcional e a Teoria da Complexidade, e a terceira parte

    dedicada articulao das linhas tericas.

    No captulo da metodologia apresento uma descrio do contexto geral

    da pesquisa e tambm descrevo o curso on-line e o mdulo de onde foram

    colhidos os dados, incluindo a ferramenta de autoria utilizada na concepo do

    curso e os objetivos e princpios orientadores do curso. Em seguida, descrevo os

    dados, os procedimentos de coleta e de anlise.

    No terceiro captulo apresento a anlise e a discusso dos resultados,

    seguidos de consideraes finais, onde apresento algumas contribuies

    geradas para processos de formao de professor, surgidas luz dos resultados

    obtidos na anlise.

    Passemos, ento, aos suportes tericos que fundamentam esta pesquisa.

  • 1. Fundamentao terica

    A fim de interpretar e refletir sobre os elementos que envolvem o foco

    desta pesquisa, ou seja, as pginas de entrada (Agendas) de um curso on-line

    que se insere num contexto de vida, de formao e de ao dos participantes,

    busquei suporte em teorias interdisciplinares que pudessem dar sustentao

    minha viso de linguagem, de educao e de formao de professor, e que

    pudessem me oferecer ferramentas para conduzir a anlise. O domnio terico

    se encontra em bases sistmicas, composto por quatro teorias principais: a

    Lingustica Sistmico-Funcional (HALLIDAY 1978, 1994; HALLIDAY e HASAN,

    1989/1994; HALLIDAY e MATHIESSEN, 1999/2006, 2004), a Teoria da

    Complexidade (MORIN, 1990/2005, 1996, 1997/2005, 1999, 2002a, 2002b, 2004,

    2005; MORIN e LE MOIGNE, 2000; MORIN, CIURANA e MOTTA, 2003), o

    Pensamento Eco-Sistmico (MORAES, 1997, 2003a, 2003b, 2004, 2005; MORAES e

    TORRE, 2004, 2006) e o Sistema Adaptativo Complexo (HOLLAND, 1992/1995,

    1995, 1997).

    A ordenao das escolhas tericas est atrelada a uma orientao de

    sentido para a pesquisa. Inicio a apresentao das teorias pela Lingustica

    Sistmico-Funcional devido ao fato de que meu ponto de partida, do ponto de

    vista terico, a lingustica, j que parto da materialidade do texto, que me traz

    subsdios que me permitem avanar para um olhar mais abstrato. A lingustica

    tem significado fundamental nesta pesquisa, tambm, por se tratar de uma

    pesquisa realizada em um contexto que se constitui e se concretiza pela

    linguagem e por ela, como o caso de um curso on-line, e que tem como base a

    investigao lingustica, considerando que se apia no estudo da linguagem

    apresentada nas pginas de entrada das turmas analisadas. No mbito da

    lingustica, elegi a Gramtica Sistmico-Funcional (HALLIDAY 1978, 1994;

    HALLIDAY e HASAN, 1989/1994; HALLIDAY e MATHIESSEN, 1999/2006,

    2004), por me permitir analisar porque a linguagem est sendo usada da forma

    em que est sendo materializada e tambm, com seus instrumentos de anlise,

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 23

    me permitir avaliar a adequao da linguagem. Esta gramtica concebe a

    linguagem como um sistema, discute o papel central da linguagem atrelada a

    um fluxo de conhecimento e pode explic-la nos contextos local e cultural

    especficos com os quais estou lidando de um ponto de vista humano e

    antropolgico. Devido ao fato de que, nesta viso de linguagem, o aprendizado

    interpretado como um processo lingustico (HALLIDAY e HASAN,

    1989/1994, p. 49), e ao fato de que esta pesquisa se prope a contribuir para a

    rea de formao de professores on-line, a explorao dos valores e do papel

    crtico da linguagem na educao on-line tem lugar privilegiado na pesquisa.

    Neste sentido, a teoria de linguagem adotada torna-se uma ferramenta de

    anlise de primordial importncia para que meus objetivos sejam alcanados.

    Alm disso, a Gramtica Sistmico-Funcional oferece um detalhamento que

    permite um trabalho sistmico e, portanto, d suporte para analisar a

    linguagem nesse nicho especfico de gerenciamento do curso que a Agenda.

    Paralelamente, o estudo relaciona os significados encontrados com as

    teorias do conhecimento. Apio-me na Teoria da Complexidade (MORIN,

    1990/2005, 1996, 1997/2005, 1999, 2002a, 2002b, 2004, 2005; MORIN e LE

    MOIGNE, 2000; MORIN, CIURANA e MOTTA, 2003), por ser uma teoria que

    levanta questes na esfera do conhecimento, abrangendo aspectos da formao,

    da construo e da difuso do conhecimento. A Teoria da Complexidade se

    prope a interpretar como um sistema de comportamento complexo, criativo,

    imprevisvel e adaptativo pode surgir da interao de agentes que atuam

    segundo regras relativamente simples e estveis, como o caso de um curso on-

    line.

    Seguindo a Teoria da Complexidade, fui ao encontro do Pensamento Eco-

    sistmico (MORAES, 1997, 2003a, 2003b, 2004, 2005; MORAES e TORRE, 2004,

    2006), uma abordagem do conhecimento, com enfoque em educao, e que

    tambm trabalha com conceitos advindos de teorias sistmicas. uma

    abordagem que busca um pensamento orientado para a integrao da

    complexidade, da indeterminao, da diversidade, da criatividade, da incerteza

    conjugados com os processos de auto-organizao e de emergncia presentes

  • 24F U N D A M E N T A O T E R I C A

    nos percursos de construo do conhecimento e da aprendizagem. Alm disso,

    decorre da Teoria da Complexidade e aborda questes diretamente ligadas

    Educao a Distncia, contexto de meu estudo.

    Para entender a possibilidade de regularidade e coerncia em padres

    determinados por constante modificao, dificultados por complexidade e

    incerteza, e que agregam auto-organizao em suas estruturas, como o caso

    do processo de andamento de um curso on-line, busquei suporte na teoria do

    Sistema Adaptativo Complexo (HOLLAND, 1992/1995, 1995, 1997). Esta teoria

    teve papel importante para que eu pudesse refletir sobre os elementos presentes

    no sistema e em sua rede de interaes que se mantivessem persistentes em face

    s mudanas e, consequentemente, pudessem servir de pontos de apoio para o

    professor on-line.

    Neste percurso, encaminho uma reflexo sobre as teorias mencionadas

    anteriormente, relacionando-as entre si e com a pesquisa, o que emerge na

    possibilidade de delinear caractersticas comuns entre cursos on-line e propor

    parmetros orientadores que auxiliem o professor em sua ao organizacional,

    apoiando-o em seu planejamento docente.

    Assim, neste captulo apresento uma resenha crtica dos fundantes

    principais das teorias de suporte deste trabalho e trago tambm uma

    caracterizao do meu contexto de estudo mais amplo para dentro desta

    apresentao, com o intuito de facilitar a compreenso do meu objeto de estudo

    precocemente, de propiciar uma compreenso mais aprofundada do que

    pretendo no trabalho e de deixar mais claro o motivo pelo qual adoto tais

    teorias. Na seo que se refere reflexo sobre as teorias e a pesquisa e na seo

    de anlise e discusso dos dados estabeleo dilogo com obras de outros

    estudiosos, pertinentes pesquisa.

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 25

    1.1 Lingustica Sistmico-Funcional

    A linguagem altamente complexa (HALLIDAY, 2003, p. 118), e

    HALLIDAY trouxe tona a complexidade da linguagem. Segundo Christie e

    Unsworth (2005: 219), os trabalhos iniciais de Halliday (1973, 1975) sobre o

    desenvolvimento da linguagem foram marcados tanto por sua orientao

    funcional quanto por sua insistncia em que a linguagem um sistema

    semitico com o qual produzimos sentido. Esse sistema semitico construdo

    e reconstrudo a cada vez que acessado, conferindo linguagem um carter

    dinmico.

    A linguagem vista como um recurso para dar significado s coisas, est

    centralmente envolvida nos processos pelos quais os seres humanos negociam,

    constroem e modificam a natureza da experincia social (HALLIDAY e

    HASAN, 1989/1994, p. vi). Por ser carregada de significado, a linguagem

    incorpora ideologias, valores e diferenas culturais dentro de uma determinada

    sociedade (HALLIDAY e HASAN, 1989/1994), sendo assim de base social.

    Por ser um sistema que expressa significados, a linguagem se estabelece

    em torno de uma rede sistmica que se organiza e se inter-relaciona no s em

    torno de seu sistema lingustico, mas tambm em torno do seu sistema de dados

    do contexto social. Os significados esto atrelados tanto ao contexto de situao

    como ao contexto de cultura no qual um evento comunicativo se desenvolve. O

    contexto de situao o ambiente imediato no qual o evento comunicativo ocorre,

    no entanto toda situao se insere em um contexto mais amplo, abstrato,

    relacionado cultura qual o evento pertence ou est inserido. O contexto de

    cultura pode ser descrito como um corpo integrado ao conjunto total de

    significados disponveis a uma comunidade, ou seja, o potencial semitico, que

    inclui maneiras de fazer, maneiras de ser e maneiras de dizer, ou seja, o que

    determina coletivamente como um texto4 deve ser interpretado naquele

    4Textorefereseaqualquermanifestaodalinguagem,emqualquermeio,quefaasentidoaalgum

    queconheaalngua(HallidayeMatthiessen,2004,p.3).

  • 26F U N D A M E N T A O T E R I C A

    determinado contexto de situao (HALLIDAY e HASAN, 1989/1994, p. 46 /

    99). As situaes no so aculturais (HALLIDAY e HASAN, 1989/1994, p. 99)

    e os significados, portanto, so definidos pela relao entre contexto de situao

    e contexto de cultura.

    Segundo Halliday e Hasan (1989/1994, p. 47), o contexto da situao e o

    contexto mais amplo da cultura delineam o ambiente no-verbal de um texto,

    sendo que ambos determinam o texto e colocam em evidncia a previsibilidade

    do texto. Porm, de fato, de acordo com os autores, a relao entre texto e

    contexto dialgica: o texto cria o contexto tanto quanto o contexto cria o texto,

    e o significado surge da frico entre os dois. Sendo assim, os significados

    provm da relao entre texto e contexto, o que implica que o ambiente no qual

    qualquer texto produzido tambm se configura a partir de uma srie de textos

    prvios, os quais so reconhecidos e incorporados na compreenso do evento

    lingustico, e relacionados ao fator cultural. Um texto est, portanto,

    intimamente relacionado ao contexto social e seu significado vai variar

    dependendo do contexto. Segundo Halliday (1978, p. 136), um texto um

    produto do ambiente e mantm com este uma relao de interdependncia.

    O estudo da linguagem nesta viso considera a capacidade humana de se

    expressar, no de forma idealizada, mas levando em conta a linguagem em uso,

    partindo do princpio de que a funo da lngua criar sentidos e que os

    sentidos so influenciados pelo contexto social e cultural no qual se d a

    interao. Nesse sentido, salienta-se a perspectiva funcional da linguagem, por

    meio da qual podemos enfatizar o uso da linguagem de forma apropriada

    situao e ao contexto social, o que indica que a linguagem no pode ser

    universal, pois no neutra, e por isso deve ser estudada dentro do contexto de

    sua produo. Da podemos dizer que a linguagem seja funcional.

    Paralelo a esta perspectiva, quando produzimos um texto,

    constantemente fazemos escolhas que consideramos adequadas para aquela

    produo especfica. Podemos fazer escolhas porque reconhecemos e podemos

    predizer os contextos de cultura e de situao nos quais o texto ser produzido,

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 27

    portanto nossas escolhas no so aleatrias, mas carregadas de significados

    culturais. H um conjunto de escolhas que podem ser feitas dentro de

    determinado contexto e estas escolhas se organizam em mltiplos planos, por

    meio dos quais a linguagem se organiza. Neste sentido, podemos dizer que a

    linguagem seja sistmica. Uma escolha num plano sistmico implica um mbito

    menor de escolhas no plano seguinte, e assim sucessivamente, cada vez que se

    faz uma escolha, determina-se a escolha seguinte. Dentro de determinado

    contexto, h, por exemplo, escolhas de ordem lexical, de ordem das intenes

    do falante, da colocao do eu na fala, etc.

    Quando realizamos estas escolhas, estamos ativando metafunes de

    linguagem, exploradas a seguir.

    1.1.1 Metafunes da linguagem

    Na relao entre cultura e estrutura da linguagem, por entender que toda

    linguagem se organiza em torno de um propsito (de uma funo), so

    consideradas duas funes bsicas da linguagem:

    1. dar significado s nossas experincias; e

    2. atuar em nossos relacionamentos sociais.

    Estas funes, ou tipos de significados, so definidos por Halliday e

    Hasan (1989/1994, p. 44) como metafunes5. De acordo com Halliday e

    Matthiessen (2004, p. 29), a linguagem constri a experincia humana

    5DeacordocomHallidayeMatthiessen(2004,p.3031),aoinvsdotermometafuno,poderiater

    sido escolhido o termo funo simplesmente; porm h uma longa tradio que se refere sfunesdalinguagememcontextosondefunosignificasimplesmentepropsitooumaneiradese usar a linguagem, e no tem nenhum significado referente anlise da linguagem em si (cf.HALLIDAYeHASAN,1985:Captulo1;MARTIN,1990;apudHALLIDAYeMATTHIESSEN,2004,p.31).Noentanto,aanlisesistmicamostraquea funcionalidade intrnseca linguagem, isto,todaarquiteturada linguagemestruturadaao longodesuas linhas funcionais.A linguagemcomopor causa das funes que ela tem evoludo nas espcies humanas. O termo metafuno foiadotadocomointuitodesugerirquefunofosseumcomponenteintegraldentrodateoriacomoumtodo.

  • 28F U N D A M E N T A O T E R I C A

    nomeando coisas, categorizando-as, relacionando-as ao tempo, s causas e

    assim por diante. No h nenhuma faceta da experincia humana que no possa

    ser transformada em significados; sendo assim, a linguagem fornece uma teoria

    da experincia humana, que chamada de metafuno ideacional, que se

    distingue em dois componentes: experiencial e lgico.

    Ao mesmo tempo, sempre que estamos usando a linguagem, estamos

    tambm nos relacionando com outras pessoas. Usando a linguagem, no apenas

    representamos processos de fazer, acontecer, dizer ou sentir, ser ou ter com

    seus vrios participantes e circunstncias (metafuno ideacional), mas tambm

    fazemos proposies, ou propostas, nas quais informamos ou questionamos

    algo, damos ordem ou oferecemos algo, ou expressamos apreciao de uma

    atitude em relao pessoa com quem estamos falando ou em relao ao que

    estamos falando. Este tipo de significado chamado de metafuno interpessoal,

    que sugere ser tanto interativa como pessoal (HALLIDAY e MATTHIESSEN,

    2004, p. 29-30).

    Segundo Halliday e Matthiessen (2004, p. 30), a metafuno interpessoal

    mais ativa do que a ideacional, considerando que a interpessoal relaciona-se

    linguagem como ao, enquanto a ideacional relaciona-se linguagem como

    reflexo. Essa distino entre os dois tipos de significado revela duas redes

    distintas do sistema (HALLIDAY, 1969, cf. MARTIN, 1990, apud HALLIDAY e

    MATTHIESSEN, 2004, p. 30), que significa que (1) toda mensagem tanto sobre

    alguma coisa como endereada a algum, e (2) estes dois pontos no aparecem

    isoladamente, mas ocorrem simultaneamente na construo do texto. A

    linguagem, portanto, organizada de uma forma na qual toda produo

    apresenta componentes tanto da metafuno ideacional como da metafuno

    interpessoal.

    A gramtica, no entanto, revela um terceiro componente, um outro tipo

    de significado que se relaciona construo do texto, chamado de metafuno

    textual. A metafuno textual pode ser entendida como uma funo facilitadora,

    considerando que as duas outras metafunes dependem de serem construdas

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 29

    em sequncias do discurso, de serem organizadas no fluxo discursivo e da

    criao de coeso e continuidade conforme elas se desenvolvem.

    Pela compreenso da organizao funcional da linguagem, somos

    capazes de explicar o uso da linguagem em situaes de aprendizagem e em

    outras situaes, observando como a linguagem est sendo usada, para quem,

    com qual inteno, com quais representaes da realidade, alm de podermos

    tambm explicar falhas e sucessos em eventos comunicativos, observando onde

    ocorreu quebra, porque ocorreu, e como solucionar e prevenir que ocorra

    novamente.

    A fim de explicarmos o uso da linguagem, portanto, partimos para a

    explorao da gramtica. Neste trabalho, no entanto, me detenho apenas aos

    pontos de especial relevncia para a pesquisa, como aponto a seguir.

    1.1.2 Pontos de vista para a explorao da gramtica

    Segundo Halliday e Matthiessen (2004, p. 3-4), a linguagem pode ser

    explorada sob muitos pontos de vista, porm podemos distinguir dois ngulos

    principais de viso:

    1. enfocando o texto como um objeto sob o qual observa-se porque

    um determinado texto tem o significado que tem e porque

    valorizado daquela forma;

    2. enfocando o texto como um instrumento que nos ajuda a

    descobrir algo sob o qual observa-se o que o texto revela sobre o

    sistema de linguagem no qual est inserido.

    De acordo com os autores, essas duas perspectivas so claramente

    complementares: no podemos explicar porque um texto significa o que

    significa, com todas as vrias leituras e valores que podem ser dados a ele, se

    no o relacionarmos ao sistema lingustico como um todo; e igualmente, no

  • 30F U N D A M E N T A O T E R I C A

    podemos us-lo como uma janela do sistema a menos que consigamos

    compreender o que ele significa e porque foi atribudo a ele aquele significado.

    No entanto, em cada um dos casos, o texto tem um status diferente: ou ele

    visto como artefato, ou visto como espcie.

    Textos so vistos como espcie quando o observador se interessa em

    explicar a gramtica da lngua, utilizando vrias caractersticas gramaticais, em

    contextos funcionais significativos, nos quais todos esses elementos devem ser

    igualmente levados em conta. Por outro lado, textos vistos como artefatos so

    abordados considerando o aspecto cultural simblico, concebidos como

    autnomos. Aqui tambm h complementaridade, considerando que um texto

    tem um determinado valor porque entendemos outros textos, e isso se d

    devido ao fato de que so selecionados a partir dos mesmos recursos. O que os

    distingue, porm, a maneira como estes recursos so desdobrados.

    Nesta pesquisa, analiso os textos tanto sob o ponto de vista de espcie

    como de artefato, partindo da configurao funcional da gramtica e,

    considerando o recorte delineado pelos meus objetivos, assim como a limitao

    dos meus conhecimentos.

    Partindo da configurao funcional, a anlise da linguagem pode ser

    feita por trs linhas de significado (usando como unidade de anlise a orao,

    devido ao fato de que a maioria dos elementos de uma estrutura frasal contm

    mais do que uma funo na orao):

    a orao como mensagem;

    a orao como troca;

    a orao como representao.

    A seguir, me detenho no detalhamento das linhas de significado.

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 31

    1.1.3 As trs linhas de significado na orao

    As trs linhas de significado na orao, orao como mensagem, orao

    como troca e orao como representao referem-se a trs tipos distintos de

    significados que esto embutidos na estrutura de uma orao.

    Uma orao tem significado como mensagem, quantia de informao,

    quando um Tema o ponto de partida da orao, considerando que o Tema o

    elemento que o falante seleciona como apoio para o que ele tem a dizer.

    Uma orao tem significado como troca, transao entre falante e

    ouvinte, quando um Sujeito a garantia da troca, considerando que o Sujeito o

    elemento que o falante coloca como responsvel pela validade do que ele est

    dizendo.

    Uma orao tem significado como representao de alguns processos na

    experincia humana quando um Ator o participante ativo em tal processo. O

    Ator o elemento que o falante retrata como aquele que faz a ao.

    As trs linhas de significado da orao no so simplesmente

    caractersticas da orao, mas da linguagem como um todo e determinam a

    forma como a linguagem se desdobra. Em termos sistmicos, referem-se s

    metafunes.

    A seguir, apresento um detalhamento de cada linha de significado,

    apontando para elementos relevantes pesquisa. Inicio pela linha de

    significado como troca, em seguida a linha de significado como representao, e

    finalmente a linha de significado como mensagem. Optei por deixar a linha de

    significado como mensagem para ser apresentada posteriormente s outras pois

    nesta h referncia a elementos apresentados nas anteriores.

  • 32F U N D A M E N T A O T E R I C A

    1.1.3.1 Significado como troca

    O plano de significado da orao como troca relaciona-se metafuno

    interpessoal, ligado funo do fazer. Neste aspecto do significado, o ponto de

    vista o da organizao da orao como um evento interativo, envolvendo

    falante, ou escritor, e a audincia. No ato de falar (ou escrever), o falante adota

    para si um determinado papel de fala, e fazendo isso, atribui ao ouvinte um

    papel complementar que deseja adotar em seu turno. Por exemplo, ao fazer

    uma pergunta na qual o falante busca uma informao, ele adota o papel de

    quem busca a informao e ao mesmo tempo, atribui ao ouvinte o papel de

    fornecedor da informao solicitada. Os interlocutores mudam de turno no

    processo interativo, cada vez adotando um papel de fala e atribuindo um papel

    complementar ao outro, estabelecendo uma troca.

    O ato de fala uma troca, que pode ser tanto de papis de fala, como da

    natureza daquilo que objeto da troca. Os papis de fala fundamentais so os

    de oferecer e pedir. Ou o falante est oferecendo algo ao ouvinte (alguma

    informao, por exemplo), ou ele est pedindo algo. Estas duas categorias

    envolvem noes complexas: oferecer significa convidar a receber, e pedir

    significa convidar a dar. O falante no est apenas fazendo algo, mas est

    tambm solicitando algo do ouvinte. Assim, um ato de falar algo que

    poderia ser mais propriamente chamado de interao: uma troca, na qual dar

    implica receber e pedir implica dar em resposta.

    Uma outra distino, igualmente fundamental, se relaciona natureza

    daquilo que objeto da troca, podendo ser tanto de bens e servios como de

    informao. Em uma troca de bens e servios, o falante pode dizer alguma coisa

    com o objetivo de que o ouvinte faa algo para ele, como envie o documento

    para mim ou vamos tomar um caf?, na qual o objeto da troca estritamente

    no-verbal: o que est sendo pedido um objeto ou uma ao, e a linguagem

    vem ajudar no desenvolvimento do processo. Na troca de informao, o falante

    diz algo com o objetivo de fazer com que o outro diga alguma coisa, como por

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 33

    exemplo que horas so? ou no acredito que voc tenha escolhido viver em

    um lugar to agitado!, na qual o que est sendo pedido informao: a

    linguagem o fim, assim como o meio, e a nica resposta esperada verbal.

    Essas duas variveis, quando juntas, definem as quatro funes primrias de

    fala: oferecimento e ordem (para bens e servios), declarao e interrogao

    (para informao). Respectivamente, estas funes de fala esto ligadas a um

    grupo de respostas desejadas: aceitar a oferta, cumprir a ordem, concordar da

    declarao e responder pergunta. Dessas respostas, somente a ltima

    essencialmente verbal, as outras podem ser todas no-verbais. Porm,

    tipicamente, todas so verbalizadas, com ou sem algum acompanhamento de

    ao no-verbal.

    Numa interao, as respostas esperadas nem sempre sero as recebidas.

    O ouvinte, no papel de falante, pode responder uma pergunta ou cumprir uma

    ordem de diversas maneiras diferentes, pode recusar-se a responder uma

    pergunta, etc. Em retorno, o falante, em seu turno, pode reiterar sua inteno

    sinalizando seu desejo usando a linguagem de forma a limitar as opes de

    resposta do ouvinte, como por exemplo, usando uma pergunta no final de sua

    fala que pea uma resposta sim ou no. Enquanto a troca se refere a bens e

    servios, as escolhas do ouvinte so relativamente limitadas; porm, quando se

    trata de troca de informao, a gama de opes do ouvinte muito maior, pois

    torna-se uma proposio e neste caso pode ser discutida, com afirmaes,

    negaes, colocao de dvidas, contradies, insistncias, pode ser aceita com

    reservas, etc. No eixo de bens e servios, as propostas so definidas pelo sistema

    de modulao e no eixo da informao, as proposies so definidas pelo

    sistema de modalizao. Estes dois eixos analisados conjuntamente formam o

    sistema de modalidade, o principal sistema gramatical deste aspecto de

    significado da orao, o de troca.

    O sistema de modalidade constri a regio de incerteza entre o sim e o

    no, porm o espao entre o sim e o no tem significado diferente para

    proposies e para propostas. Em uma proposio, o significado do plo

    positivo e negativo afirmar ou negar, ou seja, dizer assim para o plo

  • 34F U N D A M E N T A O T E R I C A

    positivo ou no assim para o plo negativo. H dois tipos de possibilidades

    intermedirias: (i) graus de probabilidade (possibly, probably, certainly); e (ii)

    graus de usualidade (sometimes, usually, always). Os primeiros so equivalentes a

    sim ou no, isto , talvez sim, talvez no, com diferentes graus de

    possibilidade. Os ltimos so equivalentes a sim e no, isto , s vezes sim, s

    vezes no, com diferentes graus de continuidade. Estas escalas de

    probabilidade e usualidade referem-se modalizao no sistema de

    modalidade.

    Quanto s propostas, o significado dos plos positivo e negativo

    prescritivo e proscritivo, ou seja faa isso para o plo positivo e no faa

    isso para o plo negativo. Aqui tambm h dois tipos de possibilidades

    intermedirias, que neste caso dependem dos papis de fala, ou seja, pedido ou

    oferta. (i) Em um pedido, os pontos intermedirios representam graus de

    obrigao, como allowed to, supposed to, required to; (ii) em uma oferta, os

    pontos intermedirios representam graus de inclinao, como willing to,

    anxious to, determined to. As escalas de obrigao e inclinao referem-se

    modulao.

    O sistema de modalidade composto pelos elementos principais modo +

    resduo. O elemento modo o elemento que realiza a modalidade e consiste de

    duas partes: sujeito, que o grupo nominal, e finito operador, que parte do

    grupo verbal. O restante da orao o resduo.

    O elemento finito tem a funo de fazer as proposies finitas, ou seja, ele

    as circunscreve, ele concretiza a proposio, de uma forma que ela seja algo

    sobre o qual se possa discutir. Uma boa forma de tornar algo discutvel

    embutir um ponto de referncia no aqui e agora; e isso o que faz o finito. O

    finito relaciona a proposio ao seu contexto no evento comunicativo, e isso

    pode ser feito de duas maneiras: uma fazendo referncia ao tempo de fala

    (para proposies apenas, j que no h referncia ao tempo para propostas) e a

    outra fazendo referncia ao julgamento do falante.

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 35

    Em relao ao tempo de fala (tempo primrio), o falante refere-se ao

    passado, presente ou futuro no momento da fala, sendo assim o tempo relativo

    ao agora, o que torna uma proposio discutvel por estar sendo localizada

    no tempo, tendo como referncia o evento da fala. Este recurso se realiza com o

    uso de operadores temporais, como did, was, had, used to, does, is, have, will, shall,

    would, should6 e suas formas negativas.

    Em relao a fazer referncia ao julgamento do falante, isso indica

    modalidade, e modalidade significa probabilidade ou usualidade (se forem

    proposies), obrigao ou inclinao (se forem propostas). Assim, uma

    proposio ou uma proposta pode se tornar discutvel se estiver apresentada

    em termos de graus de probabilidade ou obrigao associados a ela. Este

    recurso se realiza com o uso de operadores modais, como can, may, could, might,

    will, would, should, is/was to, must, ought to, need, has/had to e suas formas

    negativas.

    Quanto ao elemento sujeito, este especifica a entidade responsvel pelo

    sucesso ou fracasso da proposio ou pela validade da informao. Assim, o

    elemento sujeito colocado como responsvel pelo funcionamento da orao

    como um evento interativo.

    Fica mais fcil ver este princpio da responsabilidade em uma proposta

    (orao de bens e servios, por exemplo), na qual o sujeito especifica o

    responsvel por realizar a oferta ou o comando. Por exemplo, em Posso abrir a

    porta? (oferta), abrir a porta depende de mim; em Fale mais alto! (comando),

    quem deve reagir obedecendo ou no ao comando a pessoa que est no papel

    de voc. Assim, o sujeito tpico de uma oferta o falante e, de um pedido, a

    pessoa a quem o falante est se dirigindo.

    No caso de uma proposio, como por exemplo Serei guiado pelas suas

    orientaes, o sujeito (eu), que diferente do ator (suas orientaes) ver

    detalhes sobre o elemento ator no subitem significado como representao

    6Utilizoexemplosem inglsconsiderandoquemeucorpusdeanliseconsistede textosescritosem

    ingls.

  • 36F U N D A M E N T A O T E R I C A

    nesta orao, pode ser reconhecido por ser aquele que sustenta a validade da

    informao.

    Nem sempre o mesmo item na orao vai funcionar tanto como Tema

    ver detalhes sobre o elemento tema no subitem significado como mensagem

    e como Sujeito ao mesmo tempo. Em Aquele vaso foi meu tio que deu para a

    minha tia, o sujeito (meu tio) no funciona como tema (aquele vaso), porm

    podemos reconhecer o sujeito por ser o elemento responsvel pela validade da

    afirmao.

    O sujeito pode ser o mesmo item que funciona como ator ou tema, porm

    so elementos distintos funcionalmente. A identidade do sujeito pode ser

    estabelecida sob trs pontos de vista, ou seja, por um lado, um elemento

    nominal; por outro lado, o elemento que combina com o finito (operador); e

    por outro lado, o elemento que carrega a responsabilidade modal, ou seja, a

    responsabilidade pela validade do que est sendo predicado. A noo de

    validade relaciona-se discusso do caso, se for uma proposio, ou

    efetivao da proposta.

    A segunda parte da orao, alm do Modo (formado por sujeito + finito),

    denominada Resduo, consiste de elementos funcionais de trs tipos:

    predicador, complemento e adjunto.

    1.1.3.2 Significado como representao

    Este aspecto do significado da orao relaciona-se metafuno ideacional.

    Segundo Halliday e Matthiessen (1999/2006, p. 511), a gramtica,

    ideacionalmente, uma teoria da experincia humana, a nossa interpretao

    de tudo que acontece nossa volta, e tambm dentro de ns mesmos. A

    metafuno ideacional tem as funes do aprendizado e do pensamento, e est

    dividida em dois componentes: experiencial e lgico.

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 37

    O componente experiencial interpreta a compreenso dos processos aos

    quais o texto se refere, dos participantes nestes processos, e das circunstncias

    (tempo, causa, etc.) associadas a eles, ou seja, a compreenso de como as

    entidades so nomeadas, como agem e como se relacionam. O componente

    lgico se refere compreenso da relao entre um processo e outro, ou um

    participante e outro, que dividem a mesma posio no texto (HALLIDAY e

    HASAN, 1989/1994, p. 45).

    O significado como representao refere-se linha experiencial de

    organizao. A impresso mais poderosa que temos da experincia a

    percepo da mudana, ou seja, a percepo de que a experincia consiste de

    um fluxo de eventos, ou de acontecimentos, que mudam de um estado para

    outro. Essa percepo da mudana se projeta em nossa conscincia como uma

    imagem, ou seja, como uma pequena pea de teatro, incluindo atores e

    acessrios, que se desenrola ao longo do tempo. Esta imagem modelada por

    uma representao dos eventos, classificada como imagens da conscincia

    (envolvendo o sentir e o dizer), imagens do mundo material (envolvendo o

    fazer e o acontecer), e imagens das relaes lgicas (envolvendo o ser e o ter).

    Todas as representaes consistem de um processo desdobrado ao longo

    do tempo e dos participantes de alguma forma diretamente envolvidos neste

    processo, e somado a isso, pode haver circunstncias de tempo, espao, causa,

    maneira, ou de alguns outros tipos. As circunstncias no esto diretamente

    envolvidas no processo, no entanto elas trazem subsdios ao processo. Todas

    estas imagens esto presentes na orao; assim, a orao, alm de ser um modo

    de ao, de oferecer e pedir bens e servios e informao, como vimos no item

    significado como troca, tambm um modo de reflexo, de impor uma

    ordem na variao e no fluxo infinitos dos eventos.

    O sistema gramatical pelo qual alcanamos esta representao o da

    transitividade, que interpreta o mundo da experincia em grupos de tipos de

    processos. Cada tipo de processo fornece seu prprio modelo ou esquema para

    interpretar um determinado domnio da experincia, como uma imagem de um

  • 38F U N D A M E N T A O T E R I C A

    certo tipo. Por exemplo, podemos falar sobre experincias internas ou externas,

    ou seja, o que experienciamos no mundo de nossa prpria conscincia

    (incluindo percepo, emoo e imaginao) e o que experienciamos fora de ns

    mesmos, no mundo nossa volta.

    A forma prototpica de experincias externas a das aes e eventos:

    coisas acontecem, e pessoas ou outros atores fazem as coisas, ou fazem com que

    elas aconteam. A experincia interna em parte um tipo de repetio das

    externas, recordando-as, reagindo a elas, refletindo sobre elas, e de certa forma

    tambm uma percepo parte de ns mesmos.

    A gramtica distingue claramente a experincia externa, os processos do

    mundo externo; e a experincia interna, os processos de conscincia. Esta

    distino se d pelas categorias de processos materiais e processos mentais.

    Alm dos aspectos externos e internos de nossa experincia, h um terceiro

    componente, que diz respeito nossa capacidade de generalizar, de relacionar

    fragmentos de uma experincia com outra, reconhecida pela gramtica como

    um terceiro tipo de processo, relacionado identificao e classificao, o

    processo relacional.

    Os principais tipos de processos no sistema de transitividade so o

    material, o mental e o relacional, mas entre estes trs tipos, h os intermedirios,

    como os processos comportamentais (entre material e mental) que

    representam as manifestaes externas de trabalhos internos, as aes de

    processos da conscincia (eles esto rindo) e de estados fisiolgicos (eles

    esto dormindo) , os processos verbais (entre mental e relacional)

    relacionamentos simblicos construdos na conscincia humana exteriorizados

    na forma de linguagem, como dizer e significar ; e os processos existenciais

    (entre relacional e material), pelos quais qualquer tipo de fenmeno

    reconhecido como ser, no sentido de haver ou acontecer, como em hoje h

    missa na catedral.

    O processo o elemento central na configurao da orao sob o ponto

    de vista experiencial, os participantes esto prximos ao centro, diretamente

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 39

    envolvidos no processo, trazendo tona sua ocorrncia ou sendo afetados por

    ela de alguma forma. Os participantes so inerentes ao processo, considerando

    que todo tipo de orao experiencial tem pelo menos um participante (com

    exceo de alguns processos meteorolgicos, como est chovendo).

    As unidades que realizam os elementos referentes aos processos, aos

    participantes e s circunstncias das oraes trazem contribuies distintas para

    a representao da experincia. Os elementos centrais, isto , os processos e os

    participantes envolvidos, constroem facetas complementares da imagem

    representada pela experincia. Estas duas facetas so chamadas transincia e

    permanncia.

    Os processos, construdos por um grupo verbal, realizam a transincia,

    ou seja, os processos so localizados no tempo. Assim, o grupo verbal que

    realiza um processo constri um momento no tempo comeando com o agora

    (o tempo da fala) e conduzindo para uma categorizao do evento.

    Enquanto os processos so localizados no tempo, os participantes

    envolvidos so localizados num espao referencial (concreto ou abstrato),

    realizando a permanncia. Os grupos nominais so relativamente estveis ao

    longo do tempo, e podem fazer parte de muitos processos. Por exemplo, um

    participante pode ser representado inicialmente por um nome prprio e ao

    longo do texto, se mantm como participante, fazendo parte de vrios

    processos, porm passa a ser representado por nomes comuns, como ele.

    Em contraste a isso, os processos so efmeros, considerando que cada

    ocorrncia nica.

    A natureza dos participantes vai variar de acordo com o tipo de

    processo, como por exemplo, para o processo material o participante

    denominado ator. Assim, a configurao de processo + participante constitui o

    centro experiencial da orao.

    Em contrapartida, o componente circunstancial consta de elementos

    quase sempre opcionais. Os elementos circunstanciais estendem o centro

    experiencial da orao de alguma forma temporal, espacial, causal, e assim

  • 40F U N D A M E N T A O T E R I C A

    por diante, mas seu status na configurao mais perifrico e diferentemente

    dos participantes, no esto diretamente envolvidos no processo.

    As circunstncias desempenham papis circunstanciais nas imagens. H

    duas distines simultneas de circunstncias, uma se refere ao tipo de relao

    circunstancial construda e a outra se refere complexidade experiencial da

    circunstncia. Quanto ao tipo de relao circunstancial construda, contrastam-

    se as circunstncias de projeo e as circunstncias de expanso, sendo que a

    ltima se distingue entre elaborao, extenso e aprimoramento (enhancing).

    Quanto complexidade experiencial da circunstncia, as circunstncias

    podem ser simples ou macro, sendo que as simples se assemelham mais a

    elementos, enquanto as macro se assemelham mais a imagens.

    Entre as simples, as mais comuns so as circunstncias de tempo, lugar,

    maneira-qualidade e intensidade, as quais so todas de aprimoramento. As

    circunstncias macro so as construdas por um tipo especial de imagem, tendo

    um outro participante dentro dela. Tipicamente, todas as circunstncias

    ocorrem livremente em todos os tipos de processos, e essencialmente com o

    mesmo significado onde quer que elas ocorram.

    1.1.3.3 Significado como mensagem

    A estrutura temtica, ou seja, a estrutura que d orao o carter de

    mensagem, relaciona-se metafuno textual. Em ingls (Halliday usa a lngua

    inglesa como referncia), assim como em muitas outras lnguas, a orao

    organizada em duas partes: Tema e Rema. O tema a primeira unidade (grupo

    nominal, verbal ou preposicional) que tem alguma funo na estrutura

    experiencial da orao, o primeiro elemento que aparece na orao e serve

    como ponto de partida da mensagem. Consiste em apenas um elemento

    estrutural, representado por somente uma unidade um grupo nominal, um

    grupo adverbial ou um grupo preposicional, o qual posiciona e orienta a orao

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 41

    dentro daquele contexto. indicado pela posio inicial na orao, portanto,

    para sinalizar que um item tem status temtico, basta coloc-lo primeiro. O

    restante da orao, chamado de Rema, a parte na qual o tema desenvolvido.

    As duas partes juntas, isto , Tema e Rema, constituem uma mensagem.

    O princpio guia da estrutura temtica que o tema contm um, e

    somente um dos elementos experienciais, que pode ser ou o participante, ou a

    circunstncia (como tempo, maneira ou causa) ou o processo, o que significa

    que o tema de uma orao termina com o primeiro constituinte destes

    elementos, considerado tema topical.

    Os temas podem ser simples, de estrutura complexa ou equativos. O

    tema simples composto de apenas um grupo nominal, adverbial ou

    preposicional; o tema composto formado por dois ou mais grupos chamado

    de tema de estrutura complexa; e o tema equativo aquele no qual todos os

    elementos da orao so organizados em dois constituintes, ligados por uma

    relao de identidade, expressada por alguma forma do verbo to be, como se

    pudesse ser representado por um sinal de igual onde Tema = Rema, como por

    exemplo the one who gave my aunt that teapot was the duke, onde the one who gave

    my aunt that teapot o Tema e was the duke o Rema.

    A ordem dos elementos na orao pode ser considerada tpica ou atpica.

    A orao formada pela ordem tpica leva a noo de tema no-marcado. Uma

    alternativa marcada, em contraste, reverte a ordem considerada tpica e

    consequentemente, reverte a relao daquilo que o falante / escritor quer

    considerar como proeminente, deixando clara a inteno de se expressar

    enfatizando o elemento com o qual ele inicia a orao, portanto, marcando sua

    inteno.

    O que define a ordem como tpica a escolha do Modo, isto , se o falante

    / escritor optou pela forma declarativa, interrogativa ou imperativa, e como ele

    posiciona os elementos da orao dentro destas formas. Em oraes

    declarativas, em conversas do cotidiano, o item mais frequente que funciona

    como tpico, ou seja, no-marcado, o pronome de primeira pessoa, j que a

  • 42F U N D A M E N T A O T E R I C A

    maioria da nossa fala consiste em mensagens relacionadas a ns mesmos e

    especialmente ao que pensamos e sentimos. Depois, vm os outros pronomes

    pessoais (you, we, he, she, it, they) e os pronomes impessoais (it e there). Em

    seguida, vm outros grupos nominais com nomes prprios ou nominalizaes.

    Desde que estes temas estejam funcionando como Sujeito, sero uma escolha

    no-marcada em oraes declarativas.

    Na forma interrogativa, h dois tipos principais de perguntas: um no

    qual o que o falante quer saber a Polaridade yes ou no? (operador verbal

    finito), podendo ser positivas ou negativas, como is, isnt, do, dont, can, cant,,

    etc.; e o outro no qual o que o falante quer saber a identidade de algum

    elemento no contedo, como perguntas com WH: where, who, when, what,

    how, etc. Nos dois casos, em temas no-marcados, a palavra que indica o que o

    falante quer saber vem primeiro.

    Em oraes imperativas, a base da mensagem eu quero que voc faa

    alguma coisa ou eu quero que faamos (eu e voc/s) alguma coisa. O

    segundo tipo geralmente comea com lets, que claramente uma escolha

    no-marcada do tema. Porm, no primeiro tipo, a forma tpica com o verbo na

    posio temtica, sendo assim o Predicador (um dos elementos funcionais do

    Resduo ver significado como troca) o tema no-marcado.

    A noo de marcado e no-marcado tambm se refere ao tema topical (o

    primeiro constituinte experiencial do tema) e unidade de informao

    dado+novo, conforme mencionado a seguir.

    Quanto ao tema topical, este pode vir precedido de outros elementos

    com funes textuais ou interpessoais (que no desempenham nenhum papel

    no significado experiencial da orao). Estes elementos podem ser tipicamente:

    Com funes textuais o Continuativo uma entre um pequeno grupo de palavras

    que sinalize um movimento no discurso: uma resposta, em

    dilogo, ou um novo movimento para o prximo ponto,

    caso o mesmo falante esteja dando continuidade.

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 43

    o Conjuno (tema estrutural) uma palavra ou grupo que faa ligao ou junte a orao outra que tem papel

    estrutural.

    o Adjunto conjuntivo grupos adverbiais ou preposicionais que relacionam a orao ao texto precedente (ocupam o

    mesmo espao semntico que as conjunes).

    Com funo interpessoal o Vocativo qualquer item, tipicamente (mas no

    necessariamente) um nome pessoal, sendo usado para

    chamar.

    o Adjunto de comentrio modal expressam julgamento do falante ou escritor ou atitude em relao ao contedo da

    mensagem.

    o Operador verbal finito pequenos grupos de verbos auxiliares finitos indicando tempo ou modalidade (so o

    tema no-marcado nas interrogativas yes/no).

    Estes elementos so todos considerados temas naturais (no-marcados),

    j que se o falante, ou escritor, estiver explicitando a maneira como a orao se

    relaciona com o discurso ao seu redor (textual), ou projetando seu prprio

    ngulo no valor do que a orao est dizendo (interpessoal), natural

    posicionar tais expresses como ponto de partida.

    Ao mesmo tempo, porm, considerando que estes temas sejam temticos

    por padro, quando um deles est presente ele no determina o potencial

    temtico da orao na qual ocorre, j que o que segue tambm ter status

    temtico; no entanto no com tanta proeminncia como quando nada o precede,

    assim como explicitado acima no que se refere escolha do Modo (se o falante /

    escritor optou pela forma declarativa, interrogativa ou imperativa).

    Quanto unidade de informao dado+novo, este um recurso do

    texto que se refere a uma estrutura semntica coesiva que gerencia o fluxo do

  • 44F U N D A M E N T A O T E R I C A

    discurso criando ligaes dentro ou atravs das sentenas, alm de indicar o

    foco da informao. A gramtica gerencia o fluxo do discurso por meios

    estruturais e h dois sistemas que funcionam paralelamente, um o sistema da

    orao, constitudo por Tema e Rema; e o outro o sistema da informao,

    constitudo pelos elementos Dado e Novo.

    A unidade de informao, no sentido tcnico gramatical, a tenso entre

    o que j conhecido ou previsvel e o que novo ou imprevisvel. Esta ideia

    diferente do conceito matemtico de informao, no qual informao refere-se

    medida da imprevisibilidade. No sentido lingustico, informao a influncia

    mtua do novo e do que no novo que gera informao. Assim, a unidade de

    informao uma estrutura derivada de duas funes, o Novo e o Dado.

    O termo dado refere-se informao apresentada pelo falante como

    recupervel; e o termo novo refere-se informao apresentada como no-

    recupervel para o ouvinte. O que tratado como recupervel o que j foi

    mencionado antes, apesar de que esta no a nica possibilidade, pois pode ser

    tambm algo que o falante queira apresentar como dado com propsitos

    retricos, significando que isso no novidade. Da mesma forma, o que

    tratado como no recupervel pode ser algo que no tenha sido mencionado,

    mas tambm pode ser algo inesperado, independentemente de ter sido

    mencionado antes ou no. O significado seria preste ateno a isso; isso

    novidade.

    Idealmente, cada unidade de informao consiste de um elemento Dado

    acompanhado por um elemento Novo; porm pode haver unidades que

    contenham apenas o elemento Novo. No entanto, estruturalmente, uma unidade

    de informao consiste de um elemento obrigatrio Novo mais um elemento

    opcional Dado.

    Na forma natural desta estrutura se realizar, o elemento Dado

    tipicamente precede o Novo e o elemento Novo que carrega o foco da

    informao ocorre no final da unidade de informao, sendo proeminente. A

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 45

    posio contrria, portanto, indica que o foco da informao, alm de j ser

    proeminente, ainda est sendo marcado.

    H uma relao semntica prxima entre o sistema de informao e o

    sistema de tema entre a estrutura de informao e a estrutura temtica , que

    refletida nas relaes no-marcadas, nas quais a unidade de informao

    coextensiva com a orao, o Tema se identifica com o Dado e o Rema se identifica

    com o Novo. Porm, embora estejam relacionados, Dado + Novo e Tema + Rema

    no so a mesma coisa. O Tema o que o falante escolhe como ponto de partida

    de seu discurso. O Dado o que o ouvinte j sabe ou tem acesso. Tema + Rema

    so orientados pelo falante e Dado + Novo so orientados pelo ouvinte; no

    entanto, ambos so selecionados pelo falante. Em qualquer ponto do processo

    do discurso, haver um rico ambiente verbal e no verbal para o que quer que

    se siga. As escolhas do falante so feitas de acordo com o background, ou seja,

    com o contexto e com os significados referentes ao que j foi dito e ao que

    aconteceu antes. O ambiente ir frequentemente criar condies locais que

    sobrepem o padro global no-marcado de Tema com Dado e Novo com Rema.

    A seguir, apresento aspectos da Teoria da Complexidade.

    1.2 Teoria da Complexidade

    A Teoria da Complexidade uma teoria universal, muito vasta e, por sua

    natureza, se estende por diversas reas do conhecimento humano. No entanto,

    aqui apresento uma resenha apenas de alguns aspectos que me ajudam a olhar

    este trabalho e exploro os conceitos que so pertinentes, os quais se centralizam

    na proposta de Edgar Morin (MORIN, 1990/2005, 1996, 1997/2005, 1999, 2002a,

    2002b, 2004, 2005; MORIN e LE MOIGNE, 2000; MORIN, CIURANA e MOTTA,

    2003), especialmente o conceito de unio, juntamente com a noo de integrao

    e do carter multidimensional da realidade, representados pelos sete princpios

    guias que nos ajudam a compreender a complexidade do real: o princpio

  • 46F U N D A M E N T A O T E R I C A

    sistmico ou organizacional, o operador hologramtico, o princpio do crculo

    retroativo, o operador do crculo recursivo, o princpio da auto-eco-organizao:

    autonomia e dependncia, o operador dialgico e o princpio da reintroduo do

    sujeito cognoscente; detalhados nesta seo.

    Segundo Morin (1977/2005), a Teoria da Complexidade uma macro

    teoria que vai lidar com a atividade humana na natureza complexa das coisas

    que o ser humano produz.

    De acordo com Petraglia (2005, p. 40),

    a estrutura do pensamento moriniano pautada numa epistemologia da complexidade que compreende quantidades de unidades, interaes diversas e adversas, incertezas, indeterminaes e fenmenos aleatrios [...] A complexidade, cerne do pensamento de Morin, traz em seu bojo a tarefa de ligar tudo que est disjunto.

    A complexidade pressupe a integrao transdisciplinar e o carter

    multidimensional de qualquer realidade e o pensamento complexo prega que

    no se pode isolar os objetos uns dos outros.

    Considero importante explorar o percurso das ideias que serviram de

    base para a configurao da teoria a fim de que possamos compreender melhor

    seus conceitos, apresentados a seguir.

    1.2.1 Percurso das ideias que configuram a teoria

    O paradigma da complexidade se inspira no paradigma da simplicidade

    (MORIN, 2005) advindo do problema dos preceitos metodolgicos da cincia

    determinista postulados por Descartes em seu Discurso sobre o Mtodo, que

    levam aos conceitos de disjuno, reduo e unidimensionalizao. Esses conceitos

    se edificaram sobre trs pilares: a ordem, a separabilidade e a razo (MORIN e

    LE MOIGNE, 2000).

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 47

    A noo da ordem se refere ao conceito de disjuno no sentido de

    separar o que est ligado, na busca de ideias claras e distintas. A disjuno

    refere-se noo de ordem universal: Qualquer desordem aparente era

    considerada como fruto da nossa ignorncia provisria, sendo assim, atrs da

    desordem aparente existia uma ordem a ser descoberta (MORIN e LE

    MOIGNE, 2000, p. 199).

    A noo de separabilidade se refere ao conceito de reduo no sentido de

    coordenar as ideias em uma construo que recria o complexo a partir do

    simples, como por exemplo, o ser humano:

    esse [ser humano] tanto biolgico quanto cultural, porm o paradigma da simplicidade obriga-nos a separar estas duas dimenses (cincias biolgicas e cincias humanas) disjuno. A nica possibilidade de unificao admitir que a dimenso social se reduz a fenmenos biolgicos reduo7. (MORIN, 2005)

    Isso corresponde ao postulado cartesiano segundo o qual, para estudar

    um fenmeno ou resolver um problema, preciso decomp-lo em elementos

    simples. Esse operador se traduziu cientificamente, de um lado pela

    especializao, depois pela hiperespecializao disciplinar, e de outro, pela

    ideia de que a realidade objetiva possa ser considerada sem levar em conta seu

    observador (Morin, 2005).

    J a noo da lgica indutivo-dedutivo-identitria, identificada com a

    Razo absoluta, refere-se ao conceito de unidimensionalizao, da prova absoluta,

    da certeza e da rejeio da contradio. Observe-se que, na viso de Descartes, a

    incerteza seria um sinal de erro no raciocnio que levaria o cientista a retroceder

    e rever seus postulados.

    Levando em conta os limites da lgica clssica, Morin integra seus

    conceitos, sem abandon-los, a novos conceitos e instrumentos tericos que

    substituem o paradigma da disjuno/reduo/unidimensionalizao por um

    paradigma de distino/conjuno/multidimensionalizao. Essa substituio,

    7TambmcitadoemINCIOJRetal,[200].

  • 48F U N D A M E N T A O T E R I C A

    conforme aponta Morin (2005), permite distinguir sem separar, associar sem

    identificar ou reduzir.

    Morin elenca trs operadores, considerados como fundamentos, pontos

    de partida e tambm diretrizes metodolgicas, elaborados para uma abordagem

    da complexidade do real:

    Dialgico; Crculo de recursividade; Hologramtico. O operador dialgico envolve o entrelaar coisas que aparentemente esto

    separadas, como por exemplo a razo e a emoo, o real e o imaginrio, a razo

    e os mitos, pois tudo consiste o dialogizar. Em operador dialgico subentende-se

    unir as noes antagnicas para pensar os processos organizadores,

    produtivos e criadores do mundo complexo da vida e da histria humana

    (MORIN e LE MOIGNE, 2000, p. 2048). Segundo esse operador, num sistema

    complexo, h a coexistncia de conceitos antagnicos, conforme registra Leffa

    (2006, no paginado):

    A noo de indivduo, por exemplo, s faz sentido na medida em que tivermos a noo de coletividade; para entender o que autonomia, precisamos entender o que dependncia; no podemos saber o que democracia se no sabemos o que ditadura, s podemos conhecer o Brasil se conhecermos outros pases; e assim por diante.

    Esse operador se confronta com a noo de ordem depreendida da

    concepo determinista e mecnica do mundo e, longe de substituir a ideia de

    desordem por aquela de ordem, visa colocar em dialgica a ordem, a desordem

    e a organizao (MORIN e LE MOIGNE, 2000, p. 199).

    O operador do crculo de recursividade um crculo gerador no qual os

    produtos e os efeitos so eles prprios produtores e causadores daquilo que os

    8AresenhaelaboradaporCelsoCndidotambmcontribuiunaelaboraodasideiasextradasdolivro

    A inteligncia da complexidade. Disponvel em: .Acessoem:16set.2008.

  • F U N D A M E N T A O T E R I C A 49

    produz. (MORIN e LE MOIGNE, 2000, p. 204-5). Morin (2002a, p. 210) utiliza

    como exemplos o indivduo e a sociedade. A sociedade o resultado das

    interaes humanas, mas ela mesma age sobre os elementos que a produziram

    (indivduos, instituies, etc.), alterando-os e, assim, alterando-se a si prpria.

    Assim, o indivduo produz a sociedade e por ela produzido. Segundo Morin

    (2002a, p. 211), ns, indivduos, somos os produtos de um sistema de

    reproduo proveniente de vrias eras, mas esse sistema s pode reproduzir-se

    se ns prprios nos tornamos os produtores nos acoplando. Dessa forma, esse

    operador coloca em questo a ideia linear de causa efeito, uma vez que o efeito retorna sobre a causa em um ciclo auto-organizador e produtor. Seria

    mais adequada a esquematizao causa ' efeito, de acordo com Incio Jnior e Alves [200-].

    Esse operador se confronta com a noo de separabilidade, sem,

    contudo, substitu-la pela de inseparabilidade: ele convoca uma dialgica