Teses para uma autocrítica dos observatórios de mídia · te teses que podem contribuir ... é...

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© 2017. Revista internacional de Comunicación y Desarrollo, 6, 105-115, ISSN e2386-3730 105 Ensayo Rogério Christofoletti Resumo Os observatórios de mídia são instrumentos sociais importantes para o aperfeiço‐ amento do jornalismo e para a educação para os meios. Eles são um fenômeno da segunda metade do século XX e atuam em uma conguração miditática que está experimentando relevantes e profundas transformações. Neste sentido, a autocrí‐ tica é necessária para os observatórios. Neste artigo, são discutidas algumas di‐ culdades estruturais e outros obstáculos circunstanciais que impedem o desenvolvimento de uma crítica de mídia robusta. Na sequência, apresentamos se‐ te teses que podem contribuir para uma autocrítica dos observatórios de mídia. Abstract e observatories of communication are important social instruments for the im‐ provement of journalism and for the media literacy. ey are a phenomenon of the second half of the last century and served a media conguration that is under‐ going major transformations. In this sense, self-criticism is necessary. In this arti‐ cle, we discuss some structural difficulties and other conjunctural hurdles that hinder the development of robust media criticism. We present seven theses that can contribute to a self-criticism of mediawatchers. Palavras-Chave Crítica do jornalismo, observatórios de mídia, democracia, desenvolvimento, qua‐ lidade jornalística Keywords Media criticism, media observatories, democracy, development, journalism quality. Teses para uma autocrítica dos observatórios de mídia esis for a self-criticism of the media observatories ■ Rogério Christofoletti Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil DOI: http://dx.doi.org/10.15304/ricd.2.6. 3932 NOTAS BIOGRÁFICAS Rogério Christofoletti é professor de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. Pesquisador do CNPq, é autor e coorganizador de onze livros sobre ética jornalística, educação e crítica de mídia, incluindo Observatórios de Mídia: Olhares da Cidadania (Paulus, 2008) e Vitrine e Vidraça: Crítica de Mídia e Qualidade no Jornalismo (Labcom, 2010). Foi coordenador da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi), colaborador do Observatório da Imprensa e fundador do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), que funciona como grupo de pesquisa e projeto de extensão. Contacto: [email protected]

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

ResumoOs observatoacuterios de miacutedia satildeo instrumentos sociais importantes para o aperfeiccedilo‐amento do jornalismo e para a educaccedilatildeo para os meios Eles satildeo um fenocircmeno da segunda metade do seacuteculo XX e atuam em uma conguraccedilatildeo miditaacutetica que estaacute experimentando relevantes e profundas transformaccedilotildees Neste sentido a autocriacute‐tica eacute necessaacuteria para os observatoacuterios Neste artigo satildeo discutidas algumas di‐culdades estruturais e outros obstaacuteculos circunstanciais que impedem o desenvolvimento de uma criacutetica de miacutedia robusta Na sequecircncia apresentamos se‐te teses que podem contribuir para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

Abstracte observatories of communication are important social instruments for the im‐provement of journalism and for the media literacy ey are a phenomenon of the second half of the last century and served a media conguration that is under‐going major transformations In this sense self-criticism is necessary In this arti‐cle we discuss some structural difficulties and other conjunctural hurdles that hinder the development of robust media criticism We present seven theses that can contribute to a self-criticism of mediawatchers

Palavras-ChaveCriacutetica do jornalismo observatoacuterios de miacutedia democracia desenvolvimento qua‐lidade jornaliacutestica

KeywordsMedia criticism media observatories democracy development journalism quality

Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

esis for a self-criticism of the media observatories

Rogeacuterio Christofoletti

Universidade Federal de Santa Catarina Brasil

DOI httpdxdoiorg1015304ricd26 3932

NOTAS BIOGRAacuteFICAS

Rogeacuterio Christofoletti eacute professor de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Brasil Pesquisador do CNPq eacute autor e coorganizador de onze livros sobre eacutetica jornaliacutestica educaccedilatildeo e criacutetica de miacutedia incluindo Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania (Paulus 2008) e Vitrine e Vidraccedila Criacutetica de Miacutedia e Qualidade no Jornalismo (Labcom 2010) Foi coordenador da Rede Nacional de Observatoacuterios de Imprensa (Renoi) colaborador do Observatoacuterio da Imprensa e fundador do Observatoacuterio da Eacutetica Jornaliacutestica (objETHOS) que funciona como grupo de pesquisa e projeto de extensatildeo

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

Sumaacuterio1 O impasse do desenvolvimento da criacutetica2 Os procedimentos de naturalizaccedilacirco e a assimilaccedilacirco da criacutetica3 Uma autocriacutetica aos criacuteticos4 Concluccedilotildees muito breves

Contents1 Impasses for the development of criticism2 Naturalization of procedures and assimilation of criticism3 Critical self-criticism4 Brief conclusions

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

Os observatoacuterios de miacutedia satildeo luga-res privilegiados para o exerciacutecio da criacuteti-ca aos meios de comunicaccedilatildeo e a seus profissionais Por natureza e funccedilatildeo os observadores fazem uma leitura rigorosa e sistemaacutetica das coberturas jornaliacutesti-cas dos procedimentos operacionais da atuaccedilatildeo da miacutedia e das condutas dos jornalistas O olhar lanccedilado a esses obje-tos natildeo eacute uma visatildeo passiva inerte dian-te da paisagem Natildeo eacute apenas ver ou enxergar mas aqui se trata de observar

A observaccedilatildeo eacute um gesto examinador analiacutetico capaz de uma leitura em pro-fundidade Eacute uma forma de captura de apreensatildeo dos discursos Em inglecircs usa-se com frequecircncia o verbo ldquoto watchrdquo para a criacutetica de miacutedia que pode ser tra-duzido por ldquoassistirrdquo mas ultrapassa es-ses limites na medida em que possibilita o surgimento de derivados como ldquowatch-dogrdquo o catildeo que guarda vigia fiscaliza ldquoTo Watchrdquo eacute vigiar fiscalizar monitorar Desta forma a tarefa dos ldquomediawat-chersrdquo estaacute atrelada ao acompanhamen-to sistemaacutetico do noticiaacuterio e ao monitoramento das notiacutecias Entatildeo ob-servar eacute cuidar para poder fazer a criacuteti-ca No sentido mais radical da palavra ldquocriticarrdquo eacute colocar em crise questionar mudar a estabilidade Os observatoacuterios de miacutedia satildeo ambientes dedicados a apontar falhas deslizes e erros mas tambeacutem podem destacar boas praacuteticas exemplos e modelos

Este tipo de criacutetica eacute um advento re-cente que data da segunda metade do seacuteculo passado o que faz com que essa praacutetica ainda esteja em consolidaccedilatildeo em muitos lugares Na Ameacuterica Latina a criacute-tica de miacutedia estaacute longe de ser uma ins-tituiccedilatildeo reconhecida e tradicional (Albornoz e Herschmann 2006 Herrera e Christofoletti 2006b Cunha 2011 Moreira 2013) Ela ainda luta para se impor como uma praacutetica que natildeo apenas contribui para o aperfeiccediloamento do jor-nalismo mas tambeacutem para a democra-cia e o desenvolvimento

No Brasil o maior paiacutes da regiatildeo a criacutetica de miacutedia eacute fraacutegil e pulverizada apesar de insistente e corajosa Um con-junto de fatores impede o desenvolvi-mento de uma efetiva media criticism o que impacta diretamente em como o jor-nalismo eacute produzido e distribuiacutedo e co-mo ele se relaciona com a sociedade Compreender esse panorama nos daacute mais condiccedilatildeo para incentivar uma auto-

criacutetica para os observatoacuterios de comuni-caccedilatildeo

1 O IMPASSE DO DESENVOLVIMENTO DA CRIacuteTICA

Pode-se afirmar com seguranccedila que satildeo raros os lugares onde a criacutetica eacute facilmente aceita e considerada bem-vinda afinal ela se apresenta como um esforccedilo que salienta insuficiecircncias que desagrega e incomoda No caso do jornalismo tal praacutetica pode ser confundida com contestaccedilatildeo questiona-mento inoportuno censura e perseguiccedilatildeo Nos paiacuteses com maior tradiccedilatildeo democraacutetica cujas estruturas sociais estatildeo mais desen-volvidas a criacutetica de miacutedia sofre menos re-sistecircncia porque se entende que ela eacute uma engrenagem no complexo mecanismo que move o debate puacuteblico

Na Ameacuterica Latina a criacutetica de miacutedia eacute deacutebil pois carece de reconhecimento pela induacutestria e por profissionais e natildeo tem ape-lo popular junto ao puacuteblico consumidor de informaccedilotildees No caso brasileiro eacute possiacutevel identificar fatores e condiccedilotildees que impedem o desenvolvimento de uma verdadeira e for-talecida criacutetica de miacutedia De um lado satildeo li-mitadores estruturais e praacuteticas lesivas e de outro contextos engessantes e culturas con-solidadas (Christofoletti 2003 2013) Fun-cionam de forma combinada coordenada e articulada movidos por interesses particula-res e de grupos ignorando a natureza puacutebli-ca e democraacutetica da criacutetica como exerciacutecio da cidadania

Embora os fatores descritos a seguir se-jam referentes ao contexto brasileiro muitos podem ser estendidos aos demais paiacuteses do continente e de outras partes jaacute que alguns arranjos de mercado e condiccedilotildees sociais e poliacuteticas se repetem independentemente da geografia

Limitadores estruturais e praacuteticas lesivas satildeo fatores que remontam agrave organizaccedilatildeo da induacutestria jornaliacutestica e a condiccedilotildees que aju-dam a manter a configuraccedilatildeo midiaacutetica Satildeo limitadores estruturais

(a) concentraccedilatildeo dos meios e oligopoacutelios no setor

(b) atuaccedilatildeo dos grupos em modelo de propriedade cruzada

(c) restriccedilotildees teacutecnicas legais e poliacuteticas que reduzem drasticamente as opccedilotildees em radiodifusatildeo

Satildeo praacuteticas lesivas (d) falta de transparecircncia nas regras e na

duraccedilatildeo das concessotildees de radiodifusatildeo

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

(e) relaccedilotildees entre classe poliacutetica e o mer-cado de comunicaccedilotildees

O mercado de comunicaccedilatildeo brasileiro eacute altamente concentrado O paiacutes tem dimen-sotildees continentais mais de 205 milhotildees de habitantes eacute a nona economia do planeta mas estima-se que apenas oito grupos em-presariais controlem cerca de 80 de tudo o que circula pela miacutedia nacional Satildeo grupos familiares1 que recorrem a arranjos locais de mercado para ramificar suas operaccedilotildees em grandes regiotildees do paiacutes ou ateacute nacional-mente Satildeo clatildes que muitas vezes se asso-ciam a lideranccedilas poliacuteticas locais para fortalecer suas operaccedilotildees e fazer convergir interesses influenciando de forma decisiva nas dinacircmicas social e econocircmica

Satildeo conglomerados que surgiram em ple-no ciclo de desenvolvimento da estrutura de comunicaccedilatildeo no seacuteculo XX mas que prospe-raram tambeacutem nas uacuteltimas deacutecadas valen-do-se de novas tecnologias e investindo em mercados emergentes Todos eles operam em mais de um segmento de mercado (jor-nais e revistas impressos emissoras de raacute-dio e TV internet) configurando a praacutetica da propriedade cruzada que natildeo eacute restringida ou punida no paiacutes

Outro limitador estrutural observado no Brasil se refere agraves restriccedilotildees teacutecnicas legais e poliacuteticas que reduzem drasticamente a pluralidade de opccedilotildees na radiodifusatildeo As-sim os brasileiros contam com meia duacutezia de redes de TV de sinal aberto apenas ape-sar da dimensatildeo continental do paiacutes Essas condiccedilotildees conferem um poder colossal aos operadores do mercado aos grupos que controlam a miacutedia

Duas praacuteticas lesivas satildeo identificadas tambeacutem relaccedilotildees entre classe poliacutetica e o mercado de comunicaccedilotildees e a duraccedilatildeo pra-ticamente infinita das concessotildees de radio-difusatildeo

Embora a Constituiccedilatildeo Federal proiacuteba que poliacuteticos sejam diretores ou proprietaacuteri-os de emissoras de raacutedio ou televisatildeo bre-chas na lei e falta de fiscalizaccedilatildeo possibilitam que isso aconteccedila e com uma regularidade assustadora Historicamente chamou-se de ldquocoronelismordquo um conjunto de praacuteticas que resultava na interferecircncia de liacute-deres poliacuteticos locais nas dinacircmicas e desti-nos de pequenas e meacutedias cidades Essa forma de domiacutenio foi criada nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX majoritariamente em

aacutereas rurais e era exercida pela forccedila por chantagem e ignoracircncia poliacutetica Os chama-dos ldquocoroneacuteisrdquo indicavam seus candidatos nas eleiccedilotildees e garantiam as condiccedilotildees logiacutes-ticas e poliacuteticas para que fossem eleitos Deacute-cadas depois essa praacutetica de controle social se daacute por novas vias tecnoloacutegicas e eacute ad-missiacutevel chamaacute-lo de ldquocoronelismo eletrocircni-cordquo jaacute que os meios de comunicaccedilatildeo ajudam a conformar os novos rebanhos elei-torais Em pleno seacuteculo XXI com as institui-ccedilotildees nacionais bastante consolidadas e a crescente exigecircncia pela transparecircncia re-publicana nos processos poliacuteticos prevalece um viacutecio histoacuterico atrelado ao patrimonialis-mo e ao clientelismo poliacutetico A proximidade entre o setor da comunicaccedilatildeo e detentores de cargos puacuteblicos eletivos contribui para praacuteticas de coronelismo eletrocircnico mas ulti-mamente elas vecircm sendo exercidas tambeacutem por organizaccedilotildees religiosas catoacutelicas e neo-pentecostais

A relaccedilatildeo entre poliacuteticos e empresaacuterios do setor contribui tambeacutem para que haja pouca ou nenhuma transparecircncia na distri-buiccedilatildeo das licenccedilas de emissoras de raacutedio e televisatildeo e na proacutepria duraccedilatildeo dessas outor-gas Esses tracircmites dependem de aprovaccedilatildeo do Parlamento mas a natildeo renovaccedilatildeo de uma concessatildeo depende de dois quintos de deputados e senadores do Congresso Nacio-nal em votaccedilatildeo aberta e nominal As vota-ccedilotildees satildeo transmitidas por canais institucionais de TV o que pode levar ao constrangimento ou agrave falta de coragem para votar contra uma renovaccedilatildeo Na praacutetica as concessotildees de raacutedio e TV de poderosos con-glomerados midiaacuteticos duram para sempre

Contribuem para constranger o desenvol-vimento da criacutetica de miacutedia dois contextos engessantes e duas culturas consolidadas no Brasil

(f) fragilidade dos conselhos de comuni-caccedilatildeo

(g) inexistecircncia de mecanismos juriacutedico-institucionais para o aperfeiccediloamento profis-sional dos jornalistas

(h) pouca inovaccedilatildeo no empresariado do setor

(i) pouca participaccedilatildeo popular em assun-tos referentes agrave comunicaccedilatildeo

A legislaccedilatildeo brasileira prevecirc a criaccedilatildeo e o funcionamento de conselhos de comunica-ccedilatildeo instacircncias que poderiam atuar como instrumentos de gestatildeo estrateacutegia e formu-

1 As famiacutelias satildeo Marinho (Organizaccedilotildees Globo) Civita (Grupo Abril) Abravanel (SBT) Frias (Grupo Folha) Saad (Grupo Bandeirantes) Mesquita (Grupo Estado) Sirotsky (Grupo RBS) e Macedo (Rede Record)

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laccedilatildeo de poliacuteticas para a aacuterea a exemplo Of-fice of Communication da Inglaterra Entre-tanto por debilidades estruturais e restriccedilotildees juriacutedicas o Conselho de Comuni-caccedilatildeo Social eacute um oacutergatildeo meramente consul-tivo do Senado e seus possiacuteveis capiacutetulos estaduais natildeo se implementaram ateacute hoje Essa fragilidade dos conselhos de comunica-ccedilatildeo contribui para a manutenccedilatildeo de uma ca-mada impermeaacutevel a criacuteticas na estrutura comunicacional brasileira

Outro contexto engessante eacute a quase inexistecircncia de mecanismos juriacutedico-institu-cionais para o aperfeiccediloamento profissional dos jornalistas Diferente de outras catego-rias os jornalistas natildeo contam com uma or-dem ou conselho que supervisione aspectos profissionais regule a entrada no mercado de trabalho ou equalize as rela-ccedilotildees com outros grupos de interesse na so-ciedade Sem um conselho profissional e com a regulamentaccedilatildeo da categoria desfi-gurada desde 2009 o mercado de trabalho jornaliacutestico segue com muitas permissivida-des no Brasil Regras precaacuterias de ingresso e fraturas internas na categoria minam muito a estabilidade que poderia permitir o desenvolvimento de uma criacutetica de miacutedia no paiacutes

Perdura no empresariado do setor de miacute-dia uma cultura anacrocircnica e conservadora Do ponto de vista tecnoloacutegico observa-se de maneira geral que os grupos de miacutedia bus-cam se atualizar agraves tendecircncias internacio-nais adotando padrotildees e modernas teacutecnicas de gestatildeo Em alguns aspectos os maiores grupos de comunicaccedilatildeo brasileiros se equiparam a seus semelhantes internaci-onais em qualidade teacutecnica mas percebe-se tambeacutem uma aversatildeo agrave concepccedilatildeo de que a induacutestria possa abrigar um espiacuterito de maior responsabilidade social uma disposiccedilatildeo pa-ra participar mais da vida social dividindo a lideranccedila de campanhas ou projetando ba-ses para um futuro comum

O empresariado de miacutedia rejeita consci-ente ou inconscientemente um papel mais robusto na vida social brasileira atendo-se apenas a questotildees do seu ramo Com isso paira sobre ele uma aura oportunista auto-centrada e movida pelas conveniecircncias de ocasiatildeo O comportamento eacute predatoacuterio e ar-rogante pois ignora as contrapartidas que o setor deve agrave sociedade e desdenha eventu-ais satisfaccedilotildees puacuteblicas Esta cultura conser-vadora ajuda a manter diversas camadas sociais interessadas longe dos negoacutecios e da engenharia de funcionamento da miacutedia A criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo entatildeo fi-

ca mais distante de se efetivarAo mesmo tempo em que vigora o arcaiacutes-

mo no empresariado a sociedade civil de forma geral participa muito pouco dos deba-tes sobre temas da comunicaccedilatildeo seja por ignoracircncia desinteresse apatia ou mera ali-enaccedilatildeo O assunto parece natildeo lhe dizer res-peito e essa condiccedilatildeo a alija ainda mais de uma induacutestria que contribui decisivamente para formatar seu imaginaacuterio e senso de re-alidade

2 OS PROCEDIMENTOS DE NATURALIZA-CcedilAcircO E A ASSIMILACcedilAcircO DA CRIacuteTICA

Os fatores anteriormente descritos mos-tram que a criacutetica de miacutedia natildeo se imple-menta com vigor e alcance no Brasil (e em outras partes) porque uma trama bem urdi-da a impede Mas natildeo apenas por isso mas tambeacutem porque haacute uma evidente intoleracircn-cia do jornalismo em se ver diante do espe-lho Os jornalistas satildeo muito competentes para apontar erros e deslizes de pessoas e organizaccedilotildees mas lidam muito mal quando o objeto da criacutetica eacute o seu trabalho seu meio ou suas atitudes

Uma reaccedilatildeo comum eacute contestar a criacutetica e desqualificaacute-la Outra eacute ignorar ou fingir desconhecer Uma terceira eacute naturalizar os procedimentos questionados blindando-se do julgamento de especialistas ou do escru-tiacutenio puacuteblico Eacute o que chamo de Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica que consiste em re-ceber o comentaacuterio justificar racionalmente suas escolhas insistir nas praacuteticas questio-nadas e invalidar o processo da criacutetica Isto eacute a redaccedilatildeo recebe o diagnoacutestico do om-budsman discute suas bases mas natildeo alte-ra os procedimentos que levaram ao erro apontado A criacutetica natildeo foi assimilada a ob-servaccedilatildeo natildeo produziu efeitos ou impacto relevante natildeo provocou a alteraccedilatildeo de roti-nas a adoccedilatildeo de novos cuidados ou a corre-ccedilatildeo de rotas

Para tentar compreender como o jorna-lismo brasileiro vem reagindo aos julgamen-tos e para lidar com o Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica recorri a quem se de-dica ao acompanhamento sistemaacutetico da miacutedia ombudsmen de imprensa ouvidores e observadores Fiz um levantamento de to-dos os jornalistas que assumiram a funccedilatildeo de ombudsman nos jornais Folha de SPaulo e O Povo os mais proeminentes diaacuterios bra-sileiros a manter o posto desde que ele sur-giu no Brasil em 1989 Somei a essa lista os profissionais que passaram pela ouvidoria da

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

Empresa Brasil de Comunicaccedilatildeo (EBC) e por reconhecidos observadores da miacutedia nacional Cheguei a uma amostra de 13 profissionais experientes que exerceram a criacutetica de miacutedia nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Apliquei um questio-naacuterio com oito questotildees abertas para colher percepccedilotildees sobre a efetividade da criacutetica so-bre os aspectos culturais e organizacionais que podem reduzir seu impacto sobre a fun-ccedilatildeo do criacutetico e sobre outros atores com legiti-midade para exercer a criacutetica

Todos os respondentes estavam cientes dos objetivos desse levantamento e do uso de seus dados para fins exclusivamente aca-decircmicos Mesmo diante da possibilidade de garantia do anonimato todos concordaram com a identificaccedilatildeo de seus nomes e dados para esta ocasiatildeo Os questionaacuterios foram distribuiacutedos em julho e as respostas foram recolhidas em agosto de 2016

Participaram da pesquisa os ex-ombuds-man da Folha de SPaulo Caio Tuacutelio Costa Mario Vitor Santos Marcelo Leite Maacuterio Ma-galhatildees Carlos Eduardo Lins da Silva Suza-na Singer e Vera Guimaratildees Martins o ex-ombudsman de O Povo Pliacutenio Bortolotti a ex-ombudsman da EBC Regina Lima e o criacutetico Luciano Martins Costa do Observatoacuterio da Imprensa Completam a lista as atuais om-budsman da Folha de SPaulo Paula Cesari-no Costa a de O Povo Tacircnia Alves e a da EBC Joseti Marques

Para colher as percepccedilotildees dos observa-dores sobre a assimilaccedilatildeo da criacutetica pela cuacute-pula da empresa foi perguntado ldquoEm sua eacutepoca de ombudsman vocecirc sentia que suas avaliaccedilotildees e anaacutelises eram levadas em con-sideraccedilatildeo pelos nuacutecleos de decisatildeo editorial da empresardquo De forma unacircnime os jorna-listas da Folha de SPaulo responderam afir-mativamente o que sinaliza uma disposiccedilatildeo da direccedilatildeo da empresa para receber criacuteticas ou queixas o que natildeo significa necessaria-mente atendecirc-las lembrou um dos respon-dentes Outro participante da pesquisa ponderou que os apontamentos do ombuds-man surtiam ldquoalgum efeitordquo Os demais fo-ram ceacuteticos sobre a receptividade dos gestores com respostas que iam de ldquomais ou menosrdquo ldquoquase nuncardquo e ldquosinceramente natildeordquo A unanimidade das respostas positivas vindas dos observadores da Folha de SPau-lo pode sinalizar um entendimento geral in-terno da funccedilatildeo do criacutetico ateacute porque se pode afirmar que o posto de ombudsman ali se consolidou

Quando questionados se as criacuteticas eram levadas em conta pelos profissionais da re-daccedilatildeo os respondentes sinalizaram que ha-

via mais disposiccedilatildeo e aceitaccedilatildeo pelos repoacuterteres do que por redatores e editores Algumas respostas indicaram que natildeo se tratava diretamente de aceitaccedilatildeo das criacuteti-cas pelos repoacuterteres mas uma permeabili-dade maior por diversos fatores inclusive o pouco retorno que eles tecircm de seu trabalho do puacuteblico e dos superiores hieraacuterquicos

Na sequecircncia foi perguntado ldquoHavia re-sistecircncia ou abertura desses profissionais diante da necessidade de mudanccedila de al-gum procedimentordquo

Apenas trecircs dos treze sujeitos negou ter enfrentado resistecircncia dos colegas em seu exerciacutecio de criacutetica Os demais foram bas-tante enfaacuteticos no reconhecimento desse comportamento As respostas mostraram haver muita resistecircncia A resistecircncia a mu-danccedilas eacute ldquouma atitude muito frequente en-tre jornalistas e se daacute por um traccedilo conservador muito agudo existente na cultu-ra jornaliacutestica Aleacutem disso jornalistas (como a maioria das pessoas) natildeo gostam de rece-ber criacuteticas muito menos puacuteblicasrdquo respon-deu um participante Outra observadora disse que as anaacutelises eram tomadas como ldquocriacuteticas pessoaisrdquo ldquoHavia abertura e resis-tecircncia Talvez o substantivo mais apropriado seja divergecircncia e natildeo resistecircnciardquo comen-tou outro sujeito da pesquisa

Para identificar causas ou origens das eventuais resistecircncias agraves criacuteticas foi per-guntado ldquoA que vocecirc atribui a resistecircncia ou abertura a essa criacutetica O que impedia a dis-posiccedilatildeo para tais mudanccedilasrdquo Um dos mais experientes observadores vecirc componentes histoacutericos na criaccedilatildeo de uma cultura de omissatildeo diante da criacutetica O clima de contro-le que se estabeleceu nas redaccedilotildees nas uacutelti-mas deacutecadas e a homogeneizaccedilatildeo das linhas editoriais dos meios teriam contribuiacute-do para isso Outras respostas satildeo bastante diacutespares mas em conjunto mostram a com-plexidade do fenocircmeno ldquoAcredito que a re-sistecircncia se deve agrave eterna vaidade humana mdash ningueacutem gosta de ser criticadordquo disse um dos sujeitos da pesquisa Haacutebitos consolida-dos relaccedilotildees de poder dentro das redaccedilotildees incompreensatildeo do papel do criacutetico foram al-gumas das causas apontadas

As percepccedilotildees colhidas junto aos sujei-tos da pesquisa permitem reforccedilar a ideia largamente disseminada de que o trabalho do criacutetico de miacutedia tambeacutem eacute objeto de criacuteti-ca de seus pares Haacute portanto zonas de atrito nesse processo

Os participantes da pesquisa foram in-centivados a citar mudanccedilas na rotina ou nos procedimentos jornaliacutesticos que foram

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motivados por suas observaccedilotildees Seis dos treze respondentes ndash quase a metade mdash dis-se natildeo se lembrar exatamente ou natildeo soube mencionar alteraccedilotildees derivadas de seu tra-balho como observador de miacutedia Outra par-ticipante disse natildeo haver acompanhamento e avaliaccedilatildeo do trabalho ausecircncia que fragili-za o processo da criacutetica

Entre as mudanccedilas promovidas a partir das criacuteticas e anaacutelises estatildeo o redesenho de paacuteginas e seccedilotildees a aplicaccedilatildeo de destaque a trechos e informaccedilotildees corrigidas nas ver-sotildees online o abandono das declaraccedilotildees policiais como verdades oficiais a amplia-ccedilatildeo de erratas e retificaccedilotildees e a definiccedilatildeo de paracircmetros para a veiculaccedilatildeo de conteuacute-dos religiosos na programaccedilatildeo Os sujeitos da pesquisa concordam que as mudanccedilas satildeo pontuais e decorrentes de muito des-gaste interno ateacute que fossem assumidas no-vas praacuteticas

Os participantes da pesquisa foram inda-gados sobre que instacircncias ou atores pode-riam contribuir para a criacutetica de miacutedia As respostas foram as mais variadas indo da disseminaccedilatildeo de ombudsmen na miacutedia ao fortalecimento dos observatoacuterios passando pela implementaccedilatildeo de conselhos de auto-regulamentaccedilatildeo da imprensa A criaccedilatildeo de sites especializados o aumento na cobertu-ra sobre o proacuteprio jornalismo e a aproxima-ccedilatildeo entre induacutestria e universidades tambeacutem foram mencionados Houve ainda quem ci-tasse as redes sociais como um locus mais atual e frequente da criacutetica de miacutedia e ainda os mais pessimistas que consideram que a crise do jornalismo vaacute provocar um maior enfraquecimento da observaccedilatildeo criacutetica da miacutedia

As respostas colhidas mostram a comple-xidade do Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacuteti-ca e a necessidade de enfrentaacute-lo Uma autocriacutetica para as instacircncias de observaccedilatildeo eacute oportuna e necessaacuteria Quero apresentar algumas sugestotildees neste sentido

3 UMA AUTOCRIacuteTICA AOS CRIacuteTICOS

Independente de seus ecircxitos ou inconsis-tecircncias os observatoacuterios tecircm ocupado um lugar no ecossistema midiaacutetico que eacute bas-tante peculiar atuam tanto no universo da produccedilatildeo e difusatildeo jornaliacutestica quanto nas relaccedilotildees dos meios de comunicaccedilatildeo com a sociedade o que atravessa os debates sobre democracia a participaccedilatildeo popular Assim os observatoacuterios apontam falhas em coberturas jornaliacutesticas manipulaccedilotildees e distorccedilotildees bem

como restriccedilotildees e cerceamentos agrave liberdade de imprensa o que manifesta sintomas de que os regimes democraacuteticos estejam doentes ou fragilizados

Embora natildeo se mencione com muita cla-reza fica subentendido que a presenccedila dos observatoacuterios eacute a encarnaccedilatildeo do desejo de mudanccedila e a convicccedilatildeo de que a miacutedia e a sociedade podem melhorar Isso vigorou no seacuteculo XX e persiste ateacute entatildeo o que nos le-va a formular uma primeira tese para a au-tocriacutetica desses criacuteticos de miacutedia os observatoacuterios ainda satildeo desejaacuteveis e neces-saacuterios para mudar o panorama

Satildeo ainda bastante niacutetidas duas funccedilotildees primordiais dos observatoacuterios a) contribuir para o aperfeiccediloamento do jornalismo das organizaccedilotildees do setor dos procedimentos e dos profissionais da aacuterea e dos serviccedilos e produtos que ele oferece b) disseminar uma cultura de leitura criacutetica que fortaleccedila uma literaacutecia midiaacutetica fazendo uma espeacutecie de pedagogia dos meios para o puacuteblico (Herre-ra e Christofoletti 2006a)

Agrave medida que uma cidade estado ou paiacutes contam com um sistema de miacutedia e que haja o escrutiacutenio puacuteblico de seu funciona-mento temos ali motivaccedilotildees e condiccedilotildees para implantar uma instacircncia de observaccedilatildeo criacutetica do jornalismo e da comunicaccedilatildeo Sua existecircncia permitiraacute a anaacutelise das crises de negoacutecios confianccedila e credibilidade que afe-tam a miacutedia que se discutam saiacutedas e solu-ccedilotildees que se destaquem boas praacuteticas e inovaccedilotildees e que se fortaleccedilam novos pac-tos entre o jornalismo e seus puacuteblicos

Historicamente o jornalismo assumiu a funccedilatildeo de fiscalizar os poderes o que nem sempre se verifica Fiscalizar o fiscal eacute apro-fundar a equaccedilatildeo fortalecendo a democra-cia na medida em que ela eacute o regime de compartilhamento de poder de monitora-mento muacutetuo de assunccedilatildeo coletiva de res-ponsabilidades Governos precisam prestar contas empresas buscam cada vez a boa governanccedila e as empresas de miacutedia natildeo es-tatildeo isentas nesse clamor por transparecircncia e accountability Os observatoacuterios ainda satildeo muito uacuteteis para exercer esse papel a exem-plo do que Ramonet (2003) chamou de O Quinto Poder Desta forma a criacutetica assume novas dimensotildees e se converte em um exer-ciacutecio de assunccedilatildeo compartilhada de respon-sabilidade cidadatilde visando a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa humanamente mais desenvolvida

A tarefa requer convicccedilatildeo de sua necessi-dade esforccedilos coordenados coragem e mui-ta persistecircncia Isto eacute natildeo pode ser assumida

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

por um uacutenico ator social o que nos leva a uma segunda tese para a autocriacutetica os ob-servatoacuterios foram superestimados

Ao longo das deacutecadas agrave medida que a sociedade se mediatizava depositamos imensas esperanccedilas de que os observatoacuteri-os resolveriam parte central dos problemas do jornalismo como o enviesamento as dis-torccedilotildees e as manipulaccedilotildees Esperaacutevamos que os observatoacuterios apontassem os erros e que as redaccedilotildees corrigissem seus comporta-mentos de imediato consolidando um mo-delo de aperfeiccediloamento contiacutenuo como se vecirc por exemplo na induacutestria de aviotildees Ne-la cada acidente provoca grandes investiga-ccedilotildees para determinar causas e condiccedilotildees e com esses dados os fabricantes solucionem os problemas para evitar acidentes seme-lhantes

No caso dos observatoacuterios imaginamos que as empresas jornaliacutesticas usassem os dados gerados pelos diagnoacutesticos de im-prensa para construir seus instrumentos de gestatildeo Os observatoacuterios se espalharam por toda a parte mas a induacutestria natildeo reagiu conforme o esperado e ao longo dos anos diversas iniciativas de criacutetica de miacutedia foram desativadas

No Brasil dois empreendimentos que ainda estatildeo em funcionamento exemplifi-cam as dificuldades para se calcificar uma efetiva criacutetica de miacutedia O Observatoacuterio da Imprensa eacute a mais antiga experiecircncia contiacute-nua de acompanhamento do jornalismo na Ameacuterica Latina (Braga 2006 Loures 2008 Egypto e Malin 2008) Seu site2 surgiu em 1996 e logo ele se transformou na principal arena de debates sobre jornalismo miacutedia comunicaccedilatildeo publicidade e sociedade do paiacutes O site publica textos e anaacutelises de es-pecialistas jornalistas pesquisadores e lei-tores comuns contribuindo para o escrutiacutenio puacuteblico dos meios Em seus melhores mo-mentos o projeto tinha aleacutem do site pro-gramas diaacuterios de raacutedio e um programa semanal na televisatildeo puacuteblica amplificando os debates Nos primeiros anos natildeo foi difiacute-cil imaginar que o Observatoacuterio da Imprensa fosse mudar concretamente o jornalismo brasileiro Como dizia seu slogan ldquoVocecirc nunca mais vai ler jornal do mesmo jeitordquo

Esta trajetoacuteria natildeo impediu no entanto que o Observatoacuterio da Imprensa fosse colhi-do pela crise em 2016 No ano em que com-

pletava vinte anos de existecircncia o projeto pediu ajuda aos leitores numa campanha de financiamento coletivo e soacute conseguiu arre-cadar um pouco mais que um terccedilo do espe-rado3 Atualmente o Observatoacuterio da Imprensa opera de forma bem precaacuteria com uma redaccedilatildeo muito enxuta e quase sem re-cursos para se manter

O segundo exemplo eacute a Rede Nacional de Observatoacuterios da Imprensa (Renoi) cria-da em 2005 para reunir laboratoacuterios e expe-riecircncias acadecircmicas de monitoramento de miacutedia Em pouco mais de uma deacutecada a re-de chegou a ter associados em todas as cin-co regiotildees do Brasil lanccedilou trecircs livros publicou dezenas de artigos e participou de diversos eventos cientiacuteficos A euforia dos primeiros anos permitia imaginar que os projetos que faziam parte da Renoi pudes-sem contagiar as redaccedilotildees locais e atuar co-mo extensotildees pedagoacutegicas para a criacutetica de miacutedia Esses desejos natildeo se realizaram A rede sempre teve problemas de articulaccedilatildeo que a impediram de expandir sua atuaccedilatildeo para alcanccedilar outras camadas da sociedade para aleacutem das universidades

Uma tese derivada da segunda eacute que os observatoacuterios satildeo menores que seus proje-tos originais Foi assim com o Observatoacuterio da Imprensa e eacute assim com a Renoi Ambos satildeo exemplos corajosos e insistentes de criacute-tica de miacutedia que atraiacuteram imensas expecta-tivas mas que natildeo podem dar conta completamente do processo de mudanccedila e aperfeiccediloamento dessa induacutestria Outros atores precisam se alinhar a essa luta e co-ordenar accedilotildees em tempo contiacutenuo Como se pode perceber o processo de desenvolvi-mento e aperfeiccediloamento dos meios eacute com-plexo precisa enfrentar resistecircncias culturais ndash jaacute tratamos anteriormente do Problema da Assimilaccedilatildeo ndash e depende de esforccedilos variados e combinados

Os desejos que levam agrave criaccedilatildeo dos ob-servatoacuterios na maioria das vezes ajudam a implementar iniciativas quixotescas carre-gadas de utopia e nem sempre sustentaacuteveis financeiramente Mas este natildeo eacute um proble-ma exclusivo dos criacuteticos A proacutepria induacutestria se ressente disso nos uacuteltimos anos

Uma quarta tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios diz respeito ao espaccedilo que ocupam no ecossistema midiaacutetico Se considerarmos que a criacutetica eacute um exerciacutecio

2 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodaimprensacombr 3 Disponiacutevel em httpobservatoriodaimprensacombrobservatorio-da-imprensaprestacao-de-contas-aos-nossos-

leitores

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

de interpretaccedilatildeo opiniatildeo e anaacutelise que pros-pera em ambientes com liberdade a inexis-tecircncia eacute pior que a limitaccedilatildeo dos observatoacuterios Isto eacute os observatoacuterios natildeo garantem necessariamente que a miacutedia que acompanham seja melhor mas se sequer existirem teremos um cenaacuterio carente de li-berdade de pensamento e de julgamento puacuteblico dos meios de comunicaccedilatildeo Este eacute um cenaacuterio onde a induacutestria jornaliacutestica natildeo poderaacute contar com olhares externos que possam sinalizar como pode ajustar suas co-berturas como pode corrigir seus procedi-mentos ou melhorar produtos e serviccedilos Eacute evidente que a proacutepria induacutestria pode criar e manter seus proacuteprios instrumentos de quali-dade mas eles seratildeo suficientes para captar as expectativas do puacuteblico e seratildeo capazes de ldquocortar na proacutepria carnerdquo contrariando interesses internos

Exceto por alguns projetos seminais co-mo o Accuracy in Media4 fundado em 1969 e o Fairness and Accuracy In Reporting5

(FAIR) de 1986 a maior parte dos observa-toacuterios de miacutedia em funcionamento surgiram na uacuteltima deacutecada do seacuteculo XX e a primeira do seguinte Satildeo iniciativas apoiadas em empreendimentos pessoais ou de pequenos grupos de profissionais acadecircmicos ou cida-datildeos que militam em causas como a liberda-de de expressatildeo a democracia e os direitos civis

A rigor os observatoacuterios satildeo uma modali-dade destacada do que Bertrand (2002) deno-minou ldquoMedia Accountability Systemsrdquo (MAS) esforccedilos que se dedicam a levar as organiza-ccedilotildees jornaliacutesticas e seus profissionais a serem mais responsaacuteveis Neste sentido e em com-parativo percebe-se que outras modalidades de MAS tambeacutem encolheram nos uacuteltimos anos Eacute o caso dos ombudsmen de imprensa Conforme o site da Organization of News Om-budsmen (ONO6) haacute apenas 56 membros atu-antes no mundo o que pode ser considerado muito pouco em relaccedilatildeo agrave quantidade de mei-os de comunicaccedilatildeo que poderiam contar com os serviccedilos de observaccedilatildeo desses profissio-nais Oito deles estatildeo nos Estados Unidos o mesmo nuacutemero que o Canadaacute e a maior parte vem de paiacuteses noacuterdicos ou escandinavos com longo histoacuterico de debate e reflexatildeo na aacuterea Pouquiacutessimos ombudsmen vecircm de paiacuteses mais pobres ou perifeacutericos

A quinta tese que propomos para auxiliar

uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute a de que o jornalismo estaacute mudando e sua criacutetica tambeacutem precisa mudar Em deacutecadas anteri-ores era comum e esperado avaliar cobertu-ras sob a perspectiva de que os meios se guiassem pelo ideal da objetividade postura que atualmente pode ser deixada de lado quando se acompanha o noticiaacuterio de orga-nizaccedilotildees que fazem advocacy ou mesmo que declaram cobrir fatos assumindo um la-do da histoacuteria Natildeo se pode ignorar que o jornalismo de causas esteja ganhando forccedila nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI a se julgar por publicaccedilotildees feministas e racial-mente afirmativas

Uma autocriacutetica para os observatoacuterios deve levar em conta entatildeo a necessidade de atualizar os paracircmetros avaliativos e de re-definir padrotildees de qualidade editorial ade-quaccedilatildeo temaacutetica aceitaccedilatildeo puacuteblica e legitimidade social Entre as crises que es-tremecem o jornalismo estaacute a que afeta a sua credibilidade e ela pode ser uma boa oportunidade natildeo apenas para que profissi-onais e organizaccedilotildees revitalizem seus pa-peis junto agrave sociedade mas tambeacutem para que a criacutetica revigore suas bases

Um dos caminhos para essa revisatildeo po-de ser o acuacutemulo de mais uma funccedilatildeo aleacutem da pedagogia da miacutedia e do aperfeiccediloamen-to do jornalismo jaacute mencionadas os obser-vatoacuterios precisam se reinventar rapidamente mantendo o papel de instacircn-cia criacutetica e educadora mas ajudando a for-mular poliacuteticas para a aacuterea Esta sexta tese que apresentamos eacute ousada no sentido de que pode resultar em sobrecarga de traba-lho para as equipes de observadores Mas eacute oportuna tambeacutem porque pode dar mais vi-sibilidade ao trabalho dos observatoacuterios e gerar impactos efetivos na vida social Ima-gine-se por exemplo que um observatoacuterio da Catalunya faccedila o acompanhamento das coberturas sobre o Parlament de sua junta e que ainda contribua assessorando os re-presentantes para redigir leis que garantam mais transparecircncia puacuteblica de seus atos atraveacutes do uso de canais comunitaacuterios de televisatildeo Imagine-se ainda um observatoacuterio numa distante localidade da Boliacutevia que li-dere uma campanha pela democratizaccedilatildeo dos meios naquela regiatildeo permitindo que os povos originaacuterios tenham acesso a emissoras de raacutedio e televisatildeo e que tam-

4 Disponiacutevel em httpwwwaimorg5 Disponiacutevel em httpwwwfairorg6 Outras informaccediloes em httpnewsombudsmenorg

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

Sumaacuterio1 O impasse do desenvolvimento da criacutetica2 Os procedimentos de naturalizaccedilacirco e a assimilaccedilacirco da criacutetica3 Uma autocriacutetica aos criacuteticos4 Concluccedilotildees muito breves

Contents1 Impasses for the development of criticism2 Naturalization of procedures and assimilation of criticism3 Critical self-criticism4 Brief conclusions

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

Os observatoacuterios de miacutedia satildeo luga-res privilegiados para o exerciacutecio da criacuteti-ca aos meios de comunicaccedilatildeo e a seus profissionais Por natureza e funccedilatildeo os observadores fazem uma leitura rigorosa e sistemaacutetica das coberturas jornaliacutesti-cas dos procedimentos operacionais da atuaccedilatildeo da miacutedia e das condutas dos jornalistas O olhar lanccedilado a esses obje-tos natildeo eacute uma visatildeo passiva inerte dian-te da paisagem Natildeo eacute apenas ver ou enxergar mas aqui se trata de observar

A observaccedilatildeo eacute um gesto examinador analiacutetico capaz de uma leitura em pro-fundidade Eacute uma forma de captura de apreensatildeo dos discursos Em inglecircs usa-se com frequecircncia o verbo ldquoto watchrdquo para a criacutetica de miacutedia que pode ser tra-duzido por ldquoassistirrdquo mas ultrapassa es-ses limites na medida em que possibilita o surgimento de derivados como ldquowatch-dogrdquo o catildeo que guarda vigia fiscaliza ldquoTo Watchrdquo eacute vigiar fiscalizar monitorar Desta forma a tarefa dos ldquomediawat-chersrdquo estaacute atrelada ao acompanhamen-to sistemaacutetico do noticiaacuterio e ao monitoramento das notiacutecias Entatildeo ob-servar eacute cuidar para poder fazer a criacuteti-ca No sentido mais radical da palavra ldquocriticarrdquo eacute colocar em crise questionar mudar a estabilidade Os observatoacuterios de miacutedia satildeo ambientes dedicados a apontar falhas deslizes e erros mas tambeacutem podem destacar boas praacuteticas exemplos e modelos

Este tipo de criacutetica eacute um advento re-cente que data da segunda metade do seacuteculo passado o que faz com que essa praacutetica ainda esteja em consolidaccedilatildeo em muitos lugares Na Ameacuterica Latina a criacute-tica de miacutedia estaacute longe de ser uma ins-tituiccedilatildeo reconhecida e tradicional (Albornoz e Herschmann 2006 Herrera e Christofoletti 2006b Cunha 2011 Moreira 2013) Ela ainda luta para se impor como uma praacutetica que natildeo apenas contribui para o aperfeiccediloamento do jor-nalismo mas tambeacutem para a democra-cia e o desenvolvimento

No Brasil o maior paiacutes da regiatildeo a criacutetica de miacutedia eacute fraacutegil e pulverizada apesar de insistente e corajosa Um con-junto de fatores impede o desenvolvi-mento de uma efetiva media criticism o que impacta diretamente em como o jor-nalismo eacute produzido e distribuiacutedo e co-mo ele se relaciona com a sociedade Compreender esse panorama nos daacute mais condiccedilatildeo para incentivar uma auto-

criacutetica para os observatoacuterios de comuni-caccedilatildeo

1 O IMPASSE DO DESENVOLVIMENTO DA CRIacuteTICA

Pode-se afirmar com seguranccedila que satildeo raros os lugares onde a criacutetica eacute facilmente aceita e considerada bem-vinda afinal ela se apresenta como um esforccedilo que salienta insuficiecircncias que desagrega e incomoda No caso do jornalismo tal praacutetica pode ser confundida com contestaccedilatildeo questiona-mento inoportuno censura e perseguiccedilatildeo Nos paiacuteses com maior tradiccedilatildeo democraacutetica cujas estruturas sociais estatildeo mais desen-volvidas a criacutetica de miacutedia sofre menos re-sistecircncia porque se entende que ela eacute uma engrenagem no complexo mecanismo que move o debate puacuteblico

Na Ameacuterica Latina a criacutetica de miacutedia eacute deacutebil pois carece de reconhecimento pela induacutestria e por profissionais e natildeo tem ape-lo popular junto ao puacuteblico consumidor de informaccedilotildees No caso brasileiro eacute possiacutevel identificar fatores e condiccedilotildees que impedem o desenvolvimento de uma verdadeira e for-talecida criacutetica de miacutedia De um lado satildeo li-mitadores estruturais e praacuteticas lesivas e de outro contextos engessantes e culturas con-solidadas (Christofoletti 2003 2013) Fun-cionam de forma combinada coordenada e articulada movidos por interesses particula-res e de grupos ignorando a natureza puacutebli-ca e democraacutetica da criacutetica como exerciacutecio da cidadania

Embora os fatores descritos a seguir se-jam referentes ao contexto brasileiro muitos podem ser estendidos aos demais paiacuteses do continente e de outras partes jaacute que alguns arranjos de mercado e condiccedilotildees sociais e poliacuteticas se repetem independentemente da geografia

Limitadores estruturais e praacuteticas lesivas satildeo fatores que remontam agrave organizaccedilatildeo da induacutestria jornaliacutestica e a condiccedilotildees que aju-dam a manter a configuraccedilatildeo midiaacutetica Satildeo limitadores estruturais

(a) concentraccedilatildeo dos meios e oligopoacutelios no setor

(b) atuaccedilatildeo dos grupos em modelo de propriedade cruzada

(c) restriccedilotildees teacutecnicas legais e poliacuteticas que reduzem drasticamente as opccedilotildees em radiodifusatildeo

Satildeo praacuteticas lesivas (d) falta de transparecircncia nas regras e na

duraccedilatildeo das concessotildees de radiodifusatildeo

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

(e) relaccedilotildees entre classe poliacutetica e o mer-cado de comunicaccedilotildees

O mercado de comunicaccedilatildeo brasileiro eacute altamente concentrado O paiacutes tem dimen-sotildees continentais mais de 205 milhotildees de habitantes eacute a nona economia do planeta mas estima-se que apenas oito grupos em-presariais controlem cerca de 80 de tudo o que circula pela miacutedia nacional Satildeo grupos familiares1 que recorrem a arranjos locais de mercado para ramificar suas operaccedilotildees em grandes regiotildees do paiacutes ou ateacute nacional-mente Satildeo clatildes que muitas vezes se asso-ciam a lideranccedilas poliacuteticas locais para fortalecer suas operaccedilotildees e fazer convergir interesses influenciando de forma decisiva nas dinacircmicas social e econocircmica

Satildeo conglomerados que surgiram em ple-no ciclo de desenvolvimento da estrutura de comunicaccedilatildeo no seacuteculo XX mas que prospe-raram tambeacutem nas uacuteltimas deacutecadas valen-do-se de novas tecnologias e investindo em mercados emergentes Todos eles operam em mais de um segmento de mercado (jor-nais e revistas impressos emissoras de raacute-dio e TV internet) configurando a praacutetica da propriedade cruzada que natildeo eacute restringida ou punida no paiacutes

Outro limitador estrutural observado no Brasil se refere agraves restriccedilotildees teacutecnicas legais e poliacuteticas que reduzem drasticamente a pluralidade de opccedilotildees na radiodifusatildeo As-sim os brasileiros contam com meia duacutezia de redes de TV de sinal aberto apenas ape-sar da dimensatildeo continental do paiacutes Essas condiccedilotildees conferem um poder colossal aos operadores do mercado aos grupos que controlam a miacutedia

Duas praacuteticas lesivas satildeo identificadas tambeacutem relaccedilotildees entre classe poliacutetica e o mercado de comunicaccedilotildees e a duraccedilatildeo pra-ticamente infinita das concessotildees de radio-difusatildeo

Embora a Constituiccedilatildeo Federal proiacuteba que poliacuteticos sejam diretores ou proprietaacuteri-os de emissoras de raacutedio ou televisatildeo bre-chas na lei e falta de fiscalizaccedilatildeo possibilitam que isso aconteccedila e com uma regularidade assustadora Historicamente chamou-se de ldquocoronelismordquo um conjunto de praacuteticas que resultava na interferecircncia de liacute-deres poliacuteticos locais nas dinacircmicas e desti-nos de pequenas e meacutedias cidades Essa forma de domiacutenio foi criada nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX majoritariamente em

aacutereas rurais e era exercida pela forccedila por chantagem e ignoracircncia poliacutetica Os chama-dos ldquocoroneacuteisrdquo indicavam seus candidatos nas eleiccedilotildees e garantiam as condiccedilotildees logiacutes-ticas e poliacuteticas para que fossem eleitos Deacute-cadas depois essa praacutetica de controle social se daacute por novas vias tecnoloacutegicas e eacute ad-missiacutevel chamaacute-lo de ldquocoronelismo eletrocircni-cordquo jaacute que os meios de comunicaccedilatildeo ajudam a conformar os novos rebanhos elei-torais Em pleno seacuteculo XXI com as institui-ccedilotildees nacionais bastante consolidadas e a crescente exigecircncia pela transparecircncia re-publicana nos processos poliacuteticos prevalece um viacutecio histoacuterico atrelado ao patrimonialis-mo e ao clientelismo poliacutetico A proximidade entre o setor da comunicaccedilatildeo e detentores de cargos puacuteblicos eletivos contribui para praacuteticas de coronelismo eletrocircnico mas ulti-mamente elas vecircm sendo exercidas tambeacutem por organizaccedilotildees religiosas catoacutelicas e neo-pentecostais

A relaccedilatildeo entre poliacuteticos e empresaacuterios do setor contribui tambeacutem para que haja pouca ou nenhuma transparecircncia na distri-buiccedilatildeo das licenccedilas de emissoras de raacutedio e televisatildeo e na proacutepria duraccedilatildeo dessas outor-gas Esses tracircmites dependem de aprovaccedilatildeo do Parlamento mas a natildeo renovaccedilatildeo de uma concessatildeo depende de dois quintos de deputados e senadores do Congresso Nacio-nal em votaccedilatildeo aberta e nominal As vota-ccedilotildees satildeo transmitidas por canais institucionais de TV o que pode levar ao constrangimento ou agrave falta de coragem para votar contra uma renovaccedilatildeo Na praacutetica as concessotildees de raacutedio e TV de poderosos con-glomerados midiaacuteticos duram para sempre

Contribuem para constranger o desenvol-vimento da criacutetica de miacutedia dois contextos engessantes e duas culturas consolidadas no Brasil

(f) fragilidade dos conselhos de comuni-caccedilatildeo

(g) inexistecircncia de mecanismos juriacutedico-institucionais para o aperfeiccediloamento profis-sional dos jornalistas

(h) pouca inovaccedilatildeo no empresariado do setor

(i) pouca participaccedilatildeo popular em assun-tos referentes agrave comunicaccedilatildeo

A legislaccedilatildeo brasileira prevecirc a criaccedilatildeo e o funcionamento de conselhos de comunica-ccedilatildeo instacircncias que poderiam atuar como instrumentos de gestatildeo estrateacutegia e formu-

1 As famiacutelias satildeo Marinho (Organizaccedilotildees Globo) Civita (Grupo Abril) Abravanel (SBT) Frias (Grupo Folha) Saad (Grupo Bandeirantes) Mesquita (Grupo Estado) Sirotsky (Grupo RBS) e Macedo (Rede Record)

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laccedilatildeo de poliacuteticas para a aacuterea a exemplo Of-fice of Communication da Inglaterra Entre-tanto por debilidades estruturais e restriccedilotildees juriacutedicas o Conselho de Comuni-caccedilatildeo Social eacute um oacutergatildeo meramente consul-tivo do Senado e seus possiacuteveis capiacutetulos estaduais natildeo se implementaram ateacute hoje Essa fragilidade dos conselhos de comunica-ccedilatildeo contribui para a manutenccedilatildeo de uma ca-mada impermeaacutevel a criacuteticas na estrutura comunicacional brasileira

Outro contexto engessante eacute a quase inexistecircncia de mecanismos juriacutedico-institu-cionais para o aperfeiccediloamento profissional dos jornalistas Diferente de outras catego-rias os jornalistas natildeo contam com uma or-dem ou conselho que supervisione aspectos profissionais regule a entrada no mercado de trabalho ou equalize as rela-ccedilotildees com outros grupos de interesse na so-ciedade Sem um conselho profissional e com a regulamentaccedilatildeo da categoria desfi-gurada desde 2009 o mercado de trabalho jornaliacutestico segue com muitas permissivida-des no Brasil Regras precaacuterias de ingresso e fraturas internas na categoria minam muito a estabilidade que poderia permitir o desenvolvimento de uma criacutetica de miacutedia no paiacutes

Perdura no empresariado do setor de miacute-dia uma cultura anacrocircnica e conservadora Do ponto de vista tecnoloacutegico observa-se de maneira geral que os grupos de miacutedia bus-cam se atualizar agraves tendecircncias internacio-nais adotando padrotildees e modernas teacutecnicas de gestatildeo Em alguns aspectos os maiores grupos de comunicaccedilatildeo brasileiros se equiparam a seus semelhantes internaci-onais em qualidade teacutecnica mas percebe-se tambeacutem uma aversatildeo agrave concepccedilatildeo de que a induacutestria possa abrigar um espiacuterito de maior responsabilidade social uma disposiccedilatildeo pa-ra participar mais da vida social dividindo a lideranccedila de campanhas ou projetando ba-ses para um futuro comum

O empresariado de miacutedia rejeita consci-ente ou inconscientemente um papel mais robusto na vida social brasileira atendo-se apenas a questotildees do seu ramo Com isso paira sobre ele uma aura oportunista auto-centrada e movida pelas conveniecircncias de ocasiatildeo O comportamento eacute predatoacuterio e ar-rogante pois ignora as contrapartidas que o setor deve agrave sociedade e desdenha eventu-ais satisfaccedilotildees puacuteblicas Esta cultura conser-vadora ajuda a manter diversas camadas sociais interessadas longe dos negoacutecios e da engenharia de funcionamento da miacutedia A criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo entatildeo fi-

ca mais distante de se efetivarAo mesmo tempo em que vigora o arcaiacutes-

mo no empresariado a sociedade civil de forma geral participa muito pouco dos deba-tes sobre temas da comunicaccedilatildeo seja por ignoracircncia desinteresse apatia ou mera ali-enaccedilatildeo O assunto parece natildeo lhe dizer res-peito e essa condiccedilatildeo a alija ainda mais de uma induacutestria que contribui decisivamente para formatar seu imaginaacuterio e senso de re-alidade

2 OS PROCEDIMENTOS DE NATURALIZA-CcedilAcircO E A ASSIMILACcedilAcircO DA CRIacuteTICA

Os fatores anteriormente descritos mos-tram que a criacutetica de miacutedia natildeo se imple-menta com vigor e alcance no Brasil (e em outras partes) porque uma trama bem urdi-da a impede Mas natildeo apenas por isso mas tambeacutem porque haacute uma evidente intoleracircn-cia do jornalismo em se ver diante do espe-lho Os jornalistas satildeo muito competentes para apontar erros e deslizes de pessoas e organizaccedilotildees mas lidam muito mal quando o objeto da criacutetica eacute o seu trabalho seu meio ou suas atitudes

Uma reaccedilatildeo comum eacute contestar a criacutetica e desqualificaacute-la Outra eacute ignorar ou fingir desconhecer Uma terceira eacute naturalizar os procedimentos questionados blindando-se do julgamento de especialistas ou do escru-tiacutenio puacuteblico Eacute o que chamo de Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica que consiste em re-ceber o comentaacuterio justificar racionalmente suas escolhas insistir nas praacuteticas questio-nadas e invalidar o processo da criacutetica Isto eacute a redaccedilatildeo recebe o diagnoacutestico do om-budsman discute suas bases mas natildeo alte-ra os procedimentos que levaram ao erro apontado A criacutetica natildeo foi assimilada a ob-servaccedilatildeo natildeo produziu efeitos ou impacto relevante natildeo provocou a alteraccedilatildeo de roti-nas a adoccedilatildeo de novos cuidados ou a corre-ccedilatildeo de rotas

Para tentar compreender como o jorna-lismo brasileiro vem reagindo aos julgamen-tos e para lidar com o Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica recorri a quem se de-dica ao acompanhamento sistemaacutetico da miacutedia ombudsmen de imprensa ouvidores e observadores Fiz um levantamento de to-dos os jornalistas que assumiram a funccedilatildeo de ombudsman nos jornais Folha de SPaulo e O Povo os mais proeminentes diaacuterios bra-sileiros a manter o posto desde que ele sur-giu no Brasil em 1989 Somei a essa lista os profissionais que passaram pela ouvidoria da

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

Empresa Brasil de Comunicaccedilatildeo (EBC) e por reconhecidos observadores da miacutedia nacional Cheguei a uma amostra de 13 profissionais experientes que exerceram a criacutetica de miacutedia nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Apliquei um questio-naacuterio com oito questotildees abertas para colher percepccedilotildees sobre a efetividade da criacutetica so-bre os aspectos culturais e organizacionais que podem reduzir seu impacto sobre a fun-ccedilatildeo do criacutetico e sobre outros atores com legiti-midade para exercer a criacutetica

Todos os respondentes estavam cientes dos objetivos desse levantamento e do uso de seus dados para fins exclusivamente aca-decircmicos Mesmo diante da possibilidade de garantia do anonimato todos concordaram com a identificaccedilatildeo de seus nomes e dados para esta ocasiatildeo Os questionaacuterios foram distribuiacutedos em julho e as respostas foram recolhidas em agosto de 2016

Participaram da pesquisa os ex-ombuds-man da Folha de SPaulo Caio Tuacutelio Costa Mario Vitor Santos Marcelo Leite Maacuterio Ma-galhatildees Carlos Eduardo Lins da Silva Suza-na Singer e Vera Guimaratildees Martins o ex-ombudsman de O Povo Pliacutenio Bortolotti a ex-ombudsman da EBC Regina Lima e o criacutetico Luciano Martins Costa do Observatoacuterio da Imprensa Completam a lista as atuais om-budsman da Folha de SPaulo Paula Cesari-no Costa a de O Povo Tacircnia Alves e a da EBC Joseti Marques

Para colher as percepccedilotildees dos observa-dores sobre a assimilaccedilatildeo da criacutetica pela cuacute-pula da empresa foi perguntado ldquoEm sua eacutepoca de ombudsman vocecirc sentia que suas avaliaccedilotildees e anaacutelises eram levadas em con-sideraccedilatildeo pelos nuacutecleos de decisatildeo editorial da empresardquo De forma unacircnime os jorna-listas da Folha de SPaulo responderam afir-mativamente o que sinaliza uma disposiccedilatildeo da direccedilatildeo da empresa para receber criacuteticas ou queixas o que natildeo significa necessaria-mente atendecirc-las lembrou um dos respon-dentes Outro participante da pesquisa ponderou que os apontamentos do ombuds-man surtiam ldquoalgum efeitordquo Os demais fo-ram ceacuteticos sobre a receptividade dos gestores com respostas que iam de ldquomais ou menosrdquo ldquoquase nuncardquo e ldquosinceramente natildeordquo A unanimidade das respostas positivas vindas dos observadores da Folha de SPau-lo pode sinalizar um entendimento geral in-terno da funccedilatildeo do criacutetico ateacute porque se pode afirmar que o posto de ombudsman ali se consolidou

Quando questionados se as criacuteticas eram levadas em conta pelos profissionais da re-daccedilatildeo os respondentes sinalizaram que ha-

via mais disposiccedilatildeo e aceitaccedilatildeo pelos repoacuterteres do que por redatores e editores Algumas respostas indicaram que natildeo se tratava diretamente de aceitaccedilatildeo das criacuteti-cas pelos repoacuterteres mas uma permeabili-dade maior por diversos fatores inclusive o pouco retorno que eles tecircm de seu trabalho do puacuteblico e dos superiores hieraacuterquicos

Na sequecircncia foi perguntado ldquoHavia re-sistecircncia ou abertura desses profissionais diante da necessidade de mudanccedila de al-gum procedimentordquo

Apenas trecircs dos treze sujeitos negou ter enfrentado resistecircncia dos colegas em seu exerciacutecio de criacutetica Os demais foram bas-tante enfaacuteticos no reconhecimento desse comportamento As respostas mostraram haver muita resistecircncia A resistecircncia a mu-danccedilas eacute ldquouma atitude muito frequente en-tre jornalistas e se daacute por um traccedilo conservador muito agudo existente na cultu-ra jornaliacutestica Aleacutem disso jornalistas (como a maioria das pessoas) natildeo gostam de rece-ber criacuteticas muito menos puacuteblicasrdquo respon-deu um participante Outra observadora disse que as anaacutelises eram tomadas como ldquocriacuteticas pessoaisrdquo ldquoHavia abertura e resis-tecircncia Talvez o substantivo mais apropriado seja divergecircncia e natildeo resistecircnciardquo comen-tou outro sujeito da pesquisa

Para identificar causas ou origens das eventuais resistecircncias agraves criacuteticas foi per-guntado ldquoA que vocecirc atribui a resistecircncia ou abertura a essa criacutetica O que impedia a dis-posiccedilatildeo para tais mudanccedilasrdquo Um dos mais experientes observadores vecirc componentes histoacutericos na criaccedilatildeo de uma cultura de omissatildeo diante da criacutetica O clima de contro-le que se estabeleceu nas redaccedilotildees nas uacutelti-mas deacutecadas e a homogeneizaccedilatildeo das linhas editoriais dos meios teriam contribuiacute-do para isso Outras respostas satildeo bastante diacutespares mas em conjunto mostram a com-plexidade do fenocircmeno ldquoAcredito que a re-sistecircncia se deve agrave eterna vaidade humana mdash ningueacutem gosta de ser criticadordquo disse um dos sujeitos da pesquisa Haacutebitos consolida-dos relaccedilotildees de poder dentro das redaccedilotildees incompreensatildeo do papel do criacutetico foram al-gumas das causas apontadas

As percepccedilotildees colhidas junto aos sujei-tos da pesquisa permitem reforccedilar a ideia largamente disseminada de que o trabalho do criacutetico de miacutedia tambeacutem eacute objeto de criacuteti-ca de seus pares Haacute portanto zonas de atrito nesse processo

Os participantes da pesquisa foram in-centivados a citar mudanccedilas na rotina ou nos procedimentos jornaliacutesticos que foram

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motivados por suas observaccedilotildees Seis dos treze respondentes ndash quase a metade mdash dis-se natildeo se lembrar exatamente ou natildeo soube mencionar alteraccedilotildees derivadas de seu tra-balho como observador de miacutedia Outra par-ticipante disse natildeo haver acompanhamento e avaliaccedilatildeo do trabalho ausecircncia que fragili-za o processo da criacutetica

Entre as mudanccedilas promovidas a partir das criacuteticas e anaacutelises estatildeo o redesenho de paacuteginas e seccedilotildees a aplicaccedilatildeo de destaque a trechos e informaccedilotildees corrigidas nas ver-sotildees online o abandono das declaraccedilotildees policiais como verdades oficiais a amplia-ccedilatildeo de erratas e retificaccedilotildees e a definiccedilatildeo de paracircmetros para a veiculaccedilatildeo de conteuacute-dos religiosos na programaccedilatildeo Os sujeitos da pesquisa concordam que as mudanccedilas satildeo pontuais e decorrentes de muito des-gaste interno ateacute que fossem assumidas no-vas praacuteticas

Os participantes da pesquisa foram inda-gados sobre que instacircncias ou atores pode-riam contribuir para a criacutetica de miacutedia As respostas foram as mais variadas indo da disseminaccedilatildeo de ombudsmen na miacutedia ao fortalecimento dos observatoacuterios passando pela implementaccedilatildeo de conselhos de auto-regulamentaccedilatildeo da imprensa A criaccedilatildeo de sites especializados o aumento na cobertu-ra sobre o proacuteprio jornalismo e a aproxima-ccedilatildeo entre induacutestria e universidades tambeacutem foram mencionados Houve ainda quem ci-tasse as redes sociais como um locus mais atual e frequente da criacutetica de miacutedia e ainda os mais pessimistas que consideram que a crise do jornalismo vaacute provocar um maior enfraquecimento da observaccedilatildeo criacutetica da miacutedia

As respostas colhidas mostram a comple-xidade do Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacuteti-ca e a necessidade de enfrentaacute-lo Uma autocriacutetica para as instacircncias de observaccedilatildeo eacute oportuna e necessaacuteria Quero apresentar algumas sugestotildees neste sentido

3 UMA AUTOCRIacuteTICA AOS CRIacuteTICOS

Independente de seus ecircxitos ou inconsis-tecircncias os observatoacuterios tecircm ocupado um lugar no ecossistema midiaacutetico que eacute bas-tante peculiar atuam tanto no universo da produccedilatildeo e difusatildeo jornaliacutestica quanto nas relaccedilotildees dos meios de comunicaccedilatildeo com a sociedade o que atravessa os debates sobre democracia a participaccedilatildeo popular Assim os observatoacuterios apontam falhas em coberturas jornaliacutesticas manipulaccedilotildees e distorccedilotildees bem

como restriccedilotildees e cerceamentos agrave liberdade de imprensa o que manifesta sintomas de que os regimes democraacuteticos estejam doentes ou fragilizados

Embora natildeo se mencione com muita cla-reza fica subentendido que a presenccedila dos observatoacuterios eacute a encarnaccedilatildeo do desejo de mudanccedila e a convicccedilatildeo de que a miacutedia e a sociedade podem melhorar Isso vigorou no seacuteculo XX e persiste ateacute entatildeo o que nos le-va a formular uma primeira tese para a au-tocriacutetica desses criacuteticos de miacutedia os observatoacuterios ainda satildeo desejaacuteveis e neces-saacuterios para mudar o panorama

Satildeo ainda bastante niacutetidas duas funccedilotildees primordiais dos observatoacuterios a) contribuir para o aperfeiccediloamento do jornalismo das organizaccedilotildees do setor dos procedimentos e dos profissionais da aacuterea e dos serviccedilos e produtos que ele oferece b) disseminar uma cultura de leitura criacutetica que fortaleccedila uma literaacutecia midiaacutetica fazendo uma espeacutecie de pedagogia dos meios para o puacuteblico (Herre-ra e Christofoletti 2006a)

Agrave medida que uma cidade estado ou paiacutes contam com um sistema de miacutedia e que haja o escrutiacutenio puacuteblico de seu funciona-mento temos ali motivaccedilotildees e condiccedilotildees para implantar uma instacircncia de observaccedilatildeo criacutetica do jornalismo e da comunicaccedilatildeo Sua existecircncia permitiraacute a anaacutelise das crises de negoacutecios confianccedila e credibilidade que afe-tam a miacutedia que se discutam saiacutedas e solu-ccedilotildees que se destaquem boas praacuteticas e inovaccedilotildees e que se fortaleccedilam novos pac-tos entre o jornalismo e seus puacuteblicos

Historicamente o jornalismo assumiu a funccedilatildeo de fiscalizar os poderes o que nem sempre se verifica Fiscalizar o fiscal eacute apro-fundar a equaccedilatildeo fortalecendo a democra-cia na medida em que ela eacute o regime de compartilhamento de poder de monitora-mento muacutetuo de assunccedilatildeo coletiva de res-ponsabilidades Governos precisam prestar contas empresas buscam cada vez a boa governanccedila e as empresas de miacutedia natildeo es-tatildeo isentas nesse clamor por transparecircncia e accountability Os observatoacuterios ainda satildeo muito uacuteteis para exercer esse papel a exem-plo do que Ramonet (2003) chamou de O Quinto Poder Desta forma a criacutetica assume novas dimensotildees e se converte em um exer-ciacutecio de assunccedilatildeo compartilhada de respon-sabilidade cidadatilde visando a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa humanamente mais desenvolvida

A tarefa requer convicccedilatildeo de sua necessi-dade esforccedilos coordenados coragem e mui-ta persistecircncia Isto eacute natildeo pode ser assumida

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

por um uacutenico ator social o que nos leva a uma segunda tese para a autocriacutetica os ob-servatoacuterios foram superestimados

Ao longo das deacutecadas agrave medida que a sociedade se mediatizava depositamos imensas esperanccedilas de que os observatoacuteri-os resolveriam parte central dos problemas do jornalismo como o enviesamento as dis-torccedilotildees e as manipulaccedilotildees Esperaacutevamos que os observatoacuterios apontassem os erros e que as redaccedilotildees corrigissem seus comporta-mentos de imediato consolidando um mo-delo de aperfeiccediloamento contiacutenuo como se vecirc por exemplo na induacutestria de aviotildees Ne-la cada acidente provoca grandes investiga-ccedilotildees para determinar causas e condiccedilotildees e com esses dados os fabricantes solucionem os problemas para evitar acidentes seme-lhantes

No caso dos observatoacuterios imaginamos que as empresas jornaliacutesticas usassem os dados gerados pelos diagnoacutesticos de im-prensa para construir seus instrumentos de gestatildeo Os observatoacuterios se espalharam por toda a parte mas a induacutestria natildeo reagiu conforme o esperado e ao longo dos anos diversas iniciativas de criacutetica de miacutedia foram desativadas

No Brasil dois empreendimentos que ainda estatildeo em funcionamento exemplifi-cam as dificuldades para se calcificar uma efetiva criacutetica de miacutedia O Observatoacuterio da Imprensa eacute a mais antiga experiecircncia contiacute-nua de acompanhamento do jornalismo na Ameacuterica Latina (Braga 2006 Loures 2008 Egypto e Malin 2008) Seu site2 surgiu em 1996 e logo ele se transformou na principal arena de debates sobre jornalismo miacutedia comunicaccedilatildeo publicidade e sociedade do paiacutes O site publica textos e anaacutelises de es-pecialistas jornalistas pesquisadores e lei-tores comuns contribuindo para o escrutiacutenio puacuteblico dos meios Em seus melhores mo-mentos o projeto tinha aleacutem do site pro-gramas diaacuterios de raacutedio e um programa semanal na televisatildeo puacuteblica amplificando os debates Nos primeiros anos natildeo foi difiacute-cil imaginar que o Observatoacuterio da Imprensa fosse mudar concretamente o jornalismo brasileiro Como dizia seu slogan ldquoVocecirc nunca mais vai ler jornal do mesmo jeitordquo

Esta trajetoacuteria natildeo impediu no entanto que o Observatoacuterio da Imprensa fosse colhi-do pela crise em 2016 No ano em que com-

pletava vinte anos de existecircncia o projeto pediu ajuda aos leitores numa campanha de financiamento coletivo e soacute conseguiu arre-cadar um pouco mais que um terccedilo do espe-rado3 Atualmente o Observatoacuterio da Imprensa opera de forma bem precaacuteria com uma redaccedilatildeo muito enxuta e quase sem re-cursos para se manter

O segundo exemplo eacute a Rede Nacional de Observatoacuterios da Imprensa (Renoi) cria-da em 2005 para reunir laboratoacuterios e expe-riecircncias acadecircmicas de monitoramento de miacutedia Em pouco mais de uma deacutecada a re-de chegou a ter associados em todas as cin-co regiotildees do Brasil lanccedilou trecircs livros publicou dezenas de artigos e participou de diversos eventos cientiacuteficos A euforia dos primeiros anos permitia imaginar que os projetos que faziam parte da Renoi pudes-sem contagiar as redaccedilotildees locais e atuar co-mo extensotildees pedagoacutegicas para a criacutetica de miacutedia Esses desejos natildeo se realizaram A rede sempre teve problemas de articulaccedilatildeo que a impediram de expandir sua atuaccedilatildeo para alcanccedilar outras camadas da sociedade para aleacutem das universidades

Uma tese derivada da segunda eacute que os observatoacuterios satildeo menores que seus proje-tos originais Foi assim com o Observatoacuterio da Imprensa e eacute assim com a Renoi Ambos satildeo exemplos corajosos e insistentes de criacute-tica de miacutedia que atraiacuteram imensas expecta-tivas mas que natildeo podem dar conta completamente do processo de mudanccedila e aperfeiccediloamento dessa induacutestria Outros atores precisam se alinhar a essa luta e co-ordenar accedilotildees em tempo contiacutenuo Como se pode perceber o processo de desenvolvi-mento e aperfeiccediloamento dos meios eacute com-plexo precisa enfrentar resistecircncias culturais ndash jaacute tratamos anteriormente do Problema da Assimilaccedilatildeo ndash e depende de esforccedilos variados e combinados

Os desejos que levam agrave criaccedilatildeo dos ob-servatoacuterios na maioria das vezes ajudam a implementar iniciativas quixotescas carre-gadas de utopia e nem sempre sustentaacuteveis financeiramente Mas este natildeo eacute um proble-ma exclusivo dos criacuteticos A proacutepria induacutestria se ressente disso nos uacuteltimos anos

Uma quarta tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios diz respeito ao espaccedilo que ocupam no ecossistema midiaacutetico Se considerarmos que a criacutetica eacute um exerciacutecio

2 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodaimprensacombr 3 Disponiacutevel em httpobservatoriodaimprensacombrobservatorio-da-imprensaprestacao-de-contas-aos-nossos-

leitores

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de interpretaccedilatildeo opiniatildeo e anaacutelise que pros-pera em ambientes com liberdade a inexis-tecircncia eacute pior que a limitaccedilatildeo dos observatoacuterios Isto eacute os observatoacuterios natildeo garantem necessariamente que a miacutedia que acompanham seja melhor mas se sequer existirem teremos um cenaacuterio carente de li-berdade de pensamento e de julgamento puacuteblico dos meios de comunicaccedilatildeo Este eacute um cenaacuterio onde a induacutestria jornaliacutestica natildeo poderaacute contar com olhares externos que possam sinalizar como pode ajustar suas co-berturas como pode corrigir seus procedi-mentos ou melhorar produtos e serviccedilos Eacute evidente que a proacutepria induacutestria pode criar e manter seus proacuteprios instrumentos de quali-dade mas eles seratildeo suficientes para captar as expectativas do puacuteblico e seratildeo capazes de ldquocortar na proacutepria carnerdquo contrariando interesses internos

Exceto por alguns projetos seminais co-mo o Accuracy in Media4 fundado em 1969 e o Fairness and Accuracy In Reporting5

(FAIR) de 1986 a maior parte dos observa-toacuterios de miacutedia em funcionamento surgiram na uacuteltima deacutecada do seacuteculo XX e a primeira do seguinte Satildeo iniciativas apoiadas em empreendimentos pessoais ou de pequenos grupos de profissionais acadecircmicos ou cida-datildeos que militam em causas como a liberda-de de expressatildeo a democracia e os direitos civis

A rigor os observatoacuterios satildeo uma modali-dade destacada do que Bertrand (2002) deno-minou ldquoMedia Accountability Systemsrdquo (MAS) esforccedilos que se dedicam a levar as organiza-ccedilotildees jornaliacutesticas e seus profissionais a serem mais responsaacuteveis Neste sentido e em com-parativo percebe-se que outras modalidades de MAS tambeacutem encolheram nos uacuteltimos anos Eacute o caso dos ombudsmen de imprensa Conforme o site da Organization of News Om-budsmen (ONO6) haacute apenas 56 membros atu-antes no mundo o que pode ser considerado muito pouco em relaccedilatildeo agrave quantidade de mei-os de comunicaccedilatildeo que poderiam contar com os serviccedilos de observaccedilatildeo desses profissio-nais Oito deles estatildeo nos Estados Unidos o mesmo nuacutemero que o Canadaacute e a maior parte vem de paiacuteses noacuterdicos ou escandinavos com longo histoacuterico de debate e reflexatildeo na aacuterea Pouquiacutessimos ombudsmen vecircm de paiacuteses mais pobres ou perifeacutericos

A quinta tese que propomos para auxiliar

uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute a de que o jornalismo estaacute mudando e sua criacutetica tambeacutem precisa mudar Em deacutecadas anteri-ores era comum e esperado avaliar cobertu-ras sob a perspectiva de que os meios se guiassem pelo ideal da objetividade postura que atualmente pode ser deixada de lado quando se acompanha o noticiaacuterio de orga-nizaccedilotildees que fazem advocacy ou mesmo que declaram cobrir fatos assumindo um la-do da histoacuteria Natildeo se pode ignorar que o jornalismo de causas esteja ganhando forccedila nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI a se julgar por publicaccedilotildees feministas e racial-mente afirmativas

Uma autocriacutetica para os observatoacuterios deve levar em conta entatildeo a necessidade de atualizar os paracircmetros avaliativos e de re-definir padrotildees de qualidade editorial ade-quaccedilatildeo temaacutetica aceitaccedilatildeo puacuteblica e legitimidade social Entre as crises que es-tremecem o jornalismo estaacute a que afeta a sua credibilidade e ela pode ser uma boa oportunidade natildeo apenas para que profissi-onais e organizaccedilotildees revitalizem seus pa-peis junto agrave sociedade mas tambeacutem para que a criacutetica revigore suas bases

Um dos caminhos para essa revisatildeo po-de ser o acuacutemulo de mais uma funccedilatildeo aleacutem da pedagogia da miacutedia e do aperfeiccediloamen-to do jornalismo jaacute mencionadas os obser-vatoacuterios precisam se reinventar rapidamente mantendo o papel de instacircn-cia criacutetica e educadora mas ajudando a for-mular poliacuteticas para a aacuterea Esta sexta tese que apresentamos eacute ousada no sentido de que pode resultar em sobrecarga de traba-lho para as equipes de observadores Mas eacute oportuna tambeacutem porque pode dar mais vi-sibilidade ao trabalho dos observatoacuterios e gerar impactos efetivos na vida social Ima-gine-se por exemplo que um observatoacuterio da Catalunya faccedila o acompanhamento das coberturas sobre o Parlament de sua junta e que ainda contribua assessorando os re-presentantes para redigir leis que garantam mais transparecircncia puacuteblica de seus atos atraveacutes do uso de canais comunitaacuterios de televisatildeo Imagine-se ainda um observatoacuterio numa distante localidade da Boliacutevia que li-dere uma campanha pela democratizaccedilatildeo dos meios naquela regiatildeo permitindo que os povos originaacuterios tenham acesso a emissoras de raacutedio e televisatildeo e que tam-

4 Disponiacutevel em httpwwwaimorg5 Disponiacutevel em httpwwwfairorg6 Outras informaccediloes em httpnewsombudsmenorg

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

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Os observatoacuterios de miacutedia satildeo luga-res privilegiados para o exerciacutecio da criacuteti-ca aos meios de comunicaccedilatildeo e a seus profissionais Por natureza e funccedilatildeo os observadores fazem uma leitura rigorosa e sistemaacutetica das coberturas jornaliacutesti-cas dos procedimentos operacionais da atuaccedilatildeo da miacutedia e das condutas dos jornalistas O olhar lanccedilado a esses obje-tos natildeo eacute uma visatildeo passiva inerte dian-te da paisagem Natildeo eacute apenas ver ou enxergar mas aqui se trata de observar

A observaccedilatildeo eacute um gesto examinador analiacutetico capaz de uma leitura em pro-fundidade Eacute uma forma de captura de apreensatildeo dos discursos Em inglecircs usa-se com frequecircncia o verbo ldquoto watchrdquo para a criacutetica de miacutedia que pode ser tra-duzido por ldquoassistirrdquo mas ultrapassa es-ses limites na medida em que possibilita o surgimento de derivados como ldquowatch-dogrdquo o catildeo que guarda vigia fiscaliza ldquoTo Watchrdquo eacute vigiar fiscalizar monitorar Desta forma a tarefa dos ldquomediawat-chersrdquo estaacute atrelada ao acompanhamen-to sistemaacutetico do noticiaacuterio e ao monitoramento das notiacutecias Entatildeo ob-servar eacute cuidar para poder fazer a criacuteti-ca No sentido mais radical da palavra ldquocriticarrdquo eacute colocar em crise questionar mudar a estabilidade Os observatoacuterios de miacutedia satildeo ambientes dedicados a apontar falhas deslizes e erros mas tambeacutem podem destacar boas praacuteticas exemplos e modelos

Este tipo de criacutetica eacute um advento re-cente que data da segunda metade do seacuteculo passado o que faz com que essa praacutetica ainda esteja em consolidaccedilatildeo em muitos lugares Na Ameacuterica Latina a criacute-tica de miacutedia estaacute longe de ser uma ins-tituiccedilatildeo reconhecida e tradicional (Albornoz e Herschmann 2006 Herrera e Christofoletti 2006b Cunha 2011 Moreira 2013) Ela ainda luta para se impor como uma praacutetica que natildeo apenas contribui para o aperfeiccediloamento do jor-nalismo mas tambeacutem para a democra-cia e o desenvolvimento

No Brasil o maior paiacutes da regiatildeo a criacutetica de miacutedia eacute fraacutegil e pulverizada apesar de insistente e corajosa Um con-junto de fatores impede o desenvolvi-mento de uma efetiva media criticism o que impacta diretamente em como o jor-nalismo eacute produzido e distribuiacutedo e co-mo ele se relaciona com a sociedade Compreender esse panorama nos daacute mais condiccedilatildeo para incentivar uma auto-

criacutetica para os observatoacuterios de comuni-caccedilatildeo

1 O IMPASSE DO DESENVOLVIMENTO DA CRIacuteTICA

Pode-se afirmar com seguranccedila que satildeo raros os lugares onde a criacutetica eacute facilmente aceita e considerada bem-vinda afinal ela se apresenta como um esforccedilo que salienta insuficiecircncias que desagrega e incomoda No caso do jornalismo tal praacutetica pode ser confundida com contestaccedilatildeo questiona-mento inoportuno censura e perseguiccedilatildeo Nos paiacuteses com maior tradiccedilatildeo democraacutetica cujas estruturas sociais estatildeo mais desen-volvidas a criacutetica de miacutedia sofre menos re-sistecircncia porque se entende que ela eacute uma engrenagem no complexo mecanismo que move o debate puacuteblico

Na Ameacuterica Latina a criacutetica de miacutedia eacute deacutebil pois carece de reconhecimento pela induacutestria e por profissionais e natildeo tem ape-lo popular junto ao puacuteblico consumidor de informaccedilotildees No caso brasileiro eacute possiacutevel identificar fatores e condiccedilotildees que impedem o desenvolvimento de uma verdadeira e for-talecida criacutetica de miacutedia De um lado satildeo li-mitadores estruturais e praacuteticas lesivas e de outro contextos engessantes e culturas con-solidadas (Christofoletti 2003 2013) Fun-cionam de forma combinada coordenada e articulada movidos por interesses particula-res e de grupos ignorando a natureza puacutebli-ca e democraacutetica da criacutetica como exerciacutecio da cidadania

Embora os fatores descritos a seguir se-jam referentes ao contexto brasileiro muitos podem ser estendidos aos demais paiacuteses do continente e de outras partes jaacute que alguns arranjos de mercado e condiccedilotildees sociais e poliacuteticas se repetem independentemente da geografia

Limitadores estruturais e praacuteticas lesivas satildeo fatores que remontam agrave organizaccedilatildeo da induacutestria jornaliacutestica e a condiccedilotildees que aju-dam a manter a configuraccedilatildeo midiaacutetica Satildeo limitadores estruturais

(a) concentraccedilatildeo dos meios e oligopoacutelios no setor

(b) atuaccedilatildeo dos grupos em modelo de propriedade cruzada

(c) restriccedilotildees teacutecnicas legais e poliacuteticas que reduzem drasticamente as opccedilotildees em radiodifusatildeo

Satildeo praacuteticas lesivas (d) falta de transparecircncia nas regras e na

duraccedilatildeo das concessotildees de radiodifusatildeo

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

(e) relaccedilotildees entre classe poliacutetica e o mer-cado de comunicaccedilotildees

O mercado de comunicaccedilatildeo brasileiro eacute altamente concentrado O paiacutes tem dimen-sotildees continentais mais de 205 milhotildees de habitantes eacute a nona economia do planeta mas estima-se que apenas oito grupos em-presariais controlem cerca de 80 de tudo o que circula pela miacutedia nacional Satildeo grupos familiares1 que recorrem a arranjos locais de mercado para ramificar suas operaccedilotildees em grandes regiotildees do paiacutes ou ateacute nacional-mente Satildeo clatildes que muitas vezes se asso-ciam a lideranccedilas poliacuteticas locais para fortalecer suas operaccedilotildees e fazer convergir interesses influenciando de forma decisiva nas dinacircmicas social e econocircmica

Satildeo conglomerados que surgiram em ple-no ciclo de desenvolvimento da estrutura de comunicaccedilatildeo no seacuteculo XX mas que prospe-raram tambeacutem nas uacuteltimas deacutecadas valen-do-se de novas tecnologias e investindo em mercados emergentes Todos eles operam em mais de um segmento de mercado (jor-nais e revistas impressos emissoras de raacute-dio e TV internet) configurando a praacutetica da propriedade cruzada que natildeo eacute restringida ou punida no paiacutes

Outro limitador estrutural observado no Brasil se refere agraves restriccedilotildees teacutecnicas legais e poliacuteticas que reduzem drasticamente a pluralidade de opccedilotildees na radiodifusatildeo As-sim os brasileiros contam com meia duacutezia de redes de TV de sinal aberto apenas ape-sar da dimensatildeo continental do paiacutes Essas condiccedilotildees conferem um poder colossal aos operadores do mercado aos grupos que controlam a miacutedia

Duas praacuteticas lesivas satildeo identificadas tambeacutem relaccedilotildees entre classe poliacutetica e o mercado de comunicaccedilotildees e a duraccedilatildeo pra-ticamente infinita das concessotildees de radio-difusatildeo

Embora a Constituiccedilatildeo Federal proiacuteba que poliacuteticos sejam diretores ou proprietaacuteri-os de emissoras de raacutedio ou televisatildeo bre-chas na lei e falta de fiscalizaccedilatildeo possibilitam que isso aconteccedila e com uma regularidade assustadora Historicamente chamou-se de ldquocoronelismordquo um conjunto de praacuteticas que resultava na interferecircncia de liacute-deres poliacuteticos locais nas dinacircmicas e desti-nos de pequenas e meacutedias cidades Essa forma de domiacutenio foi criada nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX majoritariamente em

aacutereas rurais e era exercida pela forccedila por chantagem e ignoracircncia poliacutetica Os chama-dos ldquocoroneacuteisrdquo indicavam seus candidatos nas eleiccedilotildees e garantiam as condiccedilotildees logiacutes-ticas e poliacuteticas para que fossem eleitos Deacute-cadas depois essa praacutetica de controle social se daacute por novas vias tecnoloacutegicas e eacute ad-missiacutevel chamaacute-lo de ldquocoronelismo eletrocircni-cordquo jaacute que os meios de comunicaccedilatildeo ajudam a conformar os novos rebanhos elei-torais Em pleno seacuteculo XXI com as institui-ccedilotildees nacionais bastante consolidadas e a crescente exigecircncia pela transparecircncia re-publicana nos processos poliacuteticos prevalece um viacutecio histoacuterico atrelado ao patrimonialis-mo e ao clientelismo poliacutetico A proximidade entre o setor da comunicaccedilatildeo e detentores de cargos puacuteblicos eletivos contribui para praacuteticas de coronelismo eletrocircnico mas ulti-mamente elas vecircm sendo exercidas tambeacutem por organizaccedilotildees religiosas catoacutelicas e neo-pentecostais

A relaccedilatildeo entre poliacuteticos e empresaacuterios do setor contribui tambeacutem para que haja pouca ou nenhuma transparecircncia na distri-buiccedilatildeo das licenccedilas de emissoras de raacutedio e televisatildeo e na proacutepria duraccedilatildeo dessas outor-gas Esses tracircmites dependem de aprovaccedilatildeo do Parlamento mas a natildeo renovaccedilatildeo de uma concessatildeo depende de dois quintos de deputados e senadores do Congresso Nacio-nal em votaccedilatildeo aberta e nominal As vota-ccedilotildees satildeo transmitidas por canais institucionais de TV o que pode levar ao constrangimento ou agrave falta de coragem para votar contra uma renovaccedilatildeo Na praacutetica as concessotildees de raacutedio e TV de poderosos con-glomerados midiaacuteticos duram para sempre

Contribuem para constranger o desenvol-vimento da criacutetica de miacutedia dois contextos engessantes e duas culturas consolidadas no Brasil

(f) fragilidade dos conselhos de comuni-caccedilatildeo

(g) inexistecircncia de mecanismos juriacutedico-institucionais para o aperfeiccediloamento profis-sional dos jornalistas

(h) pouca inovaccedilatildeo no empresariado do setor

(i) pouca participaccedilatildeo popular em assun-tos referentes agrave comunicaccedilatildeo

A legislaccedilatildeo brasileira prevecirc a criaccedilatildeo e o funcionamento de conselhos de comunica-ccedilatildeo instacircncias que poderiam atuar como instrumentos de gestatildeo estrateacutegia e formu-

1 As famiacutelias satildeo Marinho (Organizaccedilotildees Globo) Civita (Grupo Abril) Abravanel (SBT) Frias (Grupo Folha) Saad (Grupo Bandeirantes) Mesquita (Grupo Estado) Sirotsky (Grupo RBS) e Macedo (Rede Record)

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laccedilatildeo de poliacuteticas para a aacuterea a exemplo Of-fice of Communication da Inglaterra Entre-tanto por debilidades estruturais e restriccedilotildees juriacutedicas o Conselho de Comuni-caccedilatildeo Social eacute um oacutergatildeo meramente consul-tivo do Senado e seus possiacuteveis capiacutetulos estaduais natildeo se implementaram ateacute hoje Essa fragilidade dos conselhos de comunica-ccedilatildeo contribui para a manutenccedilatildeo de uma ca-mada impermeaacutevel a criacuteticas na estrutura comunicacional brasileira

Outro contexto engessante eacute a quase inexistecircncia de mecanismos juriacutedico-institu-cionais para o aperfeiccediloamento profissional dos jornalistas Diferente de outras catego-rias os jornalistas natildeo contam com uma or-dem ou conselho que supervisione aspectos profissionais regule a entrada no mercado de trabalho ou equalize as rela-ccedilotildees com outros grupos de interesse na so-ciedade Sem um conselho profissional e com a regulamentaccedilatildeo da categoria desfi-gurada desde 2009 o mercado de trabalho jornaliacutestico segue com muitas permissivida-des no Brasil Regras precaacuterias de ingresso e fraturas internas na categoria minam muito a estabilidade que poderia permitir o desenvolvimento de uma criacutetica de miacutedia no paiacutes

Perdura no empresariado do setor de miacute-dia uma cultura anacrocircnica e conservadora Do ponto de vista tecnoloacutegico observa-se de maneira geral que os grupos de miacutedia bus-cam se atualizar agraves tendecircncias internacio-nais adotando padrotildees e modernas teacutecnicas de gestatildeo Em alguns aspectos os maiores grupos de comunicaccedilatildeo brasileiros se equiparam a seus semelhantes internaci-onais em qualidade teacutecnica mas percebe-se tambeacutem uma aversatildeo agrave concepccedilatildeo de que a induacutestria possa abrigar um espiacuterito de maior responsabilidade social uma disposiccedilatildeo pa-ra participar mais da vida social dividindo a lideranccedila de campanhas ou projetando ba-ses para um futuro comum

O empresariado de miacutedia rejeita consci-ente ou inconscientemente um papel mais robusto na vida social brasileira atendo-se apenas a questotildees do seu ramo Com isso paira sobre ele uma aura oportunista auto-centrada e movida pelas conveniecircncias de ocasiatildeo O comportamento eacute predatoacuterio e ar-rogante pois ignora as contrapartidas que o setor deve agrave sociedade e desdenha eventu-ais satisfaccedilotildees puacuteblicas Esta cultura conser-vadora ajuda a manter diversas camadas sociais interessadas longe dos negoacutecios e da engenharia de funcionamento da miacutedia A criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo entatildeo fi-

ca mais distante de se efetivarAo mesmo tempo em que vigora o arcaiacutes-

mo no empresariado a sociedade civil de forma geral participa muito pouco dos deba-tes sobre temas da comunicaccedilatildeo seja por ignoracircncia desinteresse apatia ou mera ali-enaccedilatildeo O assunto parece natildeo lhe dizer res-peito e essa condiccedilatildeo a alija ainda mais de uma induacutestria que contribui decisivamente para formatar seu imaginaacuterio e senso de re-alidade

2 OS PROCEDIMENTOS DE NATURALIZA-CcedilAcircO E A ASSIMILACcedilAcircO DA CRIacuteTICA

Os fatores anteriormente descritos mos-tram que a criacutetica de miacutedia natildeo se imple-menta com vigor e alcance no Brasil (e em outras partes) porque uma trama bem urdi-da a impede Mas natildeo apenas por isso mas tambeacutem porque haacute uma evidente intoleracircn-cia do jornalismo em se ver diante do espe-lho Os jornalistas satildeo muito competentes para apontar erros e deslizes de pessoas e organizaccedilotildees mas lidam muito mal quando o objeto da criacutetica eacute o seu trabalho seu meio ou suas atitudes

Uma reaccedilatildeo comum eacute contestar a criacutetica e desqualificaacute-la Outra eacute ignorar ou fingir desconhecer Uma terceira eacute naturalizar os procedimentos questionados blindando-se do julgamento de especialistas ou do escru-tiacutenio puacuteblico Eacute o que chamo de Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica que consiste em re-ceber o comentaacuterio justificar racionalmente suas escolhas insistir nas praacuteticas questio-nadas e invalidar o processo da criacutetica Isto eacute a redaccedilatildeo recebe o diagnoacutestico do om-budsman discute suas bases mas natildeo alte-ra os procedimentos que levaram ao erro apontado A criacutetica natildeo foi assimilada a ob-servaccedilatildeo natildeo produziu efeitos ou impacto relevante natildeo provocou a alteraccedilatildeo de roti-nas a adoccedilatildeo de novos cuidados ou a corre-ccedilatildeo de rotas

Para tentar compreender como o jorna-lismo brasileiro vem reagindo aos julgamen-tos e para lidar com o Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica recorri a quem se de-dica ao acompanhamento sistemaacutetico da miacutedia ombudsmen de imprensa ouvidores e observadores Fiz um levantamento de to-dos os jornalistas que assumiram a funccedilatildeo de ombudsman nos jornais Folha de SPaulo e O Povo os mais proeminentes diaacuterios bra-sileiros a manter o posto desde que ele sur-giu no Brasil em 1989 Somei a essa lista os profissionais que passaram pela ouvidoria da

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

Empresa Brasil de Comunicaccedilatildeo (EBC) e por reconhecidos observadores da miacutedia nacional Cheguei a uma amostra de 13 profissionais experientes que exerceram a criacutetica de miacutedia nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Apliquei um questio-naacuterio com oito questotildees abertas para colher percepccedilotildees sobre a efetividade da criacutetica so-bre os aspectos culturais e organizacionais que podem reduzir seu impacto sobre a fun-ccedilatildeo do criacutetico e sobre outros atores com legiti-midade para exercer a criacutetica

Todos os respondentes estavam cientes dos objetivos desse levantamento e do uso de seus dados para fins exclusivamente aca-decircmicos Mesmo diante da possibilidade de garantia do anonimato todos concordaram com a identificaccedilatildeo de seus nomes e dados para esta ocasiatildeo Os questionaacuterios foram distribuiacutedos em julho e as respostas foram recolhidas em agosto de 2016

Participaram da pesquisa os ex-ombuds-man da Folha de SPaulo Caio Tuacutelio Costa Mario Vitor Santos Marcelo Leite Maacuterio Ma-galhatildees Carlos Eduardo Lins da Silva Suza-na Singer e Vera Guimaratildees Martins o ex-ombudsman de O Povo Pliacutenio Bortolotti a ex-ombudsman da EBC Regina Lima e o criacutetico Luciano Martins Costa do Observatoacuterio da Imprensa Completam a lista as atuais om-budsman da Folha de SPaulo Paula Cesari-no Costa a de O Povo Tacircnia Alves e a da EBC Joseti Marques

Para colher as percepccedilotildees dos observa-dores sobre a assimilaccedilatildeo da criacutetica pela cuacute-pula da empresa foi perguntado ldquoEm sua eacutepoca de ombudsman vocecirc sentia que suas avaliaccedilotildees e anaacutelises eram levadas em con-sideraccedilatildeo pelos nuacutecleos de decisatildeo editorial da empresardquo De forma unacircnime os jorna-listas da Folha de SPaulo responderam afir-mativamente o que sinaliza uma disposiccedilatildeo da direccedilatildeo da empresa para receber criacuteticas ou queixas o que natildeo significa necessaria-mente atendecirc-las lembrou um dos respon-dentes Outro participante da pesquisa ponderou que os apontamentos do ombuds-man surtiam ldquoalgum efeitordquo Os demais fo-ram ceacuteticos sobre a receptividade dos gestores com respostas que iam de ldquomais ou menosrdquo ldquoquase nuncardquo e ldquosinceramente natildeordquo A unanimidade das respostas positivas vindas dos observadores da Folha de SPau-lo pode sinalizar um entendimento geral in-terno da funccedilatildeo do criacutetico ateacute porque se pode afirmar que o posto de ombudsman ali se consolidou

Quando questionados se as criacuteticas eram levadas em conta pelos profissionais da re-daccedilatildeo os respondentes sinalizaram que ha-

via mais disposiccedilatildeo e aceitaccedilatildeo pelos repoacuterteres do que por redatores e editores Algumas respostas indicaram que natildeo se tratava diretamente de aceitaccedilatildeo das criacuteti-cas pelos repoacuterteres mas uma permeabili-dade maior por diversos fatores inclusive o pouco retorno que eles tecircm de seu trabalho do puacuteblico e dos superiores hieraacuterquicos

Na sequecircncia foi perguntado ldquoHavia re-sistecircncia ou abertura desses profissionais diante da necessidade de mudanccedila de al-gum procedimentordquo

Apenas trecircs dos treze sujeitos negou ter enfrentado resistecircncia dos colegas em seu exerciacutecio de criacutetica Os demais foram bas-tante enfaacuteticos no reconhecimento desse comportamento As respostas mostraram haver muita resistecircncia A resistecircncia a mu-danccedilas eacute ldquouma atitude muito frequente en-tre jornalistas e se daacute por um traccedilo conservador muito agudo existente na cultu-ra jornaliacutestica Aleacutem disso jornalistas (como a maioria das pessoas) natildeo gostam de rece-ber criacuteticas muito menos puacuteblicasrdquo respon-deu um participante Outra observadora disse que as anaacutelises eram tomadas como ldquocriacuteticas pessoaisrdquo ldquoHavia abertura e resis-tecircncia Talvez o substantivo mais apropriado seja divergecircncia e natildeo resistecircnciardquo comen-tou outro sujeito da pesquisa

Para identificar causas ou origens das eventuais resistecircncias agraves criacuteticas foi per-guntado ldquoA que vocecirc atribui a resistecircncia ou abertura a essa criacutetica O que impedia a dis-posiccedilatildeo para tais mudanccedilasrdquo Um dos mais experientes observadores vecirc componentes histoacutericos na criaccedilatildeo de uma cultura de omissatildeo diante da criacutetica O clima de contro-le que se estabeleceu nas redaccedilotildees nas uacutelti-mas deacutecadas e a homogeneizaccedilatildeo das linhas editoriais dos meios teriam contribuiacute-do para isso Outras respostas satildeo bastante diacutespares mas em conjunto mostram a com-plexidade do fenocircmeno ldquoAcredito que a re-sistecircncia se deve agrave eterna vaidade humana mdash ningueacutem gosta de ser criticadordquo disse um dos sujeitos da pesquisa Haacutebitos consolida-dos relaccedilotildees de poder dentro das redaccedilotildees incompreensatildeo do papel do criacutetico foram al-gumas das causas apontadas

As percepccedilotildees colhidas junto aos sujei-tos da pesquisa permitem reforccedilar a ideia largamente disseminada de que o trabalho do criacutetico de miacutedia tambeacutem eacute objeto de criacuteti-ca de seus pares Haacute portanto zonas de atrito nesse processo

Os participantes da pesquisa foram in-centivados a citar mudanccedilas na rotina ou nos procedimentos jornaliacutesticos que foram

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motivados por suas observaccedilotildees Seis dos treze respondentes ndash quase a metade mdash dis-se natildeo se lembrar exatamente ou natildeo soube mencionar alteraccedilotildees derivadas de seu tra-balho como observador de miacutedia Outra par-ticipante disse natildeo haver acompanhamento e avaliaccedilatildeo do trabalho ausecircncia que fragili-za o processo da criacutetica

Entre as mudanccedilas promovidas a partir das criacuteticas e anaacutelises estatildeo o redesenho de paacuteginas e seccedilotildees a aplicaccedilatildeo de destaque a trechos e informaccedilotildees corrigidas nas ver-sotildees online o abandono das declaraccedilotildees policiais como verdades oficiais a amplia-ccedilatildeo de erratas e retificaccedilotildees e a definiccedilatildeo de paracircmetros para a veiculaccedilatildeo de conteuacute-dos religiosos na programaccedilatildeo Os sujeitos da pesquisa concordam que as mudanccedilas satildeo pontuais e decorrentes de muito des-gaste interno ateacute que fossem assumidas no-vas praacuteticas

Os participantes da pesquisa foram inda-gados sobre que instacircncias ou atores pode-riam contribuir para a criacutetica de miacutedia As respostas foram as mais variadas indo da disseminaccedilatildeo de ombudsmen na miacutedia ao fortalecimento dos observatoacuterios passando pela implementaccedilatildeo de conselhos de auto-regulamentaccedilatildeo da imprensa A criaccedilatildeo de sites especializados o aumento na cobertu-ra sobre o proacuteprio jornalismo e a aproxima-ccedilatildeo entre induacutestria e universidades tambeacutem foram mencionados Houve ainda quem ci-tasse as redes sociais como um locus mais atual e frequente da criacutetica de miacutedia e ainda os mais pessimistas que consideram que a crise do jornalismo vaacute provocar um maior enfraquecimento da observaccedilatildeo criacutetica da miacutedia

As respostas colhidas mostram a comple-xidade do Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacuteti-ca e a necessidade de enfrentaacute-lo Uma autocriacutetica para as instacircncias de observaccedilatildeo eacute oportuna e necessaacuteria Quero apresentar algumas sugestotildees neste sentido

3 UMA AUTOCRIacuteTICA AOS CRIacuteTICOS

Independente de seus ecircxitos ou inconsis-tecircncias os observatoacuterios tecircm ocupado um lugar no ecossistema midiaacutetico que eacute bas-tante peculiar atuam tanto no universo da produccedilatildeo e difusatildeo jornaliacutestica quanto nas relaccedilotildees dos meios de comunicaccedilatildeo com a sociedade o que atravessa os debates sobre democracia a participaccedilatildeo popular Assim os observatoacuterios apontam falhas em coberturas jornaliacutesticas manipulaccedilotildees e distorccedilotildees bem

como restriccedilotildees e cerceamentos agrave liberdade de imprensa o que manifesta sintomas de que os regimes democraacuteticos estejam doentes ou fragilizados

Embora natildeo se mencione com muita cla-reza fica subentendido que a presenccedila dos observatoacuterios eacute a encarnaccedilatildeo do desejo de mudanccedila e a convicccedilatildeo de que a miacutedia e a sociedade podem melhorar Isso vigorou no seacuteculo XX e persiste ateacute entatildeo o que nos le-va a formular uma primeira tese para a au-tocriacutetica desses criacuteticos de miacutedia os observatoacuterios ainda satildeo desejaacuteveis e neces-saacuterios para mudar o panorama

Satildeo ainda bastante niacutetidas duas funccedilotildees primordiais dos observatoacuterios a) contribuir para o aperfeiccediloamento do jornalismo das organizaccedilotildees do setor dos procedimentos e dos profissionais da aacuterea e dos serviccedilos e produtos que ele oferece b) disseminar uma cultura de leitura criacutetica que fortaleccedila uma literaacutecia midiaacutetica fazendo uma espeacutecie de pedagogia dos meios para o puacuteblico (Herre-ra e Christofoletti 2006a)

Agrave medida que uma cidade estado ou paiacutes contam com um sistema de miacutedia e que haja o escrutiacutenio puacuteblico de seu funciona-mento temos ali motivaccedilotildees e condiccedilotildees para implantar uma instacircncia de observaccedilatildeo criacutetica do jornalismo e da comunicaccedilatildeo Sua existecircncia permitiraacute a anaacutelise das crises de negoacutecios confianccedila e credibilidade que afe-tam a miacutedia que se discutam saiacutedas e solu-ccedilotildees que se destaquem boas praacuteticas e inovaccedilotildees e que se fortaleccedilam novos pac-tos entre o jornalismo e seus puacuteblicos

Historicamente o jornalismo assumiu a funccedilatildeo de fiscalizar os poderes o que nem sempre se verifica Fiscalizar o fiscal eacute apro-fundar a equaccedilatildeo fortalecendo a democra-cia na medida em que ela eacute o regime de compartilhamento de poder de monitora-mento muacutetuo de assunccedilatildeo coletiva de res-ponsabilidades Governos precisam prestar contas empresas buscam cada vez a boa governanccedila e as empresas de miacutedia natildeo es-tatildeo isentas nesse clamor por transparecircncia e accountability Os observatoacuterios ainda satildeo muito uacuteteis para exercer esse papel a exem-plo do que Ramonet (2003) chamou de O Quinto Poder Desta forma a criacutetica assume novas dimensotildees e se converte em um exer-ciacutecio de assunccedilatildeo compartilhada de respon-sabilidade cidadatilde visando a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa humanamente mais desenvolvida

A tarefa requer convicccedilatildeo de sua necessi-dade esforccedilos coordenados coragem e mui-ta persistecircncia Isto eacute natildeo pode ser assumida

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

por um uacutenico ator social o que nos leva a uma segunda tese para a autocriacutetica os ob-servatoacuterios foram superestimados

Ao longo das deacutecadas agrave medida que a sociedade se mediatizava depositamos imensas esperanccedilas de que os observatoacuteri-os resolveriam parte central dos problemas do jornalismo como o enviesamento as dis-torccedilotildees e as manipulaccedilotildees Esperaacutevamos que os observatoacuterios apontassem os erros e que as redaccedilotildees corrigissem seus comporta-mentos de imediato consolidando um mo-delo de aperfeiccediloamento contiacutenuo como se vecirc por exemplo na induacutestria de aviotildees Ne-la cada acidente provoca grandes investiga-ccedilotildees para determinar causas e condiccedilotildees e com esses dados os fabricantes solucionem os problemas para evitar acidentes seme-lhantes

No caso dos observatoacuterios imaginamos que as empresas jornaliacutesticas usassem os dados gerados pelos diagnoacutesticos de im-prensa para construir seus instrumentos de gestatildeo Os observatoacuterios se espalharam por toda a parte mas a induacutestria natildeo reagiu conforme o esperado e ao longo dos anos diversas iniciativas de criacutetica de miacutedia foram desativadas

No Brasil dois empreendimentos que ainda estatildeo em funcionamento exemplifi-cam as dificuldades para se calcificar uma efetiva criacutetica de miacutedia O Observatoacuterio da Imprensa eacute a mais antiga experiecircncia contiacute-nua de acompanhamento do jornalismo na Ameacuterica Latina (Braga 2006 Loures 2008 Egypto e Malin 2008) Seu site2 surgiu em 1996 e logo ele se transformou na principal arena de debates sobre jornalismo miacutedia comunicaccedilatildeo publicidade e sociedade do paiacutes O site publica textos e anaacutelises de es-pecialistas jornalistas pesquisadores e lei-tores comuns contribuindo para o escrutiacutenio puacuteblico dos meios Em seus melhores mo-mentos o projeto tinha aleacutem do site pro-gramas diaacuterios de raacutedio e um programa semanal na televisatildeo puacuteblica amplificando os debates Nos primeiros anos natildeo foi difiacute-cil imaginar que o Observatoacuterio da Imprensa fosse mudar concretamente o jornalismo brasileiro Como dizia seu slogan ldquoVocecirc nunca mais vai ler jornal do mesmo jeitordquo

Esta trajetoacuteria natildeo impediu no entanto que o Observatoacuterio da Imprensa fosse colhi-do pela crise em 2016 No ano em que com-

pletava vinte anos de existecircncia o projeto pediu ajuda aos leitores numa campanha de financiamento coletivo e soacute conseguiu arre-cadar um pouco mais que um terccedilo do espe-rado3 Atualmente o Observatoacuterio da Imprensa opera de forma bem precaacuteria com uma redaccedilatildeo muito enxuta e quase sem re-cursos para se manter

O segundo exemplo eacute a Rede Nacional de Observatoacuterios da Imprensa (Renoi) cria-da em 2005 para reunir laboratoacuterios e expe-riecircncias acadecircmicas de monitoramento de miacutedia Em pouco mais de uma deacutecada a re-de chegou a ter associados em todas as cin-co regiotildees do Brasil lanccedilou trecircs livros publicou dezenas de artigos e participou de diversos eventos cientiacuteficos A euforia dos primeiros anos permitia imaginar que os projetos que faziam parte da Renoi pudes-sem contagiar as redaccedilotildees locais e atuar co-mo extensotildees pedagoacutegicas para a criacutetica de miacutedia Esses desejos natildeo se realizaram A rede sempre teve problemas de articulaccedilatildeo que a impediram de expandir sua atuaccedilatildeo para alcanccedilar outras camadas da sociedade para aleacutem das universidades

Uma tese derivada da segunda eacute que os observatoacuterios satildeo menores que seus proje-tos originais Foi assim com o Observatoacuterio da Imprensa e eacute assim com a Renoi Ambos satildeo exemplos corajosos e insistentes de criacute-tica de miacutedia que atraiacuteram imensas expecta-tivas mas que natildeo podem dar conta completamente do processo de mudanccedila e aperfeiccediloamento dessa induacutestria Outros atores precisam se alinhar a essa luta e co-ordenar accedilotildees em tempo contiacutenuo Como se pode perceber o processo de desenvolvi-mento e aperfeiccediloamento dos meios eacute com-plexo precisa enfrentar resistecircncias culturais ndash jaacute tratamos anteriormente do Problema da Assimilaccedilatildeo ndash e depende de esforccedilos variados e combinados

Os desejos que levam agrave criaccedilatildeo dos ob-servatoacuterios na maioria das vezes ajudam a implementar iniciativas quixotescas carre-gadas de utopia e nem sempre sustentaacuteveis financeiramente Mas este natildeo eacute um proble-ma exclusivo dos criacuteticos A proacutepria induacutestria se ressente disso nos uacuteltimos anos

Uma quarta tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios diz respeito ao espaccedilo que ocupam no ecossistema midiaacutetico Se considerarmos que a criacutetica eacute um exerciacutecio

2 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodaimprensacombr 3 Disponiacutevel em httpobservatoriodaimprensacombrobservatorio-da-imprensaprestacao-de-contas-aos-nossos-

leitores

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

de interpretaccedilatildeo opiniatildeo e anaacutelise que pros-pera em ambientes com liberdade a inexis-tecircncia eacute pior que a limitaccedilatildeo dos observatoacuterios Isto eacute os observatoacuterios natildeo garantem necessariamente que a miacutedia que acompanham seja melhor mas se sequer existirem teremos um cenaacuterio carente de li-berdade de pensamento e de julgamento puacuteblico dos meios de comunicaccedilatildeo Este eacute um cenaacuterio onde a induacutestria jornaliacutestica natildeo poderaacute contar com olhares externos que possam sinalizar como pode ajustar suas co-berturas como pode corrigir seus procedi-mentos ou melhorar produtos e serviccedilos Eacute evidente que a proacutepria induacutestria pode criar e manter seus proacuteprios instrumentos de quali-dade mas eles seratildeo suficientes para captar as expectativas do puacuteblico e seratildeo capazes de ldquocortar na proacutepria carnerdquo contrariando interesses internos

Exceto por alguns projetos seminais co-mo o Accuracy in Media4 fundado em 1969 e o Fairness and Accuracy In Reporting5

(FAIR) de 1986 a maior parte dos observa-toacuterios de miacutedia em funcionamento surgiram na uacuteltima deacutecada do seacuteculo XX e a primeira do seguinte Satildeo iniciativas apoiadas em empreendimentos pessoais ou de pequenos grupos de profissionais acadecircmicos ou cida-datildeos que militam em causas como a liberda-de de expressatildeo a democracia e os direitos civis

A rigor os observatoacuterios satildeo uma modali-dade destacada do que Bertrand (2002) deno-minou ldquoMedia Accountability Systemsrdquo (MAS) esforccedilos que se dedicam a levar as organiza-ccedilotildees jornaliacutesticas e seus profissionais a serem mais responsaacuteveis Neste sentido e em com-parativo percebe-se que outras modalidades de MAS tambeacutem encolheram nos uacuteltimos anos Eacute o caso dos ombudsmen de imprensa Conforme o site da Organization of News Om-budsmen (ONO6) haacute apenas 56 membros atu-antes no mundo o que pode ser considerado muito pouco em relaccedilatildeo agrave quantidade de mei-os de comunicaccedilatildeo que poderiam contar com os serviccedilos de observaccedilatildeo desses profissio-nais Oito deles estatildeo nos Estados Unidos o mesmo nuacutemero que o Canadaacute e a maior parte vem de paiacuteses noacuterdicos ou escandinavos com longo histoacuterico de debate e reflexatildeo na aacuterea Pouquiacutessimos ombudsmen vecircm de paiacuteses mais pobres ou perifeacutericos

A quinta tese que propomos para auxiliar

uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute a de que o jornalismo estaacute mudando e sua criacutetica tambeacutem precisa mudar Em deacutecadas anteri-ores era comum e esperado avaliar cobertu-ras sob a perspectiva de que os meios se guiassem pelo ideal da objetividade postura que atualmente pode ser deixada de lado quando se acompanha o noticiaacuterio de orga-nizaccedilotildees que fazem advocacy ou mesmo que declaram cobrir fatos assumindo um la-do da histoacuteria Natildeo se pode ignorar que o jornalismo de causas esteja ganhando forccedila nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI a se julgar por publicaccedilotildees feministas e racial-mente afirmativas

Uma autocriacutetica para os observatoacuterios deve levar em conta entatildeo a necessidade de atualizar os paracircmetros avaliativos e de re-definir padrotildees de qualidade editorial ade-quaccedilatildeo temaacutetica aceitaccedilatildeo puacuteblica e legitimidade social Entre as crises que es-tremecem o jornalismo estaacute a que afeta a sua credibilidade e ela pode ser uma boa oportunidade natildeo apenas para que profissi-onais e organizaccedilotildees revitalizem seus pa-peis junto agrave sociedade mas tambeacutem para que a criacutetica revigore suas bases

Um dos caminhos para essa revisatildeo po-de ser o acuacutemulo de mais uma funccedilatildeo aleacutem da pedagogia da miacutedia e do aperfeiccediloamen-to do jornalismo jaacute mencionadas os obser-vatoacuterios precisam se reinventar rapidamente mantendo o papel de instacircn-cia criacutetica e educadora mas ajudando a for-mular poliacuteticas para a aacuterea Esta sexta tese que apresentamos eacute ousada no sentido de que pode resultar em sobrecarga de traba-lho para as equipes de observadores Mas eacute oportuna tambeacutem porque pode dar mais vi-sibilidade ao trabalho dos observatoacuterios e gerar impactos efetivos na vida social Ima-gine-se por exemplo que um observatoacuterio da Catalunya faccedila o acompanhamento das coberturas sobre o Parlament de sua junta e que ainda contribua assessorando os re-presentantes para redigir leis que garantam mais transparecircncia puacuteblica de seus atos atraveacutes do uso de canais comunitaacuterios de televisatildeo Imagine-se ainda um observatoacuterio numa distante localidade da Boliacutevia que li-dere uma campanha pela democratizaccedilatildeo dos meios naquela regiatildeo permitindo que os povos originaacuterios tenham acesso a emissoras de raacutedio e televisatildeo e que tam-

4 Disponiacutevel em httpwwwaimorg5 Disponiacutevel em httpwwwfairorg6 Outras informaccediloes em httpnewsombudsmenorg

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

(e) relaccedilotildees entre classe poliacutetica e o mer-cado de comunicaccedilotildees

O mercado de comunicaccedilatildeo brasileiro eacute altamente concentrado O paiacutes tem dimen-sotildees continentais mais de 205 milhotildees de habitantes eacute a nona economia do planeta mas estima-se que apenas oito grupos em-presariais controlem cerca de 80 de tudo o que circula pela miacutedia nacional Satildeo grupos familiares1 que recorrem a arranjos locais de mercado para ramificar suas operaccedilotildees em grandes regiotildees do paiacutes ou ateacute nacional-mente Satildeo clatildes que muitas vezes se asso-ciam a lideranccedilas poliacuteticas locais para fortalecer suas operaccedilotildees e fazer convergir interesses influenciando de forma decisiva nas dinacircmicas social e econocircmica

Satildeo conglomerados que surgiram em ple-no ciclo de desenvolvimento da estrutura de comunicaccedilatildeo no seacuteculo XX mas que prospe-raram tambeacutem nas uacuteltimas deacutecadas valen-do-se de novas tecnologias e investindo em mercados emergentes Todos eles operam em mais de um segmento de mercado (jor-nais e revistas impressos emissoras de raacute-dio e TV internet) configurando a praacutetica da propriedade cruzada que natildeo eacute restringida ou punida no paiacutes

Outro limitador estrutural observado no Brasil se refere agraves restriccedilotildees teacutecnicas legais e poliacuteticas que reduzem drasticamente a pluralidade de opccedilotildees na radiodifusatildeo As-sim os brasileiros contam com meia duacutezia de redes de TV de sinal aberto apenas ape-sar da dimensatildeo continental do paiacutes Essas condiccedilotildees conferem um poder colossal aos operadores do mercado aos grupos que controlam a miacutedia

Duas praacuteticas lesivas satildeo identificadas tambeacutem relaccedilotildees entre classe poliacutetica e o mercado de comunicaccedilotildees e a duraccedilatildeo pra-ticamente infinita das concessotildees de radio-difusatildeo

Embora a Constituiccedilatildeo Federal proiacuteba que poliacuteticos sejam diretores ou proprietaacuteri-os de emissoras de raacutedio ou televisatildeo bre-chas na lei e falta de fiscalizaccedilatildeo possibilitam que isso aconteccedila e com uma regularidade assustadora Historicamente chamou-se de ldquocoronelismordquo um conjunto de praacuteticas que resultava na interferecircncia de liacute-deres poliacuteticos locais nas dinacircmicas e desti-nos de pequenas e meacutedias cidades Essa forma de domiacutenio foi criada nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX majoritariamente em

aacutereas rurais e era exercida pela forccedila por chantagem e ignoracircncia poliacutetica Os chama-dos ldquocoroneacuteisrdquo indicavam seus candidatos nas eleiccedilotildees e garantiam as condiccedilotildees logiacutes-ticas e poliacuteticas para que fossem eleitos Deacute-cadas depois essa praacutetica de controle social se daacute por novas vias tecnoloacutegicas e eacute ad-missiacutevel chamaacute-lo de ldquocoronelismo eletrocircni-cordquo jaacute que os meios de comunicaccedilatildeo ajudam a conformar os novos rebanhos elei-torais Em pleno seacuteculo XXI com as institui-ccedilotildees nacionais bastante consolidadas e a crescente exigecircncia pela transparecircncia re-publicana nos processos poliacuteticos prevalece um viacutecio histoacuterico atrelado ao patrimonialis-mo e ao clientelismo poliacutetico A proximidade entre o setor da comunicaccedilatildeo e detentores de cargos puacuteblicos eletivos contribui para praacuteticas de coronelismo eletrocircnico mas ulti-mamente elas vecircm sendo exercidas tambeacutem por organizaccedilotildees religiosas catoacutelicas e neo-pentecostais

A relaccedilatildeo entre poliacuteticos e empresaacuterios do setor contribui tambeacutem para que haja pouca ou nenhuma transparecircncia na distri-buiccedilatildeo das licenccedilas de emissoras de raacutedio e televisatildeo e na proacutepria duraccedilatildeo dessas outor-gas Esses tracircmites dependem de aprovaccedilatildeo do Parlamento mas a natildeo renovaccedilatildeo de uma concessatildeo depende de dois quintos de deputados e senadores do Congresso Nacio-nal em votaccedilatildeo aberta e nominal As vota-ccedilotildees satildeo transmitidas por canais institucionais de TV o que pode levar ao constrangimento ou agrave falta de coragem para votar contra uma renovaccedilatildeo Na praacutetica as concessotildees de raacutedio e TV de poderosos con-glomerados midiaacuteticos duram para sempre

Contribuem para constranger o desenvol-vimento da criacutetica de miacutedia dois contextos engessantes e duas culturas consolidadas no Brasil

(f) fragilidade dos conselhos de comuni-caccedilatildeo

(g) inexistecircncia de mecanismos juriacutedico-institucionais para o aperfeiccediloamento profis-sional dos jornalistas

(h) pouca inovaccedilatildeo no empresariado do setor

(i) pouca participaccedilatildeo popular em assun-tos referentes agrave comunicaccedilatildeo

A legislaccedilatildeo brasileira prevecirc a criaccedilatildeo e o funcionamento de conselhos de comunica-ccedilatildeo instacircncias que poderiam atuar como instrumentos de gestatildeo estrateacutegia e formu-

1 As famiacutelias satildeo Marinho (Organizaccedilotildees Globo) Civita (Grupo Abril) Abravanel (SBT) Frias (Grupo Folha) Saad (Grupo Bandeirantes) Mesquita (Grupo Estado) Sirotsky (Grupo RBS) e Macedo (Rede Record)

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

laccedilatildeo de poliacuteticas para a aacuterea a exemplo Of-fice of Communication da Inglaterra Entre-tanto por debilidades estruturais e restriccedilotildees juriacutedicas o Conselho de Comuni-caccedilatildeo Social eacute um oacutergatildeo meramente consul-tivo do Senado e seus possiacuteveis capiacutetulos estaduais natildeo se implementaram ateacute hoje Essa fragilidade dos conselhos de comunica-ccedilatildeo contribui para a manutenccedilatildeo de uma ca-mada impermeaacutevel a criacuteticas na estrutura comunicacional brasileira

Outro contexto engessante eacute a quase inexistecircncia de mecanismos juriacutedico-institu-cionais para o aperfeiccediloamento profissional dos jornalistas Diferente de outras catego-rias os jornalistas natildeo contam com uma or-dem ou conselho que supervisione aspectos profissionais regule a entrada no mercado de trabalho ou equalize as rela-ccedilotildees com outros grupos de interesse na so-ciedade Sem um conselho profissional e com a regulamentaccedilatildeo da categoria desfi-gurada desde 2009 o mercado de trabalho jornaliacutestico segue com muitas permissivida-des no Brasil Regras precaacuterias de ingresso e fraturas internas na categoria minam muito a estabilidade que poderia permitir o desenvolvimento de uma criacutetica de miacutedia no paiacutes

Perdura no empresariado do setor de miacute-dia uma cultura anacrocircnica e conservadora Do ponto de vista tecnoloacutegico observa-se de maneira geral que os grupos de miacutedia bus-cam se atualizar agraves tendecircncias internacio-nais adotando padrotildees e modernas teacutecnicas de gestatildeo Em alguns aspectos os maiores grupos de comunicaccedilatildeo brasileiros se equiparam a seus semelhantes internaci-onais em qualidade teacutecnica mas percebe-se tambeacutem uma aversatildeo agrave concepccedilatildeo de que a induacutestria possa abrigar um espiacuterito de maior responsabilidade social uma disposiccedilatildeo pa-ra participar mais da vida social dividindo a lideranccedila de campanhas ou projetando ba-ses para um futuro comum

O empresariado de miacutedia rejeita consci-ente ou inconscientemente um papel mais robusto na vida social brasileira atendo-se apenas a questotildees do seu ramo Com isso paira sobre ele uma aura oportunista auto-centrada e movida pelas conveniecircncias de ocasiatildeo O comportamento eacute predatoacuterio e ar-rogante pois ignora as contrapartidas que o setor deve agrave sociedade e desdenha eventu-ais satisfaccedilotildees puacuteblicas Esta cultura conser-vadora ajuda a manter diversas camadas sociais interessadas longe dos negoacutecios e da engenharia de funcionamento da miacutedia A criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo entatildeo fi-

ca mais distante de se efetivarAo mesmo tempo em que vigora o arcaiacutes-

mo no empresariado a sociedade civil de forma geral participa muito pouco dos deba-tes sobre temas da comunicaccedilatildeo seja por ignoracircncia desinteresse apatia ou mera ali-enaccedilatildeo O assunto parece natildeo lhe dizer res-peito e essa condiccedilatildeo a alija ainda mais de uma induacutestria que contribui decisivamente para formatar seu imaginaacuterio e senso de re-alidade

2 OS PROCEDIMENTOS DE NATURALIZA-CcedilAcircO E A ASSIMILACcedilAcircO DA CRIacuteTICA

Os fatores anteriormente descritos mos-tram que a criacutetica de miacutedia natildeo se imple-menta com vigor e alcance no Brasil (e em outras partes) porque uma trama bem urdi-da a impede Mas natildeo apenas por isso mas tambeacutem porque haacute uma evidente intoleracircn-cia do jornalismo em se ver diante do espe-lho Os jornalistas satildeo muito competentes para apontar erros e deslizes de pessoas e organizaccedilotildees mas lidam muito mal quando o objeto da criacutetica eacute o seu trabalho seu meio ou suas atitudes

Uma reaccedilatildeo comum eacute contestar a criacutetica e desqualificaacute-la Outra eacute ignorar ou fingir desconhecer Uma terceira eacute naturalizar os procedimentos questionados blindando-se do julgamento de especialistas ou do escru-tiacutenio puacuteblico Eacute o que chamo de Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica que consiste em re-ceber o comentaacuterio justificar racionalmente suas escolhas insistir nas praacuteticas questio-nadas e invalidar o processo da criacutetica Isto eacute a redaccedilatildeo recebe o diagnoacutestico do om-budsman discute suas bases mas natildeo alte-ra os procedimentos que levaram ao erro apontado A criacutetica natildeo foi assimilada a ob-servaccedilatildeo natildeo produziu efeitos ou impacto relevante natildeo provocou a alteraccedilatildeo de roti-nas a adoccedilatildeo de novos cuidados ou a corre-ccedilatildeo de rotas

Para tentar compreender como o jorna-lismo brasileiro vem reagindo aos julgamen-tos e para lidar com o Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica recorri a quem se de-dica ao acompanhamento sistemaacutetico da miacutedia ombudsmen de imprensa ouvidores e observadores Fiz um levantamento de to-dos os jornalistas que assumiram a funccedilatildeo de ombudsman nos jornais Folha de SPaulo e O Povo os mais proeminentes diaacuterios bra-sileiros a manter o posto desde que ele sur-giu no Brasil em 1989 Somei a essa lista os profissionais que passaram pela ouvidoria da

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

Empresa Brasil de Comunicaccedilatildeo (EBC) e por reconhecidos observadores da miacutedia nacional Cheguei a uma amostra de 13 profissionais experientes que exerceram a criacutetica de miacutedia nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Apliquei um questio-naacuterio com oito questotildees abertas para colher percepccedilotildees sobre a efetividade da criacutetica so-bre os aspectos culturais e organizacionais que podem reduzir seu impacto sobre a fun-ccedilatildeo do criacutetico e sobre outros atores com legiti-midade para exercer a criacutetica

Todos os respondentes estavam cientes dos objetivos desse levantamento e do uso de seus dados para fins exclusivamente aca-decircmicos Mesmo diante da possibilidade de garantia do anonimato todos concordaram com a identificaccedilatildeo de seus nomes e dados para esta ocasiatildeo Os questionaacuterios foram distribuiacutedos em julho e as respostas foram recolhidas em agosto de 2016

Participaram da pesquisa os ex-ombuds-man da Folha de SPaulo Caio Tuacutelio Costa Mario Vitor Santos Marcelo Leite Maacuterio Ma-galhatildees Carlos Eduardo Lins da Silva Suza-na Singer e Vera Guimaratildees Martins o ex-ombudsman de O Povo Pliacutenio Bortolotti a ex-ombudsman da EBC Regina Lima e o criacutetico Luciano Martins Costa do Observatoacuterio da Imprensa Completam a lista as atuais om-budsman da Folha de SPaulo Paula Cesari-no Costa a de O Povo Tacircnia Alves e a da EBC Joseti Marques

Para colher as percepccedilotildees dos observa-dores sobre a assimilaccedilatildeo da criacutetica pela cuacute-pula da empresa foi perguntado ldquoEm sua eacutepoca de ombudsman vocecirc sentia que suas avaliaccedilotildees e anaacutelises eram levadas em con-sideraccedilatildeo pelos nuacutecleos de decisatildeo editorial da empresardquo De forma unacircnime os jorna-listas da Folha de SPaulo responderam afir-mativamente o que sinaliza uma disposiccedilatildeo da direccedilatildeo da empresa para receber criacuteticas ou queixas o que natildeo significa necessaria-mente atendecirc-las lembrou um dos respon-dentes Outro participante da pesquisa ponderou que os apontamentos do ombuds-man surtiam ldquoalgum efeitordquo Os demais fo-ram ceacuteticos sobre a receptividade dos gestores com respostas que iam de ldquomais ou menosrdquo ldquoquase nuncardquo e ldquosinceramente natildeordquo A unanimidade das respostas positivas vindas dos observadores da Folha de SPau-lo pode sinalizar um entendimento geral in-terno da funccedilatildeo do criacutetico ateacute porque se pode afirmar que o posto de ombudsman ali se consolidou

Quando questionados se as criacuteticas eram levadas em conta pelos profissionais da re-daccedilatildeo os respondentes sinalizaram que ha-

via mais disposiccedilatildeo e aceitaccedilatildeo pelos repoacuterteres do que por redatores e editores Algumas respostas indicaram que natildeo se tratava diretamente de aceitaccedilatildeo das criacuteti-cas pelos repoacuterteres mas uma permeabili-dade maior por diversos fatores inclusive o pouco retorno que eles tecircm de seu trabalho do puacuteblico e dos superiores hieraacuterquicos

Na sequecircncia foi perguntado ldquoHavia re-sistecircncia ou abertura desses profissionais diante da necessidade de mudanccedila de al-gum procedimentordquo

Apenas trecircs dos treze sujeitos negou ter enfrentado resistecircncia dos colegas em seu exerciacutecio de criacutetica Os demais foram bas-tante enfaacuteticos no reconhecimento desse comportamento As respostas mostraram haver muita resistecircncia A resistecircncia a mu-danccedilas eacute ldquouma atitude muito frequente en-tre jornalistas e se daacute por um traccedilo conservador muito agudo existente na cultu-ra jornaliacutestica Aleacutem disso jornalistas (como a maioria das pessoas) natildeo gostam de rece-ber criacuteticas muito menos puacuteblicasrdquo respon-deu um participante Outra observadora disse que as anaacutelises eram tomadas como ldquocriacuteticas pessoaisrdquo ldquoHavia abertura e resis-tecircncia Talvez o substantivo mais apropriado seja divergecircncia e natildeo resistecircnciardquo comen-tou outro sujeito da pesquisa

Para identificar causas ou origens das eventuais resistecircncias agraves criacuteticas foi per-guntado ldquoA que vocecirc atribui a resistecircncia ou abertura a essa criacutetica O que impedia a dis-posiccedilatildeo para tais mudanccedilasrdquo Um dos mais experientes observadores vecirc componentes histoacutericos na criaccedilatildeo de uma cultura de omissatildeo diante da criacutetica O clima de contro-le que se estabeleceu nas redaccedilotildees nas uacutelti-mas deacutecadas e a homogeneizaccedilatildeo das linhas editoriais dos meios teriam contribuiacute-do para isso Outras respostas satildeo bastante diacutespares mas em conjunto mostram a com-plexidade do fenocircmeno ldquoAcredito que a re-sistecircncia se deve agrave eterna vaidade humana mdash ningueacutem gosta de ser criticadordquo disse um dos sujeitos da pesquisa Haacutebitos consolida-dos relaccedilotildees de poder dentro das redaccedilotildees incompreensatildeo do papel do criacutetico foram al-gumas das causas apontadas

As percepccedilotildees colhidas junto aos sujei-tos da pesquisa permitem reforccedilar a ideia largamente disseminada de que o trabalho do criacutetico de miacutedia tambeacutem eacute objeto de criacuteti-ca de seus pares Haacute portanto zonas de atrito nesse processo

Os participantes da pesquisa foram in-centivados a citar mudanccedilas na rotina ou nos procedimentos jornaliacutesticos que foram

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motivados por suas observaccedilotildees Seis dos treze respondentes ndash quase a metade mdash dis-se natildeo se lembrar exatamente ou natildeo soube mencionar alteraccedilotildees derivadas de seu tra-balho como observador de miacutedia Outra par-ticipante disse natildeo haver acompanhamento e avaliaccedilatildeo do trabalho ausecircncia que fragili-za o processo da criacutetica

Entre as mudanccedilas promovidas a partir das criacuteticas e anaacutelises estatildeo o redesenho de paacuteginas e seccedilotildees a aplicaccedilatildeo de destaque a trechos e informaccedilotildees corrigidas nas ver-sotildees online o abandono das declaraccedilotildees policiais como verdades oficiais a amplia-ccedilatildeo de erratas e retificaccedilotildees e a definiccedilatildeo de paracircmetros para a veiculaccedilatildeo de conteuacute-dos religiosos na programaccedilatildeo Os sujeitos da pesquisa concordam que as mudanccedilas satildeo pontuais e decorrentes de muito des-gaste interno ateacute que fossem assumidas no-vas praacuteticas

Os participantes da pesquisa foram inda-gados sobre que instacircncias ou atores pode-riam contribuir para a criacutetica de miacutedia As respostas foram as mais variadas indo da disseminaccedilatildeo de ombudsmen na miacutedia ao fortalecimento dos observatoacuterios passando pela implementaccedilatildeo de conselhos de auto-regulamentaccedilatildeo da imprensa A criaccedilatildeo de sites especializados o aumento na cobertu-ra sobre o proacuteprio jornalismo e a aproxima-ccedilatildeo entre induacutestria e universidades tambeacutem foram mencionados Houve ainda quem ci-tasse as redes sociais como um locus mais atual e frequente da criacutetica de miacutedia e ainda os mais pessimistas que consideram que a crise do jornalismo vaacute provocar um maior enfraquecimento da observaccedilatildeo criacutetica da miacutedia

As respostas colhidas mostram a comple-xidade do Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacuteti-ca e a necessidade de enfrentaacute-lo Uma autocriacutetica para as instacircncias de observaccedilatildeo eacute oportuna e necessaacuteria Quero apresentar algumas sugestotildees neste sentido

3 UMA AUTOCRIacuteTICA AOS CRIacuteTICOS

Independente de seus ecircxitos ou inconsis-tecircncias os observatoacuterios tecircm ocupado um lugar no ecossistema midiaacutetico que eacute bas-tante peculiar atuam tanto no universo da produccedilatildeo e difusatildeo jornaliacutestica quanto nas relaccedilotildees dos meios de comunicaccedilatildeo com a sociedade o que atravessa os debates sobre democracia a participaccedilatildeo popular Assim os observatoacuterios apontam falhas em coberturas jornaliacutesticas manipulaccedilotildees e distorccedilotildees bem

como restriccedilotildees e cerceamentos agrave liberdade de imprensa o que manifesta sintomas de que os regimes democraacuteticos estejam doentes ou fragilizados

Embora natildeo se mencione com muita cla-reza fica subentendido que a presenccedila dos observatoacuterios eacute a encarnaccedilatildeo do desejo de mudanccedila e a convicccedilatildeo de que a miacutedia e a sociedade podem melhorar Isso vigorou no seacuteculo XX e persiste ateacute entatildeo o que nos le-va a formular uma primeira tese para a au-tocriacutetica desses criacuteticos de miacutedia os observatoacuterios ainda satildeo desejaacuteveis e neces-saacuterios para mudar o panorama

Satildeo ainda bastante niacutetidas duas funccedilotildees primordiais dos observatoacuterios a) contribuir para o aperfeiccediloamento do jornalismo das organizaccedilotildees do setor dos procedimentos e dos profissionais da aacuterea e dos serviccedilos e produtos que ele oferece b) disseminar uma cultura de leitura criacutetica que fortaleccedila uma literaacutecia midiaacutetica fazendo uma espeacutecie de pedagogia dos meios para o puacuteblico (Herre-ra e Christofoletti 2006a)

Agrave medida que uma cidade estado ou paiacutes contam com um sistema de miacutedia e que haja o escrutiacutenio puacuteblico de seu funciona-mento temos ali motivaccedilotildees e condiccedilotildees para implantar uma instacircncia de observaccedilatildeo criacutetica do jornalismo e da comunicaccedilatildeo Sua existecircncia permitiraacute a anaacutelise das crises de negoacutecios confianccedila e credibilidade que afe-tam a miacutedia que se discutam saiacutedas e solu-ccedilotildees que se destaquem boas praacuteticas e inovaccedilotildees e que se fortaleccedilam novos pac-tos entre o jornalismo e seus puacuteblicos

Historicamente o jornalismo assumiu a funccedilatildeo de fiscalizar os poderes o que nem sempre se verifica Fiscalizar o fiscal eacute apro-fundar a equaccedilatildeo fortalecendo a democra-cia na medida em que ela eacute o regime de compartilhamento de poder de monitora-mento muacutetuo de assunccedilatildeo coletiva de res-ponsabilidades Governos precisam prestar contas empresas buscam cada vez a boa governanccedila e as empresas de miacutedia natildeo es-tatildeo isentas nesse clamor por transparecircncia e accountability Os observatoacuterios ainda satildeo muito uacuteteis para exercer esse papel a exem-plo do que Ramonet (2003) chamou de O Quinto Poder Desta forma a criacutetica assume novas dimensotildees e se converte em um exer-ciacutecio de assunccedilatildeo compartilhada de respon-sabilidade cidadatilde visando a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa humanamente mais desenvolvida

A tarefa requer convicccedilatildeo de sua necessi-dade esforccedilos coordenados coragem e mui-ta persistecircncia Isto eacute natildeo pode ser assumida

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

por um uacutenico ator social o que nos leva a uma segunda tese para a autocriacutetica os ob-servatoacuterios foram superestimados

Ao longo das deacutecadas agrave medida que a sociedade se mediatizava depositamos imensas esperanccedilas de que os observatoacuteri-os resolveriam parte central dos problemas do jornalismo como o enviesamento as dis-torccedilotildees e as manipulaccedilotildees Esperaacutevamos que os observatoacuterios apontassem os erros e que as redaccedilotildees corrigissem seus comporta-mentos de imediato consolidando um mo-delo de aperfeiccediloamento contiacutenuo como se vecirc por exemplo na induacutestria de aviotildees Ne-la cada acidente provoca grandes investiga-ccedilotildees para determinar causas e condiccedilotildees e com esses dados os fabricantes solucionem os problemas para evitar acidentes seme-lhantes

No caso dos observatoacuterios imaginamos que as empresas jornaliacutesticas usassem os dados gerados pelos diagnoacutesticos de im-prensa para construir seus instrumentos de gestatildeo Os observatoacuterios se espalharam por toda a parte mas a induacutestria natildeo reagiu conforme o esperado e ao longo dos anos diversas iniciativas de criacutetica de miacutedia foram desativadas

No Brasil dois empreendimentos que ainda estatildeo em funcionamento exemplifi-cam as dificuldades para se calcificar uma efetiva criacutetica de miacutedia O Observatoacuterio da Imprensa eacute a mais antiga experiecircncia contiacute-nua de acompanhamento do jornalismo na Ameacuterica Latina (Braga 2006 Loures 2008 Egypto e Malin 2008) Seu site2 surgiu em 1996 e logo ele se transformou na principal arena de debates sobre jornalismo miacutedia comunicaccedilatildeo publicidade e sociedade do paiacutes O site publica textos e anaacutelises de es-pecialistas jornalistas pesquisadores e lei-tores comuns contribuindo para o escrutiacutenio puacuteblico dos meios Em seus melhores mo-mentos o projeto tinha aleacutem do site pro-gramas diaacuterios de raacutedio e um programa semanal na televisatildeo puacuteblica amplificando os debates Nos primeiros anos natildeo foi difiacute-cil imaginar que o Observatoacuterio da Imprensa fosse mudar concretamente o jornalismo brasileiro Como dizia seu slogan ldquoVocecirc nunca mais vai ler jornal do mesmo jeitordquo

Esta trajetoacuteria natildeo impediu no entanto que o Observatoacuterio da Imprensa fosse colhi-do pela crise em 2016 No ano em que com-

pletava vinte anos de existecircncia o projeto pediu ajuda aos leitores numa campanha de financiamento coletivo e soacute conseguiu arre-cadar um pouco mais que um terccedilo do espe-rado3 Atualmente o Observatoacuterio da Imprensa opera de forma bem precaacuteria com uma redaccedilatildeo muito enxuta e quase sem re-cursos para se manter

O segundo exemplo eacute a Rede Nacional de Observatoacuterios da Imprensa (Renoi) cria-da em 2005 para reunir laboratoacuterios e expe-riecircncias acadecircmicas de monitoramento de miacutedia Em pouco mais de uma deacutecada a re-de chegou a ter associados em todas as cin-co regiotildees do Brasil lanccedilou trecircs livros publicou dezenas de artigos e participou de diversos eventos cientiacuteficos A euforia dos primeiros anos permitia imaginar que os projetos que faziam parte da Renoi pudes-sem contagiar as redaccedilotildees locais e atuar co-mo extensotildees pedagoacutegicas para a criacutetica de miacutedia Esses desejos natildeo se realizaram A rede sempre teve problemas de articulaccedilatildeo que a impediram de expandir sua atuaccedilatildeo para alcanccedilar outras camadas da sociedade para aleacutem das universidades

Uma tese derivada da segunda eacute que os observatoacuterios satildeo menores que seus proje-tos originais Foi assim com o Observatoacuterio da Imprensa e eacute assim com a Renoi Ambos satildeo exemplos corajosos e insistentes de criacute-tica de miacutedia que atraiacuteram imensas expecta-tivas mas que natildeo podem dar conta completamente do processo de mudanccedila e aperfeiccediloamento dessa induacutestria Outros atores precisam se alinhar a essa luta e co-ordenar accedilotildees em tempo contiacutenuo Como se pode perceber o processo de desenvolvi-mento e aperfeiccediloamento dos meios eacute com-plexo precisa enfrentar resistecircncias culturais ndash jaacute tratamos anteriormente do Problema da Assimilaccedilatildeo ndash e depende de esforccedilos variados e combinados

Os desejos que levam agrave criaccedilatildeo dos ob-servatoacuterios na maioria das vezes ajudam a implementar iniciativas quixotescas carre-gadas de utopia e nem sempre sustentaacuteveis financeiramente Mas este natildeo eacute um proble-ma exclusivo dos criacuteticos A proacutepria induacutestria se ressente disso nos uacuteltimos anos

Uma quarta tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios diz respeito ao espaccedilo que ocupam no ecossistema midiaacutetico Se considerarmos que a criacutetica eacute um exerciacutecio

2 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodaimprensacombr 3 Disponiacutevel em httpobservatoriodaimprensacombrobservatorio-da-imprensaprestacao-de-contas-aos-nossos-

leitores

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de interpretaccedilatildeo opiniatildeo e anaacutelise que pros-pera em ambientes com liberdade a inexis-tecircncia eacute pior que a limitaccedilatildeo dos observatoacuterios Isto eacute os observatoacuterios natildeo garantem necessariamente que a miacutedia que acompanham seja melhor mas se sequer existirem teremos um cenaacuterio carente de li-berdade de pensamento e de julgamento puacuteblico dos meios de comunicaccedilatildeo Este eacute um cenaacuterio onde a induacutestria jornaliacutestica natildeo poderaacute contar com olhares externos que possam sinalizar como pode ajustar suas co-berturas como pode corrigir seus procedi-mentos ou melhorar produtos e serviccedilos Eacute evidente que a proacutepria induacutestria pode criar e manter seus proacuteprios instrumentos de quali-dade mas eles seratildeo suficientes para captar as expectativas do puacuteblico e seratildeo capazes de ldquocortar na proacutepria carnerdquo contrariando interesses internos

Exceto por alguns projetos seminais co-mo o Accuracy in Media4 fundado em 1969 e o Fairness and Accuracy In Reporting5

(FAIR) de 1986 a maior parte dos observa-toacuterios de miacutedia em funcionamento surgiram na uacuteltima deacutecada do seacuteculo XX e a primeira do seguinte Satildeo iniciativas apoiadas em empreendimentos pessoais ou de pequenos grupos de profissionais acadecircmicos ou cida-datildeos que militam em causas como a liberda-de de expressatildeo a democracia e os direitos civis

A rigor os observatoacuterios satildeo uma modali-dade destacada do que Bertrand (2002) deno-minou ldquoMedia Accountability Systemsrdquo (MAS) esforccedilos que se dedicam a levar as organiza-ccedilotildees jornaliacutesticas e seus profissionais a serem mais responsaacuteveis Neste sentido e em com-parativo percebe-se que outras modalidades de MAS tambeacutem encolheram nos uacuteltimos anos Eacute o caso dos ombudsmen de imprensa Conforme o site da Organization of News Om-budsmen (ONO6) haacute apenas 56 membros atu-antes no mundo o que pode ser considerado muito pouco em relaccedilatildeo agrave quantidade de mei-os de comunicaccedilatildeo que poderiam contar com os serviccedilos de observaccedilatildeo desses profissio-nais Oito deles estatildeo nos Estados Unidos o mesmo nuacutemero que o Canadaacute e a maior parte vem de paiacuteses noacuterdicos ou escandinavos com longo histoacuterico de debate e reflexatildeo na aacuterea Pouquiacutessimos ombudsmen vecircm de paiacuteses mais pobres ou perifeacutericos

A quinta tese que propomos para auxiliar

uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute a de que o jornalismo estaacute mudando e sua criacutetica tambeacutem precisa mudar Em deacutecadas anteri-ores era comum e esperado avaliar cobertu-ras sob a perspectiva de que os meios se guiassem pelo ideal da objetividade postura que atualmente pode ser deixada de lado quando se acompanha o noticiaacuterio de orga-nizaccedilotildees que fazem advocacy ou mesmo que declaram cobrir fatos assumindo um la-do da histoacuteria Natildeo se pode ignorar que o jornalismo de causas esteja ganhando forccedila nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI a se julgar por publicaccedilotildees feministas e racial-mente afirmativas

Uma autocriacutetica para os observatoacuterios deve levar em conta entatildeo a necessidade de atualizar os paracircmetros avaliativos e de re-definir padrotildees de qualidade editorial ade-quaccedilatildeo temaacutetica aceitaccedilatildeo puacuteblica e legitimidade social Entre as crises que es-tremecem o jornalismo estaacute a que afeta a sua credibilidade e ela pode ser uma boa oportunidade natildeo apenas para que profissi-onais e organizaccedilotildees revitalizem seus pa-peis junto agrave sociedade mas tambeacutem para que a criacutetica revigore suas bases

Um dos caminhos para essa revisatildeo po-de ser o acuacutemulo de mais uma funccedilatildeo aleacutem da pedagogia da miacutedia e do aperfeiccediloamen-to do jornalismo jaacute mencionadas os obser-vatoacuterios precisam se reinventar rapidamente mantendo o papel de instacircn-cia criacutetica e educadora mas ajudando a for-mular poliacuteticas para a aacuterea Esta sexta tese que apresentamos eacute ousada no sentido de que pode resultar em sobrecarga de traba-lho para as equipes de observadores Mas eacute oportuna tambeacutem porque pode dar mais vi-sibilidade ao trabalho dos observatoacuterios e gerar impactos efetivos na vida social Ima-gine-se por exemplo que um observatoacuterio da Catalunya faccedila o acompanhamento das coberturas sobre o Parlament de sua junta e que ainda contribua assessorando os re-presentantes para redigir leis que garantam mais transparecircncia puacuteblica de seus atos atraveacutes do uso de canais comunitaacuterios de televisatildeo Imagine-se ainda um observatoacuterio numa distante localidade da Boliacutevia que li-dere uma campanha pela democratizaccedilatildeo dos meios naquela regiatildeo permitindo que os povos originaacuterios tenham acesso a emissoras de raacutedio e televisatildeo e que tam-

4 Disponiacutevel em httpwwwaimorg5 Disponiacutevel em httpwwwfairorg6 Outras informaccediloes em httpnewsombudsmenorg

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

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laccedilatildeo de poliacuteticas para a aacuterea a exemplo Of-fice of Communication da Inglaterra Entre-tanto por debilidades estruturais e restriccedilotildees juriacutedicas o Conselho de Comuni-caccedilatildeo Social eacute um oacutergatildeo meramente consul-tivo do Senado e seus possiacuteveis capiacutetulos estaduais natildeo se implementaram ateacute hoje Essa fragilidade dos conselhos de comunica-ccedilatildeo contribui para a manutenccedilatildeo de uma ca-mada impermeaacutevel a criacuteticas na estrutura comunicacional brasileira

Outro contexto engessante eacute a quase inexistecircncia de mecanismos juriacutedico-institu-cionais para o aperfeiccediloamento profissional dos jornalistas Diferente de outras catego-rias os jornalistas natildeo contam com uma or-dem ou conselho que supervisione aspectos profissionais regule a entrada no mercado de trabalho ou equalize as rela-ccedilotildees com outros grupos de interesse na so-ciedade Sem um conselho profissional e com a regulamentaccedilatildeo da categoria desfi-gurada desde 2009 o mercado de trabalho jornaliacutestico segue com muitas permissivida-des no Brasil Regras precaacuterias de ingresso e fraturas internas na categoria minam muito a estabilidade que poderia permitir o desenvolvimento de uma criacutetica de miacutedia no paiacutes

Perdura no empresariado do setor de miacute-dia uma cultura anacrocircnica e conservadora Do ponto de vista tecnoloacutegico observa-se de maneira geral que os grupos de miacutedia bus-cam se atualizar agraves tendecircncias internacio-nais adotando padrotildees e modernas teacutecnicas de gestatildeo Em alguns aspectos os maiores grupos de comunicaccedilatildeo brasileiros se equiparam a seus semelhantes internaci-onais em qualidade teacutecnica mas percebe-se tambeacutem uma aversatildeo agrave concepccedilatildeo de que a induacutestria possa abrigar um espiacuterito de maior responsabilidade social uma disposiccedilatildeo pa-ra participar mais da vida social dividindo a lideranccedila de campanhas ou projetando ba-ses para um futuro comum

O empresariado de miacutedia rejeita consci-ente ou inconscientemente um papel mais robusto na vida social brasileira atendo-se apenas a questotildees do seu ramo Com isso paira sobre ele uma aura oportunista auto-centrada e movida pelas conveniecircncias de ocasiatildeo O comportamento eacute predatoacuterio e ar-rogante pois ignora as contrapartidas que o setor deve agrave sociedade e desdenha eventu-ais satisfaccedilotildees puacuteblicas Esta cultura conser-vadora ajuda a manter diversas camadas sociais interessadas longe dos negoacutecios e da engenharia de funcionamento da miacutedia A criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo entatildeo fi-

ca mais distante de se efetivarAo mesmo tempo em que vigora o arcaiacutes-

mo no empresariado a sociedade civil de forma geral participa muito pouco dos deba-tes sobre temas da comunicaccedilatildeo seja por ignoracircncia desinteresse apatia ou mera ali-enaccedilatildeo O assunto parece natildeo lhe dizer res-peito e essa condiccedilatildeo a alija ainda mais de uma induacutestria que contribui decisivamente para formatar seu imaginaacuterio e senso de re-alidade

2 OS PROCEDIMENTOS DE NATURALIZA-CcedilAcircO E A ASSIMILACcedilAcircO DA CRIacuteTICA

Os fatores anteriormente descritos mos-tram que a criacutetica de miacutedia natildeo se imple-menta com vigor e alcance no Brasil (e em outras partes) porque uma trama bem urdi-da a impede Mas natildeo apenas por isso mas tambeacutem porque haacute uma evidente intoleracircn-cia do jornalismo em se ver diante do espe-lho Os jornalistas satildeo muito competentes para apontar erros e deslizes de pessoas e organizaccedilotildees mas lidam muito mal quando o objeto da criacutetica eacute o seu trabalho seu meio ou suas atitudes

Uma reaccedilatildeo comum eacute contestar a criacutetica e desqualificaacute-la Outra eacute ignorar ou fingir desconhecer Uma terceira eacute naturalizar os procedimentos questionados blindando-se do julgamento de especialistas ou do escru-tiacutenio puacuteblico Eacute o que chamo de Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica que consiste em re-ceber o comentaacuterio justificar racionalmente suas escolhas insistir nas praacuteticas questio-nadas e invalidar o processo da criacutetica Isto eacute a redaccedilatildeo recebe o diagnoacutestico do om-budsman discute suas bases mas natildeo alte-ra os procedimentos que levaram ao erro apontado A criacutetica natildeo foi assimilada a ob-servaccedilatildeo natildeo produziu efeitos ou impacto relevante natildeo provocou a alteraccedilatildeo de roti-nas a adoccedilatildeo de novos cuidados ou a corre-ccedilatildeo de rotas

Para tentar compreender como o jorna-lismo brasileiro vem reagindo aos julgamen-tos e para lidar com o Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacutetica recorri a quem se de-dica ao acompanhamento sistemaacutetico da miacutedia ombudsmen de imprensa ouvidores e observadores Fiz um levantamento de to-dos os jornalistas que assumiram a funccedilatildeo de ombudsman nos jornais Folha de SPaulo e O Povo os mais proeminentes diaacuterios bra-sileiros a manter o posto desde que ele sur-giu no Brasil em 1989 Somei a essa lista os profissionais que passaram pela ouvidoria da

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

Empresa Brasil de Comunicaccedilatildeo (EBC) e por reconhecidos observadores da miacutedia nacional Cheguei a uma amostra de 13 profissionais experientes que exerceram a criacutetica de miacutedia nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Apliquei um questio-naacuterio com oito questotildees abertas para colher percepccedilotildees sobre a efetividade da criacutetica so-bre os aspectos culturais e organizacionais que podem reduzir seu impacto sobre a fun-ccedilatildeo do criacutetico e sobre outros atores com legiti-midade para exercer a criacutetica

Todos os respondentes estavam cientes dos objetivos desse levantamento e do uso de seus dados para fins exclusivamente aca-decircmicos Mesmo diante da possibilidade de garantia do anonimato todos concordaram com a identificaccedilatildeo de seus nomes e dados para esta ocasiatildeo Os questionaacuterios foram distribuiacutedos em julho e as respostas foram recolhidas em agosto de 2016

Participaram da pesquisa os ex-ombuds-man da Folha de SPaulo Caio Tuacutelio Costa Mario Vitor Santos Marcelo Leite Maacuterio Ma-galhatildees Carlos Eduardo Lins da Silva Suza-na Singer e Vera Guimaratildees Martins o ex-ombudsman de O Povo Pliacutenio Bortolotti a ex-ombudsman da EBC Regina Lima e o criacutetico Luciano Martins Costa do Observatoacuterio da Imprensa Completam a lista as atuais om-budsman da Folha de SPaulo Paula Cesari-no Costa a de O Povo Tacircnia Alves e a da EBC Joseti Marques

Para colher as percepccedilotildees dos observa-dores sobre a assimilaccedilatildeo da criacutetica pela cuacute-pula da empresa foi perguntado ldquoEm sua eacutepoca de ombudsman vocecirc sentia que suas avaliaccedilotildees e anaacutelises eram levadas em con-sideraccedilatildeo pelos nuacutecleos de decisatildeo editorial da empresardquo De forma unacircnime os jorna-listas da Folha de SPaulo responderam afir-mativamente o que sinaliza uma disposiccedilatildeo da direccedilatildeo da empresa para receber criacuteticas ou queixas o que natildeo significa necessaria-mente atendecirc-las lembrou um dos respon-dentes Outro participante da pesquisa ponderou que os apontamentos do ombuds-man surtiam ldquoalgum efeitordquo Os demais fo-ram ceacuteticos sobre a receptividade dos gestores com respostas que iam de ldquomais ou menosrdquo ldquoquase nuncardquo e ldquosinceramente natildeordquo A unanimidade das respostas positivas vindas dos observadores da Folha de SPau-lo pode sinalizar um entendimento geral in-terno da funccedilatildeo do criacutetico ateacute porque se pode afirmar que o posto de ombudsman ali se consolidou

Quando questionados se as criacuteticas eram levadas em conta pelos profissionais da re-daccedilatildeo os respondentes sinalizaram que ha-

via mais disposiccedilatildeo e aceitaccedilatildeo pelos repoacuterteres do que por redatores e editores Algumas respostas indicaram que natildeo se tratava diretamente de aceitaccedilatildeo das criacuteti-cas pelos repoacuterteres mas uma permeabili-dade maior por diversos fatores inclusive o pouco retorno que eles tecircm de seu trabalho do puacuteblico e dos superiores hieraacuterquicos

Na sequecircncia foi perguntado ldquoHavia re-sistecircncia ou abertura desses profissionais diante da necessidade de mudanccedila de al-gum procedimentordquo

Apenas trecircs dos treze sujeitos negou ter enfrentado resistecircncia dos colegas em seu exerciacutecio de criacutetica Os demais foram bas-tante enfaacuteticos no reconhecimento desse comportamento As respostas mostraram haver muita resistecircncia A resistecircncia a mu-danccedilas eacute ldquouma atitude muito frequente en-tre jornalistas e se daacute por um traccedilo conservador muito agudo existente na cultu-ra jornaliacutestica Aleacutem disso jornalistas (como a maioria das pessoas) natildeo gostam de rece-ber criacuteticas muito menos puacuteblicasrdquo respon-deu um participante Outra observadora disse que as anaacutelises eram tomadas como ldquocriacuteticas pessoaisrdquo ldquoHavia abertura e resis-tecircncia Talvez o substantivo mais apropriado seja divergecircncia e natildeo resistecircnciardquo comen-tou outro sujeito da pesquisa

Para identificar causas ou origens das eventuais resistecircncias agraves criacuteticas foi per-guntado ldquoA que vocecirc atribui a resistecircncia ou abertura a essa criacutetica O que impedia a dis-posiccedilatildeo para tais mudanccedilasrdquo Um dos mais experientes observadores vecirc componentes histoacutericos na criaccedilatildeo de uma cultura de omissatildeo diante da criacutetica O clima de contro-le que se estabeleceu nas redaccedilotildees nas uacutelti-mas deacutecadas e a homogeneizaccedilatildeo das linhas editoriais dos meios teriam contribuiacute-do para isso Outras respostas satildeo bastante diacutespares mas em conjunto mostram a com-plexidade do fenocircmeno ldquoAcredito que a re-sistecircncia se deve agrave eterna vaidade humana mdash ningueacutem gosta de ser criticadordquo disse um dos sujeitos da pesquisa Haacutebitos consolida-dos relaccedilotildees de poder dentro das redaccedilotildees incompreensatildeo do papel do criacutetico foram al-gumas das causas apontadas

As percepccedilotildees colhidas junto aos sujei-tos da pesquisa permitem reforccedilar a ideia largamente disseminada de que o trabalho do criacutetico de miacutedia tambeacutem eacute objeto de criacuteti-ca de seus pares Haacute portanto zonas de atrito nesse processo

Os participantes da pesquisa foram in-centivados a citar mudanccedilas na rotina ou nos procedimentos jornaliacutesticos que foram

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

motivados por suas observaccedilotildees Seis dos treze respondentes ndash quase a metade mdash dis-se natildeo se lembrar exatamente ou natildeo soube mencionar alteraccedilotildees derivadas de seu tra-balho como observador de miacutedia Outra par-ticipante disse natildeo haver acompanhamento e avaliaccedilatildeo do trabalho ausecircncia que fragili-za o processo da criacutetica

Entre as mudanccedilas promovidas a partir das criacuteticas e anaacutelises estatildeo o redesenho de paacuteginas e seccedilotildees a aplicaccedilatildeo de destaque a trechos e informaccedilotildees corrigidas nas ver-sotildees online o abandono das declaraccedilotildees policiais como verdades oficiais a amplia-ccedilatildeo de erratas e retificaccedilotildees e a definiccedilatildeo de paracircmetros para a veiculaccedilatildeo de conteuacute-dos religiosos na programaccedilatildeo Os sujeitos da pesquisa concordam que as mudanccedilas satildeo pontuais e decorrentes de muito des-gaste interno ateacute que fossem assumidas no-vas praacuteticas

Os participantes da pesquisa foram inda-gados sobre que instacircncias ou atores pode-riam contribuir para a criacutetica de miacutedia As respostas foram as mais variadas indo da disseminaccedilatildeo de ombudsmen na miacutedia ao fortalecimento dos observatoacuterios passando pela implementaccedilatildeo de conselhos de auto-regulamentaccedilatildeo da imprensa A criaccedilatildeo de sites especializados o aumento na cobertu-ra sobre o proacuteprio jornalismo e a aproxima-ccedilatildeo entre induacutestria e universidades tambeacutem foram mencionados Houve ainda quem ci-tasse as redes sociais como um locus mais atual e frequente da criacutetica de miacutedia e ainda os mais pessimistas que consideram que a crise do jornalismo vaacute provocar um maior enfraquecimento da observaccedilatildeo criacutetica da miacutedia

As respostas colhidas mostram a comple-xidade do Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacuteti-ca e a necessidade de enfrentaacute-lo Uma autocriacutetica para as instacircncias de observaccedilatildeo eacute oportuna e necessaacuteria Quero apresentar algumas sugestotildees neste sentido

3 UMA AUTOCRIacuteTICA AOS CRIacuteTICOS

Independente de seus ecircxitos ou inconsis-tecircncias os observatoacuterios tecircm ocupado um lugar no ecossistema midiaacutetico que eacute bas-tante peculiar atuam tanto no universo da produccedilatildeo e difusatildeo jornaliacutestica quanto nas relaccedilotildees dos meios de comunicaccedilatildeo com a sociedade o que atravessa os debates sobre democracia a participaccedilatildeo popular Assim os observatoacuterios apontam falhas em coberturas jornaliacutesticas manipulaccedilotildees e distorccedilotildees bem

como restriccedilotildees e cerceamentos agrave liberdade de imprensa o que manifesta sintomas de que os regimes democraacuteticos estejam doentes ou fragilizados

Embora natildeo se mencione com muita cla-reza fica subentendido que a presenccedila dos observatoacuterios eacute a encarnaccedilatildeo do desejo de mudanccedila e a convicccedilatildeo de que a miacutedia e a sociedade podem melhorar Isso vigorou no seacuteculo XX e persiste ateacute entatildeo o que nos le-va a formular uma primeira tese para a au-tocriacutetica desses criacuteticos de miacutedia os observatoacuterios ainda satildeo desejaacuteveis e neces-saacuterios para mudar o panorama

Satildeo ainda bastante niacutetidas duas funccedilotildees primordiais dos observatoacuterios a) contribuir para o aperfeiccediloamento do jornalismo das organizaccedilotildees do setor dos procedimentos e dos profissionais da aacuterea e dos serviccedilos e produtos que ele oferece b) disseminar uma cultura de leitura criacutetica que fortaleccedila uma literaacutecia midiaacutetica fazendo uma espeacutecie de pedagogia dos meios para o puacuteblico (Herre-ra e Christofoletti 2006a)

Agrave medida que uma cidade estado ou paiacutes contam com um sistema de miacutedia e que haja o escrutiacutenio puacuteblico de seu funciona-mento temos ali motivaccedilotildees e condiccedilotildees para implantar uma instacircncia de observaccedilatildeo criacutetica do jornalismo e da comunicaccedilatildeo Sua existecircncia permitiraacute a anaacutelise das crises de negoacutecios confianccedila e credibilidade que afe-tam a miacutedia que se discutam saiacutedas e solu-ccedilotildees que se destaquem boas praacuteticas e inovaccedilotildees e que se fortaleccedilam novos pac-tos entre o jornalismo e seus puacuteblicos

Historicamente o jornalismo assumiu a funccedilatildeo de fiscalizar os poderes o que nem sempre se verifica Fiscalizar o fiscal eacute apro-fundar a equaccedilatildeo fortalecendo a democra-cia na medida em que ela eacute o regime de compartilhamento de poder de monitora-mento muacutetuo de assunccedilatildeo coletiva de res-ponsabilidades Governos precisam prestar contas empresas buscam cada vez a boa governanccedila e as empresas de miacutedia natildeo es-tatildeo isentas nesse clamor por transparecircncia e accountability Os observatoacuterios ainda satildeo muito uacuteteis para exercer esse papel a exem-plo do que Ramonet (2003) chamou de O Quinto Poder Desta forma a criacutetica assume novas dimensotildees e se converte em um exer-ciacutecio de assunccedilatildeo compartilhada de respon-sabilidade cidadatilde visando a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa humanamente mais desenvolvida

A tarefa requer convicccedilatildeo de sua necessi-dade esforccedilos coordenados coragem e mui-ta persistecircncia Isto eacute natildeo pode ser assumida

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

por um uacutenico ator social o que nos leva a uma segunda tese para a autocriacutetica os ob-servatoacuterios foram superestimados

Ao longo das deacutecadas agrave medida que a sociedade se mediatizava depositamos imensas esperanccedilas de que os observatoacuteri-os resolveriam parte central dos problemas do jornalismo como o enviesamento as dis-torccedilotildees e as manipulaccedilotildees Esperaacutevamos que os observatoacuterios apontassem os erros e que as redaccedilotildees corrigissem seus comporta-mentos de imediato consolidando um mo-delo de aperfeiccediloamento contiacutenuo como se vecirc por exemplo na induacutestria de aviotildees Ne-la cada acidente provoca grandes investiga-ccedilotildees para determinar causas e condiccedilotildees e com esses dados os fabricantes solucionem os problemas para evitar acidentes seme-lhantes

No caso dos observatoacuterios imaginamos que as empresas jornaliacutesticas usassem os dados gerados pelos diagnoacutesticos de im-prensa para construir seus instrumentos de gestatildeo Os observatoacuterios se espalharam por toda a parte mas a induacutestria natildeo reagiu conforme o esperado e ao longo dos anos diversas iniciativas de criacutetica de miacutedia foram desativadas

No Brasil dois empreendimentos que ainda estatildeo em funcionamento exemplifi-cam as dificuldades para se calcificar uma efetiva criacutetica de miacutedia O Observatoacuterio da Imprensa eacute a mais antiga experiecircncia contiacute-nua de acompanhamento do jornalismo na Ameacuterica Latina (Braga 2006 Loures 2008 Egypto e Malin 2008) Seu site2 surgiu em 1996 e logo ele se transformou na principal arena de debates sobre jornalismo miacutedia comunicaccedilatildeo publicidade e sociedade do paiacutes O site publica textos e anaacutelises de es-pecialistas jornalistas pesquisadores e lei-tores comuns contribuindo para o escrutiacutenio puacuteblico dos meios Em seus melhores mo-mentos o projeto tinha aleacutem do site pro-gramas diaacuterios de raacutedio e um programa semanal na televisatildeo puacuteblica amplificando os debates Nos primeiros anos natildeo foi difiacute-cil imaginar que o Observatoacuterio da Imprensa fosse mudar concretamente o jornalismo brasileiro Como dizia seu slogan ldquoVocecirc nunca mais vai ler jornal do mesmo jeitordquo

Esta trajetoacuteria natildeo impediu no entanto que o Observatoacuterio da Imprensa fosse colhi-do pela crise em 2016 No ano em que com-

pletava vinte anos de existecircncia o projeto pediu ajuda aos leitores numa campanha de financiamento coletivo e soacute conseguiu arre-cadar um pouco mais que um terccedilo do espe-rado3 Atualmente o Observatoacuterio da Imprensa opera de forma bem precaacuteria com uma redaccedilatildeo muito enxuta e quase sem re-cursos para se manter

O segundo exemplo eacute a Rede Nacional de Observatoacuterios da Imprensa (Renoi) cria-da em 2005 para reunir laboratoacuterios e expe-riecircncias acadecircmicas de monitoramento de miacutedia Em pouco mais de uma deacutecada a re-de chegou a ter associados em todas as cin-co regiotildees do Brasil lanccedilou trecircs livros publicou dezenas de artigos e participou de diversos eventos cientiacuteficos A euforia dos primeiros anos permitia imaginar que os projetos que faziam parte da Renoi pudes-sem contagiar as redaccedilotildees locais e atuar co-mo extensotildees pedagoacutegicas para a criacutetica de miacutedia Esses desejos natildeo se realizaram A rede sempre teve problemas de articulaccedilatildeo que a impediram de expandir sua atuaccedilatildeo para alcanccedilar outras camadas da sociedade para aleacutem das universidades

Uma tese derivada da segunda eacute que os observatoacuterios satildeo menores que seus proje-tos originais Foi assim com o Observatoacuterio da Imprensa e eacute assim com a Renoi Ambos satildeo exemplos corajosos e insistentes de criacute-tica de miacutedia que atraiacuteram imensas expecta-tivas mas que natildeo podem dar conta completamente do processo de mudanccedila e aperfeiccediloamento dessa induacutestria Outros atores precisam se alinhar a essa luta e co-ordenar accedilotildees em tempo contiacutenuo Como se pode perceber o processo de desenvolvi-mento e aperfeiccediloamento dos meios eacute com-plexo precisa enfrentar resistecircncias culturais ndash jaacute tratamos anteriormente do Problema da Assimilaccedilatildeo ndash e depende de esforccedilos variados e combinados

Os desejos que levam agrave criaccedilatildeo dos ob-servatoacuterios na maioria das vezes ajudam a implementar iniciativas quixotescas carre-gadas de utopia e nem sempre sustentaacuteveis financeiramente Mas este natildeo eacute um proble-ma exclusivo dos criacuteticos A proacutepria induacutestria se ressente disso nos uacuteltimos anos

Uma quarta tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios diz respeito ao espaccedilo que ocupam no ecossistema midiaacutetico Se considerarmos que a criacutetica eacute um exerciacutecio

2 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodaimprensacombr 3 Disponiacutevel em httpobservatoriodaimprensacombrobservatorio-da-imprensaprestacao-de-contas-aos-nossos-

leitores

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

de interpretaccedilatildeo opiniatildeo e anaacutelise que pros-pera em ambientes com liberdade a inexis-tecircncia eacute pior que a limitaccedilatildeo dos observatoacuterios Isto eacute os observatoacuterios natildeo garantem necessariamente que a miacutedia que acompanham seja melhor mas se sequer existirem teremos um cenaacuterio carente de li-berdade de pensamento e de julgamento puacuteblico dos meios de comunicaccedilatildeo Este eacute um cenaacuterio onde a induacutestria jornaliacutestica natildeo poderaacute contar com olhares externos que possam sinalizar como pode ajustar suas co-berturas como pode corrigir seus procedi-mentos ou melhorar produtos e serviccedilos Eacute evidente que a proacutepria induacutestria pode criar e manter seus proacuteprios instrumentos de quali-dade mas eles seratildeo suficientes para captar as expectativas do puacuteblico e seratildeo capazes de ldquocortar na proacutepria carnerdquo contrariando interesses internos

Exceto por alguns projetos seminais co-mo o Accuracy in Media4 fundado em 1969 e o Fairness and Accuracy In Reporting5

(FAIR) de 1986 a maior parte dos observa-toacuterios de miacutedia em funcionamento surgiram na uacuteltima deacutecada do seacuteculo XX e a primeira do seguinte Satildeo iniciativas apoiadas em empreendimentos pessoais ou de pequenos grupos de profissionais acadecircmicos ou cida-datildeos que militam em causas como a liberda-de de expressatildeo a democracia e os direitos civis

A rigor os observatoacuterios satildeo uma modali-dade destacada do que Bertrand (2002) deno-minou ldquoMedia Accountability Systemsrdquo (MAS) esforccedilos que se dedicam a levar as organiza-ccedilotildees jornaliacutesticas e seus profissionais a serem mais responsaacuteveis Neste sentido e em com-parativo percebe-se que outras modalidades de MAS tambeacutem encolheram nos uacuteltimos anos Eacute o caso dos ombudsmen de imprensa Conforme o site da Organization of News Om-budsmen (ONO6) haacute apenas 56 membros atu-antes no mundo o que pode ser considerado muito pouco em relaccedilatildeo agrave quantidade de mei-os de comunicaccedilatildeo que poderiam contar com os serviccedilos de observaccedilatildeo desses profissio-nais Oito deles estatildeo nos Estados Unidos o mesmo nuacutemero que o Canadaacute e a maior parte vem de paiacuteses noacuterdicos ou escandinavos com longo histoacuterico de debate e reflexatildeo na aacuterea Pouquiacutessimos ombudsmen vecircm de paiacuteses mais pobres ou perifeacutericos

A quinta tese que propomos para auxiliar

uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute a de que o jornalismo estaacute mudando e sua criacutetica tambeacutem precisa mudar Em deacutecadas anteri-ores era comum e esperado avaliar cobertu-ras sob a perspectiva de que os meios se guiassem pelo ideal da objetividade postura que atualmente pode ser deixada de lado quando se acompanha o noticiaacuterio de orga-nizaccedilotildees que fazem advocacy ou mesmo que declaram cobrir fatos assumindo um la-do da histoacuteria Natildeo se pode ignorar que o jornalismo de causas esteja ganhando forccedila nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI a se julgar por publicaccedilotildees feministas e racial-mente afirmativas

Uma autocriacutetica para os observatoacuterios deve levar em conta entatildeo a necessidade de atualizar os paracircmetros avaliativos e de re-definir padrotildees de qualidade editorial ade-quaccedilatildeo temaacutetica aceitaccedilatildeo puacuteblica e legitimidade social Entre as crises que es-tremecem o jornalismo estaacute a que afeta a sua credibilidade e ela pode ser uma boa oportunidade natildeo apenas para que profissi-onais e organizaccedilotildees revitalizem seus pa-peis junto agrave sociedade mas tambeacutem para que a criacutetica revigore suas bases

Um dos caminhos para essa revisatildeo po-de ser o acuacutemulo de mais uma funccedilatildeo aleacutem da pedagogia da miacutedia e do aperfeiccediloamen-to do jornalismo jaacute mencionadas os obser-vatoacuterios precisam se reinventar rapidamente mantendo o papel de instacircn-cia criacutetica e educadora mas ajudando a for-mular poliacuteticas para a aacuterea Esta sexta tese que apresentamos eacute ousada no sentido de que pode resultar em sobrecarga de traba-lho para as equipes de observadores Mas eacute oportuna tambeacutem porque pode dar mais vi-sibilidade ao trabalho dos observatoacuterios e gerar impactos efetivos na vida social Ima-gine-se por exemplo que um observatoacuterio da Catalunya faccedila o acompanhamento das coberturas sobre o Parlament de sua junta e que ainda contribua assessorando os re-presentantes para redigir leis que garantam mais transparecircncia puacuteblica de seus atos atraveacutes do uso de canais comunitaacuterios de televisatildeo Imagine-se ainda um observatoacuterio numa distante localidade da Boliacutevia que li-dere uma campanha pela democratizaccedilatildeo dos meios naquela regiatildeo permitindo que os povos originaacuterios tenham acesso a emissoras de raacutedio e televisatildeo e que tam-

4 Disponiacutevel em httpwwwaimorg5 Disponiacutevel em httpwwwfairorg6 Outras informaccediloes em httpnewsombudsmenorg

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

Referecircncias Bibliograacutecas

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

Empresa Brasil de Comunicaccedilatildeo (EBC) e por reconhecidos observadores da miacutedia nacional Cheguei a uma amostra de 13 profissionais experientes que exerceram a criacutetica de miacutedia nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Apliquei um questio-naacuterio com oito questotildees abertas para colher percepccedilotildees sobre a efetividade da criacutetica so-bre os aspectos culturais e organizacionais que podem reduzir seu impacto sobre a fun-ccedilatildeo do criacutetico e sobre outros atores com legiti-midade para exercer a criacutetica

Todos os respondentes estavam cientes dos objetivos desse levantamento e do uso de seus dados para fins exclusivamente aca-decircmicos Mesmo diante da possibilidade de garantia do anonimato todos concordaram com a identificaccedilatildeo de seus nomes e dados para esta ocasiatildeo Os questionaacuterios foram distribuiacutedos em julho e as respostas foram recolhidas em agosto de 2016

Participaram da pesquisa os ex-ombuds-man da Folha de SPaulo Caio Tuacutelio Costa Mario Vitor Santos Marcelo Leite Maacuterio Ma-galhatildees Carlos Eduardo Lins da Silva Suza-na Singer e Vera Guimaratildees Martins o ex-ombudsman de O Povo Pliacutenio Bortolotti a ex-ombudsman da EBC Regina Lima e o criacutetico Luciano Martins Costa do Observatoacuterio da Imprensa Completam a lista as atuais om-budsman da Folha de SPaulo Paula Cesari-no Costa a de O Povo Tacircnia Alves e a da EBC Joseti Marques

Para colher as percepccedilotildees dos observa-dores sobre a assimilaccedilatildeo da criacutetica pela cuacute-pula da empresa foi perguntado ldquoEm sua eacutepoca de ombudsman vocecirc sentia que suas avaliaccedilotildees e anaacutelises eram levadas em con-sideraccedilatildeo pelos nuacutecleos de decisatildeo editorial da empresardquo De forma unacircnime os jorna-listas da Folha de SPaulo responderam afir-mativamente o que sinaliza uma disposiccedilatildeo da direccedilatildeo da empresa para receber criacuteticas ou queixas o que natildeo significa necessaria-mente atendecirc-las lembrou um dos respon-dentes Outro participante da pesquisa ponderou que os apontamentos do ombuds-man surtiam ldquoalgum efeitordquo Os demais fo-ram ceacuteticos sobre a receptividade dos gestores com respostas que iam de ldquomais ou menosrdquo ldquoquase nuncardquo e ldquosinceramente natildeordquo A unanimidade das respostas positivas vindas dos observadores da Folha de SPau-lo pode sinalizar um entendimento geral in-terno da funccedilatildeo do criacutetico ateacute porque se pode afirmar que o posto de ombudsman ali se consolidou

Quando questionados se as criacuteticas eram levadas em conta pelos profissionais da re-daccedilatildeo os respondentes sinalizaram que ha-

via mais disposiccedilatildeo e aceitaccedilatildeo pelos repoacuterteres do que por redatores e editores Algumas respostas indicaram que natildeo se tratava diretamente de aceitaccedilatildeo das criacuteti-cas pelos repoacuterteres mas uma permeabili-dade maior por diversos fatores inclusive o pouco retorno que eles tecircm de seu trabalho do puacuteblico e dos superiores hieraacuterquicos

Na sequecircncia foi perguntado ldquoHavia re-sistecircncia ou abertura desses profissionais diante da necessidade de mudanccedila de al-gum procedimentordquo

Apenas trecircs dos treze sujeitos negou ter enfrentado resistecircncia dos colegas em seu exerciacutecio de criacutetica Os demais foram bas-tante enfaacuteticos no reconhecimento desse comportamento As respostas mostraram haver muita resistecircncia A resistecircncia a mu-danccedilas eacute ldquouma atitude muito frequente en-tre jornalistas e se daacute por um traccedilo conservador muito agudo existente na cultu-ra jornaliacutestica Aleacutem disso jornalistas (como a maioria das pessoas) natildeo gostam de rece-ber criacuteticas muito menos puacuteblicasrdquo respon-deu um participante Outra observadora disse que as anaacutelises eram tomadas como ldquocriacuteticas pessoaisrdquo ldquoHavia abertura e resis-tecircncia Talvez o substantivo mais apropriado seja divergecircncia e natildeo resistecircnciardquo comen-tou outro sujeito da pesquisa

Para identificar causas ou origens das eventuais resistecircncias agraves criacuteticas foi per-guntado ldquoA que vocecirc atribui a resistecircncia ou abertura a essa criacutetica O que impedia a dis-posiccedilatildeo para tais mudanccedilasrdquo Um dos mais experientes observadores vecirc componentes histoacutericos na criaccedilatildeo de uma cultura de omissatildeo diante da criacutetica O clima de contro-le que se estabeleceu nas redaccedilotildees nas uacutelti-mas deacutecadas e a homogeneizaccedilatildeo das linhas editoriais dos meios teriam contribuiacute-do para isso Outras respostas satildeo bastante diacutespares mas em conjunto mostram a com-plexidade do fenocircmeno ldquoAcredito que a re-sistecircncia se deve agrave eterna vaidade humana mdash ningueacutem gosta de ser criticadordquo disse um dos sujeitos da pesquisa Haacutebitos consolida-dos relaccedilotildees de poder dentro das redaccedilotildees incompreensatildeo do papel do criacutetico foram al-gumas das causas apontadas

As percepccedilotildees colhidas junto aos sujei-tos da pesquisa permitem reforccedilar a ideia largamente disseminada de que o trabalho do criacutetico de miacutedia tambeacutem eacute objeto de criacuteti-ca de seus pares Haacute portanto zonas de atrito nesse processo

Os participantes da pesquisa foram in-centivados a citar mudanccedilas na rotina ou nos procedimentos jornaliacutesticos que foram

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motivados por suas observaccedilotildees Seis dos treze respondentes ndash quase a metade mdash dis-se natildeo se lembrar exatamente ou natildeo soube mencionar alteraccedilotildees derivadas de seu tra-balho como observador de miacutedia Outra par-ticipante disse natildeo haver acompanhamento e avaliaccedilatildeo do trabalho ausecircncia que fragili-za o processo da criacutetica

Entre as mudanccedilas promovidas a partir das criacuteticas e anaacutelises estatildeo o redesenho de paacuteginas e seccedilotildees a aplicaccedilatildeo de destaque a trechos e informaccedilotildees corrigidas nas ver-sotildees online o abandono das declaraccedilotildees policiais como verdades oficiais a amplia-ccedilatildeo de erratas e retificaccedilotildees e a definiccedilatildeo de paracircmetros para a veiculaccedilatildeo de conteuacute-dos religiosos na programaccedilatildeo Os sujeitos da pesquisa concordam que as mudanccedilas satildeo pontuais e decorrentes de muito des-gaste interno ateacute que fossem assumidas no-vas praacuteticas

Os participantes da pesquisa foram inda-gados sobre que instacircncias ou atores pode-riam contribuir para a criacutetica de miacutedia As respostas foram as mais variadas indo da disseminaccedilatildeo de ombudsmen na miacutedia ao fortalecimento dos observatoacuterios passando pela implementaccedilatildeo de conselhos de auto-regulamentaccedilatildeo da imprensa A criaccedilatildeo de sites especializados o aumento na cobertu-ra sobre o proacuteprio jornalismo e a aproxima-ccedilatildeo entre induacutestria e universidades tambeacutem foram mencionados Houve ainda quem ci-tasse as redes sociais como um locus mais atual e frequente da criacutetica de miacutedia e ainda os mais pessimistas que consideram que a crise do jornalismo vaacute provocar um maior enfraquecimento da observaccedilatildeo criacutetica da miacutedia

As respostas colhidas mostram a comple-xidade do Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacuteti-ca e a necessidade de enfrentaacute-lo Uma autocriacutetica para as instacircncias de observaccedilatildeo eacute oportuna e necessaacuteria Quero apresentar algumas sugestotildees neste sentido

3 UMA AUTOCRIacuteTICA AOS CRIacuteTICOS

Independente de seus ecircxitos ou inconsis-tecircncias os observatoacuterios tecircm ocupado um lugar no ecossistema midiaacutetico que eacute bas-tante peculiar atuam tanto no universo da produccedilatildeo e difusatildeo jornaliacutestica quanto nas relaccedilotildees dos meios de comunicaccedilatildeo com a sociedade o que atravessa os debates sobre democracia a participaccedilatildeo popular Assim os observatoacuterios apontam falhas em coberturas jornaliacutesticas manipulaccedilotildees e distorccedilotildees bem

como restriccedilotildees e cerceamentos agrave liberdade de imprensa o que manifesta sintomas de que os regimes democraacuteticos estejam doentes ou fragilizados

Embora natildeo se mencione com muita cla-reza fica subentendido que a presenccedila dos observatoacuterios eacute a encarnaccedilatildeo do desejo de mudanccedila e a convicccedilatildeo de que a miacutedia e a sociedade podem melhorar Isso vigorou no seacuteculo XX e persiste ateacute entatildeo o que nos le-va a formular uma primeira tese para a au-tocriacutetica desses criacuteticos de miacutedia os observatoacuterios ainda satildeo desejaacuteveis e neces-saacuterios para mudar o panorama

Satildeo ainda bastante niacutetidas duas funccedilotildees primordiais dos observatoacuterios a) contribuir para o aperfeiccediloamento do jornalismo das organizaccedilotildees do setor dos procedimentos e dos profissionais da aacuterea e dos serviccedilos e produtos que ele oferece b) disseminar uma cultura de leitura criacutetica que fortaleccedila uma literaacutecia midiaacutetica fazendo uma espeacutecie de pedagogia dos meios para o puacuteblico (Herre-ra e Christofoletti 2006a)

Agrave medida que uma cidade estado ou paiacutes contam com um sistema de miacutedia e que haja o escrutiacutenio puacuteblico de seu funciona-mento temos ali motivaccedilotildees e condiccedilotildees para implantar uma instacircncia de observaccedilatildeo criacutetica do jornalismo e da comunicaccedilatildeo Sua existecircncia permitiraacute a anaacutelise das crises de negoacutecios confianccedila e credibilidade que afe-tam a miacutedia que se discutam saiacutedas e solu-ccedilotildees que se destaquem boas praacuteticas e inovaccedilotildees e que se fortaleccedilam novos pac-tos entre o jornalismo e seus puacuteblicos

Historicamente o jornalismo assumiu a funccedilatildeo de fiscalizar os poderes o que nem sempre se verifica Fiscalizar o fiscal eacute apro-fundar a equaccedilatildeo fortalecendo a democra-cia na medida em que ela eacute o regime de compartilhamento de poder de monitora-mento muacutetuo de assunccedilatildeo coletiva de res-ponsabilidades Governos precisam prestar contas empresas buscam cada vez a boa governanccedila e as empresas de miacutedia natildeo es-tatildeo isentas nesse clamor por transparecircncia e accountability Os observatoacuterios ainda satildeo muito uacuteteis para exercer esse papel a exem-plo do que Ramonet (2003) chamou de O Quinto Poder Desta forma a criacutetica assume novas dimensotildees e se converte em um exer-ciacutecio de assunccedilatildeo compartilhada de respon-sabilidade cidadatilde visando a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa humanamente mais desenvolvida

A tarefa requer convicccedilatildeo de sua necessi-dade esforccedilos coordenados coragem e mui-ta persistecircncia Isto eacute natildeo pode ser assumida

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

por um uacutenico ator social o que nos leva a uma segunda tese para a autocriacutetica os ob-servatoacuterios foram superestimados

Ao longo das deacutecadas agrave medida que a sociedade se mediatizava depositamos imensas esperanccedilas de que os observatoacuteri-os resolveriam parte central dos problemas do jornalismo como o enviesamento as dis-torccedilotildees e as manipulaccedilotildees Esperaacutevamos que os observatoacuterios apontassem os erros e que as redaccedilotildees corrigissem seus comporta-mentos de imediato consolidando um mo-delo de aperfeiccediloamento contiacutenuo como se vecirc por exemplo na induacutestria de aviotildees Ne-la cada acidente provoca grandes investiga-ccedilotildees para determinar causas e condiccedilotildees e com esses dados os fabricantes solucionem os problemas para evitar acidentes seme-lhantes

No caso dos observatoacuterios imaginamos que as empresas jornaliacutesticas usassem os dados gerados pelos diagnoacutesticos de im-prensa para construir seus instrumentos de gestatildeo Os observatoacuterios se espalharam por toda a parte mas a induacutestria natildeo reagiu conforme o esperado e ao longo dos anos diversas iniciativas de criacutetica de miacutedia foram desativadas

No Brasil dois empreendimentos que ainda estatildeo em funcionamento exemplifi-cam as dificuldades para se calcificar uma efetiva criacutetica de miacutedia O Observatoacuterio da Imprensa eacute a mais antiga experiecircncia contiacute-nua de acompanhamento do jornalismo na Ameacuterica Latina (Braga 2006 Loures 2008 Egypto e Malin 2008) Seu site2 surgiu em 1996 e logo ele se transformou na principal arena de debates sobre jornalismo miacutedia comunicaccedilatildeo publicidade e sociedade do paiacutes O site publica textos e anaacutelises de es-pecialistas jornalistas pesquisadores e lei-tores comuns contribuindo para o escrutiacutenio puacuteblico dos meios Em seus melhores mo-mentos o projeto tinha aleacutem do site pro-gramas diaacuterios de raacutedio e um programa semanal na televisatildeo puacuteblica amplificando os debates Nos primeiros anos natildeo foi difiacute-cil imaginar que o Observatoacuterio da Imprensa fosse mudar concretamente o jornalismo brasileiro Como dizia seu slogan ldquoVocecirc nunca mais vai ler jornal do mesmo jeitordquo

Esta trajetoacuteria natildeo impediu no entanto que o Observatoacuterio da Imprensa fosse colhi-do pela crise em 2016 No ano em que com-

pletava vinte anos de existecircncia o projeto pediu ajuda aos leitores numa campanha de financiamento coletivo e soacute conseguiu arre-cadar um pouco mais que um terccedilo do espe-rado3 Atualmente o Observatoacuterio da Imprensa opera de forma bem precaacuteria com uma redaccedilatildeo muito enxuta e quase sem re-cursos para se manter

O segundo exemplo eacute a Rede Nacional de Observatoacuterios da Imprensa (Renoi) cria-da em 2005 para reunir laboratoacuterios e expe-riecircncias acadecircmicas de monitoramento de miacutedia Em pouco mais de uma deacutecada a re-de chegou a ter associados em todas as cin-co regiotildees do Brasil lanccedilou trecircs livros publicou dezenas de artigos e participou de diversos eventos cientiacuteficos A euforia dos primeiros anos permitia imaginar que os projetos que faziam parte da Renoi pudes-sem contagiar as redaccedilotildees locais e atuar co-mo extensotildees pedagoacutegicas para a criacutetica de miacutedia Esses desejos natildeo se realizaram A rede sempre teve problemas de articulaccedilatildeo que a impediram de expandir sua atuaccedilatildeo para alcanccedilar outras camadas da sociedade para aleacutem das universidades

Uma tese derivada da segunda eacute que os observatoacuterios satildeo menores que seus proje-tos originais Foi assim com o Observatoacuterio da Imprensa e eacute assim com a Renoi Ambos satildeo exemplos corajosos e insistentes de criacute-tica de miacutedia que atraiacuteram imensas expecta-tivas mas que natildeo podem dar conta completamente do processo de mudanccedila e aperfeiccediloamento dessa induacutestria Outros atores precisam se alinhar a essa luta e co-ordenar accedilotildees em tempo contiacutenuo Como se pode perceber o processo de desenvolvi-mento e aperfeiccediloamento dos meios eacute com-plexo precisa enfrentar resistecircncias culturais ndash jaacute tratamos anteriormente do Problema da Assimilaccedilatildeo ndash e depende de esforccedilos variados e combinados

Os desejos que levam agrave criaccedilatildeo dos ob-servatoacuterios na maioria das vezes ajudam a implementar iniciativas quixotescas carre-gadas de utopia e nem sempre sustentaacuteveis financeiramente Mas este natildeo eacute um proble-ma exclusivo dos criacuteticos A proacutepria induacutestria se ressente disso nos uacuteltimos anos

Uma quarta tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios diz respeito ao espaccedilo que ocupam no ecossistema midiaacutetico Se considerarmos que a criacutetica eacute um exerciacutecio

2 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodaimprensacombr 3 Disponiacutevel em httpobservatoriodaimprensacombrobservatorio-da-imprensaprestacao-de-contas-aos-nossos-

leitores

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de interpretaccedilatildeo opiniatildeo e anaacutelise que pros-pera em ambientes com liberdade a inexis-tecircncia eacute pior que a limitaccedilatildeo dos observatoacuterios Isto eacute os observatoacuterios natildeo garantem necessariamente que a miacutedia que acompanham seja melhor mas se sequer existirem teremos um cenaacuterio carente de li-berdade de pensamento e de julgamento puacuteblico dos meios de comunicaccedilatildeo Este eacute um cenaacuterio onde a induacutestria jornaliacutestica natildeo poderaacute contar com olhares externos que possam sinalizar como pode ajustar suas co-berturas como pode corrigir seus procedi-mentos ou melhorar produtos e serviccedilos Eacute evidente que a proacutepria induacutestria pode criar e manter seus proacuteprios instrumentos de quali-dade mas eles seratildeo suficientes para captar as expectativas do puacuteblico e seratildeo capazes de ldquocortar na proacutepria carnerdquo contrariando interesses internos

Exceto por alguns projetos seminais co-mo o Accuracy in Media4 fundado em 1969 e o Fairness and Accuracy In Reporting5

(FAIR) de 1986 a maior parte dos observa-toacuterios de miacutedia em funcionamento surgiram na uacuteltima deacutecada do seacuteculo XX e a primeira do seguinte Satildeo iniciativas apoiadas em empreendimentos pessoais ou de pequenos grupos de profissionais acadecircmicos ou cida-datildeos que militam em causas como a liberda-de de expressatildeo a democracia e os direitos civis

A rigor os observatoacuterios satildeo uma modali-dade destacada do que Bertrand (2002) deno-minou ldquoMedia Accountability Systemsrdquo (MAS) esforccedilos que se dedicam a levar as organiza-ccedilotildees jornaliacutesticas e seus profissionais a serem mais responsaacuteveis Neste sentido e em com-parativo percebe-se que outras modalidades de MAS tambeacutem encolheram nos uacuteltimos anos Eacute o caso dos ombudsmen de imprensa Conforme o site da Organization of News Om-budsmen (ONO6) haacute apenas 56 membros atu-antes no mundo o que pode ser considerado muito pouco em relaccedilatildeo agrave quantidade de mei-os de comunicaccedilatildeo que poderiam contar com os serviccedilos de observaccedilatildeo desses profissio-nais Oito deles estatildeo nos Estados Unidos o mesmo nuacutemero que o Canadaacute e a maior parte vem de paiacuteses noacuterdicos ou escandinavos com longo histoacuterico de debate e reflexatildeo na aacuterea Pouquiacutessimos ombudsmen vecircm de paiacuteses mais pobres ou perifeacutericos

A quinta tese que propomos para auxiliar

uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute a de que o jornalismo estaacute mudando e sua criacutetica tambeacutem precisa mudar Em deacutecadas anteri-ores era comum e esperado avaliar cobertu-ras sob a perspectiva de que os meios se guiassem pelo ideal da objetividade postura que atualmente pode ser deixada de lado quando se acompanha o noticiaacuterio de orga-nizaccedilotildees que fazem advocacy ou mesmo que declaram cobrir fatos assumindo um la-do da histoacuteria Natildeo se pode ignorar que o jornalismo de causas esteja ganhando forccedila nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI a se julgar por publicaccedilotildees feministas e racial-mente afirmativas

Uma autocriacutetica para os observatoacuterios deve levar em conta entatildeo a necessidade de atualizar os paracircmetros avaliativos e de re-definir padrotildees de qualidade editorial ade-quaccedilatildeo temaacutetica aceitaccedilatildeo puacuteblica e legitimidade social Entre as crises que es-tremecem o jornalismo estaacute a que afeta a sua credibilidade e ela pode ser uma boa oportunidade natildeo apenas para que profissi-onais e organizaccedilotildees revitalizem seus pa-peis junto agrave sociedade mas tambeacutem para que a criacutetica revigore suas bases

Um dos caminhos para essa revisatildeo po-de ser o acuacutemulo de mais uma funccedilatildeo aleacutem da pedagogia da miacutedia e do aperfeiccediloamen-to do jornalismo jaacute mencionadas os obser-vatoacuterios precisam se reinventar rapidamente mantendo o papel de instacircn-cia criacutetica e educadora mas ajudando a for-mular poliacuteticas para a aacuterea Esta sexta tese que apresentamos eacute ousada no sentido de que pode resultar em sobrecarga de traba-lho para as equipes de observadores Mas eacute oportuna tambeacutem porque pode dar mais vi-sibilidade ao trabalho dos observatoacuterios e gerar impactos efetivos na vida social Ima-gine-se por exemplo que um observatoacuterio da Catalunya faccedila o acompanhamento das coberturas sobre o Parlament de sua junta e que ainda contribua assessorando os re-presentantes para redigir leis que garantam mais transparecircncia puacuteblica de seus atos atraveacutes do uso de canais comunitaacuterios de televisatildeo Imagine-se ainda um observatoacuterio numa distante localidade da Boliacutevia que li-dere uma campanha pela democratizaccedilatildeo dos meios naquela regiatildeo permitindo que os povos originaacuterios tenham acesso a emissoras de raacutedio e televisatildeo e que tam-

4 Disponiacutevel em httpwwwaimorg5 Disponiacutevel em httpwwwfairorg6 Outras informaccediloes em httpnewsombudsmenorg

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

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Christofoletti R (2013) Dez impasses dez anos depois o caso da criacutetica de miacutedia no Brasil In Dalmonte E (Org) Teoria e Praacutetica da Criacutetica Midiaacutetica (p 69-86) Salvador de Bahiacutea Brasil EdUFBA

Cunha P dos S da (2011) Observatoacuterios de miacutedia conceitos praacuteticas e fundamentos Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal de Pernambuco Recife

Egypto L e Malin M (2008) Um Observatoacuterio mais observatorios In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Herrera S e Christofoletti R (2006a) Fiscalizar e alfabetizar dois papeacuteis dos observatoacuterios de meios latino-americanos Questatildeo 12 (1) 149-169

Herrera S e Christofoletti R (2006b) Miacutedia e democracia um perl dos observatoacuterios de meios na Ameacuterica Latina UNIrevista 3 (1) 1-11

Loures A (2008) Pequena histoacuteria da Criacutetica de Miacutedia no Brasil In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Moreira D S (2013) Observatoacuterios de miacutedia contribuiccedilotildees para a proteccedilatildeo de direitos humanos nos meios de comunicaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal do Paranaacute Curitiba

Ramonet I (1 de outubro de 2003) O quinto poder In Le Monde Diplomatique Brasil 45 Disponiacutevel em httpdiplomatiqueorgbro-quinto-poder

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

motivados por suas observaccedilotildees Seis dos treze respondentes ndash quase a metade mdash dis-se natildeo se lembrar exatamente ou natildeo soube mencionar alteraccedilotildees derivadas de seu tra-balho como observador de miacutedia Outra par-ticipante disse natildeo haver acompanhamento e avaliaccedilatildeo do trabalho ausecircncia que fragili-za o processo da criacutetica

Entre as mudanccedilas promovidas a partir das criacuteticas e anaacutelises estatildeo o redesenho de paacuteginas e seccedilotildees a aplicaccedilatildeo de destaque a trechos e informaccedilotildees corrigidas nas ver-sotildees online o abandono das declaraccedilotildees policiais como verdades oficiais a amplia-ccedilatildeo de erratas e retificaccedilotildees e a definiccedilatildeo de paracircmetros para a veiculaccedilatildeo de conteuacute-dos religiosos na programaccedilatildeo Os sujeitos da pesquisa concordam que as mudanccedilas satildeo pontuais e decorrentes de muito des-gaste interno ateacute que fossem assumidas no-vas praacuteticas

Os participantes da pesquisa foram inda-gados sobre que instacircncias ou atores pode-riam contribuir para a criacutetica de miacutedia As respostas foram as mais variadas indo da disseminaccedilatildeo de ombudsmen na miacutedia ao fortalecimento dos observatoacuterios passando pela implementaccedilatildeo de conselhos de auto-regulamentaccedilatildeo da imprensa A criaccedilatildeo de sites especializados o aumento na cobertu-ra sobre o proacuteprio jornalismo e a aproxima-ccedilatildeo entre induacutestria e universidades tambeacutem foram mencionados Houve ainda quem ci-tasse as redes sociais como um locus mais atual e frequente da criacutetica de miacutedia e ainda os mais pessimistas que consideram que a crise do jornalismo vaacute provocar um maior enfraquecimento da observaccedilatildeo criacutetica da miacutedia

As respostas colhidas mostram a comple-xidade do Problema da Assimilaccedilatildeo da Criacuteti-ca e a necessidade de enfrentaacute-lo Uma autocriacutetica para as instacircncias de observaccedilatildeo eacute oportuna e necessaacuteria Quero apresentar algumas sugestotildees neste sentido

3 UMA AUTOCRIacuteTICA AOS CRIacuteTICOS

Independente de seus ecircxitos ou inconsis-tecircncias os observatoacuterios tecircm ocupado um lugar no ecossistema midiaacutetico que eacute bas-tante peculiar atuam tanto no universo da produccedilatildeo e difusatildeo jornaliacutestica quanto nas relaccedilotildees dos meios de comunicaccedilatildeo com a sociedade o que atravessa os debates sobre democracia a participaccedilatildeo popular Assim os observatoacuterios apontam falhas em coberturas jornaliacutesticas manipulaccedilotildees e distorccedilotildees bem

como restriccedilotildees e cerceamentos agrave liberdade de imprensa o que manifesta sintomas de que os regimes democraacuteticos estejam doentes ou fragilizados

Embora natildeo se mencione com muita cla-reza fica subentendido que a presenccedila dos observatoacuterios eacute a encarnaccedilatildeo do desejo de mudanccedila e a convicccedilatildeo de que a miacutedia e a sociedade podem melhorar Isso vigorou no seacuteculo XX e persiste ateacute entatildeo o que nos le-va a formular uma primeira tese para a au-tocriacutetica desses criacuteticos de miacutedia os observatoacuterios ainda satildeo desejaacuteveis e neces-saacuterios para mudar o panorama

Satildeo ainda bastante niacutetidas duas funccedilotildees primordiais dos observatoacuterios a) contribuir para o aperfeiccediloamento do jornalismo das organizaccedilotildees do setor dos procedimentos e dos profissionais da aacuterea e dos serviccedilos e produtos que ele oferece b) disseminar uma cultura de leitura criacutetica que fortaleccedila uma literaacutecia midiaacutetica fazendo uma espeacutecie de pedagogia dos meios para o puacuteblico (Herre-ra e Christofoletti 2006a)

Agrave medida que uma cidade estado ou paiacutes contam com um sistema de miacutedia e que haja o escrutiacutenio puacuteblico de seu funciona-mento temos ali motivaccedilotildees e condiccedilotildees para implantar uma instacircncia de observaccedilatildeo criacutetica do jornalismo e da comunicaccedilatildeo Sua existecircncia permitiraacute a anaacutelise das crises de negoacutecios confianccedila e credibilidade que afe-tam a miacutedia que se discutam saiacutedas e solu-ccedilotildees que se destaquem boas praacuteticas e inovaccedilotildees e que se fortaleccedilam novos pac-tos entre o jornalismo e seus puacuteblicos

Historicamente o jornalismo assumiu a funccedilatildeo de fiscalizar os poderes o que nem sempre se verifica Fiscalizar o fiscal eacute apro-fundar a equaccedilatildeo fortalecendo a democra-cia na medida em que ela eacute o regime de compartilhamento de poder de monitora-mento muacutetuo de assunccedilatildeo coletiva de res-ponsabilidades Governos precisam prestar contas empresas buscam cada vez a boa governanccedila e as empresas de miacutedia natildeo es-tatildeo isentas nesse clamor por transparecircncia e accountability Os observatoacuterios ainda satildeo muito uacuteteis para exercer esse papel a exem-plo do que Ramonet (2003) chamou de O Quinto Poder Desta forma a criacutetica assume novas dimensotildees e se converte em um exer-ciacutecio de assunccedilatildeo compartilhada de respon-sabilidade cidadatilde visando a construccedilatildeo de uma sociedade mais justa humanamente mais desenvolvida

A tarefa requer convicccedilatildeo de sua necessi-dade esforccedilos coordenados coragem e mui-ta persistecircncia Isto eacute natildeo pode ser assumida

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

por um uacutenico ator social o que nos leva a uma segunda tese para a autocriacutetica os ob-servatoacuterios foram superestimados

Ao longo das deacutecadas agrave medida que a sociedade se mediatizava depositamos imensas esperanccedilas de que os observatoacuteri-os resolveriam parte central dos problemas do jornalismo como o enviesamento as dis-torccedilotildees e as manipulaccedilotildees Esperaacutevamos que os observatoacuterios apontassem os erros e que as redaccedilotildees corrigissem seus comporta-mentos de imediato consolidando um mo-delo de aperfeiccediloamento contiacutenuo como se vecirc por exemplo na induacutestria de aviotildees Ne-la cada acidente provoca grandes investiga-ccedilotildees para determinar causas e condiccedilotildees e com esses dados os fabricantes solucionem os problemas para evitar acidentes seme-lhantes

No caso dos observatoacuterios imaginamos que as empresas jornaliacutesticas usassem os dados gerados pelos diagnoacutesticos de im-prensa para construir seus instrumentos de gestatildeo Os observatoacuterios se espalharam por toda a parte mas a induacutestria natildeo reagiu conforme o esperado e ao longo dos anos diversas iniciativas de criacutetica de miacutedia foram desativadas

No Brasil dois empreendimentos que ainda estatildeo em funcionamento exemplifi-cam as dificuldades para se calcificar uma efetiva criacutetica de miacutedia O Observatoacuterio da Imprensa eacute a mais antiga experiecircncia contiacute-nua de acompanhamento do jornalismo na Ameacuterica Latina (Braga 2006 Loures 2008 Egypto e Malin 2008) Seu site2 surgiu em 1996 e logo ele se transformou na principal arena de debates sobre jornalismo miacutedia comunicaccedilatildeo publicidade e sociedade do paiacutes O site publica textos e anaacutelises de es-pecialistas jornalistas pesquisadores e lei-tores comuns contribuindo para o escrutiacutenio puacuteblico dos meios Em seus melhores mo-mentos o projeto tinha aleacutem do site pro-gramas diaacuterios de raacutedio e um programa semanal na televisatildeo puacuteblica amplificando os debates Nos primeiros anos natildeo foi difiacute-cil imaginar que o Observatoacuterio da Imprensa fosse mudar concretamente o jornalismo brasileiro Como dizia seu slogan ldquoVocecirc nunca mais vai ler jornal do mesmo jeitordquo

Esta trajetoacuteria natildeo impediu no entanto que o Observatoacuterio da Imprensa fosse colhi-do pela crise em 2016 No ano em que com-

pletava vinte anos de existecircncia o projeto pediu ajuda aos leitores numa campanha de financiamento coletivo e soacute conseguiu arre-cadar um pouco mais que um terccedilo do espe-rado3 Atualmente o Observatoacuterio da Imprensa opera de forma bem precaacuteria com uma redaccedilatildeo muito enxuta e quase sem re-cursos para se manter

O segundo exemplo eacute a Rede Nacional de Observatoacuterios da Imprensa (Renoi) cria-da em 2005 para reunir laboratoacuterios e expe-riecircncias acadecircmicas de monitoramento de miacutedia Em pouco mais de uma deacutecada a re-de chegou a ter associados em todas as cin-co regiotildees do Brasil lanccedilou trecircs livros publicou dezenas de artigos e participou de diversos eventos cientiacuteficos A euforia dos primeiros anos permitia imaginar que os projetos que faziam parte da Renoi pudes-sem contagiar as redaccedilotildees locais e atuar co-mo extensotildees pedagoacutegicas para a criacutetica de miacutedia Esses desejos natildeo se realizaram A rede sempre teve problemas de articulaccedilatildeo que a impediram de expandir sua atuaccedilatildeo para alcanccedilar outras camadas da sociedade para aleacutem das universidades

Uma tese derivada da segunda eacute que os observatoacuterios satildeo menores que seus proje-tos originais Foi assim com o Observatoacuterio da Imprensa e eacute assim com a Renoi Ambos satildeo exemplos corajosos e insistentes de criacute-tica de miacutedia que atraiacuteram imensas expecta-tivas mas que natildeo podem dar conta completamente do processo de mudanccedila e aperfeiccediloamento dessa induacutestria Outros atores precisam se alinhar a essa luta e co-ordenar accedilotildees em tempo contiacutenuo Como se pode perceber o processo de desenvolvi-mento e aperfeiccediloamento dos meios eacute com-plexo precisa enfrentar resistecircncias culturais ndash jaacute tratamos anteriormente do Problema da Assimilaccedilatildeo ndash e depende de esforccedilos variados e combinados

Os desejos que levam agrave criaccedilatildeo dos ob-servatoacuterios na maioria das vezes ajudam a implementar iniciativas quixotescas carre-gadas de utopia e nem sempre sustentaacuteveis financeiramente Mas este natildeo eacute um proble-ma exclusivo dos criacuteticos A proacutepria induacutestria se ressente disso nos uacuteltimos anos

Uma quarta tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios diz respeito ao espaccedilo que ocupam no ecossistema midiaacutetico Se considerarmos que a criacutetica eacute um exerciacutecio

2 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodaimprensacombr 3 Disponiacutevel em httpobservatoriodaimprensacombrobservatorio-da-imprensaprestacao-de-contas-aos-nossos-

leitores

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

de interpretaccedilatildeo opiniatildeo e anaacutelise que pros-pera em ambientes com liberdade a inexis-tecircncia eacute pior que a limitaccedilatildeo dos observatoacuterios Isto eacute os observatoacuterios natildeo garantem necessariamente que a miacutedia que acompanham seja melhor mas se sequer existirem teremos um cenaacuterio carente de li-berdade de pensamento e de julgamento puacuteblico dos meios de comunicaccedilatildeo Este eacute um cenaacuterio onde a induacutestria jornaliacutestica natildeo poderaacute contar com olhares externos que possam sinalizar como pode ajustar suas co-berturas como pode corrigir seus procedi-mentos ou melhorar produtos e serviccedilos Eacute evidente que a proacutepria induacutestria pode criar e manter seus proacuteprios instrumentos de quali-dade mas eles seratildeo suficientes para captar as expectativas do puacuteblico e seratildeo capazes de ldquocortar na proacutepria carnerdquo contrariando interesses internos

Exceto por alguns projetos seminais co-mo o Accuracy in Media4 fundado em 1969 e o Fairness and Accuracy In Reporting5

(FAIR) de 1986 a maior parte dos observa-toacuterios de miacutedia em funcionamento surgiram na uacuteltima deacutecada do seacuteculo XX e a primeira do seguinte Satildeo iniciativas apoiadas em empreendimentos pessoais ou de pequenos grupos de profissionais acadecircmicos ou cida-datildeos que militam em causas como a liberda-de de expressatildeo a democracia e os direitos civis

A rigor os observatoacuterios satildeo uma modali-dade destacada do que Bertrand (2002) deno-minou ldquoMedia Accountability Systemsrdquo (MAS) esforccedilos que se dedicam a levar as organiza-ccedilotildees jornaliacutesticas e seus profissionais a serem mais responsaacuteveis Neste sentido e em com-parativo percebe-se que outras modalidades de MAS tambeacutem encolheram nos uacuteltimos anos Eacute o caso dos ombudsmen de imprensa Conforme o site da Organization of News Om-budsmen (ONO6) haacute apenas 56 membros atu-antes no mundo o que pode ser considerado muito pouco em relaccedilatildeo agrave quantidade de mei-os de comunicaccedilatildeo que poderiam contar com os serviccedilos de observaccedilatildeo desses profissio-nais Oito deles estatildeo nos Estados Unidos o mesmo nuacutemero que o Canadaacute e a maior parte vem de paiacuteses noacuterdicos ou escandinavos com longo histoacuterico de debate e reflexatildeo na aacuterea Pouquiacutessimos ombudsmen vecircm de paiacuteses mais pobres ou perifeacutericos

A quinta tese que propomos para auxiliar

uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute a de que o jornalismo estaacute mudando e sua criacutetica tambeacutem precisa mudar Em deacutecadas anteri-ores era comum e esperado avaliar cobertu-ras sob a perspectiva de que os meios se guiassem pelo ideal da objetividade postura que atualmente pode ser deixada de lado quando se acompanha o noticiaacuterio de orga-nizaccedilotildees que fazem advocacy ou mesmo que declaram cobrir fatos assumindo um la-do da histoacuteria Natildeo se pode ignorar que o jornalismo de causas esteja ganhando forccedila nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI a se julgar por publicaccedilotildees feministas e racial-mente afirmativas

Uma autocriacutetica para os observatoacuterios deve levar em conta entatildeo a necessidade de atualizar os paracircmetros avaliativos e de re-definir padrotildees de qualidade editorial ade-quaccedilatildeo temaacutetica aceitaccedilatildeo puacuteblica e legitimidade social Entre as crises que es-tremecem o jornalismo estaacute a que afeta a sua credibilidade e ela pode ser uma boa oportunidade natildeo apenas para que profissi-onais e organizaccedilotildees revitalizem seus pa-peis junto agrave sociedade mas tambeacutem para que a criacutetica revigore suas bases

Um dos caminhos para essa revisatildeo po-de ser o acuacutemulo de mais uma funccedilatildeo aleacutem da pedagogia da miacutedia e do aperfeiccediloamen-to do jornalismo jaacute mencionadas os obser-vatoacuterios precisam se reinventar rapidamente mantendo o papel de instacircn-cia criacutetica e educadora mas ajudando a for-mular poliacuteticas para a aacuterea Esta sexta tese que apresentamos eacute ousada no sentido de que pode resultar em sobrecarga de traba-lho para as equipes de observadores Mas eacute oportuna tambeacutem porque pode dar mais vi-sibilidade ao trabalho dos observatoacuterios e gerar impactos efetivos na vida social Ima-gine-se por exemplo que um observatoacuterio da Catalunya faccedila o acompanhamento das coberturas sobre o Parlament de sua junta e que ainda contribua assessorando os re-presentantes para redigir leis que garantam mais transparecircncia puacuteblica de seus atos atraveacutes do uso de canais comunitaacuterios de televisatildeo Imagine-se ainda um observatoacuterio numa distante localidade da Boliacutevia que li-dere uma campanha pela democratizaccedilatildeo dos meios naquela regiatildeo permitindo que os povos originaacuterios tenham acesso a emissoras de raacutedio e televisatildeo e que tam-

4 Disponiacutevel em httpwwwaimorg5 Disponiacutevel em httpwwwfairorg6 Outras informaccediloes em httpnewsombudsmenorg

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

Referecircncias Bibliograacutecas

Albornoz L e Herschmann M (2006) Os observatoacuterios ibero-americanos de informaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e cultura balanccedilo de uma breve trajetoacuteria E-Compoacutes mdash Revista da Associaccedilatildeo Nacional dos Programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo 7

Bertrand C (2002) O arsenal da democracia sistemas de responsabilizaccedilatildeo da miacutedia Bauru EDUSC

Braga J L (2006) A sociedade enfrenta sua miacutedia dispositivos sociais de criacutetica midiaacutetica Satildeo Paulo Paulus

Christofoletti R (2003) Dez impasses para uma efetiva criacutetica da miacutedia no Brasil In Moreira SV (Presidenta) XXVI Congresso Brasileiro de Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo Intercom Belo Horizonte

Christofoletti R (2013) Dez impasses dez anos depois o caso da criacutetica de miacutedia no Brasil In Dalmonte E (Org) Teoria e Praacutetica da Criacutetica Midiaacutetica (p 69-86) Salvador de Bahiacutea Brasil EdUFBA

Cunha P dos S da (2011) Observatoacuterios de miacutedia conceitos praacuteticas e fundamentos Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal de Pernambuco Recife

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Herrera S e Christofoletti R (2006a) Fiscalizar e alfabetizar dois papeacuteis dos observatoacuterios de meios latino-americanos Questatildeo 12 (1) 149-169

Herrera S e Christofoletti R (2006b) Miacutedia e democracia um perl dos observatoacuterios de meios na Ameacuterica Latina UNIrevista 3 (1) 1-11

Loures A (2008) Pequena histoacuteria da Criacutetica de Miacutedia no Brasil In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Moreira D S (2013) Observatoacuterios de miacutedia contribuiccedilotildees para a proteccedilatildeo de direitos humanos nos meios de comunicaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal do Paranaacute Curitiba

Ramonet I (1 de outubro de 2003) O quinto poder In Le Monde Diplomatique Brasil 45 Disponiacutevel em httpdiplomatiqueorgbro-quinto-poder

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

por um uacutenico ator social o que nos leva a uma segunda tese para a autocriacutetica os ob-servatoacuterios foram superestimados

Ao longo das deacutecadas agrave medida que a sociedade se mediatizava depositamos imensas esperanccedilas de que os observatoacuteri-os resolveriam parte central dos problemas do jornalismo como o enviesamento as dis-torccedilotildees e as manipulaccedilotildees Esperaacutevamos que os observatoacuterios apontassem os erros e que as redaccedilotildees corrigissem seus comporta-mentos de imediato consolidando um mo-delo de aperfeiccediloamento contiacutenuo como se vecirc por exemplo na induacutestria de aviotildees Ne-la cada acidente provoca grandes investiga-ccedilotildees para determinar causas e condiccedilotildees e com esses dados os fabricantes solucionem os problemas para evitar acidentes seme-lhantes

No caso dos observatoacuterios imaginamos que as empresas jornaliacutesticas usassem os dados gerados pelos diagnoacutesticos de im-prensa para construir seus instrumentos de gestatildeo Os observatoacuterios se espalharam por toda a parte mas a induacutestria natildeo reagiu conforme o esperado e ao longo dos anos diversas iniciativas de criacutetica de miacutedia foram desativadas

No Brasil dois empreendimentos que ainda estatildeo em funcionamento exemplifi-cam as dificuldades para se calcificar uma efetiva criacutetica de miacutedia O Observatoacuterio da Imprensa eacute a mais antiga experiecircncia contiacute-nua de acompanhamento do jornalismo na Ameacuterica Latina (Braga 2006 Loures 2008 Egypto e Malin 2008) Seu site2 surgiu em 1996 e logo ele se transformou na principal arena de debates sobre jornalismo miacutedia comunicaccedilatildeo publicidade e sociedade do paiacutes O site publica textos e anaacutelises de es-pecialistas jornalistas pesquisadores e lei-tores comuns contribuindo para o escrutiacutenio puacuteblico dos meios Em seus melhores mo-mentos o projeto tinha aleacutem do site pro-gramas diaacuterios de raacutedio e um programa semanal na televisatildeo puacuteblica amplificando os debates Nos primeiros anos natildeo foi difiacute-cil imaginar que o Observatoacuterio da Imprensa fosse mudar concretamente o jornalismo brasileiro Como dizia seu slogan ldquoVocecirc nunca mais vai ler jornal do mesmo jeitordquo

Esta trajetoacuteria natildeo impediu no entanto que o Observatoacuterio da Imprensa fosse colhi-do pela crise em 2016 No ano em que com-

pletava vinte anos de existecircncia o projeto pediu ajuda aos leitores numa campanha de financiamento coletivo e soacute conseguiu arre-cadar um pouco mais que um terccedilo do espe-rado3 Atualmente o Observatoacuterio da Imprensa opera de forma bem precaacuteria com uma redaccedilatildeo muito enxuta e quase sem re-cursos para se manter

O segundo exemplo eacute a Rede Nacional de Observatoacuterios da Imprensa (Renoi) cria-da em 2005 para reunir laboratoacuterios e expe-riecircncias acadecircmicas de monitoramento de miacutedia Em pouco mais de uma deacutecada a re-de chegou a ter associados em todas as cin-co regiotildees do Brasil lanccedilou trecircs livros publicou dezenas de artigos e participou de diversos eventos cientiacuteficos A euforia dos primeiros anos permitia imaginar que os projetos que faziam parte da Renoi pudes-sem contagiar as redaccedilotildees locais e atuar co-mo extensotildees pedagoacutegicas para a criacutetica de miacutedia Esses desejos natildeo se realizaram A rede sempre teve problemas de articulaccedilatildeo que a impediram de expandir sua atuaccedilatildeo para alcanccedilar outras camadas da sociedade para aleacutem das universidades

Uma tese derivada da segunda eacute que os observatoacuterios satildeo menores que seus proje-tos originais Foi assim com o Observatoacuterio da Imprensa e eacute assim com a Renoi Ambos satildeo exemplos corajosos e insistentes de criacute-tica de miacutedia que atraiacuteram imensas expecta-tivas mas que natildeo podem dar conta completamente do processo de mudanccedila e aperfeiccediloamento dessa induacutestria Outros atores precisam se alinhar a essa luta e co-ordenar accedilotildees em tempo contiacutenuo Como se pode perceber o processo de desenvolvi-mento e aperfeiccediloamento dos meios eacute com-plexo precisa enfrentar resistecircncias culturais ndash jaacute tratamos anteriormente do Problema da Assimilaccedilatildeo ndash e depende de esforccedilos variados e combinados

Os desejos que levam agrave criaccedilatildeo dos ob-servatoacuterios na maioria das vezes ajudam a implementar iniciativas quixotescas carre-gadas de utopia e nem sempre sustentaacuteveis financeiramente Mas este natildeo eacute um proble-ma exclusivo dos criacuteticos A proacutepria induacutestria se ressente disso nos uacuteltimos anos

Uma quarta tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios diz respeito ao espaccedilo que ocupam no ecossistema midiaacutetico Se considerarmos que a criacutetica eacute um exerciacutecio

2 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodaimprensacombr 3 Disponiacutevel em httpobservatoriodaimprensacombrobservatorio-da-imprensaprestacao-de-contas-aos-nossos-

leitores

copy 2017 Revista internacional de Comunicacioacuten y Desarrollo 6 105-115 ISSN e2386-3730 113

Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

de interpretaccedilatildeo opiniatildeo e anaacutelise que pros-pera em ambientes com liberdade a inexis-tecircncia eacute pior que a limitaccedilatildeo dos observatoacuterios Isto eacute os observatoacuterios natildeo garantem necessariamente que a miacutedia que acompanham seja melhor mas se sequer existirem teremos um cenaacuterio carente de li-berdade de pensamento e de julgamento puacuteblico dos meios de comunicaccedilatildeo Este eacute um cenaacuterio onde a induacutestria jornaliacutestica natildeo poderaacute contar com olhares externos que possam sinalizar como pode ajustar suas co-berturas como pode corrigir seus procedi-mentos ou melhorar produtos e serviccedilos Eacute evidente que a proacutepria induacutestria pode criar e manter seus proacuteprios instrumentos de quali-dade mas eles seratildeo suficientes para captar as expectativas do puacuteblico e seratildeo capazes de ldquocortar na proacutepria carnerdquo contrariando interesses internos

Exceto por alguns projetos seminais co-mo o Accuracy in Media4 fundado em 1969 e o Fairness and Accuracy In Reporting5

(FAIR) de 1986 a maior parte dos observa-toacuterios de miacutedia em funcionamento surgiram na uacuteltima deacutecada do seacuteculo XX e a primeira do seguinte Satildeo iniciativas apoiadas em empreendimentos pessoais ou de pequenos grupos de profissionais acadecircmicos ou cida-datildeos que militam em causas como a liberda-de de expressatildeo a democracia e os direitos civis

A rigor os observatoacuterios satildeo uma modali-dade destacada do que Bertrand (2002) deno-minou ldquoMedia Accountability Systemsrdquo (MAS) esforccedilos que se dedicam a levar as organiza-ccedilotildees jornaliacutesticas e seus profissionais a serem mais responsaacuteveis Neste sentido e em com-parativo percebe-se que outras modalidades de MAS tambeacutem encolheram nos uacuteltimos anos Eacute o caso dos ombudsmen de imprensa Conforme o site da Organization of News Om-budsmen (ONO6) haacute apenas 56 membros atu-antes no mundo o que pode ser considerado muito pouco em relaccedilatildeo agrave quantidade de mei-os de comunicaccedilatildeo que poderiam contar com os serviccedilos de observaccedilatildeo desses profissio-nais Oito deles estatildeo nos Estados Unidos o mesmo nuacutemero que o Canadaacute e a maior parte vem de paiacuteses noacuterdicos ou escandinavos com longo histoacuterico de debate e reflexatildeo na aacuterea Pouquiacutessimos ombudsmen vecircm de paiacuteses mais pobres ou perifeacutericos

A quinta tese que propomos para auxiliar

uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute a de que o jornalismo estaacute mudando e sua criacutetica tambeacutem precisa mudar Em deacutecadas anteri-ores era comum e esperado avaliar cobertu-ras sob a perspectiva de que os meios se guiassem pelo ideal da objetividade postura que atualmente pode ser deixada de lado quando se acompanha o noticiaacuterio de orga-nizaccedilotildees que fazem advocacy ou mesmo que declaram cobrir fatos assumindo um la-do da histoacuteria Natildeo se pode ignorar que o jornalismo de causas esteja ganhando forccedila nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI a se julgar por publicaccedilotildees feministas e racial-mente afirmativas

Uma autocriacutetica para os observatoacuterios deve levar em conta entatildeo a necessidade de atualizar os paracircmetros avaliativos e de re-definir padrotildees de qualidade editorial ade-quaccedilatildeo temaacutetica aceitaccedilatildeo puacuteblica e legitimidade social Entre as crises que es-tremecem o jornalismo estaacute a que afeta a sua credibilidade e ela pode ser uma boa oportunidade natildeo apenas para que profissi-onais e organizaccedilotildees revitalizem seus pa-peis junto agrave sociedade mas tambeacutem para que a criacutetica revigore suas bases

Um dos caminhos para essa revisatildeo po-de ser o acuacutemulo de mais uma funccedilatildeo aleacutem da pedagogia da miacutedia e do aperfeiccediloamen-to do jornalismo jaacute mencionadas os obser-vatoacuterios precisam se reinventar rapidamente mantendo o papel de instacircn-cia criacutetica e educadora mas ajudando a for-mular poliacuteticas para a aacuterea Esta sexta tese que apresentamos eacute ousada no sentido de que pode resultar em sobrecarga de traba-lho para as equipes de observadores Mas eacute oportuna tambeacutem porque pode dar mais vi-sibilidade ao trabalho dos observatoacuterios e gerar impactos efetivos na vida social Ima-gine-se por exemplo que um observatoacuterio da Catalunya faccedila o acompanhamento das coberturas sobre o Parlament de sua junta e que ainda contribua assessorando os re-presentantes para redigir leis que garantam mais transparecircncia puacuteblica de seus atos atraveacutes do uso de canais comunitaacuterios de televisatildeo Imagine-se ainda um observatoacuterio numa distante localidade da Boliacutevia que li-dere uma campanha pela democratizaccedilatildeo dos meios naquela regiatildeo permitindo que os povos originaacuterios tenham acesso a emissoras de raacutedio e televisatildeo e que tam-

4 Disponiacutevel em httpwwwaimorg5 Disponiacutevel em httpwwwfairorg6 Outras informaccediloes em httpnewsombudsmenorg

copy 2017 Revista internacional de Comunicacioacuten y Desarrollo 6 105-115 ISSN e2386-3730114

Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

copy 2017 Revista internacional de Comunicacioacuten y Desarrollo 6 105-115 ISSN e2386-3730 115

Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

Referecircncias Bibliograacutecas

Albornoz L e Herschmann M (2006) Os observatoacuterios ibero-americanos de informaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e cultura balanccedilo de uma breve trajetoacuteria E-Compoacutes mdash Revista da Associaccedilatildeo Nacional dos Programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo 7

Bertrand C (2002) O arsenal da democracia sistemas de responsabilizaccedilatildeo da miacutedia Bauru EDUSC

Braga J L (2006) A sociedade enfrenta sua miacutedia dispositivos sociais de criacutetica midiaacutetica Satildeo Paulo Paulus

Christofoletti R (2003) Dez impasses para uma efetiva criacutetica da miacutedia no Brasil In Moreira SV (Presidenta) XXVI Congresso Brasileiro de Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo Intercom Belo Horizonte

Christofoletti R (2013) Dez impasses dez anos depois o caso da criacutetica de miacutedia no Brasil In Dalmonte E (Org) Teoria e Praacutetica da Criacutetica Midiaacutetica (p 69-86) Salvador de Bahiacutea Brasil EdUFBA

Cunha P dos S da (2011) Observatoacuterios de miacutedia conceitos praacuteticas e fundamentos Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal de Pernambuco Recife

Egypto L e Malin M (2008) Um Observatoacuterio mais observatorios In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Herrera S e Christofoletti R (2006a) Fiscalizar e alfabetizar dois papeacuteis dos observatoacuterios de meios latino-americanos Questatildeo 12 (1) 149-169

Herrera S e Christofoletti R (2006b) Miacutedia e democracia um perl dos observatoacuterios de meios na Ameacuterica Latina UNIrevista 3 (1) 1-11

Loures A (2008) Pequena histoacuteria da Criacutetica de Miacutedia no Brasil In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Moreira D S (2013) Observatoacuterios de miacutedia contribuiccedilotildees para a proteccedilatildeo de direitos humanos nos meios de comunicaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal do Paranaacute Curitiba

Ramonet I (1 de outubro de 2003) O quinto poder In Le Monde Diplomatique Brasil 45 Disponiacutevel em httpdiplomatiqueorgbro-quinto-poder

copy 2017 Revista internacional de Comunicacioacuten y Desarrollo 6 105-115 ISSN e2386-3730 113

Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

de interpretaccedilatildeo opiniatildeo e anaacutelise que pros-pera em ambientes com liberdade a inexis-tecircncia eacute pior que a limitaccedilatildeo dos observatoacuterios Isto eacute os observatoacuterios natildeo garantem necessariamente que a miacutedia que acompanham seja melhor mas se sequer existirem teremos um cenaacuterio carente de li-berdade de pensamento e de julgamento puacuteblico dos meios de comunicaccedilatildeo Este eacute um cenaacuterio onde a induacutestria jornaliacutestica natildeo poderaacute contar com olhares externos que possam sinalizar como pode ajustar suas co-berturas como pode corrigir seus procedi-mentos ou melhorar produtos e serviccedilos Eacute evidente que a proacutepria induacutestria pode criar e manter seus proacuteprios instrumentos de quali-dade mas eles seratildeo suficientes para captar as expectativas do puacuteblico e seratildeo capazes de ldquocortar na proacutepria carnerdquo contrariando interesses internos

Exceto por alguns projetos seminais co-mo o Accuracy in Media4 fundado em 1969 e o Fairness and Accuracy In Reporting5

(FAIR) de 1986 a maior parte dos observa-toacuterios de miacutedia em funcionamento surgiram na uacuteltima deacutecada do seacuteculo XX e a primeira do seguinte Satildeo iniciativas apoiadas em empreendimentos pessoais ou de pequenos grupos de profissionais acadecircmicos ou cida-datildeos que militam em causas como a liberda-de de expressatildeo a democracia e os direitos civis

A rigor os observatoacuterios satildeo uma modali-dade destacada do que Bertrand (2002) deno-minou ldquoMedia Accountability Systemsrdquo (MAS) esforccedilos que se dedicam a levar as organiza-ccedilotildees jornaliacutesticas e seus profissionais a serem mais responsaacuteveis Neste sentido e em com-parativo percebe-se que outras modalidades de MAS tambeacutem encolheram nos uacuteltimos anos Eacute o caso dos ombudsmen de imprensa Conforme o site da Organization of News Om-budsmen (ONO6) haacute apenas 56 membros atu-antes no mundo o que pode ser considerado muito pouco em relaccedilatildeo agrave quantidade de mei-os de comunicaccedilatildeo que poderiam contar com os serviccedilos de observaccedilatildeo desses profissio-nais Oito deles estatildeo nos Estados Unidos o mesmo nuacutemero que o Canadaacute e a maior parte vem de paiacuteses noacuterdicos ou escandinavos com longo histoacuterico de debate e reflexatildeo na aacuterea Pouquiacutessimos ombudsmen vecircm de paiacuteses mais pobres ou perifeacutericos

A quinta tese que propomos para auxiliar

uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute a de que o jornalismo estaacute mudando e sua criacutetica tambeacutem precisa mudar Em deacutecadas anteri-ores era comum e esperado avaliar cobertu-ras sob a perspectiva de que os meios se guiassem pelo ideal da objetividade postura que atualmente pode ser deixada de lado quando se acompanha o noticiaacuterio de orga-nizaccedilotildees que fazem advocacy ou mesmo que declaram cobrir fatos assumindo um la-do da histoacuteria Natildeo se pode ignorar que o jornalismo de causas esteja ganhando forccedila nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI a se julgar por publicaccedilotildees feministas e racial-mente afirmativas

Uma autocriacutetica para os observatoacuterios deve levar em conta entatildeo a necessidade de atualizar os paracircmetros avaliativos e de re-definir padrotildees de qualidade editorial ade-quaccedilatildeo temaacutetica aceitaccedilatildeo puacuteblica e legitimidade social Entre as crises que es-tremecem o jornalismo estaacute a que afeta a sua credibilidade e ela pode ser uma boa oportunidade natildeo apenas para que profissi-onais e organizaccedilotildees revitalizem seus pa-peis junto agrave sociedade mas tambeacutem para que a criacutetica revigore suas bases

Um dos caminhos para essa revisatildeo po-de ser o acuacutemulo de mais uma funccedilatildeo aleacutem da pedagogia da miacutedia e do aperfeiccediloamen-to do jornalismo jaacute mencionadas os obser-vatoacuterios precisam se reinventar rapidamente mantendo o papel de instacircn-cia criacutetica e educadora mas ajudando a for-mular poliacuteticas para a aacuterea Esta sexta tese que apresentamos eacute ousada no sentido de que pode resultar em sobrecarga de traba-lho para as equipes de observadores Mas eacute oportuna tambeacutem porque pode dar mais vi-sibilidade ao trabalho dos observatoacuterios e gerar impactos efetivos na vida social Ima-gine-se por exemplo que um observatoacuterio da Catalunya faccedila o acompanhamento das coberturas sobre o Parlament de sua junta e que ainda contribua assessorando os re-presentantes para redigir leis que garantam mais transparecircncia puacuteblica de seus atos atraveacutes do uso de canais comunitaacuterios de televisatildeo Imagine-se ainda um observatoacuterio numa distante localidade da Boliacutevia que li-dere uma campanha pela democratizaccedilatildeo dos meios naquela regiatildeo permitindo que os povos originaacuterios tenham acesso a emissoras de raacutedio e televisatildeo e que tam-

4 Disponiacutevel em httpwwwaimorg5 Disponiacutevel em httpwwwfairorg6 Outras informaccediloes em httpnewsombudsmenorg

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

Referecircncias Bibliograacutecas

Albornoz L e Herschmann M (2006) Os observatoacuterios ibero-americanos de informaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e cultura balanccedilo de uma breve trajetoacuteria E-Compoacutes mdash Revista da Associaccedilatildeo Nacional dos Programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo 7

Bertrand C (2002) O arsenal da democracia sistemas de responsabilizaccedilatildeo da miacutedia Bauru EDUSC

Braga J L (2006) A sociedade enfrenta sua miacutedia dispositivos sociais de criacutetica midiaacutetica Satildeo Paulo Paulus

Christofoletti R (2003) Dez impasses para uma efetiva criacutetica da miacutedia no Brasil In Moreira SV (Presidenta) XXVI Congresso Brasileiro de Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo Intercom Belo Horizonte

Christofoletti R (2013) Dez impasses dez anos depois o caso da criacutetica de miacutedia no Brasil In Dalmonte E (Org) Teoria e Praacutetica da Criacutetica Midiaacutetica (p 69-86) Salvador de Bahiacutea Brasil EdUFBA

Cunha P dos S da (2011) Observatoacuterios de miacutedia conceitos praacuteticas e fundamentos Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal de Pernambuco Recife

Egypto L e Malin M (2008) Um Observatoacuterio mais observatorios In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Herrera S e Christofoletti R (2006a) Fiscalizar e alfabetizar dois papeacuteis dos observatoacuterios de meios latino-americanos Questatildeo 12 (1) 149-169

Herrera S e Christofoletti R (2006b) Miacutedia e democracia um perl dos observatoacuterios de meios na Ameacuterica Latina UNIrevista 3 (1) 1-11

Loures A (2008) Pequena histoacuteria da Criacutetica de Miacutedia no Brasil In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Moreira D S (2013) Observatoacuterios de miacutedia contribuiccedilotildees para a proteccedilatildeo de direitos humanos nos meios de comunicaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal do Paranaacute Curitiba

Ramonet I (1 de outubro de 2003) O quinto poder In Le Monde Diplomatique Brasil 45 Disponiacutevel em httpdiplomatiqueorgbro-quinto-poder

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Teses para uma autocriacutetica dos observatoacuterios de miacutedia

beacutem possam ter presenccedila na internetAssumir uma funccedilatildeo puacuteblica mais ativa

pode levar os observatoacuterios de miacutedia a um novo patamar natildeo mais reativos mas cola-boradores verdadeiros na construccedilatildeo de um futuro mais democraacutetico participativo trans-parente e equilibrado

A seacutetima tese para uma autocriacutetica dos observatoacuterios eacute tambeacutem um forte desejo uma certeza cidadatilde apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo Em nenhuma parte do mundo nem mesmo nos Estados Unidos ou na Escandinaacutevia onde exibem tradiccedilatildeo e institucionalidade os observatoacuteri-os satildeo mais poderosos que a induacutestria jorna-liacutestica Uma uacutenica razatildeo explica as empresas tecircm mais recursos teacutecnicos finan-ceiros e humanos o que faz com que haja uma guerra assimeacutetrica entre os meios de comunicaccedilatildeo e quem os observa e critica Num aspecto talvez os observatoacuterios pos-sam crescer e se fortalecer o poliacutetico Isto eacute se conseguirem aglutinar forccedilas em torno da necessidade de criticar para melhorar se conseguirem convencer os puacuteblicos de sua necessidade e oportunidade e se consegui-rem alcanccedilar um patamar de legitimidade social os observatoacuterios teratildeo mais condi-ccedilotildees para se contrapor ao poder descomu-nal dos conglomerados de miacutedia Diante disso a induacutestria passaraacute a considerar as anaacutelises e leituras dos criacuteticos com mais res-peito e disposiccedilatildeo para adotar novas praacuteti-cas

Embora eles demonstrem evidente fragi-lidade no ecossistema midiaacutetica e natildeo pos-sam impor suas agendas os observatoacuterios continuaratildeo a existir inflamados pela crise do jornalismo pelo pessimismo generaliza-do pelos abalos que as democracias sofrem no planeta enfim motivados pela crise de confianccedila que assombra todas as institui-ccedilotildees

4 CONCLUCcedilOcircES MUITO BREVES

Haacute um imperativo para que os observatoacute-rios de comunicaccedilatildeo faccedilam uma autocriacutetica passadas algumas deacutecadas de sua prolifera-ccedilatildeo pelos mais diversos ecossistemas midiaacute-ticos Haacute um clamor generalizado e uma acircnsia verdadeira pela transparecircncia dos pro-cessos na vida puacuteblica Cidadatildeos esperam que os governos sejam mais transparentes e responsaacuteveis Clientes exigem que as em-

presas atuem com mais clareza e respeito Esta demanda parece ser irreversiacutevel e cada vez mais urgentes nas sociedades o que de-ve inevitavelmente contagiar as organiza-ccedilotildees de miacutedia Se jaacute contamina os meios poliacuteticos por que natildeo faraacute o mesmo com o jornalismo e sua criacutetica

As redes sociais da internet tecircm assumi-do papel de contraponto agrave miacutedia hegemocircni-ca na forma de comentaacuterios memes e relatos alternativos Este material criacutetico natildeo eacute necessariamente consistente perene e sistemaacutetico Pelo contraacuterio eacute esparso episoacute-dico passional e impulsivo Este comporta-mento eacute caracteriacutestico das redes sociais mas deixa um flanco importante para os ob-servatoacuterios de miacutedia Eles sim podem e de-vem ocupar um papel sistemaacutetico de observaccedilatildeo do jornalismo e de suas rela-ccedilotildees com a sociedade pois contam com ex-pertises e tradiccedilatildeo acumuladas e reconhecidas

Seraacute preciso revirar proacuteprias viacutesceras pa-ra encontrar forccedilas e motivaccedilotildees que levem os observatoacuterios a um novo patamar Propu-semos aqui um conjunto de sete teses para uma autocriacutetica

1 Eles ainda satildeo desejaacuteveis e necessaacuteri-os para mudar o panorama da miacutedia

2 Foram superestimados ateacute entatildeo3 Satildeo menores hoje que seus projetos

originais4 Mas a sua inexistecircncia eacute pior que suas

limitaccedilotildees5 O jornalismo estaacute mudando e sua criacuteti-

ca tambeacutem precisa acompanhar essas transformaccedilotildees

6 Ajudar a formular poliacuteticas para a aacuterea eacute um caminho para essa reinvenccedilatildeo

7 Apesar de fraacutegeis os observatoacuterios continuaratildeo porque nenhuma outra instacircn-cia faz o que eles se dispotildeem a fazer

Proposto o itineraacuterio da autoavaliaccedilatildeo fi-ca a expectativa de que os criacuteticos sejam co-rajosos e tenham boa vontade para fazer esse trabalho Que natildeo perdam a oportuni-dade histoacuterica de alterar seus destinos e que se desapeguem de dogmas e certezas As crises sempre foram os momentos mais feacuterteis na histoacuteria da humanidade Quando repensamos nossas praacuteticas avaliamos os cenaacuterios com mais profundidade e urgecircncia Nesses momentos encontramos e propo-mos soluccedilotildees Foi assim com diversas mani-festaccedilotildees humanas Com o jornalismo natildeo seraacute diferente

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Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

Referecircncias Bibliograacutecas

Albornoz L e Herschmann M (2006) Os observatoacuterios ibero-americanos de informaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e cultura balanccedilo de uma breve trajetoacuteria E-Compoacutes mdash Revista da Associaccedilatildeo Nacional dos Programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo 7

Bertrand C (2002) O arsenal da democracia sistemas de responsabilizaccedilatildeo da miacutedia Bauru EDUSC

Braga J L (2006) A sociedade enfrenta sua miacutedia dispositivos sociais de criacutetica midiaacutetica Satildeo Paulo Paulus

Christofoletti R (2003) Dez impasses para uma efetiva criacutetica da miacutedia no Brasil In Moreira SV (Presidenta) XXVI Congresso Brasileiro de Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo Intercom Belo Horizonte

Christofoletti R (2013) Dez impasses dez anos depois o caso da criacutetica de miacutedia no Brasil In Dalmonte E (Org) Teoria e Praacutetica da Criacutetica Midiaacutetica (p 69-86) Salvador de Bahiacutea Brasil EdUFBA

Cunha P dos S da (2011) Observatoacuterios de miacutedia conceitos praacuteticas e fundamentos Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal de Pernambuco Recife

Egypto L e Malin M (2008) Um Observatoacuterio mais observatorios In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Herrera S e Christofoletti R (2006a) Fiscalizar e alfabetizar dois papeacuteis dos observatoacuterios de meios latino-americanos Questatildeo 12 (1) 149-169

Herrera S e Christofoletti R (2006b) Miacutedia e democracia um perl dos observatoacuterios de meios na Ameacuterica Latina UNIrevista 3 (1) 1-11

Loures A (2008) Pequena histoacuteria da Criacutetica de Miacutedia no Brasil In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Moreira D S (2013) Observatoacuterios de miacutedia contribuiccedilotildees para a proteccedilatildeo de direitos humanos nos meios de comunicaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal do Paranaacute Curitiba

Ramonet I (1 de outubro de 2003) O quinto poder In Le Monde Diplomatique Brasil 45 Disponiacutevel em httpdiplomatiqueorgbro-quinto-poder

copy 2017 Revista internacional de Comunicacioacuten y Desarrollo 6 105-115 ISSN e2386-3730 115

Ensayo Rogeacuterio Christofoletti

Referecircncias Bibliograacutecas

Albornoz L e Herschmann M (2006) Os observatoacuterios ibero-americanos de informaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e cultura balanccedilo de uma breve trajetoacuteria E-Compoacutes mdash Revista da Associaccedilatildeo Nacional dos Programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo 7

Bertrand C (2002) O arsenal da democracia sistemas de responsabilizaccedilatildeo da miacutedia Bauru EDUSC

Braga J L (2006) A sociedade enfrenta sua miacutedia dispositivos sociais de criacutetica midiaacutetica Satildeo Paulo Paulus

Christofoletti R (2003) Dez impasses para uma efetiva criacutetica da miacutedia no Brasil In Moreira SV (Presidenta) XXVI Congresso Brasileiro de Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo Intercom Belo Horizonte

Christofoletti R (2013) Dez impasses dez anos depois o caso da criacutetica de miacutedia no Brasil In Dalmonte E (Org) Teoria e Praacutetica da Criacutetica Midiaacutetica (p 69-86) Salvador de Bahiacutea Brasil EdUFBA

Cunha P dos S da (2011) Observatoacuterios de miacutedia conceitos praacuteticas e fundamentos Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal de Pernambuco Recife

Egypto L e Malin M (2008) Um Observatoacuterio mais observatorios In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Herrera S e Christofoletti R (2006a) Fiscalizar e alfabetizar dois papeacuteis dos observatoacuterios de meios latino-americanos Questatildeo 12 (1) 149-169

Herrera S e Christofoletti R (2006b) Miacutedia e democracia um perl dos observatoacuterios de meios na Ameacuterica Latina UNIrevista 3 (1) 1-11

Loures A (2008) Pequena histoacuteria da Criacutetica de Miacutedia no Brasil In Christofoletti R e Motta L (Eds) Observatoacuterios de Miacutedia Olhares da Cidadania Satildeo Paulo Paulus

Moreira D S (2013) Observatoacuterios de miacutedia contribuiccedilotildees para a proteccedilatildeo de direitos humanos nos meios de comunicaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) Universidade Federal do Paranaacute Curitiba

Ramonet I (1 de outubro de 2003) O quinto poder In Le Monde Diplomatique Brasil 45 Disponiacutevel em httpdiplomatiqueorgbro-quinto-poder