Teses Políticas para uma Organização Marxista Revolucionária · orçamento federal é fatiada...

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TESES POLÍTICAS PARA UMAORGANIZAÇÃO MARXISTA

REVOLUCIONÁRIA

1. O regime civil brasileiro cumpre um quartode século, pretendendo resolver (ou ter resolvido),pela via capitalista, os problemas fundamentais danação: independência nacional, soberania edesenvolvimento econômicos, questão agrária,miséria social, democracia política. O Brasil estariainclusive liderando, através do Mercosul e daUnasul, um processo de integração continental,chegando até, com o chamado BRIC, a exercer umpapel mundial de integração comercial, industriale financeira dos países “periféricos”, que seria aúnica alternativa mundial à hegemonia doimperialismo norte-americano (ou do “império”sem nacionalidade, segundo outras teorias). Opróprio imperialismo, do seu lado, concedeu a Lulao prêmio especial de “estadista global”, criado peloFórum Econômico Mundial de Davos, por ser um“modelo de estadista global”, que “mostrou umverdadeiro compromisso com todos os setores dasociedade, mantido com um crescimentoeconômico integrador e justiça social”.1 O Brasilteria um papel inconteste de liderança continental

1 Para os porta-vozes “sociais” do imperialismo,inclusive, com a crise da economia mundial, os EUA(e o mundo) deveriam olhar para o Brasil, isto é, parao “modelo Lula” (sic): “uma economia de mercadocom programas sociais”, como única saída viável,

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(deixando para trás, por exemplo, à Argentina), eseria já uma “potência global” do “PrimeiroMundo”, realizando, de modo inesperado e oblíquo,o sonho do “Brasil Potência” outrora acalentadopela ditadura militar. O governo Lula (seriaexagerado e impróprio chamá-lo de “governo doPT”), última expressão da “democracia brasileira”,teria atingido tais feitos, de modo acabado e pelaprimeira vez, em quase dois séculos de vidaindependente do país. O PT, através do “Foro deSão Paulo” e do Foro Social Mundial, seria tambémo eixo da reconstituição mundial da esquerda,depois do fim do “socialismo real”. A esquerdabrasileira (tanto a “esquerda do PT”, quanto aquelafora deste) carece de uma crítica programática deconjunto a essa ideologia, limitando-se a críticasparciais, ou a uma rejeição ideológico-dogmáticasem fundamento, o que significa dizer que carecede um programa alternativo, não só ao governo deLula, mas ao regime social e político vigente, o quea condena a cumprir uma função, mais ou menoscrítica, no interior do mesmo. Aceitando a idéiabásica de que as nações atrasadas e oprimidaspoderiam resolver as tarefas históricas pendentesda revolução democrática no quadro do capitalismoimperialista, excluindo a revolução operária e

diante das conseqüências da débâcle financeira eprodutiva do capitalismo, iniciada com a crise nosEUA em 2007. A proposta foi definida,significativamente, menos pela sua aptidão paracombater a pobreza, e mais como um “modelo degovernança”, isto é, como uma salvaguarda para umregime social em crise.

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camponesa (socialista). A tarefa de constituição deuma esquerda marxista e revolucionária no país está,portanto, posta plenamente, como desafíoideológico, como tarefa política e, finalmente,também como questão organizativa.

2. A chamada “democracia brasileira” é, naverdade, um regime bonapartista com fachadademocrática, em que o decreto-lei (ou a “medidaprovisória” do Executivo, constantementerenovada) tem sido o método de governofundamental, nos últimos 25 anos. As liberdadesdemocráticas e alguns direitos sociais e políticos,conquistados em anos de dura luta contra a ditaduramilitar; a própria consciência democrática dapopulação explorada, agem como limite e freio dastendências autoritárias “naturais” do regimepolítico. O parlamento só faz valer suasprerrogativas para angariar fundos para suas cliquese currais eleitorais, mal articuladas nos chamadospartidos políticos, que os “representantespopulares” usam como siglas de aluguel, mudandoconstantemente de uma sigla à outra (seja de“direita” ou de “esquerda”). A administração doorçamento federal é fatiada entre os caciques dospartidos que fornecem a base do governo, o queobriga a apressadas recomposições das coalizões(e também a um apressado troca-troca de partidos)a cada eleição parlamentar ou presidencial. O“sistema partidário” brasileiro nunca conseguiusuperar suas taras de origem. Perpassando suasdiversas composições, a corrupção revelou-se, a

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olho nu, o próprio fundamento do chamado “poderlegislativo”, incluídas todas suas siglas políticas. O“mensalão” e episódios assemelhados revelaram,até para a compreensão popular mais elementar,que o próprio PT participa desse “sistema”. OPoder Judiciário, além de seu caráter de classe(manifestado abertamente nos episódiosfundamentais da luta de classes protagonizados poroperários e camponeses) se caracteriza pelainstitucionalização (legalização) dessa corrupção,que anula por completo sua suposta“independência” (apesar disso, volta e meia opróprio Poder Judiciário é apanhado em casos decorrupção, envolvendo, como corresponde a bons“funcionários de carreira” do Estado burguês, cifrasastronômicas). Em apenas um momento(degringolada do governo Collor, em 1991) oparlamento usou seu poder político independente(decretando o impeachment do titular do PoderExecutivo) para salvar o regime político no seuconjunto, no quadro de uma intensa mobilizaçãopopular, enquadrada (e castrada) politicamente noque se chamou – no episódio de maior cinismo dahistória política latino-americana contemporânea– “movimento pela ética na política”, ao qual aderiuuma maioria parlamentar (que se revelaria tãocorrupta quanto o próprio ultra-corrupto presidentedestituído, este depois devidamente re-eleito comoparlamentar, elogiado pelos seus pares e até pelopróprio presidente do “governo popular”). Atransição entre o regime militar e o regime civil foirealizada sob a presidência de um político oriundo

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do próprio regime militar (José Sarney); as duasfiguras proeminentes da “democracia brasileira”contemporânea, os únicos presidentes com doismandatos (Fernando Henrique Cardoso – FHC –e Lula) não são “políticos de carreira”, crescidosdentro dos partidos, mas representantescorporativos (da intelectualidade e da burocraciasindical, respectivamente) que renunciaram,inclusive, aos seus mandatos parlamentares(chegando Lula, como deputado federal maisvotado do país, quando renunciou ao exercício deum novo mandato, a definir o parlamento brasileirocomo um “antro de 500 picaretas”). As eleiçõesbrasileiras adquiriram, portanto, como em todoregime bonapartista, um caráter plebiscitário, quelimita, sem eliminar por completo, sua função comotribuna das posições classistas e do programarevolucionário. O fundamento desse regime políticodeve ser procurado na preservação, na chamada“transição política”, dos interesses de classe e dosmétodos políticos do regime militar precedente, ena própria estrutura histórica do atraso brasileiro.

3. O regime civil brasileiro teve um caráterbonapartista (autoritário), com forte presençamilitar, desde os primórdios da vida republicana(1889). O processo econômico nas últimas décadasdo Império caracterizou-se pela paulatinapenetração das relações capitalistas de produção,as quais, no entanto, não quebraram o quadro dasatividades tradicionais (produção primária emgrandes lavouras com vistas à exportação). Esse

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processo, no entanto, acabaria gerando umaincompatibilidade progressiva com o sistema social(escravocrata) e político (monárquico centralizado)vigente. Seus efeitos foram o crescimento dascidades e uma progressiva dissolução das velhasrelações agrárias, assim como o aparecimento deuma classe média e de um proletariado urbano. Atransição da monarquia para a república deu-se soba forma do golpe militar,2 que apenas limpou acúpula do Estado, preservando os interesses dasclasses sociais dominantes, e o domínio de seusrepresentantes políticos, que continuaramcontrolando os estados como feudos privados, comgrande autonomia.3 A abolição da escravidão,realizada um ano antes, junto com a grande2 O “Pai da República”, o general alagoano Deodoroda Fonseca, é representado nas estátuas em suahomenagem... fazendo a saudação imperial.3 Os primeiros e difíceis passos do movimentooperário brasileiro (que raramente integraram osescravos recém libertos) não conseguiram superar onível estadual ou mesmo regional, tanto nas suasexpressões sindicais como políticas. O anarquismofoi a tendência dominante, com o socialismoreformista reduzido a uma expressão marginal. Aindústria estava pouco desenvolvida, com umnúmero reduzido de grandes fábricas e muitaspequenas oficinas, sobretudo em Rio de Janeiro e emSão Paulo. Nos demais estados a indústria era aindamais raquítica, não passando o movimento sindicale operário de uma vida molecular. Na medida emque os “partidos socialistas” se propunham umaprogressão no plano eleitoral como via para a suaimplantação, não podiam superar por si sós afragmentação geográfica da vida política brasileira.

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imigração, despejaram no mercado da força detrabalho uma mão de obra pagada simbolicamente(às vezes nem sequer assalariada) que manteve arentabilidade da grande lavoura (agrícola oupecuária) nas condições da chamada “grandedepressão mundial”, ao mesmo tempo em queforneceu a base humana para uma nascenteindústria atrasada, artesanal e de baixa composição

A implantação da República federal agravou esseproblema. No marco da República oligárquica, ossocialistas se apresentavam menos como osportadores de um interesse de classe, e mais comodefensores da modernidade e da moralidade pública.O PCB, fundado em 1922, mas com escassa influênciaao longo dessa década, foi considerado o primeiropartido político nacional, não só da classe operária,mas do país todo. Os primeiros trotskistas brasileirosconstataram, na década de 1930, que só existiam doispartidos políticos estruturados nacionalmente: ocomunismo e o pseudo-fascismo (integralismo). NaEuropa capitalista, essas tendências eram o resultadoúltimo do desenvolvimento político precedente: noBrasil, elas eram o ponto de partida dessedesenvolvimento. Entre 1932 e 1937 inúmerospartidos foram formados para concorrerem àseleições para a constituinte de 1934, quase todosregionais e sem expressão nacional, com exeção daAção Integralista Brasileira - AIB, e da AliançaLibertadora Nacional - ALN, frente sob orientaçãodo PCB. A ALN foi dissolvida e seus membrosreprimidos no final de 1935, logo após o levante deNatal e Rio de Janeiro, e a AIB foi fechada em 1938,após tentar um golpe de estado. Os partidosburgueses de expressão nacional foram organizadosa partir do Estado, durante a ditadura de Vargas(1937-1945).

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orgânica de capital, e para uma mão de obradoméstica semi-escrava. A super-exploração dotrabalho imbricou-se assim no país, até o presente,com a opressão étnica da população negra.4 Arepública oligárquica (dita “velha”) garantiu trêsdécadas de relativa estabilidade política, nas quaisfloresceram os interesses dos grandes proprietáriosaliados ao capital estrangeiro (cujos lucrosextraordinários baseiam-se na sua maiorcomposição orgânica, que lhe permite explorar odesnível no desenvolvimento das forças produtivas

4 São os negros e negras os que mais sofrem com odesemprego, perfazendo atualmente 40% dodesemprego total. Também são os negros os maisatingidos pelo “trabalho informal”, sendo seussalários 50% menores que os dos brancos. Asmulheres negras são o setor mais empobrecido dasociedade e são as que mais sofrem com a violênciadoméstica. A violência contra a juventude negra eindígena chega ao extermínio, com altas taxas dehomicídios; os negros são os primeiros a seremdemitidos, são os que mais caem na “informalidade”,nome eufemístico dado à exploração sem limiteslegais nem de qualquer outra espécie. Esse quadrosó torna mais grave o processo de cooptação, pelogoverno Lula, das lideranças do Movimento Negro,o que culminou recentemente com a aprovação deum Estatuto da Igualdade Racial, com apoio dabancada ruralista do Congresso Nacional, retirandobandeiras históricas do Movimento Negro, e tambémretirando a concessão de titulação de propriedade dasterras dos remanescentes de quilombos. Além disso,governo Lula retirou o dispositivo que garantia aalocação de verbas para o ensino de História da Áfricana educação básica.

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entre as metrópoles e as semi-colônias - os preçosde mercado são fixados pelos monopólios com basenos custos das empresas com menor composiçãoorgânica - e na super-exploração da populaçãotrabalhadora semi-colonial). A crise político-institucional em que concluiu a República Velharefletiu a contradição entre a democracia políticamais elementar e a raiz oligárquica do Estado: entre1922 e 1938 todas as frações políticas brasileiraspegaram em armas para apropriar-se ou pressionaro Estado (revoltas tenentistas em 1922-24,5

“revolução” de 1930, revolta “constitucionalista”de 1932, putsch da ANL em 1935, golpe varguistade 1937, putsch integralista de 1938), que conheceuum processo de desintegração que só a ditadurado Estado Novo viria a conter. Na época, LeonTrotsky constatava, a respeito dos regimes latino-americanos, que “os governos dos países atrasados,coloniais e semi-coloniais, assumem um caráterbonapartista, e diferem uns dos outros no fato deque alguns tentam se orientar numa direção mais5 Embora empreendendo uma “guerrarevolucionária”, os tenentes mantiveram a concepçãode que constituíam uma vanguarda que podia e deviasubstituir o povo brasileiro, que seria incapaz derealizar a revolução. No decorrer da Coluna Prestes,os tenentes continuaram aliados a setoresoposicionistas civis, dissidências da própriaoligarquia. No Maranhão aliaram-se ao PartidoRepublicano, e no Rio Grande do Sul tentaram novarevolução, em 1926, em conjunto com os“Libertadores” de Assis Brasil, oligarca “dissidente”que se manteve desde 1924 como chefe civil da“revolução”.

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democrática e tentam buscar apoio junto aostrabalhadores e camponeses, enquanto outrosinstauram uma forma de ditadura militar e policial”.A estratégia da revolução proletária no Brasil tevecomo ponto de partida a comprovação daincapacidade histórica da burguesia nacional pararesolver as tarefas históricas da nação oprimida:independência e unidade nacionais, revoluçãoagrária. A revolução de 1930 foi a expressão dacrise terminal do “Estado oligárquico”, no quadroda crise econômica mundial. A “revolução”, quese iniciou como um movimento de unidadenacional contra o federalismo oligárquico, acabouem uma ditadura bonapartista que centralizouburocraticamente o Estado, sem golpear as raízesda oligarquia, e atrelando as massas em umaimplacável arregimentação política. O períodovarguista demarcou o esgotamento da burguesianacional como classe com pretensões de estruturarum Estado independente e democrático, colocando-se na direção (hegemonia) das massas oprimidas.A miragem nacionalista burguesa, no entanto, tevefôlego no Brasil, em virtude do seu atrasado pontode partida: a produção industrial do país aumentou,entre 1907 e 1943, 43 vezes, passando de um valorde US$ 35 milhões em 1907, para US$ 1,4 bilhõesem 1950. Mesmo assim, as exportações primárias(em primeiro lugar, o café) ainda representavam,sob Vargas, mais de 75% da pauta total deexportações, em relação à indústria e serviços. Sóna década de 1980, essas percentagens seinverteriam. No século XX, o crescimento

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econômico do Brasil superou o do restante dospaíses da América Latina, atingindo um dos maiselevados percentuais de crescimento do mundo.Mas esse “desenvolvimento” agravou adependência financeira e tecnológica, acentuou asdisparidades regionais, abaixou ou dificultou o nívelde vida da população, assim como aconteceu norestante da América Latina. O desenvolvimentotardio do capitalismo brasileiro foi pensado comomodelo indicador, segundo um economista, “dahistória econômica dos países latino-americanoscomo a história do nascimento e desenvolvimentode capitalismos tardios”. No entanto, os regimesmais identificados, na história do Brasil, com arepresentação da nação (burguesa) diante doimperialismo, Vargas e Goulart, não tocaram aestrutura agrária latifundiária, e adotaram medidasnacionalistas de cunho limitado (criação tardia daPetrobrás, o primeiro; lei de repatriação de lucros,o segundo), inclusive se comparadas com as deoutros governos nacionalistas latino-americanos.

4. A configuração de uma burocracia sindicalno período varguista completou a estruturação doregime bonapartista. A estrutura institucional queoriginou sua existência, com a integração dossindicatos ao Estado, permaneceu, basicamente,inalterada até o presente. A burocracia “trabalhista”viu-se obrigada a abrir, posteriormente (década de1950), suas fileiras ao stalinismo (em suas diversasvariantes) para castrar o desenvolvimento classistaindependente do movimento operário. A base

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material da burocracia é o Imposto Sindical, criadopelo regime varguista (em 2008, seu montanteatingia um bilhão de reais, ou 600 milhões dedólares), ao qual se acrescentam outras taxascompulsórias (taxa assistencial, negocial, federativa,confederativa) cobradas do conjunto dosassalariados, e recebidas por mais de 10 milsindicatos, metade deles “de carimbo” (só existemno papel, para receber esses impostos e taxas) queconfiguram uma autêntica máfia, com milhares depseudo-sindicalistas de “carteira esquentada”, que“representam” categorias nas quais nuncatrabalharam, e que às vezes sequer conhecempessoalmente. Além disso, existe um importante“carreira” pós-sindical, na administração do FAT,do FGTS e outros fundos estatais expropriados dosalário dos trabalhadores, sem esquecer o negócioatualmente mais florescente, os fundos de pensãoprivados, favorecidos pelas reformasprevidenciárias privatizantes de FHC e Lula,6 em

6 Antes da reforma previdenciária de Lula, a EmendaConstitucional nº 20/98, que FHC fez aprovar noCongresso Nacional, inscreveu na ConstituiçãoFederal dispositivos que ajudaram a viabilizar atransferência dos sistemas de previdência para o setorprivado. O principal responsável, no governo Lula,pela reforma do sistema previdenciário, e ex-coordenador adjunto da equipe de transição do PT,Luiz Gushiken, ex dirigente da CUT, é titular daempresa Gushiken & Associados, especializada notema. A empresa serviu ao governo de FHC. O Brasiltinha já, em 2002, 2,3 milhões de assalariadosvinculados a fundos de pensão, detentores de umapoupança previdenciária de mais de R$ 250 bilhões.

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cima das quais montou-se uma burocracia sindical“gestora”, encabeçada por setores da burocraciacutista (e petista). Em 1981, 5.030 militantessindicais, na 1ª Conferência Nacional das ClassesTrabalhadoras (Conclat), considerada o embrião do“novo sindicalismo”, Lula e os “novos sindicalistas”defenderam a necessidade de que os sindicatos sedesatrelassem economicamente do Estado.Prometeram lutar para quebrar a espinha dorsaldas entidades “pelegas”, fechando a torneira dosrecursos financeiros compulsórios, que hoje, nogoverno, mantêm, consolidam e incrementam. Aluta de classes reconfigurou politicamente váriasvezes a burocracia sindical, hoje dividida emdiversas vertentes, que abrangem o velhopeleguismo, o stalinismo (PC do B), os ex“autênticos”, setores que se reivindicavam doclassismo (hoje no PT), e várias outras. Alegalização das centrais sindicas (atualmente umameia dúzia, CUT, FS, CTB, UGT, NCST, CGTB: aCTB, criada pelo PC do B) não foi uma conquistados trabalhadores, mas um episódio da luta inter-burocrática por fatias das taxas compulsórias.7 O7 Nessa “guerra por sindicatos filiados” houve umacaça ao CNPJ de sindicatos de todo o país, para fazerregistro no Ministério do Trabalho como filiado àdeterminada central. Viagens ao exterior, indicaçõespara disputar uma vaga em eleições municipais,cargos na direção da central, brindes variados e até adevolução de uma parte do Imposto Sindicalrepassado às centrais foram alguns dos benefíciosoferecidos pelas centrais.

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governo Lula, cuja base política pretérita lutava pelofim do Imposto Sindical (a CUT, até a chegada deLula ao poder, preconizava a eliminação dascontribuições compulsórias e da unicidade sindical),finalmente aperfeiçoou esse instrumento dearregimentação das organizações operárias,reformulando-o.8 Pela nova lei,9 as centrais quecomprovam “representatividade” podem abocanhar10% do total arrecadado com o imposto sindical(uma quantia superior a R$ 100 milhões). Pordecreto (“portaria”), Lula concedeu ao Ministériodo Trabalho o poder de atuar como instância deconciliação no caso de conflito entre entidades quedisputem a representação de uma mesma categoriade trabalhadores ou de atividade econômica. Omecanismo de arregimentação burocrática da classeoperária no Brasil é o mais aperfeiçoado da AméricaLatina, e leva até suas últimas conseqüências astendências à integração dos sindicatos ao Estadopróprias do capital monopolista. O montante do“negocio sindical” brasileiro, todos os ítens

8 Durante o governo Lula, a CUT recuou de umtotal de 3.341 para 3.266 sindicatos. A ForçaSindical conquistou 765 novos sindicatos para suabase - um aumento de 134%.9 Em 2003/2004, o governo Lula tentou aprovar, como aval da CUT, uma reforma sindical que só não foiefetivada devido à sua rejeição por boa parte dossindicatos. No entanto, em 2008, itens-chave daquelaproposta foram implementados por meio da Lei nº11648/08, chamada Lei das Centrais, que verticalizoua estrutura sindical e retirou a autonomia dossindicatos de base.

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incluídos, supera o montante do tráfico de drogas,com a “vantagem” de sua (quase) completalegalidade. Lula também vetou o antigo mecanismoque permitia ao Tribunal de Contas da Uniãofiscalizar os recursos provenientes da “contribuiçãonegocial”, que irrigam os cofres sindicais comverbas da ordem de R$ 1 bilhão anual. A montanhade dinheiro (bilhões de dólares) que jorra sobre aburocracia sindical é expropriada do saqueadosalário operário pelo Estado. Os impostos e taxascompulsórias sobre os trabalhadores constituem umdos eixos da manutenção da exploração e opressãoda classe operária brasileira. As correntes “deesquerda” (incluídas as “trotskistas”) que defendem- e, sobretudo, se beneficiam do - Imposto Sindicale as taxas compulsórias, cometem um crime políticoe social, que deveria ser objeto de denúnciainternacional diante do conjunto do movimentooperário para, pelo menos, evitar que setores domovimento revolucionário internacional percamseu tempo discutindo (ou simplesmenteconstatando) supostas “divergências políticas” comgrupos de autênticos mafiosos. A luta pelaindependência classista dos sindicatos, pelo fim dastaxas compulsórias e de todas as formas deintegração dos sindicatos ao Estado (incluído oFórum Nacional do Trabalho) está plenamentecolocada no Brasil, e tem hoje na Conlutas seuponto de apoio principal.

5. A “redemocratização” de pós-guerraresultou da pressão do imperialismo, diante dos

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índices de crise do Estado varguista: a “democraciapopulista” (1945/64) expressou a desagregação dasforças que aquele tinha unificadocompulsoriamente, e se baseou, não narepresentação democrática das diversas classes nasinstituições representativas, mas na proscriçãopolítica (do PCB e até de certos setores varguistas)e na colaboração contra-revolucionária daburocracia sindical e do stalinismo. Essa“democracia” brasileira foi a fachada parlamentarde uma composição oligárquica e burocrática. Oregime se baseava em dois partidos (PSD e PTB)que representavam, o primeiro, os governadores esuas camarilhas tradicionais nos estados; o segundo,os pelegos sindicais do Ministério do Trabalho eparte da burocracia estatal. Era uma democraciaformal de conteúdo pró-imperialista: foi o períododo grande auge dos investimentos do capitalimperialista. A ditadura militar que a sucedeu nãofoi um simples regime de negação das liberdadesdemocráticas contra todas as classes sociais dapopulação. A contra-revolução de 1964 foi opurgatório pelo qual teve que passar a naçãobrasileira como resultado do total fracasso donacionalismo burguês e da traição do stalinismo.10

10 Feita, claro, em nome da “revolução por etapas”:“A fim de derrotar o inimigo comum, é necessária a frenteúnica das várias forças interessadas na emancipação e noprogresso do Brasil. A aliança dessas forças resulta deexigências da própria situação objetiva. Como oimperialismo norte-americano e seus agentes internosconstituem o inimigo principal, a frente única é muitoampla do ponto de vista de sua composição de classe. Pelo

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A ditadura militar, longe de significar um retornoao regime oligárquico, foi uma expressão e uminstrumento das implacáveis tendênciascentralizadoras do grande capital nacional eimperialista, para aprofundar a submissão dasforças produtivas ao imperialismo, e paraaprofundar o disciplinamento dos diversos Estadosà União. A centralização autoritária da bota militarlevou a extremos a desigualdade dodesenvolvimento econômico e político da nação ede seus estados, o que se manifestou na apariçãode poderosas tendências centrifugas, querecolocaram a questão da unidade nacional sobreuma base nova. O resultado da ditadura militar foientrelaçar, em uma escala enorme, a burguesianacional com o imperialismo, e as oligarquiasestaduais com a burocracia do Estado nacional.Com isso se aprofundou a dependência daeconomia nacional em relação à economia mundiale a subordinação das economias estaduais aoorçamento nacional. O Estado militarizado agiudiretamente como agente do capital contra otrabalho: em 1964, do total do imposto sobre arenda recolhido na fonte, 18% se referia a

conteúdo das modificações que se propõe introduzir nasociedade brasileira e pela natureza das forças que aintegram, é uma frente nacionalista e democrática”, diziao PCB. A “burguesia nacional e democrática”,convocada pelo PCB para a “frente nacionalista edemocrática”, pariu e apoiou o golpe militar de 1964,e a consequente persegüição sangrenta aoscomunistas.

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rendimentos do trabalho e 60% a rendimentos docapital. Em 1970, os mesmos percentuais foramda ordem de 50% e 17% respectivamente. Reduziu-se drasticamente o poder de barganha dossindicatos, submetidos ao padrão de salários e dereajustes (arrochados) do governo militar, de acordocom os ditames de sua política econômica; alegislação do trabalho, da qual a substituição daestabilidade no emprego pelo Fundo de Garantiade Tempo de Serviço (FGTS) foi o protótipo,beneficiou a acumulação acelerada de capital,acelerando o turn-over dos empregados e a expulsãoda força de trabalho dos maiores de 40 anos,contribuindo para o aumento da taxa de exploração.Mas, com a crise em que entrou a economia mundiale o esgotamento do ciclo expansivo da economianacional, na segunda metade da década de 1970, anação como um todo e cada estado em particularcaminharam para a bancarrota. A dívida externa eo crescente déficit orçamentário foram asexpressões dessa falência.11 A vitória da oposição

11 O aumento do endividamento externo,“aproveitando a grande liquidez internacional decapitais”, ou seja, a sobreacumulação mundial decapital, ocorreu no final da década de 1960. Em 1969,a dívida ultrapassou os US$ 4 bilhões, apóspermanecer pouco acima dos US$ 3 bilhões durantetoda a década. A dívida subiu de US$3,3 bilhões em1967 para US$ 12,6 bilhões, crescendo a uma taxamédia de 25,1% ao ano. Além disso a estrutura dadívida alterou-se. Nesse período, a participação nadívida pública sobre a total cresceu. A dívida líquidasaltou de US$ 6,2 bilhões em 1973 para US$ 31,6

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(MDB) nas eleições estaduais de 1974, aconvocatória do I Congresso Metalúrgico do ABCpaulista (1975), por parte da burocracia sindical“autêntica”, colocando a questão da luta contra oarrocho salarial, evidenciaram a crise do regimemilitar e o início da superação da atomizaçãopolítica da classe operária que este tinha imposto,12

que seria seguida, quatro anos depois, pela explosãodas greves do ABC e pelo início de um poderosomovimento agrário no sul do país, base do MST.

6. Os interesses específicos da casta militar -o militarismo do Estado brasileiro - cresceram àsombra da incapacidade histórica da burguesia de

bilhões em 1978, crescendo à taxa de 38,7% ao ano,financiando os déficits da balança comercial e deserviços. O peso da participação estatal noendividamento subiu de 51,7% em 1973 para 63,3%em 1978. Além disso, os empréstimos passaram a serfeitos a taxas de juros variáveis, que se tornariam cadavez maiores. O aumento da dívida bruta, a taxas dejuros cada vez mais altas, tornou o endividamentoexterno um processo autoalimentado e, em 1977/1978, o pagamento de juros já representava quase 50%do déficit em conta corrente. A transferência derecursos para o exterior, medida como a diferençaentre exportações e importações de bens e serviços,aumentou de 0,4% do PIB em 1980, para cerca de 3%do PIB em 1981/1982, e atingiu 5% do PIB em 1983.12 Só o jornal trotskista Política Obrera apontou, já em1975, que a crise política brasileira e a divisão daburocracia sindical abriam um novo período em quese punha, na agenda política, a questão do partidooperário independente.

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estruturar seu domínio com base em instituiçõesrepresentativas. A crise desse processo se deu soba dupla pressão da crise econômica mundial e darecomposição do movimento das massas, da quala derrota da ARENA em 1974 foi uma expressãodeformada. O regime político, surgido de sériasderrotas políticas do proletariado e das massas,começou a entrar em contradição com uma etapapolítica marcada por novas relações de força entreas classes. A contradição estourou de forma abertaquando, em 1978, o proletariado, através de suaação direta, ocupou um lugar de destaque nasituação nacional. O governo militar, com Geisel,tomou a iniciativa de desencadear um processo quedenominou de “abertura política”, buscandomodificar certos métodos de dominação daditadura, com o propósito de abrir válvulas deescape para o regime e impedir que os exploradosbuscassem sua própria organização. A aberturatinha como objetivo abrir um espaço no aparelhoestatal para frações burguesas afastadas do poder,e inaugurar um período de manobras políticas, paramanter um regime que não podia mais se sustentarsó com a repressão. Os fatos demonstraram que amudança nos métodos de dominação não podiaser realizada sem choques e atritos graves. Aprimeira manifestação desses atritos foi ofechamento do Congresso (abril de 1977) e olançamento do Pacote de Abril, que anulou aseleições diretas para governadores e instituiu abionicidade parlamentar, visando manter a maioriado governo no Senado. Nesse contexto, o MDB

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lançou a bandeira da Constituinte. Esta tinha umcaráter preventivo, foi levantada como alternativapara enquadrar a emergência das massas, cujatendência era indicada pela forte mobilizaçãoestudantil, frente à intransigência da camarilhamilitar. Foi também a reação de setores burguesesque temiam que o plano de abertura fosse abortado,pois para aqueles que estavam afastados do poder,a abertura não era só uma tentativa de controlar asmassas, mas também um recurso para dividir oscustos da crise econômica entre as diversas fraçõescapitalistas.

7. Diversamente do divulgado pela hagiografiaacadêmica (e, ultimamente, tambémcinematográfica) o PT não nasceu de uma evoluçãonatural ou linear do operariado, mas de um conjuntode contradições e processos políticos abrangendodiversas classes sociais. Na etapa aberta em 1978-79, o proletariado não estava disposto a reeditar asvelhas experiências conciliacionistas de tipovarguista, nem a burguesia a tentar um periodoamplo de conciliação de classes, pois suadependência do imperialismo tinha se acentuado apartir de 1964, e o proletariado era extremamentemais forte e concentrado do que no passado. Aessas tendências combinou-se a crise do regimemilitar, em especial a crise do sistema deatrelamento dos sindicatos, que deu lugar, naprópria estrutura atrelada, ao “novo sindicalismo”,fornecendo a base politica para o lançamento daproposta do PT. Um fator histórico que contribuiu

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para que essa crise se expressasse com mais forçaem São Paulo, além do fato da região contar com oproletariado mais numeroso e concentrado, foi ofato do PTB, expressão histórica do alinhamentopolitico dos sindicatos com a burguesia, nãosomente não vicejar em São Paulo, como tambémpassar por fases em que quase desapareceu nesteEstado, por ter potencial para se tornar uma fraçãomuito forte: num estado onde o sindicalismo erapoderoso e o eleitorado decisivo, as liderançasnacionais do partido procuraram desestimular seucrescimento. A tendência para a independênciaclassista esteve presente em toda a história dooperariado brasileiro. Ela continuou nas lutas contrao regime militar. A criação do PT a expressou demodo deformado, pois surgiu de um acordo políticoque tinha por centro um setor do sindicalismoatrelado, que confiscou e até excluiu os setores queexpressavam mais diretamente o desenvolvimentoclassista, as “oposições sindicais”. Já no XICongresso de Metalúrgicos de São Paulo, em janeirode 1979 em Lins, em que foi tomada a decisão dese lançar a formação do PT , ficou acertado entre“autênticos” (“novo sindicalismo”) e “unidadesindical” (pelegos e PCB) que os representantesdas “oposições sindicais” não participariam. Os“autênticos” que deram origem ao PT se situavamnuma frente politica (instável) com o sindicalismoatrelado, contra os setores classistas. A posteriorruptura autênticos/pelegos (estes defendiam asubordinação ao MDB), com a ruptura CUT/CONCLAT, e inclusive à aliança com as oposições

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classistas, não altera o fato de que a feição originaldo PT foi dada por uma aliança política com centronum setor originário na estrutura de subordinaçãodas organizações operárias. O PT não surgiu “dointerior dos sindicatos”, mas de um processo derecomposição politica, não somente no seio daclasse operária, mas também da ala esquerda dapequena burguesia (com reviravoltas nas posiçõesde todos os setores de esquerda entre 1977 e 1981).Lula não era contrário a formar um partido com aesquerda emedebista, mas não estava disposto aabrir mão da hegemonia do processo de formaçãodo partido, já que era a única liderança política defato da classe operária. A intelectualidade, o PCB eo PC do B, ficaram no MDB, que ficou melhorestruturado do que queria a ditadura quando lançoua reformulação partidária; por outro lado, uma sériede grupos menores, centristas e vinculados à Igreja,entrou no PT, que ficou com os sindicalistas lulistasna liderança. Se, de um lado, a proposta do PT tevevigência prática desde sua origem, graças à ascensãodo movimento operário, ao qual as direções do PTestavam intimamente ligadas, de outro, a propostados sindicalistas autênticos se realizou graças aofracasso das negociações com a esquerdaemedebista. Na verdade, a direção sindical, nãotendo nos partidos da oposição burguesa nenhumtipo de representação politica, e frente àreformulação partidária, lançou o PT como ummeio de buscar um lugar no novo arranjo dospartidos, e evitou a todo momento lançar mão daautoridade dos sindicatos de massa que dirigia para

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a construção do partido. Em 1978, Política Obrerajá propunha: “O proletariado, para participar comoclasse no atual processo político, necessita de suaprópria organização, um partido operárioindependente, proposta que deve ser desenvolvidasob a forma de um programa, e que deve serlevantada como exigência à burocracia sindical querompe com a ditadura”. Na prática, a proposta doPT não foi uma proposta de partido operárioindependente, mas de partido pequeno-burguês, noqual estava comprometida uma camada deoperários de vanguarda.

8. O caráter pequeno-burguês da proposta doPT teve como raiz o próprio caráter burocráticoda direção que a lançou, uma direção situada porcima do movimento das massas, sujeita e sensívelà pressão da burguesia. Isto explica o enorme pesoque tiveram no movimento setores social epoliticamente raquiticos como os ex-gruposfoquistas, o maoismo e alguns “autênticos” doMDB. O que tipificou o PT como uma propostapequeno-burguesa foi o fato de que em lugar deter como base as organizações operárias de massas,foi uma proposta de aliança de um setor daburocracia sindical com grupos de esquerda de basepequeno-burguesa, baseada na fornação de“núcleos”, que não poderia, programaticamente,superar as posições nacionalistas burguesas. Emlugar de tomar a forma de um partido operáriocentrista de massas (centrista por não partir daestruturação de um programa revolucionário),

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tomou a forma de um agrupamento centristapequeno-burguês (não só pela natureza deste tipode centrismo, mas porque houve até a aberraçãode que uma boa parte dos grupos de esquerda quese puseram a formar “núcleos” do PT continuou aatuar dentro do MDB).13 A pressão do stalinismo edo governo militar foi no sentido de não questionaro PT, desde que nele não participassem ossindicatos. Mas os únicos que possuiam autoridadede massa para convocar o proletariado à formaçãode um partido eram os prórios sindicatos, o quenão podia ser substituido nem pela organizaçãonem pelo programa de nenhum grupo de esquerda.A objeção contra um partido operário dossindicatos, levantada por boa parte da esquerda,com o argumento de que estavan legalmente sob ocontrole do Ministério do Trabalho, ou dirigidospor pelegos, era uma falácia: os sindicatos quefizeram greve contra o Ministério do Trabalho, sempelegos ou contra os pelegos, caminhavam, nessamedida, para sua independência de classe, e aproposta de partido operário não estava dirigidaao Ministério de Trabalho ou aos pelegos, mas aosoperários, para que fizessem com que seussindicatos rompessem com o Estado e seprojetassem de forma politicamente independente.A expressão do caráter de classe do PT foi a suadefiniçao programática. Um verdadeiro partidooperário inscreveria em seu programa que a13 Até a trotskista “Convergência Socialista” lançou,e chegou a eleger, candidatos operários ao parlamentopelo MDB.

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satisfação das aspirações elementares da populaçãotrabalhadora seria impossivel nos marcos dasociedade capitalista e do Estado burguês, ou seja,proclamaria a abolição da propriedade privadacapitalista. A esses objetivos históricos, o partidooperário incorpora as reivindicações parciais etransitórias que, dentro do Estado burguês,contrapõem o pequeno proprietário ao grandemonopólio, o trabalhador autônomo às grandescorporações industriais e comerciais. Omitir - emnome da necessidade de defender os interessescomuns das diversas classes exploradas - que aplena satisfação desses interesses só seria possivelcom a expropriação do capital, significava colocaro PT a reboque da burguesia, de uma proposta quenão ultrapassava os limites do Estado capitalista, eque semeava a ilusão de que era possivel satisfazeras aspirações da maioria oprimida com umamudança na forma do Estado burguês. O PTassumiu um programa democratizante, que nemsequer era consequentemente democrático,propondo “a desvinculação das empresas estataisdos monopólios”, e não a expropriação doimperialismo; “a nacionalização do latifúndioimprodutivo”, e não a reforma agrária através daexpropriação do capital agrário, culminando na“democratização do Estado”, que deveria ser“submetido ao controle das organizações sociais edo povo”, o que não era consequentementedemocrático, já que não propunha a destruição doaparato de Estado, da ditadura militar e do conjuntodo regime politico. Quanto ao “socialismo”, foi

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inicialmente recusado, e posteriormente admitido(1981) como “o socialismo que será definido pelaluta diária do povo brasileiro”, o que era purademagogia, porque rechaçava explicitamente umadefinição do socialismo como regime politico declasse - baseado na expropriação do capital, naliquidação do seu Estado e no governo operário ecamponês; e diluia o socialismo em consideraçõessobre a “participação das massas”, “controlesocial”, etc. Sobre essas bases políticas e deorganização foi se desenvolvendo o PT,interessando a setores da classe operária,estendendo-se nacionalmente, obtendo a sualegalização eleitoral (1981) e seu primeiro resultadoeleitoral expressivo (11% dos votos nas eleiçõespara governador em São Paulo, em 1982), que deua base para a sua projeção futura, baseadoprincipalmente no voto da classe operária, o quefoi expresso pela palavra-de-ordem que presidiu acampanha eleitoral (“vote no três, o resto éburguês”), o que não fazia do PT um partido declasse, pois não bastava o fato de que aglutinassediversos setores populares e que se organizasse comautonomia dos partidos burgueses tradicionais. Umpartido de classe devia também expor os interesseshistóricos do proletariado (derrocada docapitalismo) e se enraizar profundamente nasmassas, em primeiro lugar o proletariado. Semdúvida, o PT gozava de ampla simpatia nas massas.Mas os militantes que atuavam eram recrutados napequena-burguesia e foram fornecidos pelasorganizações de esquerda pré-existentes. Durante

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a campanha eleitoral de 1982 não foi recrutado umnúmero significativo de militantes operários; o PTse configurou como um partido da pequena-burguesia radical e da franja de ativistas sindicais ede bairro que gravitavam em torno dela. Uma frenteúnica de tendências de esquerda, dirigentes sindicaise ativistas católicos, com presença de intelectuaisuniversitários, unidos na perspectiva de progredirpoliticamente seguindo um atalho, o do prestígiodos dirigentes sindicais “autênticos”, umconglomerado disparatado, mas unificado pelaperspectiva de um êxito rápido, garantido pelapresença de Lula (transformado nesse momento,com Lech Walesa, em figura mundial da perspectivademocratizante anti-comunista impulsionada peloimperialismo, norte-americano em primeiro lugar).14

9. A crise econômica mundial da década de1970, que levou à crise do “milagre brasileiro” nasegunda metade dessa década, colocou duas opçõesbásicas, de um ponto de vista capitalista: resgataruma parte do ativo fixo em mãos do Estado ou daburguesia nacional para pagar os credores externos,ou impor uma disciplina ao grande capitalimperialista e o intervencionismo estatal. A políticade Delfim Netto, em 1979, expressou um cursointermediário, ao tratar de resolver o impasse commétodos antigos: subsídios às exportações,desvalorizações, controle limitado dos preços,

14 Num dos primeiros Encontros Nacionais do PT foiconvidado o representante consular dos EUA, queaceitou o convite.

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redução do orçamento das empresas estatais. Oresultado disso, especialmente nas condições derecessão de 1980/82, foi o agravamento da crisesocial (aumento do custo de vida) e a ruínaprogressiva do sistema financeiro (mercado negro,fuga de capitais, inflação crescentemente fora decontrole). Enquanto o crescimento anual médio doPIB atingiu 7,1% no período 1947/1980, essa taxase reduziu a 1,6% nos anos 1980. Nas condiçõesde crise e de luta das massas, a continuidade políticada ditadura só foi possível pela existência de umacordo de fundo com a oposição burguesa, quelimitava suas divergências à questão das datas docalendário da abertura, evitando formular qualquermedida de ruptura com a grande finançainternacional (no máximo colocava, como fez CelsoFurtado, uma renegociação governamental dadívida do Brasil com os governos dos paísescredores). A irrupção das massas, presente nocenário político a partir das greves do ABCD em1978-79, questionou esse acordo até pô-lo em crise,crise cuja expressão foi a campanha pelas “Diretas-Já” (1984). Neste ano, o movimento operárioretomou o caminho iniciado no ABCD, diante dafabulosa expropriação salarial expressa na inflaçãode 222%. Lançada pelo PT, a campanha, que levoumilhões às ruas, poderia ter sido a projeção políticaantiditatorial da luta contra a exploração,encabeçada pela classe operária. Não foi isso,devido a que sua direção burguesa - aceita pelo PT- limitou sua projeção à pressão sobre as instituiçõesexistentes (emenda Dante de Oliveira) surgidas no

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ventre da ditadura militar. Para contornar a crise, oregime teve que pagar o preço da divisão da ex-ARENA (PDS, do qual se cindiu o PFL,representando setores oligárquicos nordestinos) etransferir o governo para a coalizão civil resultantedessa divisão, a Aliança Democrática (PFL/PMDB), estruturada com base no candidato deconsenso (das Forças Armadas, do imperialismo eda burguesia) Tancredo Neves. Isto evidenciou acontinuidade da tendência para uma saídabonapartista, por cima das instituiçõesrepresentativas, mas agora com centro civil. A mortede Tancredo pareceu coroar a operação, realizandode maneira oblíqua os planos de Geisel-Golbery(transferência do governo a um civil da ARENA),cooptando a oposição burguesa no quadro de umregime tutelado, ao levar à presidência o ex-presidente da ARENA, José Sarney. Mas, dez anosde crise e lutas populares não tinham passado emvão, e o personalismo sarneyzista foi uma espéciede bonapartismo às avessas. Foi para enfrentar aascensão das massas (em 1985 as greves bateramrecordes históricos, feito repetido nos primeirosmeses de 1986), assim como para condicionar aseleições de governadores (1986) e o processo daConstituinte (1987), que Sarney lançou umainiciativa pela via do decreto, o Plano Cruzado de“combate à inflação”. Sua finalidade foi sustar olançamento de uma nova campanha pelas diretas-já. A iniciativa - com os “fiscais de Sarney” e ohipotético “partido do presidente” - visou adiar umenfrentamento com as massas, intervindo

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audaciosamente na crise partidária. Ostrabalhadores deveriam aceitar salários reduzidos,para evitar o aumento da massa salarial, fixandotambém um limite para a expropriação salarial,resultante de congelar os preços no pico e ossalários na média. Essa tentativa de estruturar umpoder-árbitro entre as classes teve fôlego curto,devido à própria magnitude da crise econômica,mas serviu, junto com o PNRA (Reforma Agrária),para modelar em grande medida o processo eleitoralposterior, apoiando-se nos condicionamentosantidemocráticos do regime militar. Assim, oPMDB foi o grande vitorioso em novembro de1986 (vencendo em 22 dos 23 estados) e aConstituinte, iniciada em 1987, concluiu em 1988sagrando a grande propriedade fundiária, a tutelamilitar do regime político, o conjunto da estruturacapitalista, pondo só restrições formais à penetraçãodo capital estrangeiro em setores estratégicos. As“conquistas trabalhistas” incorporadas ao texto (40horas semanais, licença maternidade/paternidade,direito de greve para o funcionalismo público)apenas visaram contemporizar com direitos jáexistentes de fato, aguardando uma regulamentaçãoque iria anulá-las na prática. Uma oposiçãorevolucionária deveria ter denunciado o conjuntoda manobra, preparando a sua derrota, mas o PT,além de “apoiar criticamente” o Plano Cruzado,integrou-se na manobra eleitoreira (reclamandoapenas “participação popular”).

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10. A Constituinte, sancionada em 1988, nãofechou a crise política, nem criou um novo regimepolítico: o país continuou sendo governado atravésde decretos por um poder sustentadoprincipalmente nas Forças Armadas. No entanto,no segundo semestre de 1988, fracassou totalmentea tentativa de Sarney em subordinar o processoconstituinte ao seu próprio poder. O fracasso doPlano Cruzado, na verdade, refletiu a incapacidadedo governo em estruturar uma arbitragem entre asclasses. A tendência democratizante, imposta peloaprofundamento da luta de classes, se esgotaria sóquando este aprofundamento alcançasse um pontoincompatível com a estabilidade do Estado burguês.No Brasil, como em toda a América Latina, atransição política para regimes civis foi motivadapelo esgotamento econômico e político dos regimesmilitares, no quadro de uma crise econômicamundial (a “crise das dívidas”, em 1982, evidencioua incapacidade desses regimes em continuarpagando a dívida externa, expressão dadecomposição das relações capitalistas em escalamundial),15 de crises internacionais cada vezmaiores (guerras civis e internacionais na AméricaCentral, guerra Equador-Peru, e Guerra das

15 Apesar da curta declaração da moratória da dívidaexterna brasileira, ela chegou aos 115,5 bilhões dedólares. O governo Sarney pagou 67,2 bilhões dedólares de juros da dívida externa, ou seja, 58,2% domontante total devido: a moratória só expressou afalência financeira do país, não qualquer “atitudeantiimperialista” do governo Sarney.

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Malvinas, em 1982) e de mobilizações popularessem precedentes (guerrilha em toda a AméricaCentral e na Colômbia, mobilizações antiditatoriaisnos países do Cone Sul, greves de massa emobilização pelas “Diretas Já” no Brasil). Em meioa agudas disputas e crises políticas, os regimesdemocratizantes surgiram sob a hegemoniapreservada do capital financeiro internacional, e daburguesia local a ele associada, preservando aintegridade (e até os interesses) das camarilhasmilitares precedentes. Os meios usados foram, emprimeiro lugar, a chantagem econômica e militardo imperialismo norte-americano e europeu (comona guerra das Malvinas, ou na organização da“contra” na América Central). Mas, ao mesmotempo, a política democratizante foi impulsionadadiretamente pelo imperialismo norte-americano,surgida no bojo dos problemas criados peloconjunto da crise política: ela foi impulsionada pelogoverno Reagan (1980-1988) surgido com oobjetivo explícito de reverter as tendências políticasinternacionais, caracterizadas pelo retrocessomundial do imperialismo ianque, depois dasderrotas nas guerras do Vietnã e do Sudeste asiático.A política democratizante visou resolver acontradição entre a necessidade de uma políticaintervencionista (determinada pela própria crise) ea necessidade de manobras, determinada pelo fatodo imperialismo e da burguesia não estarem diantede uma perspectiva de estabilização econômica,tudo no quadro de uma tendência ascendente domovimento operário e popular latino-americano.

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Capitalizou o entrelaçamento inédito das burguesiasnacionais com o capital financeiro internacional(produto da recolonização econômica que sedesenvolveu desde o segundo pós-guerra, com suaexpressão mais plena na dívida externa) e a criseda burocracia russa e sua política mundialcrescentemente subordinada ao imperialismo, assimcomo a ausência de independência política de classedo proletariado e das massas latino-americanas. Oimperialismo e a burguesia nacional procuraramos regimes democráticos como um recurso deemergência preventivo. O imperialismo sustentouos processos democráticos: em todas as crisesmilitares da Argentina, onde militares direitistasprocuraram entrar num atrito profundo com ogoverno Alfonsín, o governo Reagan e os governoseuropeus apoiaram o poder civil, por achar que,nas condições de crise mundial, só governos queprocurassem cooptar as oposições operárias epequeno-burguesas, em um marco constitucional,poderiam sustentar o Estado e continuar a pagar adívida externa, ou seja, dar continuidade eaprofundar a política de crescente exploração daclasse operária e dos camponeses. Nenhum dessesregimes foi um desenvolvimento democráticogenuíno da burguesia nacional. Na Constituintebrasileira, os cinco anos de mandato para Sarneyforam arrancados por uma pressão organizadapelos empresários ligados à ditadura militar e pelospróprios militares. Em nenhum caso, a mudançado regime militar para um regime civil significouverdadeiramente a implantação de uma democracia

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política, mas apenas de uma fachada constitucionalpara instituições com origem na ditadura militar.Os compromissos internacionais, eixo do processode exploração internacional da América Latina,foram respeitados pela “democracia”, em especiala dívida externa.16

11. A falência das antigas direções de massas,nacionalistas e, em menor medida, stalinistas(produto de toda a experiência histórica com essasdireções, e da qual o surgimento do PT, em 1980,varrendo com as antigas direções “trabalhistas” estalinistas, foi a expressão mais contundente) deuum papel decisivo à pequena-burguesia

16 A continuidade dos regimes democratizantes comos regimes militares foi clara: no Brasil, os militaresgarantiram a sua participação direta no poder atravésdos ministérios militares; no Chile, a oposição(incluídos o PC e o PS) aceitou governar na base daConstituição pinochetista de 1980, e garantir 8 anosde mando de tropa para os comandantes do ditador;no Peru, a Constituinte legislou sob o governo militarde Morales Bermúdez; no Uruguai, o regime branco-colorado-Frente Ampla se baseou no “Pacto do ClubeNaval”, que garantiu a impunidade militar, reforçadaem plebiscito; na Argentina, as crises militares foramaproveitadas pelos “democratas” radicais, peronistase liberais para institucionalizar o poder militar noConselho de Segurança Nacional, e para inocentaros genocidas através do “ponto final” e da“obediência devida”; no Paraguai, o governo civilsequer transcendeu os limites familiares, pois ogeneral Andrés Rodriguez era parente do ditadorStroessner, que aquele derrubou. A políticademocratizante não foi o contrário do

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democratizante “de esquerda”, dominante naesquerda latino-americana. Isto foi favorecido pelaconduta da direção sindical “autêntica”, encabeçadapor Lula, que limitou o processo grevista do ABC,adaptando-o à estratégia conciliadora da oposiçãoburguesa (MDB) com a “abertura” patrocinada peladitadura militar. Um “verdadeiro PT” (comopartido operário de massas), no entanto, só poderiasurgir sobre a base do mais amplo desenvolvimentodo movimento das massas. Com o esvaziamentodeste, a proposta do PT – que surgira comoexpressão do choque dos operários em luta contrao atrelamento de suas organizações ao Estado, econtra suas direções pelegas atreladas à ditadura eà burguesia – foi capturada por intelectuais da classemédia e por um conglomerado de seitas de esquerdaque limitaram seu horizonte político a umafraseologia democratizante vulgar (como o“controle da economia pelo parlamento”, a“solidariedade internacional” - em vez dointernacionalismo proletário - , e outras

intervencionismo militar externo: foram osdemocratas bolivianos os que admitiram aintervenção de tropas ianques no país, sob pretextode combate ao tráfico de drogas; o mesmo pretextofoi usado para o bloqueio naval da Colômbia; foireforçado o cerco militar de Cuba, e invadida a ilhade Granada; foi militarizada como nunca a AméricaCentral, através da “contra” nicaragüense e do enviode tropas norte-americanas a Honduras e El Salvadore, caso extremo, mas exemplar, foi invadido o Panamápara impor um governo “democrático”. A políticaianque consistiu em combinar a manobrademocratizante com o velho big stick.

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assemelhadas). A juventude, inexperiência e escassodesenvolvimento político do movimento operário,de algum modo, faziam desse o resultado maisprovável do “sonho petista”. Mas esse resultadofoi também condicionado pelo reformismo visceralda esquerda (incluída sua vertente “trotskista”), poiso PT “das origens” foi, em suas idéias, a esquerdado país em sua realidade. Antes da “abertura”, essaesquerda só entendeu a violência revolucionária soba sua forma não-revolucionária, o foquismo,17 edesaguou naturalmente no pseudo-democratismoburguês. A esquerda frustrou a possibilidade deconverter a iniciativa de formar o PT naoportunidade de fazer penetrar o programarevolucionário nas massas. Os partidos “dostrabalhadores”, ou trabalhistas, certamente, não seconstituem sobre a base de um programa, e simsobre a base do movimento espontâneo dostrabalhadores. Por isso, neles desempenham umpapel importante os dirigentes sindicais. Estacaracterística, em que as colocações políticas seacomodam às necessidades práticas, acaba porinviabilizar esses partidos, ou os transforma empoliticamente burgueses. Nessas circunstâncias, osmarxistas deviam lutar para que o partido adotasseuma fisionomia proletária (não necessariamentemarxista, no imediato), lutando para que definisse

17 Sem excluir o Secretariado Unificado da IVInternacional (cuja seção brasileira foi a DS), que, noseu IX Congresso Mundial (1969) definiu as guerrilhaslatino-americanas como “o eixo para a construção daInternacional”.

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seus objetivos em termos classistas. A iniciativa deformar um partido operário (nos lugares onde nãoexiste) é a ocasião de fazer progredir o programarevolucionário; abdicar dessa tarefa seria condenarà classe a seguir uma tortuosa evolução. A esquerdabrasileira fez um culto do procedimentooportunista; devido a isto, o movimento práticodas massas foi confiscado pela pequena burguesia,que fez prevalecer suas idéias e preconceitos.Segundo os “intelectuais” do PT, um programadeveria ser elaborado “de baixo para cima”, umaestupidez contrária à toda evidência histórica(inclusive a anterior ao Manifesto Comunista; este,por sua vez, elaborado pela vanguardarevolucionária, não “pelos operários de base”). Omaterial de um programa são as idéias e suasubstância a experiência histórica não só das massas,mas da humanidade toda e da sociedade específica(capitalista) vigente. Só a demagogia poderiasustentar “que as massas elaborassem o programa”,um despropósito que conduziu para um programade vulgaridades liberais. A legalização do PT, noquadro do regime militar, comportou dois aspectos:uma derrota política imediata da burguesia, assimcomo a evidência de que o proletariado continuavasubmetido politicamente a variantes bastardasdaquela. A legalização do PT, nos termos em queocorreu, refletiu o refluxo do movimento de massas,após as greves de final da década de 1970,18 assim

18 Em 1979, as greves atingiram 2,5 milhões detrabalhadores, mas a derrota da greve metalúrgicade São Paulo, Osasco e Guarulhos encerrou essa fase

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como sua escassa diferenciação política. Alegalização do PT ratificou, no entanto, que, aomenos durante um período, esse partido seria oquadro político principal para todas as correntesda esquerda. O PT ergueu-se como um quadro noqual os revolucionários seriam forçados a atuar paraclarificar politicamente a vanguarda operária. Aconquista pelo PT de sua legalidade significou quenão era viável uma ação política fora do PT, noquadro político desse período.

12. Foi, portanto, por motivos políticos, e nãopor uma “decorrência natural”, que nas “transiçõesdemocráticas” ocupou um lugar central a cooptaçãopolítica, direta ou indireta, das liderançasdemocráticas, operárias e populares, incluídas asque, até um passado recente, se reivindicavam docampo da revolução, à qual renunciaram em nomeda “adesão à democracia” (que encontrou umaelaboração ideológica nas teorias da “democraciacomo valor universal”). Essa “esquerdademocratizante” acabaria conquistando até aslideranças guerrilheiras centro-americanas – umfator fundamental na “transição latino-americana”foi o papel das burocracias russa e cubana, decisivopara limitar e castrar o alcance da revolução naNicarágua e em El Salvador (Fidel Castro indicouclaramente, nesse momento, que “a revoluçãosocialista não resolvia os problemas”, ao tempo em

do movimento grevista. Em 1980, o número degrevistas recuou para 750 mil, incluindo 250 milcanavieiros de Pernambuco.

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que lançou a proposta de “Nova OrdemEconômica Internacional” – propondo o “perdão”das dívidas externas – como saída para a criselatino-americana e mundial). Até expressõespolíticas oriundas da IV Internacional (oSecretariado Unificado) substituíram, nesseperíodo, a luta pela ditadura do proletariado(governo operário e camponês), pela “democraciasocialista”, concebida como um regime de extensãoilimitada das liberdades democráticas existentes noEstado burguês. A virada ideológica e política daesquerda latino-americana (e internacional) emdireção da democracia burguesa foi um elementodecisivo para castrar a projeção revolucionária daqueda das ditaduras,19 sendo um reflexo ideológico

19 Os fatores objetivos da revolução social estavamreunidos na América Latina, elo fraco da correnteimperialista mundial, onde as contradições dodesenvolvimento desigual e combinado atingiam seuponto mais agudo. Todos os indicadores econômicosmanifestavam, na década de 1980, a maturidade dasforças produtivas para a revolução social: a renda percapita caíra aos níveis de 1970; o retrocesso econômicoabsoluto (queda do PIB) coexistiu com o crescimentodemográfico, determinando uma queda violenta darenda per capita (que, por sua vez, está longe de medira queda abrupta real do nível de vida da populaçãoexplorada); o investimento caiu de 25% do PIB (nadécada de 1970) para 16% em 1987; a inflação estavafora de controle; a dívida externa continental puloude US$ 100 bilhões em 1980, para US$ 420 bilhõesem 1989; a produção de alimentou caiu em 17 de dos23 países latino-americanos, entre 1981 e 1987. Obloqueio das forças produtivas se refletiu em umaregressão social sem precedentes.

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(tardio) do boom capitalista de pós-guerra, e reflexoimediato da crise mortal da burocracia dos malchamados “países socialistas”. Certamente,expressou também as limitações políticasprecedentes da esquerda (que tinha pretendidosuperar o nacionalismo frente-populista dos PCsstalinistas lhe opondo a “luta armada”, isto é, umradicalismo metodológico carente de conteúdoprogramático diverso). Foi no quadro de uma crisepolítica galopante da burguesia (degringolada dogoverno Sarney, afundamento das candidaturas epartidos oriundos da oposição burguesa à ditaduramilitar) que o PT conheceu um espetaculardesenvolvimento eleitoral, até obter 32 milhões devotos no segundo turno das eleições presidenciaisde 1989, se credenciando como alternativa e fatorpolítico decisivo do país. A base dessedesenvolvimento foi dada também pela viradahistórica do proletariado, que teve na CUT (criadaem 1983) a sua primeira central operária nacional.Isto estava em contradição com a políticademocratizante da direção petista, e até com aparticipação do PT em importantes instâncias doEstado (em 1989, o PT já dirigia três das prefeiturasmais importantes do país, postas abertamente nacontramão do movimento grevista). Para resolveressa contradição, o PT lançou a candidaturapresidencial de Lula, em 1989, não como candidatoindependente dos trabalhadores, mas de uma frentede colaboração de classes (a Frente Brasil Popular,FBP, adotada no VI Encontro Nacional do PT, em1989) onde sobreviveu o stalinismo brasileiro (PC

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do B), deu-se um lugar de destaque a políticosburgueses desconhecidos (como João Paulo Bisol)- a “sombra da burguesia” -, numa frente políticaque a direção petista pretendeu estender até osrepresentantes da burguesia paulista (o PSDB deCovas) e ao cadáver político do varguismo (o PDTde Leonel Brizola).20 A derrota no segundo turnode Lula para a candidatura aventureira de Collor,deveu-se à exploração política que este fez dascontradições da Frente Popular; de pouco serviuque a FBP declarasse a intangibilidade da

20 No Programa de Transição da IV Internacional,Trotsky assim definia a Frente Popular: “Sob o signoda Revolução de Outubro, a política conciliadora dasFrentes Populares vota a classe operária à impotênciae abre o caminho ao fascismo. As Frentes Populares,de um lado, e o fascismo, de outro, são os últimosrecursos políticos do imperialismo na luta contra arevolução proletária. No entanto, do ponto de vistahistórico, estes dois recursos são apenas ficções. Aputrefação do capitalismo continua, tanto sob o signodo barrete frígio na França como sob o signo dasuástica na Alemanha. Somente a derrubada daburguesia pode oferecer uma saída”. O revival daFrente Popular nesta virada do século já não seapresentou, como antes, “sob o signo da Revoluçãode Outubro”, depois da degringolada burocrática eo fim da União Soviética, em 1989-1991. O seu álibiideológico já não é a necessidade de uma “etapa darevolução democrática”, prévia e separada darevolução proletária, como durante a vigênciahistórica do stalinismo, mas a “universalidade(histórica) da democracia”, uma teoria parida nosporões do stalinismo na sua etapa de decomposiçãogorbacheviana.

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propriedade privada e dos grandes bancos, assimcomo da dívida pública, nessa altura já atingindoos 300 bilhões de dólares. As direções sindicaisbloquearam todas as lutas no período pré-eleitoral.Uma vitória de Lula, ainda assim, teria significadouma derrota da burguesia para as massas, que viamem Lula um representante de seu própriomovimento de classe (embora fosse umrepresentante da burocracia sindical e da pequenaburguesia que invocava a representação dosexplorados, atuando em coalizão com partidosburgueses e até pró-imperialistas, como o PSDB).A precária saída política achada pela burguesia aoderrotar Lula por uma margem pouco relevante (as14 milhões de abstenções e votos brancos ou nulossuperaram em quase quatro vezes a diferença de 4milhões de votos em favor de Collor) não ocultoua derrota política sofrida pela classe operária, poistodas as tendências eleitorais prévias apontavam apossibilidade da vitória de Lula.21

21 Foram culpados pela derota eleitoral do PT amanipulação da mídia (Rede Globo), as provocaçõesda burguesia (uso do sequestro de Abílio Diniz porum grupo foquista chileno-argentino), os “golpesbaixos” do candidato do grande capital (caso MiriamCordeiro). Mas esses elementos fazem parte de todademocracia burguesa, que é um sistema demanipulação dos trabalhadores, não um terrenoneutro de enfrentamento “limpo” entre as classes.Procurar esses bodes expiatórios revelava a ilusão ematingir as transformações sociais através do voto emregime burguês, e não através da luta classistaindependente: a democracia burguesa não é o meiopara se chegar ao poder; os patrões nunca entregarão

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13. A política frente-populista, mesmo naoposição, agiu contra as conquistas sociais eorganizativas do proletariado, como odemonstraram a deterioração salarial e odesemprego crescente, e o fracasso, apesar disso,da greve geral convocada pela CUT, enquanto adireção petista a desmoralizava com a sua políticade pacto nacional. O relativo sucesso eleitoral dopartido (se medido só pela quantidade de votos)permitiu ao PT ser o motor da esquerdademocratizante em todo o continente: o Foro deSão Paulo, criado em 1990 (através de um acordocom o PC cubano), iniciou a preparação políticada esquerda democratizante continental comoalternativa de governo, projetando

gratuita e pacificamente o poder que construíram emséculos de exploração. A política do PT privilegiou aaliança com representantes da burguesia emdetrimento da luta de classes. A Frente Brasil Populare a candidatura Bisol, primeiro, e o “movimento pró-Lula presidente” depois, descaracterizaram o caráterclassista da candidatura Lula, como oposição aoregime burguês e seus partidos, no primeiro turno, ecomo oposição classista ao candidato do regimemilitar e da burguesia, no segundo. A aliança comBrizola forneceu ao adversário a munição queprecisava para tirar de Lula a sua principal bandeirapolítica: a luta contra os conchavos e a corrupção,bandeira democrática, mas não classista. Como disseO Estado de S. Paulo, “Brizola cozinhou Lula em águafria”, apoiando-o formalmente, e abrindo fogo contraa “corrupção” do gaúcho Bisol (vice de Lula), semresposta pelo PT, contradição que forneceu a Collorseu principal argumento no segundo debate da TV.Brizola estava obrigado a apoiar Lula, pois as

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internacionalmente a política frente-populista. OPT tomou a iniciativa e aglutinou quase toda aesquerda latino-americana na reunião, convidandonão apenas partidos de esquerda, como tambémpartidos burgueses (o Partido RevolucionárioDemocrático do México, de Cuauhtémoc Cárdenas,e o Partido Democrático Trabalhista de LeonelBrizola, por exemplo). Nessa reunião foi debatidaa situação internacional, discussão aprofundadanuma segunda reunião no México, depois naNicarágua, em 1993, e finalmente em Cuba em1994. A conclusão do Foro foi a seguinte: a quedado Muro de Berlim e o “fracasso” do socialismo

pesquisas após o primeiro turno mostravam que 85-90% do seu eleitorado votaria em Lula no segundo, oque o deixava na obrigação de apoiá-Io, coisa que olíder populista burguês transformou numa armacontra a candidatura petista. Quanto à aliança comCovas, os resultados do PT em São Paulo, bastião doPSDB, demonstraram a sua (quase nula) utilidadeeleitoral. Enquanto se propagandeava a aliança (e ofuturo co-governo) com o PDT e com o PSDB, o apoioda CUT e dos sindicatos a Lula no segundo turno foideixado em segundo plano. A política frente-populista do PT deu margem para todas essasmanobras da burguesia, que conseguiu assimcontornar momentaneamente a sua monumental crisepolítica, crise que arrebentou com todos os seuspartidos diante do crescimento irrefreável dacandidatura Lula. Dizer que houve uma “vitória”porque Lula e o PT atingiram níveis inéditos devotação para a esquerda e as candidaturas operáriasno Brasil, significa esquecer que na semana prévia aspesquisas apontavam a vitória de Lula, e a militânciapetista se mobilizava nesse sentido.

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na URSS significavam o fracasso das tentativas dasmassas operárias, no curso da história, para resolverseus problemas, e também os problemas dahumanidade, por meio da revolução proletária. Ofracasso da URSS seria o fracasso da revoluçãoproletária, o fracasso da tentativa de derrocar aburguesia, assim como da perspectiva estratégicada ditadura do proletariado. A segunda conclusãofoi que a democracia, que os marxistas sempreconsideraram como uma categoria histórica, aforma clássica e aperfeiçoada da dominaçãocapitalista, era “um valor universal”, estaria no foroíntimo do ser humano, sendo necessário manter-seno campo democrático e numa perspectiva em quea luta dos trabalhadores se limitasse a ampliar osdireitos democráticos: por esse meio, ostrabalhadores poderiam chegar ao governo etransformar pacificamente a sociedade, por meiode uma política de “justiça social”. Finalmente, oForo afirmou que América Latina estava sofrendoum processo de exclusão internacional, com seucomércio internacional diminuindo, e a pobrezacrescendo: daí a necessidade da integração na “novaordem econômica internacional”. A negação darevolução proletária, a reivindicação da democraciae a integração no mercado mundial capitalista foramas conclusões estratégicas com as quais a esquerdalatino-americana, com o PT à sua cabeça, preparousua candidatura ao governo, na década de 1990.Todas essas conclusões foram votadas no Foro deSão Paulo, com apenas um único voto contráriodentre os mais de 150 participantes, o do Partido

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Obrero da Argentina, que procurou demonstrar quea queda do Muro de Berlim e da burocraciastalinista iria aprofundar a tendência políticamundial à criação de situações revolucionárias; quea democracia não iria se ampliar, mas estreitar-seem conseqüência da crise capitalista; que haveriarevoltas dos trabalhadores, e que a integração deAmérica Latina na ordem capitalista mundial“globalizada” iria aprofundar a exploraçãoimperialista do continente.

14. Depois das moratórias latino-americanas,determinadas pela exaustão financeira, o pagamentodas dívidas foi retomado através dos Planos Bakere Brady, que incluíram a privatização “a preço debanana” (com títulos públicos podres) dos ativosestatais. Os planos visavam eliminar qualquerespécie de “renegociação soberana” e, sobretudo,de suspensão do pagamento da dívida; segundo os“economistas” já não era possível renegociar, poisse no passado havia um número limitado de bancoscredores, com o “Brady” a dívida externa foitransformada em títulos públicos (os “bradies”)vendidos pelos bancos no mercado internacional,sem que se conhecesse a identidade dos donosdesses títulos, que começaram a pairar no mundointeiro. Ou seja, o Plano Brady era menos um planoeconômico do que uma manobra política (o defaultargentino, de dezembro de 2001, fez aparecer osproprietários desses títulos nos lugares maisinimagináveis, incluindo os cafundós agrários daItália, e as montanhas tirolesas da Áustria...). A essa

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mega-operação de entrega nacional e exploraçãosocial foi dado o pomposo nome de“neoliberalismo”, atribuindo um caráter ideológicoa uma fraude econômica impulsionada por políticoscarentes de qualquer outra “ideologia”, além dosaque, em benefício próprio, das finanças estatais.O governo Sarney, produto de eleições indiretas,caiu em meio a um fracasso econômicocontundente, com uma hiper-inflação galopante(que atingiu 53.000% anual, determinando váriasmudanças de moeda), provocada pela especulaçãofinanceira com os títulos públicos. O governoCollor, surgido das eleições de 1989, assim comoos outros governos “democráticos” latino-americanos (cujo conteúdo econômico não foi ode opor uma resistência limitada ao imperialismo,mas o de aprofundar a entrega nacional, levando-aa níveis inéditos, até quando comparada com asditaduras militares) aceitou o principio dopagamento dos juros,22 como garantia para a

22 O pagamento do serviço da dívida externa atingiuo limite de consumir todo o saldo da balançacomercial, ou seja, todo o excedente nacional. Entre1970 e 1990, o Brasil pagou em juros US$ 122,77bilhões, mais do que o total do estoque da dividaexterna (US$ 111,91 bilhões). A descapitalização dopaís chegou ao ponto de, entre 1985 e 1989, o Brasilter pago US$ 56,65 bilhões e recebido US$16,74bilhões do exterior: uma transferência liquida de US$40 bilhões, ou 15% da produção nacional. Em apenasseis anos, a dívida passou de 26% do PIB (1978),representando 53% do PIB em 1984, e crescendo apartir de então.

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renegociação do pagamento da divida impagável,e o princípio de “capitalização da dívida”,liquidando o aparelho produtivo nacional,entregando-o em troca de títulos desvalorizadosda dívida, aceitos pelo seu valor nominal. Colloracabou com a histórica reserva de mercado parasetores estratégicos (informática e petroquímica),e elaborou o primeiro plano econômico em que aprivatização das empresas estatais passou a ser eixoda política do Estado. Todos os vitupériosposteriores contra o “presidente-ladrão” (quecobrou o preço por ter livrado à burguesia do “sapobarbudo” montando uma roubalheira baseada numesquema de saques, comissões e desvios de verba,comandada pelo seu mafioso lugartenente PCFarias, de US$ 8 bilhões, da época) não mexeramuma palha do norte estratégico de sua políticaeconômica pró-imperialista, que foi mantida pelosgovernos sucessivos até nos mínimos detalhes.Collor não foi destituído, em 1991, por causa desseprograma, mas pelos seus patológicos excessoscleptomaníacos, que foram o eixo de umamobilização popular – cuja iniciativa coube àesquerda petista – muito manipulada pelaburguesia, pela mídia crescida na ditadura (RedeGlobo e Folha de S. Paulo), com os estudantes“carapintadas” na rua fortemente despolitizadospela direção da UNE, nas mãos do PC do B (quecobraria seu preço pelo serviço, com cargosexecutivos nos governos estaduais da direita – comoo de Maranhão – e, sobretudo, com posições nofuturo governo Lula, totalmente desproporcionais

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ao seu [escasso] peso político real nas massaspopulares). O esquema bonapartista de Collorexcedia em muito sua base social e política real, e aprópria burguesia preferiu livrar-se do embaraçosocorrupto e de sua “corte dos milagres” – depoisdeste ter cumprido sua tarefa de impedir a vitóriaeleitoral de Lula, e de ter atacado a hiperinflaçãomediante a pior expropriação do salário e daspoupanças das classes pobres já realizada no Brasil(“Plano Collor”). Essas seriam, no entanto, as baseseconômicas e políticas de seus “honestos”sucessores (Itamar Franco, seu vice-presidente, e,finalmente, FHC). Estes enfrentaram movimentosde luta desgastados pela castração política da lutacontra a ditadura militar e contra Collor. ItamarFranco (um verdadeiro zero político à esquerda)não foi um simples governo “de travessia”, poiscontinuou a repressão contra a classe operária e oMST, assim como o programa de privatizações, masfez isso cooptando lideranças petistas, como a exprefeita de São Paulo, Luiza Erundina, que geriu aárea “social” do governo, enquanto, na Fazenda,FHC lançava o plano econômico (o Real) queestabilizou e unificou a burguesia e o capitalfinanceiro internacional, uma perfeita “divisão detarefas”. O governo Itamar Franco deucontinuidade às políticas do governo Collor,principalmente no que diz respeito à ampliação deespaços na educação para o setor privado. Instituiutambém a Lei 8.958, que abriu o espaço dasuniversidades públicas para as fundações privadas.Sua viabilização foi favorecida pelo relativo refluxo

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das lutas da classe trabalhadora, devido à frustraçãopolítica das grandes lutas precedentes. No interiordo establishment burguês, ganhou vigência umamudança política até então posta em segundo plano.As catástrofes em que concluíram os primeirosgovernos civis demonstraram a completaincapacidade da partidocracia burguesa existentepara sustentar a estabilidade do regime político (acandidatura Collor, recurso de crise contra aascensão do PT, por exemplo, fora lançada por umincrível – e inexistente – “Partido da Juventude”).O programa federal de privatizações, saneamentomonetário e tributação regressiva exigido peloimperialismo era incompatível com governos (comoos de Sarney, Collor e Itamar Franco) sustentadosem partidos demasiadamente comprometidos comas oligarquias regionais, com seus interessesdisparatados e sistemas próprios de falcatrúas. DoPMDB surgira assim o PSDB (com apoio tambémde frações de outros partidos), no qual, em quepese o papel de políticos regionais tradicionais(como Franco Montoro ou Mário Covas, de SãoPaulo, ou Tasso Jereissatti, do Ceará) a hegemoniapolítica ficou nas mãos de representantes daintelectualidade paulista “de esquerda” (FernandoHenrique Cardoso, José Serra, e sua primeirageração de discípulos-agregados do Cebrap, comoAntonio Kandir), uma espécie de “vanguardapequeno burguesa” que se propôs como substituta“moderna” da falida política oligárquica, por contados interesses gerais do capital e do imperialismo.Até então, a participação política desse setor tinha

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sido perférica (e não muito bem sucedida, comodemonstrara o fracasso da candidatura de FHC paraa prefeitura de São Paulo, derrotada por umcandidato quase sempre bêbado e com um pé nacova, Jânio Quadros). Para dar estabilidade aoregime político, os velhos representantesoligárquicos (escaldados e debilitados depois doapoio emprestado ao aventureiro alagoano) tiveramque abrir mão da sua hegemonia política, quasesem tê-la exercido, em favor da intelectualidadepequeno-burguesa outrora perseguida pela ditaduramilitar.

15. Em novembro de 1991, o PT realizou,finalmente, seu I Congresso Nacional (entre suafundação, em 1980, e essa data, quase doze anosdepois, aconteceram oito “Encontros Nacionais”,não destinados, pela sua própria natureza, a discutirprograma e estatutos). Só esse fato ilustra ademagogia contida na famosa “democracia de base”apregoada pela sua direção. Depois da adoção dapolítica frente-populista, o Congresso adotou o seucorrelato organizativo, a “regulamentação dastendências internas”. Descaracterizado comopartido de real base operária organizada, o PT erajá, a essa altura, uma federação de tendências deesquerda (funcionando na base do consenso), mascom as próprias tendências fortalecidas pelo fortemovimento de recuperação classista (ou,simplesmente, de eliminação da velha pelegada)acontecido em um número importante de sindicatosdurante a década de 1980, movimento que não fora

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hegemonizado, sequer impulsionado, pela“Articulação”, a tendência “lulista” do PT (e daCUT). O Congresso foi precedido por um“Manifesto” de Lula (lançado por cima de qualquerinstância partidária), de conteúdo programático(pela “redistribuição da renda”, contra o poder dostrabalhadores; o Estado só deveria conservar “ossetores estratégicos para o desenvolvimentonacional”: em resumo, contra a expropriação daburguesia, pelo capitalismo e até pela penetraçãoimperialista) e, sobretudo, de conteúdoorganizativo: “concluiu o ciclo do partidoorganizado em tendências”, dizia o documento.Esse foi o resultado final do famoso “programaelaborado pela base”. O programa, na verdade,tinha sido ditado previamente, em agosto, pelaGazeta Mercantil: “As doze tendências ultra-radicaisabrigadas no PT têm seus dias contados” (o jornal dosLevy tinha até feito a conta!). Sem a “normalização”burguesa do PT, a política de Frente Popular, comtodas as garantias dadas à burguesia, não ohabilitaria como alternativa de governo (burguês).A completa eliminação das tendências, preconizadapor Lula, foi, no entanto, impossível, devido àprecariedade do acordo político entre as tendênciasde direita (majoritárias) - os ex-stalinistas, agorapetistas, não estavam ainda dispostos a “comer namão” de Lula e de sua base política de sindicalistasburocráticos - e à força das tendências de esquerda,reflexo deformado da radicalização da classeoperária e da juventude. A “esquerda” petista (nessemomento, principalmente, a “Democracia

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Socialista”, DS, e a “Convergência Socialista”, CS)defendeu o “direito de tendência”, mas sobre basespuramente organizativas, isto é, sobre a base deum princípio democrático abstrato, sem caracterizarnem denunciar a política pró-burguesa dastendências majoritárias, como base da“normalização” interna (isto preparava a derrotada esquerda, ou sua capitulação: ambas acabaramacontecendo). Nessas condições, a “normalização”burguesa do PT avançou aos trancos e barrancos,por etapas, e com “experiências piloto” (eraimpossível excluir toda a “esquerda” em bloco, semprovocar uma crise monumental e, provavelmente,um novo e importante reagrupamento político,concorrente do próprio PT). Primeiro foramexpulsos, sob pretextos diversos, alguns grupelhose militantes (sob pretexto de defesa aberta da “lutaarmada”), depois a “Causa Operária”, CO, primeiratendência organizada a ser excluída (e única a terdenunciado a FBP como uma política frente-populista de colaboração de classes, contra-revolucionária), ao mesmo tempo em que sofriamintervenção, pela Direção Nacional, os DiretóriosMunicipais de Bauru e Volta Redonda, pela suaoposição à FBP. A expulsão da CO passou semgrandes histórias, devido à debilidade política dogrupo expulso (a CO só veio a se declarar“tendência interna do PT” quando o processo desua exclusão já estava em andamento avançado).Maiores problemas, e verdadeiro teste, foi aexclusão ulterior da CS, tendência integrada nasinstâncias orgânicas do PT (inclusive o Diretório

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Nacional). No entanto, a CS (como aconteceriaulteriormente com os grupos que deram origemao PSOL) praticamente se auto-excluiu do PT,declarando que o conflito no PT em torno dastendências opunha, não defensores da colaboraçãode classes contra defensores da independência declasse (divergência política), mas “reformistas”versus “revolucionários” (divergência ideológica,imprecisa e muito mais limitada para suscitar ointeresse político da vanguarda operária que tinhacomo referência o PT, dentro ou fora do partido),sem denunciar a política colaboracionista da FrentePopular,23 e colocando que a saída dos“revolucionários” era “inevitável”. Contra a “crisedo socialismo” argumentada pela direção petista(para adaptar-se à burguesia) a CS defendeu o“socialismo com democracia” (como se fossepossível um “socialismo antidemocrático”). A

23 O que não impediu, depois, o PSTU de denunciar aFBP como “Frente Popular”, coisa que não foi feitaquando a FBP teve origem (em 1989), evidenciandoo caráter empírico e episódico (isto é, não deprincípios ou programática) dessa caracterização doPSTU (o que lhe permitiu, por isso, de participar deuma “mini Frente Popular”, batizada de “Frente deEsquerda”, nas eleições gerais de 2002). Em 1989, oMAS argentino, então “modelo” da CS brasileira,saudou a aliança do PT com Brizola e Covas sob otítulo “juntos podemos vencer”. Nahuel Moreno játinha teorizado que, nos países atrasados,diferentemente das metrópoles imperialistas, a FrentePopular possuia um “lado progressista”(antiimperialista) que justificaria um eventual “apoiocrítico” à mesma.

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“Frente Revolucionária” organizada pela CS (comosuposta convergência dos revolucionários excluídosou cindidos do PT), encaminhada para a formaçãodo “partido revolucionário plural” (que seria,depois, o PSTU, o partido dos socialistas“Unificados”) - atualização da “frente únicarevolucionária” outrora preconizada por NahuelMoreno - não agrupou senão (além da CS) grupos(pequenos) e militantes já anteriormente excluídosdo PT, ou que nunca dele fizeram parte (como,por exemplo, uma fração stalino/prestista queperambulava sem eira nem beira pelos cada vezmenos lotados corredores da esquerda brasileira).Como tal “pluralidade revolucionária” permanentenão passava de um princípio demagógico (chegoua ser citada, totalmente fora de contexto e propósito,a “convergência” dos trotskistas com os leninistasno partido bolchevique...) o “ajuste” ulterior doPSTU concluiu com a saída-exclusão dos“revolucionários convergentes”, que foram paraoutras tendas políticas (incluído um grupo quevoltou ao PT), ou voltaram para casa, levando decambulhada não poucos militantes da ex CS. NoPT, portanto, os trotskistas foram excluídos, aomesmo tempo em que o “direito de tendência” foiconcedido à Gazeta Mercantil e ao Estado de S. Paulo,que o aceitaram com prazer, refletindo a tendênciada burguesia para transformar o PT em “partidoda ordem (burguesa)”. As correntes trotskistas nãoforam excluídas porque representassem umaameaça à hegemonia das correntes burguesas nadireção do PT (não o eram nem de perto, por

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motivos diversos), mas como uma prova dada àburguesia brasileira de sua capacidade de disciplinaro partido dentro a uma política situada no regimesocial vigente, embora também com um certeiroinstinto ideológico anti-marxista (foi mobilizadopara a “depuração” do PT o velho stalinistaApolônio de Carvalho, quem, nas páginas da oficialrevista petista Teoria e Debate, despejou contra otrotskismo todas as calúnias outrora paridas nasusinas ideológicas do KGB: o “novo socialismo”do PT concluía, assim, na repetição – farsesca –do stalinismo, Frente Popular incluída). A“normalização” democratizante-burguesa do PT,que poderia ter dado lugar a uma grave crise políticaque clarificasse à vanguarda operária, e permitisseum novo realinhamento político da mesma,qualitativamente superior ao PT, concluiu em umafrustração política quase completa. Isto pesou, epesa ainda hoje, como uma hipoteca políticadecisiva sobre a vanguarda lutadora do Brasil, namedida, sobretudo, em que o PSTU constituiu-secomo o principal (e limitado) canal político dosativistas operários e juvenis dispostos a combaterpela independência de classe e a revoluçãosocialista.

16. Em menos de uma década, a “democracia”brasileira, com Constituinte e tudo mais, agravouos problemas da nação brasileira, levando-os a umpatamar qualitativamente superior ao da(entreguista) ditadura militar. “Modernidade” epobreza, avanço técnico e fragmentação social,

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latifúndio improdutivo e mercado de futuros dasoja se fortaleceram reciprocamente em umparadoxo aparentemente sem fim, expressão dodesenvolvimento desigual e combinado das forçasprodutivas nacionais. Com a “guerra fiscal” entreos estados, destinada a criar melhores condiçõespara os investimentos (estrangeiros,principalmente), originou-se um caos impositivoque questionou o próprio pacto federativo. A guerrafiscal, por outro lado, é paga pela populaçãotrabalhadora e pobre com cortes crescentes nosgastos sociais e no orçamento público em geral(saúde, educação, transporte, etc.), produto dasisenções impositivas (“renúncia fiscal”) oferecidacompetitivamente (via decretos) pelos estados aogrande capital (a desoneração em 2007 chegou aR$ 5,25 bilhões) que foi obtendo lucros cada vezmaiores no Brasil, especialmente no setorfinanceiro, cujos benefícios se situaram entre osmais altos do planeta (o lucro médio dos bancosno Brasil é de 26% ao ano, enquanto nos EUAvaria entre 10% e 15%), setor que sofreu tambémum acelerado processo de concentração edesnacionalização sob a chamada “democracia”.24

24 Este processo abrangeu toda a América Latina. Aconcentração do capital financeiro mundial criougigantes bancários que, com a oportunidade latino-americana, aumentaram as fusões e aquisições,alcançando as posições de prevalência: BSCH (GrupoSantander), Citibank, BBVA (Banco de Bilbao),BankBoston, HSBC (Hong Kong e Shangai) e ABNAmro. A soma das atividades destes bancos alcançacerca de 60% dos ativos de todos os bancosestrangeiros na América Latina.

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Com a política econômica voltada a transformarde modo crescente o país numa plataforma deexportações, para obter os saldos que permitissemcontinuar rolando as dívidas, definiram-se“circuitos espaciais de produção” que, por meiode um uso monopólico do território, estabeleceramuma hierarquia territorial. Essa crescenteconcentração econômica dos circuitos fez com queeles se comportassem como fragmentos queoperam de forma autônoma em relação ao restodo território. Os lugares que ficam como resíduosdesse processo não contam na divisão territorialdo trabalho. Nesse contexto, uma disputa entre“fragmentos” será sempre uma disputa desigual.Os primeiros, com sua parcela de produçãoampliada na escala internacional, ficam fortalecidos;os segundos, com sua área de ação localmentedelimitada, permanecem fragilizados. Processo que,em vez de fortalecer o território nacional, estimulasua fragmentação e fragilidade. O esgarçamentoeconômico e político conclui na fragmentaçãogeográfica que, pela dinâmica do capital, sedesdobra na fragmentação urbana, derivada dodesemprego e do confronto brutal do capital como trabalho. A divisão social, sempre existente nas

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concentrações urbanas, se transformou, no Brasil,no confronto crescente entre duas cidades, a“protegida” (que fez nascer e se desenvolver umamonumental indústria da segurança privada, umnegócio capitalista situado à beira do crime, e quedele se alimenta) e a favelada, submetida a umestado de exceção policial permanente, cinicamenteposto sob fachada de “defesa dos direitoshumanos” (com suas correspondentes secretariasfederais, estaduais e municipais, que enchem deparasitas o Estado), de “inclusão social” e de outrosdiscursos vulgares de cunho semelhante. Arepressão policial assassina é exercidaprincipalmente pela Polícia Militar, instituiçãocriada pelo Exército durante a ditadura militar, comfórum judicial próprio, isto é, situado fora dequalquer controle judiciário civil. A dissoluçãodesse corpo exclusivamente repressivo eindependente é uma exigência elementar dademocracia. À sua sombra, floresceram as“milícias” privadas, verdadeiro governoindependente nas regiões mais pobres das grandescidades. A acumulação de capital que, segundo seusapologistas, teria situado o Brasil à beira do“Primeiro Mundo”, produziu e produz umadecomposição social sem precedentes, dedimensões monumentais, com dois filhosperfeitamente legítimos: a expansão espetacular doconsumo de drogas (em todas as classes sociais) eo “crime organizado” (PCC, Comando Vermelhoe muitos outros), expressões, não de uma revoltasocial, mas de uma indústria capitalista (a das

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drogas, principalmente) situada fora da legalidadecomercial. Os canais de lavagem de dinheirotransformam este processo em “crescimento doPIB”, que alguns marxistas vulgares identificamcom um desenvolvimento das forças produtivassociais, quando se trata de um bloqueio das mesmase de uma regressão social absoluta: na era históricade seu declínio, o capital, inclusive em suas fasesde expansão, expressa plenamente suas tendênciasdestrutivas e socialmente regressivas. A barbárie(sem aspas) virou o cotidiano do Brasil urbano e“moderno”. Entre jovens de 15 a 24 anos, odesemprego pulou de 35% para 40% a partir de2001 e ficou por aí desde então. Alguma surpresacom a explosão da criminalidade entre os jovensnessa faixa etária? Mais da metade dostrabalhadores brasileiros não tem emprego formal(51,2% em 2004). A acumulação e concentraçãocapitalistas estão na base do fenômeno: nas últimastrês décadas do século XX houve um aumento daprodução em 20% na empresa industrial média,acompanhada por uma redução de 75% nos postosde trabalho. A grande indústria, responsável pelamaior parte da produção, gera menor quantidadede empregos. Contrariamente, centenas de milharesde pequenas firmas, responsáveis pela“informalidade”, compreendem a maior parte daforça de trabalho assalariada. Apenas 400 empresasno Brasil geram mais de 60% do PIB, um índice deconcentração superior ao dos países imperialistas.O Brasil combina os males da ultra-monopolização

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do capital, junto com os do seu próprio atrasoeconômico.

17. As duas vitórias eleitorais presidências deFHC e o PSDB (1994 e 1998, esta sem necessidadede segundo turno) foram a expressão plena doprocesso democratizante latino-americano, noquadro de um crescente retrocesso, no Brasil, dosmovimentos de luta das massas exploradas. Aexplosão da inflação no governo Itamar Franco(952% em 1992, 1928% em 1993, 2050% em 1994,o que fez ruir as poupanças e a renda dos setoresde rendimentos varáveis) decretou a falência dos“choques econômicos” precedentes, baseados nocongelamento de preços e salários, ou seja, retratoua incapacidade do regime político em estabelecer amais elementar arbitragem entre as classes. Isto foia base do Plano Real,25 lançado por FHC como25 Os planos anteriores ao Real foram marcados peloscongelamentos de preços e salários (Cruzado, 1986;Bresser, 1987; Verão, 1989; Collor I e Collor II), seuinsucesso foi creditado à “falta de credibilidade”, ouseja, à perda de capacidade reguladora e arbitral doEstado burguês. A virada dos anos 1980-1990 foimarcada pela crise desses “modelos de estabilização”,pela eclosão da hiperinflação e, ao mesmo tempo, pelosurgimento de outro “modelo”, baseado naintrodução de âncora cambial. México (1989), Chile(1990), Argentina (1991) e Brasil (1994), além de váriosoutros países latino-americanos, asiáticos e do Lesteeuropeu introduziram essa modalidade deestabilização com estrutura básica semelhante. A basepara a implantação desse modelo foi o excedente decapital-dinheiro na economia mundial, resultante devárias fontes: a queda da taxa de juros dos Estados

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ministro de Fazenda de Itamar Franco, quetransformou o eleitorado de “classe média” emliteral refém econômico de FHC, capturandoinclusive à esquerda, que aceitou o plano comcríticas secundárias.26 Claro que FHC sabia que o

Unidos; o grande volume de recursos provenientesdo crime organizado, com a expansão da produção eda comercialização de drogas que, juntamente aotráfico de armas, passou a representar em torno deUS$ 1 trilhão por ano; a renegociação da dívidaexterna através do Plano Brady, que revitalizou umgrande volume de recursos considerados perdidos,sob a forma de títulos públicos, passando a servir debase para novos créditos; e os recursos que advinhamdo crescente parasitismo ou deslocamento de capitalque estava imobilizado, mas que passava para a esferafinanceira atuando no mercado de títulos públicos eno mercado de câmbio, somado aos grandes lucrosfinanceiros que não conseguiam ser reinvestidosprodutivamente, além da expansão dos fundos depensões. A “esquerda” acabou aceitando (e, no casodo PT, finalmente, administrando) planos que eramum resgate do capital em crise (e que preparavamuma crise ainda maior no futuro).26 Em setembro de 1994, em debate com JorgeAltamira na USP, Jacob Gorender, figura patriarcalda esquerda brasileira, afirmou: “Há um mês atrás,o candidato Lula tinha 42 pontos nas pesquisas deopinião pública da disputa presidencial. Era umcandidato que tinha chances de, segundo a grandeimprensa burguesa, ganhar as eleições no primeiroturno. Bastou apenas um mês para que este quadrose modificasse. A última pesquisa dá dez pontos dediferença a favor do candidato FHC em relação a Lula,uma inversão extraordinária, que ninguém imaginavaaconteceria com tanta rapidez. Faziam-se cálculos noPT de que, com a introdução da nova moeda, FHC

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Plano Real não bastaria para se eleger, restava aaliança com aqueles que detinham a técnica dafraude eleitoral, movida pelas oligarquias regionais:o “moderno” PSDB articulou uma aliança de todaa direita arcaica brasileira, que foi a base de seu

ganharia pontos e Lula os perderia. A introdução danova moeda foi identificada rapidamente com o ex-ministro da Fazenda, prestigiando-o diante dapopulação. É necessário levar em consideração apsicologia popular de nosso povo. O que estáacontecendo repete o já ocorrido em 1986, quando oprimeiro desses planos de estabilização - o PlanoCruzado - foi aplicado, e deu ao partido que estavano poder, o PMDB, uma estrondosa vitória eleitoral.O povo apoiou o partido que estabilizara a moeda eque fizera cessar, pelo menos naquele momento, ainflação. O mesmo repete-se agora, com a vinda doreal e, passado um mês, o plano dura, o poderaquisitivo aumentou um pouco e há perspectivas deque ele dure ainda mais. O povo sabe que esse planopode não durar, pois a sua psicologia, a sua intuição,o adverte. Mas, hoje, o povo apoia o o plano, apoia anova moeda, manifestando a necessidade de se teruma moeda estável. Arrisco dizer que talvez seja ocaso dos marxistas-Ieninistas de países como o Brasil,- que tem um processo inflacionário crônico, em quehá até uma cultura inflacionária - introduzirem emnossos programas a cessação da inflação, a garantiade uma moeda estável, já que teremos de lidar com amoeda no futuro regime socialista, já que o mercadonão irá desaparecer, já o sabemos. O povo anseia poristo e aí reside o apoio dado a FHC”. A sobrevivênciado mercado num (hipotético) regime socialista comoálibi para uma “estabilização monetária” capitalistae anti-operária: a argumentação revelava umaesquerda que tinha perdido por completo a bússolamarxista ou de classe.

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governo. A suposta novidade econômica do planode estabilização monetária (a “âncora cambial” –que supunha um constante e consistente fluxo deinvestimentos externos para se sustentar) escorava,na verdade, em condições políticas que, por suavez, supunham um entreguismo nacional semprecedentes. O Plano Real, de FHC, foi diversodos planos de estabilização precedentes, porqueintroduzia as políticas de ajuste do BIRD e do FMI,tendo como eixo as privatizações. Foram exigidasvárias reformas: do Estado, da Previdência,universitária, quebra do monopólio estatal emsetores estratégicos (petróleo), flexibilização dosdireitos trabalhistas. A questão monetária, pontoculminante do plano, privilegiou essa finalidade,não tocando em questões como a distribuição derenda e da propriedade (reforma agrária),investimentos e geração de empregos. No primeirogoverno FHC foram aprovadas as chamadas“reformas constitucionais da ordem econômica”,com a quebra dos monopólios estatais, a igualdadede tratamento entre empresas nacionais eestrangeiras, e a desregulamentação de atividadesaté então consideradas “estratégicas”. Os benefíciosconcedidos pelo governo às empresas compradoraschegaram a US$ 45 bilhões, valor maior do que opatrimônio vendido e mais que o dobro do “ganho”obtido com as desestatizações (o ganho alegadocom o processo foi de US$ 17,9 bilhões). Partedessas empresas foram compradas comfinanciamento do BNDES a partir de recursos doFundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Houve

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também a abertura comercial com a drásticaredução das tarifas alfandegárias, ampliando aoferta de produtos importados. A contrapartida deampliação das exportações não se consolidou, oresultado foi a passagem de uma situação desuperávit comercial (US$ 29,5 bilhões em 1989)para déficit (US$ 45,8 bilhões em 1999),combatendo a inflação com produtos importadosa preços menores do que os nacionais (“a indústrianacional precisa se modernizar para competir”, foio discurso). Cadeias produtivas inteiras foramdesarticuladas, a dependência externa aumentou.Outro aspecto foi a desvalorização dos patrimôniosnacionais (seguindo a tendência mundial de quedados valores), vendidos a empresas multinacionaisa preços irrisórios, para garantir a entrada de dólarese cumprir as obrigações com o capital financeiro.As privatizações renderam US$ 63,6 bilhões.Mesmo assim, a dívida externa saltou de US$ 123,9bilhões em 1991 para US$ 236 bilhões em marçode 2002. Durante o primeiro mandato de FHC(1995-98), o país desembolsou cerca de US$ 126bilhões a título de juros e amortização da dívidaexterna. As despesas líquidas de juros subiram deUS$ 8,2 bilhões em 1995 para US$ 15,2 bilhõesem 1999. As conseqüências sociais, com a recessãoeconômica e os cortes orçamentários, foram odesemprego aberto e o “trabalho precário” (super-explorado e sem cobertura social). Sob adenominação de “trabalho informal” esconde-se ocrescimento espetacular da exploração sem limites(sem nenhuma contribuição previdenciária e taxas

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patronais de qualquer natureza), com jornadas detrabalho situadas entre 70 e 80 horas semanais,“trabalho” responsável por 60% dos postos criadosno Brasil no período FHC. A pequena burguesiademocratizante demonstrou carecer de qualquerindependência social e política em relação àburguesia e ao imperialismo, se transformando naponta de lança da entrega nacional. A chegada aogoverno da “esquerda cebrapiana”, no entanto,abalou o PT, lhe impondo uma derrota política: osrepresentantes mais conscientes da políticademocratizante no partido (o ex-secretário geralFrancisco Weffort,27 José Álvaro Moisés, Augusto27 Este tinha sido o coordenador da campanha eleitoralde Lula em 1994. Derrotado por FHC, Weffort seintegrou de imediato ao governo deste, como Ministrode Cultura (o que, com certeza, estava acertadopreviamente, o que significa que a campanha do PTtinha sido dirigida por um quinta-coluna do PSDB-Cebrap). Este oportunismo sem limites foi“explicado” num artigo de Weffort, publicado com odevido destaque pela Folha de S. Paulo, um verdadeirochamado aos seus “irmãos de classe (média)” a entrarna barca de FHC, e deixar os trabalhadores livradosà sua própria sorte. Não foram poucos os queresponderam positivamente. O artigo foi publicadoa 4 de outubro, entregue, portanto, ainda a 3 deoutubro, dia das eleições, quando sequer o seuresultado estava claro, e havia muita fraude a serdenunciada, e só poderia, pelo tamanho e elaboração,ter sido escrito ainda em plena campanha eleitoral.A esquerda brasileira, hegemonizada pela pequenaburguesia, foi testemunha muda do recorde mundialda falta de decoro... Weffort citou, sem serdesmentido, a “compreensão” de Lula da sua“decisão” de entrar no governo FHC!

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de Franco, Eduardo Jorge, Irma Passoni, e váriosoutros) romperam com o partido para integrar-seno governo FHC, demonstrando que suacircunstancial aproximação “aos trabalhadores” nãopassara de uma manobra oportunista paraaproximar-se do poder burguês por viastransversais, o que confirmava inteiramente a críticaque o marxismo revolucionário fizera no próprionascedouro do PT.

18. O Plano Real dependia por inteiro daprosperidade capitalista mundial, da propensão docapital financeiro para investir no Brasil, para o qualse ofereceu uma remuneração extraordinária atravésda elevação dos juros, reforçando a tendênciaparasitária (“rentista”) do capital financeiro. Os“planos de estabilização” na América Latina seinseriram no contexto de crise e batalha econômicamundial. O novo papel dos organismos econômicose financeiros internacionais foi impostopoliticamente pelos países imperialistas. Os planosde estabilização apontaram para a recuperação dodólar como moeda de troca (comercial e financeira)mundial, ou seja, para a recuperação do capitalfinanceiro e do imperialismo norte-americano. Oendividamento externo foi o principal instrumentopolítico desse processo, ao mesmo tempo em queuma evidência do crescente parasitismo capitalista,e da decomposição das relações capitalistas emescala mundial. A “renegociação das dívidas” foio solo no qual floresceu a “estabilização dolarizada”e o processo de crescente expropriação do

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excedente econômico nacional dos países latino-americanos pelo capital financeiro (rentista)internacional. No meio da “globalização”, aAmérica Latina foi submetida a uma colonizaçãoeconômica sem precedentes, por meio da drenagemdo esforço nacional (dívida externa e remessas delucros), da entrega do patrimônio acumulado(privatizações) e da submissão monetária ao BancoCentral dos EUA (planos de conversibilidade e, emalguns casos, dolarização da economia: o Plano Realfoi a síntese dos “planos de estabilização”semelhantes, adotados na América Latina). Isto nãopoupou o continente da crise mundial docapitalismo, que se traduziu nas crises da Ásia, daRússia e do Brasil (1997-99), na quase-falênciabancária dos EUA em 1998,28 no impasse da UE,na desagregação dos blocos comerciais, como oMercosul e os blocos asiáticos; no fracasso do Japãoem sair de uma depressão econômica profunda eduradoura. A essa crise vinculou-se o agravamentogeral da luta de classes e da instabilidade políticano mundo todo. O desenvolvimento capitalista

28 Em 1997, na Ásia, iniciada na Tailândia, a criseatingiu a Coréia do Sul, Filipinas, Indonésia e Malásia,que receberam U$ 60 bilhões do FMI para se“salvarem”. Em 1998, na Rússia, o mesmo FMI entroucom um pacote de socorro de U$ 22 bilhões, dianteda quebra da economia, que obrigou a desvalorizaçãodo rublo e ao calote nos pagamentos externos. Nessemesmo ano, o Brasil sofreu um ataque especulativo,tendo recorrido também ao FMI, que emprestou U$41 bilhões para sustentar a moeda.

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reforçou a contradição entre o caráter mundial dodesenvolvimento das forças produtivas e domercado, por um lado, e o caráter nacional doscapitais, monopólios e Estados, pelo outro. Oreforço da nacionalização dos capitais semanifestou de forma especial na supremaciaalcançada pelo capital norte-americano,principalmente na banca de investimento, isto é,das tendências próprias do imperialismo. Comoresultado da abertura extra propiciada pelo PlanoReal, desde 1994, as importações cresceram 86%,enquanto as exportações se ampliaram de 58,9%.Ou seja, um ganho de 31,6% para as importações.Em 1995, com um ano de FHC, o serviço da dívidaexterna representava (parcela da dívida mais juros)38,9% das exportações brasileiras. Em 2002, últimoano desse governo, o mesmo serviço representava92,7% das exportações. Em 1995, a dívida externarepresentava 27,9% do PIB; em 2002, elevou-separa 44,2% do PIB. A dependência do país daentrada de capital especializado em operações decurto prazo aumentou drasticamente. Com aeconomia estagnada e o dólar valorizado, buscou-se elevar também as exportações para cobrir oserviço da dívida. No entanto, ela continuou acrescer.

19. Para além das críticas da oposição petista ecutista, existiu um consenso entre o governo FHC,a classe patronal, e a maioria das direções sindicais,em atribuir à “globalização”, e às suasconseqüências no “mundo do trabalho” (a

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“reestruturação produtiva”), as brutaistransformações no emprego, no salário e nomovimento sindical brasileiro. Assim, se de um ladoo governo FHC se apresentou como uma “vítima”,para suas políticas anti-populares, do irresistívelvento “global” que percorria o mundo, por outrolado eram elogiados, no Ministério de Trabalho,“setores mais avançados do movimento sindical(que) fizeram esforços no sentido de apropriar-sedo conhecimento da dimensão e das conseqüênciasdo processo de formação do novo padrãotecnológico e produtivo que emerge com a TerceiraRevolução Industrial nos países avançados e queterá efeitos no Brasil apesar da preservação daestrutura produtiva industrial”, clamando por uma“superação da prática reativa/reivindicativa domovimento sindical e a formulação de um novoprojeto de desenvolvimento capaz de fazer face àsnovas condições internacionais e nacionais”. A“proatividade” (sic) se transformou no invólucroideológico da colaboração de classes. Nas suasprincipais expressões (CUT e Força Sindical), asdireções sindicais se submeteram a essasrecomendações, quer através da política das“Câmaras Setoriais”, quer da política da direçãocutista de quebrar a “unicidade sindical”, herdadado atrelado sindicalismo varguista, com ainstauração do “sindicato orgânico” e do pluralismosindical por empresa, que abriu um processo defragmentação da classe trabalhadora, permitindoque uma única categoria tivesse vários sindicatos,colaborando com a política da classe capitalista

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(nacional e internacionalmente) de fragmentar aorganização de classe até chegar ao sindicato porempresa. A CUT participou de 14 das 26 CâmarasSetoriais, das quais apenas três fecharam acordos,com benefícios mínimos e efêmeros para ostrabalhadores; ao mesmo tempo em que condenouao isolamento e à derrota a greve dos petroleiros,isolou-se das lutas dos funcionários públicosfederais e estaduais no final da década, e bloqueouestrategicamente a aliança entre os operários ecamponeses sem-terra, estes, o mais importantemovimento de luta na década de 1990 e na viradado século. O PT também praticou uma políticacolaboracionista. O significativo aumentoparlamentar do PT (46 deputados e 6 senadores),apresentado como “troféu de consolação” daderrota de Lula, foi, na verdade, uma faca de doisgumes. As classes dominantes eram perfeitamentesconscientes da fragilidade do “consenso social”estabelecido em torno de FHC: afinal das contas,ele só foi votado por 35% do padrão eleitoral (aíincluído o enorme número de votos “de cabresto”)e seus índices de popularidade despencaram pelametade só no primeiro mês de governo. Aintegração da “oposição” era um objetivo vital paraa estabilidade política do governo FHC. O crescentepeso dos parlamentares (e também dos doisgovernadores eleitos pelo partido, que receberamno segundo turno o apoio do próprio FHC)inclinou a balança interna do PT no sentido dessaintegração.

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20. A tendência majoritária da CUT(Articulação) aceitou a premissa da ideologiapatronal para a sua tese política apresentada emevento nacional da central: “A globalizaçãofinanceira tem limitado a capacidade dos Estadosnacionais de promoverem políticas expansionistassob o risco de serem submetidos à exclusão domercado mundial de capitais e aos ataquesespeculativos de suas moedas, com gravesconseqüências para a estabilização”. Declarou-se,portanto, o anacronismo da luta reivindicativa dasmassas porque os Estados nacionais(enfraquecidos) não mais poderiam exercer umaarbitragem, como no passado, entre a burguesia“mundial” e a classe operária. De camadaprivilegiada no interior da classe, através de suafunção dirigente nos sindicatos, a burocracia cutistaevoluía para a condição de agente burguês nointerior das organizações operárias. Asreestruturações efetuadas nas empresas brasileirasnos anos 90 foram principalmente organizacionais,não tecnológicas. Não foram feitos investimentosexpressivos em maquinaria poupadora de mão deobra - com algumas importantes exceções, como osetor bancário. Para o governo FHC, por outro lado,todo o “papo” acerca das “novas tendênciasprodutivas” importava pouco: na hora de imporsua política, lançou mão da boa e velha repressãopolicial-militar. Todas as medidas anti-sindicais eas reformas antipopulares do governo FHC -destruição do serviço público e quebra daestabilidade do servidor, reforma reacionária da

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Previdência Social, arrocho salarial, legalização docontrato temporário de trabalho, quebra daisonomia e dos regimes jurídicos únicos, denúnciada Convenção 158, etc. - se enquadraram dentrodessa lógica. O ponto álgido foi atingido com arepressão militar da greve dos petroleiros de 1995.O governo, primeiro, se preparou com antecedênciapara uma longa greve, aumentando os estoques dosderivados do petróleo. Segundo, fez um acordo coma Justiça do Trabalho, para que o julgamento dodissídio fosse o mais rápido possível. Depoisprocurou jogar a população contra os petroleirosamplificando a campanha contra o setor público eas estatais, forjando dados sobre os salários dacategoria, e em acordo com as distribuidoras degás, escondendo os estoques para provocar umaescassez programada e o espetáculo das filas. Tudoisso com o apoio da grande mídia a serviço docapital. A resistência dos petroleiros e suacombatividade surpreenderam o governo, que nãoteve dúvidas, apesar dos riscos de desgaste, dechamar o Exército para ocupar quatro refinarias.Desde 1988, nenhum governo tinha ido tão longecontra uma mobilização dos trabalhadores. Mas ogoverno tinha objetivos mais ambiciosos: quebrara espinha dorsal do sindicalismo independente.Houve 83 demissões na estatal do petróleo, grandeparte das direções sindicais e da vanguardamilitante. Simultaneamente a “Justiça” do Trabalhoera posta em ação. Num prazo recorde começarama ser aplicadas as multas, penhorados os bens dossindicatos e bloqueadas as contas bancárias, num

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atentado direto ao direito de greve e à liberdade deorganização sindical. A ofensiva posterior seconcentrou contra os servidores públicos, objetoprincipal do “pacote” de outubro de 1996,creditando aos servidores públicos e estatais aresponsabilidade pela expansão do déficit público.29

29 Foram os altíssimos juros pagos sobre o estoque dadívida pública, interna e externa, os principaisresponsáveis pelo déficit. O déficit com pessoal ecusteio era inexpressivo. O país apresentou déficitsoperacionais pelo crescimento descontrolado dosserviços financeiros, os juros pagos pelo Estado,correspondentes ao seu elevado e crescenteendividamento. Os principais fatores determinantesda expansão da dívida pública interna - cresceu maisde 150% em apenas 22 meses – foram: a) jurosexorbitantes oferecidos pelo Banco Central aosespeculadores (internos e externos) na venda detítulos públicos, com o objetivo de retirar decirculação o volume de dinheiro (reais) trocados pelosdólares que ingressavam no país; b) as negociatasrealizadas com os maiores caloteiros do país -usineiros, banqueiros, e latifundiários. No “auxílio”aos Bancos Nacional e Econômico, ao Banespa (emvias de privatização) e ao próprio Banco do Brasil, ogoverno investiu 43 bilhões de dólares, um terço detoda a dívida externa, e mais do que o plano deinvestimentos estatais. Os bancos “bancaram” 8 dos34 milhões de reais que custou a campanha eleitoralde FHC, com todos os motivos: os balanços do setormostraram lucros fantásticos de 20% a 40-50% sobreo patrimônio; mas 27 instituições financeiras eramsustentadas, diariamente, pela Caixa EconômicaFederal e pelo BB, via empréstimos no mercado deoperações interbancárias. Havia uma quebradeirageneralizada de todo o sistema financeiro, para o qualfoi criado o Programa de Estímulo à Reestruturação

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O Poder Judiciário foi cúmplice do Executivo naofensiva antioperária. O presidente do TST afirmouque as categorias profissionais teriam que justificara necessidade de correção salarial e a capacidadeda empresa de suportar a elevação dos salários semrepasse aos preços dos bens e serviços, ou seja, ojuiz “do trabalho” proclamou-se abertamentedefensor do capital. O grande beneficiário, emúltima instância, de todo o processo, foi o capitalfinanceiro internacional, em especial o imperialismonorte-americano. Desde 1991, o governo federalvendeu 45 empresas estatais, mediante MedidasProvisórias, ou decretos, numa escala nunca vistaem toda a história republicana.

21. O que a matemática dos economistas nãoexplicou, foi explicado pela crise do capitaldescarregada nas costas dos trabalhadores: a“âncora salarial” (através do arrocho, das demissõese da desestabilização do emprego) foi a verdadeirabase de sustentação do “ajuste” do capital. Oresultado foi um aumento fantástico da massa demais-valia (base do lucro capitalista). No setor-chave da indústria brasileira (o setor automotivo),em 1980, 133.683 empregados produziram1.165.174 veículos; em 1993, 106.000 empregadose ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional(Proer), do qual nunca se soube quanto o BancoCentral gastou na ajuda aos bancos, em que tipos deoperações, quais as garantias que os banqueirosapresentaram para os empréstimos, as taxas de juroefetivas dos créditos e, principalmente, o custo parao Tesouro Nacional.

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produziam 1.390.871 veículos (passou-se de 8,7veículos por empregado para 13,1). O Plano Real,por trás da sua mágica anti-inflacionária, não foisenão a exacerbação dessa tendência, motivo peloqual causou um impacto positivo nos balanços docapital: 72 empresas lucraram US$ 5,5 bilhões de1994, comparados a somente US$ 867 milhões noano anterior; a taxa de retorno sobre o ativoaumentou de 3,1% em 1993 para 9,8% em 1994.O “aumento na produtividade” escondia a naturezasocial do processo (a produtividade brasileiracresceu 7,3% ao ano, em média, entre 1991 e 1995).Até outubro de 1996, a indústria de São Paulofaturou 4,6% mais que em igual período de 1995,descontada a inflação, mas empregando 9,6%menos e com redução de 10,4% nas horas detrabalho. A produção dos setores metalúrgico,mecânico, de material elétrico, de comunicação ematerial de transporte aumentou 14,9% entreagosto de 1995 e julho de 1996, com fechamentode 215.223 vagas. Os ganhos de produtividade nãoforam devidos, essencialmente, a investimentostecnológicos do setor privado, e menos ainda aoinvestimento do setor público. A base dos ganhosde produtividade foi o aumento da super-exploração do trabalho (mais-valia absoluta). Naindústria de transformação, o percentual dos quetrabalharam mais de 44 horas semanais saltou de39,8% em 1994 para 42,5% em 1995; no comércio,foi de 54,4% para 55,1%, e nos serviços pulou de33,3% para 35,9%. A concentração de capital deuum salto, com o número de falências e concordatas

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explodindo em 1995 e 1996 (foi mudada a Lei deFalências, limitando o pagamento dos créditostrabalhistas em favor dos créditos tributários).30 Aoarrocho salarial e às demissões, deve-se acrescentara “flexibilização”. Em apenas um ano, 1,8 milhãode trabalhadores perderam qualquer tipo desegurança no contrato de trabalho, especialmenteos direitos à Previdência Social. Em 1998, mudou-se o artigo 442 da CLT, passando-se a afirmar anão existência de vínculo empregatício entrecooperativas e associados, nem entre elas e os“contratadores de serviços”, mudança que permitiuque proliferassem cooperativas (“coopergatos”)induzidas por empresas, que as usam para aterceirização da produção, sem pagar encargostrabalhistas nem sociais (que as “coopergatos”também não pagam). O Brasil virou o Far West dotrabalho. Apesar do aumento populacional, o Brasilperdeu 2,06 milhões de empregos “formais” nosanos 1990 (foram destruídos 3,3 milhões deempregos ao todo; 1,8 milhões só no governo do“social-democrata” Fernando Henrique Cardoso).

30 Neste, como em outros pontos, o governo Lulaaprofundaria a orientação pró-capitalista de FHC,alterando essa Lei em 2005, limitando ainda mais oscréditos trabalhistas, e privilegiando os créditos deinstituições bancárias sobre os créditos tributários.Pode se discutir que o governo Lula seja o governomais direto do capital financeiro de toda a históriada “democracia” brasileira? O PT é o partido que maisrecebe financiamento dos bancos. Recebeu 7,9milhões de reais em 2004, mais que o PSDB (4,3milhões de reais).

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Para os trabalhadores formalmente empregados, arealidade não ficou melhor: quase metade dosacordos trabalhistas de 1996 não conseguiu repora inflação aos salários, sem falar na reposição dasperdas dos “Planos” anteriores. A reposição parcialda inflação passada adotou a forma da esmola(“abono”) não incorporada ao salário. A forma maisnefasta deste processo foi o crescimento espetaculardo trabalho infantil (com 8,8 milhões de crianças eadolescentes trabalhando no país). O governo FHC,além disso, fez uma reforma tributária regressiva.O Imposto de Renda foi aumentado para a classemédia e o povo, e reduzido para as empresas e paraos ricos (a alíquota máxima caiu de 35% para 25%).Os pobres, além disso, mesmo quando não pagamIR, arcam com mais impostos (indiretos) que osricos. O processo de concentração capitalista efusões empresariais baseou-se numa fantásticaexpropriação da renda da população trabalhadora;houve uma transferência direta da renda dascamadas mais pobres da pirâmide social brasileirapara as mais ricas: 63,3% da renda nacional ia paraos 20% mais ricos, e 11,6% para os 50% maispobres.

22. O recuo da luta operária foi a base datemporária estabilidade política conquistada pelogoverno FHC: em 1989 foram registrados no Brasil1.548 greves, envolvendo pouco mais de 10 milhõesde grevistas; em 1990, foram 2.200 greves e 12,3milhões de grevistas; em 1991 estes númerosdeclinaram respectivamente para 789 e 9,2 milhões;

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e em 1992, para 568 e 2,9 milhões. Insinuou-seinclusive uma queda na taxa de sindicalização: entre1993 e 1995, a força de trabalho ocupada cresceude 66.569.757 para 69.628.608, enquanto a de nãosindicalizados o fez de 55.537.866 para 58.340.869.Portanto, entre 1993 e 1995, o contingente detrabalhadores sindicalizados aumentou em apenas255.785 pessoas, menos de 10% do crescimentoda população ocupada, 3,05 milhões. O retrocessofoi um correlato da política de colaboração declasses, com a acelerada burocratização da estruturada CUT, para não falar na Força Sindical. Na 8ºPlenária Nacional da CUT, realizada em meadosde 1996, o processo de burocratização atingiu níveiselevados, com uma maioria de “delegados natos”(isto é, não eleitos direta nem indiretamente pelabase sindical) no evento, o que permitiu à tendênciamajoritária (a “Articulação”) impor uma cômodamaioria de mais de 61% (contra menos de 54% na7º Plenária Nacional). Outros mecanismosreforçaram o burocratismo, como a participaçãono Conselho Nacional do Trabalho (CNT), e a“Estrutura Vertical” em Federações eConfederações cutistas. Durante o governo FHC,o presidente da CUT, Vicentinho, ingressou noConselho de Administração das Empresas deEnergia do Estado de São Paulo (Cesp, CPFL,Eletropaulo e Comgás), exatamente quando essasempresas procediam a uma onda de demissões,quebrando a decisão do PT de não participar dogoverno Covas. A CUT se transformou numaestrutura burocrática cada vez mais integrada,

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organicamente, ao Estado capitalista. O correlatoorganizativo desse processo político foi a supressãode todo vestígio de democracia interna, com arealização de congressos, ultra-manipuladosburocraticamente, a cada quatro anos, e um númeroenorme de outros mecanismos de digitação, queseriam levados até as últimas conseqüências nogoverno Lula, com a integração de um númeroenorme de “sindicalistas” nos mais diversosescalões do governo e do Estado, com a criação doFórum Nacional do Trabalho (FNT) comrepresentantes do Estado e das centrais patronais,e com a legalização das centrais sindicais lhesconferindo um poder enorme sobre as instânciasde base e os sindicatos regionais e/ou nacionais. Apolítica de reagrupamento de forças classistas àmargem das centrais sindicais realizada pelaConlutas teve, portanto, não só uma base objetivacomo também uma plena justificativa política,colocando em um novo patamar a luta pelaindependência de classe do movimento operário.31

23. Em que pese o recuo das lutas operárias e aburocratização acelerada de suas organizações,durante o governo FHC houve um importantecrescimento da luta no campo (MST, que agrupabóias-frias, ex-operários de usinas de cana, ex-

31 A argumentação de “O Trabalho” e do PCO (aConlutas seria um ente divisionista do movimentooperário), num país com sete centrais sindicais,burocratizadas ao máximo e super-integradas aoEstado, é por isso ridícula.

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operários de construção de usinas hidrelétricas,trabalhadores da construção civil, ex-colonos defazendas e desempregados do campo e da cidade).32

Mas, ademais da sua natural dispersão geográfica,a luta agrária tem a limitação de, além de dependerda legalização pelo INCRA das ocupações, osassentamentos dependerem dos créditosgovernamentais, sem falar na autolimitação políticaimposta pelo “movimentismo” do próprio MST,sem alternativa política própria. Depois de quasetrês décadas de lutas sem precedentes do maiormovimento agrário da América Latina, aconcentração latifundiária, agora diretamentevinculada à penetração especulativa do capitalfinanceiro, não fez senão progredir. Durante os anosde 1995/2002 (governo FHC), a concentração dapropriedade da terra aumentou enormemente: oslatifundiários com mais de 2 mil hectaresaumentaram suas propriedades em 57 milhões dehectares. As empresas estrangeiras possuem no

32 Atualmente, os movimentos agrários no Brasil nãopossuem uma base camponesa (pequenosprodutores, arrendatários, meeiros, etc.) masprincipalmente de desempregados urbanos e, emmenor medida, rurais. Em 1940, o Brasil tinha umapopulação total de 40 milhões de habitantes, 60% nocampo e 40% na cidade. Em 1980, a populaçãobrasileira se repartia em 30% no campo e 70% nacidade. Entre 1980 e 2005 desacelerou-se odeslocamento populacional rural-urbano brasileiroanterior. Atualmente, a população brasileira reparte-se em 20% no campo e 80% nas cidades, comdesaceleração do crescimento populacional eurbanização do campo.

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Brasil mais de 30 milhões de hectares de terra; maisde 40% da área das grandes propriedades não sãoaproveitadas para o cultivo, para a criação deanimais ou qualquer outra atividade econômica. Aconcentração cresceu numa velocidade muito maiordo que as ocupações:

A crise do Plano Real e do governoFHC deveu-se menos ao desenvolvimento da lutade classes do que às contradições e à crise daeconomia mundial. Após sofrer uma fuga decapitais de US$ 32 bilhões em menos de cincomeses, o Brasil adotou o câmbio flutuante (comuma forte desvalorização) em janeiro de 1999. Ainsatisfação popular e o deslocamento à esquerda,principalmente da classe média, foi canalizada naseleições municipais de 2000 pelo PT, que aumentouem vários milhões seus votos, tendo sido vitoriosoem várias capitais do país, inclusive em São Paulo.No final do ano seguinte, a debacle econômicaargentina, transformada em crise revolucionária,33

33 A explosão, em dezembro de 2001, da criserevolucionária na Argentina, fez saltar pelos ares amanobra “centro-esquerdista” (o governo da Aliança,

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pôs o Brasil à beira da catástrofe econômica (peloliteral afundamento do Mercosul) e aprofundou a

ou seja, dos supostos “inimigos do modeloneoliberal”) e, longe de ser “espontânea”, foi aculminação de uma década de profundas lutas, emespecial do movimento piqueteiro, e de agitaçãopolítica da esquerda revolucionária. A crise argentina,precedida pelo défault de US$ 240 bilhões (o maiorcalote dado por um Estado na história), somada àsdívidas externa, interna e provinciais, evidencioutambém os limites da intervenção econômica doimperialismo (via organismos supranacionais ouEstados nacionais), pois o capital financeirointernacional declarou-se insolvente para impedi-la(depois de um “pacote” de quase US$ 40 bilhões, noinício de 2001, que não conseguiu impedir a quedasucessiva de três ministros da Economia): o defaultdo FMI eliminou o “condão mágico” que desde a crisemexicana de 1994 (passando pela asiática de 1997, arussa de 1998, a brasileira de 1999, só para nomear asmais importantes) tinha impedido a generalização dacrise financeira. A crise da dívida argentina era a outraface da crise do crédito do capital mundial. Asrepercussões mais fortes da falência econômica e oprocesso revolucionário na Argentina se fizeramsentir no Brasil, não só pelas repercussões econômicasimediatas (fechamento de um dos principaismercados de exportação e calote das operaçõescomerciais e financeiras já realizadas), mas sobretudopelas repercussões políticas. A perspectiva de uma“transição ordeira” do governo de centro-direita deFHC viu-se questionada pelo aprofundamento dacrise econômica e pelo início de uma crise política,com o lançamento de uma candidatura direitistaaventureira, Roseana Sarney, que apostou naconquista do apoio total do imperialismo e doempresariado brasileiro, sem conseguí-lo (carecia de

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crise política. A crise do Mercosul,34 última tentativadas burguesias sul-americanas de associar-se aoimperialismo desde uma posição “independente”,assim como a sua subordinação crescente aosplanos e ações militares e colonizadores doimperialismo ianque, expressam a falência dessasburguesias (ou de suas sucedâneas pequeno-burguesas) como classes dirigentes da nação. Oimperialismo capitalista integrou todos os regimessociais contemporâneos às malhas do capitalfinanceiro, tais regimes não têm possibilidade deevolução independente. Mas o imperialismo nãopôde impor sua própria realidade social às naçõesatrasadas, ou anular suas contradições; pelocontrário, agravou-as, integrando-as às contradições

bases sociais claras, e propunha uma política quelevaria o Brasil para uma explosão social). O PSDBenterrou a candidatura Roseana. O PFL, que a lançara,foi reduzido a sua verdadeira dimensão: partidoessencialmente nordestino e oligárquico, com direitosó a prosseguir escorchando a população local, comofez desde o golpe de 1964, sob diversas siglas. Ogrande capital não engoliria um Collor de Mello desaias.34 Com a crise da Argentina em 2001-2002, houveredução do comércio em todas as direções (asimportações argentinas provenientes do Brasil e doUruguai caíram 70%). Como poderia se sustentar oMercosul, no quadro de uma recessão, dedesvalorizações competitivas e de um colapsofinanceiro comum a todos os seus membros? O blococomercial das burguesias do Cone Sul, foi morrendode morte natural, como conseqüência da quebra deseus integrantes.

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do capitalismo financeiro internacional. A situaçãodos países “emergentes” aproximou-se da catástrofe(Argentina, Brasil, Turquia, Paquistão, e Nigéria,mas também Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia). Nocentro da crise econômica encontrava-se a crise docapitalismo estadunidense, cujo crescimentoprecedente já evidenciava seu caráter especulativo,e também a generalização de suas contradiçõeseconômicas para toda a economia mundial. O Brasilde FHC ficou com “cheiro de cor ralito”: asturbulências do mercado monetário e financeiroindicavam que “o Brasil (era) a bola da vez”,segundo porta-vozes do capital em Londres, NovaYork e adjacências. Mesmo o maior superávitprimário da história do Brasil, ocorrido em maiode 2002, de R$ 8,9 bilhões, com acumulado de R$20 bilhões no ano, não estava servindo para contero “Risco Brasil”. As apostas feitas por bancos efundos de investimentos causaram perdasbilionárias no mercado financeiro. Somente em seisanos (1994-1999) o serviço da dívida externa,amortização e pagamento de juros, acumulou umvolume de US$ 213 bilhões, ou R$ 533 bilhões e,mesmo assim, a dívida pública chegou a R$ 680bilhões, ou 55% do PIB, em 2002. A crise dasempresas privatizadas era cada vez mais evidente.O valor das suas ações caíra 50% em relação aomomento da privatização. O setor ferroviárioentrou em colapso total. O setor elétrico foi“vítima” de sua ausência de investimento, queprovocou o “apagão”, e cada vez mais elevou suastarifas e outras formas de subsídios indiretos. O

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setor siderúrgico, após abocanhar grandes lucros,principalmente no caso da CSN, com a aquisiçãode títulos públicos com correção cambial, começoua chegar numa situação crítica pela políticaprotecionista americana, que restringiu o seumercado no exterior, além do próprio“desaquecimento” da economia mundial, que játinha diminuído a demanda. Combater a inflaçãonão foi suficiente para evitar a eclosão da crisecapitalista. Ao contrário, o Estado, que já estavaendividado em 1994 no início do Plano Real (R$60 bilhões), ficou ainda mais endividado (em 2002devia R$ 680 bilhões), comprometendo ainda maisa capacidade de financiamento do Estado nas“funções anticíclicas”. Era a catástrofe do“neoliberalismo”, de FHC ou de qualquer outro,incapaz de superar a crise do capitalismo. Nos anos1990, o que se chamou de neoliberalismo foi umatentativa de se buscar uma saída para a crise,repassando-a para a periferia mundial do capital(com abertura comercial, privatizações, pagamentoda dívida externa). Na virada do século houve oesgotamento dessa tentativa de saída, e a agudizaçãoda crise. A nova resposta imperialista foi aaceleração do “unilateralismo”, com o acirramentodo protecionismo dos EUA, impondo crescentedéficit nas contas correntes das economias“emergentes”.

24. Um novo pacote brasileiro com o FMI(2002) adiou a catástrofe e provocou uma curtaeuforia nas Bolsas de todo o mundo. O Brasil

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enfrentava pagamentos externos (juros e principalda dívida externa) de US$ 13 bilhões até o final de2002; a remessa de lucros e outros ao exterioraumentara, no primeiro semestre, em 140%: odébito total superava com folga o empréstimooutorgado. O FMI procurou “racionalizar”, dosar,a fuga de capitais (que, sem o crédito, atingiria logodimensões semelhantes às da Argentina emdezembro de 2001: a relação dívida/PIB estava piorpara o Brasil do que estivera para a Argentina dogoverno De la Rúa). O “risco Brasil” ultrapassou2.400 pontos. O pacote estava destinado a resgataro Citigroup e o FleetBoston, expostos em mais deUS$ 20 bilhões no Brasil (em troca, ambos gruposse comprometeram a financiar a campanha eleitoraldo Partido Republicano nos EUA). Foi o terceiroempréstimo contratado pelo governo junto aoFundo. O primeiro, em outubro de 1998 (US$ 41bilhões), foi para adiar a desvalorização do real, àsvésperas da reeleição de FHC. O real acabouquebrando em janeiro do ano seguinte, mas oFundo conseguiu estabelecer um instrumento deforte monitoramento do Estado brasileiro, a Leide Responsabilidade Fiscal, que assegurava opagamento da dívida em detrimento dos serviçospúblicos. Em setembro de 2001, o governo tomououtros US$ 16 bilhões, desta vez como “seguro”frente ao perigo do contágio da insolvênciaargentina que batia à porta (o Fundo impôs a metade superávit primário de 3,75% do PIB, economiados gastos públicos às custas da saúde, da educação,da reforma agrária etc.). O novo acordo, de US$

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30 bilhões, era uma operação fortementecondicionada a metas impostas pelo FMI, pararefinanciar a dívida. Foi para financiar essemovimento de retirada, empreendido peloscredores, que o novo empréstimo foi tomado. FHCimpôs o facão no orçamento do futuro governoLula: o FMI estabeleceu, de fato, as bases doprograma de governo para os quatro anos demandato do PT. O “empréstimo preventivo” doFMI concedido em setembro de 2002 foi negociadopor FHC poucos meses antes das eleições. Oelemento decisivo foi o aval de Lula ao acordo deFHC com o FMI para “acalmar o mercado”, queviabilizou sua vitória eleitoral. A revista CartaCapital, em matéria de capa, declarava que “osendereços dos reais beneficiários do programa deUS$ 30 bilhões ficam em Nova York eWashington”. Lula chegava, enfim, ao governo,pelos braços dos abutres do capital financeirointernacional. O vice de Lula foi escolhido paracompletar uma estratégia que já estava definida combastante antecipação. Os acordos com o FMI jáestavam assinados, a agenda comercial tambémestava pronta. O programa de governo do PT nãoera do PT.

25. A vitória de Lula nas eleições de 2002 nãoexpressou uma “consolidação do PT”, mas acompleta falência da velha partidocracia: 90% doesforço de Lula, ao longo de toda a campanha,consistiu em tornar-se um candidato “viável” parao empresariado local e o capital financeiro

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internacional.35 Quase no final da campanha, Lulaacedeu ao pedido de FHC de dar apoio explícitoao acordo com o FMI, que previa recortesorçamentários e demissão de funcionários públicos(para aumentar o superávit primário e pagar a dívidaexterna), assim como arrocho salarial. Lula, poroutro lado, deixou claro ser contrário às ocupaçõesde terra, enquanto seu vice, o direitista-evangelistaJosé de Alencar, declarou a necessidade de umaofensiva contra o MST. A campanha de Lula tendeua desencorajar toda militância popular. Verbalmentee por escrito, Lula, o PT e a Frente Popularrenegaram o antigo programa, ou seja: arecuperação das empresas privatizadas; a suspensãodo pagamento das dívidas interna e externa; a

35 A possibilidade de que as crises de Argentina,Uruguai e Paraguai se reproduzissem no Brasilpreocupava ao máximo à cúpula do PT. A primeirareação a essa perspectiva foi ampliar sua aliançapolítico-eleitoral a setores dentre os mais reacionáriosda política brasileira: o industrial e evangélico JoséAlencar, convertido em candidato à vice-presidênciapelo PT; o paulista Orestes Quércia e o ex-presidentemaranhense José Sarney, do elenco estável daburguesia e da oligarquia brasileiras. Depois, Lulaconseguiu o apoio da mais importante empresa doramo eletrônico nacional, o grupo Gradiente, e foipublicado um texto conjunto do PT e da Bolsa deValores de São Paulo, a 3 de outubro de 2002. O maisimportante foi a decisão do PT de comprometer seuapoio ao plano imposto pelo FMI como condição paranão precipitar o Brasil numa suspensão internacionalde pagamentos. Era uma falácia que se pretendesse,com essa política, avançar num programa de reformasocial.

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reorientação da produção e o consumo ao mercadointerno; o aumento dos salários; o fim do latifúndio;a luta pela independência nacional, política,produtiva, tecnológica etc. A degringolada dospartidos mais orgânicos da burguesia brasileira, ouseja, os partidos do governo FHC, foiimpressionante. Na Câmara dos Deputados, o PFLperdeu 14 cargos, o PMDB, 13, e o PSDB (partidode FHC), nada menos que 23. O vácuo (50 cadeiras)não chegou a ser preenchido pelo PT (que passoude 58 a 91 deputados, não chegando a totalizar20% da Câmara), mas também por candidaturasaventureiras. O segundo turno assistiria a umavitória de Lula baseada numa direitização aindamaior do PT. No Rio de Janeiro, o PT caiu fora jáno primeiro turno, em que pese o estado estargovernado até o dia da eleição por um dos símbolosnacionais do partido (Benedita da Silva). O piorfoi o Rio Grande do Sul, vitrine nacional do partido(e vitrine internacional do Fórum Social Mundial),onde o PT, que governava havia uma década acapital do Estado, foi derrotado: a repressão aosprofessores e aos sem-terra do governo inventordo “orçamento participativo”, e sua política desubsídios ao grande capital local, acabou custandocaro. A FBP venceu o pleito presidencial de 2002(com 46,44% dos votos válidos emitidos, poucomais de 39,4 milhões, para um eleitorado de 115,2milhões, e um comparecimento de 94,8 milhões,incluídos votos brancos e nulos; no segundo turnoo PT chegou a 52 milhões de votos) pela presençadominante de Lula e do PT na coalizão, considerada

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representante dos interesses da classe operária, doscamponeses e dos pobres do país em geral. Emsua primeira declaração depois da vitória de Lula,em janeiro de 2003, a Direção Nacional do PTafirmou: “O governo foi formado com uma configuraçãode centro-esquerda, com clara hegemonia da esquerda,definida pela forte presença do PT e de seus aliadostradicionais. Além dos partidos de esquerda – PT, PC doB, PV, PMN, PCB, PSB, PDT e PPS – e os partidos decentro – PTB, PL e setores do PMDB –, o governo estámarcado por um matiz não-partidário importante,representado pelos ministros da Agricultura, Indústria eComércio. Esse matiz expressa a tentativa de construçãode uma aliança com o empresariado nacional”. Essaafirmação era uma tergiversação, com a qualificação“de esquerda” para aparatos vazios do cleroevangélico e do oportunismo político em todos osseus matizes (o “matiz não partidário” eram osrepresentantes diretos do grande capital), eocultando o papel central do capital financeirointernacional no governo Lula; preanunciava acompleta subordinação do PT, incluida sua“esquerda”,36 ao governo da Frente Popular (apesar

36 Cuja responsabilidade foi (e é) central: a esquerdado PT conquistou 28 deputados nacionais, 2 senadorese vários cargos nas legislaturas estaduais. A posiçãoda esquerda petista revelava também o esgotamentoda política de “seguidismo opositor”. Assim o revelouo fato de que, no elenco oficial, não apenas figuravamos banqueiros e neoliberais, mas a esquerda dopróprio PT e sua ala “trotskista”: Miguel Rosetto,membro da Democracia Socialista, foi designadoministro da Reforma (Desenvolvimento) Agrária.

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de ter apregoado a “independência do partido emrelação ao governo”). Em junho de 2002, antes daseleições, na Carta ao Povo Brasileiro, a direção do PTcomprometeu-se com as leis de responsabilidadefiscal e o superávit primário; o pagamento da dívidaexterna; a submissão ao FMI. Esses compromissosfacilitaram o apoio de importantes setores do capitalà candidatura Lula. A “longa marcha” de Lula rumoà presidência repousou no fortalecimento do PTcomo um aparato de políticos já integrados aoEstado, e nos pactos políticos sem limites à direita.Enquanto toda a esquerda e centro-esquerdainternacional consagrou-se a registrar a pacienteconstrução do PT ao longo de décadas, atéapresentá-la como um “modelo” universal, arealidade é que o ex-operário metalúrgico tornadopresidente consagrou-se sobre a consumação docadáver do que alguma vez se apresentou como“partido dos trabalhadores”. Lula não construiuuma maioria para ganhar as eleições, mas armouuma coalizão com os grandes bancos e oimperialismo para assegurar a chamadagovernabilidade do Estado às custas dos interessesda maioria eleitoral. Que o triunfo de um candidatopopular fosse o resultado de um estelionato políticode seus eleitores não deve surpreender, porque é amoeda corrente da democracia capitalista.

26. O cenário político latino-americano foidominado, na última década do século XX, porprofundas crises políticas e por enormesmobilizações de massas, classistas e

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antiimperialistas, em especial nos países andinos.E também pelos choques entre os governosnacionalistas “radicais” que surgiram dessas crises,e os EUA. A emergência da esquerda na AméricaLatina é geralmente localizada em um período quese estende de 1998 (eleição de Chávez para apresidência da Venezuela) até 2008 (eleição deFernando Lugo para a presidência do Paraguai,pondo fim a seis décadas de governo do PartidoColorado), passando pelas eleições de Lula,Michelle Bachelet, Evo Morales, Kirchner, DanielOrtega, Rafael Correa, e a FMLN em El Salvador.Essa “onda” de esquerda foi também explicada pelofracasso econômico dos governos neoliberais,seguidores da cartilha do FMI, sendo a bancarrotaargentina de finais de 2001 seu exemplo acabado.O processo foi mais amplo, e combinou a criseeconômica com a perda de base política dospartidos tradicionais, nacionalistas ou “liberais”. Oneoliberalismo, com as privatizações maciças, apressão pela abertura profunda dos mercados, emespecial os do ex “bloco socialista”, a estratégia do“Consenso de Washington”, foi a expressão daprocura de uma saída para a massa de capitalfinanceiro internacional acumulado desde antes dacrise dos anos setenta. Não era uma “ofensiva”,mas uma política de crise, o que explicaprivatizações absolutamente aventureiras, como asdos serviços de água de Peru e Bolívia, quedesencadearam rebeliões populares massivas. Foio impasse histórico do capital em escalainternacional o que deu a base para uma virada

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política de grande amplidão, com a emergência deprocessos de autonomia nacional, incluindo (emespecial nos países andinos) o papel inédito dasmassas camponesas e indígenas. Na emergênciadesses processos confluiu a derrubada dos partidospolíticos tradicionais, que foram a garantia daestabilidade capitalista durante décadas, com a crisemundial das relações econômicas capitalistas. Acrise política dos governos neoliberais (identificadoscom a estabilização monetária baseada na âncoracambial, ou na dolarização) remonta a, pelo menos,uma década antes da ascensão da esquerda. Ela jáestava presente no “caracazo” venezuelano de 1989,nas puebladas argentinas de início da década de 1990,na tentativa golpista do coronel Hugo Chávez em1992, no levantamento camponês-zapatista de 1994(ano, também, do “efeito tequila”, com a brutalfuga de capitais e desvalorização do pesomexicano), e muitas outras lutas espalhadas pelocontinente. As frágeis bases econômicas dosgovernos neoliberais, que sucederam às ditadurasmilitares (e que faziam da “democracia”reconquistada sua bandeira de sustentação política)não resistiram à turbulência econômica mundial dadécada de 1990, e à sua erosão provocada peloaguçamento da luta de classes em cada país. Oprocesso revolucionário não achou de imediato,como nunca acontece, a expressão políticaadequada ao movimento histórico que representava,sendo submetido a um choque de tendências, criadopela crise mundial e pela crise das relaçõesinternacionais, no Mercosul, no CAN (Comunidade

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Andina) e na América Central, ou na questãodramática da imigração ilegal entre México e osEUA. Dessa crise surgiu, na América Latina, umaexperiência política única em sua história,combinando a emergência de governosnacionalistas militares ou indigenistas, com apoioda esquerda, com a instalação de governos decentro-esquerda (ou “progressistas”) integradospela esquerda histórica, como o governo do PTno Brasil ou o da Frente Ampla no Uruguai. Omarco histórico recente da radicalização políticana América Latina foi a crise revolucionáriadesatada na Argentina a partir de dezembro de2001, que combinou a bancarrota capitalista comuma reação excepcional e organizada das massaspopulares. Em seu rasto se produziram a vitóriaeleitoral de Lula no Brasil; as insurreições popularesna Bolívia, em 2003 e 2005, a eleição de EvoMorales nesse país; a radicalização do processovenezuelano que, graças à importância petroleiro-energética do país caribenho – sul-americano,ganhou projeção continental e mundial. O iníciodo século XXI testemunhou um aprofundamentoda luta de classes, de crises políticas, e uma febrilintervenção política dos EUA. O levantamentoindígena-camponês em Equador que provocou aqueda de Mahuad; a longa e combativa greve dosestudantes da UNAM (Universidade NacionalAutônoma) no México; as grandes mobilizaçõescontra Fujimori no Peru; as massivas mobilizaçõesde camponeses sem terra no Brasil e no Paraguai;as greves gerais e as mobilizações dos “piqueteiros”

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na Argentina; a “guerra da água” em Cochabamba(Bolívia), que rapidamente se converteu em rebeliãonacional, estendendo-se até às bases policiais, quese sublevaram em La Paz; a rebelião contra aprivatização da eletricidade na Costa Rica, a puebladacontra os “tarifaços” em Honduras; todas essasmobilizações e crises políticas formavam umquadro radicalizado na América Latina.

27. A onda de mobilizações populares nãoenfrentava ditaduras militares, mas os regimes“democráticos” desenhados pelos EUA e asburguesias locais. Nesses processos surgiramformas de organização avançadas de luta, emespecial no Equador, Bolívia e Argentina. EmEquador, sobre a base do levantamento de 21 dejaneiro de 2000, se conformou um ParlamentoPopular. Na Bolívia, a Coordinadora por el Agua y laVida centralizou a rebelião de Cochabamba; emsetembro de 2000 uma luta nacional camponesacomoveu o país. Na Argentina, greves gerais e oascendente movimento “piqueteiro” generalizarama arma dos piquetes e cortes de estrada. O períodode maior mobilização política continental seregistrou entre 1999 e 2003, ou seja, até ainsurreição boliviana que derrubou o governo deSánchez de Losada, que pretendia vender a preçovil o gás e o petróleo bolivianos a companhias dosEUA. Nesse período houve novas insurreiçõesequatorianas, a derrota do golpe “esquálido” (pró-EUA) na Venezuela; depois, o fracasso do lock outpatronal petroleiro nesse país e, sobretudo, o

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argentinazo de dezembro de 2001. Logo depoisgrande parte da esquerda, mas de modo algumobedecendo a uma estratégia única, chegou aogoverno de seus países, diretamente ou emcoalizões, propulsada pela crise política e abancarrota econômica. As burguesias locais e ospróprios EUA tiveram que aceitar a mudançapolítica, a “virada à esquerda”, que antesdenunciavam como o início do fim do mundo.Diante da ascensão dessa heterogênea esquerda,analistas do imperialismo buscaram acalmar osânimos (assustados) dos defensores do “capitalismoglobalizado”, afirmando que, na realidade, haviaduas esquerdas na América Latina: a primeira “comraízes radicais, é hoje moderna e aberta”, a segundaseria “fechada e fortemente populista”,recomendando ao governo dos EUA “uma açãomais ousada, uma abordagem de estadista”, queconsistiria em “fomentar a esquerda correta”,“distinguir a esquerda sensata da irresponsável,apoiar a primeira e conter a segunda”. Para GeorgeBush, que destravara as negociações sobre a ALCAjunto com Lula, tomando nota de seu papelmoderador (assim como de Kirchner) na Venezuelae na Bolívia, isto não era novidade. Mas, depois deum período de enfrentamentos locais einternacionais, os regimes mais “radicais”, obolivariano e o indigenismo andino, chegaram a(instáveis) compromissos internacionais e com aburguesia local, disciplinando a rebelião popular:Chávez chamou os venezuelanos a “voltar paracasa”, depois da derrota do golpe direitista de abril

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de 2002, evitando a mobilização popular, duranteo lock out petroleiro. O ímpeto popular espetacularnos países andinos foi contido para garantir aestabilidade do Estado. As chancelarias dasmetrópoles, e algumas latino-americanas (Brasil eArgentina, principalmente) desenvolveram umapressão ativa para que os “nacionalistas radicais”contivessem os processos populares. Isto foitambém possível porque, a partir de finais de 2002,a retomada do comercio externo e da produçãolocal, junto com o crescimento dos recursos fiscais,graças a um ciclo comercial internacional favorávelàs matérias primas latino-americanas, serviu aoconjunto dos governos da região (inclusive osneoliberais) para lubrificar os antagonismos sociais.Desde 2003-2004 se produziu, de conjunto, umrefluxo na mobilização de massas. Os governosnacionalistas conseguiram administrar e canalizara pressão popular para neutralizar a oposição dedireita, como fez Evo Morales com o bloqueioindígena e camponês de Santa Cruz de la Sierra,em resposta ao levantamento golpista-separatistados prefeitos da Meia Lua do Oriente boliviano.Até hoje, os regimes nacionalistas propiciammobilizações para equilibrar as pressões da direitalocal, quando têm confiança de que podemenquadrá-las dentro de certos limites. Oguerrilheirismo centro-americano também concluiugovernando com o grande capital; as FARCcolombianas se encontram em plena operação derespaldo a uma frente do Polo Democrático e oPartido Liberal. O foquismo e o guerrilheirismo a

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qualquer preço (fora das condições concretas daluta das massas e da situação política) se reduziu auma realidade espectral. Abriu-se, desse modo, umaespécie de coexistência, mais ou menos pacífica,mas também instável, entre os imperialismos dosEUA e da Europa e os governos nacionalistas. Apartir de fins de 2002, a retomada do comércio eda produção, e um vultoso caixa fiscal, graças aociclo internacional favorável, serviu aos governoslatino-americanos para atenuar os antagonismossociais. Essa contenção condicionou o alcance dosmovimentos de massas.

28. O governo de Lula tem sido a engrenagemmais importante dessa coexistência, porque anteshavia provado sua capacidade para neutralizar aclasse operária industrial mais importante docontinente – a de seu próprio país. O refluxo doproletariado brasileiro, o mais importante daAmérica Latina, conteve a extensão geográfica e aradicalização política do despertar das massas docontinente. Os EUA, já a partir de Bush (isto é,sem esperar a Obama, que deu continuidade a essapolítica) respaldou o método da domesticação dosmovimentos nacionalistas (em vez dos golpescívico-militares, como num passado recente) parabrecar as crises revolucionárias do períodoprecedente. A Frente Popular do PT, no Brasil, foipeça decisiva no desenho da política norte-americana na América do Sul, por ter desmobilizadoo proletariado brasileiro (contrapesando assim, peloenorme peso econômico e político do Brasil, e pela

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projeção simbólica continental da figura do exmetalúrgico, as lutas populares em outras nações),e por ter agido ativamente na contenção daradicalização “andina”, o que não lhe poupouconflitos derivados dos interesses específicos doBrasil nesses países (especificamente com Bolívia,Equador e Paraguai). A burguesia brasileira e oscapitais estrangeiros instalados no Brasil investirampesadamente nas nações vizinhas, em especial empetróleo, obras públicas e siderurgia, e por isso seviram obrigados a desenhar sua própria políticanesses países, em função de seus interesses.Quando se afirma que o governo Lula fez um“meio de campo” entre os EUA e os regimes“radicais” (Chávez, Evo Morales ou Correa),função que serviria como “escudo protetor” destesúltimos diante do colosso do Norte, está se dizendomuito mais do que se pensa. A função deintermediário, no mundo real, nunca é neutra. Otermo “meio de campo” designa, assim, o que, emtempos de menor genuflexão ideológica, eravulgarmente chamado de “bombeiro”. A esquerda,no entanto, assegurou que a vitória eleitoral de Lula“dará ânimo a todo o povo brasileiro e vai gerarum processo de ascensão do movimento de massas”(Stédile, coordenador do MST). Ao contrário, o quehouve foi uma crescente desmobilização, agoratambém abrangendo o próprio MST.37 Onze dos

37 Desmobilização consentida: “Os movimentossociais, como a Central Única dos Trabalhadores e oMovimento dos Sem-Terra, são conscientes dasdificuldades do país. Estão dispostos a dar uma

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ministros de Lula tinham sua origem na CUT, alémde outros 66 ex-sindicalistas cutistas com funçõesno primeiro escalão do governo. Isto demonstrou,contra o esquerdismo vulgar, que os governos deFrente Popular não são necessariamente a vésperade uma irrupção das massas: dependendo dascircunstâncias políticas nacionais e internacionaise, principalmente, da presença ou da ausência deum partido revolucionário com raízes nas massas,podem ser um fator de desmobilização e deretrocesso maior do que um governo da direitaburguesa. Os dois líderes mais reconhecidos dadireita brasileira, herdeiros das ditaduras militaresdos anos 1960 e 1970 – o paulista Paulo Maluf e obaiano Antonio Carlos Magalhães – chamaram avotar Lula no segundo turno. Logo de saída, ficouclaro que os “mercados” encabeçavam o gabinetede Lula, a esquerda dentro da Frente Popular foiliteralmente ejetada da composição do núcleocentral do governo. Lula indicou um homem deWall Street para a direção do Banco Central,garantiu aos investidores estrangeiros que “o Brasilnão seguirá a vizinha Argentina no défault”, mas

trégua”. A declaração foi de Ivan Valente, um dosdirigentes da esquerda do PT, ou seja, dos quechamaram a votar Lula com o argumento de que ostrabalhadores não dariam trégua ante qualquertentativa de sacrificar as reivindicações fundamentaisdos explorados. Valente acrescentou: “Reivindicamosa participação no governo” (a resposta foi negativa).Este deputado, que votou em favor da reformaprevidenciária privatizante de Lula, depois tornar-se-ia dirigente do PSOL...

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indicou, para o Banco Central, um homem,Henrique Meirelles, que desempenhou um papeldireto (como presidente do Boston Fleet) na ruínaargentina, e cujo banco estava envolvido ematividades fraudulentas. O Boston Fleet, após oCitigroup, era a segunda maior instituição credorado Brasil. Um antigo executivo sênior do Citigroup,Cassio Casseb Lima, foi posto como responsáveldo gigante estatal Banco do Brasil. O Banco Centraltomou uma decisão sobre a taxa de interesse básicada economia brasileira, depois de uma miniguerrano interior da burguesia e do próprio governo deLula: uma taxa de interesse real de 18% ao ano.Com essa medida, a dupla Lula-Meirelles pretendiaconvergir com uma tendência da especulaçãofinanceira mundial: em meados de 2003, os hedgefunds destinados aos “mercados emergentes” játinham uma captação líquida de US$ 1,93 trilhões,um número quatro vezes superior ao registrado em2002 (em 2000 e 2001 a captação foi negativa).Passou-se de um fluxo negativo (retirada) para umpositivo. A reforma previdenciária foi “a prioridadenº 1 na agenda de reformas”, buscando “abrir” ummercado de aproximadamente US$ 40 bilhões paraos fundos de aposentadoria privados: a equipe doPT abandonou a idéia original de eliminar o sistemade repartição por outro de capitalização; nesse caso,a manutenção dos aposentados teria um enormecusto fiscal, no mesmo momento em que o FMIqueria hipotecar as finanças públicas para resgataros credores e subsidiar o capital financeiro. A“reforma” concentrar-se-ia em um monumental

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golpe das aposentadorias do setor público, eprovocou a primeira greve nacional de servidorespúblicos, impulsionada pelo sindicalismo classista,mas boicotada pela CUT. A greve, isolada dostrabalhadores do setor privado, fracassou,38 masprovocou uma crise no PT, com a saída de umasenadora (Heloísa Helena) e três deputados federais,opostos à reforma previdenciária, no mesmomomento em que a cúpula do PT construia umbloco político para manejar o próprio PT e parafazê-lo jogar como respaldo aos acordos firmadoscom setores da burguesia. O governo Lula não agiupor imposição do FMI, mas por conta própria, paraimplementar cortes suplementares de R$ 14 bilhõesnos gastos sociais, no orçamento de 2003, e paraelevar para 4,25% a meta do superávit primário(no orçamento real, oficialmente dito nominal,houve déficit de 12% do PIB, já que os encargosfinanceiros equivaleram a 23% do PIB). A não-retirada da medida provisória que restringia oprocesso de reforma agrária, o beneficiamento deempresas nacionais e multinacionais com recursospúblicos, os acordos de anistia a devedores daPrevidência, foram os indicadores da política do

38 A esmagadora maioria da Câmara votou a favordo projeto, 442 dos 513 deputados. 35 deputados doPT votaram a favor do projeto, mas se declararamprévia e formalmente contrários. O mesmo fizeram21 deputados “moderados” do PT. Ou seja, de 92deputados, o PT só contou com 36 votos voluntáriospara um projeto do próprio Lula. Quem votou empeso a favor foi a ex-aliança de Fernando HenriqueCardoso.

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governo. Os investimentos em saneamento,assentamentos rurais, manutenção das estradas,saúde, educação etc. foram praticamenteinterrompidos. O superávit primário da União,Estados e municípios e estatais superou os R$ 15,4bilhões exigidos pelo FMI. As empresas no Brasilretomaram a captação de capitais externos, a curtoprazo e altas taxas. A rentabilidade do sistemabancário chegou a 24,5%. O ingresso de capital decurto prazo aumentou 1300%. No Brasil, paraísodo parasitismo financeiro, a remuneração e acontratação do capital tornaram-se grandesnegócios.

29. Sob a aparência de uma naçãoindependente, o Brasil assumiu o status de Estadosemicolonial, com suas principais decisõeseconômicas, políticas e sociais tomadas sobinfluência ou diretamente pelos grandes credoresinternacionais. Até o investimento estatal entrouna área da privatização, através um novo modelode obras e serviços (PPP) em que a iniciativaprivada poderia contar com uma parcela daarrecadação de tributos para garantir retorno a seusinvestimentos, limitando a capacidade definanciamento de obras estratégicas, para eliminaros gargalos em energia, transportes e saneamento.A PPP, com contratos de até 30 anos, permite àsempresas privadas captar os recursos totais ouparciais necessários para a realização de uma obra,além de executar e administrar o empreendimento.O governo Lula “economizou” R$ 40 bilhões do

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orçamento, em 6 meses, para pagar juros, confiscoua aposentadoria dos servidores; destinou R$ 162milhões para a reforma agrária, o que não davapara assentar nem 15 mil sem-terra, renunciou aR$ 342 milhões em impostos para as montadoras(Volks, GM etc.), sem falar nas “facilidades”concedidas a essas indústrias por meio da reduçãodo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),o que implicava diminuir ainda mais as verbas dosserviços públicos. Os sem-terra foram cada vezmais sendo vítimas da truculência e violência delatifundiários e governadores. Os servidores em lutaforam reprimidos e estigmatizados. A luta dostrabalhadores foi sabotada dentro do movimento:os sindicatos dirigidos pela corrente majoritária daCUT reivindicaram, nas negociações salariais,menos que a reposição integral da inflação. Aestabilidade econômica de conjunto, depois dospercalços iniciais, foi garantida por uma faseexpansiva do comércio mundial, de naturezaconjuntural, em especial dos preços das matériasprimas, beneficiando as exportações primárias dospaíses periféricos do sistema imperialista. As classesdominantes brasileiras regrediram o país a umsistema econômico nacional de agroexportação, acategoria mais desqualificada do sistema capitalista,esperneando contra o “protecionismo dos ricos”,por um acesso ainda maior na feira livre mundialde soja, de carne, de açúcar, de frutas, etc. Tantosua estratégia econômica quanto sua políticaexterna se situaram a serviço da agroindústria, dosexportadores de matérias-primas e gêneros

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agrícolas. Apesar do crescimento do saldo comercialfavorável, o mega-déficit em transações correntesaumentou para US$ 20 bilhões anuais. E, apesardos choques em torno das questões comerciais, apolítica externa de Lula situou-se no esteio dapolítica imperialista. Na primeira crise latino-americana que se viu obrigado a enfrentar, Lulaatuou como um aliado dos EUA. A “saídanegociada” que Lula propôs a Chávez na crisevenezuelana de 2003, por solicitação de Bush,pressionava no sentido da saída antecipada deChávez do governo, reclamada pela oposiçãodireitista, que fracassou. Lula atuou como pontade lança para forçar a capitulação de Chávez, semimportar que a “saída negociada” significasse umaviolação da ordem constitucional venezuelana. FoiLula que convidou o governo estadunidense aintegrar-se ao “grupo de países amigos” apesar doapoio daquele governo à oposição venezuelana;defendeu publicamente sua participação em nomedo “pluralismo”, e fez Chávez entender que nãotinha outra alternativa a não ser aceitar aparticipação estadunidense. O papel pró-imperialista de Lula na crise venezuelana aconteceuimediatamente após o seu apoio à resolução dasNações Unidas contra o Iraque.39 Em finais de

39 Um editorial do Los Angeles Times disse: “A opiniãoque o G-7 tem, diante de si, é clara. Se os atorespolíticos do continente não apóiam a promissoraesquerda da América do Sul, representada por Lula,o continente poderia se perder nas mãos dedemagogos como Chávez”.

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2003, o mesmo papel de “bombeiro” seria repetidopor Lula na crise boliviana, impedindo que asgrandes insurreições do país contra a entrega dogás culminassem na derrubada revolucionária dogoverno neoliberal (Sánchez de Losada – CarlosMesa), e fazendo respeitar uma “saídainstitucional”, que acabaria levando Evo Moralesao governo. Essa escalada concluiria com o enviode tropas brasileiras (encabeçando a Minustah, forçamilitar de ocupação) ao Haití, depois dos sucessivosgolpes promovidos pelos EUA no país, enviosolicitado pelos próprios EUA, impossibilitados defazê-lo diretamente por estarem embrenhados atéo pescoço no Iraque e no Afeganistão. Na crisederivada da violação da soberania territorial doEquador pelas tropas colombianas (armadas até osdentes pelos EUA) o Brasil organizou as reuniõesinternacionais do “Grupo do Rio”, que evitaramtoda condenação formal do governo narco-traficante de Uribe, agência dos EUA na Américado Sul e no Caribe, ao contrário do que erasolicitado pelo governo equatoriano. A “esquerda”do PT saudou essas políticas como manifestaçõesde política externa “independente”, com algumasressalvas na crise Colômbia – Equador(Venezuela).40

40 A Secretaria Internacional do PT, exercida pelaesquerda do partido, só se diferenciou claramente dapolítica seguidista de Lula nos ataques de Israel contraPalestina e o Líbano, que a Secretaria condenou, talcomo fez Chávez, provocando um início de crise nopartido.

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30. A chamada “revolução capitalista nocampo”, promovida pelo agrobusiness, foi umamiragem, ou melhor, demonstrou o quanto podehaver de “revolucionário” no capitalismo atrasadoe semicolonial do Brasil. Dos 850 milhões dehectares existentes no Brasil, apenas 42 milhõescorrespondem ao agronegócio, 70 milhões seencontram consagradas à pecuária, 120 milhões são(ou seriam) terras indígenas, e 110 milhões, terrasde conservação. O remanescente, quase 500milhões de hectares, não estão aproveitadas,divididas entre latifúndios improdutivos e áreasdevolutas. E o Brasil não é o paraíso da“preservação ambiental”. Transformado emprimeiro produtor mundial de soja (e, em certasáreas, também o primeiro em produtividade), a suacultura já se apropriou da região Norte, invadiu amaior e principal fronteira agrícola da humanidade,ocupou o cerrado e já começa a avançar na selva,num avanço sem controle que ameaça abiodiversidade da região. 4,5 milhões de famíliasforam expulsas da terra nos últimos anos, devido àexpansão do latifúndio, à alta dos juros bancáriose à construção de barragens. O Brasil possui 600milhões de hectares cultiváveis, dos quais 250milhões são áreas devolutas e 285 milhões,latifúndios, em sua maior parte improdutivos. Bastadizer que 138 milhões de hectares estão em mãosde apenas 28 mil proprietários, e 85 milhões dehectares em poder de apenas 4.236 proprietários.Depois da constituição do governo, Lula nomeouum dirigente da Democracia Socialista (DS), Miguel

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Rossetto, para o estratégico Ministério deDesenvolvimento Agrário; este disse que o governoderrogaria a MP (decreto-lei) de Fernando HenriqueCardoso que proíbia o Incra (Instituto Nacionalde Colonização e Reforma Agrária) de revisar(vistoriar), por dois anos, terras invadidas pelos sem-terra, com vistas à sua expropriação. Bastou umpar de queixas dos latifundiários para que, em notaoficial, o Ministério do Desenvolvimento Agráriodesmentisse a notícia de que pretendia derrogar aMP: “A discussão da MP será realizada num amploespaço de diálogo, com todos os setores ligados aocampo”: o problema é que, nesse “diálogo”, unsentram armados, com grandes propriedades e apoiodo Estado, e os outros sem nada. A MP anti-camponesa de FHC ficou, portanto, em pé. O MST,por sua vez, denunciou que “a criação do PrimeiroComando Rural (PCR) demonstra claramente quemsão os bandidos”. O PCR foi fundado porlatifundiários imitando o nome e a estrutura doPCC, principal organização do crime e donarcotráfico no país. Em setembro de 2003 foiremovido o funcionário mais vinculado ao MSTno governo, o presidente do Incra (MarceloResende): a “normalização da questão agrária”começou bem cedo. A lógica das prisões de sem-terra seguiu a argumentação jurídica elaboradadurante o governo precedente, segundo analisadopor um jurista da OAB. A concentração agrária e agrilagem de terras indígenas continuaram sob ogoverno Lula. De 1º de janeiro a 30 de novembrode 2003, a Comissão Pastoral da Terra (CPT)

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registrou 71 assassinatos de trabalhadores ruraisem conflitos no campo. O número foi 77,5% maiordo que o registrado no mesmo período do anoprecedente, e o mais elevado desde 1991, quandoocorreram 54 mortes. Em janeiro de 2003, osmovimentos agrários exigiram do governo Lula oassentamento de 400 mil famílias sem-terra em2003. O governo falou inicialmente que assentaria140 mil no primeiro ano, depois baixou a promessapara 60 mil. Terminando o ano, balanço do Incraapontou para pouco mais de 20 mil famíliasassentadas. Do orçamento destinado à reformaagrária, 65% foi cortado e desviado. A reformaagrária foi frustrada. Entre 2003 e 2007, o governoLula assentou 163 mil famílias referentes a novosassentamentos: cumpriu somente 30% da meta de550 mil famílias (meta conservadora criticada pelosmovimentos camponeses) que tinha prometido.Não cumpriu também a regulação fundiária de 500mil posses, pois regularizou só a situação de 113mil famílias, atingindo 23% da meta. Há também171 mil famílias referentes à reordenação fundiária,ou seja, a situação de regularização emassentamentos antigos, e a inclusão de cerca de 2mil famílias referentes a reassentamentos deatingidos por barragens, o que não é reformaagrária.41 Mas, em 2006, o governo Lula concedeu

41 Nos quatro anos do primeiro mandato de Lula,deveriam ter sido assentadas 900.000 famílias;entretanto, alcançou-se, somando a reforma e outrosítens, 42% da meta. Em 2003, 2004 e 2005, o MDA/Incra anunciou ter assentado 245.061 famílias. A

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um pacote de R$ 75,5 bilhões em “bondades” parao “setor (latifundiário) agrícola”, incluindo cortesnos juros e renegociações de dívidas que já tinhamsido objeto de rolagens anteriores, passando porrecursos para investimentos a juros mais baixos.Era o terceiro pacote oficial de socorro à burguesiarural do agronegócio, em menos de 12 meses.Somados, quase US$ 100 bilhões de transferênciaspara essa classe de parasitas improdutivos,equivalentes a US$ 55 bilhões, aproximadamente5% do PIB.42 No mesmo ano, só R$ 100 milhõesreclassificação desses dados evidencia: - reformaagrária - foram assentadas apenas 79.298 famílias; -regularização fundiária e reconhecimento do direitodas famílias - populações tradicionais, extrativistas,ribeirinhos, pescadores posseiros, etc. - já existentesnas áreas objeto da ação - assentadas 39.221 famílias;- reassentamentos fundiários de famílias atingidas porbarragens – 1.670 famílias; - reordenação fundiária(substituição e/ou reconhecimento de famíliaspresentes nos assentamentos já existentes) – 124.872famílias.42 São transferências a fundo perdido. O Estado nãorecebe nada de volta. Os latifundiários não pagamsequer o Imposto Territorial Rural (ITR). Sonegamtudo, impunemente. Essas transferências sãototalmente improdutivas, servem apenas para salvaruma classe social inútil até para imitar modernosempresários capitalistas. Incentivados, coordenadose financiados pelas grandes empresas globais decommodities agrícolas, como Cargill, Bunge, etc.,montaram um modelo agrícola improdutivo deagroexportação de enclave, que não tem nada a vercom a produção agrícola de alimentos de base, éexatamente seu oposto. Embriagaram-se no primeirocontato com o capital global, endividaram-se

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(um milésimo da cifra precedente) foram liberadospara o pagamento do Seguro da AgriculturaFamiliar a centenas de milhares de agricultoresfamiliares,43 que tiveram perdas em suas lavouras,decorrentes da estiagem. O governo brasileiro pagaanualmente pela sua dívida juros deaproximadamente R$ 280 bilhões, que equivalema US$ 140 bilhões, ou 10% do PIB. Os pacotes de“bondades aos ruralistas” não ficam atrás do queos parasitas do setor financeiro sugamrotineiramente dos cofres públicos. Para cobriresses buracos gigantescos provocados pelarapinagem do agronegócio, o governo se endividaainda mais, aumentando a dívida interna, a taxa dejuros, os juros pagos. O mesmo Brasil “moderno”do agronegócio que exporta,44 tem que importar

exageradamente com maquinários e implementosagrícolas, montanhas de insumos, descambaram parao consumismo voraz de novos ricos, montanhas debens de consumo de luxo, carros e camionetes deluxo, aviões, iates, mansões na cidade, mega-apartamentos na praia, etc. No fim, jogaram o interiorbrasileiro em uma crise de gigantescas proporções,cuja conta é paga pela população explorada do campoe da cidade.43 A agricultura familiar, no entanto, é responsávelpor 60% dos alimentos consumidos pela populaçãobrasileira, e em torno de 37% do valor bruto daprodução agropecuária no Brasil.44 A soja ganhou um espaço muito grande, sendoproduzida basicamente nos EUA, Brasil, Argentinae China (nesta, para o mercado interno). A produçãode grãos no Brasil pulou de 96,8 milhões de toneladas(em 2001/2002) para 151 milhões de toneladas (2008/

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arroz, feijão, milho, trigo e leite (alimentos básicosdos trabalhadores brasileiros) e teve que importartambém soja em grãos, farelo e óleo de soja, algodãoem pluma, matérias-primas industriais de largapossibilidade de produção no próprio país. Do totaldo pessoal empregado no campo (17,9 milhões detrabalhadores) as pequenas unidades empregam87,3% deste contingente, as médias 10,2% e oslatifúndios apenas 2,5%. Quanto a massa total dossalários pagos, as pequenas unidades participaramcom 50,2%, as médias com 31,7% e os latifúndioscom apenas 18,1%. Os latifúndios “escondem” aterra improdutiva; o papel da grande propriedadecontinua a ser de reserva patrimonial e especulativa.

2009). Os grãos tornaram-se commodities universais,padronizados e negociados internacionalmente, comum valor comercial (e estratégico) grande (o trigopassou de alimento para ser também, cada vez mais,base para tintas, cosméticos e biodiesel). Limpos esecos, podem ser armazenados e conservados porlongos períodos, manipulando estoques eespeculando com preços. A soja é o carro-chefe dahegemonia capitalista-latifundiária no campo, poispermite planos de longo prazo para monopolizarmercados e obter lucros extraordinários com acomercialização de alimentos. A produção agrícolapassou a ser controlada pelas firmas produtoras desementes e produtos químicos (Monsanto, Dupont,Syngenta, Bayer, Dow Chemical) num processo demonopolização capitalista sem precedentes daprodução agrícola mundial, que inclui o Brasil. Aprodução dos três alimentos básicos no país - arroz,feijão e mandioca - não cresceu desde a década de1990, e o Brasil se tornou o maior país importador detrigo do mundo.

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Essa é a outra cara, a verdadeira, do enterro dareforma agrária, que somente um governoindependente do capital (operário e camponês)poderá realizar, sepultando de vez o “modeloagroexportador”, sem deixar nenhum vestígio, erevertendo radicalmente a produção agrícolanacional para cereais, alimentos básicos (milho,arroz, feijão, trigo), redirecionando a produção parao mercado interno, e para o intercâmbio com outrasnações latino-americanas, expropriandopreviamente, e sem nenhuma espécie decompensação, os latifundiários nacionais einternacionais, sanguessugas sem limites da nação,como medida elementar de defesa nacional.

31. Os programas sociais compensatórios doBrasil, pela sua dimensão, foram propostos comoexemplo mundial. Os países líderes do grupo dos“emergentes”, o BRIC (Rússia, Índia, China, alémdo próprio Brasil), anunciaram sua intenção deadotar programas semelhantes, com vistas a resolveros graves problemas de miséria e pobreza suscitadosem conseqüência de sua passagem para a“economia de mercado”. Os gastos sociais no Brasilcresceram de R$ 1,3 bilhão em 1995 (primeiro anodo governo FHC) para R$ 18,8 bilhões em 2005(terceiro ano do governo Lula), um crescimentosuperior a 1.400%, em termos nominais. Adiminuição oficial da pobreza absoluta foiacentuada: ela passou de 35,6%, em 2003, para26,9%, em 2006. Os gastos sociais per capitaapresentaram igualmente uma trajetória de

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crescimento em breve período de tempo, para ascategorias mais pobres contabilizadas nasestatísticas sociais oficiais. Dos 10 milhões de novosempregos prometidos, no entanto, foram criadossó 4,8 milhões, levando para 8-9% a taxa dedesemprego de 13-14% de FHC. A maioria desses“novos empregos”, no entanto, nada mais são doque formalização (regularização) de empregos jáexistentes, devido à pressão exercida pela ReceitaFederal para que aumentasse a arrecadação fiscal,comprometida pelo festival de desregulamentaçõesda era FHC, que questionava o pagamento da dívidapública e a obtenção dos superávits primáriosacordados com o FMI. Significa que o desempregoreal não sofreu alterações importantes, o que explicaas 50 milhões de pessoas beneficiárias do BolsaFamília (PBF), ¼ da população brasileira (índiceque chega a 50% no Nordeste, onde o PBF repassabenefícios a mais de 5,7 milhões de famílias, ou 25milhões de pessoas). Em 2007, o PBF atingiu suasmetas, atendendo 11,1 milhões de famílias. Cabeapontar o papel do PBF como amortecedor dosconflitos sociais. O programa foi um fatordeterminante para o esvaziamento dos movimentossem terra durante o primeiro mandato do presidenteLula. O número de famílias que invadiram terrasno Brasil caiu de 65.552, em 2003, para 44.364,em 2006; uma queda de 32,3%. Nesse mesmoperíodo, a quantidade de famílias sem terraacampadas despencou de 59.082 para 10.259 - umadiminuição de 82,6%. As políticas sociaiscompensatórias criaram um novo modelo de

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clientelismo político associado ao controle doscadastros e à cooptação dos “movimentos sociais”:o modelo assistencialista perpetua a dependênciados beneficiados, e estabelece uma divisão na classetrabalhadora entre os que recebem e os que nãorecebem. Em 2008, o PBF demandou R$ 11,1bilhões do orçamento público, ou 0,4% do PIB (opagamento dos juros da dívida pública equivaleu a3,8% do PIB, quase dez vezes mais). Comparadoscom o PIB e, sobretudo, com os lucros gerais docapital, os programas sociais constituem umpercentual baixo. O PBF custou ao governo, em2005, R$ 5,5 bilhões (aproximadamente US$ 2,3bilhões), que pagaram benefícios a 8,7 milhões defamílias, ou seja, aproximadamente 35 milhões depessoas. Mas, em 2006, o setor financeiro recebeuR$ 272 bilhões, em conceito de pagamento dosjuros das dívidas, quase 50 vezes o que se gastoucom o PBF. Com relação aos assalariados“formais”, o reajuste do salário mínimo, em 2006,atingiu 13%, o que significou um gasto a mais deR$ 5,6 bilhões, quase o mesmo montante do PBF.Para assegurar o salário mínimo de 1536 reaisdefinido pelo Dieese seriam necessários R$ 132bilhões anuais a mais (menos da metade do que ocapital financeiro recebe anualmente para rolar adívida pública). Em 2006, pesquisa do Dieesemostrou que crescia o número de trabalhadoresque ganhava até 1,5 salário mínimo: 68,7% dospisos salariais pagos pelas empresas aostrabalhadores correspondiam a até 1,5 saláriomínimo. Também crescia o percentual de

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trabalhadores que ganhavam até 1,25 mínimo (de23,4% para 43,6%) e até um mínimo (de 1,7% para2,8%). Por outro lado, os pisos salariais acima detrês salários caíram de 4,6% em 2005 para 3,8%em 2006. Na média, os pisos salariais pagos pelasempresas caíram de 1,69 salário mínimo em 2005para 1,52 mínimo. Em 2005, o mínimo subiu deR$ 260 para R$ 300 e, em abril de 2006, a alta foipara R$ 350. O reajuste real (descontada a inflação)do mínimo, nesses dois anos, alcançou 22%.Durante o governo Lula, no entanto, não regrediua regressão tributária. As pessoas com renda atédois salários mínimos (R$ 930, quase 33% da PEA)levam mais dois meses que os demais para quitaras obrigações tributárias.

32. Cabe também mencionar a atuação dasONGs, central, no Brasil, nos últimos anos. AControladoria Geral da União estimou que asparcerias do governo federal com entidades não-governamentais tenham consumido R$ 33,8 bilhõesdesde 1999. As ONGs viraram a verdadeira basepolítica do governo Lula (e do regime bonapartistaem geral), com o PT sendo reservado apenas paranegociatas eleitorais. Assim, Lula conseguiu fazerum governo que agradasse ao capital em geral,especialmente o setor financeiro, e que mantivesse,ao mesmo tempo, o apóio das camadas mais pobresda população. Os programas sociais “focalizados”permitiram uma diminuição da pobreza absoluta,coexistente, no entanto, com uma fantásticaconcentração de renda e, ao mesmo tempo, com

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uma diminuição da renda média das famílias, umadiminuição significativa da remuneração média dotrabalho assalariado, e um grande incremento dasfontes de renda não vinculadas ao trabalho, nascamadas mais pobres. Os programas sociais foramfinanciados, basicamente, com uma transferênciade renda dos assalariados para os setores maispobres. O faturamento real (descontada a inflação)das empresas brasileiras cresceu 41% de 2000 para2007. As empresas da Bolsa de Valores dobraramseu lucro desde 2003: o lucro total das 257companhias que fazem parte da Bolsa de São Paulodobrou do início do governo Lula até o final de2007, passando de R$ 61,6 bilhões para R$ 123,7bilhões (um aumento de 100,76%). Festa para ocapital, esmolas para os desempregados crônicos,ou os trabalhadores “em negro”. Os recursosconsagrados aos “direitos universais” estabelecidosconstitucionalmente experimentaram, ao contráriodos programas sociais, um retrocesso relativodurante o governo Lula: os gastos com saúde eeducação, embora crescessem em termos absolutos,decresceram em termos percentuais, passando de1,79% para 1,59% do PIB, e de 0,95% para 0,77%do PIB, respectivamente (de 1995 até 2005). Umadiferença de 0,4% do PIB, enquanto os “gastossociais” foram incrementados, em prazosemelhante, em 0,7% do PIB. A diferença de 0,3%foi coberta pela maior taxação (direta e indireta)dos salários. Na medida em que os programascompensatórios são financiados por fundos estatais,as funções do Estado se ampliam, na regulação do

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mercado de trabalho, com a transferência do fundopúblico, em proporção crescente, para ofinanciamento do setor privado, assumindo oscustos da reprodução da força de trabalho: o Estado(como depositário do fundo público) transforma-se, mais do que nunca, em pressuposto geral daacumulação de capital. A questão da pobreza noBrasil continua em trajetória precária. O quadroda porcentagem de pobres nas grandes cidades éde mais de 40%, no Recife e em Fortaleza, mais de30% em Belém e Salvador, mais de 20% em BeloHorizonte, mais de 15% em Porto Alegre, Rio deJaneiro e São Paulo, mais de 10% em Curitiba. Namédia das metrópoles brasileiras, 21,01%, ou 4,9%a mais do que em 2000, 2,4% a mais do que em2006. O papel das ONGs na execução dosprogramas sociais as caracteriza como a principalarticulação entre o governo e a sua base social-eleitoral. O “modelo Lula” de governabilidadeconsistiu, basicamente, na estruturação, como basepolítica (e organizadora da base social) de seugoverno, as ONGs e os funcionários públicosencarregados de gerenciar os “programas sociais”(em especial o PBF), cuja extensão propõe ampliar,precisamente no mesmo momento em que aredução dos ingressos fiscais mina suas baseseconômicas. O “modelo Lula” terá sido o de dotar,temporariamente, de certa estabilidade, e até decerta identidade política (via ONGs e uma parteda esquerda) ao financiamento do exércitoindustrial de reserva pela população assalariada,com programas condicionados que não tocam o

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lucro capitalista. O “modelo” leva, no entanto, amarca da precariedade e da condicionalidade queele próprio imprimiu ao seu principal instrumento,devido à sua dependência umbilical de umaprosperidade econômica conjuntural. Os programassociais, por outro lado, estão atingindo seu limiteem termos de erradicação da miséria absoluta. Anatureza capitalista (governada pela extração demais-valia e pela anarquia da produção, a cegueirado mercado) da produção alimentar, e a própriacrise do capital, impõem um limite intransponívelà ação anticíclica e paliativa do Estado.

33. A função essencial do governo Lula, aquelapela qual o imperialismo lhe concedeu a“estabilidade macroeconômica”, foi a instauraçãode um sistema completo de colaboração classista.No Fórum Nacional do Trabalho, a bancada dosempregadores e a bancada dos trabalhadoreschegaram a um consenso em torno da questão dodireito de greve nos chamados “serviçosessenciais”: “Na esfera da negociação coletiva, os meiosde solução de conflitos de interesses nos serviços e atividadesessenciais devem ser objeto de regulamentação específica, queconsidere a natureza destes serviços e atividades e o exercíciodo direito de greve”. Ou seja, a “bancada dostrabalhadores” coincidiu, de princípio, com alimitação do direito de greve dos servidorespúblicos. Em síntese, o fórum que se apresentoucomo “do trabalho” teria tido melhor denominaçãocomo “do capital”. A complacência das centraissindicais para com as políticas governamentais tem

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um prêmio, que viabiliza sua maior burocratização.Um de seus mecanismos é o chamado “crédito emconsignação”, descontado diretamente na folha depagamentos. Esses empréstimos tornaram-se umafonte de arrecadação e financiamento dos sindicatos(ou seja, da burocracia sindical). A Força Sindical,que fechou acordo desse tipo com o BancoSantander/Banespa, passou a receber R$ 7,75milhões já no primeiro ano de sua vigência,aumentando depois, a título de “comissão”, comcerca de 500 mil contratos. O contrato com oSantander estabeleceu o repasse, pelo banco, aoscofres da central e do Sindicato dos Metalúrgicosde São Paulo (o primeiro a participar do acordo)de 0,50% sobre o montante emprestado para cadametalúrgico. Já a CUT, depois de apoiar a reformada Previdência, furar a maior greve dos servidorespúblicos federais da história do país, enterrar váriascampanhas salariais e também a greve dostrabalhadores dos correios, passou a defender oaumento da lucratividade dos bancos, ampliando,pelo mesmo mecanismo, as dívidas e a quantidadede trabalhadores endividados, comprometendo aomáximo os salários. Isso foi produto do convênioentre as centrais sindicais e os bancos para aabertura de linhas de pequeno e micro-créditos paratrabalhadores contraírem empréstimos, dandocomo garantia de pagamento o desconto em seusholerites.45 O empréstimo consignado (com45 A CNESF (Coordenação Nacional das Entidadesdos Servidores Federais) adotou uma posição classistadiante dos empréstimos: “Não concordamos com a

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desconto em folha de pagamento) ultrapassou opatamar dos R$ 100 bilhões em 2009 (os jurosmédios cobrados pelos bancos no empréstimoconsignado são de 28% ao ano).46 A burocraciasindical brasileira virou uma agência direta docapital financeiro e da agiotagem, do parasitismocapitalista. É de se estranhar que, nesse quadro, aCUT propusesse, contra o desemprego, não a escalamóvel de horas de trabalho (redução da jornadasem redução do salário), mas a criação de frentesde trabalho (trabalho quase sem custo para oscapitalistas ou o Estado)? A “reforma sindical”acordada com a CUT busca reformar a estruturade representação sindical, combinando apossibilidade de sindicatos por empresa com oarbítrio em última instância da central sindical oude uma comissão das centrais sindicais,impulsionando a a desregulamentação trabalhista,já que passariam a valer os acordos coletivosfirmados entre o patronato e a entidaderepresentativa dos trabalhadores, permanecendo na

política da Central Única dos Trabalhadores (CUT)ao estabelecer convênio com o Banco do Brasil para aconcessão de empréstimos ao funcionalismo públicoa título de complementação salarial, repudiamos oenvolvimento do governo federal neste processo enegamos, com veemência, qualquer declaração nosentido de que assinaremos tais acordos”.46 Os juros cobrados dos aposentados são de... 2,5%ao mês! Em poucos meses, os proventos dosaposentados desaparecem, engolidos pelos jurosbancários: os responsáveis por esa infâmia (inclusiveos sindicais) deveriam ir para a cadeia, por crimecontra a velhice dos trabalhadores.

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legislação constitucional e infraconstitucionalapenas direitos mínimos: a fixação das regras deproteção do trabalho seria temporária, já quevinculada a acordos coletivos. A contrapartida seriaa definição das centrais sindicais como instânciasúltimas de julgamento sobre quem representa ostrabalhadores, ato que reforça as burocraciassindicais, que se transformariam numa espécie deTribunal Superior do Trabalho. Uma CUT“integrada” à política reacionária do governo Lula(e ao próprio governo), cada vez mais burocratizadae desconectada do movimento dos trabalhadores,em especial de seus setores mais explorados(“informais” e desempregados), foi o saldo doprocesso; no interior da central, isso não foi impostoatravés de uma luta política aberta, substituída pormanobras de aparelho e uma burocratização semlimites. O aparato sindical da CUT tem mais de100 mil pessoas “liberadas” (do trabalho) e maisde 20 mil diretamente empregados. Um verdadeiroexército de “dependentes”. O presidente da CUTfoi nomeado Ministro do Trabalho. Em 2006, adireção da CUT pactuou com a patronal a demissãode 3.600 operários da fábrica da VW: a direçãoneopelega do Sindicato dos Metalúrgicos de SãoBernardo do Campo conseguiu enfiar pela goelados trabalhadores o “plano de demissão voluntária”(PDV) imposto pela empresa, com forte resistênciada base operária. A recuperação classista dasorganizações operárias é o primeiro ponto daagenda política dos trabalhadores.

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34. A política reacionária do primeiro governoLula fez com que a crise se instalasse no interiordo PT, em particular na sua bancada parlamentar,com o surgimento do grupo dos “radicais”, comLuciana Genro, João Baptista de Araújo (“Babá”),João Fontes e Heloísa Helena. A tentativa deexpulsão dos “radicais” criou, em primeiro lugar,um escândalo nacional, porque serviu para dar maisprojeção ao abandono do programa por parte dogoverno de Lula. A fidelidade dos dissidentes aesse programa converteu-se no libelo acusatóriocontra eles. O bloco parlamentar do PT, de qualquermaneira, separou os dissidentes dasresponsabilidades que lhes tinham sido atribuidasnas comissões legislativas. A oposição à expulsãodos dissidentes não poderia se fundamentar emquestões estatutárias, mas na exigência da rupturade Lula e do PT com a burguesia e o imperialismo,de expulsão do governo dos ministros efuncionários capitalistas, e pela convocação decongressos de bases das organizações operárias ecamponesas para que elas definissem o programade um governo realmente independente do capital.A partir de julho de 2003, a greve do funcionalismopúblico e a luta contra a reforma previdenciáriaforam o grande divisor de águas no campo daesquerda e do movimento operário. A primeiragreve nacional contra o governo Lula, a dosfuncionários públicos, começou com uma força quesurpreendeu a opinião pública, a grande imprensa,o governo e até seus próprios organizadores. Foiuma greve por tempo indeterminado, pela retirada

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do PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 40,que abria a privatização da Previdência Social. Aexpulsão dos quatro legisladores, que sesolidarizaram com a greve e votaram contra a PEC,abriu uma profunda crise no PT. A resolução deexclusão foi adotada em reunião do DiretórioNacional (DN) de meados de dezembro de 2003,postergada várias vezes, e trasladada de São Paulopara Brasília, para evitar uma pressão maior da basemilitante. A votação foi de 55 votos favoráveis àexpulsão, contra 26 (uma abstenção), de um totalde 84 membros da DN. O PSTU lançou, nessecontexto, a proposta de “construir um novopartido” com os dissidentes: “O PSTU acredita queas opções feitas pelo PT, e agora no governo, de manteressencialmente o mesmo modelo econômico anterior, o queacabou resultando em uma proposta de “reforma” daPrevidência que é pior do que a que foi feita por FernandoHenrique, e mesmo este comportamento autoritário emrelação aos deputados e à senadora, tudo isso é umademonstração que há uma incompatibilidade, umacontradição quase que absoluta, entre as pessoas que queremcontinuar defendendo as bandeiras tradicionais da esquerdasocialista brasileira e a permanência no PT e na base deapoio do governo Lula. A saída que nós propomos paraessa situação não é a entrada simplesmente da senadora edos deputados no PSTU. Na verdade, o que o PSTU temproposto é que nós somemos nossas forças, a militância doPSTU, os parlamentares, os militantes da esquerda socialistabrasileira, na construção de um novo partido de esquerda,socialista, voltado para a luta do povo brasileiro, que ocupeesse espaço à esquerda que foi aberto com essas opções que

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foram feitas pelo PT, com a transformação que o PT viveu.Nós achamos que nesse momento é necessário construir noBrasil um partido de esquerda, que seja a oposição pelaesquerda ao governo Lula, que resgate a defesa às bandeirastradicionais de nossa classe”. Mas, com que programa?Defendendo a luta por um governo operário ecamponês, independente e sem representantes daburguesia (e do imperialismo), logo depois daimpactante vitória eleitoral de Lula? O PSTU nuncalevantou essa palavra de ordem (o que tornapuramente formal sua caracterização do governolulista como “Frente Popular”), nem colocou aquestão do programa na luta pelo “novo partido”.Mas, nas “plenárias abertas” estaduais em que o“novo partido” foi discutido (a primeira foi noSindicato dos Químicos de SP) colocou o“centralismo democrático” como conditio sine quanon. No mínimo, isto significava por o carro diantedos bois, a organização na frente do programapolítico (e desvinculada deste). Isto foi rejeitadopelos ex “radicais” do PT, e os grupos que ossustentavam, como manobra para absorvé-losorganizativamente sem discussão política. Aopartido “leninista” (aparelhista) proposto peloPSTU, opuseram então o “partido plural”, “detendências (permanentes)”, formando um comitê(na verdade, uma frente única de mini-tendências,enfeitada por meia dúzia de “intelectuais ilustres”,que emprestaram seus nomes e prestígio, e depoisvoltaram para suas atividades habituais),47 que47 O mais conhecido deles, o sociólogo Chico deOliveira, voltou inclusive a apoiar eleitoralmente o

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impulsionou a legalização de um novo partido, oPSOL (Socialismo e Liberdade).

35. Na sua estutura, o PSOL repetiu os víciosdo PT, uma finta organicidade (núcleos e comitês)baseada em “tendências” totalmente autônomas,cada uma apregoando o que bem entende (incluídaa “revolução bolivariana”), com as decisõespolíticas reais sendo tomadas por “consenso”, entrebastidores e por caciques, tudo coroado pela“presidência” outorgada a uma figura carismática,a senadora Heloísa Helena, autoproclamada“católica, trotskista, mulher, nordestina”, etc. (ouseja, apresentada não como uma representanteoperária ou camponesa, mas como um compêndioambulante de “minorias”). A mais grave crise doPT concluiu, portanto, com um novo abortopolítico.48 O aborto virou fraude aberta com aentrada, e posterior colonização (aparelhamento),no PSOL, por um conjunto de ex-parlamentaresdo PT (com destaque para Chico Whitaker, doFórum Social Mundial, FSM, e Ivan Valente), quetinham votado em favor da reforma previdenciária

PT, afirmando que o voto nulo, no segundo turno de2006, era um equívoco. No segundo governo Lula,“apesar de não esperar alterações na políticaeconômica, há(veria) espaço para mudanças”,afirmou. A inconsistência se transformou no únicoelemento consistente da intelectualidade deesquerda...48 Sem brincar com a palavra, sendo Heloísa Helenadeclaradamente opositora ao direito democrático deaborto, porque “católica”.

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(exatamente a questão que tinha dado origem àcisão dos “radicais” que criaram o PSOL!) e suasrespectivas “tendências”, depois de seu fracasso naparticipação no PED (eleições diretas) do PT, emque ocuparam um modesto quarto lugar (terceiro,na sub-concorrência entre as tendências “deesquerda”). Legalizado o PSOL (com mais de 500mil filiados) e feita a consequente demagogia do“programa decidido pela base”, “respeitopermanente das minorias (tendências)” e tudo mais,o PSOL lançou, em 2006, a candidatura presidencialde Heloísa Helena, com um programa devulgaridades, bem “imposto por cima”, com seuapelo na luta “contra a corrupção” (mensalão eoutras), a “reconstrução da democracia comdesenvolvimento econômico sustentável e inclusãosocial”, mas com seu fundo na queda da taxa dejuros, na desvalorização monetária e no“alongamento da dívida” (ou seja, um programa100% burguês), e com uma “Frente de Esquerda”incluindo políticos e grupelhos deixados de foradas combinações de diversos partidos burgueses(PV, PDT), e escolhendo como vice um intelectualavulso colaborador do programa de governo deGarotinho, ou seja, a “sombra da sombra” daburguesia. A projeção eleitoral do PSOL (naverdade, de Heloísa Helena) baseada na questãoda corrupção (em menor medida, na questão daprevidência social pública), e no “espírito FSM”(este transformado numa agência turística mundialpara jovens propositalmente despolitizados eburocratas reciclados) lhe valeu um importante score

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eleitoral (7% dos votos presidenciais, quase seismilhões) nas eleições presidenciais de 2006. A essapressão não souberam resistir o PSTU (nem oraquítico PCB reconstituído) que abriram mão desua própria candidatura e presença políticaindependente, para apoiar Heloísa Helena eintegrar-se na pseudo “Frente de Esquerda”, emque pese o reagrupamento operário e popularimpulsionado pelo PSTU através da Conlutas (oque tornou essa capitulação duplamente faltosa).Essas manobras políticas espectaculosas, mas denulo alcance histórico ou político real, forampossibilitadas pela ausência de uma vanguardaoperária politicamente organizada (com umprograma revolucionário) e pelo próprio retrocessogeral do movimento operário independente no país.

36. Durante o primeiro governo Lula, houveum arranjo político para recuperar o seu governocapitalista dos escândalos da corrupção: a vitóriade Ricardo Berzoini (candidato da direçãopartidária) nas eleições internas do PT; a eleiçãode Aldo Rebelo (PC do B) à presidência da Câmarados Deputados; o enterro melancólico das CPIs(comissões parlamentares de inquérito) dedicadasa investigar os esquemas de corrupção; aconfirmação da política econômica e de seuministro, Antonio Palocci – respaldado inclusivepela oposição de direita –, também acusado deliderar diversos esquemas de corrupção na cidadeda qual fora prefeito, Ribeirão Preto. Este arranjonão obedeceu apenas ao temor de que as

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investigações de corrupção também alcançassemaos “opositores”, como já começava a ocorrer como PSDB. Também meteu a mão o imperialismonorte-americano: “Os problemas enfrentados pelopresidente Lula trazem perspectivas negativas parao avanço do livre mercado na América Latina, epara os interesses dos EUA na região”, advertiuThe Wall Street Journal. O representante do Tesouroianque (John Snow) e o próprio Bush visitaramBrasil e se pronunciaram claramente em defesa dogoverno Lula. O mesmo fizeram os principaisjornais brasileiros. A desintegração do PT nãoproduziu uma mudança dos marcos ideológicos eprogramáticos que o PT estabeleceu na suafundação. A quebra do PT não produziu umaruptura, mas uma continuidade, uma tentativa desalvar as perspectivas democratizantes da suaprópria derrubada. Em dois anos, Lula-Paloccipagaram 300 bilhões de reais aos credores da dívidapública (enquanto aplicavam menos de um bilhãopara a reforma agrária, ou cinco bilhões para asuniversidades públicas), o qual tampouco serviupara reduzir a própria dívida, que era de 900 bilhõesde reais em dezembro de 2003. O governo Lulareforçou sua aliança com os especuladoresfinanceiros internacionais. A festa dos credores, emprimeiro lugar os bancos “nacionais”, foi orgiástica.O Itaú anunciou, em meados de 2005, o maiorbenefício da história bancária nacional para umsemestre: quase 2,5 bilhões de reais; na semanaseguinte, o Bradesco bateu o recorde anunciandolucros superiores a 2,6 bilhões de reais. E os

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industriais? Vale do Rio Doce (CVRD), principalempresa privada, anunciou, para o mesmo semestre,lucros de... 5,1 bilhões de reais. Petrobras, “estatal”,em realidade controlada pela Bolsa... 9,9 bilhõesde reais. A “renúncia fiscal” do Estado em benefíciodos capitalistas cresceu 12% em 2005, alcançandoo recorde histórico de 27 bilhões de reais. Mas ascrises políticas (gerais e do PT) deixaram suasmarcas: em final de 2006, Lula não repetiu o feitode FHC (vencer a reeleição já no primeiro turno)em que pese a direita burguesa ter lhe oposto umcandidato “boi de piranha” (Geraldo Alckmin).Lula conseguiu uma recuperação “miraculosa” doseu fracasso no primeiro turno, e recuperou boaparte dos eleitores no segundo turno, com mais de60% (dos votos válidos emitidos) contra 39% deAlckmin (Opus Dei - PSDB), uma diferença decerca de 20 milhões de votos (com as abstenções,votos nulos e brancos chegando a 25% do total deeleitores, Lula terminou com 46% e Alckmin com29%). Desde o início, Alckmin estava escolhidopara perder (por isso, Serra e Aécio se reservarampara 2010). No Nordeste, Lula obteve mais de 80%dos votos em alguns estados, como Maranhão(84,63%) e Ceará (82,32%), e mais de 70% namaioria dos outros, Piauí (77,31%), Paraíba(75,01%), Pernambuco (78,48%) e Bahia (78,08%),com o claro apoio do conjunto das forças políticasmais reacionáias locais. Um importante jornal dametrópole norte-americana informou claramenteque “a reeleição de Lula representa boas novas paraWashington. O presidente dos Estados Unidos,

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George W. Bush - mais odiado do que qualqueroutro líder mundial na América Latina - estima Lulacomo um parceiro confiável de negociações. Asrelações entre Brasília e Washington estão melhoresdo que nunca”. Lula foi ao segundo turno apelando,demagogicamente, para o ódio dos trabalhadorescontra as elites. O sentido do voto nulo no segundoturno era evidenciar o jogo político de engano aostrabalhadores, preparando o terreno para aresistência popular. Na América Latina, se desfariacrescentemente o “eixo antiimperialista”. Segundoo mesmo jornal citado, “o Brasil (Lula) é visto comoum reduto contra o processo de sedução regionalconduzido pelo presidente venezuelano HugoChávez”. Lula ficou sem maioria no Congresso.Fez um pacto com a direita para ganhar as eleições,levando ao governo os criminosos políticosreacionários, privatizadores e repressores do povo,agrupados no PMDB, verdadeiro partidogovernante, se é que existe algum, na segundaedição do governo Lula. O PT só controla cincodos 23 estados de Brasil, é uma minoria pequenano Senado. Não haveria um Lula “novo”progressista e, menos ainda, socialista. A esquerdado PT teve forte redução, com suas bancadasreduzidas a menos da metade; muitos dos petistaseleitos estavam envolvidos com os escândalos domensalão, quebra do sigilo bancário, compra dedossiê, etc.49 A “direita” petista, rotulada de49 “Um governo democrático-popular, um PTsocialista e a organização das classes trabalhadoras:estas são as metas fundamentais que perseguiremos

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“Campo Majoritário”, que controlava pouco maisda metade da bancada federal do PT (42 deputadosde um total de 81, ou 52%), passou para 49 emuma bancada de 83 (59%). O mais significativo,porém, foi o apoio explícito do MST à reeleição. OMST perdeu o norte politicamente, subordinou suaspolíticas aos acordos com Lula, em troca dealgumas concessões financeiras para manter seuaparato.50

nos próximos anos”, foi a resolução da IX ConferênciaNacional (extraordinária) da Articulação de Esquerda(do PT), em dezembro de 2006, logo após a vitória deLula. A AE se especializou em não tirar conclusõesde suas próprias esperanças.50 Disse o MST: “No segundo turno avaliamos,juntamente com outros movimentos sociais, reunidos naCoordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e na ViaCampesina Brasil, que era possível no momento promoverum verdadeiro debate de idéias, projetos políticos e de lutade classes. Era preciso impedir que as forças políticasreunidas em torno da candidatura de Alckmin saíssemvencedoras dessas eleições. Não compartilhamos a idéiade que as duas candidaturas eram iguais e indiferentes.Havia interesses de classe divergentes atrás de cadacandidatura. No mínimo, a vitória de Lula representaria,simbolicamente, a vitória da classe trabalhadora, amanutenção de alianças na América Latina com governosprogressistas e o respeito aos movimentos sociais. Essenovo posicionamento no processo eleitoral fez com que nosengajássemos na campanha pela reeleição de Lula”. Avirada discursiva, puramente demagógica, de Lulano segundo turno, conquistou o MST, para o qualum par de frases “classistas” eleitoreiras passaram avaler mais que quatro anos de frustrações e repressãocontra os sem terra.

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37. O segundo mandato de Lula foi apanhadopela crise capitalista mundial, que a própriaideologia “globalizadora” descartava. Contrariandoa tese do “desacoplamento” (ou da “marolinha”),a crise bateu com força na América Latina e noBrasil. No primeiro trimestre de 2009, o PIB daregião caiu 3%, com destaque para a brutal quedado México: 9,31%. A recessão começou“oficialmente” no quarto trimestre de 2008. Aindaem dezembro de 2008, a CEPAL previa para 2009um crescimento de 1,9%, mas, em abril de 2009 jáestimou uma contração de -0,3% (em junho elevou-a para -1,7%). Durante o quarto trimestre de 2008,México, Brasil, Argentina e Chile registraramquedas anualizadas do PIB de -10,3%, -13,6%, -8.3%, e -1,2%, respectivamente. No primeirotrimestre de 2009, México registrou uma quedaanualizada sem precedentes, -21.5%. De dezembrode 2008 a fevereiro de 2009, no Brasil, 800 milvagas de emprego foram cortadas. Nas últimasdécadas, América Latina conheceu um desempenhoeconômico convulsivo, expresso em quedas e altasabruptas do seu crescimento, o que punha emevidência economias com baixo grau de autonomia(financeira, industrial e comercial), altamentedependentes, portanto, das inflexões do mercadomundial. Durante o período 2003-2007, AméricaLatina recebeu um volume recorde deinvestimentos estrangeiros diretos, superior a US$300 bilhões. Suas empresas lançaram-se a outrosmercados comprando importantes ativos, inclusiveem países imperialistas. O PIB da região cresceu

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numa média de 5% anual entre 2003 e 2008, comum incremento médio superior a 3% no produtoper capita. Um fator alardeado foi a redução drásticadas dívidas denominadas em dólares. Mas istoocultou a natureza real do processo econômico,embutida na valorização monetária propiciada pela“estabilização”. A dívida externa foi “zerada”, apartir do fato de que as reservas internacionais dopaís – o total de moeda estrangeira conversível,aceita no mercado internacional – superaram omontante da divida externa, pública e privada, oque criou a ilusão da superação da dependênciafinanceira externa. Mas o endividamento assumiuoutras características. O endividamento emcondições de abertura à livre movimentaçãocambial de empresas estrangeiras e nacionais nãopode ser aferido apenas pela dívida externa formal,em títulos e contratos do governo e de empresasprivadas. A dívida real, passível de ser saldada emmoeda conversível, deve ser avaliada em conjuntocom a situação da dívida interna em títulos públicos,a dívida mobiliária federal, por ser viável a trocade títulos da dívida externa por papéis da dívidapública. Um título público brasileiro, por exemplo,que vence em 2045, oferece 7,5% de interesse porcima da inflação, o mesmo título do Japão pagasomente 1%.51 A queda do emprego no primeiro51 Houve uma expressiva formação de reservasinternacionais pelo Brasil, em decorrência dos saldoscomerciais obtidos pela alta de preços - puxada pelocrescimento da demanda mundial de commodities -de produtos com forte peso nas exportações, etambém pelo fato da taxa básica de juros brasileira –

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trimestre de 2009 atingiu um milhão de vagas, comuma perda total de até quatro milhões até o finalde 2009. Os “sucessos” econômicos da últimadécada foram, portanto, relativos e precários. Houvealtas taxas de crescimento, inflação reduzida aosmenores patamares históricos e orçamentosequilibrados ou até com superávits. Ao mesmotempo, na América Latina, 40 milhões de pessoas

base da remuneração dos títulos públicos - ser muitoelevada. Isto fez com que houvesse interesse dosinvestidores externos em negócios com os papéis dadívida pública brasileira: tornou-se excelente negócio– para grandes investidores – captar recursos noexterior, a taxas mais baixas, e aplicar esses recursos,a taxas mais elevadas, na dívida pública interna dopaís. O governo Lula isentou os fundos institucionaisestrangeiros, que aplicassem recursos em títulospúblicos, do imposto de renda sobre os rendimentos.Com isso, aumentou a entrada de recursos em moedaforte no país, fazendo com que as reservas crescessem.Mas o custo financeiro é elevado: a remuneração doscredores dessa dívida é de 12% reais ao ano, umacarga de juros crescente e impagável. A dívida internaem títulos cresceu sem parar, ultrapassando R$ 1,3trilhão, inviabilizando crescentemente o orçamentopúblico como fonte de recursos para a realização deinvestimentos na infra-estrutura e nas políticassociais. As emissões antecipadas de títulos da dívidaexterna brasileira em 2005, no montante de US$ 3,5bilhões se deram a taxas de juros que variaram de8% a 12,75% ao ano. Como o real se desvalorizouapenas 2,4% frente ao dólar de 19/09/2005 a 03/01/2006, foi garantido ao investidor estrangeiro, umrendimento de cerca de 10% ao ano, em dólares.Durante o ano de 2005, o Tesouro Nacional efetuouinúmeros leilões de títulos da dívida interna, comjuros em média de 19,13%.

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deixaram a linha da pobreza, em cinco anos,segundo as estatísticas oficiais. O “retrocesso” dapobreza foi especialmente importante no Brasil,onde os programas sociais compensatóriospermitiram uma diminuição significativa da pobrezaabsoluta, coexistente, no entanto, com umatrajetória pouco alterada da “concentração derenda” (ou seja, da desigualdade social, ou misériasocial relativa). As condições criadas, de retrocessorelativo da pobreza mais acentuada, se encontraramvinculadas ao desempenho econômico daconjuntura. A constituição de uma franja populaçãocuja sobrevivência depende de programas oficiaisde ajuda social, não incorporados à estruturainstitucional do país, se configurou como umpaliativo de base instável. Os dados da conjunturacomeçaram a mudar drasticamente com a criseeconômica mundial, que possui mecanismos diretosde transmissão, vinculados à contração da demandamundial: o comércio externo e as matérias-primas.Do ponto de vista comercial, continua adependência da região em relação aos EUA eEuropa. Mais de 65% das exportações latino-americanas dirigem-se a essas duas regiões, com orestante indo para a Ásia e para parceiros regionais.Alguns países latino-americanos estão maisexpostos; é o caso do México, cujo comércio éfortemente dependente dos EUA (que consome80,75% de suas exportações; apenas 19,25% vãopara o resto do mundo). E as economias continuammuito dependentes da venda de matérias-primas(que representam mais de 60% das exportações da

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América Latina), os países se viram afetadosnegativamente pelas baixas do petróleo, do cobreou da soja.52 Os preços dos produtos primáriosdespencaram, depois de uma alta especulativa dascommodities em 2008. En fevereiro de 2009, ospreços tinham caido respeito ao pico da alta, nasproporções que seguem: petróleo 51%, alimentos18%, arroz 50,6%, milho 47,9%, trigo 41,9%,metais 49%, cobre 37,9%. As quedas de remessasde migrantes afetarão, sobretudo, México, Bolívia,Equador, e quase toda América Central e o Caribe(estas últimas, além disso, sofrem com a acentuadaqueda de ingressos pelo turismo externo). As contasnacionais se ressentiram de arrecadações menores.E a situação do mercado mundial consente cadavez menos uma saída baseada num novo ciclo deendividamento. As emissões de títulos de dívidasrealizadas em 2009 foram dominadas pelos paísesimperialistas (os EUA lançaram mais de US$ 2

52 Argentina vende farinha e soja, milho e trigo. Sódepois vem, na sua pauta de exportações, um produtomanufaturado: automóveis de 1.5 a 3.0 de potência.Brasil tem uma pauta semelhante: os primeiroslugares nas exportações são para os minerais ferrosos,os derivados do petróleo, a carne e as aves. E, sódepois, os automóveis. Esses são os países mais“desenvolvidos” da América do Sul. Chile vendemineral de cobre e seus derivados, depois outrosmetais e, finalmente, pasta química de madeira.Colômbia baseia suas exportações em combustíveis(46% do total), café, matérias plásticas, pérolas finase flores (é óbvio que as exportações de cocaína nãosão computadas oficialmente, mas não deixam de serexportações primárias).

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trilhões, dentro de um total de US$ 3 trilhões naOCDE), deixando pouco espaço para os“emergentes”.53 A dependência financeira da regiãoé a sua grande vulnerabilidade, somada ao escassodesenvolvimento do mercado interno e à crescentefuga de capitais, vinculada aos mecanismosgeneralizados de “desalavancagem” e de “aversãoao risco”, que provocam uma fuga em direção aosativos e países “mais seguros”. Nos anos 1990,considerou-se que a forte internacionalização dosistema financeiro era positiva para fugir das crises:hoje se verifica o contrário.

38. Não houve, na América Latina (como houvenos EUA e na Europa), colapso de instituiçõesfinanceiras importantes. Mas houve as perdas emderivativos no México - US$ 4 bilhões no últimotrimestre de 2008 - e no Brasil - estimadas em US$25 bilhões. E ainda é cedo para dizer que naAmérica Latina não haverá colapso financeiro. Coma crise de superprodução artificial emomentaneamente congelada pela intervençãoestatal, o excedente de capitais em relação àscondições de sua valorização continua a existir, ataxa de lucro ainda não foi recomposta numa53 O Instituto de Finanças Internacionais do FMIpreviu que a entrada de capital privado nos“mercados emergentes” cairia para 165 bilhões dedólares em 2009, uma queda forte em relação aos 466bilhões de 2008, e ao recorde histórico de 929 bilhõesde 2007, devido à saída de recursos dos mercados dedinheiro e de capitais em direção dos Bônus doTesouro dos EUA e outros instrumentos “seguros”.

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extensão que permita à economia voltar a funcionarsem a salvaguarda propiciada pela maciça injeçãode recursos estatais. À medida que o sistemafinanceiro se valeu dos recursos injetados peloEstado para retomar a ciranda da valorização fictíciado capital novas ondas especulativas começaram ase formar nas bolsas de valores e muitas delasretornaram aos mesmos patamares desupervalorização de antes de setembro de 2008. Avalorização do IBOVESPA ao longo de 2009 foide 76% (em dólar, de 130%). A insuficiência damais-valia extraída perante a massa crescente decapitais sobre-acumulados se impõe, tornandonecessário o incremento da exploração do trabalhopara restaurar a taxa de lucro, cronicamenteinsuficiente. O problema do “canal de contágio”da crise é subordinado, diante de uma crise denatureza sistêmica e mundial.54 As experiências

54 Os ativos financeiros em circulação no planetaalcançaram a cifra de 680 trilhões de dólares para umPIB mundial de US$ 60 trilhões. O desenvolvimentosem precedentes do capital fictício é índice do graude sobre-acumulação de mercadorias e de capitais, edo próprio parasitismo também sem precedentesatingido pelo modo de produção capitalista. Atémeados de 2009, a crise mundial já tinha custado maisde US$ 10 trilhões aos governos de todo o mundo, oque corresponde aproximadamente a quase 20% doPIB mundial: os países ricos atingiram um déficit emseu orçamento de 10,2% do PIB. Os bancos credores,o capital financeiro (coração do sistema capitalistamundial), estão tecnicamente falidos. A crise, naverdade, era mundial desde seu início, porque a“bolha” imobiliária não foi apenas norte-americana,

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nacionalistas, inclusive as “radicais” dos paísesandinos, fracassam na tentativa de estruturar umEstado nacional independente, e de iniciar umprocesso de industrialização capitalista autônomo,derrubando a supremacia do capital financeiro. Asnacionalizações têm poupado os bancos, o aspectodecisivo da gestão do capital. Não criaram umaburguesia nacional, nem estruturaram uma etapade transição nesse sentido, sob hegemonia doEstado. Em vez disso, criaram uma “boliburguesia”(chamada na Venezuela de “boligarcas”), ou o“capitalismo de amigos” da família Kirchner,através da burocracia governamental (que sangrafinanceiramente o Estado). Nas nacionalizações

mas internacional; a especulação nas Bolsas deValores incluiu também bancos e intermediáriosfinanceiros europeus e asiáticos; o mundo está mais“integrado” do que nunca, pela via do comércioexterior e dos fluxos financeiros; finalmente, porquena “arquitetura” financeira mundial os EUA atuamcomo “compradores de última instância” medianteo financiamento de seus “déficits gêmeos” (fiscal edo balanço de pagamentos) através da captação decapitais, especialmente dos outros paísesimperialistas. A superprodução de capital foi gerada,e impulsionada para a totalidade do sistemacapitalista mundial, pelos EUA e, em menor medida,pela União Européia. É a taxa de exploração naeconomia de ponta (EUA) que estabelece o preço deprodução regulador do mercado mundial e,consequentemente o nível da taxa de geral de lucro eo ponto de ruptura do ciclo econômico global. OsEUA, antes até da União Européia, foram osprimeiros a manifestar os sintomas da superproduçãode capital.

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realizadas, os empresários (externos e internos)receberam fortes compensações, até maiores dovalor em Bolsa de Valores de seus capitais. Ogoverno Chávez gastou mais de 14 bilhões dedólares par a realização de nacionalizaçõesburguesas, nos últimos anos. O uso dos recursosfiscais extraordinários para compensar os capitaisnacionalizados acabou bloqueando a possibilidadede um desenvolvimento econômico independente.O capital estrangeiro, forçado a sair da esferaindustrial, retornou sob a forma de capitalfinanceiro, usando as indenizações para a comprada dívida pública. O governo brasileiro pensoupoder “navegar” a crise graças aos recordes naexportação de etanol (5,16 bilhões de litrosexportados em 2008, de 24,5 bilhões produzidos)e biodiesel, que têm por destino principal os EUA.Os governos “progressistas” latino-americanosvêm batalhando, em diversos fóruns internacionais(OMC especialmente) pela abertura dos mercadosdos EUA e da Europa, fortemente protegidos porbarreiras tarifárias e não-tarifárias, às exportaçõesprimárias da América Latina. A crise revela suasituação de dependência semicolonial.

39. A crise mundial golpeou com força o Brasil,como toda a América Latina. Os superávitscomerciais enormes pertencem ao passado, nosúltimos meses o país tem registrado déficits fiscais,e a primeira queda absoluta de arrecadação desde2003. Os subsídios do governo de Lula ao grandecapital, industrial e financeiro, somam bilhões de

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“renúncia fiscal” e estão comendo as reservas emdivisas. Isso estabelece a perspectiva de uma crisefinanceira (suspensão de pagamentos). Venezuelae Bolívia, quando favorecidas pela conjunturafavorável do mercado mundial, impulsionaramimportantes campanhas de saúde e de educação(que nunca seriam feitas pelas velhas oligarquiasdesses países), mas não avançaram em sentar asbases econômicas da autonomia nacional, parasustentar a longo prazo os planos populares e osprogramas sociais. Concluíram dilapidando a rendaextraordinária (diferencial) da produção mineira,na crença de que os preços internacionais nãocairiam nunca. A nacionalização parcial, na Bolívia,das três principais jazidas petroleiras, não sópreservou os “direitos adquiridos” pelos gruposmultinacionais que as detinham, também fracassouem manter os investimentos previstos e aumentara produção. A queda dos preços doshidrocarbonetos fez entrar em crise asnacionalizações parciais, e abriu a via para uma novaetapa de concessões às multinacionais. O ciclo degrandes arrecadações fiscais está concluindo. Aslimitadas reformas fiscais, com aumento dosimpostos, sobre o petróleo e o gás, ofereceram umavantagem passageira no marco de preçosinternacionais elevados. A crise mundial ameaçaem especial o governo de Equador, cujo petróleofinancia, não só a economia nacional, mas tambéma dolarização, até agora mantida. Para mantê-la,Correa começou um recorte de importações, e umamoratória da dívida externa (pela primeira vez um

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governo de América Latina declarou o caráterilegítimo e imoral da dívida). Mas odesconhecimento da dívida usurária e ilegítima seriaincompatível com a dolarização. No passado, ascrises capitalistas mundiais serviram como marcopara o surgimento de movimentos e governosnacionalistas (Vargas ou Perón, por exemplo). Hoje,numa etapa de bancarrota generalizada einternacional, a crise revela as limitações desse tipode governos. Na Argentina as multinacionais estãoexpatriando capitais (isto é, levando-os para suaprópria “pátria”), e ao mesmo tempo demitindomilhares de trabalhadores (na maioria dos casossem indenização), exatamente as empresas que maisfizeram fortuna com os Kirchners: bancos,montadoras de automóveis, produtoras dealimentos. O governo Kirchner recortou asindenizações trabalhistas, favorecendo suafantasmagórica “burguesia nacional”, duas semanasantes da vitória eleitoral de Cristina Kirchner(derrotada eleitoralmente nas legislativas de junhode 2009). Na nova Constituição boliviana, por suavez, se estabeleceu a preservação dos direitosadquiridos pelos grandes proprietários, ou seja, asupremacia do grande capital da soja no Oriente, ea concentração do grande capital agrário na regiãoandina. Desse modo pactuou-se, em nome da“soberania alimentar” (baseada na produção desubsistência) e da preservação do meio ambiente,com os interesses agrários exportadores, e com aprodução contaminante pelo uso de agrotóxicos.São, porém, os países mais “desenvolvidos” da

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América Latina os mais afetados pela crise mundial.A “periferia emergente” do capitalismo “global”enfrentou, em 2009, pagamentos externos por valorde 8 trilhões de dólares, uma dívida principalmentecontraída pelas multinacionais que operam nela,superando em muitos casos as reservasinternacionais. Não é verdade, portanto, que nociclo econômico 2002-2007 as nações dependentesse transformaram e credoras no mercado mundial:com o aumento da dívida privada externa, semantiveram como devedores netos; os superávitscomerciais foram a garantia financeira doendividamento privado. O capital financeirointernacional apropriou-se do excedente comercialgerado pelo aumento dos preços e dos volumesexportados. A crise mundial golpeia à AméricaLatina devido à sua fragilidade financeira ecomercial, e à sua fraca estrutura industrial.

40. Os governos da América Latina afirmaraminicialmente que driblariam a crise com a “solidez”das reservas dos Bancos Centrais. Mas a queda dasBolsas regionais, a saída de capitais e adesvalorização das moedas deixaram sem base essesargumentos. Propostas como a da “Declaração deCaracas”, defendendo o fortalecimento da ALBA(Alternativa Bolivariana para as Américas) e oBanco do Sul, e um acordo monetário latino-americano para enfrentar a crise, sãocrescentemente irrealizáveis. Projetos que nãoconseguiram avançar durante o período decrescimento econômico, ficaram com menos

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fundamento sólido diante da crise. A ALCA eraum instrumento de pressão (dos EUA) sobreEuropa e sobre as economias em transição para ocapitalismo, especialmente a chinesa, lhes opondoAmérica Latina como uma plataforma deexportação dos capitais norte-americanos, mas nãodava ao empresariado latino-americano apossibilidade de abrir o mercado norte-americanoà sua produção agrícola, eliminando os subsídiosaos produtores do Norte. A ALCA foi morrendoem meio à crise mundial de 1997-2002 (crise asiáticade 1997, crise russa e brasileira de 1999, derrubadada Bolsa de Wall Street em 2000). Depois disso, aintegração de América Latina à economia mundialescorou-se no aumento de preços das matériasprimas e no crescimento do endividamento (apenetração do capital financeiro na América Latinafoi a mais alta da história). Brasil tem agoravencimentos superiores a US$ 200 bilhões anuais,o que ameaça quebrar o crédito interno. A rodadade Doha, na qual se chegara a um acordo do Brasilcom Europa e os EUA, entrou em crise pelaoposição da Índia e da Argentina. Brasil acordaracom os EUA exportar etanol sem impostos desdeAmérica Central, em troca da autorização deinversões norte-americanas na indústria dosbiocombustíveis no Brasil. Os projetos unificadoreslatino-americanos entraram em crise. Gasoduto doSul, Banco do Sul, entrada de Venezuela aoMercosul, não saem do papel. A moeda comumBrasil-Argentina seria só um recurso contábil paracompensar saldos de pagamentos externos. A

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autonomia da ALBA proposta por Chávez édesmentida pelos compromissos simultâneos deseus países com outros acordos. Acentuou-se acooperação entre Venezuela e Colômbia, justamentequando a segunda está prestes a realizar um tratadode livre comércio com os EUA. O processoeconômico opera em favor da desintegração deAmérica Latina. Brasil, por sua vez, reforçou suaaliança financeira com os EUA, em oposição àdecisão argentina e chilena de nacionalizar osfundos de pensão privados. Brasil reduziu oconsumo e o preço do gás boliviano. UNASURaparece como um projeto que favorece os interessesdo empresariado brasileiro para “integrar” umaindústria militar regional sob seu controle, e paraimpulsionar gastos em infra-estrutura para suasempresas. Mas pôs o Brasil no limiar da rupturadiplomática com Equador, devido às violaçõestrabalhistas e ambientais da Odebrecht no país (oBNDES respaldou financeiramente a obra comempréstimo de US$ 243 milhões, que o Equadorfoi obrigado a quitar). Evo Morales nacionalizou oconsorcio petroleiro Chaco, do qual faz parte aempresa argentina Bridas, devido à negativa daquelea aceitar os termos das nacionalizações bolivianas.As bandeiras “integracionistas” se transformamcrescentemente em ficção política, em face dosconflitos regionais que se acumulam, expressandoa defesa dos diversos (e contraditórios) interessesempresariais (burgueses) de cada país. A grandemaioria dos militantes e correntes que assistiram àtransformação ultra-rápida do centro-esquerda em

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agente mais ou menos direto da colonização docontinente pelo capital financeiro internacional,buscaram um substituto no nacionalismo chavista,como alternativa continental (defendendo a ALBA).Mas o nacionalismo chavista, essencialmente fiscal,não chega a concorrer, em matéria de uma efetivapolítica antiimperialista, com o velho nacionalismoburguês das décadas de 1930-1950. E mostrou,mais rapidamente do que aqueles, suas limitaçõesde classe, tentando erguer um sistema bonapartista,baseado no poder pessoal, contrário à liberdade deorganização e à independência classista dostrabalhadores. Ora, as próprias condições da crisecapitalista mundial levam ao impasse aonacionalismo, exacerbando a contradição entre suapretensão, de um lado, de conquistar aindependência nacional, e sua política de estrangulara mobilização independente das massas, de outrolado. Ou entre a defesa da “democracia verdadeira”,e sua tendência para a estatização da sociedade,em especial dos sindicatos, das organizaçõespopulares, e das empresas recuperadas e estatais.A história volta a colocar a América Latina frenteao mesmo desafio histórico que, faz quarenta anos,teve como saldo uma série de derrotas. A crisemundial em curso faz emergir de novo à superfíciea questão da crise de direção da classe operária.

41. Sob nova fachada (e velha direção) o governonorte-americano tenta uma nova ofensivadiplomática e militar na América Latina,55 em55 Existe um labirinto de organizações militares dos

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condições mundiais desgastadas pela resistência queenfrenta em todo o mundo, especialmente no Iraquee no Afeganistão, e depois da derrota exemplar dogolpe militar patrocinado pelos EUA na Venezuelaem 2002: ela vai do reforço das bases militaresestabelecidas na Colômbia e em outros países daAmérica Central e do Caribe à reativação da QuartaFrota Naval;56 da formação de um bloco de

EUA na América Latina, além de uma dúzia de basesaéreas não oficialmente existentes, radares, centrosde mando e outras posições militares, que constituemuma teia de aranha que se estende desde Honduras eEl Salvador, descendo até o Equador, Peru, Bolívia eColômbia e que fecha o polígono ao norte das ilhasde Curação, Porto Rico e Bahamas.56 Os EUA recriaram a IV Frota para América Latina,com sede na Flórida, que cuidará de navios ematividade na América do Sul, Central e no Caribe,hoje parte da frota do Atlântico. Isto se deu em meioa fatos como a ação da Colômbia contra as FARC(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) noEquador, ou o que os EUA chamam de “corridaarmamentista” patrocinada pelo presidentevenezuelano, Hugo Chávez, e a proposta de Lula decriação de Conselho Regional de Defesa na Américado Sul. As embarcações dos EUA em atividade noslitorais da América Latina são, atualmente, onze, e anova força deverá ser liderada por um porta-aviõesnuclear. O objetivo seria auxiliar os EUA nas“atividades de contra-terrorismo”, do qual oimperialismo dá a definição mais abrangente, incluidaqualquer forma de resistência popular. Seu quartel-general será na cidade de Mayport, na Flórida. Atéhoje, a região estava sob controle da Segunda Frota.América Latina não só “entrou” na crise econômicamundial, mas também na crise política internacional.

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governos de sustentação direta do imperialismoestadunidense no continente, composto por México,Colômbia, Peru e países da América Central e doCaribe, aos esforços diplomáticos dos EUA paraafirmarem seu poder de tutela sobre a crise deHonduras, legalizando o golpe. Barack Obamaconfirmou de saída o secretário de Estado deGeorge W. Bush para América Latina (ThomasShannon), sendo elogiado pelo porta-voz da políticaexterna do governo brasileiro (Marco AurélioGarcia). Shannon anunciou que daria uma novaoportunidade de reaproximação com os EUA àVenezuela de Chávez. A “nova política externa”do Brasil consiste menos em ser um intermediárioentre a ALBA e os EUA (essa é sua ideologia), emais um sócio menor dos EUA no saque docontinente: a ocupação militar do Haiti pelas tropasda ONU, lideradas pelo Brasil, visando oesmagamento da resistência oferecida pelapopulação haitiana à ordem imperialista e oestabelecimento, neste país, de uma zona franca deexploração colonial direta da mão de obra baratado povo haitiano, hegemonizada pelo Brasil e pelosEUA, demonstra esse objetivo. O Brasil buscaconstruir relações com a Venezuela e os demaispaíses da região, visando fazer avançar parceriasque permitam integrar a infraestrutura da região eseu parque produtivo, e assegurar o papel cada vezmais central exercido pelas grandes empresasbrasileiras em todo o continente, sobretudo pelaPetrobrás, pela Vale do Rio Doce e pelas grandesempreiteiras. A reunião continental de Trinidad-

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Tobago, além de alguma aproximação dos EUAcom Chávez, intermediada pela diplomaciabrasileira, deixou como saldo a iniciativa políticade reingresso de Cuba na OEA, o que deixaria oantigo “Ministério de Colônias” como único marco“integrador” real da América Latina (e com osEUA). O governo cubano recusou a iniciativa. Ofim do bloqueio a Cuba é apresentado como o “fimda guerra fria na América Latina”. Oapaziguamento entre os EUA e Cuba, anormalização de Cuba com a UE, serviriam paraestabilizar politicamente à América Latina do pontode vista dos interesses imperialistas, oferecendo ofim do isolamento de Cuba. O destino de Cubaestá, agora, inserido no contexto latino-americano,e também na sua própria crise política interna,contextos que o governo de Raul Castro tenta“navegar” propondo uma espécie de “via chinesa”,com um papel central das Forças Armadas (quecontrolam mais de 60% da economia cubana). Asucessão de Fidel Castro enfrenta enormesdificuldades: alta dos preços das matérias-primasagrícolas, gravidade dos desastres provocados portrês ciclones consecutivos, crise econômicamundial, baixa do crescimento cubano, e fortedependência das importações, fraca produtividade,dualidade monetária e hiper-centralizaçãoburocrática. As margens de manobra financeira paraimplementar as mudanças anunciadas em 2007 como objetivo de modernizar o aparelho produtivo sãolimitadas. Em 2008, as importações de alimentos epetróleo representaram US$ 5 bilhões, o que

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corresponde à metade do atual potencial deexportação de Cuba, incluindo a comercializaçãode bens e serviços à Venezuela. A descentralizaçãodos circuitos agrícolas, o usufruto das terrasconcedido a pequenos camponeses, a “substituiçãode importações” apoiada na agricultura privada e anova política de salários apontam na reativação deuma “economia de mercado”, que cria as bases parauma restauração capitalista. Os trabalhadorespassaram a ser pagos de acordo com suaprodutividade, com seu salário-base fixado semconsulta às grades salariais nacionais. Diversossistemas de remuneração começaram a coexistir nasempresas. Mas o contexto para desenvolver umatransição ao capitalismo, como a ocorrida em Rússiae na China, mudou internacionalmente, tantoeconômica como ideologicamente. A criseeconômica mundial repôs os problemas estruturaisdo desenvolvimento histórico latino-americano:independência nacional, questão agrária,desenvolvimento industrial autônomo, dependênciafinanceira, miséria social, subordinação política,unidade continental. Em condições de grave crisepolítica, de uma importante experiência das massasexploradas com os processos nacionalistas ou“reformistas” ao longo da última década, criam-serenovadas bases políticas para a luta pelaindependência de classe, o partido operário, ogoverno operário e camponês e a unidade socialistada América Latina.

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42. O governo Lula destinou na crise, pordiversas vias, 300 bilhões de reais a bancos eempresas, utilizando o BNDES e os bancos estataispara recompor, ainda que parcialmente, a oferta decrédito na economia. Este dinheiro tem comoorigem, principalmente, recursos dos trabalhadores(FAT e FGTS) e da caderneta de poupança. Naoutra ponta, uma onda de demissões, sobretudona indústria, varreu o país, do último trimestre de2008 até meados de 2009. Muitas empresas quedemitiram em massa, como a Embraer, não sóreceberam recursos e empréstimos subsidiados dogoverno como, depois das demissões, pagaram altosbônus a seus executivos e ainda remeteram lucrosaumentados para seus acionistas no exterior. OPrograma de Aceleração do Crescimento (PAC) deLula, baixado em 2007, foi uma clonagem do“Avança Brasil”, do governo FHC. Na forma, noconteúdo e até na lista dos projetos. O Avança Brasilfoi lançado por FHC em agosto de 1999, seis mesesdepois da explosão do Plano Real e da mudançada política cambial, com uma pesada depreciaçãodo real, e deixou muitos remanescentes dos seus365 projetos para serem incluídos no PAC. OAvança Brasil prometeu R$ 317 bilhões eminvestimentos (2000-2003) que seriam executadosem parceria do setor público com capitalistasprivados, em uma quantidade de projetos muitomaior do que a do PAC. Este prometeu, com amesma modalidade de parceria, mais de R$ 500bilhões de gastos, com menos projetos. O AvançaBrasil foi um grande fracasso, mesmo no vácuo de

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uma cavalar desvalorização cambial. O pagamentodo serviço das dívidas públicas mais que dobrouentre 1995 e 2005. Como porcentagem doOrçamento da União, esses gastos de dinheiropúblico com parasitas saltaram de 18,75% em 1995,primeiro ano do governo de FHC, para 42,45%em 2005, terceiro ano do governo Lula. Atualmente,60% dos recursos do orçamento federal sãodestinados ao refinanciamento, amortização oupagamento de juros da dívida pública. Em quatroanos o governo pretenderia investir R$ 67,8 bilhões;dividindo esse montante por quatro anos teremosalgo em torno de R$ 16,95 bilhões – um volumepróximo do atual. Em meio a termos como“prorrogação”, “reativação” e “ampliação”, apolítica industrial do governo recauchutaprogramas e benefícios criados nos últimos quatroanos em sucessivos pacotes de desoneraçãotributária, sempre acompanhados de cifras na casados bilhões de reais. Enquanto isso, os gastos comPrevidência e assistência social que correspondiama 34,05% do Orçamento em 1995, caíram para31,06 % em 2005. Os “outros gastos” doOrçamento, que incluem saúde, saneamento,educação, transportes, cultura, etc, quecorrespondiam a 47,20% em 1995, caíramcatastroficamente para 26,49% em 2005. Emapenas seis anos – de 1999 a 2005 – o governobrasileiro (FHC e Lula) pagou R$ 1,2 trilhão paracustear as dívidas públicas, equivalente a umamordida, no período, de 44 % do Orçamento daUnião. Quase metade de todos os recursos públicos

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vão direto para os cofres privados dos parasitasfinanceiros. Apesar de toda essa sangria, o Estadodeve quase R$ 1,5 trilhão. O grau de crise dasucessão presidencial de Lula se mede pelo fatodeste ter imposto (literalmente) ao PT a candidaturaaventureira de Dilma Roussef (que até 2001 -véspera da eleição de Lula - militava nas fileirasclientelistas... do PDT), apresentando-a como a“herdeira e continuadora” de sua políticaeconômica, em especial do PAC, um projeto de umprojeto, sem qualquer programa para enfrentar afraqueza, dependência e fragilidade externa daeconomia brasileira (a não ser vagas e hipotéticasreferências à exploração do petróleo da camada pré-sal),57 e, claro, sem nenhum balanço das pseudo-políticas (capitalistas) de enfrentamento à criseeconômica mundial.57 Que já se anuncia como um novo marco da entreganacional. A proposta da CPI da Petrobrás, lançadapelo PSDB como palanque eleitoreiro (os roubos napseudo-estatal devem fazer parecer o mensalão umabrincadeira de delinquentes juvenis) foi encampadae expropriada... pelo PMDB, “aliado” (na verdade,mandante) do PT e de Lula, para barganhar maisposições no Estado (depois de conquistar aspresidências da Câmara e do Senado) e, sobretudo,garantir o avanço da privatização dos recursosnaturais do país, através dos leilões e contratos deconcessão e partilha. Ildo Sauer, ex Diretor daPetrobrás demitido por Lula, propôs que “o Estadodeveria recuperar sua capacidade de planejamento,de estabelecer que país nós queremos para aspróximas décadas, ver quanto custa isso e depoisdeterminar o ritmo de produção de petróleo somentepara financiar essas coisas. Mas o que estamos vendo

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43. Com o aumento do desemprego e os cortesde custos pelas empresas, aumentou enormementea pressão sobre os trabalhadores para aintensificação do ritmo de trabalho e de suaprodutividade, com o objetivo de recompor a taxade lucro. Em 2004, os trabalhadores de empresasprivadas fizeram 114 greves, número que em 2008saltou para 224 (no setor público, no entanto, onúmero de paralisações manteve-se praticamenteestável, de 185 em 2004 para 184 em 2008). Estãocada vez mais dadas as condições objetivas para

é um processo - que exdui a população - de aceleraçãoda definição de um modelo que permita ao governo,no meio do tumulto eleitoral, leiloar alguns blocosque provavelmente vão atender às demandas degrupos econômicos internacionais, que, por sua vez,têm vínculos diretos no processo eleitoral. O pré-salpoderá produzir um excedente econômico anualsuperior a 250 bilhões de dólares, disponível parafinanciar o desenvolvimento da economia, adistribuição de renda e a construção nacional, alémde dar condições do país criar um paradigma mundialna área ambiental, uma transição energética parafontes renováveis, sustentáveis. O povo deveria serchamado a decidir, em plebiscito, as duas questõesfundamentais: a) a retomada do monopólio estatalsobre o petróleo e a sua produção apenas parafinanciar um novo projeto de desenvolvimentoeconômico e social; b) a re-estatízação da Petrobras ea delegação a ela para executar o monopólio”. Ocorreto seria chamar a uma mobilização nacional pelaestatização sem indenização e sob controle operárioda Petrobrás, única garantia para dar à nacionalizaçãouma base social sólida: o plebiscito poderia ser uma“arma institucional”, subordinada, dessamobilização.

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um forte movimento dos trabalhadores na defesade suas condições de trabalho e de vida frente aosefeitos da crise: no segundo semestre de 2009,ocorreram uma série de importantes greves.Grandes categorias, como metalúrgicos, bancários,petroleiros, operários da construção civil etrabalhadores dos Correios, dentre outras, cruzaramos braços, saíram às ruas em defesa de seus saláriose direitos e tiveram de enfrentar, não apenas apatronal e o Estado, mas também a burocraciasindical da CUT, da Força Sindical e da CTB. Essasgreves fizeram os trabalhadores experimentaremconcretamente o papel exercido pela burocraciasindical destas centrais, que utilizaram todos osmeios a seu alcance para enfraquecer o movimento,desmobilizá-lo e obrigá-lo a ceder a propostasrebaixadas, da patronal ou do governo. Asustentação material da burocracia sindicalencastelada nessas centrais é dependente cada vezmenos da contribuição voluntária dos filiados debase, e cada vez mais dos polpudos recursosrecebidos pelas mais diversas vias, do capital oudo próprio Estado. Sua dependência em relação aoaparelho de Estado se manifesta nos milhões dereais que recebe do Imposto Sindical, de recursosdo FAT e de convênios e contratos celebrados comos mais diversos órgãos do Estado, e nos postosque a burocracia detém em diversos órgãos econselhos do Estado. Seus laços diretos com apatronal se estabelecem, publicamente, não só emsua participação em conselhos do “Sistema S” epela celebração de convênios e contratos de todo

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tipo, mas, também, notadamente no caso da CUT,pela via do controle dos principais fundos depensão do país, que hoje detêm, como sócios docapital, mais de 240 bilhões de reais investidos nomercado financeiro, na dívida estatal e napropriedade ou no controle acionário das maioresempresas do país. Embora a Conlutas abranja sóuma pequena parte do movimento sindicalbrasileiro, ela já dirige, ou está presente comooposição organizada, nos sindicatos de maiorimportância estratégica no país.58 Já em 2006,chapas da Conlutas assumiram sindicatosestratégicos como os dos Metalúrgicos de VoltaRedonda, Metroviários de São Paulo e parte darepresentação dos bancários. E fugiu do controleda direção da CUT a greve que parou os bancosem seis estados. O processo de unificação daConlutas com a Intersindical (cindida da CUT, com58 Foi relevante a conquista do Andes-SN, em 2009,quando, por meio da mobilização, recuperou oRegistro Sindical, ainda que restrito às IES públicas.Grupos de pelegos, com apoio do governo e da CUT,tentaram destruir o Andes-SN pela suspensão de seuRegistro Sindical, a criação de um sindicato chapa-branca (Proifes), ungido pelo governo Lula parareceber o Registro Sindical, e a consequentedesautorização jurídica para o exercício dasconsignações pelas Seções Sindicais, buscando imporuma asfixia financeira, jurídica e política queterminasse por colocar em xeque a existência – legale material – do Andes-SN, único sindicato de alcancenacional filiado à Conlutas. A luta impôs umretrocesso aos agentes do governo, embora não total(o Andes-SN continua alijado das universidadesprivadas).

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presença do PSOL e de setores da esquerda petista),e com outros setores, adquiriu importância: ela foidiscutida em seminário realizado nos dias 1 e 2 denovembro de 2009, em São Paulo, sendo aprovadaa realização de um Congresso Nacional da ClasseTrabalhadora (CONCLAT), para o mês de junhode 2010, visando à criação de uma nova centralsindical, e eleita uma coordenação provisória. Nestemovimento, que concita atualmente a atenção degrandes setores da vanguarda operária e juvenil,está colocada a defesa de um plano de lutas geralda classe operária (em torno das questões centraisdo salário, das demissões e do desemprego),59 da

59 No Brasil, em uma população economicamenteativa de cerca de 100 milhões de pessoas, há umimportante desemprego e subemprego constante. Ototal de horas trabalhadas semanais é deaproximadamente de 4,16 bilhões. No entanto, comuma jornada de seis horas e a totalidade da mão-de-obra empregada, o total de horas trabalhadassemanais seria 3,9 bilhões, ou seja, 93% do tempo daforça de trabalho empregada atualmente. Aintensidade máxima do trabalho é uma necessidadeexclusiva do capital. A redução da jornada detrabalho, na verdade, aumentaria a produtividade dotrabalho, permitindo elevar substancialmente o nívelde vida dos trabalhadores. A persistentemovimentação das camadas do proletariado, emfunção das mudanças técnicas e novas necessidadesdo capital, cria novas diferenças entre ostrabalhadores, requerendo a elevação da consciênciasocial e política de seu movimento. Essasdiferenciações são utilizadas pelo estado burguês epelos capitalistas para destruir o movimento sindical,combater a unidade dos trabalhadores e rebaixar em

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independência classista (organizativa, financeira epolítica) das organizações operárias e populares,da chefia política da classe operária na naçãooprimida (governo operário e camponês semrepresentantes do capital) como única saída contraa crise do capital. Os sindicatos da Conlutas não

geral o nível dos salários. Contrariamente, a luta pelaredução da jornada semanal de trabalho permitiriareduzir a exploração da força de trabalho, pela menorintensidade do ritmo; permitiria gerar milhões deempregos nas indústrias, e reforçar a unidade daclasse trabalhadora, pela diminuição dasobrepopulação relativa. Devemos defender: reajustemensal automático dos salários de acordo com oaumento do custo de vida; recuperação das perdassalariais; incorporação do valor máximo das PLRs ede todos os tipos de bônus ao salário do trabalhador,desvinculando os salários das metas de produção; fimdos bancos de horas; salário mínimo do Dieese;redução de jornada de trabalho sem qualquer reduçãodos salários de forma a repartir as horas de trabalhodisponíveis entre empregados e desempregados;seguro desemprego por tempo indeterminado a todosos desempregados até que sejam incorporados àprodução; impostos progressivos às grandes fortunas;não pagamento da dívida externa e interna; plano deobras públicas controlado pelos trabalhadores;reestatização das empresas privatizadas sob controledos trabalhadores; incorporação dos trabalhadoresterceirizados como trabalhadores “efetivos” nasempresas das plantas em que trabalham, comigualdade dos salários e dos direitos (no caso dosservidores públicos, esta incorporação deve se darsem necessidade de concurso, pois a prática dotrabalho já demonstra a capacidade de exercer afunção); reforma agrária e crédito barato aoscamponeses pobres.

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deveriam, sob nenhum conceito, aceitar a reduçãosalarial e da jornada de trabalho para conter asdemissões. A onda de demissões deve serenfrentada com a palavra de ordem de redução dajornada de trabalho sem redução dos salários (escalamóvel das horas de trabalho). Segundo o Dieese, osalário mínimo necessário deveria ser de R$ 1.980(a remuneração média do trabalhador mas regiõesmetropolitanas, de salários mais altos, é de R$ 1.240,e o salário mínimo é de R$ 465): deve-se propor aestruturação de um plano de luta nacional contraas demissões, pelo salário, para que os capitalistaspaguem a crise – e por uma alternativa operária ecamponesa independente. Em primeiro lugar, devese organizar uma campanha de denúncia, nacionale internacional, contra a repressão sobre os setoresmais explorados do campo encabeçada pelogoverno Lula . A “Comissão Nacional de Combateà Violência no Campo”, uma comissãointerministerial criada pela Secretaria de DireitosHumanos (!) do governo Lula, com o apoio daPolícia Federal, Polícia Militar e promotoria agráriaestadual, organizou “operações de desarmamento”dos sem-terra no estado de Pernambuco, naoperação “Paz no Campo”. Assim como emPernambuco, onde cinco sem-terra foramassassinados, no Pará, onde Luiz Lopes foi a vítimamais recente, também foi organizada com aval dogoverno Lula, e do governo estadual do PT, umaoperação militar no sul do estado, colocada emprática pela governadora do Pará, Ana Júlia (PT),desde novembro de 2007, semeando o terror nas

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populações de sem terra. Segundo a Liga dosCamponeses Pobres, vários camponeses sofreramos piores tipos de tortura, e pelo menos dez sem-terra ligados à ocupações foram assassinados. ASecretaria de Segurança Pública do Estado divulgouuma nota afirmando que a Operação Paz no Campoé uma “demonstração de que o governo paraensenão vai tolerar tentativas de poder paralelo quedesrespeitem o estado de direito, a tranqüilidadedemocrática e a paz no campo e nas cidades” (adireção nacional do MST mantém silêncio sobre aquestão). No mesmo momento, explodiu oescândalo do “Plano Nacional de DireitosHumanos” e da “Comissão da Verdade”, resultadoda pressão constante de vítimas e parentes devítimas da ditadura, em que a pressão dos chefesmilitares da ativa (e dos ministérios militares) impôsum recuo não apenas semântico, mas político, de“apuração dos crimes da repressão” para “apuraçãoda verdade nos conflitos políticos” (como se amorte por tortura fosse a expressão de um “conflitopolítico” – a Lei de Anistia brasileira classificou atortura e os assassinatos cometidos no períodomilitar como “crime político conexo”). Assim comona ditadura, os juizes biônicos estão casando odireito de greve da classe trabalhadora. Eles têm odireito de julgar a ilegalidade das greves, inúmerasgreves foram decretadas ilegais. A greve do INSS,que poderia desencadear um amplo movimentonacional de todos os servidores federais, foideclarada ilegal. O branqueamento da repressãomilitar do passado, como se vê, está a serviço da

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militarização da repressão no presente, contra a qualse deve levantar a aliança operário-camponesa e oarmamento popular, como muro de defesa da lutados trabalhadores, e como perspectiva estratégicade poder.60

44. A delimitação do nacionalismo e da políticaburguesa da Frente Popular é a condição paraconstruir partidos revolucionários, e estes são acondição para uma luta conseqüente pelaindependência do proletariado. A bancarrotamundial do capital e a explosão das contradiçõesdo nacionalismo põem a luta pela libertaçãonacional da América Latina, de novo, noproletariado, e na aliança deste com os camponeses.

60 A edição brasileira de Le Monde Diplomatique,franquia autorizada da matriz francesa, fez a apologiado rearmamento do exército brasileiro, definida naEstratégia Nacional de Defesa do Ministério daDefesa. O armamentismo e o militarismo brasileirosestão a serviço da repressão dos explorados (comose vê no Norte-Nordeste), não a serviço de umeventual enfrentamento com as tropas de Uribe (nemfalar do exército norte-americano). O Brasil (de Lulae Nelson Jobim) propõe um Conselho Sul-Americanode Defesa, complementar à UNASUR, que“integraria” as Forças Armadas dos diversos países.O projeto tem apoio político dos EUA (já desde ogoverno Bush), e “integraria”, claro, o exércitocolombiano, o segundo em poder de fogo docontinente (depois do brasileiro). A “esquerda” fazrenascer o militarismo de casta, de conteúdorepressivo, e incapaz, como diversas vezesdemonstrado, de defender à nação contra oimperialismo.

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É necessário aproveitar a crise do capital e a lutade massas que suscita, e a crise do nacionalismo,para chamar os operários mais avançados ecombativos a agruparem-se em torno a um novoeixo histórico: o socialismo revolucionário e aconstrução de partidos operários revolucionários.O partido é o programa, não pode ter por basesólida a apelo à luta imediata, que só ofereceresultados efêmeros. A luta pelo poder é umaatividade de preparação política sistemática. A únicabase séria para o programa é o marxismorevolucionário, que sofreu de uma descontinuidadepolítica crônica no Brasil. O PCB, fundado em1922, não conseguiu superar a sua debilidadepolítica, ideológica e organizativa antes de serestraçalhado pela burocratização stalinista, no finalda década. Com a stalinização da InternacionalComunista, inclusive do PCB, a bandeirarevolucionária passou para as organizações queromperam com a IC, constituindo a IVInternacional em 1938. Diversas circunstânciasimpediram que a IV Internacional cristalizassecomo programa e organização revolucionária noBrasil. A LCI, da década de 1930, frustrou-se nãosó devido a repressão de 1935/1937, mas tambémdevido a divergências politicas internas (atitudefrente à ANL) e, sobretudo, internacionais: MárioPedrosa, seu principal dirigente, rompeu com a IVInternacional para aderir à fração social-democratade Schatchtman. O PSR, com Hermínio Sacchetta,que substituiu a LCI na década de 40, defendeu aindependência de classe frente ao PCB e à

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“Vanguarda Socialista” (que chamou a votarEduardo Gomes, candidato burguês, na“redemocratização”), mas não sobreviveu à criseda IV Internacional em 1952/53, com o surgimentodo “pablismo” (o grupo de Sachetta evoluiu parao “luxemburguismo”, antes de se dissolver). Odirigente do Secretariado Internacional “pablista”na América Latina - J. Posadas - impulsionou oPOR no Brasil nos anos 50, conquistandoinfluência em meios operários - Olavo Hansen(metalúrgico/SP) e Jeremias (sindicalista agrário dePernambuco), militantes do POR, foramassassinados pela ditadura - e também intelectuais.O POR oscilou entre o apoio ao nacionalismo -chegou a chamar a votar a Jânio Quadros em 1953- e a auto-proclamação sectária, que deu lugar ao“posadismo”, transformado em sinônimo desectarismo alucinado. Nos anos 60, o POC(Secretariado Unificado da IV Internacional) foivítima da aventura foquista impulsionada por essacorrente internacional. Na recomposição das lutascontra a ditadura, a constituição da OSI - “OTrabalho” (1975) na linha da luta por um partidooperário, lhe deu um importante papel nas lutasestudantis no final da década de 1970, frustradopelo sectarismo oportunista que levou à OSI aoscilar entre qualificar o PT de “articulaçãoburguesa que joga um papel de apoio à ditadura,inspirada nos bandos de gangsters do sindicalismoperonista”, para depois entrar no PT numa linhaoportunista, até se transformar numa seitaconservadora. A Convergência Socialista passou da

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defesa do “programa democrático há tanto tempoassumido e defendido pelo MDB”, para o PT,depois de tentar criar um “amplo e democráticoPartido Socialista no Brasil, usando para issomesmo as leis vigentes no país”, na época daditadura. A Democracia Socialista, representantedo Secretariado Unificado da IV Internacional,adaptou-se tanto à direção petista até perder todaindependência política em relação a ela. Comsemelhante heterogeneidade (oportunista) nuncahouve algo como um “ala trotskista” do PT, o quefacilitou enormemente a adaptação do partido àordem burguesa-imperialista. A debâcle teórica epolítica das correntes que se reivindicam (ou sereivindicavam) do trotskismo e da IV Internacionalnão foi homogênea nem uniforme, e distinçõesdevem ser realizadas. O fato é, porém, queatualmente mais de uma dúzia de correntes (amaioria grupelhos) se reivindica genericamente dotrotskismo no Brasil (e mais ainda no mundo), enelas encontramos todas as variantes políticasimagináveis, desde o direitismo conservador até oultra-esquerdismo puramente verborrágico,tornando estéril qualquer debate nessas bases. Amaioria são seitas sem futuro nem presente que,diversamente do “sectarismo” criticado noPrograma de Transição da IV Internacional, nãorecusam o programa transitório (lhe opondo oprograma máximo, e “recusando a ponte dasreivindicações transitórias, porque não tencionamatravessar o rio”, como faziam as seitas outroracriticadas por Trotsky), aceitam-no formal e

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dogmaticamente, e têm um papel conservador,perfeitamente despreocupado de suaintranscendência política crônica, da qual fizeramum modo (e, às vezes, também um meio) de vida.Essas condições tornam penoso em extremo oresgate do programa da IV Internacional (oPrograma de Transição), para a atividaderevolucionária atual. O programa transitório partiuda contradição entre as condições objetivas esubjetivas (a crise de direção do proletariadomundial) da revolução. O amadurecimento dasprimeiras se mede pelo grau de internacionalizaçãodas forças produtivas (ao longo de todo o séculoXX, o comércio mundial cresceu mais rápido doque a produção, e as transações mundiais de capitalsuperaram cada vez mais os negócios internacionaisde mercadorias) e o reforço simultâneo dasfronteiras nacionais, contradição que tornouobsoleto, simultaneamente, o Estado capitalista ea utopia stalinista do “socialismo em um só país”.A imaturidade das segundas, pela demora e derrotasda revolução mundial, frente ao imperialismocapitalista e à burocracia. Trotsky resumiu aquestão: “Se o edifício teórico da economia políticamarxista se apóia inteiramente na concepção dovalor como trabalho materializado, a políticarevolucionária do marxismo se apóia na concepçãodo partido como vanguarda do proletariado”. Trata-se de verificar a vigência das condições objetivas esubjetivas da revolução na atual etapa histórica para,sobre essa base, colocar as tarefas políticasemergentes. O dogmatismo não é só rejeitável pelas

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condições histórico-políticas mudadas, mas por serrejeitável de um modo geral. O ponto de partidado programa transitório (“Sem vitória da revoluçãosocialista no próximo período histórico, toda acivilização humana está ameaçada de ser conduzidaa uma catástrofe. Tudo depende do proletariado,ou seja, antes do mais, de sua vanguardarevolucionária. A crise histórica da humanidadereduz-se à crise da direção revolucionária”) estáhoje vigente. Assim como seu eixo metodológicocentral: “A tarefa estratégica do próximo período -período pré-revolucionário de agitação, propagandae organização - consiste em superar a contradiçãoentre a maturidade das condições objetivas darevolução e a imaturidade do proletariado e de suavanguarda (confusão e desencorajamento da velhageração, falta de experiência da nova). É necessárioajudar as massas, no processo de suas lutascotidianas a encontrar a ponte entre suasreivindicações atuais e o programa da revoluçãosocialista. Esta ponte deve consistir em um sistemade reivindicações transitórias que parta das atuaiscondições e consciência de largas camadas da classeoperária e conduza, invariavelmente, a uma só emesma conclusão: a conquista do poder peloproletariado”. O Programa de Transição da IVInternacional constitui, por isso, e apesar do“trotskismo” atual, o único ponto de partida sériopara o debate acerca da construção de uma esquerdarevolucionária no Brasil (na forma de partido) e deuma autêntica Internacional Operária, que

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proponha uma alternativa socialista à crise históricada humanidade.

45. A sucessão presidencial de 2010 se processaem meio a crises, mas a maior crise é a da própriaesquerda. A esquerda do PT subordinou-se porcompleto, e sem emitir queixas, à imposição (pelochefe do Estado) da candidatura de Dilma Roussef.A direita burguesa se articula em torno àcandidatura de José Serra, confiante menos em suaprópria força do que nas contradições da esquerda.As especulações em torno da natureza dacandidatura da ex ministra petista Marina Silva, peloPV, carecem de importância diante do fato óbviode que se trata de uma candidatura 100% burguesa,pelo seu programa e base político-social. Seuprincipal efeito foi dar um álibi para a renúncia dacandidatura presidencial de Heloísa Helena, peloPSOL, declarando que prefere (“por respeito aosseus eleitores”) buscar um mandato parlamentarfederal em Alagoas (ou seja, que a ocupação deuma cadeira parlamentar, sob pretexto de“visibilidade”, seria mais importante que oconfronto com a burguesia e seus agentes noterreno político mais aberto, e também mais“visível”, o das eleições presidenciais). HeloísaHelena já declarou seu apóio “pessoal” a MarinaSilva (uma resolução do PSOL a caracteriza como“contraditória”, o que, obviamente, nada significa)o que, se encampado pelo PSOL, reduziria o partidoa uma força de apóio de uma segunda linha dapolítica burguesa. A esquerda do PSOL (uma

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miríade de grupos e grupelhos: no primeirocongresso do PSOL, com 745 delegados, seapresentaram nada menos que 13 teses,correspondentes a 13 tendências, as quais, por suavez, reúnem diversos grupos organizados) enfrentaessa perspectiva, não propondo uma candidaturaoperária-camponesa independente (o que a levariaa um confronto aberto, e a uma cisão com datamarcada, com a coalizão “parlamentar” quegoverna o PSOL), mas buscando a candidatura dealgum “medalhão”, que mantivesse a presença doPSOL no cenário político, e fosse também potávelpara as frações dirigentes. A perspectiva do PSOL,para além de pequenas combinações políticasimediatas, é a explosão, ou a sua completadomesticação (incluída a da sua “esquerda”) àordem prevalecente, como um comparsa “deesquerda” de terceira categoria. O PSTU já lançoua candidatura de Zé Maria, ex-metalúrgico dirigenteda CUT e atual coordenador da Conlutas, comocandidatura operária e socialista independente,chamando a uma “Frente de Esquerda” com oPSOL e o PCB (e manifestando disposição paraabrir mão da candidatura presidencial em favor doPSOL caso este aceite a proposta). Emboraapresentado como “socialista”, e “operárioindependente”, o programa de Zé Maria-PSTU éuma variante extrema da política democratizante,propondo “uma democracia muito superior à atual”(ou seja, que viveriamos em plena “democracia”,só que “inferior”...) – e não a perspectiva estratégicado governo operário e camponês (ditadura do

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proletariado). Apesar de ser uma candidaturapartidária, a questão central do partido operário(não resolvida no Brasil, longe disso) é dribladapelo PSTU com a proposta de “um programa dostrabalhadores construído coletivamente” – odemocratismo formal da proposta esquiva umadefinição acerca das questões estratégicas doprograma, o caráter de classe do socialismo (otermo “socialismo” é usado até hoje pelo PT comocobertura das piores políticas burguesas), aexpropriação do capital, o internacionalismo proletário,a unidade socialista de América Latina através dopoder operário. Desprovida de uma delimitação deprincípios com o democratismo burguês e pequenoburguês, com o nacionalismo e o frente populismo,a “independência de classe” se transforma em umavariante no interior do regime social e políticovigente.61 O fato desta variante ser o principal eixo61 A delimitação com relação ao nacionalismo chavistaou andino não pode se limitar à denúncia do caráter“burguês” das nacionalizações realizadas por aqueles,como se equivalessem às nacionalizações bancáriasrealizadas por Obama e Gordon Brown; ou como sediante do “socialismo”, todas as outras classes sociais,e suas variantes políticas, fossem, a la Lassalle, uma“massa reacionária única”. Como ideologia, e comopolítica, isso não serve para emancipar às massasexploradas do controle político do nacionalismo, queconstitui, para elas, sua primeira grande experiênciapolítica. A coisa piora quando a Conlutas, sobimpulsão do PSTU, realiza uma conferência sindicallatino-americana (2008), posta sob a palavra-de-ordem “por uma segunda independência”,perfeitamente “bolivariana” e, sobretudo,perfeitamente burguesa.

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político atual dos trabalhadores e da juventudeclassista e socialista, não faz senão sublinhar maisainda a ausência do marxismo revolucionário nocenário político do Brasil. A constituição de umnúcleo, inicialmente, e de uma corrente orientadapor esse programa e perspectiva estratégica não éuma tarefa de gabinete, nem de intervençãoempírica em (algumas) lutas, mas de elaboraçãomilitante de um programa e de uma políticabaseados na teoria da revolução permanente, cujaexpressão programática é o programa de transição,no balanço da luta de classes nacional einternacional, e na organização de núcleosmilitantes dotados dos meios, embora inicialmentemodestos, para dá-los a conhecer no interior davanguarda operária e lutadora. Essa é a tarefa quecabe realizar, no país, no marco da gigantesca lutamundial colocada pelo declínio histórico, e hojecrise manifesta, da civilização imperialista e dasociedade do capital.

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