Teste 7º ano fevereiro 2014 FRANCES

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Sexta‐feira ou a vida selvagem A vida retomou o seu curso, melhor ou pior. Robinson continuava a fingir que era o governador e general da ilha. Sexta-feira fingia que trabalhava arduamente para manter a civilização. Só Tenn não fingia que dormia a sesta durante todo o dia. A medida que envelhecia, ficava cada vez mais gordo e lento. Sexta-feira, por seu lado, arranjara um novo passatempo. Descobrira o esconderijo onde Robinson guardava o pequeno barril de tabaco e o comprido cachimbo do capitão van Deyssel. Sempre que tinha ocasião, ia fumar uma cachimbada na gruta. Se Robinson desse com ele, certamente o puniria com severidade, porque já quase não tinha tabaco. Fumar era um prazer que Robinson já só muito raramente se permitia, nas grandes ocasiões. Nesse dia, Robinson descera à beira-mar para inspecionar as redes colocadas no fundo e que a baixa-mar acabava de pôr a descoberto. Sexta-feira pôs o pequeno barril debaixo do braço e foi instalar-se bem ao fundo da gruta. Construíra aí uma espécie de canapé, com tonéis cobertos de sacos. Meio deitado para trás, tira longas fumaças do cachimbo. Depois, expulsa dos pulmões uma nuvem azul que se dilui na luz fraca que provém da entrada da gruta. Prepara-se para tirar nova fumaça do cachimbo quando ouve ao longe gritos e latidos. Robinson regressara mais cedo que o previsto, e chamava por ele com voz ameaçadora. Tenn ladra. Ouve-se um estalido. Robinson pegou portanto no chicote. Com certeza que se apercebeu do desaparecimento do pequeno barril de tabaco. Sexta-feira levanta-se e encaminha-se para o castigo que o espera. De repente, para: que fazer do cachimbo, que continua a segurar na mão? Atira-o com toda a força para o fundo da gruta, onde se encontram os barris de pólvora. Em seguida, corajosamente, vai ao encontro de Robinson. Este está furioso. Quando vê Sexta-feira, ergue o chicote. E nesse momento que os quarenta barris de pólvora explodem. Uma torrente de chamas vermelhas jorra da gruta. Robinson sente-se levantado no ar, arrastado, e, antes de perder os sentidos, ainda tem

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Sexta‐feira ou a vida selvagem

 

A vida retomou o seu curso, melhor ou pior. Robinson continuava a fingir que

era o governador e general da ilha. Sexta-feira fingia que trabalhava arduamente

para manter a civilização. Só Tenn não fingia que dormia a sesta durante todo o dia.

A medida que envelhecia, ficava cada vez mais gordo e lento.

Sexta-feira, por seu lado, arranjara um novo passatempo. Descobrira o

esconderijo onde Robinson guardava o pequeno barril de tabaco e o comprido

cachimbo do capitão van Deyssel. Sempre que tinha ocasião, ia fumar uma

cachimbada na gruta. Se Robinson desse com ele, certamente o puniria com

severidade, porque já quase não tinha tabaco. Fumar era um prazer que Robinson

já só muito raramente se permitia, nas grandes ocasiões.

Nesse dia, Robinson descera à beira-mar para inspecionar as redes colocadas no

fundo e que a baixa-mar acabava de pôr a descoberto. Sexta-feira pôs o pequeno

barril debaixo do braço e foi instalar-se bem ao fundo da gruta. Construíra aí uma

espécie de canapé, com tonéis cobertos de sacos. Meio deitado para trás, tira

longas fumaças do cachimbo. Depois, expulsa dos pulmões uma nuvem azul que se

dilui na luz fraca que provém da entrada da gruta. Prepara-se para tirar nova

fumaça do cachimbo quando ouve ao longe gritos e latidos. Robinson regressara

mais cedo que o previsto, e chamava por ele com voz ameaçadora. Tenn ladra.

Ouve-se um estalido. Robinson pegou portanto no chicote. Com certeza que se

apercebeu do desaparecimento do pequeno barril de tabaco. Sexta-feira levanta-se

e encaminha-se para o castigo que o espera. De repente, para: que fazer do

cachimbo, que continua a segurar na mão? Atira-o com toda a força para o fundo da

gruta, onde se encontram os barris de pólvora. Em seguida, corajosamente, vai ao

encontro de Robinson. Este está furioso. Quando vê Sexta-feira, ergue o chicote. E

nesse momento que os quarenta barris de pólvora explodem. Uma torrente de

chamas vermelhas jorra da gruta. Robinson sente-se levantado no ar, arrastado, e,

antes de perder os sentidos, ainda tem tempo para ver as enormes rochas do topo

da gruta rolarem umas por cima das outras, como se fossem peças de um jogo de

construções.

 

TOURNIER, Michel – Sexta‐feira ou a vida selvagem.  Lisboa: Presença, 1985. 972-23-1570-6.p.55

Sexta‐feira ou a vida selvagem

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Ao fim da tarde de 29 de setembro de 1759, o céu obscureceu-se de repente na

região do arquipélago Juan Fernandez, a cerca de seiscentos quilómetros ao largo

das costas do Chile. A tripulação do Virgínia reuniu-se no convés para ver as

pequenas chamas que apareciam no cimo dos mastros e vergas do navio. Eram

fogos de Santelmo, fenómeno devido à eletricidade atmosférica e que anuncia uma

violenta tempestade. O Virgínia, a bordo do qual viajava Robinson, nada tinha

felizmente a temer, nem mesmo do mais violento temporal. Era uma galeota

holandesa, um barco de formas arredondadas e com mastros baixos, portanto

pesado e pouco rápido, mas de extraordinária estabilidade mesmo em

circunstâncias de mau tempo. Assim, à noite, quando o capitão Van Dayssel viu que

uma rabanada de vento rebentara uma das velas como se fosse um balão, deu

ordens aos seus homens para arriarem as outras e se fecharem com ele no interior,

à espera que a tempestade passasse. O único perigo a recear vinha dos recifes ou

bancos de areia, mas o mapa não indicava nada do género, e tudo levava a crer

que o Virgínia poderia navegar durante centenas de quilómetros, debaixo da

tempestade, sem encontrar obstáculos.

Por isso, o capitão jogava tranquilamente às cartas com Robinson, enquanto o

temporal rugia lá fora. Estava-se em meados do século XVIII, na época em que

muitos europeus — principalmente ingleses — iam radicar-se na América, na mira

de fazerem fortuna. Robinson deixara em York a mulher e dois filhos, com o objetivo

de explorar a América do Sul e ver se conseguia organizar trocas comerciais

proveitosas entre o seu país e o Chile. Algumas semanas antes, o Virgínia

contornava o continente americano dobrando heroicamente o terrível cabo Horn, e

rumava agora para Valparaíso, onde Robinson queria desembarcar.

— Não vos parece que esta tempestade vai atrasar muito a nossa chegada ao

Chile? — perguntou ele ao capitão, enquanto baralhava as cartas.

O capitão olhou para ele com um sorrisinho irónico, ao mesmo tempo que

afagava um cálice de genebra, sua bebida preferida. Tinha muito mais experiência

que Robinson e troçava frequentemente da sua impaciência juvenil.

— Quando se empreende uma viagem como esta que estais fazendo,

respondeu-lhe ele depois de tirar uma fumaça do cachimbo, parte-se quando se

quer, mas chega-se quando Deus quer.

Tirou depois a tampa a um pequeno barril de madeira onde guardava o tabaco,

e mergulhou nela o comprido cachimbo de porcelana.

  — Desta maneira, fica protegido dos choques e impregna-se com o odor

adocicado do tabaco.

Voltou a fechar o pequeno barril e encostou-se preguiçosamente para trás.

 — Como estais vendo —  disse ele —  a vantagem das tempestades está em

que nos libertam de preocupações. Não há nada a fazer contra os elementos

enfurecidos. Portanto, nada fazemos. Entregamo-nos nas mãos do destino.

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Nesse mesmo momento, a lanterna suspensa de uma corrente que iluminava a

cabina descreveu um arco de círculo, indo estilhaçar-se de encontro ao teto. Antes

de tudo mergulhar em completa escuridão, Robinson ainda teve tempo de ver o

capitão deslizar de cabeça por cima da mesa. Levantou-se e dirigiu-se para a porta.

Uma forte corrente de ar fez-lhe compreender que já não havia porta. O mais

aterrador de tudo era que, depois do constante balanço e vaivém do navio, que

duravam havia vários dias, aquele ficara completamente imóvel. Devia estar

encalhado num banco de areia, ou em cima de rochedos. Ao clarão difuso da lua

cheia, Robinson avistou no convés um grupo de homens esforçando-se por lançar à

água um escaler de salvamento. Dirigia-se para junto deles, com o objetivo de os

ajudar, quando um choque formidável abalou todo o navio. Logo a seguir, uma vaga

gigantesca despenhou-se sobre o convés e varreu tudo o que nele se encontrava,

homens e material.

 

TOURNIER, Michel – Sexta‐feira ou a vida selvagem. Lisboa: Presença, 1985. 972-23-1570-6. P.9-10 

1) personagens, espaços, narradores, sequências

2) figurantes, narradores, personagens-tipo, personagens redondas.

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