TEXEIRA, A. M. S. Et Al. (2002). Ciência Do Comportamento - Conhecer e Avançar

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CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO Adélia Maria Santos Teixeira Maria Regina Barbosa Assunção Roosevelt Riston Starling Sônia dos Santos Castanheira

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Ciência do Comportamento

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CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO

Adélia Maria Santos Teixeira Maria Regina Barbosa Assunção

Roosevelt Riston Starling Sônia dos Santos Castanheira

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Copyright © desta edição:ESETec Editores Associados, Santo André, 2002.

Todos os direitos reservadosTeixeira, Adélia Maria Santos et al.

Ciência do Comportamento - Conhecer e Avançar. - Vol.1. Orgs. Adélia Maria Santos Teixeira, Maria Regina B. Assunção, Roosevelt R. Starling, Sônia dos Santos Castanheira. U ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2002.

196p. 23cm

1. Psicologia do Comportamento: pesquisa, aplicações2. Behaviorismo Radical3. Análise do Comportamento4. Terapia Comportamental

CDD 155.2 CDU 159.9.019.4

ESETec Editores Associados

Direção Editorial: Teresa Cristina Cume Grassi Assistente Editorial: Jussara Vince Gomes

Revisão Ortográfica: Erika Horigoshi

Capa: Flávia Castanheira

Agradecemos a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram com a produção deste material. Cabe um crédito especial à designer Flávia Castanheira, que nos presenteou com um trabalho de especial beleza e sensibilidade.

Solicitação de exemplares: [email protected] Rua Santo Hilário, 36 - Vila Bastos - Santo André

* Tel. 49905683/44386866 www.esetec.com.br

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conhecer e avançar

Adélia Maria Santos Teixeira Maria Regina B. Assunção Roosevelt R. Starling Sônia dos Santos Castanheira

Organizadores

Adélia Maria Santos Teixeira Ana Maria Lé Sénéchal-Machado Carlos Augusto de Medeiros Eduardo Neves P. de Cillo Gustavo Teixeira Hélio José Guilhardi Lorenzo Lanzetta Natale Lyudmilla Furtado Mendonça Maria Cristina Seixas Villani Maria Isabel dos Santos Pinheiro Nely Maria dos Santos de Castro Patrícia Martins de Freitas, Rachel Rodrigues Kerbauy Saulo Missiaggia Velasco Sérgio Dias Cirino Sérgio Dias Cirino Tatiana Araújo Carvalho Vítor Geraldi Haase

Editores Associados 2004

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S umário

P r e f á c io ......................................................................................................................................

A gradecimentos..........................................................................................................................

A presentação...............................................................................................................................

C a p a c it a ç ã o de a n a l is t a s do c o m p o r t a m e n t o : h a b il id a d e s b á s ic a s

Adélia Maria Santos Teixeira (UFMG)............................................

A tuação de a n alistas do comportamento: pesq u isa , intervenção e plan ejam en to de

am bientes psicossociais

Adélia Maria Santos Teixeira (UFMG)............................................

A INDIVIDUALIZAÇÃO DO ensino em uma pré-esco la : uma in tervenção comportamental na

EDUCAÇÃO INFANTIL

Adélia Maria Santos Teixeira (UFMG)............................................

Considerações sobre o desempenho do te rapeu ta com portam enta l

Maria Cristina Seixas Villani ....................................................

A relação ter apêu t ica como foco da a n á l is e n a prática clín ic a comportamental

Saulo Missiaggia Velasco (Clinica Particular), Sérgio Dias Cirino (UFMG).......

O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO COMO FORMA DE ATUAÇÃO NA PRÁTICA CLÍNICA

Tatiana Araújo Carvalho..........................................................

S obre T e r a p ia C o m po rtam en tal: questões freq üentes da co m u n id ad e

Ana Maria Lé Sénéchal-Machado ...............................................

T r e in a m e n t o c o m p o r t a m e n t a l de p a is : u m a m o d a l id a d e de in t e r v e n ç ã o em

n e u r o p s ic o l o g ia do d e sen v o lv im e n t o

Vítor Geraldi Haase (UFMG), Patrícia Martins de Freitas, Lorenzo Lanzetta Natale, Maria Isabel dos Santos Pinheiro........................................

Esquemas DRO e DRA como e s tra tég ia s de in te rven ção c l ín ic a : estudo de caso

Lyudmilla Furtado Mendonça (Clínica Tolman)...................................

T erapia comportamental: tratamento e prevenção da recaída com dependentes químicos

Nely Maria dos Santos de Castro (UFMG; Unicentro Newton Paiva)............

P sico lo gia do Esporte: conceitos aplicad o s a partir da A n álise do C omportamento*

Eduardo Neves P. de Cillo (PUC-SP; Unicentro Newton Paiva)...................

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A r r a n ja n d o co n tin g ên c ias de e n s in o : u m a reflexão so bre o labo rató rio a n im a l

OPERANTE

Gustavo Teixeira (Clínica Particular), Sérgio Dias Cirino (UFMG)............. 125

T e r a p ia C o m po rtam en tal: conhecim ento a c u m u la d o e tran sfo rm açõ es

Rachel Rodrigues Kerbauy (USP) ................................................ 133

C om portam ento v e r b a l : O que é ? E como vem sendo estud ad o?

Carlos Augusto de Medeiros (UFMG).............................................. 145

A n álise co m po rtam ental do sentimento de cu lpa

Hélio José Guilhardi (IAC) ........................................................ 158

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P refác io

* O livro Ciência do Comportamento: conhecer e avançar reúne textos que cobrem diferentes temas em Análise de Comportamento, ordenados, com competência, em dois volumes por um grupo de docentes mineiros.

Marcando seu compromisso com o fazer ciência e divulgá-la, tanto quanto com o aplicá-la, o conjunto resultante se volta, num primeiro momento, para a formação do analista do comportamento e, num segundo momento, para a atuação deste profissional na resolução de problemas sociais e individuais. Assim, aborda, através de seus autores, entre outras, questões conceituais, questões metodológicas, aspectos específicos da formação do psicólogo analista do comportamento, tópicos de pesquisa, problemas de ensino e educação, técnicas terapêuticas, questões éticas, treino de pais, educação especial, dependência química e identidade sexual.

Ao longo de 31 capítulos, a riqueza de interesses e responsabilidades dos autores revela-se, tanto na diversidade dos tópicos abordados como no cuidado com que são tratados.

0 livro espelha e, de certo modo, documenta a produção resultante do trabalho, iniciado há 30 anos, por um grupo de professores da Universidade Federal de Minas Gerais voltado para os estudos dos concei­tos, métodos e técnicas que a Análise do Comportamento desenvolve para o uso dos estudiosos do comportamento.

Preocupados com a análise de processos básicos, tanto quanto de processos aplicados, este grupo cresceu. A partir da UFMG, espalhou-se, em Belo Horizonte, para a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, para o Unicentro Newton Paiva e para o Centro Universitário da Fundação Mineira de Educação e Cultura; em Governador Valadares, para a Universi­dade Vale do Rio Doce; em São João Del Rei, para a Fundação de Ensino Superior de São João Del Rei; em Três Corações, para a Universidade Vale do Rio Verde; em Juiz de Fora, para o Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora; em Itajubá, para a Fundação de Ensino e Pesquisa de Itajubá; em Divinópolis, para a Universidade do Estado de Minas Gerais; em Alfenas, para a Universidade de Alfenas; em Uberaba, para a Universidade de Uberaba e em Uberlândia, para a Universidade Federal de Uberlândia. Estabeleceu intercâmbio com colegas de outros estados, trocando alunos, professores, bolsistas estagiários, e realizando projetos de ensino e pesquisa conjuntos.

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Através de cursos de graduação, pós-graduação e de especialização, esse grupo, agora ampliado, vem exercendo sua esfera de influência interagindo tanto com a comunidade científica maior de médicos, psiquiatras, educadores, farmacólogos e biólogos como com a comunidade leiga. Hoje, esse crescimento e essa influência acham-se aqui representa­das, ainda que de forma incompleta, nesta obra com um total de mais de 400 páginas.

Parabéns à comunidade mineira. Que outros centros de pesquisa, ensino e aplicação de Análise do Comportamento no Brasil sigam seu exemplo.

Carolina Martuscelli Bori Maria Amélia Matos

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A g r a d e c im e n t o s

Ao lançarmos uma primeira publicação que apresenta em termos inequívocos o vigor da Ciência do Comportamento em nosso estado e que tarrtbém vem coroar o sério e contínuo trabalho da comunidade comportamentalista residente em Minas Gerais, coube-me a difícil tarefa de apresentar, em nome dos colegas organizadores, os nossos agradecimentos. Nas últimas quatro décadas, muitos estudiosos dedicaram os melhores anos das suas vidas para conhecer, divulgar e fazer avançar a ciência do comportamento em nosso estado, quer na aridez e solidão da pesquisa básica ou no sempre mal remunerado magistério quer nas hoje riquíssimas mas então pioneiras áreas aplicadas - a clínica psicológica, a educação normal e especial e também nas aplicações que já se ensaiam: a análise comportamental das organizações, a neuropsicologia comportamental, as intervenções em contextos médicos hospitalares e a medicina do comportamento, as intervenções em contextos especiais, como por exemplo, as ações junto às comunidades de risco e a prática esportiva.

Um dos primeiros problemas com o qual me deparo é a quase certeza de que, se tentássemos fazer um mínimo de justiça a todos esses pioneiros, dando a conhecer os seus nomes, tal lista conteria inevitáveis, injustificáveis e injustas omissões.

Mas ainda que pudéssemos listá-los a todos, por onde começaríamos? Já se disse que "se hoje enxergamos mais longe é porque estamos de pé sobre os ombros de gigantes". Até quando recuaríamos no tempo para fazer justiça a todos esses corajosos e abnegados homens e mulheres que ousaram desafiar as convenções e a tradição para falar de uma maneira ainda hoje tão nova e revolucionária sobre o comportamento humano? Conhecemos os nossos gigantes: os então jovens e inquietos brasileiros e brasileiras que pioneiramente foram aprender e divulgar em nosso país aquela nova linguagem, que tanto lhes tocava a inteligência e a sensibilidade. São hoje os nossos mais queridos modelos de dedicação à ciência e de generosidade pessoal: não retiveram o que duramente adquiriram; compartilharam! Mas quantos países mais precisaríamos visitar para sermos consistentes e fiéis à história da Ciência do Comportamento? Em quantos idiomas falavam esses gigantes? A quais desses gigantes precisaríamos necessariamente agradecer e a quais poderíamos arriscar omitir? E bem justo seria lhes agradecer nomeando, um a um, todos eles. Cada um deles foi um artífice das contingências a que hoje respondemos; cada um deles está presente, de maneira muito verdadeira, neste livro que ora colocamos a disposição do público estudioso.

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Entretanto, precisamos também ter presente que, ao respondermos à fala daqueles gigantes, transformamos uma vez mais o nosso ambiente: ao nos abrirmos para o novo, ao nos responsabilizarmos pela solidez do chamado que nos faziam, justificamos o trabalho deles e também nos tornamos sujeitos da ainda recente história do estudo científico do comportamento humano. Inúmeros profissionais e estudantes estiveram envolvidos nas atividades que precederam e estabeleceram as contingências que se materializam nestes dois volumes do Ciência do comportamento: conhecer e avançar. Aqui, uma vez mais, nos vemos às voltas com o mesmo problema que destacamos anteriormente. Poderíamos listá-los a todos? Poderíamos pesar e avaliar a importância do entusiasmo, da dedicação, da seriedade de cada um deles, a fim de a todos fazer justiça e, ao mesmo tempo, não impormos ao leitor uma lista por demasiado extensa, por tantos que foram aqueles que em incontáveis sábados e domingos e em igualmente incontáveis segundas, terças e quintas, deixaram o seu descanso e o seu lazer e sacrificaram ainda mais o seu dia de trabalho para dispor as contingências que agora controlam esse texto que escrevo? Melhor talvez nem tentar. Melhor talvez lembrar-lhes que os frutos que produziram serão novas sementes de incontáveis novos livros, que ajudarão a transformar a vida de incontáveis pessoas, mais e mais e cada vez mais, ampliando sempre a nossa presença responsável, ética e humanamente sensível na cesta de práticas psicológicas a serem selecionadas por suas conseqüências.

Que flexível e rica pode ser esta ferramenta da humanidade, o comportamento verbal: cá estamos a todos agradecendo, sob a afirmativa de ser impraticável a todos agradecer!

E talvez tenhamos, na observação anterior, a possibilidade de um novo, justo e essencial agradecimento. De maneira geral, a comunidade dos dentistas do comportamento tende a entender a palavra ciência como sendo o comportamento verbal do cientista ao falar de uma maneira especial sobre o mundo. Disso, uma particularidade: temos definido comportamento verbal como um tipo de comportamento operante que depende, para sua instalação e manutenção, da ação reforçadora de uma comunidade verbal, de uma outra pessoa, sendo assim um evento social que exige um falante e um ouvinte para que possa ocorrer. Dessa forma, de nada adiantaria terem falado os nossos gigantes, de estarmos falando nós, caso essa fala não caísse em ouvidos sensíveis, em pessoas cujas histórias as fizeram merecedoras dos adjetivos curiosas, abertas, inteligentes e ousadas. Estamos, assim, agradecendo a cada um dos ouvintes que, através da sua resposta ativa de ouvir, mantiveram e mantêm viva e florescente a Ciência do Comportamento. Estamos agradecendo a você, caro leitor!

Pelos organizadores,

Roosevelt R. Starling

Inverno de 2002.

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A presentação

Nunca subestimem o poder contido em uma contraposição.

A emergência e a consolidação da Ciência do Comportamento, em Minas Gerais, desde os anos 70, estiveram fadadas ao fracasso. Contingências adversas, provindas de várias origens, dificultavam e interceptavam qualquer iniciativa favorável ã sua implementação.

Um grupo muito restrito de professores, apoiado e respeitado por docentes não comprometidos com esta abordagem psicológica, conviveu anos e anos com tais dificuldades, resistindo a todas as tentativas de sufocamento de ações associadas à eclosão de uma Psicologia baseada nos padrões das Ciências Naturais em Minas Gerais.

Ultrapassando essa longa trajetória histórica, registramos nossa sobrevivência com a presente publicação.

Os dois volumes deste livro agrupam trabalhos apresentados por professores e alunos em eventos que focalizaram a Ciência do Comportamento e foram realizados em Belo Horizonte nos anos de 2000 e 2001.

Os docentes estão vinculados a diversas instituições de ensino superior: UFMG, PUCMG, Centro Universitário NEWTON PAIVA, FUMEC, UNIVALE, FUNREI, PUCSP, USP e IACCAMP (Instituto de Análise de Compor­tamento de Campinas). Os discentes que participaram deste trabalho, em sua maioria, são mestrandos na PUCSP.

Os capítulos dos dois volumes do livro abrangem uma ampla variedade de assuntos, acompanhando as temáticas dos eventos correspondentes: Capacitação e Atuação (I Jornada Mineira de Ciência do Comportamento/2000); Aplicações e Avanços ( II Jornada Mineira de Ciência do Comportamento/2001); Pesquisa e Aplicações (I Seminário de Análise do Comportamento/2001); 0 Homem e o Método (II Encontro das Escolas de Psicologia de Belo Horizonte/2001).

Dessa forma, no volume I, o capítulo 1 é dedicado à questão da capacitação dos analistas do comportamento; os capítulos 2 a 11 versam sobre sua atuação, abordando aplicações variadas do quadro conceituai correspondente; o capítulo 12 discute questões relacionadas com a pesquisa .e os capítulos 13, 14 e 15 ocupam-se de avanços no modelo conceituai da análise do comportamento.

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Do mesmo modo, no volume II, o capítulo 1 aborda a questão da capacitação do terapeuta comportamental; os capítulos 2 a 11 ocupam-se de aplicações diversificadas da análise do comportamento; os capítulos 12 e 13 versam sobre pesquisa e os capítulos 14, 15 e 16 discutem avanços do modelo conceituai da análise do com-portamento.

Essa classificação dos artigos é arbitrária e as categorias utilizadas não são mutuamente exclusivas.

A organização dos textos, na forma apresentada, não obedece a uma cronologia em correspondência com a seqüência dos eventos realizados. Cumpre apenas a função de orientar o leitor quanto à origem dos trabalhos, quanto à natureza de seus conteúdos e quanto à procedência de seus autores.

Convém salientar que os artigos publicados neste livro revelam uma grande heterogeneidade. Pode-se constatar uma diversidade na formação acadêmica dos autores e uma variabilidade em seus interesses temáticos. Considera-se que isso poderá se mostrar útil como contribuição para a expansão da Ciência do Comportamento e especialmente da Análise do Comportamento Aplicada.

Embora atentos às tendências, concentradoras de interesse, nesse campo de conhecimento, estamos convencidos de que a variação é uma condição indispensável para a sua expansão, cabendo à comunidade científica, como um todo, selecioná-la.

Belo Horizonte, maio de 2002

Adélia Maria Santos Teixeira

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C a p a c it a ç ã o de a n a l i s t a s do c o m p o r t a m e n t o

HABILIDADES BASICAS

Adélia Maria Santos Teixeira* Universidade Federal de Minas Gerais

Qualquer capacitação especifica uma competência - capacida­de para apreciar e resolver algum problema, capacidade para fazer alguma coisa.

Estabelecer relações entre comportamentos e variáveis am bientais constitu i competência básica do analista do comportamento. Essa competência inclui: analisar contingências, respondendo questões dos tipos: (a) o que acontece quando um organismo faz a, b, c, ou d? (b) em que condições o organismo faz a, b, c ou d? (c) o que acontece quando um organismo que fazia a, b, c ou d passa a fazer m, n, o, p?

Para adquirir esse tipo de competência, o analista do compor­tamento precisa desenvolver várias habilidades: identificar eventos comportamentais; identificar eventos ambientais; relacionar eventos ambientais e comportamentais; compreender as relações identificadas; identificar alterações nas relações ambiente/ comportamento; formular questões sobre o comportamento, sobre o ambiente e sobre suas relações; identificar e resolver problemas relacionados a esses tipos de relações.

Tudo isso remete à noção de contingência de reforçamento. Dito de forma mais precisa, tudo isso remete ã noção de contingência tríplice de reforçamento - unidade básica de análise na análise experimental do comportamento (Skinner, 1953, 1968 e 1969).

* Departamento de Psicologia. Faculdade de Filosofia e.Ciências Humanas - Universidade Federal de Minas Gerais. Texto apresentado na I Jornada Mineira de Ciência do Comportamento (Belo Horizonte, 2000).

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Portanto, detectar e seguir contingências podem ser destaca­das como duas habilidades básicas na análise do comportamento. É isso que precisa ser aprendido pelo analista do comportamento, ou seja, essas duas habilidades básicas precisam ser incorporadas no repertório comportamental do analista do comportamento.

Estas afirmações suscitam algumas questões. Em primeiro lugar, como aprender e adquirir essas habilidades básicas? Pode-se dizer: olhando, ouvindo e lendo. Não se tratam, no entanto, de um olhar, um ouvir e um ler aleatórios. Se assim os fossem, o analista do com­portamento ficaria sujeito a eventos impressivos, a imposições peculiares advindas de sua própria história que norteariam suas interpretações, a limitações de sua própria capacidade de atentar e reter ocorrências. Há necessidade de que o analista observe, ouça e leia registros precisos e sistemáticos que possam ser examinados repetidamente. 0 analista do comportamento precisa dispor de gra­vações visuais e auditivas e de relatos verbais escritos por completo. De posse desse material, o analista teria condições de se expor e de interagir com ele de uma forma plena. A partir dessa interação, poderia treinar ou ser treinado nas habilidades de detectar e seguir contingências. É evidente que a participação de um analista experiente facilitaria as aquisições do principiante.

Em segundo lugar, onde adquirir essas habilidades? Pode-se afirmar: interagindo com eventos comportamentais reais. Somente assim se torna possível desenvolver o repertório comportamental de um analista do comportamento talentoso. Não se pode aprender a analisar contingências com esmero através de regras ou compêndios. Pode-se conhecer toda a obra de Skinner de cor e, ainda assim, não tornar-se um analista talentoso. Algumas relações comportamentais óbvias poderão ser analisadas com clareza. No entanto, sem exposição direta aos eventos comportamentais, será muito difícil tornar-se apto para detectar as sutilezas das relações organismo/ambiente envolvidas nesses eventos. 0 repertório comportamental necessário para detectar e seguir contingências exige a interação real e intensiva no exercício desse tipo de análise.

0 repertório de um analista do comportamento talentoso somente poderá ser modelado através de contingências, como ocorre em qualquer outro tipo de habilidade talentosa. Não se pode tornar um exímio pianista seguindo regras ou lendo compêndios. 0 mesmo ocorre com um jogador de tênis, um escritor, um pintor, um cantor. As variações comportamentais, que fazem a diferença, somente poderão ser modeladas por contingências. É isso que, provavelmente,

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transformou o "Dida" no goleiro que é, ou seja, um goleiro que condicionou um atraso mínimo na resposta de correr ou posicionar- se para uma defesa de penalidade máxima (pênalti) em jogos de futebol. Isso lhe permite detectar a ação de seu adversário, a projeção e a trajetória da bola que lhe cumpre defender. Esse condicionamen­to do jogador somente foi possível através de exposição a contingências relacionadas com os eventos comportamentais cor­respondentes.

Uma terceira questão pode ser formulada. Para que adquirir a habilidade de detectar e seguir contingências? Para conhecer e mudar. Quando se detecta e segue contingências, adquire-se conhecimento sobre o evento comportamental correspondente. A posse desse conhecimento permite predizê-lo e controlá-lo, a pedidos ou por necessidade. Controlar um evento comportamental obriga a detecção, a programação e o seguimento de contingências. Isso foi muito bem observado por Bori (1974). Tratando de questões relacionadas à prática de Sistema de Ensino Personalizado (PSI), no Brasil, declarou que a pesquisa correspondente orientava-se para a identificação e a programação de contingências, mais do que para regras de cons­trução de programas de ensino.

Finalmente, pode-se indagar: como o ensino de graduação em Psicologia pode contribuir para o desenvolvimento das habilidades básicas do analista do comportamento apontadas no presente texto? Com disciplinas específicas que coloquem o aluno em interação com situações reais que ele deverá analisar com o objetivo de identificar e seguir contingências. Isso será facilitado pela presença de um professor qualificado para tanto. Pode-se, ainda, perguntar: os cursos de graduação em Psicologia dispõem dessas condições e praticam esse tipo de ensino? Pode-se considerar que um número razoável desses cursos contam com professores qualificados para produzirem esse ensino. No entanto, sua própria formação acadêmica está contaminada por uma ênfase nos princípios da análise de comportamento, como fonte de conhecimento, e nos comportamentos governados por regras, como estratégia de atuação. Seria um bom alvitre deslocar a ênfase para comportamentos governados por con­tingências. Isso ampliaria os repertórios comportamentais dos iniciantes na análise do comportamento, tornando-os aprendizes mais suscetíveis e responsivos aos eventos comportamentais observados e, ainda, permitiria uma variação de interações e uma originalidade comportamental que são condicio-nantes de uma análise talentosa.

Na atuação de um analista do comportamento, prevalece o

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mesmo raciocínio envolvido nas habilidades básicas de detectar e seguir contingências proposto neste trabalho.

R e f e r ê n c ia s B i b l io g r á f ic a s

Bori, C. M. (1974). Developments in Brazil. In F. S. Keller& J. G. Sherman, PSI- The Keller plan handbook (pp. 65-72). Menlo Park, Califórnia: W. A. Benjamin.

Skinner, B. F. (1981). Ciência e comportamento humano. (Trad. João Carlos Todorov e Rodolpho Azzi). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953.)

Skinner, B. F. (1972). Tecnologia de ensino. (Trad. Rodolpho Azzi). São Paulo: Herder. (Trabalho original publicado em 1968.)

Skinner, B. F. (1980). Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1969.)

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A tuação de an alistas do comportamento: pesquisa ,

INTERVENÇÃO E PLANEJAMENTO DE AMBIENTES PSICOSSOCIAIS

Adélia Maria Santos Teixeira' Universidade Federal de Minas Gerais”

Este trabalho começa com algumas citações:

1. ".. o mais importante que Skinner tem a nos dizer é como formular as perguntas, se quisermos encontrar as melhores respostas" (De Rose, 1999: 68).

2. "... o interesse de Skinner pela ciência não é descomprometido, mas ligado a um objetivo de utitizar a ciência para a modificação da sociedade e da vida humana" (Maria Amália Andery citada por De Rose, 1999).

3. Isto significa que para Skinner as melhores respostas "são aquelas que levam a soluções de problemas humanos" (De Rose, 1999).

Estas citações dão sustentação às atuações - pesquisa, inter­venção e planejamento de ambientes psicossociais - destacadas neste trabalho.

A pesquisa costuma ser uma rotina no campo de estudo da análise do comportamento. Pode-se dizer, ainda, que toda atuação de um psicólogo remete a algum tipo de intervenção preventiva ou remediadora. 0 mesmo pode ser dito sobre a atuação de um analista do comportamento. No entanto, na maioria das vezes, o foco de

* Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Univer­sidade Federal de Minas Gerais.

**Texto apresentado na I Jornada Mineira de Ciência do Comportamento (Belo Horizonte, 2000)

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atenção do analista do comportamento tem se concentrado no comportamento individual. A intervenção e o planejamento de ambientes psicossociais - grupos, instituições, comunidades - não registram a mesma freqüência dos trabalhos orientados para o indivíduo.

Assim sendo, considera-se a inserção do analista do comporta­mento em atividades de intervenção e planejamento de ambientes psicossociais como um mercado promissor para esses profissionais.

Talvez, dentre os psicólogos, o analista do compor-tamento seja o profissional mais preparado para promover a interven-ção e o planejamento de ambientes psicossociais. Isso se deve ao quadro conceituai disponível que privilegia a questão: em que condições ocorre o quê? Uma formulação de pergunta desse tipo orienta o comportamento do profissional para respostas úteis. Ao buscar soluções para problemas formulados dessa maneira, ela desenvolve habilidades básicas de detectar e seguir contingências peculiares e indispensáveis para sua atuação.

A pesquisa está intimamente relacionada aos campos de trabalho vislumbrados - intervenção e planejamento de ambientes psicossociais. No entanto, não há razões para supor uma relação linear entre esses três campos de atuação. A pesquisa pode anteceder e suceder diferentes momentos da intervenção e do planejamento de ambientes psicossociais.

Identificar e propor um novo arranjo de contingências não garantem a efetividade de mudanças comportamentais visadas numa intervenção ou num planejamento psicossociais. 0 profissional nunca tem controle de todas as contingências presentes e/ou atuantes num ambiente humano. Acontecimentos não previstos se interpõem aos arranjos propostos. Faz-se necessário seguir as contingências identificadas e propostas, ajustando-as, cercando-as e orientando- as continuamente em direção ao objetivo comportamental, visando a intervenção ou o planejamento. É um seguir, no sentido de perseguir, que garante a efetividade das mudanças propostas. Assim, identificar, propor e seguir contingências constituem habilidades críticas em qualquer atuação de intervenção ou planejamento de ambientes psicossociais.

Discutindo questões relacionadas à educação, Skinner (1972) e Keller (1968) descrevem o repertório comportamental do instrutor ao propor arranjos de contingências orientadas para o ensino. Bori (1974), tratando do mesmo assunto, oferece uma descrição muito mais precisa do que consiste propor contingências. Declara a

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necessidade de identificá-las para, então, programá-las. Com isso, aponta a necessidade de identificar contingências de interesse para as mudanças visadas e a necessidade de programá-las, uma a uma, através de novas contingências. De posse desse material, basta ordená-las numa seqüência lógica e de interesse para o objetivo a ser cumprido. Todos concebem a proposição de contingências como uma programação de arranjos contingenciais.

Dessa forma, considera-se que as atuações em inter-venções e planejamento de ambientes psicossociais terão êxito se o analista do comportamento identificar as contingências de interesse para seu trabalho, programá-las, no sentido atribuído por Bori (1974), e segui-las (persegui-las) pontualmente, no sentido descrito anteriormente.

Qualquer intervenção produz uma alteração ambiental que, por si só, provocará alterações comportamentais nas pessoas envolvidas na situação.

0 planejamento de um ambiente psicossocial, devido à ampli­tude de seu objetivo, propiciará uma oportunidade para uma mudança radical no ambiente e, por conseguinte, no comportamento das pessoas envolvidas na situação.

Os analistas do comportamento, dispondo das competências e das habilidades concernentes para intervir e planejar em ambientes psicossociais, estão aptos para atuarem em qualquer local.

A identificação usual do campo de atuação do psicólogo em função do local de sua realização (psicólogo clínico, hospitalar, escolar, organizacional, comunitário, institucional) perde essa especificidade inadequada, dando lugar a uma identificação do campo de atuação desse profissional em função da especificidade de sua competência: pesquisador, interventor e planejador. Assim sendo, a competência adquirida garante sua penetração em qualquer local onde o serviço correspondente seja fonte de demanda.

Pode-se indagar: onde adquirir essas competências e habilida­des? Nos cursos de graduação em Psicologia. Há, no entanto, necessidade de inclusão de disciplinas em suas grades curriculares orientadas para o desenvolvimento dessas competências e habilidades.

Pode-se perguntar ainda: como tornar-se talentoso em pesquisa, intervenção e planejamento de ambientes psicossociais? Da mesma forma que se torna talentoso em qualquer outra competência (tocar violino, tocar piano, dançar, esculpir, construir, confeccionar, jogar) - interagindo e atuando múltiplas vezes em

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situações reais. Com isso e com a ajuda de um analista do comporta­mento experiente, o analista novato adquirirá as habilidades de detectar, programar e seguir contingências por contingenciamento de seu próprio comportamento de aprendiz.

Trabalhos de intervenção e de planejamento em ambientes psicossociais devem apoiar-se em pesquisas avaliativas que permitam analisar a natureza do arranjo de contingências proposto e aplicado em efeito e dos resultados derivados dele. Do mesmo modo, devem suscitar esse tipo de pesquisa.

Finalmente, trabalhos de intervenção e de planejamento de am­bientes psicossociais podem contemplar os propósitos de comprome­timento social presentes na obra de B. F. Skinner. No entanto, faz-se necessário distinguir um trabalho socialmente comprometido de um trabalho engajado social e politicamente. As distorções no último caso são, algumas vezes, inevitáveis e destituídas de interesse científico.

R e f e r ê n c ia s B i b l io g r á f ic a s

Bori, C. M. (1974). Developments in Brazil. In F. S. KelLer & J. G. Sherman, PSI- The Keller plan handbook (pp. 65-72). Menlo Park, Califórnia: W. A. Benjamin.

De Rose, J. C. (1999). 0 que é um skinneriano? Uma reflexão sobre mestres, discípulos e influência intelectual. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1, 1, 67-74.

Keller, F. S. (1999). Adeus Mestre! Revista Brasileira de Terapia Compor-tamental e Cognitiva, 1,1. (Trad. Maria Ignez Rocha & Silva). (Trabalho original publicado em 1968.)

Skinner, B. F. (1972). Tecnologia de ensino. (Trad. Rodolpho Azzi). São Paulo: Herder. (Trabalho original publicado em 1968.)

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A INDIVIDUALIZAÇÃO DO ENSINO EM UMA PRÉ-ESCOLA:

UMA INTERVENÇÃO COMPORTAMENTAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Adélia Maria Santos Teixeira* Universidade Federal de Minas Gerais

Este trabalho descreve uma intervenção comportamental e um planejamento ambiental efetivados numa pré-escola através da introdução de individualização do ensino nas áreas de linguagem e matemática (Teixeira, 1983 & 1983a). Apresenta-se em três partes. Na primeira, a instituição é descrita em sua fase inicial, quando organizava- se de acordo com um modelo tradicional de planejamento do ambiente escolar infantil. Na segunda, descreve-se a mesma instituição, na fase após a introdução de ensino individualizado, ressaltando-se uma nova maneira de planejar e organizar o ambiente escolar infantil. Ambas as partes especificam a instituição, o período correspondente à fase pedagógica, a clientela, os objetivos gerais, os objetivos específicos, o planejamento, a organização do ensino, a organização das crianças, o trabalho pedagógico, os programas de ensino, as funções do professor, o repertório comportamental do professor, as funções do psicólogo, os problemas e dificuldades, as soluções propostas, os resultados obtidos e a conclusão a respeito do período.

A seguir, apresentam-se as condições que orientaram a construção dos programas nas área de ensino em que foi implantado o ensino programado individualizado (linguagem e matemática), os

Departamento de Psicologia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Federal de Minas Gerais.A autora agradece à sua eterna orientadora Dra. Carolina Martuscelli Bori; às suas ex-alunas Maria Regina Barbosa Assunção, Alice Maria Ribeiro Barbosa e Maria Inês Resende Bino da Silveira, cujas colaborações foram críticas para a efetivação desta experiência pedagógica e às suas ex-sócias Ana Helena Uchôa Costa Dreistfein e Juliana Gontijo Aun, que possibilitaram a própria existência da instituição de ensino, objeto desta intervenção comportamental.Texto apresentado na I I Jornada Mineira de Ciência do Comportamento (Belo Horizonte, 2001). A autora foi bolsista da Capes nos anos de 1974 e 1975.

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objetivos comportamentais da programação de ensino nas áreas pedagógicas em que a individualização não foi instituída (artes; recreação livre, brinquedos estruturados; ciências naturais e estudos sociais; maternais I e II) e, finalizando o trabalho, apresentam-se algumas concepções do quadro conceituai que orientaram toda a intervenção comportamental, todo o planejamento ambiental e toda a introdução de individualização do ensino efetivados na pré-escola, objeto desta descrição.

Educação infantil tradicional

I nstituição

Pré-escola localizada em Belo Horizonte - MG.

P eríodo de E x p e r iê n c ia P ed agó gica

1970/1973

C lien tela

Crianças de 2 a 7 anos.

Classes sociais: média, média alta e alta.

O bjetivo s G era is

• Educação liberal.

• Respeito à individualidade da criança.

• Qualidade de ensino.

O bjet ivo s Específico s

• Sociabilidade

• Espontaneidade

• Criatividade

• Iniciativa

• Operações de raciocínio (verbal; numérico; espacial; temporal; lógico; geral)

• Ensino acadêmico.

P lanejam en to

• Tradicional

• Programas-calendário.

O r g a n iz a ç ã o do E n sin o

Atividades diárias: Chegada (brinquedo em sala de aula); areia (brinquedo ao ar livre);, rodinha (conversação sobre tema/unidade

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da semana); atividade acadêmica (matemática e estudos sociais/ linguagem e ciências naturais - em dias alternados); artes (técnicas variadas); lanche (hábitos de higiene e alimentação); recreio (brinquedo livre); repouso (descanso em sala de aula); aula especializada (atividade extracurricular); atividades recreativas ("estória", recreação dirigida, dramatização, música, jogo de mesa, etc.); saída. Essas atividades duravam de 15 a 30 minutos.

Período diário de recreação livre (sem a supervisão direta de adulto)

Máximo de 20 minutos.

O r g a n iza ç ã o das C r ia n ç a s

Idade cronológica - Classes: Maternal I (2 anos); Maternal I I (3 anos); l ü período (4 anos); 2a período (5 anos); 3a período (6/7 anos).

T r a b a lh o P edagógico

Centrado no professor (a partir de planos de aula definidos pelo professor e aprovados pela direção da escola).

P ro g ram a de E nsino

Os programas versavam sobre conteúdos de linguagem, matemática, estudos sociais e ciências naturais em correspondência com a seqüência de atividades descartáveis de livros disponíveis no mercado. Esses conteúdos e atividades não eram submetidos a uma análise de seus requisitos comportamentais. Todos os alunos de uma mesma classe eram submetidos à mesma programação de ensino, num mesmo período de tempo, cumprindo as tarefas propostas nestes livros descartáveis de atividades infantis e outras propqstas pelos professores.

F unções do professor

• Fazer a programação diária de ensino e atividades de sua classe de alunos.

• Ensinar os conteúdos programáticos planejados em sala de aula.

• Garantir a aprendizagem dos alunos.

• Resolver problemas de aprendizagem e conduta de seus alunos, sob a orientação da direção da escola.

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Repertório Comportamental do Professor

• Conhecer os conteúdos programáticos sob sua responsabilidade.

• Planejar ensino.

• Dirigir as atividades escolares de seus alunos.

• Avaliar a aprendizagem e a conduta de seus alunos (avaliação qualitativa).

• Registrar dados da avaliação em folhas de registro.

Funções do psicólogo

• Diagnosticar problemas de aprendizagem e conduta..

• Orientar professores, pais e alunos.

• Indicar crianças com necessidade de atendimento clínico psico­lógico.

• Encaminhar crianças para tratamento psicológico especializado.

Problemas e Dificuldades

• Heterogeneidade dentro das classes (obrigando a aceleração de aprendizagem de alguns alunos e a desaceleração de outros).

• Fugas freqüentes de crianças de suas salas de aula.

• Repouso tumultuado.

• Falta de controle sobre o comportamento dos alunos e professores.

• Qualidade de ensino duvidosa (não se dispunha de informações exatas sobre o que o ocorria em sala de aula / não se dispunha de informações precisas e exatas sobre o que o professor fazia nem sobre o que o aluno aprendia e realizava de fato).

• Liberdade restrita na ação das crianças (eram mantidas em suas salas de aula na quase totalidade do dia escolar).

• Permissividade não sistemática (ocasional).

• Reclamações constantes dos professores e solicitações de intervenções freqüentes da direção da escola na conduta das crianças.

• Desperdício de material instrucional (perda e destruição de material pedagógico).

• Ausências das crianças comprometiam sua aprendizagem na programação vigente comum para todos os alunos de uma mesma classe.

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• Instabilidade pedagógica (mudanças freqüentes na organização das crianças, trabalho pedagógico e programas de ensino).

• Inacessibilidade da situação de ensino.

• Dependência da escola em relação aos professores.

• Problemas de conduta das crianças (agressividade, negativismo, mutismo, isolamento, timidez, etc.).

• Sistema de avaliação de alunos e professores inoperante (as crianças chegaram a ser submetidas a avaliações diárias, semanais e mensais: essas avaliações, em sua maioria, eram feitas oralmente pelos professores. Havia também avaliações periódicas através de testes gráficos (amostragem de desempenho). Os professores eram avaliados ocasionalmente através de observações diretas de seu desempenho em sala de aula: relação professor/aluno; cumprimento do programa calendário, conteúdo das atividades, material uti-lizado, coordenação das atividades.

Soluções

• Introdução de procedimentos de reforçamento, extinção e punição (time out) no controle do comportamento das crianças.

• Uso do princípio de Premack para garantir presença em atividades escolares pouco atraentes.

• Intervenções comportamentais não sistemáticas.

• Encaminhamento de crianças para atendimento psicológico em clínicas especializadas.

Resultados

• A criança era o problema.

• Ausência de dados confiáveis sobre a aprendizagem da criança.

• Imprevisibilidade do ensino.

• Gradativamente, os ideais de liberdade de ação e respeito à individualidade da criança foram sendo abandonados.

• 0 planejamento pedagógico foi-se orientando cada vez mais para cumprir o objetivo de ensinar. Contudo, a qualidade do ensino continuava desafiando a direção da escola.

Conclusão

• A escola exigia uma mudança efetiva radical.

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• Alternativa vislumbrada: introdução de individualização no ensino, a partir de proposições de ensino programado.

Educação infantil programada

I nstituição

A mesma

P eríodo da E x p e r iê n c ia P ed ag ó g ica

1974/1983

C lien tela

Crianças de 1 a 7 anos

Classes sociais: média, média alta e alta

O bjet ivo s G era is

E du cação l ib e r a l

Respeito à individualidade da criança

Qualidade do ensino

O b je t iv o s E spec ífico s

Comportamento verbal

Comportamento sócio-afetivo

Comportamento de escutar

Seguir instruções

Comportamentos acadêmicos: matemática; linguagem; ciências natu­rais; estudos sociais

Autodeterminação da criança (auto-ocupação em tempos livres).

P lanejam ento

• Programado (Instrução Programada - IP); Sistema de Ensino Personalizado (PSI); Curso Programado Individualizado (CPI); "Something like it" (SLI).

• Programas de contingências tríplices (arranjo de contingências sob as quais os alunos aprendiam).

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ORGANIZAÇÃO DO ENSINO

Atividades diárias: Ensino programado individualizado (matemática e linguagem: 60 minutos); artes dirigidas por adulto ("estória", recreação dirigida, dramatização, música, pintura, modelagem, desenho, etc.: 30 minutos); brinquedo estruturado dirigido por adulto (jogo de mesa, montagem, quebra-cabeça, brinquedo de diversão: 30 minutos); recreação livre, sem supervisão de adulto (cerca de 120 minutos). Na metade do período escolar, coincidindo com o término de períodos de atividades dirigidas por adultos, ocorria o período de lanche.

P eríodo d iár io de recreação l iv r e ( sem a s u p e r v isã o direta de ad u lto )

Cerca de 2 horas. Esse período variava de acordo com a idade. Crianças menores (3 anos) ocupavam-se com as atividades programadas de matemática e linguagem por apenas 30 minutos, o que lhes garantia 2 horas e meia de recreação livre, incluindo o período de lanche. Com o aumento da idade, aumentava-se a duração do atendimento na atividade de ensino programado individualizado. Dessa forma, as crianças maiores, de 6 ou 7 anos, dispunham de 2 horas para tal, incluindo seu período de lanche.

O r g a n iza ç ã o das C r ia n ç a s

• Idade cronológica (classes: Maternal I - 1 ano; Maternal I I - 2 anos).

• Programação individualizada (um único conjunto de alunos de 3,4, 5, 6 e 7 anos: não havia classes separadas para crianças com essas idades. Freqüentavam salas de ensino individualizado correspondentes aos programas que estivessem cumprindo.

• Atividades de artes e brinquedo estruturado - dois conjuntos de alunos: maiores (5, 6 e 7 anos) e menores (3 e 4 anos).

• Brinquedo livre sem supervisão de adulto (um único conjunto de alunos de 3, 4, 5, 6 e 7 anos).

T r a b a lh o pedagó gico

Centrado no aluno (a partir do planejamento de ensino programado da escola).

P r o g r am as de E nsino

Os programas versavam sobre conteúdos próprios do ensino infantil. Após uma análise cuidadosa dos requisitos comportamentais desses conteúdos, foram identificadas contingências de interesse para o seu ensino e foram construídos programas seqüenciados de

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acordo com os princípios de ensino programado (IP; PSI; CPI; SLI).(Skinner, 1972; Bori, 1974; Keller & Sherman, 1974; Sherman, 1992).

Area de linguagem: compunha-se de 12 programas de contingências (discriminação visual de cor; discriminação visual de forma; discriminação visual de interação forma/cor; discriminação visual de detalhes; discriminação visual de direção; discriminação visual de posição; discriminação visual de relações espaciais; composição oral I; memória auditiva; associação de estímulos; composição oralII, escrita manuscrita cursiva. Somavam, ao todo, 42 passos progra­mados por extenso, contendo toda a situação de ensino prevista, dispostos na seqüência apresentada).*

Area de matemática: Compunha-se de 13 programas de contingências (discriminação visual de tamanho; discriminação visual de quantidade; discriminação visual de distância, localização e espaço; discriminação visual de peso; discriminação visual de capacidade; discriminação visual de tempo; sistema de numeração I; sistema de numeração II; sistema de medidas; noções de geometria; noções de sistema monetário; noções de fração; sistema de numeração III. Somavam, ao todo, 91 passos programados por extenso, contendo toda a situação de ensino prevista, dispostos na seqüência apresentada).

Todas as crianças cumpriam esses programas de linguagem e matemática. Eram submetidas individualmente a essas seqüências de contingências programadas para o ensino, de acordo com seu próprio ritmo de aprendizagem. Havia a definição prévia de um padrão de excelência de desempenho (100% de acerto nas avaliações dos passos), imposto a todos os alunos, como condição para avançar na programação. Algumas vezes, a programação de contingências era ajustada (reconstruída) para atender a exigências e dificuldades particulares de alunos específicos.

Areas de ciências naturais e estudos sociais: dispunham de objetivos comportamentais, previamente definidos, e de uma seqüência de conteúdos e atividades a serem desenvolvidos pelo professor e cumpridos pelas crianças.

Areas de artes e brinquedos estruturados: dispunham de objetivos comportamentais previamente definidos e de um volume muito grande de material com o qual a criança deveria interagir conforme instruções especificadas (atividade contingenciada).

Recreação livre (sem supervisão direta de adulto): dispunha de objetivos comportamentais gerais, previamente definidos, e de um espaço aberto muito amplo, diferenciado e complexo, com o qual a criança interagia livremente.

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Maternal I e II: dispunham de objetivos comportamentais,previamente definidos, e de uma seqüência de conteúdos e atividadesa serem desenvolvidos pela professora e cumpridos pelas crianças.

Repouso opcional: ocorria quando a criança o desejasse.

F unções do P rofessor

• Intermediar, junto às crianças, os programas de contingências previstos para o ensino nas áreas de matemática e linguagem.

• Organizar as atividades previstas relacionadas a ciências naturais, estudos sociais, artes e brinquedo estruturado.

• Organizar as atividades previstas para as classes de Maternal I e II.

R epertório co m po rtam ental do pro fesso r :

• Seguir instruções.

• Estimular ("prime") crianças.

• Reforçar comportamentos das crianças.

• Registrar dados (objetivos/quantitativos).

• Estabelecer relações entre objetivos comportamentais, atividade e material instrucional nas áreas de ciências naturais, estudos sociais, artes, brinquedo estruturado e nas classes de Maternal I e II.

F unções do P sicólogo

• Identificar objetivos comportamentais de interesse para o ensino.

• Identificar e arranjar contingências de interesse para o cumprimento dos objetivos comportamentais de interesse para o ensino.

• Definir um sistema de avaliação do cumprimento dos objetivos comportamentais de interesse para o ensino.

• Definir um sistema de avaliação das contingências de interesse programadas para o ensino.

• Identificar problemas comportamentais no dia-a-dia escolar.

• Fazer intervenções no ambiente escolar, através de novos arranjos de contingências, para solucionar os problemas identificados.

• Planejar o ambiente escolar: definir objetivos comportamentais e as contingências de interesse para o ensino.

• Organizar o ambiente escolar de acordo com os objetivos e contingências programados: prover as condições ambientais para sua efetivação.

• Acelerar o planejamento ambiental (quando necessário), de acordo com resultados obtidos.

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P r o b lem a s e D if ic u ld a d es

• Recusa de algumas crianças para participar de algumas atividades programadas.

• Adaptação dos professores ao sistema de ensino.

• Sustento financeiro do sistema de ensino (havia necessidade de um professor para cerca de 10 alunos).

S oluções

• Instituição de permissividade controlada sistemática (admitia-se a recusa da criança em participar das áreas acadêmicas de matemáticas ou linguagem por dois dias consecutivos na semana. Não podia, no entanto, recusar-se a participar das duas áreas simultaneamente; admitia-se, também, sua recusa em participar de atividades de artes e brinquedo estruturado por até três dias consecutivos na semana. Não podia, no entanto, recusar-se a participar das duas áreas recreativas simultaneamente).

• Instituição de treinamento dos professores, em situação natural, através de um programa de contingências para o exercício de suas funções.

• Aceitação do ônus financeiro do sistema de ensino proposto para a escola.

R esultados

• Liberdade de ação da criança garantida.

• Respeito à individualidade da criança garantido.

• Qualidade de ensino garantida.

• Dados precisos e exatos sobre o desempenho do aluno.

• Avaliação do desempenho do professor pelo desempenho do aluno.

• Previsibilidade da situação de ensino.

• Estabilidade na programação escolar.

• Igualdade na oportunidade de aprender para todos os alunos.

• Produção de curva em J de aprendizagem.

• Independência da escola em relação a professores.

• Eliminação dos problemas anteriores de heterogeneidade de classes; fugas de salas de aula; tumulto em período de repouso; restrição na liberdade de ação da criança; falta de controle sobre o comportamento dos professores e alunos; influência negativa de ausências no desenvolvimento da aprendizagem da criança.

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• Acesso pleno a tudo o que acontecia na situação escolar.

• Informação plena sobre o que a criança aprendia e como aprendia na escola.

• Informação plena sobre o que a criança realizava na escola.

• Controle de problemas de conduta da criança na própria escola (durante todo o período, o número de crianças encaminhadas a clinicas psicológicas para atendimento especializado em foniatria e/ou psicomotricidade não atingiu o limite de dez casos; dificul­dades socioemocionais eram tratadas na própria escola.

C onclusão

• A criança nunca era o problema. 0 problema deslocou-se para o planejamento ambiental da escola.

E nsin o pro g r am ad o - C o n strução dos pr o g r a m a s

C ondições b á s ic a s do en sin o pro g r am ad o in d iv id u a l iz a d o ( K eller & S h e r m a n ,

1 9 7 4 ; S h e r m a n , 1 9 9 2 )

• A demonstração, por parte do aluno, de domínio pleno do que lhe era ensinado, além de constituir uma condição para que ele pudesse prosseguir em seus estudos, era uma condição básica para garantir a eficiência da proposta de ensino acadêmico da escola.

• 0 respeito ao ritmo próprio de aquisição do aluno, além de constituir uma condição que impedia um prosseguimento indiscriminado de seu processo de aprendizagem, era, igualmente, uma condição básica que garantia a todas as crianças um aprendizado dentro dos mesmos padrões de exigência. Todas elas tornavam-se capazes de cumprir os mesmos programas com atendimento pleno de seus requisitos.

• A ênfase na comunicação através do uso da palavra escrita era, também, uma condição básica que impedia distorções nas propostas de ensino da instituição e permitia uma explicitação clara e plena do que devia ser feito com o aluno, de como devia ser feito e de como devia ser avaliado o resultado do trabalho com ele.

• 0 emprego de pessoas na aplicação dos programas e no acompanhamento dos alunos constituía, ainda, uma condição básica para a preservação de interações humanas na situação de ensino.

• Desenvolvimento do ensino numa seqüência ordenada de pequenos passos, além de constituir uma condição que ampliava as oportunidades de êxito e de reforçamento positivo do desempenho do aluno, era, da mesma forma, uma condição básica para o entendimento e planejamento objetivo da própria situação de ensino.

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P r o g ram ação do en sin o in d iv id u a l iz a d o - C o n strução dos pr o g r a m a s ( T e ix e ir a ,

1 9 8 3 e 1 9 8 3 a )

Um programa de contingências pode ser compreendido como um conjunto ordenado de relações funcionais que se pretende estabelecer entre, as condições ambientais e os desempenhos esti­pulados. Portanto, a construção de um programa de contingências requer a seleção, a indicação e a ordenação das condições ambientais e dos comportamentos de interesse.

Cada programa era composto por uma seqüência de passos; cada passo, por uma seqüência de atividades; e cada ativi-dade, por uma seqüência de exercícios. Alguns programas, devido à sua maior complexidade, requeriam a organização de uma seqüência de unidades introdutórias dos próprios passos.

Pode-se dizer que uma programação de contingências, para a instalação de formas comportamentais complexas, corresponde a uma sucessão ordenada de diferenciação de respostas, que se tornam cada vez mais refinadas. Nos programas construídos para a escola, essa progressão na diferenciação de respostas se faz representar na sucessão: unidades, passos, atividades e exercícios.

Geralmente, as unidades básicas no planejamento de um programa de contingências são os seus passos. A sucessão desses corresponde à sucessão das formas comportamentais, cuja instalação é imprescindível para que o comportamento geral de interesse do programa seja instalado.

Nos programas da escola, o objetivo comportamental de cada passo era sempre planejado através de algumas atividades, de cunho introdutório, em que alguns desempenhos seriam insta-lados, seguidas de outras, cuja finalidade era a de fortalecer, manter e generalizar tais desempenhos. Uma estratégia semelhante ocorria, também, nas atividades, consideradas isoladamente, nas quais os primeiros exercícios tinham por objetivo a instalação e/ou a maior diferenciação de alguma forma comportamental e os que a eles sucediam visavam à sua manutenção, fortalecimento e generalização.

De um modo geral, cada um dos programas pode ser compreendido como uma seqüência de tarefas a serem executadas pelas crianças, associadas a uma seqüência de conjuntos de material instrucional e aliadas a uma seqüência de reforçamentos diferenciais. Ou, ainda, como uma seqüência de "desempenhos especificados", associada a uma seqüência de "situações-estímulo especificadas" e aliadas a uma seqüência de "reforçamento diferencial especificado resposta a resposta".

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0 guia de estudo de cada passo continha: introdução (apresentação para o aluno do tipo de tarefa que ia ser iniciada, de suas relações com o que já sabia fazer e de sua importância); objetivos (explicitação do que se esperava que ele, o aluno, fosse capaz de fazer ao concluir as tarefas previstas); procedimentos de aquisição (instruções para a aplicação da seqüência de atividades para a aquisição e manutenção do comportamento de interesse do passo); procedimentos de avaliação de aquisição (instruções para aplicação da seqüência de atividades ou exercícios de verificação de aprendi­zagem); instruções para o professor ou aplicador do programa (indica­ções gerais sobre como devia atuar, o que se pretendia com o passo, a que se devia atentar, o que se devia anotar ou registrar); relação do material requerido e a ser utilizado no passo.

Era uma redação por extenso de toda a situação prevista para o ensino. Todo o desenvolvimento do passo estava indicado e redigido explicitamente: indicava-se o que o aplicador do programa deveria fazer ou dizer, as alternativas de repostas do aluno, o que o aplicador faria ou diria em seguida, e assim sucessivamente. Não ficava para o aplicador o planejamento de qualquer situação ou procedimento de ensino, nem mesmo a necessidade de formulação de qualquer palavra no desenvol­vimento do passo. Cuidava-se do tipo de linguagem a ser utilizada na situação de ensino, de como reconhecer e julgar o desempenho do aluno, de como indicar ao aluno a que ele ia ser submetido, etc.

0 programa previa conseqüências imediatas para o desempenho do aluno. 0 material utilizado nas atividades, algumas vezes, era autocorretivo; além disso, completar um exercício, atividade ou passo, tinha, como conseqüência, o acesso a outro exercício, atividade ou passo diferente, o que implicava a manipulação de material desconhecido, isto é, o acesso à novidade como reforço para a emissão de comportamentos. Conseqüências reforçadoras de tipo social estavam previstas ao longo de todo o guia de estudo. Inicialmente, decidiu-se, ainda, pela utilização de distribuição de fichas por tarefas cumpridas, como conseqüência reforçadora adicional. As fichas poderiam ser trocadas, mais tarde, por objetos colocados à disposição do aluno. Posteriormente, aboliu-se a distribuição dessas fichas, sem que se notasse alteração no rendimento dos alunos.

• As condições de ensino seriam planejadas focalizando-se o aluno individualmente. Isso permitiria acompanhá-lo em suas dificul­dades, identificando-as e sanando-as mais prontamente.

• 0 aluno avançaria no programa de acordo com seu próprio ritmo de aquisição. Isso permitiria aos mais rápidos um melhor aprovei­ 21

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tamento do tempo e garantiria aos mais lentos o tempo necessário para a aquisição do repertório previsto no programa.

• 0 avanço no programa estaria condicionado à demonstração, por parte da criança, de domínio pleno do que lhe fora ensinado até então. Com isso, esperava-se instalar no aluno os comportamentos de ler e escrever nos níveis desejados.

• Os repertórios de ler e escrever seriam instalados através de uma seqüência ordenada de pequenos passos. Isso garantiria ao aluno maiores oportunidades de êxito e facilitaria o trabalho de instalação desses complexos padrões de comportamento.

P r o g r a m a çã o de um ensino n ã o - in d iv id u a l iz a d o - O bjet ivo s com portam entais

( T e ix e ir a , 1 9 8 3 e 1 9 8 3 a )

a) Artes

Através das atividades na área de artes, propunha-se desenvolver na criança repertórios verbais (adquirir vocabulário peculiar à área, trocar informações, estabelecer comunicação verbal em geral); repertórios sociais (trocar material, organizar-se em grupo, atender a ordens, respeitar os direitos próprios e alheios, etc.); repertórios de "produção criativa" (combinar partes, de diferentes maneiras, na construção de um todo; fazer uma mesma coisa de modo diferente; utilizar um material de forma diferente; transformar algo imaginado numa consecução objetiva, etc.) e repertórios de coordenação motora "fina" (manipular e dispor objetos e material através de movimentos complexos, especialmente do tipo manual).

b) Recreação livre

Através das atividades na área de recreação, propunha-se desenvolver na criança repertórios sociais complexos (organização social, liderança, competição, comportamentos de vencer e perder, de seguir regras, de respeitar e defender os próprios direitos, reconhe­cendo os alheios, etc.); repertórios verbais complexos (compreensão e emissão de informações verbais complexas, ampliação de vocabulário, elaboração e sugestão de opiniões, interações verbais em geral, etc.); repertórios de coordenação motora "grossa" (expressão através de movimentos, envolvendo todo o corpo; coordenação viso-motora, envolvendo todos os tipos de estruturas musculares, etc.); repertórios auditivos e rítmicos (reprodução de tonalidade e ritmo musicais, emissão de movimentos em seqüências cadenciadas, adequação de movimentos e exigências têmporo-espaciais, distinção e localização de sons sem informações visuais, etc.).

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c) Brinquedos estruturados

Através das atividades na área de brinquedos estruturados, propunha-se desenvolver na criança repertórios sociais (competição, comportamentos de vencer e perder, de seguir regras de jogo, respeito aos próprios direitos e aos dos colegas em função da escolha e/ou retenção de brinquedos, etc.); habilidades espaciais (especialmente trabalhadas através de quebra-cabeça; localização espacial de partes em um todo); comportamentos de "construção criativa" (através das várias alternativas possíveis de construção, a partir de material disponível para montagem); repertórios de vida diária (servir café, montar e arrumar casa, vestir, desvestir bonecas, dar banho em bonecas e penteá-las, construir situações de trânsito, posto de gasolina, aeroporto, etc.); repertórios de manipulação, utilização e conservação adequados de material (habilidade de escolher um brinquedo, transportá-lo e utilizá-lo com adequação, retorná-lo a seu lugar em perfeito estado de conservação, etc.); repertórios verbais em geral (aquisição de vocabulário peculiar à área, troca de informações, compreensão de regras verbais, interação verbal, etc.).

d) Ciências Naturais e Estudos Sociais

0 ensino de Ciências Naturais e de Estudos Naturais era desenvolvido em pequenos grupos de, no máximo, 6 crianças, organizadas por idade cronológica. Essas duas áreas visavam aos mesmos objetivos educacionais. Através de atividades pré-estabelecidas, propunha-se desenvolver nas crianças repertórios de: observar e descrever a natureza e as ocorrências sociais (descrever elementos, objetos ou fatos); relacionar fatos (distinguir que fatos ocorrem junto com, antes ou depois de outros); estabelecer relações de causa e efeito (distinguir que fatos produzem outros); fazer perguntas (indagar sobre elementos, objetos e fatos relacionados à área de estudo); levantar e propor respostas às suas perguntas ou às dos colegas); testar respostas (verificar que alternativas respondiam a que perguntas); tirar conclusões (destacar que fatos resolvem outros; como os resolvem; quais provocam quais, etc.); verbalizar (adquirir vocabulário peculiar às áreas de estudo, escutar e compreender comunicações verbais, emitir opiniões, argumentar a favor ou contra alguma opinião, discutir, etc.). Essas áreas de ensino dispunham de material apropriado e funcionavam uma vez por semana em sessões que duravam 30 minutos.

e) Maternais I e I I - preparatório para o sistema individualizado

• Desenvolver o comportamento verbal.

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• Ampliar as oportunidades de ocorrência de repertórios sensoriais e motores.

• Seguir instruções (cumprir ordens).

• Transitar no ambiente escolar.

• Conviver com crianças de 3 a 7 anos (repertórios socioemocionais).

A lgu m as concepções bás icas

1. Ensino: "... é um arranjo de contingências sob as quais os alunos aprendem". (Skinner, 1972: 62)

Ensinar é colocar comportamentos sob controle de estímulos.

2. Tecnologia de Ensino: AEC Permite: "Deduzir programas, esquemas e métodos de instrução" (Skinner, 1972: 57).

• "A aplicação do condicionamento operante na educação é simples e direta" (Skinner, 1972:62).

Ensinar deixa de ser arte, tornando-se uma tecnologia.

3. Programação: "... não ensinamos as pessoas a programar ciirsos, mas a procurar contingências nas atividades" [de en^rnrò] "e programá-las" (Bori, 1974:72).

Programar é identificar contingências de interesse para o ensino e programá- las. Isso pode ser feito a partir da análise comportamental das atividades de ensino disponíveis (análise de contingências tríplices).

R e f e r ê n c ia s B i b l io g r á f ic a s

Bori, C. M. (1974). Developments in Brazil. In F. S. Keller, & J. G. Sherman. PSI - The Keller pian handbook (pp.65-72). Menlo Park, Califórnia: W. A. Benjamin.

Keller, F. S., & Sherman, J. G. (1974). PSI - The Keller plan handbook. Menlo Park, Califórnia: W. A. Benjamin.

Sherman, J. G. (1992). Reflections on PSI: good news and bad. Journal of Applied Behavior Analysis, 25, 59-64.

Skinner, B. F. (1972). Tecnologia de ensino. (Trad. Rodolpho Azzi). São Paulo: Herder. (Trabalho original publicado em 1968.)

Teixeira, A. M. S. (1983). A individualização do ensino em uma pré-escola - relato de uma experiência. São Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia. (Tese de doutorado)

Teixeira, A. M. S. (1983a). A individualização do ensino em uma pré-escola. Psicologia, 3, 53-75.

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C o nsideraçõ es sobre o desem penh o do terapeuta

COMPORTAMENTAL*

Maria Cristina Seixas ViLlani

A Terapia Comportamental (definição e objetivo)

Terapia Comportamental foi definida por Erwin, em 1978, como

“Uma forma não biológica de terapia que se desenvolveu, em grande parte, a partir da investigação sobre a teoria da aprendizagem e que, normalmente, se aplica de modo direto, gradual e experimental no tratamento de padrões não adaptativos específicos." (Erwin, 1978, em Caballo, 1996)

Tendo esta definição como referência, podemos retomar os fundamentos científico e filosófico da terapia comportamental. A Terapia Comportamental tem como fundamento o Behaviorismo Radical e a Análise Experimental do Comportamento, cujas apreciações sobre a concepção de homem e sobre as leis que regem o seu compor­tamento sustentam sua prática. Podemos, ainda, lembrar que a objeti­vidade e a diretividade caracterizam o processo da terapia comporta­mental, o que a diferencia da maioria das psicoterapias tradicionais.

Contudo, assim como a maioria das psicoterapias, a terapia do comportamento visa proporcionar maior bem-estar para as pessoas que a procuram. A Terapia Comportamental visa a altera-ção das contingências comportamentais do cliente, aquelas "desa-daptativas", que lhe causam sofrimento e lhe prejudicam a saúde. 0 processo terapêutico deverá propiciar o desenvolvimento do repertório

* Texto preparado para apresentação em mesa redonda no Seminário de Análise do comportamento na UNP, em junho de 2001.

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comportamental, no sentido de capacitar o indivíduo para funcionar de maneira mais apropriada do que o fazia antes de procurar ajuda terapêutica. Lipp, em 1995, declarou que:

“A Terapia Comportamental age, assim, no sentido de oferecer ao ser humano mais poder sobre seu próprio comportamento, e, consequentemente, aumenta seu livre-arbitrio. Deste modo pode- se garantir que a Terapia Comportamental contribui para aumentar a liberdade pessoal e produzir maior bem-estar ao ser humano."(Lipp, 1995, pãg. 112)

Fica, então, evidente que o objetivo primordial da prática terapêutica comportamentalista é o de proporcionar a melhoria da qualidade de vida do terapeutizando usando, para isto, a Análise Funcional de Contingências — como principal instrumento — e técnicas de modificação de comportamento. Este tipo de terapia tem um caráter essencialmente educativo. Deverá ocorrer, por parte do cliente, aprendizagem acerca das contingências de controle de seu próprio comportamento e, para que isto ocorra, o desempenho preciso do terapeuta, como perito, é de suma importância.

0 TERAPEUTA COMPORTAMENTAL

• Objetivo:

Coerentemente com o objetivo da terapia, o objetivo primeiro do terapeuta comportamental deverá ser o de arranjar contingências que possibilitem ao cliente a aquisição de habilidades necessárias a um funcionamento mais efetivo em diferentes áreas da vida; em lugar daqueles repertórios ineficientes e desajustados que deverão ser averiguados, cuidadosamente, no processo de análise funcional.

0 papel do terapeuta é de natureza didática, já que sua função será a de ensinar ao terapeutizando conhecer suas contingências naturais, aquelas das quais seu comportamento é função, e ensiná-lo a manipular tais contingências. Isto também quer dizer que o terapeuta irá modelar repertórios de autoconhecimento e autocontrole. Segundo Skinner (1989/91), o terapeuta precisa "ensinar seus clientes a construir suas próprias regras. Isso significa ensinar-lhes algo sobre Análise do Comportamento" (pág. 112). Para que essa aprendizagem aconteça, o profissional irá e/etivamente exercer controle sobre o processo da terapia e, conseqüentemente, sobre o comportamento do cliente. 0 terapeuta irá manipular variáveis relevantes para seu cliente. Ele deverá atuar fornecendo estímulos discri mi nativos e reforçadores eficazes para comportamentos adequados por parte do terapeutizando. Para Skinner,

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não há problemas neste tipo de manipulação e controle. "O controle é ético se exercido para o bem do controlado." (Skinner, 1989/91, pág. 110)

• Comportamentos éticos:

A questão da ética na terapia comportamental é bastante polemizada. As pessoas que não têm conhecimento teórico e metodológico apurado sobre essa forma de terapia, duvidam do seu respeito para com a liberdade de escolha dos indivíduos. Afinal, o terapeuta irá manipular e controlar deliberadamente o comportamento de seu cliente. Isto é verdade. Porém, não é diferente de outros contextos nos quais há interação humana. Nas escolas, nas empresas, nas instituições religiosas, nas relações interpessoais o controle é onipresente. No entanto, ele não é, na maioria das vezes, explicitado. No caso da terapia comportamental, o objetivo do controle por parte do terapeuta é o bem-estar do terapeutizando, e este estará sempre a par do planejamento e da direção tomados pelo terapeuta. 0 controle é explícito e passível de discussão. Os objetivos e as metas a serem ajxajjçados na terapia são definidos conjuntamente e com base nas necessidades que o terapeutizando apresenta. Ele é quem irá decidir o que deverá ser trabalhado, decidirá se concorda com as análises apresentadas pelo terapeuta e se aceita executar o plano de intervenção proposto.

Certamente os valores pessoais do terapeuta irão permear todo o processo. Isso porque o analista do comportamento é uma pessoa comum, com uma história de vida específica e que também tem o seu comportamento controlado por determinadas contigências de reforço. No entanto, de forma alguma seus valores poderão se sobrepor aos do cliente. Ao contrário: o terapeuta terá passado por uma história de condicionamento que faz com que ele possa mostrar sempre o maior respeito e consideração por qualquer valor, crença ou cultura, mesmo que seja totalmente distinta da sua própria. Isto é, o profissional estará preparado para lidar com as diferenças individuais respeitando-as e sem ter de transformá-las em análogas às suas próprias concepções.

Por vezes, este é um exercido difícil, já que freqüen-temente o profissional irá se deparar com questões que vão se contrapor a sua experiência. Contudo, se esse contraponto não puder ser utilizado como instrumento que vá contribuir para o avanço do processo do terapeutizando, de maneira nenhuma poderá atrapalhar. Por isso se faz necessário que o terapeuta comportamental esteja sempre amparado por contingências que possam facilitar o manejo das dificuldades e garantir a eficácia de seu trabalho.

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• Contingências de controle:

0 terapeuta deve estar constantemente se expondo à contingências que possam manter em atualização constante sua competência profissional. Começando pela experiência acadêmica, pelo conhecimento sobre o código de ética profissional, e por uma sólida formação em Behaviorismo Radical, Análise Experimental do Comportamento e Análise do Comportamento Aplicada.

0 profissional deverá também estar inserido radicalmente na sociedade onde vive, conhecer a sua realidade social e os valores básicos do seu tempo. Aqui, podemos destacar aqueles valores que dizem respeito aos direitos humanos, considerados como aqueles que nos possibilitam viver plenamente a nossa condição humana — liberdade, igualdade, segurança, felicidade. Isto quer dizer que todo homem tem direito não só de viver, mas de viver bem.

0 comportamentalista deverá estar envOtvido na sua comunidade profissional, na qual terá acesso à produção cientifica de ponta, à literatura clássica e de vanguarda. Deverá ter pos-sibilidade de discutir seu exercício e expor seu trabalho a avaliação, questionamento e crítica por parte de seus pares. Além disto, é importante para o terapeuta, principalmente no caso dos iniciantes, a periodicidade de supervisão. A supervisão irá funcionar como uma oportunidade para ampliação das análises funcionais que são caracteristicamente multidimensionais e para ampliação das alternativas de intervenção.

A terapia pessoal do comportamentalista também é de grande importância para sua formação como terapeuta. Tal expe-riência promove melhorias em repertórios comportamentais neces-sários ao clínico, como por exemplo, assertividade e equilíbrio emocional.

• Habilidades importantes:

Algumas qualidades pessoais relevantes para um terapeuta são apontadas por Rangé, Guillardi, Kerbauy, Falcone e Ingberman (1995):

"(1) possuir uma cosmovisão e uma filosofia de vida que dê consistência a seu comportamento e congruência a si como pessoa; (2) capacidade de tolerância à frustração, de persistência, paciência; (3) capacidade de não envolvimento pessoal, de descentramento; (4) capacidade de mostrar ânimo, otimismo, dinamismo, carisma, liderança; equilíbrio emocional." (pág. 345)

0 terapeuta deverá ter para com seu cliente uma atitude cordial e de aceitação. Isto irá contribuir para o estabelecimento de um clima de segurança e afetividade essencial para o desenvolvimento

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do processo. 0 terapeuta deverá mostrar interesse genuino, com­preensão e apoio à pessoa do terapeutizando. 0 que é diferente de aceitar e apoiar comportamentos específicos. Esses são ingredientes fundamentais no estabelecimento de uma relação terapêutica propícia ao bom andamento da terapia. Segundo Rangé (1995), a relação terapêutica constitui o território da mudança. Por esta razão, tal território deve estar bem preparado. A confiança no terapeuta e a segurança de seu apoio irão facilitar descrições fidedignas e precisas do cliente. Muitas vezes, será preciso modelar certos comportamentos que são necessários no repertório do cliente: auto-observação e auto- descrição. 0 terapeuta irá fornecer SDs claros e reforço efetivo para as respostas aproximativas desses objetivos.

Cordialidade, empatia, e afeto são ingredientes que farão do processo terapêutico um contexto agradável. Estes elementos irão também contribuir para que a aprovação do terapeuta funcione como reforço efetivo. Por outro lado, e sobretudo, para que a aprovação e os sinais de concordância do profissional sejam reforçadores eficazes, o cliente precisa estar seguro de que seu terapeuta é experiente e perito em análise e mudança de comportamento, ou seja, um profissional competente, que sabe o que está fazendo.

0 terapeuta funcionará basicamente como uma fonte de estímulos discriminativos e reforçadores que constitua contingências apropriadas ao desenvolvimento de habilidades importantes para o terapeutizando. Como nos ensinam, dentre outros, Skinner (1974/ 93); Rangé, Guillardi, Kerbauy, Falcone sT Ingberman (1995), com esse objetivo, o profissional poderá então sugerir, dar conselhos, instruções, fazer questionamentos e críticas, confrontar, elogiar e mostrar aprovação à comportamentos de seu cliente. Através de uma análise funcional rica e precisa, o profissional poderá lançar mão de qualquer um desses instrumentos de intervenção de forma adequada e no momento apropriado.

Por fim, uma importante parte do processo da Terapia Comportamental é o planejamento da manutenção dos efeitos terapêuticos. 0 comportamentalista precisa garantir que as habilidades conquistadas por seu cliente funcionarão mesmo depois do término da terapia. Afinal, a terapia é uma contingência artificial que não é e não deve ser parte constante na vida de uma pessoa. 0 terapeuta irá trabalhar no sentido de colocar o comportamento adequado do indivíduo sob controle de reforçamento natural, ou seja, fazer com que o cliente esteja sensível aos bons efeitos que suas novas habilidades produzem em sua vida cotidiana. E, principal-mente, irá trabalhar durante todo o processo

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ensinando ao terapeu-tizando fazer análises funcionais das suas próprias contingências e construir suas próprias estratégias de modificação e resolução de problemas. Isto significa ensinar-lhe a ser seu próprio terapeuta.

Referências B ibliográficas

Caballo, V. E. (1996). Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São Paulo: Livraria Santos Editora.

Guillardi, H. J. (1995). A Formação do Terapêuta Comportamental. Que Formação? In H. W. Lettner & B. P. Rangé, Manual de Psicoterapia Comportamental. São Paulo: Editora Manole. (Trabalho original publicado 1988.)

Lé Sénéchal Machado, A. M. Uma Visão Panorâmica da Terapia Comportamental de Orientação Behaviorista Radical. Desafio Revista Interativa de Ciências Sociais. http://www.ibase.orQ.br/~desafio/psil3.htm

Lipp, M. N. (1995). Ética e Psicologia Comportamental. In B. P. Rangé (Org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva. Pesquisa, Prática, Aplicações e Problemas. Campinas: Editorial Psy.

Rangé, B. & Erthal, T. C. (1988). A Relação Terapêutica na Abordagem Comportamental. In H. W. Lettner & B. P. Rangé, Manual de Psicoterapia Comportametal. São Paulo: Editora Manole.

Rangé, B. P., Guillardi, H. J., Kerbauy, R. R., Falcone, E. M., & Ingberman (1995). Ensino, Treinamento e Formação em Psicoterapia Comportamental e Cognitiva. In B. P. Rangé (Org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva. Pesquisa, Prática, Aplicações e Problemas. Campinas: Editorial Psy.

Rangé, B. P. (1995). Psicoterapia Comportamental. In B. P. Rangé (Org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva. Pesquisa, Prática, Aplicações e Problemas. Campinas: Editorial Psy.

Skinner, B. F. (1993). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Editora Cultrix. (Trabalho original publicado em 1974.)

Skinner, B. F. (1991). Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus Editora. (Trabalho original publicado em 1989.)

Villani, M. C. S. (1996). Aspectos da Formação do Terapeuta Comportamental. Texto apresentado em mesa redonda: Terapia Comportamental, na II Semana de Psicologia - PUCMG (não publicado).

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A RELAÇÃO TERAPÊUTICA COMO FOCO DA

ANÁLISE NA PRÁTICA CLÍNICA COMPORTAMENTAL

Saulo Missiaggia Velasco* Sérgio Dias Cirino **

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranqüila. Em silêncio. (...) A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito.

. Rubem Alves.

A atenção dada à relação terapêutica como variável determinante para o processo psicoterápico é algo recente para os terapeutas comportamentais. Note que os termos relação terapêutica e processo terapêutico não se referem à mesma coisa. A relação terapêutica é uma das importantes variáveis que compõem um processo terapêutico, no entanto, seu real valor era desconsiderado.

Por muito tempo, a relação terapêutica era vista apenas como o lugar no qual procedimentos e técnicas eram aplicados e colocados à prova, esperando-se que houvesse generalização dos ganhos terapêuticos para fora da clínica. Desta forma, considerava-se, o ambiente terapêutico distinto do ambiente natural do cliente (Conte & Brandão, 1999).

Whaley & Malott (1980), por exemplo, descrevem um caso clínico no qual o cliente, uma criança de 9 anos, emitindo alta freqüência de comportamentos de automutilação, foi submetido a um procedimento de punição. A linha de base teve duração de uma hora e foi permitido ao menino que, em uma' parede revestida com

* Clínica particular.** UFMG. Endereço para correspondência: [email protected]

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acolchoado para evitar ferimentos graves, "(...) desse tantas cabe­çadas quantas quisesse. Durante uma hora ele deu 1.440 cabeçadas." (Whaley & Malott, 1980/7). Após o registro do nível operante, foram ligados fios às pernas da criança, que passou a receber pequenas descargas elétricas sempre que batesse com a cabeça na parede. Em poucas sessões, o menino deixou de emitir o comportamento de automutilação. Em práticas como estas, a relação terapêutica era uma variável sequer mencionada.

Representantes de outras abordagens como Freud, na psicanálise, e Rogers, na abordagem centrada na pessoa, atentaram muito antes para a função da relação que terapeuta e cliente estabelecem entre si e seus efeitos sobre o processo psicoterápico. Entretanto, para o terapeuta comportamental, a relação terapeuta- cliente não era considerada seu objeto de estudo. Na análise funcional do caso, a relação não era levada em conta.

Só mais tarde, na década de 80, principalmente com os trabalhos clássicos de Kohlemberg & Tsai (1987), os analistas do comportamento deram merecida importância à relação terapeuta- cliente. A partir daí, o comportamento de ambos passou a ser objeto de análise e não apenas o do cliente, contrariando a concepção de neutralidade atribuída anteriormente à pessoa do terapeuta ou experimentador. A antiga concepção na qual o terapeuta era apenas o perito em aplicar técnicas parece comungar com uma tradição filosófica muito difundida no ocidente, o realismo, que considera a existência de uma realidade externa ao homem da qual ele poderia se distanciar para analisá-la e conhecê-la. Os analistas clínicos do comportamento passaram a operar a partir de um outro referencial, mais fiel e coerente com a tradição filosófica do pragmatismo, uma das influências sofridas pelo Behaviorismo Moderno (Skinneriano). 0 cientista é inserido no processo de construção da realidade e a compreende em termos de sua funcionalidade. 0 homem é parte da realidade e a observa a partir de sua subjetividade, entendendo subjetividade como aquilo que é peculiar a cada indivíduo, aquilo que foi construído ao longo de sua vida, através de sua história de reforçamento e que se modifica a cada nova interação.

A relação construída através da interação entre o analista clínico do comportamento e o cliente é que passa a ser o foco da análise e não apenas o comportamento deste último. Desta forma, a análise do comportamento do terapeuta é tão importante quanto a análise que se faz do cliente, pois os comportamentos abertos e encobertos de ambos, durante a sessão, além de serem função das respectivas

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histórias comportamentais, estão também fortemente sob controle de variáveis presentes no momento do atendimento que são frutos da interação entre os dois.

Em vista disto, como é de extrema relevância para a compreensão do caso a análise dos comportamentos encobertos do cliente, a análise dos encobertos do terapeuta também o é (Banaco, 1993). A descrição e a análise dos encobertos do cliente fornecem um conjunto de estímulos discriminativos para o terapeuta, informando-o tanto sobre a história passada do cliente quanto sobre as contingências atualmente em operação, principalmente no momento da sessão. Do mesmo modo, estando o terapeuta atento às reações que o cliente mobiliza em sua pessoa (o terapeuta), ele pode obter importantes dados sobre possíveis reações que o cliente mobiliza nas pessoas com as quais se relaciona, dando uma amostra da qualidade das relações que o cliente estabelece fora do contexto clínico, o que permite, a partir daí, o norteamento da ação do terapeuta.

Observe um exemplo da importância da análise da relação terapêutica e seus efeitos sobre a pessoa do terapeuta:

Luiza1, uma garota de 11 anos, foi encaminhada ao Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) da Univale, com a queixa, apresentada pela mãe, de que era muito "complexada", achava-se muito feia e possuía baixa auto-estima. A partir da quarta sessão, o terapeuta estagiário notou que encontrava grande dificuldade em conduzir o caso, em função de a cliente praticamente não falar de si mesma. Luiza, sempre que conversava, contava casos de outras pessoas e narrava eventos que havia presenciado; porém, em seus relatos, ela nunca falava de si, do que achou daquilo, o que sentiu, qual a sua participação nos eventos, etc. Seus relatos pareciam descrições objetivas e simples realizadas por um observador externo aos eventos.

A inabilidade da cliente em falar de si passou a ser encarada pelo terapeuta iniciante como um empecilho ao processo, pois, além de dificultar a obtenção de dados sobre sua vida e seus "problemas", as seções passaram a produzir forte ansiedade no terapeuta, que se sentia incapacitado por não conseguir manejá-la a fim de colher as informações que considerava relevante ao atendimento.

0 terapeuta iniciante, por negligenciar a análise de seus próprios comportamentos, das reações e sentimentos que a interação com a cliente mobilizavam em sua pessoa, não atentou ao fato de que aquilo que

1 0 nome da cliente foi alterado para garantir sua privacidade.

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estava sendo por ele considerado como dificultador da terapia, pois o obstava a conhecer e trabalhar os "problemas" da cliente, era exatamente o que deveria ser inicialmente trabalhado nas seções, sua inabilidade em falar de si, e que provavelmente também poderia ser observado fora do ambiente terapêutico. É possível que as pessoas que interagiam com Luiza em seu dia-a-dia também encontrassem dificuldades em se relacionar com ela pelas mesmas razões que o terapeuta encontrava. Enquanto o terapeuta se esforçava sem sucesso buscando extrair do relato verbal da cliente dados sobre suas queixas, mais precisamente sobre as queixas trazidas por sua mãe, uma outra queixa, a inabilidade em falar de si, apresentava-se como produto da relação terapeuta- cliente, uma queixa ainda não verbalizada nem pela cliente nem pela mãe, mas que mesmo assim poderia ser o ponto de partida da análise.

Além disso, uma análise cuidadosa do comportamento do próprio terapeuta poderia esclarecer sobre a possibilidade de estar ele mesmo emitindo estímulos discriminativos no contexto da relação com a cliente, que poderiam estar funcionalmente rela-cionados com sua esquiva em falar de si.

Embora se possa formular a hipótese de que a ausência de verbalizações autodescritivas por parte da cliente durante a sessão seja função apenas da relação estabelecida por ela e o terapeuta, é bem provável que Luiza também não falasse de si fora do contexto clínico, possivelmente por sua comunidade verbal, composta principalmente por seus familiares, professores, colegas e vizinhos, não ter modelado repertórios de autodescrição e auto-análise, cabendo ao terapeuta cumprir esta função utilizando-se da própria relação terapêutica para fazê-lo. É possível também que a cliente, ao longo de sua história comportamental, tenha sofrido punições ao emitir tais comportamentos.

Enfim, através da própria relação terapêutica é possível conhecer mais detalhadamente como o cliente se comporta e as razões pelas quais se comporta de tal maneira.

Kohlemberg & Tsai (1987) foram importantes sistemati-zadores e enfatizadores da relação terapêutica como campo legítimo de análise e atuação do analista clínico do comportamento com a elaboração da FAP (Psicoterapia Funcional Analítica). Para Kohlemberg e Tsai, a mudança do cliente se dará em função da qualidade da interação que se estabelece entre ele e o terapeuta, na qual os dois são modificados. A terapia centra-se na relação que se estabelece entre os dois. Os autores sustentam que muitos dos comportamentos-problema, bem como as melhorias do cliente, ocorrem durante a sessão como produto da relação

terapêutica. E importante que, ao ocorrerem, sejam sinalizados e

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analisados funcionalmente.

Kohlemberg e Tsai introduziram o conceito de CRB (Clinicai Relevant Behaviory. Segundo eles, os CRBs que são os comportamentos- problema e as melhoras do cliente podem ser observados na própria relação terapêutica. Os CRBs são classificados de três formas: CRBl - são os comportamentos que o cliente emite na sessão terapêutica que são ocorrência do problema clinico. CRB2 - são comportamentos cuja ausência ou baixa freqüência se dão em função do problema clínico e que aumentam sua freqüência à medida que os CRBsl são trabalhados. CRB3 - são repertórios verbais de descrição dos próprios comportamentos e das variáveis que os controlam. Cabe ao terapeuta identificá-los e analisá-los no momento que ocorrem durante a sessão.

No caso anteriormente apresentado, a esquiva em falar de si ou a inabilidade de autodescrição é um exemplo de CRBl (referente ao problema clínico em si). A ocorrência de verbalizações sobre si mesma, que forem surgindo à medida que o CRBl for trabalhado, exemplifica um CRB2 (uma melhora da cliente), e devem ser sinalizados e reforçados naturalmente pelo terapeuta quando ocorrerem. No momento que a cliente passa a descrever as contingências que governam seu comportamento, observa-se a ocorrência de CRB3 (também sinal de avanço terapêutico).

Os autores Kohlemberg e Tsai propõem que, a partir do que é observado dentro do consultório (CRBl), pode-se ter uma amostra do que é vivido pelo cliente em seu cotidiano. Da mesma forma, as mudanças atingidas pelo cliente na clínica (CRB2) podem ser generalizadas às suas relações externas. Daí a conclusão de que o ambiente terapêutico é uma extensão do ambiente natural do cliente.

É na própria relação com o terapeuta que novos reper-tórios são modelados. Por possuir habilidade em discriminar as contingências das quais o comportamento do cliente é função, tanto em seu cotidiano quanto no contexto da sessão, o terapeuta ensina ao próprio cliente a fazê-lo por si mesmo, gerando assim, auto-consciência (CRB3).

Somente a partir de contingências sociais o homem torna-se autoconsciente. A comunidade verbal reforça respostas verbais de descrição do comportamento e cria, então, consciência (Skinner, 1991). 0 termo consciência refere-se, aqui, à capacidade de descrever e estabelecer relações funcionais entre as variáveis que controlam o comportamento. Assim, diferentes comunidades geram diferentes tipos de consciência, tanto em termos qualitativos, no sentido do que se atribui

2 Traduzido no Brasil como Comportamento Clinicamente Relevante, podendo o

leitor, portanto, encontrar também a sigla CCR.

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como causalidade do comportamento, quanto quantitativos, que se referem ao número de repertórios que cada comunidade habilita o indivíduo a descrever (Skinner, 1982). Um determinado modelo de causação de comportamento pode, por exemplo, ser usado para explicar uma certa categoria de compor-tamentos e outras não.

Ao modelar no repertório do cliente o comportamento de autodescrição, o terapeuta cumpre o papel da comunidade verbal. Sobre isso, Guilhardi & Queiroz (1997), parafraseando Skinner, escreveram: "... é somente porque o comportamento do indivíduo é importante para a sociedade (para o terapeuta) que a sociedade (o terapeuta) torna-o, então, importante para o indivíduo". Ora, quanto mais se conhece as variáveis que controlam seu comportamento, mais probabilidade terá o cliente de se autogovernar. A autonomia é um dos objetivos principais da terapia, que consiste em modelar, instalar e manter comportamentos em que o próprio cliente possa se autogerenciar.

Aplica-se à sessão terapêutica as mesmas leis que se aplicam aos processos de modelagem de repertório que o indivíduo adquire ao longo de sua história comportamental. No entanto, na sessão, os reforçadores são emitidos pelo terapeuta, daí a importância da relação como produtora de mudança e a participação de ambos, terapeuta e cliente, no processo.

A interação entre terapeuta e cliente deve ser analisada, procurando-se entender a função de cada comportamento diante das contingências que governam a sessão e que operaram ao longo da história comportamental de ambos.

É a função dos comportamentos que deve interessar ao analista clínico do comportamento. Em uma sessão, por exemplo, Luiza entrou e após um certo tempo calada disse: "Tenho coisas para falar, mas não vou falar agora". Após escutá-la, o terapeuta iniciante gastou boa parte da sessão tentando compreender porque a cliente não queria falar algo naquele momento e, principalmente, o que teria a cliente para dizer. No entanto, uma outra atitude, provavelmente mais eficaz, seria ao invés de tentar pesquisar e conhecer o conteúdo do que a cliente falou (que tem coisas para falar mas não o faria, ou ainda, o que teria ela a dizer?), o terapeuta deveria ter atentado à função daquela verbalização no "aqui e agora" da sessão. Ou seja, o que a levou a dizer aquilo, naquele momento do processo, para o terapeuta. Sua verbalização: "Tenho coisas para falar, mas não vou falar agora", pode ser entendido como um CRB2, já que pela primeira vez a cliente estava falando algo de si mesma. Tal análise provavelmente seria bastante útil ao processo e poderia, mais tarde, possibilitar a ocorrência também de CRBs3, pois é através das análises feitas pelo terapeuta que a cliente aprende também a fazê-las.

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A relação terapêutica a todo instante se modifica em um movimento levado pelas peculiaridades do cliente e do terapeuta e, assim, novas contingências se estabelecem e nova relação se constitui. A teoria não define o que fazer com o cliente. 0 conteúdo de suas interações é que vai determinar a ação do terapeuta, podendo este criar procedimentos específicos para cada cliente. Quanto mais se conhece o cliente, mais se conhece as possibilidades de mudanças e as necessidades oriundas de suas queixas. Terapeuta e cliente devem trabalhar juntos. As metas e procedimentos devem ser estabelecidos em conjunto, pois os dois são cúmplices que buscam um mesmo fim.

Entretanto, os procedimentos do terapeuta não são aleatórios. Além de estar sensível às contingências da relação, há todo um conjunto de fundamentos técnico-teórico-filosóficos que norteiam o fazer clínico. A prática da Análise Clínica do Compor-tamento é fundamentada no Behaviorismo Radical de Skinner e em toda sua sustentação filosófica. Toda essa influência leva a um tipo específico de compreensão que resulta em uma forma de abordar funcionalmente os eventos. A análise funcional é o instrumento de investigação do terapeuta comportamental, e instrumentaliza-o a descrever as contingências que atualmente operam sobre indivíduo e que, possivelmente, operaram no passado. Conhecendo-se as variáveis das quais o comportamento é função, torna- se possível remanejá-las. Muda-se a contingência, muda-se o comportamento. Quanto melhor a qualidade da relação que terapeuta e cliente mantém entre si, melhor será a análise do terapeuta, mais eficiente será o processo para ambos.

Atualmente, muito se tem discutido a respeito das implicações éticas na Psicologia, pois é conhecido o impacto do processo terapêutico na vida do cliente, envolvendo crenças, valores, ideais e atitudes. Toda atitude do terapeuta, na relação com o cliente, tem influências sobre este que podem ser benéficas ou não. Na abordagem comportamental, a preocupação ética é imensamente percebida, por lidar com questões polêmicas como o controle, a determinação e a predição do comportamento.

0 terapeuta deve ser muito cuidadoso ao lidar com crenças e valores do cliente e deve estar consciente das variáveis que controlam o seu próprio comportamento, identificando suas dificuldades e limitações, encaminhando o caso ao sentir que problemas e valores pessoais podem atrapalhar o processo. Estes pontos vão ao encontro da atitude de respeito ao cliente.

As metas devem ser estabelecidas conjuntamente pelo terapeuta e o cliente e devem ser periodicamente avaliadas, podendo ser alteradas ao longo do processo, de acordo com as novas contingências que forem

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se constituindo a partir da relação mantida por ambos, e será a qualidade desta relação que determinará a aceitação, a adesão e a confiança do cliente ao longo de todo processo terapêutico.

Assim, o processo psicoterápico se define pela existência de duas pessoas que falam e propõem soluções para os problemas de uma delas, o cliente. Esta relação requer intimidade, cuidado, respeito, confiança, cumplicidade e sinceridade. 0 terapeuta assume um papel extremamente importante na vida do cliente e deve zelar por ele, tentando, na medida do possível, eliminar da relação julgamentos, punições e críticas. 0 terapeuta comportamental deve colocar toda sua prática sob controle de princípios éticos bem definidos, visando sempre a segurança e o bem-estar do cliente. Seus procedimentos podem ser utilizados tanto em benefício quanto em prejuízo do cliente e isso tem que ser reconhecido com responsabilidade pelo terapeuta, sem que se perca de vista que sua pessoa também precisa ser preservada.

A relação terapêutica é uma relação de entrega e será o "calor" dessa interação que determinará um melhor ou pior andamento do processo.

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0 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO COMO FORMA DE

ATUAÇÃO NA PRÁTICA CLÍNICA

Tatiana Araújo Carvalho

Definição

O Acompanhamento Terapêutico é uma forma de atuação clínica realizada em diferentes situações e contextos, visando principalmente o aumento do repertório comportamental do cliente.

O objetivo do Acompanhante Terapêutico (AT) é acompanhar o cliente em situações de dificuldades cotidianas, tanto no consultório como em seu ambiente natural. 0 AT pode ser um profissional da área ou mesmo um estagiário treinado para tal. É muito comum a participação de estudantes neste trabalho.

0 terapeuta ou o estudante engajados no processo devem receber supervisão clínica. Esta supervisão geralmente é dada pelo próprio terapeuta responsável pelo caso. Pode acontecer ainda de outras pessoas, sem formação em Psicologia, desenvolverem o trabalho de AT, como familiares ou profissionais de outras áreas, recebendo para isso um treinamento adequado.

0 AT apresenta-se como um elo entre terapeuta, cliente, família e demais pessoas envolvidas, levantando dados importantes para a análise funcional. Através da análise de contingências, é possível a alteração de um padrão comportamental já instalado durante a história de vida do cliente, impedindo a simples substituição de uma resposta topográfica indesejada por outra mais eficaz.

H istórico

A prática do AT tem sua origem no movimento antimanicomial e surge como uma alternativa para as hospitalizações e técnicas psiquiátricas vigentes.

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Na Argentina, na década de 60, falava-se em "auxiliar psiquiátrico", que atuava em "comunidades terapêuticas" com o objetivo de atender aos pacientes com diagnóstico psiquiátrico em regime de internação ou hospital-dia.

"A idéia mais geral que fundamentava esta atividade partia do princípio de que uma pessoa psiquicamente enferma, passando por agudo sofrimento, teria necessidade, para se estabelecer, de uma atenção intensiva, personalizada, tecnicamente preparada, exercida coletivamente por uma equipe". (Ibrahim, 1991. pág. 44)

Na década de 70, esta prática foi inviabilizada devido à política militar. Os auxiliares psiquiátricos passaram a realizar os seus trabalhos de forma particular, fora da instituição, na residência do paciente. A princípio, este profissional foi chamado de "amigo qualificado", o que trazia bastante confusão quanto ao objetivo do trabalho. Nesta época, a abordagem psicanalítica fazia uso desta atividade, principalmente nos casos de psicose e outros transtornos psiquiátricos.

Também nas décadas de 60 e 70 os "Modificadores de Comportamentos" já iniciavam a aplicação da análise do comportamento.

“(...) equipes de modificadores do comportamento utilizavam o trabalho de paraprofissionais (estudantes, pais, professores) para aplicar técnicas de modificação de comportamento ou para auxiliar programas terapêuticos no ambiente dos clientes". (Zamignani, 1998.)

Estas intervenções, na década de 80, foram tornando-se menos expressivas devido às críticas que surgiram à modificação do comportamento. Os analistas do comportamento restringiram-se, então, aos consultórios e somente no início da década de 90 a ativi­dade do AT ressurgiu, com ênfase nos transtornos psiquiátricos e com a utilização de técnicas comportamentais.

Em 1997, o NAC - Núcleo de Análise do Comportamento, inicia a prática do AT, em Belo Horizonte, na abordagem comporta-mental. Esta prática vem sendo realizada também pelo Grupo Perspectiva, em São Paulo.

Estes trabalhos realizados atualmente utilizam os conhecimentos do Behaviorismo Radical e da Análise do Compor-tamento, mostrando bons resultados no desenvolvimento dos casos.

Habilidades necessárias

0 trabalho de AT, para ser realizado com sucesso, exige do mesmo repertório comportamental amplo e algumas habilidades, destacando-se, de acordo com Zamignani & Wielenska (1999):

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• "Treinamento em observação;

• Conceitos básicos da Análise do Comportamento;

• Técnicas de entrevistas;

• Relação terapêutica;

• Racional e aplicação de técnicas;

• Noções básicas de psicopatologia e psicofarmacologia".

E ainda:

• Conhecimentos básicos do Behaviorismo Radical e implicações;

• Conhecimentos básicos da Terapia Comportamental;

• Habilidades sociais;

• Amplo repertório em cultura geral.

Especificidades do acompanhamento terapêutico

0 Núcleo de Estudos em Análise do Comportamento de São Paulo apresenta, em relação ao AT, as seguintes especificidades da prática desta atividade:

- "Acesso privilegiado aos dados (coleta de dados sobre o cotidiano do cliente, sobre suas relações familiares e outras), o que facilita o levantamento de aspectos relevantes para planejamento e intervenção;

- A realização dos procedimentos deforma assistida aumenta a probabilidade de adesão ao tratamento;

- 0 AT, ao estar junto ao cliente durante a realização dos procedimentos, explicita a contingência no momento em que está ocorrendo, fazendo parte dela. Pode, assim, ajudar na discriminação imediata e na aprendizagem de novos elementos em seu repertório comportamental;

- Conseqüenciação imediata - discriminação, reforçamento e desenvolvimento de padrões comportamentais compatíveis com a promoção da saúde;

- Servir defacilitador para as relações familiares, fornecendo feedback a respeito de episódios observados ou servindo de mediador;

- Ser um agente ressocializador (diminuirá distância entre o cliente e o mundo no qual está inserido);

- Ser continente (oferecer suporte e levantar alternativas comportamentais em caso de dificuldades e também destacar

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conquistas alcançadas);

- Apresentar-se como modelo." (Zamignani, 1998.)

I ndicações do trabalho do AT

0 AT é geralmente indicado em casos de déficits comportamentais do cliente, com comprometimento das interações sociais, destacando-se, de acordo com o diagnóstico clássico, os seguintes casos:

- Transtornos depressivos;

- Transtornos de ansiedade, incluindo Transtorno Obssessivo- Compulsivo (TOC), Transtornos fóbicos, Transtornos do pânico;

- Distúrbios de comportamento (sociopatias, entre outros);

- Queixas escolares;

- Queixas difusas.

Observa-se, no entanto, que a variável fundamental e determinante da utilização ou não do AT é o repertório comporta­mental do cliente. Ao longo do processo, as contingências artificiais arranjadas pelo AT vão sendo gradativamente substituídas por contingências naturais.

Contudo, o Acompanhamento Terapêutico apresenta algumas limitações. Como já foi dito anteriormente, uma dificuldade apresentada é o custo financeiro que envolve o processo. Geralmente são necessárias mais de uma sessão semanal, com duração de duas horas aproximadamente e a utilização de maior número de pro­fissionais, dependendo do caso. 0 tempo despendido também é grande, por ser realizado com maior freqüência do que a sessão de terapia no consultório.

Outras dificuldades podem ser ainda apresentadas, como a questão da privacidade do cliente e de sua família, a ocorrência de ganhos secundários pelo cliente com a presença do AT, como a tentativa de formação de alianças entre cliente, familiares (e outros) e o AT. Neste caso, isto é prejudicial ao processo, devendo ser discutido nas supervisões, para que ocorram as intervenções necessárias no momento correto.

Conclusão

0 modelo clínico atual tem priorizado o relato verbal do cliente. Se pensarmos de acordo com a teoria e levarmos em consideração as

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experiências práticas já realizadas, concluiremos que o Acompanhamento Terapêutico é uma modalidade clínica bastante coerente com a proposta do Behaviorismo RadicaL Talvez, com o passar do tempo, cada vez estaremos mais próximos desta maneira de trabalhar, afastando-nos aos poucos da herança do modelo médico (cliente - terapeuta - consultório). Por que então não refletirmos um pouco mais a respeito?

"Se a teoria em que se baseia a Terapia Comportamental é correta, então a solução para um problema comportamental não pode se restringir a contingências especialmente arranjadas no ambiente particular da clínica. Se o problema tem que ser corrigido, é necessário modificar as contingências do ambiente natural".(Holland, 1982.)

Referências B ibliográficas

Carvalho, T. A., & Nolasco, N. C. (2000). Curso de Acompanhante Terapêutico na Abordagem Behaviorista Radical de B. F. Skinner. NAC - Núcleo de Análise do Comportamento.

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7S obre T e r a p ia Com po rtam ental: questões freqüentes

DA COMUNIDADE

Ana Maria Lé Sénéchal-Machado

"A alma não tem segredos que o comportamento não revele."

Lao Tse, séc. VI a.C.

Este texto foi elaborado com o objetivo de apresentar respostas simplificadas a algumas das mais freqüentes questões sobre Terapia Comportamental, formuladas por estudantes de Psicologia e de áreas afins, e por outras pessoas interessadas, de algum modo e por várias razões, em processos psicoterápicos.

0 que é psicoterapia costuma ser uma das primeiras perguntas, geralmente elaborada por pessoas que estão começando a se interessar pelos processos de ajuda psicológica. A psicoterapia pode ser vista como um processo de autoconhecimento, que visa promover um maior desenvolvimento da percepção que uma pessoa tem de si, de suas atitudes, pensamentos e sentimentos. Assim, o processo psicoterapêutico irá permitir às pessoas aprenderem a fazer sua auto- observação, de modo a identificarem as possíveis causas de seu sofrimento, através do conhecimento das razões do seu agir, pensar ou sentir-se - "Todo comportamento é, em princípio, inconsciente, mas pode tomar-se consciente sem se tornar racional: uma pessoa pode saber o que está fazendo sem saber por que o está fazendo." (Skinner, 1982, pág. 114). Esse autoconhecimento, invariavelmente, implicará o desenvolvimento de habilidades específicas de autocontrole de sensações, como por exemplo, de vazio, raiva, frustração, alta ansiedade, tristeza, etc. A psicoterapia busca, portanto, fornecer subsídios para que a própria pessoa, conhecendo melhor suas características^ potencialidades e limites, possa antecipar a realização de comportamentos mais funcionais, naquelas situações que estiverem

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se apresentando mais problemáticas no seu dia-a-dia, pois, como observado também por Skinner (1982), "0 comportamento éfadtmente modificado ideando-se novas contingências de reforço", (pág. 176). Finalizando, a psicoterapia pode ser vista como um processo sofisticado e privilegiado de interação entre duas pessoas (terapeuta e cliente) ou entre um terapeuta e mais de uma pessoa (no caso de grupos), em que o crescimento humano é objetivado. Nesse sentido, as análises a serem empre-endidas buscarão identificar e explorar as ações, pensamentos e emoções, que possam estar produzindo os transtornos e as dificuldades dos quais a pessoa se queixa estarem acontecendo em sua vida cotidiana. A psicoterapia é um espaço e um tempo particular e intransferível, um momento no qual o terapeuta irá facilitar ao cliente modos de este ficar atento às oportunidades e alternativas para prestar atenção ao mundo que o rodeia: o cliente poderá, assim, olhar para dentro de si mesmo, ou ainda, para seus ambientes interno e externo, buscando compreender melhor as relações entre seu organismo e esses ambientes. Com a ajuda, portanto, de um terapeuta, uma pessoa poderá descobrir como estão interagindo sua história passada e sua história atual, já que estará sendo "treinada", na relação terapêutica, a fazer sua auto-observação.

Como a terapia comportamental pode ser definida aparece como uma questão conseqüente às respostas dadas à primeira, anteriormente explicitada. De uma forma geral, como um modo científico e particular de aplicação sistemática dos princípios da aprendizagem à mudança do comportamento, no sentido de promover formas mais adaptativas e positivas de interação. 0 obietivo geral da Terapia Comportamental, nestes termos, pode ser enunciado como o de cn"al~fí~óvãs'~condiçoes de aprendizagem de estratégias funcionais cfe ação e, conseqüentemente, de avaliação e correção, buscando eliminar o comportamento desajustado. De forma mais especifica e elaborada, a Terapia Comportamental implica, portanto, a identificação e a análise das funções que os comportamentos problemáticos têm, para que metas de aprendizagem de outras funções possam ser implementadas e treinadas. 0 propósito desse processo é o de criar (novas) condições para a aquisição de reper-tórios diferenciados de comportamento eficiente. Isto quer dizer que a Terapia Comportamental propõe e permite a observação e a seleção do que está bem aprendido e deve ser mantido e do que está mal aprendido e deve ser suprimido ou substituído. É o modo psico-terápico que visa g aprendizagem de novas formas de fortalecimento e manutenção dos comportamentos que funcionam bem, e de desaprendizagem e enfraquecimento dos comportamentos que não funcionam bem ou funcionam mal. Visa

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compartilhar conhecimento com o cliente sobre o que pode ser convencionado e enfrentado como agradável, como energizante, como sucesso, como felicidade, como gostoso, menos sofrido, menos triste, mais ajustado e, principalmente, mais consciente. Terapia Comportamental quer dizer, basicamente, a análise funcional do(s) comportamento(s) proble-mático(s) em questão (queixa do cliente), uma vez que ela se dirige para metas de aprendizagem de outros modos de ação. Nesse sentido, o objetivo geral da Terapia Comportamental é a implementação de uma análise das contingências nas quais a queixa ou o problema está sendo mantido. Assim, uma análise funcional das contingências em operação, ou ainda das contingências que estão produzindo um comportamento desadaptativo ou mal aprendido, é realizada, visando a aquisição de novos repertórios comportamentais, em substituição aos deficitários ou excessivos, "responsáveis" pelo mal estar do cliente. E o terapeuta comportamental é, nesse processo todo, a pessoa que vai atuar, voluntariamente, no sentido de produzir alterações no comportamento do cliente: o comportamento do terapeuta é diretivo, "centrado" no cliente.

Por que a Terapia Comportamental não é mera aplicação de técnica de modificação de comportamento é uma distinção que caracteriza um questionamento possível e comum. A Terapia Comportamental foi, durante muito tempo, encarada como a simples aplicação sistemática de técnicas de modificação de comportamentos problemáticos, com os quais outras abordagens não tinham como ou, até mesmo, não pretendiam trabalhar. A tecnologia e/ou procedimentos padronizados de modificação de comportamento são utilizados quando implicam a elaboração de uma estratégia de ação para enfrentar um déficit ou um excesso, específicos, de determinado repertório comportamental de uma pessoa. 0 terapeuta, quando é o caso, propõe ao cliente que explore e experimente outros meios de comportar-se: expõe o cliente, portanto, à técnica que selecionou como a mais apropriada, segundo suas hipóteses de solução para o problema emergente do cliente. Portanto, é preciso ficar bem claro que a Terapia Comportamental propõe, em primeiro lugar, uma análise apurada, profunda e sofisticada de contingências, para depois propor a aplicação de tecnologia, se for o caso. Isso porque, se a tecnologia for introduzida a partir de uma análise superficial das contingências em operação, o comportamento-problema, ou sintoma, reaparece, pois uma técnica poderosa e bem aplicada pode produzir alterações em algum elemento da contingência (por exemplo, no organismo) e não na contingência total. Em resumo, não é mera aplicação de técnica, simplesmente e fundamentalmente porque trabalha a adequacidade

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comportamental através da análise funcional profunda das relações atuantes na vida do indivíduo. Não é, portanto, a simples e corriqueira observação de resultados positivos e/ou negativos que se seguem às aplicações de um procedimento padronizado, universal, pois a Terapia Comportamental trabalha para o desenvolvimento de estratégias específicas e aprimoradas de funcionamento compor-tamental, e não, meramente, para o treino de bons ou ideais desem-penhos gerais e medianos (Kanfer & Phillips, 1974; Guilhardi, 1988, 1995, 1997; Álvarez, 1996).

Quais as aplicações da Terapia Comportamental é uma questão que os analistas do comportamento parecem gostar de responder; sempre que houver interesse pela compreensão das causas e razões das ações, sentimentos, emoções e pensamentos das pessoas. Aplica- se, desse modo, ao tratamento dos fenômenos comportamentais que carecem da identificação de seus determinantes e mantenedores históricos, passados e atuais. A Terapia Comporta-mental aplica-se, conseqüentemente, ao estudo terapêutico e à elucidação das problemáticas e situações conflitantes da vida de uma pessoa, quando na interação de seu organismo com seus ambientes interno (biológico e histórico) e externo (físico e social). Faz-se aplicável, ainda, à compreensão daquelas interações de uma pessoa que deixaram de cumprir uma regularidade confortável - o que é público e o que é privado se mostram conflitantes e anti-econômicos: não mais se distinguem. A Terapia Comportamental pode elucidar e reconvencionar conflitos e traumas arraigados.

0 que é contingência é um termo que, a essa altura do texto, carece de esclarecimento específico. "Contingência" diz da relação entre organismo e ambiente, ou entre resposta e conseqüência; implica, portanto, relações de dependência entre eventos. Pode significar, também, qualquer relação de dependência entre eventos ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais. Para Catania (1993), o termo contingência, em análise do comportamento, é utilizado para enfatizar como a probabilidade de ocorrência de um evento pode ser afetada ou produzida por outros eventos. 0 conceito de contingência tríplice é um instrumento conceituai que se demonstra muito importante na análise das interações organismo-ambiente, e de especial utilidade para a análise do comportamento humano. De acordo com Todorov (1985),

"(...) uma contingência tríplice especifica (1) uma situação presenteou antecedente que pode ser descrita em termos de estímuloschamados discríminativos pela função controladora que exercem

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sobre o comportamento; (2) algum comportamento do indivíduo que, se emitido na presença de tais estímulos discríminativos, tem como conseqüência (3) alguma alteração no ambiente, que não ocorreria (a) se tal comportamento fosse emitido na ausência dos referidos estímulos discríminativos ou (b) se o comportamento não ocorresse." (pág.75).

Assim, a partir da identificação dos três termos inter- relacionados (estímulo discriminativo (SD), resposta e conseqüência) é que se poderá fazer algumas previsões a respeito da interação em análise. Na situação de terapia, a identificação das contingências em operação na vida do cliente não é tarefa fácil. E o trabalho do terapeuta consistirá em fazer inferências sobre os tais estímulos antecedentes e suas possíveis funções (discriminativa, eliciadora ou reforçadora) a partir dos comportamentos verbais e não-verbais do cliente emitidos durante a sessão. Fica implícito, portanto, que a identificação desses estímulos e de suas respectivas funções vai depender tanto da memória do cliente quanto do comportamento do terapeuta que, na relação terapêutica, funciona, em grande parte, como um agente facilitador. Aliás, convém lembrar que, durante a sessão clínica, o terapeuta responde e é controlado, o tempo todo, pelos dados fornecidos pelo cliente, por suas vivências pessoais e pelo seu referencial teórico, no caso, a filosofia Behaviorista Radical (Lé Sénéchal-Machado, 1997; Guilhardi & Queiroz, 1997).

Em função de questionamentos quanto à eficácia da Terapia Comportamental, a indagação seguinte sempre está presente, ou seja, a de que existe uma visão muito difundida de que a Terapia Comportamental é bem sucedida apenas em alguns casos, como por exemplo, no tratamento das fobias e a que se pode atribuir tal fato. Provavelmente, ao fato de que, durante muito tempo (do início dos anos 70 ao final dos anos 80), a Terapia Comportamental foi confundida com a simples aplicação de técnicas de modificação do comportamento, não privilegiando a concepção de que este modo de atendimento psicoterápico implica, sempre, uma análise funcional das contingências que estão "atuando" no dia-a-dia das pessoas. Esse procedimento analítico vai muito além da mera elaboração e treinamento de estratégias eficazes de ação supostas na técnica, como já tratado, com mais detalhes, anteriormente.

Como se dão as intervenções na Terapia Comporta-mentalcertamente inicia uma seqüência de perguntas que dizem já de um interesse diferenciado por esse modo clínico de atendimento psicoterápico. Após realizadas as análises funcionais dos comporta­

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mentos problemáticos incluídos nas queixas do cliente, as inter­venções são feitas com o propósito de alterar, mudar ou suprimir os repertórios comportamentais desajustados, indesejáveis, e de facilitar a instalação e a manutenção de repertórios mais conscientes, adaptativos e gratificantes. As intervenções, centradas no cliente, são dirigidas ao desenvolvimento, por parte deste, de novas contin­gências de controle do seu bem-estar pessoal e social, ou ainda, como já observado, para o crescimento e a ampliação de seu auto­conhecimento.

Quase sempre, quando se discute as maneiras de uma pessoa fazer as coisas, o conceito de personalidade vem à tona e surge a indagação sobre o que a Terapia Comportamental costuma dizer sobre a personalidade de uma pessoa. De um ponto de vista prático, pode-se dizer que uma pessoa compreende o conjunto dos comportamentos aprendidos no decorrer de sua vida. Tudo pelo que passou, ou existiu, em sua vida, constitui repertório(s) funcional­mente relacionado(s) às contingências vividas. Sobre isso, Skinner (1982) afirma que

"0 ambiente deu sua primeira contribuição durante a evolução das espécies, mas ele exerce um diferente tipo de efeito, durante a vida do indivíduo, e a contribuição dos efeitos é o comportamento que observamos em dado momento. Qualquer informação disponível acerca de qualquer uma das duas contribuições auxilia a previsão e o controle do comportamento humano e sua interpretação na vida diária. Na medida em que um dos dois possa ser alterado, o comportamento pode ser modificado." (pág. 19).

Nesse sentido, pode-se dizer que o comportamento é controlado pelas contingências, ou ainda, pelo efeito do reforça­mento. Esse efeito pode ser generalizado, e é isso que pode ser levado para a clínica, pois todo comportamento está sujeito à regularidade de suas probabilidades de ocorrência. Essas probabilidades estão sustentadas no componente de ordem e historicidade que todo fenômeno que ocorre na natureza possui. Com base nessas informações, a personalidade de uma pessoa pode ser admitida como o conjunto de comportamentos, de repertórios que, ligados a certas circunstâncias ou contingências (de evolução, de sobrevivência e culturais), são emitidos de modo único por essa pessoa. Cada indivíduo é um ser único, com uma personalidade única. E é através da análise dessas contingências que a Terapia Comportamental permite entender que personalidade não é uma coisa fechada, uma

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"estrutura". Uma pessoa tem certa personalidade porque reconhece !uma determinada regularidade em suas interações com o seu mundo |público e privado. Essa regularidade está no ambiente e, assim, um "traço" de personalidade de um indivíduo é tudo aquilo que marca a funcionalidade organismo-ambiente, tudo o que, em determinadas circunstâncias, tem grande probabilidade de "funcionar com regularidade", permitindo a explicação, a previsão e o controle de suas atitudes (Bernardes, 1993; Lé Sénéchal Machado, 1993).

"Um vago senso de ordem emerge de qualquer observação demoradado comportamento humano. Qualquer suposição plausível sobre oque dirá um amigo em dada circunstância é uma previsão baseadanesta uniformidade. Se não se pudesse descobrir uma ordem arazoável, raramente poder-se-ia conseguir eficácia no trato com osassuntos humanos." (Skinner, 1967, pág. 28).

Em uma visão panorâmica, como o modo analítico utilizado pela Terapia Comportamental pode ser esclarecido é uma pergunta muito freqüentemente feita pelas pessoas que estão iniciando esse processo psicoterápico, cujo referencial teórico está na filosofia do behaviorismo radical. Num primeiro momento, a análise de contingências em Terapia Comportamental é teórica e, como tal, deve ser encarada como uma suposição ou hipótese. Somente através da observação sistemática ou da alteração de algum elemento da contingência (eventos comportamentais ou ambientais), como já dito anteriormente, é que o terapeuta poderá ir obtendo as evidências de quais as relações que, efetivamente, estão em operação na vida do cliente ou, mais especificamente, as que estão operando na manutenção do "comportamento-problema ou queixa". Através dessa análise funcional, ou das contingências em operação, objetivos precisos são formulados, continuamente avaliados e adaptados, de modo a se adequarem às necessidades únicas de cada cliente, ou seja, o foco da atuação terapêutica, reafirmando, está sempre nas contingências determinantes daquele(s) comportamento(s) do cliente. Por isso, é importante envolver o cliente na seleção dos objetivos a serem trabalhados na terapia. Esse trabalho conjunto de seleção funciona como facilitador do processo terapêutico, uma vez que estará sustentado em acordo mútuo de objetivos. Nesse sentido, a tarefa principal do terapeuta é prestar atenção, de modo ativo e empático, às preocupações do cliente, para que, retornando a este o que "compreendeu" dessas preocupações, possa verificar se sua percepção dos pensamentos e sentimentos, descritos pelo cliente, está correta. A partir dessa interatividade, o terapeuta vai sele­cionando modos de prestar ajuda ao cliente no sentido de auxiliá-lo

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a descrever como desejaria agir, em lugar de sua forma atual de conduta. Ao focalizar, eventualmente, comportamentos específicos da vida presente do cliente, o terapeuta auxilia-o a traduzir o que lhe está confuso, em termos de objetivos concretos, possivelmente alcançáveis. 0 terapeuta comportamental é, sobretudo, um agente reforçador, um orientador. É ele que vai facilitar o desenvolvimento de comportamentos socialmente apropriados, por meio do reforçamento sistemático deste tipo de conduta do cliente. Na Terapia Comportamental, o cliente é estimulado a "experimentar" novos modos de atuar, com o propósito de ampliar seu repertório de comportamentos adequados. Ou seja, o cliente é estimulado a aprender novas contingências para o controle do seu bem-estar pessoal e social (Rimm & Masters, 1983; Meyer & Turkat, 1988; Godoy, 1996; Guilhardi, 1995, 1997). Ao se refletir sobre os principais aspectos que permitem uma compreensão precisa e adequada da Terapia Comportamental, constata-se que ela, basicamente, implica:a) a identificação das contingências reais, responsáveis pelo "comportamento problemático" do cliente; b) uma lenta e minuciosa análise de contingências (passadas e atuais), a partir da qual, só então, decorre um procedimento (por exemplo, o manejo intencional das contingências reais e atuais, pois não há como alterar as contingências passadas); c) a análise do "ato em contexto" (contingências de reforçamento, de sobrevivência, de evolução cultural); d) o envolvimento natural do cliente com o processo, o que, de certa maneira, já o prepara para conviver com a mudança produzida. No final do processo, ele é uma nova pessoa, e não a mesma pessoa com novas respostas. Esta distinção tem grande importância na manutenção das mudanças adquiridas e nos sentimentos e emoções, nesse processo, envolvidos; e) um processo de "descoberta da realidade". Toda teoria é um modelo que se aproxima mais ou menos da realidade - é um guia que direciona a ação do terapeuta, mas não determina, em detalhes, essa ação e, na prática, a teoria não pode ser mais do que isso. Cabe ao terapeuta, portanto, em interação com o cliente, ir além da teoria para produzir a descoberta do que é "real" para o cliente (Guilhardi, 1997). Consideremos, de modo particular, cada um dos aspectos men­cionados. Aspectos a/b) 0 setting terapêutico é uma situação (também uma contingência) na qual se promove o estabelecimento de estímulos discríminativos (sinais positivos) com o intuito de recuperar contingências passadas (história de vida do cliente) e relacioná-las com as atuais (o problema do cliente no presente) propiciando, através do remanejamento dos elementos envolvidos,

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a instalação de novos comportamentos públicos, de novos pensa­mentos e de novos sentimentos, permitindo, assim, o desenvol­vimento pessoal do cliente, ou melhor, do seu autoconhecimento. Para Skinner (1982),

"0 autoconhedmento é de origem social. Só quando o mundo privado de uma pessoa se torna importante para as demais é que ele se torna importante para ela própria..." pois

"...então ingressa no controle de comportamento chamado conhecimento. Mas autoconhedmento tem um valor espeftúl para o próprio indivíduo. Uma pessoa que se Jtornou conscíêhte de si mesma' por meio de perguntas que lhe foram feitas, está em melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento."(pág. 31).

Portanto, autoconhecimento envolve a emissão de comportamento privado, autodiscriminativo, em relação a eventos privados que ocorrem num "mundo dentro da pele" e a comportamentos públicos, do próprio indivíduo, e suas variáveis controladoras. Esse comportamento autodiscriminativo permite a elaboração de regras de autocontrole e só se instala a partir de contingências providas pela comunidade verbal (Bernardes, 1993; Tourinho, 1995). Comportamento autodiscriminativo envolve a identificação de

“(...) pistas (1) para o comportamento passado e as condições que o afetaram, (2) para o comportamento atual e as condições que o afetam e (3) para as condições relacionadas com o comportamento futuro." (Skinner, 1982, pág. 31),

e regra envolve a descrição verbal de contingências. Mas, como bem observa Banaco (1993), "(...) nem sempre as regras descrevem contingências naturais (...)“ (pág. 75). E isso pode causar problemas ao processo terapêutico, pois, se uma pessoa foi muito reforçada por seguir regras, este é um comportamento difícil, mas não impossível, de ser modificado. E será através do autoconhecimento que o cliente poderá selecionar quais regras deverá continuar seguindo e quais as que devem ser abandonadas, por não descreverem contingências reais: uma regra pode afastar uma pessoa das conseqüências naturais do seu comportamento (Banaco, 1993; Micheletto e Sério, 1993). É por conta dessas considerações que o foco da Terapia Comportamental não está, necessariamente, só no comportamento expresso, mas também no comportamento encoberto. Por isso, o que o terapeuta pretende, ao investigar as contingências passadas, é identificar os encadeamentos comportamentais do cliente e analisar seus elos. É importante ficar claro que o terapeuta comportamental reconhece, neste

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processo, a precariedade das evidências sobre as reais contingências que ele (terapeuta) maneja e rearranja. Desse modo, é preciso cuidado e precisão na definição das variáveis supostamente identificadas como relevantes à mudança selecionada para análise. Sendo o comportamento expresso só um dos elos de uma cadeia compor­tamental, torna-se essencial o processo analítico das contingências envolvidas na história de vida passada e presente ’do cliente, e mesmo daquelas que estão chegando ao "aqui agora do setting terapêutico", via relato verbal do cliente. As contingências interagem com um indivíduo, independente de ele ter ou não consciência da existência delas. Quando um cliente relata, por exemplo, "Não tenho tido ânimo para fazer nada!", o papel do terapeuta não é "criar" uma contingência, artificial, para "animar" o cliente. 0 que o terapeuta precisa fazer é verificar a quais contingências o cliente está respondendo, para que ele próprio, cliente, crie novas contingências que lhe permitam produzir outros comportamentos e, assim, alterar o controle do ambiente sobre seu repertório comportamental. 0 que faz uma contingência "funcionar" e produzir mudança efetiva é a experiência "concreta e natural" que o cliente vai ter com essa contingência, e não com uma artificial, dissociada de suas "reais" condições de vida atual (Skinner, 1980; Guilhardi, 1997). Reconhece-se, é claro, as dificuldades de implemen­tação desse processo de rearranjo de contingências. Em geral, os repertórios adquiridos pelo cliente foram instalados através da vivência cotidiana e do processo de desenvolvimento na infância. Esses fatores dão uma força particularmente grande às contingências aprendidas pelo cliente. Torna-se necessário, como já afirmado, o "teste de realidade", pois não basta o terapeuta, no caso, dizer ao cliente “Vamos lá, anime-se!". 0 cliente deverá experimentar as novas contingências, já que, está claro, é o comportamento emitido por uma pessoa que vai produzir o que passará a fazer parte de seus determinantes (Skinner, 1980; Rimm & Masters, 1983). E a importância dessa vivência está no termo "produzir". Para Micheletto e Sério (1993),

"(...) ele indica que o comportamento é indispensável porque ele é que produzirá aquilo que passará a fazer parte de seus determinantes. Dito de outra maneira, a conseqüência depende do comportamento e o determina." (pág. 13);

c) Em análise comportamental, qualquer evento deve ser entendido, e até mesmo definido, através de uma análise contextual. Isso quer dizer que nenhum comportamento faz sentido - e nenhuma de suas unidades de análise pode ser compreendida - se não for "entendido" ou "descrito" o contexto no qual esse comportamento acontece. Contexto é somente uma palavra para designar as contingências de reforçamento, de

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sobrevivência e de evolução cultural, às quais uma pessoa tem estado submetida durante toda a sua vida. Assim, pode-se afirmar que é só a partir da análise do contexto de ocorrência de um comportamento que se pode dizer algo sobre como as relações comportamentais se estabelecem, ou- como os comportamentos públicos, os pensamentos, as fantasias, os sonhos e os sentimentos de uma pessoa podem ter sido produzidos (Rimm & Masters, 1983; Hayes, 1987; Meyer & Turkat, 1988; Kazdin, 1996; Lé Sénéchal-Machado, 1999); d) 0 estabelecimento de uma boa relação pessoal é um aspecto essencial ao processo terapêutico, pois o autoconhecimento pode ser induzido através de questões feitas pelo terapeuta, que levam o cliente a descrever seus comportamentos e os sentimentos que o acompanham e a relacionar estes com os seus ambientes interno e externo. Fatores tais como a cordialidade, a autenticidade e, principalmente, a aceitação, devem estar presentes durante todo o processo de atendimento ao cliente. Esses fatores caracterizam condições primordiais, mas não suficientes, ao atendimento. Assim, para que qualquer interação terapêutica se torne possível e eficiente, é muito importante que o terapeuta promova o estabelecimento de um "clima" de confiança. E esse "clima" pode ser instituído se o terapeuta mostrar que "compreende e aceita" o cliente, que os dois estão "trabalhando juntos" e que ele, terapeuta, dispõe de meios para prestar ajuda no sentido desejado pelo cliente. "Aceitar" o cliente, no caso, deve ser entendido à luz da metáfora de Albert Ellis (Marinho, 1995) de que os psicoterapeutas "(...) perdoam o pecador, mas não o pecado." (pág. 6). Dito de outra forma, o fato de o terapeuta "aceitar o cliente" não implica, necessariamente, 'aceitar7, também, "os comportamentos do cliente": é indispensável que o terapeuta saiba distinguir a pessoa dos comportamentos dela; e) 0 terapeuta comportamental tem como referencial teórico a filosofia do Behaviorismo Radical, que direciona sua prática. Mas na interação com o cliente, é prudente que o terapeuta fique mais sob controle do "discurso" do cliente e menos sob o de seu modelo conceituai. 0 terapeuta que responde somente à teoria procura "enquadrar", tanto o cliente quanto o seu próprio discurso, nos parâmetros previstos por esta. Agindo dessa forma, o terapeuta corre o risco de perder o contato com a "realidade do cliente", pelo fato de supor, com base na teoria, por exemplo, que determinados "mecanismos" podem estar "dominando" o cliente. A função de uma teoria é auxiliar o terapeuta - e, conseqüentemente, o cliente - em suas análises, e não substituí-las. Portanto, é preciso que fique bem claro que é a teoria que deve ser "enquadrada", adaptada ao cliente, e não o contrário (Skinner, 1980; Rangé & Erthal, 1988; Todorov, 1989; Delitti, 1993; Guilhardi, 1995, 1997; Rangé, 1997; Guilhardi & Queiroz, 1997).

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Tem sido dito que a Terapia Comportamental tem uma duração menor quando comparada a outras terapias e como isto se dá na prática é um questionamento importante. Normalmente, não existem regras para a duração de qualquer processo psicoterápico de longa duração, quando contrapostos aos de apoio, terapias breves ou de aconselhamento. Mas acho razoável e responsável afirmar que, estando a Terapia Comportamental centrada, quase todo o tempo, na pessoa do cliente e, eventualmente, no seu problema, ela permite: a comunicação eficiente, a observação mais sistemática das relações de funcionalidade e disfuncionalidade; a seleção das ações eficazes e não eficazes, que o cliente tem vivenciado no "aqui e agora". Uma vez elucidados os "enigmas" que se apresentam no "aqui agora", e aprendidos alguns modos diferentes de "fazer acontecer", o desligamento da terapia pode ser proposto até como uma última meta de colaboração terapêutica. 0 sucesso e a eficácia daquelas elucidações e aprendizagens depende muito mais da qualidade da relação terapeuta-cliente, da interação de vínculo, do que de aspectos formais, teóricos e metodológicos que sustentam a Terapia Comportamental. Por isso, é difícil e pouco prudente falar-se de como se dará ou quando se dará o desligamento psicoterápico. Esse desligamento, portanto, é peculiar a cada interação terapêutica, próprio e único de cada relação terapeuta-cliente. Com base em minha experiência clínica, posso e tenho indicado o desligamento psicoterápico após um período de atendimento semanal durante seis a oito meses, seguidos pelo atendimento quinzenal de dez a 12 meses, o que permite generalizar um período médio de 18 meses.

Como é feito o contrato na Terapia Comportamental e quais critérios definem o fim do processo de atendimento é, também, um esclarecimento muito solicitado. 0 contrato de atendimento acontece quando terapeuta e cliente alinham-se quanto aos objetivos e metas terapêuticas a serem alcançados na relação de ajuda que está para ser estabelecida. Ou seja, do meu ponto de vista, o contrato de tratamento psicoterápico inicia-se quando o cliente concorda em confiar no modo que o terapeuta expõe trabalhar e se propõe colaborar com este (terapeuta). Para o bem-estar mútuo e o bom andamento da relação ou processo de análise comportamental, para sermos mais precisos, é fundamental que o cliente compreenda o tipo e o modo de ajuda apresentados pelo terapeuta, incluindo aqui, o preço a ser praticado por este ou pela instituição à qual esteja filiado. 0 término poderá se dar, então, quando as metas terapêuticas propostas pelo acordo inicial entre terapeuta e cliente se efetivarem.

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A pergunta sobre qual o lugar, na história das intervenções terapêuticas, da Terapia Comportamental costuma fazer parte dos interesses gerais das pessoas que privilegiam o componente histórico dos modos de se tratar os fenômenos psicológicos. Parece ser de aceitação geral que a Psicologia Comportamental começou a ter seu lugar no trabalho clínico delineado quando Skinner, em 1938, publicou 0 Comportamento dos Organismos. À página seis desse livro, ele observa que "o comportamento é aquilo que se pode observar o organismo fazendo." E uma boa parte do que um organismo faz pode ser "observado" e "analisado". Se a análise de um comportamento pode ser implementada, como afirmou e ensinou Skinner, a Terapia Compor­tamental pode, então, fazer uso dessa análise para ajudar uma pessoa a livrar-se de sentimentos dolorosos, a conhecer-se melhor e a ser mais feliz. Assim, o lugar da Terapia Comportamental está na história que Skinner nos passou: os comportamentos podem ser analisados para o bem-estar daquele que se comporta.

A questão sobre como a terapia comportamental trabalha com pacientes psiquiátricos muitas vezes vem acompanhada de uma história de internação da própria pessoa que está procurando informações ou de outras com as quais se relaciona. Inicialmente, procura-se identificar as histórias de condicionamento pavloviano e operante às quais os pacientes foram e/ou estão submetidos. A partir disso, as histórias genética e atual são levantadas e um diagnóstico funcional é descrito. Os sintomas apresentados são, então, analisados como funções comportamentais adaptativas ou desadaptativas de enfrentamento do diagnóstico ou "quadro" psiquiátrico enunciado. Nessa direção, o tratamento apresentado ou o trabalho com o paciente psiquiátrico deverá implicar a compreensão, com compaixão, dos encadeamentos contingenciais, orgânicos e sociais que ele vivência, com o objetivo maior de reintegrá-lo ao seu meio social natural.

Cumpre prestar esclarecimentos, neste ponto, sobre a fundamentação teórica e filosófica da Terapia Comportamental: o que há para dizer a respeito. Como muitos autores observaram (Kanfer & Phillips, 1974; Rimm & Masters, 1983; Guilhardi, 1988; Delitti, 1993; Kazdin, 1996; Range, 1997), pode-se afirmar que a Terapia Comportamental, fundamentada na teoria da aprendizagem, constitui- se uma abordagem ao aconselhamento e à psicoterapia que tem, como principal tarefa, engajar-se na solução dos problemas do cliente, dando- lhe pistas para localizar suas dificuldades, de modo a "auxiliar o cliente a crescer". Seu crescimento é importante porque, proporcionando a redução do seu sofrimento, produz alívio e melhores condições para o cliente desenvolver o autoconhecimento. Essa abordagem

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psicoterápica tem compromisso teórico com o Behaviorismo Radical e conceituai com a "disciplina metodológica" da Análise Experimental do Comportamento (AEC). Mas seu principal compromisso é mesmo com o cliente. É preciso admitir que o que têm funcionado, de modo mais efetivo, como suporte teórico e metodológico para a Terapia Comportamental, é a filosofia do Behaviorismo Radical e as condições de controle e predição do comportamento demonstradas pela AEC. 0 instrumento que viabiliza a Terapia Comportamental é a Análise Conceituai do Comportamento, que permite a identificação das variáveis relevantes, responsáveis pela instalação, supressão, modificação e manutenção dos fenô-menos comportamentais. Essa análise fundamenta-se em conceitos teóricos que envolvem, basicamente, a aplicação de princípios derivados da pesquisa em Psicologia Experimental e Social, ou seja, da pesquisa em Análise Experimental do Comportamento. A esse respeito, Torós (1996) afirma que

"A Análise do Comportamento não propõe um tratamento sintomatológico ou mecanicista, uma vez que esta abordagem baseia- se no modelo bio-sodo-psicológico, que elimina o conceito traádonal de 'doença subjacente'e mesmo o conceito de sintomas através do qual esta 'doença' se manifestaria. Ela propõe, isto sim, um tratamento das queixas apresentadas (solidão, stress, depressão, insegurança, etc.) e dos mecanismos psicológicos fundonalmente envolvidos com o desen-volvimento e manutenção das problemáticas apre-sentadas.” (pág. 1).

"Para a Análise Comportamental, desenvolvera percepção de si mesmo é a chave do problema. Trata-se demudar o processo (...) de modo que o indivíduo exerça todo seu potencial de reflexão e questionamento sobre suas atitudes (...). Só o indivíduo pode ser o juiz final para determinar o que é certo ou errado para ele, de modo que descubra do que é capaz, gostando de si mesmo." (pág. 3).

Psicoterapia funciona? Os mais céticos, aqueles que primeiro duvidam sem informação precedente, sempre apresentam tal questão. Funciona. Quando uma pessoa procura pela ajuda de um psicoterapeuta, pode-se supor que já existe, nessa pessoa, uma certa "consciência" ou "tendência" ao reconhecimento de suas dificuldades e limitações na solução de seus problemas cotidianos. Nesse sentido, pode-se afirmar que: a) a psicoterapia funciona, de um modo geral, porque oferece ajuda para o alívio de um sofrimento específico e reinstaura a "esperança" de uma vida melhor; b) e, fundamen-talmente, a psicoterapia funciona porque fortalece, no cliente, a crença de que ele pode aprender novas maneiras de viver e de avaliar, mais realisticamente, a função de seus comportamentos, de suas emoções, de seus sentimentos e de

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pensamentos que têm sido importantes na construção de uma vida mais ajustada e confortável. Com base no que bem observa Otero (2000), pode-se afirmar que terapia funciona porque circunscreve um espaço no qual uma pessoa (o cliente) é levada a se conhecer melhor, a descobrir as razões de suas principais atitudes e a se sentir mais capaz de enfrentar a vida, como ela se lhe apresenta. A terapia funciona, na medida em que induz e pondera, ao cliente, o entendimento do como e porque ele (cliente) chegou a ser o que é, e o que poderá fazer para sentir-se mais feliz, apesar das adversidades, às vezes imutáveis, das quais passou a ter consciência.

Uma questão que permeia todas as indagações até agora tratadas aponta em direção da importância fundamental da adesão do cliente- e do terapeuta - ao tratamento psicoterápico, produzido através do estabelecimento de um bom vínculo ou relação clínica/terapêutica.Shinohara (1997) e Meyer & Vermes (2001) observam que a relação terapêutica tem se tornado assunto de grande interesse entre os terapeutas comportamentais, o que vem despertando bastante atenção e discussão em publicações e congressos recentes. A posição de alguns terapeutas contemporâneos sobre fatores específicos (conjunto de técnicas específicas utilizadas pelo terapeuta) e sobre os inespecíficos (conjunto de qualidades inerentes a uma relação humana satisfatória, tais como empatia) é de que a relação terapeuta-cliente não é a única ou mesmo um meio separado de intervenção. Meios, tais como treino em relaxamento, treino em habilidades sociais e outros, serão sempre uma parte importante do arsenal do terapeuta comportamentalista, conduzido no contexto de uma relação humana. Assim, o estabelecimento de um bom vínculo terapêutico, entendido como o estabelecimento de um conjunto de atitudes que favorecem o bom andamento da terapia e, também, de atitudes empáticas, compreendidas como disponibilidade para ajudar e ser confiável, destacam-se como importantes aspectos a serem implementados em uma interação psicoterápica. Atualmente, é de convencimento geral entre os clínicos que a qualidade da relação terapêutica é fator primordial e controlador do sucesso e eficácia de um processo psicoterápico. E é nesse sentido que a relação terapêutica deve ser vista como uma relação diferenciada, na qual o cliente tem a oportunidade de descrever comportamentos que têm lhe trazido problemas e, a partir da interação com o terapeuta, aprender a experimentar e a testar ensaios de formas alternativas de ações mais adequadas e ajustadas (Follette et al., 1996; Lé Sénéchal-Machado, 1999, 2001; Zamignani, 2000).

"A experiência direta que ocorre entre terapeuta e cliente é ocomportamento de interesse, e a história de aprendizagem adicional

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adquirida pelo cliente na interação com o terapeuta durante o tratamento é um importante mecanismo de mudança. Quando o cliente se apresenta na terapia com uma história pobre de relacionamentos interpessoais, a relação terapêutica é uma oportunidade para este demonstrar problemas similares, podendo experimentar tentativas alternativas de respostas, falhar, e ainda ter a aprovação do terapeuta pelas tentativas de mudança." (Follette et aL, 1996, pág. 627).

“Então, a relação terapêutica estabelece o terreno para se treinar o desenvolvimento de relações interpessoais mais saudáveis e não somente para garantir o sucesso das técnicas" (pág. 630).

Dessa maneira, o terapeuta se torna um estímulo discriminativo para revelações e manifestações do cliente e o coloca em contato com as conseqüências de seu próprio comportamento. Para que a relação terapêutica estabelecida leve a mudanças efetivas no comportamento do cliente, as reações do terapeuta às respostas do cliente (sejam elas agradáveis ou desagradáveis) não devem ser as mesmas disponíveis no ambiente natural daquele, já que reações semelhantes tenderiam a manter o problema tal e qual se apresenta). Por isso, é desejável que a aprendizagem de novos comportamentos na clínica passe por processos de modelagem direta, permitindo aos clientes formular regras a partir das contingências presentes na relação terapêutica (Follette et al., 1996; Brandão, 2000; Zamignani, 2000). Aos poucos o terapeuta passa a selecionar classes de comportamento que indiquem mudanças relevantes, de acordo com os objetivos previamente estabelecidos por ambos. Nesse sentido, caracteriza-se o propósito principal da boa relação no processo psicoterápico: fazer com que o cliente entre em ação. Mas essa ação deve ser em conjunto com o terapeuta que, identificando e entendendo as necessidades do cliente, possa contribuir na busca de melhores resultados. Muitas pessoas são ajudadas pelo terapeuta, ao aprender novas formas de encarar as coisas e novos processos de como fazer as coisas. Quando o terapeuta mostra ao cliente, ou seja, identifica para ele o que ele está perdendo caso não aceite suas propostas, e depois o que ganhará se as aceitar, é quase certo que as sugestões sejam aceitas. A pessoa não vai mudar o seu modo de agir se o terapeuta não lhe mostrar as probabilidades futuras de seu sucesso. Essa parece ser uma parte fundamental do processo terapêutico, que se sustenta no tipo de relação de adesão feita pelo cliente (Lê Sénéchal-Machado, 1999, 2001; Conte & Feiges, 2000; Meyer & Vermes, 2001). A relação terapêutica é, eventualmente, caracterizada como unidirecional, mas este é um processo de mútua influência. Não só o terapeuta causa impacto nas respostas do cliente, mas os comportamentos deste também afetam o comportamento do terapeuta.

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A interação terapêutica, portanto, "(...) desenvolve-se como um processo de modelagem do desempenho do cliente e do próprio terapeuta." (Baptistussi, 2000, pág. 158). Os comportamentos do terapeuta e do cliente adquirem propriedades eliciadoras, discrimi-nativas e reforçadoras, portanto controladoras da probabilidade de determinadas ocorrências comportamentais de acordo com a(s) meta(s) terapêutica(s) estabelecida(s) por ambos e que orienta(m) a relação, já que se pode aceitar que as contingências de reforço estabelecidas pelo terapeuta são os principais eventos ambientais responsáveis pelas mudanças comportamentais do cliente (Skinner, 1967; Lé Sénéchal- Machado, 1999; 2001). Dessa maneira, é reconhecida a importância das características do terapeuta sobre o estabelecimento da relação terapêutica, e da influência desta no processo de autoconhecimento e mudança por parte do cliente, já que é possível concordar que os comportamentos do terapeuta determinam, em grande parte, os comportamentos do cliente: as intervenções em psicoterapia estão ligadas, em sua maioria, à influência que o terapeuta exerce sobre o cliente, por intermédio da sugestão, da persuasão, do aconselhamento e, conseqüentemente, do aumento do autoconhecimento. "Todo comportamento (...) é inconsríente: ele se torna consciente quando os ambientes verbais fornecem as contingências necessárias à auto- observação." (Skinner, 1991, pág. 88): a consciência é desenvolvida a partir de contingências estabelecidas por alguns segmentos da comunidade socioverbal, especialmente por processos de autoconhecimento, como acontece na psicoterapia (Lé Sénéchal- Machado, 1997, 2001; Cordioli, 1998; Conte e Brandão, 1999; Brandão, 2000; Shinohara, 1997; Meyer & Vermes, 2001). Assim, o terapeuta, para cumprir seu papel, deve assumir, na interação com o cliente, a função dos "ambientes verbais" (Skinner, 1978). É papel primário do terapeuta facilitar ao cliente a colocação de objetivos, ajudando-o a clarificar o que quer alcançar e guiando-o em direção a objetivos mais realistas, o que só estará "autorizado", se a relação clínica estiver mutuamente gratificante.

Uma questão final, que não raro encerra as conversações sobre o porquê da "escolha" por Terapia Comportamental, será tratada a seguir, finalizando este texto. A pessoa que aprende a descrever as contingências das quais o seu comportamento é função, ou seja, que aprende o autoconhecimento, fica em uma posição privilegiada para prever e controlar suas atitudes, ou seja, para fazer seu autocontrole (Skinner, 1991). Quanto a isso, Micheletto e Sério (1993) acrescentam que, assim, essa pessoa vai se tornando produto e produtor consciente de sua própria história. "Na concepção behaviorista, o homem pode agora controlar

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seu próprio destino, porque sabe o que deve ser feito e como fazê-lo." (Skinner, 1982, pág. 212). A Terapia Comportamental pode ser considerada como "(...) uma prática que se baseia em uma perspectiva naturalista em psicologia e em um modelo sociopsicológico do comportamento." (Rangé, 1988, pág. 20). Por focalizar mais a alteração ambiental e a interação social do que a alteração direta dos processos comportamentais por meio de procedimentos biológicos, tanto o comportamento dito "normal" quanto o dito "anormal" são vistos como resultado de processos de aprendizagem. A atribuição de rótulos ou traços de personalidade ou o exame de supostas patologias subjacentes não são necessários à intervenção psicoterápica, por essa enfatizar mais os determinantes atuais do comportamento que os históricos, valorizando a solução de problemas. Para tanto, o modo analítico comportamental efetiva-se a partir de formulações baseadas em dados empíricos e em predições comprovadas. 0 que eqüivale dizer que, as "intuições" ou "impressões clínicas", inventadas e/ou não demonstradas, só têm valor em Terapia Comportamental quando são utilizadas para gerar uma estratégia comportamental de investigação, tal como a aplicação de tecnologia específica ou a formulação de hipóteses para a explicação do comportamento problemático em questão (Rangé 1988; Guilhardi, 1995; 1997). A Terapia Comportamental diz, portanto, de um enfoque de tratamento da disfunção clínica e do comportamento desajustado e inadequado, que se desenvolveu, em grande parte, a partir

-da^ investigações em Psicologia da Aprendizagem e que tem, como referencial teórico, a orientação filosófica do Behaviorismo Radical. Parafraseando Todorov (1989, pág. 348), este trabalho é uma tentativa de caracterizar a Terapia Comportamental de orientação behaviorista radical e de mostrar como o que se faz nessa área de trabalho clínico é compatível com essa caracterização.

Referências Bibliográficas

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Baptistussi, M. C. (2000). Bases teóricas para o bom atendimento em clínica comportamental. Jn R. C. Wielenska (Org.), Sobre comportamento e

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T r e i n a m e n t o c o m p o r t a m e n t a l de p a i s : u m a

MODALIDADE DE INTERVENÇÃO EM NEUROPSICOLOGIA

DO DESENVOLVIMENTO

Vítor Geraldi Haase* Patrícia Martins de Freitas

Lorenzo Lanzetta Natale Maria Isabel dos Santos Pinheiro

Resumo

As técnicas de modificação do comportamento têm sido empregadas cada vez com mais freqüência no contexto da neuro-psicologia do desenvolvimento, tendo sido, inclusive, cunhado o termo neuropsicologia comportamental para descrever esta área inter-disciplinar. Um dos principais avanços no atendimento psicológico de crianças portadoras de transtornos do desenvolvimento e de suas famílias consiste no trabalho colaborativo com os pais atuando como co-terapeutas e implementando o programa em casa, sob supervisão do terapeuta. Neste artigo, nós apresentamos os pressupostos teóricos e metodológicos desta abordagem, ilustrando sua aplicação em um caso de transtorno internalizante e falta de iniciativa social apresentado por um menino em idade pré-escolar, portador de epilepsia. Apesar de não ter sido possível esclarecer completamente a natureza do quadro neuropsicológico apresentado pela criança, a abordagem terapêutica com base no treinamento dos pais em procedimentos de atenção positiva foi muito bem-sucedida. (Palavras-chave: neuropsicologia, modificação do comportamento, treinamento de pais, transtornos do desenvolvimento, epilepsia.)

Introdução

Crianças portadoras de distúrbios do desenvolvimento e suas famílias apresentam, na maioria das vezes, problemas complexos que

*Endereço para correspondência: Vitor Geraldi Haase, Departamento de Psicologia, FAFICH-UFMG, Av. Antônio Carlos 6627, CEP 31270-901, Belo Horizonte.E-mail: [email protected]

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requerem atendimento por profissionais de diversas áreas. Uma abordagem do desenvolvimento aos transtornos neurológicos e psiquiátricos implica o reconhecimento da importância que a dimensão psicológica assume na promoção da saúde e do crescimento das crianças afetadas e de suas famílias. Por um lado, indivíduos portadores de lesões ou disfunções do sistema nervoso central apresentam uma freqüência até cerca de 20 vezes maior de problemas psicopatológicos (Tramontana & Hooper, 1997). Por outro lado, a adaptação psicossocial e, principalmente, a percepção dos indivíduos sobre esta mesma adaptação, têm se revelado melhores preditores dos desenlaces relacionados à saúde do que avaliações "objetivas" ou externas, realizadas por profissionais (Knãuper & Schwarzer, 1999). Do ponto de vista psicoterapêutico, houve um progresso enorme nas últimas décadas quanto à variedade de abordagens eficazes disponíveis e que podem ser oferecidas às famílias com o intuito de melhorar o seu funcionamento psicossocial e de prover a aquisição de habilidades e o desenvolvimento de crianças portadoras de handicaps neurológicos. Alguns dos principais avanços, segundo Kusch & Petermann (2000), são: a) o reconhecimento da importância dos aspectos psicoeducativos; b) o desenvolvimento de um estilo colaborativo de atendimento, em que as famílias tem voz mais ativa na condução do tratamento, participando na tomada de decisões e, muitas vezes, implementando elas mesmas a terapia proposta no papel de co- terapeutas; c) a realização da terapia no ambiente natural da criança, ou seja, em casa ou na escola; e, finalmente, d) o maior respeito e consideração pelos direitos e pela pessoa da criança, procurando estimular sua capacidade de iniciativa e independência. Neste artigo, nós vamos focalizar o trabalho colaborativo com os pais. Após algumas considerações iniciais sobre os pressupostos teóricos e metodológicos, ilustraremos esta abordagem através de um relato de caso clínico atendido no Ambulatório de Neuropsicologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG.

A atuação dos pais, na maioria das vezes as mães, como co- terapeutas apresenta diversas vantagens. Por um lado, a participação no processo decisório e na implementação da terapia aumenta o engajamento no processo terapêutico, promovento a auto-eficácia e uma filosofia de autocuidado, que são ingredientes essenciais ao sucesso terapêtucio no caso de problemas crônicos. Por outro lado, a colaboração dos pais, trabalhando como co-terapeutas, é um dos métodos preconizados para promover a generalização dos efeitos da terapia para a vida cotidiana. Em alguns casos, os pais podem treinar as técnicas a serem empregadas em uma situação mais formal

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de consultório ou laboratório, para depois aplicá-las em casa. Em outros casos, nem se coloca o problema da transferência, uma vez que todo o tratamento é conduzido em casa.

A colaboração dos pais como co-terapeutas é um dos principais avanços ocorridos na área, mas nem sempre é fácil de implementar. A técnica exige uma análise muito cuidadosa do potencial real da família, uma vez que existe o risco de aumentar o desajuste e o sofrimento. Alguns autores consideram, inclusive, que a presença de patologia psiquiátrica grave em um dos pais ou de um grau elevado de disfunção na estrutura familiar são contra-indicações formais para a utilização deste tipo de abordagem (Barkley, 1997).

0 trabalho colaborativo com os pais exige também uma disposição psicoeducativa por parte do profissional. É muito comum que os pais venham para o atendimento com a expectativa de que o tratamento será realizado pelo terapeuta, como ocorre no modelo médico tradicional ou em outras abordagens psicoterapêuticas, em que a mãe fica aguardando na sala de espera, enquanto olha uma revista e fuma um cigarro. Alguns pais ficam desconcertados ao se confrontarem com uma alternativa diferente, em que lhes é proposto que assumam um outro papel, em que lhes é proposto o desafio de modificarem antes o seu próprio comportamento, com o intuito de modificar o comportamento da criança. Nestas circunstâncias, o terapeuta procura intervir pedagogicamente, demonstrando para os pais a correlação que existe entre o seu comportamento e o comportamento da criança. Isso pode ser feito, por exemplo, com o auxílio de gráficos registrando a variação dos comportamentos da criança em função de variações sistemáticas no comportamento dos pais, ou de modo mais convincente ainda, com o auxílio de registros em vídeo. É necessário, porém, que o terapeuta seja cauteloso, encontrando um equilíbrio ótimo entre o confrontamento e o apoiamento.

0 ideal é que os pais se transformem em peritos no que diz respeito à problemática apresentada por seus filhos. Os pais precisam ser esclarecidos sobre o modelo de relações causais que embasa a análise do(s) comportamento(s) apresentado(s) pela criança, bem como da racionalidade subjacente à proposta terapêutica. Luria (Luria, Naydin, Tsvetkova & Vinarskaya, 1969) já chamava atenção há muitos anos para o fato de que, se o cliente não compreende a sua lógica, o esforço reabilitador em neuropsicologia está fadado ao insucesso. Um dos principais modelos utilizados atualmente em neuropsicologia do desenvolvimento é a análise funcional do comportamento, ou o

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esquema S : R —» C, derivado dos princípios operantes da aprendizagem descritos por Skinner (vide, por exemplo, Kazdin, 1994). A análise funcional do comportamento baseia-se tanto na identificação dos antecedentes (A) que eliciam um comportamento (B) quanto principalmente na identificação dos conseqüentes (C), que contribuem para a manutenção do mesmo comportamento (esquema ABC). As intervenções podem ser baseadas em procedimentos destinados a modificar os antecedentes ou os conseqüentes, sendo que estes últimos são considerados mais eficientes.

A abordagem neuropsicológica, por outro lado, ajuda a identificar antecedentes que tornam o indivíduo mais vulnerável a esquemas desadaptativos de contingenciamento ou que dificultam o processo de aprendizagem e de generalização. Um dos principais antecedentes neuropsicológicos implicados na epigênese de manifestações psicopatológicas diz respeito ao comprometimento das funções executivas (Horton, 1994). Déficits na capacidade de iniciativa, controle inibitório, flexibilidade e planejamento têm sido elencados em um grupo considerável e diversificado de transtornos psicopatológicos e precisam ser levados em consideração na formulação diagnostica (Pennington & Ozonoff, 1996). Apesar de as intervenções comportamentais visarem mais os conseqüentes, a identificação dos antecedentes neuropsicológicos, os chamados fenótipos comporta­mentais (Flint, 1996), também é importante e deve ser levada em consideração, uma vez que contribui para o estabelecimento do prognóstico, o qual é essencial para que a família possa planejar o desenvolvimento da criança. Quanto mais completo e preciso o diagnóstico, mais corretamente poderá ser formulado o prognóstico, ou seja, melhor poderá a família ser orientada quanto às trilhas do desenvolvimento que permanecem abertas para a criança e quais, eventualmente, se fecharam em função do processo patológico. 0 estabelecimento de um prognóstico a longo prazo permite também que os profissionais atuem preventivamente, antecipando-se frente a situações potencialmente desencadeadoras de crises ou agravos potenciais à criança e, assim, promovendo a saúde e o desenvolvimento.

A primeira vista, os paradigmas conceituais e metodológicos da neuropsicologia e da análise funcional do comportamento podem parecer incompatíveis. E, de fato, a adaptação de procedimentos comportamentais para uso em neuropsicologia torna necessária a adoção de um esquema SORC, em que o entre o estímulo e a resposta é substituído pela consideração de variáveis internas ao organismo (Gauggel, Konrad & Wietasch, 1998). Horton (1994) relata, entretanto, que em 1973 já

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havia o reconhecimento das vantagens potenciais de uma tal abordagem eclética, quando um grupo de trabalho se formou na Association for the Advancement of Behavior Therapy, sob a rubrica "neuropsicologia comportamental". Segundo Horton (1979, citado em Horton, 1994, págs. 3-4):

"A neuropsicologia comportamental pode ser definida como a aplicação de técnicas de terapia comportamental aos problemas apresentados por indivíduos portadores de transtornos orgânicos, ao mesmo tempo em que é utilizada uma perspectiva neuropsicológica de avaliação e de intervenção. Essa modalidade de tratamento sugere que a inclusão de dados originados a partir de estratégias neuropsicológicas de avaliação pode ser útil na formulação de hipóteses sobre as condições antecedentes (externas ou internas) dos fenômenos psicopatológicos observados. Isto é, a perspectiva neuropsicológica incrementa significativamente a habilidade do terapeuta comportamental de fazer discriminações predsas quanto â etiologia dos comportamentos do paciente. Além disto, a elaboração e implementação de um plano coerente de intervenção terapêutica pode, em certos casos, ser facilitada por uma análise dos déficits comportamentais implicados pelos comprometimentos das funções corticais superiores".

A seguir, relatamos um caso de um menino de quatro anos, P. F., trazido à consulta por sua família no Ambulatório de Neuropsicologia Pediátrica do Hospital das Clínicas. Acreditamos que este caso possa contribuir para ilustrar algumas questões práticas colocadas pelo trabalho comportamental com os pais de crianças portadoras de transtornos do desenvolvimento. 0 caso está sendo relatado com a autorização por escrito dos pais, os quais leram previamente o manuscrito.

Relato de Caso

Identificação: P. F. é um menino com quatro anos de idade, sendo o primeiro filho de um casal de classe média. P. F. possui um irmão com oito meses de vida e mora com os pais e os avós.

Motivo da consulta: Mudança de comportamento, prostração, falta de iniciativa para falar e para interação social.

História atual: Há cerca de seis meses, havia sido diagnosticada epilepsia, após uma crise convulsiva maior (sic) e constatação de alterações no eletroencefalograma. Anteriormente, P. F. havia sofrido quatro crises convulsivas em vigência de febre. A tomografia axial computadorizada do encéfalo foi normal. Na época da consulta, P.F. estava recebendo 70 gotas de fenobarbital, tendo parado de

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apresentar crises.

Desde o início das crises, P. F. apresentou importantes mudanças no seu comportamento, principalmente sob a forma de prostração. Anteriormente, comunicava-se mais, dava mais respostas, compartilhava mais sua vida. 0 seu comportamento era meigo e gentil, mas ficou introspectivo. Na época da consulta não estava mais contando as coisas para os pais e avós. Chamavam-no e, freqüentemente, ele não respondia. A professora também notou a mesma coisa. A mãe observou que o desenvolvimento de P. F. havia como que desacelerado.

A mãe relatou que, ao ser chamado, P. F. não responde. Parecia estar prestando atenção em outra coisa. É como se estivesse ausente. Só respondia após muita insistência. A mãe notou que P. F. estava muito diferente das outras crianças. Não demonstrava interesse pelas coisas e pelas pessoas. A mãe, bem como a professora, chegaram a pensar em autismo, mas a mãe não acreditou nesta hipótese. Foi relatado ainda que P. F. é muito sensível, principalmente a críticas. Também tem o hábito de chorar ao ouvir músicas tristes. P. F. também não costumava revidar quando as outras crianças o agrediam. A criança com que mais convivia é uma prima de três anos. Apesar de ser menor do que ele, a prima batia em P. F. e este não revidava. Há cerca de dois meses, o pai levou-o a um parque. P. F. não se interessou por nada, por nenhum brinquedo. "As outras crianças pedem para ir nos brinquedos e choram na hora de ir embora", estranhou o pai.

A mãe se queixou de que a fala de P.F. estava muito ruim. Antes dos últimos episódios de convulsão, a fala era mais fluente. A empregada da família sentiu como se P.F. estivesse ausente, pois não ficava mais atrás dela falando insistentemente. Perdeu a iniciativa para falar. Quando falava, parecia ficar cansado. Fazia cara de sofrimento. Às vezes conversa bastante consigo mesmo. A mãe relatou achar que, na época da primeira consulta, a linguagem de P.F. não estava se desenvolvendo. Mesmo assim, continuava se expressando em frases bem estruturadas, como por exemplo: 'Ter o nome de Sherikan está por fora" ou "0 robô é de lata". Esta última foi a única frase que P.F. pronunciou para a mãe durante um período de três horas em que ficaram juntos aguardando o horário da consulta.

Os pais não tiveram dificuldades em citar evidências indicando que P. F. apresenta brinquedo de fantasia e capacidade relativamente elaborada de imaginação: ele pega, por exemplo, uma tábua e faz de conta que é um avião, ou então pega uma caixa de papelão, coloca um pedaço de papel enrolado com a forma de um cano e diz que é uma filmadora, ou máquina de fazer refrigerante. Outra vez, pegou umas coisas suas e inventou um canhão. Numa outra ocasião, pegou um saché, desmanchou e confeccionou um enfeite de Natal.

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P. F. sofreu diversos episódios traumatizantes na sua vida. Há cerca de um ano, ocorreu um episódio em que P. F. foi esquecido por uma professora no banheiro. A professora foi levou-o ao banheiro e se esqueceu de buscá-lo. Como a fechadura da porta era meio complicada, P. F. não conseguiu abri-la por dentro e ficou quase quatro horas sozinho no banheiro chorando. A professora só se lembrou de buscá-lo quando viu sua mãe chegando para buscá-lo no final da tarde. Depois disto, P. F. passou um certo tempo repetindo insistentemente: "Não me esquece, não me esquece não". Falava isto para os pais mais de 300 vezes por dia (sic). Em outra ocasião, ficou repetindo sistematicamente a frase "Eu não sou palhaço, eu não sou palhaço". "Eu não sou doido não". Aparentemente, naquela ocasião, alguns coleguinhas andavam fazendo troça dele na escola. Em outra situação, caiu na piscina da escola e foi salvo por um colega. Após este episódio, a família mudou-o de escola.

Por vezes a descrição, por parte dos pais, dos episódios de medo é sugestiva de um quadro de alucinações. Os pais relataram que P. F. tinha pavor de ficar sozinho em algum cômodo da casa, apontando para os lugares como se estivesse vendo alguma coisa, falando frases sem sentido como: "Existe um Ticopetão". Segundo o relato dos pais, P. F. sentia muito medo e ficava muito triste depois que essas crises aconteciam.

0 irmão nasceu em março de 2000. No início, P. F. ficou um pouco agressivo, mas a agressão logo foi substituída por apatia geral. Não conversava mais. Não tinha interesse por comer. Tudo estava bom. A professora observou falta de entrosamento e de participação na escola. Nos últimos dias antes da primeira consulta, já havia sido observada alguma melhora. Estava mais alegre, cantando de novo. A professora também observou esta melhora. Antes estava triste, agora já brincava sozinho. Há um mês, ocorreu um episódio em que P. F. arrumou suas coisas, "fez sua mala", para ir embora de casa. A mãe ficou muito triste e pensou: "Será que o meu filho está ficando doido?"

Temperamento: P. F. é muito sistemático. Sempre faz as coisas da mesma forma. Seus brinquedos são super- cuidados e o seu quarto se mantém sempre em ordem.

História escolar: P.F. é lento na escola e quase não interage com os colegas. No meio do ano, mudou de escola. Saiu de uma escola pequena para uma escola grande.

História da gestação: P. F. foi um filho muito desejado, tendo nascido após a mãe ter feito vários anos de tratamento para infertilidade. Durante a gestação, a mãe teve infecção urinária, mas não apresentou

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nenhum quadro clínico sugestivo de doenças virais. A pesquisa para infecções congênitas foi negativa. A gravidez foi difícil, tendo sido necessário utilizar progesterona para segurar o feto. No final da gestação, a glicemia estava alta e a mãe chegou a apresentar glicosúria. Por ocasião do parto, não havia dilatação e foi necessário fazer cesariana. A mãe estava muito ansiosa, tinha medo de fazer parto normal. P. F. nasceu bem, chorou logo e teve Apgar bom.

Desenvolvimento na primeira infância: Toda a família comenta a diferença no desenvolvimento dos dois irmãos. P. F. era muito comportado, até os quatro ou cinco meses não fazia artes. Os marcos do desenvolvimento foram sempre atingidos dentro do esperado. Falou as primeiras palavras com 12 meses ("mamãe") e juntou as palavras em frases aos 24 meses. A mãe considera que o seu desenvolvimento foi normal até cerca de dois anos e meio. Há cerca de um ano é que a mãe chegou à conclusão de que havia alguma coisa de errado com o menino.

Antecedentes mórbidos: P. F. já foi operado de adenóides e fimose. Por ocasião da cirurgia de fimose, apresentou uma complicação, a uretra fechou no processo de caterização e precisou ser reoperado. Também já teve amigdalite. Aos oito meses de idade, P.F. recebeu atendimento fonoaudiológico por causa de respiração nasal.

As primeiras três crises ocorreram quando P. F. tinha um ano e meio de idade. A seguir, ficou um ano inteiro sem crises. Por ocasião da primeira crise, estava com sinusite. Por volta de 21 horas, teve uma espécie de desfalecimento em vigência de febre. Chamavam-no e ele não respondia. Levaram-no ao hospitial. 0 pediatra indicou banho, compressas e antibióticos. Retornou para casa. Cerca de 24 horas depois, a febre piorou e deu uma espécie de choque, começando pelo lado direito. P. F. repuxou a perna e o braço direitos, daí a crise generalizou e correram para o hospital. A mãe acha que P. F. ficou três minutos sem respirar.

História familiar: P. F. é o primeiro filho de uma profissional da área de saúde com 31 anos de idade, e de um funcionário público com 36 anos - ambos possuem escolarização universitária. 0 casal tem mais um filho, atualmente com oito meses. 0 relacionamento do casal é muito bom, os pais são muito unidos e expressam atitudes e valores concordantes. 0 pai é um homem muito calmo, estudioso e trabalhador, sendo também muito calmo no relacionamento com P. F., não batendo no menino.

Há relato de diversos casos de epilepsia e de outros problemas neurológicos na família dos pais. Um primo do pai tem um filho com

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problema neurológico. Outro primo do pai usou fenobarbital por muito tempo. Os casos referidos de epilepsia dizem respeito a um irmão da avó materna. Na família da avó paterna da mãe também havia diversos casos de epilepsia.

Exames complementares: Um exame de impedancio-metria foi normal, bem como o exame de ressonância nuclear magnética do encéfalo. Um eletroencefalograma em vigília evidenciou "repetidas descargas de ondas agudas e/ou pontas na região temporal esquerda".

Observação comportamental: Em uma fita de vídeo registrada durante a festa do seu último aniversário, foi observado que a interação social de P. F. era muito pobre, sendo, de modo geral, o seu comportamento caracterizado por uma acentuada apatia e falta de interesse pelas coisas e pessoas, inclusive presentes e bolo de aniversário. P. F. apresentava lentificação motora, falta de equilíbrio e uma discreta incoordenação motora apendicular. Os pais estavam sempre tentando proteger P. F. e a si mesmos, negando as dificuldades do menino. Foi observado que o pai se mostrava embaraçado ao tentar estimular P. F.. A mãe mostrava- se um pouco mais à vontade, mas suas tentativas não encontravam eco por parte de P. F., o qual ignorava também a presença do irmão. Nas horas de jogo realizadas no consultório e em sua casa, P. F. mostrava-se pouco entusiasmado e com aparência sonolenta. Respondia muito poucas vezes às tentativas de interação por parte da examinadora. Raramente verbalizava e nunca tomava iniciativa para as brincadeiras. P. F. manipulava os brinquedos de forma disfuncional. A observação do quarto de P. F. chamou atenção para o fato de que o mesmo estava todo arrumado e com os brinquedos guardados.

Avaliação neuropsicológica: A testagem psicométrica foi bastante prejudicada pela falta de interesse, pela dificuldade de P. F. adequar- se à situação de testagem e de concentrar-se nas tarefas. Sua atenção se mantinha difusa, dispersando-se durante a realização dos testes. A performance no Teste Visomotor de Santucci confirmou a presença de um déficit motor, uma vez que os gestos de P. F. foram executados de modo torpe, não conseguindo desenhar figuras geométricas como o quadrado. P. F. manteve sempre um padrão circular nos desenhos, o que pode ser caracterizado como uma forma perseveração. Outro aspecto importante no teste de Santucci foi a sobreposição de estímulos. No Teste de Discrimação de Listas (TDL-UFMG), P. F. mostrou desempenho adequado para memória de reconhecimento. 0 desempenho em memória de recenticidade mostrou-se, entretanto, deficiente. No Teste de Busca Visual, P. F. apresentou muitos erros e dificuldade de manter o estímulo modelo para resolução de problemas,

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apresentando ainda alto índice de perseverações. No Teste de Fluência Verbal, P. F. mostrou dificuldades em verbalizar, apresentando quatro respostas como máximo dentro de uma categoria (partes do corpo). Considerando a queixa dos pais e a observação comportamental de apatia e desinteresse, os achados da testagem neuropsicológica são compatíveis com um quadro de disfunção executiva.

Impressão diagnostica: Com certeza pode ser estabelecido apenas que P. F. apresenta um quadro neurológico de epilepsia, acompanhado de alterações internalizantes do comportamento. 0 leque de considerações no diagnóstico diferencial é bastante amplo, algumas hipóteses já podem, entretanto, ser descartadas. Outras precisam ainda de maiores investigações e seguimento para serem eventualmente confirmadas ou descartadas. As principais hipóteses consideradas foram:

a) Epilepsia: 0 diagnóstico de epilepsia foi firmado em razão das crises convulsivas repetitivas associadas a alterações eletroencefalográficas paroxísticas. Os exames de neuroimagem não revelaram uma causa estrutural para o quadro convulsígeno. A história familiar sugere uma etiologia genética para o quadro convulsígeno. Uma avaliação genética foi programada para após a resolução do quadro inicial de comprometimento comportamental.

b) Síndrome de Landau-Kleffner: A síndrome de Landau-Kleffner é um quadro de alterações no desenvolvimento da linguagem acompanhado de crises convulsivas (vide Deonna, 1996). Geralmente, a criança apresenta um período de alguns anos de desenvolvimento normal da linguagem, quando então começa apresentar uma regressão nas aquisições lingüísticas. As crises convulsivas podem preceder ou suceder o surgimento das alerações na linguagem. A hipótese de Landau-Kleffner pode ser excluída por três motivos principais. Em primeiro lugar, o quadro de alterações da linguagem nesta síndrome consiste de um déficit muito grave na compreensão verbal (agnosia auditivo-verbal) fazendo, muitas vezes, com que estas crianças pareçam surdas, ou até mesmo autistas. Em segundo lugar, a síndrome de Landau-Kleffner geralmente se associa a transtornos externalizantes graves do comportamento. E, finalmente, o padrão eletroencefográfico de comprometimento na síndrome de Landau-Kleffner é bilateral e há desorganização ou lentificação pronunciada da atividade bioelétrica.

c) Autismo: A hipótese de autismo é fácil de afastar, uma vez que as características qualitativas da interação social de P. F. não são compatíveis com este quadro clínico. Uma das principais razões é que os pais relatam vários exemplos de brinquedo imaginativo.

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d) Depressão ou "Psicose": Estas duas hipóteses são mais difíceis de afastar. 0 quadro de alucinações poderia se dever a crises convulsivas sem manifestações motoras. Esta hipótese foi afastada quando um psiquiatra consultado pela família substituiu fenobarbital por ácido valpróico como anticonvulsivante e prescreveu haloperidol, tendo a criança melhorado do quadro sugestivo de alucinações. Também não é compatível com a hipótese de um quadro psicótico ou desintegrativo o fato de que P. F. sempre apresentou evidências de uma atividade mental relativamente bem organizada. A hipótese diagnostica de uma sintomatologia depressiva é mais difícil de afastar, uma vez que este tipo de quadro pode, sabidamente, manifestar-se de formas muito sutis na infância (vide Essau e Petermann, 2000).

e) Efeitos colaterais da medicação anticonvulsivante: Esta é a hipótese mais benigna para explicar as manifestações comportamentais observadas em P.F., uma vez que implica o melhor prognóstico possível quanto ao seu desenvolvimento futuro. 0 principal para-efeito observado com o uso de fenobarbital em crianças pequenas é a agitação (vide Richens, 1996). A agitação, no entanto, é muitas vezes chamada de "efeito paradoxal", uma vez que esta droga é um poderoso sedativo e não um estimulante do sistema nervoso central. Esta hipótese ganhará força se a evolução benigna do quadro clínico associar-se a uma retomada do curso de desenvolvimento pela criança. Contra a hipótese de intoxicação medicamentosa depõe, entretanto, o fato de que algumas das alterações comportamentais de P. F. já estavam presentes por ocasião do seu último aniversário, quando ainda não havia iniciado o uso de anticonvulsivante.

Análise funcional dos sintomas comportamentais: Nós acreditamos que a complexidade e a diversidade das hipóteses neurológicas e psiquiátricas aventadas para explicar os sintomas apresentados por P.F., bem como a incerteza quanto a estes - cuja confirmação depende, em grande parte, de um acompanhamento do caso por mais tempo - não permitem uma formulação comportamental segura do diagnóstico. Do ponto de vista comportamental, os principais fatores de risco detectados dizem respeito à ansiedade e às altas expectativas iniciais da família em relação ao menino e sua conseqüente frustração, associadas ao nascimento do irmão, e o contraste que foi desencadeado pela comparação com o comportamento e o desenvolvimento deste último. É possível que estes fatores familiares tivessem interagido com a vulnerabilidade neurológica associada às crises convulsivas, no sentido de desencadear o quadro de transtornos internalizantes. A hipótese de para-efeitos medicamentosos não pode, entretanto, ser

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afastada no momento.

Intervenção realizada: Considerando a boa estrutura familiar, mas, simultaneamente, a ansiedade elevada apresentada pelos pais, as suas dificuldades em se posicionarem à vontade para estimular a criança, a saliência dos déficits observados no comportamento social da criança, bem como as incertezas quanto à etiologia do quadro comportamental optamos por um plano conservador de intervenção. Os principais ingreditentes do atendimento foram: a) apoiamento da família, b) esclarecimento de dúvidas e discussão das implicações relacionadas com as diversas hipótesès^ diagnosticas e resultados de exames, c) treinamento comportamental de pais. 0 treinamento comportamental foi adaptado a partir de um modelo sugerido por Barkley (1997) para o tratamento de crianças com transtornos externalizantes. Como a criança não apresentava nenhum problema de disciplina, concentramo-nos principalmente no conceito de atenção positiva. Ou seja, de treinar os pais para prestar atenção e registrar os comportamentos sociais adequados da criança. Os pais foram instruídos a instituir períodos de 15 a 20 minutos por dia de "recreio especial", em que dedicariam toda sua atenção de melhor qualidade para P. F. A instrução geralmente dada aos pais é que devem escolher um momento em que estão mais relaxados, procurar se pôr à vontade e se oferecerem para brincar com a criança. Durante o recreio especial, é a criança que assume o comando, escolhendo as atividades. 0 papel dos pais consiste em demonstrar interesse pelas atividades realizadas da criança, participar das brincadeiras, na medida em que isto for adequado, elogiar os comportamentos adequados da criança e ignorar, dentro de limites, os comportamentos inadequados.

Como a iniciativa social de P. F. estava muito escassa, não era possível contar com a hipótese de que ele tomasse a dianteira e propusesse as atividades ou interações sociais. Foi, então, combinado com os pais que a iniciativa deveria partir deles. A habilidade principal a ser ampliada no repertório comportamental de P. F. foi identificada como sendo a introdução de habilidades sociais básicas, tais como reciprocar as iniciativas de outras pessoas. Os comportamentos inadequados foram então definidos como sendo a falta de resposta social, apatia e prostação e os pais foram instruídos a registrá-los e ignorá-los. Os comportamentos adequados foram operacionalizados como sendo toda e qualquer resposta à iniciativa social dos pais, tais como sorrir, abraçar, responder verbalmente, brincar com coleguinhas, bem como qualquer iniciativa de interação. Os pais foram instruídos também a, após garantir a sua atenção, dar instruções simples e explícitas para P. F., no sentido de estimular a sua iniciativa

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social. 0 menino era instruído, por exemplo, a abraçar e a beijar os avós etc. Caso não respondesse, os pais não deviam insistir mais momentaneamente. Caso o menino esboçasse alguma resposta adequada, deveria ser elogiado, abraçado, acarinhado, etc.

Resposta a Interações S o c ia is

2õ£<ü3TTO»

pré/pós intervenção

Figura 1 - Freqüência de respostas adequadas emitidas pelo cliente às solicitações sociais dos pais. Em cima: Freqüências de respostas registradas nas sessões individuais de pré-teste (sessões n^ 1 a 4) e de pós-teste (sessões n“ 20 a 23). Em baixo: Freqüências agrupadas de resposta no pré- e no pós-teste.

A intervenção foi conduzida por um período de 23 sessões realizadas em casa pelos pais, três ou quatro, vezes por semana. As quatro primeiras e as quatro últimas sessões serviram de pré- e pós- teste, respectivamente. Os resultados dos registros realizados pelos pais estão exibidos na Figura 1 e indicam um aumento acentuado das

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respostas sociais que se elevaram de um a dois por sessão durante as quatro sessões da linha de base, para até nove respostas socialmente competentes nas últimas sessões de treinamento. Qualitativamente, foi registrada também uma melhora acentuada no comportamento de P. F. A criança passou a se comportar de modo mais alegre, a se interessar pelas pessoas e a interagir mais com crianças da mesma idade. Em uma sessão de seguimento, realizada algumas semanas após o término deste treinamento inicial, foi observada uma interação de P. F. com uma criança estranha, uma menina que se encontrava no corredor da clínica. Os dois se dirigiam a um bebedouro. Quando percebeu que a menina também estava querendo tomar água, P. F. disparou na frente, tomou água e depois se voltou triunfante para a menina que aguardava: "Cheguei primeiro, ha! ha! ha!". Em uma entrevista de seguimento realizada com os pais 30 dias após o término do treinamento em atenção positiva, estes relataram que o comportamento da criança havia se modificado inteiramente. P. F. está alegre como nunca havia sido antes. Toma a iniciativa durante as interações sociais, solicita a atenção dos pais, entrosou-se melhor com os colegas na escola, está ampliando rapidamente o seu vocabulário, inclusive surpreendendo os pais, e começou a desenhar as letras do alfabeto. A mãe relatou que as primeiras sessões do recreio especial foram especialmente dolorosas para ela. Ela pegava a prancheta, começava a observar e anotar o comportamento de P. F. e se dava conta das suas dificuldades. Ao mesmo tempo, percebeu que negava,

. anteriormente, as suas dificuldades. Gradualmente, passou a focalizar mais os aspectos positivos do comportamento social de P. F., enquanto se alegrava com os pequenos progressos, à medida que estes ocorriam e eram registrados.

Conclusão

Julgamos que o caso relatado contribui para ilustrar as complexidades associadas à utilização de técnicas comportamentais no atendimento de crianças portadoras de transtornos do desenvolvimento e de suas famílias. Apesar de não ter sido possível formular uma hipótese segura quanto à natureza e à etiologia das alterações comportamentais apresentadas, acreditamos que o programa contribuiu para o desenvolvimento de algumas habilidades sociais básicas na criança, possibilitando o aumento das interações sociais e revertendo assim completamente o transtorno internalizante apresentado pela criança. As circunstâncias não permitem afastar a possibilidade de uma toxicidade medicamentosa, nem tampouco devem

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ser subestimados os resultados das trocas de medicações efetuadas, principalmente a introdução de um psicofármaco poderoso como o haloperidol. 0 programa teve como foco de análise e intervenção o ambiente natural de uma criança epiléptica, que apresentava um quadro acentuado de apatia semelhante à depressão. Os sintomas apresentados pela criança desapareceram em algumas semanas. Ao mesmo tempo, a intervenção pode ter sido benéfica para os pais, uma vez que o seu engajamento no programa pode ter contribuído para aumentar sua auto-eficácia, no sentido de manejar as dificuldades da criança, bem como no sentido de redefinir seus sentimentos, expectativas e objetivos em relação ao desenvolvimento do menino, contribuindo para uma avaliação mais realística das suas dificuldades e potencialidades. Os resultados do teste de Columbia, realizado durante o período de seguimento, indicaram que o QI do menino se situa na faixa percentual de 79. A melhora observada no funcionamento social da criança permitiu também um diagnóstico mais preciso por parte da equipe quanto ao funcionamento intelectual de P. F., contribuindo, assim, para a orientação do seu processo educacional.

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Esquemas DRO e DRA como estra tég ias de in te r ­

venção c l ín ic a : estudo de caso

Lyudmilla Furtado Mendonça*

Resumo

Este trabalho relata uma intervenção analítico-comportamental no qual foi usado o reforçamento diferencial em esquemas DRO - reforço diferencial de outro comportamento e DRA - reforçamento diferencial de um comportamento alternativo como uma das estratégias de intervenção clínica. Através de uma análise funcional pelo método indireto (entrevistas com o cliente e outros significativos e auto-registro do comportamento), foram constatados os déficits e os excessos comportamentais do cliente. Como resultado desta avaliação, optou- se por reforçar diferencialmente respostas alternativas às respostas- problema, manipular as respostas-problema ocorridas em atendimento através de DRO (Reforçamento diferencial de outro comportamento) e implantar um repertório concorrente ao invés de extinguir os comportamentos disfuncionais existentes. Os resultados obtidos indicam que estes manejos, DRA/DRO podem ser instrumentos eficazes para a intervenção clínica em disfuncionalidades semelhantes.

Hi s t ó r i c o ^

0 cliente, um jovem de 22 anos, foi encaminhado para tratamento psicológico por um clínico geral apresentando um importante quadro de respostas depressivas. Já havia tentado suicídio algumas vezes. Apresentava vários episódios de auto-agressão, como bater a cabeça na parede, esmurrar o próprio rosto e puxar os cabelos.

Era o terceiro filho-de uma família de cinco filhos,recém-casado. Ainda não havia concluído o 2a grau e trabalhava como balconista em um estabelecimento comercial.

* Clínica Tolman - São João del-Rei. E-mail: [email protected]

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As principais queixas relatadas pelo cliente eram uma preocupação excessiva e injustificada quanto à fidelidade de sua esposa, que vinha desde o período de namoro e havia se agravado depois do casamento, e as brigas contínuas entre seus pais, que também lhe incomodavam. Relatava um medo injustificado de sair à rua e ser agredido ou molestado. Tinha preocupações com relação à vida pessoal de seu patrão. Dizià* não conseguir parar de pensar (autotato) quando exposto a estímulos aversivos ou conter seus impulsos quando nervoso.

A sua história revelou a presença de contingências familiares aversivas, as quais ele relatava como mais importante as constantes brigas entre os pais, devido à relação extraconjugal mantida _por seu pai, com conseqüente sofrimento de sua mãe, que utilizava os filhos para tentar conter o marido. Apresentava um ciúme excessivo e injustificado em relação à esposa, explosões de raiva seguidas de choro sempre que era contrariado, uma preocupação excessiva com a própria imagem (considerava-se muito feio) e idéias de referência. Entrevistada, a mãe do cliente relatou preocupações com o cliente desde criança e um sentimento de culpa de sua parte, por achar seu filho muito feio - "como se eu tivesse ficado devendo algo a ele."

Os episódios de auto-agressão estavam correlacionados a situações às quais eram relatadas pelo cliente como tensas, precedidos por estimulação aversiva, normalmente proveniente da própria família ou esposa. Por exemplo, uma briga dos pais ou um simples olhar para o lado da esposa eram suficientes para desencadear uma crise. 0 comportamento auto-agressivo sempre mobilizava a todos e normalmente resultava no término da briga ou em inibição do comportamento da esposa. Nunca ocorria em situações em que o paciente estivesse só, e sempre era seguido por imediata atenção dos familiares.

A avaliação funcional revelou estratégias desadaptadas para o manejo da supressão condicionada, comportamento não assertivo, tatos e autotatos distorcidos, e um controle predominante por contingências de reforçamento negativo.

Definições

Reforço Diferencial, DRO e DRA

Sempre que o comportamento de alguém é variável dentro de um contexto e algumas de suas formas são reforçadas, enquanto outras

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não o são, o comportamento está sob reforçamento diferencial e, ao ser reforçado, o comportamento tende a aumentar de freqüência.

No reforçamento diferencial, as respostas que são mais úteis, práticas e recompensadoras em cada contexto serão selecionadas. Inicialmente, as classes de respostas são inúmeras e o reforço diferencial reforçará as mais eficientes. Um adendo pertinente a ser feito neste momento seria estabelecer a semelhança do fenômeno do reforçamento diferencial e a "seleção natural". Os analistas do comportamento pensam que a modelagem do comportamento funciona exatamente da mesma forma que a evolução das espécies. Assim como as diferenças no sucesso reprodutivo (aptidão) modelam a composição de uma população de genótipos, o reforço e a punição modelam a composição do comportamento do indivíduo (Baldwin & Baldwin, 1987; Baum, 1999).

Reforçamento diferencial é o reforço de algumas respostas, mas não de outras. Dependendo das propriedades das respostas, como a intensidade, as propriedades temporais, topográficas ou outras, o reforço diferencial define as classes operantes. "Quando a proporção de respostas dentro do limite da classe operante aumenta como resultado do reforço diferencial, o responder é denominado diferenciado". (Catania, 1999, pág. 418).

A maneira como o reforçamento diferencial é programado para resultar uma dada resposta pode variar com base nas dimensões das repostas, nas dimensões do estímulo ou nas dimensões temporais. A isso se dá o nome de esquemas de reforçamento. (Whaley & Mallot, 1980; Baldwin & Baldwin 1987; Catania, 1999)

Reforço diferencial de outro comportamento - DRO é um esquema de reforçamento no qual a resposta é reforçada dentro de um esquema de intervalo de tempo.

------ "Apresenta um reforçador na condição de que ocorra umtempo definido sem uma resposta especificada. Este é, de fato, o nome técnico para o procedimento geralmente usado para programar o reforço para um responder alternativo, durante a extinção de um comportamento, em situação de aplicação" (Catania pág. 140).

Miltenberger (2001) assim define DRA (differential reinforcement of alternative behavior):

"Reforçamento diferencial de um comportamento alternativo- DRA - é um procedimento para dim inuir problemas de comportamento através do reforçamento diferencial de um

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comportamento alternativo que seja um equivalente funcional da resposta-problema, tornando-se possível a instalação de um repertório de respostas competitivas que substituam as respostas problemas." (pág. 492).

Tanto DRO como DRA são alguns dos esquemas de reforçamento diferencial possíveis de serem usados na modificação do comportamento. *.*

A nálise Funcional

Uma análise funcional é uma avaliação das contingências. Como, quando e onde um comportamento ocorre e, o mais importante, qual a função daquele comportamento naquelas contingências.

"Fazer uma análise funcional é identificar a função, isto é,. o valor de sobrevivência de um determinado comportamento". (Mattos, 1999, pág. 11)

Através da análise das contingências, é possível se identificar as variáveis que controlam o comportamento, tornando possível levantar hipóteses acerca da aquisição e manutenção das repostas consideradas disfuncionais, possibilitando, então, o planejamento de novos padrões de respostas comportamentais. (Delitti, 1997; Guilhardi,1997)

A abordagem comportamental para o fenômeno clínico representa uma tentativa de entender porque aquele indivíduo, dentro de determinadas circunstâncias, comporta-se daquela maneira e porque esse comportamento se mantém, buscando as causas de origem e as causas de manutenção. 0 termo "reforçamento" define uma classe de eventos (respostas) que mudam de acordo e em função de outra classe de eventos "estímulos conseqüenciadores". (Torós, 1997; Matos, 1999)

Resumidamente, para a realização de uma avaliação funcional é preciso uma investigação que produza respostas para as seguintes questões:

• Problema de comportamento: uma descrição objetiva das respostas que constituem um problema;

• Antecedentes: uma descrição objetiva dos eventos ambientais que precedem o problema de comportamento, incluindo aspectos do ambiente físico e ações de outras pessoas;

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• Conseqüências: uma descrição objetiva dos eventos ambientais que sucedem o problema de comportamento, incluindo aspectos do ambiente físico e as ações de outras pessoas;

• Respostas alternativas: informações sobre respostas desejáveis presentes no repertório da pessoa que podem ser reforçadas para competir eficazmente com o problema de comportamento;

• Variáveis motivacionais: informações sobre eventos ambientais e/ ou históricos que possam influenciar a efetividade dos reforçadores e punidores para o problema de comportamento e para respostas alternativas;

• Reforçadores potenciais: informação sobre eventos ambientais, incluindo estímulos físicos e ações de outras pessoas que possam ter função reforçadora e ser usados no tratamento.

Estas questões são parte do procedimento de avaliação funcional apresentado por Starling (2002).

Com a realização de uma análise funcional, a visualização do problema torna-se muito mais clara e os manejos clínicos mais precisos, tornando possível a hierarquização dos comportamentos a serem modificados. Após a realização da análise funcional deste paciente, foi possível descobrir que, por exemplo, o comportamento de se auto-agredir, que a princípio era o mais preocupante, logo o principal a ser tratado, na verdade não demandava tanta atenção clínica, e apresentava as seguintes características: freqüência - média, intensidade - fraca, amplitude - situacional e duração - curta, sendo assim um comportamento que não causava tantos prejuízos como se imaginava. Já o déficit no manejo da frustração apresentava: freqüência - alta, intensidade - forte, amplitude - generalizada e duração - prolongada, tornando-se, deste modo, um comportamento mais emergencial que o primeiro.

Também é necessário fazer uma segunda avaliação dos dados, na qual as queixas são dispostas em um contínuo: queixa, precursores, sucessores e encadeamento. Com isso, podemos determinar qual a função da resposta dentro de uma cadeia compor-tamental.Normalmente, através dessa análise, torna-se possível determinar

i /

reforçadores que possám estar mantendo a resposta-problema. E possíveltambém proceder à implantação de um novo comportamento mais funcional e com um custo-benefício menor.

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Tabela 1: Excessos comportamentais - Repertório Inadequado

Situações-Problema Freqüência Intensidade Amplitude Duração

Preocupações quanto a sua aparência

Alta Forte Generalizada Prolongada

Auto-agressão Média Fraca Situacional Curta

Medo de brigas Média Forte Generalizada Prolongada

Preocupações quanto ao seu desempenho sexual

Alta Forte Generalizada Prolongada

Dificuldade em mudar de pensamentos

Alta Forte Generalizada ^Prolongada

Freqüência: Baixa/Média/Alta - Intensidade: Fraca/Média/Forte - Amplitude: Situacional/Generalizada - Duração: Curta/Média/Prolongada

Tabela 2: Déficit Comportamental - Repertório InadequadoSituações-Problema Freqüência Intensidade Amplitude Duração

Manejo de frustração Alta Forte Generalizada Prolongada

Manejo dos conflitos interpessoais / Medo de ser traído

Alta Forte Generalizada Prolongada

Manejo de situações competitivas (reais ou imaginárias) / Ciúmes

Alta Forte Situacional Prolongada

Manejo do ambiente social /

Inassertividade

Alta Forte Situacional Prolongada

Freqüência: Baixa/Média/Alta - Intensidade: Fraca/Média/Forte - Amplitude: Situacional/Generalizada - Duração: Curta/Média/Prolongada

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Tabela 3: Avaliação das Contingências

Comportamento-problema

ProcessosComportamentais

Precursores Sucessores Encadeamento

Acha-se feio Descritores Eu associados negativos

Pistas dadas pela mãe

CERDesagradáveis

Tatodistorcido

Preocupações quanto ao

desempenho sexual

Controle regras falsas

Desinformação Hipervigilância Confirmação das regras

falsas

Dificuldade em dizer não

Dependência

aumentada do meioModelação

(social)Modelagem

Auto- Culpa contigenciamento

punitivo

Não consegue responder a

críticas

Dependência aumentada do meio

Modelação(social)

Modelagem

Encobertos com as respostas

supostamente adequadas

i CER

Desagradáveis Raiva de si

mesmo

Auto-agressão Baixa resistência à supressão condicionada

Mobilização do meio

Atenção Comportamentos verbais auto- complacentes

Medo de brigar na rua

Baixo controle de respostas agressivas

/ História pessoal predominantemente

coativa / Autoconfiança-auto- estima diminuídas

Históriapessoal

Hipervigilâncici Encobertos negativos de como

seria

uma briga na

rua

Dificuldade de mudar de pensamento

Controle aumentado dos processos

verbais encobertos

Auto-reforçamento

CER Agitação, Desagradáveis impossibilitando

acessos a reforçadores

não sociais

Medo de ser traído

Controle aumentado dos processos

verbais encobertos

História de vida

Repertório pobre

CERDesagradáveis

Patrulhamento

Ciúme Supressão

condidonada de reforço

Complacência

da mãeReforçoPositivo

Sentimento de culpa

%

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I ntervenção

0 reforçamento diferencial de outro - DRO - e o reforçamento diferencial de um comportamento alternativo - DRA - foram escolhidos como uma das estratégias de inte/venção, uma vez que o uso do reforçamento é vantajoso em relação ao uso da punição. Ao invés de interromper uma conduta indesejada com um choque, reforçam-se as ações desejáveis, que substituirão as indesejáveis. Um modo de reduzir um mau comportamento de um indivíduo é forçar o seu bom comportamento. (Sidman, 1989; Catania, 1999; Miltenberger, 2001)

Catania (1999) relata que o procedimento referido como reforço diferencial de outro comportamento tem sido amplamente aplicado a problemas de comportamento autolesivos, já que, nesta situação, o uso da extinção não é recomendado devido ao risco à integridade física do indivíduo.

A partir dos dados da história comportamental do cliente, podemos perceber que o seu ambiente foi pródigo em contingências de reforçamento negativo. Essencialmente, o paciente vivia em um meio social que lhe impunha contingências que, por um lado, eram aversivas, por outro, reforçavam suas respostas inadequadas.

Quando uma resposta termina ou evita um estímulo aversivo, essa resposta torna-se mais provável e o estímulo que a resulta é denominado reforçador negativo. Por exemplo, um choque é um estímulo aversivo para um rato e, se este ocorrer, o rato emitirá respostas para evitá-lo. Nesse caso, o próprio choque é o reforçador negativo, e evitá- lo é a resposta sob controle de contingências de reforçamento negativo. Aplicando essa descrição à situação clínica, poderíamos fazer a seguinte relação: a estimulação social aversiva seria o reforçador negativo e a auto-agressão a resposta sob controle de contingências de reforçamento negativo. Assim, a auto-agressão, mesmo apresentando uma topografia de punição, tem na verdade a função de reforçador. Logo, até comportamentos disfuncionais como os autolesivos podem ser mantidos, na medida em que são úteis para diminuir estímulos aversivos (Mallot, 1980; Sidman, 1989; Catania, 1999).

Através dos resultados da análise funcional (veja-se Tabela 3), podemos constatar a função reforçadora, tanto negativa como positiva, das respostas disfuncionais do cliente. Por exemplo, em algumas situações, os estímulos aversivos cessavam após a emissão de algum dos comportamentos disfuncionais e, em outras vezes, o cliente recebia

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atenção ao emitir o mesmo tipo de comportamento. Então, após a realização da análise funcional, decidiu-se implantar um repertório de respostas com a mesma função (obter reforçadores semelhantes), ao invés de enfraquecer as respostas já existentes. Desse modo, seriam fortalecidas novas respostas mais adaptadas, que poderiam lhe proporcionar novos reforçadores.

Escolhemos como uma das estratégias clínicas o reforçamento diferencial de outras respostas - DRO, e o reforçamento diferencial de um comportamento alternativo - DRA, (esquema de reforçamento misto), elegendo, preferencialmente, respostas que fossem incompatíveis com as respostas disfuncionais. Ao invés de intervenções buscando alterações "cognitivas" (tatos e mandos a si mesmo), foi instalado um repertório concorrente.

Foram selecionadas respostas já emitidas pelo cliente, mas que haviam se enfraquecido ao longo da sua história de vida devido, principalmente, ao aumento de freqüência das respostas disfuncionais, aparentemente mais potentes para adquirir predomínio no repertório do cliente.

As queixas principais foram conseqüenciadas com time out (TO - suspensão discriminada das contingências de reforço). Cada vez que o paciente relatava um episódio de ciúmes, o terapeuta ouvia sem expressar opiniões. Seguindo-se um tempo sem aquela queixa, era reforçado qualquer outro comportamento considerado adequado. Simultaneamente, a terapeuta estava atenta a emissão de respostas que pudessem ser alternativamente reforçadas (DRA), tais como, por exemplo:

• Competência no trabalho em oposição a preocupações quanto à aparência;

• Comportamentos de independência em oposição à inassertividade;

• Participação no time de futebol em oposição ao medo de brigar;♦

• Atividades sociais em oposição preocupação com os pais;

• Habilidade social em oposição ao ciúme;

• Atividade física eiji oposição a pensamentos obsedantes.

Discussão e resultados

0 atendimento deste cliente teve duração de aproxima-damente um ano, com uma sessão semanal, em regime de atendi-mento clínico individual. Durante o tratamento, foram utilizadas outras estratégias clínicas concomitantes ao uso do DRO e DRA, estan-do essas estratégias

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em acordo com os resultados da análise fun-cional. As respostas depressivas desapareceram em aproxima-damente oito semanas. As queixas principais foram substituídas por declarações de sucesso. Seu desempenho no trabalho teve melhora significativa. Obteve promoção e atualmente é dono do seu próprio negócio. Não houve mais episódios de auto-agressão nem tentativas de suicídio.

0 uso de estratégias de reforçamento* diferencial, neste caso, pode ter sido particularmente útil quando em comparação a um procedimento de extinção das respostas-problema, por haver risco de danos à integridade física do cliente, já que no processo de extinção o comportamento aumenta de freqüência e magnitude antes de começar a extinguir-se.

Por vezes, casos como este, que à primeira vista parecem muito complicados, podem ter uma resolução bastante simples, após a execução de uma avaliação funcional adequada e da implementação de estratégias de manejo apropriadas às respostas-problema.

Uma vez que se torna cada vez mais freqüente a solicitação de laudos psicológicos, com o objetivo de comprovação de tratamento para fins judiciais e junto à empresas e administradoras de planos de saúde, habitualmente procedemos também um diagnóstico clássico pelo DSM-IV, CID-10. Sendo assim, estabelecemos o processo documental com a aplicação de instrumentos psicométricos de ampla aceitação internacional, como o MMPI (Inventário Multifásico Minesota de Personalidade), com todos os clientes em início de tratamento. Para fins de ilustração deste trabalho, apresentamos o MMPI aplicado a este cliente, sobrepondo no mesmo gráfico os resultados obtidos no início do tratamento e os obtidos quando da alta clínica (Figura 1).

Resultados do MMPI

Escalas

Entrada Saída

Figura 1 - Resultados gráficos do MMPI (dados de entrada e de saída)

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10T e r a p ia co m po rtam en tal: tratamento e preven ção

DA RECAÍDA COM DEPENDENTES QUÍMICOS1

Nely Maria dos Santos de Castro2

I ntrodução

A sociedade contemporânea, com sua pressão diária, estresse, ambientes familiares desfavoráveis, excesso de trabalho e informações, gera ansiedade e dificuldades comportamentais. Como lidar com essas situações? Como solucionar e enfrentar os obstáculos que aparecem em nossas vidas? Buscar as drogas Lícitas ou ilícitas é uma das maneiras que algumas pessoas encontram para tentar responder e/ou adaptar-se às situações.

A Psicologia Comportamental tem produzido análises sofisticadas dos comportamentos do usuário de drogas e das condições nas quais tais comportamentos acontecem. Essas análises têm sido usadas tanto com relação à abstinência quanto com relação à manutenção desta. Pesquisas sobre prevenção da recaída (PR) têm mostrado a eficácia da terapia individual e em grupo, com diversas pessoas intervindo e ampliando seu repertório comportamental e eliminando condicionamentos que por ventura quebrem a abstinência das drogas.

Justificativa

Para uma breve compreensão do que significa dependência química, discorreremos a seguir sobre o alcoolismo e as drogas: conceito, histórico e pesquisas sobre fatores associados ao consumo de drogas lícitas e ilícitas.

1 Agradeço ao Prof. Dr. Sérgio Cirino, pela minuciosa leitura e sugestões, e à Prof. Maria Regina Assunção, pelo apoio e incentivo.

2 Terapeuta comportamental, Mestre em Psicologia pela UFMG e Professora no Unicentro Newton Paiva.

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0 álcool é uma droga psicoativa que admite - dependendo da dose, da freqüência e das circunstâncias - um uso sem problemas. Entretanto, é sabido que o uso inadequado pode provocar graves conseqüências no nível orgânico, comportamental e social, definido como alcoolismo. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1976, substituiu aquele termo por "síndrome de dependência do álcool" (DAS). Essa mudança ocorreu por motivo ético, pois essa substituição tem por meta reforçar a idéia de que não se trata de um fenômeno do tipo "tudo ou nada", uma doença, mas sim de uma síndrome e com graus de gravidade3.

As causas da DAS estão intimamente associadas a questões biológicas, psicológicas e sociais.

Entretanto, pesquisas realizadas na década de 80 do século XX (Amit & Smith, 1985; Brown et al., 1983; Schuckit, 1984) concluíram que os fatores biológicos possibilitariam o desenvolvimento da dependência do alcoolismo, mas não a determinariam, ou seja, podem contribuir para maior ou menor probabilidade do uso de álcool e não para a DAS propriamente dita.

Podemos considerar que não há uma explicação universal - seja ela biológica, comportamental ou social - para a etiologia do alcoolismo. Na origem dessa complexa condição, estão presentes diferentes fatores de vulnerabilidade. Para Ramos & Bertolote (1997), todos os que bebem são potencialmente propensos a se tornar dependentes de álcool. A interação entre os diferentes fatores de vulnerabilidade é que tornará maior ou menor a probabilidade de se tornar alcoólatra e/ou dependente químico.

A partir de uma perspectiva de aprendizagem social, os comportamentos adictivos representam uma categoria de "maus hábitos".

Os comportamentos adictivos, na abordagem comportamental, são vistos como hábitos hiperaprendidos que podem ser analisados e modificados do mesmo modo que outros hábitos. Tais padrões de hábitos, em geral, são seguidos por alguma forma de gratificação imediata (estado de prazer máximo ou redução da tensão ou excitação).

No modelo de comportamento adictivo, estudamos contingências e determinantes dos hábitos adictivos. Isto inclui, também, antecedentes situacionais e ambientais, crenças e expectativas (comportamentos encobertos), história familiar individual e experiências de aprendizagem anteriores com a substância psicoativa, para depois realizarmos intervenções comportamentais.

3 Ramos e Bertolote, 1997.

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A identificação e o detalhamento mais precisos e eficazes desses fatores certamente permitirão a planificação mais adequada de estratégias de prevenção e tratamento da DAS e dos dependentes químicos. Para compreender a aplicação da análise do comportamento e obter a abstinência de uma substância química, será relatado, após a fundamentação teórica, o caso de uma viciada em nicotina e seu processo de declínio gradual do uso de cigarro até a abstinência e o controle deste.

Determinação psicológica

As abordagens do tipo comportamental interpretam a dependência de drogas lícitas e ilícitas como um comportamento adquirido, um hábito que, como tal, é passível de análises e intervenções para uma postura mais saudável. Então, torna-se primordial analisar os estímulos desencadeadores desse comportamento (situação de risco), os fatores que contribuem para a manutenção (fatores reforçadores) e a função das drogas na vida do indivíduo (por exemplo: diminuição de ansiedade, pressão ou estresse no trabalho, facilitação de interação social etc.). Com base nesses elementos, daremos ênfase especial à prevenção e às intervenções breves nos indivíduos dependentes das drogas, tendo por objetivo uma "redução de risco" de desenvolvimento da dependência. Além disso, utilizamos as intervenções de prevenção de recaída (Donovan & Marlatt, 1993) e a incorporação dos princípios dos comportamentos abertos e encobertos nos grupos e nos atendimentos individuais.

Outro aspecto que vem sendo estudado recentemente diz respeito às motivações, às expectativas e às crenças sobre os efeitos das drogas. Há indícios de que as expectativas dos efeitos são formadas em idade bastante anterior, se comparado ao consumo abusivo atual das drogas lícitas e ilícitas. Além disso, são bastante influenciadas pelos hábitos familiares.

Fatores de personalidade também têm sido muito estudados. Comportamentos problemáticos na adolescência, considerados como parte de um estilo de personalidade impulsiva, descontrolada e em busca de novas sensações, têm sido relacionados com o consumo excessivo das drogas e a delinqüência juvenil4. Apesar disso, não encontramos estudos conclusivos que delimitem uma personalidade própria da drogadicção. Para isso, precisa-se de pesquisas de metodologia adequada para uma melhor compreensão desse assunto.

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Fatores interpessoais, como o comportamento da família e a influência do cônjuge, apresentam-se também como determi-nantes no padrão de uso das drogas. São evidentes as diferenças no consumo de álcool - e no alcoolismo - relacionadas ao sexo, à idade, aos grupos étnicos, ao grau de urbanização e à religião. Os estudos apontam uma crescente valorização dos fatores sociais no início da DAS e do consumo de drogas. Assim, minimiza a ênfase dada às causas, apenas, intra- individuais - orgânicas ou psíquicas. Para isso, torna-se importante trabalhar com o contexto em que o drogadicto está inserido. Isso justifica o nosso trabalho também com a família dos dependentes químicos para a prevenção de recaída. As contingências familiares podem favorecer tanto o abuso gradual quanto o uso controlado e moderado. Este último caso pode ser confirmado pela citação a seguir.

"Existem muitas evidêndas de que normas culturais em relação ao consumo de álcool têm um papel importante no desenvolvimento do alcoolismo. Culturas que ensinam as crianças a beber responsavelmente, bem como as culturas que seguem rituais estabeleddos de onde, quando e como beber têm menores taxas de uso abusivo de álcool quando comparadas às culturas que simplesmente proíbem as crianças de beber." 5

De acordo com o exposto, podemos considerar que não há uma explicação universal - seja ela biológica, psicológica ou social - sobre a etiologia do uso das drogas. Na origem dessa complexa condição, estão presentes diferentes fatores de vulnerabilidade. A interação entre os diferentes fatores de vulnerabilidade é que tornará maior ou menor a probabilidade de se tornar alcoolista e/ou dependente químico. A identificação e o detalhamento mais precisos e eficazes desses fatores- objetivo que nos propomos a trabalhar em atendimento e a pesquisar em conjunto - certamente permitirão a planificação mais adequada de estratégias de prevenção primária e tratamento do alcoolismo e dos dependentes químicos.

I ntervenções comportamentais

Pesquisadores têm produzido, sistematicamente, estudos sobre a complexidade dos comportamentos abertos e encobertos do ser humano, considerando as condições nas quais ocorrem e suas conseqüências, ou

4 Ramos & Bertolote, 1997'

Determinação sociocultural

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seja, a correlação da tríplice contingência (estímulos: comportamento -> conseqüência). Algumas técnicas de intervenções comportamentais, produzidas a partir de tais estudos, são cruciais para a compreensão das possíveis intervenções clínicas com usuários de drogas. Dentre as técnicas mais importantes, podemos destacar: treino das habilidades sociais, comportamento assertivo, relaxarhento, autocontrole, e esclarecimento sobre as contingências-armadilha.

0 treino das habilidades sociais (THS) consiste em um conjunto articulado de técnicas e procedimentos de intervenção orientados para a promoção de habilidades sociais relevantes para as relações interpessoais.6 0 THS deve ser compreendido como um conjunto de contingências ambientais necessárias para a aquisição, o fortalecimento e a manutenção de comportamentos interpessoais. Além disso, é aprendido através de experiências interpessoais vicariantes, ou seja, pela observação do desempenho dos outros (um modelo), num processo de assimilação mental dos modelos bem sucedidos7.

Uma outra meta da terapia é informar e ampliar o repertório dos clientes para emitir o comportamento assertivo. É o modelo mais adequado, pois permite que o indivíduo expresse a sua vontade e os seus direitos e, ao mesmo tempo, respeite o direito dos outros. A pessoa se expressa com calma e sem ansiedade, evitando, assim, comportamentos inassertivos (anulação de seus direitos e aceitação absoluta da vontade alheia) e/ou agressivos (imposição de seus direitos através de comportamentos que desrespeitam e humilham o outro)8.

Utiliza-se, também, de relaxamentos9 para diminuir a ansiedade gerada, primeiro pela abstinência das drogas e depois pela possibilidade da reinserção do paciente na família, no trabalho/ estudos, enfim, na sociedade.

0 autocontrole é outra técnica utilizada e monitorada no tratamento para a prevenção da recaída. Com relação a essa intervenção, deixamos claro para os clientes que eles são os responsáveis pelas próprias mudanças e ampliação do repertório comportamental. Isso os faz pensar em "faça-você-mesmo", e eles passam gradualmente a assumir a responsabilidade ativa pelo entendimento e pela mudança dos comportamentos mais saudáveis em sua vida. 0 cliente torna-se um agente de mudança, enquanto evita tanto a culpa associada ao modelo moral (imposto socialmente) quanto a impotência e a perda de controle associadas ao modelo de doença.

6 Del Prette & Del Prette, 1999.

7 Bandura, 1977 (conforme citado por Del Prette & Del Prette, 1999).

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As contingências-armadilha são definidas por Baum (1999) como reforçadores pequenos, porém notáveis, liberados imediatamente, sendo tão eficazes que as pessoas sacrificarão o bem-estar a longo prazo pelo ganho a curto prazo. Em contrapartida, tem-se o autocontrole.

"Autocontrole consiste em fazer uma opção. 0 fumante que se abstém de fumar mostra autocontrole. A alternativa, que seria ceder ao hábito, é agir impulsivamente. 0 fumante se depara com uma escolha entre duas alternativas: a impulsividade (fumar) e o autocontrole (abster-se). A diferença entre os dois é que a impubividade consiste em se comportar de acordo com o reforço a curto prazo (desfrutar do agarro), ao passo que o autocontrole consiste em comportar-se de acordo com o reforço a longo prazo (gozar de boa saúde)." (pág. 184)

Para Baum (1999), essas contingências são acompanhadas do termo armadilha por dois motivos. 0 primeiro: a pessoa que se comporta impulsivamente é reforçada de imediato, mas se o indivíduo se abstém ou diminui gradualmente aquele comportamento e se utiliza do autocontrole, ele é punido imediatamente e receberá o reforço a longo prazo. 0 atraso enfraquece o efeito de qualquer conseqüência. 0 contrário é mesmo uma punição de morte por câncer a longo prazo, tão longínquo que se torna subjugado pelas conseqüências pequenas e imediatas reforçadoras.

0 segundo fator: o punidor importante para a impulsividade é reconhecido e comentado, mas sua conseqüência é tão distante que parece irreal. Por isso, as pessoas comentam que são "escravas do cigarro" ou afirmam que "caíram em uma armadilha". A pessoa que se safa de uma contingência-armadilha é igual à que se livra da coerção; sente-se livre, afirma Baum.

As aplicações dessas técnicas e intervenções são utilizadas após atingirmos com o cliente o primeiro passo para a prevenção da recaída: motivação e compromisso para mudar, isto é, verificar o quão envolvido e engajado o cliente está em obter e adquirir um novo estilo de vida. Então, partimos para o segundo passo, que consiste na mudança e na implementação de um novo estilo de vida. Para isso, realizamos as intervenções comportamentais. Este estágio corresponde à fase básica do tratamento.

"0 ato de abandopar é similar ao de embarcar para uma viagem quando se sai de ccsa pela primeira vez para uma longa jornada.

8 Alberti & Emmons, 1983.

9 Utilizamos Lipp, 1997.

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Aqui, o ato de partida (abandono) é apenas o primeiro passo da viagem, o limiar da prática " (Marlatt & Gordon, 1993, pág.20).

Esta metáfora deixa claro que, para o início de uma viagem longa, faz-se necessária uma decisão e determinação para esta. Isso envolve preparação e planejamento, muitas vezes estratégicos também. Da mesmã forma, é a mudança para um novo estilo de vida, ou seja, quebrar os condicionamentos associados ao consumo das drogas lícitas e ilícitas e adquirir um novo aprendizado, com comportamentos mais saudáveis e sem as drogas. Assim, o cliente pode voltar da sua viagem (tratamento) além de renovado, refeito, preparado e com um repertório comportamental mais amplo para enfrentar as situações de risco fora do ambiente clínico.

0 percurso da viagem consiste no terceiro passo: a manutenção da abstinência. Este último passo tem seu início no começo da abstinência ou do seu controle (diminuição gradual do consumo da drogas até atingir a abstinência). Neste período, o indivíduo deve lutar ferreamente para manter o compromisso de mudança ao longo do tempo. Neste estágio, a pessoa enfrenta múltiplas tentações, situações estressantes e pressão de poderosos padrões de condicionamentos (hábitos) antigos (Marlatt & Gordon, 1993).

Para isso, utilizamos, também, a análise dos motivos atribuídos às situações de recaídas, que chamamos Categorias de Determinantes de Recaída, proposta por Marlatt & Gordon (1993). Esse modelo de trabalho considera classes de eventos privados e situacionais que imediatamente precedem cada recaída. As duas classes são divididas em oito subcategorias, sendo cinco determinantes intrapessoais e três determinantes interpessoais.

Determinantes intrapessoais - são situações primariamente relacionadas ao próprio indivíduo.

1. Eventos privados negativos (frustração, depressão, raiva, desânimo, mudança de humor etc.).

2. Estados físicos desconfortáveis (sintomas de abstinência ou outros não relacionados ao uso da droga).

3. Eventos privados positivos (emoções agradáveis e favoráveis associados ao não uso da droga).

4. Teste de controle pessoal (uso da substância para testar a habilidade de fazer uso moderado ou controlado).

5. Desejo/impulso e tentação (uso da droga em resposta a um desejo subjetivo - evento privado, em geral, negativo).

Determinantes interpessoais - incluem as situações que estão

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originariamente associadas a fatores interpessoais, isto é, sujeitas à influência de outras pessoas ou como parte da precipitação dos eventos.

6. Conflitos interpessoais (ciúme, raiva, discussões, brigas, etc.).

7. Pressão social direta ou indireta.

8. Eventos privados positivos (momentos agradáveis com outras pessoas).

Através dessas abordagens, técnicas e intervenções comportamentais bem direcionadas, conseguim os obter resultadossurpreendentes quanto à prevenção da recaída, ou seja, o indivíduo consegue manter um novo estilo de vida sem utilização da droga.

M etodologia

A escolha da metodologia de trabalho é muito influenciada pela importância atribuída aos fatores biológico, comportamental e social que se interagem e contribuem para análise funcional.

Para isso, devemos realizar um trabalho dentro de uma visão comportamental e análise das contingências. Terapeutas comportamentais tendem a valorizar questões de comportamentos abertos e encobertos (com sua tríplice contingência) para obter um resultado eficaz no tratamento e na prevenção de recaída.

Trabalhamos com terapia individual e/ou de grupo homogêneo, mas antes realizamos atendimentos individuais para o estabelecimento do vínculo, esclarecimentos da PR, formalização do contrato e obtenção da história de vida.

É sabido das diversas vantagens do atendimento individual. Mas torna-se importante levar em consideração as vantagens da terapia de grupo segundo Del Prette & Del Prette (1999), uma vez que esta é uma das propostas do nosso trabalho em alguns casos:

• Maior facilidade na aceitação do direito de agir assertivamente;

• Provimento pelo grupo de situações similares às da vida real, criando novas oportunidades de contato social;

• Feedback e reforço liberados pelos membros do grupo;

• Maior envolvimento motivacional dos participantes, uma vez que o THS em grupo volta-se para situações vividas pelos participantes nas sessões e fora delas;

• Diminuição no custo de material do tratamento e menos despesas para os clientes;

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• Maxirrrização das oportunidades de aprendizagem observacional e de aplicação das técnicas que requerem a cooperação de auxiliares, como modelação e ensaio comportamental;

• Possibilidade de o terapeuta conhecer a subcultura10 grupai, importante para as decisões sobre objetivos comportamentais e para critérios de avaliação.

Esse trabalho é realizado, quando possível, com a família - uma vez que a abordagem comportamental apresenta os fatores familiares como influenciadores e importantes para a modificação do comportamento e manutenção do novo estilo de vida, durante o tratamento e na prevenção de recaída dos dependentes químicos.

Sendo assim, torna-se evidente a importância de um estudo dos diversos fatores predictivos, desencadeantes ou facilitadores da instalação da DAS e de drogas ilícitas. Para isso, é realizada uma avaliação inicial. Em seguida, a formulação e o estabelecimento dos objetivos, como mostra abaixo o Quadro 1:

Quadro 1 - Trabalhando com o cliente: princípios orientadores11

• Tentar manter a continuidade do propósito. Usar a formulação inicial e o estabelecimento dos objetivos, verificar no grupo o que se alcançou, estabelecer novos objetivos em termos concretos;

• Ser flexível, ouvir o que os componentes do grupo de pacientes trazem para a sessão, mas identificar questões que devem ser tratadas nas sessões;

• Estar consciente do que está acontecendo no relacionamento terapêutico;

• Manter a perspectiva familiar;

• Monitorar o progresso e envolver os pacientes no automonitoramento;

• Manter o equilíbrio entre a dinâmica e a realidade;

• Manter o equilíbrio na ênfase entre o consumo de drogas lícitas e ilícitas e outras áreas de trabalho.

10 Entende-se por subcultura pequenos grupos com características, modelos, linguagem e comportamentos semelhantes, assim se forma um subgrupo. (Baldwin e Baldwin, 1987).

11 Edwards; G. Marshall, E. J. & Cook, C. C. H.; 1999, pág. 222.

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Comentários Finais

Com base nos dados mencionados sobre dependentes de drogas lícitas (álcool e nicotina) e ilícitas no Brasil, torna-se evidente a necessidade do trabalho de prevenção e prevenção de recaída (PR) junto às comunidades menos privilegiadas e sem acesso às informações de como evitar o uso e/ou lidar com este sem prejudicar a saúde do usuário e de seus familiares. No caso, o excesso de álcool apresenta, como maior conseqüência, comportamentos agressivos com os familiares e danos em nível orgânico na pessoa com DAS; o tabaco prejudica o organismo (inspiração de mais de 3000 substâncias químicas) e o comportamento. Além dos danos ao usuário, o tabaco prejudica também os fumantes passivos (as pessoas que não fumam, mas respiram o ar com nicotina e dióxido de carbono emitidos pelo fumante).

No Reino Unido, 120 mil pessoas morrem por ano em decorrência do consumo de nicotina (West, 2001). É sabido que existe uma imensa vontade, de diversos fumantes, de parar de fumar, mas estes esbarram em várias contingências sutis e encobertas, uma delas é a dificuldade de adoção de um novo estilo de vida sem o uso dessa droga lícita.

Além disso, Ramos & Bertolote (1997) apontam para a necessidade de pesquisarmos e utilizarmos abordagens metodo­lógicas diferentes sobre o assunto para fazermos comparações de estudos sobre a dependência química.

Paralelo a isso, um trabalho de conscientização das conseqüências do uso das drogas a médio e a longo prazo torna-se primordial. No Brasil, a droga está associada ao esporte, a belas mulheres e a eventos alegres, é símbolo de sucesso. Temos que quebrar este condicionamento de prazer imediatista e mostrar os danos a longo prazo. Na Psicologia Comportamental, chamamos de contingências-armadilha12, ou seja, prazer (reforço) a curto prazo, mas danos à saúde a longo prazo. Quando o indivíduo pára de fumar, tem como contingência imediata a "fissura" (punição), mas, a longo prazo, a fissura diminui e o indivíduo vai adquirindo uma postura mais saudável em nível orgânico, interpessoal e intrapessoal (reforçadores positivos).

0 dependente químico deve descobrir, através das intervenções comportamentais de um terapeuta comportamental, quais sãos as vantagens a médio e a longo prazo de deixar de ser usuário de nicotina, por exemplo. Através, da história de vida e de contingências antecedentes e conseqüentes do comportamento de fumar do cliente, devemos evidenciar para ele os hábitos condi-cionados ao consumo:

12 Para obter uma conceituação do termo, ver Baum, 1999.

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cigarro depois do cafezinho, cigarro com cerveja, cigarro quando está sob pressão no trabalho, cigarro depois das refeições etc. Dessa forma, o ex-usuário poderá quebrar esses condicionamentos, o que facilita a permanência da abstinência por mais tempo.

A terapia comportamental auxilia na identificação de fatores que influenciaram o uso da droga no desenvolvimento social do cliente, bem como o desenvolvimento e a influência familiar. É óbvio que não podemos ignorar fatores de risco relacionados entre irmãos e outros agentes sociais fora da família, especialmente na escola, com os amigos e na comunidade13.

Caso clínico

Será relatado um caso clínico de uma dependente de nicotina, que teve cinco recaídas antes do tratamento, e a análise de seus comportamentos. A pessoa desse caso clínico não está dentro da estimativa dos 25% dos que abandonam os cigarros em definitivo e obtêm sucesso na primeira tentativa14. Muitos fumantes necessitam de várias tentativas para obterem o sucesso de parar de fumar. As recaídas em qualquer vício (jogos, drogas, alimento, consumo) são previstas e são consideradas como algo positivo, no sentido de que servem para identificar melhor a situação de risco e evitar nova recaída.

H istórico familiar

0 pai e a mãe de Glória15 eram usuários de cigarro. 0 primeiro fumava raramente, acompanhado de uma dose de bebida alcoólica no período da noite. Mas a mãe dela, por um período aproximado de oito anos, consumiu 80 cigarros de nicotina por dia.

Parou de fumar a pedido dos filhos mais velhos. Glória era uma criança de nove anos nesta época. Dos seis irmãos, quatro fumavam, sendo que três escondidos dos pais. Apenas a irmã mais velha tinha certa "autorização" para o consumo, que era de dois a três cigarros diários.

Glória aprendeu a fumar aos 15 anos de idade. Uma prima fumante dez anos mais velha que ela foi passar férias em sua casa. Glória ascendia o cigarro para a prima e a irmã mais velha. Glória sentia-se valorizada e reforçada socialmente pelos olhares quando estava com cigarro na mão e demonstrou curiosidade em aprender a tragar. A prima, ingenuamente,

13 http://www.nida.nih.gov

14 Gigliotti; Carneiro e Ferreira, 2001. N;15 Por motivo ético e sigilo clínico, o nome é fictício.

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ensinou a tragar. Glória tossiu a primeira vez, os olhos encheram d'água. Assim, além de ascender o cigarro para a prima e para a irmã, passou a dar "uma tragadinha" antes de entregá-lo a elas. Mas não passava disso, naquela época.

Glória iniciou uso do cigarro por volta dos 17 anos de idade. Fumava um cigarro depois do almoço e, às vezes, depois do jantar. Depois de quatro meses, passou a fumar três a quatro cigarros nos finais-de-semana também, na frente de irmãos mais velhos e pais. Esse consumo de cigarro controlado e de baixa nicotina perdurou por aproximadamente um ano. Glória entrou de férias escolares e mudou-se de cidade, parando naturalmente de fumar, e ficou assim por um ano e três meses, quando fez uma viagem para o exterior. Sentindo-se só e angustiada ("sentia pressão no peito"), voltou a fumar. Afirmou que os cigarros no país em que morou por oito meses eram mais fortes do que os de seu país de origem (Brasil). Mas as contingências aversivas de fumar no frio da cozinha eram maiores que os sentimentos angustiantes que a aliviavam posteriormente a cada tragada. Glória, por não sentir mais prazer em fumar (seu principal argumento) não via graça no cigarro. Parou pela segunda vez.

Voltou para seu país de origem, fez vestibular e entrou para a faculdade. Num período de três anos ficou sem fumar. Voltou quando estava no meio do seu curso de graduação, alegando, novamente, que estava consumindo nicotina por prazer. Fumava um a dois cigarros por dia; outro dia ficava sem fumar. Glória aumentou seu consumo de nicotina gradualmente a ponto de, em aproximadamente seis meses, passar a fumar 20 cigarros por dia e preferir comprar cigarro a fazer um lanche quando estava com fome. Glória afirma que se pegava fumando quando tinha que esperar algo ou alguém, durante os estudos, com os amigos, durante as provas. Alegou que seu consumo de nicotina passava dos 20 cigarros/dia no final de cada semestre letivo da faculdade, por motivo de pressão de trabalho. Isso durou dois anos, aproximadamente, quando o namorado deu um ultimato: "ou eu ou o cigarro". Foi sábia em sua decisão e preferiu o namorado. Parou de fumar de um dia para outro. Jogou fora o maço que estava na bolsa e deu o isqueiro para o namorado.

Glória relatou que o primeiro mês foi o mais difícil. Passou a consumir balas no lugar do cigarro. Sonhou três vezes que estava fumando. Mas o namorado era um grande reforçador para que ela mantivesse a abstinência.

Em meados de 1991, Glória, teve mais uma recaída e voltou a fumar, alegando o mesmo motivo mentalista: "eu gosto de fumar... é prazeroso fumar". Tentava se iludir, sem saber que já estava viciada

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em nicotina há mais de oito anos e que era uma consumidora compulsiva. Bastava o primeiro cigarro aceso para, em poucos dias, voltar a fumar 20 cigarros diariamente. Permaneceu assim por mais dois anos consecutivos, quando parou de fumar novamente, não se lembrando como, em meados de 1993.

Em novembro de 1994, com o falecimento do pai, voltou a fumar. Mas afirmou que em um mês entraria de férias, pois "o segundo semestre de 94 foi estressante", iria aproveitar para relaxar e acredi­tava que ficaria mais fácil parar de fumar. Foi o que aconteceu. Glória fumou por dois meses e parou novamente. Dessa vez, permaneceu por dois anos em abstinência. Voltou a fumar no início de 1997 a todo vapor, com o argumento de que estava sob pressão no trabalho.

Dois anos depois, Glória teve acesso aos livros de análise comportamental, aprofundou-se em tal leitura, nos conceitos e começou aplicá-los para poder parar de fumar. Acreditava que essa seria a última vez. Glória já estava querendo muito parar de fumar, mas se encontrava em um estado de vício tal que não acreditava que iria parar de fumar. Mesmo assim, continuou lendo a respeito, principalmente sobre auto- controle e contingências-armadilha.

Em outubro de 1999, Glória começou a diminuir o consumo de cigarro. A cada semana, ela diminuía 1 a 2 cigarros de seu maço. No início de dezembro, parou de comprar maço e passou a comprar cigarro "picado", pois estava consumindo 13 cigarros, em média. Ela mesma fazia o controle do consumo. Por exemplo: 1 depois do café da manhã, 3 pela manhã, 1 depois do almoço, 4 pela tarde, 1 depois do jantar e 3 ã noite. Glória sabia que se fumasse mais cigarro pela manhã, teria menos à noite. E quando fumava menos durante o dia, aproveitava para fumar pouco também durante a noite.

Assim, caía a média de seu consumo. Não obstante, tinha dúvidas se conseguiria parar de fumar. Porém, ela estava tão fortemente condicionada ao cigarro após o café da manhã que ela não se imaginava sem o consumo deste nesse horário.

Início de janeiro de 2000, Glória estava consumindo, em média, 2 cigarros/dia e estava de férias, um fator a seu favor, pois uma das vezes em que havia parado de fumar foi durante esse período. Um cigarro era após o café da manhã e o outro na parte da tarde.

Começou a evitar fumar depois do café da manhã e das refeições, para quebrar o condicionamento. Na segunda semana de janeiro, estava fumando um cigarro ao dia quando lhe dava muita vontade. Evitou fumar logo após o café da manhã e a fissura foi

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diminuindo a ponto de Glória fumar um dia sim e um dia não. Até que, "sem perceber", não teve mais vontade de fumar e parou na segunda quinzena de janeiro.

Sua situação atual é de abstinência. Reconhece que algumas vezes teve vontade de fumar. Mas afirma que os reforçadores sociais de familiares, amigos e alguns colegas ajudaram-na a permanecer em abstinência, bem como o namorado, que foi a principal fonte de reforço positivo e, às vezes, de punição negativa. 0 reforço de longo prazo foi mais rápido do que ela imaginava. Percebeu que seu paladar e olfato haviam melhorado em uma semana. Acabaram os pigarros, tosses, princípio de bronquite em dois meses.

Um dos fatores mais interessantes para Glória foi o fato de ela parar gradualmente e ter mais controle sobre o vício e não o contrário.

Ao parar de fumar:

• Após 20 minutos, a pressão sangüínea e a pulsação voltam ao normal;

• Após 8 horas, o nível de oxigênio no sangue fica normal;

• Após 1 ano, o ex-fumante recupera 30% de sua capacidade respiratória e a probabilidade de doença cardíaca cai para 50%;

• Após 5 anos, o risco de câncer de pulmão é 50% menos;

• Após 10 anos, a probabilidade de câncer de pulmão é equivalente a de um não-fumante;

• Após 15 anos, o risco de um ex-fumante ser diagnosticado com uma doença cardiovascular é o mesmo de um não-fumante;

• Homem fumante que pára de fumar entre 35 e 39 anos aumenta em 5 anos sua expectativa de vida. A mulher do mesmo grupo de idade acrescenta 3 anos de vida.

Fonte: www.americanheart.org

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11P sicologia do Esporte: conceitos aplicad o s a partir

da A n álise do C omportamento*

Eduardo Neves P. de Cillo**

A presentação e histórico da psicologia do esporte

0 objetivo do presente texto é apresentar a psicologia do esporte e, mais especificamente, a análise do comportamento aplicada ao esporte e à atividade física. Para tal, faremos um breve resumo do desenvolvimento histórico da área, técnicas específicas, conceitos aplicados, campos de atuação e um exemplo de intervenção desenvolvido pelo autor.

A Psicologia do Esporte, como área específica de produção de conhecimento e aplicação, tem já percurso e história consideráveis. Segundo Rubio (2000), a história da psicologia do esporte confunde- se com a da psicologia, de um modo geral, já que os primeiros estudos relacionando "aspectos psicológicos" e atividade física datam do final do século XIX e início do XX. Ocorre que somente nas décadas de 60 e 70 é que a área começou a receber maior atenção e organização, tanto na Europa como na América do Norte. No Brasil, também tivemos alguma produção nas mesmas décadas com trabalhos aplicados no futebol, porém, foi somente na década de 90 que a psicologia aplicada ao esporte começou a obter maiores investimentos, reconhecimento social e acadêmico.

* 0 presente texto foi redigido a partir de apresentações na I I Jornada Mineira de Análise do Comportamento, ocoYrida na UFMG, em junho de 2001, Belo Horizonte-MG, e também na mesa redonda "A relação teórico-prática em Psicologia do'Esporte", ocorrida na XXXI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, em outubro de 2001, Rio de Janeiro-

RJ.**PUC-SP; Unicentro Newton Paiva. Endereço: Rua Turfa, 698/202, Prado. Belo Horizonte-

MG. CEP 30410-370, telefones: 3313-1759 / 9109-6479. E-mail: [email protected]

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De modo mais detalhado, sobre a organização e o desenvolvimento da área, vemos que, em 1965, é fundada a Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte (ISSP). Pouco adiante, em 1968, é fundada a Sociedade Americana para a Psicologia do Esporte e Atividade Física (NASPSPA). Apesar da fundação das sociedades nacionais ,e internacionais desde o final da década de 60, é somente em 1986 que a Associação Americana de Psicologia (APA) reconhece a Psicologia do Esporte como especialidade (divisão 47) e estabelece critérios de formação específicos. No Brasil, temos a fundação da SOBRAPE (Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte) em 1979 e, em 2001, é criado o registro de especialista pelos conselhos regionais e federal, que pode ser considerado como um reconhecimento ao desenvolvimento da área.

Tanto no Brasil como no exterior, a organização das sociedades e eventos como congressos regionais e mundiais, assim como a inclusão de disciplinas nas grades curriculares de cursos de educação física e psicologia, a criação de cursos de especialização e a publicação de periódicos específicos são evidências do nível de desenvolvimento da área.

A nálise do comportamento aplicada ao esporte e à atividade física

Mais especificamente em relação à trajetória da análise do comportamento aplicada ao esporte e à atividade física, podemos dizer que já tivemos um período de considerável duração e produção científica. As técnicas e os procedimentos que hoje vemos aplicados têm suas raízes nos conceitos e princípios cunhados em laboratório, através da análise experimental do comportamento.

Segundo Cillo (2000), foi a partir da publicação do livro Verbal Behavior, de B. F. Skinner, em 1957, que houve um aumento significativo das publicações de pesquisa envolvendo sujeitos humanos e variáveis relacionadas a padrões verbais. Estas pesquisas foram importantes, porque viabilizaram diversas aplicações dos princípios e conceitos de laboratório em ambientes clínicos e escolares (pág. 89).

Para Kazdin (1978), foram pesquisas de condicionamento operante do comportamento verbal, nas décadas de 50 e 60, que forneceram uma ponte direta entre os métodos de investigação de laboratório e aplicações como a psicoterapia (pág. 145). Em outras palavras: a partir de pesquisas com o comportamento verbal, o analista do comportamento teve acesso ao trabalho com tipos de repertórios complexos considerados tipicamente humanos. Este passo possibilitou o desenvolvimento de tecnologias comportamentais para o manejo de variáveis em outros ambientes além do laboratório. 0

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analista do comportamento, então, passou a aplicar os princípios de laboratório em ambientes com um menor isolamento de variáveis, porém com uma maior relevância social, na medida em que aproximava-se da solução de problemas do cotidiano humano.

A aproximação com o esporte e com a atividade física veio pouco depois, já no início da década de 70. Segundo Martin & Tkachuk (2001), o marco do início da Psicologia Comportamental do Esporte foi a publicação do livro The development and control of behavior in sport and physical education, de Brent Rushall e Daryl Siedentop, em 1972. Já naquela época, os autores propunham diversas estratégias para modelar, manter e generalizar habilidades esportivas (pág. 313). Posteriormente, Siedentop direcionou-se para a educação física, enquanto Rushall focou seus trabalhos junto ao esporte. Também foram pioneiros os trabalhos de Ron Smith e Frank Smoll com esportes juvenis.

Daquela época em diante, diversas pesquisas foram publicadas em periódicos específicos da psicologia do esporte, como Journal of Sport and Exercise Psychology (Kendall, G., Hrycaiko, D., Martin, G.L. & Kendall, T., 1990), ou Journal of Applied Sport Psychology (Wanlin, C., Hrycaiko, D., Martin, G.L. & Mahon, M., 1997; Rush, D. B. e Ayllon, T., 1984), e ainda The Sport Psychologist (Patrick, T. & Hrycaiko, D.,1998). Periódicos específicos da análise do comportamento, como Journal of Applied Behavior Analysis (Osborne, K., Rudrud, E. & Zezoney, F., 1990; Scott, D. & Scott, L. M., 1997) também teve pesquisas aplicadas no esporte publicadas em suas páginas.

Pode-se dizer que a aproximação entre a análise do comportamento e o esporte pode ter sido facilitada por alguns fatores relacionados a semelhanças tanto na mensuração como na manipulação de comportamentos. Como se a folha de registro do analista do comportamento estivesse para o scout utilizado pelo técnico para avaliar o desempenho de seus atletas.

Campos de atuação

Segundo Scala (2000), podemos dividir a atuação junto aoesporte em quatro campos específicos: rendimento, educacional,recreação ou tempo livre e reabilitação.

ê

0 esporte de rendimento pode ser caracterizado como aquele que envolve competição e tem como objetivos a superação de marcas ou índices e a obtenção de títulos. É, também, caracterizado em muitos países por um alto investimento e envolvimento de organizações (como a FIFA e a CBF no futebol) que possuem amplos poderes quanto

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ao controle das pessoas a elas submetidas. 0 trabalho do analista neste campo é, resumidamente, a análise do desempenho esportivo e das variáveis das quais é função, e a procura pela melhoria deste desempenho. Não podemos deixar de destacar que não se trata apenas do desenvolvimento de técnicas e procedimentos para aumento do desempenho a qualquer custo. Um analista do comportamento de orientação skinneriana sempre deveria buscar substituir controles coercitivos por reforçamento positivo ou, no mínimo, por contingências menos aversivas.

Já o esporte educacional engloba desde a atividade física para alunos de uma escola até projetos sociais que utilizem o esporte como metodologia de ensino. Tanto em um caso como no outro, a atividade física pode ser utilizada para ensinar repertórios comportamentais de cuidados com a saúde, discriminação de estados internos e de socialização. São bastante conhecidos os projetos que utilizam modalidades esportivas ou atividade física sistemática para o desenvolvimento de repertórios sociais em adolescentes infratores internados em instituições de recuperação. Portanto, a atuação do analista neste campo está voltada para o desenvolvimento da aprendizagem de repertórios específicos, porém nem sempre diretamente relacionados à atividade física.

0 esporte de reabilitação engloba desde o trabalho com pacientes hospitalizados ou em recuperação, que necessitem de um suporte para resgatar uma condição perdida após um acidente, lesão ou doença temporária, até o trabalho voltado para uma readaptação de determinados sujeitos cujo evento anterior tenha ocasionado uma mudança duradoura em sua condição de vida (a perda de uma perna em um acidente de carro, por exemplo). É importante dizer que o trabalho do analista, neste campo, pode envolver atletas lesionados ou a população em geral, sempre buscando a adesão dos sujeitos ao tratamento.

Por fim, o esporte de recreação ou tempo livre é aquele cujas atividades estão destinadas à população como um todo. Geralmente, o trabalho do analista ocorre junto ao planejamento e à execução de projetos do governo, ou de instituições privadas, cujos objetivos são disponibilizar recursos humanos e materiais para que a população participe de atividades de lazer em espaços públicos.

De um modo geral, o trabalho do analista, em qualquer um dos campos mencionados, deve estar baseado na análise de comportamentos e das variáveis das quais eles são função, de acordo

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com os conceitos desenvolvidos a partir dos trabalhos de laboratório da análise experimental do comportamento. Vale ressaltar que não devemos realizar "leituras" das contingências de maneira estanque, ou seja, somente podemos dizer qual a relação funcional entre comportamentos e suas variáveis de controle após testar e retestar estas relações. Assim, não podemos dizer a príorí que determinado estímulo é um reforçador ou uma punição. Somente poderemos fazê- lo se, após repetidas observações, pudermos notar quais os efeitos de tal estímulo sobre o comportamento em questão. A seguir, faremos um exercício de aplicação de alguns conceitos da análise do comportamento e de sua utilidade para o contexto esportivo.

Conceitos e princípios

• Condicionamento respondente

Referimo-nos, aqui, aos comportamentos geralmente associados à noção de reflexo. Pode-se caracterizar o reflexo como não aprendido (ou incondicionado), sendo os comportamentos em questão reações a estímulos específicos (sons, cheiros, imagens, sabores, ...). Diz-se que um estímulo antecedente a uma resposta incondicionada a elicia. Também podemos falar em reflexos condicionados como comportamentos que passam a ser eliciados por estímulos considerados neutros anteriormente. Este processo pode ser explicado pelo pareamento entre estímulos eliciadores e neutros, como se vê no seguinte esquema:

f EN (dividir uma bola)Muitos pareamentos

< EI ( torcer o tornozelo) —► RI (medo)

v. EC (dividir bola) —► RC (medo)EN = estímulo neutro EI = estímulo incondicionado RI = resposta inbondicionada EC = estímulo condicionado RC = resposta condicionadaFigura 1 - condicionamento respondente (ou Pavloviano).

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No caso do exemplo da figura 1, o problema gerado para o jogador poderia ser o fato de ele passar a não dividir a bola como precisa ser feito. Como o analista do comportamento poderia intervir? Ele deveria arranjar um procedimento de extinção pavloviana, prevendo a apresentação do estímulo condicionado (dividir a bola) repetidamente, sem o pareamento com o estímulo incondicionado (torcer o tornozelo).

Outra maneira de lidar com a situação seria o chamado contracondicionamento, que refere-se ao condicionamento de uma nova resposta, diferente da condicionada anteriormente. No caso do exemplo da figura 1, poderíamos, então, associar "dividir a bola" com respostas incompatíveis com "medo", como "relaxamento" (produzido através de exercidos de respiração, por exemplo).

• Condicionamento operante

De maneira distinta ao comportamento respondente, referimo- nos ao comportamento operante como respostas que são influenciadas por suas conseqüências. De uma certa maneira, rotulamos o comportamento operante como "voluntário", na medida em que "opera" no ambiente para produzir conseqüências, ao mesmo tempo em que é influenciado por elas (reforço ou punição).

Conseqüências que aumentam a frequência de um determinado comportamento são chamadas de reforço positivo. A figura 2 apresenta um esquema do princípio do reforçamento positivo:

E (goleiro adiantado) — ► R (chutar por cobertura) —► C (gol)I______ Ireforçamento

Resultado: maior probabilidade de chutar por cobertura em situações semelhantes.E = estímulo R = resposta C = conseqüência

Figura 2. Reforçamento positivo.

Podemos, ainda, fazer uma distinção entre reforçadores incondicionados e condicionados. Reforçadores incondicionados são também chamados de primários, na medida em que alteram a probabilidade de emissão de respostas devido às nossas necessidades biológicas (água, comida, calor, sexo...). Reforçadores

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condicionados seriam conseqüências que foram pareadas com reforçadores primários adquirindo, assim, sua influência sobre o comportamento (elogios, dinheiro...).

Uma outra forma de categorizar reforçadores refere-se aos naturais e arbitrários. Como reforçadores naturais, podemos entender aqueles que consequenciam o comportamento sem que haja uma programação de sua liberação por outras pessoas. No caso do exemplo da figura 2, a marcação do gol poderia ser considerada um reforço natural. Agora, digamos que o jogador não fizesse o gol, mas o técnico acreditasse que ele deveria continuar tentando aquele tipo de chute em situações semelhantes. Então, ele poderia programar um reforçamento arbitrário para fortalecer o comportamento do jogador (exemplo: "Boa! Pena que não entrou. Continue tentando.").

É importante, também, abordar o modo como o comportamento operante fica enfraquecido. A extinção operante dá-se na medida em que deixa de haver consequenciação para a resposta em questão. Assim, a tendência é a da diminuição da freqüência desta resposta. A extinção operante pode ser utilizada enquanto um procedimento de intervenção, como no seguinte exemplo: imagine um atleta, cuja freqüência de verbalizações aumente consideravelmente, à medida que o técnico lhe dá atenção. Agora, imagine que a atenção do técnico foi tão reforçadora para o atleta que ele não pára de falar durante as reuniões de análise de desempenho, impedindo que os outros atletas se manifestem. Seria aconselhável que o técnico procurasse não consequenciar as verbalizações do atleta naquela situação, até que o grupo pudesse realizar a tarefa proposta.

• Esquemas de reforçamento

Nem sempre é possível conseqüenciar imediatamente após cada ocorrência de uma resposta. 0 que ocorre, então, é que o reforçamento se dá de uma maneira intermitente, ou seja, nem todas as respostas são reforçadas.

Pesquisas realizadas com esquemas de reforçamento demonstraramque:

1. Sob certos tipos de esquemas intermitentes, os indivíduos trabalham de modo mais consistente do que sob reforçamento contínuo;

*

2. Comportamentos reforçados intermitentemente tornam-se mais resistentes, levando mais tempo para se extinguirem.

De uma forma geral, os esquemas de reforçamento podem variar quanto

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ao número de respostas a serem emitidas até a obtenção do reforço (razão), ou quanto ao intervalo de tempo entre a liberação dos reforços (intervalo). Além disso, os esquemas podem ser fixos ou variáveis, ou seja, o número de respostas ou o intervalo entre reforços podem ser os mesmos ao longo de todo o esquema ou podem variar de uma maneira imprevisível

Assim sendo, um técnico de natação poderiá combinar com seu atleta que, a cada 10 piscinas que o atleta percorresse, ele teria cinco minutos de descanso (razão fixa). A razão variável poderia ser exemplificada no caso do técnico de basquete, que percebe que um atleta reserva não está praticando um número suficiente de lances livres. 0 técnico pode programar um treino no qual a execução de um conjunto de 20 lances seja consequenciada por treinar cinco minutos do coletivo no time titular. Posteriormente, nos outros treinos, ele altera a razão (número de lances a ser executado), até o momento em que combina que não irá mais avisar qual o número de arremessos a ser executado para produzir o reforçador. No fim do treino, ele calcula quantos minutos o atleta "ganhou", mantendo-o em treino constante.

Um esquema de intervalo fixo poderia ser caracterizado da seguinte forma: o técnico avalia que seus atletas necessitam treinar mais repetições de cobranças de falta no futebol. Ele avisa que a cada 20 minutos virá ao campo para saber quem está treinando e consequenciará estes atletas com uma bonificação no salário. Provavelmente, os atletas passarão 19 minutos fazendo quaisquer outras coisas e, perto de o técnico vir a campo, começarão a treinar as faltas. 0 técnico, então, terá de usar um esquema de intervalo variável. Ou seja, avisa que poderá entrar a qualquer momento no campo e que irá consequenciar aqueles que estiverem treinando nos momentos em que chegar. Provavelmente os atletas ficarão treinando o tempo todo.

• Controle de estímulos

Sempre que uma resposta é reforçada, isto ocorre em um determinado momento e local. Além de aprender a relação entre resposta e conseqüência, é necessário aprender, também, a hora e o local de emití-lo. Em certos momentos, a emissão da mesma resposta poderá não produzir o reforçador. Voltemos ao exemplo da figura 2: caso o goleiro não estivesse adiantado, de nada valeria o chute por cobertura, pois dificilmente o gol seria produzido. Caso houvesse a intromissão de uma outra variável (um zagueiro à frente do jogador, uma distância muito grande da trave,...), o reforçador poderia não ser produzido. Portanto, para que uma resposta seja reforçada, é preciso que sua emissão

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ocorra sob condições específicas, ou na presença de estímulos antecedentes (discriminativos) adequados. Quando a resposta ocorre na presença de estímulos antecedentes e não é reforçada, ela entra em extinção e o antecedente é chamado de estímulo de extinção.

Sdl (goleiro adiantado)—► RI (chute por cobertura) —► Cl (gol)

Se (goleiro sob a trave) —► RI (chute por cobertura) —► C2(outra qualquer)

Sd2 (goleiro sob a trave) —► R2 (chute no canto) —► Cl(gol)

Exemplo de discriminação: Quando o goleiro está adiantado o chute por cobertura pode produzir o gol. Quando ele está posicionado sob a trave dificilmente este tipo de chute produzirá o reforçador. O jogador pode executar uma variação de chute (no canto) para produzir o reforçador a partir da discriminação entre os antecedentes.

Sdl = estímulo discriminativo 1 Sd2 = estímulo discriminativo 2 Se = estímulo de extinção RI = resposta 1 R2 = resposta 2 Cl = conseqüência 1 C2 = conseqüência 2

Figura 3. Controle de estímulos e discriminação.

A noção de controle de estímulos e discriminação pode ser bastante útil para analistas do comportamento e técnicos ou professores, na medida em que é necessário ensinar aos atletas e aos praticantes não somente determinadas habilidades, mas também os momentos adequados para executá-las. Assim, ensiná-los a reconhecer sinais do ambiente pode aumentar as chances de que as respostas emitidas no ambiente esportivo produzam reforçadores, evitando sua extinção apenas porque não foram executadas na hora e no lugar certos.

• Generalização de estímulos

Quando uma pessoa emite um comportamento a ser reforçado na presença de determinado estímulo, ela realiza uma discriminação como acaba de ser descrito. Quando esta pessoa aprende a emitir essa mesma resposta na presença de outro estímulo antecedente, no qual também haverá reforçamento, ela está realizando uma generalização de estímulos. Este processo é importante, já que torna possível emitir padrões de comportamento em uma diversidade de situações. No contexto esportivo, a relevância deste conceito aplica-se à transferência do controle de estímulos de uma situação de treino para jogos, por

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exemplo. Ou, em outro exemplo, entre jogos em "casa" e no campo do adversário. Na prática, o analista do comportamento pode colocar sob controle de palavras, ou auto-instruções (regras parciais), a emissão de determinadas respostas significativas.

9

P

Sdl (Treino/palavra “caixa”) —► R(lance livre) —► C (cesta)Sd2 (Jogo/palavra “caixa”) —► R(lance livre) —► C (cesta)

Sdl = estímulo discriminativo 1 Sd2 = estímulo discriminativo 2 R = resposta C = conseqüência

Figura 4. Generalização de estímulos. Exemplo de comportamentocontrolado por auto-instrução.

• Modelação

A modelação consiste em apresentar um estímulo (geralmente visual) a ser imitado. Ou seja, o técnico ou professor geralmente diz: "Faça assim" e demonstra o comportamento que quer ver executado. Cabe aos alunos ou atletas tentar emitir respostas topograficamente parecidas.

• Modelagem

No caso de comportamentos que nunca ocorreram (habilidades a serem aprendidas como fundamentos de um esporte para um iniciante) ou têm uma freqüência muito baixa, dificilmente poderão ser consequenciados com reforçadores positivos. Assim, pode-se trabalhar com a modelação ou então com a modelagem. A modelagem seria o reforçamento de aproximações sucessivas da resposta final esperada. Podemos modelar a topografia de um comportamento, assim como a sua freqüência, duração, intensidade ou latência (Martin, 2001, pág. 27).

Antes de iniciar um procedimento de modelagem, é necessário identificar a resposta final desejada, assim como suas dimensões (topografia, duração...). Depois, identificar uma resposta do indivíduo da qual possamos iniciar o procedimento e, finalmente, passamos a reforçar as aproximações sucessivas. Assim, contamos com a variabilidade do

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comportamento do indivíduo para que possamos modelá-lo. Então, por exemplo, gostaríamos que determinado aprendiz de vôlei executasse corretamente o bloqueio do corte adversário. Inicialmente, sabemos que ele deveria pular a tempo de impedir que a cortada adversária passasse para sua quadra, sem que ele mesmo tocasse a rede quando da tentativa. Observando-o em treinos, vemos que ele consegue dar saltos razoáveis, porém sempre se enrosca na rede ou "perde o tempo da bola" quando do corte adversário. Poderíamos pedir-lhe, inicialmente, que apenas pulasse junto com o atacante adversário, sem tentar impedir o corte e sem encostar na rede, elogiando-o cada vez que cumprisse a tarefa com sucesso. Em seguida, poderíamos pedir-lhe que continuasse a executar o movimento só que, agora, com os braços levantados. A execução correta da tarefa seria consequenciada com mais elogios. Posteriormente, seria lhe dada uma instrução para que se aproximasse mais da rede tentando tocar a bola. Finalmente, poderíamos reforçar a posição de suas mãos quando estas conseguissem, além de tocar a bola, impedir que esta passasse para sua quadra.

• Encadeamento

Como vimos na modelagem, o que importa é o produto final gerado a partir do procedimento. Em alguns casos, necessitamos de produtos consistentes em todas as etapas da habilidade. Neste caso, é mais recomendado um procedimento de encadeamento, no qual todas as etapas da cadeia comportamental tenham um estímulo antecedente e, no final desta cadeia, ocorra o reforçamento. Vejamos, por exemplo, o caso da jogada ensaiada de ataque para o armador no basquetebol: ele recebe a bola na quadra de defesa (Sd para conduzi-la até a quadra de defesa); leva-a até a quadra de ataque e olha para a defesa adversária (em função da qual irá escolher uma jogada ensaiada e passar a instrução para os companheiros); após "chamar" a jogada, ele espera pelo posicionamento adequado dos companheiros (Sd para executar a primeira movimentação da jogada ensaiada, que poderia ser passar a bola para o lateral à sua esquerda); tendo passado a bola, ele busca novo posicionamento ou movimentação até que o objetivo seja cumprido (cesta ou chance clara de ponto).

• Comportamento governado por regras

0 comportamento de um indivíduo pode estar sob controle de estímulos antecedentes, como já vimos, além do comportamento que é modelado e mantido por conseqüências. 0 comportamento

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governado por regras fica sob controle de antecedentes os quais descrevem contingências. Nesse sentido, podemos encontrar regras que descrevem toda uma contingência (o antecedente, a resposta e a conseqüência), como "Quando chegar à marca dos 300 metros (Sd) dê a arrancada final (R) e poderá ganhar a prova (Cons.)", Podemos falar, também, de regras parciais que descrevem apenas parte da contingência, mas que controlam comportamentos da mesma maneira. Um exemplo é "Na bola!", que poderia estar descrevendo a seguinte contingência: "Quando estiver marcando um atacante dentro da área (Sd), dê um carrinho na bola (R) e, assim, poderá afastar o perigo de gol sem cometer o pênalti (Cons.)".

Assim sendo, regras no esporte podem ter múltiplos usos, desde a descrição resumida de contingências que podem ser utilizadas como auto-instruções (uso relativo à concentração, por exemplo), até o pareamento com estados internos apropriados à execução de determinadas habilidades.

• Punição

Já vimos que podemos controlar comportamentos apresentando conseqüências que aumentam suas freqüências, como no caso do reforçamento positivo. Outra forma de controlar comportamentos é a apresentação de conseqüências que diminuam a frequência das respostas. A chamada punição tem justamente este efeito sobre o comportamento. Da mesma forma que os reforçadores, os eventos punitivos também podem ser incondicionados ou condicionados. É tradicional em muitos contextos esportivos a utilização de eventos punitivos. Vemos agressões entre atletas, repreensões por parte de técnicos, perda de pontos ou índices por irregularidades ou desrespeito às regras, exclusões temporárias ou duradouras...

De uma forma geral, a punição funciona arbitrariamente em benefício de quem a aplica, já que produz, muitas vezes, controle imediato do comportamento de outro. Ocorre que a punição produz, também, alguns efeitos colaterais, ou os chamados subprodutos (frustração, agressividade, medo, tensão, ansiedade...) os quais, geralmente, são incompatíveis com repertórios exigidos de atletas ou iniciantes, como tomada de decisão, habilidades motoras, coesão grupai, ou seja, interferem diretamente no desempenho.

• Condicionamento por fuga ou esquiva

Alguns comportamentos podem ter suas freqüências aumentadas, na medida em que sua emissão produz a retirada de

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determinado evento aversivo. Assim, aprendemos a emitir comportamentos para encerrar ou evitar eventos aversivos. Comportamentos de fuga produzem a retirada de um evento aversivo já presente, enquanto comportamentos de esquiva evitam que o evento aversivo ocorra.

Sd (demissão após briga)----- ► R (pedido de desculpas)----- ► C (reintegração ao elenco)

FUGA

Sd (avaliação durante jogo)— ►R (fazer um gol)----- (não ser substituído no intervalo)

ESQUTVA

Sd - estímulo discriminativo R - resposta C = conseqüência

Figura 5. Comparação de contingências de fuga e esquiva.

Como contingências de fuga e esquiva envolvem punições eventos aversivos podemos prever a ocorrência de subprodutos e suas desvantagens.

Os conceitos exemplificados anteriormente podem ser aplicados através de técnicas ou pacotes de técnicas. A seguir, veremos alguns exemplos de técnicas.

• Técnicas específicas

Scala (2000) fez uma revisão de literatura na qual evidenciou as técnicas mais freqüentemente utilizadas e descritas em relatos de pesquisa específicos da área de Psicologia do Esporte. São elas: estabelecimento de metas, prática encoberta, auto-fala e relaxamento, as quais são aplicadas sob a forma de pacotes com muita freqüência.

0 estabelecimento de metas consiste em um rearranjo de contingências, na medida em que se percebe que as metas anteriormente estabelecidas possuem poucas chances de serem alcançadas. Em outras palavras, busca-se estabelecer metas graduais, para as quais direcionam- se comportamentos que possam produzir reforçadores. Muito comum é ouvirmos de um atleta ou de uma equipe que seu objetivo é "ser campeão". Bom, para chegar até lá, é necessário estabelecer um plano que contemple cada etapa até as finais da competição em disputa (como classificação e play-offs), sendo que cada qual exige certos tipos de

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comportamentos específicos. No caso do exemplo entre parênteses, primeiro precisamos dirigir os esforços para obter a classificação e aí, então, passar a trabalhar no sentido de cumprir as exigências da fase "mata-mata". Talvez seja necessário, inclusive, desenvolver mais os fundamentos da modalidade (habilidades básicas), para garantir a classificação e, põsteriormente, desenvolver repertórios mais complexos, refinados e variados.

A prática encoberta refere-se ao treinamento através da imaginação, a qual permite executar e corrigir desempenhos que em competições não têm gerado bons resultados. Elabora-se um roteiro para o atleta seguir, de modo que ele possa "ver e rever" seu desempenho preparando-se para situações inusitadas e/ou aprendendo a ficar sob controle de estímulos relevantes na hora da performance. De preferência, pede-se ao atleta que fique atento à imaginação de estímulos visuais, auditivos, táteis... (por isso o termo visualização não contempla todas as dimensões de estímulos envolvidos).

Relaxamentos podem ser utilizados para diversos fins. Desde a produção (eliciação) de estados internos contrários ao excesso de tensão, até para discriminação de níveis de ativação, contração e relaxamento muscular apropriados a desempenhos específicos.

A auto-fala, que já foi brevemente descrita nos itens de controle de estímulos e comportamento governado por regras, pode ter diversos fins, porém muito comumente é utilizada no auxílio da melhora de concentração (ficar sob controle de estimulação relevante) ou para o controle emocional (palavras pareadas com estímulos incondicionados eliciadores de estados específicos).

Como já foi dito, estas técnicas freqüentemente são utilizadas em conjunto e, por vezes, uma é pré-requisito de outra (relaxamento como condição anterior para o uso de prática encoberta, por exemplo). Importante notar que essas técnicas foram sendo desenvolvidas a partir de pesquisas. Martin & Tkachuk (2001) sugerem que pesquisas futuras deveriam atentar para as seguintes áreas: a) a auto-fala pode ser utilizada para a generalização de desempenhos de treino para competições?; b) rotinas pré-desempenho melhoram o desempenho competitivo?; e, c) programas sazonais de treinamento mental são eficazes?

Um exemplo de trabalho aplicado - I ntervenção junto a categorias de base do

BASQUETEBOL

Ao longo do ano do ano de 2000, foi realizada uma intervenção junto a dois times de basquetebol, de categorias diferentes, em um mesmo clube da cidade de São Paulo. No início, o trabalho foi realizado

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de forma a explorar o ambiente do clube e dos times, com a finalidade de identificar o contexto referido, padrões relevantes de repertórios (principalmente os comportamentos desempenhados na hora de treinos e jogos) dos atletas, dos técnicos e demais envolvidos. Ao longo do referido ano, foram sendo desenvolvidas atividades, de forma sistemática, com a finalidade de melhorar o desempenho de ambos os times e dos respectivos técnicos.

Foram obtidos registros, por meio de scouts de jogo, de cinco comportamentos-alvo: arremesso de dois pontos; arremesso de três pontos; arremesso de lance livre; rebote de ataque; e rebote de defesa. 0 comportamento dos técnicos, assim como outros comportamentos dos atletas, além dos já citados, não foram registrados de maneira sistemática e rigorosa, porém também foram alvo da intervenção. Exemplos são: comportamentos dos técnicos dirigidos aos atletas, no sentido de consequenciar o desempenho dos atletas em treinos e jogos; comportamentos dos técnicos relacionados com o fornecimento de instruções e explicações sobre os objetivos e planejamento para alcançá- los; comportamentos dos atletas em relação uns aos outros e em relação aos técnicos; comportamentos dos atletas em relação aos treinamentos e à preparação para os jogos. Feita uma primeira avaliação, foram propostas duas linhas de intervenção (análise de desempenho em treinos e jogos; preparação para competição - concentração e motivação) que foram conduzidas até o término dos campeonatos dos quais os times participaram naquele ano. A seguir, iremos descrever as três linhas de intervenção.

• A nálise de desempenho

Após um levantamento inicial, a partir das informações registradas nos scouts de jogo e de dados colhidos através de observações sistemáticas de treinos e jogos, foram elaborados gráficos e tabelas de porcentagens acerca do desempenho de cada jogador e do time como um todo. A seguir, foram fornecidos feedbacks para os jogadores e técnicos, através de reuniões e entrevistas individuais nos quais se estabelecia prioridades de treinamento individual (estabelecimento de metas).

Foi realizada também, em conjunto com os técnicos, uma decomposição de, habilidades para modelagem de comportamento motor. Ou seja, 'os fundamentos do basquetebol foram decompostos em pequenos movimentos, ou cadeias de movimentos, que eram treinados posteriormente.

1 2 1

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jogador X - arremesso de dois pontos

ar2certo■ * ■ u • ■ ar2errado

Jogos

Figura 6 - Exemplo de gráfico utilizado para feedback em

Todas as ações ocorriam de acordo com o que era estabelecido em reuniões sistemáticas com o grupo para análise e preparação para jogos e, também, para esclarecimentos sobre atividades desenvolvidas. Nestas reuniões, foi comum assistir a videotapes de jogos que pudessem auxiliar na análise do desempenho. Outra atividade desempenhada nestas reuniões foram treinamentos de discriminação de estados internos, respiração e prática encoberta, de forma a treinar os atletas para as atividades de preparação para os jogos.

Coesão grupai e unidade de objetivos foram buscadas através de reuniões especificas para administração de conflitos, dinâmicas lúdicas e recreativas.

• Concentração e motivação

Na última hora imediatamente anterior aos jogos, foram realizados exercícios de respiração e prática encoberta que permitissem aos atletas discriminar estados internos, tentando controlá-los de modo adequado à competição, focando a atenção em estimulação relevante para a situação. Nestes momentos, também foram realizadas curtas reuniões, de modo a pedir a participação de cada um na retomada dos objetivos coletivos e individuais previamente estabelecidos.

1 2 2

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Não foi possível comparar os percentuais das habilidades registradas nos scouts antes e depois da intervenção, na medida em que, por conta de uma reestruturação ocorrida no clube, não foi possível registrar o desempenho dos atletas na maior parte dos jogos ocorridos após o início do trabalho. De qualquer maneira, fica aqui registrada a necessidade de um maior rigor metodológico na avaliação das intervenções, para que se possa avaliar melhor os efeitos das técnicas aplicadas.

Foi realizada, então, uma avaliação mais geral, em termos de resultados de competição:

- Equipe 1, vice-campeã paulista e campeã estadual (no ano anterior havia sido desclassificada antes da fase final do campeonato);

- Equipe 2, 3â colocada no campeonato paulista (no ano anterior havia ficado em 5fl lugar).

Sobre a relação com os técnicos, vale dizer que, com o técnico 1, houve muito diálogo e realização de atividades em parceria. Já com o técnico 2, os trabalhos foram realizados em separado. Estes fatores certamente interferiram no resultado final das intervenções.

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A r r a n ja n d o co n ting ên cias de en s in o : u m a reflexão

SOBRE O LABORATÓRIO ANIMAL OPERANTE

Gustavo Teixeira*

Sérgio Dias Cirino **

"A existência futura da análise do comportamento está na transmissão das suas práticas..."1 Ellis 8 Glenn, 1995.

"E era tanto barulho na sala; e era tanto riso e tanta alegria que lá vinha a Diretora saber o que estava acontecendo: 'vocês estão prejudicando as outras classes'."Ziraldo, 1995.

0 Brasil está passando, atualmente, por uma profunda mudança nas políticas educacionais. 0 Ministério da Educação tem promovido avaliações sistemáticas de todo o ensino e, principalmente, do ensino superior universitário, através da formulação de diretrizes curriculares. Todos os cursos universitários (desde os mais antigos aos mais recentemente criados) estão, de alguma forma, adaptando-se às novas diretrizes curriculares. Nesse contexto, o tema aqui proposto do arranjo de contingências no laboratório animal operante mostra-se bastante pertinente, já que permite a discussão de uma disciplina tradicional nos cursos de Psicologia e da sua relevância na formação do profissional da área.

Encontros de sociedades científicas, como, por exemplo, da ABPMC2, têm promovido interessantes debates sobre a formação do psicólogo e, mais especificamente, do analista do comportamento. Quando o tema em destaque é a formação do analista do comportamento, há que se enfatizar0 Laboratório Animal Operante, já que este, historicamente, tem sido peça chave nos cursos de psicologia.

* Clínica particular.**UFMG. E-mail: [email protected] The future existence ofbehavior analysis rest on the transmission ofits (...) practices." (pág.

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Desde a implantação dos primeiros cursos de Psicologia no Brasil, o Laboratório de Análise Experimental do Comportamento (AEC) sempre esteve presente. Nas décadas de 60 e 70, o Laboratório de AEC integrava o corpo de uma disciplina obrigatória em todo o Brasil: Psicologia Experimental. Tal disciplina também dispunha de outros laboratórios, como, por exemplo, o de Psicofísica. A partir da década de 80, todos os outros laboratórios que integravam a disciplina Psicologia Experimental foram perdendo espaço dentro dos cursos de Psicologia.3 A disciplina Psicologia Experimental continuou uma "disciplina obrigatória" nos cursos de formação em Psicologia, e o Laboratório de AEC passou a ser encarado, na maioria das vezes, como a única prática da Psicologia Experimental utilizado, principalmente, na replicação de experimentos clássicos para demonstração de conceitos. Como afirma Barros (1989), "parece-nos que a Psicologia Experimental vem sendo definida por apenas uma das possibilidades de se fazer Psicologia experimentalmente que é a Análise Experimental do Comportamento".

Muitas dificuldades foram enfrentadas ao longo da história da Análise Experimental no Brasil, e o Laboratório de AEC passou a ser visto, freqüentemente, como um lugar aversivo e com pouca - ou nenhuma - utilidade na formação do aluno de Psicologia. Uma destas dificuldades está intimamente relacionada ao Laboratório Animal Operante. Por um lado, o Laboratório é visto (principalmente pelos professores da área) como um instrumento imprescindível ao ensino dos conteúdos básicos da Análise do Comportamento e à produção científica em Análise do Comportamento. Por outro lado, o caráter aversivo das práticas de laboratório em cursos de graduação, infelizmente, tem contribuído muito mais para que o Behaviorismo Radical seja incompreendido e rejeitado. Os chistes têm sido a forma mais elegante dessas críticas, em detrimento das formas mais agressivas do passado.

Diante dos aspectos negativos da possível incompreensão e rejeição do Behaviorismo Radical, o caráter aversivo das práticas de laboratório tem sido investigado por vários autores e diferentes sugestões têm sido apresentadas. Barber (1994), por exemplo, propõe um programa específico de modelação para reduzir a aversão ao laboratório animal. Catania, Matthews & Shimoff (1990) sugerem - em um programa de computador nos moldes de um jogo de video game - com um "rato virtual" sensível às contingências de um teclado e um mouse.

Sem dúvida, o simples fato de esses autores estarem se ocupando da questão do uso do laboratório já é um fator positivo, mesmo que

2 Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental. 0 leitor interessado pode acessar o site da ABPMC: www.abpmc.org.br3 Foge ao escopo do texto um aprofundamento nesta questão.

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algumas das alternativas propostas sejam estranhas à filosofia do Behaviorismo Radical e, às vezes, estranhas à Ciência. Por exemplo, uma proposta apresentada por Karp (1995) de uma "olimpíada de ratos" restringe e muito a utilização do laboratório animal operante como recurso cientifico de pesquisa. Ao tentar minimizar o caráter aversivo do laboratório, Karp - inadvertidamente - transforma-o numa espécie de circo:

“A Olimpíada de ratos é um evento de gala que segue os últimos exames do curso, para uma platéia convidada (...) os ratos que param por mais de um minuto e meio são desclassificados do evento. (...) Os treinadores dos ratos medalhistas de ouro de cada evento recebem prêmios com os quais continuarão suas ilustres carreiras de treinadores." (Págs. 149/isoySerá que a transformação do laboratório operante animal num

"circo", proposta por Karp (1995), resolveria a questão da aversão ao laboratório? Será que a filosofia do Behaviorismo Radical estaria preservada num ambiente assim? Será que o uso de um video game, proposta por Catania, Matthews & Shimoff (1990) para ensinar análise do comportamento é realmente uma saída razoável? Já que se está usando um ambiente virtual no video game, qual é a necessidade de ser um rato o sujeito? Não poderia ser um outro animal - quem sabe um ser humano?

Como bem aponta Cirino (2000), a manutenção, ou não, de qualquer prática de ensino deve ser avaliada funcionalmente. Com isto, se o laboratório animal operante é realmente uma fonte de estimulação aversiva e se as alternativas mais viáveis são transformá-lo num ambiente circense “forfun" (Karp, 1995), ou num jogo de video game (Catania et al., 1990), quem sabe seja o momento de repensarmos tal prática e, talvez, abandoná-la.

Com certeza, abandonar o laboratório não é a melhor saída. Contudo, antes da adoção de atitudes também drásticas, como a proposta de Karp (1995), faz-se necessária uma ampla e sistemática avaliação das práticas correntes de ensino da Análise do Comportamento. Em última análise, tal avaliação pode servir como fonte de práticas alternativas coerentes tanto com a Ciência quanto com a própria filosofia comportamental.

Parece clara, na literatura especializada, a necessidade de se redimensionar”o laboratório animal operante tanto na sua função como recurso didático quanto na de pesquisa em cursos de graduação. Na

4 "The Rat Olympics are held as a gala event following the last exam in the course, and guests are invited. (...) Rats who batkfor more than a minute and half are disquaíified from that event (...) The trainers of Goid Medal rats for each event receive frogclicker key chains with which to continue their iliustríous training carrers". (págs. 149-150)

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maioria das vezes, o laboratório é usado como lugar para replicação de experimentos que "dão certo". Como sugere Barros (1989), "Os exercícios realizados como atividade de laboratório devem ser sempre exercícios que 'dão certo? Existem outras formas de usar o laboratório como instrumento de ensino, demonstrando conceitos dentro de uma perspectiva mais abrangente como a de produzir conhecimento". Nestas condições, em geral, o aluno é colocado numa atitude passiva de observação e registro de fenômenos com porta mentais que acontecem à sua frente, dentro da Caixa de Skinner.

Os aspectos aversivos do laboratório podem ser melhor compreendidos a partir da análise dos próprios elementos da prática do laboratório. Para Barros (1989), freqüentemente os alunos encaravam o Laboratório de AEC como um lugar de controles tirânicos e, além disso, o sujeito experimental mais usado (o rato), na nossa cultura, é visto como animal nojento e perigoso. Contudo, tal aversão não é justificável. Na verdade, apenas para citar o exemplo do sujeito experimental, o que precisa ficar claro para um aluno de Psicologia é que o Laboratório de AEC não está interessado em ratos - o que se estuda lá é o comportamento.

Talvez este seja o ponto crucial na discussão da importância do Laboratório de AEC num curso de Psicologia: o que realmente se estuda em Psicologia? Numa perspectiva Behaviorista Radical, o objeto de estudo da Psicologia é o comportamento, entendido como relação entre organismo-ambiente. Se se adotar tal postura, não resta a menor dúvida quanto à importância do Laboratório de AEC. 0 Laboratório de AEC lida, justamente, com relações entre organismos e ambientes.

0 Laboratório de AEC está projetado para possibilitar ao aluno experiências muito relevantes para a sua formação. São tarefas do aluno: 1) a programação das contingências às quais o sujeito experimental será exposto; 2) a observação do comportamento do sujeito; 3) o relato da sua intervenção, da sua observação etc. Estas são habilidades importantes a serem desenvolvidas e incorporadas ao repertório de qualquer psicólogo. Na prática clínica do psicólogo, uma das principais atividades é a de observar comportamentos (tanto do cliente quanto o próprio comportamento do terapeuta). A partir das observações, o terapeuta passa a programar certas contingências. Se o terapeuta decide ficar calado ou fazer uma pergunta, tal decisão alterará o ambiente terapêutico e, por extensão, o comportamento do cliente. Portanto, as habilidades que podem ser adquiridas na observação de contingências no laboratório são muito úteis na prática clínica cotidiana.

A idéia básica que sustenta a prática em laboratórios de AEC é a da aprendizagem por passos pequenos. Se consideramos que um dos

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principais objetivos de um psicólogo é a intervenção sobre o comportamento humano em ambientes naturais (portanto complexos) para a promoção da saúde, é importante que ele saiba, antes de intervir, identificar as variáveis das quais o comportamento em questão é função. E isso independente da abordagem teórica utilizada! A prática da identificação de tais variáveis se chama análise funcional e é justamente ela que se almeja ensinar a partir das diferentes práticas num laboratório de AEC.5

0 laboratório de AEC - assim como quaisquer outros laboratórios- possibilita ao aluno o contato com um ambiente mais controlado do que o seu próprio cotidiano. É interessante notar que o ambiente controlado do laboratório é ocasião para que o aluno aprenda, sim, a controlar variáveis. Contudo, mais importante ainda, é a possibilidade que o aluno tem de aprender a "ficar sob controle do outro". No laboratório, tanto o sujeito experimental quanto o aluno são passivos e ativos e, portanto, interativos a todo momento. Num dia, eventualmente, o aluno programa certas contingências às quais o sujeito experimental prontamente responde. Num outro dia, o sujeito experimental não mais responde àquela programação de contingências... e o aluno muda a sua programação e, eventualmente, o sujeito responde a esta nova programação e, assim, suces-sivamente... Desta forma, tanto o comportamento do sujeito fica sob controle do aluno quanto o contrário.

Um outro aspecto importante a ser destacado é o da humildade científica. Num laboratório de AEC, a teoria (da análise comportamental) e a filosofia (do Behaviorismo Radical) estão presentes apenas como um norte, os dados observados têm a última palavra, sempre, no laboratório. Como bem aponta Skinner (1953/1957)6 "A ciência é uma disposição de aceitar os fatos mesmo quando eles são opostos aos desejos". Não é raro o aluno, no laboratório, ficar frustrado na presença de um sujeito experimental que não responde "adequadamente" à programação de contingências feita. Adequadamente foi escrita entre aspas justamente para marcar que, na perspectiva científica da análise do comportamento, toda resposta emitida é, em alguma medida, adequada. Lidar com a frustração de expectativas é, sem dúvida, uma ótima oportunidade de crescimento para o aluno, possibilitando a reflexão e uma posição mais ativa do aluno.

0 fato de identificar vantagens inequívocas do Laboratório de AEC para a formação do psicólogo não implica a inexistência de crítica, ainda que essas críticas sejam mais pertinentes não ao laboratório

5 0 leitor interessado em se aprofundar no tema da Análise Funcional na clínica pode se

beneficiar da leitura dos capítulos 5, 6 e 7 do volume 2 do livro Sobre Comportamento e Cogniçõo (A referência completa do referido livro está no final do capítulo).

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em si, mas, antes, à utilização que tem sido feita dele. Por exemplo, o momento no qual o laboratório aparece no curso. No Brasil, as práticas nos laboratórios de AEC são feitas no inicio do curso de Psicologia (em geral, entre o segundo e o quarto períodos). Qual seria o impacto dele se, eventualmente, as práticas no Laboratório de AEC fossem'feitas mais no final do curso, quem*sabe no sétimo ou oitavo períodos, depois de o aluno já ter tido alguma experiência de observação naturalística. Neste caso, o Laboratório de AEC poderia ter outra função, ou seja, não mais a de ensinar observação, e sim ensinar intervenção.

Skinner afirma que "as pessoas agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificadas pelos efeitos de tais ações" (1957/1978). Assim, analisar o papel do Laboratório de AEC na formação do psicólogo é, em última instância, analisar os comportamentos das pessoas envolvidas nas práticas implementadas. Se o Laboratório de AEC apresenta-se da forma como se apresenta, é porque as práticas nele desenvolvidas foram sendo selecionadas ao longo da história. Qualquer mudança nas práticas do Laboratório que julgarmos necessárias serem feitas só serão legitimas se forem resultantes de criteriosa reflexão.

Algumas questões podem auxiliar nessa reflexão: Será que o laboratório está dispondo de contingências funcionais para analisar o comportamento? Será que ele propicia uma reflexão sobre a filosofia do Behaviorismo Radical? Como encarar os freqüentes mal-entendidos, que muitos psicólogos ainda mantêm, de que o Behaviorismo Radical é simplista, só estuda o que pode ser publicamente observado, excluindo de sua análise questões relativas à subjetividade, tais como os pensamentos, os sentimentos, a consciência?

Como aponta Cirino (2000), o Laboratório animal operante é quase uma "marca registrada" da análise do comportamento, sendo utilizado como instrumento de investigação e como recurso didático em cursos de graduação. É interessante notar que, em quase 30 anos de utilização do Laboratório Animal Operante, as críticas feitas ao Behaviorismo Radical são ainda muito parecidas com aquelas feitas há 30 anos. Kohlenberg & Tsai (1991/2001), ao perguntarem aos seus colegas o que lhes vinha à mente frente o termo Behaviorismo Radical, afirmam que as respostas incluíram: (1) "Eu penso nas caixas de Skinner. Sinto uma rejeição visceral. Eu acho que ele é simplista e

6 Nas citações das obras consultadas, as datas da publicação original e da edição consultada foram apresentadas nessa ordem e separadas por barra.

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que nega a realidade de um psiquismo interno, rico e complexo, que interage com a realidade externa. Para mim, o behaviorismo sempre pareceu muito arrogante, ao reduzir o incrível mistério de existir, de ser, "ao que pode ser observado"; e (2) "Você já ouviu aquela dos dois behavioristas radicais que faziam amor apaixonadamente? Depois, um perguntou para o outro: Foi bom para você? Como foi para mim!".

Quais serão as variáveis responsáveis por equívocos tão elementares em relação ao Behaviorismo Radical?

É importante ficar claro, mais uma vez, que as críticas tecidas no presente texto não são ao laboratório, mas à forma como ele tem sido utilizado. Como bem sugere Tomanari (2000), "0 corpo de conhecimento acumulado pela Análise do Comportamento oferece recursos que permitem reconfigurar a forma de ensiná-la através da introdução, no conteúdo do curso, de recentes descobertas e técnicas".

Assim, esperamos que discussões, como a proposta pelo tema do presente trabalho, sejam cada vez mais freqüentes e maduras, para que possamos aumentar as chances de contribuir para uma formação ética e de qualidade dos nossos alunos, futuros profissionais da Psicologia.

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13T e r a p ia C o m po rtam en tal: conhecim ento

ACUMULADO E TRANSFORMAÇÕES1

Rachel Rodrigues KerbauyUSP

Hoje, o estudioso da Terapia Comportamental defronta-se com diversos autores e conteúdos. Geralmente, supõe que as afirmações contidas nos livros e revistas são baseadas em pesquisa. Indago se é verdade em todos os artigos. Não é. Alguns autores esclarecem a condição de hipóteses fundamentadas em sua experiência clinica, outros não.

Suponho que, embora as explicações para esse fato possam ser várias, existe a preocupação entre os psicólogos, cientistas comportamentais e profissionais de saúde de auxiliar a resolver os problemas humanos, ou pelo menos diminuir o sofrimento e compreender os fatos da vida. Diria que, nesse sentido, há uma crença arraigada (há provas?) de que, se compreendo, sofro menos.

A credibilidade do trabalho dos psicólogos às vezes parece boa e outras vezes sua atividade é considerada desnecessária e ineficaz. As causas dessa diferença de julgamento podem mostrar um caminho tortuoso a percorrer, se quisermos demonstrar as análises imprescindíveis para a eficácia dos tratamentos e garantia dos resultados a longo prazo.

Com tantos autores e tratamentos propostos, parece que estamos atingindo os objetivos da terapia. No entanto, um resultado em hospital ou no consultório pode não persistir e ser passageiro.

0 nome da T e r a p ia C o m po rtam en tal

Lazarus (1971) apresenta uma descrição do emprego da denominação Terapia Comportamental. Afirma que os nomes foram utilizados por pessoas diferentes, em locais e situações particulares.

1 Trabalho apresentado no Seminário de Análise do Comportamento do Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte, 2 de junho de 2001.

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Considera que, em 1953, Skinner, Salomon, Lindzey & Richards foram contratados pela marinha dos Estados Unidos para fazer pesquisa e demonstrar os princípios do comportamento operante e suas técnicas no comportamento de pacientes psicóticos. 0 estudo foi realizado no laboratório de pesquisa comportamenial no Metropolitan State Hospital em Waltham, Massachòsetts, e foi chamado de "estudos em terapia comportamental". Divulgaram seus dados em um trabalho mimeografado. Wolpe (1968), quando presidente da AABT, na Newsletter da sociedade, considera Skinner e Lindzey como os introdutores do nome.

Lazarus afirma que a primeira vez que o termo Terapia Comportamental e terapeuta comportamental apareceram em revistas científicas foi quando ele escreveu, em 1958, advogando bases científicas para o trabalho terapêutico. Considera que o emprego do nome por ele próprio foi independente de Skinner e que concebia os terapeutas comportamentais de modo diverso. Lazarus os via como empregando inúmeras técnicas independentes da origem, para inibir padrões neuróticos e também aquelas estudadas cientificamente. Desenvolveu suas idéias em livros e artigos, nos anos 70, e mantém-se produtivo.

Independente deles, Eysenk (1959), na Inglaterra, usou o termo Terapia Comportamental. Incisivamente, mostrava a ruptura com a psicanálise, defendendo que o condicionamento clássico explicava a aquisição do comportamento neurótico. Publicou vários livros em rápida sucessão, sendo considerado responsável por divulgar a falsa idéia de que os terapeutas comportamentais tratam dos sintomas. Na realidade, foi a divulgação, provavelmente de descontentes com suas afirmações da frase "acabando com os sintomas... você elimina a neurose", que desencadeou os maus entendidos.

Sabemos hoje, que essa frase não é verdadeira. De fato discutir sobre sintomas ou sobre descrições topográficas do comportamento nos remete a discussões sérias que permeiam as diversas maneiras de trabalhar em Terapia Comportamental e cognitiva. Segundo Catania (1999\1999),

"a disputa entre comportamentalista e cognitivistas pode ter origem tanto nas diferentes maneiras de falar sobre comportamento quanto em diferenças nas descobertas de pesquisa. Algumas dificuldades surgem porque esses dois tipos de psicólogos geralmente estão interessados em tipos diferentes de questões.Os comportamentalistas tendem a lidar com questões relativas à função, e os cognitivistas com questões de estrutura”, (pág.24).

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É infindável também a discussão sobre análise funcional, em Terapia Comportamental. É a forma de analisar a função dos comportamentos, como veremos no tópico sobre o assunto. Há, no entanto, maneiras diversas de trabalhar na prática clínica em Terapia Comportamental, cada uma com peculiaridades e denominações. Aqueles que se dizem behavioristas radicais têm denominado seu trabalho salientando o funcional ou o analítico.

A FAP Psicoterapia Analítica Funcional, proposta por Kolemberg e Tsai (1989 e 1991/2001), tem como foco a relação terapeuta-cliente e os comportamentos clinicamente relevantes. A acuracidade na observação dos comportamentos clinicamente relevantes, durante as sessões e nos relatos do cliente, é repertório básico do terapeuta. A ênfase na relação terapêutica é considerada crucial e fator principal do processo de mudança.

A ACT, terapia de aceitação e mudança proposta por Hayes & Wilson (1994) e também denominada de terapia contextual, salienta maneiras de obter o comprometimento do cliente e mantê-lo. Destaca especialmente a aceitação como básica para iniciar a mudança. Esse conceito não é novo em psicologia e foi defendido por Watzlawick, Weapland & Fish (1968). Hayes, emprega técnicas de outras linhas teóricas que são compreendidas e explicadas, de acordo com a teoria comportamental, mas nem sempre cita os autores fontes o que, a meu ver, dificulta a leitura.

Outras denominações são empregadas, como Terapia Analítico Comportamental. Uma pergunta que faço é: se Skinner batizou Terapia Comportamental, há 50 anos, por que não manter esse nome tão difundido? Um melhor roteiro seria realizar pesquisas para fundamentar o trabalho que se faz, divulgá-las e, dessa forma, garantir pesquisa em clínica como base das afirmações. Há espaço e necessidade dessas pesquisas na área.

A nálise funcional

Outros autores têm proposto formas de intervenção sem, no entanto, denominar sua maneira de trabalhar. Permeia entre os behavioristas radicais a discussão da análise funcional e seu papel na terapia. A coleção da ABPMC, Sobre Comportamento e Cognição, traz vários artigos sobre esse assunto, como: Guilhardi & Queiroz, 1995; Delítti, 1997; Banaco, 1999, com exemplos clínicos de sua aplicação no contexto terapêutico.

A dificuldade apresentada pela utilização da análise funcional na terapia é de natureza conceituai e metodológica, com questionamento da

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pertinência e eficácia de intervenções baseados na análise funcional. A definição dos autores nem sempre é clara, podendo ter formulações diversas. Ferster, Curbertson & Boren (1968/1977) ressaltam que "o psicólogo comportamentalista tem como enfoque principal a análise funcional do comportamento. É o que constitui a relação entre estímulos, comportamento, e as conseqüências do comportamento ambiente" (pág. 17). É um livro de alguém como Ferster, que além de ser co-autor de Skinner em Schedub of Reinforcement (1957), observou e descreveu o trabalho de terapeutas que atuavam com referencial diverso, procurando mostrar o trabalho clínico e ensinar a fazer análises comportamentais. Os autores dos princípios da Psicologia destacam: "o problema da psicologia do comportamento é compreender o que está ocorrendo quando as pessoas têm sentimentos, impulsos, ímpetos, compulsões, idéias, pensamentos, fantasias, medo, desejos. Descobriremos que, embora a análise seja extremamente complexa, a observação dos processos comportamentais e de eventos objetivos disponíveis nos ajudará a compreender a complexidade, a sutileza e a delicadeza desses aspectos básicos e fundamentais do comportamento humano" (pág. 17). Portanto, esses autores enfrentavam os problemas humanos de modo sistemático. Ferster (1979) foi dos primeiros pesquisadores a falar na importância da análise da interação terapeuta cliente. Ensinou a fazer análise funcional em seus escritos, mas mostrou como era complexa especialmente ao sair do laboratório e tendo que analisar o comportamento verbal.

Os escritos dos anos 70 parecem, hoje, distantes e inconclusivos. Segundo Sturmey (1996), que escreveu um livro sobre análise funcional na clínica, além de uma revisão da literatura dos últimos 50 anos, tem acontecido um maior desenvolvimento dos métodos de fazer análise funcional. Esse autor trabalha primordialmente com distúrbios de desenvolvimento, mas propõe análises funcionais para os psicólogos clínicos e instiga pesquisas no dia a dia da prática clínica. 0 processo de desenvolver e usar a análise funcional é o que está mais negligenciado para o autor. Considero ser devido a própria dificuldade. Simplificando, diria que essa análise funcional deveria demonstrar a intenção da pessoa e as condições que a mantém em diversos locais, com pessoas e topografia de comportamento diferentes. Perguntaria se essa análise inclui orientação teórica e filosófica claras. Sturmey considera que a análise funcional pode ser empregada como método de avaliação, como descrição do processo e maneira de fazer a intervenção e como orientação para o tratamento. Sua recomendação é que se escreva a análise funcional no decorrer da terapia, para melhor compreender o que acontece.

Esse recurso de escrever a análise funcional é uma habilidade que facilita a formulação do problema para o terapeuta e seu resumo

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para o cliente. Ao escrever, além da descrição, ficam claras as variáveis ambientais que mantêm os comportamentos. Esse resumo seria conciso e salientaria os pontos principais do caso.

Com esses cuidados, mesmo sem regras claras sobre as diversas etapas da intervenção, a análise funcional se destaca. Considero que, nesse caso, as regras são desnecessárias, pois decorrem da filosofia do Behaviorismo Radical e, à medida que se busca variáveis ambientais que mantêm os padrões de comportamento, há a construção da história pessoal de aprendizagem e, dessa forma, mesmo não provando experimentalmente, em clínica, a análise pode demonstrar esse processo.

O QUE A PESQUISA EM TERAPIA COMPORTAMENTAL FAZ HOJE

Faz o que sempre fez. Formula questões para serem respondidas sistematicamente. Portanto, produz conhecimentos através de inúmeros procedimentos de observação controlada e procura descobrir leis, formular hipóteses e testá-las. Escrever os resultados e publicá-los permite a aplicação das descobertas e a replicação dos resultados. Podemos depreender que, embora existam regras estabelecidas para produzir conhecimento, como é uma atividade do homem, essas regras podem variar de acordo com a especificidade do momento histórico e o objeto da ciência.

Em psicologia, embora ultrapassada a questão de ser ciência, podem-se encontrar discussões sobre seu objeto. Variam de acordo com as inúmeras concepções teóricas e com o tipo de dado a produzir. Aceito que a psicologia tem como objeto o comportamento. Como didaticamente colocam Keller & Schoenfeld (1950/1966), "os psicólogos estudam o comportamento em suas relações com o ambiente. 0 comportamento isolado do meio em que ocorre dificilmente poderia ser objeto de uma ciência." (pág. 16).

As terapias comportamentais são recentes no contexto histórico da psicologia. Os modificadores de comportamento dos anos 60 saíram dos estudos de aprendizagem em laboratório que marcaram a maneira de produzir conhecimento. Estudavam aprendizagem e, paulatinamente, começaram a estudar e a aplicar os princípios descobertos em deficientes mentais» crianças com problemas específicos, alguns doentes psiquiátricos. Na realidade, era a busca de identificar variáveis e trabalhar em situações simples e com procedimentos conhecidos nos estudos com animais. Era o cuidado metodológico, o receio de fazer afirmações sem respaldo de um dado forte que verificasse as relações estudadas. Os delineamentos

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experimentais cuidadosos, com linha de base e manipulação da variável selecionada, caracterizaram as publicações do JABA, Journal of Applied Behavior Analysis. Entre esses delineamentos, o meu favorito é o de linha de base múltipla.

Esse delineamento permite a replicação intersujeitos/Retira, dessa forma, o acaso e permite trabalhar com poucos sujeitos e evitar estatísticas de grupo como dado. Quando são empregados delineamentos de reversão à linha de base, outras variáveis podem intervir ou o comportamento é de difícil reversão e, desta forma, não assegura que o procedimento é o responsável pela mudança. No entanto, a linha de base múltipla, com vários sujeitos ou vários comportamentos ou, ainda, vários ambientes é bastante empregada em psicologia do esporte (Martin, 1982; Scala, 1997; Silveira & Kerbauy, 2000) e é também delineamento a ser considerado para a pesquisa clínica, tendo Guilhardi & Oliveira (1997) empregado e procurado manter, o quanto possível, as características desse delineamento em um caso clínico.

A estranheza que essas afirmações podem desencadear é semelhante a comentários que se ouve de conferencistas atuais, como: "esse procedimento foi criado por Azrin, em 1962, mas era com poucos participantes". Retiram, com essas frases, o procedimento, o que dá credibilidade ao trabalho, e depois apresentaram o estudo com grande número de participantes. Estamos na época da valorização do dado com grande número de sujeitos, mas perdem-se os detalhes e muitas vezes, a criatividade, e perdem-se as pessoas. Essa concepção não aceita replicação do dado com poucos participantes e demonstração por inspeção visual. No caso de linha de base múltipla, as condições experimentais só são iniciadas com outro sujeito ou outro comportamento, após observar-se mudanças naquele sujeito ou comportamento, e assim sucessivamente. 0 dado é visível e rigoroso e considero, apesar das criticas, o delineamento experimental consistente.

Na figura 1, observamos o desempenho de quatro nadadores com a linha pontilhada indicando o dia da introdução da prática encoberta. Deveriam imaginar que estavam nadando rápido. Podemos verificar claramente a diminuição do tempo do tiro após a introdução da auto fala. São dados da dissertação de mestrado de Scala (1997).

A crítica mais contundente a esse tipo de pesquisa é o distanciamento das condições experimentais das condições clínicas de consultório. Apesar de os trabalhos realizados em residências (1960) para eliminar a birra do William, em escolas ou hospitais (Azrin & Ayllon, 1962; Queiroz, 1972), faltavam pesquisas com o cliente no consultório. Especialmente, faltava uma metodologia para estudar o processo

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T

Atleta 1 Atleta 2

1 2 3 *4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15Sessões Sessões

Atleta 3 Atleta 4

Sessões Sessões

-• -1 o tiro -*-2otlro

Fig. 1 - Decréscimo de tempo após a introdução da auto fala (linha ponti­lhada) no tiro de costas de quatro nadadores

terapêutico, a relação terapeuta-cliente ou outras variáveis que possam explicar a mudança de comportamento e a manutenção ou recaída. Ou seja, dizer que uma técnica funciona a curto prazo, sem explicar como manter os resultados, é insuficiente para influir no trabalho clínico.

Alguns terapeutas, como Ellis (1962), oriundos da psicanálise, encantaram-se com a teoria cognitiva, trabalharam, publicaram suas descobertas clínicas, descreveram seus procedimentos, incorporaram recentemente a palavra comportamento na denominação de sua forma de trabalhar Ellis (1998), mas não fizeram pesquisas. Hoje, com colaboradores tem procurado comprovar suas afirmações com pesquisa.

Outros, como Beck, também egresso da psicanálise, possuem um grupo de pesquisa que realiza experimentos cuidadosos, com grupos e estatística para comprovar suas descobertas. Na realidade, ele procurava soluções clínicas, enquanto um outro grupo pesquisava e definia o termo "modificação comportàmental-cognitiva" (estudando o encoberto, como Meinchembaum, 1969 e Mahoney, 1974). Os tratamentos procuravam modificar o que se denominava na época de comportamentos abertos ou observáveis pela alteração de pensamentos, afirmações e emoções.

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Hoje, pode-se dizer que existia uma discussão teórica, grupos que consideravam mais umas variáveis e nomes que outros e ainda não tinham a clareza de hoje sobre o que é comportamento. Considero que as técnicas não precisam ser diferentes, é a maneira de introduzi-las ou explicá-las que difere. Continuamos a perguntar onde^e corno se faz pesquisa hoje, como elas contribuem para deslindar essas discussões, ou mesmo se são necessárias, e se um clínico as lê e as aplica.

Pesquisas no Laboratório Comportamento e Saúde - PSE-USP

As pesquisas hoje, aqui no Brasil, são para deslindar o que acontece na sessão terapêutica. Farei um resumo das existentes no Laboratório de Comportamento e Saúde, o qual coordeno, do departamento de Psicologia Experimental da USP.

As pesquisas anteriores que conduziram a pesquisa clínica originaram- se como metodologia de análise, de dissertações de mestrado que foram objeto de apresentações em congresso, mantiveram-se na biblioteca da USP, e foram divulgadas pela maneira mais usual na época: apresentadas em congressos. Aqui está um lamento, uma critica e uma esperança de mudança que já está ocorrendo.

De fato, nessas dissertações, procurávamos registrar, com gravações, sessões de coleta de dados com as falas de crianças. 0 objetivo da pesquisa era esperar ou não pela recompensa escolhida, em estudo de autocontrole (Buzzo, 1986), o que a criança falava para um gravador. Em outro estudo, verifica-se o que as crianças diziam ao utilizar materiais diversos em suas atividades (argila, blocos de madeira e pintura) (Falqueiro, 1988).

A dificuldade encontrada, após a transcrição das fitas, foi como analisar os dados, de acordo com o objetivo da pesquisa, e como dividir os episódios temáticos, como relacionar a atividade à fala, como analisar as falas que descreviam os episódios do cotidiano das favelas (moradores de cinco favelas diferentes), as metáforas que empregavam e o que fariam com as balas que obtinham na situação de espera. Os dados da espera por recompensas foram interessantes, ela era mantida pela recompensa e seu uso e pela descrição do procedimento experimental, que tinha a função de explicitar as contingências. Não cabe neste artigo falar sobre isto. É apenas uma etapa dos caminhos percorridos para chegar às sessões terapêuticas e, evidentemente, às leituras e aos estudos constantes.

Nos últimos anos, duas dissertações de mestrado continuaram esse processo. Uma sobre a queixa na situação clínica (Silveira, 1998; Silveira, J.M. & Kerbauy, R.R., 2000) e a outra sobre como identificar

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as mudanças na interação verbal na situação clinica (Margotto, 1998; Kerbauy, 2000).

^ 0 problema estava claro: como estudar a interação terapêuticae descrever o que acontecia na sessão que permitiria verificar mudanças de comportamento? Seria possível explicitar esse processo, de modo a poder ensinar, como propunha Ferster (1979)?

Verificamos que as queixas diminuem no decorrer das sessões, melhor diria, organizam-se em temas que se mantêm. Quais metáforas empregadas pelo terapeuta são facilmente lembradas pelo cliente que as empregam? Que o referencial teórico e, especialmente, a noção de que o comportamento é aprendido e pode ser alterado, e que o ambiente influi no comportamento marcam a terapia e mudam o relato do cliente. Pode-se explicar pela atenção diferencial do terapeuta que fornece feedback para os relatos.

Esse início promissor e o desenvolvimento de algumas escolhas metodológicas permitem, hoje, ampliar e enriquecer essas pesquisas ainda insipientes. É um processo lento pelas dificuldades teóricas e metodológicas. Neste artigo, vou apenas enumerar algumas.

1. As sessões precisam ser registradas com recursos audiovisuais e depois transcritas e revistas para garantir a fidedignidade. Uma assistente técnica treinada facilita esse trabalho.

2. Para iniciar a análise, é necessário numerar as falas do terapeuta e cliente, na seqüência de ocorrência. Esse processo pode ser facilitado pelos programas de computador.

Essas etapas anteriores são para tornar o dado disponível para análise.

3. A pesquisa seria o objetivo do estudo. Este deve estar escrito e claro, há necessidade de inúmeras leituras para preparar as classes ou categorias de comportamento do cliente e terapeuta ou de ambos em uma interação. É importante destacar que as categorias ou classes de um estudo não podem ser transpostas para outro estudo. Podem servir de pistas, mas não são a solução, a menos que seja caso de replicação e, ainda assim, pode ser necessário construir novas categorias que resolvam aquela interação peculiar. Os objetivos do estudo é que determinam a adequação da categorização ou classe.

4. A habilidade exigida do pesquisador é... resistência à extinção. Paciência para reiniciar o trabalho, até que encontre as categorias ou classes que demostrem análises funcionais ou descrições acuradas. 0 teste é verificar que todas as verbalizações foram analisadas e que na medida em que a análise das sessões prosseguem, a análise apresenta menos dificuldade, especialmente porque descreve aqueles dados.

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5. Colocaria como última dificuldade a exigência de que as descobertas do estudo sejam reforçadoras para o longo trabalho de análises e atenção para unidades mínimas. 0 pesquisador precisaria ser controlado pelo processo e não somente pelo produto de seu trabalho.

v

Os temas pesquisados hoje no Laboratório de compor-tamento e saúde são objeto de teses de doutorado. Além de alguns sobre psicologia do esporte, os de clínica procuram responder questões específicas.

0 meu trabalho próprio é sobre emoções. Procuro descrever os relatos de emoções nas sessões terapêuticas e identificar em quais contextos ocorrem e como o padrão de emissão varia no decorrer da terapia e quais atuações do terapeuta facilitam esse processo. Especialmente, identifico se o comportamento verbal da díade tem efeito identificável na mudança ou manutenção do comportamento. Também identifico, em um outro estudo nas sessões, problemas do cotidiano relacionados ou não ao comportamento clinicamente relevante, mas que demonstram a diversidade de comportamentos exigidos na vida diária.

Há também tese de doutorado em andamento de Maly Delitti para investigar como terapeutas e clientes avaliam a sessão terapêutica, pos­sessões sorteadas. Excepcionalmente, além de entrevistas pós-sessões, de acordo com o objetivo do estudo, aplicou-se uma escala citada na literatura internacional e que atingia o critério de Sturmey (1996), de que descreve amostras do repertório e da situação em que a pessoa se comporta. Nesse estudo, é a sessão terapêutica que é indicada pela díade e, posteriormente, buscam-se falas que podem ter ocasionado essa avaliação.

Regina Wielenska está realizando seu doutorado investigando quais aspectos da interação verbal terapeuta-cliente têm efeito na decisão de permanecer em terapia. É a adesão à terapia sendo estudada e a busca de construir classes que expliquem funcionalmente o permanecer em tratamento. É interessante verificar como uma díade bem humorada e a conseqüência positiva do terapeuta mantêm a freqüência em terapia.

Jaíde Regra se mantém trabalhando com crianças. Procura maneiras de verificar se existem relações de equivalência observadas que expliquem as mudanças ocorridas no comportamento da criança. Não é a pesquisa com os testes que a situação de laboratório permite. É um desafio que exige análises micro e, em certo sentido, uma temeridade fascinante para ambos, orientador e orientando.

Maria José Carli Gomes estuda a gagueira resolvida ou melhorada sem terapia. Este estudo, além das análises das entrevistas, exige uma análise das falas por especialistas em fonoaudiologia. Evidentemente, ~ descobriremos relatos tão fascinantes, como os de Chateaubriand descrito por Morais (1994) e, possivelmente, menos aversivo que a exposição realizada no sertão pernambucano, no início do século )Ò(.

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Continuará a produção em análise de interação terapeutacliente e, especialmente, de pesquisa em clínica, realizada porterapeutas que exercem a profissão.

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14C om portam ento v e r b a l : o q ue é? E como vem sendo

ESTUDADO?*

Carlos Augusto de Medeiros**FAFICH - UFMG

Resumo

É crescente o espaço obtido por pesquisas realizadas com humanos dentro de um paradigma Behaviorista Radical, dentre elas destacam-se as que estudam o comportamento verbal. A investigação do comportamento verbal implica uma discussão acerca da metodologia utilizada para estudá-lo, principalmente por extrapolar os limites da caixa de Skinner, exigindo a utilização de novas metodologias. 0 comportamento verbal é definido como aquele mantido por reforço mediacional, provido por um ouvinte treinado na mesma comunidade verbal do falante. 0 comportamento verbal não possuiu natureza diferenciada em relação ao comportamento não-verbal, não exigindo a formulação de novos princípios comportamentais para a sua compreensão. Skinner rejeita a noção de que a linguagem transmite idéias e que palavras significam seus referentes. Para Skinner, as palavras significam as circunstâncias nas quais são emitidas. 0 comportamento verbal foi categorizado, em função das variáveis controladoras das respostas verbais, como Sd não-verbal no caso do tato e operação estabelecedora no caso do mando. As principais linhas de pesquisa em comportamento verbal visam verificar as condições nas quais se estabelecem as categorias funcionais, testar a independência funcional, verificar o controle do comportamento verbal sobre o comportamento

* Trabalho apresentado em mesa redonda no I I Encontro das Escolas de Psicologia de Belo

Horizorçte e I Simpósio 0 Homem e o Método.* * Endereço para correspondência: Av. Presidente Antônio Carlos 6627. Fafich, sala 4070.

CEP: 31270-901. Pampulha, Belo Horizonte, MG.E-mail: [email protected] Telefone: 3499-6267 e fax: 3499-5060

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não-verbal, investigar as variáveis que controlam a precisão das respostas verbais, e as implicações dos estudos de relações de equivalência para a compreensão do comportamento verbal. Tais linhas produziram novas metodologias e é observado um aumento no número de pesquisas empíricas acerca do comportamento verbal. Provavelmente, o estudo deste tópico representa o futuro da análise do comportamento. (Palavras Chave: Comportamento verbal, metodologia, independência funcional, regras, relações de equivalência, categorias funcionais.)

A necessidade de mudança de paradigmas e a utilização de novas metodologias representam um desafio para a Análise Experimental do Comportamento. Diversas críticas, até certo ponto pertinentes, à abordagem comportamental dizem respeito à resistência contra abandonar o uso exclusivo caixa de Skinner. Atualmente, novas metodologias têm surgido para o estudo do comportamento, principalmente para o estudo do comportamento humano complexo. Segundo Hayes (1989), "a análise do comportamento aparentemente atingiu um ponto no qual a pesquisa básica direta da ação humana é possível, respeitável e, o mais significante de tudo, é considerada de fundamental importância1" (prefácio: pág. ix). Os analistas do comportamento vêm cada vez mais se ocupando em investigar o comportamento de humanos, o que requer o desenvolvimento de novas metodologias. 0 número de pesquisas relacionadas ao comportamento verbal vem crescendo nos últimos anos, levando à necessidade de discussão acerca das metodologias utilizadas para abordá-lo.

Formalmente, Skinner apresentou sua visão acerca da linguagem ou comportamento verbal em 1957, com a publicação do livro Comportamento Verbal. Tal livro não se propunha a abordar apenas casos simples de interação falante e ouvinte, mas sim de um tratamento amplo e detalhado de comportamentos verbais complexos, como composição, poemas, humor, relatos científicos etc. Para Skinner, tal livro foi a sua maior contribuição para o conhecimento. Contudo, este não teve a aceitação esperada por Skinner, tanto dentro como fora do ambiente Behaviorista. Principalmente, não levou ao número de pesquisas empíricas esperado por Skinner, que era o seu principal objetivo com o livro. Vários autores, como Michael (1984), de Rose (1994), entre outros, discutem razões para que isso tenha acontecido:

1. 0 livro é de difícil leitura, pela complexidade das análises, pelo nível de detalhes e pelo caráter revolucionário das suas idéias;

1 Behavior analysis has apparently reached a point where direct basic research on human action is possible, respectable, and most significantly of ali, thought to be of fundamental importance.

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2. 0 seu caráter revolucionário dificultou sua aceitação, principalmente para os não behavioristas, uma vez que Skinner rejeita a visão tradicional do significado de nome próprio (Mill, citado por Ryle, 1957). Tal visão raramente teve seus aspectos centrais contestados pela comunidade acadêmica e, principalmente, pelo público leigo.

3. A crítica apaixonada apresentada pelo lingüista Noam Chomsky (Chomsky, 1959), que também teve uma repercussão muito grande sobre os não behavioristas. Somando-se a isso a ausência de uma réplica do próprio Skinner, fez com que as idéias de Chomsky sobre o livro tivessem mais repercussão que o próprio livro.

4. Os pesquisadores da época possuíam todo um conjunto de metodologias destinadas ao estudo da quantificação do comportamento animal sob o efeito de esquemas de reforçamento. Muitos analistas experimentais do comportamento, ao se depararem com a riqueza de detalhes e a complexidade do livro, concluíram que teriam muitas dificuldades para desenvolver metodologias que abordassem empiricamente as discussões presentes no livro. Além disso, tal empreendimento resultaria em um abandono, pelo menos momentâneo, dos paradigmas experimentais que estavam produzindo considerável sucesso acadêmico.

5. 0 caráter interpretativo do livro causou estranheza ou mesmo repulsa aos behavioristas da época, os quais se apoiavam em dados empíricos para combater às críticas dos psicólogos de orientação cognitivista. Skinner exercitou sua epistemologia e aplicou os princípios bem estabelecidos em pesquisas, principalmente, com não humanos na explicação do comportamento humano verbal.

B reve introdução ao comportamento verbal

Dentre as idéias defendidas por Skinner (1957), destaca-se inicialmente a noção de que o comportamento verbal passa a ser tratado como qualquer outro comportamento, mantido pelas suas conseqüências, sem possuir nenhuma natureza especial que requisitasse a introdução de novos princípios comportamentais. A sua única diferença em relação ao comportamento não-verbal resulta do fato de que o comportamento verbal não opera diretamente sobre ambiente, a alteração no ambiente é sempre mediada por um ouvinte. Este reforça o falante, provendo o chamado reforço mediacional. Além disso, o ouvinte precisa de um treino especial para poder reforçar o comportamento do falante, treino este adquirido quando o ouvinte é inserido dentro da mesma comunidade verbal do falante. Por exemplo: num domingo à tarde, a televisão está ligada e sintonizada no programa do Faustão (i.e., uma estimulação aversiva). Duas respostas são

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possíveis: 1) pegar o controle remoto e mudar o canal (i.e., resposta não-verbal); 2) emissão da seguinte resposta verbal: "muda o canal". No primeiro caso, houve uma ação direta sobre o ambiente, no segundo, o reforço foi mediacional, isto é, proporcionado por uma outra pessoa que. modificou o ambiente, reforçando a resposta verbal emitida pelo falante.

Skinner (1957) abandona o termo linguagem por este fazer referência a uma investigação do comportamento verbal que privilegiava apenas os seus aspectos topográficos. Sendo assim, não era capaz de dar conta de toda a natureza dinâmica do comportamento verbal. Conseqüentemente, Skinner propõe o uso do termo comportamento verbal, justamente para demonstrar o caráter funcionalista de sua análise.

Outro ponto fundamental na visão de Skinner acerca do comportamento verbal é o que as palavras e frases não comunicam idéias. Para os tratamentos tradicionais do tema, o falante possui uma idéia ou proposição na sua mente, escolhendo, a seguir, as palavras, como se estas fossem ferramentas, utilizando-as para expressar tais idéias ou proposições. Para Skinner (1957), ao emitir palavras ou frases, o falante está se comportando controlado por estímulos e/ou operações estabelecedoras, e a emissão destes comportamentos foi selecionada em uma história de reforço na qual o falante foi reforçado em situações semelhantes no passado, emitindo o mesmo comportamento. 0 falante pode até pensar no que irá falar, mas este pensar é apenas outra resposta (i.e., comportamento precorrente - Skinner, 1974) passível da mesma análise operante e que não possui caráter causai sobre as palavras ou frases emitidas pelo falante.

Da mesma forma, segundo as visões tradicionais, o ouvinte receberia as informações expressas em palavras emitidas pelo falante, decodificando-as e compreendendo tais informações. Para Skinner (1957), o ouvinte simplesmente responde aos estímulos produzidos pela resposta verbal. 0 seu treino na comunidade verbal lhe forneceu uma história de reforço que o habilita a responder discriminativamente a apresentação de um estímulo verbal (i.e., o produto da resposta verbal do falante), em que respostas emitidas na presença destes estímulos foram reforçadas no passado e, provavelmente, ocorrerão quando estes estímulos verbais forem apresentados novamente. Segundo Skinner, o comportamento de ouvinte não é necessariamente verbal, se tratando de um responder discriminado que não será necessariamente reforçado por outra pessoa. Por exemplo: ao montar uma estante seguindo as instruções, o ouvinte estaria modificando o ambiente diretamente, sem

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Skinner (1957) também discorda da noção tradicional de significado de nome próprio, em que as palavras nomeiam os seus significados, que são armazenados com algum formato e em algum lugar no aparato cognitivo. Segundo Skinner, o significado das palavras e das sentenças está nas práticas da comunidade verbal. Uma palavra significa as circunstâncias ambientais nas quais ela é emitida, sendo tal resposta, pelo menos ocasionalmente, reforçada pela comunidade verbal. Por exemplo: quando o falante aprende o significado de pedra, não internaliza uma referência para pedra, ou sua definição lógica, e sim aprende a emitir tal palavra sobre o controle de alguns estímulos, isto é, de uma pedra qualquer, da palavra escrita "pedra", ao ouvir alguém dizer "pedra", ou quando um amigo está prestes a receber uma pedrada caso não se abaixe. Da mesma forma, o ouvinte não precisa recorrer a uma representação para reforçar o comportamento do falante que emite "pedra", simplesmente o estímulo auditivo produzido pela resposta verbal do falante terá funções discriminativas ou estabelecedoras sobre o comportamento do ouvinte.

Devido a grande possibilidade de combinações de topografias de respostas verbais, Skinner (1957) categorizou as respostas verbais baseado nas suas variáveis controladoras. As principais categorias funcionais propostas por Skinner serão apresentadas a seguir:

• Mando

0 mando é uma resposta verbal precedida por uma condição de privação ou estimulação aversiva. Tais eventos são compreendidos pelo conceito de operações estabelecedoras (Michael, 1984). 0 mando, por ser controlado por uma operação estabelecedora, é especificado por esta e, com isso, especifica para o ouvinte qual o reforço ao comportamento do falante (Peterson, 1978). 0 exemplo apresentado anteriormente foi de um mando em que a estimulação aversiva (i.e., programa de televisão chato) controlou a resposta verbal do falante: "muda o canal", que especificou qual era o reforço para o seu comportamento, ou seja, a mudança do canal.

• Tato

As respostas verbais podem ser precedidas por estímulos discriminativos não-verbais, estas são classificadas como tatos. Um exemplo

r *

deste operante seria o falante contar para seus amigos como foi o seu primeiro beijo. Neste caso, e no caso das demais categorias funcionais, o reforço não é especificado pela resposta. A comunidade verbal provê o

a necessidade de mediação de um ouvinte.

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reforço condicionado generalizado, no sentido em que ele historicamente precedeu outros reforçadores mais específicos. Exemplos deste tipo de reforço em uma interação verbal seriam o "hum-hum", "entendo", "concordo", "muito bem!", "obrigado", "correto!" Tais conseqüências manteriam o comportamento verbal do falante. 0 tato é útil para o ouvinte, uma vez que aumenta o seu contato com o mundo através dos estímulos verbais providos pelo falante.

As demais categorias funcionais são precedidas por estímulos verbais, como textual, ecóico, cópia, etc., e sua apresentação foge ao escopo deste trabalho.

L in h as de pesquisa relacionadas ao comportamento verbal

A primeira linha de pesquisa a ser apresentada investiga o estabelecimento das categorias funcionais em sujeitos com diferentes níveis de retardo, crianças e não humanos. No caso de não humanos, os tatos tiveram de ser emitidos através da seleção de estímulos (Michael, 1985). No estudo de Savage-Rumbaugh (1984), chimpanzés deveriam tatear frutas, apontando para os seus símbolos correspondentes dentre um conjunto de símbolos, sendo reforçados com elogios e com uma outra fruta que não a tateada por ele. Neste caso, o reforço não era específico, estabelecendo-se a função reforçadora condicionada generalizada dos elogios providos aos chimpanzés. 0 mando foi ensinado de maneira semelhante, mas o sujeito recebia exatamente a fruta que ele havia apontado no conjunto de símbolos. Neste caso, o reforço era específico, sendo a resposta do animal controlada por uma operação estabelecedora.

Rogers-Warren & Warren (1980) ensinaram crianças a mandar, mostrando uma série de brinquedos para elas. Quando elas se aproximavam para pegar algum brinquedo, o experimentador perguntava para elas "o que você quer?", caso as crianças mandassem corretamente, elas eram reforçadas recebendo o objeto mandado. Outros estudos, como o de Carrol & Hesse (1987), ensinavam o mando a crianças criando operações estabelecedoras. Em um primeiro momento, estas eram treinadas para executar uma cadeia comportamental (e.g., fazer café) utilizando um conjunto de objetos, sendo reforçadas com uma fruta ao final da cadeia. Os experimentadores, então, retiravam um dos objetos, e solicitavam as crianças a completar a cadeia. Tal manipulação criava uma operação estabelecedora, dando oportunidade aos experimentadores de modelar o comportamento de mandar o objeto que estava faltando para completar a cadeia comportamental.

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As outras categorias funcionais também foram treinadas através de procedimentos semelhantes. A importância destes estudos é a demonstração empírica da utilidade das diferenciações entre as categorias funcionais propostas por Skinner. Além disso, tais estudos ajudaram a levantar as variáveis que facilitam ou prejudicam a aprendizagem destes operantes, de forma a fornecer subsídio para aplicações tecnológicas destes conceitos.

0 estabelecimento das categorias funcionais também tem sido utilizado para um outro tipo de pesquisa, a que tenta verificar uma das implicações da noção de Skinner acerca do significado, a chamada independência funcional. As visões tradicionais defendem que, uma vez aprendido significado de uma palavra, ela pode ser utilizada pelo falante independentemente da função, pois o significado garantiria esta transposição. Skinner, ao contrário, defende que uma vez aprendida uma resposta verbal, como tato por exemplo, não necessariamente o falante conseguiria utilizar a mesma palavra para um mando. Falantes adultos fariam isso porque possuem extenso treino nesta transposição, mas crianças, quando estão adquirindo os operantes verbais, dificilmente aplicariam uma palavra recém aprendida em uma categoria funcional em outras sem a necessidade de treino.

Alguns estudos treinam tatos primeiro, depois testam se criança consegue mandar o objeto. E outros treinam mando primeiro, depois testam seu efeito sobre o tato. Lamarre e Holland (1985) treinaram sujeitos severamente retardados a mandar "à direita de" ou "à esquerda de", na presença da pergunta "onde quer eu coloque o objeto?" Depois o tato foi testado, e os sujeitos não conseguiram tatear corretamente. Outros sujeitos foram treinados em tatear a posição dos objetos na presença da pergunta: "onde está o objeto?" Independente da ordem do treino, isto é, se foi treinado o tato primeiro ou o mando primeiro, os sujeitos não conseguiam utilizar as palavras em uma nova função.

Hall & Sundberg (1987) aplicaram o procedimento da cadeia comportamental de Carrol & Hesse (1987), descrito acima, em sujeitos surdos e mentalmente retardados. Inicialmente, estes eram treinados a tatear os objetos da cadeia comportamental. Hall e Sundberg fizeram o teste de mando, retirando um objeto necessário para realização da cadeia comportamental e pedindo aos sujeitos para completarem-na. 0 sujeitos, mesmo recebendo um pré-treino em tatear os objetos da cadeia,' não conseguiram emitir seus nomes sob o controle de uma operação estabelecedora, ou seja, mandar corretamente.

Outros estudos em independência funcional tentaram demonstrar a independência entre comportamento de falante e ouvinte. Neste caso,

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segundo a noção de independência funcional, quando uma criança aprende um novo tato com uma palavra, não necessariamente seria esperado que esta apresentasse um responder discriminado de ouvinte em relação à mesma palavra. Da mesma forma, uma vez treinado um comportamento do ouvinte para uma palavra, não seria esperada emissão de mando ou um tato com a mesma palavra sem um treino direto. Os resultados neste tipo de estudo foram inconclusivos (Guess & Baer, 1973; Whitehurst, 1977; Lee, 1981). Contudo, a aplicação de tais achados é relevante, pois muitos métodos tradicionais ensinam apenas uma função da resposta verbal esperando que a outra emeija, quando seria mais apropriado treinar as diferentes categorias funcionais e comportamento de ouvinte para cada palavra. Também seria importante treinar diretamente a transposição de função de uma resposta verbal como um responder de ordem superior, para que os desempenhos emergentes fossem observados com novas palavras.

Outra maneira pela qual o comportamento verbal vem sendo estudado é o controle por regras. Skinner em várias publicações abordou o controle do comportamento verbal sobre o comportamento não-verbal (Vaughan, 1989). Para muitos psicólogos de orientação cognitivista, a influência da linguagem sobre o comportamento não-verbal era o diferencial de humanos e não humanos, sendo que o falar consigo mesmo exerceria um caráter causai sobre o comportamento não-verbal. Skinner admitiu a influência do comportamento verbal sobre o não-verbal; contudo, o comportamento verbal é passível de análise operante como o comportamento não-verbal e, além disso, seu controle sobre o comportamento não-verbal ocorre da mesma maneira que o controle exercido pelos estímulos não-verbais, isto é, apenas ajteram a probabilidade de emissão de comportamentos diante das contingências ambientais. Para Skinner (1974), o comportamento pode ser instruído ou controlado por regras, que nada mais são do que o produto da resposta verbal do falante ou do próprio ouvinte, que descrevem ou especificam uma contingência.

A investigação experimental do controle de regras sobre o comportamento foi iniciada quando sujeitos humanos, ao serem expostos aos esquemas de reforço (e.g., VI, FI, VR, FR), falharam em replicar os resultados obtidos por não humanos (Vaughan, 1989). Uma explicação oferecida para tais resultados foi a de que sujeitos humanos poderiam estar sob o controle das regras fornecidas pelo experimentador ou de regras emitidas pelo próprio sujeito mais do que sob o controle das contingências. Diversos estudos demonstraram que o controle por regras tornou o comportamento menos sensível às mudanças nas contingências, em que os sujeitos continuavam a seguir uma regra apresentada pelo experimentador, mesmo quando ela implicava perdas diante das

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contingências (e.g., Galizio, 1979; Matthews, Shimoff, Catania, & SagvoLden, 1977; Shimoff, Catania & Mattews, 1981). Segundo Vaughan (1989), a pesquisa sobre controle por regras relata, principalmente: a) uma aquisição mais rápida do desempenho requerido pela contingência quando este ê precedido por uma regra coerente com a contingência; b) uma maior insensibilidade às mudanças nas contingências quando o comportamento é instruído em oposição ao modelado diretamente pelas contingências; c) os indivíduos deixam de seguir as regras apenas quando são punidos por segui-las; d) as auto-regras podem ser modeladas aumentando a sensibilidade às mudanças nas contingências; e) que crianças pré-verbais replicam os resultados obtidos com animais não humanos e crianças verbais apresentam desempenho igual ao de adultos.

A análise do comportamento através do estudo do comportamento verbal pode resgatar o uso do relato verbal dos sujeitos para a pesquisa científica. 0 relato verbal não seria a porta de entrada para a investigação de algum outro processo interno, e sim seria o próprio objeto de estudo (Day, 1969). As pesquisas focalizariam a identificação das variáveis que controlam a precisão ou não do relato. Estes são os estudos denominados de correspondência entre dizer e fazer. Tais estudos comparam o desempenho dos sujeitos em algumas tarefas e o relato do seu desempenho manipulando as conseqüências reforçadoras ao relato. Ribeiro (1989) conduziu um estudo de correspondência entre dizer e fazer com crianças de quatro a sete anos. Em uma fase inicial, estas podiam brincar com quantos brinquedos quisessem por um período de 15 minutos. Depois, estas deveriam relatar com quais brinquedos haviam brincado. Ribeiro manipulou as contingências programadas ao relato. Na linha de base, o reforço não era contingente ao relato. Na primeira condição, as crianças eram entrevistadas individualmente, sendo reforçadas ao relatarem quando brincaram com todos os brinquedos, independente do relato ser preciso ou não. Na segunda condição, a contingência era a mesma da segunda condição, contudo, as crianças eram entrevistadas em grupo. Por fim, na terceira condição, as crianças eram reforçadas pela precisão do relato. Na linha de base, as crianças relatavam o brincar com precisão. Na primeira condição, somente duas de oito crianças passaram a relatar que brincaram com todos os brinquedos mesmo sem ter brincado. Quando as entrevistas eram em grupo, este número aumentou para seis, demonstrando uma aprendizagem por instrução e vicariante. Na quarta condição, as crianças voltaram a relatar o brincar com precisão. Tal estudo demonstrou que a predsão do relato pode estar sob o controle de' variáveis ambientais passíveis de análise operante, como a modelagem, a instrução e a aprendizagem vicariante.

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Finalmente, um campo de pesquisa que tem recebido muita atenção dos analistas do comportamento, muito mais do que o próprio comportamento verbal, é o das relações de equivalência. Em tais estudos, são treinadas relações entre estímulos (e.g., objetos e seus símbolos correspondentes), observando-se a emergência de novas relações entre tais estímulos nunca diretamente treinadas. Tais estudos possuem implicações para o comportamento verbal, no sentido em que se discute se são necessários novos princípios comportamentais para lidar com estes desempenhos emergentes, ou se a noção Skinneriana de comportamento verbal teria como explicar satisfatoriamente tais comportamentos.

Foi sugerido por Sidman (1994) que as relações de equivalência poderiam ser uma alternativa comportamental para lidar com a noção de significado. A relação entre uma palavra e seu referente poderia ser de equivalência, da mesma forma que a teoria de significado de nome próprio. A palavra e o objeto que esta representa, ao serem agrupados em uma classe de equivalência, seriam substituíveis, permitindo o uso da palavra representando o objeto em qualquer função. Esta relação de equivalência permitiria a observação de desempenhos emergentes, em que uma palavra aprendida para uma função passa a ser utilizada em outra sem a necessidade de treino direto. Desta forma, o conceito de relações de equivalência traria para dentro da análise do comportamento aexplicação de comportamentos novos, respondendo às criticas de que a análise do comportamento não conseguiria lidar com tais comportamentos fundamentalmente humanos. Fica claro que tal concepção contraria a noção Skinneriana de independência funcional (de Rose, 1996). Aparentemente, tanto a teoria de significado de nome próprio e a utilização das relações de equivalência para a compreensão da linguagem baseiam-se na observação do comportamento humano adulto. Para Hayes & Hayes (1989), quando uma criança começa a se tornar verbal, seria observada uma independência funcional, ou seja, as palavras aprendidas para uma função somente passariam a ser utilizadas para outra através do treino direto. A repetição deste treino direto das palavras para diferentes funções estabeleceria um conjunto de comportamentos de ordem superior, que proporcionaria a observação de desempenhos emergentes em adultos ou em crianças verbais. Conseqüentemente, o conceito de significado ou equivalência seria apenas um destes comportamentos de ordem superior.

Atualmente, existe um grande debate acerca das implicações das relações de equivalência para a compreensão do comportamento verbal (ver Hall & Chase, 1991; Hayes & Wilson, 1996; Horne & Lowe, 1996; Sidman, 1997; Lowenkron, 1998). Aparentemente, uma

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resolução empírica está distante por duas razões: em primeiro lugar, existe um conjunto de dificuldades técnicas no estudo de crianças pré-verbais, de adultos não-verbais e de não humanos, o que nos impede de atribuir os resultados obtidos apenas às variáveis manipuladas e não aos aspectos da metodologia; e,l em segundo lugar, porque muito do debate é conceituai e não empírico. Esta controvérsia é importante para o futuro da análise do comportamento, no sentido em que cria operações estabelecedoras para o estudo do compor­tamento verbal.

Por fim, a pesquisa em comportamento verbal ainda não é o principal tópico de pesquisa em Análise do Comportamento e não tem o volume de pesquisas almejado por Skinner. Além disso, muitos dos trabalhos relacionados ao comportamento verbal são de natureza teórica e não empírica (Catania & Shimoff, 1998). Contudo, o estudo do comportamento verbal vem ganhando força, e cabe aos analistas do comportamento empreender o estudo deste tópico que, provavelmente, representará o futuro da análise do comportamento.

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15ê% 4

Hélio José Guilhardi Instituto de Análise de Comportamento - Campinas

A n á lis e com portam ental do sentim ento de cu lp a 1

“A opinião pública é uma tirana débil, se comparada à opinião que temos

de nós mesmos (Thoreau)

"Não consigo me divertir durante os feriados, pois fico o tempo todo pensando que deveria estar estudando...". "Não vejo graça nenhuma nesta festa, pois sei que meu pai está aborrecido comigo por eu ter vindo...". "Sinto-me bem com a droga, mas depois não consigo nem olhar para minha família...". "Preciso parar com estas aventuras fora do casamento, só prejudico pessoas que me querem bem...". "Não vejo a hora de chegar em casa, o trabalho excessivo me impede de ver o crescimento de meus filhos...". "Só depois penso no que fiz, parece que sou movido por sentimento de culpa!" É tão difícil entender que sentimento não causa comportamento!

As pessoas discriminam estados corporais (produzidos pela sua interação com eventos ambientais), nomeiam esses estados corporais de acordo com nomes de sentimentos aprendidos com sua comunidade verbal e, finalmente, atribuem às palavras assim aprendidas a função de causar comportamentos. Para Skinner (segundo Epstein, 1980, pág. 25),

“Os sentimentos e os estados mentais não são epifenômenos (do comportamento). Quando eu chamo os sentimentos de 'sub-produtos' de comportamento parece ficar implícito que eles são epifenomenais.Uma expressão melhor é 'produtos colaterais'. Os sentimentos e os

1 Agradeço ao Dr. José Antônio Damásio Abib petos comentários encorajadores diante da primeira versão do texto e à Dra. Adélia Maria Santos Teixeira, que criou as contingências necessárias para que a redação do presente capítulo se completasse. Ambos usaram apenas contingências reforçadoras positivas. Mérito deles; privilégio meu.

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comportamentos são ambos causados por histórias genética e ambiental em conjunto com a situação presente." (grifos meus).

0 próprio Skinner (1991, pág. 102) deixa ainda mais claro o papel dos sentimentos, de acordo com o Behaviorismo Radical, tirando deles qualquer função causai:

"Comportamentos perturbados são causados por contingências de reforçamento perturbadoras, não por sentimentos ou estados da mente perturbadores, e nós podemos corrigir a perturbação corrigindo as contingências."

E sobre a natureza do sentimento, Skinner (1991, pág. 102) escreveu: "0 que é sentido não é um 'sentimento', mas um estado do corpo". 0 estado do corpo inclui componentes respondentes e operantes. Assim, a maneira como Skinner (1991, pág. 104) descreveu as respostas corporais no medo serve como um bom exemplo:

"0 medo não é só uma resposta das glândulas e dos músculos lisos, mas também uma possibilidade reduzida de movimento em direção ao objeto temido e uma alta probabilidade de afastamento dele. Enquanto o estado corporal resultante de condicionamento respondente é usualmente chamado de sentimento, o estado resultante do condicionamento operante, observado através da introspecção, geralmente é chamado de estado da mente."

A importante vantagem desta conceituação de sentimentos e emoções é que ela permite localizar onde estão as variáveis a serem manejadas, quando se deseja alterá-los. Expressões do tipo "você precisa dominar suas emoções", "você precisa lidar melhor com os seus sentimentos" mudam, completamente, de significado. "Dominar emoções" ou "lidar com sentimentos" deixa de ser assunto de "força de vontade" ou de "motivação interior"; deixa de ser também um ato dirigido diretamente às emoções ou aos sentimentos, como se umas e outros fossem "coisas" corporais a serem manipuladas. Como produtos, que são, devem ser alterados a partir dos eventos que os produziram. Skinner (1991, pág. 109) propôs:

"0 que é sentido como sentimento ou introspectivamente observado como estado da mente são estados do corpo, que são produtos de certas contingências de reforçamento. As contingências podem ser muito mais facilmente identificadas e analisadas do que sentimentos e estados da mente e, ao voltar-se para elas como coisas a serem

, , mudadas, a terapia comportamental aufere uma vantagem especiaL "

E, repete, de modo a instrumentar aqueles envolvidos com mudanças nos comportamentos e sentimentos:

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//'Esta é a posição behaviorísta: volte aos eventos ambientais precedentes para explicar o que alguém faz e, ao mesmo tempo, o que essa pessoa sente enquanto faz alguma coisa. Para cada estado sentido e designado pelo nome de um sentimento, presumivelmente existe um evento ambiental anterior do qual esse estado é produto. A terapia comportamental se interessa mais pelo evento antecedente do que peb sentimento." (Skinner, 1991, pág. 103).

Decorre, daí, que o foco de análise para aquele que está interessado em entender e alterar ações e sentimentos deve estar voltado para as contingências de reforçamento. Os comportamentos, bem como os sentimentos, são funções das contingências de reforçamento em operação.

A ênfase que o behaviorista radical atribui ao papel das contingências foi claramente explicitada por Matos (1997, pág. 46) numa frase definitiva:

"0 behaviorista radical não trabalha propriamente com o comportamento, ele estuda e trabalha com as contingências comportamentais, isto é, com o comportar-se dentro de contextos"

(Ou, ainda: “A prática do analista de comportamento é estudar contingências em seu efeito cumulativo sobre o desempenho dos organismos", pág. 52). A autora usou a palavra "contexto" no lugar de "ambiente", porque

"o expressão 'mundo externo' não se refere ao que reside fora da pele do organismo, e sim (por necessidade conceituai de uma postura analítica) ao que não é a própria ação."(pág. 47).

0 que interessa para a análise é

"o conjunto de condições ou circunstâncias que afetam o comportar- se, não importando se estas condições estão dentro ou fora da pele. É importante entender que, para Skinner, o ambiente é externo à ação, não ao organismo." (Matos, 1997, pág. 47).

A passagem do conhecimento conceituai do Behaviorismo Radical para a atuação prática na interação entre o terapeuta e o cliente tem sido apontada como uma tarefa extremamente complexa e, possivelmente, uma das razões mais importantes para a restrita utilização dos conceitos e procedimentos comportamentais no contexto clínico. São comuns manifestações de que a ciência do comportamento e o Behaviorismo Radical pouco têm a oferecer para a clínica, além de procedimentos para mudanças restritas de comportamentos específicos. Apreciações dessa natureza são equivocadas e o relato que se segue tem como objetivo

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mostrar como conceitos, dados de pesquisa e procedimentos de alteração de comportamento podem ser transportados para a atuação de terapeutas comportamentais no cotidiano de sua prática profissional.

Quando o filho vai para uma festa sem a aprovação do pai, este o pune negativamente (retira sua atenção e afeto) e introduz uma condição aversiva duradoura (cara fechada, silêncio, repro-vação). Os comportamentos do pai, que tinham função reforçadora positiva e, como tal, controlavam comportamentos de aproximação e sentimentos que poderiam ser nomeados de "bem-estar", "tranqüilidade" etc. enfraqueceram-se (os reforçadores positivos deixaram de estar disponíveis para o filho) e foram substituídos por novos comportamentos com função coercitiva, que passaram a controlar comportamentos de fuga-esquiva do filho, bem como sentimentos usualmente nomeados de "ansiedade", "cu lpa" etc. Alguns comportamentos do filho, tais como "voltar mais cedo para casa" ou até mesmo "desistir de ir à festa" poderiam ser exemplos de fuga- esquiva, desde que alterassem a "cara fechada" do pai. 0 filho pode ainda emitir outros comportamentos, na tentativa de aumentar a interação com o pai antes de ir para a festa ou no reencontro entre ambos após a festa. Assim, ele pode fazer um comentário sobre o programa na TV, falar coisas que o pai gostaria de ouvir sobre a festa ("Até o professor de geometria estava lá..."), oferecer-lhe um café etc., comportamentos que aumentam a probabilidade de produzir atenção, sorriso, afeto, interesse pelo diálogo por parte do pai. Nestes casos, não se trata, necessariamente, de exemplos de reforçamento positivo social, uma vez que o sorriso do pai tem a função de sinalizar explicitamente a interrupção da condição aversiva (e não a função de reforçador positivo), ou seja, quaisquer comportamentos que o filho vier a emitir, sob tais condições, são exemplos de comportamentos de fuga-esquiva. Assim, se o pai ceder e ocorrer o diálogo, provavelmente, o filho sentir-se-á "aliviado", "compreendido" pelo pai (não há mais razão para este puni-lo) e não "feliz", "satisfeito" (afinal, safou-se da punição do pai, embora não tenha curtido a festa...).

Pode-se dizer, então, que o comportamento de voltar para casa e conversar com o pai até este retomar a interação amigável é um exemplo de comportamento de fuga-esquiva, reforçado negativamente pela remoção do estímulo com função aversiva (a cara fechada, os gestos de reprovação etc. do pai) e não pela redução do sentimento de culpa (explicação corriqueiramente apresentada pelos terapeutas comportamentais). Há, de fato, alterações nos estados corporais, nomeados de sentimento de culpa, mas tais alterações foram produzidas

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pelas mudanças nas contingências aversivas (o pai mudou em função do comportamento do filho). Se as contingências não mudarem (o pai continuar "magoado"), os sentimentos não se alterarão.

Que contingências são responsáveis pelo sentimento de culpa? Skinner (1991) escreveu que o sentimento de culpa é produzido por contingências aversivas:

"Conseqüências aversivas são responsáveis por vários tipos de problemas... (quando) a punição é imediatamente contingente ao comportamento pode reduzir sua probabilidade de ocorrência, mas é possível igualmente suprimir o comportamento de uma maneira diferente, através de condidonamento respondente. A situação em que o comportamento ocorre, ou algum aspecto do próprio comportamento, torna-se aversiva e em conseqüência pode reforçar negativamente formas alternativas de comportamento. Uma pessoa punida (...) se esquiva da ameaça de punição fazendo alguma coisa alternativa. Quando a punição é imposta por outra pessoa, como freqüentemente acontece, ela quase nunca é imediatamente contingente ao que é feito e é mais provável que funcione via condidonamento respondente.

Os estados corporais resultantes da ameaça da punição são- nomeados de acordo com sua fonte (...). Quando a punição advêm... do governo fala-se em culpa (...). Um modo de fugir ê confessar e sofrer a punição, mas quando não é claro o comportamento sobre o qual uma punição atrasada foi contingente, a fuga pode ser difídl. Contingêndas aversivas meramente addentais geram inexplicáveis sentimentos de vergonha, culpa ou pecado; e, então, as pessoas tendem a procurar um terapeuta em busca de ajuda para fugir deles." (Skinner, 1991, págs. 107-8).

A "culpa" envolve uma comunidade poderosa (governo, sistema judiciário, professores, pais etc.) que julga (categoriza) um determinado comportamento como ilegal (inadequado) e o condena, de acordo com a lei ou as regras do grupo social (pune-o). 0 hábito verbal da comunidade - impregnado de dualismo mentalista - desvia o enfoque do comportamento e considera a pessoa culpada. A metáfora parece clara: a comunidade verbal estabelece contingências de reforçamento tais que, quando a pessoa (1) emite um comportamento aversivo para a comunidade (2), os membros desta, sob tal controle aversivo, categorizam o comportamento do indivíduo como "inadequado" e o conseqüenciam, emitindo comportamentos funcionalmente aversivos para o indivíduo ("Estou triste com o que você 'fez'; "Não admito que fale palavrões aqui"; "Sua atitude me entristece"; "Não esperava isso de você"; "Essas são horas para chegar?"; "Você bebeu novamente?")

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e (3) responsabilizam a pessoa pelo que ela fez. As verbalizações da comunidade revelam a adoção do dualismo mentalista, que atribui a um "eu" interior a causa do comportamento inadequado. A pessoa se torna responsável pelos seus atos: "por sua culpa, não dormi"; "por sua causa, seu pai brigou comigo"; "você é culpado da minha tristeza"; "você quer matar sua mãe?"; "não agüento mais você" etc. Assim, o pai (juiz) avalia (julga) o filho como responsável (culpado) pelo comportamento que é aversivo ao pai (delito). A pessoa que se sente culpada não tem uma visão critica sobre o controle aversivo de que é vítima e acaba admitindo que são seus comportamentos (ou, até pior que isso, que é ela) que geram sofrimento no outro. 0 sofrimento do outro lhe é aversivo, logo, nada mais provável do que ela emitir um comportamento que reduza o sofrimento do outro (do agente controlador) e, conseqüentemente, reduza de imediato seu próprio sofrimento, mesmo que temporariamente, dado que, tão logo seja emitido um novo comportamento "inadequado", a conseqüência aversiva reaparece, ou até mesmo se intensifica, uma vez que as contingências coercitivas em operação na inter-relação entre controlador e controlado permanecem presentes, inalteradas.

0 indivíduo adulto que se sente "culpado" responde a uma história de punição pelos seus comportamentos e às contingências manejadas pela comunidade verbal em que esteve inserido durante seu desenvolvimento. Não só isso, porém. Há necessidade de considerar as contingências de reforçamento em operação atualmente. Parece razoável listar as seguintes condições, que interagindo entre si, compõem um emaranhado de contingências que produzem comportamentos e sentimentos, genericamente chamados de sentimentos de culpa. Assim, o indivíduo relatará sentimento de culpa, após ter emitido um comportamento, se ocorrerem as condições que se seguem:

1 . C la ss if ic a r determ inado com portam ento q ue em itiu como " in a d e q u a d o " ( ou

CONCORDAR COM QUEM ASSIM 0 CLASSIFICAR)

Ao categorizar sua resposta como pertencente a mesma classe de respostas que foram punidas no passado, ele formou o conceito de "comportamento inadequado". A palavra "inadequado" aparecerá sempre entre aspas para explicitar que a classificação do comportamento como tal é arbitrária, isto é não se baseia na natureza do comportamento, não lhe é intrínseca, mas é uma categorização determinada pelo agente controlador: seja este abrangente, como o governo, seja ele restrito como o pai ou mãe em uma família, ou, até mesmo bastante particular,

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como um companheiro, numa relação a dois. Conclui-se que o conceito "inadequado" é aprendido pela pessoa, a partir de regras emitidas pela comunidade social e pelas conseqüências que ela aplica aos comportamentos. Em função desta história de contingências, o indivíduo aprende, através de processos de generalização e de relações de equivalência, a classificar ele próprio seus comportamentos como "inadequados", mesmo na ausência de qualquer representante da comunidade social, porém sempre usando os critérios classificatórios arbitrários originalmente adotados por sua comunidade social, aquela que inicialmente aplicou as contingências.

As vezes, a identificação do comportamento inadequado não é fácil, nem para a própria pessoa que se comporta. Um cliente narrou a seguinte situação:

- Eu estava paquerando uma garota. Não estava fácil, pois ela ora parecia corresponder às minhas tentativas de aproximação, ora dava a entender que éramos apenas amigos. Um dos meus amigos acabou saindo com ela e iniciou um namoro. Fiquei irado: mesmo que ela não me quisesse, não achei certo ele, que sabia dos meus sentimentos, ter ficado com ela. Parei de falar com ele, mas ainda achei pouco. No fim de semana, houve um churrasco de aniversário de um cara do nosso grupo, para o qual ele também foi convidado. Não deixei de ir por causa da presença dele. Depois de tomar "umas", falei diretamente para ele o que pensava de sua atitude comigo, disse-lhe uns palavrões e parti para a briga, que só não piorou porque nos seguraram. Senti minha alma lavada e de bem comigo mesmo, afinal queria fazer isso há tempos. No dia seguinte me senti culpado. Mas por que, se era o que eu queria fazer?

Pelo relato, o cliente não considerou inadequado o seu comportamento de agredir o rapaz. De onde veio a culpa, então? Juntos, ele e o terapeuta concluíram que a inadequação do ato veio do contexto no qual foi emitido o comportamento (não o comportamento em si contra o outro): ter brigado na casa do amigo, no dia do seu aniversário, perto da família dele. Outro aspecto importante foi que os amigos não condenaram o comportamento do cliente, mas este supôs, em função de sua história de vida (o pai e a mãe sempre foram pessoas "da paz", as recomendações deles sempre foram de que não se deve responder, nem brigar com os outros, que é mais "maduro" "entender" a atitude dos outros e buscar a conciliação etc.), que seu comportamento agressivo no churrasco seria recriminado pelas pessoas que presenciaram a cena. Não ocorreu, portanto, nenhuma critica por parte dos amigos (nem elogio), de tal maneira que ele ficou esperando a conseqüência aversiva:

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"Agi, mereço a punição.". Nessa situação, quem o puniria? Quando? De que forma? A conseqüência aversiva esperada não veio. Apenas após a concretização da contingência aversiva, seria possível o comportamento de fuga-esquiva (por exemplo, desculpar-se pelo ocorrido). 0 cliente poderia encerrar o episódio que produziu o sentimento de culpa indo até o dono da festa e se desculpando pelo que provocou, mas ele considerou que essa iniciativa seria muito "babaca" e que não faria isso. Por outro lado, ao entender, no diálogo com o terapeuta, quais contingências estavam operando na situação, ele redefiniu a classificação do seu comportamento: "Pensando bem, todo mundo ali sabia o que havia acontecido e que o cara tinha sido f.d.p. comigo. Não acho que fui tão errado assim. Meus amigos devem ter entendido minha atitude..." Ao reclassificar - sob influência do terapeuta - seu comportamento como adequado "considerando as circunstâncias em que ocorreu" (contexto), o sentimento de culpa desapareceu.

Direção do processo terapêutico quando a pessoa concorda com a classificação de determinado comportamento como "inadequado"

0 terapeuta deve levar o cliente a reconhecer que qualquer classificação dos comportamentos em categorias, tais como "adequados" e "inadequados", é arbitrária. Tais classificações são determinadas por contingências comportamentais que modelaram (ou modelam) os comportamentos da agência controladora, e esta, por sua vez, estabelece contingências sobre o indivíduo para que este aceite tal classificação. Parte das contingências compor-tamentais foram preservadas pela cultura e elas selecionam padrões comportamentais que permitem sobrevivência e evolução do grupo social (terceiro nível de seleção apontado por Skinner, 1990). Outras contingências de reforçamento são particulares de um grupo pequeno, às vezes de um único indivíduo que exerce controle autoritário e individualista sobre os demais membros do grupo (por exemplo, um pai coercitivo que impõe seu controle sobre a família) e, como tal, os padrões comportamentais produzidos e mantidos são para o benefício do controlador, não para o grupo como um todo, nem para o outro individualmente. 0 terapeuta deve auxiliar seu cliente a detectar o funcionamento das contingências em operação sobre os membros do seu grupo e aquelas em operação sobre ele próprio, avaliá- las criticamente e exercer adequado contracontrole. Tal contracontrole envolve: emitir comportamentos que (a) minimizem o controle aversivo que incide sobre ele e que (b) aumentem as conseqüências reforçadoras positivas de seus atos, mas não à custa de introduzir controle coercitivo

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duradouro e intenso sobre o outro e nem com conseqüências deletérias para o desenvolvimento da comunidade. Ser controlado sim, mas controlar também, com um mínimo de conseqüências aversivas e um máximo de conseqüências reforçadoras positivas para si e para os outros. Tal postura envolve completa reavaliação dos critérios classificatórios dos comportamentos usados por determinada comunidade social.

2 . R eco n h ecer q ue em it iu um co m po rtam ento " in a d e q u a d o " e , como t a l , pode ou

MERECE SER PUNIDO

Por exemplo, o estudante que esconde o boletim com notas baixas sabe que seu desempenho acadêmico foi inadequado e, ao esconder a avaliação, esquiva-se da conseqüência aversiva. Não revidará, porém, se for punido. Afinal, é culpado...

Quando o indivíduo não reconhece que seu compor-tamento é "inadequado" (avalia seu comportamento como "adequado" ou "neutro", tanto para si mesmo como para a comunidade que o cerca), não se sente "culpado" e não há, portanto, razão para se esquivar, já que não tem "expectativa" (na sua história de contato com as contingências de < reforçamento, comportamentos da classe "adequados" não foram/ punidos, mas reforçados positivamente) de sofrer nenhuma conseqüência aversiva, pelo contrário, esperará uma conseqüência reforçadora positiva.A expectativa do cliente, convém esclarecer, é compatível com a posição de Skinner (1991, pág. 104):

"Quando uma conseqüência reforçadora seguiu-se a algo que fizemos, dizemos que esperamos que eh aconteça novamente, depois que fizermos essa coisa outra vez. 0 que é introspectivamente observado é o estado corporal resultante da ocorrência passada."

Desta forma, pela história passada do cliente, o conseqüente não deverá ser um evento aversivo e não há necessidade de emitir nenhum comportamento de fuga-esquiva. 0 ambiente social pode, no entanto, sinalizar que haverá conseqüência aversiva (os agentes controladores classificaram o comportamento da pessoa como "inadequado") e, então, o indivíduo poderá se esquivar ou não dessa conseqüência. 0 fato de a comunidade conseqüenciar aversivamente um comportamento que o indivíduo não concorda que seja "inadequado" faz com que ele avalie a reação do agente da comunidade como "injusta". Nesta condição, ele pode se sentir com "raiva", "injustiçado", "com medo" (se o evento aversivo for muito intenso); nunca "culpado".

0 desacordo sobre a classificação dos comportamentos pode ser ilustrado com o exemplo de um cliente que relatou a seguinte situação que viveu com a esposa:166

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- Estávamos conversando numa boa sobre nosso fim de semana. Falávamos dos nossos amigos. Ela, super animada com o papo. De repente, deu uma reviravolta... falou o diabo... se fechou e até hoje está sem conversar comigo. Acho que sou "limitado", pois não faço nem idéia do que aconteceu... E ela não fala, como vou saber?

- Não omita detalhes da conversa. Tente lembrar-se do que você falou para ela. Alguma coisa você deve ter dito para provocar essa mudança nela, falei.

- Me lembro que disse a ela que o João comentou que tinha achado nosso menino tristinho na festa de aniversário do filho dele. Até aí, nenhuma novidade, porque nós mesmos já tínhamos notado alguma coisa... Precisamos falar sobre isso, falei para ela.

- Lembra-se que ela tem dito que você não se interessa pelas coisas dela, que larga a educação das crianças nas mãos dela, que você concorda com tudo que ela faz, acha tudo maravilhoso e que isso faz mal, porque ela se sente sozinha em tudo? Que ela até preferia que você a criticasse, pois assim sentiria você participando, dividindo responsabilidades? comentei.

- De fato, ela sempre repete isso, mas como vou reclamar se tudo corre bem? Ela é até perfeccionista demais em tudo que faz. Ela acha que eu me omito, mas é da cabeça dela.

- Pense na seguinte possibilidade: ao falar sobre a dificuldade do seu menino, sem querer você estava dizendo a ela que algo vai mal com ele (ela é perfeccionista, preocupada em exagero com tudo...) e como ela assume que cuida dele sozinha, deve se sentir culpada por qualquer coisa que não vai bem... Acredito que a conversa teve o efeito de confirmar para ela uma coisa que ela já vinha sentindo: não sou uma boa mãe, vivo para cuidar das crianças e nem assim as coisas vão bem, estou sendo incompetente etc. A cobrança que ela faz de sua participação tem a função de dividir as responsabilidades (é um comportamento de fuga-esquiva da esposa, pois a participação do marido na educação dos filhos diminuiria a probabilidade de as "coisas" não darem certo na vida familiar). Converse com ela a respeito disso tudo. Vamos ver se nossa análise pode ajudar na situação.

No exemplo acima, o cliente não categorizou, durante a conversa, nenhum comportamento seu como "inadequado", até pelo contrário, "estávamos conversando numa boa". Como tal, não relatou sentimento de culpa; seus sentimentos foram outros, tais como frustração, ansiedade, desamparo etc. A esposa, por outro lado, admite (para si mesma, uma vez que não há cobrança de outras pessoas sobre os

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comportamentos dela) que tem tido comportamentos "inadequados" na criação dos filhos e o comentário do marido funcionou como uma confirmação da interpretação que ela dá para a atuação deles na dinâmica familiar. Assim, ela avalia que o desempenho dela como mãe é "inadequado", produz sofrimentos para o filho que ela ama e,'sozinha, não sabe exatamente o que fazer. Assim, o comportamento dela de criticar o marido tem a função de gerar comportamentos de fuga-esquiva dele (o reforçamento negativo para ele ocorreria com a interrupção da indiferença dela e a retomada do relacionamento), que, para serem funcionalmente eficazes (capazes de produzir a retomada do relacionamento harmonioso entre marido-mulher), deveriam ocorrer na forma de se interessar pelo que ela faz, pela maneira como cuida das crianças e pela participação ativa na rotina dos filhos. É interessante notar que, ao criticar o marido, a esposa poderia produzir o efeito oposto: punir comportamentos dele, o que resultaria numa redução (indesejável para ela) ainda maior no repertório comportamental de interagir com ela e com os filhos. Se o efeito comportamental sobre o marido fosse esse, provavelmente, os comportamentos dela de criticá-lo, ignorá-lo etc., não seriam mantidos. 0 comportamento da esposa de "agredi-lo" se mantém por reforçamento negativo: o marido passa a emitir comportamentos (de fuga-esquiva) que reduzem para ela os componentes aversivos derivados do exercício solitário da função de mãe preocupada com o bem-estar dos filhos. Sempre que ele colabora com a esposa, observa os comportamentos dos filhos, planeja com ela como lidar com eles, efetivamente a ajuda na rotina familiar etc., a relação entre eles melhora. 0 caso descrito ilustra um exemplo bastante peculiar de sentimento de culpa da esposa. 0 comentário do marido, ao repetir a observação do amigo, confirma a crença dela de que tem emitido comportamentos "inadequados" no papel de mãe e, como tal, tem causado mal ao desenvolvimento do filho. 0 estado do filho (observado na festa, por exemplo) é aversivo a ela. 0 reforçamento negativo para ela ocorrerá a partir do momento em que os comportamentos e os sentimentos do filho se alterarem na direção desejada: ele se mostrar mais interativo socialmente, brincar com os colegas, sorrir etc. Ela se sente incompetente para evocar tais comportamentos do filho, por isso cria contingências coercitivas fortes sobre o marido, que passa a emitir, sob controle de tais contingências, comportamentos cooperativos com ela em favor do filho: basicamente, modelar no filho comportamentos que resultem em reforçadores positivos. 0 sentimento dela em relação ao marido é de "raiva", provavelmente, e ela cria um contexto aversivo para ele. Ele, então, apresenta uma ampla variabilidade comportamental de comportamentos de fuga-esquiva, até que alguns comportamentos são selecionados pela esposa, através da redução da condição aversiva

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para o marido (muda a interação com ele).

(A análise apresentada anteriormente se confirmou adequada com o desenrolar das sessões de terapia, uma vez que as mudanças comportamentais da esposa e do marido ocorreram como função das contingências comportamentais sugeridas).

Direção do processo terapêutico quando a pessoa reconhece que emitiu comportamento "inadequado"

0 terapeuta deve levar o cliente a reconhecer que emitir comportamentos "inadequados" é fruto de contingências e não de "culpa" ou "responsabilidade" pessoal. Se há algo responsável pelos

A

comportamentos emitidos são as contingências. E sobre elas que devem ser dirigidos os esforços de mudança, não sobre a pessoa. Pode-se dizer que um repertório "inadequado" é, então, (a) fruto das contingências comportamentais em vigor que produzem tais comportamentos, (b) ausência de repertório de contracontrole para alterar tais contingências comportamentais, (c) repertório de fuga- esquiva limitado, que não inclui alternativas comportamentais "adequadas" para lidar com as contingências em operação etc. Como tal, a pessoa não deve se considerar nem ser considerada culpada pelo comportamento exibido. Trata-se de ampliar o repertório comportamental para o manejo das contingências em operação, o qúiTinclui contracontrolar a agência controladora ou, se isso não for possível, apresentar repertório de fuga-esquiva mais apropriado (por exemplo, pode ser preferível admitir uma falha e lidar com as conseqüências dela do que mentir e sofrer as conseqüências da mentira), até adquirir padrões comportamentais mais elaborados, que permitam ao indivíduo alterar o sistema de contingências, em vez de simplesmente tentar se defender do sistema.

Reconhecer que se comportou de forma "inadequada" não deve ser o ponto de chegada após o qual deve-se esperar a punição, mas o ponto de partida para desenvolver repertório comportamental mais rico, mais amplo, capaz de alterar as contingências coercitivas, ou de lidar mais construtivamente com elas.

3. Possuir u m a história comportamental de interação c o m o agente controlador que

INCLUI O MANEJO DE CONTINGÊNCIAS REFORÇADORAS POSITIVAS POR PARTE DO AGENTE QUE, EM

UM NÍVEL SIGNIFICATIVO, LHE É REFORÇADOR POSITIVO E SE MANTÉM, PRESENTEMENTE, COMO TAL

Sendo assim, ao emitir um comportamento "inadequado", at . 'pessoa prevê (em função de uma generalização, a partir de sua

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história dereforçamento e punição), ou efetivamente experiencia de imediato, a perda de reforçadores positivos provindos do agente controlador (punição negativa). Em suma, o agente controlador é fonte atual de reforçadores positivos que podem ser sustados. Assim sendo, há duas possibilidades: ..

a. a pessoa emite um comportamento de fuga-esquiva: desculpa-se, desiste de continuar engajado no comportamento considerado "inadequado" (assim, desiste de ir à festa...) e o agente controlador restabelece a relação interpessoal (interrompe a punição negativa e reinstala o reforçamento positivo); ou

b. a pessoa não emite nenhum comportamento de fuga-esquiva e, então, sofre uma conseqüência aversiva considerada justa pelo indivíduo (se for exagerada, aparecerão sentimentos de raiva, de medo etc.; se for insuficiente, o sentimento de culpa não desaparece). Sendo assim, o aparecimento do evento aversivo encerra a contingência: se a pessoa emite o comportamento "inadequado", então se segue uma conseqüência aversiva merecida (punição) e o sentimento produzido por tal contingência desaparece. A discriminação de que o episódio se encerrou depende de mais um fator: a mudança no comportamento do agente controlador, que, após punir, deve dar sinais (SDs) que os comportamentos sucessivos da pessoa terão maior probabilidade de ser conseqüenciados por eventos tipicamente reforçadores positivos (sorrisos, conversas informais etc.).

Observa-se que tanto em a quanto em b o indivíduo passou de uma contingência (ou de uma rede de contingências) para outra, portanto, novos sentimentos surgirão, produzidos pelas novas

s

contingências. As vezes, a pessoa pode relatar, por exemplo, "d im inuiu minha culpa, mas fiquei deprimido", ou seja, as contingências das quais os sentimentos dela são função mudaram. Assim, ao mudar seu comportamento, esquivou-se da punição (alternativa a) ou foi punido e encerrou a contingência (alternativa b) e, em ambos os casos, voltou a ter acesso a reforçadores positivos providos pelo agente controlador. Nota-se, no entanto, que simultaneamente perdeu reforçadores positivos poderosos (festa, programa com amigos, atividade sexual etc.), ou seja, entrou em operação uma nova contingência que produz sentimentos de "depressão", por exemplo.

Veja como os sentimentos de culpa são revelados por um cliente na sua relação com pessoas, as quais ele descreveu como "queridas" e, em relação às quais, reconhece que não tem sido "tão

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legal assim". Ele tem quase 50 anos, é casado e mantém um relacionamento extraconjugal com uma mulher de 24 anos, solteira. Não é sua intenção, no entanto, desfazer seu casamento.

- Sinto-me culpado em relação a minha "namorada". Sei que estou atrapalhando sua vida... ela está perdendo tempo comigo. 0 fato de isso ser claro para ela não muda minha culpa. Afinal, se ela gosta de mim, mesmo que eu diga quais são minhas intenções, ela não vai desistir. Talvez, até por isso eu seja tão sincero. É uma sacanagem, em última análise. Por outro lado, não estou disposto a desistir dela. Procuro fazer o que me é possível por ela. Ajudo-a no que posso; estou presente sempre que consigo escapar lá de casa... Faço, acho que faço, tudo que ela me pede. Faço com prazer... desde que não seja contar o caso para minha mulher.

São claros os componentes das contingências que geram culpa: o cliente classifica seu comportamento como inadequado, gera sofrimento na namorada e seu comportamento de fuga-esquiva é procurar agradá-la ao máximo (o limite é determinado pela manutenção da estabilidade do casamento, logo o máximo não é tudo, o que gera mais culpa...). 0 relato a seguir explicita melhor o valor reforçador da parceira.

- No feriado, eu estava numa chácara em que meu celular não funciona. Vi, à noite, que havia duas chamadas dela. Dei uma desculpa em casa e saí bem cedo na manhã seguinte para ligar para ela. Estava chateada comigo e não acreditou na "história de celular fora de área".

- Você desligou e foi curtir seu dia com a família, me disse.

- Liguei para ela mais umas três vezes no mesmo dia até que ficou tudo bem (comportamento de fuga-esquiva do cliente foi reforçado negativamente pelo reatamento da relação "até que ficou tudo bem."). Devo encontrar-me com ela durante a semana.

- Você se sente culpado em relação a sua esposa? perguntei.

- Por incrível que pareça, não...

- Afinal, ela não sabe de nada, não é? acrescentei.

- Pode ser isso. Ela é tão desligada de mim que, às vezes, até penso que, desde que ela não saiba de nada, não há o menor problema.

. - E se ela descobrir?

- 0 pio)))r para mim seria o sofrimento dela... uma briga, até mesmo uma separação eu acho que encararia. Ou melhor, nem teria

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muito como me defender (uma vez que a pessoa admite que emite comportamento "inadequado", aceita a sanção). 0 pior para mim seria o sofrimento dela. Dos filhos, não quero nem pensar.

Pode-se notar que o cliente não relata culpa em relação à esposa porque, até onde ele consegue perceber, ela não está sofrendo, ou seja, o agente controlador' (a esposa) não tem acesso ao comportamento "inadequado" do marido e, como tal, não aplica nenhuma contingência aversiva sobre ele. Ele não nega que seu comportamento em relação à esposa é "inadequado", mas falta um importante componente - que é o conhecimento da esposa e a conseqüente reação dela, "sofrimento", segundo palavra dele - para compor a rede de contingências sob a qual o sentimento de culpa aparece.

Direção do processo terapêutico quando o agente controlador tem função reforçadora positiva

0 terapeuta deve levar o cliente a discriminar entre controle reforçador positivo e negativo. 0 fato de o agente controlador ser reforçador positivo e manejar contingências de reforçamento positivo não exclui que ele também tem função reforçadora negativa e maneja contingências de natureza coercitiva (punição, reforçamento negativo, extinção, por exemplo). 0 terapeuta deve atuar auxiliando o cliente a estabelecer tal distinção. Outro aspecto a ser discutido é que a relação de submissão às contingências do agente controlador não deve ser a única maneira de lidar com elas. 0 cliente pode exercer contracontrole na forma de desobediência, de argumentação a respeito da natureza do controle, da "inadequacidade" do tipo de controle exercido etc. Em outras palavras, o cliente deve criar contingências que afetem os comportamentos do agente controlador, de maneira a levá-lo a discriminar outras possibilidades de interação entre eles e até levá-lo a ampliar seu repertório de comportamentos sociais, por exemplo, tornando-o mais cooperativo, mais democrático, mais flexível (por exemplo, diante da mesma ação, ao identificar que ela ocorre em diferentes contextos, aplicar conseqüências diferenciadas). Assim, a pessoa deve procurar deixar claro para o agente controlador o que lhe é reforçador, o que lhe é aversivo etc. Se o agente controlador for insensível às contingências produzidas pelo cliente, uma possível (e provável) conclusão é que o agente, por não ser sensível ao que é reforçador para o cliente, apresenta uma evidência comportamental de que o cliente não é reforçador positivo para ele (é claro que não se procura o outro extremo, qual seja, que o agente controlador seja

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submisso a todos os desejos do cliente). Seria fundamental desenvolver entre as partes um diálogo, mas não no sentido coloquial que a palavra tem. Do ponto de vista comportamental, o que se chama de diálogo é o confronto entre contingências, basicamente verbais, produzidas por dois ou mais indivíduos, em que os comportamentos de ambos são, em algum grau, modificados pelas contingências manejadas pelo outro, resultando em aumento de conseqüências reforçadoras positivas e diminuição de conseqüências reforçadoras negativas para ambos.

Num trabalho terapêutico bem sucedido, mesmo que a pessoa não consiga mudar as contingências do opressor sobre ele, passa a discriminá-las. Como tal, as mesmas condições se tornam outras contingências; conseqüentemente, os sentimentos se alteram: não haverá mais sentimento de "culpa", mas de "raiva", "desdém", "indiferença" etc. Os comentários a seguir, de um cliente sobre seu pai, mostram o ponto assinalado:

- Achava meu pai o máximo. Mesmo quando ele protegia meu irmão. Eu me sentia mal, mas achava que eu merecia esse descaso dele. Sempre fui muito tímido, calado... ele não me conhecia.

- Com a terapia, comecei a enxergar a realidade de maneira diferente. Vejo que meu pai agrada os filhos do sócio e, nesse ponto chega a prejudicar os próprios filhos. Por que ele não enfrenta os outros? Ele é fraco... não o via assim.

- Tentei mostrar para ele o meu ponto de vista. Ele não me escuta. Ou diz que concorda, mas na hora de agir faz do jeito dele. Ele vê que está nos prejudicando, mas não liga... não consegue agir diferente.

- Perdi o medo dele. Perdi também o respeito que eu tinha. Estou tocando minha vida sem me preocupar com o que ele pensa. Parei de almoçar com meus pais nos fins de semana, só vou na casa deles quando há necessidade. Trato-os bem, mas sem grandes gestos. Estou na minha e me sinto bem assim.

- Você sente-se culpado?

- Nada... nem um pouco.

- E em relação a sua mãe?

- Ela o apóia em tudo. Gosto dela, mas não preciso ficar porperto.

A pessoa envolvida pelas contingências que geram sentimentos de culpa pode, de início, não discriminar o caráter arbitrário das classificações de comportamentos que a comunidade utiliza e das

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conseqüências impostas ao comportamento dela, embora discrimine a natureza coercitiva das contingências. Por isso, o indivíduo emite comportamentos de contracontrole que o habilitam a se defender do sistema de contingências (usualmente respostas de fuga-esquiva, reforçadas negativamente, tais como se desculpar, interromper o comportamento "inadequado" etc.), mas não emite comportamentos de contracontrole capazes de modificar o sistema de contingências. Assim, ele não questiona a classificação comportamental: o que leva alguém a considerar meu comportamento como "inadequado"? De onde vêm os critérios classificatórios? E também não questiona a agência controladora: que direitos tem alguém de me controlar desta maneira? Por que me submeto a esse controle? Para responder a tais questões, é necessário identificar como as contingências de reforçamento passadas instalaram tais padrões comportamentais, tanto nos agentes de controle como no próprio indivíduo. 0 passo seguinte é identificar e lidar (para alterar) com as contingências atuais, presentes, que mantêm o sistema de relacionamento interpessoal funcionalmente intacto, apesar de deletério para a pessoa controlada. Eis aí a função da ação terapêutica: habilitar o indivíduo a modificar o sistema de contingências.

0 objetivo a ser alcançado é que as contingências em funcionamento na interação tornem-se tão amenas que o indivíduo não precise se engajar em comportamentos de contracontrole e sinta- se livre. Essa é, no fundo, a meta do tratamento: não interessa inverter quem controla as contingências coercitivas, mas importa eliminar este tipo de controle nas relações interpessoais.

Até aqui, considerou-se a situação em que o agente controlador é um outro. Há o caso especial em que o agente controlador é o próprio indivíduo que se comporta. Neste caso, a análise é basicamente a mesma. Assim, a pessoa: 1. observa seu próprio comportamento (o pré-requisito necessário é que ele tenha sido previamente exposto a contingências de reforçamento que produziram comportamentos de auto-observação); 2. classifica seu comportamento como "inadequado" (deve ter sido exposto a contingências que produziram nele conceito de "comportamento inadequado", segundo os critérios classificatórios da comunidade verbal, contingências que produziram discriminação entre classes de comportamentos "desejáveis" e classes de comportamentos "indesejáveis" e generalização dentro de cada uma das respectivas classes); 3. experiencia ou discrimina, concomitantemente à emissão do comportamento "inadequado", os efeitos corporais produzidos por contingências coercitivas, tais como

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punição negativa, punição positiva ou extinção. 0 processo comportamental aqui vivenciado deve ser basicamente regulado pelo condicionamento respondente: as classes de comportamentos "inadequados" foram associadas, na história de vida do indivíduo, com conseqüências aversivas, de tal maneira que, ao emitir um comportamento "inadequado", este revela a função de estímulo condicionado (CS) que foi associado com estímulo aversivo (US) e elicia estados corporais - respostas respondentes condicionadas (CR)- tipicamente eliciados por estímulos aversivos - respostas respondentes incondicionadas (UR); 4. altera seus comportamentos: os da classe de "inadequados" são enfraquecidos e os de fuga-esquiva são fortalecidos, provavelmente, por um processo de generalização ou de relações de equivalência. Ou seja, respostas que no passado foram punidas, quando ocorrem sob controle de estímulos semelhantes ou equivalentes, tendem a se enfraquecer (efeito comportamental da punição), bem como as respostas (de fuga-esquiva) que, no passado, foram reforçadas negativamente, quando ocorrem sob controle de estímulos semelhantes ou equivalentes, tendem a se fortalecer (efeito comportamental do reforçamento negativo). 0 processo de generalização não tende a sofrer um enfraquecimento, mesmo que as contingências originais (aquelas produzidas pelos pais, primeiros agentes modeladores de comportamentos) não estejam mais presentes, porque tais contingências originais pertencem a uma classe de contingências amplamente presentes na comunidade social e, como tal, são contingências que continuam sendo aplicadas por outros agentes sociais (professores, patrões, amigos, esposa, filhos, líderes religiosos etc.).

Os itens 1 a 3 sofrem importantes influências da inter-relação que o indivíduo que se comporta tem com pessoas significativas do seu cotidiano. Desta maneira, por exemplo, uma esposa controladora e ciumenta pode convencer o marido que ele praticar esporte com os amigos é um comportamento "inadequado", mesmo que ele próprio, originalmente, tenha considerado sua atividade esportiva um comportamento "adequado". Uma possível explicação para esse controle exercido pela esposa poderia ser a seguinte: as contingências reforçadoras positivas produzidas pelos amigos e pela atividade esportiva são mais fracas que as contingências aversivas geradas pela esposa, e ele não possui repertório para se esquivar adequadamente

,do controle aversivo produzido por ela. Numa linguagem menos técnica, o indivíduo é inassertivo: falta-lhe repertório para produzir reforçadores positivos para si e para se esquivar de conseqüências aversivas produzidas pelo outro. Inversamente, uma mãe carinhosa

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pode convencer seu filho que ele está equivocado ao avaliar seu comportamento como "inadequado" só porque o pai o criticou e, ao mesmo tempo, que não deve levar tanto em conta a "cara feia" do pai, pois este exagera no uso de conseqüências aversivas. Uma possível explicação para o controle exercido pela mãe poderia ser a seguinte: as contingências reforçadoras positivas produzidas pela mãe são mais poderosas que as contingências aversivas advindas do pai. Ou o filho discriminou que a mãe controla o comportamento do pai, sendo capaz de alterar a avaliação que o marido faz do comportamento do filho e também mudar as sanções que ele aplica no filho. Tanto o controle da esposa como o controle da mãe, nas situações sugeridas acima, têm o efeito de alterar a rede de contingências que influenciam o comportamento do indivíduo, fazendo com que ele passe a responder agora diferencialmente a um novo emaranhado de contingências, assim como o simples movimento num caleidoscópio produz uma configuração completamente nova ao observador. 0 terapeuta deveria ser uma pessoa com papel significativo na vida da pessoa, mostrando- se capaz de: 1. reorganizar a discriminação que o cliente faz das contingências em operação (levá-lo, por exemplo, a detectar que emite comportamentos de fuga-esquiva mantidos por reforçamento negativo e não comportamentos de aproximação mantidos por reforçamento positivo); 2. programar contingências eficazes com suficiente habilidade para levar o cliente a emitir comportamentos que produzem conseqüências reforçadoras positivas e o levam a dim inuir comportamentos de fuga-esquiva. 0 ponto crítico a ser explicitado é que o terapeuta deve levar o cliente a analisar por ele mesmo as contingências em operação (independentemente do que sugiram pessoas significativas do seu meio, como no exemplo da esposa acima); a emitir comportamentos que resultem em mudanças nas contingências em curso (comportamentos de contracontrole) por iniciativa própria (sem precisar que outra pessoa faça isso por ele, como no exemplo da mãe referida acima); a avaliar as conseqüências dos seus comportamentos, a fim de manter aqueles que resultam em conseqüências reforçadoras positivas ou aqueles que sejam eficazes para evitar conseqüências aversivas (quando for inevitável a permanência de contingências coercitivas).

4 . P o ssu ir h istó ria de v id a de contato com co n tin g ên c ias co ercitivas n a q u a l :

a. A punição foi uma técnica de controle comum: muitos comportamentos emitidos pelo indivíduo foram punidos, por terem sido avaliados como "inadequados", de acordo com critérios de inadequação comportamental arbitrários, ditados pela agência controladora: "meus pais acham que fazer... é errado" (ou seja, o critério é deles...).

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b. Houve ausência de agentes relevantes na comunidade do indivíduo que tivessem critérios de categorização de adequação- inadequação comportamental diferentes, igualmente explícitos, o que permitiria à pessoa fazer a discriminação entre as duas formas de avaliar e lidar com o comportamento, ou seja, a presença de duas contingências diferentes operando sobre a mesma ação: "Meu pai não suporta que eu faça... mas minha mãe acha isso natural; diz que meu pai é muito implicante."

c. Houve impossibilidade de se esquivar do controle aversivo, através da mudança das contingências que controlam os comportamentos de avaliação e de aplicação de conseqüências emitidas pela agência controladora. Ou seja, foi impossível mudar os critérios de avaliação comportamental feita pela agência controladora, bem como seus procedimentos de controle punitivo. As únicas possibilidades de fuga-esquiva disponíveis foram deixar de emitir o comportamento "inadequado", ou se desculpar por tê-lo emitido e prometer não agir mais assim: "Meus pais não queriam nem ouvir minhas explicações. Pelo contrário, ainda me diziam: "Você ainda quer ter razão?"

"As culturas em geral controlam seus membros através de estímulos aversivos, quer como reforçadores negativos que fortalecem o comportamento desejado quer como punições que suprimem o comportamento indesejado. Assim, as culturas asseguram que seus membros são responsáveis pelo que fazem e os membros 'se sentem' responsáveis". (Skinner, 1991, pág. 48).

Uma história de contingências aversivas é essencial para que uma pessoa tenha "sentimentos de culpa". É essa história que leva a pessoa a observar os comportamentos que têm maior probabilidade de produzir ou evitar conseqüências aversivas; leva-a também a estabelecer uma relação funcional entre a resposta emitida e a conseqüente apresentação ou remoção do evento aversivo. Quando as contingências aversivas são intensas, aumenta a probabilidade de, através dos processos de generalização e equivalência de estímulos, a pessoa estabelecer relações supersticiosas entre comportamento e conseqüência aversiva. Assim, a "cara fechada" do pai, que chega exausto do trabalho, ou que está preocupado com suas finanças, pode ser interpretada como conseqüência para algum comportamento selecionado supersticiosamente pela pessoa, sem* nenhuma relação contingente, podendo- tal comportamento ser completamente desconhecido do pai. 0 mesmo processo supersticioso pode ocorrer quando o pai descontrai seu cenho, contiguamente com a emissão de um comportamento de fuga-esquiva do filho, e este atribui

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uma relação de causalidade a uma seqüência comportamental entre ambos meramente temporal.

Direção do processo terapêutico quando a pessoa tem uma história de contingências aversivas intensas

« *

0 terapeuta deve levar o cliente a identificar, na sua história passada, exemplos de interações em que ocorreram reforçamentos negativos e punições contingentes. Levá-lo, então, a discriminar quais relações entre comportamento e conseqüências aversivas são contingentes e quais relações entre comportamento e conseqüências aversivas são supersticiosas. As "crenças irracionais" (Ellis, 1962) são um exemplo de como as relações supersticiosas funcionam. Um processo extremamente forte, nas pessoas com história de contato com contingências aversivas intensas e freqüentes, é o da generalização de estímulos: se o agente controlador aversivo era o pai, então qualquer pessoa do sexo masculino, ou adulta, ou com função de mando (características físicas ou funcionais do pai) torna-se, potencialmente, fonte de controle aversivo, mesmo que nunca venha a exercer, de fato, tal função. Uma vez que o comportamento de fuga-esquiva é muito forte, a pessoa tende a emiti-lo diante do outro (interpretado - por generalização - a priori como fonte de conseqüências aversivas), sem experimentar realmente o evento aversivo; sem nem mesmo testar se ele ocorreria na ausência da resposta de fuga-esquiva. Ou seja, não há teste da realidade e o comportamento de fuga-esquiva se mantém supersticiosamente. São as pessoas, tipicamente, descritas como "boazinhas", "que topam tudo", "que estão sempre de bem com a vida". Se elas revelassem, honestamente, seus sentimentos e o porquê se comportam de maneiras tão dóceis nas relações interpessoais, acabaria ficando claro o controle aversivo em funcionamento. Ao terapeuta cabe demonstrar o papel da generalização e criar condições para o cliente testar a realidade. Assim, em situações de baixo risco (por exemplo, inicialmente nas interações com o próprio terapeuta, depois com pessoas que ambos concordem que têm baixa probabilidade de punir e assim progressivamente), o cliente deve emitir comportamentos quaisquer, exceto os de fuga-esquiva, e observar as conseqüências (espera-se, se o planejamento foi adequado) não aversivas. Outro enfoque é reavaliar a origem da função aversiva dos eventos. Por vezes, uma conseqüência é objetivamente aversiva, mas no ambiente clínico a maior parte das conseqüências temidas pelos clientes adquiriu a função aversiva através da história de contingências do indivíduo. Por exemplo, uma crítica é um evento aversivo se sinaliza ou está associada à perda de reforçadores

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positivos ou à apresentação de eventos aversivos (e estas possibilidades podem ter sido reais na infância e adolescência da pessoa). Na vida adulta, porém, na maior parte das vezes, a crítica é um comentário verbal que adquire várias possíveis funções: pode ser um tacto verbal, um estímulo discriminativo para uma ação específica ou para solucionar um problema etc., sem ter nenhuma função de estímulo pré-aversivo. Cabe ao terapeuta levar o cliente a alterar as funções aversivas de determinados eventos, quando tais funções foram estabelecidas de forma arbitrária na história pessoal do cliente, e a alterar as generalizações exageradas ou impróprias, substituindo-as por discriminações (como exemplificado com a "crítica") refinadas e próprias nas interações sociais.

5 . A ceitar a san ção a p l ic a d a pelo agente co n tro lad o r

Neste caso, "ace itar" sign ifica não emitir nenhum comportamento de contracontrole que impeça a ação (punitiva) do agente controlador. Convém apontar que a pessoa que sofre a sanção, na verdade se coloca numa situação de impotência diante do outro, pois as formas possíveis de fuga são determinadas unilateralmente pela agência controladora. Não é que a situação não possibilite o contracontrole dos comportamentos da agência coercitiva, mas, em função da história de contingências vivenciadas pela pessoa, o contracontrole é avaliado por ela própria como um comportamento "inadequado", "in ju sto ", "in g ra to " e, como tal, qualquer comportamento de contracontrole vai reiniciar o ciclo das interações de contingências (basicamente os itens 1, 2 e 3) descritas no texto e o sentimento de culpa aumentará.

Direção do processo terapêutico quando a pessoa concorda com a sanção

0 comportamento avaliado como "inadequado" é aversivo para o agente controlador. Como tal, ele cria contingências para eliminar o evento que lhe é aversivo: 1. pune o comportamento que, sob esta condição, diminui a probabilidade de voltar a ser emitido no futuro (por exemplo, "depois do que aprontaram comigo lá em casa, prefiro nunca mais fazer..."); 2. pune os primeiros elos do encadeamento, que terá como elo terminal a resposta "indesejável", de tal maneira que a cadeia de respostas se interrompe e o elo terminal não ocorre (por exemplo, "basta eu dizer que pretendo viajar sozinha com meus amigos, que minha casa desaba... fico desanimada e acabo desistindo do programa."); 3. exige que a pessoa emita comportamentos pré-requisitos

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muito complexos para serem alcançados no presente, como condição para poder emitir o comportamento "indesejável", o que na prática inviabiliza a ação (por exemplo, "quando você tiver condições de se sustentar, pode fazer o que quiser...") 4. cria uma condição suficientemente aversiva, de tal maneira que a pessoa emite comportamentos de fuga-esquiva aceitos pelo agente controlador, que são incompatíveis com o comportamento que a pessoa deseja emitir, simulando uma "opção espontânea" (por exemplo, "quando digo que vou dormir fora, minha casa vira um inferno; assim "prefiro" ficar em casa estudando... pelo menos me distraio"); etc. Como se pode notar, a frase "a pessoa concorda com a sanção..." deve ser entendida à luz das contingências em operação: ao acatar a sanção do agente controlador, a pessoa se livra do controle coercitivo em operação e sente-se aliviada. 0 restabelecimento da relação entre o agente controlador e o indivíduo, diante do exposto, não deve acontecer necessariamente de acordo com as condições estabelecidas pelo poder. 0 sentimento de culpa deixará de aparecer quando as relações de poder forem alteradas. Até então, sofrerá um processo cíclico, pois as contingências coercitivas provindas de um lado da relação interpessoal estarão no comando, restando ao lado mais fraco apenas a fuga-esquiva. Este é o ponto fundamental a ser debatido na terapia: o controle coercitivo é justo (visa benefícios para o indivíduo) ou é fruto de decisões arbitrárias do agente controlador (visa benefícios exclusivos para este)? Não existem outras formas mais adequadas para o indivíduo de contracontrolar as contingências em operação? Assim, por exemplo, colocar os comentários dos familiares em extinção e emitir, sim, o comportamento por eles considerado "inadequado" pode ser uma alternativa. Os comentários críticos se enfraquecerão; os familiares ficarão sob controle da emissão do comportamento "proibido" que, espera-se, ao produzir conseqüências diferentes (menos aversivas ou até reforçadoras) daquelas esperadas, poderá modificar o comportamento deles; as respostas emocionais do indivíduo, que são eliciadas quando ele emite um comportamento associado à punição, sofrerão um processo de extinção respondente (se o comportamento "inadequado" for emitido e as conseqüências aversivas a ele previamente associadas não ocorrerem, as respostas respondentes irão se enfraquecendo até desaparecerem) etc. Cabe ao terapeuta e ao cliente produzirem a maior variabilidade comportamental possível a ser testada, sempre com o objetivo de estabelecer uma forma de contra-controle transformadora da relação de poder vigente.

Em que sentimento de culpa é diferente de medo e ansiedade, por exemplo? Em primeiro lugar, não há consenso sobre o uso das

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palavras que se referem a sentimentos, uma vez que são nomes arbitrários que a comunidade verbal utiliza. A única possibilidade confiável para distinguir sentimentos é descrever, de forma abrangente, as contingências de reforçamento em operação que os produzem. Assim, o medo poderia ser descrito como o estado corporal produzido por punição positiva; ansiedade, como aquele estado produzido por um sinal pré-aversivo, diante do qual não há comportamento de fuga-esquiva possível até o aparecimento do evento aversivo propriamente dito e assim por diante. Se é necessário conhecer exatamente as contingências de reforçamento em operação para se poder nomear os sentimentos, então que vantagem há em nomeá-los? Não há vantagens. Inclusive seu uso coloquial pode atrapalhar a pesquisa das contingências. Se for garantido que o terapeuta ou estudioso do comportamento busca as contingências, então estas bastam.

Uma conseqüência prática importante por conceituar os sentimentos como produtos de contingências de reforçamento é que o terapeuta deixa de enfatizar os relatos verbais sobre sentimentos e muda sua investigação para os aspectos ambientais e de interação do indivíduo com seu ambiente, a fim de compor a rede de inter-relações entre as contingências de reforçamento responsáveis pelos comportamentos e sentimentos. Os relatos verbais são úteis, enquanto fornecerem pistas para detectar as contingências de reforçamento, já que são eles próprios determinados por contingências de reforçamento sociais. Não são, porém, úteis para melhorar a compreensão dos sentimentos (por exemplo, a frase "eu estou triste" é comportamento a ser explicado e não explicação, nem de comportamento, nem de sentimento). Não se consegue trabalhar diretamente com os sentimentos, mas é possível fazê-lo manejando aquilo de que os sentimentos são função: as contingências de reforçamento. Tanto o terapeuta como o próprio cliente, ao se tornarem capazes de identificar e descrever as contingências de reforçamento em funcionamento, podem elaborar estratégias para lidar com elas. A possibilidade de manejar contingências torna factível manejar sentimentos. Aliás, talvez seja esse o único acesso a eles.

0 uso das palavras medo, culpa, vergonha, angústia etc. pode, porém, ser mantido, desde que o estudioso do comportamento seja capaz de prontamente substituí-las pelas contingências de reforçamento que lhes dão origem. Deve-se reconhecer que é difícil enfraquecer um comportamento tão forte na comunidade verbal, qual seja o uso de palavras que se referem a sentimentos. Eliminar o vocabulário dos sentimentos praticamente inviabilizaria o diálogo na comunidade verbal atual e produziria reações indesejáveis de antagonismo. Além disso, os sentimentos (ou falar sobre eles) têm uma função reforçadora muito

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importante na cultura. É necessário muito cuidado para alterar sua privilegiada posição no contexto do entendimento do ser humano. Não se pretende diminuir sua relevância, mas melhorar sua compreensão.Quando Aristóteles enunciou que "o homem é um ser racional", ele

tradicalizou; melhor seria ter dito que é racional, mas também afetivo. Já os analistas do comportamento melhor o definiriam como um ser que interage com as contingências de reforçamento... daí deriva tudo.

A citação a seguir sintetiza a essência do presente texto:

Quem sabe chegar-se-á num futuro não muito remoto no Novo Walden, onde as pessoas poderão coloquialmente falar que se sentem reforçadas positivamente (e não dirão "satisfeitas", "alegres"), que sabem exatamente como obter os reforçadores positivos (não dirão “seguras"), que se sentem reforçadas negativamente (não "aliviadas"), que se sentem punidas (não "amedrontadas"). Estarão plenamente conscientes das contingências que as controlam, poderão informar seu ouvinte sobre as contingências em funcionamento e exercer, quem sabe, contracontrole para minimizar as contingências coercitivas. Palavras como "alegria", "felicidade", "bem-estar" etc., continuarão a ser queridas, mas serão substituídas pela descrição das contingências que produzem os sentimentos a que tais palavras se referem. Palavras como "medo", "ansiedade", "angústia", não farão mais parte do vocabulário dos habitantes do Novo Walden e só serão encontradas, como curiosidade lingüística, nos antigos dicionários da época em que as culturas eram mentalistas. No entanto, mais importante que a ausência dessas palavras será a ausência das contingências aversivas que lhes deram origem. (Guilhardi, 2000)

Em resumo, do ponto de vista do Behaviorismo Radical, o sentimento de culpa não existe, se tiver que ser concebido através da mesma forma que o faz a Psicologia tradicional: não existe, nem quanto natureza (entidade mental conceituai), nem quanto função (agente causai, motivacional das ações humanas). Para o Behaviorismo, os sentimentos, bem como os comportamentos, são causados pelas contingências de reforçamento atuais em interação com a história de reforçamento do indivíduo e com sua história genética. 0 Behaviorismo Radical, portanto, não estuda diretamente o sentimento de culpa. 0 objeto de interesse dele é identificar, analisar e alterar as contingências de reforçamento que um agente controlador maneja em relação a outra pessoa e que produzem nesta estados corporais que abrangem componentes respondentes e operantes. A comunidade verbal, bem como o próprio indivíduo, tem se interessado por aspectos de tais estados corporais e os tem

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nomeado com palavras arbitrárias (que são conhecidas com os nomes de sentimentos: ansiedade, angústia, medo, culpa, pena etc.). Não há problema no uso das palavras que designam sentimentos, desde que elas possam ser prontamente substituídas pela descrição das contingências que produzem os estados corporais a que tais palavras se referem. 0 uso continuado e desprovido de crítica científica dos termos que nomeiam sentimentos deu a eles o falso status de entidades reais, capazes de causar ações humanas. Esse grave equívoco precisa ser evitado. Se o Behaviorismo Radical assim vê os sentimentos, por que, então, estudá-los? Os sentimentos, formulados da maneira tradicional, não existem, mas, por outro lado, as contingências e os estados corporais que elas produzem são reais. Tais inter-relações (contingências - estados corporais) respondem por aspectos do funcionamento humano de suma importância. 0 behaviorista radical interessa-se pelos sentimentos, mas analisa e lida com as contingências comportamentais.

Referências B ibliográficas

Ellis, A. (1962). Reason and Emotion in Psychotherapy. New York: Lyle Stuart, Inc.

Epstein, R. (Ed.) (1980). Notebooks, B. F. Skinner. New Jersey: Prentice Hall.

Guilhardi, H. J. (2000). Estratégias para a comunidade verbal ensinar os seus membros a identificarem eventos internos: considerações sobre o artigo de Skinner de 45. Trabalho apresentado no I Encontro Clínico-Conceitual Behaviorista Radical do IAC-Camp (no prelo).

Matos, M. A. (1997). Com o quê o behaviorista radical trabalha? In R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognição, vol. 1, cap. 6. Santo André: ESETec Editores Associados.

Skinner, B. F. (1991). Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus. (Trabalho original publicado em 1989.)

Skinner, B. F. (1990). Can Psychology be a Science of mind? American Psychobgist, 45(11), 1206-1210.

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Em uma missão quase impossível, pela dificuldade, os terapeutas comportamentais de Belo Horizonte procuraram mostrar a filosofia que embasa seu trabafho, as preocupações teóricas, as soluções possíveis e a discutir. Colocaram também as questões que procuram responder a si próprios, a seus clientes e alunos e, principalmente, destacaram a importância da formação contínua.Organizando contribuições, variam os temas tratados para a formação do analista de comportamento e destacam as idéias básicas de Skinner. O papel da aprendizagem é salientado independente do participante e local: comunidade, país, professores, alunos, clientes e terapeutas.As questões instigantes na terapia e sua função de harmonizar as pessoas e as relações entre si foram formuladas de várias maneiras e adequadamente respondidas. Os textos demonstram o conhecimento produzido na Universidade e na prática clínica responsável.

Rachel Rodrigues Kerbauy

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